Antiseri
HISTÓRIA
DA FILOSOFIA
De Nietzsche
6 à Escola de Frankfurt
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Reale, G.
História da filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt / G. Reale, D. Antiseri; [tradução
Ivo Storniolo]. — São Paulo: Paulus, 2006. — (Coleção história da filosofia; 6)
ISBN 85-349-2431-7
05-6197 CDD-109
Título original
S to ria d e lia filo s o fia - Volum e III: D a l R o m a n tic is m o a i g io rn i n o s tri
© Editrice LA SCUOLA, Brescia, Itália, 1997
ISBN 88-350-9273-6
Tradução
Ivo S to rn io lo
Revisão
Z o lfe rin o Tonon
Impressão e acabamento
PAULUS
© PAULUS - 2006
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5084-3066
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ISBN 85-349-2431-7
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* * *
Existem teorias, argumentações e dis
putas filosóficas pelo fato de existirem pro A história da filosofia é a história dos
blemas filosóficos. Assim como na pesquisa problemas filosóficos, das teorias filosó
científica idéias e teorias científicas são ficas e das argumentações filosóficas. É
respostas a problemas científicos, da mes a história das disputas entre, filósofos e
ma forma, analogicamente, na pesquisa dos erros dos filósofos. É sempre a his
filosófica as teorias filosóficas são tentativas tória de novas tentativas de versar sobre
de solução dos problemas filosóficos. questões inevitáveis, na esperança de
Os problemas filosóficos, portanto, conhecer sempre melhor a nós mesmos e
existem, são inevitáveis e irreprimíveis; de encontrar orientações para nossa vida
envolvem cada homem particular que e motivações menos frágeis para nossas
não renuncie a pensar. A maioria desses escolhas.
problemas não deixa em paz: Deus existe, A história da filosofia ocidental é
ou existiríamos apenas nós, perdidos neste a história das idéias que inform aram,
imenso universo? O mundo é um cosmo ou ou seja, que deram forma á história do
um caos? A história humana tem sentido? Ocidente. É um patrimônio para não ser
E se tem, qual é? Ou, então, tudo - a gló dissipado, uma riqueza que não se deve
ria e a miséria, as grandes conquistas e os perder. E exatamente para tal fim os pro
sofrimentos inocentes, vítimas e carnífices blemas, as teorias, as argumentações e
- tudo acabará no absurdo, desprovido as disputas filosóficas são analiticamente
de qualquer sentido? E o homem: é livre explicados, expostos com a maior clareza
e responsável ou é um simples fragmento
possível.
insignificante do universo, determinado * * *
em suas ações por rígidas leis naturais? A
ciência pode nos dar certezas? 0 que é a Uma explicação que pretenda ser clara
verdade? Quais são as relações entre razão e detalhada, a mais compreensível na me
científica e fé religiosa? Quando podemos dida do possível, e que ao mesmo tempo
dizer que um Estado é democrático? E ofereça explicações exaustivas comporta,
quais são os fundamentos da democracia? todavia, um "efeito perverso", pelo fato
E possível obter uma justificação racional de que pode não raramente constituir um
dos valores mais elevados? E quando é que obstáculo ã "memorização" do complexo
somos racionais? pensamento dos filósofos.
Eis, portanto, alguns dos problemas Esta é a razão pela qual os autores
filosóficos de fundo, que dizem respeito pensaram, seguindo o paradigma clás
às escolhas e ao destino de todo homem, sico do Üeberweg, antepor à exposição
e com os quais se aventuraram as mentes analítica dos problemas e das idéias dos
mais elevadas da humanidade, deixando- diferentes filósofos uma síntese de tais
nos como herança um verdadeiro patrimô problem as e idéias, concebida como
nio de idéias, que constitui a identidade e instrumento didático e auxiliar para a me
a grande riqueza do Ocidente. morização.
.A p r e s e n t a ç ã o
* * * * * *
1. Windelband e a distinção entre ciências no- cedimentos para fixar as “crenças” , 80; 3. De
motéticas e ciências idiográficas, 41; 2. Rickert: dução, indução, abdução, 81; 4. Como tornar
a relação com os valores e a autonomia claras nossas idéias: a regra pragmática, 82.
do conhecimento histórico, 42; 3. Simmel:
os valores do historiador e o relativismo II. O empirismo radical
dos fatos, 42; 4. Spengler e o “ o caso do de William Jam es_________ 84
O cidente” , 42; 5. Troeltsch e o caráter 1. O pragmatismo é apenas um método, 85;
absoluto dos valores religiosos, 44; 6. Mei- 2. A verdade de uma idéia se reduz à sua
necke e a busca do eterno no instante, 44. capacidade de “ operar” , 85; 3. Os princípios
T e x t o s - W. Dilthey: 1. “Reviver” para da psicologia e a mente como instrumento
“compreender”, 46; 2. As ciências do espírito da adaptação, 86; 4. A questão moral: como
entendem o sentido de um mundo humano escolher entre ideais contrastantes?, 86;
histórico e objetivado, 47; W. Windelband: 5. A variedade da experiência religiosa e o
3. Ciências nomotéticas e ciências idiográ universo pluralista, 87.
ficas, 48; H. Rickert: 4. Aprendizado gene- III. Desenvolvimentos
ralizante e aprendizado individualizante,
50; G. Simmel: 5. O “terceiro reino” dos
do pragmatismo__________ 88
produtos culturais, 51; F. Meinecke: 6. D is 1. Mead: continuidade entre o homem e o uni
tinção entre civilização e cultura, 53. verso, 88; 2. Schiller: o pragmatismo como
humanismo, 89; 3. Vaininger e a filosofia
do “ como-se” , 89; 4. Calderoni: distinção
Capítulo quarto entre juízos de fato e de valor, 89; 5. Vailati:
M ax Weber: o pragmatismo como método, 90.
o desencantamento do mundo T e x t o s - Ch. S. Peirce: 1. Abdução, dedu
e a metodologia ção, indução, 91; 2. A regra pragmática,
das ciências histórico-sociais___ 55 92; W. James: 3. “ O pragmatismo é apenas
um m étodo” , 93; G. Vailati: 4. Crítica do
1. Vida e obras, 57; 2. A questão da “referên materialismo histórico, 93.
cia aos valores” , 58; 3. Ateoria do “tipo ideal” ,
59; 4. O peso das diferentes causas na reali
zação dos eventos, 60; 5. A polêmica sobre a Capítulo sexto
“ não-avaliabilidade” , 61; 6. A ética protes O instrumentalismo
tante e o espírito do capitalismo, 61; 7. Weber de John D ew ey_____________ 95
e Marx, 62; 8. O desencantamento do mundo, 1. A experiência não se reduz à consciência
63; 9. A fé como “ sacrifício do intelecto” , 64.
nem ao conhecimento, 96; 2. Precariedade e
M a p a c o n c e i t u a l - Metodologia das ciên risco da existência, 97; 3. A teoria da pesquisa,
cias histórico-sociais, 65. 98; 4. Senso comum e pesquisa científica: as
idéias como instrumentos, 99; 5. A teoria dos
T e x t o s - M . Weber: 1. A objetividade
valores, 100; 6. A teoria da democracia, 101.
cognoscitiva das ciências sociais, 66; 2. Ética
da convicção e ética da responsabilidade, M a p a c o n c e itu a i. - Método científico: Ética,
67; 3. Possibilidade objetiva e causação ade política, pedagogia, 103.
quada, 69; 4. A política não combina com a T e x t o s - J. Dewey: 1. A experiência não é
cátedra, 70; 5. Em busca de uma definição consciência, mas história, 104; 2. N ão há
de “capitalismo”, 72; 6. A ética protestante nada mais prático do que uma boa teoria,
e o espírito do capitalismo, 74; 7. O desen 105; 3. A relação entre passado e presente
cantamento do mundo, 75; 8. A ciência se na pesquisa histórica, 106; 4. A ciência e o
fundamenta sobre uma escolha ética, 77. progresso social, 108.
I. A fenomenologia: um método para “ vol como linguagem do ser, 209; 11. A técnica
tar às próprias coisas” , 176; 2. A fenome e o mundo ocidental, 210.
nologia é descrição das essências eidéticas,
176; 3. Direção idealista e direção realista TExros - M. Heidegger: 1. A morte é “uma imi
da fenomenologia, 177; 4. Às origens da nência ameaçadora específica ”, 211; 2. “No
fenomenologia, 177; 4.1. Bolzano e o valor tempo da noite do mundo o poeta canta o
lógico-objetivo das “ proposições” , 177; sagrado” , 213.
4.2. Brentano e a intencionalidade da cons
ciência, 178. Capítulo décimo segundo
II. Edmund Husserl__________ 179 Traços essenciais
1. Vida e obras, 180; 2. A intuição eidética,
e desenvolvimentos
181; 3. Ontologias regionais e ontologia do existencialismo___________ 215
formal, 181; 4. A intencionalidade da cons
ciência, 182; 5. “Epoché” ou redução feno-
I. Perspectivas gerais_________ 215
menológica, 183; 6. A crise das ciências I. A existência é “ poder-ser” , isto é, “ incer
européias e o “ mundo da vida” , 184. teza, risco e decisão” , 215; 2. Pressupostos
remotos e próximos do existencialismo, 216;
III. Max Scheler_____________ 185 3. Os pensadores mais representativos do
1. Contra o form alism o kantiano, 186; existencialismo, 217.
2. Valores “ materiais” e sua hierarquia, 187;
3. A pessoa, 187; 4. A simpatia, o amor e a
II. Karl Jaspers
fé, 188; 5. Sociologia do saber, 188. e o naufrágio da existência_ 218
1. Vida e obras, 218; 2. A ciência como
IV. Desenvolvimentos orientação no mundo, 219; 3. O ser como
da fenomenologia________ 190 “ oniabrangente” , 219; 4. A não-objetivi-
1. Nicolai Hartmann e a análise fenomeno- dade da existência, 220; 5. O naufrágio da
lógica dirigida ao “ ser enquanto tal” , 191; existência e os “ sinais” da transcendência,
1.1. A concepção da ética, 191; 1.2. A proble 220; 6. Existência e comunicação, 221.
mática ontológica, 191; 2. Rudolf Otto e a fe
nomenologia da religião, 191; 3. Edith Stein: III. Hannah Arendt:
o problema da empatia e a tarefa de uma filo uma defesa inflexível
sofia cristã, 192; 3.1. A vida e as obras, 192; da dignidade
3.2. Teoria fenomenológica da empatia, 193; e da liberdade do indivíduo _ 223
3.3. A tarefa de uma filosofia cristã, 194.
1. Hannah Arendt: a vida, 223; 2. As obras:
T e x t o s - E. Husserl: 1. A intencionalidade uma filosofia em defesa da liberdade, 224;
do conhecimento, 195; 2. A epoché fenome 3. Anti-semitismo, imperialismo e totalita
nológica, 196; 3. “As meras ciências de fatos rismo, 224; 4. A ação como atividade polí
criam simplesmente homens de fato ” , 198; tica por excelência, 225.
M. Scheler: 4. Quando uma idéia religiosa
torna possível a ciência, 200. IV. Jean-Paul Sartre:
da liberdade absoluta
e inútil à liberdade histórica_ 226
Capítulo décimo primeiro
Martin Heidegger: 1. Vida e obras, 227; 2. A náusea diante da
gratuidade das coisas, 227; 3. O “ em-si” e
da fenomenologia o “para-si” , o “ ser” e o “nada” , 228; 4. O
ao existencialismo___________ 201 “ ser-para-outros” , 228; 5. O existencialismo
1. Vida e obras, 202; 2. Da fenomenologia é um humanismo, 229; 6. Crítica da razão
ao existencialismo, 203; 3. O Ser-aí e a ana dialética, 231.
lítica existencial, 203; 4. O ser-no-mundo, V. Maurice Merleau-Ponty:
205; 5. O ser-com-os-outros, 205; 6. O ser-
para-a-morte, existência inautêntica e exis entre existencialismo
tência autêntica, 206; 7. A coragem diante e fenomenologia__________ 232
da angústia, 207; 8. O tempo, 207; 9. A 1. A relação entre a “consciência” e o “ cor
metafísica ocidental como “ esquecimento p o ” , e entre o “ homem” e o “ mundo” , 232;
do ser” , 208; 10. A linguagem da poesia 2. A liberdade “ condicionada” , 233.
c e 0 ei*al ,,^^r
Q uinta parte
Capítulo vigésimo
ESPIRITUALISMO, A renovação
do pensamento teológico
NOVAS TEOLOGIAS no século X X _______________ 363
E NEO-ESCOLÁSTICA
I. A renovação
da teologia protestante_____ 363
Capítulo décimo oitavo I. Karl Barth: a “teologia dialética” contra
O espiritualismo a “ teologia liberal” , 364; 2. Paul Tillich e o
como fenômeno europeu_____ 335 “ princípio da correlação” , 365; 3. Rudolf
Bultmann: o método “ histórico-morfológico”
I. O espiritualismo: e a “ demitização” , 366; 4. Dietrich Bonhoeffer
gênese, características e o mundo saído da “tutela de Deus” , 366.
e expoentes_______________ 335 II. A renovação
I. A reação ao “ reducionismo” positivista, da teologia católica_______ 368
335; 2. As idéias básicas do espiritualismo, 336.
1. Karl Rahner e as “ condições a priori” da
II. As diversas manifestações possibilidade da Revelação, 368; 2. Hans
do espiritualismo Urs von Balthasar e a estética teológica, 369.
na Europa_______________ 337 III. A “teologia da morte de Deus”
1. O espiritualismona Inglaterra, 338; 2. O e sua “ superação” ________ 370
espiritualismo na Alemanha, 338; 3. O espiri 1. Pode-se continuar a crer em Cristo, mas
tualismo na Itália, 339; 4 .0 espiritualismo na não em Deus, 370; 2. A superação da tipo
França e o contingentismo de Boutroux, 339.
logia da morte de Deus, 371.
III. Maurice Blondel IV. A teologia da esperança___ 373
e a “ filosofia da ação” _____ 341
1. Moltmann e a contradição entre “ esperan
1. Os precedentes da filosofia da ação, 342; ça” e “ experiência” , 374; 2. Pannenberg: “ a
2. A dialética da vontade, 343; 3. O método prioridade pertence à fé, mas o primado à
da imanência, 343; 4. A filosofia da ação e esperança” , 374; 3. Metz: a teologia da espe
suas relações com o modernismo, 344. rança como teologia política, 375; 4. Schille-
T e x t o s -M . Blondel: 1. 0 homem: um ser finito beeckx: “ Deus é aquele que virá” , 375.
que tende “naturalmente” ao “absoluto”, 345. T e x t o s - K. Barth: 1. “N ós pedimos fé,
nada mais e nada menos” , 377; Bonhoeffer:
2. “Quem está ligado a Cristo encontra-se
Capítulo décimo nono seriamente sob a cruz” , 378; K. Rahner:
Henri Bergson 3. Tarefa e compromissos da teologia do
e a evolução criadora________ 347 futuro, 379; 4. A missão da Igreja: indicar
a salvação ao mundo inteiro, 381; J. M olt
1. A originalidade do espiritualism o de mann: 5. A fé é escopo e não meio, 383.
Bergson, 348; 2. O tempo espacializado e
o tempo como duração, 350; 3. Por que a
duração funda a liberdade, 350; 4. Matéria Capítulo vigésimo primeiro
e memória, 351; 5. Impulso vital e evolu A neo-escolástica,
ção criadora, 352; 6. Instinto, inteligência, a Universidade de Louvain,
intuição, 354; 7. A intuição como órgão
da metafísica, 354; 8. Sociedade fechada e
a Universidade Católica de Milão
sociedade aberta, 355; 9. Religião estática e o pensamento
e religião dinâmica, 356. de Jacques M aritain_________ 385
Ó v \d ic e g e ^ a l
281, 289, 290, 325, 331, 394 Blumenfeld K., 240 C a ir d E., 135
A r n i m , H. v o n , 34 B o a v e n t u r a , são, 394 C a ld e r o n i M., 80, 88, 89
A r o n R., 223, 402 Bocchini A., 121 C a m p a n e l l a T., 148
A u s t i n J. L., 324, 325-327 B õ h m - B a w e r k , E. v o n , 435 C a m u s A., 166, 215, 217, 408
A y e r A . J., 327-328 B o l t z m a n n L., 311 C a n t o n i C ., 21, 23
B o l z a n o B ., 1 7 5 , 1 7 7 C a r a b e l l e s e R, 339, 340
B o n a i u t i E., 341, 344 Carducci G., 113
B o n h o e f f e r D., 333, 364, 3 6 6 Carlini A., 399, 401
B 3 6 7 , 378-379 C a r l y l e T . , 134, 135
B o n t a d i n i G., 386, 389 C a s s i r e r E., 1,21,23,26-29,30-31
B a c h e la r d G., 451 B o p p F., 34 Castro F., 227
B acon F., 80, 256, 487 B ó r g ia C., 11 Catarina d e Sena, santa, 348, 357
B a l f o u r A. J., 338 B o r k e n a u F.,471 C h e s t o v L., 217
B a l t h a s a r , H. U. v o n , 368, 369 Botticelli S., 323 C h ild E. B., 101
Balzac, H. de, 444 B o u t r o u x E., 3 3 7 , 3 3 8 , 3 3 9 , Cbiodi P., 216
B a n f i A., 23 340, 349 C l a u d e l R, 369, 485
B a r t h K., 216,363,364-365,369, B o w n e B. R, 401 C o a t e s J. B., 399, 401
371, 377, 386 B r a d l e y F. H . , 1 3 4 , 1 3 5 - 1 3 6 , 2 9 5 , C o h e n H., 21, 23, 24, 26, 165,
B a r z e l l o t t i T., 21, 23 296, 338 166, 435, 436
* Neste índice:
-reportam -se em versalete os nomes dos filósofos e dos homens de cultura ligados ao desenvolvimento
do pensamento ocidental, para os quais indicam-se em negrito as páginas em que o autor é tratado de
acordo com o tema, e em itálico as páginas dos textos;
-reportam -se em itálico os nomes dos críticos;
-reportam -se em redondo todos os nomes não pertencentes aos agrupamentos precedentes.
XVIII -y i. ,
*_mdice d e cornes
Coleridge S. T., 134 Ficker, L. von, 311, 318 114, 115, 116, 122, 123, 126,
Colombo C., 323 F i n c k E., 177 128, 134, 138, 139, 144, 147,
C o m t e A., 4, 8, 91, 167, 189, F i o r e n t i n o F., 21, 23 148, 150, 151, 167, 202, 208,
198, 340 F l e w A., 324 217, 231, 244, 250, 262, 274,
C o n r a d - M a r t i u s E., 177, 192 F o g a z z a r o A., 341, 344 275, 276, 295, 296, 330, 343,
Corneille P., 142 Francisco de Assis, são, 68, 348, 364, 430, 436, 438, 441, 442,
C o u s i n V., 144, 336 357 443, 446, 449, 451, 454, 462,
Cox H., 370, 371 F r e d e r ic o o G r a n d e , 60 470, 472
C r e i g h t o n J., 136 F r e g e G ., 297, 298, 308 H e i d e g g e r M., 174, 176, 177,
C r o c e B., 109, 110, 111-124, F r e u d S., 269,271,272,273,274, 179, 201-210, 211-214, 215,
126, 127, 128, 131, 137-146, 276, 284, 285, 286, 291, 323, 217,218, 2 2 1 ,2 2 3 ,2 2 8 ,2 3 5 ,
147, 148, 453, 455, 456, 458, 479, 480 236, 243, 250, 258, 259, 260,
466, 467 F r i e s J. F., 22 265, 266, 267, 271, 278, 280,
F r o m m E., 469, 471, 482-483 281,285, 290, 291, 368, 423,
424
V H e l m h o l t z , H ., 21, 22, 29
H e m p e l C. G., 299
H e r á c l i t o , 95, 97, 132, 202,
D a r w in C. R., 254
D e G a u lle C., 408 G a d a m e r h . G . , 173, 174, 249 208,210
257, 258-263, 265, 266, 267, H e r b a r t J. F., 22, 113, 454
D e S a n c t i s F . , 109,110, 113
D é l è a g e A., 401 280, 281 Hertwig M., 446
G a l i l e i G . , 29, 180, 184, 244, H e r t z H . R., 311
D e s c a r t e s R., 48, 180, 184, 197,
244, 245, 272, 283, 284, 285, 245 Herzl T., 417, 418
G a l l u p p i R, 110, 148 H e s s M., 418
290, 304, 330, 332, 336, 349,
G a r a u d y R., 449-450, 465-466 H i c k J., 324
352, 388, 401
G a r d i n e r R, 324 H i c k s G. D ., 21, 23
D e w e y J., 80, 88,95-102,104-108
Gaus, 239, 240, 241 H i l f e r d i n g R., 435, 436
D i c k i n s o n , 296
D i e l s H., 34 G e i g e r M., 177 Hitler A., 223, 225, 469, 471
D i l t h e y W., 1, 22, 25, 33, 34, 36 G e m e l l i A., 386, 389 Hobbes, 94
G e n t i l e G . , 109, 110, 111, 114, H o c k i n g W. E., 399, 401
39, 40,41, 45, 46-48, 59,250,
126-132,147-154, 458 H o d g s o n S. H ., 21, 23, 93
267, 274, 276, 290, 417, 470
G i l s o n E., 390, 393-394 H ò l d e r l i n F., 210, 213, 214
D o s t o i e w s k i F. M., 6, 216, 242,
323, 423, 442 G i o b e r t i V . , 110, 148 Homero, 254
G o e t h e J. W., 50, 124,134, 168 H o r k h e i m e r M., 427, 469, 470,
D o y l e , 75
D r a y W., 324 Gogol N., 423 471, 472, 473, 474, 475, 476
D r o y s e n G., 33, 34 G o l d m a n n L., 450 478, 485-487
G r a m s c i A., 453, 454, 455-458, H o w i s o n G. H ., 136, 399, 401
D u n c a n - J o n e s A., 323
466-468 H u m b o l d t , W. v o n , 119
D ü r e r A., 47
G r e e n T. H., 135, 338 H u m e D ., 80, 93, 368
D u v e a u G., 401
G r i c e H. R, 331 H u s s e r l E., 173, 174, 175, 176,
Grimm H., 261 177, 178, 179-184, 185, 186,
G r i m m J., 34 190, 192, 193, 195-200, 201,
G r o s s m a n n H., 471 202, 205, 223, 226, 227, 262,
G u a r d i n i R., 446 268, 270, 271, 325, 389, 423,
E c k h a r t ( M e s t r e ) J., 482, 483
Guarini B., 142 424, 449, 451, 470
E c k s t e i n G., 436
Guerrera Brezzi F., 270, 271 H y p p o l i t e J., 217, 270
E i n s t e i n A., 29,198, 274, 300
Guevara C., 227
E liezer, I. b e n , 418
Gumnior, 485, 486
E lio t T. S., 372
Gundolf F., 261
E m e r s o n R. W., 134, 135, 136
G uzzo A., 274, 275
E n g e l m a n n R, 307, 311,318 Infantino, L., 166
E n g e l s F., 231, 429, 431, 435, I z a r d G., 399, 401
436, 437, 439, 443, 446, 454,
f-l
461,462
E p i c t e t o , 28, 30
E u c k e n R., 337, 338
H a b e r m a s J., 471 3
H a m e l i n O ., 21, 23
E u c l i d e s , 296, 395
H a m i l t o n W., 370 J a c in i S., 142
E u r íp id e s , 3, 7
H a m p s h i r e S., 324, 327-328 A., 193
J a e g e r s c h m id
H a r e R. M., 293, 324, 327, 330 J a i a D ., 109, 110, 126, 127
Harich W., 446 J a m e s H., 349
P . H a r n a c k , A. v o n , 363, 364 J a m e s W., 79, 80, 84-87, 88, 89,
H a r r i s W. T., 136 90, 93, 99,104,134, 349, 352
F e u e r b a c h L., 4, 8,216,274,275, H a r t H . L. A., 327 J a n i k A., 311
370, 448 H a r t m a n n N., 177, 190, 191 J a r c z y k G., 381
F i c h t e H., 337, 338 H a r t m a n n , E. v o n , 377, 338 J a s p e r s K., 173, 215, 217, 218
F i c h t e J. G., 22, 68, 146, 150, H e g e l G. W. F., 22, 34, 35, 36, 38, 222, 223, 238-239, 242, 243,
337, 338 4 8,95,97,10 9 ,1 1 0 ,1 1 1 ,1 1 3 , 269, 275, 446
D n c lia e - de n o m e s
abdução, 83 instrumentalismo, 99
am or fati, 13
angústia, 207
autoconceito (conceptus sui), 129
método da imanência, 343
epocbé, 183
escatologia, 374 regra pragmática, 83
existentivo - existencial, 204 ressentimento, 11
o.
o
> .
A FILOSOFIA
DO SÉCULO XIX
AO SÉCULO XX
“Todoerronosindicaumcaminhoaevitar,aopassoque
nem toda descoberta nos indica um caminho a seguir”.
Giovanni Vailati
Capítulo primeiro
Friedrich Nietzsche.
Fidelidade à terra e transmutação de todos os valores
Capítulo segundo
O neocriticismo.
A Escola de M arburgo e a Escola de B a d e n ________
Capítulo terceiro
O historicismo alemão
de Wilhelm Dilthey a Friedrich M einecke__________
Capítulo quarto
M ax Weber:
o desencantamento do mundo
e a m etodologia das ciências histórico-sociais ______
Capítulo quinto
Capítulo sexto
Capítulo sétimo
Friedrick A)i^+2scke.
Fidelidade à terra
e tratas mutação de todos os valores
• Eis, porém, que chega Eurípedes, que procura eliminar da tragédia o elemen
to dionisíaco em favor dos elementos morais e intelectualistas. E surge Sócrates,
Primeira parte - A filosofia d o s é c u lo a o sé c u lo
Sócrates com sua *ouca presunção de dominar a vida com a razão. Estamos
e Platão em Pjena decadência. Sócrates e Platão são "sintomas de deca-
são dência, os instrumentos da dissolução grega, os pseudogregos, os
"pseudogregos" antigregos". Sócrates - continua Nietzsche - "foi apenas alguém
e "a ntig reg os" longamente enferm o". Foi hostil à vida. Destruiu o fascínio dio-
§2 nisíaco. A racionalidade a todo custo é uma doença.
Ainda em 1882 Nietzsche conhece Lou 3 de janeiro de 1889 cai vítima da loucura,
Salomé, jovem russa de vinte e quatro anos. lançando-se ao pescoço de um cavalo que o
Acreditando nela, queria desposá-la. M as dono estava espancando diante de sua casa
Lou Salomé o rejeitou e se uniu a Paul Rée, em Turim.
amigo e discípulo de Nietzsche. Inicialmente, foi confiado a sua mãe
Em 1883, em Rapallo, ele concebe sua e, quando esta faleceu, à irmã. Morreu em
obra-prima: Assim falou Zaratustra, obra Weimar, imerso nas trevas da loucura, em 25
que foi concluída entre Roma e Nice, dois de agosto de 1900, sem poder se dar conta
anos depois. Em 1886, publicou Além do do sucesso que estavam tendo os livros que
bem e do mal. A Genealogia da moral é de mandara publicar à própria custa.
1887. N o ano seguinte, Nietzsche escreve:
“ O caso Wagner, O crepúsculo dos ídolos,
O Anticristo, Ecce homo. Do mesmo perío
do é também o escrito Nietzsche contra
Wagner.
Nesse período, ainda, lê Dostoiewski. e o “p r o b le m a S ó c r a t e s ”
Entrementes, parece-lhe ter encontrado
lugar satisfató rio em Turim, “ a cidade
que se revelou como a minha cid ad e ". É Em Leipzig, conforme salientam os,
em Turim que ele trabalha em sua última Nietzsche leu O mundo como vontade e
obra, a Vontade de poder, que, no entan representação, de Schopenhauer, e ficou
to, não conseguiu concluir. Com efeito, em fascinado, a ponto de mais tarde o julgar
Friedrich Nietzsche
aos vinte anos.
Nietzsche (1844-1900)
foi um crítico
impiedoso do passado
e profeta “inatual"
de nossos dias.
Cãpítulo primeiro - /\) ie tz s c h e , F id eli d a d e à te r r a e tr a n s m u ta ç ã o d e to d o s o s v a lo r e s
c x n iA n c À o
I // 1 I *T'>i
d a morte de U e . i \ s
//
i f i i l ^ T ^ rv tic risto ,
ow o c r i s t i a n i s m o
a * • //
A crítica ao idealismo, ao evolucionis- como vicio
Abo I'
.
'
" '
■ R essentim ento. O conceito de
ressentimento, na reflexão moral,
\
\
;
sprach Zarathustra. :
■
:
encontra-se na Genealogia da moral.
Para Nietzsche o ressentimento está
na base da m oral dos escravos, isto é,
i
;
j
i dos fracos e mal-sucedidos impoten- !
Em Biack ; tes que traduzem - travestem - em
«te ; "ideais morais" seu ódio contra tudo ;
: aquilo que é alegria, beleza, força,
Alie und Keinen. saúde, contra aquilo que não são ou
»- que não têm. ;
i A moral dos ressentidos configura-se '
F r lid r ls k V tit iiB lib como um instrumento de domínio dos ■
; fracos sobre os fortes; é vontade de ;
■ aniquilação da m oral dos senhores, I
. isto é, da moral cujos valores são a *
: força, a alegria, a saúde. ;
Ch*mruu 1888. A moral cristã, para Nietzsche, é a ;
v«n»g ««• K m l S ck a tiU a rr.
típica moral dos escravos: humilda- ■
c .» r« | de, piedade, compaixão, são valores
r r iir ■ antivitais, prédicas de quem, não !
' podendo dar maus exemplos, dá bons j
conselhos. É do ódio dos mal-sucedi- \
\ dos que surge sua moral, a moral dos |
; escravos, isto é, dos ressentidos. t
Frontispício , Trabalhando na química das idéias,
da primeira edição (1883) da obra
: Nietzsche chega à conclusão de que
Assim falou Zaratustra. tam bém valores éticos propostos
: como sacrossantos são apenas más-
i caras do ódio, da inveja e do ressen- <
timento. Na Genealogia da moral, ele
Todavia, pergunta-se Nietzsche, o que escreve: "A revolta dos escravos, na
fez o cristianismo senão defender tudo o ■ ética contemporânea, começa quan
que é nocivo ao homem? O cristianismo do o próprio ressentimento se torna
considerou pecado tudo o que é valor e criador e gera valores; o ressentimen-
prazer na terra. Ele “ tomou partido de tudo : to dos indivíduos aos quais é negada a ;
verdadeira reação, aquela ação e que,
o que é fraco, abjeto e arruinado; fez um portanto, só encontram compensação i
ideal da contradição contra os instintos de em uma vingança imaginária".
conservação da vida forte” . O cristianismo
é a religião da compaixão. “ M as a pessoa
perde força quando tem compaixão [...]; a I ■
Retrato de Nietzsche
nos últimos anos de sua vida.
A interpretação
que tenta fazer de Nietzsche
um “profeta do nazismo ”
é, à luz de uma
historiografia correta,
carente de fundamentos.
Primeira parte - jA filosofia d o s é c u lo ^CZ7,X a o sé c u lo ,X X
I
hegeliano), mas “ todas as coisas retornam Eis dois pensamentos de Nietzsche
eternamente e nós com elas; nós já existimos sobre o Estado: " 'Estado' se chama
eternas vezes e todas as coisas conosco” . o mais frio de todos os monstros".
Toda dor e todo prazer, todo pensamen O Estado é um ídolo que cheira mal:
to e todo suspiro, toda coisa indizivelmente "Seu ídolo cheira mal - o monstro frio
pequena e grande retornarão: “Voltarão até
essa teia de aranha e este raio de lua entre - e todos estes adoradores do ídolo
as árvores, até este idêntico momento e eu cheiram mal [...]. Apenas onde o Esta
mesmo” . do deixa de existir começa o homem
não inútil". Nietzsche faz Zaratustra
O mundo que aceita a si próprio e que dizer essas coisas. E no Crepúsculo
se repete: é esta a doutrina cosmológica de dos ídolos (1888) temos: "A cultura e
Nietzsche. E a ela Nietzsche vincula sua o Estado são antagonistas".
outra doutrina, a do amor fati: amar o ne
cessário, aceitar este mundo e amá-lo.
Capítulo primeiro - A lie + z s c k e . F id e lid a d e à e t m n s m u t a ç ã o d e to d o s o s v a lo re s
________________________
DO DIONISÍACO AO SUPER-HOMEM
O D IO N ISÍA C O : O A P O L ÍN E O :
imagem da força instintiva e da saúde, visão de sonho, tentativa de expressar o sentido
embriaguez criativa e paixão sensual: das coisas com medida e moderação:
Dioniso é o símbolo da humanidade Apoio é o símbolo da humanidade que se explicita
que “diz sim à vida”, em pleno acordo com a natureza em figuras equilibradas e límpidas
A m oral dos escravos - Daqui a im posição, sobre a m oral aristocrática dos fortes, - A MORAL
opõe da m oral dos escravos, legitimada pela METAFÍSICA, é em geral
desde o princípio que pretendeu dar-lhe uma presumida base “ objetiva” , máquina construída
um não àquilo inventando um “ mundo superior” para reduzir para dominar
que é diferente de si: a mera aparência “ este m undo” , o único que existe os outros.
é o ressentimento A m oral aristocrática
contra a força, a saúde, dos fortes
o am or pela vida nasce de uma triunfal
A decadência da civilização ocidental culmina
com a m o r t e d e D e u s , afirmação de si
com a eliminação de todos os valores que foram
fundamento da humanidade: evento cósmico
pelo qual os homens são responsáveis,
esta morte os liberta das cadeias daquele sobrenatural
que eles próprios haviam criado,
m as os deixa sem outros pontos de referência
/ Z a r a t u s t r a é o p r o fe ta d o amor fati c o m o
a c e ita ç ã o d o etern o r e to rn o d a s c o is a s
Conseqüência necessária é e transvalorização de todos os valores, e a n u n cia
o N IIL ISM O :
não há valores absolutos, não há nenhuma
providência, nenhuma ordem cósmica:
o advento do SU PER -H O M E M ,
resta apenas o abismo do nada (nihil):
que ama a vida e cria o sentido da terra:
o ETER N O R E TO R N O do universo e da vida
nele reemerge o dionisíaco como vontade de poder
, . . 17
Cdpítulo primeiro - /v iie fz s c k e . F id e lid a d e à t e r r a e f ^ n s m w t a ç â o d e f o d o s o s v a lo r e s ____
a
atrás de onda; como uma universalidade jamais
suposta da ânsia de saber no domínio mais am
plo do mundo culto e como missão verdadeira
e própria para cada um dos melhores dotados
fi sublime ilusão metafísico levou a ciência ao alto-mar, do qual não pôde
de Sócrates mais a seguir ser completamente removida;
como por esta universalidade foi estendida pela
primeira vez uma rede comum do pensamento
Contra Sócrates, "o mistagogo da ciên sobre o globo terrestre inteiro, com perspecti
cia": a fé socrático em umo razão capaz de vas até sobre a legislação de um sistema solar
penetrar "nos mais profundos abism os do todo; quem se lembra de tudo isso, juntamente
ser" é "uma profunda ilusão". com a pirâmide prodigiosamente alta do saber
atual, não pode se abster de ver em Sócrates
o único eixo e fundamento da história universal.
Pora demonstrar também para Sócrates Pois se alguém imaginasse toda essa indeci
a dignidade de tal posição diretiva, basta frável soma de força que foi empregada para
reconhecer nele o tipo de uma formo d e exis aquela tendência universal, não a serviço do
tência antes dele inaudita, o tipo do homem conhecimento, mas reduzida a fins práticos,
teórico, do qual é nossa tarefa imediata isto é, egoístas, dos indivíduos e dos povos, o
chegar a entender a significação e o objeti prazer instintivo da vida estaria provavelmente
vo. [...] tessing, o mais honesto dos homens tão enfraquecido em lutas generalizadas de
teóricos, ousou declarar que a ele importava extermínio e em contínuas migrações de povos,
mais a pesquisa da verdade do que a própria que, com o hábito do suicídio, o indivíduo deve
verdade: com isso foi descoberto o segredo ria talvez sentir o último avanço do sentimento
fundamental da ciência, para espanto, ou me do dever ao estrangular, como o habitante das
lhor, a despeito dos cientistas. Ora, ao lado ilhas Fidgi, como filho os próprios pais e como
desse reconhecimento isolado, como excesso amigo o próprio amigo: pessimismo prático, que
de honestidade ou mesmo de presunção, está poderia gerar também uma ética cruel do mas
sem dúvida uma profunda ilusão, a qual veio sacre dos povos por piedade, o que de resto
pela primeira vez ao mundo na pessoa de Só existe e existiu em todo lugar no mundo, onde
crates - a fé inabalável de que o pensamento, não apareceu a arte em uma forma qualquer,
seguindo o fio condutor da causalidade, alcaru especialmente como religião e como ciência,
ce até os mais profundos abismos do ser, e como remédio e defesa contra aquele sopro
de que o pensamento esteja em grau não só pestilencial.
de reconhecer, mas até de corrigir o ser. £sta Diante deste pessimismo prático Sócrates
sublime ilusão metafísica é dada como instinto é o protótipo do otimista teórico, que na própria
à ciência e a remete sempre e sempre a seus fé na perscrutabilidade da natureza das coisas
limites, sobre os quais ela deve se converter em si atribui ao saber e ao conhecimento a força
em arte: ò quol propriamente se mira com esse de um remédio universal, e no erro vê o mal
mecanismo. em si. Penetrar nesses fundamentos e separar
Olhemos agora Sócrates, com a tocha o verdadeiro conhecimento da aparência e do
deste pensamento: ele nos aparece como o erro pareceu ao homem socrático a mais nobre,
primeiro, que soube com a guia do instinto da ou melhor, a única vocação verdadeiramente
ciência não só viver, mas também - e isso é humana: assim como o mecanismo de conceitos,
muito mais - morrer; e por isso a imagem do juízos e argumentações de Sócrates para frente
Sócrates moribundo, como do homem subtraído foi considerado a afirmação suprema e o dom
pelo saber e pelos raciocínios ao medo da mor mais maravilhoso da natureza, acima de todos
te, é o brasão que sobre a porta de entrada da as outras faculdades, flté as ações morais mais
ciência recorda a cada um a destinação dela, sublimes, os movimentos da compaixão, do
ou seja, a de mostrar a existência inteligível e, sacrifício, do heroísmo e a serenidade da alma
portanto, justificada: a cujo objetivo certamente, semelhante à serenidade do mar, tão difícil
se os raciocínios não atingem, deve por fim ser de atingir e que o grego apolíneo chamou de
vir também o mito, que eu pouco antes designei soFrosine, desde Sócrates e dos sucessores e
até como conseqüência necessária, ou melhor, seguidores até a época presente derivaram
como objetivo da ciência. da dialético do saber e, por conseguinte foram
Primeira parte - y\ ] lloso-fin d o s é c u lo ,X.r7,X a o sé c u lo
designados como possíveis de aprender. Quem "Perdeu-se como uma criança?", disse outro. "Ou
provou em si o prazer de um conhecimento estaria bem escondido? Tem medo de nós? Teria
socrático e intui como este procure abraçar o embarcado? Cmigrou?" -, gritavam e riam em
mundo inteiro dos fenômenos, não sentirá ne grande confusão. O homem louco pulou no meio
nhum estímulo, capaz de impelir à existência, deles e os fulminou com seus olhares: "Para
mais violentamente do que aquele que não onde foi Deus?, gritou. Quero dizer-lhesl Fomos
sinta o anseio de realizar tal conquista e de te nós que o matamos-, vós e eu! Todos nós somos
cer a rede inpenetravelmente fechada. A quem seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como
está em tal disposição de espírito o Sócrates podemos esvaziar o mor bebendo-o até a última
platônico aparece então como o mestre de uma gota? Quem nos deu a esponjo para dissipar
forma totalmente nova da "serenidade grega" e todo o horizonte? Que faremos para desamarrar
da beatitude da existência, forma que procuro esta terra da corrente de seu sol? Onde é que
efundir-se em ações e encontrará esta efusão se move agora? Onde é que nos movemos?
mais em influências maiêuticas e educativos fora, totalmente sozinhos? O nosso não é um
exercidas sobre jovens nobres, com o objetivo eterno precipitar? C para trás, pelos lados, na
de por fim suscitar o gênio. frente, de todos os lados? Existe ainda um alto
Todavia, incitada por sua potente ilusão, a e um baixo? Não estamos talvez vagondo como
ciência corre agora sem trégua até seus limites, através de um nada infinito? Não sopra sobre
onde seu otimismo oculto na essência da lógica nós um espaço vazio? Não se tornou mais frio?
se encalha. Uma vez que a periferia do círculo da Não continua a vir noite, sempre mais noite?
ciência tem infinitos pontos, e enquanto não se Não devemos acender lanternas de manhã?
pode ainda de fato ver de que modo o círculo Não ouvimos nada do estrépito dos coveiros,
poderia ser completamente medido, também enquanto sepultam Deus? Não farejamos ain
o homem nobre e de talento ainda antes de da o cheiro da divina putrefação? Também os
chegor ao meio de sua existência toca inevi deuses se decompõem! Deus está morto! Deus
tavelmente tais pontos de limite da periferia, continua morto! € nós o matamos! Como nos
onde se enrijece, fixando o olhar no inexpli consolaremos, nós, os assassinos de todos os
cável. Quando neste ponto vê com espanto assassinos? Tudo o que de mais sagrado e de
como a lógica nesses confins se enrola sobre mais poderoso o mundo possuía até hoje se
si mesma e por fim morde suo própria cauda, esvaiu em sangue sob nossos punhais; quem
então prorrompe a nova forma de conhecimen limpará de nós este sangue? Com qual água
to, o conhecimento trágico, o qual, para poder poderemos nos lavar? Quais ritos expiatórios,
ser apenas tolerado, tem necessidade da arte quais jogos sagrados deveremos inventar? Não
como proteção e como remédio. é demasiado grande, para nós, a grandeza des
F. Nietzsche, ta ação? Não devemos nós mesmos nos tornar
deuses, para parecer ao menos dignos dela?
Jamais houve uma ação maior: todos aqueles
que virão depois de nós pertencerão, por causa
2 O anúncio desta ação, a uma história mais elevada do que
o foram todas as histórias até hoje!"
da morte de Deus Nesse momento o homem louco calou-se
e de novo dirigiu o olhar sobre seus ouvin
tes: também eles calavam-se e o olhavam,
"Deus está morto! [...]€ nós o matamos! espantados, finalmente atirou no chão sua
[...] Jamais houve uma oçõo maior: todos lanterna, que se despedaçou e se apagou.
aqueles que virõo depois de nós pertence “Venho muito cedo - continuou - ainda não é
rão, p o r causa desta ação, a uma história meu tempo. Cste enorme acontecimento ainda
mais elevada do que o Foram todas as his está a caminho e fazendo seu caminho: ainda
tórias até hoje!" . não chegou até os ouvidos dos homens. Raio
e trovão requerem tempo, o luz das constela
ções requer tempo, as ações requerem tempo,
Ouvistes falar daquele homem louco que mesmo depois de terem sido realizadas, para
acendeu uma lanterna à luz clara da manhã, que sejam vistas e ouvidas. Csta ação ainda
correu ao mercado e se pôs a gritar sem parar: está sempre mais distante dos homens do que
"Procuro Deus! Procuro Deus!" 6 como justamente as mais distantes constelações: todavia, foram
lá se encontravam reunidos muitos daqueles eles que a realizaram!' Conta-se também que o
que não acreditavam em Deus, provocou gran homem louco tenha irrompido, naquele mesmo
de riso: "Perdeu-se, talvez?", disse um deles. dia, em diversas igrejas e aí tenha entoado
, . . , 19
Cãpítulo primeiro - A J ie tz sc k e . F id e lid a d e à te r r a e tr a n s m u ta ç ã o d e to d o s o s v a lo r e s ____
seu Réquiem aeternam Deo. Tendo delas sido a si mesmo como aquele que determina o valor,
expulso 0 interrogado, dizem que limitou-se não tem necessidade de receber aprovação;
q responder invariav0lm0nt0 d0st0 modo: “O seu julgamento é "aquilo qu© 0 prejudicial a
qu© mois sõo estos igrejas, senão as covos 0 mim, é prejudicial ©m si mesmo", conh©c© a si
os sepulcros de Deus?" m©smo unicamente como aquele que confere
F. Nietzsche, dignidade às coisas, ele é criador de valores.
R gaia ciência. Honram tudo aquilo que sabem que pertence
a si: tal moral é autoglorificação. €m primeiro
plano encontra-s© o sentido da plenitude, do
poder qu® quer transbordar, a felicidade da
máximo tensão, a consciência de uma riqueza
3 A "moral dos senhores" que gostaria de dar 0 conceder: também o
e a "moral dos escravos" homem nobre presta socorro ao desventurado,
mas não ou quase não por piedade, e sim muito
mais por impulso gerado pela superabundância
"fí moro! aristocrático dos senhores é o de poder. O homem nobre honra em si mesmo
de todos os que dizem sim à Forço, à alegria, aquele que possui, e também aquele que sabe
à soúde. R moroI dos escravos é, 00 contrá falar e calar, qu© exerce com gosto severidade
rio, o moroI dos Fracos e dos mal-sucedidos, 0 dureza contra si mesmo e nutre veneração
dos ressentidos contra o saúde, a beleza, o por tudo o que é severo e duro. "Um duro co
amor aos volores vitais. ração UJotan colocou em meu peito", se diz ©m
uma antiga saga escandinava: deste modo a
alma de um soberbo viquingue encontrou sua
Çxiste uma morol dos senhores e uma moral exata expressão poética. Tal tipo de homens é
dos escravos [...]. Fts diferenciações morais de soberbo justamente pelo fato de não ser feito
valor surgiram ou em meio a uma estirp© domi- para a piedade, razão pela qual o herói da
nant0, qu0 com um senso de bem-estar adquiria saga acrescenta, em tom de advertência: “quem
consciência do própria distinção em relação à não tem duro coração desde jovem, não 0 terá
dominada, ou então em meio aos dominados, jamais”. Nobres e valorosos que pensam deste
os escravos 0 os subordinados d© todo grau. modo estão muito distantes daquela moral que
No primeiro caso, quando são os domi vê precisamente na piedade ou no agir altruísta
nadores que d0t0rminom a noção de "bom", ou no désintéressement o elemento próprio da
são os estados de ©lovação e de altivoz de quilo que é moral; a fé em si mesmos, 0 orgulho
alma que são percebidos como traço distintivo de si, uma inimizade radical e ironia para com o
0 qualificador da hiorarquia. O horrom nobre "desinteresse", ©stão compreendidos na moral
separa de si os indivíduos nos quais se exprime aristocrática, exatamente cio mesmo modo com
o contrário de tais estados de elevação e de que competem a ela um lev© desprezo e um
altivez: ele os despreza. Note-se logo que neste senso d© reserva diante dos sentimentos d©
primeiro tipo de moral o contraste "bem” e "mal" simpatia 0 de "calor do coração”. São os pod©-
tem o mesmo significado de “nobre" e "des rosos aqu©l0s qu© sobem atribuir honra, esta é
prezível"; o contraste entre "bom" e "mau" tem a arte deles, seu domínio inventivo, fl profunda
outra origem. 6 desprezado o vil, o medroso, o veneração pela idade avançada e pela tradi
mesquinho, aquele qu© pensa em sua estreita ção - todo o direito repousa sobre esta dupla
utilidade; da mesmo formo o desanimado, com veneração -, a fé e a opinião preconcebida em
seu olhar servil, aquele que se torna abjeto, a favor dos antepassados e em desfavor pelos
espécie canina de homens que s© deixa mal pósteros são um elemento típico na moral dos
tratar, o m0ndicant© adulador 0 principalmente poderosos; e se, no oposto, os homens das
o mentiroso: é convicção fundamental de todos "idéias modernas" crêem, quase por instinto,
os aristocratas que o populacho seja mendaz. no "progresso" e no “futuro", e sempre estão
"Nós, os v0rdadeiros" - assim os nobres deno privados d© respeito pela idade vetusta, tudo
minavam-se na antigo Grécia, é fato evidente isso já é um indício suficiente da origem não no
que as designações morais de valor sempre bre daquelas "idéias". Mas principalmente uma
foram em todo lugar primeiramente atribuídas a moral dos dominadores é estranha ao gosto
*homens, e apenas de modo derivado e sucessi dos contemporâneos e para eles desagradá
vo a ações: motivo pelo qual é erro grave qu© vel pelo rigor de seu princípio, que há deveres
os historiadores da moral tomem como pontos unicamente para com os próprios semelhantes;
de partida problemas como “por que foi louvada que em relação aos indivíduos de posição in
a ação piedosa?" O homem de tipo nobre sente ferior e de todos os estranhos seja lícito agir
Primeira parte - y\ filosofa do século X^X qo século XX
por própria conta ou "como quer o coração", 0 cos meios para suportar o peso da existência.
em todo caso "além do bem 0 do mal": é sob A moral dos escravos é essencialmente moral
©ste último asp0cto que pod0m ter seu lugar a utilitária. €is o lar em quo nasceu o famoso
compaixão ou outras coisas do gênero, fl capa contraste entre "bom" e "mau": no íntimo do
cidade 0 a obrigação de uma longa gratidão 0 mal percebem-se o poder e a periculosidade,
de uma longa vingança - as duos coisas estão certa terribilidade, fineza e força, que sufocam o
d©ntro da esfera dos próprios semelhantes desprezo nas raízes. Conforme a moral dos es
a sutileza na represália, o refinamento da idéia cravos, o “mau" suscita portanto temor; segundo
de amizade, certa necessidade de ter inimigos a moral dos senhores é precisamente o bom que
(como canal d© d0fluxo, por assim dizer, paro suscita e quer suscitar temor, enquanto o homem
as paixões da inveja, do litígio, da insolência: "mau" é sentido como desprezível. O contraste
no fundo, para ser bons amigos): todas estas atinge seu ponto culminante quando, conside
são caract0rísticas típicos da moral aristocrá rando as implicações da moral dos escravos,
tica, a qual, conforme acenei, não é o moral também sobre os "bons" desta moral acaba
das "idéias modernas", 0 é por isso qu© hoje por cair uma sombra desse desprezo - por
s0 torna difícil senti-la ainda, como também mais leve e benévolo que possa ser -, uma
d0S0nt0rrá-la ou descobri-la. vez quo o bom, no campo do modo de pensar
Rs coisas são diferentes no qu© se refere dos escravos, deve ser em todo caso o homem
ao segundo tipo de moral, a moral dos escra inócuo: este é bonachão, facilmente enganável,
vos. Uma v0z que os oprimidos, os despreza um pouco ©stúpido talvez, um ingênua. Gm todo
dos, os sofredores, os não livres, os inseguros e lugar em que a moral dos escravos se imponha,
cansados d e si próprios fazem moral, qual será a língua revela certa tendência de aproximar
o elemento homogêneo em suas estimativas d0 uma da outra os palavras "bom” e "estúpido".
valor? Provavelmente encontrará expressão uma Uma última diferença fundamental: o desejo
suspeita p0ssimista para com toda a condição de liberdade, o instinto dirigido à felicidade 0
humana, talv0z uma condenação do homem, às finezas do senso de liberdade pertencem
juntamente com sua condição. O escravo não tão necessariamente à moral e à moralidade
vê com bons olhos as virtudes dos pod0rosos: dos escravos, quanto a arte e o entusiasmo da
é céptico e desconfiado, tem a Fineza da des veneração, da dedicação, são o indício normal
confiança de tudo o qu0 de "bom" seja tido em de um modo aristocrático de pensar e de ava
honra no meio deles, gostaria de estar persua liar. fi partir disso é sem dúvida compreensível
dido de que entre eles o própria felicidade a razão de o amor como paixão - é a nosso
não é genuína. No oposto, são evidenciadas especialidade européia - s©r absolutamente
e inundados de luz as quolidad0s qu© S0rvem de origem nobre: sabe-se que sua descoberta
poro aliviar a existência dos sofredores: são, cabe aos poetas cavaleiros provençais, àque
n0st0 caso, a piedade, a mão que se compraz les esplêndidos engenhosos homens do “gaio
e socorre, o calor do coração, a paciência, a saber" ao qual a Curopa deve tantas coisas, e
operosidade, a humildade, o gentileza que são quase que totalmente a si mesma.
colocados em honra, uma vez que são estas, F. Nietzsche,
agora, as qualidades mais úteis 0 quase os úni Poro olém do bem e do mol.
C a p ítu lo s e g u n d o
O neocH+icismo.
yA Ê sco la de ]\/\c\Á ? ía^q o
e a Ê sco la de Baderv
I. (g ê n e s e , fm a lid a d e
e ceKvfros d e e la b o r a ç ã o d o Kveocn+icismo
• Por sua vez, Heinrich Rickert (1863-1936) é da opinião que conhecer é julgar,
isto é, aceitar ou rejeitar, o que pressupõe o reconhecimento de um valor, de um
dever ser que aparece como fundam ento do conhecimento. Sem esta norma, isto
é, sem este valor ou.dever ser, estaríamos na impossibilidade de
Rickert: form ular qualquer juízo, até o juízo que nega. Rickert aqui está
o sujeito falando do valor da verdade. Quando se julga, "o juízo que eu
cognoscente formulo, embora verse sobre representações que vêm e vão, tem
é o "sujeito um valor duradouro, pois não poderia ser diverso daquilo que é".
transcendental" No momento em que se julga, pressupõe-se algo que vale eter-
^ 3.2 namente. Eis, portanto, que enquanto para Dilthey o sujeito que
conhece‘é um ser histórico, para Rickert o que deve ser julgado
é o sujeito transcendental, a consciência em geral. E esta "consciência em geral"
não é apenas lógica, mas também ética e estética.
muito mais pela unificação dos fatos por e Friburgo, cidades situadas na região de
meio de e sob hipóteses, leis e teorias. M as Baden) foram Wilhelm Windelband (1848
nós não extraímos leis e teorias dos fatos, 1915) e Heinrich Rickert (1863-1936), de
e sim as impomos aos fatos: a teoria é o a quem falaremos também no capítulo sobre
priori. E a filosofia indaga exatamente os o historicismo, no que se refere às suas re
elementos “ puros” , ou seja, os elementos flexões sobre a fundação da historiografia
a priori, do conhecimento científico. A como ciência. Aqui, falaremos a propósito
filosofia, portanto, deve ser metodologia de sua filosofia dos valores, que, embora
da ciência. os tornando expoentes de primeiro plano
do neocriticismo, os diferencia, porém, da
Escola de M arburgo.
W SM P a wl /SJatorp: "o m étod o é tu d o ”
Em seu “ retorno a Kant” , Windelband
certamente atribui à filosofia a função de
O outro prestigioso representante buscar os princípios a priori que garantem
da Escola de M arburgo é Paul N atorp a validade do conhecimento. Entretanto,
(1 8 5 4 -1 9 2 4 ), estu d io so de am plos in são duas as coisas novas que ele introduz
teresses, autor de A doutrina platônica nessa questão:
das idéias (1 9 0 3 ), de O s fundam entos a) por um lado, esses princípios são
lógicos das ciências exatas (1910) e tam interpretados como valores necessários e
bém de escritos de pedagogia, psicologia universais, tipificados pelo caráter norma
e política, como G uerra e paz (1916) e tivo independente de sua realização efetiva;
A m issão m undial dos alem ães (1918). b) por outro lado, diferentemente da
A exemplo de Cohen, N atorp afirma Escola de M arburgo, Windelband se liber
que a filosofia não é ciência das coisas; das ta da referência privilegiada ao âmbito do
coisas falam precisamente as ciências, ao pas conhecimento para considerar a atividade
so que a filosofia é teoria do conhecimento. humana também nos campos da moralidade
Entretanto, a filosofia não estuda o e da arte.
pensamento subjetivo, ou seja, ela não inda Portanto, a filosofia não tem por objeto
ga sobre a atividade cognoscente, sobre uma os juízos de fato, mas Beurteilungen, isto
atividade psíquica, e sim sobre conteúdos. é, juízos valorativos do tipo “ esta coisa é
E estes são determinações progressivas do verdadeira” , “ esta coisa é boa” , “ esta coisa
objeto. Em O s fundamentos lógicos das é bela” . E é assim que os valores — que têm
ciências exatas, podemos ler que o conhe precisamente validade normativa — distin-
cimento é síntese e a análise consiste no guem-se das leis naturais: a validade das leis
controle das sínteses já efetuadas. Sínteses naturais é a validade do Müssen, a validade
que devem ser submetidas a reelaboração empírica de não poder ser de outro modo-, a
contínua, de modo a aperfeiçoar sempre validade das normas ou valores é a do Sol-
mais as determinações dos objetos. Por isso, len, isto é, do dever ser. Concluindo, deve-se
o objeto não é um dado, não é um ponto dizer, portanto, que, para Windelband, a
de partida, mas um ponto de chegada que filosofia consiste na teoria de valores; que
sempre se desloca. a função da filosofia, mais especificamente,
Em suma, o obiectum é um proiectum: está em estabelecer quais são os valores
é conhecimento sempre mais determinado que estão na base do conhecimento, da
que se projeta sobre a realidade. E não há moralidade e da arte; que a teoria do conhe
termo para essa determinação; portanto, o cimento, para além da concepção de alguns
objeto está sempre in fieri, é tarefa infinita. neokantianos de Marburgo, é apenas uma
parte da teoria dos valores.
;A éEscola d e B a d e n
M SB -Heinrick R ic k e rt:
c o n k e c e r é ju lg a r com b a s e
n o v a lo r d e v e r d a d e
W ilk e lm W in d e lb a n d
e a filo so fia co m o te o ria d o s v a lo re s Rickert retoma de Windelband a con
cepção da filosofia como teoria dos valores
Os representantes mais prestigiosos da e, ao mesmo tempo, os resultados mais
Escola de Baden (assim chamada porque válidos de sua investigação metodológica.
teve seus pontos centrais em Heidelberg Entretanto, ele tenta sistematizar resulta
Capitulo S C g U n d o “ (D r\eocn+icismo. y\ E s c o l a d e A A arbu^go e a E s c o l a d e 3 a d e ^
tão ligados mais propriamente à “ filosofia de ciências que Kant não considera, ou seja,
dos valores” dentro do neocriticismo, mas as ciências histórico-sociais. E por isso que
dos quais não se pode deixar de falar, por uma exposição sobre o historicismo não
razões que explicitaremos, em uma exposi pode excluir Windelband e Rickert, ou seja,
ção sobre o historicismo. os neocriticistas, que haviam proposto a si
O historicismo surge nos últimos dois mesmos e nos mesmos termos o problema
decênios do século X IX e se desenvolve até das ciências histórico-sociais.
a vigília da Segunda Guerra Mundial. 5) É fundamental para o historicismo
a distinção entre história e natureza, como
também o é o pressuposto de que os objetos
do conhecimento histórico são específicos,
J d é i a s e p r o b le m a s no sentido de serem diferentes dos objetos
fim d a m e n + a is d o h isto n c ism o do conhecimento natural.
6) O problema cardeal em torno do
qual gira o pensamento historicista alemão
O historicismo alemão não é uma filosofia é o de encontrar as razões da distinção das
compacta. Entretanto, entre suas várias ex ciências histórico-sociais em relação às ciên
pressões, é possível detectar certo “ ar de cias naturais, e investigar os motivos que
fam ília” , identificável nos seguintes pontos: fundamentam as ciências histórico-sociais
1) Como diz Meinecke, “ o primeiro como conjuntos de conhecimentos válidos,
princípio do historicismo consiste em subs isto é, objetivos.
tituir a consideração generalizante e abstrata 7) O objeto do conhecimento histórico
das forças histórico-humanas pela conside é visto pelos historicistas como residindo
ração de seu caráter individual” . na individualidade dos produtos da cultura
2) Para o historicismo, a história não é hum ana (m itos, leis, costum es, valores,
a realização de um princípio espiritual infi obras de arte, filosofias etc.), individualidade
nito (Hegel) ou, como queriam os românti oposta ao caráter uniforme e repetível dos
cos, uma série de manifestações individuais objetos das ciências naturais.
da ação do “ espírito do m undo” que se 8) Se o instrumento do conhecimento
encarna em cada “ espírito dos povos” . Para natural é a explicação causai (o Erklãren),
os historicistas alemães contemporâneos, a o instrumento do conhecimento histórico,
história é obra dos homens, ou seja, de suas segundo os historicistas, é o compreender
relações recíprocas, condicionadas pela sua (o Verstehen).
pertença a um processo temporal. 9) As ações humanas são ações que
3) D o positivism o, os historicistas tendem a fins, è os acontecimentos humanos
rejeitam a filosofia comtiana da história e a são sempre vistos e julgados na perspectiva
pretensão de reduzir as ciências históricas de valores precisos. Por isso, mais ou menos
ao modelo das ciências naturais, apesar de elaborada, sempre há uma teoria dos valores
os historicistas concordarem com os positi no pensamento dos historicistas.
vistas na exigência de pesquisa concreta dos 10) Por fim, deve-se recordar que, se
fatos empíricos. o problema cardeal dos historicistas é um
4) Com o neocriticismo, os historicis problema de natureza kantiana, no entanto,
tas vêem a função da filosofia como função para os historicistas, o sujeito do conheci
crítica, voltada para a determinação das mento não é o sujeito transcendental, com
condições de possibilidade, isto é, o funda suas funções a priori, e sim homens concre
mento, do conhecimento e das atividades tos, históricos, com poderes cognoscitivos
humanas. O historicismo estende o âmbito condicionados pelo horizonte e pelo contex
da crítica kantiana a todo aquele conjunto to histórico em que vivem e atuam.
Primeira parte - y\ f i lo s o f i a d o s é c u lo a o s é c u lo X X
III. O ki s+oricismo a le m ã o
eKvtre.WilKe.lm D iltkey e ]\Ac\yc W e b e r
lógico ou então é uma palavra desprovida que são inteiramente diversos dos valores
de sentido” . das outras civilizações.
Em lugar “ daquele desolado quadro Nisso consiste o absolutismo relativo
da história universal como desenvolvimento dos valores defendidos por Spengler: os
linear” , Spengler vê “ o espetáculo de uma valores são absolutos no interior de uma
pluralidade de civilizações poderosas que civilização, mas referem-se apenas a essa
florescem com força primigênia do útero da civilização. E as civilizações, como os orga
terra materna” . “As civilizações são orga nismos, destinam-se à decadência: “ Quando
nismos; a história universal é sua biografia o fim é alcançado e a plenitude das possibili
total” . dades interiores chega a se realizar comple
Toda civilização, portanto, é um or tamente em direção ao exterior, a civilização
ganismo. E, assim como os organismos, as se enrijece repentinamente, encaminha-se
civilizações “ aparecem, amadurecem, de para a morte, seu sangue se coagula, suas
caem e não voltam m ais” . E toda civilização forças lhe faltam e ela se torna civilização
tem um sentido fechado em si mesmo: uma em declínio” .
moral, uma ciência, uma filosofia e um di Aos olhos de Spengler parecia em de
reito têm sentido absoluto dentro da própria clínio a civilização ocidental, em virtude da
civilização, mas, fora dela, não têm nenhum. crise da moral e da religião, pela prevalência
Diz Spengler: “ Há tantas morais quantas da democracia e do socialismo e devido à
são as civilizações, nem mais nem menos” . equiparação, na democracia, entre dinheiro
Toda civilização cria seus próprios valores, e poder político.
A ^ e in e c U e
l â i i ~^^o e ^ s c ^
e o caráter absoluto e a busca do eterno
dos valores religiosos no instante
0 como tudo isso S0 afirme no solidão dos c0las O indivíduo, as comunidades e as obras
0 nas lutas dos forças agora d0scritas diante em que se transpuseram a vida e o espírito,
dos ©stímulos da Igr0ja. O cristianismo como constituem o domínio externo do espírito. Cssas
forço capaz d® incidir sobre a própria vida da manifestações da vida, assim como aparecem
família, na profissão, nas relaçõ0s políticas: no mundo externo diante da compreensão,
0Sta é uma potência nova qu© s© apresenta estão quase inseridas na ligação da natureza.
q o 0spírito da época nas cidad0s ou em todo Sempre nos circunda esta grande realidade
lugar em qu® S0 r0aliz0 um trabalho superior, externa do espírito, a qual é uma realização do
©m Hans Sachs ou 0m Dür0r.1 Çnquanto Lutero espírito no mundo sensível, da fugaz expressão
pertence ao ápice desse movimento, podemos até o domínio secular de uma constituição ou de
viv®r imediatamente seu desenvolvimento com um texto jurídico. Toda manifestação particular
base em uma conexão que remonta daquilo da vida representa, no campo de tal espírito
que é geralmente humano para a esfera reli objetivo, um elemento comum. Toda palavra,
giosa e desto, por meio de suas determinações todo proposição, todo gesto e toda fórmula
históricas, até suo individualidade. € assim esse de cortesia, toda obra de arte e todo fato
processo nos desvela um mundo religioso que histórico são compreensíveis apenas enquanto
está presente nele e em seus companheiros uma comunhão une quem neles se exprime com
dos primeiros tempos da Reforma, ampliando quem os entende; o indivíduo vive, penso e age
nosso horizonte por m0io de possibilidades continuamente em uma esfera de comunhão, e
de vida qu© apenas de tal modo se tornam apenas nela pode penetrar. Tudo aquilo que
acessíveis a nós. O homem determinado pelo é entendido traz consigo, por assim dizer, a
interior pode, portanto, viver na imaginação marca de sua cognoscibil idade sobre a base
várias outras existências: diante dos limites im de tal comunhão: vivemos nessa atmosfera, que
postos pelas circunstâncias abrem-se para ele nos circunda constantemente, e nela estamos
outras belezas do mundo e outras regiões do imersos. ím todo lugar estamos em casa neste
vido, que ele jamais pode alcançar. €m termos mundo histórico a ser entendido, penetramos
gerais, o homem ligado e determinado pela seu sentido e seu significado, estamos nessas
realidade da vida liberta-se não só por meio mesmas relações comuns.
da arte - o que aconteceu com muita freqüên A mutação das manifestações da vida,
cia - mas também mediante a compreensão que agem sobre nós, nos impele continuamen
daquilo que é histórico. te a uma nova compreensão; mas elo tem, ao
UJ. Dilthey, mesmo tempo, lugar também no entender, pois
Novos estudos sobre as ciências do espírito. toda manifestação da vida e sua compreensão
estão ligadas a outras, dando lugar a um mo
vimento que acontece segundo as relações de
afinidade dos indivíduos dados com o todo. 6,
crescendo as relações entre aquilo que é afim,
aumentam ao mesmo tempo as possibilidades
As ciências do espírito de generalização já encerradas na comunhão
entendem o sentido como determinação daquilo que é entendido.
No entender está presente também uma
de um mundo humano qualidade posterior da objetivaçõo da vido,
histórico e objetivado que determina tanto a articulação conforme o
afinidade como a tendência da generalização.
A objetivaçõo da vida contém em si uma multi
Objetivaçõo do mundo do vido e ciêndo plicidade de relações articuladas. Da distinção
do espírito: "Tudo oqui surgiu pela atividade das raças até a diversidade das formas de
espiritual [...]. Da repartição das árvores em expressão e dos costumes em um tronco de
um parque, da ordem das casas em uma rua, povo, aliás em uma cidade, há uma articulação
do instrumento do trabalhador manual até a de diferenças espirituais condicionado natural
sentença no tribunal, tudo ao nosso redor, mente. Diferenças de outro tipo se apresentam
em todo momento, aconteceu historicamen nos sistemas de cultura, e outras separam as
te". 6 este mundo da vida objetivado é o épocas entre si: em poucas palavras, muitas
mundo que as ciências do espírito procuram
compreender: "Seu âmbito se estende como
o entender, e o entender tem seu objeto
'Hans Sachs (1494-1576), poeta e mestre cantor em
unitário na objetivaçõo da vida". IMuremberga, a cidade em que viveu o grande pintor fílbrecht
Dürer (1471-1528).
Primeira pcirtc ;A filosofia d o s é c u lo X^X a o s é c u lo XX
dos objetos nõo corresponde uma igual antítese apodítico; a das outras, a proposição geral
dos modos do conhecimento. assertiva. [...]
Com efeito, também locke levou o dua Assim podemos dizer: as ciências empí
lismo cartesiano para a fórmula subjetiva que ricas procuram no conhecimento do real ou o
contrapõe a percepção externa à percepção geral na forma da lei de natureza, ou o particular
interior - sensation e réfíection - como dois em sua figura historicamente determinada; ora
órgãos distintos para o conhecimento, de um consideram a forma estável, ora o conteúdo par
lado do mundo físico exterior, da natureza, do ticular, determinado em si mesmo, do acontecer
outro do mundo interno do espírito; ora, a crítica real. Umas são ciências da lei, as outras são
do conhecimento faz vacilar temerosamente ciências do acontecimento; aquelas ensinam 0
esta concepção e põe em dúvida que se possa que sempre existe, estas aquilo que uma vez
admitir uma "percepção interna” como modo existiu. O pensamento científico é - se posso
de conhecimento particular, e muito menos que compor uma expressão nova - no primeiro caso
unicamente sobre elo se fundem as assim cha nomotético-, no segundo, idiográfico. Se preferir
madas ciências do espírito. Mas a incongruência mos, ao contrário, servirmo-nos de expressões
da divisão objetiva e formal é evidente, prin familiares, podemos falar do contraste entre
cipalmente por outro motivo. Acontece, com as ciências naturais e as disciplinas históricas,
efeito, que uma ciência empírica de primeiro porém sempre tendo presente que se classifi
plano, como a psicologia, não possa ser ligada ca a psicologia, sempre do ponto de vista dò
nem às ciências da natureza nem às ciências do método, sem nenhuma dúvida entre as ciências
espírito: em relação a seu objeto deveria ser naturais.
caracterizada apenas como ciência do espírito, M as o contraste metodológico define
e em certo sentido muito mais como a base de apenas a tratação e nõo o conteúdo do saber.
todas as outras, enquanto, ao contrário, seu Permanece possível, ou acontece efetivamente,
procedimento e método inteiro é de cima a que as mesmas coisas possam ser objeto de
baixo o próprio das ciências naturais. Por isso uma pesquiso nomotético e ao mesmo tempo
a psicologia foi chamada de "ciência natural do também de uma pesquisa idiográfico. Isso se
sentimento interno", ou até "ciência natural do verifica porque o contraste entre o imutável e
espírito". [...] o particular é, em certo sentido, relativo. Aquilo
Por outro lado, a maioria das doutrinas que por longo espaço de tempo não sofre
empíricas que ainda são definidas como ciên nenhuma mudança imediatamente sensível,
cias do espírito tende decisivamente a poder e pode por isso ser tratado nomoteticamente
descrever de modo verdadeiramente completo por suas formas invariáveis, a um olhor mais
e exaustivo um acontecimento, mais ou menos circular pode parecer válido apenas por um
extenso, da realidade particular limitada no período de tempo limitado, pode parecer algo
tempo. Também aqui os objetos e os artifí de particular. Assim, uma língua segue sempre
cios particulares usados para assegurar sua em todas as suas estruturas as próprias leis
compreensão são extremamente múltiplos. formais que, embora os termos possam mudar,
Trata-se ou de um acontecimento singular ou de permanecem as mesmas, mas de outro lado
uma série de ações e de vicissitudes, da índole esta mesma língua toda particular, com seu
e da vida de um homem individual ou de todo sistema de leis formais igualmente particular,
um povo, dos características e do desenvolvi é também apenas um fenômeno particular, um
mento de uma língua, de uma religião, de um fenômeno passageiro na história das línguas
direito, de um produto da literatura, da arte ou humanos. A mesma coisa se pode dizer da
da ciência, 0 cada um destes objetos requer fisiologia, da geologia, em certo sentido oté
uma tratação correspondente à própria índole. da astronomia. 6 eis então que o princípio
Mas o fim científico é sempre o de reproduzir histórico se introduz no campo das ciências
e de entender em sua própria realidade um naturais. [...]
fenômeno da vida humana que se apresentou Pergunta-se o que seria mais útil para
exatamente com fisionomia única. o objetivo de conhecer: descobrir as leis ou
Agora nos encontramos, portanto, diante individuar os acontecimentos? Compreender
do problema de construir uma subdivisão das o ser universal sem tempo, ou os fenômenos
ciências empíricas puramente metodológica particulares no tempo? € desde o princípio é
sobre conceitos lógicos certos. Princípio da claro que se pode responder a esta pergunta
subdivisão é o caráter formal de seus fins cientí apenas tendo presente as metas últimas da
ficos : umas procuram leis gerais; as outras, fatos pesquisa científica. [...]
históricos particulares. Para usar a linguagem da Sem dúvida hó também diferenças positi
lógica formal: a meta de umas é o juízo geral vas, e todavia puramente teóricas, no valor das
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo XJX < *° s é c u lo XX
ração conceituai, e o ciência encontra como portanto, distinguir a individualidade que diz
material próprio os produtos dessa elaboração respeito a qualquer coisa ou evento - cujo
conceituai pré-científica, nõo a realidade livre conteúdo coincide com suo realidade, e cujo
de interpretações, A máxima distinção formal conhecimento não pode ser alcançado nem
nessa elaboração conceituai pré-científica é, merece ser objeto de aspiração - da individua
porém, a seguinte. A maior parte das coisas e lidade para nós significativa, e que consiste em
dos eventos nos interessa apenas por aquilo elementos determinados; e devemos ter cloro
que têm em comum com outros e, portanto, que essa individualidade em senso estrito (a
damos a atenção o esse elemento comum, única o que de costume se olude) não constitui
mesmo que de fato toda parte da realidade uma realidade, como o conceito de gênero, mas
seja individualmente diferente de todo outra, é apenas um produto de nosso aprendizado
e nada no mundo se repete exatamente. Uma do realidade, de nosso elaboração conceituai
vez que a individualidade da maior parte dos pré-científica.
objetos nos é totalmente indiferente, nós não H.
a conhecemos; para nós esses objetos não lógico do ciêncio histórico.
são mais que exemplares de um conceito de
gênero, que podem ser substituídos por outros
exemplares do mesmo conceito: mesmo que
nunca sejam idênticos, nós os vemos como tais
e, portanto, os designamos apenas com nomes
de gênero. €sta delimitação, conhecida de S im m e l
todos, do interesse por aquilo que é geral (no
sentido daquilo que é comum a um grupo de ob
jetos), ou aprendizado generalizante, sobre cuja
base consideramos erradamente que no mundo
existe algo como a identidade e a repetição, 5 O "terceiro reino"
é paro nós ao mesmo tempo de grande valor
prático. €le articulo de um modo determinado
dos produtos culturais
a multiplicidade e a policromia da realidade,
e nos torna possível nela nos orientarmos. Todos os conteúdos religiosos e jurídicos,
Por outro lado o aprendizado generali- científicos ou tradicionais, éticos ou artísticos
zante nõo esgota de nenhum modo aquilo que existem. São "espírito objetivo"e determinam
nos interessa em nosso ambiente e, portanto, "toda a evolução histórica do humanidade".
aquilo que dele conhecemos. Este ou aquele
objeto é mais tomado em consideração justa
mente por aquilo que lhe é peculiar, e que o Na história do gênero humano Foi d e
distingue de todos os outros objetos. Nosso senvolvida uma longa série de criações que,
interesse e nosso conhecimento se referem, surgidas pela genialidade ou pelo trabalho
portanto, justamente à sua individualidade, psicológico subjetivo, adquirem uma típica e
àquilo que o torna insubstituível, e mesmo que objetiva existência espiritual, acima das cons
saibamos que ele se deixa captor, como os ciências particulares que originariamente. os
outros objetos, como exemplar de um conceito produziram e que novamente as reproduzem.
de gênero, todavia não queremos considerá-lo A estas criações pertencem as proposições do
idêntico a outras coisas, mas queremos extraí- direito, as prescrições morais, as tradições em
lo expressamente de seu grupo; isso encontra todos os campos, a língua, as produções da
sua expressão lingüística na designação com arte e da ciência, a religião. Sem dúvida, elas
um nome próprio em vez de um substantivo de encontram-se ligadas a alguma forma exterior,
gênero. Também este tipo de articulação, ou à palavra ou à escritura, a dados dos sentidos
aprendizado individualizante da realidade, é ou do sentimento. Mas esta base material ou
tão corrente que não requer uma análise pos pessoal não esgota, em sua condicionalidade
terior. M as uma coiso é importante e deve ser temporal, a objetividade dos fatos espirituais
salientada: o conhecimento da individualidade e a forma particular de suo existência. O e s
de um objeto não constitui de modo nenhum pírito que está incorporado em um livro está
uma cópia no sentido de que conhecemos toda sem dúvida nele, pois dele pode ser extraído;
a multiplicidade de seu conteúdo, mas também também pode estar apenas enquanto tal livro
aqui se realiza um complexo de elementos que, acolhe em si o espírito do autor, o conteúdo de
nesta particular composição, pertence apenas seus processos psíquicos. Mas o autor morreu,
àquele único objeto determinado. Devemos, seu espírito não pode subsistir como processo
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo a o s é c u lo X X
psíquico originário, mas apenas para o leitor, própria manifestação. O conteúdo do pensa
cuja dinâmica espiritual, a partir d® traços 0 mento é verdadeiro, tanto se ele for ou não
sinais sobre o papel, reconstrói o 0spírito. pensado, como na csntralidade de ser falso,
Tal processo, porém, tem como condição a 50 0I0 for ou não pensado. A isso corresponde,
existência do livro e, de um modo totalmsnt© do outro lado, o princípio essencial, ou seja,
divorso 0 mais im0diato do que 0I0 não tenha, que ess© cont0Údo não é de modo nenhum a
o fato de que o sujeito que reproduz respira 0 cópia naturalista do objeto, p0lo qu0 ele vale.
sabe ler. O conteúdo, ao qual o leitor dá ©m O pensam0nto idealista da discrepância entre
si a forma d© processo vivo, 0stá no livro d0 a representação 0 o s©r 0m si da coisa perma
modo objetivo, 0 o leitor o "apreende". Mas, se nece aqui fora de discussão: que os objetos
também ele não o apreende, o livro não perde não possam passar em nossa consciência pode
esse conteúdo, e sua verdade ou falsidade, ser ©xato, mas, para o ponto d0 vista presente,
sua nobreza ou vulgaridade não dependem o problema é a priori outro. Pois aqui uma re
evidentsment© do fato d e que o significa alidade qu© não é imediatamente constatável
do do livro tenha sido recriado em ©spíritos como dado dos sentidos, nem pode ser com-
subj0tivos com maior ou m0nor freqüência 0 pre0ndida em seu ser por nenhum proc0sso d0
compre0nsão. Uma forma igual de existência pensamento, 0 oposta ao conhecer, o qual, por
têm todos os conteúdos religiosos ou jurídicos, sua vez, não a reproduz como uma cópia de
científicos ou tradicionais, éticos ou artísticos. gesso reproduz o original, mas 50 movimenta
Cies afloram historicamente 0 são, ao longo da em formas absolutamente diferentes, vive por
história, vez por outra reproduzidos, mas, entre assim dizer uma vida diferente em relação à da
©stas duas realizações psíquicas, eles têm uma realidad©. O s©r real dos elementos químicos
existência de forma diversa, mostrando assim co0xist0ntes sem relações recíprocas nada tem
que, também nessas formas subjetivas de rea- a ver com a lei das proporções múltiplas ou
Iidad0, subsist0m como algo qu0 n0las não com o sistema de M0nd0l0ieff; os movimentos
se esgota e é por si mesmo significativo, sem das estrelas não contêm absolutam0nte nada
dúvida, como espírito que, enquanto espírito da I0Í de. gravitaçõo. €ssas fórmulas, aliás,
objetivo, cujo significado concreto p0rman0C0 transportam na realidad© uma língua qu© não
intacto acima de sua vitalidade subjetiva nesta encontra nela correspondência nem sequer de
ou naquela consciência, não tem realmente uma voz. Portanto, se aquele terceiro reino
nada a fazer com seus pontos de apoio sen do qual as "leis naturais" podem servir como
síveis. (Esta categoria que permite conservar o o 0X0mplo mais simples, ou talvez como o
supermaterial no material e o supersubjetivo no símbolo, é sem dúvida distinto do processo
subjetivo determina toda a evolução histórica repres0ntativo que o traduz na forma da psiqui-
da humanidade; este ©spírito obj0tivo p0rmit0 dade, 0I0 é também distinto das substâncias 0
qu0 o trabalho da humanidad© conserve S0US dos movimentos que o traduzem na forma da
resultados acima das pessoas individuais e das realidad©. Para o surgimento da polaridade
reproduções individuais. [...] , de sujeito ©d© obj©to, o ser divid©-s© ©m dois
levanta(-se), sobre as realidades opos reinos, cujas qualidades ou funções são sem
tas do mundo, sujeito e objeto, um reino de dúvida incomparáveis. Sua relação, porém, que
conteúdos ideais, que não é nem subjetivo nem chamamos de conhecim©nto, torna-se possível
objetivo. €sses conteúdos têm valor e signifi porque realiza-se na forma de um como do
cado apenas em si e por si, mas, justamente outro o mesmo conteúdo, o qual, em si © por
por isso, podem formar como que a matéria si, transcende essa oposição. Tal concepção da
comum que entra, de um lado, na forma da unidade d© sujeito ©de objeto é, em s©u prin
subjetividade 0, do outro, na da obj0tividad0, cípio, muito diferente da spinoziana, segundo
0 assim m0d0ia a relação 0ntre os dois 0 re a qual os dois termos, por seu próprio ser, se
presenta sua unidade. Pod0r-s0-ia, portanto, perdem na unidade da substância absoluta,
indicar 0ssa t0oria como a do "t0rc0iro reino", exprimindo apenas as duas formas em que
0m que-entra aquilo qu© 0xpus, traçando as se realiza sua real existência metafísica, flqui,
linhas essenciais do pensamento hegeliano, ao contrário, sujeito © obj©to permanecem em
sobre a doutrina do espírito objetivo. O que sua ©ssência também mais separados, mas o
importa é, d© um lado, o p0nsam0nto que, no cosmo ideal dos conteúdos que se realizam sob
conhecimento, não só se realiza em nós um uma ou sob a outra destas categorias, ©difica,
processo psicológico, e é experimentado inte- sobre a diferenciação destes sistemas reais,
riorm0nt0 um ©stado d0 consciência, mas esse a unidad© daquilo qu© justamente neles se
proc0sso 0 0ssa consciência têm um cont0údo realiza, e assegura assim a possibilidade da
que vale também independentemente de sua verdode. fl descoberta deste terceiro reino,
Capítulo terceiro - O k isto H cism o a le m ã o / d e W ilk e lm I^il+key a AAí‘ int’ í [<í1
J\ A a x W e b e r :
o desencan+amento do mundo
e a metodologia
das ciências kistónco-sociais
• Para Weber há uma só ciência, uma vez que único é o critério para estabelecer
a cientificidade das diversas disciplinas: temos o conhecimento científico - tanto
nas ciências naturais como nas histórico-sociais - quando conseguimos produzir
explicações causais: scire est scire per causas. Ora, porém, a realidade apresenta
aspectos infinitos, pode ser estudada dos mais disparatados pontos de vista, ou
seja, a partir das mais diversas perspectivas.
O sociólogo ou o historiador da realidade sem limites que O cientista
se apresenta diante deles operam seleções, escolhem tratar um social
argumento ao invés de outro, um aspecto de um evento ao invés não glorifica
de outro: por exemplo, um historiador decide interessar-se pela e não condena,
Revolução Francesa mais do que pelas expedições de Xerxes e mas para ele
escolhe o estudo das relações entre Revolução e Igreja católica, é indispensável
de preferência, apenas para exemplificar, a realizar pesquisas a "referência
aos valores"
sobre o funcionamento dos tribunais.
Como é que, portanto, acontece tudo isso? Com quais cri - > 5 2
térios o sociólogo ou o historiador fazem as escolhas dos argu
mentos a tratar ou decidem quais aspectos e problemas enfrentar? Pois bem, tais
escolhas e decisões ocorrem - afirma W eber - com base na referência aos valores.
É o valor da justiça que guia a escolha do estudo dos tribunais no período da
Revolução Francesa; é o valor da eficiência que impele a pôr a atenção sobre a
máquina burocrática; e assim por diante. A referência aos valores é um princípio
de escolha; ele serve para estabelecer quais serão os problemas, os aspectos dos
fenômenos, isto é, o campo de pesquisa dentro do qual a investigação procederá
depois de modo cientificamente objetivo com a finalidade de chegar a explicações
causais dos próprios fenômenos.
existentes aqui em maior medida e ali em menor, e por vezes também ausentes",
e assim fazendo surge um modelo, um tipo-ideal ou modelo ideal-típico da eco
nomia citadina, ou do padre católico etc.; e tal tipo ideal serve para ver o quanto
a realidade efetiva se afasta ou se aproxima do tipo ideal. O "tipo ideal" é um
instrumento heurístico.
Max Weber (1864-1920) foi sociólogo, economista e teórico do método das ciências histórico-sociais.
Nesta fotografia de 1919 vemo-lo com barba e chapéu,
enquanto discute com o dramaturgo e pacifista comunista Ernst Toller.
Capítulo quarto - A W W e b e r e a s c iê n c ia s k is+ ó W co -so cia is
nos a estudar como dos pontos de vista a mais uma vez, mostra o absurdo da preten
partir dos quais os estudamos e, conseqüen são de que as ciências da cultura poderiam
temente, das causas de tais fenômenos. N ão e deveriam elaborar um sistema fechado de
pode haver dúvidas sobre tudo isso. conceitos definitivos. i?yr?grTT2~|
M as como se realiza, ou melhor, como
funciona essa seleção? Com uma expressão
tomada de Rickert, Weber responde a essa A teoria d o "tip o id ea l"
pergunta dizendo que a seleção se realiza
tendo como referência os valores.
E aqui é preciso que nos entendamos N a opinião de Weber, com freqüência
com muita clareza. Antes de mais nada, a linguagem do historiador ou do sociólogo,
a referência aos valores (Wertbeziehung) diferentemente da linguagem das ciências
não tem nada a ver com o juízo de valor naturais, funciona mais por sugestão do que
ou com a apreciação de natureza ética. por exatidão. E precisamente com o objeti
Weber é explícito: o juízo que glorifica ou vo de dar rigor suficiente a toda uma gama
condena, que aprova ou desaprova, não tem de conceitos utilizados nas investigações
lugar na ciência, precisamente pela razão histórico-sociais, Weber propôs a teoria
de que ele é subjetivo. Por outro lado, a do “ tipo ideal” . Escreve ele: “ O tipo ideal
referência aos valores, em Weber, não tem obtém-se pela acentuação unilateral de um
nada a dividir com um sistema objetivo e ou de alguns pontos de vista pela conexão
universal qualquer de valores, um sistema de certa quantidade de fenômenos difusos
em condições de expressar uma hierarquia e discretos, existentes aqui em maior e lá
de valores unívoca, definitiva e válida sub em menor medida, por vezes até ausentes,
specie aeternitatis. Dilthey já constatara a correspondentes àqueles pontos de vista
moderna “ anarquia de valores” ; e Weber unilateralmente evidenciados, em um qua
aceita esse relativismo. dro conceitual em si unitário. Em sua pureza
A referência aos valores, portanto, não conceitual, esse quadro nunca poderá ser
eqüivale a pronunciar juízos de valor (“ isto encontrado empiricamente na realidade;
é bom ” , “ aquilo é justo” , “ isto é sagrado” ), ele é uma utopia, e ao trabalho histórico se
nem implica o reconhecimento de valores apresenta a tarefa de verificar, em cada caso
absolutos e incondicionais. Então, o que pre individual, a maior ou menor distância da
tende Weber quando questiona a “referência realidade daquele quadro ideal, estabelecen
aos valores” ? Para sermos breves, devemos do, por exemplo, em que medida o caráter
dizer que a referência aos valores é um prin econômico das relações de determinada
cípio de escolha; ele serve para estabelecer cidade pode ser qualificado conceitualmen-
quais os problemas e os aspectos dos fenô te como próprio da economia urban a” .
menos, isto é, o campo de pesquisa no qual Pode-se ver, portanto, que o “ tipo
posteriormente a investigação se realizará ideal” é instrumento metodológico ou, se
de modo cientificamente objetivo, tendo em assim se preferir, expediente heurístico ou
vista a explicação causai dos fenômenos. de pesquisa. Com ele, construímos um qua
A realidade é ilimitada, aliás, infinita, dro ideal (por exemplo, de cristianismo, de
e o sociólogo e o historiador só acham inte economia urbana, de capitalismo, de Igreja,
ressantes certos fenômenos e aspectos desses de seita etc.), para depois com ele medir ou
fenômenos. E estes são interessantes não por comparar a realidade efetiva, controlando a
uma qualidade intrínseca deles, mas apenas aproximação (Annàherung) ou o desvio em
em referência aos valores do pesquisador. relação ao modelo.
Segue-se daí que ao historiador cabe Brevemente, pode-se dizer que:
exclusivamente a explicação de elementos e 1) a tipicidade ideal não se identifica
aspectos do acontecimento enquadrável em com a realidade autêntica, não a reflete nem
determinado ponto de vista (ou teoria). E os a expressa;
pontos de vista não são dados de uma vez 2) ao contrário, em sua “ idealidade” , a
por todas: a variação dos valores condiciona tipicidade ideal afasta-se da realidade efetiva
a variação dos pontos de vista, suscita novos para afirmar melhor seus vários aspectos;
problemas, propõe considerações inéditas, 3) a tipicidade ideal não deve ser con
descobre novos aspectos. É o feixe do maior fundida com a avaliação ou com o valor,
número de pontos de vista definidos e com “ este filho da dor de nossa disciplina” ;
provados que nos permite ter a idéia mais 4) o tipo ideal, repetindo, pretende ser
exata possível de um problema. Tudo isso, instrumento metodológico ou instrumento
Primeira parte - J K f ilo s o f i a d o s é c u lo X J X o » s é c u lo X X
houvesse tomado aquela decisão e se não Com base nisso, é oportuno fixar em
houvesse ocorrido o fuzilamento em Ber alguns breves pontos as considerações de
lim? Da mesma forma que um penalista, o Weber sobre a questão da avaliabilidade:
historiador isola mentalmente uma causa 1) O professor deve ter claro quando faz
(por exemplo, a vitória de M aratona ou o ciência e, ao contrário, quando faz política.
fuzilamento nas ruas de Berlim), excluindo-a 2) Se o professor, durante uma aula,
da constelação de antecedentes, para depois não pudesse se abster de produzir avalia
se perguntar se, sem ela, o curso dos aconte ções, então deveria ter a coragem e a probi
cimentos teria sido igual ou diferente. dade de indicar aos alunos aquilo que é puro
Desse modo, constroem-se possibili raciocínio lógico ou explicação empírica,
dades objetivas, isto é, opiniões (baseadas e aquilo que se refere a apreços pessoais e
no saber à disposição) sobre como as coisas convicções subjetivas.
podiam ocorrer, para se compreender me 3) O professor não deve aproveitar de
lhor como elas ocorreram. Prosseguindo no sua posição de professor para fazer propa
exemplo, se os persas houvessem vencido, ganda de seus valores; os deveres do pro
então é verossímil (ainda que não necessá fessor são dois:
rio, pois Weber não é determinista) que eles a) de ser cientista e de ensinar os outros
houvessem imposto na Grécia, como fizeram a se tornarem também;
em toda parte onde venceram, uma cultura b) de ter a coragem de pôr em discussão
teocrático-religiosa baseada nos mistérios seus valores pessoais e de pô-los em discus
e nos oráculos. Esta é uma possibilidade são no ponto em que se pode efetivamente
objetiva e não gratuita, para que compreen discuti-los, e não onde se pode facilmente
damos que a vitória de M aratona é causa contrabandeá-los.
muito importante para o desenvolvimento 4) A ciência é distinta dos valores, mas
posterior da Grécia e da Europa. Já os não está separada deles: uma vez fixado o
fuzilamentos diante do castelo de Berlim, objetivo, a ciência pode nos dar os meios
em 1848, pertencem à ordem das causas mais apropriados para alcançá-lo, pode pre
acidentais, pelo fato de que a revolução teria ver quais serão as conseqüências prováveis
explodido de qualquer forma. BffÉinri do empreendimento, pode nos dizer qual é
ou será o “ custo” da realização do fim a que
nos propomos, pode nos mostrar que, dada
uma situação de fato, certos fins são irreali-
;A polêmica záveis ou momentaneamente irrealizáveis, e
s o b r e a //^ A ã o - a v a lia b > ilid a d e ,, pode nos dizer também que o fim desejado
choca-se com outros valores.
Em todo caso, a ciência nunca nos dirá o
Weber distingue claramente entre co que devemos fazer, e como devemos viver. Se
nhecer e avaliar, entre juízos de fato e juízos propusermos essas interrogações à ciência,
de valor, entre “ o que é” e “ o que deve ser” . nunca teremos resposta, porque teremos
Para ele a ciência social é não-valorativa, no batido à porta errada. Cada um de nós deve
sentido de que procura a verdade, ou seja, buscar a resposta em si mesmo, seguindo sua
procura apurar como ocorreram os fatos e inspiração ou sua fraqueza. O médico pode
por que ocorreram assim e não diferente até nos curar, mas, enquanto médico, não
mente. A ciência explica, não avalia. está em condições de estabelecer se vale ou
Dentro do trabalho de Weber, tal toma não vale a pena viver. H gQ Rn
da de posição tem dois significados:
a) um, epistem ológico, consiste na
defesa da liberdade da ciência em relação a A ética protestante
avaliações ético-político-religiosas (uma teo e o espírito do capitalismo
ria científica não é católica nem protestante,
não é liberal nem marxista);
b) o outro significado, ético-pedagógi- Tanto em seu grande tratado Econo
co, consiste na defesa da ciência em relação mia e sociedade (ver o capítulo: “Tipos de
às deformações demagógicas dos chamados comunidade religiosa” ) como nos Escritos
“ socialistas de cátedra” , que subordinavam de sociologia da religião, Weber estudou a
o valor da verdade a valores ético-políti- importância social das formas religiosas de
cos, isto é, subordinam a cátedra a ideais vida. O ponto de partida da história reli
políticos. giosa da humanidade é um mundo repleto
Primeira parte - ;A filo sofia d o s é c u lo X^X a ° s é c u lo XX
I
de algum modo ou em algum lugar, causas . D e s e n c a n ta m e n to d o m u n d o . O 1
econômicas. Todavia, precisamente nesses desencantamento do mundo é, para 1
casos eles se contentam com hipóteses de
malhas mais am plas e formulações mais
gerais, enquanto sua necessidade dogmática
é satisfeita ao considerar que as forças ins
Max Weber, o resultado do "processo ;í
tintivas econômicas são as forças próprias,
de intelectualização ao qual estive- \
as únicas verdadeiras e, em última instância, mos submetidos há séculos". |
as forças sempre decisivas” . O significado profundo desta progres- "
Para concluir, podemos dizer que Weber: s siva intelectualização e racionalização ;
a) aceita a perspectiva m arxista nos j consiste, na opinião de Weber; "na j
limites em que ela, vez por outra, é adotada \ consciência ou na fé que basta apenas •
como conjunto de hipóteses explicativas a [ querer para po d e r; toda coisa, em :
serem comprovadas caso por caso; j linha de princípio, pode ser dominada í
b) rejeita a perspectiva marxista quan \ pela razão. O que significa o desen- í
do se transforma em dogma metafísico e, I cantamento do mundo. Não é preciso j
| mais recorrer à magia para dominar 1
simultaneamente, apresenta-se como con
J ou para agradar os espíritos, como J
cepção científica do mundo; . faz o selvagem, para o qual existem í
c) não é intenção de Weber, como \ tais poderes. A isso suprem a razão e j
escreve em A ética protestante e o espírito [ os meios técnicos". j
do capitalismo, a de “ substituir” uma inter I Em um mundo assim desencantado, •
pretação causai da civilização e da história, | "a tensão entre a esfera dos valores 1
abstratamente materialista, por outra espi I da 'ciência' e a da salvação religiosa j
I é incurável". 1
Primeira parte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ ? X a° s é c u lo X X
SBiafttM
WEBER
METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS
A R E FE R E N C IA A O S V A LO RES
é um princípio de escolha que serve para estabelecer o campo de pesquisa
em que sucessivamente a pesquisa procederá de modo cientificamente
objetivo, em vista da explicação causai dos fenômenos _____ .
SSÜlfHS
O DESENCANTAMENTO DO MUNDO
porque possuía muitas riquezas". O preceito convicção podereis expor com a máxima força
evangélico é incondicionado e preciso: entrega de persuasão que sua ação terá como conse
aquilo que possuis, tudo, absolutamente. O qüência aumentar as esperanças da reação,
político observará: "Uma pretensão socialmente agravar a opressão de sua classe e impedir
absurda, enquanto não for atuada por todos". sua ascensão: isso não o deixará minimamente
€, portanto, taxações, expropriações, confiscos, impressionado. Se as conseqüências de uma
em uma palavra, ordens e coerções para todos. ação determinada por uma convicção pura são
Mas a lei moral não exige nada de tudo isso, e más, delas será responsável, segundo este,
nisso reside sua essência. Ou então, tomemos a não o agente, e sim o mundo ou a estupidez de
ordem: “Dá a outra face": incondicionadamente, outrem, ou a vontade divina que os criou tais.
sem perguntar qual direito tem o outro de bater. Quem, ao contrário, raciocina segundo a ética
Uma ética da falta de dignidade, a menos que da responsabilidade leva justamente em conta
se trate de um santo. €ste é o fato: é preciso os defeitos presentes na média dos homens;
ser um santo em tudo, ao menos na intenção: ele não tem nenhum direito - como justamente
é preciso viver como Jesus, como os apóstolos, disse Fichte - de neles pressupor bondade e
como são Francisco e seus confrades, e ape perfeição, não sente-se autorizado a atribuir a
nas então essa ética tem um sentido e uma outros as conseqüências de sua própria ação,
dignidade. De outra forma, não. Com efeito, até onde podia prevê-la. €ste dirá: “estas con
onde, como conseqüência da ética do amor, se seqüências serão imputadas ao que eu fiz". O
ordena: “Não resistir ao mal com a violência", homem moral segundo a ética-da convicção se
o preceito que vale vice-versa para o político sente “responsável'' apenas quanto ao dever
é o seguinte: "Deves resistir oo mal com o vio de manter acesa a chama da convicção pura,
lência, de outro modo serás responsável se ele por exemplo, a do protesto contra a injustiça
prevalece". Quem quiser agir segundo a ética da ordem social. Reavivá-la continuamente, é
do êvangelho, abstenha-se das greves - pois este o objetivo de suas ações absolutamente
elas constituem uma coerção - e se inscreva irracionais-julgando por seu possível resultado
nos sindicatos pelegos. Mas, principalmente, as quais podem e devem ter um valor apenas
não fale de "revolução", uma vez que essa ética de exemplo. , .
não ensinará sem dúvida que seja exatamente Todavia, nem sequer com isso o problema
a guerra civil a única guerra legítima. O pacifista esgota-se. Nenhuma ética do mundo pode pres
que age segundo o €vangelho recusará pegar cindir do fato de que o alcance de fins “bons"
em armas ou então os jogará fora, como era é o mais das vezes acompanhado pelo uso de
recomendado na Alemanha, considerando isso meios suspeitos ou pelo menos perigosos, e
um dever moral, com o objetivo de pôr fim à pela possibilidade ou também pela probabi
guerra e com isso a toda guerra. [...] € finalmen lidade do concurso de outras conseqüências
te: o dever da verdade. Para a ética absoluta más, e nenhuma ética pode determinar quando
trata-se de um dever incondicionado. [...] A e em que medida o objetivo moralmente bom
ética absoluta não se preocupa com as con "justifica" os meios e as outras conseqüências
seqüências. €ste é o ponto decisivo. Devemos igualmente perigosas. [...] Aqui, sobre este
perceber claramente que todo agir orientado problema da justificação dos meios mediante
em sentido ético pode oscilar entre duas máxi o fim, também a ética da convicção em geral
mas radicalmente diversas e inconciliavelmente parece destinada a falir. 6, com efeito, ela não
opostas, ou seja, pode ser orientado segundo tem logicamente outro caminho a não ser o de
a "ética da convicção” [gesinnungsethisch], ou recusar toda ação que opere com meios perigo
então segundo a "ética da responsabilidade" sos do ponto de vista ético. Logicamente. Sem
[verantujortungsethisch]. Não que a ética da dúvida, no mundo da realidade fazemos conti
convicção coincida com a falta de responsa nuamente a experiência que o fautor da ética
bilidade e a ética da responsabilidade com da convicção transforma-se repentinamente no
a falta de convicção. Não se quer certamente profeta milenarista, e que, por exemplo, aque
dizer isso. Mas há uma diferença intransponí les que pouco antes pregaram opor “o amor à
vel entre o agir segundo a máxima da ética força", um instante depois apelam à força, à
da convicção, a qual - em termos religiosos força última, a qual deveria levar à abolição de
- soa: "O cristão age como justo e entrega o toda força possível, assim como nossos chefes
resultado nas mãos de Deus", e agir segundo a militares a cada nova ofensiva diziam aos sol
máxima da ética da responsabilidade, segundo dados: "Gsta é a último, nos levará à vitória e,
a qual é preciso responder pelas conseqüências portanto, à paz”.
(previsíveis) das próprias ações, fl um convicto M. LUeber,
sindicalista que se regule conforme a ética da O trabalho intelectual como profissão.
.............................. 69
Capítulo quarto - fiAax Webe** e as ciências kis+ó^ico-sociais _
ideais supremos. Mas o verdadeiro mestre evi uma atitude pessoal. Mas isso nõo é tudo. A
tará impeli-lo, do alto da cátedra, a tomar uma impossibilidade de apresentar "cientificamente"
atitude qualquer, tanto de modo explícito como uma atitude prática - exceto o caso da discus
por sugestão: uma vez que é o método mais são sobre os meios para um objetivo que se
desleal, o de "fazer os fatos falarem". pressupõe já dado - deriva de razões bem
Todavia, por qual razão, precisamente, mais profundas. Semelhante empreendimento
devemos nos abster disso? Adianto que diver é substancialmente absurdo, enquanto entre
sos entre meus estimadíssimos colegas são do os diversos valores que presidem a ordem do
parecer de que tal discrição não seja exeqüível mundo o contraste é inconciliável. O velho Mill,
e que, mesmo que o fosse, seria loucura pre cuja filosofia não pretendo por outro lado louvar,
tendê-la. Ora, a ninguém pode-se demonstrar mas que sobre este ponto tem razão, diz em
cientificamente qual seja seu dever de professor certo lugar: partindo da pura experiência chega-
universitário. Dele pode-se pretender apenas a se ao politeísmo. [...] Mudado sob o aspecto,
probidade intelectual, por meio da qual saiba acontece como no mundo antigo, ainda sob o
compreender como a verificação dos fatos, das encanto de seus deuses e de seus demônios:
relações matemáticas ou lógicas e da estrutura como os gregos sacrificavam ora a Afrodite e ora
interna das criações do espírito de um lado, e a Apoio, e cada um em particular aos deuses de
do outro a resposta à questão a respeito do sua própria cidade, assim é ainda hoje, sem a
valor da civilização e de seus conteúdos parti magia e o revestimento daquela transfiguração
culares - e, portanto, a respeito do modo com plástica, mítica, mas intimamente verdadeira.
o qual se devo agir no âmbito da comunidade Sobre estes deuses e sobre suas lutas domina o
civil (Hulturgemeinschaft) e das sociedades destino, e sem dúvida não a "ciência'', é possível
políticas - sejam dois problemas absolutamente somente entender o que seja o divino em um
heterogêneos. Se depois ele pergunta por que ou no outro caso, ou então em uma ordem ou
não deva tratá-los ambos na universidade, na outra. Mas com isso a questão está absolu
eis a resposta: porque a cátedra não é para tamente fechada a qualquer discussão em uma
os profetas e os demagogos. Ao profeta e sala de aula pela boca de um mestre, ainda que
ao demagogo foi dito: "Sai pelas ruas e fala de fato naturalmente não esteja de modo ne
publicamente”. Fala, isto é, onde é possível a nhum fechado o enorme problema de vida q.ue
crítica. Na aula, onde se está sentado diante nela está contido. Aqui, porém, a palavra cabe
dos próprios ouvintes, a estes cabe calar-se e a outras forças e não às cátedras universitárias.
ao mestre falar, e reputo uma falta de sentido Quem desejará tentar "refutar cientificamente" a
de responsabilidade aproveitar tal circunstância ética do Sermõo da Montanha, por exemplo, a
- por meio da qual os estudantes são obrigados máxima: "não fazer resistência ao mal", ou então
pelo programa de estudos a freqüentar o curso a imagem de dar a outra face? Apesar disso é
de um professor onde ninguém pode intervir claro que, de um ponto de vista mundano, aí
para contestá-lo - para inculcar nos ouvintes se prega uma ética da falta de dignidade: é
as próprias opiniões políticas ao invés de tra preciso escolher entre a dignidade religiosa,
zer-lhes subsídios, como o dever impõe, com que é o fundamento desta ética, e a dignidade
os próprios conhecimentos e as próprias expe viril, que prega algo bem diverso: "Deves fazer
riências científicas. Pode certamente ocorrer que resistência ao mal, de outra forma és também
o indivíduo consiga apenas imperfeitamente responsável se este prevalecer". Depende da
esconder suas próprias simpatias subjetivas. própria atitude em relação ao fim último que
6ntão ele se expõe à crítica mais impiedosa um seja o diabo e o outro o deus, e cabe ào
diante do tribunol de sua consciência. € isso indivíduo decidir qual seja para ele o deus e
por outro lado não prova nada, uma vez que qual o diabo. 6 assim ocorre para todos os
também outros erros puramente de fato são ordenamentos da vida. [...]
possíveis, e nõo podem contrastar o dever de M as o destino de nossa civilização é
procurar a verdade. €u me recuso a admiti-lo justamente este, de nos termos tornado hoje
também e precisamente pelo interesse pura novamente e mais claramente conscientes
mente científico. €stou disposto a provar sobre daquilo que um milênio de orientação - que
as obras de nossos historiadores que, toda vez se presume ou se afirma exclusiva - para o
que o homem de ciência adianta seu próprio grandioso pothosda ética cristã havia ocultado
juízo de valor, cessa a inteligência perfeita do a nossos olhos.
fato. Todòvia, isso extrapola o tema deste dis Todovia, basta agora desses problemas
curso e exigiria longa explicação. [...] que nos levam demasiado longe. Pois, quando
Até agora falei apenas dos motivos prá uma parte de nossos jovens quisesse dar a tudo'
ticos que aconselham evitar a imposição de isso esta resposta: "Sem dúvida, mas viemos à
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo XJX a o s é c u lo XX
— ► -----------------------------------------
aula para encontrar uma experiência que não
consista apenas em análises e constatações 6 ainda: "Um ato econômico capitalista sig
de fato", eles incorreriam no erro de procurar nifica poro nós um ato que se baseia sobre
no professor algo de diverso daquilo que está a expectativa de ganho, qu e deriva do
diante deles, ou seja, um chefe e não um mestre. desfrutar habilmente as conjunturas da troca
fl cátedra nos é conferida apenas como mestres. e, portanto, das probabilidades de ganho
Trata-se de duas coisas bem diferentes, e disso formalmente pacíficas".
é fácil nos convencermos. Permitam-me conduzi-
los mais uma vez à América, onde estas coisas
podem ser vistas freqüentemente em sua mais Apenas o Ocidente produziu os parla
crua originalidade. Ojovem americano aprende mentos de "representantes do povo”, eleitos
incomparavelmente menos que o nosso. Ape periodicamente, os demagogos, e o domínio
sar de uma incrível quantidade de exames, o dos chefes de partido na vesto d0 ministros
sentido de sua vida de escola ainda não se parlamentarmente responsáveis, embora, na
tornou tal para fazê-lo passar por um "tipo de turalmente, em todo o mundo tenham assistido
exames’' (€xamessmensch), como acontece com partidos para a conquista do poder político. €
ojovem alemão. Isso porque lá se está apenas o Cstado, sobretudo, com o significado de um
nos inícios da burocracia, que exige o diploma instituto político, com uma Constituição racional
de exame como bilhete de ingresso no reino mente promulgada, com um direito racionalmen
dos ganhos burocráticos. O jovem americano te constituído, com uma administração dirigida
nõo respeita nada nem ninguém, nenhuma tra por empregados especializados segundo regras
dição e nenhuma profissão, além de sua obra racionalmente enunciadas, apenas o Ocidente
diretamente pessoal: tal é para o americano a moderno o conhece nessa combinação, para
"democracia". Por mais disforme que seja da nós importante, das várias características de
realidade, este é seu modo de pensar e aqui terminantes, fora de todas as tentativas em tal
devemos levar isso em conta. Do mestre que sentido de outros tempos e de outros países.
está diante dele, o jovem americano tem esta C assim acontece com a maior força de
opinião: ele me vende suas noções e seus mé nossa vida moderna: o capitalismo.
todos em troça do dinheiro de meu pai, assim fl sede d© .lucro, a aspiração o ganhar
como o feirante vende couve para minha mãe. dinheiro o mais possível, nõo tem em si mesma
Com isso, tudo está dito. Todavia, se o mestre é nada em comum com o capitalismo. Csta aspi
por acaso um campeão de futebol, nesse campo ração encontra-se nos camareiros, médicos,
ele é também um chefe. Mas se não for tal (ou cocheiros, artistas, coristas, empregados corrup
algo de semelhante em outros esportes), ele tíveis, soldados, bandidos, nos cruzados, nos
é simplesmente um mestre e nada mais, e a freqüentadores de casas de jogo, nos mendi
nenhum jovem americano ocorrerá que ele lhe gos; pode-se dizer em ali sorts and conditions of
venda "concepções do mundo" (UJeltanschauun- men, em todas as épocas de todos os países da
geri) ou normas de conduta. terra, onde havia e há a possibilidade objetiva.
M. UUsber, Deveria já entrar nos mais rudimentares
O trabolho intelectual como profissão. elementos da educação histórica o abandono
de uma vez para sempre dessa ingênua defi
nição do conceito de capitalismo.
fl ânsia desmedida de ganho não é de
5 €m busca de uma definição modo nenhum idêntica ao capitalismo, e muito
menos corresponde ao "espírito" deste.
de "capitalismo" O capitalismo pode aliás se identificar com
uma disciplina, ou pelo menos com um tempero
O que é o "capitalismo"? "R ânsia d es racional de tal impulso irracional. Cm todo caso,
medida de ganho nõo é de fato idêntica ao o capitalismo é idêntico com a tendência ao
capitalismo, e muito menos corresponde ao ganho em uma empresa capitalista racional
'espírito' dele. O capitalismo p od e aliás se e contínua, ao ganho sempre renovado, ou
identificar com uma disciplina, ou pelo me seja, à rentabilidade. € assim ele deve ser.
nos com um tempero racional de tal impulso Cm uma ordem capitalista de todo a economia,
irracional. €m todo coso, o capitalismo é idên um empreendimento capitalista particular, que
tico à tendência de ganho em uma racional não se orientasse segundo a eventualidade de
0 contínuo empresa capitalista, ao ganho alcançar a "rentabilidade", seria condenado a
sem pre renovado, isto é, à rentabilidade". perecer. Definomo-lo mais exatamente do que
geralmente se faz.
73
Capítulo quarto - A W W e b e r e a s c iê n c ia s h is tó r ic o -s o c ia is ...
Um o to econômico capitalista significa para obriguem a um cálculo preciso. Mas estes são
nós um ato que se baseia sobr® a expectativa elementos que se referem apenas ao grau da
de ganho que deriva do desfrutar habilmente racionalidade do proveito capitalista.
as conjunturas da troca, portanto, de proba Para o conceito, importa apenas que o
bilidades de ganho formalmente pacíficas, fl confronto entre o resultado calculado em di
aquisição violenta (formal e atual) segue suas nheiro e a entrada calculada em dinheiro, em
leis particulares, e não é útil - mesmo que não qualquer forma, por mais primitiva que seja,
se possa proibir de fazê-lo - colocá-la sob a determine o ato econômico. Neste sentido
mesma categoria da atividade orientada se houve "capitalismo" e “empresas capitalistas"
gundo as probabilidades de ganho na troca. também com certa racionalidade no cálculo
Quando se tende de modo racional ao ganho do capital em todos os países civilizados do
capitalista, a ação correspondente orienta-se mundo; pelo menos até onde remontam os do
conforme o cálculo do capital. cumentos econômicos que possuímos. Na China,
Isso quer dizer que ela ordena-se segundo na índia, na Babilônia, no Cgito, na antiguidade
um emprego preestabelecido de prestações mediterrânea, na Idade Média e na era moder
reais ou pessoais como meios para conseguir na. Existiram não só empresas isoladas, mas
um proveito, de modo tal que a consistência também complexos econômicos que se basea
patrimonial estimada em dinheiro no encerra vam sobre empresas capitalistas particulares
mento das contas supere o capital, ou seja, o sempre novas, e também empresas contínuas;
valor estimado, posto na balança, dos bens embora o comércio por longo tempo não tivesse
instrumentais reais empregados na aquisição o caráter de nossas empresas continuativas,
por meio da troca. No caso de uma empresa mas muito mais o de uma série de atos singu
contínua a consistência patrimonial em dinhei lares e apenas lentamente, na atividade dos
ro calculada periodicamente na balança deve grandes comerciantes, penetrasse uma ligação
periodicamente superar o capital. Tanto se se íntima, com a instituição de várias seções. €m
tratar de um complexo de mercadorias in natu- todo modo, a empresa e o empreendedor
ra entregues em consignação a um mercador capitalista, não só de ocasião mas também
viajante cujo proveito final pode consistir em com atividade contínua, são antiquíssimos e se
outras mercadorias in natura, como de uma difundiram em todo lugar. Mas o Ocidente tem
fábrica cujas instalações particulares, edifícios, um grau de importância que não se encontra
máquinas, reservas de dinheiro, matérias-pri alhures. € desta importância dão a razão as
mas, produtos acabados e semitrabalhados espécies e formas e direções do capitalismo
representam exigências às quais correspondem que não surgiram em outros lugares. Cm todo
compromissos: o importante é que seja feito um o mundo houve estados mercantes dedicados
cálculo do capital expresso em dinheiro, tanto ao comércio por atacado e por varejo, local e
de modo moderno, com livros regulares, como em países distantes, houve empréstimos de
também de modo primitivo e superficial. toda espécie, eram muito difundidos bancos
C no início da empresa tem lugar um ba com funções bastante diversas, mas pelo me
lanço inicial, como antes de todo ato comercial nos semelhantes em substância às dos bancos
particular um cálculo para o controle e um ensaio de nosso século XVI; empréstimos marítimos,
da correspondência do ato com o objetivo pre negócios e sociedades em comodato, consig
fixado e, no encerramento, para verificar aquilo nações, eram profissionalmente muito difundi
que se ganhou, tem-se um cálculo retrospectivo: dos. Sempre, onde houve finanças em base
o balanço de encerramento. O balanço inicial de monetária dos entes públicos, esteve presente
uma consignação é, por exemplo, o acerto de o banqueiro; na Babilônia, na Grécia, na (ndia,
valor expresso em dinheiro que devem ter as na China e em Roma; para o financiamento em
mercadorias para as partes contraentes, caso primeiro lugar das guerras e da pirataria, para
sejam elas ainda não em si mesmas dinheiro; provisões e trabalhos de todo tipo, na política
o balanço de encerramento é a estimativa final colonial como colonizadores, plantadores ou
que é fundamento da repartição do ganho e portadores de concessões a escravos ou com
da perda. Um cálculo está como fundamento trabalhadores forçados de várias formas; para
de todo ato particular do consignatário, desde o concessão de empreitada de propriedades,
que este aja racionalmente. Que não se tenham de profissões, e principalmente de impostos,
um cálculo e uma estimativa realmente exatos; para o financiamento de chefes-de-partido para
que se proceda a modo de estimativa ou então as eleições e de chefes de mercenários poro
tradicional e convencionalmente, são coisas que a guerra civil; em suma, como especuladores
acontecem ainda hoje em toda forma de empre sobre probabilidades de todo tipo avaliáveis
sa capitalista, sempre que as circunstâncias não em dinheiro. Csta espécie de empreendedores,
PtÍ1fl€ÍTCil parte - y\ filo sofia d o s é c u lo X *-7 X a o sé c u lo X X
os aventureiros copitolistos, existiu em todo o dos fatores técnicos decisivos; em suma, pelo
mundo. fundamento de um cálculo exato; o que, na rea
Suas possibilidades eram - com exceção lidade, significa o caráter particular da ciência
do comércio e dos negócios de crédito 0 do européia, especialmente das ciências naturais
banco - ou de caráter puramente irracional, es com fundamento racional, experimental e mate
peculativo, ou eram orientadas para a aquisição mático. O desenvolvimento dessas ciências e da
pela violência, para a predação, tanto como técnica que sobre elas se baseia recebeu, por
butim ocasional de guerra ou butim crônico 0 sua vez, e recebe até agora, impulsos decisivos
fiscal, ou seja, a espoliação dos súditos. O ca das probabilidades de rendimento capitalista,
pitalismo colonial dos grandes especuladores, que se ligam ò sua aplicação econômica como
e o capitalismo financeiro moderno do tempo "prêmios”.
de paz, mas principalmente e d© modo espe M. Weber,
cífico o capitalismo de guerra, levam também fí ético protestante
hoje no Ocidente essa marca; e alguns ramos e o espírito do capitalismo.
- mas apenas alguns - do comércio internacio
nal, tanto hoje como em qualquer tempo, os
seguem de perto.
Mas o Ocidente conhece na época moder 6 R ética protestante
na uma espécie de capitalismo bem diferente,
e que por outro lado jamais se desenvolveu: a
e o espírito do capitalismo
organização racional do trabalho formalmente
livre, fl mesma organização do trabalho não "Fl voloroçõo religioso do trobolho pro
livre chegou a certo grau de racionalidade fissional leigo, incansável, contínuo, sistemá
apenas nas plantações e, em medida muito tico, como do mais oito meio ascético, e ao
limitada, nas colônias penais da antiguidade; mesmo tempo como da mais alta, segura e
e teve um grau de racionalidade ainda menor visível confirmação do homem regenerado
nas curtes e fábricas e indústrias domésticas e da sinceridade de sua fé, devia s e r o
das grandes propriedades agrícolas com o fermento mais poderoso que s e pudesse
trabalho dos escravos e dos servos da gleba pensar paro a expansão daquela concepção
no princípio da era moderna. Pora o trabalho de vido, que definimos como 'espírito do
livre estão documentadas, fora do Ocidente, capitalismo' ".
verdadeiras e próprias "indústrias domésticas"
apenas em casos isolados, e o emprego de
assalariados diaristas que naturalmente se en Quanto maior se torna a propriedade, tan
contra em todo lugar, fora exceções muito raras to mais grave se torna - se a disposição ascética
e particularíssimas, todavia bem distantes das supera a prova - o sentimento da responsabi
organizações industriais modernas (trotava-se lidade para mantê-la intacta para a glória de
especialmente de monopólios de €stado), não Deus e de aumentá-la com um trabalho sem
produziu jamais grandes manufaturas e nem trégua. Também a gênese deste estilo da vida
sequer uma organização racional de profissão remonta com tais raízes, como tantos elementos
de tipo patronal no modelo da de nossa Idade do espírito capitalista moderno, à Idade Média,
Média, fl organização racional da indústria mas apenas na ética do protestantismo ascético
orientada conforme as conjunturas do mercado encontrou seu conseqüente fundamento moral.
e não conforme probabilidades políticas ou irra Sua importância para o desenvolvimento do
cionalmente especulativas não é, porém, o único capitalismo é evidente.
fenômeno particular do capitalismo ocidental, fl ascese leiga protestante - assim po
fl organização racional moderna da atividade demos resumir aquilo que dissemos até aqui
capitalista não teria sido possível sem outros - agiu com grande violência contra o gozo
dois importantes elementos de seu desenvolvi desmedido da propriedade, e restringiu o con
mento: a separação da administração doméstica sumo, principalmente o consumo de luxo. Por
da empresa, que doravante domina a vida outro lado liberou, em seus efeitos psicológicos,
econômica hodierna; e, estreitamente ligada a a aquisição de bens dos obstáculos da ética
esta, a capacidade racional dos livros. [...] tradicionalista, enquanto não só a legalizou,
O capitalismo especificamente ocidental mas até, no sentido que expomos, a viu como
foi, evidentemente, determinado em grande desejada por Deus. fl luta contra os prazeres da
medido tombém pelo desenvolvimento das pos carne e o apego aos bens exteriores não era,
sibilidades técnicas. Sua racionalidade é hoje como atesta expressamente, com os puritanos,
fortemente condicionada pela calculabilidade também o grande apologeta dos Quakers,
75
Capítulo quarto - M w W e b e f e a s c iê n c ia s k is + ó fic o -s o c ia is ------
Barclay, uma luta contra o ganho racional, e sim uma exata determinação em cifras quão forte
contra o emprego irracional da propri0dad0. 6 tenha sido esse efeito. Na Nova Inglaterra a
isso consistia no alto apreço, condenado como ligação aparece tão evidente, que naturalmente
idolatria, das formas ostensivas do luxo que não fugiu ao olho de um historiador excelente
oram tão próximas do modo de sentir f0udal, 0m como Doyle. Mas também na Holanda, que
v®z do emprego desejado por Deus, racional e foi dominada pelo calvinismo rigoroso apenas
utilitário, para os fins da vida do indivíduo e da por sete anos, a maior simplicidade da vida
coletividade. Não se queria impor ao proprietá que dominava nos grupos religiosamente mais
rio a maceração, mas o uso d© sua riqueza para sérios, ligada às 0norm©s riquezas, levou a uma
coisas necessárias 0 de utilidade prática. ansiedade excessiva de acumular capitais.
O conc0ito de comfort alarga de modo M. Weber,
característico o círculo dos fins, moralmente ft ética protestante
lícitos, em que a riqueza pode ser empregada, e o espírito do capitalismo.
e naturalmente não é um acaso que se tenha
observado justamente entre os mais conse
qüentes seguidores de toda esta concepção, os
Quakers, um desenvolvimento mais precoce e O desencantamento
mais manifesto do estilo de vida, que s© remete
a ess© conceito. Contra as brilhantes aparências do mundo
da pompa cavalheiresca, que, apoiando-se
sobre bases econômicas pouco sólidas, prefere é destino de nosso époco, "com suo ca
uma exígua elegância na simplicidade modesta, racterística racionalização e intelectualização,
0I0S opõ0m como ideal a limpa e sólida como e sobretudo com seu desencantamento do
didade do home burguês. mundo", o de ser uma época sem Deus 0
No campo da produção da riqueza priva sem profetas. 6 isso impõe o coda um fazer
da, a ascese combatia contra a desonestidade com coragem as próprias escolhas e seguir "o
e contra a avidez puramente impulsiva qu© demônio que segura os fios de sua vida".
cond©nava como covetousness 0 “mamonismo’';
ou S0ja, o esforço tenso para a riqueza, pelo
único escopo final d© s©r rico. Mas a ascese Que a ciência hoje seja uma "profissão"
©ra a força "qu© quer continuamente o bem e especializado, posta a serviço da consciência
continuamente o mal", isto é, cria aquilo que, de si e do conhecimento d© situações de fato,
segundo sua própria interpretação, é mal: a © não uma graça de visionários e profetas,
riqueza e suas tentaçõ©s. dispensadora de meios de salvação e de
Pois ©Ia não soment© via, com o flntigo revelações, ou um elemento da meditação de
Testamento e em plena analogia com o apreço sábios e filósofos sobre o significado do mundo,
ético das “obras boas", no esforço para a rique é certamente um dado de fato, inseparável de
za como fim a si mesma, uma coisa reprovável nossa situação histórica, à qual, se quisermos
em máximo grau, e na conquista, ao contrário, permanecer fiéis a nós mesmos, não podemos
da riqueza, como fruto do trabalho profissio escapar. € s© novamente surge em vós o Tolstoi
nal, a bênção de Deus. Mas, coisa ainda mais qu© pergunta: “Se, portanto, não é a ciência que
importante: a avaliação religiosa do trabalho o faz, quem responde então à pergunta: o que
profissional leigo, incansável, contínuo, siste devemos fazer? € como devemos regular nossa
mático, como o mais elevado meio ascético, e vida?",, ou então, na linguagem que há pouco
ao mesmo t©mpo como a mais ©levada, segura usamos: “Fl qual dos deuses em luta devemos
e visível confirmação e prova do homem rege- servir? Ou talvez algum outro, e, nesse caso,
nsrado ©da sinc0ridad© d© sua fé, devia ser a quem?", é preciso dizer que a resposta cabe a
alavanca mais poderosa que se pudesse pensar um profeta ou a um redentor. Se este não se
para a expansão daquela concepção da vida, encontra entre nós, ou se o anúncio dele não
que definimos como "espírito do capitalismo". é mais crido, sem dúvida não adiantará fazê-lo
€ se ligarmos a limitação do consumo com este descer sobre esta terra em que milhares de
desencadeamento do esforço dirigido ao ga professores tentem roubar-lhe o papel em suas
nho, o resultado exterior é evidente: formação aulas, como pequenos profetas privilegiados
do capital por meio de uma constrição ascética ou pagos pelo €stado. Isso servirá apenas
à poupança. Os obstáculos que se opunham para esconder toda a enorme importância e o
ao consumo daquilo que se tinha adquirido significado do fato decisivo, ou seja, qu© o pro
deviam aumentar seu emprego produtivo como feta, que tantos de nossa mais jovem geração
capital de investimento. Naturalmente foge a invocam, não existe. O interesse interior de um
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo XJX a o s é c u lo XX
o respeito de seu próprio significado - o fato sem ter compreendido que entre as paredes
de que muitas dessas associações de jovens, da sala de aula uma só virtude tem valor: a
surgidas no silêncio destes últimos anos, dêem simples probidade intelectual. €la nos impõe
às suas relações comuns, humanas, o sentido colocar às claras que hoje todos aqueles que
de uma ligação religiosa, cósmica ou mística. Se vivem na espera de novos profetas e novos
for verdade que todo ato de genuína irmandade redentores se encontram na mesma situação
pode se ligor com a consciência de que com isso descrita no belíssimo canto da escolta iduméia
é de algum modo acumulado em um domínio durante o período do exílio, que se lê no oráculo
ultrapessoal algo que não será perdido, ainda de Isaías: "Uma voz choma de Seir em £dom:
assim me parece duvidoso que a dignidade das Sentinela! Quanto durará ainda a noite? 6 a
relações propriamente humanas entre os mem sentinela responde: Virá a manhã, mas ainda
bros de umo comunidade se torne elevada por é noite. Se quiserdes perguntar, voltai outra
meio de tais interpretações religiosos. Todavia, vez". O povo, ao qual era dado essa resposta,
isso também nõo combina com nosso tema. perguntou e esperou bem mais de dois milê
é o destino de nossa época, com sua nios, e sabemos de seu trágico destino. Disso
característica racionalização e intelectualização, desejamos extrair a advertência de que anelar
e principalmente com seu desencantamento do e esperar não basta, e nos comportaremos de
mundo, que exatamente os valores supremos outra maneira: realizaremos nosso trabalho e
e sublimes se tenhom tornado estranhos ao cumpriremos a "tarefa quotidiana" - em nossa
grande público, para refugiar-se no reino extra- qualidade de homens e em nossa atividade
mundano do vido místico ou na fraternidade das profissional. Isso é simples e fácil, quando cada
relações imediatas e diretas entre os indivíduos. um tiver encontrado e seguir o demônio que
Não é por acaso que nossa melhor arte seja ín segura os fios de suo vido.
tima e não monumental, e que hoje apenas, no M. UJeber,
seio dos mais restritas comunidades, na relação O trabalho intelectual como profissão.
d e homem para homem, no pianissimo, palpite
aquele indefinível que há um tempo penetrava e
fortificava como um sopro profético e uma chama
impetuosa as grandes comunidades. Provemos 8 fl ciência se fundamenta
forçar e “suscitar" um sentido monumental da
arte, e eis nascer um aborto lamentável como sobre uma escolha ética
o de numerosos monumentos comemorativos
dos últimos vinte anos. Algo de semelhante se
Pi ciência nõo pod e responder à única
reproduz na esfera interior, com efeitos ainda
mais deletérios, caso se procure cogitar novos pergunta importante para nós: "O que deve
mos fazer? Como devemos viver?" C, além do
formas religiosas sem uma novo e genuína
mais, a própria ciência é o resultado de uma
profecia. € a profecia formulada pela cátedra
escolha - da escolha que seus resultados
poderá talvez dar vida a seitas fanáticas, mas
sejam para nós "dignos de serem conheci
nunca a umo comunidade autêntica. A quem não
dos". M as "este pressuposto nõo p od e ser
esteja em grau de enfrentar virilmente esse des
por sua vez demonstrado com os meios da
tino de nossa época é preciso aconselhar que
ciência”. "
volte em silêncio, sem a costumeira conversão
publicitário, e sim fronca e simplesmente, para
os braços das antigas igrejas, larga e misericor
diosamente abertos. Cias não lhe tornam difícil Voltemos ao ponto de partida. Dados e s
a passagem. £m todo caso, é preciso realizar tes pressupostos intrínsecos, vejamos qual é o
- é inevitável - o "sacrifício do intelecto", de um significado do ciência como vocação, o partir do
ou de outro modo. Não o reprovaremos, caso momento em que naufragaram todas as ilusões
seja realmente capaz disso. Pois semelhante precedentes: "meio para o olcance do verda
sacrifício do intelecto em favor de uma incon- deiro ser", "da verdadeira arte", “da verdadeira
dicionoda entrega religioso é sempre algo de natureza", "do verdadeiro Deus", "da verdadeira
moralmente diferente daquele modo de evitar felicidade". A resposta mais simples foi dada
a simples probidade intelectual que se verifica porTolstoi com estos palavras: ”€ absurda, por
quando, nõo tendo o coragem de perceber que nõo responde à única pergunta importante
claramente a própria posição última, se alivia poro nós: o que devemos fazer? como devemos
esse dever por meio do refúgio no relativo. G viver?" O fato de que nõo responda a isso é
o considero também mais respeitável do que absolutamente incontestável. Trata-se apenas
aquela profecia que se proclama da cátedra de perguntar-se em que sentido não dê "ne
Primeira parte - filosofia do século X»I?X ao século XX
nhuma resposta", ©S0 0m lugar desta ©Ia não tos da medicina © o código penal impedem
puder por acaso dar qualqu0r auxílio a quem que o médico desista, fl ciência médica não
S0 colocar a questão em s0us termos exatos. se pergunta se 0 quando a vida valha a pena
Hoje se qu0r fr0qüentemente falar d0 ciência ser vivida. Todas as ciências naturais dão uma
"sem pressupostos". (Existirá alguma? Depende resposta a esta pergunta: o que devemos fazer
daquilo que se queira entender. Pressuposto de se quisermos dominar tecnicamente a vida? Mas
qualquer trabalho científico é sempre a validade se queremos e devemos dominá-la tecnica
das regras da lógica e do método: fundamentos mente, 0 s© isso, d0finitivam0nte, tiver de fato
gerais d0 nossa orientação no mundo. Ora, um significado, 0las o deixam totalmente em
tais pressupostos, ao menos quanto ò nossa suspenso ou então o pressupõem por seus fins.
qu0stão particular, não são minimam0nt0 pro Tomemos, se quiserdes, uma disciplina como
blemáticos. Pressupõe-se, além disso, que o a crítica da art©. O fato de qu© haja obras d©
resultado do trabalho científico seja importante art© constitui, para a estética, um pressuposto.
no sentido que seja "digno de ser conhecido" Cia procura ©stab©l©c©r ©m quais condições
(uiissensiuert). C aqui evident0mente têm sua isso s© vsrifiqu©. Mas não s© põ© a p©rgunta
raiz todos os nossos problemas. Uma vez que s© o domínio da art© não seria por acaso um
este pressuposto não pod0 ser por sua vez reino d© magnificência diabólica, um reino deste
demonstrado com os meios da ciência. Pode ser mundo, ©por isso intimamente oposto ao divino
apenas explicado em vista de seu significado 0, por seu caráter intrinsecamente aristocráti
último, qu© será preciso acolher ou rejeitar co, ao espírito de fraternidade. Cia, portanto,
conforme a posição pessoal última assumida não se pergunta se devam ©xistir obras d©
diante da vida. art©. Ou então, tomemos a jurisprudência:
Bem diverso, além disso, é o tipo de rela ©Ia estabelece aquilo que é válido segundo
ção do trabalho científico com est0s s0us pres as regras do pensamento jurídico, em part©
supostos, conforme sua estrutura. Rs ciências imperativamente lógico e em parte vinculado
naturais como a física, a astronomia, a química, por esquemas convencionais; em outras pa
pressupõem como evidente em si qu© as l©is lavras, estabelsc© se são reconhecidas como
últimas do acontecer cósmico - construtíveis, obrigatórias determinadas regras jurídicas e
até onde chega a ciência - sejam dignas d0 s0r determinados métodos para sua interpretação.
conh0cidas. Não só porqu© com estas noções Não decide se deva haver 0 direito e se devam
se podem atingir sucessos técnicos, mas - se ser formuladas exatamente aquelas regras;
devem ser "vocação" - "por. si mesmas". Cste ela pod© indicar apenas isto: caso se queira
pressuposto, por sua vez, não é absolutamente atingir um resultado, o meio para alcançá-lo
demonstrável; e muito menos se pode demons nos é dado por esta regra jurídica, conforme
trar se o mundo por elas descrito seja digno de as normas de nosso pensamento jurídico. Ou
existir: se tenha um “significado", e S0 haja um tomai ainda as ciências históricas (historischen
S0ntido nele existir. Com isso as ciências não Hulturuuissenschafterí). Cias nos ensinam a en
se preocupam. Ou então tomai uma t0cnologia tender os fenômenos da civilização (Hulturers-
prática tão desenvolvida ci0ntificom0nt0 como a cheinungerí) - políticos, artísticos, literários ou
medicina moderna. O “pressuposto'' geral desta sociais - nas condições de seu surgimento. Mas
atividad© 0 - em palavras pobres - qu© seja não respondem em si à pergunta a respeito do
considerada positiva, unicamente como tal, a valor positivo destes fenômenos, ©nem à outra
tarefa da conservação da vida e da redução da questão, se valha a pena conhecê-los. Cias
dor ao mínimo. £ isso é problemático. O médico pressupõem qu© haja interesse em participar,
procura com todos os meios conservar a vida do por meio de tal procedimento, da comunidade
moribundo, m0smo qu© ©ste implore ser liberto dos "homens civis” (Hulturmenschen). Mas que
da vida, mesmo qu© sua morto é e deva ser assim estejam as coisas, a ninguém elas estão
d0S0jada - mais ou menos conscientemente em grau de demonstrar “cientificamente”, e que
- por seus familiares, para os quais sua vida elas o pressuponham nõo demonstra de fato
não tem mais valor enquanto insuportáveis são que isso seja evidente. C, com efeito, de modo
os ônus para conservá-la, e eles lhe auguram nenhum o é.
a lib©rtação das dores (trata-s®, digamos, do M. UJeber,
caso d© um pobre louco). Mas os pressupos O trabalho intelectual
como profissão.
íS a p í+ u Io q u in to
CD pragmatismo
• Não nos é lícito pensar que uma hipótese bem verificada seja segura para
sempre: "uma hipótese é, para a mente científica, sempre in prova". Nossos co
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo /K.D/K. a o s é c u lo ^C,X
• Foi William James (1842-1910) que, no fim do século XIX, tornou conhecido
ao mundo o pragmatismo como nova filosofia. "O pragmatismo, afirma James,
é apenas um método". É antes de tudo um convite a afastar o olhar das "coisas
primeiras" (princípios, "categorias", pretensas necessidades) para dirigir a aten
ção sobre as "coisas últimas" (os fatos). Em segundo lugar é um
método para obter a clareza das idéias; método que nos ordena
O pragmatismo
como método considerar os efeitos práticos concebíveis implicados por esta ou
e a concepção aquela idéia, "quais sensações devemos esperar e quais reações
instrumental devemos preparar". E uma idéia é verdadeira, na opinião de
da verdade James, "até quando nos permite ir à frente e levar-nos de uma
-»§ 1-2 parte para outra de nossa experiência, ligando as coisas de modo
satisfatório, operando com segurança, simplificando, economi
zando a fadiga".
A abraçada por James é uma concepção instrumental da verdade: a verdade
- que é um processo e não uma posse - identifica-se com sua capacidade de ope
rar, com sua utilidade para melhorar ou para tornar menos dificultosa e menos
precária a vida dos indivíduos.
*L . ° p ™ 9 m ah s™ °
e a p e n a s um m éto d o
III. T) e s envolvimentos
do pragm atism o
como é mérito principalmente dos economistas a pesquisa das causas é apta freqüentemente
da escola matemática ter feito salientar, de a levar a conseqüências de fato diversas, con
uma relação de mútua dependência, análoga forme sentimentos ou preocupações políticas e
a que existiria, por exemplo, entre as posições morais do pesquisador.
de duas esferas pesadas sustentadas por uma Cste se deixa induzir, mais ou menos cons
superfície côncava, cada uma das quais pode cientemente, a limitar sua atenção e a qualificar
ser qualificada como causa da posição que a como causas apenas as que, entre as condições
outra ocupa, no sentido de que cada uma delas de um dado fato, para cuja modificação ele
obriga a outra a assumir uma posição diferente crê que seria necessário ou útil prover caso se
da que assumiria se estivesse sozinha. quisesse provocar ou impedir o fato em questão
Há, todavia, razões que podem, dentro ou outros de índole análoga, ou modificá-los no
de certos limites, justificar nossa tendência modo por ele desejado.
a aplicar mais a um do que a outro de dois Nem esta espécie de parcialidade deve
fatos mutuamente dependentes a qualificação ser considerada como ilegítima, ou confundida
de causas. Tais razões são precisamente as com a que consiste em permitir às nossas pai
mesmas pelas quais, quando nos encontramos xões e aos nossos interesses influir sobre a
diante de um complexo de condições que juntas avaliação das provas dos fatos e das teorias.
concorrem para a produção de um dado efeito, Cnquanto esta segunda espécie de parcialida
somos induzidos a escolher uma parte apenas de é radicalmente incompatível com o caráter
delas para aplicar-lhes, excluindo as restantes, científico de qualquer espécie de pesquisa, a
o nome de "causas". outra é perfeitamente legítima, nas ciências
Com efeito, nem todas as condições de históricas da mesma forma que nas ciências
cujo concurso depende, a verificação de um naturais. C, deste ponto de vista, ouvir falar, por
dado fato apresentam para nós o mesmo inte exemplo, de um volume de história socialista,
resse, e também aqui o exemplo das ciências em contraste com outro, por exemplo, de história
físicas é útil para esclarecer os motivos e os conservadora, não deveria parecer mais estra
critérios pelos quais determina-se tal diferença nho que ouvir falar de um manual de química
de interesse. para os tintureiros, completamente diferente de
fi distinção entre causa e efeito, e isso é um tratado de química para os farmacêuticos e
verdade ainda mais para as ciências sociais e para os agrônomos.
históricas do que para as ciências físicas, é uma fi verdade é uma só, mas as verdades
distinção essencialmente de origem prática, e são muitas, e muitos são os objetivos para
que se relaciona, em um grau mais ou menos cujo alcance nossos conhecimentos podem
direto, à representação que fazemos do mundo eventualmente ser aplicados. C preocupar-se
e da ordem em que deveremos ou quereremos com um mais do que do outro de tais objetivos
proceder para modificar o andamento dos fatos é, também nas ciências históricas como em
de que se trata, e adaptá-los a nossos fins e qualquer ramo de pesquisa, de fato compatível
a nossos desejos. com a mais serena imparcialidade na avaliação
é por isso que, como observa Hobbes, das provas e dos testemunhos.
"quaeruntur causae non eorum quae sunt, sed G. Vailati,
eorum quae e sse possunt". C esta é também a Sobre o aplicabilidade dos conceitos
razão pela qual nas ciências históricas e sociais de c q u s o e efeito.
d a p í f u l o sex+o
O m s + m m e ^ + a lis m o
de 3 o h n Dewey
que se tem para aquilo que é “ nobre, honro relevo é o seu caráter precário e arriscado” .
so e verdadeiro” também para o que, na vida Diz Dewey: “ O homem vive em mundo
humana, existe de “ desfavorável, precário, aleatório; para dizê-lo cruamente, sua exis
incerto, irracional e odioso” . Afirma ele: tência implica o acaso. O mundo é o palco
“ Considerando o papel que a antecipação do risco: é incerto, instável, terrivelmente
e a memória da morte desempenharam na instável” . Claro, seria fácil e confortante
vida humana, da religião às companhias de insistir na boa sorte e nas alegrias inespe
seguro, o que se pode dizer de uma teoria radas. A comédia é tão genuína quanto a
que define a experiência de tal modo a ponto tragédia. M as, observa Dewey, é sabido que
de fazer seguir-se logicamente que a morte “ a comédia atinge uma nota mais superficial
nunca seja matéria de experiência?” que a tragédia” . E o homem teme porque
Há mais, já que a não identificação vive em um mundo temível, em um mundo
entre experiência e conhecimento permite que dá medo. O próprio mundo é precário
a Dewey realizar a tentativa de solução do e perigoso: “ N ão foi o temor em relação aos
problema gnosiológico: com efeito, “ há duas deuses que criou os deuses” .
dimensões das coisas experimentadas; uma O homem vive neste mundo: a natureza
é a de tê-las, outra é a de conhecê-las para não existe sem homem, nem o homem existe
tê-las de modo mais significativo e seguro” . sem a natureza. O homem está imerso na
N a realidade, não é fácil conhecer as coisas natureza. E, no entanto, ele é uma natureza
que temos ou somos, sejam elas o sonho, o capaz de, e destinada a, mudar a própria
saram po, a virtude, uma pena, o vermelho. natureza e dar-lhe significado.
O problema do conhecimento é “ o proble E precisamente para se garantir contra
ma de como encontrar o que é necessário a instabilidade e a precariedade da existência
encontrar em torno dessas coisas para ga o homem, primeiro, recorreu a forças mági
rantir, retificar ou evitar o fato de tê-las ou cas e construiu mitos que, depois de terem
o de sê-las” . Desse modo, escreve Dewey, caído, logo procurou substituir por outras
enquanto o ceticismo pode verificar-se (a fim idéias tranqüilizadoras, como a imutabilida
de nos tornar curiosos e indagadores) em de do ser, o processo universal, a racionali
qualquer momento em relação a qualquer dade inerente ao universo, o universo regido
crença ou conclusão intelectual, no entanto por leis necessárias e universais.
ele é impossível acerca das coisas que nós “ De Heráclito a Bergson, há muitas
temos e somos. “ Um homem pode duvidar filosofias ou metafísicas do universo. Somos
se está com sarampo, porque o sarampo é gratos a essas filosofias, que mantiveram
termo intelectual, classificação, mas não vivo aquilo que as filosofias clássicas e
pode duvidar do que tem empiricamente ortodoxas deixaram de lado. M as as filo
— não, como se diz, porque está imediata sofias do fluxo normal também indicam
mente certo dele, mas porque não é matéria a intensidade com que se deseja o que é
de conhecimento, não é de modo algum seguro e estável. Elas deificaram a mudan
questão intelectual, não é caso de verdade ça, tornando-a universal, regular e segura
ou falsidade, de certeza ou de dúvida, mas [...]. Considerai o modo completamente
somente de existência” . íflfTl laudatório com o qual Hegel, Bergson e
os filósofos evolucionistas do devir consi
deraram a mudança. Para Hegel, o devir é
processo racional que define uma lógica,
jJL, "Precariedade mesmo nova e estranha, e um absoluto,
e risco da existência também este novo e estranho, Deus. Para
Spencer, a evolução é somente um processo
transitório para obter o equilíbrio estável e
A experiência é história, história vol universal de ajustamento harmonioso. Para
tada para o futuro, prenhe de futuro. E a Bergson, a mudança é a operação criadora
filosofia, diferentemente da antropologia de Deus ou é o próprio D eus” .
cultural, “ tem a função do desm em bra Para Dewey, essas filosofias são fi
mento analítico e da reconstrução sintética losofias do medo, hiper-simplificadoras e
da experiência” . Os fenômenos da cultura, des-responsabilizadoras. Elas transformam
apresentados pelo antropólogo, constituem um elemento da realidade na realidade em
o material para o trabalho do filósofo. seu todo, confinando assim na aparência
Pois bem, “ uma característica da exis (no secundário, epifenomênico, errôneo,
tência que os fenômenos culturais põem em ilusório etc.) tudo o que não se revela
P v Íffl6 ÍT C l P ü T t& - y\ filosofia d o s é c u lo a o sé c u lo /K,X
como meio sistematizado de criar o conheci vendo-se ter em vista que essa garantia não
mento e de garantir que seja conhecimento; é absoluta nem eterna, já que os resultados
entretanto, “ como expediente prático, ele é da pesquisa científica, bem como de toda
tão antigo quanto a própria vida” . E é pre operação humana, são continuamente corri
cisamente por essa razão que Dewey insiste gíveis e aperfeiçoáveis em relação às novas e
na continuidade entre conhecimento comum cambiantes situações em que o homem virá
e conhecimento científico. a se encontrar em sua história, tflggl 2
N o escrito A unidade da ciência como
problema social (1938), ele diz que “ a ciên
cia, em sentido especializado, é a elaboração yA teoria dos valores
de operações cotidianas, ainda que essa
elaboração assuma freqüentemente caráter
muito técnico” . E, ainda na Lógica, Dewey
reafirma o fato de que “ a ciência tem seu Se as idéias comprovam seu valor na
ponto de partida necessário nos objetos qua luta com os problemas reais, e se cada in
litativos, nos processos e nos instrumentos divíduo tem o direito-dever de dar sua con
do senso comum, que é o mundo do uso, tribuição à elaboração de idéias capazes de
da fruição e dos sofrimentos concretos” . guiar positivamente a ação humana, então
Depois, porém, “ pouco a pouco, através está claro que as idéias morais, os dogmas
de processos mais ou menos tortuosos e ini políticos ou os preconceitos do costume
cialmente desprovidos de uma linha diretriz, também não se revestem de autoridade es
formam-se e são transmitidos determinados pecial: também eles devem ser submetidos
procedim entos e instrum entos técnicos. à verificação de suas conseqüências na prá
Vão sendo reunidas informações sobre as tica e devem ser responsavelmente aceitos,
coisas, sobre suas propriedades e seus com rejeitados ou mudados com base na análise
portamentos, independentemente de cada de seus efeitos.
aplicação imediata particular. Vamo-nos Dewey é relativista, não considera
afastando sempre mais das situações origi possível fundamentar valores absolutos. Os
nárias de uso e fruição imediatos [...]” . valores são históricos e a tarefa do filósofo
N ão se ganha muito mantendo o pró é a de examinar as “ condições generativas”
prio pensamento ligado ao tronco do uso (isto é, as instituições e os costumes ligados
com uma corrente muito curta, sentencia a estes valores) e de avaliar sua funcionali
Dewey. O importante é que, como quer que dade na perspectiva de uma renovação, em
seja, o pensamento, isto é, as idéias, estejam relação às necessidades que pouco a pouco
ligadas à prática, porque as idéias — tanto irrompem da vida associada dos homens.
lógicas como científicas — estão sempre Com efeito, existem valores de fato, isto é,
em função de problemas reais, ainda que bens imediatamente desejados, e valores de
abstratos, e porque é sempre a prática que direito, isto é, bens razoavelmente desejá
decide do valor de uma idéia. veis. E precisamente função da filosofia e da
E as idéias são exatamente instrumen ética promover a contínua revisão crítica,
tos em nossa investigação: são instrumentos voltada para a conservação e o enriqueci
para resolver os problemas e para enfrentar mento dos valores de direito. E está claro
um mundo ameaçador e uma existência pre que, na perspectiva de Dewey, sequer estes
cária. E, por serem instrumentos, há muito últimos podem ter a pretensão de dignidade
pouco sentido em pregar a veracidade ou a meta-histórica, já que todo sistema ético
falsidade deles. As idéias são instrumentos é relativo ao meio em que se formou e se
que podem ser eficazes, relevantes ou não, tornou funcional.
danosos ou econômicos, mas não verdadei A ética de Dewey é histórica e social:
ros ou falsos. E o juízo final que se dá em como na teoria da pesquisa, nela também
todo processo de pesquisa nada mais é do desponta aquele sentido de interdependência
que uma “ afirmação garantida” . e de unidade inter-relativa dos fenômenos,
Eis, portanto, o significado genuíno que se explicitará no conceito de interação
do instrumentalismo de Dewey: a verdade entre indivíduo e meio físico e social. Assim,
não é mais adequação do pensamento ao os valores também são fatos tipicamente
ser, mas se identifica muito mais com “ o humanos: são planos de ação, tentativas de
poder comprovado de guia” de uma idéia resolver problemas que brotam da vida as
e, em última análise, com “ o corpo sempre sociada dos homens. E constitui objetivo da
crescente das afirmações garantidas” , de filosofia educar os homens “ a refletir sobre
Capitulo S e X tO - (D instm m en+alis»no de 3 ° ^ D ew ey
os valores humanos mais elevados, da mes que não queira ser vã fantasia, ainda que
ma forma como eles aprenderam a refletir nobre e sugestiva. E as coisas que parecem
sobre aquelas questões que se inserem no fins são, com efeito, unicamente previsões
âmbito da técnica” . ou antecipações do que pode ser levado à
Há, sem dúvida, o problema da deter existência em determinadas condições. Por
minação dos fins. Escreveu Dewey: “ A ciên isso, em Teoria da avaliação (1939), Dewey
cia é indiferente ao fato de suas descobertas escreve que não existe problema de avalia
serem utilizadas para curar as doenças ou ção fora da relação entre meios e fins, o que
difundi-las, para acrescer os meios para a vale não somente na ética, mas também na
promoção da vida ou para fabricar material arte, onde a criação dos valores estéticos (a
bélico a fim de aniquilá-la” . arte é natureza transformada e não existe
Por vezes, Dewey parece indicar como distinção entre belas-artes e artes úteis) requer
fim último da vida dos homens um reino de a utilização de meios adequados. illB É T I
Deus visto como justiça, amor e verdade.
Entretanto, é preciso insistir em um ponto
de capital importância no pensamento de
Dewey: trata-se da não possibilidade de 6 A teoria da democracia
distinguir entre meios e fins.
Para Dewey todo fim é também meio e
todo meio para atingir um fim é desfrutado Dewey é um relativista pelo fato de
ou percebido também como fim. A atividade que, em sua opinião, não existem métodos
que produz meios e a atividade que inventa racionais para a determinação dos fins últi
e consuma os fins estão intimamente liga mos. Por isso Dewey é decididamente con
das uma à outra. O fim alcançado é meio trário aos filósofos utópicos que, projetando
para outros fins. E a avaliação dos meios é suas visões ideais, não se preocuparam em
fundamental para todo fim real e genuíno, dedicar uma investigação acurada aos meios
Primeira parte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ X a o s é c u lo X X
necessários para sua realização, e sequer em social que se estende a todo campo e a todo
avaliar atentamente sua desejabilidade mo caminho da vida, pelo qual as forças indi
ral efetiva. A utopia gera normalmente o ce viduais não deveriam ser simplesmente li
ticismo ou o fanatismo. O que é necessário, bertadas de constrições mecânicas externas,
segundo Dewey, é propor metas concretas mas deveriam ser alimentadas, sustentadas
e descer dos fins remotos para os mais pró e dirigidas” .
ximos, realizáveis em condições históricas Com base nisso tudo, pode-se compre
efetivas. Portanto, Dewey projeta o operar ender a aversão de Dewey pela sociedade
contínuo tendo em vista maior consciência planejada. O que ele almeja e defende é a
e maior liberdade, no sentido de que a liber sociedade que se planeja constantemente
dade conquistada hoje cria situações graças a partir de seu interior, atenta, portanto,
às quais haverá mais liberdade amanhã, e no ao controle social mais amplo e articulado
sentido de que minha liberdade faz crescer dos resultados. A diferença existente entre
a dos outros. a sociedade planejada (a planned society), e
Conseqüentemente, Dewey é avesso à a sociedade que se planeja constantemente
sociedade totalitária e convicto defensor da (a continuously planning society) é definida
sociedade democrática. Para ele, a pressu por Dewey nos termos seguintes: “ A primei
posição de um fim absoluto trunca a discus ra requer desígnios finais impostos de cima
são, ao passo que a democracia representa e que, portanto, se baseiam na força, física
discussão inteiramente livre, é método que e psicológica, para fazer com que nos con
permite discutir toda finalidade, é debate formemos a eles. A segunda significa libertar
sem fim, é colaboração, é participação em a inteligência mediante a forma mais vasta
finalidades conjuntas. A democracia é aquele de intercâmbio cooperativo” .
modo de vida em que “ todas as pessoas m a Ligada à teoria da investigação, à teo
duras participam da formação dos valores ria dos valores e à teoria da democracia de
que regem a vida dos homens associados” , Dewey encontra-se sua teoria da educação,
modo de vida que “ é necessário tanto do entendida como reconstrução e reorgani
ponto de vista do bem social como da ótica zação contínua da experiência, visando a
do desenvolvimento pleno dos seres huma aumentar a consciência dos vínculos entre
nos como indivíduos” . Em Liberalismo e as atividades presentes, passadas e futuras,
ação social (1935), Dewey afirma que “ o nossas e alheias, e aumentar a capacidade
problema da democracia [...] torna-se o dos indivíduos para dirigir o curso da ex
problema daquela forma de organização periência futura. E M
C a p í t u l o S e x t O - O ins+m m en+alism o d e 3 ° ^ D ew ey
MÉTODO CIENTÍFICO
A v e r d a d e é o “ c o m p r o v a d o p o d e r d e g u ia ” d e u m a id éia :
sua ga ra n tia n ã o é a b s o lu ta n e m etern a , p o r q u e o s re su lta d o s d a p e sq u isa h u m a n a
sem p re sã o co r rig ív e is e a p e rfe iço á v e is e m re la çã o às n o v a s situ a çõ e s e m q u e o h o m e m
v e m a en con tra r-se em sua h istória
V a l o r e s d e fato :
Não e x is t e m f in s ú l t i m o s :
o s ben s q u e sã o im e d ia ta m e n te d e se ja d o s
TODO FIM ALCANÇADO
É UM MEIO PARA OUTROS FINS
Va l o r e s d e d i r e i t o :
o s ben s q u e sã o ra z o a v e lm e n te desejáveis
em d e te rm in a d a s itu a çã o
T
É p r e c is o c o n stitu ir u m a d e m o c r a c i a c o m o s o c ie d a d e q u e se p la n ific a co n sta n te m en te,
em q u e a in telig ên cia se liberte em u m in te rcâ m b io c o o p e r a t iv o q u e tra ba lh e s o b r e m etas co n cre ta s,
rea lizá veis nas c o n d iç õ e s h is tórica s efetiv a s, e e m q u e se atue
O Kveo-idealismo italiano,
C ^ o c e e (^ À e n + ile ,
e o idealismo anglo-americano
I. O idealismo n a J7+àlia
an+es de (Sroce e (MeK\+ile
qual pareceu-lhe que nada de bom houvesse da Itália, que tem como fundo a convicção
acontecido na Itália depois da Renascença, de que a poesia seria o espírito universal
mudou de opinião e convenceu-se de que, que se realiza no particular, adquirindo
ainda que de modo imperfeito e parcial, desse modo consciência de si. Sua História
Vico podia ser considerado como o precur da literatura italiana (1870-1872) e seus
sor da “ filosofia da mente” , Galluppi foi ensaios sobre literatura italiana constituem
um pensador do qual se pode reconhecer obras-primas, que se impõem e merecem
o mérito de haver tratado de modo novo ser lidas ainda hoje, inclusive por causa da
“ o problema do conhecer” , Rosmini che elevada consciência social, moral e política
gou a debater a questão do conhecer em de De Sanctis.
sentido kantiano, e Gioberti em sentido Remetem-se a Spaventa Donato Jaia
hegeliano. (1839-1914) e Sebastião M aturi (1843
Portanto, já desencadeara na Itália 1917). Jaia tornou-se célebre por ter sido
uma “ circulação” do pensamento europeu professor de Gentile em Pisa.
e, agora, era preciso levá-la adequadamen Assim, o atualismo de Gentile derivou
te a seu termo. A contribuição teórica de do hegelianismo de Spaventa. Benedetto
Spaventa consiste em ter empreendido o Croce, ao contrário, fez outro trajeto. Ao
repensamento de Hegel, com o objetivo invés de aproximá-lo de Hegel, a leitura
de realizar a simplificação e a rigorização de Spaventa (ao qual, entre outras coisas,
do mesmo. Visto que distinguia idéia-na- como veremos, era ligado por laço de pa
tureza-espírito, Hegel mostrava que ainda rentesco) afastou-o dele, pelo menos em
não havia conquistado completamente a um primeiro momento. A primeira nutri
perfeita identidade e m ediação entre Eu ção espiritual de Croce veio de De Sanctis
e Não-eu, e que ainda não havia “ menta- (que ele considerava seu mestre). Croce
lizado” perfeitamente o real, ou seja, que chegou ao Hegel filósofo só mais tarde,
ainda não o havia perfeitamente reduzido meditando sobre M arx e o marxismo, pela
à consciência. N o inédito de 1858, que necessidade de remontar às fontes, como
citamos acima, Spaventa assim resume sua logo veremos.
concepção do Absoluto como autocriação
ex nibilo: “ Pode-se dizer verdadeiramente
que a criação seja ex nihilo; ela é tal enquan
to o último, o ato do pensar, o espírito, o
criador é o verdadeiro primeiro, ao passo
que o primeiro é o último. E o primeiro na
produção é o ser = nada [alusão aos dois
momentos da primeira tríade dialética da
Lógica de Hegel]. E a criação é livre, porque
é o pressuposto de que o pensar, o espírito,
faz-se a si próprio; é amor, amor a si mesmo,
bem etc.” N o espírito, “ a criação é sua pró
pria criação” . Esse “ ato de pensar” que, ao
se autocriar, cria também o ser, constituiria
o ponto de partida para o desenvolvimento
da filosofia de Gentile.
O u tr o s e x p o e n te s italianos
d o kegelianism o
• Segundo Croce, todos os homens têm uma espécie de compreensão das ver
dades de fundo, porque é sempre o mesmo espírito que pensa e age no homem
comum e no filósofo. Isso, portanto, também vale para a arte, e a definição de Croce
de "arte" mostra justamente aspectos que no fundo todos os homens pressupõem
quando falam de arte. As teses fundamentais da estética de Croce são:
a) a arte é conhecimento intuitivo, e como tal é autônoma, _
porque a intuição é uma categoria irredutível a outras; concepção
b) toda intuição estética é sempre, ao mesmo tempo, também manifestação
"expressão"; a atividade intuitiva tanto intui quanto exprime, e do espirito
pertence a todos os homens; ->§4
Primeira parte - A f ilo s o f i a d o s é c u lo a o s é c u lo
• Dado que para Croce o juízo filosófico coincide com o juízo histórico, então,
seja qual for a época à qual nos referimos no conhecer histórico, ela se torna sem
pre atual: toda história é sempre "história contemporânea", porque revive e se
atua no presente do espírito. A história, portanto, é o verdadeiro
o "historicismo conhecimento do real, do universal concreto, e o conhecimento
absoluto" histórico é todo o conhecimento.
7 Este é o "historicismo absoluto", segundo o qual a história
e o juízo histórico são necessários, no sentido da racionalidade
imanente. O tribunal da história não condena nem absolve, não zomba nem elogia,
mas conhece e compreende; e o conhecimento histórico é catártico, é estimulador
de ação e, ao mesmo tempo, estimulado pela ação: é uma relação de "pensamento"
e "ação" que se explica de modo circular como o espírito.
certa informação sobre a coisa da qual se filosóficas nas tragédias, sentenças postas na
pergunta, designada na pergunta e, portan boca das personagens nos romances etc.) é
to, qualificada e conhecida” . assumido no elemento intuitivo geral, como
Essa afirm ação provocatória não é sua parte integrante, vindo assim a ser parte
simples brincadeira, visto que Croce está dele. Essa intuição não deve ser confundida
profundamente convencido de que o homem com a percepção, que é a apreensão de fatos
tem uma espécie de compreensão (ou pré- ou acontecimentos reais, ao passo que, na
compreensão) das verdades de fundo, e que arte, a realidade ou irrealidade das coisas
a filosofia, quando é autêntica filosofia, na não tem relevância (na arte, tudo é real e
realidade nada mais faz do que levar à cla tudo é irreal). E importante observar ainda
reza crítica aquelas vagas compreensões. que aquilo que intuímos na arte tem sempre
Com efeito, é o mesmo espírito que “ caráter ou fisionomia individual” .
pensa e age no homem comum e no filósofo.
E o filósofo nada mais faz do que propor
as perguntas e dar as respostas “ com maior fcSM a v te
co m o e ^ p ^ e s s ã o d a intuição
intensidade” .
Eis então a resposta croceana, que se
A segunda proposição fundamental
apresenta precisamente como a resposta
da estética de Croce é que toda intuição
que deveria dizer “ com maior intensidade”
estética é sempre, ao mesmo tempo, também
o que, no fundo, todos entendem quando
“ expressão” .
falam de arte.
Tanto se intui quanto, ao mesmo tem
po, se expressa: a expressão surge espon
E S 3 jA a ft e taneamente a partir da intuição (e não se
co m o co n k ecim en to m+uifivo acrescenta extrinsecamente), porque uma e
outra são a mesma coisa.
A proposição fundamental da estética Quem diz, por exemplo, “ tenho den
croceana é a seguinte: a arte é “ conhecimen tro de mim intuições de certas coisas, mas
to intuitivo” . Croce destaca o fato de que, não sei expressá-las” , está, na realidade,
no mais das vezes, pensava-se que a intuição dizendo uma tolice; na verdade, não sabe se
fosse alguma coisa cega e que o intelecto expressar porque não tem aquela intuição
deveria lhe prestar socorro. M as este é um que pensa ter.
erro grave, já que o conhecimento intuitivo Portanto, tanto se intui como se ex
é perfeitamente autônomo. pressa.
Só se compreende bem essa posição Todavia, esse paradoxo, que encerra
tendo-se presente a dialética croceana dos efetivam ente uma verdade profunda, é
distintos, na qual a intuição é uma categoria perfeitamente inteligível em seu significado,
irredutível a outras. mas apenas quando ligado ao paradoxo,
N a arte, que é, portanto, intuição, em certo sentido oposto, que o esclarece e
qualquer outro elemento presente (máximas integra. Com efeito, Croce considera que a
intuição artística não é uma prerrogativa
exclusiva dos grandes artistas, dos gênios, e
sim que pertence a todos os homens: a dife
rença entre um homem comum e um gênio
é apenas de quantidade e não de qualidade;
Í
i C o n h e c im e n to in tu itiv o . É o co- I
nhecimento do individual e é objeto ! caso contrário, o gênio não seria homem e
| da estética de Croce. O conhecimento 5 os homens não o entenderiam.
f intuitivo é perfeitamente autônomo, Por isso, cada um de nós é um pequeno
| não redutível às outras três categorias ; poeta, pequeno músico, pequeno pintor etc.,
\ do espírito (lógica, econômica, ética), j que não sabe criar, mas que certamente sabe
ü: e é constitutivo da arte. ; recriar e desfrutar, na mesma dimensão do
I
* A arte, portanto, é intuição em que ; gênio, da dimensão da criação do gênio.
todo outro elemento presente é subs- !
sumido no elem ento in tu itiv o geral i
I O ;A intuição está tica
| como parte integrante. A atividade !
co m o sentim ento
i intuitiva, além disso, é essencialmente I
| e necessariamente expressão.
N o Breviário de estética, Croce precisa
que (além dos dois pontos destacados na
P r i m e i r a p d v t c - filosofia d o s é c u lo /Kj ^X a o s é c u lo X X
BEXEDETTO OROCK
LA CRITICA
ESTETICA R IV ÍST A
D( LtrrtUTVKA STOKU t FILOSOFIA
CUXK SCIBNJÍA DELL* KS1*KKSSI0NF,
E LINüHSTICA GENKKALK
DOUETTAM B. CROCE
1. TcnitJA, II. Stü*U,
Amo 1, Inc. 1.
Ip A M
Frontispícios da primeira edição da obra Estética como ciência da expressão e lingüística geral
(Sandron, 1902) e do primeiro fascículo da revista "A crítica" (20 de janeiro de 1903).
C ãpítulo sétifflO - O n e o -id e a lis m o ifalrano e o id ea lism o ü h g lo -a m e ^ ic a n o
fazer uma classificação que, enquanto tal, é expusemos acima, onde explicamos a refor
estranha à arte. Trata-se, portanto, de uma ma do hegelianismo e as novidades trazidas
intromissão indébita da categoria lógica na por Croce. M as ainda restam alguns pontos
categoria estética. E, se nos obstinarmos a muito importantes a completar e algumas
considerar os gêneros literários como es doutrinas a integrar.
teticamente relevantes, caímos no erro do A lógica é “ ciência do conceito puro” .
intelectualismo. E o conceito puro, como vimos, é o univer
b) N ão existe beleza física (beleza da sal concreto no sentido já definido. Croce
natureza, das coisas etc.), porque o belo o chama também de transcendental. Do
pertence apenas à atividade do espírito já ponto de vista lógico, “ o conceito não dá
descrita. As coisas naturais que chamamos lugar a distinções, porque não existem
“ belas” são como o material, que somente muitas formas no conceito, mas uma só
no crisol da criação artística pode receber a form a” , enquanto uma só é a forma teórica
verdadeira marca da beleza. universal do espírito (vide o esquema já tra
c) N ão se deve confundir a expressão çado). Portanto, o conceito é único quanto
da arte com a sua extrinsecação. Diz Croce: à forma, e “ a multiplicidade dos conceitos
“ N ós, como artistas, não podemos deixar só pode ser referida à variedade dos obje
de querer nossa visão estética: naturalmente, tos que são pensados naquela form a” . Por
podemos querer ou não exteriorizá-la, ou exemplo, posso pensar conceitualmente (ou
melhor, conservar e transmitir ou não aos
outros a exteriorização produzida” . Assim,
as “ técnicas artísticas” pertencem a essa
extrinsecação e não à expressão artística
enquanto tal, que é o todo unido à intui
ção. Desse modo, as técnicas artísticas não
■ Universal concreto. O universal
pertencem à atividade estética enquanto
concreto é o objeto da lógica de Cro-
tal, mas à atividade prática (extrinsecação, ce, é o conceito puro, cujos elementos j
fixação, comunicação). ; são:
d) Para Croce, o poeta como personali ; a) a racionalidade, e não a intuição,
dade (ou melhor, como pessoa) desaparece: o sentimento ou em todo caso algo j
“ o poeta nada mais é do que sua poesia” ; de imediato; |
Dante e Shakespeare são “ sua obra poética” . b) a universalidade, que é engastada §
Isso só pode ser compreendido com base no no particular e não é simples genera- \
conceito idealista segundo o qual é o espírito lidade como a das noções das ciências i
que age através do homem. empíricas; \
c) a concretude, enquanto ele capta ;
e) Por fim, Croce sustentou a identida
a realidade em sua própria linfa vital i
de entre lingüística e estética. Com efeito, a e em toda a sua riqueza. 1
linguagem é essencialmente expressão, pre O universal concreto é síntese de ‘
cisamente como a arte. Em outros termos, a opostos e, do ponto de vista formal,
linguagem é criação estética. A forma lógica é único, enquanto a multiplicidade
da linguagem e as distinções gramaticais são dos conceitos se refere simplesmen- ■
necessariamente introduzidas pelo intelecto, te à variedade dos objetos que são ;
que intervém naquele organismo vivo que pensados segundo a forma única; '
é a língua com as suas análises e suas siste- além disso, ele tem o caráter da ex-
matizações. E g S l Xl ; pressividade, é obra expressa e falada ,
do espírito. ;
i O conceito puro não deve ser confun- ;
dido com as representações empíricas ■
-7^ lógica cro ce a n a (por exemplo, "cão") nem com os
conceitos abstratos empregados nas >
; ciências ("triângulo" etc.), que são ;
| pseudoconceitos, porque não corres- í
B I A l ó g rc a co m o c iê n c ia pondem a nada de verdadeiramente *
d o s concet+os pu^os ; universal e real, e todavia não devem
ser eliminados, porque servem para ;
O objeto da lógica croceana é constituí ordenar nossas experiências e agilizar ’
do pela segunda categoria do espírito e, mais a memória.
em geral, pelo estudo da estrutura geral do
espírito. Em ampla medida, portanto, já a
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o ital ia ^ o e o id ea lism o a n 0 lo-am eklican o
seja, na forma do conceito) o bem, o útil, o que extraio de um grupo de gatos como
verdadeiro etc. Isso é possível, diz Croce, em símbolo que representa todos os gatos. O
virtude do fato de que, estruturalmente, o mesmo se dá quando digo “ rosa” . Trata-se
espírito é unidade-e-distinção, e o conceito de um esquema cômodo, mas, obviamente,
se move exatamente segundo esse esquema, inadequado. Analogamente, quando digo
de modo que o conceito abrange toda a área “ triângulo” ou “ movimento livre” , penso
da filosofia do espírito, pensando todas as em algo, mas o que penso e assim como o
distinções que lhe são próprias. penso não tem realidade correspondente,
Além disso, o conceito tem o caráter porque “ um triângulo geométrico jamais
de expressividade, o que significa que ele existe na realid ad e” , assim como “ não
é “ obra cognoscitiva” e, como tal (assim existe na realidade um movimento livre,
como a arte), é obra expressa e falada e pois todo movimento real realiza-se em
não ato mudo do espírito, como o são as condições determinadas e necessariamente
atividades práticas da economia e da ética. entre obstáculos” .
Também no caso do conceito (analogamen Entretanto, esses pseudoconceitos, que
te ao que dissera sobre a intuição estática), Croce divide em empíricos (“ gato” , “ rosa”
Croce assevera que, sendo o pensar tam etc.) e puros (“ triângulo” , “ movimento”
bém um falar, “ quem não expressa ou não etc.), não devem ser eliminados.
sabe expressar um conceito, não o possui” . O valor deles não é de caráter lógico,
A clareza da expressão é o espelho e sim de mera utilidade e, portanto, de ca
exato da clareza do pensamento. ráter econômico (ou seja, eles se inserem na
terceira categoria do espírito). Eles servem
para ordenar nossas experiências e facilitar
E Z f l Os p s e u d o c o n c e i t o s a memória. Para Croce, portanto, todas as
e s e u v a l o r d e c a r á t e r u tilita ris ta ciências empíricas e matemáticas são destituí
(e c o n ô m ic o ) das de valor teórico e pertencem à atividade
prática do espírito, à econômica.
O conceito puro não deve ser con Com essa teoria (que lembra, em parte,
fundido com as representações empíricas, idéias defendidas por Mach), Croce afasta-se
por exemplo, de “ cã o ” ou de “ ro sa ” , e da tese dos românticos alemães, para quem
tampouco com todos os conceitos abstratos os que ele chama de “ pseudoconceitos” eram
de que fazem uso as ciências, inclusive as obra do intelecto, ao passo que os conceitos
matemáticas. puros eram obra da razão. Os idealistas
Estes são “ pseudoconceitos” , porque alemães não haviam compreendido que, na
não correspondem a nada de verdadei realidade, os conceitos empíricos e abstratos
ramente universal e real. Q uando digo não são obra do intelecto, mas de uma facul
“ gato” , erijo um grupo de características dade não teórica. Por conseguinte, deve-se
REON0 DMTAUA
dar ao intelecto toda a sua dignidade e deve condicionam reciprocamente, mas até se
ser considerado como sinônimo de razão. identificam. A síntese a priori, que é a con-
cretude do juízo individual e da definição, é
E O (C oin cid ên cia d e co n ceito,
ao mesmo tempo a concretude da filosofia e
ju ízo e. silogism o
da história. E o pensamento, criando-se a si
mesmo, qualifica a intuição e cria a histó
Croce retoma de Hegel a idéia de que ria. Nem a história precede a filosofia, nem
o juízo não deve ser entendido como o era a filosofia precede a história: uma e outra
tradicionalmente, porque, na realidade, é nascem do mesmo parto” .
“ o próprio conceito em sua efetividade”
(enquanto é o universal concreto).
Aliás, visto que, como vimos, pensar ;A atividade prática,
um conceito quer dizer “ pensá-lo em suas e c o n ô m i c a e ética
distinções, pô-lo em relação com os outros
conceitos e unificá-lo com eles no conceito
único” (na única forma conceituai), temos
então uma silogização. Portanto, conceito, Antes de passar à doutrina croceana
juízo e silogismo coincidem. da história, devemos falar brevemente da
Esta é uma doutrina que deriva da con filosofia prática, que, porém, constitui talvez
cepção do conceito como atividade dinâmica a parte mais fraca do pensamento de nosso
em sentido idealista e que retoma a teoria filósofo.
da “ proposição especulativa” que já vimos A forma da atividade prática do espí
em Hegel. E evidente que ela só tem sentido rito é a atividade que se diferencia da mera
contemplação teórica, não sendo produtora
no contexto do espírito como processo, e
só deve ser interpretada e julgada segundo de conhecimentos, e sim de ações. A ativi
dade prática coincide com a vontade: agir é
essa ótica.
querer; não há volição sem ação, nem ação
sem volição.
M i B dTdenti fic a ç ã o Ora, quando se quer, se quer um fim.
en tre ju íz o defini+ório e ju íz o individual, Se o fim é individual, temos a atividade eco
e suas c o n s e q ü ê n c ia s nômica; se o fim, ao contrário, é universal,
temos a atividade ética. Eis a definição de
M as a tese talvez mais típica da lógica Croce: “ Atividade econômica é aquela que
croceana é a identificação do “ juízo defini- quer e concretiza aquilo que corresponde
tório” (exemplo: “a arte é intuição lírica” ) e somente às condições de fato em que o indi
do “ juízo individual” (exemplo: “o Orlando víduo se encontra. Atividade ética é aquela
furioso é uma obra de arte” ). que quer e concretiza aquilo que, embora
E isso também pode ser bem compreen correspondendo àquelas condições, refere-se
dido no contexto croceano: com efeito, é ao mesmo tempo a algo que as transcende.
precisamente o juízo individual que concre- À primeira, correspondem aqueles que cha
tamente nos faz conhecer e possuir o mundo. mamos fins individuais; à segunda, os fins
À medida que um juízo de fato atribui um universais — em uma, fundamenta-se o juízo
predicado a um objeto, dá-lhe valor, decla sobre a maior ou menor coerência da ação,
rando-o partícipe da universalidade. tomada em si mesma; na outra, fundamenta-
Pode-se também dizer que o juízo de- se o juízo sobre a maior ou menor coerência
fmitório, na realidade, nada mais é do que da ação em relação ao fim universal, que
o predicado do juízo individual. (Quando transcende o indivíduo” .
digo que o Orlando é uma obra de arte, N a esfera da economia, como já vi
digo que ele, precisamente, é aquilo que se mos, inserem-se todos os pseudoconceitos
definiu como obra de arte, dando um juízo e todas as ciências particulares. M as Croce
definitório, ou seja, que é intuição lírica.) atribui a essa esfera também o direito e as
Assim, o ato lógico de julgar é síntese leis, a atividade política e a própria vida do
lógica a priori, pelos motivos explicados. Estado. O Estado, portanto, não tem esta
A conseqüência importantíssima que tura ética, mas utilitária, econômica (essa é
daí brota é que a filosofia e a história acabam a posição que Maquiavel, por exemplo, já
por coincidir, como escreve expressamen assumira).
te Croce: “ Filosofia e história já não são E a ética? Já vimos que, para Croce,
duas formas, e sim uma só forma, e não se é a volição do universal. M as o que é esse
Capítulo sétimo - CD n e o -id e a lis m o i+aliano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
AS FORMAS DO ESPÍRITO
T E O R IA P ráxis
Kl ONÔMK a:
Ari n relativa apen.is
intuição c expressão, as> condições de tato
caracterizada pelo sentimento em que o indivíduo
universal e cósmico se encontra
da liricidade
In d iv id u a l id a d e In d iv id u a l id a d e
U n iv e r s a l id a d e Un iv e r s a l id a d e
L ó g ic a : " ..■'É t i c a :
ciência do conceito puro, relativa a fins universais
isto é, do universal concreto que vão além
do homem individual
T eoria P r á x is
O F IM D O R E A L C O N S IS T E N A T O T A L ID A D E C IR C U L A R D E S T A S Q U A T R O F O R M A S ,
O U S E JA , A P E N A S O E S P ÍR IT O É O F IM D O E S P ÍR IT O
RICISMO ABSOLUTO
___T
TO D A H ISTÓRIA É HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
que revive e se realiza no presente do espírito
' ▼ "
O conhecimento histórico é catártico,
é estimulador de ação e, ao mesmo tempo, estimulado pela ação:
é uma ligação de “pensamento” e “ação”
que se explica de modo circular como o espírito
Primeira parte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ J X s é c u lo X X
\*
é
Giovanni Gentile (1875-1944)
% repensou o hegelianismo,
reformando sua dialética de modo radical,
e criando o atualismo que constitui
a forma extrema assumida
pelo idealismo ocidental.
C a p í t u l o s é t íff íO - (D n e o -id e a lis m o italiano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
â /?~\ // I // // //
LJ m al e o e rro
gjjjgl y W a t u i * e 2 a #c o m o o b je + o
F IL O S O F IA IT A L IA N A
d o ^ a u + o c o n c e i+ o * D IR E TTO DA
GIOVANNI GENTILE
Giovanni Gentile
fotografado durante uma conferência na década de 1920.
Primeira parte - y\ f >lo so fia d o s é c u lo ao sécu Io XX
Outros acusaram o atualismo de ser uma mal nisso, considerando que, mais do que o
“ filosofia teologizante” . Gentile responde pensamento dos teólogos, Deus é também e
que aceita essa qualificação por aquilo que principalmente o pensamento constante de
ela tem de verdadeiro. E o que ela tem de todo homem que não se compraz em jogos
verdadeiro resume-se do seguinte modo no de inteligência, mas vive seriamente sua vida
trecho que encerra sua obra maior: “ Fi em que está envolvido o universo e que, por
losofia teologizante, portanto? E por que isso, lhe faz sentir o peso de uma responsa
não? Só que a teologia dos teólogos nunca bilidade divina. Além disso, o que importam
falou propriamente de Deus, já que os teó os nomes, as etiquetas, as características?
logos nunca conheceram Deus, tendo-o O importante é pensar: ‘o pensar é a maior
sempre pressuposto, confundindo-o com virtude’, já dizia Heráclito” .
sua sombra. Pois, se teologizar significar de E, algumas páginas antes, Gentile escreve
qualquer modo falar com Deus, não haverá ra: “ Pensar é viver a vida imortal” . EfSlTTI
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o i+al iano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
GENTILE
O PENSAMENTO
COMO "AUTOCONCEITO" E "FORMA ABSOLUTA"
O espírito é
autoconceito,
verdadeiro único conceito
da realidade múltipla
_____________ . I ........
A história do m undo é a representação empírica e exterior
da imanente vitória eterna do espírito sobre a natureza,
da imanente resolução da natureza no espírito
.1
A É H IS T Ó R IA ID E A L E T E R N A
V E R D A D E IR A H IS T Ó R IA
que se reúne no eterno ato do pensar
Primeira parte - jA . f ilo s o f i a d o s é c u lo a o s é c u lo X X
qualidades secundárias, podemos ver, escre Royce (1855-1916). Autor muito fecundo,
ve Bradley, que “ o raciocínio que demonstra Royce registrou os melhores frutos de seu
que as qualidades secundárias não são reais pensamento em O mundo e o indivíduo
possui a mesma força quando o aplicamos (2 vols., 1900-1902) e em O problema do
às qualidades primárias” , que também “ nos cristianismo (1913).
vêm unicamente da relação com um órgão Antes de mais nada, Royce sustenta
do sentido” . que não é possível nos acomodarmos em
N ão é válido distinguir as coisas das nossos conhecimentos, sempre limitados e
qualidades, já que “ não podemos descobrir parciais. Exigimos verdade absoluta, um juiz
nenhuma unidade real existente independen infinito, que esteja em condições de julgar, de
temente das qualidades” . uma vez por todas, para toda a eternidade,
O mundo de nossa experiência está o erro e o mal.
cheio de contradições, é inconsistente. Ele Em suma, o homem finito postula uma
é apenas aparência. “ A realidade definitiva consciência absoluta. E essa consciência
é aquela que não deve se contradizer” . N ão absoluta é Deus, no qual se integra o que é
há um só aspecto do mundo finito que se fragmentário, e no qual encontram lugar e
salve da contradição e que possa, portanto, sentido até os erros, as derrotas, os defeitos e
ser considerado real. Conseqüentemente, a todos os esforços das consciências finitas.
realidade absoluta transcende toda tentativa A partir dessas premissas, no que se
humana de alcançá-la. Por outro lado, o refere à sociabilidade, Royce deduz uma
homem finito, que não consegue chegar à doutrina que guarda analogias estreitas com
realidade absoluta, mas que distingue a apa a doutrina cristã do corpo místico. Escreve
rência da realidade, possui essa realidade ab ele: “ N ós som os apenas pó, se a ordem
soluta como imanente, de modo que “ todo social não nos dá a vida. Se considerarmos
ato de experiência, toda esfera ou grau do a ordem social como um instrumento nos
mundo é fator necessário do absolu to” . so e nos preocuparmos unicamente com
N o absoluto nada se perde, mas tudo se nossas sortes privadas, então ela se torna
transforma. “ O absoluto não tem história, desprezível para nós [...]; mas, se modifi
embora contenha inumeráveis histórias” . carmos nossa atitude e servirmos a ordem
social, mais do que só a nós mesmos, então
perceberemos que aquilo que servimos é
3 R oyce
simplesmente nosso mais elevado destino
espiritual em forma corpórea” .
e o n e o - i d e a l is m o Este é o ideal que Royce proclama dian
n a ^ A m é r ic a te de uma sociedade que impele as pessoas
ao individualismo e diante de Igrejas que,
em sua opinião, afastaram-se sempre mais
Depois de Emerson, o neo-idealismo do ideal paulino do corpo místico. Royce,
foi significativamente defendido na América portanto, sustenta que a sociedade que pode
por William Torrey Harris (1835-1909), G. fazer o indivíduo sair de sua finitude não é
H. Howison (1834-1916) e James Creighton tanto uma sociedade real, e sim muito mais
(1861-1924). M as o filósofo americano neo- uma sociedade ideal, que está na base de
idealista mais influente e conhecido éjo siah todas as comunidades históricas.
137
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o if a íi a n o e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic c m o
qu® se desenvolvem entre nós e as obras da Shakespeare), quanto julgar moral o quadrado
arte, salta aos olhos a diferença entre o prazer ou imoral o triângulo.
e a arte, porque a figura representada pode
ser cara para nós e despertar as mais delei-
5. fl arte não tem o caráter
táveis recordações, e, todavia, o quadro pode
de um conhecimento intelectual
ser feio; ou, ao contrário, o quadro pode ser
belo e a figura representada odiosa ao nosso Ainda (e esta é a última, e talvez a mais
coração: ou o próprio quadro, que aprovamos importante, das negações gerais que me con
como belo, despertar raiva ou inveja porque vém recordar de propósito), com a definição da
obra de um nosso inimigo ou rival, ao qual arte como intuição nega-se que ela tenha cará
trará vantagem e conferirá nova força: nossos ter de conhecimento conceituai. O conhecimento
interesses práticos, com os correlativos prazeres conceituai, em sua forma pura que é a filosó
e dores, se misturam, por vezes se confundem, fica, é sempre realista, visando a estabelecer
perturbam-no, mas nunca se juntam com nosso a realidade contra a irrealidade ou a abaixar
interesse estético, filém do mais, para sustentar a irrealidade, incluindo-a na realidade como
mais validamente a definição da arte como o momento subordinado da própria realidade.
agradável, se afirmará que ela não é o agra Mas intuição quer dizer, justamente, indistinção
dável em geral, e sim uma forma particular de de realidade e irrealidade, a imagem em seu
agradável. Mas esta restrição não é mais uma valor de mera imagem, a pura idealidade da
defesa e é aliás um verdadeiro abandono imagem; e, contrapondo o conhecimento intui
naquela tese, porque, uma vez que a arte seja tivo ou sensível ao conceituai ou inteligível, a
uma forma particular de prazer, seu caráter estética à noética, visa-se a reivindicar a auto
distintivo seria dado não pelo agradável, mas nomia desta mais simples e elementar forma
por aquilo que distingue aquele agradável dos de conhecimento, que foi comparada ao sonho
outros agradáveis, e a esse elemento distintivo (ao sonho, e não ao sono) da vida teórica,
- mais que agradável ou diferente do agradável em relação ao qual a filosofia seria a vigília.
- conviria dirigir a pesquisa. €, verdadeiramente, toda pessoa que, diante
de uma obra de arte, pergunta se isso que o
artista expressou é metafísica e historicamente
4. fl arte não é um ato moral
verdadeiro ou falso, levanta uma pergunta sem
Uma terceira negação que se realiza significado, e entra no erro análogo ao de quem
graças à teoria da arte como intuição é que quer traduzir diante do tribunal da moralidade
a arte seja um ato moral; ou seja, a forma de as imagens aéreas da fantasia. [...]
ato prático que, embora se unindo necessa €sta reivindicação do caráter alógico da
riamente com o útil e com prazer e dor, não arte é, conforme eu disse, a mais difícil e im
é imediatamente utilitária e hedonista e se portante das polêmicas incluídas na fórmula da
move em uma esfera espiritual superior. Mas arte-intuição; porque as teorias, que tentam ex
a intuição, enquanto ato teórico, é oposta a plicar a arte como filosofia, como religião, como
qualquer prática, e, na verdade, a arte, con história e como ciência e, em grau menor, como
forme observação antiquíssima, não nasce por matemática, ocupam, com efeito, a parte maior
obra de vontade: a boa vontade, que define o na história da ciência estética, e se enfeitam
homem honesto, não define o artista. €, como com os nomes dos maiores filósofos. Na filosofia
não nasce por obra de vontade, ela se subtrai do século XIX, exemplos de identificação ou
igualmente a toda discriminação moral, não confusão da arte com a religião e com a filo
porque lhe seja permitido um privilégio de sofia são oferecidos por Schelling e por Hegel;
isenção, mas simplesmente porque a discri da confusão dela com as ciências naturais, por
minação moral não encontra o modo de a ela Taine; da confusão com a observação histórica
se aplicar. Uma imagem artística retratará um e documentária, pelas teorias dos veristas
ato moralmente louvável ou reprovável; mas a franceses; e da confusão com a matemática,
própria imagem, enquanto imagem, não é nem pelo formalismo dos herbartianos. Mas seria
louvável nem reprovável moralmente. Não só vão procurar em todos esses autores, e nos
não há código penal que possa condenar à pri outros que se poderia lembrar, exemplos puros
são ou à morte uma imagem, mas nenhum juízo destes erros, porque o erro nunca é "puro", pois,
moral, dado por uma pessoa razoável, pode se assim o fosse, ele seria verdade. 6 por isso
fazê-la seu objeto: tanto valeria julgar imoral também as doutrinas da arte, que por brevida
a francesca de Dante ou moral a Cordélia de de chamarei de "conceituai istas", contêm em si
Shakespeare (que têm mera função artística e elementos dissolventes, tanto mais numerosos
são como notas musicais da alma de Dante e de e eficazes quanto mais enérgico era o espírito
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o italiano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
nõo têm mais qu® aqueles fragmentos, e junto vernizes, ou as que tratam dos modos de obter
com estes não aquele mundo suposto, mas a boa pronúncia e declamação, e semelhantes.
no mais das vezes a aspiração ou a obscura Os tratados de técnica não são trotados de
labuta na direção dele, ou seja, na direção de estética, nem partes ou seções destes tratados.
uma imagem mais vasta e rica, que talvez se Isso, bem entendido, sempre que os conceitos
forme ou não. Tais objeções, porém, também forem pensados com rigor e as palavras em
se alimentam da troca entre a expressão e a pregadas com propriedade em relação àquele
comunicação, esta última de fato distinta da rigor de conceitos e, sem dúvida, não valeria a
imagem e de sua expressão, fl comunicação pena debater sobre a palavra "técnica” quan
se refere à fixação da intuição-expressão em do é empregada, ao contrário, como sinônimo
um objeto que diríamos material ou físico por do próprio trabalho artístico, no sentido de
metáfora, uma vez que, efetivamente, não s® "técnica interior", que é, portanto, a formação
trata nem mesmo nesta parte de material e de da intuição-expressão; ou então no sentido de
físico, mas de obra espiritual. Todavia, uma vez “disciplina", ou seja, da ligação necessária com
que esta demonstração a respeito da irrealida a tradição histórica, da qual ninguém pode se
de daquilo que se chama físico e sua resolução desligar, embora ninguém permaneça simples
no espiritualidade tem d® fato interesse primário mente ligado a ela. fl confusão da arte com a
para a concepção filosófica total, mas apenas técnica, a substituição desta por aquela, é um
indireto para o esclarecimento dos problemas partido assaz almejado pelos artistas impoten
estéticos, podemos, por brevidade, deixar tes, que esperam das coisas práticas, e das
aqui correr a metáfora ou o símbolo, e falar de excogitações e invenções práticas, o auxílio e
matéria ou d® natureza, é claro que a poesia já a força que não encontram em si mesmos.
existe inteira quando o poeta a expressou em
palavras, cantando-a dentro de si; e qu®, ao 8. Os objetos artísticos:
passar a càntá-la com voz expressa para que a teoria das artes particulares
outros a ouçam, ou a procurar pessoas que a e o belo por natureza
aprendam d® cor e a recantem a outrem como
em uma scholo cantorum, ou a colocá-la em O trabalho da comunicação, ou seja, da
sinais de escrita e de impressão, entra-se em conservação e divulgação das imagens artísti
novo estágio, certamente de muita importância cas, guiado pela técnica, produz, portanto, os
social e cultural, cujo caráter não é mais estético, objetos materiais que se dizem por metáfora
mas prático. O mesmo deve-se dizer no coso do "artísticos" e "obras de arte"; quadros e escul
pintor, o qual pinta sobre a madeira ou sobre a turas e edifícios, e depois também, de modo
tela, mas não poderia pintar se em todo estágio mais complicado, escritas literárias e musicais,
de seu trabalho, da mancha ou esboço inicial e, em nossos dias, aparelhos de som e discos,
até o acabamento, a imagem intuída, a linha que tornam possível reproduür vozes e sons.
e a cor pintadas na fantasia não precedessem Todavia, nem estas vozes e sons, nem os sinais
o toqu® do pincel; tanto é verdade que, quan da pintura, da escultura e da arquitetura são
do aquele toque se antecipa à imagem, el® obras de arte, as quais não existem em nenhum
é cancelado e substituído na correção que o outro lugar a não ser nas almas que as criam
artista faz de sua obra. O ponto da distinção ou os recriam. Tirando a aparência de parado
entre expressão e comunicação é certamente xo desta verdade da inexistência de objetos
bastante delicado de captar no foto, porque no 0 coisas belas, será oportuno lembrar o caso
fato os dois processos se aproximam em geral análogo da ciência econômica, a qual sabe bem
rapidamente e parece que se misturam; mas é que em economia não existem coisas natural e
claro em idéia, e é preciso mantê-lo bem firme. fisicamente úteis, mas apenas necessidades
Do fato de tê-lo descurado ou deixado vacilar e trabalho, dos quais as coisas físicas tomam
provêm as confusões entre arte e técnica, das como metáfora o adjetivo. Quem em economia
quais a última não é uma coisa intrínseca à arte, quisesse deduzir o valor econômico das coisas
mas liga-se justamente ao conceito da comuni a partir das qualidades físicas delas, cometeria
cação. fl técnica é, em geral, uma cognição ou uma grosseira ignoratio etenchi.
um complexo de cognições dispostas e dirigidas € apesar de tudo esta ignoratio elenchi
a uso da ação prática, e, no caso da arte, da foi cometida, e ainda tem sucesso, na estética,
ação prática que molda objetos e instrumentos com a doutrina das artes particulares e dos
para a lembrança e a comunicação das obras limites, ou seja, do caráter estético próprio de
de arte; quais seriam as cognições a respeito cada uma. As divisões das artes são meramente
da preparação dos quadros, das telas, dos técnicas ou físicas, ou seja, conforme os objetos
murais a pintar, das matérias colorantes, dos artísticos consistem em sons, em tons, em obje
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o ifaliano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
tos coloridos, em objetos incisos ou esculpidos, aquele fio de erva que, posto na boca, per
em objetos construídos e que nõo parecem mitia entender as palavras dos animais e das
encontrar correspondência em corpos naturais plantas. Com "belo por natureza" se designam
(poesia, música, pintura, escultura, arquitetura verdadeiramente pessoas, coisas, lugares, que
etc.). Perguntar qual seja o caráter artístico de por seus efeitos sobre os espíritos devem se
cada uma destas artes, aquilo que cada uma aproximar da poesia, da pintura, da escultura
possa ou nõo possa, quais ordens de imagens e das outras artes; e não há dificuldade de
se exprimem em sons e quais em tons e quais admitir tais “coisas artísticas naturais", porque
em cores e quais em linhas, e daí por diante, o processo de comunicação poética, como se
é como perguntar em economia quais coisas realiza com objetos artificialmente produzidos,
devam por suas qualidades físicas receber assim também pode se realizar com objetos
um preço e quais nõo, e qual preço devam ter naturalmente dados, fl fantasia do enamorado
umas em relação às outras, quando é claro que cria a mulher para ele bela e a personifica em
as qualidades físicas nõo entram na questão laura; a fantasia do peregrino, a paisagem
e toda coisa pode ser desejada e exigida, e encantadora ou sublime e a personifica na
receber um preço maior do que outras ou de cena de um lago ou de uma montanha; e estas
todas as outras, conforme as circunstâncias e criações poéticas se difundem por vezes em
os necessidades. Colocando inadvertidamente mais ou menos largos círculos sociais, dando
o pé sobre este resvaladouro, até um lessing origem às "belezas profissionais" femininas,
foi impelido a conclusões tão estranhas como a admiradas por todos, e aos "lugares de vista"
que à poesia cabem as "ações" e à escultura os famosos, diante dos quais todos se extasiam
"corpos”; e também um Richard UJagner se pôs mais ou menos sinceramente, é verdade que
a matutar sobre uma arte complexiva, a Opera, estas formações são efêmeras: o gracejo por
que reunisse em si, por agregação, as potências vezes as dissipa, a sociedade as deixa cair, õ
de todas as artes particulares. Quem tem senso capricho da moda as substitui; e, diversamente
artístico, em um verso, em um pequeno verso das obras artísticas, não permitem interpreta
de poeta, encontra ao mesmo tempo toda a ções autênticas. O golfo de Nápoles, visto do
musicalidade, pictoricidade, força escultórica alto de uma das mais belas "vilas" do Vômero,
e estrutura arquitetônica, e, da mesma forma, foi, depois de alguns anos de incansável visão,
em uma pintura, a qual jamais é uma coisa de declarado pela dama russa que adquirira aque
olhos, mas sempre de alma, e na alma não la "vila" uma cuvette bleue, tão odioso em seu
está apenas como cor, mas também como som azul engrinaldado de verde, que a induziu a
e palavra, até como silêncio que, a seu modo, revendera "vila". Também a imagem da cuvette
é som e palavra. Todavia, onde se experimenta bleue ,2 era, de resto, uma criação poética, a
agarrar separadamente aquela musicalidade respeito da qual nõo há o que discutir.
e aquele pitoresco e as outras coisas, elas lhe
escapam e se transmutam uma na outra, fun 9. Os gêneros literários
dindo-se na unidade, mesmo que se costume e as categorias estéticas
separadamente chamá-las por modo de dizer,
ou seja, experimenta-se que a arte é uma e não Bastante maiores e mais deploráveis con
se divide em artes. Uma, e ao mesmo tempo seqüências teve na crítica e na historiografia lite
infinitamente variada; mas variada não tanto rária e artística uma teoria de origem um pouco
conforme os conceitos técnicos das artes, e sim diversa, mas análoga, a dos gêneros literários
conforme a infinita variedade das personalida e artísticos. Também esta, como a precedente,
des artísticas e de seus estados de espírito. tem como fundamento uma classificação que,
fi esta relação e a esta troca entre tomada em si, é legítima e útil: aquela, os
as criações artísticas e os instrumentos da agrupamentos técnicos ou físicos dos objetos ar
comunicação ou "coisas artísticas" devemos tísticos; esta, as classificações que se fazem das
recolocar o problema que se refere ao belo obras de arte, conforme seu conteúdo ou motivo
por natureza. Deixemos de lado a questão, sentimental, em obras trágicas, cômicas, líricas,
que assoma em alguns estetas se, além do heróicas, amorosas, idílicas, romances, e d a í por
homem, outros seres sejam na natureza po diante, dividindo e subdividindo. Na prática é
etas e artistas: questão que merece resposta útil distribuir segundo estas classes as obras de
afirmativa, não só por devida homenagem um poeta na edição que dele se faz, colocando
aos pássaros cantores, mas ainda mais em
virtude da concepção idealista do mundo, que
é todo vida e espiritualidade, mesmo que,
como naquele conto popular, tenhamos perdido 2”Concho azul”.
Primeira purte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ X a o s é c u lo X X
em um volume os líricos, em outro os dramas, Pareceu que das divisões dos gêneros
em um terceiro os poemas, em um quarto os se devia salvar, dando-lhe valor filosófico, ao
romances; e é cômodo, ou melhor, indispensá menos uma; a de "lírica", “épica" e "dramática",
vel, citar com estes nomes as obras e os grupos interpretando-a como três momentos do proces
de obras ao discorrer sobre elas em voz alta e so da objetivação, que da lírica, efusão do eu,
por escrito. Mas também aqui devemos declarar vai à épica, em que o eu separa de si o sentir,
indevido e negar a passagem destes conceitos narrando-o, e desta para a dramática, em que
classificatórios às leis estéticas da composição deixa que ele molde por si os próprios porta-
e aos critérios estéticos do juízo; como se faz vozes, as dramatis personae. Mas a lírica não
quando se quer determinar que a tragédia deva é efusão, não é grito ou pranto; ao contrário, é
ter tal ou tal argumento, tal ou tal qualidade de ela própria objetivação, pela qual o eu vê a si
personagens, tal ou tal andamento de ação, mesmo como espetáculo e se narra e se dra
e tal ou tal extensão; e diante de uma obro, matiza; e este espírito forma a poesia do epos
em vez de procurar e julgar a poesia que lhe é e do drama, que, portanto, não se distinguem
própria, põe-se a pergunta se ela é tragédia da primeira a não ser em coisas extrínsecas.
ou poema, e se obedece às "leis" de um ou de Uma obra que seja totalmente poesia, como o
outro “gênero", fi crítico literária do século XIX Macbeth ou o fíntônio e Cleópatra, é substan
deve seus grandes progressos em grande parte cialmente uma lírica, da qual os personagens
por ter abandonado os critérios dos gêneros, e as cenas representam os vários tons e as
nos quais permaneceram como que aprisiona estrofes consecutivas.
das a crítica da Renascença e a do classicismo Nas velhas estéticas, e ainda hoje na
francês, como comprovam as disputas que então quelas que continuam seu tipo, se dava des
surgiram em torno da Comédia de Dante e dos taque às assim chamadas categorias do belo;
poemas de flriosto e de Tasso, do Pastor Fido o sublime, o trágico, o cômico, o gracioso, o
de Guarini, do Cid de Corneille, dos dramas de humorístico, e semelhantes, que os filósofos,
lope de Vega. Não igual vantagem tiraram os marcadamente alemães, não só começaram a
artistas da queda destes preconceitos, porque, tratar como conceitos filosóficos (quando são
negados ou admitidos que tenham sido em simples conceitos psicológicos e empíricos),
teoria, permanece como fato que aquele que mas desenvolveram com aquela dialética que
tem gênio artístico passa através de todos os diz respeito unicamente aos conceitos puros ou
vínculos de servidão, e até mesmo das correntes especulativos, isto é, às categorias filosóficas,
faz para si instrumento de força; e aquele que onde se entretiveram, dispondo-os em uma
disso é escasso ou privado, converte em nova série de progresso fantástico, culminante oro
servidão a própria liberdade. no belo, ora no trágico, ora no humorístico. Gn-
tendendo tais conceitos por aquilo que se disse no fundo desta distinção de forma lógica e de
que eles são, deve-se notar sua correspondên forma metafórica, de dialética e retórica, ela era
cia substancial com os conceitos dos gêneros a necessidade de construir ao lado da ciência
literários e artísticos, dos quais, com efeito, e da lógica uma ciência da estética; mas infeliz
principalmente das "instituições literárias", se mente se fazia o esforço de distinguir as duas
verteram na filosofia. Gnquanto conceitos psico ciências no campo da expressão, que pertence
lógicos e empíricos, não pertencem à estética, a uma só delas.
e em seu conjunto designam nada mais que a Por uma necessidade não menos legítima,
totalidade dos sentimentos (empiricamente dis naquela parte da didática que é o ensino das
tintos e reunidos), que são a matéria perpétua línguas começou-se desde a antiguidade a
da intuição artística. dividir as expressões em períodos, proposições
e palavras, e as palavras em várias classes, e
10. Retórica, gramática em cada uma a analisá-las segundo suas varia
e Filosofia da linguagem ções e composições em radicais e sufixos, em
sílabas e em fonemas ou letras; daí nasceram
Que todo erro tenha um motivo de verda os alfabetos, as gramáticas, os vocabulários,
de e nasça de uma combinação arbitrária de como, analogamente, para a poesia houve
coisas em si legítimas, confirma-se pelo exame as artes métricas, e para a música e as artes
que se fizer de outras doutrinas errôneas, as figurativas e arquitetônicas, as gramáticas mu
quais tiveram grande campo no passado e sicais, pictóricas, e assim por diante. Todavia,
ainda hoje têm um, embora mais restrito. € nem mesmo os antigos conseguiram evitar que
perfeitamente legítimo valer-se, para o ensino também nesta parte se realizasse um daqueles
do escrever, de divisões como as do estilo nu trânsitos indevidos ob intellectu ad rem, das
e do figurado, da metáfora e de suas formas, abstrações à realidade, da empiria à filosofia,
e perceber que em tal lugar ajuda falar sem que observamos nos outros casos; e nisso se
metáfora e em tal outro por metáfora, e que em veio a conceber o falar como agregação de
tal outro a metáfora empregada é incoerente palavras e as palavras como agregação de
ou é mantida demasiado longamente, e que sílabas ou de raízes e sufixos: onde o prius
aqui conviria uma figura de "preterição" e lá é justamente o falar como um continuum,
uma "hipérbole" ou uma “ironia". Mas quando semelhante a um organismo, e as palavras e
se perde a consciência da origem de fato didá as sílabas e as raízes são o posterius, o pre
tica e prática destas distinções, e filosofando parado anatômico, o produto do intelecto que
se teoriza a forma como distinguível em uma abstrai, e não justamente o fato originário e
forma “nua" e em uma forma “ornada", em real. Transportada a gramática assim como a
uma forma “lógica" e em uma forma “afetiva” e retórica no seio da estética, disso proveio um
semelhantes, se transporta no seio da estéti desdobramento entre “expressão" e “meios" da
ca a retórica e se vicia o conceito genuíno da expressão, que é uma reduplicação, porque os
expressão, fl qual nunca é lógica, mas sempre meios da expressão são a própria expressão,
afetiva, ou seja, lírica e fantástica, e é sempre, triturada pelos gramáticos. €ste erro, combi
e por isso mesmo não é nunca, metafórica, e nando-se com o outro de uma forma "nua” e de
por isso sempre própria; nunca é nua para se uma forma “ornada", impediu que se visse que
dever cobrir, nem ornada para dever-se libertar a filosofia da linguagem não é uma gramática
de coisas estranhas, mas sempre resplande filosófica, mas está além de toda gramática,
cente de si própria [...]. Também o pensamento e não torna filosóficas as classes gramaticais,
lógico, também a ciência, enquanto se exprime mas as ignora, e, quando as encontra contra
torna-se sentimento e fantasia, que é a razão si, as destrói, e que, em suma, a filosofia da
pela qual um livro de filosofia, de história, de linguagem é uma com a filosofia da poesia e
ciência pode ser não só verdadeiro, mas belo, da arte, com a ciência da intuição-expressão,
e de todo modo é julgado não só conforme uma com a estética, a qual abraça a linguagem em
lógica, mas também conforme uma estética, e se toda a sua extensão, que compreende a lin
diz por vezes que um livro é equivocado como guagem fônica e articulada, e em sua realidade
teoria ou como crítica ou como verdade histórica, intacta, que é a expressão viva e de sentido
mas permanece, pelo afeto que o anima e que realizado.
nele se exprime, na qualidade de obra de arte. B. Croc®,
Quanto ao motivo de verdade que se elaborava Flesthetica in nuce.
Primeira parte - j A f i lo s o f i a d o s é c u lo a ° s é c u lo X X
Todavia, a filosofia nõo está no mundo aos poucos verdadeiramente falam os grandes
para deixar-se dominar pela realidade tal filósofos, os grandes poetas, os homens gran
qual se configura nas imaginações feridas e des, toda qualidade de grandes obras, mesmo
perdidas, mas para interpretá-la, libertando quando as multidões os aclamam e deificam,
as imaginações, flssim, pesquisando e inter sempre prontas para abandoná-los por outros
pretando, ela, que bem sabe que o homem ídolos, para fazer barulho ao seu redor e para
que torna escravo o outro homem desperto no exercitar, sob qualquer lema e bandeira, a
outro a consciência de si e o anima à liberdade, natural disposição à cortesania e servilidade;
vê serenamente suceder a períodos de maior e, por isso, por experiência e por meditação,
outros de menor liberdade, porque quanto o homem pensa e diz a si próprio que, se nos
mais estabelecida e não disputada for uma tempos liberais se tem a grata ilusão de gozar
ordem liberal, tanto mais decai para o hábito, de uma rica companhia, e se naqueles não
e, reduzindo para o hábito a consciência vigi liberais se tem a oposta e ingrata ilusão de se
lante de si próprio e a prontidão da defesa, encontrar em solidão ou em quase solidão, ilu
se dá lugar a uma vichiono repetição daquilo sória era certamente a primeira crença otimista,
que se acreditava que nõo iria mais reaparecer mas, por sorte, ilusória é também a segunda,
no mundo, e que por sua vez abrirá um novo pessimista.
curso. Vê, por exemplo, as democracias e as
repúblicas, como as da Grécia no século IV ou d. fl vida da liberdade
de Roma no I, em que a liberdade permanecia como formadora da história sempre foi
e sempre será vido de combatente
nas formas institucionais mas não mais na alma
e no costume, perder também aquelas formas, £stas, e tantas outras coisas semelhantes
como aquele que não soube ajudar-se e que em a estas, ela vê, e daí conclui que se a história
vão procurou se endireitar com bons conselhos não é exatamente um idílio, também não é
é abandonado à áspera correção que a vido uma "tragédia de horrores1', mas é um droma
dele fará. Vê a Itália, exausta e derrotado, em que todas as ações, todos os personagens,
depositada pelos bárbaros na tumba com sua todos os componentes do coro são, em sentido
pomposa veste de imperatriz, ressurgir, como aristotélico, "medíocres", culpáveis-inculpáveis,
diz o poeta, ágil marinheira em suas repúblicos mistos de bem e de mal, e, todavia, o pensa
do Tirreno e do Adriático. Vê os reis absolutos, mento diretivo nela é sempre o bem, ao qual
que abateram as liberdades do baronato e do o mal acaba por servir como estímulo; a obra é
clero, tornadas privilégios, e que superpuseram da liberdade que sempre se esforça para res
a todos o seu governo, exercido por meio de tabelecer, e sempre restabelece, as condições
uma burocracia e sustentado por um exército sociais e políticas de mais intensa liberdade.
próprio, preparar uma bem mais larga e mais Quem desejar em breve persuadir-se de que
útil participação dos povos na liberdade política; a liberdade não pode viver diversamente de
e um Napoleõo, também ele destruidor de uma como foi vivida e viverá sempre na história,
liberdade tal apenas de aparêncio e de nome e de vida perigosa e combatente, pense por
à qual retirou aparência e nome, arrasador de um instante em um mundo de liberdade sem
povos sob seu domínio, deixar atrás de si estes contrastes, sem ameaças e sem opressões de
mesmos povos ávidos de liberdade e tornados nenhum tipo; e logo delo se desviará apavo
mais espertos do que verdadeiramente eram, rado, como da imagem, pior que a da morte,
e ativos para implantar, como pouco depois do náusea infinita.
fizeram em toda a Europa, seus institutos. £la
a vê, também nos tempos mais sombrios e gra 2. Toda história é sempre
ves, fremir nos versos dos poetas e afirmar-se "história contemporânea"
nas páginas dos pensadores e arder solitária
e soberba em alguns homens, não assimiláveis a. Há sempre uma necessidade prótica
pelo mundo que os envolve, como naquele como fundamento de todo juízo histórico
amigo que Vittorio Rlfieri descobriu na Siena R necessidade prática, que está no fundo
setecentista e grõ-ducal, "espírito libérrimo" de todo juízo histórico, confere a toda história
nascido "em dura prisão", onde estava "como o caráter de “história contemporânea", porque,
leão que dorme", e para o qual ele escreveu o por mais remotos e remotíssimos que pareçam
diálogo da virtude desconhecida. €la a vê em cronologicamente os fotos que nela entram,
todos os tempos, tanto nos propícios como nos ela é, na realidade, história sempre referida
adversos, genuína, robusta e consciente apenas à necessidade e à situação presente, na qual
nos espíritos de poucos, embora apenas esses aq u e le s fatos propagam suas vibrações.
depois historicamente contam, como apenas Rssim, se eu, para inclinar-me e recusar-me a
Primeira parte - ? \ filosofia d o s é c u lo X J X o » s é c u lo X X
G e n t il e
Não é Fácil encontrar nos escritos dos FilósoFos algumas páginas em que sintética e clara
mente eles resumam seu próprio pensamento. Gentile, Felizmente, as deixou em sua Introdução
à filosofia, onde, justamente na parte introdutória, ele apresenta um mapa dos problemas em
torno dos quais gira todo o seu sistema e evidencia igualmente uma série de implicações que
eles têm.
Depois de ter indicado as origens do atualismo na reviravolta impressa no pensamento
FilosóFico da FilosoFia alemã que vai de Hant a Hegel, e ter salientado alguns precedentes na
FilosoFia renascentista e do ressurgimento italiano, Gentile toma distância em relação a Croce,
salientando como sua própria FilosoFia tenha parecido afím com a de Croce mais do que de
Fato era.
Passa entõo a apresentar o princípio básico de sua FilosoFia, que é o d o imanência absoluta,
entendida não no sentido tradicional, mas como imanência de todo o real no ato do pensar,
além do qual nõo há nada de independente.
Cste ato do pensar nõo deve ser conFundido com o ato do pensar como, por exemplo, o
do motor imóvel de Aristóteles ou da metaFísica tradicional, que, segundo Gentile, são meras
abstrações, mas é o ato de pensar que coincide com nosso pensamento.
Ém nós, enquanto somos ato ou atividade do pensar, está compreendida a totalidade do
real: nõo somos nós (como pensamento) que estamos contidos no espaço, mas é o espaço
que está contido em nosso pensamento; e, assim, nõo somos nós que estamos na natureza,
mas é a natureza que está em nós (como pensamento).
Csta atividade do pensamento, além de infinita (porque inclui todos as coisas) é livre,
enquanto autoridade suprema no julgor e distinguir verdadeiro e Falso, bem e mal.
Cxatamente na dimensão do ato do pensar descobrimos dentro de nossa humanidade
empírica uma humanidade profunda, que é aquela por meio do qual procuramos os outros e
con-sentímos com os outros. Por esta humanidade profunda nós somos os outros e os outros
são nós, em sentido global.
O pensamento atual é tudo, e o próprio Cu particular é, em certo sentido, uma abstração,
porque, como tudo o mais, está imanente no ato espiritual.
O método do atualismo é a dialética do novo sentido, ou seja, nõo a dialética das realida
des pensadas, como o era na metaFísica dos antigos, mas a dialética da atividade pensante.
O próprio Hegel, que havia reFormado a dialética antiga, deve se r posteriormente reFormodo,
porque, com suas distinções sistemáticas de idéia, natureza e espírito (com suas implicações) e
com suo concepção da lógica, permaneceu condicionado por uma série de resíduos da dialética
do pensado. £ a própria reForma da dialética hegeliano operada por Croce, segundo Gentile,
deve serpuriFicada, eliminando os "distintos", fí unidade do pensamento em sua subjetividade,
como autoconceito, que absorve a totalidade do real exatamente nesta sua atividade, constitui
o coração da dialética do atualismo.
Gentile aFirma, portanto, que o atualismo tem um caráter proFundamente religioso, enquan
to, dialeticomente, no ato do pensamento concretamente resolve os problemas que o religião
sem pre se colocou. O mal é um momento dialético do bem; o erro é um momento dialético
do verdadeiro; o bem é aquilo que concretamente se Faz, desobrochando de seu contrário;
o verdadeiro é aquilo que concretamente se realiza, superando seu contrário. O espírito é a
natureza que s e torna espírito.
O corpo nõo é apenas aquilo que está dentro de nossa pele. Também cada membro de
nosso corpo p od e se r pensado isoladamente do resto do corpo, mas apenas por abstração;
separado do corpo perderia qualquer signiFicado e valor. Rssim é para nosso corpo, o qual é
correlotivo a todo o resto do mundo Físico. Dizer corpo é como dizer corpo do universo.
Primeira parte - A fi lo s o j- ia d o s é c u lo X ^ ? X ao s é c u lo X X
plena consciência da necessidade de uma nova fato da experiência. Oro, uma coerente con
lógica o ser contraposta à analítica aristotélica, cepção religiosa do mundo deve ser otimista,
ou seja, à lógica do platonismo ossim como de sem negar a dor e o mal e o erro; deve ser
toda a antiga filosofia, Hegel se propôs o pro idealista sem suprimir a realidade com todos
blema, mas não o resolveu, porque, a começar os seus defeitos, deve ser espiritualista sem
das primeiras categorias (ser, não-ser, devir) fechar os olhos sobre a natureza e sobre as
deixou-se escapar a absoluta objetividade do férreas leis de seu mecanismo. Mas todas as
pensar, e trotou sua lógica como movimento dos filosofias e todas as religiões, apesar de todo
idéias que se pensam e, por isso, se devem esforço idealista e espiritual, estão destinadas
definir. Movimento absurdo, porque as idéias a falir, ou por abandonar-se a um dualismo ab
se pensam, ou sejo, se definem enquanto se fe surdo ou por fechar-se em um abstrato e, por
cham no círculo de seus termos, e permanecem isso, insatisfatório e, portanto, ele próprio um
paradas. £ essa é a razão pela qual as idéias monismo absurdo, caso se limitem à lógica da
platônicas são de fato todas ligadas entre si e, identidade, pela qual os opostos se excluem, e
por isso, obrigam o pensamento subjetivo que onde o ser não é o não-ser, e vice-versa.
queira pensar uma delas, a pensar também Com a lógica da identidade as antinomias
todas as outras, e a mover-se, por isso, de uma da vida moral e da consciência religiosa, do
para outra sem descanso, mas elas permane mundo e do homem, tornam-se insolúveis.
cem paradas, como o estádio sobre o qual os 6 não há fé na liberdade humana, na razão
ginastas correm. humana, na potência do ideal ou na graça de
Permanecem paradas, mas são logos abs Deus que possa salvar o homem e, finalmente,
trato, que é preciso reconduzir ao pensamento levantá-lo em sua vida, todo pervodida, como
real e atual. Que é enquanto não é, e não está ela é, pelo pensamento, que é pesquisa e dú
jamais parado, e sempre se move; e de fato vida, e perpétua interrogação para quem a vida
define, e se espelha no objeto definido, mas é resposta. Somos ou não somos imortais? Há
para voltar a definir de outra forma, sempre uma verdade para nós? C verdadeiramente há
mois adequadamente à necessidade incessante lugar no mundo para a virtude? C há um Deus
em cuja satisfação se encontra seu realizar-se. que governa tudo? € vale a pena esta vida
O pensamento é dialético por este seu devir, que nos custa viver? Cstas perguntas voltam
que é, não pensado unidade de ser e não-ser, sempre a surgir e ressurgir do fundo do cora
conceito em que se ensimesma o conceito do ção humano, e por isso os homens pensam e
ser e o conceito oposto do não-ser, mas é uni têm necessidade da filosofia, a fim de que os
dade realizada do próprio ser do pensamento conforte para viver com uma resposta qualquer.
com seu real não-ser. Nós podemos, de foto, Cada um que vive procura como pode uma res
definir o conceito desta unidade; mas nossa posta para si. Mas uma resposta lógica, firme,
definição não é uma imagem, ou um duplicado razoável, não é possível se o pensamento não
lógico de uma realidade transcendente em re se retrai dos objetos que vez por vez pensa e
lação ao ato lógico: é todo um e uma só coisa solda em férrea corrente como o sistema de seu
com este ato.3 mundo e não se volta sobre si próprio, onde
toda realidade tem sua raiz e de onde retira,
9. Caráter religioso da concepção dialética por isso, sua vida: onde o ser ainda não é, mas
vem a ser, não sendo o princípio, imediatamen
Na dialética do pensamento encontra-se te: onde saber é aprender, e toda vez, mesmo
a resposta às milhares de dúvidas céticas e às que já se saiba, aprender do início; onde o
milhares de perguntas angustiantes, que sur bem não é aquilo que foi feito, e já existe, mas
gem da experiência e dos contrastes da vida: aquilo que não se fez e, por isso, se faz; onde
contrastes entre o homem e a natureza, a vida a alegria não é o que se gozou, mas aquela
e o morte, o ideal e a realidade, o prazer e a que brota de seu contrário, e não se detém,
dor, a ciência e o mistério, o bem e o mal etc. caindo na monotonia da náusea, que estagna
Todos os antigos problemas que foram o tor e gera a morte, mas se renova e reconquista
mento da consciência religiosa e da vida morol como novo anseio e nova fadiga e, por isso,
de todos os homens, as ânsias da teodicéia por meio de novas dores; onde, finalmente, o
como o cruz da filosofia, fl concepção atualista espírito arde eternamente, e na combustão fla-
é uma concepção espiritualista e profundamente
religiosa, embora sua religiosidade não possa
satisfazer quem está habituado a conceber o ! Cf. dois escritos meus no vol. fí reform o d o dialético
divino como um transcendente abstrato, ou a hegeliana, Principoto, Messina, 19232, pp. 1-74 e 209-240.
confundir o ato do pensamento com o simples [Noto de Gentile]
Primeira parte - j A f i lo s o f i a d o s é c u lo X^X a o s é c u lo XX
de seu próprio ser nõo sente recolher em si e socorrer a capacidade espontânea do espírito,
pulsor o história, o universo, o infinito, tudo? que não seja um auxílio querido e valorizado
Poderia ele com as forças limitadas, que em e, por isso, livremente procurado e atuado. G
qualquer momento de sua existência ele de fato nada, finalmente, nos vem do exterior que aju
percebe que possui, enfrentar, como ele faz e de a saúde da alma, o vigor da inteligência, a
deve fazer, o problema da vida e da morte, que potência do querer.
se lhe apresenta terrível com a potência inelutá Por isso, o atualista não nega Deus, mas,
vel das leis da natureza? Todavia, se ele deve junto com os místicos e com os espíritos mais
viver uma vida espiritual, é preciso que triunfe religiosos que existiram no mundo, repete: Deus
desta lei, e tanto no modo da arte como no da in nobis e st4
moralidade, com a açõo e com o pensamento, G. Gentile,
participe da vida das coisas imortais, que são introdução à Filosofia.
divinas e eternas. 6 nisso participe por si, livre
mente; pois não há auxílio externo que possa 4"Deus está em nós”.
O CONTRIBUTO
DA ESPANHA
À FILOSOFIA
DO SÉCULO XX
• A batalha contra o intelectualismo não pára aqui; Unamuno vai mais a fundo
e na Vida de Dom Quixote e de Sancho (1905) afirma que a vida é inexaurível para
a inteligência, que "não é a inteligência, mas a vontade que constrói o mundo
para nós". Eis, então, que da "peste do bom senso" é possível se
curar apenas por obra da "autêntica loucura" que, ao contrário, a loucura
"está faltando para nós". Dom Quixote, portanto, torna-se louco heróica
"unicamente por maturidade de espírito". contra
A vida é enriquecida pela loucura heróica e não pela miséria a miséria
do bom senso; pelos livros de cavalaria e não pelas propostas do bom senso
presunçosas do intelectualismo, do cientismo e do racionalismo
supersimplificador de tanta filosofia.
Unamuno se pergunta: o cavaleiro de Cristo que foi Inácio de Loyola foi de
fa to tão diferente de Quixote? A aventura de um não pode ser considerada em
paralelo com a aventura do outro? Para Unamuno existe apenas o homem concreto,
e o homem concreto "está acima de todas as razões". Logo: "a verdade racional
e a vida estão em oposição"; e ainda: "Eu não me submeto à razão, e me rebelo
contra ela".
• "Tudo aquilo que é vital é irracional, enquanto tudo aquilo que é racional
é antivital": isso é escrito por Unamuno em Do sentimento trágico da vida (1913).
A vida "não aceita fórmulas"; aliás, a ciência existe porque sus
tentada por uma "insustentável" fé na razão. o Deus
E devemos ainda dizer que o desprezo que Unamuno ali- de Unamuno
menta diante das construções intelectualistas e doutrinais, ele o é ° "Deus vivo"
estende também ao racionalismo teológico da tradição tomista. de Pascal
O Deus de Unamuno não é o Deus dos filósofos e dos teólogos; e . ,
é, muito mais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, como para _[er ^ í aa
Pascal e Kierkegaard: é um Deus que fala ao coração e não a ’
conclusão de uma série de silogismos.
Segunda parte - O c o n t r ib u t o d a < z L s p a n i\ a à j- ilo s o f ia d o s é c u Io XX
Miguel de Unamuno
(1864-1936)
foi um dos mais originais
pensadores
dos inícios do século X X ,
crítico agudo das construções
intelectualistas e doutrinárias:
para ele a vida
“não aceita fórm ulas".
Capitulo oitavo - 7V\>gwe! d e L \y \a n \tA V \o e o sen tim en to tr á g ic o d a vid a
De Paris Unamuno se transfere a Hen- humana que existe” ; e aqueles que falam de
daye, na costa basca, diante de Bilbao. Em regeneração da Espanha se esquecem jus
Hendaye Unamuno permanece até 1930, tamente do destino individual dos homens
isto é, até a queda do ditador Primo de Rive- individuais.
ra. Volta para Salamanca e lhe é devolvida a Unamuno olha o povo de carne e osso.
cátedra. Em 1931 é proclamada a República, Esse povo não é um fantasma intelectua
e Unamuno é nomeado deputado. Em 1936 lista ou uma reconstrução historiográfica.
explode a guerra civil espanhola: Unamuno E gente que trabalha, pensa, sofre e canta
não esconde sua escolha franquista. suas canções sobre determinado pedaço de
A morte o colhe em 31 de dezembro terra, sob determinado céu e diante deste
do mesmo ano de 1936. Comemorando mar. É gente que vive na tradição. E aquilo
Unamuno, Ortega y Gasset dirá: “Unamuno que Unamuno procura é a tradição espa
sempre esteve na companhia da morte, sua nhola eterna: eterna porque humana, mais
perene amiga-inimiga. Sua vida inteira e que espanhola. E, então, que sentido possui
toda sua filosofia foram [...] uma meditatio tentar regenerá-la, europeizá-la? Um povo
mortis. A nossos olhos uma inspiração desse é atrasado? Pois bem, responde Unamuno,
tipo triunfa em todo lugar, mas, em todo “ deixemos que os outros corram; também
caso, devemos dizer que Unamuno foi o seu eles, antes ou depois, se deterão” . O povo
precursor!” . passa sua vida na ignorância? Pois bem, o
povo “ sabe tantas coisas que os homens
públicos ignoram” e “ a ignorância é uma
ciência divina: é mais que ciência — é sa
2 A essência da Êspanka
bedoria” . E ainda: o camponês de Toboso
— pergunta-se Unamuno — não vive e não
morre mais feliz que um operário de Nova
Em torno do casticismo é de 1895. Este York? “ M alditas as vantagens de um pro
livro sobre a essência da Espanha é uma gresso que obriga-nos a nos dilacerar de afã,
decidida e lúcida tomada de posição contra de trabalho, de ciência!”
os literatos que representam a “ geração de Em torno do casticismo é o primeiro
1898” , que, desiludidos pela perda de Cuba, assalto significativo de Unamuno contra o
falavam a todo instante da “ regeneração da intelectualismo, contra imagens que pre
Espanha” . Estes discursos de intelectuais e tendem passar por realidade, contra idéias
políticos, todavia, deixam o povo indiferen de Deus que querem substituir os ímpetos
te. E isso ocorre — nota Unamuno — porque místicos dos fiéis, contra tantos, para além
o povo goza de “ saúde cristã” . Unamuno das estatísticas e dos gráficos econômicos
denuncia, com aguda previsão, os perigos e sociológicos, que não conseguem ver a
do nacionalismo; mas ele não se deixa se fome e os sofrimentos de multidões de seres
quer fascinar pela idéia que os intelectuais humanos.
e políticos fazem da Espanha: tal idéia é
uma decoração intelectualista da qual foge
a vida real do povo. A Espanha não é “ um
fantasm a” sobre uma tela pintada ou uma IP a r a liber+ar-se
visão de origem livresca. A Espanha é a vida do^domínio dos fidalgos
de milhões e milhões de homens e não aquilo da r a z ã o "
que dela contam os jornais ou que dela diz
a história: “ os jornais não dizem nada da
vida silenciosa de milhões de homens sem
história que, em qualquer hora do dia e em N a Vida de Dom Quixote e de Sancho
todo lugar, em todos os países do mundo, se Unamuno escreve: “ N ão é a inteligência,
levantam com o sol e vão para seus campos mas a vontade que constrói para nós o mun
a fim de continuar sua tarefa obscura e si do e, ao velho aforismo escolástico ‘nihil
lenciosa, quotidiana e eterna [...] que lança volitum quin praecognitum’, ou seja, ‘nada
as bases sobre as quais se levantam as ondas se quer que não seja antes conhecido’, é pre
da história” . O mais caro para Unamuno ciso fazer uma correção, lendo assim: ‘nihil
não é uma idéia da Espanha ou a retomada cognitum quin praevolitum’, ou seja: ‘nada
da história da Espanha. Para Unamuno se conhece que antes não seja querido’ ” .
conta apenas “ o destino individual de cada A vida, afinal de contas, é inexaurível para a
homem” , uma vez que esta é “ a coisa mais inteligência. E há mais: a razão vem depois
Segunda püYte - O contributo d a ér^spanka à filosofia d o s é c u lo X X
da ação; a inteligência segue a vontade. “ É coisas que põem a vida em risco e, portanto,
a vida — sentencia Unamuno — o critério nelas existe a verdade. E, por outro lado,
para julgar a verdade, e não a concordân aquele cavaleiro de Cristo que foi Inácio de
cia lógica, que é apenas critério de razão. Loyola foi tão diferente de Dom Quixote?
Se minha fé me leva a criar ou a aumentar A aventura de um não pode ser vista em
a vida, para que pretender outra prova de paralelo com a aventura do outro?
minha fé? Quando as matemáticas servem
apenas para matar, também as matemáticas
se tornam mentira. Se, enquanto caminhais
morrendo de sede, vedes uma miragem que y\ vida
vos representa vivamente aquilo que cha
" n ã o a c e i f a fó c m u la s
mamos de água, e vos lançais a beber e vos
sentis renascidos porque a sede se aplacou,
aquela miragem era verdade, e verdade era
aquela água. Verdade é tudo aquilo que, Nem o humano nem a humanidade
impelindo-nos a agir de um ou de outro têm uma existência real. Para Unamuno, o
modo, faz com que o resultado de nossa que existe é apenas o homem concreto. E a
ação resulte conforme nosso propósito” . existência, a vida do homem concreto não
Contra “ a peste do bom senso que encontra justificação, “ está além de todas as
nos mantém a todos sufocados e compri razões” . Lemos em D o sentimento trágico
m idos” , Unamuno sente que dessa peste da vida que “ tudo aquilo que é vital é irra
podemos ser curados apenas por “ aquela cional, enquanto tudo aquilo que é racional
autêntica loucura” que, ao contrário, “ nos é antivital” . A vida “ não aceita fórmulas” ; o
está faltando” . Em uma época dominada homem concreto “ é absolutamente instável,
pelo cientificismo positivista, ele, escreven absolutamente individual” ; não é capturável
do a seu “ bom am igo” sobre a necessidade por esta ou por aquela definição teórica. Por
de libertar o sepulcro de Dom Quixote, conseguinte, afirma Unamuno, “ eu não me
afirma que é preciso desconfiar da ciência: submeto à razão, e me revolto contra ela” .
“ deve bastar-te a tua fé. Tua fé será tua arte; O que a ciência pode dizer sobre o sentido
tua fé será tua ciência” . E ainda é preciso da vida, sobre nossas mais profundas ne
desconfiar das letras “ que degeneram em cessidades volitivas, sobre nossa fome de
literatura, naquela nojenta literatura que é imortalidade? E justamente por isso que, a
a aliada natural de todas as escravidões e de seu ver, “ a verdade racional e a vida estão em
todas as misérias” . E eis então que aparece oposição” . Unamuno, em outras palavras,
em todo seu esplendor e valor “ a santa “ considera que o pensamento, a razão e o
cruzada” que impele a resgatar o sepulcro intelecto fossem demasiado restritos para
de Dom Quixote “ das mãos dos sabichões, compreender clara, total e seguramente as
dos padres e dos barbeiros, dos duques e coisas que procuram abraçar. Nem por isso
dos eclesiásticos que dele se apoderaram ” . renunciou a eles: tornou-os “ trágicos” e
O sepulcro do “ cavaleiro da loucura” deve “ agônicos” , ou seja, conforme a etimologia
ser, portanto, resgatado “ do domínio dos grega, “ em luta” (R. M. Albérès). A vida,
fidalgos da razão” . a existência vai além de qualquer tentativa
Dom Quixote, diz Unamuno, torna- da razão de dar-se conta. Um pensamen
se louco “ unicamente por maturidade de to demasiadamente seguro de si constrói
espírito” . Ele alimentou sua alma com os unicamente dogmas vãos. Se, ao contrário,
empreendimentos daqueles valorosos ca alguém está consciente dos limites da razão,
valeiros que, “ desapegando-se da vida que de suas presunções e de seus erros, do fato
passa, aspiram à glória que permanece” . Foi de que existem realidades que a ultrapassam,
o desejo de glória e de imortalidade que os então teremos pensadores que, em contínua
impeliu a agir. E, desse modo, ele, perdendo vigilância, se encontrarão em luta contra si
seu próprio juízo, nos deixou “ um eterno próprios, contra as pretensões de seu pró
exemplo de generosidade espiritual” . Per prio intelecto. E, portanto, para Unamuno,
gunta-se Unamuno: “ com o juízo no lugar, “ o verdadeiro intelectual é [...] aquele que ja
teria ele sido tão heróico?” A loucura herói mais está satisfeito consigo mesmo, nem com
ca contra a miséria do bom senso; os livros os outros. A noção de ‘trágico’ se opõe à de
de cavalaria contra as pretensões do inte- certeza e de comodidade” (R. M. Albérès).
lectualismo cientificista e do racionalismo Com tais premissas é fácil compreender
supersimplificador das filosofias: são estas as a desconfiança de Unamuno em relação aos
161
C a p i t u l o o i t a v o - AAiguel d e ÍA n a m u n o e o sen tim en to tr á g ic o d a vid a
sistemas filosóficos criados por maníacos do vale mais que todas as provas racionais.
desejosos de reduzir o todo a matéria ou a E a descoberta da morte, a incapacidade de
idéia ou a força ou a espírito. A verdade, resignar-se a abandonar a vida, é afinal esse
diz Unamuno, é que nossos desejos, nossas sentimento trágico da vida, que leva o ho
volições, nossos afetos, nossos sentimentos, mem “ a gerar o Deus vivo” . E é justamente a
nossas angústias vêm antes da inteligência, insistência sobre a imortalidade o traço pelo
não nascem da inteligência: as doutrinas fi qual Unamuno mais aprecia o catolicismo,
losóficas são tentativas de justificar depois, a apesar do racionalismo da escolástica: o
posteriori, nossa conduta e os aspectos mais eixo do protestantismo é a justificação; o
importantes da vida. A própria ciência não é do catolicismo é a esperança.
um valor diante do qual devamos nos ajoe “ Ninguém — escreve Unamuno em
lhar. Por trás da ciência existe a fé na razão; Minha religião e outros ensaios — conse
e “ a fé na razão está destinada a aparecer, guiu me convencer por meio de argumentos
no plano racional, tão insustentável quanto racionais a respeito da existência de Deus,
qualquer outra fé” . E, depois, “ a ciência nem de sua inexistência” . E os raciocínios
existe unicamente na consciência pessoal, e dos ateus lhe parecem até “ mais superficiais
graças a ela” . Em outras palavras, existem e mais fúteis” do que os de seus adversários.
filósofos e cientistas que criam, e mudam O problema de Deus é inadiável. N ão é pos
idéias: instrumentos nas urgências das lutas sível voltar-lhe as costas, como o agnóstico, e
interiores que atormentam as consciências dizer: “N ão sei. É verdade — afirma Unamu
dos indivíduos. |,É5,3 i no — que talvez jamais poderei saber, mas
quero saber. Quero, e isso me basta!” .
Cristão porque percebia em seu co
ração “ uma forte tendência para o cristia
lÁ nam iA no1.
nism o” , Unamuno declarava considerar
um “P a s c a l e s p a n K o l" cristão “ todo aquele que invocar com res
e n c o n fr a peito e amor o nome de Cristo” . O Deus
de Unamuno, portanto, é um Deus que
o “ i ^ m ã o // K . i e r k e g a a r d
fala ao coração; é o Deus de Abraão, de
Isaac e de Jacó, e não o Deus dos filósofos
e dos teólogos. E o Deus vivo de Pascal e
O desprezo que Unamuno nutre em re de Kierkegaard. E, justamente na Agonia do
lação às construções doutrinárias se lança cristianismo, Unamuno percebe em si pró
também contra o racionalismo teológico prio “ um Pascal espanhol” ; assim como al
tom ista. Esta filosofia — escreve ainda guns anos antes havia chamado de “ irm ão”
Unamuno em D o sentimento trágico da vida aquele pensador que vivera “ em perpétuo
— pôde triunfar pelo fato de que “ a fé, isto desespero interior” , que foi Kierkegaard.
é, a vida, não se sentia mais segura de si” . E como vida e luta — e, portanto, agonia
A existência de Deus não é, para Unamuno, — Unamuno concebe o cristianismo: este
o resultado de uma prova racional. Para ele não é pensamento, é vida, é fé que morre e
Deus existe porque há em nós vontade inex- ressuscita sem cessar dentro da consciência
tirpável de sobrevivência: este desejo profun humana.
162
..■■ •* Segunda pãfte - O con lH b u to d a & s p a n \ \ a à filo sofia d o s é c u lo X X
cro. £ o guardam, com efeito, mas apenas para enquanto marchamos?" O quê? Lutar! Lutar, e
que o Cavaleiro não tenha de ressuscitar, com todas as forças!
fl esse tipo de raciocínios é preciso res "Como?" Topais com alguém que desem-
ponder com insultos, com pedradas, com gritos bucha idiotices, mas que uma imensa multidão
de paixão, com golpes de lança. Não é preciso ouve de boca aberta? Gritai à multidão: “€s-
pôr-se a discutir com eles. Se tentares racioci túpidosl”, e em frente! Cm frente, sempre em
nar em conflito com seus raciocínios, estarás frente! [...]
perdido. [...] 6 se alguém vier te dizer que sabe construir
fl caminho, portanto. 6 cuide bem para pontes e qu® talvez haverá ocasião em que con
que não entrem no esquadrão sagrado cru virá recorrer às suas noções para atravessar um
zados nem sabichões, nem barbeiros, nem rio, manda-o embora! fora com o engenheiro!
padres, nem cônegos, nem duques travestidos fltravessareis os rios a vau ou a nado, mesmo
como tantos Sanchos. Não faças nada para que metade dos cruzados tiver de restar aí,
que te peçam ou não ilhas; teu dever é de afogada. Que o engenheiro vá fazer pontes
expulsá-los quando vierem te perguntar qual em outro lugar! Haverá necessidade disso. Mas
é o itinerário da marcha, quando te falarem do para ir em busca do sepulcro basta a fé para
programa, quando te murmurarem ao ouvido, servir de ponte.
maliciosamente, pedindo-te que lhes digas Se tu, meu caro amigo, queres realizar ple
em que lugar permanece o sepulcro. Segue namente a tua missão, desconfia da ciência, ou
a estrela. € faz como o cavaleiro: endireita a pelo menos daquelas que se costumam chamar
tortuosidade que encontrares em teu caminho. de “arte" e de "ciência", mas que não são mais
Agora, o que convém agora; aqui, aquele que que pálidas macaquices da arte e da verdadeira
se encontra aqui. ciência, fl ti deve bastar a tua fé. Tua fé será a
Colocai-vos em caminho! Tu me perguntas tua arte; tua fé será a tua ciência.
para onde andais? A estrela o dirá a vás: “Para M. de Unamuno,
o sepulcro!" “Que faremos ao longo do caminho, Vido de Dom Quixote e de Sancho.
(C-ap'di\\o nono
• São os indivíduos que agem. Sem dúvida, o homem é mais do que seu pen
samento, uma vez que ele é também paixão, medo, desejo, angústia. Todavia,
se quisermos resolver os problemas práticos da "circunstância", necessitaremos
de idéias. E aqui Ortega traça a distinção entre idéias-invenções
(as que produzimos, sustentamos e discutimos) e idéias-crenças idéias
(idéias herdadas do passado, previsíveis, e que confundimos "que tem os"
com a própria realidade; por exemplo, andamos pela rua e evi- e idéias
tamos os edifícios, sem que em nossa mente surja a idéia: "as "que somos"
paredes são impenetráveis"). As idéias-crenças, todavia, não são $ 4~6
imunes de dúvidas, e o mesmo ocorre com as idéias-invenções.
O homem cria idéias, imagina possibilidades, inventa hipóteses; e quando estas
não têm sucesso, ele muda de caminho, aprende dos erros. Os erros cometidos,
individuados e eliminados constituem para o homem um autêntico tesouro: o
tesouro dos erros.
das m assas, conseguem transformar suas de nós está em casa e decide sair: ele vai pa
idéias e costumes. ra a porta, gira a chave para abrir a porta,
desce as escadas. Tudo isso tem o caráter
da deliberação consciente. M as a coisa mais
y \ d ife r e n ç a importante, o pressuposto que lhe permitiu
decidir interveio sem que ele pensasse nisso:
entee //idéias-invenções/ trata-se da crença que fora da soleira existe
e "id é ia s -c re n ç a s /; uma rua. N ós “ vivemos, nos movemos e
existim os” dentro de crenças do gênero.
Assim, Ortega exemplifica ainda: “ Quando
O homem é mais do que seu pensa caminhamos pela rua não tentamos passar
mento, pois ele é também paixão, medo, através dos edifícios: evitamos autom atica
angústia, desejo. Todavia, escreve Ortega, mente trombar neles, sem que em nossa
“ sem idéias [...] o homem não poderia mente surja necessariamente a idéia: ‘As pare
viver. Quando Goethe disse ‘no princípio des são impenetráveis’. Em todo momento
era a ação’, dizia uma frase pouco medita nossa vida apóia-se sobre um enorme re
da, porque evidentemente uma ação não é pertório de crenças semelhantes” . ggflPI
possível sem que antes exista o projeto, o
esboço dessa ação” . O homem sem idéias
não existe; às idéias lhe são necessárias para
O tesouro dos erros
resolver os problemas que continuamente
surgem da condição humana, para sair do
abismo das dúvidas. O homem, em poucas
palavras, deve conhecer sua circunstância, Em todo caso, não é que as crenças
se não quiser viver cegamente. sejam certas, absolutamente seguras e ina
E se a filosofia, para Ortega, é análi baláveis. Elas são apenas “ pensamentos
se e clarificação das propostas éticas, dos consolidados” , usados inconscientemente.
mundos de valores e de ideais por meio dos M as não é raro o caso — nota Ortega — que
quais os homens procuram orientar-se na “ na área fundamental de nossa crença se
vida e se agarram a tudo o que para eles vale abram, aqui e ali, como alçapões, enormes
a pena ser vivido, a ciência, por sua vez, é o abismos de dúvidas” . Encontramo-nos sem
instrumento mais eficaz e mais válido que chão sob os pés, em um “ mar de dúvidas” ,
permite ao homem ser informado sobre o quando estamos “ presos entre duas crenças
mundo e sobre o ambiente em que ele vive antagonistas que se chocam mutuamente e
e deve agir. nos fazem balançar de uma para outra” . E
Uma distinção importante, no campo onde uma crença é infringida ou se enfraque
dos pensam entos, é a que Ortega traça ceu, o homem “ se agarra ao intelecto como
entre crenças e idéias-invenções. “ Idéias- a um salva-vidas” e procura inventar novas
invenções, e nelas incluindo as verdades idéias. As novas idéias, as idéias científicas,
mais rigorosas da ciência, podemos dizer são fantasias que têm sucesso: “ o triângulo e
que as produzimos, que as sustentamos, as o amuleto têm o mesmo pedigree. São filhos
discutimos, as propagamos [...]. São obra da louca da família” , isto é, da fantasia. O
nossa e por isso mesmo pressupõem já nossa homem — escreve Ortega — “ está condena
vida, que se funda mais sobre idéias-crenças do a ser um narrador” : ele cria suas idéias,
não produzidas por nós, idéias que em geral imagina possibilidades, isto é, inventa hipó
nós sequer formulamos, que obviamente não teses e teorias, que depois põe à prova, des
discutimos, não propagamos, não sustenta cartando as que resultam erradas e contando
m os” . As crenças são idéias fundamentais, com o fato de que o dos erros cometidos,
herdadas do passado e que constituem, por individuados e eliminados, é um verdadeiro
assim dizer, um patrimônio tácito, previsto: e próprio tesouro. Tudo aquilo que o homem
elas “ não são idéias que temos, mas idéias obteve — salienta Ortega — “ custou milênios
que so m o s” ; são “ o conteúdo de nossa e milênios, e o obteve à força de erros, ou
vida” ; “ nós as confundimos com a própria seja, embarcando em fantasias absurdas que
realidade, constituem nosso mundo e nosso resultaram em becos sem saída dos quais
ser” . Ortega escreve isso no ensaio Idéias e teve de voltar atrás machucado [...]. Hoje,
crenças, onde acrescenta que nós estamos ao menos, sabe que as figuras do mundo que
nas crenças, e que, enquanto “pensamos as imaginava no passado não são a realidade.
idéias, contamos com as crenças” . Alguém À força de errar, está delimitando a área do
Capítulo tlO flO - O r t e g a y ( g a s s e t e o d ia g n ó s tic o d a c iv iliz a ç ã o oc id en ta l 169
do — fenômenos por trás dos quais há, na para a imposição daquilo que se deseja” . O
opinião de Ortega, o desenvolvimento da homem-massa é um novo bárbaro que “ não
técnica e da indústria — são acompanhados se limita a considerar-se excelente enquanto
pela destruição do valor sobre o qual cresceu é vulgar, mas pretende impor a vulgaridade
a civilização ocidental: o individualismo. como direito e o direito à vulgaridade” (L.
Escreve Ortega: “ Foi aquilo que se Pellicani). Em poucas palavras, escreve Or
define como individualismo que enriqueceu tega, nosso tempo pode se orgulhar dessa
o mundo e todos os homens do mundo; e monstruosa novidade: “ o direito de não ter
foi essa riqueza que tão fundamentalmente razão, a razão da não-razão” . Novidade esta
multiplicou a planta humana M ais tanto mais clara se considerarmos o fato de
idéias, mais fés, mais estilos artísticos e uma que o homem-massa confiou totalmente sua
experimentação em todo âmbito da vida e vida ao poder público, ao Estado. O fascis
do pensamento construíram uma civilização mo e o bolchevismo representam exatamen
que no indivíduo contraposto ao coletivo te movimentos de homens-massa dirigidos
viu seu mais alto valor. O mundo moderno por homens por vezes rudes e privados de
cresceu, em suma, sobre a fé segundo a qualquer cultura. O homem-massa, em ou
qual “ todo ser humano deve ser livre para tros termos, é um homem que “ deu as costas
preencher seu destino individual e não aos valores da tradição liberal e introduziu
transferível” . Eis, porém, que justamente no na vida pública um estilo de ação baseado
seio da civilização moderna vem à luz um sobre a sistemática agressão e cancelamento
homem-massa, um homem-massa que é tal do outro, sobre a idolatria do chefe caris
não tanto porque elemento estandardizado mático e sobre o estatismo totalitário” . (L.
de uma m assa, e sim “ porque inerte como Pellicani). O Ocidente pode, em todo caso,
a m assa” . salvar-se, afirma Ortega. E o caminho da
O hom em -m assa não designa uma salvação foi por ele profeticamente indicado
classe social; é um ideal-tipo por meio do na formação dos Estados Unidos da Euro
qual Ortega delineia “ um modo de ser que pa, ou seja, na criação de uma Europa com
hoje se encontra em todas as classes” . O uma alma antinacionalista, e fundada sobre
homem-massa não percebe que a cultura e princípios liberais, em grau, de um lado, de
as instituições em que vive são realidades contrastar o estatismo, a burocratização e
precárias; é, portanto, um irresponsável; é o intervencionismo destrutivos da criativi
um especialista incapaz de enfrentar um pro dade e da responsabilidade dos indivíduos
blema geral; é decidido em rejeitar a discus e, do outro, de satisfazer as exigências fun
são: “ detesta-se toda forma de convivência damentais da justiça social, uma vez que a
que por si mesma comporta o respeito de liberdade de todos os cidadãos se resolve em
normas objetivas [...]. Suprimem-se todos os uma ficção hipócrita, se depois faltam “ os
trâmites normativos e se corre diretamente meios para exercitá-la e assegurá-la” .
Capítulo tlOflO - O r t e g a y l a s s e i e o d i a g n ó s t i c o d a c i v iliz a ç ã o o c id e n ta l
de nossa vida, a que sustenta e suporta todas da dúvida". Mas o que fazer? fl característica do
as outras, é constituída por crenças. Cstas são, duvidar é não saber o que fazer. O que fazer,
portanto, a terra firme sobre a qual nos afana portanto, quando nos acontece justamente não
mos (de passagem, tal metáfora se origina de saber o que fazer porque o mundo - uma parte
uma das crenças mais elementares que possuí dele, bem entendido - apresenta-se a nós de
mos, e sem a qual talvez nõo poderíamos viver: modo ambíguo? Com ele não há nada a fazer.
a crença segundo a qual a terra está bem firme, O homem, porém, quando se encontra em tal
apesar dos terremotos que por vezes ocorrem situação,Teafiza um estranho fazer, que quase
em alguns lugares da superfície terrestre. Expe não parece um fa?er: começa a pensar. Pensar
rimentemos imaginar que amanhã, por um ou em algo é o menos que pode fazer. Não deve
outro motivo, falte esta crença. Determinar, em sequer mover-se. Quando tudo ao redor vai de
linha de máxima, os traços da radical mudança roldão, resta-lhe, todavia, a possibilidade de
que tal desaparecimento produziria sobre o a s meditar sobre aquilo que vai de roldão. O inte
pecto da vida humana seria um excelente exer lecto é o dispositivo mais à mão com o qual o
cício introdutório ao pensamento histórico). homem conta, e está sempre à sua disposição.
Mas na área fundamental de nossas cren Quando crê em geral dele não se serve, porque
ças se abrem, cá e lá, como alçapões, enormes é um esforço fatigante, mas, quando cai na
abismos de dúvidas. Cste é o momento de dizer dúvida, aferra-se a ele como a um salva-vidas.
que a dúvida, a verdadeira, aquela que não As brechas de nossas crenças são, portan
é simplesmente metódica ou intelectual, é um to, o lugar vital em que as idéias realizam sua
modo de ser da crença e pertence, na arquitetu intervenção. Graças a elas substituímos sempre
ra da vida, à sua própria estratificação. Também o mundo instável e ambíguo da dúvida, por um
na dúvida se existe, flpenas que neste caso o mundo em que a instabilidade desaparece.
existir tem um aspecto terrível. [...] Como se obtém esse resultado? Fantasiando,
Todas as expressões comuns que se re inventando mundos. A idéia é imaginação. Ao
ferem à dúvida nos dizem que nela o homem homem não é dado nenhum mundo já deter
sente-se submerso em um elemento não sólido, minado. São-lhe dadas apenas as alegrias e
não firme, fl dúvida é uma realidade líquida as dores de sua vida. Guiado por elas, deve
sobre a qual o homem não consegue gusten- inventar o mundo. A maior parte do mundo ele
tar-se e cai. Daí o "encontrar-se em um mar de a herdou dos mais antigos e ela influi sobre sua
dúvidas", que é contraposto ao elemento da vida como um sistema de crenças fixas. Mas
crença: a terra firme. €, insistindo na mesma cada um deve se haver por sua própria conta
imaginação, dúvida como flutuação, como vai- com aquilo que é duvidoso e problemático. Para
e-vem de ondas, fl paisagem marinha é indis esse objetivo, ele traça figuras imaginárias de
cutivelmente o mundo da dúvida e suscita no mundos e de seu possível comportamento ne
homem pressentimentos de naufrágio, fl dúvida les. Cntre elas, uma lhe parece idealmente mais
descrita como flutuação, nos faz perceber o fato fundamentada e a chama de verdade. Observe-
de que ela é uma crença. 6 o é justamente por se, porém: aquilo que é verdadeiro, e também
ser constituída pela redundância do crer. Duvi aquilo que é cientificamente verdadeiro, não é
damos porque nos encontramos presos entre mais que um caso particular do fantástico. Há
duas crenças antagônicas que se entrechocam fantasias exatas. C mais: só pode ser exato o
e elas nos fazem balançar entre uma e outra, que é fantástico. Não há modo de compreender
deixando-nos sem terra sob os pés. O dois, é bem o homem, a não ser constatando que a
claro, torna-se o du da dúvida. matemática brota da mesma raiz da poesia, da
O homem, sentindo-se cair em tais abis faculdade da imaginação.
mos, que se abrem no solo firme de suas cren J. Ortega y Gasset,
ças, reage energicamente. €sforça-se para "sair Rurora do razão histórico.
FENOMENOLOGIA
EXISTENCIALISMO
HERMENÊUTICA
“Na miséria de nossa vida [...] esta ciência não tem
nada a nos dizer. Ela exclui de princípio os problemas
maiscandentesparaohomem, oqual, emnossostem-
pos atormentados, sente-se em poder do destino”.
Edmund Husserl
“A última questão [...] é saber se do fundo das
trevas um ser pode brilhar”.
Karl Jaspers
“A liberdade consiste na escolha do próprio ser. E
tal escolha é absurda”.
Jean-Paul Sartre
“A revolução é progresso quando a comparamos
ao passado, mas desilusão e aborto quando a
comparamos ao futuro que ela deixou entrever e
depois sufocou”.
Maurice Merleau-Ponty
E dm und H u sse rl
e o movime.Kvto j-enomenológico
I. g ê n e s e e n a tu re z a
d a - fe » a o m e n o lo 0 Ía
y \ fenomenologia
Escreve Heidegger em Ser e tempo: “ A
expressão ‘fenomenologia’ significa, antes é descrição
de mais nada, um conceito de método [...]. das essências eidéticas
O termo expressa um lema que poderia ser
assim formulado: voltemos às próprias coi
sas! E isso em contraposição às construções A partir dessa evidência, os fenome
desfeitas no ar e às descobertas casuais, em nólogos pretendem descrever os m odos
contraposição à aceitação de conceitos só típicos como as coisas e os fatos se apre
aparentemente justificados e aos problemas sentam à consciência. E esses modos típicos
aparentes que se impõem de uma geração à são precisamente as essências eidéticas. A
outra como verdadeiros problemas” . fenomenologia não é ciência de fatos, e sim
Portanto, a palavra de ordem da feno ciência de essências. Para o fenomenólogo
menologia é a do retorno às próprias coisas, não interessa a análise desta ou daquela
indo além da verbosidade dos filósofos e de norma moral, porém compreender por que
seus sistemas construídos no ar. M as como esta ou aquela norma são normas morais e
se fará para construir uma filosofia que se não, por exemplo, normas jurídicas ou re
sustente? Para cumprir essa tarefa, é preciso gras de comportamento. Da mesma forma,
partir de dados indubitáveis para com base o fenomenólogo não se interessará (ou, pelo
neles construir depois o edifício filosófico. menos, não se interessará principalmente) em
Em suma, procuram-se evidências estáveis examinar os ritos e os hinos desta ou daquela
para colocar como fundamento da filosofia: religião; ao contrário, ele se interessará por
“ sem evidência não há ciência” , dirá Husserl compreender o que é a religiosidade, ou seja,
nas Pesquisas lógicas. Os limites da evi o que transforma ritos e hinos tão diferentes
dência apodítica representam os limites de em ritos e hinos “ religiosos” . Naturalmente,
nosso saber. Assim, é preciso buscar coisas o fenomenólogo também produzirá análises
manifestas, fenômenos tão evidentes que mais específicas sobre o que caracteriza es
não possam ser negados. sencialmente, por exemplo, o pudor, a santi
Essa, portanto, é a intenção de fundo da dade, o amor, a justiça, o remorso ou os tipos
fenomenologia, intenção que os fenomenó- de sociedade, mas, em todo caso, sua ciência
logos procuram realizar através da descrição é precisamente ciência de essências.
dos “ fenômenos” que se anunciam e se apre Tais essências se tornam objeto de
sentam à consciência depois de feita a epo- estudo se o pesquisador, estabelecendo-se
ché, isto é, depois de postos entre parênteses na atitude de espectador desinteressado,
as nossas persuasões filosóficas, os resultados liberta-se das opiniões preconcebidas e, sem
das ciências e as convicções engastadas na se deixar envolver pela banalidade e pelo ób
quela nossa atitude natural que nos impõe a vio, saiba “ ver” e consiga intuir (e descrever)
crença na existência de um mundo de coisas. aquele universal pelo qual um fato é aquilo e
Em outros termos, é preciso suspender não outra coisa. N ós distinguimos um texto
o juízo sobre tudo o que não é apodítico mágico de um texto científico, mas como
nem objeto de controvérsia até se conseguir conseguimos fazê-lo senão porque utiliza
encontrar aqueles “ d ad o s” que resistem mos discriminantes essenciais, senão porque,
aos reiterados assaltos da epoché. E os talvez até sem termos consciência disso,
fenomenólogos encontram esse ponto de sabemos o que é magia e o que é ciência?
'
Capítulo x.
deciwiO - ££dmund tHusserl e o movimerv+o fenom enológico
177
____
Como podemos dizer que este é um ato de dizer kantianamente o que está na nossa
simpatia, aquele um gesto de ira, este outro consciência enquanto algo independente
um comportamento desesperado ou aquele da sensibilidade e, portanto, a priori, mas
outro ainda um comportamento de santida funcionalmente ordenado para a “ constitui
de, se não houvesse precisamente essências, ção” da experiência). Scheler, por seu turno,
dirigirá sua análise para os valores objetivos
ou seja, idéias essenciais, de simpatia, de ira,
de desespero ou de santidade? hierarquicamente ordenados que se impõem
Eis, portanto, o que a fenomenologia à intuição emocional, como a luz para os
pretende ser: ciência fundamentada esta- olhos e o som para o ouvido.
velmente, voltada à análise e à descrição Até aqui, citamos Husserl e Scheler.
das essências. Com base nisso, podemos M as o movimento fenomenológico é uma
compreender como a fenomenologia se dis vasta e articulada corrente de pensamento,
tingue da análise psicológica ou da análise da qual se destacam as concepções ontoló-
científica. Diferentemente do psicólogo, o gica e ética de Nicolai Hartmann, o pensa
fenomenólogo não manipula dados de fato, mento de Heidegger, as análises de Sartre,
mas essências; não estuda fatos particulares, de Merleau-Ponty e de G. Mareei, as idéias
senão idéias universais; não se interessa pelodo materialista dialético Tran Duc Tao, além
com portam ento m oral desta ou daquela dos trabalhos dos discípulos ou seguidores
pessoa, mas pretende conhecer a essência de Husserl, como E. Conrad-M artius, E.
da moralidade e talvez ver se a moral é ou Finck, E. Stein, A. Reinach, L. Landgrebe,
não fruto de ressentimento. Alexander Pfãnder, Oscar Becker e Moritz
Geiger. Deve-se dizer ainda que a influência
dos fenomenólogos sobre a psicologia, a
antropologia, a psiquiatria, a filosofia moral
V i^eção idealista
e a filosofia da religião foi e continua sendo
e direção realista notável. Por isso, é doravante reconhecido
da fenomenologia que o movimento fenomenológico constitui
um acontecimento decisivo no âmbito da
filosofia contemporânea.
O fenomenólogo, em suma, cumpre
tarefas bem diferentes das dos cientistas. A v
II. € A mu nd 'Husserl