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Antiseri
HISTÓRIA
DA FILOSOFIA
De Nietzsche
6 à Escola de Frankfurt
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Reale, G.
História da filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt / G. Reale, D. Antiseri; [tradução
Ivo Storniolo]. — São Paulo: Paulus, 2006. — (Coleção história da filosofia; 6)
ISBN 85-349-2431-7
05-6197 CDD-109
Título original
S to ria d e lia filo s o fia - Volum e III: D a l R o m a n tic is m o a i g io rn i n o s tri
© Editrice LA SCUOLA, Brescia, Itália, 1997
ISBN 88-350-9273-6
Tradução
Ivo S to rn io lo
Revisão
Z o lfe rin o Tonon
Impressão e acabamento
PAULUS
© PAULUS - 2006
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5084-3066
www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br
ISBN 85-349-2431-7
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* * *
Existem teorias, argumentações e dis
putas filosóficas pelo fato de existirem pro A história da filosofia é a história dos
blemas filosóficos. Assim como na pesquisa problemas filosóficos, das teorias filosó
científica idéias e teorias científicas são ficas e das argumentações filosóficas. É
respostas a problemas científicos, da mes a história das disputas entre, filósofos e
ma forma, analogicamente, na pesquisa dos erros dos filósofos. É sempre a his
filosófica as teorias filosóficas são tentativas tória de novas tentativas de versar sobre
de solução dos problemas filosóficos. questões inevitáveis, na esperança de
Os problemas filosóficos, portanto, conhecer sempre melhor a nós mesmos e
existem, são inevitáveis e irreprimíveis; de encontrar orientações para nossa vida
envolvem cada homem particular que e motivações menos frágeis para nossas
não renuncie a pensar. A maioria desses escolhas.
problemas não deixa em paz: Deus existe, A história da filosofia ocidental é
ou existiríamos apenas nós, perdidos neste a história das idéias que inform aram,
imenso universo? O mundo é um cosmo ou ou seja, que deram forma á história do
um caos? A história humana tem sentido? Ocidente. É um patrimônio para não ser
E se tem, qual é? Ou, então, tudo - a gló dissipado, uma riqueza que não se deve
ria e a miséria, as grandes conquistas e os perder. E exatamente para tal fim os pro
sofrimentos inocentes, vítimas e carnífices blemas, as teorias, as argumentações e
- tudo acabará no absurdo, desprovido as disputas filosóficas são analiticamente
de qualquer sentido? E o homem: é livre explicados, expostos com a maior clareza
e responsável ou é um simples fragmento
possível.
insignificante do universo, determinado * * *
em suas ações por rígidas leis naturais? A
ciência pode nos dar certezas? 0 que é a Uma explicação que pretenda ser clara
verdade? Quais são as relações entre razão e detalhada, a mais compreensível na me
científica e fé religiosa? Quando podemos dida do possível, e que ao mesmo tempo
dizer que um Estado é democrático? E ofereça explicações exaustivas comporta,
quais são os fundamentos da democracia? todavia, um "efeito perverso", pelo fato
E possível obter uma justificação racional de que pode não raramente constituir um
dos valores mais elevados? E quando é que obstáculo ã "memorização" do complexo
somos racionais? pensamento dos filósofos.
Eis, portanto, alguns dos problemas Esta é a razão pela qual os autores
filosóficos de fundo, que dizem respeito pensaram, seguindo o paradigma clás
às escolhas e ao destino de todo homem, sico do Üeberweg, antepor à exposição
e com os quais se aventuraram as mentes analítica dos problemas e das idéias dos
mais elevadas da humanidade, deixando- diferentes filósofos uma síntese de tais
nos como herança um verdadeiro patrimô problem as e idéias, concebida como
nio de idéias, que constitui a identidade e instrumento didático e auxiliar para a me
a grande riqueza do Ocidente. morização.
.A p r e s e n t a ç ã o
* * * * * *
1. Windelband e a distinção entre ciências no- cedimentos para fixar as “crenças” , 80; 3. De
motéticas e ciências idiográficas, 41; 2. Rickert: dução, indução, abdução, 81; 4. Como tornar
a relação com os valores e a autonomia claras nossas idéias: a regra pragmática, 82.
do conhecimento histórico, 42; 3. Simmel:
os valores do historiador e o relativismo II. O empirismo radical
dos fatos, 42; 4. Spengler e o “ o caso do de William Jam es_________ 84
O cidente” , 42; 5. Troeltsch e o caráter 1. O pragmatismo é apenas um método, 85;
absoluto dos valores religiosos, 44; 6. Mei- 2. A verdade de uma idéia se reduz à sua
necke e a busca do eterno no instante, 44. capacidade de “ operar” , 85; 3. Os princípios
T e x t o s - W. Dilthey: 1. “Reviver” para da psicologia e a mente como instrumento
“compreender”, 46; 2. As ciências do espírito da adaptação, 86; 4. A questão moral: como
entendem o sentido de um mundo humano escolher entre ideais contrastantes?, 86;
histórico e objetivado, 47; W. Windelband: 5. A variedade da experiência religiosa e o
3. Ciências nomotéticas e ciências idiográ universo pluralista, 87.
ficas, 48; H. Rickert: 4. Aprendizado gene- III. Desenvolvimentos
ralizante e aprendizado individualizante,
50; G. Simmel: 5. O “terceiro reino” dos
do pragmatismo__________ 88
produtos culturais, 51; F. Meinecke: 6. D is 1. Mead: continuidade entre o homem e o uni
tinção entre civilização e cultura, 53. verso, 88; 2. Schiller: o pragmatismo como
humanismo, 89; 3. Vaininger e a filosofia
do “ como-se” , 89; 4. Calderoni: distinção
Capítulo quarto entre juízos de fato e de valor, 89; 5. Vailati:
M ax Weber: o pragmatismo como método, 90.
o desencantamento do mundo T e x t o s - Ch. S. Peirce: 1. Abdução, dedu
e a metodologia ção, indução, 91; 2. A regra pragmática,
das ciências histórico-sociais___ 55 92; W. James: 3. “ O pragmatismo é apenas
um m étodo” , 93; G. Vailati: 4. Crítica do
1. Vida e obras, 57; 2. A questão da “referên materialismo histórico, 93.
cia aos valores” , 58; 3. Ateoria do “tipo ideal” ,
59; 4. O peso das diferentes causas na reali
zação dos eventos, 60; 5. A polêmica sobre a Capítulo sexto
“ não-avaliabilidade” , 61; 6. A ética protes O instrumentalismo
tante e o espírito do capitalismo, 61; 7. Weber de John D ew ey_____________ 95
e Marx, 62; 8. O desencantamento do mundo, 1. A experiência não se reduz à consciência
63; 9. A fé como “ sacrifício do intelecto” , 64.
nem ao conhecimento, 96; 2. Precariedade e
M a p a c o n c e i t u a l - Metodologia das ciên risco da existência, 97; 3. A teoria da pesquisa,
cias histórico-sociais, 65. 98; 4. Senso comum e pesquisa científica: as
idéias como instrumentos, 99; 5. A teoria dos
T e x t o s - M . Weber: 1. A objetividade
valores, 100; 6. A teoria da democracia, 101.
cognoscitiva das ciências sociais, 66; 2. Ética
da convicção e ética da responsabilidade, M a p a c o n c e itu a i. - Método científico: Ética,
67; 3. Possibilidade objetiva e causação ade política, pedagogia, 103.
quada, 69; 4. A política não combina com a T e x t o s - J. Dewey: 1. A experiência não é
cátedra, 70; 5. Em busca de uma definição consciência, mas história, 104; 2. N ão há
de “capitalismo”, 72; 6. A ética protestante nada mais prático do que uma boa teoria,
e o espírito do capitalismo, 74; 7. O desen 105; 3. A relação entre passado e presente
cantamento do mundo, 75; 8. A ciência se na pesquisa histórica, 106; 4. A ciência e o
fundamenta sobre uma escolha ética, 77. progresso social, 108.
I. A fenomenologia: um método para “ vol como linguagem do ser, 209; 11. A técnica
tar às próprias coisas” , 176; 2. A fenome e o mundo ocidental, 210.
nologia é descrição das essências eidéticas,
176; 3. Direção idealista e direção realista TExros - M. Heidegger: 1. A morte é “uma imi
da fenomenologia, 177; 4. Às origens da nência ameaçadora específica ”, 211; 2. “No
fenomenologia, 177; 4.1. Bolzano e o valor tempo da noite do mundo o poeta canta o
lógico-objetivo das “ proposições” , 177; sagrado” , 213.
4.2. Brentano e a intencionalidade da cons
ciência, 178. Capítulo décimo segundo
II. Edmund Husserl__________ 179 Traços essenciais
1. Vida e obras, 180; 2. A intuição eidética,
e desenvolvimentos
181; 3. Ontologias regionais e ontologia do existencialismo___________ 215
formal, 181; 4. A intencionalidade da cons
ciência, 182; 5. “Epoché” ou redução feno-
I. Perspectivas gerais_________ 215
menológica, 183; 6. A crise das ciências I. A existência é “ poder-ser” , isto é, “ incer
européias e o “ mundo da vida” , 184. teza, risco e decisão” , 215; 2. Pressupostos
remotos e próximos do existencialismo, 216;
III. Max Scheler_____________ 185 3. Os pensadores mais representativos do
1. Contra o form alism o kantiano, 186; existencialismo, 217.
2. Valores “ materiais” e sua hierarquia, 187;
3. A pessoa, 187; 4. A simpatia, o amor e a
II. Karl Jaspers
fé, 188; 5. Sociologia do saber, 188. e o naufrágio da existência_ 218
1. Vida e obras, 218; 2. A ciência como
IV. Desenvolvimentos orientação no mundo, 219; 3. O ser como
da fenomenologia________ 190 “ oniabrangente” , 219; 4. A não-objetivi-
1. Nicolai Hartmann e a análise fenomeno- dade da existência, 220; 5. O naufrágio da
lógica dirigida ao “ ser enquanto tal” , 191; existência e os “ sinais” da transcendência,
1.1. A concepção da ética, 191; 1.2. A proble 220; 6. Existência e comunicação, 221.
mática ontológica, 191; 2. Rudolf Otto e a fe
nomenologia da religião, 191; 3. Edith Stein: III. Hannah Arendt:
o problema da empatia e a tarefa de uma filo uma defesa inflexível
sofia cristã, 192; 3.1. A vida e as obras, 192; da dignidade
3.2. Teoria fenomenológica da empatia, 193; e da liberdade do indivíduo _ 223
3.3. A tarefa de uma filosofia cristã, 194.
1. Hannah Arendt: a vida, 223; 2. As obras:
T e x t o s - E. Husserl: 1. A intencionalidade uma filosofia em defesa da liberdade, 224;
do conhecimento, 195; 2. A epoché fenome 3. Anti-semitismo, imperialismo e totalita
nológica, 196; 3. “As meras ciências de fatos rismo, 224; 4. A ação como atividade polí
criam simplesmente homens de fato ” , 198; tica por excelência, 225.
M. Scheler: 4. Quando uma idéia religiosa
torna possível a ciência, 200. IV. Jean-Paul Sartre:
da liberdade absoluta
e inútil à liberdade histórica_ 226
Capítulo décimo primeiro
Martin Heidegger: 1. Vida e obras, 227; 2. A náusea diante da
gratuidade das coisas, 227; 3. O “ em-si” e
da fenomenologia o “para-si” , o “ ser” e o “nada” , 228; 4. O
ao existencialismo___________ 201 “ ser-para-outros” , 228; 5. O existencialismo
1. Vida e obras, 202; 2. Da fenomenologia é um humanismo, 229; 6. Crítica da razão
ao existencialismo, 203; 3. O Ser-aí e a ana dialética, 231.
lítica existencial, 203; 4. O ser-no-mundo, V. Maurice Merleau-Ponty:
205; 5. O ser-com-os-outros, 205; 6. O ser-
para-a-morte, existência inautêntica e exis entre existencialismo
tência autêntica, 206; 7. A coragem diante e fenomenologia__________ 232
da angústia, 207; 8. O tempo, 207; 9. A 1. A relação entre a “consciência” e o “ cor
metafísica ocidental como “ esquecimento p o ” , e entre o “ homem” e o “ mundo” , 232;
do ser” , 208; 10. A linguagem da poesia 2. A liberdade “ condicionada” , 233.
c e 0 ei*al ,,^^r
Q uinta parte
Capítulo vigésimo
ESPIRITUALISMO, A renovação
do pensamento teológico
NOVAS TEOLOGIAS no século X X _______________ 363
E NEO-ESCOLÁSTICA
I. A renovação
da teologia protestante_____ 363
Capítulo décimo oitavo I. Karl Barth: a “teologia dialética” contra
O espiritualismo a “ teologia liberal” , 364; 2. Paul Tillich e o
como fenômeno europeu_____ 335 “ princípio da correlação” , 365; 3. Rudolf
Bultmann: o método “ histórico-morfológico”
I. O espiritualismo: e a “ demitização” , 366; 4. Dietrich Bonhoeffer
gênese, características e o mundo saído da “tutela de Deus” , 366.
e expoentes_______________ 335 II. A renovação
I. A reação ao “ reducionismo” positivista, da teologia católica_______ 368
335; 2. As idéias básicas do espiritualismo, 336.
1. Karl Rahner e as “ condições a priori” da
II. As diversas manifestações possibilidade da Revelação, 368; 2. Hans
do espiritualismo Urs von Balthasar e a estética teológica, 369.
na Europa_______________ 337 III. A “teologia da morte de Deus”
1. O espiritualismona Inglaterra, 338; 2. O e sua “ superação” ________ 370
espiritualismo na Alemanha, 338; 3. O espiri 1. Pode-se continuar a crer em Cristo, mas
tualismo na Itália, 339; 4 .0 espiritualismo na não em Deus, 370; 2. A superação da tipo
França e o contingentismo de Boutroux, 339.
logia da morte de Deus, 371.
III. Maurice Blondel IV. A teologia da esperança___ 373
e a “ filosofia da ação” _____ 341
1. Moltmann e a contradição entre “ esperan
1. Os precedentes da filosofia da ação, 342; ça” e “ experiência” , 374; 2. Pannenberg: “ a
2. A dialética da vontade, 343; 3. O método prioridade pertence à fé, mas o primado à
da imanência, 343; 4. A filosofia da ação e esperança” , 374; 3. Metz: a teologia da espe
suas relações com o modernismo, 344. rança como teologia política, 375; 4. Schille-
T e x t o s -M . Blondel: 1. 0 homem: um ser finito beeckx: “ Deus é aquele que virá” , 375.
que tende “naturalmente” ao “absoluto”, 345. T e x t o s - K. Barth: 1. “N ós pedimos fé,
nada mais e nada menos” , 377; Bonhoeffer:
2. “Quem está ligado a Cristo encontra-se
Capítulo décimo nono seriamente sob a cruz” , 378; K. Rahner:
Henri Bergson 3. Tarefa e compromissos da teologia do
e a evolução criadora________ 347 futuro, 379; 4. A missão da Igreja: indicar
a salvação ao mundo inteiro, 381; J. M olt
1. A originalidade do espiritualism o de mann: 5. A fé é escopo e não meio, 383.
Bergson, 348; 2. O tempo espacializado e
o tempo como duração, 350; 3. Por que a
duração funda a liberdade, 350; 4. Matéria Capítulo vigésimo primeiro
e memória, 351; 5. Impulso vital e evolu A neo-escolástica,
ção criadora, 352; 6. Instinto, inteligência, a Universidade de Louvain,
intuição, 354; 7. A intuição como órgão
da metafísica, 354; 8. Sociedade fechada e
a Universidade Católica de Milão
sociedade aberta, 355; 9. Religião estática e o pensamento
e religião dinâmica, 356. de Jacques M aritain_________ 385
Ó v \d ic e g e ^ a l
281, 289, 290, 325, 331, 394 Blumenfeld K., 240 C a ir d E., 135
A r n i m , H. v o n , 34 B o a v e n t u r a , são, 394 C a ld e r o n i M., 80, 88, 89
A r o n R., 223, 402 Bocchini A., 121 C a m p a n e l l a T., 148
A u s t i n J. L., 324, 325-327 B õ h m - B a w e r k , E. v o n , 435 C a m u s A., 166, 215, 217, 408
A y e r A . J., 327-328 B o l t z m a n n L., 311 C a n t o n i C ., 21, 23
B o l z a n o B ., 1 7 5 , 1 7 7 C a r a b e l l e s e R, 339, 340
B o n a i u t i E., 341, 344 Carducci G., 113
B o n h o e f f e r D., 333, 364, 3 6 6 Carlini A., 399, 401
B 3 6 7 , 378-379 C a r l y l e T . , 134, 135
B o n t a d i n i G., 386, 389 C a s s i r e r E., 1,21,23,26-29,30-31
B a c h e la r d G., 451 B o p p F., 34 Castro F., 227
B acon F., 80, 256, 487 B ó r g ia C., 11 Catarina d e Sena, santa, 348, 357
B a l f o u r A. J., 338 B o r k e n a u F.,471 C h e s t o v L., 217
B a l t h a s a r , H. U. v o n , 368, 369 Botticelli S., 323 C h ild E. B., 101
Balzac, H. de, 444 B o u t r o u x E., 3 3 7 , 3 3 8 , 3 3 9 , Cbiodi P., 216
B a n f i A., 23 340, 349 C l a u d e l R, 369, 485
B a r t h K., 216,363,364-365,369, B o w n e B. R, 401 C o a t e s J. B., 399, 401
371, 377, 386 B r a d l e y F. H . , 1 3 4 , 1 3 5 - 1 3 6 , 2 9 5 , C o h e n H., 21, 23, 24, 26, 165,
B a r z e l l o t t i T., 21, 23 296, 338 166, 435, 436
* Neste índice:
-reportam -se em versalete os nomes dos filósofos e dos homens de cultura ligados ao desenvolvimento
do pensamento ocidental, para os quais indicam-se em negrito as páginas em que o autor é tratado de
acordo com o tema, e em itálico as páginas dos textos;
-reportam -se em itálico os nomes dos críticos;
-reportam -se em redondo todos os nomes não pertencentes aos agrupamentos precedentes.
XVIII -y i. ,
*_mdice d e cornes
Coleridge S. T., 134 Ficker, L. von, 311, 318 114, 115, 116, 122, 123, 126,
Colombo C., 323 F i n c k E., 177 128, 134, 138, 139, 144, 147,
C o m t e A., 4, 8, 91, 167, 189, F i o r e n t i n o F., 21, 23 148, 150, 151, 167, 202, 208,
198, 340 F l e w A., 324 217, 231, 244, 250, 262, 274,
C o n r a d - M a r t i u s E., 177, 192 F o g a z z a r o A., 341, 344 275, 276, 295, 296, 330, 343,
Corneille P., 142 Francisco de Assis, são, 68, 348, 364, 430, 436, 438, 441, 442,
C o u s i n V., 144, 336 357 443, 446, 449, 451, 454, 462,
Cox H., 370, 371 F r e d e r ic o o G r a n d e , 60 470, 472
C r e i g h t o n J., 136 F r e g e G ., 297, 298, 308 H e i d e g g e r M., 174, 176, 177,
C r o c e B., 109, 110, 111-124, F r e u d S., 269,271,272,273,274, 179, 201-210, 211-214, 215,
126, 127, 128, 131, 137-146, 276, 284, 285, 286, 291, 323, 217,218, 2 2 1 ,2 2 3 ,2 2 8 ,2 3 5 ,
147, 148, 453, 455, 456, 458, 479, 480 236, 243, 250, 258, 259, 260,
466, 467 F r i e s J. F., 22 265, 266, 267, 271, 278, 280,
F r o m m E., 469, 471, 482-483 281,285, 290, 291, 368, 423,
424
V H e l m h o l t z , H ., 21, 22, 29
H e m p e l C. G., 299
H e r á c l i t o , 95, 97, 132, 202,
D a r w in C. R., 254
D e G a u lle C., 408 G a d a m e r h . G . , 173, 174, 249 208,210
257, 258-263, 265, 266, 267, H e r b a r t J. F., 22, 113, 454
D e S a n c t i s F . , 109,110, 113
D é l è a g e A., 401 280, 281 Hertwig M., 446
G a l i l e i G . , 29, 180, 184, 244, H e r t z H . R., 311
D e s c a r t e s R., 48, 180, 184, 197,
244, 245, 272, 283, 284, 285, 245 Herzl T., 417, 418
G a l l u p p i R, 110, 148 H e s s M., 418
290, 304, 330, 332, 336, 349,
G a r a u d y R., 449-450, 465-466 H i c k J., 324
352, 388, 401
G a r d i n e r R, 324 H i c k s G. D ., 21, 23
D e w e y J., 80, 88,95-102,104-108
Gaus, 239, 240, 241 H i l f e r d i n g R., 435, 436
D i c k i n s o n , 296
D i e l s H., 34 G e i g e r M., 177 Hitler A., 223, 225, 469, 471
D i l t h e y W., 1, 22, 25, 33, 34, 36 G e m e l l i A., 386, 389 Hobbes, 94
G e n t i l e G . , 109, 110, 111, 114, H o c k i n g W. E., 399, 401
39, 40,41, 45, 46-48, 59,250,
126-132,147-154, 458 H o d g s o n S. H ., 21, 23, 93
267, 274, 276, 290, 417, 470
G i l s o n E., 390, 393-394 H ò l d e r l i n F., 210, 213, 214
D o s t o i e w s k i F. M., 6, 216, 242,
323, 423, 442 G i o b e r t i V . , 110, 148 Homero, 254
G o e t h e J. W., 50, 124,134, 168 H o r k h e i m e r M., 427, 469, 470,
D o y l e , 75
D r a y W., 324 Gogol N., 423 471, 472, 473, 474, 475, 476
D r o y s e n G., 33, 34 G o l d m a n n L., 450 478, 485-487
G r a m s c i A., 453, 454, 455-458, H o w i s o n G. H ., 136, 399, 401
D u n c a n - J o n e s A., 323
466-468 H u m b o l d t , W. v o n , 119
D ü r e r A., 47
G r e e n T. H., 135, 338 H u m e D ., 80, 93, 368
D u v e a u G., 401
G r i c e H. R, 331 H u s s e r l E., 173, 174, 175, 176,
Grimm H., 261 177, 178, 179-184, 185, 186,
G r i m m J., 34 190, 192, 193, 195-200, 201,
G r o s s m a n n H., 471 202, 205, 223, 226, 227, 262,
G u a r d i n i R., 446 268, 270, 271, 325, 389, 423,
E c k h a r t ( M e s t r e ) J., 482, 483
Guarini B., 142 424, 449, 451, 470
E c k s t e i n G., 436
Guerrera Brezzi F., 270, 271 H y p p o l i t e J., 217, 270
E i n s t e i n A., 29,198, 274, 300
Guevara C., 227
E liezer, I. b e n , 418
Gumnior, 485, 486
E lio t T. S., 372
Gundolf F., 261
E m e r s o n R. W., 134, 135, 136
G uzzo A., 274, 275
E n g e l m a n n R, 307, 311,318 Infantino, L., 166
E n g e l s F., 231, 429, 431, 435, I z a r d G., 399, 401
436, 437, 439, 443, 446, 454,
f-l
461,462
E p i c t e t o , 28, 30
E u c k e n R., 337, 338
H a b e r m a s J., 471 3
H a m e l i n O ., 21, 23
E u c l i d e s , 296, 395
H a m i l t o n W., 370 J a c in i S., 142
E u r íp id e s , 3, 7
H a m p s h i r e S., 324, 327-328 A., 193
J a e g e r s c h m id
H a r e R. M., 293, 324, 327, 330 J a i a D ., 109, 110, 126, 127
Harich W., 446 J a m e s H., 349
P . H a r n a c k , A. v o n , 363, 364 J a m e s W., 79, 80, 84-87, 88, 89,
H a r r i s W. T., 136 90, 93, 99,104,134, 349, 352
F e u e r b a c h L., 4, 8,216,274,275, H a r t H . L. A., 327 J a n i k A., 311
370, 448 H a r t m a n n N., 177, 190, 191 J a r c z y k G., 381
F i c h t e H., 337, 338 H a r t m a n n , E. v o n , 377, 338 J a s p e r s K., 173, 215, 217, 218
F i c h t e J. G., 22, 68, 146, 150, H e g e l G. W. F., 22, 34, 35, 36, 38, 222, 223, 238-239, 242, 243,
337, 338 4 8,95,97,10 9 ,1 1 0 ,1 1 1 ,1 1 3 , 269, 275, 446
D n c lia e - de n o m e s
abdução, 83 instrumentalismo, 99
am or fati, 13
angústia, 207
autoconceito (conceptus sui), 129
método da imanência, 343
epocbé, 183
escatologia, 374 regra pragmática, 83
existentivo - existencial, 204 ressentimento, 11
o.
o
> .
A FILOSOFIA
DO SÉCULO XIX
AO SÉCULO XX
“Todoerronosindicaumcaminhoaevitar,aopassoque
nem toda descoberta nos indica um caminho a seguir”.
Giovanni Vailati
Capítulo primeiro
Friedrich Nietzsche.
Fidelidade à terra e transmutação de todos os valores
Capítulo segundo
O neocriticismo.
A Escola de M arburgo e a Escola de B a d e n ________
Capítulo terceiro
O historicismo alemão
de Wilhelm Dilthey a Friedrich M einecke__________
Capítulo quarto
M ax Weber:
o desencantamento do mundo
e a m etodologia das ciências histórico-sociais ______
Capítulo quinto
Capítulo sexto
Capítulo sétimo
Friedrick A)i^+2scke.
Fidelidade à terra
e tratas mutação de todos os valores
• Eis, porém, que chega Eurípedes, que procura eliminar da tragédia o elemen
to dionisíaco em favor dos elementos morais e intelectualistas. E surge Sócrates,
Primeira parte - A filosofia d o s é c u lo a o sé c u lo
Sócrates com sua *ouca presunção de dominar a vida com a razão. Estamos
e Platão em Pjena decadência. Sócrates e Platão são "sintomas de deca-
são dência, os instrumentos da dissolução grega, os pseudogregos, os
"pseudogregos" antigregos". Sócrates - continua Nietzsche - "foi apenas alguém
e "a ntig reg os" longamente enferm o". Foi hostil à vida. Destruiu o fascínio dio-
§2 nisíaco. A racionalidade a todo custo é uma doença.
Ainda em 1882 Nietzsche conhece Lou 3 de janeiro de 1889 cai vítima da loucura,
Salomé, jovem russa de vinte e quatro anos. lançando-se ao pescoço de um cavalo que o
Acreditando nela, queria desposá-la. M as dono estava espancando diante de sua casa
Lou Salomé o rejeitou e se uniu a Paul Rée, em Turim.
amigo e discípulo de Nietzsche. Inicialmente, foi confiado a sua mãe
Em 1883, em Rapallo, ele concebe sua e, quando esta faleceu, à irmã. Morreu em
obra-prima: Assim falou Zaratustra, obra Weimar, imerso nas trevas da loucura, em 25
que foi concluída entre Roma e Nice, dois de agosto de 1900, sem poder se dar conta
anos depois. Em 1886, publicou Além do do sucesso que estavam tendo os livros que
bem e do mal. A Genealogia da moral é de mandara publicar à própria custa.
1887. N o ano seguinte, Nietzsche escreve:
“ O caso Wagner, O crepúsculo dos ídolos,
O Anticristo, Ecce homo. Do mesmo perío
do é também o escrito Nietzsche contra
Wagner.
Nesse período, ainda, lê Dostoiewski. e o “p r o b le m a S ó c r a t e s ”
Entrementes, parece-lhe ter encontrado
lugar satisfató rio em Turim, “ a cidade
que se revelou como a minha cid ad e ". É Em Leipzig, conforme salientam os,
em Turim que ele trabalha em sua última Nietzsche leu O mundo como vontade e
obra, a Vontade de poder, que, no entan representação, de Schopenhauer, e ficou
to, não conseguiu concluir. Com efeito, em fascinado, a ponto de mais tarde o julgar
Friedrich Nietzsche
aos vinte anos.
Nietzsche (1844-1900)
foi um crítico
impiedoso do passado
e profeta “inatual"
de nossos dias.
Cãpítulo primeiro - /\) ie tz s c h e , F id eli d a d e à te r r a e tr a n s m u ta ç ã o d e to d o s o s v a lo r e s
c x n iA n c À o
I // 1 I *T'>i
d a morte de U e . i \ s
//
i f i i l ^ T ^ rv tic risto ,
ow o c r i s t i a n i s m o
a * • //
A crítica ao idealismo, ao evolucionis- como vicio
Abo I'
.
'
" '
■ R essentim ento. O conceito de
ressentimento, na reflexão moral,
\
\
;
sprach Zarathustra. :
■
:
encontra-se na Genealogia da moral.
Para Nietzsche o ressentimento está
na base da m oral dos escravos, isto é,
i
;
j
i dos fracos e mal-sucedidos impoten- !
Em Biack ; tes que traduzem - travestem - em
«te ; "ideais morais" seu ódio contra tudo ;
: aquilo que é alegria, beleza, força,
Alie und Keinen. saúde, contra aquilo que não são ou
»- que não têm. ;
i A moral dos ressentidos configura-se '
F r lid r ls k V tit iiB lib como um instrumento de domínio dos ■
; fracos sobre os fortes; é vontade de ;
■ aniquilação da m oral dos senhores, I
. isto é, da moral cujos valores são a *
: força, a alegria, a saúde. ;
Ch*mruu 1888. A moral cristã, para Nietzsche, é a ;
v«n»g ««• K m l S ck a tiU a rr.
típica moral dos escravos: humilda- ■
c .» r« | de, piedade, compaixão, são valores
r r iir ■ antivitais, prédicas de quem, não !
' podendo dar maus exemplos, dá bons j
conselhos. É do ódio dos mal-sucedi- \
\ dos que surge sua moral, a moral dos |
; escravos, isto é, dos ressentidos. t
Frontispício , Trabalhando na química das idéias,
da primeira edição (1883) da obra
: Nietzsche chega à conclusão de que
Assim falou Zaratustra. tam bém valores éticos propostos
: como sacrossantos são apenas más-
i caras do ódio, da inveja e do ressen- <
timento. Na Genealogia da moral, ele
Todavia, pergunta-se Nietzsche, o que escreve: "A revolta dos escravos, na
fez o cristianismo senão defender tudo o ■ ética contemporânea, começa quan
que é nocivo ao homem? O cristianismo do o próprio ressentimento se torna
considerou pecado tudo o que é valor e criador e gera valores; o ressentimen-
prazer na terra. Ele “ tomou partido de tudo : to dos indivíduos aos quais é negada a ;
verdadeira reação, aquela ação e que,
o que é fraco, abjeto e arruinado; fez um portanto, só encontram compensação i
ideal da contradição contra os instintos de em uma vingança imaginária".
conservação da vida forte” . O cristianismo
é a religião da compaixão. “ M as a pessoa
perde força quando tem compaixão [...]; a I ■
Retrato de Nietzsche
nos últimos anos de sua vida.
A interpretação
que tenta fazer de Nietzsche
um “profeta do nazismo ”
é, à luz de uma
historiografia correta,
carente de fundamentos.
Primeira parte - jA filosofia d o s é c u lo ^CZ7,X a o sé c u lo ,X X
I
hegeliano), mas “ todas as coisas retornam Eis dois pensamentos de Nietzsche
eternamente e nós com elas; nós já existimos sobre o Estado: " 'Estado' se chama
eternas vezes e todas as coisas conosco” . o mais frio de todos os monstros".
Toda dor e todo prazer, todo pensamen O Estado é um ídolo que cheira mal:
to e todo suspiro, toda coisa indizivelmente "Seu ídolo cheira mal - o monstro frio
pequena e grande retornarão: “Voltarão até
essa teia de aranha e este raio de lua entre - e todos estes adoradores do ídolo
as árvores, até este idêntico momento e eu cheiram mal [...]. Apenas onde o Esta
mesmo” . do deixa de existir começa o homem
não inútil". Nietzsche faz Zaratustra
O mundo que aceita a si próprio e que dizer essas coisas. E no Crepúsculo
se repete: é esta a doutrina cosmológica de dos ídolos (1888) temos: "A cultura e
Nietzsche. E a ela Nietzsche vincula sua o Estado são antagonistas".
outra doutrina, a do amor fati: amar o ne
cessário, aceitar este mundo e amá-lo.
Capítulo primeiro - A lie + z s c k e . F id e lid a d e à e t m n s m u t a ç ã o d e to d o s o s v a lo re s
________________________
DO DIONISÍACO AO SUPER-HOMEM
O D IO N ISÍA C O : O A P O L ÍN E O :
imagem da força instintiva e da saúde, visão de sonho, tentativa de expressar o sentido
embriaguez criativa e paixão sensual: das coisas com medida e moderação:
Dioniso é o símbolo da humanidade Apoio é o símbolo da humanidade que se explicita
que “diz sim à vida”, em pleno acordo com a natureza em figuras equilibradas e límpidas
A m oral dos escravos - Daqui a im posição, sobre a m oral aristocrática dos fortes, - A MORAL
opõe da m oral dos escravos, legitimada pela METAFÍSICA, é em geral
desde o princípio que pretendeu dar-lhe uma presumida base “ objetiva” , máquina construída
um não àquilo inventando um “ mundo superior” para reduzir para dominar
que é diferente de si: a mera aparência “ este m undo” , o único que existe os outros.
é o ressentimento A m oral aristocrática
contra a força, a saúde, dos fortes
o am or pela vida nasce de uma triunfal
A decadência da civilização ocidental culmina
com a m o r t e d e D e u s , afirmação de si
com a eliminação de todos os valores que foram
fundamento da humanidade: evento cósmico
pelo qual os homens são responsáveis,
esta morte os liberta das cadeias daquele sobrenatural
que eles próprios haviam criado,
m as os deixa sem outros pontos de referência
/ Z a r a t u s t r a é o p r o fe ta d o amor fati c o m o
a c e ita ç ã o d o etern o r e to rn o d a s c o is a s
Conseqüência necessária é e transvalorização de todos os valores, e a n u n cia
o N IIL ISM O :
não há valores absolutos, não há nenhuma
providência, nenhuma ordem cósmica:
o advento do SU PER -H O M E M ,
resta apenas o abismo do nada (nihil):
que ama a vida e cria o sentido da terra:
o ETER N O R E TO R N O do universo e da vida
nele reemerge o dionisíaco como vontade de poder
, . . 17
Cdpítulo primeiro - /v iie fz s c k e . F id e lid a d e à t e r r a e f ^ n s m w t a ç â o d e f o d o s o s v a lo r e s ____
a
atrás de onda; como uma universalidade jamais
suposta da ânsia de saber no domínio mais am
plo do mundo culto e como missão verdadeira
e própria para cada um dos melhores dotados
fi sublime ilusão metafísico levou a ciência ao alto-mar, do qual não pôde
de Sócrates mais a seguir ser completamente removida;
como por esta universalidade foi estendida pela
primeira vez uma rede comum do pensamento
Contra Sócrates, "o mistagogo da ciên sobre o globo terrestre inteiro, com perspecti
cia": a fé socrático em umo razão capaz de vas até sobre a legislação de um sistema solar
penetrar "nos mais profundos abism os do todo; quem se lembra de tudo isso, juntamente
ser" é "uma profunda ilusão". com a pirâmide prodigiosamente alta do saber
atual, não pode se abster de ver em Sócrates
o único eixo e fundamento da história universal.
Pora demonstrar também para Sócrates Pois se alguém imaginasse toda essa indeci
a dignidade de tal posição diretiva, basta frável soma de força que foi empregada para
reconhecer nele o tipo de uma formo d e exis aquela tendência universal, não a serviço do
tência antes dele inaudita, o tipo do homem conhecimento, mas reduzida a fins práticos,
teórico, do qual é nossa tarefa imediata isto é, egoístas, dos indivíduos e dos povos, o
chegar a entender a significação e o objeti prazer instintivo da vida estaria provavelmente
vo. [...] tessing, o mais honesto dos homens tão enfraquecido em lutas generalizadas de
teóricos, ousou declarar que a ele importava extermínio e em contínuas migrações de povos,
mais a pesquisa da verdade do que a própria que, com o hábito do suicídio, o indivíduo deve
verdade: com isso foi descoberto o segredo ria talvez sentir o último avanço do sentimento
fundamental da ciência, para espanto, ou me do dever ao estrangular, como o habitante das
lhor, a despeito dos cientistas. Ora, ao lado ilhas Fidgi, como filho os próprios pais e como
desse reconhecimento isolado, como excesso amigo o próprio amigo: pessimismo prático, que
de honestidade ou mesmo de presunção, está poderia gerar também uma ética cruel do mas
sem dúvida uma profunda ilusão, a qual veio sacre dos povos por piedade, o que de resto
pela primeira vez ao mundo na pessoa de Só existe e existiu em todo lugar no mundo, onde
crates - a fé inabalável de que o pensamento, não apareceu a arte em uma forma qualquer,
seguindo o fio condutor da causalidade, alcaru especialmente como religião e como ciência,
ce até os mais profundos abismos do ser, e como remédio e defesa contra aquele sopro
de que o pensamento esteja em grau não só pestilencial.
de reconhecer, mas até de corrigir o ser. £sta Diante deste pessimismo prático Sócrates
sublime ilusão metafísica é dada como instinto é o protótipo do otimista teórico, que na própria
à ciência e a remete sempre e sempre a seus fé na perscrutabilidade da natureza das coisas
limites, sobre os quais ela deve se converter em si atribui ao saber e ao conhecimento a força
em arte: ò quol propriamente se mira com esse de um remédio universal, e no erro vê o mal
mecanismo. em si. Penetrar nesses fundamentos e separar
Olhemos agora Sócrates, com a tocha o verdadeiro conhecimento da aparência e do
deste pensamento: ele nos aparece como o erro pareceu ao homem socrático a mais nobre,
primeiro, que soube com a guia do instinto da ou melhor, a única vocação verdadeiramente
ciência não só viver, mas também - e isso é humana: assim como o mecanismo de conceitos,
muito mais - morrer; e por isso a imagem do juízos e argumentações de Sócrates para frente
Sócrates moribundo, como do homem subtraído foi considerado a afirmação suprema e o dom
pelo saber e pelos raciocínios ao medo da mor mais maravilhoso da natureza, acima de todos
te, é o brasão que sobre a porta de entrada da as outras faculdades, flté as ações morais mais
ciência recorda a cada um a destinação dela, sublimes, os movimentos da compaixão, do
ou seja, a de mostrar a existência inteligível e, sacrifício, do heroísmo e a serenidade da alma
portanto, justificada: a cujo objetivo certamente, semelhante à serenidade do mar, tão difícil
se os raciocínios não atingem, deve por fim ser de atingir e que o grego apolíneo chamou de
vir também o mito, que eu pouco antes designei soFrosine, desde Sócrates e dos sucessores e
até como conseqüência necessária, ou melhor, seguidores até a época presente derivaram
como objetivo da ciência. da dialético do saber e, por conseguinte foram
Primeira parte - y\ ] lloso-fin d o s é c u lo ,X.r7,X a o sé c u lo
designados como possíveis de aprender. Quem "Perdeu-se como uma criança?", disse outro. "Ou
provou em si o prazer de um conhecimento estaria bem escondido? Tem medo de nós? Teria
socrático e intui como este procure abraçar o embarcado? Cmigrou?" -, gritavam e riam em
mundo inteiro dos fenômenos, não sentirá ne grande confusão. O homem louco pulou no meio
nhum estímulo, capaz de impelir à existência, deles e os fulminou com seus olhares: "Para
mais violentamente do que aquele que não onde foi Deus?, gritou. Quero dizer-lhesl Fomos
sinta o anseio de realizar tal conquista e de te nós que o matamos-, vós e eu! Todos nós somos
cer a rede inpenetravelmente fechada. A quem seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como
está em tal disposição de espírito o Sócrates podemos esvaziar o mor bebendo-o até a última
platônico aparece então como o mestre de uma gota? Quem nos deu a esponjo para dissipar
forma totalmente nova da "serenidade grega" e todo o horizonte? Que faremos para desamarrar
da beatitude da existência, forma que procuro esta terra da corrente de seu sol? Onde é que
efundir-se em ações e encontrará esta efusão se move agora? Onde é que nos movemos?
mais em influências maiêuticas e educativos fora, totalmente sozinhos? O nosso não é um
exercidas sobre jovens nobres, com o objetivo eterno precipitar? C para trás, pelos lados, na
de por fim suscitar o gênio. frente, de todos os lados? Existe ainda um alto
Todavia, incitada por sua potente ilusão, a e um baixo? Não estamos talvez vagondo como
ciência corre agora sem trégua até seus limites, através de um nada infinito? Não sopra sobre
onde seu otimismo oculto na essência da lógica nós um espaço vazio? Não se tornou mais frio?
se encalha. Uma vez que a periferia do círculo da Não continua a vir noite, sempre mais noite?
ciência tem infinitos pontos, e enquanto não se Não devemos acender lanternas de manhã?
pode ainda de fato ver de que modo o círculo Não ouvimos nada do estrépito dos coveiros,
poderia ser completamente medido, também enquanto sepultam Deus? Não farejamos ain
o homem nobre e de talento ainda antes de da o cheiro da divina putrefação? Também os
chegor ao meio de sua existência toca inevi deuses se decompõem! Deus está morto! Deus
tavelmente tais pontos de limite da periferia, continua morto! € nós o matamos! Como nos
onde se enrijece, fixando o olhar no inexpli consolaremos, nós, os assassinos de todos os
cável. Quando neste ponto vê com espanto assassinos? Tudo o que de mais sagrado e de
como a lógica nesses confins se enrola sobre mais poderoso o mundo possuía até hoje se
si mesma e por fim morde suo própria cauda, esvaiu em sangue sob nossos punhais; quem
então prorrompe a nova forma de conhecimen limpará de nós este sangue? Com qual água
to, o conhecimento trágico, o qual, para poder poderemos nos lavar? Quais ritos expiatórios,
ser apenas tolerado, tem necessidade da arte quais jogos sagrados deveremos inventar? Não
como proteção e como remédio. é demasiado grande, para nós, a grandeza des
F. Nietzsche, ta ação? Não devemos nós mesmos nos tornar
deuses, para parecer ao menos dignos dela?
Jamais houve uma ação maior: todos aqueles
que virão depois de nós pertencerão, por causa
2 O anúncio desta ação, a uma história mais elevada do que
o foram todas as histórias até hoje!"
da morte de Deus Nesse momento o homem louco calou-se
e de novo dirigiu o olhar sobre seus ouvin
tes: também eles calavam-se e o olhavam,
"Deus está morto! [...]€ nós o matamos! espantados, finalmente atirou no chão sua
[...] Jamais houve uma oçõo maior: todos lanterna, que se despedaçou e se apagou.
aqueles que virõo depois de nós pertence “Venho muito cedo - continuou - ainda não é
rão, p o r causa desta ação, a uma história meu tempo. Cste enorme acontecimento ainda
mais elevada do que o Foram todas as his está a caminho e fazendo seu caminho: ainda
tórias até hoje!" . não chegou até os ouvidos dos homens. Raio
e trovão requerem tempo, o luz das constela
ções requer tempo, as ações requerem tempo,
Ouvistes falar daquele homem louco que mesmo depois de terem sido realizadas, para
acendeu uma lanterna à luz clara da manhã, que sejam vistas e ouvidas. Csta ação ainda
correu ao mercado e se pôs a gritar sem parar: está sempre mais distante dos homens do que
"Procuro Deus! Procuro Deus!" 6 como justamente as mais distantes constelações: todavia, foram
lá se encontravam reunidos muitos daqueles eles que a realizaram!' Conta-se também que o
que não acreditavam em Deus, provocou gran homem louco tenha irrompido, naquele mesmo
de riso: "Perdeu-se, talvez?", disse um deles. dia, em diversas igrejas e aí tenha entoado
, . . , 19
Cãpítulo primeiro - A J ie tz sc k e . F id e lid a d e à te r r a e tr a n s m u ta ç ã o d e to d o s o s v a lo r e s ____
seu Réquiem aeternam Deo. Tendo delas sido a si mesmo como aquele que determina o valor,
expulso 0 interrogado, dizem que limitou-se não tem necessidade de receber aprovação;
q responder invariav0lm0nt0 d0st0 modo: “O seu julgamento é "aquilo qu© 0 prejudicial a
qu© mois sõo estos igrejas, senão as covos 0 mim, é prejudicial ©m si mesmo", conh©c© a si
os sepulcros de Deus?" m©smo unicamente como aquele que confere
F. Nietzsche, dignidade às coisas, ele é criador de valores.
R gaia ciência. Honram tudo aquilo que sabem que pertence
a si: tal moral é autoglorificação. €m primeiro
plano encontra-s© o sentido da plenitude, do
poder qu® quer transbordar, a felicidade da
máximo tensão, a consciência de uma riqueza
3 A "moral dos senhores" que gostaria de dar 0 conceder: também o
e a "moral dos escravos" homem nobre presta socorro ao desventurado,
mas não ou quase não por piedade, e sim muito
mais por impulso gerado pela superabundância
"fí moro! aristocrático dos senhores é o de poder. O homem nobre honra em si mesmo
de todos os que dizem sim à Forço, à alegria, aquele que possui, e também aquele que sabe
à soúde. R moroI dos escravos é, 00 contrá falar e calar, qu© exerce com gosto severidade
rio, o moroI dos Fracos e dos mal-sucedidos, 0 dureza contra si mesmo e nutre veneração
dos ressentidos contra o saúde, a beleza, o por tudo o que é severo e duro. "Um duro co
amor aos volores vitais. ração UJotan colocou em meu peito", se diz ©m
uma antiga saga escandinava: deste modo a
alma de um soberbo viquingue encontrou sua
Çxiste uma morol dos senhores e uma moral exata expressão poética. Tal tipo de homens é
dos escravos [...]. Fts diferenciações morais de soberbo justamente pelo fato de não ser feito
valor surgiram ou em meio a uma estirp© domi- para a piedade, razão pela qual o herói da
nant0, qu0 com um senso de bem-estar adquiria saga acrescenta, em tom de advertência: “quem
consciência do própria distinção em relação à não tem duro coração desde jovem, não 0 terá
dominada, ou então em meio aos dominados, jamais”. Nobres e valorosos que pensam deste
os escravos 0 os subordinados d© todo grau. modo estão muito distantes daquela moral que
No primeiro caso, quando são os domi vê precisamente na piedade ou no agir altruísta
nadores que d0t0rminom a noção de "bom", ou no désintéressement o elemento próprio da
são os estados de ©lovação e de altivoz de quilo que é moral; a fé em si mesmos, 0 orgulho
alma que são percebidos como traço distintivo de si, uma inimizade radical e ironia para com o
0 qualificador da hiorarquia. O horrom nobre "desinteresse", ©stão compreendidos na moral
separa de si os indivíduos nos quais se exprime aristocrática, exatamente cio mesmo modo com
o contrário de tais estados de elevação e de que competem a ela um lev© desprezo e um
altivez: ele os despreza. Note-se logo que neste senso d© reserva diante dos sentimentos d©
primeiro tipo de moral o contraste "bem” e "mal" simpatia 0 de "calor do coração”. São os pod©-
tem o mesmo significado de “nobre" e "des rosos aqu©l0s qu© sobem atribuir honra, esta é
prezível"; o contraste entre "bom" e "mau" tem a arte deles, seu domínio inventivo, fl profunda
outra origem. 6 desprezado o vil, o medroso, o veneração pela idade avançada e pela tradi
mesquinho, aquele qu© pensa em sua estreita ção - todo o direito repousa sobre esta dupla
utilidade; da mesmo formo o desanimado, com veneração -, a fé e a opinião preconcebida em
seu olhar servil, aquele que se torna abjeto, a favor dos antepassados e em desfavor pelos
espécie canina de homens que s© deixa mal pósteros são um elemento típico na moral dos
tratar, o m0ndicant© adulador 0 principalmente poderosos; e se, no oposto, os homens das
o mentiroso: é convicção fundamental de todos "idéias modernas" crêem, quase por instinto,
os aristocratas que o populacho seja mendaz. no "progresso" e no “futuro", e sempre estão
"Nós, os v0rdadeiros" - assim os nobres deno privados d© respeito pela idade vetusta, tudo
minavam-se na antigo Grécia, é fato evidente isso já é um indício suficiente da origem não no
que as designações morais de valor sempre bre daquelas "idéias". Mas principalmente uma
foram em todo lugar primeiramente atribuídas a moral dos dominadores é estranha ao gosto
*homens, e apenas de modo derivado e sucessi dos contemporâneos e para eles desagradá
vo a ações: motivo pelo qual é erro grave qu© vel pelo rigor de seu princípio, que há deveres
os historiadores da moral tomem como pontos unicamente para com os próprios semelhantes;
de partida problemas como “por que foi louvada que em relação aos indivíduos de posição in
a ação piedosa?" O homem de tipo nobre sente ferior e de todos os estranhos seja lícito agir
Primeira parte - y\ filosofa do século X^X qo século XX
por própria conta ou "como quer o coração", 0 cos meios para suportar o peso da existência.
em todo caso "além do bem 0 do mal": é sob A moral dos escravos é essencialmente moral
©ste último asp0cto que pod0m ter seu lugar a utilitária. €is o lar em quo nasceu o famoso
compaixão ou outras coisas do gênero, fl capa contraste entre "bom" e "mau": no íntimo do
cidade 0 a obrigação de uma longa gratidão 0 mal percebem-se o poder e a periculosidade,
de uma longa vingança - as duos coisas estão certa terribilidade, fineza e força, que sufocam o
d©ntro da esfera dos próprios semelhantes desprezo nas raízes. Conforme a moral dos es
a sutileza na represália, o refinamento da idéia cravos, o “mau" suscita portanto temor; segundo
de amizade, certa necessidade de ter inimigos a moral dos senhores é precisamente o bom que
(como canal d© d0fluxo, por assim dizer, paro suscita e quer suscitar temor, enquanto o homem
as paixões da inveja, do litígio, da insolência: "mau" é sentido como desprezível. O contraste
no fundo, para ser bons amigos): todas estas atinge seu ponto culminante quando, conside
são caract0rísticas típicos da moral aristocrá rando as implicações da moral dos escravos,
tica, a qual, conforme acenei, não é o moral também sobre os "bons" desta moral acaba
das "idéias modernas", 0 é por isso qu© hoje por cair uma sombra desse desprezo - por
s0 torna difícil senti-la ainda, como também mais leve e benévolo que possa ser -, uma
d0S0nt0rrá-la ou descobri-la. vez quo o bom, no campo do modo de pensar
Rs coisas são diferentes no qu© se refere dos escravos, deve ser em todo caso o homem
ao segundo tipo de moral, a moral dos escra inócuo: este é bonachão, facilmente enganável,
vos. Uma v0z que os oprimidos, os despreza um pouco ©stúpido talvez, um ingênua. Gm todo
dos, os sofredores, os não livres, os inseguros e lugar em que a moral dos escravos se imponha,
cansados d e si próprios fazem moral, qual será a língua revela certa tendência de aproximar
o elemento homogêneo em suas estimativas d0 uma da outra os palavras "bom” e "estúpido".
valor? Provavelmente encontrará expressão uma Uma última diferença fundamental: o desejo
suspeita p0ssimista para com toda a condição de liberdade, o instinto dirigido à felicidade 0
humana, talv0z uma condenação do homem, às finezas do senso de liberdade pertencem
juntamente com sua condição. O escravo não tão necessariamente à moral e à moralidade
vê com bons olhos as virtudes dos pod0rosos: dos escravos, quanto a arte e o entusiasmo da
é céptico e desconfiado, tem a Fineza da des veneração, da dedicação, são o indício normal
confiança de tudo o qu0 de "bom" seja tido em de um modo aristocrático de pensar e de ava
honra no meio deles, gostaria de estar persua liar. fi partir disso é sem dúvida compreensível
dido de que entre eles o própria felicidade a razão de o amor como paixão - é a nosso
não é genuína. No oposto, são evidenciadas especialidade européia - s©r absolutamente
e inundados de luz as quolidad0s qu© S0rvem de origem nobre: sabe-se que sua descoberta
poro aliviar a existência dos sofredores: são, cabe aos poetas cavaleiros provençais, àque
n0st0 caso, a piedade, a mão que se compraz les esplêndidos engenhosos homens do “gaio
e socorre, o calor do coração, a paciência, a saber" ao qual a Curopa deve tantas coisas, e
operosidade, a humildade, o gentileza que são quase que totalmente a si mesma.
colocados em honra, uma vez que são estas, F. Nietzsche,
agora, as qualidades mais úteis 0 quase os úni Poro olém do bem e do mol.
C a p ítu lo s e g u n d o
O neocH+icismo.
yA Ê sco la de ]\/\c\Á ? ía^q o
e a Ê sco la de Baderv
I. (g ê n e s e , fm a lid a d e
e ceKvfros d e e la b o r a ç ã o d o Kveocn+icismo
• Por sua vez, Heinrich Rickert (1863-1936) é da opinião que conhecer é julgar,
isto é, aceitar ou rejeitar, o que pressupõe o reconhecimento de um valor, de um
dever ser que aparece como fundam ento do conhecimento. Sem esta norma, isto
é, sem este valor ou.dever ser, estaríamos na impossibilidade de
Rickert: form ular qualquer juízo, até o juízo que nega. Rickert aqui está
o sujeito falando do valor da verdade. Quando se julga, "o juízo que eu
cognoscente formulo, embora verse sobre representações que vêm e vão, tem
é o "sujeito um valor duradouro, pois não poderia ser diverso daquilo que é".
transcendental" No momento em que se julga, pressupõe-se algo que vale eter-
^ 3.2 namente. Eis, portanto, que enquanto para Dilthey o sujeito que
conhece‘é um ser histórico, para Rickert o que deve ser julgado
é o sujeito transcendental, a consciência em geral. E esta "consciência em geral"
não é apenas lógica, mas também ética e estética.
muito mais pela unificação dos fatos por e Friburgo, cidades situadas na região de
meio de e sob hipóteses, leis e teorias. M as Baden) foram Wilhelm Windelband (1848
nós não extraímos leis e teorias dos fatos, 1915) e Heinrich Rickert (1863-1936), de
e sim as impomos aos fatos: a teoria é o a quem falaremos também no capítulo sobre
priori. E a filosofia indaga exatamente os o historicismo, no que se refere às suas re
elementos “ puros” , ou seja, os elementos flexões sobre a fundação da historiografia
a priori, do conhecimento científico. A como ciência. Aqui, falaremos a propósito
filosofia, portanto, deve ser metodologia de sua filosofia dos valores, que, embora
da ciência. os tornando expoentes de primeiro plano
do neocriticismo, os diferencia, porém, da
Escola de M arburgo.
W SM P a wl /SJatorp: "o m étod o é tu d o ”
Em seu “ retorno a Kant” , Windelband
certamente atribui à filosofia a função de
O outro prestigioso representante buscar os princípios a priori que garantem
da Escola de M arburgo é Paul N atorp a validade do conhecimento. Entretanto,
(1 8 5 4 -1 9 2 4 ), estu d io so de am plos in são duas as coisas novas que ele introduz
teresses, autor de A doutrina platônica nessa questão:
das idéias (1 9 0 3 ), de O s fundam entos a) por um lado, esses princípios são
lógicos das ciências exatas (1910) e tam interpretados como valores necessários e
bém de escritos de pedagogia, psicologia universais, tipificados pelo caráter norma
e política, como G uerra e paz (1916) e tivo independente de sua realização efetiva;
A m issão m undial dos alem ães (1918). b) por outro lado, diferentemente da
A exemplo de Cohen, N atorp afirma Escola de M arburgo, Windelband se liber
que a filosofia não é ciência das coisas; das ta da referência privilegiada ao âmbito do
coisas falam precisamente as ciências, ao pas conhecimento para considerar a atividade
so que a filosofia é teoria do conhecimento. humana também nos campos da moralidade
Entretanto, a filosofia não estuda o e da arte.
pensamento subjetivo, ou seja, ela não inda Portanto, a filosofia não tem por objeto
ga sobre a atividade cognoscente, sobre uma os juízos de fato, mas Beurteilungen, isto
atividade psíquica, e sim sobre conteúdos. é, juízos valorativos do tipo “ esta coisa é
E estes são determinações progressivas do verdadeira” , “ esta coisa é boa” , “ esta coisa
objeto. Em O s fundamentos lógicos das é bela” . E é assim que os valores — que têm
ciências exatas, podemos ler que o conhe precisamente validade normativa — distin-
cimento é síntese e a análise consiste no guem-se das leis naturais: a validade das leis
controle das sínteses já efetuadas. Sínteses naturais é a validade do Müssen, a validade
que devem ser submetidas a reelaboração empírica de não poder ser de outro modo-, a
contínua, de modo a aperfeiçoar sempre validade das normas ou valores é a do Sol-
mais as determinações dos objetos. Por isso, len, isto é, do dever ser. Concluindo, deve-se
o objeto não é um dado, não é um ponto dizer, portanto, que, para Windelband, a
de partida, mas um ponto de chegada que filosofia consiste na teoria de valores; que
sempre se desloca. a função da filosofia, mais especificamente,
Em suma, o obiectum é um proiectum: está em estabelecer quais são os valores
é conhecimento sempre mais determinado que estão na base do conhecimento, da
que se projeta sobre a realidade. E não há moralidade e da arte; que a teoria do conhe
termo para essa determinação; portanto, o cimento, para além da concepção de alguns
objeto está sempre in fieri, é tarefa infinita. neokantianos de Marburgo, é apenas uma
parte da teoria dos valores.
;A éEscola d e B a d e n
M SB -Heinrick R ic k e rt:
c o n k e c e r é ju lg a r com b a s e
n o v a lo r d e v e r d a d e
W ilk e lm W in d e lb a n d
e a filo so fia co m o te o ria d o s v a lo re s Rickert retoma de Windelband a con
cepção da filosofia como teoria dos valores
Os representantes mais prestigiosos da e, ao mesmo tempo, os resultados mais
Escola de Baden (assim chamada porque válidos de sua investigação metodológica.
teve seus pontos centrais em Heidelberg Entretanto, ele tenta sistematizar resulta
Capitulo S C g U n d o “ (D r\eocn+icismo. y\ E s c o l a d e A A arbu^go e a E s c o l a d e 3 a d e ^
tão ligados mais propriamente à “ filosofia de ciências que Kant não considera, ou seja,
dos valores” dentro do neocriticismo, mas as ciências histórico-sociais. E por isso que
dos quais não se pode deixar de falar, por uma exposição sobre o historicismo não
razões que explicitaremos, em uma exposi pode excluir Windelband e Rickert, ou seja,
ção sobre o historicismo. os neocriticistas, que haviam proposto a si
O historicismo surge nos últimos dois mesmos e nos mesmos termos o problema
decênios do século X IX e se desenvolve até das ciências histórico-sociais.
a vigília da Segunda Guerra Mundial. 5) É fundamental para o historicismo
a distinção entre história e natureza, como
também o é o pressuposto de que os objetos
do conhecimento histórico são específicos,
J d é i a s e p r o b le m a s no sentido de serem diferentes dos objetos
fim d a m e n + a is d o h isto n c ism o do conhecimento natural.
6) O problema cardeal em torno do
qual gira o pensamento historicista alemão
O historicismo alemão não é uma filosofia é o de encontrar as razões da distinção das
compacta. Entretanto, entre suas várias ex ciências histórico-sociais em relação às ciên
pressões, é possível detectar certo “ ar de cias naturais, e investigar os motivos que
fam ília” , identificável nos seguintes pontos: fundamentam as ciências histórico-sociais
1) Como diz Meinecke, “ o primeiro como conjuntos de conhecimentos válidos,
princípio do historicismo consiste em subs isto é, objetivos.
tituir a consideração generalizante e abstrata 7) O objeto do conhecimento histórico
das forças histórico-humanas pela conside é visto pelos historicistas como residindo
ração de seu caráter individual” . na individualidade dos produtos da cultura
2) Para o historicismo, a história não é hum ana (m itos, leis, costum es, valores,
a realização de um princípio espiritual infi obras de arte, filosofias etc.), individualidade
nito (Hegel) ou, como queriam os românti oposta ao caráter uniforme e repetível dos
cos, uma série de manifestações individuais objetos das ciências naturais.
da ação do “ espírito do m undo” que se 8) Se o instrumento do conhecimento
encarna em cada “ espírito dos povos” . Para natural é a explicação causai (o Erklãren),
os historicistas alemães contemporâneos, a o instrumento do conhecimento histórico,
história é obra dos homens, ou seja, de suas segundo os historicistas, é o compreender
relações recíprocas, condicionadas pela sua (o Verstehen).
pertença a um processo temporal. 9) As ações humanas são ações que
3) D o positivism o, os historicistas tendem a fins, è os acontecimentos humanos
rejeitam a filosofia comtiana da história e a são sempre vistos e julgados na perspectiva
pretensão de reduzir as ciências históricas de valores precisos. Por isso, mais ou menos
ao modelo das ciências naturais, apesar de elaborada, sempre há uma teoria dos valores
os historicistas concordarem com os positi no pensamento dos historicistas.
vistas na exigência de pesquisa concreta dos 10) Por fim, deve-se recordar que, se
fatos empíricos. o problema cardeal dos historicistas é um
4) Com o neocriticismo, os historicis problema de natureza kantiana, no entanto,
tas vêem a função da filosofia como função para os historicistas, o sujeito do conheci
crítica, voltada para a determinação das mento não é o sujeito transcendental, com
condições de possibilidade, isto é, o funda suas funções a priori, e sim homens concre
mento, do conhecimento e das atividades tos, históricos, com poderes cognoscitivos
humanas. O historicismo estende o âmbito condicionados pelo horizonte e pelo contex
da crítica kantiana a todo aquele conjunto to histórico em que vivem e atuam.
Primeira parte - y\ f i lo s o f i a d o s é c u lo a o s é c u lo X X
III. O ki s+oricismo a le m ã o
eKvtre.WilKe.lm D iltkey e ]\Ac\yc W e b e r
lógico ou então é uma palavra desprovida que são inteiramente diversos dos valores
de sentido” . das outras civilizações.
Em lugar “ daquele desolado quadro Nisso consiste o absolutismo relativo
da história universal como desenvolvimento dos valores defendidos por Spengler: os
linear” , Spengler vê “ o espetáculo de uma valores são absolutos no interior de uma
pluralidade de civilizações poderosas que civilização, mas referem-se apenas a essa
florescem com força primigênia do útero da civilização. E as civilizações, como os orga
terra materna” . “As civilizações são orga nismos, destinam-se à decadência: “ Quando
nismos; a história universal é sua biografia o fim é alcançado e a plenitude das possibili
total” . dades interiores chega a se realizar comple
Toda civilização, portanto, é um or tamente em direção ao exterior, a civilização
ganismo. E, assim como os organismos, as se enrijece repentinamente, encaminha-se
civilizações “ aparecem, amadurecem, de para a morte, seu sangue se coagula, suas
caem e não voltam m ais” . E toda civilização forças lhe faltam e ela se torna civilização
tem um sentido fechado em si mesmo: uma em declínio” .
moral, uma ciência, uma filosofia e um di Aos olhos de Spengler parecia em de
reito têm sentido absoluto dentro da própria clínio a civilização ocidental, em virtude da
civilização, mas, fora dela, não têm nenhum. crise da moral e da religião, pela prevalência
Diz Spengler: “ Há tantas morais quantas da democracia e do socialismo e devido à
são as civilizações, nem mais nem menos” . equiparação, na democracia, entre dinheiro
Toda civilização cria seus próprios valores, e poder político.
A ^ e in e c U e
l â i i ~^^o e ^ s c ^
e o caráter absoluto e a busca do eterno
dos valores religiosos no instante
0 como tudo isso S0 afirme no solidão dos c0las O indivíduo, as comunidades e as obras
0 nas lutas dos forças agora d0scritas diante em que se transpuseram a vida e o espírito,
dos ©stímulos da Igr0ja. O cristianismo como constituem o domínio externo do espírito. Cssas
forço capaz d® incidir sobre a própria vida da manifestações da vida, assim como aparecem
família, na profissão, nas relaçõ0s políticas: no mundo externo diante da compreensão,
0Sta é uma potência nova qu© s© apresenta estão quase inseridas na ligação da natureza.
q o 0spírito da época nas cidad0s ou em todo Sempre nos circunda esta grande realidade
lugar em qu® S0 r0aliz0 um trabalho superior, externa do espírito, a qual é uma realização do
©m Hans Sachs ou 0m Dür0r.1 Çnquanto Lutero espírito no mundo sensível, da fugaz expressão
pertence ao ápice desse movimento, podemos até o domínio secular de uma constituição ou de
viv®r imediatamente seu desenvolvimento com um texto jurídico. Toda manifestação particular
base em uma conexão que remonta daquilo da vida representa, no campo de tal espírito
que é geralmente humano para a esfera reli objetivo, um elemento comum. Toda palavra,
giosa e desto, por meio de suas determinações todo proposição, todo gesto e toda fórmula
históricas, até suo individualidade. € assim esse de cortesia, toda obra de arte e todo fato
processo nos desvela um mundo religioso que histórico são compreensíveis apenas enquanto
está presente nele e em seus companheiros uma comunhão une quem neles se exprime com
dos primeiros tempos da Reforma, ampliando quem os entende; o indivíduo vive, penso e age
nosso horizonte por m0io de possibilidades continuamente em uma esfera de comunhão, e
de vida qu© apenas de tal modo se tornam apenas nela pode penetrar. Tudo aquilo que
acessíveis a nós. O homem determinado pelo é entendido traz consigo, por assim dizer, a
interior pode, portanto, viver na imaginação marca de sua cognoscibil idade sobre a base
várias outras existências: diante dos limites im de tal comunhão: vivemos nessa atmosfera, que
postos pelas circunstâncias abrem-se para ele nos circunda constantemente, e nela estamos
outras belezas do mundo e outras regiões do imersos. ím todo lugar estamos em casa neste
vido, que ele jamais pode alcançar. €m termos mundo histórico a ser entendido, penetramos
gerais, o homem ligado e determinado pela seu sentido e seu significado, estamos nessas
realidade da vida liberta-se não só por meio mesmas relações comuns.
da arte - o que aconteceu com muita freqüên A mutação das manifestações da vida,
cia - mas também mediante a compreensão que agem sobre nós, nos impele continuamen
daquilo que é histórico. te a uma nova compreensão; mas elo tem, ao
UJ. Dilthey, mesmo tempo, lugar também no entender, pois
Novos estudos sobre as ciências do espírito. toda manifestação da vida e sua compreensão
estão ligadas a outras, dando lugar a um mo
vimento que acontece segundo as relações de
afinidade dos indivíduos dados com o todo. 6,
crescendo as relações entre aquilo que é afim,
aumentam ao mesmo tempo as possibilidades
As ciências do espírito de generalização já encerradas na comunhão
entendem o sentido como determinação daquilo que é entendido.
No entender está presente também uma
de um mundo humano qualidade posterior da objetivaçõo da vido,
histórico e objetivado que determina tanto a articulação conforme o
afinidade como a tendência da generalização.
A objetivaçõo da vida contém em si uma multi
Objetivaçõo do mundo do vido e ciêndo plicidade de relações articuladas. Da distinção
do espírito: "Tudo oqui surgiu pela atividade das raças até a diversidade das formas de
espiritual [...]. Da repartição das árvores em expressão e dos costumes em um tronco de
um parque, da ordem das casas em uma rua, povo, aliás em uma cidade, há uma articulação
do instrumento do trabalhador manual até a de diferenças espirituais condicionado natural
sentença no tribunal, tudo ao nosso redor, mente. Diferenças de outro tipo se apresentam
em todo momento, aconteceu historicamen nos sistemas de cultura, e outras separam as
te". 6 este mundo da vida objetivado é o épocas entre si: em poucas palavras, muitas
mundo que as ciências do espírito procuram
compreender: "Seu âmbito se estende como
o entender, e o entender tem seu objeto
'Hans Sachs (1494-1576), poeta e mestre cantor em
unitário na objetivaçõo da vida". IMuremberga, a cidade em que viveu o grande pintor fílbrecht
Dürer (1471-1528).
Primeira pcirtc ;A filosofia d o s é c u lo X^X a o s é c u lo XX
dos objetos nõo corresponde uma igual antítese apodítico; a das outras, a proposição geral
dos modos do conhecimento. assertiva. [...]
Com efeito, também locke levou o dua Assim podemos dizer: as ciências empí
lismo cartesiano para a fórmula subjetiva que ricas procuram no conhecimento do real ou o
contrapõe a percepção externa à percepção geral na forma da lei de natureza, ou o particular
interior - sensation e réfíection - como dois em sua figura historicamente determinada; ora
órgãos distintos para o conhecimento, de um consideram a forma estável, ora o conteúdo par
lado do mundo físico exterior, da natureza, do ticular, determinado em si mesmo, do acontecer
outro do mundo interno do espírito; ora, a crítica real. Umas são ciências da lei, as outras são
do conhecimento faz vacilar temerosamente ciências do acontecimento; aquelas ensinam 0
esta concepção e põe em dúvida que se possa que sempre existe, estas aquilo que uma vez
admitir uma "percepção interna” como modo existiu. O pensamento científico é - se posso
de conhecimento particular, e muito menos que compor uma expressão nova - no primeiro caso
unicamente sobre elo se fundem as assim cha nomotético-, no segundo, idiográfico. Se preferir
madas ciências do espírito. Mas a incongruência mos, ao contrário, servirmo-nos de expressões
da divisão objetiva e formal é evidente, prin familiares, podemos falar do contraste entre
cipalmente por outro motivo. Acontece, com as ciências naturais e as disciplinas históricas,
efeito, que uma ciência empírica de primeiro porém sempre tendo presente que se classifi
plano, como a psicologia, não possa ser ligada ca a psicologia, sempre do ponto de vista dò
nem às ciências da natureza nem às ciências do método, sem nenhuma dúvida entre as ciências
espírito: em relação a seu objeto deveria ser naturais.
caracterizada apenas como ciência do espírito, M as o contraste metodológico define
e em certo sentido muito mais como a base de apenas a tratação e nõo o conteúdo do saber.
todas as outras, enquanto, ao contrário, seu Permanece possível, ou acontece efetivamente,
procedimento e método inteiro é de cima a que as mesmas coisas possam ser objeto de
baixo o próprio das ciências naturais. Por isso uma pesquiso nomotético e ao mesmo tempo
a psicologia foi chamada de "ciência natural do também de uma pesquisa idiográfico. Isso se
sentimento interno", ou até "ciência natural do verifica porque o contraste entre o imutável e
espírito". [...] o particular é, em certo sentido, relativo. Aquilo
Por outro lado, a maioria das doutrinas que por longo espaço de tempo não sofre
empíricas que ainda são definidas como ciên nenhuma mudança imediatamente sensível,
cias do espírito tende decisivamente a poder e pode por isso ser tratado nomoteticamente
descrever de modo verdadeiramente completo por suas formas invariáveis, a um olhor mais
e exaustivo um acontecimento, mais ou menos circular pode parecer válido apenas por um
extenso, da realidade particular limitada no período de tempo limitado, pode parecer algo
tempo. Também aqui os objetos e os artifí de particular. Assim, uma língua segue sempre
cios particulares usados para assegurar sua em todas as suas estruturas as próprias leis
compreensão são extremamente múltiplos. formais que, embora os termos possam mudar,
Trata-se ou de um acontecimento singular ou de permanecem as mesmas, mas de outro lado
uma série de ações e de vicissitudes, da índole esta mesma língua toda particular, com seu
e da vida de um homem individual ou de todo sistema de leis formais igualmente particular,
um povo, dos características e do desenvolvi é também apenas um fenômeno particular, um
mento de uma língua, de uma religião, de um fenômeno passageiro na história das línguas
direito, de um produto da literatura, da arte ou humanos. A mesma coisa se pode dizer da
da ciência, 0 cada um destes objetos requer fisiologia, da geologia, em certo sentido oté
uma tratação correspondente à própria índole. da astronomia. 6 eis então que o princípio
Mas o fim científico é sempre o de reproduzir histórico se introduz no campo das ciências
e de entender em sua própria realidade um naturais. [...]
fenômeno da vida humana que se apresentou Pergunta-se o que seria mais útil para
exatamente com fisionomia única. o objetivo de conhecer: descobrir as leis ou
Agora nos encontramos, portanto, diante individuar os acontecimentos? Compreender
do problema de construir uma subdivisão das o ser universal sem tempo, ou os fenômenos
ciências empíricas puramente metodológica particulares no tempo? € desde o princípio é
sobre conceitos lógicos certos. Princípio da claro que se pode responder a esta pergunta
subdivisão é o caráter formal de seus fins cientí apenas tendo presente as metas últimas da
ficos : umas procuram leis gerais; as outras, fatos pesquisa científica. [...]
históricos particulares. Para usar a linguagem da Sem dúvida hó também diferenças positi
lógica formal: a meta de umas é o juízo geral vas, e todavia puramente teóricas, no valor das
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo XJX < *° s é c u lo XX
ração conceituai, e o ciência encontra como portanto, distinguir a individualidade que diz
material próprio os produtos dessa elaboração respeito a qualquer coisa ou evento - cujo
conceituai pré-científica, nõo a realidade livre conteúdo coincide com suo realidade, e cujo
de interpretações, A máxima distinção formal conhecimento não pode ser alcançado nem
nessa elaboração conceituai pré-científica é, merece ser objeto de aspiração - da individua
porém, a seguinte. A maior parte das coisas e lidade para nós significativa, e que consiste em
dos eventos nos interessa apenas por aquilo elementos determinados; e devemos ter cloro
que têm em comum com outros e, portanto, que essa individualidade em senso estrito (a
damos a atenção o esse elemento comum, única o que de costume se olude) não constitui
mesmo que de fato toda parte da realidade uma realidade, como o conceito de gênero, mas
seja individualmente diferente de todo outra, é apenas um produto de nosso aprendizado
e nada no mundo se repete exatamente. Uma do realidade, de nosso elaboração conceituai
vez que a individualidade da maior parte dos pré-científica.
objetos nos é totalmente indiferente, nós não H.
a conhecemos; para nós esses objetos não lógico do ciêncio histórico.
são mais que exemplares de um conceito de
gênero, que podem ser substituídos por outros
exemplares do mesmo conceito: mesmo que
nunca sejam idênticos, nós os vemos como tais
e, portanto, os designamos apenas com nomes
de gênero. €sta delimitação, conhecida de S im m e l
todos, do interesse por aquilo que é geral (no
sentido daquilo que é comum a um grupo de ob
jetos), ou aprendizado generalizante, sobre cuja
base consideramos erradamente que no mundo
existe algo como a identidade e a repetição, 5 O "terceiro reino"
é paro nós ao mesmo tempo de grande valor
prático. €le articulo de um modo determinado
dos produtos culturais
a multiplicidade e a policromia da realidade,
e nos torna possível nela nos orientarmos. Todos os conteúdos religiosos e jurídicos,
Por outro lado o aprendizado generali- científicos ou tradicionais, éticos ou artísticos
zante nõo esgota de nenhum modo aquilo que existem. São "espírito objetivo"e determinam
nos interessa em nosso ambiente e, portanto, "toda a evolução histórica do humanidade".
aquilo que dele conhecemos. Este ou aquele
objeto é mais tomado em consideração justa
mente por aquilo que lhe é peculiar, e que o Na história do gênero humano Foi d e
distingue de todos os outros objetos. Nosso senvolvida uma longa série de criações que,
interesse e nosso conhecimento se referem, surgidas pela genialidade ou pelo trabalho
portanto, justamente à sua individualidade, psicológico subjetivo, adquirem uma típica e
àquilo que o torna insubstituível, e mesmo que objetiva existência espiritual, acima das cons
saibamos que ele se deixa captor, como os ciências particulares que originariamente. os
outros objetos, como exemplar de um conceito produziram e que novamente as reproduzem.
de gênero, todavia não queremos considerá-lo A estas criações pertencem as proposições do
idêntico a outras coisas, mas queremos extraí- direito, as prescrições morais, as tradições em
lo expressamente de seu grupo; isso encontra todos os campos, a língua, as produções da
sua expressão lingüística na designação com arte e da ciência, a religião. Sem dúvida, elas
um nome próprio em vez de um substantivo de encontram-se ligadas a alguma forma exterior,
gênero. Também este tipo de articulação, ou à palavra ou à escritura, a dados dos sentidos
aprendizado individualizante da realidade, é ou do sentimento. Mas esta base material ou
tão corrente que não requer uma análise pos pessoal não esgota, em sua condicionalidade
terior. M as uma coiso é importante e deve ser temporal, a objetividade dos fatos espirituais
salientada: o conhecimento da individualidade e a forma particular de suo existência. O e s
de um objeto não constitui de modo nenhum pírito que está incorporado em um livro está
uma cópia no sentido de que conhecemos toda sem dúvida nele, pois dele pode ser extraído;
a multiplicidade de seu conteúdo, mas também também pode estar apenas enquanto tal livro
aqui se realiza um complexo de elementos que, acolhe em si o espírito do autor, o conteúdo de
nesta particular composição, pertence apenas seus processos psíquicos. Mas o autor morreu,
àquele único objeto determinado. Devemos, seu espírito não pode subsistir como processo
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo a o s é c u lo X X
psíquico originário, mas apenas para o leitor, própria manifestação. O conteúdo do pensa
cuja dinâmica espiritual, a partir d® traços 0 mento é verdadeiro, tanto se ele for ou não
sinais sobre o papel, reconstrói o 0spírito. pensado, como na csntralidade de ser falso,
Tal processo, porém, tem como condição a 50 0I0 for ou não pensado. A isso corresponde,
existência do livro e, de um modo totalmsnt© do outro lado, o princípio essencial, ou seja,
divorso 0 mais im0diato do que 0I0 não tenha, que ess© cont0Údo não é de modo nenhum a
o fato de que o sujeito que reproduz respira 0 cópia naturalista do objeto, p0lo qu0 ele vale.
sabe ler. O conteúdo, ao qual o leitor dá ©m O pensam0nto idealista da discrepância entre
si a forma d© processo vivo, 0stá no livro d0 a representação 0 o s©r 0m si da coisa perma
modo objetivo, 0 o leitor o "apreende". Mas, se nece aqui fora de discussão: que os objetos
também ele não o apreende, o livro não perde não possam passar em nossa consciência pode
esse conteúdo, e sua verdade ou falsidade, ser ©xato, mas, para o ponto d0 vista presente,
sua nobreza ou vulgaridade não dependem o problema é a priori outro. Pois aqui uma re
evidentsment© do fato d e que o significa alidade qu© não é imediatamente constatável
do do livro tenha sido recriado em ©spíritos como dado dos sentidos, nem pode ser com-
subj0tivos com maior ou m0nor freqüência 0 pre0ndida em seu ser por nenhum proc0sso d0
compre0nsão. Uma forma igual de existência pensamento, 0 oposta ao conhecer, o qual, por
têm todos os conteúdos religiosos ou jurídicos, sua vez, não a reproduz como uma cópia de
científicos ou tradicionais, éticos ou artísticos. gesso reproduz o original, mas 50 movimenta
Cies afloram historicamente 0 são, ao longo da em formas absolutamente diferentes, vive por
história, vez por outra reproduzidos, mas, entre assim dizer uma vida diferente em relação à da
©stas duas realizações psíquicas, eles têm uma realidad©. O s©r real dos elementos químicos
existência de forma diversa, mostrando assim co0xist0ntes sem relações recíprocas nada tem
que, também nessas formas subjetivas de rea- a ver com a lei das proporções múltiplas ou
Iidad0, subsist0m como algo qu0 n0las não com o sistema de M0nd0l0ieff; os movimentos
se esgota e é por si mesmo significativo, sem das estrelas não contêm absolutam0nte nada
dúvida, como espírito que, enquanto espírito da I0Í de. gravitaçõo. €ssas fórmulas, aliás,
objetivo, cujo significado concreto p0rman0C0 transportam na realidad© uma língua qu© não
intacto acima de sua vitalidade subjetiva nesta encontra nela correspondência nem sequer de
ou naquela consciência, não tem realmente uma voz. Portanto, se aquele terceiro reino
nada a fazer com seus pontos de apoio sen do qual as "leis naturais" podem servir como
síveis. (Esta categoria que permite conservar o o 0X0mplo mais simples, ou talvez como o
supermaterial no material e o supersubjetivo no símbolo, é sem dúvida distinto do processo
subjetivo determina toda a evolução histórica repres0ntativo que o traduz na forma da psiqui-
da humanidade; este ©spírito obj0tivo p0rmit0 dade, 0I0 é também distinto das substâncias 0
qu0 o trabalho da humanidad© conserve S0US dos movimentos que o traduzem na forma da
resultados acima das pessoas individuais e das realidad©. Para o surgimento da polaridade
reproduções individuais. [...] , de sujeito ©d© obj©to, o ser divid©-s© ©m dois
levanta(-se), sobre as realidades opos reinos, cujas qualidades ou funções são sem
tas do mundo, sujeito e objeto, um reino de dúvida incomparáveis. Sua relação, porém, que
conteúdos ideais, que não é nem subjetivo nem chamamos de conhecim©nto, torna-se possível
objetivo. €sses conteúdos têm valor e signifi porque realiza-se na forma de um como do
cado apenas em si e por si, mas, justamente outro o mesmo conteúdo, o qual, em si © por
por isso, podem formar como que a matéria si, transcende essa oposição. Tal concepção da
comum que entra, de um lado, na forma da unidade d© sujeito ©de objeto é, em s©u prin
subjetividade 0, do outro, na da obj0tividad0, cípio, muito diferente da spinoziana, segundo
0 assim m0d0ia a relação 0ntre os dois 0 re a qual os dois termos, por seu próprio ser, se
presenta sua unidade. Pod0r-s0-ia, portanto, perdem na unidade da substância absoluta,
indicar 0ssa t0oria como a do "t0rc0iro reino", exprimindo apenas as duas formas em que
0m que-entra aquilo qu© 0xpus, traçando as se realiza sua real existência metafísica, flqui,
linhas essenciais do pensamento hegeliano, ao contrário, sujeito © obj©to permanecem em
sobre a doutrina do espírito objetivo. O que sua ©ssência também mais separados, mas o
importa é, d© um lado, o p0nsam0nto que, no cosmo ideal dos conteúdos que se realizam sob
conhecimento, não só se realiza em nós um uma ou sob a outra destas categorias, ©difica,
processo psicológico, e é experimentado inte- sobre a diferenciação destes sistemas reais,
riorm0nt0 um ©stado d0 consciência, mas esse a unidad© daquilo qu© justamente neles se
proc0sso 0 0ssa consciência têm um cont0údo realiza, e assegura assim a possibilidade da
que vale também independentemente de sua verdode. fl descoberta deste terceiro reino,
Capítulo terceiro - O k isto H cism o a le m ã o / d e W ilk e lm I^il+key a AAí‘ int’ í [<í1
J\ A a x W e b e r :
o desencan+amento do mundo
e a metodologia
das ciências kistónco-sociais
• Para Weber há uma só ciência, uma vez que único é o critério para estabelecer
a cientificidade das diversas disciplinas: temos o conhecimento científico - tanto
nas ciências naturais como nas histórico-sociais - quando conseguimos produzir
explicações causais: scire est scire per causas. Ora, porém, a realidade apresenta
aspectos infinitos, pode ser estudada dos mais disparatados pontos de vista, ou
seja, a partir das mais diversas perspectivas.
O sociólogo ou o historiador da realidade sem limites que O cientista
se apresenta diante deles operam seleções, escolhem tratar um social
argumento ao invés de outro, um aspecto de um evento ao invés não glorifica
de outro: por exemplo, um historiador decide interessar-se pela e não condena,
Revolução Francesa mais do que pelas expedições de Xerxes e mas para ele
escolhe o estudo das relações entre Revolução e Igreja católica, é indispensável
de preferência, apenas para exemplificar, a realizar pesquisas a "referência
aos valores"
sobre o funcionamento dos tribunais.
Como é que, portanto, acontece tudo isso? Com quais cri - > 5 2
térios o sociólogo ou o historiador fazem as escolhas dos argu
mentos a tratar ou decidem quais aspectos e problemas enfrentar? Pois bem, tais
escolhas e decisões ocorrem - afirma W eber - com base na referência aos valores.
É o valor da justiça que guia a escolha do estudo dos tribunais no período da
Revolução Francesa; é o valor da eficiência que impele a pôr a atenção sobre a
máquina burocrática; e assim por diante. A referência aos valores é um princípio
de escolha; ele serve para estabelecer quais serão os problemas, os aspectos dos
fenômenos, isto é, o campo de pesquisa dentro do qual a investigação procederá
depois de modo cientificamente objetivo com a finalidade de chegar a explicações
causais dos próprios fenômenos.
existentes aqui em maior medida e ali em menor, e por vezes também ausentes",
e assim fazendo surge um modelo, um tipo-ideal ou modelo ideal-típico da eco
nomia citadina, ou do padre católico etc.; e tal tipo ideal serve para ver o quanto
a realidade efetiva se afasta ou se aproxima do tipo ideal. O "tipo ideal" é um
instrumento heurístico.
Max Weber (1864-1920) foi sociólogo, economista e teórico do método das ciências histórico-sociais.
Nesta fotografia de 1919 vemo-lo com barba e chapéu,
enquanto discute com o dramaturgo e pacifista comunista Ernst Toller.
Capítulo quarto - A W W e b e r e a s c iê n c ia s k is+ ó W co -so cia is
nos a estudar como dos pontos de vista a mais uma vez, mostra o absurdo da preten
partir dos quais os estudamos e, conseqüen são de que as ciências da cultura poderiam
temente, das causas de tais fenômenos. N ão e deveriam elaborar um sistema fechado de
pode haver dúvidas sobre tudo isso. conceitos definitivos. i?yr?grTT2~|
M as como se realiza, ou melhor, como
funciona essa seleção? Com uma expressão
tomada de Rickert, Weber responde a essa A teoria d o "tip o id ea l"
pergunta dizendo que a seleção se realiza
tendo como referência os valores.
E aqui é preciso que nos entendamos N a opinião de Weber, com freqüência
com muita clareza. Antes de mais nada, a linguagem do historiador ou do sociólogo,
a referência aos valores (Wertbeziehung) diferentemente da linguagem das ciências
não tem nada a ver com o juízo de valor naturais, funciona mais por sugestão do que
ou com a apreciação de natureza ética. por exatidão. E precisamente com o objeti
Weber é explícito: o juízo que glorifica ou vo de dar rigor suficiente a toda uma gama
condena, que aprova ou desaprova, não tem de conceitos utilizados nas investigações
lugar na ciência, precisamente pela razão histórico-sociais, Weber propôs a teoria
de que ele é subjetivo. Por outro lado, a do “ tipo ideal” . Escreve ele: “ O tipo ideal
referência aos valores, em Weber, não tem obtém-se pela acentuação unilateral de um
nada a dividir com um sistema objetivo e ou de alguns pontos de vista pela conexão
universal qualquer de valores, um sistema de certa quantidade de fenômenos difusos
em condições de expressar uma hierarquia e discretos, existentes aqui em maior e lá
de valores unívoca, definitiva e válida sub em menor medida, por vezes até ausentes,
specie aeternitatis. Dilthey já constatara a correspondentes àqueles pontos de vista
moderna “ anarquia de valores” ; e Weber unilateralmente evidenciados, em um qua
aceita esse relativismo. dro conceitual em si unitário. Em sua pureza
A referência aos valores, portanto, não conceitual, esse quadro nunca poderá ser
eqüivale a pronunciar juízos de valor (“ isto encontrado empiricamente na realidade;
é bom ” , “ aquilo é justo” , “ isto é sagrado” ), ele é uma utopia, e ao trabalho histórico se
nem implica o reconhecimento de valores apresenta a tarefa de verificar, em cada caso
absolutos e incondicionais. Então, o que pre individual, a maior ou menor distância da
tende Weber quando questiona a “referência realidade daquele quadro ideal, estabelecen
aos valores” ? Para sermos breves, devemos do, por exemplo, em que medida o caráter
dizer que a referência aos valores é um prin econômico das relações de determinada
cípio de escolha; ele serve para estabelecer cidade pode ser qualificado conceitualmen-
quais os problemas e os aspectos dos fenô te como próprio da economia urban a” .
menos, isto é, o campo de pesquisa no qual Pode-se ver, portanto, que o “ tipo
posteriormente a investigação se realizará ideal” é instrumento metodológico ou, se
de modo cientificamente objetivo, tendo em assim se preferir, expediente heurístico ou
vista a explicação causai dos fenômenos. de pesquisa. Com ele, construímos um qua
A realidade é ilimitada, aliás, infinita, dro ideal (por exemplo, de cristianismo, de
e o sociólogo e o historiador só acham inte economia urbana, de capitalismo, de Igreja,
ressantes certos fenômenos e aspectos desses de seita etc.), para depois com ele medir ou
fenômenos. E estes são interessantes não por comparar a realidade efetiva, controlando a
uma qualidade intrínseca deles, mas apenas aproximação (Annàherung) ou o desvio em
em referência aos valores do pesquisador. relação ao modelo.
Segue-se daí que ao historiador cabe Brevemente, pode-se dizer que:
exclusivamente a explicação de elementos e 1) a tipicidade ideal não se identifica
aspectos do acontecimento enquadrável em com a realidade autêntica, não a reflete nem
determinado ponto de vista (ou teoria). E os a expressa;
pontos de vista não são dados de uma vez 2) ao contrário, em sua “ idealidade” , a
por todas: a variação dos valores condiciona tipicidade ideal afasta-se da realidade efetiva
a variação dos pontos de vista, suscita novos para afirmar melhor seus vários aspectos;
problemas, propõe considerações inéditas, 3) a tipicidade ideal não deve ser con
descobre novos aspectos. É o feixe do maior fundida com a avaliação ou com o valor,
número de pontos de vista definidos e com “ este filho da dor de nossa disciplina” ;
provados que nos permite ter a idéia mais 4) o tipo ideal, repetindo, pretende ser
exata possível de um problema. Tudo isso, instrumento metodológico ou instrumento
Primeira parte - J K f ilo s o f i a d o s é c u lo X J X o » s é c u lo X X
houvesse tomado aquela decisão e se não Com base nisso, é oportuno fixar em
houvesse ocorrido o fuzilamento em Ber alguns breves pontos as considerações de
lim? Da mesma forma que um penalista, o Weber sobre a questão da avaliabilidade:
historiador isola mentalmente uma causa 1) O professor deve ter claro quando faz
(por exemplo, a vitória de M aratona ou o ciência e, ao contrário, quando faz política.
fuzilamento nas ruas de Berlim), excluindo-a 2) Se o professor, durante uma aula,
da constelação de antecedentes, para depois não pudesse se abster de produzir avalia
se perguntar se, sem ela, o curso dos aconte ções, então deveria ter a coragem e a probi
cimentos teria sido igual ou diferente. dade de indicar aos alunos aquilo que é puro
Desse modo, constroem-se possibili raciocínio lógico ou explicação empírica,
dades objetivas, isto é, opiniões (baseadas e aquilo que se refere a apreços pessoais e
no saber à disposição) sobre como as coisas convicções subjetivas.
podiam ocorrer, para se compreender me 3) O professor não deve aproveitar de
lhor como elas ocorreram. Prosseguindo no sua posição de professor para fazer propa
exemplo, se os persas houvessem vencido, ganda de seus valores; os deveres do pro
então é verossímil (ainda que não necessá fessor são dois:
rio, pois Weber não é determinista) que eles a) de ser cientista e de ensinar os outros
houvessem imposto na Grécia, como fizeram a se tornarem também;
em toda parte onde venceram, uma cultura b) de ter a coragem de pôr em discussão
teocrático-religiosa baseada nos mistérios seus valores pessoais e de pô-los em discus
e nos oráculos. Esta é uma possibilidade são no ponto em que se pode efetivamente
objetiva e não gratuita, para que compreen discuti-los, e não onde se pode facilmente
damos que a vitória de M aratona é causa contrabandeá-los.
muito importante para o desenvolvimento 4) A ciência é distinta dos valores, mas
posterior da Grécia e da Europa. Já os não está separada deles: uma vez fixado o
fuzilamentos diante do castelo de Berlim, objetivo, a ciência pode nos dar os meios
em 1848, pertencem à ordem das causas mais apropriados para alcançá-lo, pode pre
acidentais, pelo fato de que a revolução teria ver quais serão as conseqüências prováveis
explodido de qualquer forma. BffÉinri do empreendimento, pode nos dizer qual é
ou será o “ custo” da realização do fim a que
nos propomos, pode nos mostrar que, dada
uma situação de fato, certos fins são irreali-
;A polêmica záveis ou momentaneamente irrealizáveis, e
s o b r e a //^ A ã o - a v a lia b > ilid a d e ,, pode nos dizer também que o fim desejado
choca-se com outros valores.
Em todo caso, a ciência nunca nos dirá o
Weber distingue claramente entre co que devemos fazer, e como devemos viver. Se
nhecer e avaliar, entre juízos de fato e juízos propusermos essas interrogações à ciência,
de valor, entre “ o que é” e “ o que deve ser” . nunca teremos resposta, porque teremos
Para ele a ciência social é não-valorativa, no batido à porta errada. Cada um de nós deve
sentido de que procura a verdade, ou seja, buscar a resposta em si mesmo, seguindo sua
procura apurar como ocorreram os fatos e inspiração ou sua fraqueza. O médico pode
por que ocorreram assim e não diferente até nos curar, mas, enquanto médico, não
mente. A ciência explica, não avalia. está em condições de estabelecer se vale ou
Dentro do trabalho de Weber, tal toma não vale a pena viver. H gQ Rn
da de posição tem dois significados:
a) um, epistem ológico, consiste na
defesa da liberdade da ciência em relação a A ética protestante
avaliações ético-político-religiosas (uma teo e o espírito do capitalismo
ria científica não é católica nem protestante,
não é liberal nem marxista);
b) o outro significado, ético-pedagógi- Tanto em seu grande tratado Econo
co, consiste na defesa da ciência em relação mia e sociedade (ver o capítulo: “Tipos de
às deformações demagógicas dos chamados comunidade religiosa” ) como nos Escritos
“ socialistas de cátedra” , que subordinavam de sociologia da religião, Weber estudou a
o valor da verdade a valores ético-políti- importância social das formas religiosas de
cos, isto é, subordinam a cátedra a ideais vida. O ponto de partida da história reli
políticos. giosa da humanidade é um mundo repleto
Primeira parte - ;A filo sofia d o s é c u lo X^X a ° s é c u lo XX
I
de algum modo ou em algum lugar, causas . D e s e n c a n ta m e n to d o m u n d o . O 1
econômicas. Todavia, precisamente nesses desencantamento do mundo é, para 1
casos eles se contentam com hipóteses de
malhas mais am plas e formulações mais
gerais, enquanto sua necessidade dogmática
é satisfeita ao considerar que as forças ins
Max Weber, o resultado do "processo ;í
tintivas econômicas são as forças próprias,
de intelectualização ao qual estive- \
as únicas verdadeiras e, em última instância, mos submetidos há séculos". |
as forças sempre decisivas” . O significado profundo desta progres- "
Para concluir, podemos dizer que Weber: s siva intelectualização e racionalização ;
a) aceita a perspectiva m arxista nos j consiste, na opinião de Weber; "na j
limites em que ela, vez por outra, é adotada \ consciência ou na fé que basta apenas •
como conjunto de hipóteses explicativas a [ querer para po d e r; toda coisa, em :
serem comprovadas caso por caso; j linha de princípio, pode ser dominada í
b) rejeita a perspectiva marxista quan \ pela razão. O que significa o desen- í
do se transforma em dogma metafísico e, I cantamento do mundo. Não é preciso j
| mais recorrer à magia para dominar 1
simultaneamente, apresenta-se como con
J ou para agradar os espíritos, como J
cepção científica do mundo; . faz o selvagem, para o qual existem í
c) não é intenção de Weber, como \ tais poderes. A isso suprem a razão e j
escreve em A ética protestante e o espírito [ os meios técnicos". j
do capitalismo, a de “ substituir” uma inter I Em um mundo assim desencantado, •
pretação causai da civilização e da história, | "a tensão entre a esfera dos valores 1
abstratamente materialista, por outra espi I da 'ciência' e a da salvação religiosa j
I é incurável". 1
Primeira parte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ ? X a° s é c u lo X X
SBiafttM
WEBER
METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS
A R E FE R E N C IA A O S V A LO RES
é um princípio de escolha que serve para estabelecer o campo de pesquisa
em que sucessivamente a pesquisa procederá de modo cientificamente
objetivo, em vista da explicação causai dos fenômenos _____ .
SSÜlfHS
O DESENCANTAMENTO DO MUNDO
porque possuía muitas riquezas". O preceito convicção podereis expor com a máxima força
evangélico é incondicionado e preciso: entrega de persuasão que sua ação terá como conse
aquilo que possuis, tudo, absolutamente. O qüência aumentar as esperanças da reação,
político observará: "Uma pretensão socialmente agravar a opressão de sua classe e impedir
absurda, enquanto não for atuada por todos". sua ascensão: isso não o deixará minimamente
€, portanto, taxações, expropriações, confiscos, impressionado. Se as conseqüências de uma
em uma palavra, ordens e coerções para todos. ação determinada por uma convicção pura são
Mas a lei moral não exige nada de tudo isso, e más, delas será responsável, segundo este,
nisso reside sua essência. Ou então, tomemos a não o agente, e sim o mundo ou a estupidez de
ordem: “Dá a outra face": incondicionadamente, outrem, ou a vontade divina que os criou tais.
sem perguntar qual direito tem o outro de bater. Quem, ao contrário, raciocina segundo a ética
Uma ética da falta de dignidade, a menos que da responsabilidade leva justamente em conta
se trate de um santo. €ste é o fato: é preciso os defeitos presentes na média dos homens;
ser um santo em tudo, ao menos na intenção: ele não tem nenhum direito - como justamente
é preciso viver como Jesus, como os apóstolos, disse Fichte - de neles pressupor bondade e
como são Francisco e seus confrades, e ape perfeição, não sente-se autorizado a atribuir a
nas então essa ética tem um sentido e uma outros as conseqüências de sua própria ação,
dignidade. De outra forma, não. Com efeito, até onde podia prevê-la. €ste dirá: “estas con
onde, como conseqüência da ética do amor, se seqüências serão imputadas ao que eu fiz". O
ordena: “Não resistir ao mal com a violência", homem moral segundo a ética-da convicção se
o preceito que vale vice-versa para o político sente “responsável'' apenas quanto ao dever
é o seguinte: "Deves resistir oo mal com o vio de manter acesa a chama da convicção pura,
lência, de outro modo serás responsável se ele por exemplo, a do protesto contra a injustiça
prevalece". Quem quiser agir segundo a ética da ordem social. Reavivá-la continuamente, é
do êvangelho, abstenha-se das greves - pois este o objetivo de suas ações absolutamente
elas constituem uma coerção - e se inscreva irracionais-julgando por seu possível resultado
nos sindicatos pelegos. Mas, principalmente, as quais podem e devem ter um valor apenas
não fale de "revolução", uma vez que essa ética de exemplo. , .
não ensinará sem dúvida que seja exatamente Todavia, nem sequer com isso o problema
a guerra civil a única guerra legítima. O pacifista esgota-se. Nenhuma ética do mundo pode pres
que age segundo o €vangelho recusará pegar cindir do fato de que o alcance de fins “bons"
em armas ou então os jogará fora, como era é o mais das vezes acompanhado pelo uso de
recomendado na Alemanha, considerando isso meios suspeitos ou pelo menos perigosos, e
um dever moral, com o objetivo de pôr fim à pela possibilidade ou também pela probabi
guerra e com isso a toda guerra. [...] € finalmen lidade do concurso de outras conseqüências
te: o dever da verdade. Para a ética absoluta más, e nenhuma ética pode determinar quando
trata-se de um dever incondicionado. [...] A e em que medida o objetivo moralmente bom
ética absoluta não se preocupa com as con "justifica" os meios e as outras conseqüências
seqüências. €ste é o ponto decisivo. Devemos igualmente perigosas. [...] Aqui, sobre este
perceber claramente que todo agir orientado problema da justificação dos meios mediante
em sentido ético pode oscilar entre duas máxi o fim, também a ética da convicção em geral
mas radicalmente diversas e inconciliavelmente parece destinada a falir. 6, com efeito, ela não
opostas, ou seja, pode ser orientado segundo tem logicamente outro caminho a não ser o de
a "ética da convicção” [gesinnungsethisch], ou recusar toda ação que opere com meios perigo
então segundo a "ética da responsabilidade" sos do ponto de vista ético. Logicamente. Sem
[verantujortungsethisch]. Não que a ética da dúvida, no mundo da realidade fazemos conti
convicção coincida com a falta de responsa nuamente a experiência que o fautor da ética
bilidade e a ética da responsabilidade com da convicção transforma-se repentinamente no
a falta de convicção. Não se quer certamente profeta milenarista, e que, por exemplo, aque
dizer isso. Mas há uma diferença intransponí les que pouco antes pregaram opor “o amor à
vel entre o agir segundo a máxima da ética força", um instante depois apelam à força, à
da convicção, a qual - em termos religiosos força última, a qual deveria levar à abolição de
- soa: "O cristão age como justo e entrega o toda força possível, assim como nossos chefes
resultado nas mãos de Deus", e agir segundo a militares a cada nova ofensiva diziam aos sol
máxima da ética da responsabilidade, segundo dados: "Gsta é a último, nos levará à vitória e,
a qual é preciso responder pelas conseqüências portanto, à paz”.
(previsíveis) das próprias ações, fl um convicto M. LUeber,
sindicalista que se regule conforme a ética da O trabalho intelectual como profissão.
.............................. 69
Capítulo quarto - fiAax Webe** e as ciências kis+ó^ico-sociais _
ideais supremos. Mas o verdadeiro mestre evi uma atitude pessoal. Mas isso nõo é tudo. A
tará impeli-lo, do alto da cátedra, a tomar uma impossibilidade de apresentar "cientificamente"
atitude qualquer, tanto de modo explícito como uma atitude prática - exceto o caso da discus
por sugestão: uma vez que é o método mais são sobre os meios para um objetivo que se
desleal, o de "fazer os fatos falarem". pressupõe já dado - deriva de razões bem
Todavia, por qual razão, precisamente, mais profundas. Semelhante empreendimento
devemos nos abster disso? Adianto que diver é substancialmente absurdo, enquanto entre
sos entre meus estimadíssimos colegas são do os diversos valores que presidem a ordem do
parecer de que tal discrição não seja exeqüível mundo o contraste é inconciliável. O velho Mill,
e que, mesmo que o fosse, seria loucura pre cuja filosofia não pretendo por outro lado louvar,
tendê-la. Ora, a ninguém pode-se demonstrar mas que sobre este ponto tem razão, diz em
cientificamente qual seja seu dever de professor certo lugar: partindo da pura experiência chega-
universitário. Dele pode-se pretender apenas a se ao politeísmo. [...] Mudado sob o aspecto,
probidade intelectual, por meio da qual saiba acontece como no mundo antigo, ainda sob o
compreender como a verificação dos fatos, das encanto de seus deuses e de seus demônios:
relações matemáticas ou lógicas e da estrutura como os gregos sacrificavam ora a Afrodite e ora
interna das criações do espírito de um lado, e a Apoio, e cada um em particular aos deuses de
do outro a resposta à questão a respeito do sua própria cidade, assim é ainda hoje, sem a
valor da civilização e de seus conteúdos parti magia e o revestimento daquela transfiguração
culares - e, portanto, a respeito do modo com plástica, mítica, mas intimamente verdadeira.
o qual se devo agir no âmbito da comunidade Sobre estes deuses e sobre suas lutas domina o
civil (Hulturgemeinschaft) e das sociedades destino, e sem dúvida não a "ciência'', é possível
políticas - sejam dois problemas absolutamente somente entender o que seja o divino em um
heterogêneos. Se depois ele pergunta por que ou no outro caso, ou então em uma ordem ou
não deva tratá-los ambos na universidade, na outra. Mas com isso a questão está absolu
eis a resposta: porque a cátedra não é para tamente fechada a qualquer discussão em uma
os profetas e os demagogos. Ao profeta e sala de aula pela boca de um mestre, ainda que
ao demagogo foi dito: "Sai pelas ruas e fala de fato naturalmente não esteja de modo ne
publicamente”. Fala, isto é, onde é possível a nhum fechado o enorme problema de vida q.ue
crítica. Na aula, onde se está sentado diante nela está contido. Aqui, porém, a palavra cabe
dos próprios ouvintes, a estes cabe calar-se e a outras forças e não às cátedras universitárias.
ao mestre falar, e reputo uma falta de sentido Quem desejará tentar "refutar cientificamente" a
de responsabilidade aproveitar tal circunstância ética do Sermõo da Montanha, por exemplo, a
- por meio da qual os estudantes são obrigados máxima: "não fazer resistência ao mal", ou então
pelo programa de estudos a freqüentar o curso a imagem de dar a outra face? Apesar disso é
de um professor onde ninguém pode intervir claro que, de um ponto de vista mundano, aí
para contestá-lo - para inculcar nos ouvintes se prega uma ética da falta de dignidade: é
as próprias opiniões políticas ao invés de tra preciso escolher entre a dignidade religiosa,
zer-lhes subsídios, como o dever impõe, com que é o fundamento desta ética, e a dignidade
os próprios conhecimentos e as próprias expe viril, que prega algo bem diverso: "Deves fazer
riências científicas. Pode certamente ocorrer que resistência ao mal, de outra forma és também
o indivíduo consiga apenas imperfeitamente responsável se este prevalecer". Depende da
esconder suas próprias simpatias subjetivas. própria atitude em relação ao fim último que
6ntão ele se expõe à crítica mais impiedosa um seja o diabo e o outro o deus, e cabe ào
diante do tribunol de sua consciência. € isso indivíduo decidir qual seja para ele o deus e
por outro lado não prova nada, uma vez que qual o diabo. 6 assim ocorre para todos os
também outros erros puramente de fato são ordenamentos da vida. [...]
possíveis, e nõo podem contrastar o dever de M as o destino de nossa civilização é
procurar a verdade. €u me recuso a admiti-lo justamente este, de nos termos tornado hoje
também e precisamente pelo interesse pura novamente e mais claramente conscientes
mente científico. €stou disposto a provar sobre daquilo que um milênio de orientação - que
as obras de nossos historiadores que, toda vez se presume ou se afirma exclusiva - para o
que o homem de ciência adianta seu próprio grandioso pothosda ética cristã havia ocultado
juízo de valor, cessa a inteligência perfeita do a nossos olhos.
fato. Todòvia, isso extrapola o tema deste dis Todovia, basta agora desses problemas
curso e exigiria longa explicação. [...] que nos levam demasiado longe. Pois, quando
Até agora falei apenas dos motivos prá uma parte de nossos jovens quisesse dar a tudo'
ticos que aconselham evitar a imposição de isso esta resposta: "Sem dúvida, mas viemos à
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo XJX a o s é c u lo XX
— ► -----------------------------------------
aula para encontrar uma experiência que não
consista apenas em análises e constatações 6 ainda: "Um ato econômico capitalista sig
de fato", eles incorreriam no erro de procurar nifica poro nós um ato que se baseia sobre
no professor algo de diverso daquilo que está a expectativa de ganho, qu e deriva do
diante deles, ou seja, um chefe e não um mestre. desfrutar habilmente as conjunturas da troca
fl cátedra nos é conferida apenas como mestres. e, portanto, das probabilidades de ganho
Trata-se de duas coisas bem diferentes, e disso formalmente pacíficas".
é fácil nos convencermos. Permitam-me conduzi-
los mais uma vez à América, onde estas coisas
podem ser vistas freqüentemente em sua mais Apenas o Ocidente produziu os parla
crua originalidade. Ojovem americano aprende mentos de "representantes do povo”, eleitos
incomparavelmente menos que o nosso. Ape periodicamente, os demagogos, e o domínio
sar de uma incrível quantidade de exames, o dos chefes de partido na vesto d0 ministros
sentido de sua vida de escola ainda não se parlamentarmente responsáveis, embora, na
tornou tal para fazê-lo passar por um "tipo de turalmente, em todo o mundo tenham assistido
exames’' (€xamessmensch), como acontece com partidos para a conquista do poder político. €
ojovem alemão. Isso porque lá se está apenas o Cstado, sobretudo, com o significado de um
nos inícios da burocracia, que exige o diploma instituto político, com uma Constituição racional
de exame como bilhete de ingresso no reino mente promulgada, com um direito racionalmen
dos ganhos burocráticos. O jovem americano te constituído, com uma administração dirigida
nõo respeita nada nem ninguém, nenhuma tra por empregados especializados segundo regras
dição e nenhuma profissão, além de sua obra racionalmente enunciadas, apenas o Ocidente
diretamente pessoal: tal é para o americano a moderno o conhece nessa combinação, para
"democracia". Por mais disforme que seja da nós importante, das várias características de
realidade, este é seu modo de pensar e aqui terminantes, fora de todas as tentativas em tal
devemos levar isso em conta. Do mestre que sentido de outros tempos e de outros países.
está diante dele, o jovem americano tem esta C assim acontece com a maior força de
opinião: ele me vende suas noções e seus mé nossa vida moderna: o capitalismo.
todos em troça do dinheiro de meu pai, assim fl sede d© .lucro, a aspiração o ganhar
como o feirante vende couve para minha mãe. dinheiro o mais possível, nõo tem em si mesma
Com isso, tudo está dito. Todavia, se o mestre é nada em comum com o capitalismo. Csta aspi
por acaso um campeão de futebol, nesse campo ração encontra-se nos camareiros, médicos,
ele é também um chefe. Mas se não for tal (ou cocheiros, artistas, coristas, empregados corrup
algo de semelhante em outros esportes), ele tíveis, soldados, bandidos, nos cruzados, nos
é simplesmente um mestre e nada mais, e a freqüentadores de casas de jogo, nos mendi
nenhum jovem americano ocorrerá que ele lhe gos; pode-se dizer em ali sorts and conditions of
venda "concepções do mundo" (UJeltanschauun- men, em todas as épocas de todos os países da
geri) ou normas de conduta. terra, onde havia e há a possibilidade objetiva.
M. UUsber, Deveria já entrar nos mais rudimentares
O trabolho intelectual como profissão. elementos da educação histórica o abandono
de uma vez para sempre dessa ingênua defi
nição do conceito de capitalismo.
fl ânsia desmedida de ganho não é de
5 €m busca de uma definição modo nenhum idêntica ao capitalismo, e muito
menos corresponde ao "espírito" deste.
de "capitalismo" O capitalismo pode aliás se identificar com
uma disciplina, ou pelo menos com um tempero
O que é o "capitalismo"? "R ânsia d es racional de tal impulso irracional. Cm todo caso,
medida de ganho nõo é de fato idêntica ao o capitalismo é idêntico com a tendência ao
capitalismo, e muito menos corresponde ao ganho em uma empresa capitalista racional
'espírito' dele. O capitalismo p od e aliás se e contínua, ao ganho sempre renovado, ou
identificar com uma disciplina, ou pelo me seja, à rentabilidade. € assim ele deve ser.
nos com um tempero racional de tal impulso Cm uma ordem capitalista de todo a economia,
irracional. €m todo coso, o capitalismo é idên um empreendimento capitalista particular, que
tico à tendência de ganho em uma racional não se orientasse segundo a eventualidade de
0 contínuo empresa capitalista, ao ganho alcançar a "rentabilidade", seria condenado a
sem pre renovado, isto é, à rentabilidade". perecer. Definomo-lo mais exatamente do que
geralmente se faz.
73
Capítulo quarto - A W W e b e r e a s c iê n c ia s h is tó r ic o -s o c ia is ...
Um o to econômico capitalista significa para obriguem a um cálculo preciso. Mas estes são
nós um ato que se baseia sobr® a expectativa elementos que se referem apenas ao grau da
de ganho que deriva do desfrutar habilmente racionalidade do proveito capitalista.
as conjunturas da troca, portanto, de proba Para o conceito, importa apenas que o
bilidades de ganho formalmente pacíficas, fl confronto entre o resultado calculado em di
aquisição violenta (formal e atual) segue suas nheiro e a entrada calculada em dinheiro, em
leis particulares, e não é útil - mesmo que não qualquer forma, por mais primitiva que seja,
se possa proibir de fazê-lo - colocá-la sob a determine o ato econômico. Neste sentido
mesma categoria da atividade orientada se houve "capitalismo" e “empresas capitalistas"
gundo as probabilidades de ganho na troca. também com certa racionalidade no cálculo
Quando se tende de modo racional ao ganho do capital em todos os países civilizados do
capitalista, a ação correspondente orienta-se mundo; pelo menos até onde remontam os do
conforme o cálculo do capital. cumentos econômicos que possuímos. Na China,
Isso quer dizer que ela ordena-se segundo na índia, na Babilônia, no Cgito, na antiguidade
um emprego preestabelecido de prestações mediterrânea, na Idade Média e na era moder
reais ou pessoais como meios para conseguir na. Existiram não só empresas isoladas, mas
um proveito, de modo tal que a consistência também complexos econômicos que se basea
patrimonial estimada em dinheiro no encerra vam sobre empresas capitalistas particulares
mento das contas supere o capital, ou seja, o sempre novas, e também empresas contínuas;
valor estimado, posto na balança, dos bens embora o comércio por longo tempo não tivesse
instrumentais reais empregados na aquisição o caráter de nossas empresas continuativas,
por meio da troca. No caso de uma empresa mas muito mais o de uma série de atos singu
contínua a consistência patrimonial em dinhei lares e apenas lentamente, na atividade dos
ro calculada periodicamente na balança deve grandes comerciantes, penetrasse uma ligação
periodicamente superar o capital. Tanto se se íntima, com a instituição de várias seções. €m
tratar de um complexo de mercadorias in natu- todo modo, a empresa e o empreendedor
ra entregues em consignação a um mercador capitalista, não só de ocasião mas também
viajante cujo proveito final pode consistir em com atividade contínua, são antiquíssimos e se
outras mercadorias in natura, como de uma difundiram em todo lugar. Mas o Ocidente tem
fábrica cujas instalações particulares, edifícios, um grau de importância que não se encontra
máquinas, reservas de dinheiro, matérias-pri alhures. € desta importância dão a razão as
mas, produtos acabados e semitrabalhados espécies e formas e direções do capitalismo
representam exigências às quais correspondem que não surgiram em outros lugares. Cm todo
compromissos: o importante é que seja feito um o mundo houve estados mercantes dedicados
cálculo do capital expresso em dinheiro, tanto ao comércio por atacado e por varejo, local e
de modo moderno, com livros regulares, como em países distantes, houve empréstimos de
também de modo primitivo e superficial. toda espécie, eram muito difundidos bancos
C no início da empresa tem lugar um ba com funções bastante diversas, mas pelo me
lanço inicial, como antes de todo ato comercial nos semelhantes em substância às dos bancos
particular um cálculo para o controle e um ensaio de nosso século XVI; empréstimos marítimos,
da correspondência do ato com o objetivo pre negócios e sociedades em comodato, consig
fixado e, no encerramento, para verificar aquilo nações, eram profissionalmente muito difundi
que se ganhou, tem-se um cálculo retrospectivo: dos. Sempre, onde houve finanças em base
o balanço de encerramento. O balanço inicial de monetária dos entes públicos, esteve presente
uma consignação é, por exemplo, o acerto de o banqueiro; na Babilônia, na Grécia, na (ndia,
valor expresso em dinheiro que devem ter as na China e em Roma; para o financiamento em
mercadorias para as partes contraentes, caso primeiro lugar das guerras e da pirataria, para
sejam elas ainda não em si mesmas dinheiro; provisões e trabalhos de todo tipo, na política
o balanço de encerramento é a estimativa final colonial como colonizadores, plantadores ou
que é fundamento da repartição do ganho e portadores de concessões a escravos ou com
da perda. Um cálculo está como fundamento trabalhadores forçados de várias formas; para
de todo ato particular do consignatário, desde o concessão de empreitada de propriedades,
que este aja racionalmente. Que não se tenham de profissões, e principalmente de impostos,
um cálculo e uma estimativa realmente exatos; para o financiamento de chefes-de-partido para
que se proceda a modo de estimativa ou então as eleições e de chefes de mercenários poro
tradicional e convencionalmente, são coisas que a guerra civil; em suma, como especuladores
acontecem ainda hoje em toda forma de empre sobre probabilidades de todo tipo avaliáveis
sa capitalista, sempre que as circunstâncias não em dinheiro. Csta espécie de empreendedores,
PtÍ1fl€ÍTCil parte - y\ filo sofia d o s é c u lo X *-7 X a o sé c u lo X X
os aventureiros copitolistos, existiu em todo o dos fatores técnicos decisivos; em suma, pelo
mundo. fundamento de um cálculo exato; o que, na rea
Suas possibilidades eram - com exceção lidade, significa o caráter particular da ciência
do comércio e dos negócios de crédito 0 do européia, especialmente das ciências naturais
banco - ou de caráter puramente irracional, es com fundamento racional, experimental e mate
peculativo, ou eram orientadas para a aquisição mático. O desenvolvimento dessas ciências e da
pela violência, para a predação, tanto como técnica que sobre elas se baseia recebeu, por
butim ocasional de guerra ou butim crônico 0 sua vez, e recebe até agora, impulsos decisivos
fiscal, ou seja, a espoliação dos súditos. O ca das probabilidades de rendimento capitalista,
pitalismo colonial dos grandes especuladores, que se ligam ò sua aplicação econômica como
e o capitalismo financeiro moderno do tempo "prêmios”.
de paz, mas principalmente e d© modo espe M. Weber,
cífico o capitalismo de guerra, levam também fí ético protestante
hoje no Ocidente essa marca; e alguns ramos e o espírito do capitalismo.
- mas apenas alguns - do comércio internacio
nal, tanto hoje como em qualquer tempo, os
seguem de perto.
Mas o Ocidente conhece na época moder 6 R ética protestante
na uma espécie de capitalismo bem diferente,
e que por outro lado jamais se desenvolveu: a
e o espírito do capitalismo
organização racional do trabalho formalmente
livre, fl mesma organização do trabalho não "Fl voloroçõo religioso do trobolho pro
livre chegou a certo grau de racionalidade fissional leigo, incansável, contínuo, sistemá
apenas nas plantações e, em medida muito tico, como do mais oito meio ascético, e ao
limitada, nas colônias penais da antiguidade; mesmo tempo como da mais alta, segura e
e teve um grau de racionalidade ainda menor visível confirmação do homem regenerado
nas curtes e fábricas e indústrias domésticas e da sinceridade de sua fé, devia s e r o
das grandes propriedades agrícolas com o fermento mais poderoso que s e pudesse
trabalho dos escravos e dos servos da gleba pensar paro a expansão daquela concepção
no princípio da era moderna. Pora o trabalho de vido, que definimos como 'espírito do
livre estão documentadas, fora do Ocidente, capitalismo' ".
verdadeiras e próprias "indústrias domésticas"
apenas em casos isolados, e o emprego de
assalariados diaristas que naturalmente se en Quanto maior se torna a propriedade, tan
contra em todo lugar, fora exceções muito raras to mais grave se torna - se a disposição ascética
e particularíssimas, todavia bem distantes das supera a prova - o sentimento da responsabi
organizações industriais modernas (trotava-se lidade para mantê-la intacta para a glória de
especialmente de monopólios de €stado), não Deus e de aumentá-la com um trabalho sem
produziu jamais grandes manufaturas e nem trégua. Também a gênese deste estilo da vida
sequer uma organização racional de profissão remonta com tais raízes, como tantos elementos
de tipo patronal no modelo da de nossa Idade do espírito capitalista moderno, à Idade Média,
Média, fl organização racional da indústria mas apenas na ética do protestantismo ascético
orientada conforme as conjunturas do mercado encontrou seu conseqüente fundamento moral.
e não conforme probabilidades políticas ou irra Sua importância para o desenvolvimento do
cionalmente especulativas não é, porém, o único capitalismo é evidente.
fenômeno particular do capitalismo ocidental, fl ascese leiga protestante - assim po
fl organização racional moderna da atividade demos resumir aquilo que dissemos até aqui
capitalista não teria sido possível sem outros - agiu com grande violência contra o gozo
dois importantes elementos de seu desenvolvi desmedido da propriedade, e restringiu o con
mento: a separação da administração doméstica sumo, principalmente o consumo de luxo. Por
da empresa, que doravante domina a vida outro lado liberou, em seus efeitos psicológicos,
econômica hodierna; e, estreitamente ligada a a aquisição de bens dos obstáculos da ética
esta, a capacidade racional dos livros. [...] tradicionalista, enquanto não só a legalizou,
O capitalismo especificamente ocidental mas até, no sentido que expomos, a viu como
foi, evidentemente, determinado em grande desejada por Deus. fl luta contra os prazeres da
medido tombém pelo desenvolvimento das pos carne e o apego aos bens exteriores não era,
sibilidades técnicas. Sua racionalidade é hoje como atesta expressamente, com os puritanos,
fortemente condicionada pela calculabilidade também o grande apologeta dos Quakers,
75
Capítulo quarto - M w W e b e f e a s c iê n c ia s k is + ó fic o -s o c ia is ------
Barclay, uma luta contra o ganho racional, e sim uma exata determinação em cifras quão forte
contra o emprego irracional da propri0dad0. 6 tenha sido esse efeito. Na Nova Inglaterra a
isso consistia no alto apreço, condenado como ligação aparece tão evidente, que naturalmente
idolatria, das formas ostensivas do luxo que não fugiu ao olho de um historiador excelente
oram tão próximas do modo de sentir f0udal, 0m como Doyle. Mas também na Holanda, que
v®z do emprego desejado por Deus, racional e foi dominada pelo calvinismo rigoroso apenas
utilitário, para os fins da vida do indivíduo e da por sete anos, a maior simplicidade da vida
coletividade. Não se queria impor ao proprietá que dominava nos grupos religiosamente mais
rio a maceração, mas o uso d© sua riqueza para sérios, ligada às 0norm©s riquezas, levou a uma
coisas necessárias 0 de utilidade prática. ansiedade excessiva de acumular capitais.
O conc0ito de comfort alarga de modo M. Weber,
característico o círculo dos fins, moralmente ft ética protestante
lícitos, em que a riqueza pode ser empregada, e o espírito do capitalismo.
e naturalmente não é um acaso que se tenha
observado justamente entre os mais conse
qüentes seguidores de toda esta concepção, os
Quakers, um desenvolvimento mais precoce e O desencantamento
mais manifesto do estilo de vida, que s© remete
a ess© conceito. Contra as brilhantes aparências do mundo
da pompa cavalheiresca, que, apoiando-se
sobre bases econômicas pouco sólidas, prefere é destino de nosso époco, "com suo ca
uma exígua elegância na simplicidade modesta, racterística racionalização e intelectualização,
0I0S opõ0m como ideal a limpa e sólida como e sobretudo com seu desencantamento do
didade do home burguês. mundo", o de ser uma época sem Deus 0
No campo da produção da riqueza priva sem profetas. 6 isso impõe o coda um fazer
da, a ascese combatia contra a desonestidade com coragem as próprias escolhas e seguir "o
e contra a avidez puramente impulsiva qu© demônio que segura os fios de sua vida".
cond©nava como covetousness 0 “mamonismo’';
ou S0ja, o esforço tenso para a riqueza, pelo
único escopo final d© s©r rico. Mas a ascese Que a ciência hoje seja uma "profissão"
©ra a força "qu© quer continuamente o bem e especializado, posta a serviço da consciência
continuamente o mal", isto é, cria aquilo que, de si e do conhecimento d© situações de fato,
segundo sua própria interpretação, é mal: a © não uma graça de visionários e profetas,
riqueza e suas tentaçõ©s. dispensadora de meios de salvação e de
Pois ©Ia não soment© via, com o flntigo revelações, ou um elemento da meditação de
Testamento e em plena analogia com o apreço sábios e filósofos sobre o significado do mundo,
ético das “obras boas", no esforço para a rique é certamente um dado de fato, inseparável de
za como fim a si mesma, uma coisa reprovável nossa situação histórica, à qual, se quisermos
em máximo grau, e na conquista, ao contrário, permanecer fiéis a nós mesmos, não podemos
da riqueza, como fruto do trabalho profissio escapar. € s© novamente surge em vós o Tolstoi
nal, a bênção de Deus. Mas, coisa ainda mais qu© pergunta: “Se, portanto, não é a ciência que
importante: a avaliação religiosa do trabalho o faz, quem responde então à pergunta: o que
profissional leigo, incansável, contínuo, siste devemos fazer? € como devemos regular nossa
mático, como o mais elevado meio ascético, e vida?",, ou então, na linguagem que há pouco
ao mesmo t©mpo como a mais ©levada, segura usamos: “Fl qual dos deuses em luta devemos
e visível confirmação e prova do homem rege- servir? Ou talvez algum outro, e, nesse caso,
nsrado ©da sinc0ridad© d© sua fé, devia ser a quem?", é preciso dizer que a resposta cabe a
alavanca mais poderosa que se pudesse pensar um profeta ou a um redentor. Se este não se
para a expansão daquela concepção da vida, encontra entre nós, ou se o anúncio dele não
que definimos como "espírito do capitalismo". é mais crido, sem dúvida não adiantará fazê-lo
€ se ligarmos a limitação do consumo com este descer sobre esta terra em que milhares de
desencadeamento do esforço dirigido ao ga professores tentem roubar-lhe o papel em suas
nho, o resultado exterior é evidente: formação aulas, como pequenos profetas privilegiados
do capital por meio de uma constrição ascética ou pagos pelo €stado. Isso servirá apenas
à poupança. Os obstáculos que se opunham para esconder toda a enorme importância e o
ao consumo daquilo que se tinha adquirido significado do fato decisivo, ou seja, qu© o pro
deviam aumentar seu emprego produtivo como feta, que tantos de nossa mais jovem geração
capital de investimento. Naturalmente foge a invocam, não existe. O interesse interior de um
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo XJX a o s é c u lo XX
o respeito de seu próprio significado - o fato sem ter compreendido que entre as paredes
de que muitas dessas associações de jovens, da sala de aula uma só virtude tem valor: a
surgidas no silêncio destes últimos anos, dêem simples probidade intelectual. €la nos impõe
às suas relações comuns, humanas, o sentido colocar às claras que hoje todos aqueles que
de uma ligação religiosa, cósmica ou mística. Se vivem na espera de novos profetas e novos
for verdade que todo ato de genuína irmandade redentores se encontram na mesma situação
pode se ligor com a consciência de que com isso descrita no belíssimo canto da escolta iduméia
é de algum modo acumulado em um domínio durante o período do exílio, que se lê no oráculo
ultrapessoal algo que não será perdido, ainda de Isaías: "Uma voz choma de Seir em £dom:
assim me parece duvidoso que a dignidade das Sentinela! Quanto durará ainda a noite? 6 a
relações propriamente humanas entre os mem sentinela responde: Virá a manhã, mas ainda
bros de umo comunidade se torne elevada por é noite. Se quiserdes perguntar, voltai outra
meio de tais interpretações religiosos. Todavia, vez". O povo, ao qual era dado essa resposta,
isso também nõo combina com nosso tema. perguntou e esperou bem mais de dois milê
é o destino de nossa época, com sua nios, e sabemos de seu trágico destino. Disso
característica racionalização e intelectualização, desejamos extrair a advertência de que anelar
e principalmente com seu desencantamento do e esperar não basta, e nos comportaremos de
mundo, que exatamente os valores supremos outra maneira: realizaremos nosso trabalho e
e sublimes se tenhom tornado estranhos ao cumpriremos a "tarefa quotidiana" - em nossa
grande público, para refugiar-se no reino extra- qualidade de homens e em nossa atividade
mundano do vido místico ou na fraternidade das profissional. Isso é simples e fácil, quando cada
relações imediatas e diretas entre os indivíduos. um tiver encontrado e seguir o demônio que
Não é por acaso que nossa melhor arte seja ín segura os fios de suo vido.
tima e não monumental, e que hoje apenas, no M. UJeber,
seio dos mais restritas comunidades, na relação O trabalho intelectual como profissão.
d e homem para homem, no pianissimo, palpite
aquele indefinível que há um tempo penetrava e
fortificava como um sopro profético e uma chama
impetuosa as grandes comunidades. Provemos 8 fl ciência se fundamenta
forçar e “suscitar" um sentido monumental da
arte, e eis nascer um aborto lamentável como sobre uma escolha ética
o de numerosos monumentos comemorativos
dos últimos vinte anos. Algo de semelhante se
Pi ciência nõo pod e responder à única
reproduz na esfera interior, com efeitos ainda
mais deletérios, caso se procure cogitar novos pergunta importante para nós: "O que deve
mos fazer? Como devemos viver?" C, além do
formas religiosas sem uma novo e genuína
mais, a própria ciência é o resultado de uma
profecia. € a profecia formulada pela cátedra
escolha - da escolha que seus resultados
poderá talvez dar vida a seitas fanáticas, mas
sejam para nós "dignos de serem conheci
nunca a umo comunidade autêntica. A quem não
dos". M as "este pressuposto nõo p od e ser
esteja em grau de enfrentar virilmente esse des
por sua vez demonstrado com os meios da
tino de nossa época é preciso aconselhar que
ciência”. "
volte em silêncio, sem a costumeira conversão
publicitário, e sim fronca e simplesmente, para
os braços das antigas igrejas, larga e misericor
diosamente abertos. Cias não lhe tornam difícil Voltemos ao ponto de partida. Dados e s
a passagem. £m todo caso, é preciso realizar tes pressupostos intrínsecos, vejamos qual é o
- é inevitável - o "sacrifício do intelecto", de um significado do ciência como vocação, o partir do
ou de outro modo. Não o reprovaremos, caso momento em que naufragaram todas as ilusões
seja realmente capaz disso. Pois semelhante precedentes: "meio para o olcance do verda
sacrifício do intelecto em favor de uma incon- deiro ser", "da verdadeira arte", “da verdadeira
dicionoda entrega religioso é sempre algo de natureza", "do verdadeiro Deus", "da verdadeira
moralmente diferente daquele modo de evitar felicidade". A resposta mais simples foi dada
a simples probidade intelectual que se verifica porTolstoi com estos palavras: ”€ absurda, por
quando, nõo tendo o coragem de perceber que nõo responde à única pergunta importante
claramente a própria posição última, se alivia poro nós: o que devemos fazer? como devemos
esse dever por meio do refúgio no relativo. G viver?" O fato de que nõo responda a isso é
o considero também mais respeitável do que absolutamente incontestável. Trata-se apenas
aquela profecia que se proclama da cátedra de perguntar-se em que sentido não dê "ne
Primeira parte - filosofia do século X»I?X ao século XX
nhuma resposta", ©S0 0m lugar desta ©Ia não tos da medicina © o código penal impedem
puder por acaso dar qualqu0r auxílio a quem que o médico desista, fl ciência médica não
S0 colocar a questão em s0us termos exatos. se pergunta se 0 quando a vida valha a pena
Hoje se qu0r fr0qüentemente falar d0 ciência ser vivida. Todas as ciências naturais dão uma
"sem pressupostos". (Existirá alguma? Depende resposta a esta pergunta: o que devemos fazer
daquilo que se queira entender. Pressuposto de se quisermos dominar tecnicamente a vida? Mas
qualquer trabalho científico é sempre a validade se queremos e devemos dominá-la tecnica
das regras da lógica e do método: fundamentos mente, 0 s© isso, d0finitivam0nte, tiver de fato
gerais d0 nossa orientação no mundo. Ora, um significado, 0las o deixam totalmente em
tais pressupostos, ao menos quanto ò nossa suspenso ou então o pressupõem por seus fins.
qu0stão particular, não são minimam0nt0 pro Tomemos, se quiserdes, uma disciplina como
blemáticos. Pressupõe-se, além disso, que o a crítica da art©. O fato de qu© haja obras d©
resultado do trabalho científico seja importante art© constitui, para a estética, um pressuposto.
no sentido que seja "digno de ser conhecido" Cia procura ©stab©l©c©r ©m quais condições
(uiissensiuert). C aqui evident0mente têm sua isso s© vsrifiqu©. Mas não s© põ© a p©rgunta
raiz todos os nossos problemas. Uma vez que s© o domínio da art© não seria por acaso um
este pressuposto não pod0 ser por sua vez reino d© magnificência diabólica, um reino deste
demonstrado com os meios da ciência. Pode ser mundo, ©por isso intimamente oposto ao divino
apenas explicado em vista de seu significado 0, por seu caráter intrinsecamente aristocráti
último, qu© será preciso acolher ou rejeitar co, ao espírito de fraternidade. Cia, portanto,
conforme a posição pessoal última assumida não se pergunta se devam ©xistir obras d©
diante da vida. art©. Ou então, tomemos a jurisprudência:
Bem diverso, além disso, é o tipo de rela ©Ia estabelece aquilo que é válido segundo
ção do trabalho científico com est0s s0us pres as regras do pensamento jurídico, em part©
supostos, conforme sua estrutura. Rs ciências imperativamente lógico e em parte vinculado
naturais como a física, a astronomia, a química, por esquemas convencionais; em outras pa
pressupõem como evidente em si qu© as l©is lavras, estabelsc© se são reconhecidas como
últimas do acontecer cósmico - construtíveis, obrigatórias determinadas regras jurídicas e
até onde chega a ciência - sejam dignas d0 s0r determinados métodos para sua interpretação.
conh0cidas. Não só porqu© com estas noções Não decide se deva haver 0 direito e se devam
se podem atingir sucessos técnicos, mas - se ser formuladas exatamente aquelas regras;
devem ser "vocação" - "por. si mesmas". Cste ela pod© indicar apenas isto: caso se queira
pressuposto, por sua vez, não é absolutamente atingir um resultado, o meio para alcançá-lo
demonstrável; e muito menos se pode demons nos é dado por esta regra jurídica, conforme
trar se o mundo por elas descrito seja digno de as normas de nosso pensamento jurídico. Ou
existir: se tenha um “significado", e S0 haja um tomai ainda as ciências históricas (historischen
S0ntido nele existir. Com isso as ciências não Hulturuuissenschafterí). Cias nos ensinam a en
se preocupam. Ou então tomai uma t0cnologia tender os fenômenos da civilização (Hulturers-
prática tão desenvolvida ci0ntificom0nt0 como a cheinungerí) - políticos, artísticos, literários ou
medicina moderna. O “pressuposto'' geral desta sociais - nas condições de seu surgimento. Mas
atividad© 0 - em palavras pobres - qu© seja não respondem em si à pergunta a respeito do
considerada positiva, unicamente como tal, a valor positivo destes fenômenos, ©nem à outra
tarefa da conservação da vida e da redução da questão, se valha a pena conhecê-los. Cias
dor ao mínimo. £ isso é problemático. O médico pressupõem qu© haja interesse em participar,
procura com todos os meios conservar a vida do por meio de tal procedimento, da comunidade
moribundo, m0smo qu© ©ste implore ser liberto dos "homens civis” (Hulturmenschen). Mas que
da vida, mesmo qu© sua morto é e deva ser assim estejam as coisas, a ninguém elas estão
d0S0jada - mais ou menos conscientemente em grau de demonstrar “cientificamente”, e que
- por seus familiares, para os quais sua vida elas o pressuponham nõo demonstra de fato
não tem mais valor enquanto insuportáveis são que isso seja evidente. C, com efeito, de modo
os ônus para conservá-la, e eles lhe auguram nenhum o é.
a lib©rtação das dores (trata-s®, digamos, do M. UJeber,
caso d© um pobre louco). Mas os pressupos O trabalho intelectual
como profissão.
íS a p í+ u Io q u in to
CD pragmatismo
• Não nos é lícito pensar que uma hipótese bem verificada seja segura para
sempre: "uma hipótese é, para a mente científica, sempre in prova". Nossos co
Primeira parte - jA filo sofia d o s é c u lo /K.D/K. a o s é c u lo ^C,X
• Foi William James (1842-1910) que, no fim do século XIX, tornou conhecido
ao mundo o pragmatismo como nova filosofia. "O pragmatismo, afirma James,
é apenas um método". É antes de tudo um convite a afastar o olhar das "coisas
primeiras" (princípios, "categorias", pretensas necessidades) para dirigir a aten
ção sobre as "coisas últimas" (os fatos). Em segundo lugar é um
método para obter a clareza das idéias; método que nos ordena
O pragmatismo
como método considerar os efeitos práticos concebíveis implicados por esta ou
e a concepção aquela idéia, "quais sensações devemos esperar e quais reações
instrumental devemos preparar". E uma idéia é verdadeira, na opinião de
da verdade James, "até quando nos permite ir à frente e levar-nos de uma
-»§ 1-2 parte para outra de nossa experiência, ligando as coisas de modo
satisfatório, operando com segurança, simplificando, economi
zando a fadiga".
A abraçada por James é uma concepção instrumental da verdade: a verdade
- que é um processo e não uma posse - identifica-se com sua capacidade de ope
rar, com sua utilidade para melhorar ou para tornar menos dificultosa e menos
precária a vida dos indivíduos.
*L . ° p ™ 9 m ah s™ °
e a p e n a s um m éto d o
III. T) e s envolvimentos
do pragm atism o
como é mérito principalmente dos economistas a pesquisa das causas é apta freqüentemente
da escola matemática ter feito salientar, de a levar a conseqüências de fato diversas, con
uma relação de mútua dependência, análoga forme sentimentos ou preocupações políticas e
a que existiria, por exemplo, entre as posições morais do pesquisador.
de duas esferas pesadas sustentadas por uma Cste se deixa induzir, mais ou menos cons
superfície côncava, cada uma das quais pode cientemente, a limitar sua atenção e a qualificar
ser qualificada como causa da posição que a como causas apenas as que, entre as condições
outra ocupa, no sentido de que cada uma delas de um dado fato, para cuja modificação ele
obriga a outra a assumir uma posição diferente crê que seria necessário ou útil prover caso se
da que assumiria se estivesse sozinha. quisesse provocar ou impedir o fato em questão
Há, todavia, razões que podem, dentro ou outros de índole análoga, ou modificá-los no
de certos limites, justificar nossa tendência modo por ele desejado.
a aplicar mais a um do que a outro de dois Nem esta espécie de parcialidade deve
fatos mutuamente dependentes a qualificação ser considerada como ilegítima, ou confundida
de causas. Tais razões são precisamente as com a que consiste em permitir às nossas pai
mesmas pelas quais, quando nos encontramos xões e aos nossos interesses influir sobre a
diante de um complexo de condições que juntas avaliação das provas dos fatos e das teorias.
concorrem para a produção de um dado efeito, Cnquanto esta segunda espécie de parcialida
somos induzidos a escolher uma parte apenas de é radicalmente incompatível com o caráter
delas para aplicar-lhes, excluindo as restantes, científico de qualquer espécie de pesquisa, a
o nome de "causas". outra é perfeitamente legítima, nas ciências
Com efeito, nem todas as condições de históricas da mesma forma que nas ciências
cujo concurso depende, a verificação de um naturais. C, deste ponto de vista, ouvir falar, por
dado fato apresentam para nós o mesmo inte exemplo, de um volume de história socialista,
resse, e também aqui o exemplo das ciências em contraste com outro, por exemplo, de história
físicas é útil para esclarecer os motivos e os conservadora, não deveria parecer mais estra
critérios pelos quais determina-se tal diferença nho que ouvir falar de um manual de química
de interesse. para os tintureiros, completamente diferente de
fi distinção entre causa e efeito, e isso é um tratado de química para os farmacêuticos e
verdade ainda mais para as ciências sociais e para os agrônomos.
históricas do que para as ciências físicas, é uma fi verdade é uma só, mas as verdades
distinção essencialmente de origem prática, e são muitas, e muitos são os objetivos para
que se relaciona, em um grau mais ou menos cujo alcance nossos conhecimentos podem
direto, à representação que fazemos do mundo eventualmente ser aplicados. C preocupar-se
e da ordem em que deveremos ou quereremos com um mais do que do outro de tais objetivos
proceder para modificar o andamento dos fatos é, também nas ciências históricas como em
de que se trata, e adaptá-los a nossos fins e qualquer ramo de pesquisa, de fato compatível
a nossos desejos. com a mais serena imparcialidade na avaliação
é por isso que, como observa Hobbes, das provas e dos testemunhos.
"quaeruntur causae non eorum quae sunt, sed G. Vailati,
eorum quae e sse possunt". C esta é também a Sobre o aplicabilidade dos conceitos
razão pela qual nas ciências históricas e sociais de c q u s o e efeito.
d a p í f u l o sex+o
O m s + m m e ^ + a lis m o
de 3 o h n Dewey
que se tem para aquilo que é “ nobre, honro relevo é o seu caráter precário e arriscado” .
so e verdadeiro” também para o que, na vida Diz Dewey: “ O homem vive em mundo
humana, existe de “ desfavorável, precário, aleatório; para dizê-lo cruamente, sua exis
incerto, irracional e odioso” . Afirma ele: tência implica o acaso. O mundo é o palco
“ Considerando o papel que a antecipação do risco: é incerto, instável, terrivelmente
e a memória da morte desempenharam na instável” . Claro, seria fácil e confortante
vida humana, da religião às companhias de insistir na boa sorte e nas alegrias inespe
seguro, o que se pode dizer de uma teoria radas. A comédia é tão genuína quanto a
que define a experiência de tal modo a ponto tragédia. M as, observa Dewey, é sabido que
de fazer seguir-se logicamente que a morte “ a comédia atinge uma nota mais superficial
nunca seja matéria de experiência?” que a tragédia” . E o homem teme porque
Há mais, já que a não identificação vive em um mundo temível, em um mundo
entre experiência e conhecimento permite que dá medo. O próprio mundo é precário
a Dewey realizar a tentativa de solução do e perigoso: “ N ão foi o temor em relação aos
problema gnosiológico: com efeito, “ há duas deuses que criou os deuses” .
dimensões das coisas experimentadas; uma O homem vive neste mundo: a natureza
é a de tê-las, outra é a de conhecê-las para não existe sem homem, nem o homem existe
tê-las de modo mais significativo e seguro” . sem a natureza. O homem está imerso na
N a realidade, não é fácil conhecer as coisas natureza. E, no entanto, ele é uma natureza
que temos ou somos, sejam elas o sonho, o capaz de, e destinada a, mudar a própria
saram po, a virtude, uma pena, o vermelho. natureza e dar-lhe significado.
O problema do conhecimento é “ o proble E precisamente para se garantir contra
ma de como encontrar o que é necessário a instabilidade e a precariedade da existência
encontrar em torno dessas coisas para ga o homem, primeiro, recorreu a forças mági
rantir, retificar ou evitar o fato de tê-las ou cas e construiu mitos que, depois de terem
o de sê-las” . Desse modo, escreve Dewey, caído, logo procurou substituir por outras
enquanto o ceticismo pode verificar-se (a fim idéias tranqüilizadoras, como a imutabilida
de nos tornar curiosos e indagadores) em de do ser, o processo universal, a racionali
qualquer momento em relação a qualquer dade inerente ao universo, o universo regido
crença ou conclusão intelectual, no entanto por leis necessárias e universais.
ele é impossível acerca das coisas que nós “ De Heráclito a Bergson, há muitas
temos e somos. “ Um homem pode duvidar filosofias ou metafísicas do universo. Somos
se está com sarampo, porque o sarampo é gratos a essas filosofias, que mantiveram
termo intelectual, classificação, mas não vivo aquilo que as filosofias clássicas e
pode duvidar do que tem empiricamente ortodoxas deixaram de lado. M as as filo
— não, como se diz, porque está imediata sofias do fluxo normal também indicam
mente certo dele, mas porque não é matéria a intensidade com que se deseja o que é
de conhecimento, não é de modo algum seguro e estável. Elas deificaram a mudan
questão intelectual, não é caso de verdade ça, tornando-a universal, regular e segura
ou falsidade, de certeza ou de dúvida, mas [...]. Considerai o modo completamente
somente de existência” . íflfTl laudatório com o qual Hegel, Bergson e
os filósofos evolucionistas do devir consi
deraram a mudança. Para Hegel, o devir é
processo racional que define uma lógica,
jJL, "Precariedade mesmo nova e estranha, e um absoluto,
e risco da existência também este novo e estranho, Deus. Para
Spencer, a evolução é somente um processo
transitório para obter o equilíbrio estável e
A experiência é história, história vol universal de ajustamento harmonioso. Para
tada para o futuro, prenhe de futuro. E a Bergson, a mudança é a operação criadora
filosofia, diferentemente da antropologia de Deus ou é o próprio D eus” .
cultural, “ tem a função do desm em bra Para Dewey, essas filosofias são fi
mento analítico e da reconstrução sintética losofias do medo, hiper-simplificadoras e
da experiência” . Os fenômenos da cultura, des-responsabilizadoras. Elas transformam
apresentados pelo antropólogo, constituem um elemento da realidade na realidade em
o material para o trabalho do filósofo. seu todo, confinando assim na aparência
Pois bem, “ uma característica da exis (no secundário, epifenomênico, errôneo,
tência que os fenômenos culturais põem em ilusório etc.) tudo o que não se revela
P v Íffl6 ÍT C l P ü T t& - y\ filosofia d o s é c u lo a o sé c u lo /K,X
como meio sistematizado de criar o conheci vendo-se ter em vista que essa garantia não
mento e de garantir que seja conhecimento; é absoluta nem eterna, já que os resultados
entretanto, “ como expediente prático, ele é da pesquisa científica, bem como de toda
tão antigo quanto a própria vida” . E é pre operação humana, são continuamente corri
cisamente por essa razão que Dewey insiste gíveis e aperfeiçoáveis em relação às novas e
na continuidade entre conhecimento comum cambiantes situações em que o homem virá
e conhecimento científico. a se encontrar em sua história, tflggl 2
N o escrito A unidade da ciência como
problema social (1938), ele diz que “ a ciên
cia, em sentido especializado, é a elaboração yA teoria dos valores
de operações cotidianas, ainda que essa
elaboração assuma freqüentemente caráter
muito técnico” . E, ainda na Lógica, Dewey
reafirma o fato de que “ a ciência tem seu Se as idéias comprovam seu valor na
ponto de partida necessário nos objetos qua luta com os problemas reais, e se cada in
litativos, nos processos e nos instrumentos divíduo tem o direito-dever de dar sua con
do senso comum, que é o mundo do uso, tribuição à elaboração de idéias capazes de
da fruição e dos sofrimentos concretos” . guiar positivamente a ação humana, então
Depois, porém, “ pouco a pouco, através está claro que as idéias morais, os dogmas
de processos mais ou menos tortuosos e ini políticos ou os preconceitos do costume
cialmente desprovidos de uma linha diretriz, também não se revestem de autoridade es
formam-se e são transmitidos determinados pecial: também eles devem ser submetidos
procedim entos e instrum entos técnicos. à verificação de suas conseqüências na prá
Vão sendo reunidas informações sobre as tica e devem ser responsavelmente aceitos,
coisas, sobre suas propriedades e seus com rejeitados ou mudados com base na análise
portamentos, independentemente de cada de seus efeitos.
aplicação imediata particular. Vamo-nos Dewey é relativista, não considera
afastando sempre mais das situações origi possível fundamentar valores absolutos. Os
nárias de uso e fruição imediatos [...]” . valores são históricos e a tarefa do filósofo
N ão se ganha muito mantendo o pró é a de examinar as “ condições generativas”
prio pensamento ligado ao tronco do uso (isto é, as instituições e os costumes ligados
com uma corrente muito curta, sentencia a estes valores) e de avaliar sua funcionali
Dewey. O importante é que, como quer que dade na perspectiva de uma renovação, em
seja, o pensamento, isto é, as idéias, estejam relação às necessidades que pouco a pouco
ligadas à prática, porque as idéias — tanto irrompem da vida associada dos homens.
lógicas como científicas — estão sempre Com efeito, existem valores de fato, isto é,
em função de problemas reais, ainda que bens imediatamente desejados, e valores de
abstratos, e porque é sempre a prática que direito, isto é, bens razoavelmente desejá
decide do valor de uma idéia. veis. E precisamente função da filosofia e da
E as idéias são exatamente instrumen ética promover a contínua revisão crítica,
tos em nossa investigação: são instrumentos voltada para a conservação e o enriqueci
para resolver os problemas e para enfrentar mento dos valores de direito. E está claro
um mundo ameaçador e uma existência pre que, na perspectiva de Dewey, sequer estes
cária. E, por serem instrumentos, há muito últimos podem ter a pretensão de dignidade
pouco sentido em pregar a veracidade ou a meta-histórica, já que todo sistema ético
falsidade deles. As idéias são instrumentos é relativo ao meio em que se formou e se
que podem ser eficazes, relevantes ou não, tornou funcional.
danosos ou econômicos, mas não verdadei A ética de Dewey é histórica e social:
ros ou falsos. E o juízo final que se dá em como na teoria da pesquisa, nela também
todo processo de pesquisa nada mais é do desponta aquele sentido de interdependência
que uma “ afirmação garantida” . e de unidade inter-relativa dos fenômenos,
Eis, portanto, o significado genuíno que se explicitará no conceito de interação
do instrumentalismo de Dewey: a verdade entre indivíduo e meio físico e social. Assim,
não é mais adequação do pensamento ao os valores também são fatos tipicamente
ser, mas se identifica muito mais com “ o humanos: são planos de ação, tentativas de
poder comprovado de guia” de uma idéia resolver problemas que brotam da vida as
e, em última análise, com “ o corpo sempre sociada dos homens. E constitui objetivo da
crescente das afirmações garantidas” , de filosofia educar os homens “ a refletir sobre
Capitulo S e X tO - (D instm m en+alis»no de 3 ° ^ D ew ey
os valores humanos mais elevados, da mes que não queira ser vã fantasia, ainda que
ma forma como eles aprenderam a refletir nobre e sugestiva. E as coisas que parecem
sobre aquelas questões que se inserem no fins são, com efeito, unicamente previsões
âmbito da técnica” . ou antecipações do que pode ser levado à
Há, sem dúvida, o problema da deter existência em determinadas condições. Por
minação dos fins. Escreveu Dewey: “ A ciên isso, em Teoria da avaliação (1939), Dewey
cia é indiferente ao fato de suas descobertas escreve que não existe problema de avalia
serem utilizadas para curar as doenças ou ção fora da relação entre meios e fins, o que
difundi-las, para acrescer os meios para a vale não somente na ética, mas também na
promoção da vida ou para fabricar material arte, onde a criação dos valores estéticos (a
bélico a fim de aniquilá-la” . arte é natureza transformada e não existe
Por vezes, Dewey parece indicar como distinção entre belas-artes e artes úteis) requer
fim último da vida dos homens um reino de a utilização de meios adequados. illB É T I
Deus visto como justiça, amor e verdade.
Entretanto, é preciso insistir em um ponto
de capital importância no pensamento de
Dewey: trata-se da não possibilidade de 6 A teoria da democracia
distinguir entre meios e fins.
Para Dewey todo fim é também meio e
todo meio para atingir um fim é desfrutado Dewey é um relativista pelo fato de
ou percebido também como fim. A atividade que, em sua opinião, não existem métodos
que produz meios e a atividade que inventa racionais para a determinação dos fins últi
e consuma os fins estão intimamente liga mos. Por isso Dewey é decididamente con
das uma à outra. O fim alcançado é meio trário aos filósofos utópicos que, projetando
para outros fins. E a avaliação dos meios é suas visões ideais, não se preocuparam em
fundamental para todo fim real e genuíno, dedicar uma investigação acurada aos meios
Primeira parte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ X a o s é c u lo X X
necessários para sua realização, e sequer em social que se estende a todo campo e a todo
avaliar atentamente sua desejabilidade mo caminho da vida, pelo qual as forças indi
ral efetiva. A utopia gera normalmente o ce viduais não deveriam ser simplesmente li
ticismo ou o fanatismo. O que é necessário, bertadas de constrições mecânicas externas,
segundo Dewey, é propor metas concretas mas deveriam ser alimentadas, sustentadas
e descer dos fins remotos para os mais pró e dirigidas” .
ximos, realizáveis em condições históricas Com base nisso tudo, pode-se compre
efetivas. Portanto, Dewey projeta o operar ender a aversão de Dewey pela sociedade
contínuo tendo em vista maior consciência planejada. O que ele almeja e defende é a
e maior liberdade, no sentido de que a liber sociedade que se planeja constantemente
dade conquistada hoje cria situações graças a partir de seu interior, atenta, portanto,
às quais haverá mais liberdade amanhã, e no ao controle social mais amplo e articulado
sentido de que minha liberdade faz crescer dos resultados. A diferença existente entre
a dos outros. a sociedade planejada (a planned society), e
Conseqüentemente, Dewey é avesso à a sociedade que se planeja constantemente
sociedade totalitária e convicto defensor da (a continuously planning society) é definida
sociedade democrática. Para ele, a pressu por Dewey nos termos seguintes: “ A primei
posição de um fim absoluto trunca a discus ra requer desígnios finais impostos de cima
são, ao passo que a democracia representa e que, portanto, se baseiam na força, física
discussão inteiramente livre, é método que e psicológica, para fazer com que nos con
permite discutir toda finalidade, é debate formemos a eles. A segunda significa libertar
sem fim, é colaboração, é participação em a inteligência mediante a forma mais vasta
finalidades conjuntas. A democracia é aquele de intercâmbio cooperativo” .
modo de vida em que “ todas as pessoas m a Ligada à teoria da investigação, à teo
duras participam da formação dos valores ria dos valores e à teoria da democracia de
que regem a vida dos homens associados” , Dewey encontra-se sua teoria da educação,
modo de vida que “ é necessário tanto do entendida como reconstrução e reorgani
ponto de vista do bem social como da ótica zação contínua da experiência, visando a
do desenvolvimento pleno dos seres huma aumentar a consciência dos vínculos entre
nos como indivíduos” . Em Liberalismo e as atividades presentes, passadas e futuras,
ação social (1935), Dewey afirma que “ o nossas e alheias, e aumentar a capacidade
problema da democracia [...] torna-se o dos indivíduos para dirigir o curso da ex
problema daquela forma de organização periência futura. E M
C a p í t u l o S e x t O - O ins+m m en+alism o d e 3 ° ^ D ew ey
MÉTODO CIENTÍFICO
A v e r d a d e é o “ c o m p r o v a d o p o d e r d e g u ia ” d e u m a id éia :
sua ga ra n tia n ã o é a b s o lu ta n e m etern a , p o r q u e o s re su lta d o s d a p e sq u isa h u m a n a
sem p re sã o co r rig ív e is e a p e rfe iço á v e is e m re la çã o às n o v a s situ a çõ e s e m q u e o h o m e m
v e m a en con tra r-se em sua h istória
V a l o r e s d e fato :
Não e x is t e m f in s ú l t i m o s :
o s ben s q u e sã o im e d ia ta m e n te d e se ja d o s
TODO FIM ALCANÇADO
É UM MEIO PARA OUTROS FINS
Va l o r e s d e d i r e i t o :
o s ben s q u e sã o ra z o a v e lm e n te desejáveis
em d e te rm in a d a s itu a çã o
T
É p r e c is o c o n stitu ir u m a d e m o c r a c i a c o m o s o c ie d a d e q u e se p la n ific a co n sta n te m en te,
em q u e a in telig ên cia se liberte em u m in te rcâ m b io c o o p e r a t iv o q u e tra ba lh e s o b r e m etas co n cre ta s,
rea lizá veis nas c o n d iç õ e s h is tórica s efetiv a s, e e m q u e se atue
O Kveo-idealismo italiano,
C ^ o c e e (^ À e n + ile ,
e o idealismo anglo-americano
I. O idealismo n a J7+àlia
an+es de (Sroce e (MeK\+ile
qual pareceu-lhe que nada de bom houvesse da Itália, que tem como fundo a convicção
acontecido na Itália depois da Renascença, de que a poesia seria o espírito universal
mudou de opinião e convenceu-se de que, que se realiza no particular, adquirindo
ainda que de modo imperfeito e parcial, desse modo consciência de si. Sua História
Vico podia ser considerado como o precur da literatura italiana (1870-1872) e seus
sor da “ filosofia da mente” , Galluppi foi ensaios sobre literatura italiana constituem
um pensador do qual se pode reconhecer obras-primas, que se impõem e merecem
o mérito de haver tratado de modo novo ser lidas ainda hoje, inclusive por causa da
“ o problema do conhecer” , Rosmini che elevada consciência social, moral e política
gou a debater a questão do conhecer em de De Sanctis.
sentido kantiano, e Gioberti em sentido Remetem-se a Spaventa Donato Jaia
hegeliano. (1839-1914) e Sebastião M aturi (1843
Portanto, já desencadeara na Itália 1917). Jaia tornou-se célebre por ter sido
uma “ circulação” do pensamento europeu professor de Gentile em Pisa.
e, agora, era preciso levá-la adequadamen Assim, o atualismo de Gentile derivou
te a seu termo. A contribuição teórica de do hegelianismo de Spaventa. Benedetto
Spaventa consiste em ter empreendido o Croce, ao contrário, fez outro trajeto. Ao
repensamento de Hegel, com o objetivo invés de aproximá-lo de Hegel, a leitura
de realizar a simplificação e a rigorização de Spaventa (ao qual, entre outras coisas,
do mesmo. Visto que distinguia idéia-na- como veremos, era ligado por laço de pa
tureza-espírito, Hegel mostrava que ainda rentesco) afastou-o dele, pelo menos em
não havia conquistado completamente a um primeiro momento. A primeira nutri
perfeita identidade e m ediação entre Eu ção espiritual de Croce veio de De Sanctis
e Não-eu, e que ainda não havia “ menta- (que ele considerava seu mestre). Croce
lizado” perfeitamente o real, ou seja, que chegou ao Hegel filósofo só mais tarde,
ainda não o havia perfeitamente reduzido meditando sobre M arx e o marxismo, pela
à consciência. N o inédito de 1858, que necessidade de remontar às fontes, como
citamos acima, Spaventa assim resume sua logo veremos.
concepção do Absoluto como autocriação
ex nibilo: “ Pode-se dizer verdadeiramente
que a criação seja ex nihilo; ela é tal enquan
to o último, o ato do pensar, o espírito, o
criador é o verdadeiro primeiro, ao passo
que o primeiro é o último. E o primeiro na
produção é o ser = nada [alusão aos dois
momentos da primeira tríade dialética da
Lógica de Hegel]. E a criação é livre, porque
é o pressuposto de que o pensar, o espírito,
faz-se a si próprio; é amor, amor a si mesmo,
bem etc.” N o espírito, “ a criação é sua pró
pria criação” . Esse “ ato de pensar” que, ao
se autocriar, cria também o ser, constituiria
o ponto de partida para o desenvolvimento
da filosofia de Gentile.
O u tr o s e x p o e n te s italianos
d o kegelianism o
• Segundo Croce, todos os homens têm uma espécie de compreensão das ver
dades de fundo, porque é sempre o mesmo espírito que pensa e age no homem
comum e no filósofo. Isso, portanto, também vale para a arte, e a definição de Croce
de "arte" mostra justamente aspectos que no fundo todos os homens pressupõem
quando falam de arte. As teses fundamentais da estética de Croce são:
a) a arte é conhecimento intuitivo, e como tal é autônoma, _
porque a intuição é uma categoria irredutível a outras; concepção
b) toda intuição estética é sempre, ao mesmo tempo, também manifestação
"expressão"; a atividade intuitiva tanto intui quanto exprime, e do espirito
pertence a todos os homens; ->§4
Primeira parte - A f ilo s o f i a d o s é c u lo a o s é c u lo
• Dado que para Croce o juízo filosófico coincide com o juízo histórico, então,
seja qual for a época à qual nos referimos no conhecer histórico, ela se torna sem
pre atual: toda história é sempre "história contemporânea", porque revive e se
atua no presente do espírito. A história, portanto, é o verdadeiro
o "historicismo conhecimento do real, do universal concreto, e o conhecimento
absoluto" histórico é todo o conhecimento.
7 Este é o "historicismo absoluto", segundo o qual a história
e o juízo histórico são necessários, no sentido da racionalidade
imanente. O tribunal da história não condena nem absolve, não zomba nem elogia,
mas conhece e compreende; e o conhecimento histórico é catártico, é estimulador
de ação e, ao mesmo tempo, estimulado pela ação: é uma relação de "pensamento"
e "ação" que se explica de modo circular como o espírito.
certa informação sobre a coisa da qual se filosóficas nas tragédias, sentenças postas na
pergunta, designada na pergunta e, portan boca das personagens nos romances etc.) é
to, qualificada e conhecida” . assumido no elemento intuitivo geral, como
Essa afirm ação provocatória não é sua parte integrante, vindo assim a ser parte
simples brincadeira, visto que Croce está dele. Essa intuição não deve ser confundida
profundamente convencido de que o homem com a percepção, que é a apreensão de fatos
tem uma espécie de compreensão (ou pré- ou acontecimentos reais, ao passo que, na
compreensão) das verdades de fundo, e que arte, a realidade ou irrealidade das coisas
a filosofia, quando é autêntica filosofia, na não tem relevância (na arte, tudo é real e
realidade nada mais faz do que levar à cla tudo é irreal). E importante observar ainda
reza crítica aquelas vagas compreensões. que aquilo que intuímos na arte tem sempre
Com efeito, é o mesmo espírito que “ caráter ou fisionomia individual” .
pensa e age no homem comum e no filósofo.
E o filósofo nada mais faz do que propor
as perguntas e dar as respostas “ com maior fcSM a v te
co m o e ^ p ^ e s s ã o d a intuição
intensidade” .
Eis então a resposta croceana, que se
A segunda proposição fundamental
apresenta precisamente como a resposta
da estética de Croce é que toda intuição
que deveria dizer “ com maior intensidade”
estética é sempre, ao mesmo tempo, também
o que, no fundo, todos entendem quando
“ expressão” .
falam de arte.
Tanto se intui quanto, ao mesmo tem
po, se expressa: a expressão surge espon
E S 3 jA a ft e taneamente a partir da intuição (e não se
co m o co n k ecim en to m+uifivo acrescenta extrinsecamente), porque uma e
outra são a mesma coisa.
A proposição fundamental da estética Quem diz, por exemplo, “ tenho den
croceana é a seguinte: a arte é “ conhecimen tro de mim intuições de certas coisas, mas
to intuitivo” . Croce destaca o fato de que, não sei expressá-las” , está, na realidade,
no mais das vezes, pensava-se que a intuição dizendo uma tolice; na verdade, não sabe se
fosse alguma coisa cega e que o intelecto expressar porque não tem aquela intuição
deveria lhe prestar socorro. M as este é um que pensa ter.
erro grave, já que o conhecimento intuitivo Portanto, tanto se intui como se ex
é perfeitamente autônomo. pressa.
Só se compreende bem essa posição Todavia, esse paradoxo, que encerra
tendo-se presente a dialética croceana dos efetivam ente uma verdade profunda, é
distintos, na qual a intuição é uma categoria perfeitamente inteligível em seu significado,
irredutível a outras. mas apenas quando ligado ao paradoxo,
N a arte, que é, portanto, intuição, em certo sentido oposto, que o esclarece e
qualquer outro elemento presente (máximas integra. Com efeito, Croce considera que a
intuição artística não é uma prerrogativa
exclusiva dos grandes artistas, dos gênios, e
sim que pertence a todos os homens: a dife
rença entre um homem comum e um gênio
é apenas de quantidade e não de qualidade;
Í
i C o n h e c im e n to in tu itiv o . É o co- I
nhecimento do individual e é objeto ! caso contrário, o gênio não seria homem e
| da estética de Croce. O conhecimento 5 os homens não o entenderiam.
f intuitivo é perfeitamente autônomo, Por isso, cada um de nós é um pequeno
| não redutível às outras três categorias ; poeta, pequeno músico, pequeno pintor etc.,
\ do espírito (lógica, econômica, ética), j que não sabe criar, mas que certamente sabe
ü: e é constitutivo da arte. ; recriar e desfrutar, na mesma dimensão do
I
* A arte, portanto, é intuição em que ; gênio, da dimensão da criação do gênio.
todo outro elemento presente é subs- !
sumido no elem ento in tu itiv o geral i
I O ;A intuição está tica
| como parte integrante. A atividade !
co m o sentim ento
i intuitiva, além disso, é essencialmente I
| e necessariamente expressão.
N o Breviário de estética, Croce precisa
que (além dos dois pontos destacados na
P r i m e i r a p d v t c - filosofia d o s é c u lo /Kj ^X a o s é c u lo X X
BEXEDETTO OROCK
LA CRITICA
ESTETICA R IV ÍST A
D( LtrrtUTVKA STOKU t FILOSOFIA
CUXK SCIBNJÍA DELL* KS1*KKSSI0NF,
E LINüHSTICA GENKKALK
DOUETTAM B. CROCE
1. TcnitJA, II. Stü*U,
Amo 1, Inc. 1.
Ip A M
Frontispícios da primeira edição da obra Estética como ciência da expressão e lingüística geral
(Sandron, 1902) e do primeiro fascículo da revista "A crítica" (20 de janeiro de 1903).
C ãpítulo sétifflO - O n e o -id e a lis m o ifalrano e o id ea lism o ü h g lo -a m e ^ ic a n o
fazer uma classificação que, enquanto tal, é expusemos acima, onde explicamos a refor
estranha à arte. Trata-se, portanto, de uma ma do hegelianismo e as novidades trazidas
intromissão indébita da categoria lógica na por Croce. M as ainda restam alguns pontos
categoria estética. E, se nos obstinarmos a muito importantes a completar e algumas
considerar os gêneros literários como es doutrinas a integrar.
teticamente relevantes, caímos no erro do A lógica é “ ciência do conceito puro” .
intelectualismo. E o conceito puro, como vimos, é o univer
b) N ão existe beleza física (beleza da sal concreto no sentido já definido. Croce
natureza, das coisas etc.), porque o belo o chama também de transcendental. Do
pertence apenas à atividade do espírito já ponto de vista lógico, “ o conceito não dá
descrita. As coisas naturais que chamamos lugar a distinções, porque não existem
“ belas” são como o material, que somente muitas formas no conceito, mas uma só
no crisol da criação artística pode receber a form a” , enquanto uma só é a forma teórica
verdadeira marca da beleza. universal do espírito (vide o esquema já tra
c) N ão se deve confundir a expressão çado). Portanto, o conceito é único quanto
da arte com a sua extrinsecação. Diz Croce: à forma, e “ a multiplicidade dos conceitos
“ N ós, como artistas, não podemos deixar só pode ser referida à variedade dos obje
de querer nossa visão estética: naturalmente, tos que são pensados naquela form a” . Por
podemos querer ou não exteriorizá-la, ou exemplo, posso pensar conceitualmente (ou
melhor, conservar e transmitir ou não aos
outros a exteriorização produzida” . Assim,
as “ técnicas artísticas” pertencem a essa
extrinsecação e não à expressão artística
enquanto tal, que é o todo unido à intui
ção. Desse modo, as técnicas artísticas não
■ Universal concreto. O universal
pertencem à atividade estética enquanto
concreto é o objeto da lógica de Cro-
tal, mas à atividade prática (extrinsecação, ce, é o conceito puro, cujos elementos j
fixação, comunicação). ; são:
d) Para Croce, o poeta como personali ; a) a racionalidade, e não a intuição,
dade (ou melhor, como pessoa) desaparece: o sentimento ou em todo caso algo j
“ o poeta nada mais é do que sua poesia” ; de imediato; |
Dante e Shakespeare são “ sua obra poética” . b) a universalidade, que é engastada §
Isso só pode ser compreendido com base no no particular e não é simples genera- \
conceito idealista segundo o qual é o espírito lidade como a das noções das ciências i
que age através do homem. empíricas; \
c) a concretude, enquanto ele capta ;
e) Por fim, Croce sustentou a identida
a realidade em sua própria linfa vital i
de entre lingüística e estética. Com efeito, a e em toda a sua riqueza. 1
linguagem é essencialmente expressão, pre O universal concreto é síntese de ‘
cisamente como a arte. Em outros termos, a opostos e, do ponto de vista formal,
linguagem é criação estética. A forma lógica é único, enquanto a multiplicidade
da linguagem e as distinções gramaticais são dos conceitos se refere simplesmen- ■
necessariamente introduzidas pelo intelecto, te à variedade dos objetos que são ;
que intervém naquele organismo vivo que pensados segundo a forma única; '
é a língua com as suas análises e suas siste- além disso, ele tem o caráter da ex-
matizações. E g S l Xl ; pressividade, é obra expressa e falada ,
do espírito. ;
i O conceito puro não deve ser confun- ;
dido com as representações empíricas ■
-7^ lógica cro ce a n a (por exemplo, "cão") nem com os
conceitos abstratos empregados nas >
; ciências ("triângulo" etc.), que são ;
| pseudoconceitos, porque não corres- í
B I A l ó g rc a co m o c iê n c ia pondem a nada de verdadeiramente *
d o s concet+os pu^os ; universal e real, e todavia não devem
ser eliminados, porque servem para ;
O objeto da lógica croceana é constituí ordenar nossas experiências e agilizar ’
do pela segunda categoria do espírito e, mais a memória.
em geral, pelo estudo da estrutura geral do
espírito. Em ampla medida, portanto, já a
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o ital ia ^ o e o id ea lism o a n 0 lo-am eklican o
seja, na forma do conceito) o bem, o útil, o que extraio de um grupo de gatos como
verdadeiro etc. Isso é possível, diz Croce, em símbolo que representa todos os gatos. O
virtude do fato de que, estruturalmente, o mesmo se dá quando digo “ rosa” . Trata-se
espírito é unidade-e-distinção, e o conceito de um esquema cômodo, mas, obviamente,
se move exatamente segundo esse esquema, inadequado. Analogamente, quando digo
de modo que o conceito abrange toda a área “ triângulo” ou “ movimento livre” , penso
da filosofia do espírito, pensando todas as em algo, mas o que penso e assim como o
distinções que lhe são próprias. penso não tem realidade correspondente,
Além disso, o conceito tem o caráter porque “ um triângulo geométrico jamais
de expressividade, o que significa que ele existe na realid ad e” , assim como “ não
é “ obra cognoscitiva” e, como tal (assim existe na realidade um movimento livre,
como a arte), é obra expressa e falada e pois todo movimento real realiza-se em
não ato mudo do espírito, como o são as condições determinadas e necessariamente
atividades práticas da economia e da ética. entre obstáculos” .
Também no caso do conceito (analogamen Entretanto, esses pseudoconceitos, que
te ao que dissera sobre a intuição estática), Croce divide em empíricos (“ gato” , “ rosa”
Croce assevera que, sendo o pensar tam etc.) e puros (“ triângulo” , “ movimento”
bém um falar, “ quem não expressa ou não etc.), não devem ser eliminados.
sabe expressar um conceito, não o possui” . O valor deles não é de caráter lógico,
A clareza da expressão é o espelho e sim de mera utilidade e, portanto, de ca
exato da clareza do pensamento. ráter econômico (ou seja, eles se inserem na
terceira categoria do espírito). Eles servem
para ordenar nossas experiências e facilitar
E Z f l Os p s e u d o c o n c e i t o s a memória. Para Croce, portanto, todas as
e s e u v a l o r d e c a r á t e r u tilita ris ta ciências empíricas e matemáticas são destituí
(e c o n ô m ic o ) das de valor teórico e pertencem à atividade
prática do espírito, à econômica.
O conceito puro não deve ser con Com essa teoria (que lembra, em parte,
fundido com as representações empíricas, idéias defendidas por Mach), Croce afasta-se
por exemplo, de “ cã o ” ou de “ ro sa ” , e da tese dos românticos alemães, para quem
tampouco com todos os conceitos abstratos os que ele chama de “ pseudoconceitos” eram
de que fazem uso as ciências, inclusive as obra do intelecto, ao passo que os conceitos
matemáticas. puros eram obra da razão. Os idealistas
Estes são “ pseudoconceitos” , porque alemães não haviam compreendido que, na
não correspondem a nada de verdadei realidade, os conceitos empíricos e abstratos
ramente universal e real. Q uando digo não são obra do intelecto, mas de uma facul
“ gato” , erijo um grupo de características dade não teórica. Por conseguinte, deve-se
REON0 DMTAUA
dar ao intelecto toda a sua dignidade e deve condicionam reciprocamente, mas até se
ser considerado como sinônimo de razão. identificam. A síntese a priori, que é a con-
cretude do juízo individual e da definição, é
E O (C oin cid ên cia d e co n ceito,
ao mesmo tempo a concretude da filosofia e
ju ízo e. silogism o
da história. E o pensamento, criando-se a si
mesmo, qualifica a intuição e cria a histó
Croce retoma de Hegel a idéia de que ria. Nem a história precede a filosofia, nem
o juízo não deve ser entendido como o era a filosofia precede a história: uma e outra
tradicionalmente, porque, na realidade, é nascem do mesmo parto” .
“ o próprio conceito em sua efetividade”
(enquanto é o universal concreto).
Aliás, visto que, como vimos, pensar ;A atividade prática,
um conceito quer dizer “ pensá-lo em suas e c o n ô m i c a e ética
distinções, pô-lo em relação com os outros
conceitos e unificá-lo com eles no conceito
único” (na única forma conceituai), temos
então uma silogização. Portanto, conceito, Antes de passar à doutrina croceana
juízo e silogismo coincidem. da história, devemos falar brevemente da
Esta é uma doutrina que deriva da con filosofia prática, que, porém, constitui talvez
cepção do conceito como atividade dinâmica a parte mais fraca do pensamento de nosso
em sentido idealista e que retoma a teoria filósofo.
da “ proposição especulativa” que já vimos A forma da atividade prática do espí
em Hegel. E evidente que ela só tem sentido rito é a atividade que se diferencia da mera
contemplação teórica, não sendo produtora
no contexto do espírito como processo, e
só deve ser interpretada e julgada segundo de conhecimentos, e sim de ações. A ativi
dade prática coincide com a vontade: agir é
essa ótica.
querer; não há volição sem ação, nem ação
sem volição.
M i B dTdenti fic a ç ã o Ora, quando se quer, se quer um fim.
en tre ju íz o defini+ório e ju íz o individual, Se o fim é individual, temos a atividade eco
e suas c o n s e q ü ê n c ia s nômica; se o fim, ao contrário, é universal,
temos a atividade ética. Eis a definição de
M as a tese talvez mais típica da lógica Croce: “ Atividade econômica é aquela que
croceana é a identificação do “ juízo defini- quer e concretiza aquilo que corresponde
tório” (exemplo: “a arte é intuição lírica” ) e somente às condições de fato em que o indi
do “ juízo individual” (exemplo: “o Orlando víduo se encontra. Atividade ética é aquela
furioso é uma obra de arte” ). que quer e concretiza aquilo que, embora
E isso também pode ser bem compreen correspondendo àquelas condições, refere-se
dido no contexto croceano: com efeito, é ao mesmo tempo a algo que as transcende.
precisamente o juízo individual que concre- À primeira, correspondem aqueles que cha
tamente nos faz conhecer e possuir o mundo. mamos fins individuais; à segunda, os fins
À medida que um juízo de fato atribui um universais — em uma, fundamenta-se o juízo
predicado a um objeto, dá-lhe valor, decla sobre a maior ou menor coerência da ação,
rando-o partícipe da universalidade. tomada em si mesma; na outra, fundamenta-
Pode-se também dizer que o juízo de- se o juízo sobre a maior ou menor coerência
fmitório, na realidade, nada mais é do que da ação em relação ao fim universal, que
o predicado do juízo individual. (Quando transcende o indivíduo” .
digo que o Orlando é uma obra de arte, N a esfera da economia, como já vi
digo que ele, precisamente, é aquilo que se mos, inserem-se todos os pseudoconceitos
definiu como obra de arte, dando um juízo e todas as ciências particulares. M as Croce
definitório, ou seja, que é intuição lírica.) atribui a essa esfera também o direito e as
Assim, o ato lógico de julgar é síntese leis, a atividade política e a própria vida do
lógica a priori, pelos motivos explicados. Estado. O Estado, portanto, não tem esta
A conseqüência importantíssima que tura ética, mas utilitária, econômica (essa é
daí brota é que a filosofia e a história acabam a posição que Maquiavel, por exemplo, já
por coincidir, como escreve expressamen assumira).
te Croce: “ Filosofia e história já não são E a ética? Já vimos que, para Croce,
duas formas, e sim uma só forma, e não se é a volição do universal. M as o que é esse
Capítulo sétimo - CD n e o -id e a lis m o i+aliano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
AS FORMAS DO ESPÍRITO
T E O R IA P ráxis
Kl ONÔMK a:
Ari n relativa apen.is
intuição c expressão, as> condições de tato
caracterizada pelo sentimento em que o indivíduo
universal e cósmico se encontra
da liricidade
In d iv id u a l id a d e In d iv id u a l id a d e
U n iv e r s a l id a d e Un iv e r s a l id a d e
L ó g ic a : " ..■'É t i c a :
ciência do conceito puro, relativa a fins universais
isto é, do universal concreto que vão além
do homem individual
T eoria P r á x is
O F IM D O R E A L C O N S IS T E N A T O T A L ID A D E C IR C U L A R D E S T A S Q U A T R O F O R M A S ,
O U S E JA , A P E N A S O E S P ÍR IT O É O F IM D O E S P ÍR IT O
RICISMO ABSOLUTO
___T
TO D A H ISTÓRIA É HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
que revive e se realiza no presente do espírito
' ▼ "
O conhecimento histórico é catártico,
é estimulador de ação e, ao mesmo tempo, estimulado pela ação:
é uma ligação de “pensamento” e “ação”
que se explica de modo circular como o espírito
Primeira parte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ J X s é c u lo X X
\*
é
Giovanni Gentile (1875-1944)
% repensou o hegelianismo,
reformando sua dialética de modo radical,
e criando o atualismo que constitui
a forma extrema assumida
pelo idealismo ocidental.
C a p í t u l o s é t íff íO - (D n e o -id e a lis m o italiano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
â /?~\ // I // // //
LJ m al e o e rro
gjjjgl y W a t u i * e 2 a #c o m o o b je + o
F IL O S O F IA IT A L IA N A
d o ^ a u + o c o n c e i+ o * D IR E TTO DA
GIOVANNI GENTILE
Giovanni Gentile
fotografado durante uma conferência na década de 1920.
Primeira parte - y\ f >lo so fia d o s é c u lo ao sécu Io XX
Outros acusaram o atualismo de ser uma mal nisso, considerando que, mais do que o
“ filosofia teologizante” . Gentile responde pensamento dos teólogos, Deus é também e
que aceita essa qualificação por aquilo que principalmente o pensamento constante de
ela tem de verdadeiro. E o que ela tem de todo homem que não se compraz em jogos
verdadeiro resume-se do seguinte modo no de inteligência, mas vive seriamente sua vida
trecho que encerra sua obra maior: “ Fi em que está envolvido o universo e que, por
losofia teologizante, portanto? E por que isso, lhe faz sentir o peso de uma responsa
não? Só que a teologia dos teólogos nunca bilidade divina. Além disso, o que importam
falou propriamente de Deus, já que os teó os nomes, as etiquetas, as características?
logos nunca conheceram Deus, tendo-o O importante é pensar: ‘o pensar é a maior
sempre pressuposto, confundindo-o com virtude’, já dizia Heráclito” .
sua sombra. Pois, se teologizar significar de E, algumas páginas antes, Gentile escreve
qualquer modo falar com Deus, não haverá ra: “ Pensar é viver a vida imortal” . EfSlTTI
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o i+al iano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
GENTILE
O PENSAMENTO
COMO "AUTOCONCEITO" E "FORMA ABSOLUTA"
O espírito é
autoconceito,
verdadeiro único conceito
da realidade múltipla
_____________ . I ........
A história do m undo é a representação empírica e exterior
da imanente vitória eterna do espírito sobre a natureza,
da imanente resolução da natureza no espírito
.1
A É H IS T Ó R IA ID E A L E T E R N A
V E R D A D E IR A H IS T Ó R IA
que se reúne no eterno ato do pensar
Primeira parte - jA . f ilo s o f i a d o s é c u lo a o s é c u lo X X
qualidades secundárias, podemos ver, escre Royce (1855-1916). Autor muito fecundo,
ve Bradley, que “ o raciocínio que demonstra Royce registrou os melhores frutos de seu
que as qualidades secundárias não são reais pensamento em O mundo e o indivíduo
possui a mesma força quando o aplicamos (2 vols., 1900-1902) e em O problema do
às qualidades primárias” , que também “ nos cristianismo (1913).
vêm unicamente da relação com um órgão Antes de mais nada, Royce sustenta
do sentido” . que não é possível nos acomodarmos em
N ão é válido distinguir as coisas das nossos conhecimentos, sempre limitados e
qualidades, já que “ não podemos descobrir parciais. Exigimos verdade absoluta, um juiz
nenhuma unidade real existente independen infinito, que esteja em condições de julgar, de
temente das qualidades” . uma vez por todas, para toda a eternidade,
O mundo de nossa experiência está o erro e o mal.
cheio de contradições, é inconsistente. Ele Em suma, o homem finito postula uma
é apenas aparência. “ A realidade definitiva consciência absoluta. E essa consciência
é aquela que não deve se contradizer” . N ão absoluta é Deus, no qual se integra o que é
há um só aspecto do mundo finito que se fragmentário, e no qual encontram lugar e
salve da contradição e que possa, portanto, sentido até os erros, as derrotas, os defeitos e
ser considerado real. Conseqüentemente, a todos os esforços das consciências finitas.
realidade absoluta transcende toda tentativa A partir dessas premissas, no que se
humana de alcançá-la. Por outro lado, o refere à sociabilidade, Royce deduz uma
homem finito, que não consegue chegar à doutrina que guarda analogias estreitas com
realidade absoluta, mas que distingue a apa a doutrina cristã do corpo místico. Escreve
rência da realidade, possui essa realidade ab ele: “ N ós som os apenas pó, se a ordem
soluta como imanente, de modo que “ todo social não nos dá a vida. Se considerarmos
ato de experiência, toda esfera ou grau do a ordem social como um instrumento nos
mundo é fator necessário do absolu to” . so e nos preocuparmos unicamente com
N o absoluto nada se perde, mas tudo se nossas sortes privadas, então ela se torna
transforma. “ O absoluto não tem história, desprezível para nós [...]; mas, se modifi
embora contenha inumeráveis histórias” . carmos nossa atitude e servirmos a ordem
social, mais do que só a nós mesmos, então
perceberemos que aquilo que servimos é
3 R oyce
simplesmente nosso mais elevado destino
espiritual em forma corpórea” .
e o n e o - i d e a l is m o Este é o ideal que Royce proclama dian
n a ^ A m é r ic a te de uma sociedade que impele as pessoas
ao individualismo e diante de Igrejas que,
em sua opinião, afastaram-se sempre mais
Depois de Emerson, o neo-idealismo do ideal paulino do corpo místico. Royce,
foi significativamente defendido na América portanto, sustenta que a sociedade que pode
por William Torrey Harris (1835-1909), G. fazer o indivíduo sair de sua finitude não é
H. Howison (1834-1916) e James Creighton tanto uma sociedade real, e sim muito mais
(1861-1924). M as o filósofo americano neo- uma sociedade ideal, que está na base de
idealista mais influente e conhecido éjo siah todas as comunidades históricas.
137
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o if a íi a n o e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic c m o
qu® se desenvolvem entre nós e as obras da Shakespeare), quanto julgar moral o quadrado
arte, salta aos olhos a diferença entre o prazer ou imoral o triângulo.
e a arte, porque a figura representada pode
ser cara para nós e despertar as mais delei-
5. fl arte não tem o caráter
táveis recordações, e, todavia, o quadro pode
de um conhecimento intelectual
ser feio; ou, ao contrário, o quadro pode ser
belo e a figura representada odiosa ao nosso Ainda (e esta é a última, e talvez a mais
coração: ou o próprio quadro, que aprovamos importante, das negações gerais que me con
como belo, despertar raiva ou inveja porque vém recordar de propósito), com a definição da
obra de um nosso inimigo ou rival, ao qual arte como intuição nega-se que ela tenha cará
trará vantagem e conferirá nova força: nossos ter de conhecimento conceituai. O conhecimento
interesses práticos, com os correlativos prazeres conceituai, em sua forma pura que é a filosó
e dores, se misturam, por vezes se confundem, fica, é sempre realista, visando a estabelecer
perturbam-no, mas nunca se juntam com nosso a realidade contra a irrealidade ou a abaixar
interesse estético, filém do mais, para sustentar a irrealidade, incluindo-a na realidade como
mais validamente a definição da arte como o momento subordinado da própria realidade.
agradável, se afirmará que ela não é o agra Mas intuição quer dizer, justamente, indistinção
dável em geral, e sim uma forma particular de de realidade e irrealidade, a imagem em seu
agradável. Mas esta restrição não é mais uma valor de mera imagem, a pura idealidade da
defesa e é aliás um verdadeiro abandono imagem; e, contrapondo o conhecimento intui
naquela tese, porque, uma vez que a arte seja tivo ou sensível ao conceituai ou inteligível, a
uma forma particular de prazer, seu caráter estética à noética, visa-se a reivindicar a auto
distintivo seria dado não pelo agradável, mas nomia desta mais simples e elementar forma
por aquilo que distingue aquele agradável dos de conhecimento, que foi comparada ao sonho
outros agradáveis, e a esse elemento distintivo (ao sonho, e não ao sono) da vida teórica,
- mais que agradável ou diferente do agradável em relação ao qual a filosofia seria a vigília.
- conviria dirigir a pesquisa. €, verdadeiramente, toda pessoa que, diante
de uma obra de arte, pergunta se isso que o
artista expressou é metafísica e historicamente
4. fl arte não é um ato moral
verdadeiro ou falso, levanta uma pergunta sem
Uma terceira negação que se realiza significado, e entra no erro análogo ao de quem
graças à teoria da arte como intuição é que quer traduzir diante do tribunal da moralidade
a arte seja um ato moral; ou seja, a forma de as imagens aéreas da fantasia. [...]
ato prático que, embora se unindo necessa €sta reivindicação do caráter alógico da
riamente com o útil e com prazer e dor, não arte é, conforme eu disse, a mais difícil e im
é imediatamente utilitária e hedonista e se portante das polêmicas incluídas na fórmula da
move em uma esfera espiritual superior. Mas arte-intuição; porque as teorias, que tentam ex
a intuição, enquanto ato teórico, é oposta a plicar a arte como filosofia, como religião, como
qualquer prática, e, na verdade, a arte, con história e como ciência e, em grau menor, como
forme observação antiquíssima, não nasce por matemática, ocupam, com efeito, a parte maior
obra de vontade: a boa vontade, que define o na história da ciência estética, e se enfeitam
homem honesto, não define o artista. €, como com os nomes dos maiores filósofos. Na filosofia
não nasce por obra de vontade, ela se subtrai do século XIX, exemplos de identificação ou
igualmente a toda discriminação moral, não confusão da arte com a religião e com a filo
porque lhe seja permitido um privilégio de sofia são oferecidos por Schelling e por Hegel;
isenção, mas simplesmente porque a discri da confusão dela com as ciências naturais, por
minação moral não encontra o modo de a ela Taine; da confusão com a observação histórica
se aplicar. Uma imagem artística retratará um e documentária, pelas teorias dos veristas
ato moralmente louvável ou reprovável; mas a franceses; e da confusão com a matemática,
própria imagem, enquanto imagem, não é nem pelo formalismo dos herbartianos. Mas seria
louvável nem reprovável moralmente. Não só vão procurar em todos esses autores, e nos
não há código penal que possa condenar à pri outros que se poderia lembrar, exemplos puros
são ou à morte uma imagem, mas nenhum juízo destes erros, porque o erro nunca é "puro", pois,
moral, dado por uma pessoa razoável, pode se assim o fosse, ele seria verdade. 6 por isso
fazê-la seu objeto: tanto valeria julgar imoral também as doutrinas da arte, que por brevida
a francesca de Dante ou moral a Cordélia de de chamarei de "conceituai istas", contêm em si
Shakespeare (que têm mera função artística e elementos dissolventes, tanto mais numerosos
são como notas musicais da alma de Dante e de e eficazes quanto mais enérgico era o espírito
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o italiano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
nõo têm mais qu® aqueles fragmentos, e junto vernizes, ou as que tratam dos modos de obter
com estes não aquele mundo suposto, mas a boa pronúncia e declamação, e semelhantes.
no mais das vezes a aspiração ou a obscura Os tratados de técnica não são trotados de
labuta na direção dele, ou seja, na direção de estética, nem partes ou seções destes tratados.
uma imagem mais vasta e rica, que talvez se Isso, bem entendido, sempre que os conceitos
forme ou não. Tais objeções, porém, também forem pensados com rigor e as palavras em
se alimentam da troca entre a expressão e a pregadas com propriedade em relação àquele
comunicação, esta última de fato distinta da rigor de conceitos e, sem dúvida, não valeria a
imagem e de sua expressão, fl comunicação pena debater sobre a palavra "técnica” quan
se refere à fixação da intuição-expressão em do é empregada, ao contrário, como sinônimo
um objeto que diríamos material ou físico por do próprio trabalho artístico, no sentido de
metáfora, uma vez que, efetivamente, não s® "técnica interior", que é, portanto, a formação
trata nem mesmo nesta parte de material e de da intuição-expressão; ou então no sentido de
físico, mas de obra espiritual. Todavia, uma vez “disciplina", ou seja, da ligação necessária com
que esta demonstração a respeito da irrealida a tradição histórica, da qual ninguém pode se
de daquilo que se chama físico e sua resolução desligar, embora ninguém permaneça simples
no espiritualidade tem d® fato interesse primário mente ligado a ela. fl confusão da arte com a
para a concepção filosófica total, mas apenas técnica, a substituição desta por aquela, é um
indireto para o esclarecimento dos problemas partido assaz almejado pelos artistas impoten
estéticos, podemos, por brevidade, deixar tes, que esperam das coisas práticas, e das
aqui correr a metáfora ou o símbolo, e falar de excogitações e invenções práticas, o auxílio e
matéria ou d® natureza, é claro que a poesia já a força que não encontram em si mesmos.
existe inteira quando o poeta a expressou em
palavras, cantando-a dentro de si; e qu®, ao 8. Os objetos artísticos:
passar a càntá-la com voz expressa para que a teoria das artes particulares
outros a ouçam, ou a procurar pessoas que a e o belo por natureza
aprendam d® cor e a recantem a outrem como
em uma scholo cantorum, ou a colocá-la em O trabalho da comunicação, ou seja, da
sinais de escrita e de impressão, entra-se em conservação e divulgação das imagens artísti
novo estágio, certamente de muita importância cas, guiado pela técnica, produz, portanto, os
social e cultural, cujo caráter não é mais estético, objetos materiais que se dizem por metáfora
mas prático. O mesmo deve-se dizer no coso do "artísticos" e "obras de arte"; quadros e escul
pintor, o qual pinta sobre a madeira ou sobre a turas e edifícios, e depois também, de modo
tela, mas não poderia pintar se em todo estágio mais complicado, escritas literárias e musicais,
de seu trabalho, da mancha ou esboço inicial e, em nossos dias, aparelhos de som e discos,
até o acabamento, a imagem intuída, a linha que tornam possível reproduür vozes e sons.
e a cor pintadas na fantasia não precedessem Todavia, nem estas vozes e sons, nem os sinais
o toqu® do pincel; tanto é verdade que, quan da pintura, da escultura e da arquitetura são
do aquele toque se antecipa à imagem, el® obras de arte, as quais não existem em nenhum
é cancelado e substituído na correção que o outro lugar a não ser nas almas que as criam
artista faz de sua obra. O ponto da distinção ou os recriam. Tirando a aparência de parado
entre expressão e comunicação é certamente xo desta verdade da inexistência de objetos
bastante delicado de captar no foto, porque no 0 coisas belas, será oportuno lembrar o caso
fato os dois processos se aproximam em geral análogo da ciência econômica, a qual sabe bem
rapidamente e parece que se misturam; mas é que em economia não existem coisas natural e
claro em idéia, e é preciso mantê-lo bem firme. fisicamente úteis, mas apenas necessidades
Do fato de tê-lo descurado ou deixado vacilar e trabalho, dos quais as coisas físicas tomam
provêm as confusões entre arte e técnica, das como metáfora o adjetivo. Quem em economia
quais a última não é uma coisa intrínseca à arte, quisesse deduzir o valor econômico das coisas
mas liga-se justamente ao conceito da comuni a partir das qualidades físicas delas, cometeria
cação. fl técnica é, em geral, uma cognição ou uma grosseira ignoratio etenchi.
um complexo de cognições dispostas e dirigidas € apesar de tudo esta ignoratio elenchi
a uso da ação prática, e, no caso da arte, da foi cometida, e ainda tem sucesso, na estética,
ação prática que molda objetos e instrumentos com a doutrina das artes particulares e dos
para a lembrança e a comunicação das obras limites, ou seja, do caráter estético próprio de
de arte; quais seriam as cognições a respeito cada uma. As divisões das artes são meramente
da preparação dos quadros, das telas, dos técnicas ou físicas, ou seja, conforme os objetos
murais a pintar, das matérias colorantes, dos artísticos consistem em sons, em tons, em obje
Capítulo sétimo - O n e o -id e a lis m o ifaliano e o id ea lism o a n g lo -a m e r ic a n o
tos coloridos, em objetos incisos ou esculpidos, aquele fio de erva que, posto na boca, per
em objetos construídos e que nõo parecem mitia entender as palavras dos animais e das
encontrar correspondência em corpos naturais plantas. Com "belo por natureza" se designam
(poesia, música, pintura, escultura, arquitetura verdadeiramente pessoas, coisas, lugares, que
etc.). Perguntar qual seja o caráter artístico de por seus efeitos sobre os espíritos devem se
cada uma destas artes, aquilo que cada uma aproximar da poesia, da pintura, da escultura
possa ou nõo possa, quais ordens de imagens e das outras artes; e não há dificuldade de
se exprimem em sons e quais em tons e quais admitir tais “coisas artísticas naturais", porque
em cores e quais em linhas, e daí por diante, o processo de comunicação poética, como se
é como perguntar em economia quais coisas realiza com objetos artificialmente produzidos,
devam por suas qualidades físicas receber assim também pode se realizar com objetos
um preço e quais nõo, e qual preço devam ter naturalmente dados, fl fantasia do enamorado
umas em relação às outras, quando é claro que cria a mulher para ele bela e a personifica em
as qualidades físicas nõo entram na questão laura; a fantasia do peregrino, a paisagem
e toda coisa pode ser desejada e exigida, e encantadora ou sublime e a personifica na
receber um preço maior do que outras ou de cena de um lago ou de uma montanha; e estas
todas as outras, conforme as circunstâncias e criações poéticas se difundem por vezes em
os necessidades. Colocando inadvertidamente mais ou menos largos círculos sociais, dando
o pé sobre este resvaladouro, até um lessing origem às "belezas profissionais" femininas,
foi impelido a conclusões tão estranhas como a admiradas por todos, e aos "lugares de vista"
que à poesia cabem as "ações" e à escultura os famosos, diante dos quais todos se extasiam
"corpos”; e também um Richard UJagner se pôs mais ou menos sinceramente, é verdade que
a matutar sobre uma arte complexiva, a Opera, estas formações são efêmeras: o gracejo por
que reunisse em si, por agregação, as potências vezes as dissipa, a sociedade as deixa cair, õ
de todas as artes particulares. Quem tem senso capricho da moda as substitui; e, diversamente
artístico, em um verso, em um pequeno verso das obras artísticas, não permitem interpreta
de poeta, encontra ao mesmo tempo toda a ções autênticas. O golfo de Nápoles, visto do
musicalidade, pictoricidade, força escultórica alto de uma das mais belas "vilas" do Vômero,
e estrutura arquitetônica, e, da mesma forma, foi, depois de alguns anos de incansável visão,
em uma pintura, a qual jamais é uma coisa de declarado pela dama russa que adquirira aque
olhos, mas sempre de alma, e na alma não la "vila" uma cuvette bleue, tão odioso em seu
está apenas como cor, mas também como som azul engrinaldado de verde, que a induziu a
e palavra, até como silêncio que, a seu modo, revendera "vila". Também a imagem da cuvette
é som e palavra. Todavia, onde se experimenta bleue ,2 era, de resto, uma criação poética, a
agarrar separadamente aquela musicalidade respeito da qual nõo há o que discutir.
e aquele pitoresco e as outras coisas, elas lhe
escapam e se transmutam uma na outra, fun 9. Os gêneros literários
dindo-se na unidade, mesmo que se costume e as categorias estéticas
separadamente chamá-las por modo de dizer,
ou seja, experimenta-se que a arte é uma e não Bastante maiores e mais deploráveis con
se divide em artes. Uma, e ao mesmo tempo seqüências teve na crítica e na historiografia lite
infinitamente variada; mas variada não tanto rária e artística uma teoria de origem um pouco
conforme os conceitos técnicos das artes, e sim diversa, mas análoga, a dos gêneros literários
conforme a infinita variedade das personalida e artísticos. Também esta, como a precedente,
des artísticas e de seus estados de espírito. tem como fundamento uma classificação que,
fi esta relação e a esta troca entre tomada em si, é legítima e útil: aquela, os
as criações artísticas e os instrumentos da agrupamentos técnicos ou físicos dos objetos ar
comunicação ou "coisas artísticas" devemos tísticos; esta, as classificações que se fazem das
recolocar o problema que se refere ao belo obras de arte, conforme seu conteúdo ou motivo
por natureza. Deixemos de lado a questão, sentimental, em obras trágicas, cômicas, líricas,
que assoma em alguns estetas se, além do heróicas, amorosas, idílicas, romances, e d a í por
homem, outros seres sejam na natureza po diante, dividindo e subdividindo. Na prática é
etas e artistas: questão que merece resposta útil distribuir segundo estas classes as obras de
afirmativa, não só por devida homenagem um poeta na edição que dele se faz, colocando
aos pássaros cantores, mas ainda mais em
virtude da concepção idealista do mundo, que
é todo vida e espiritualidade, mesmo que,
como naquele conto popular, tenhamos perdido 2”Concho azul”.
Primeira purte - y \ f i lo s o f i a d o s é c u lo X ^ X a o s é c u lo X X
em um volume os líricos, em outro os dramas, Pareceu que das divisões dos gêneros
em um terceiro os poemas, em um quarto os se devia salvar, dando-lhe valor filosófico, ao
romances; e é cômodo, ou melhor, indispensá menos uma; a de "lírica", “épica" e "dramática",
vel, citar com estes nomes as obras e os grupos interpretando-a como três momentos do proces
de obras ao discorrer sobre elas em voz alta e so da objetivação, que da lírica, efusão do eu,
por escrito. Mas também aqui devemos declarar vai à épica, em que o eu separa de si o sentir,
indevido e negar a passagem destes conceitos narrando-o, e desta para a dramática, em que
classificatórios às leis estéticas da composição deixa que ele molde por si os próprios porta-
e aos critérios estéticos do juízo; como se faz vozes, as dramatis personae. Mas a lírica não
quando se quer determinar que a tragédia deva é efusão, não é grito ou pranto; ao contrário, é
ter tal ou tal argumento, tal ou tal qualidade de ela própria objetivação, pela qual o eu vê a si
personagens, tal ou tal andamento de ação, mesmo como espetáculo e se narra e se dra
e tal ou tal extensão; e diante de uma obro, matiza; e este espírito forma a poesia do epos
em vez de procurar e julgar a poesia que lhe é e do drama, que, portanto, não se distinguem
própria, põe-se a pergunta se ela é tragédia da primeira a não ser em coisas extrínsecas.
ou poema, e se obedece às "leis" de um ou de Uma obra que seja totalmente poesia, como o
outro “gênero", fi crítico literária do século XIX Macbeth ou o fíntônio e Cleópatra, é substan
deve seus grandes progressos em grande parte cialmente uma lírica, da qual os personagens
por ter abandonado os critérios dos gêneros, e as cenas representam os vários tons e as
nos quais permaneceram como que aprisiona estrofes consecutivas.
das a crítica da Renascença e a do classicismo Nas velhas estéticas, e ainda hoje na
francês, como comprovam as disputas que então quelas que continuam seu tipo, se dava des
surgiram em torno da Comédia de Dante e dos taque às assim chamadas categorias do belo;
poemas de flriosto e de Tasso, do Pastor Fido o sublime, o trágico, o cômico, o gracioso, o
de Guarini, do Cid de Corneille, dos dramas de humorístico, e semelhantes, que os filósofos,
lope de Vega. Não igual vantagem tiraram os marcadamente alemães, não só começaram a
artistas da queda destes preconceitos, porque, tratar como conceitos filosóficos (quando são
negados ou admitidos que tenham sido em simples conceitos psicológicos e empíricos),
teoria, permanece como fato que aquele que mas desenvolveram com aquela dialética que
tem gênio artístico passa através de todos os diz respeito unicamente aos conceitos puros ou
vínculos de servidão, e até mesmo das correntes especulativos, isto é, às categorias filosóficas,
faz para si instrumento de força; e aquele que onde se entretiveram, dispondo-os em uma
disso é escasso ou privado, converte em nova série de progresso fantástico, culminante oro
servidão a própria liberdade. no belo, ora no trágico, ora no humorístico. Gn-
tendendo tais conceitos por aquilo que se disse no fundo desta distinção de forma lógica e de
que eles são, deve-se notar sua correspondên forma metafórica, de dialética e retórica, ela era
cia substancial com os conceitos dos gêneros a necessidade de construir ao lado da ciência
literários e artísticos, dos quais, com efeito, e da lógica uma ciência da estética; mas infeliz
principalmente das "instituições literárias", se mente se fazia o esforço de distinguir as duas
verteram na filosofia. Gnquanto conceitos psico ciências no campo da expressão, que pertence
lógicos e empíricos, não pertencem à estética, a uma só delas.
e em seu conjunto designam nada mais que a Por uma necessidade não menos legítima,
totalidade dos sentimentos (empiricamente dis naquela parte da didática que é o ensino das
tintos e reunidos), que são a matéria perpétua línguas começou-se desde a antiguidade a
da intuição artística. dividir as expressões em períodos, proposições
e palavras, e as palavras em várias classes, e
10. Retórica, gramática em cada uma a analisá-las segundo suas varia
e Filosofia da linguagem ções e composições em radicais e sufixos, em
sílabas e em fonemas ou letras; daí nasceram
Que todo erro tenha um motivo de verda os alfabetos, as gramáticas, os vocabulários,
de e nasça de uma combinação arbitrária de como, analogamente, para a poesia houve
coisas em si legítimas, confirma-se pelo exame as artes métricas, e para a música e as artes
que se fizer de outras doutrinas errôneas, as figurativas e arquitetônicas, as gramáticas mu
quais tiveram grande campo no passado e sicais, pictóricas, e assim por diante. Todavia,
ainda hoje têm um, embora mais restrito. € nem mesmo os antigos conseguiram evitar que
perfeitamente legítimo valer-se, para o ensino também nesta parte se realizasse um daqueles
do escrever, de divisões como as do estilo nu trânsitos indevidos ob intellectu ad rem, das
e do figurado, da metáfora e de suas formas, abstrações à realidade, da empiria à filosofia,
e perceber que em tal lugar ajuda falar sem que observamos nos outros casos; e nisso se
metáfora e em tal outro por metáfora, e que em veio a conceber o falar como agregação de
tal outro a metáfora empregada é incoerente palavras e as palavras como agregação de
ou é mantida demasiado longamente, e que sílabas ou de raízes e sufixos: onde o prius
aqui conviria uma figura de "preterição" e lá é justamente o falar como um continuum,
uma "hipérbole" ou uma “ironia". Mas quando semelhante a um organismo, e as palavras e
se perde a consciência da origem de fato didá as sílabas e as raízes são o posterius, o pre
tica e prática destas distinções, e filosofando parado anatômico, o produto do intelecto que
se teoriza a forma como distinguível em uma abstrai, e não justamente o fato originário e
forma “nua" e em uma forma “ornada", em real. Transportada a gramática assim como a
uma forma “lógica" e em uma forma “afetiva” e retórica no seio da estética, disso proveio um
semelhantes, se transporta no seio da estéti desdobramento entre “expressão" e “meios" da
ca a retórica e se vicia o conceito genuíno da expressão, que é uma reduplicação, porque os
expressão, fl qual nunca é lógica, mas sempre meios da expressão são a própria expressão,
afetiva, ou seja, lírica e fantástica, e é sempre, triturada pelos gramáticos. €ste erro, combi
e por isso mesmo não é nunca, metafórica, e nando-se com o outro de uma forma "nua” e de
por isso sempre própria; nunca é nua para se uma forma “ornada", impediu que se visse que
dever cobrir, nem ornada para dever-se libertar a filosofia da linguagem não é uma gramática
de coisas estranhas, mas sempre resplande filosófica, mas está além de toda gramática,
cente de si própria [...]. Também o pensamento e não torna filosóficas as classes gramaticais,
lógico, também a ciência, enquanto se exprime mas as ignora, e, quando as encontra contra
torna-se sentimento e fantasia, que é a razão si, as destrói, e que, em suma, a filosofia da
pela qual um livro de filosofia, de história, de linguagem é uma com a filosofia da poesia e
ciência pode ser não só verdadeiro, mas belo, da arte, com a ciência da intuição-expressão,
e de todo modo é julgado não só conforme uma com a estética, a qual abraça a linguagem em
lógica, mas também conforme uma estética, e se toda a sua extensão, que compreende a lin
diz por vezes que um livro é equivocado como guagem fônica e articulada, e em sua realidade
teoria ou como crítica ou como verdade histórica, intacta, que é a expressão viva e de sentido
mas permanece, pelo afeto que o anima e que realizado.
nele se exprime, na qualidade de obra de arte. B. Croc®,
Quanto ao motivo de verdade que se elaborava Flesthetica in nuce.
Primeira parte - j A f i lo s o f i a d o s é c u lo a ° s é c u lo X X
Todavia, a filosofia nõo está no mundo aos poucos verdadeiramente falam os grandes
para deixar-se dominar pela realidade tal filósofos, os grandes poetas, os homens gran
qual se configura nas imaginações feridas e des, toda qualidade de grandes obras, mesmo
perdidas, mas para interpretá-la, libertando quando as multidões os aclamam e deificam,
as imaginações, flssim, pesquisando e inter sempre prontas para abandoná-los por outros
pretando, ela, que bem sabe que o homem ídolos, para fazer barulho ao seu redor e para
que torna escravo o outro homem desperto no exercitar, sob qualquer lema e bandeira, a
outro a consciência de si e o anima à liberdade, natural disposição à cortesania e servilidade;
vê serenamente suceder a períodos de maior e, por isso, por experiência e por meditação,
outros de menor liberdade, porque quanto o homem pensa e diz a si próprio que, se nos
mais estabelecida e não disputada for uma tempos liberais se tem a grata ilusão de gozar
ordem liberal, tanto mais decai para o hábito, de uma rica companhia, e se naqueles não
e, reduzindo para o hábito a consciência vigi liberais se tem a oposta e ingrata ilusão de se
lante de si próprio e a prontidão da defesa, encontrar em solidão ou em quase solidão, ilu
se dá lugar a uma vichiono repetição daquilo sória era certamente a primeira crença otimista,
que se acreditava que nõo iria mais reaparecer mas, por sorte, ilusória é também a segunda,
no mundo, e que por sua vez abrirá um novo pessimista.
curso. Vê, por exemplo, as democracias e as
repúblicas, como as da Grécia no século IV ou d. fl vida da liberdade
de Roma no I, em que a liberdade permanecia como formadora da história sempre foi
e sempre será vido de combatente
nas formas institucionais mas não mais na alma
e no costume, perder também aquelas formas, £stas, e tantas outras coisas semelhantes
como aquele que não soube ajudar-se e que em a estas, ela vê, e daí conclui que se a história
vão procurou se endireitar com bons conselhos não é exatamente um idílio, também não é
é abandonado à áspera correção que a vido uma "tragédia de horrores1', mas é um droma
dele fará. Vê a Itália, exausta e derrotado, em que todas as ações, todos os personagens,
depositada pelos bárbaros na tumba com sua todos os componentes do coro são, em sentido
pomposa veste de imperatriz, ressurgir, como aristotélico, "medíocres", culpáveis-inculpáveis,
diz o poeta, ágil marinheira em suas repúblicos mistos de bem e de mal, e, todavia, o pensa
do Tirreno e do Adriático. Vê os reis absolutos, mento diretivo nela é sempre o bem, ao qual
que abateram as liberdades do baronato e do o mal acaba por servir como estímulo; a obra é
clero, tornadas privilégios, e que superpuseram da liberdade que sempre se esforça para res
a todos o seu governo, exercido por meio de tabelecer, e sempre restabelece, as condições
uma burocracia e sustentado por um exército sociais e políticas de mais intensa liberdade.
próprio, preparar uma bem mais larga e mais Quem desejar em breve persuadir-se de que
útil participação dos povos na liberdade política; a liberdade não pode viver diversamente de
e um Napoleõo, também ele destruidor de uma como foi vivida e viverá sempre na história,
liberdade tal apenas de aparêncio e de nome e de vida perigosa e combatente, pense por
à qual retirou aparência e nome, arrasador de um instante em um mundo de liberdade sem
povos sob seu domínio, deixar atrás de si estes contrastes, sem ameaças e sem opressões de
mesmos povos ávidos de liberdade e tornados nenhum tipo; e logo delo se desviará apavo
mais espertos do que verdadeiramente eram, rado, como da imagem, pior que a da morte,
e ativos para implantar, como pouco depois do náusea infinita.
fizeram em toda a Europa, seus institutos. £la
a vê, também nos tempos mais sombrios e gra 2. Toda história é sempre
ves, fremir nos versos dos poetas e afirmar-se "história contemporânea"
nas páginas dos pensadores e arder solitária
e soberba em alguns homens, não assimiláveis a. Há sempre uma necessidade prótica
pelo mundo que os envolve, como naquele como fundamento de todo juízo histórico
amigo que Vittorio Rlfieri descobriu na Siena R necessidade prática, que está no fundo
setecentista e grõ-ducal, "espírito libérrimo" de todo juízo histórico, confere a toda história
nascido "em dura prisão", onde estava "como o caráter de “história contemporânea", porque,
leão que dorme", e para o qual ele escreveu o por mais remotos e remotíssimos que pareçam
diálogo da virtude desconhecida. €la a vê em cronologicamente os fotos que nela entram,
todos os tempos, tanto nos propícios como nos ela é, na realidade, história sempre referida
adversos, genuína, robusta e consciente apenas à necessidade e à situação presente, na qual
nos espíritos de poucos, embora apenas esses aq u e le s fatos propagam suas vibrações.
depois historicamente contam, como apenas Rssim, se eu, para inclinar-me e recusar-me a
Primeira parte - ? \ filosofia d o s é c u lo X J X o » s é c u lo X X
G e n t il e
Não é Fácil encontrar nos escritos dos FilósoFos algumas páginas em que sintética e clara
mente eles resumam seu próprio pensamento. Gentile, Felizmente, as deixou em sua Introdução
à filosofia, onde, justamente na parte introdutória, ele apresenta um mapa dos problemas em
torno dos quais gira todo o seu sistema e evidencia igualmente uma série de implicações que
eles têm.
Depois de ter indicado as origens do atualismo na reviravolta impressa no pensamento
FilosóFico da FilosoFia alemã que vai de Hant a Hegel, e ter salientado alguns precedentes na
FilosoFia renascentista e do ressurgimento italiano, Gentile toma distância em relação a Croce,
salientando como sua própria FilosoFia tenha parecido afím com a de Croce mais do que de
Fato era.
Passa entõo a apresentar o princípio básico de sua FilosoFia, que é o d o imanência absoluta,
entendida não no sentido tradicional, mas como imanência de todo o real no ato do pensar,
além do qual nõo há nada de independente.
Cste ato do pensar nõo deve ser conFundido com o ato do pensar como, por exemplo, o
do motor imóvel de Aristóteles ou da metaFísica tradicional, que, segundo Gentile, são meras
abstrações, mas é o ato de pensar que coincide com nosso pensamento.
Ém nós, enquanto somos ato ou atividade do pensar, está compreendida a totalidade do
real: nõo somos nós (como pensamento) que estamos contidos no espaço, mas é o espaço
que está contido em nosso pensamento; e, assim, nõo somos nós que estamos na natureza,
mas é a natureza que está em nós (como pensamento).
Csta atividade do pensamento, além de infinita (porque inclui todos as coisas) é livre,
enquanto autoridade suprema no julgor e distinguir verdadeiro e Falso, bem e mal.
Cxatamente na dimensão do ato do pensar descobrimos dentro de nossa humanidade
empírica uma humanidade profunda, que é aquela por meio do qual procuramos os outros e
con-sentímos com os outros. Por esta humanidade profunda nós somos os outros e os outros
são nós, em sentido global.
O pensamento atual é tudo, e o próprio Cu particular é, em certo sentido, uma abstração,
porque, como tudo o mais, está imanente no ato espiritual.
O método do atualismo é a dialética do novo sentido, ou seja, nõo a dialética das realida
des pensadas, como o era na metaFísica dos antigos, mas a dialética da atividade pensante.
O próprio Hegel, que havia reFormado a dialética antiga, deve se r posteriormente reFormodo,
porque, com suas distinções sistemáticas de idéia, natureza e espírito (com suas implicações) e
com suo concepção da lógica, permaneceu condicionado por uma série de resíduos da dialética
do pensado. £ a própria reForma da dialética hegeliano operada por Croce, segundo Gentile,
deve serpuriFicada, eliminando os "distintos", fí unidade do pensamento em sua subjetividade,
como autoconceito, que absorve a totalidade do real exatamente nesta sua atividade, constitui
o coração da dialética do atualismo.
Gentile aFirma, portanto, que o atualismo tem um caráter proFundamente religioso, enquan
to, dialeticomente, no ato do pensamento concretamente resolve os problemas que o religião
sem pre se colocou. O mal é um momento dialético do bem; o erro é um momento dialético
do verdadeiro; o bem é aquilo que concretamente se Faz, desobrochando de seu contrário;
o verdadeiro é aquilo que concretamente se realiza, superando seu contrário. O espírito é a
natureza que s e torna espírito.
O corpo nõo é apenas aquilo que está dentro de nossa pele. Também cada membro de
nosso corpo p od e se r pensado isoladamente do resto do corpo, mas apenas por abstração;
separado do corpo perderia qualquer signiFicado e valor. Rssim é para nosso corpo, o qual é
correlotivo a todo o resto do mundo Físico. Dizer corpo é como dizer corpo do universo.
Primeira parte - A fi lo s o j- ia d o s é c u lo X ^ ? X ao s é c u lo X X
plena consciência da necessidade de uma nova fato da experiência. Oro, uma coerente con
lógica o ser contraposta à analítica aristotélica, cepção religiosa do mundo deve ser otimista,
ou seja, à lógica do platonismo ossim como de sem negar a dor e o mal e o erro; deve ser
toda a antiga filosofia, Hegel se propôs o pro idealista sem suprimir a realidade com todos
blema, mas não o resolveu, porque, a começar os seus defeitos, deve ser espiritualista sem
das primeiras categorias (ser, não-ser, devir) fechar os olhos sobre a natureza e sobre as
deixou-se escapar a absoluta objetividade do férreas leis de seu mecanismo. Mas todas as
pensar, e trotou sua lógica como movimento dos filosofias e todas as religiões, apesar de todo
idéias que se pensam e, por isso, se devem esforço idealista e espiritual, estão destinadas
definir. Movimento absurdo, porque as idéias a falir, ou por abandonar-se a um dualismo ab
se pensam, ou sejo, se definem enquanto se fe surdo ou por fechar-se em um abstrato e, por
cham no círculo de seus termos, e permanecem isso, insatisfatório e, portanto, ele próprio um
paradas. £ essa é a razão pela qual as idéias monismo absurdo, caso se limitem à lógica da
platônicas são de fato todas ligadas entre si e, identidade, pela qual os opostos se excluem, e
por isso, obrigam o pensamento subjetivo que onde o ser não é o não-ser, e vice-versa.
queira pensar uma delas, a pensar também Com a lógica da identidade as antinomias
todas as outras, e a mover-se, por isso, de uma da vida moral e da consciência religiosa, do
para outra sem descanso, mas elas permane mundo e do homem, tornam-se insolúveis.
cem paradas, como o estádio sobre o qual os 6 não há fé na liberdade humana, na razão
ginastas correm. humana, na potência do ideal ou na graça de
Permanecem paradas, mas são logos abs Deus que possa salvar o homem e, finalmente,
trato, que é preciso reconduzir ao pensamento levantá-lo em sua vida, todo pervodida, como
real e atual. Que é enquanto não é, e não está ela é, pelo pensamento, que é pesquisa e dú
jamais parado, e sempre se move; e de fato vida, e perpétua interrogação para quem a vida
define, e se espelha no objeto definido, mas é resposta. Somos ou não somos imortais? Há
para voltar a definir de outra forma, sempre uma verdade para nós? C verdadeiramente há
mois adequadamente à necessidade incessante lugar no mundo para a virtude? C há um Deus
em cuja satisfação se encontra seu realizar-se. que governa tudo? € vale a pena esta vida
O pensamento é dialético por este seu devir, que nos custa viver? Cstas perguntas voltam
que é, não pensado unidade de ser e não-ser, sempre a surgir e ressurgir do fundo do cora
conceito em que se ensimesma o conceito do ção humano, e por isso os homens pensam e
ser e o conceito oposto do não-ser, mas é uni têm necessidade da filosofia, a fim de que os
dade realizada do próprio ser do pensamento conforte para viver com uma resposta qualquer.
com seu real não-ser. Nós podemos, de foto, Cada um que vive procura como pode uma res
definir o conceito desta unidade; mas nossa posta para si. Mas uma resposta lógica, firme,
definição não é uma imagem, ou um duplicado razoável, não é possível se o pensamento não
lógico de uma realidade transcendente em re se retrai dos objetos que vez por vez pensa e
lação ao ato lógico: é todo um e uma só coisa solda em férrea corrente como o sistema de seu
com este ato.3 mundo e não se volta sobre si próprio, onde
toda realidade tem sua raiz e de onde retira,
9. Caráter religioso da concepção dialética por isso, sua vida: onde o ser ainda não é, mas
vem a ser, não sendo o princípio, imediatamen
Na dialética do pensamento encontra-se te: onde saber é aprender, e toda vez, mesmo
a resposta às milhares de dúvidas céticas e às que já se saiba, aprender do início; onde o
milhares de perguntas angustiantes, que sur bem não é aquilo que foi feito, e já existe, mas
gem da experiência e dos contrastes da vida: aquilo que não se fez e, por isso, se faz; onde
contrastes entre o homem e a natureza, a vida a alegria não é o que se gozou, mas aquela
e o morte, o ideal e a realidade, o prazer e a que brota de seu contrário, e não se detém,
dor, a ciência e o mistério, o bem e o mal etc. caindo na monotonia da náusea, que estagna
Todos os antigos problemas que foram o tor e gera a morte, mas se renova e reconquista
mento da consciência religiosa e da vida morol como novo anseio e nova fadiga e, por isso,
de todos os homens, as ânsias da teodicéia por meio de novas dores; onde, finalmente, o
como o cruz da filosofia, fl concepção atualista espírito arde eternamente, e na combustão fla-
é uma concepção espiritualista e profundamente
religiosa, embora sua religiosidade não possa
satisfazer quem está habituado a conceber o ! Cf. dois escritos meus no vol. fí reform o d o dialético
divino como um transcendente abstrato, ou a hegeliana, Principoto, Messina, 19232, pp. 1-74 e 209-240.
confundir o ato do pensamento com o simples [Noto de Gentile]
Primeira parte - j A f i lo s o f i a d o s é c u lo X^X a o s é c u lo XX
de seu próprio ser nõo sente recolher em si e socorrer a capacidade espontânea do espírito,
pulsor o história, o universo, o infinito, tudo? que não seja um auxílio querido e valorizado
Poderia ele com as forças limitadas, que em e, por isso, livremente procurado e atuado. G
qualquer momento de sua existência ele de fato nada, finalmente, nos vem do exterior que aju
percebe que possui, enfrentar, como ele faz e de a saúde da alma, o vigor da inteligência, a
deve fazer, o problema da vida e da morte, que potência do querer.
se lhe apresenta terrível com a potência inelutá Por isso, o atualista não nega Deus, mas,
vel das leis da natureza? Todavia, se ele deve junto com os místicos e com os espíritos mais
viver uma vida espiritual, é preciso que triunfe religiosos que existiram no mundo, repete: Deus
desta lei, e tanto no modo da arte como no da in nobis e st4
moralidade, com a açõo e com o pensamento, G. Gentile,
participe da vida das coisas imortais, que são introdução à Filosofia.
divinas e eternas. 6 nisso participe por si, livre
mente; pois não há auxílio externo que possa 4"Deus está em nós”.
O CONTRIBUTO
DA ESPANHA
À FILOSOFIA
DO SÉCULO XX
• A batalha contra o intelectualismo não pára aqui; Unamuno vai mais a fundo
e na Vida de Dom Quixote e de Sancho (1905) afirma que a vida é inexaurível para
a inteligência, que "não é a inteligência, mas a vontade que constrói o mundo
para nós". Eis, então, que da "peste do bom senso" é possível se
curar apenas por obra da "autêntica loucura" que, ao contrário, a loucura
"está faltando para nós". Dom Quixote, portanto, torna-se louco heróica
"unicamente por maturidade de espírito". contra
A vida é enriquecida pela loucura heróica e não pela miséria a miséria
do bom senso; pelos livros de cavalaria e não pelas propostas do bom senso
presunçosas do intelectualismo, do cientismo e do racionalismo
supersimplificador de tanta filosofia.
Unamuno se pergunta: o cavaleiro de Cristo que foi Inácio de Loyola foi de
fa to tão diferente de Quixote? A aventura de um não pode ser considerada em
paralelo com a aventura do outro? Para Unamuno existe apenas o homem concreto,
e o homem concreto "está acima de todas as razões". Logo: "a verdade racional
e a vida estão em oposição"; e ainda: "Eu não me submeto à razão, e me rebelo
contra ela".
• "Tudo aquilo que é vital é irracional, enquanto tudo aquilo que é racional
é antivital": isso é escrito por Unamuno em Do sentimento trágico da vida (1913).
A vida "não aceita fórmulas"; aliás, a ciência existe porque sus
tentada por uma "insustentável" fé na razão. o Deus
E devemos ainda dizer que o desprezo que Unamuno ali- de Unamuno
menta diante das construções intelectualistas e doutrinais, ele o é ° "Deus vivo"
estende também ao racionalismo teológico da tradição tomista. de Pascal
O Deus de Unamuno não é o Deus dos filósofos e dos teólogos; e . ,
é, muito mais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, como para _[er ^ í aa
Pascal e Kierkegaard: é um Deus que fala ao coração e não a ’
conclusão de uma série de silogismos.
Segunda parte - O c o n t r ib u t o d a < z L s p a n i\ a à j- ilo s o f ia d o s é c u Io XX
Miguel de Unamuno
(1864-1936)
foi um dos mais originais
pensadores
dos inícios do século X X ,
crítico agudo das construções
intelectualistas e doutrinárias:
para ele a vida
“não aceita fórm ulas".
Capitulo oitavo - 7V\>gwe! d e L \y \a n \tA V \o e o sen tim en to tr á g ic o d a vid a
De Paris Unamuno se transfere a Hen- humana que existe” ; e aqueles que falam de
daye, na costa basca, diante de Bilbao. Em regeneração da Espanha se esquecem jus
Hendaye Unamuno permanece até 1930, tamente do destino individual dos homens
isto é, até a queda do ditador Primo de Rive- individuais.
ra. Volta para Salamanca e lhe é devolvida a Unamuno olha o povo de carne e osso.
cátedra. Em 1931 é proclamada a República, Esse povo não é um fantasma intelectua
e Unamuno é nomeado deputado. Em 1936 lista ou uma reconstrução historiográfica.
explode a guerra civil espanhola: Unamuno E gente que trabalha, pensa, sofre e canta
não esconde sua escolha franquista. suas canções sobre determinado pedaço de
A morte o colhe em 31 de dezembro terra, sob determinado céu e diante deste
do mesmo ano de 1936. Comemorando mar. É gente que vive na tradição. E aquilo
Unamuno, Ortega y Gasset dirá: “Unamuno que Unamuno procura é a tradição espa
sempre esteve na companhia da morte, sua nhola eterna: eterna porque humana, mais
perene amiga-inimiga. Sua vida inteira e que espanhola. E, então, que sentido possui
toda sua filosofia foram [...] uma meditatio tentar regenerá-la, europeizá-la? Um povo
mortis. A nossos olhos uma inspiração desse é atrasado? Pois bem, responde Unamuno,
tipo triunfa em todo lugar, mas, em todo “ deixemos que os outros corram; também
caso, devemos dizer que Unamuno foi o seu eles, antes ou depois, se deterão” . O povo
precursor!” . passa sua vida na ignorância? Pois bem, o
povo “ sabe tantas coisas que os homens
públicos ignoram” e “ a ignorância é uma
ciência divina: é mais que ciência — é sa
2 A essência da Êspanka
bedoria” . E ainda: o camponês de Toboso
— pergunta-se Unamuno — não vive e não
morre mais feliz que um operário de Nova
Em torno do casticismo é de 1895. Este York? “ M alditas as vantagens de um pro
livro sobre a essência da Espanha é uma gresso que obriga-nos a nos dilacerar de afã,
decidida e lúcida tomada de posição contra de trabalho, de ciência!”
os literatos que representam a “ geração de Em torno do casticismo é o primeiro
1898” , que, desiludidos pela perda de Cuba, assalto significativo de Unamuno contra o
falavam a todo instante da “ regeneração da intelectualismo, contra imagens que pre
Espanha” . Estes discursos de intelectuais e tendem passar por realidade, contra idéias
políticos, todavia, deixam o povo indiferen de Deus que querem substituir os ímpetos
te. E isso ocorre — nota Unamuno — porque místicos dos fiéis, contra tantos, para além
o povo goza de “ saúde cristã” . Unamuno das estatísticas e dos gráficos econômicos
denuncia, com aguda previsão, os perigos e sociológicos, que não conseguem ver a
do nacionalismo; mas ele não se deixa se fome e os sofrimentos de multidões de seres
quer fascinar pela idéia que os intelectuais humanos.
e políticos fazem da Espanha: tal idéia é
uma decoração intelectualista da qual foge
a vida real do povo. A Espanha não é “ um
fantasm a” sobre uma tela pintada ou uma IP a r a liber+ar-se
visão de origem livresca. A Espanha é a vida do^domínio dos fidalgos
de milhões e milhões de homens e não aquilo da r a z ã o "
que dela contam os jornais ou que dela diz
a história: “ os jornais não dizem nada da
vida silenciosa de milhões de homens sem
história que, em qualquer hora do dia e em N a Vida de Dom Quixote e de Sancho
todo lugar, em todos os países do mundo, se Unamuno escreve: “ N ão é a inteligência,
levantam com o sol e vão para seus campos mas a vontade que constrói para nós o mun
a fim de continuar sua tarefa obscura e si do e, ao velho aforismo escolástico ‘nihil
lenciosa, quotidiana e eterna [...] que lança volitum quin praecognitum’, ou seja, ‘nada
as bases sobre as quais se levantam as ondas se quer que não seja antes conhecido’, é pre
da história” . O mais caro para Unamuno ciso fazer uma correção, lendo assim: ‘nihil
não é uma idéia da Espanha ou a retomada cognitum quin praevolitum’, ou seja: ‘nada
da história da Espanha. Para Unamuno se conhece que antes não seja querido’ ” .
conta apenas “ o destino individual de cada A vida, afinal de contas, é inexaurível para a
homem” , uma vez que esta é “ a coisa mais inteligência. E há mais: a razão vem depois
Segunda püYte - O contributo d a ér^spanka à filosofia d o s é c u lo X X
da ação; a inteligência segue a vontade. “ É coisas que põem a vida em risco e, portanto,
a vida — sentencia Unamuno — o critério nelas existe a verdade. E, por outro lado,
para julgar a verdade, e não a concordân aquele cavaleiro de Cristo que foi Inácio de
cia lógica, que é apenas critério de razão. Loyola foi tão diferente de Dom Quixote?
Se minha fé me leva a criar ou a aumentar A aventura de um não pode ser vista em
a vida, para que pretender outra prova de paralelo com a aventura do outro?
minha fé? Quando as matemáticas servem
apenas para matar, também as matemáticas
se tornam mentira. Se, enquanto caminhais
morrendo de sede, vedes uma miragem que y\ vida
vos representa vivamente aquilo que cha
" n ã o a c e i f a fó c m u la s
mamos de água, e vos lançais a beber e vos
sentis renascidos porque a sede se aplacou,
aquela miragem era verdade, e verdade era
aquela água. Verdade é tudo aquilo que, Nem o humano nem a humanidade
impelindo-nos a agir de um ou de outro têm uma existência real. Para Unamuno, o
modo, faz com que o resultado de nossa que existe é apenas o homem concreto. E a
ação resulte conforme nosso propósito” . existência, a vida do homem concreto não
Contra “ a peste do bom senso que encontra justificação, “ está além de todas as
nos mantém a todos sufocados e compri razões” . Lemos em D o sentimento trágico
m idos” , Unamuno sente que dessa peste da vida que “ tudo aquilo que é vital é irra
podemos ser curados apenas por “ aquela cional, enquanto tudo aquilo que é racional
autêntica loucura” que, ao contrário, “ nos é antivital” . A vida “ não aceita fórmulas” ; o
está faltando” . Em uma época dominada homem concreto “ é absolutamente instável,
pelo cientificismo positivista, ele, escreven absolutamente individual” ; não é capturável
do a seu “ bom am igo” sobre a necessidade por esta ou por aquela definição teórica. Por
de libertar o sepulcro de Dom Quixote, conseguinte, afirma Unamuno, “ eu não me
afirma que é preciso desconfiar da ciência: submeto à razão, e me revolto contra ela” .
“ deve bastar-te a tua fé. Tua fé será tua arte; O que a ciência pode dizer sobre o sentido
tua fé será tua ciência” . E ainda é preciso da vida, sobre nossas mais profundas ne
desconfiar das letras “ que degeneram em cessidades volitivas, sobre nossa fome de
literatura, naquela nojenta literatura que é imortalidade? E justamente por isso que, a
a aliada natural de todas as escravidões e de seu ver, “ a verdade racional e a vida estão em
todas as misérias” . E eis então que aparece oposição” . Unamuno, em outras palavras,
em todo seu esplendor e valor “ a santa “ considera que o pensamento, a razão e o
cruzada” que impele a resgatar o sepulcro intelecto fossem demasiado restritos para
de Dom Quixote “ das mãos dos sabichões, compreender clara, total e seguramente as
dos padres e dos barbeiros, dos duques e coisas que procuram abraçar. Nem por isso
dos eclesiásticos que dele se apoderaram ” . renunciou a eles: tornou-os “ trágicos” e
O sepulcro do “ cavaleiro da loucura” deve “ agônicos” , ou seja, conforme a etimologia
ser, portanto, resgatado “ do domínio dos grega, “ em luta” (R. M. Albérès). A vida,
fidalgos da razão” . a existência vai além de qualquer tentativa
Dom Quixote, diz Unamuno, torna- da razão de dar-se conta. Um pensamen
se louco “ unicamente por maturidade de to demasiadamente seguro de si constrói
espírito” . Ele alimentou sua alma com os unicamente dogmas vãos. Se, ao contrário,
empreendimentos daqueles valorosos ca alguém está consciente dos limites da razão,
valeiros que, “ desapegando-se da vida que de suas presunções e de seus erros, do fato
passa, aspiram à glória que permanece” . Foi de que existem realidades que a ultrapassam,
o desejo de glória e de imortalidade que os então teremos pensadores que, em contínua
impeliu a agir. E, desse modo, ele, perdendo vigilância, se encontrarão em luta contra si
seu próprio juízo, nos deixou “ um eterno próprios, contra as pretensões de seu pró
exemplo de generosidade espiritual” . Per prio intelecto. E, portanto, para Unamuno,
gunta-se Unamuno: “ com o juízo no lugar, “ o verdadeiro intelectual é [...] aquele que ja
teria ele sido tão heróico?” A loucura herói mais está satisfeito consigo mesmo, nem com
ca contra a miséria do bom senso; os livros os outros. A noção de ‘trágico’ se opõe à de
de cavalaria contra as pretensões do inte- certeza e de comodidade” (R. M. Albérès).
lectualismo cientificista e do racionalismo Com tais premissas é fácil compreender
supersimplificador das filosofias: são estas as a desconfiança de Unamuno em relação aos
161
C a p i t u l o o i t a v o - AAiguel d e ÍA n a m u n o e o sen tim en to tr á g ic o d a vid a
sistemas filosóficos criados por maníacos do vale mais que todas as provas racionais.
desejosos de reduzir o todo a matéria ou a E a descoberta da morte, a incapacidade de
idéia ou a força ou a espírito. A verdade, resignar-se a abandonar a vida, é afinal esse
diz Unamuno, é que nossos desejos, nossas sentimento trágico da vida, que leva o ho
volições, nossos afetos, nossos sentimentos, mem “ a gerar o Deus vivo” . E é justamente a
nossas angústias vêm antes da inteligência, insistência sobre a imortalidade o traço pelo
não nascem da inteligência: as doutrinas fi qual Unamuno mais aprecia o catolicismo,
losóficas são tentativas de justificar depois, a apesar do racionalismo da escolástica: o
posteriori, nossa conduta e os aspectos mais eixo do protestantismo é a justificação; o
importantes da vida. A própria ciência não é do catolicismo é a esperança.
um valor diante do qual devamos nos ajoe “ Ninguém — escreve Unamuno em
lhar. Por trás da ciência existe a fé na razão; Minha religião e outros ensaios — conse
e “ a fé na razão está destinada a aparecer, guiu me convencer por meio de argumentos
no plano racional, tão insustentável quanto racionais a respeito da existência de Deus,
qualquer outra fé” . E, depois, “ a ciência nem de sua inexistência” . E os raciocínios
existe unicamente na consciência pessoal, e dos ateus lhe parecem até “ mais superficiais
graças a ela” . Em outras palavras, existem e mais fúteis” do que os de seus adversários.
filósofos e cientistas que criam, e mudam O problema de Deus é inadiável. N ão é pos
idéias: instrumentos nas urgências das lutas sível voltar-lhe as costas, como o agnóstico, e
interiores que atormentam as consciências dizer: “N ão sei. É verdade — afirma Unamu
dos indivíduos. |,É5,3 i no — que talvez jamais poderei saber, mas
quero saber. Quero, e isso me basta!” .
Cristão porque percebia em seu co
ração “ uma forte tendência para o cristia
lÁ nam iA no1.
nism o” , Unamuno declarava considerar
um “P a s c a l e s p a n K o l" cristão “ todo aquele que invocar com res
e n c o n fr a peito e amor o nome de Cristo” . O Deus
de Unamuno, portanto, é um Deus que
o “ i ^ m ã o // K . i e r k e g a a r d
fala ao coração; é o Deus de Abraão, de
Isaac e de Jacó, e não o Deus dos filósofos
e dos teólogos. E o Deus vivo de Pascal e
O desprezo que Unamuno nutre em re de Kierkegaard. E, justamente na Agonia do
lação às construções doutrinárias se lança cristianismo, Unamuno percebe em si pró
também contra o racionalismo teológico prio “ um Pascal espanhol” ; assim como al
tom ista. Esta filosofia — escreve ainda guns anos antes havia chamado de “ irm ão”
Unamuno em D o sentimento trágico da vida aquele pensador que vivera “ em perpétuo
— pôde triunfar pelo fato de que “ a fé, isto desespero interior” , que foi Kierkegaard.
é, a vida, não se sentia mais segura de si” . E como vida e luta — e, portanto, agonia
A existência de Deus não é, para Unamuno, — Unamuno concebe o cristianismo: este
o resultado de uma prova racional. Para ele não é pensamento, é vida, é fé que morre e
Deus existe porque há em nós vontade inex- ressuscita sem cessar dentro da consciência
tirpável de sobrevivência: este desejo profun humana.
162
..■■ •* Segunda pãfte - O con lH b u to d a & s p a n \ \ a à filo sofia d o s é c u lo X X
cro. £ o guardam, com efeito, mas apenas para enquanto marchamos?" O quê? Lutar! Lutar, e
que o Cavaleiro não tenha de ressuscitar, com todas as forças!
fl esse tipo de raciocínios é preciso res "Como?" Topais com alguém que desem-
ponder com insultos, com pedradas, com gritos bucha idiotices, mas que uma imensa multidão
de paixão, com golpes de lança. Não é preciso ouve de boca aberta? Gritai à multidão: “€s-
pôr-se a discutir com eles. Se tentares racioci túpidosl”, e em frente! Cm frente, sempre em
nar em conflito com seus raciocínios, estarás frente! [...]
perdido. [...] 6 se alguém vier te dizer que sabe construir
fl caminho, portanto. 6 cuide bem para pontes e qu® talvez haverá ocasião em que con
que não entrem no esquadrão sagrado cru virá recorrer às suas noções para atravessar um
zados nem sabichões, nem barbeiros, nem rio, manda-o embora! fora com o engenheiro!
padres, nem cônegos, nem duques travestidos fltravessareis os rios a vau ou a nado, mesmo
como tantos Sanchos. Não faças nada para que metade dos cruzados tiver de restar aí,
que te peçam ou não ilhas; teu dever é de afogada. Que o engenheiro vá fazer pontes
expulsá-los quando vierem te perguntar qual em outro lugar! Haverá necessidade disso. Mas
é o itinerário da marcha, quando te falarem do para ir em busca do sepulcro basta a fé para
programa, quando te murmurarem ao ouvido, servir de ponte.
maliciosamente, pedindo-te que lhes digas Se tu, meu caro amigo, queres realizar ple
em que lugar permanece o sepulcro. Segue namente a tua missão, desconfia da ciência, ou
a estrela. € faz como o cavaleiro: endireita a pelo menos daquelas que se costumam chamar
tortuosidade que encontrares em teu caminho. de “arte" e de "ciência", mas que não são mais
Agora, o que convém agora; aqui, aquele que que pálidas macaquices da arte e da verdadeira
se encontra aqui. ciência, fl ti deve bastar a tua fé. Tua fé será a
Colocai-vos em caminho! Tu me perguntas tua arte; tua fé será a tua ciência.
para onde andais? A estrela o dirá a vás: “Para M. de Unamuno,
o sepulcro!" “Que faremos ao longo do caminho, Vido de Dom Quixote e de Sancho.
(C-ap'di\\o nono
• São os indivíduos que agem. Sem dúvida, o homem é mais do que seu pen
samento, uma vez que ele é também paixão, medo, desejo, angústia. Todavia,
se quisermos resolver os problemas práticos da "circunstância", necessitaremos
de idéias. E aqui Ortega traça a distinção entre idéias-invenções
(as que produzimos, sustentamos e discutimos) e idéias-crenças idéias
(idéias herdadas do passado, previsíveis, e que confundimos "que tem os"
com a própria realidade; por exemplo, andamos pela rua e evi- e idéias
tamos os edifícios, sem que em nossa mente surja a idéia: "as "que somos"
paredes são impenetráveis"). As idéias-crenças, todavia, não são $ 4~6
imunes de dúvidas, e o mesmo ocorre com as idéias-invenções.
O homem cria idéias, imagina possibilidades, inventa hipóteses; e quando estas
não têm sucesso, ele muda de caminho, aprende dos erros. Os erros cometidos,
individuados e eliminados constituem para o homem um autêntico tesouro: o
tesouro dos erros.
das m assas, conseguem transformar suas de nós está em casa e decide sair: ele vai pa
idéias e costumes. ra a porta, gira a chave para abrir a porta,
desce as escadas. Tudo isso tem o caráter
da deliberação consciente. M as a coisa mais
y \ d ife r e n ç a importante, o pressuposto que lhe permitiu
decidir interveio sem que ele pensasse nisso:
entee //idéias-invenções/ trata-se da crença que fora da soleira existe
e "id é ia s -c re n ç a s /; uma rua. N ós “ vivemos, nos movemos e
existim os” dentro de crenças do gênero.
Assim, Ortega exemplifica ainda: “ Quando
O homem é mais do que seu pensa caminhamos pela rua não tentamos passar
mento, pois ele é também paixão, medo, através dos edifícios: evitamos autom atica
angústia, desejo. Todavia, escreve Ortega, mente trombar neles, sem que em nossa
“ sem idéias [...] o homem não poderia mente surja necessariamente a idéia: ‘As pare
viver. Quando Goethe disse ‘no princípio des são impenetráveis’. Em todo momento
era a ação’, dizia uma frase pouco medita nossa vida apóia-se sobre um enorme re
da, porque evidentemente uma ação não é pertório de crenças semelhantes” . ggflPI
possível sem que antes exista o projeto, o
esboço dessa ação” . O homem sem idéias
não existe; às idéias lhe são necessárias para
O tesouro dos erros
resolver os problemas que continuamente
surgem da condição humana, para sair do
abismo das dúvidas. O homem, em poucas
palavras, deve conhecer sua circunstância, Em todo caso, não é que as crenças
se não quiser viver cegamente. sejam certas, absolutamente seguras e ina
E se a filosofia, para Ortega, é análi baláveis. Elas são apenas “ pensamentos
se e clarificação das propostas éticas, dos consolidados” , usados inconscientemente.
mundos de valores e de ideais por meio dos M as não é raro o caso — nota Ortega — que
quais os homens procuram orientar-se na “ na área fundamental de nossa crença se
vida e se agarram a tudo o que para eles vale abram, aqui e ali, como alçapões, enormes
a pena ser vivido, a ciência, por sua vez, é o abismos de dúvidas” . Encontramo-nos sem
instrumento mais eficaz e mais válido que chão sob os pés, em um “ mar de dúvidas” ,
permite ao homem ser informado sobre o quando estamos “ presos entre duas crenças
mundo e sobre o ambiente em que ele vive antagonistas que se chocam mutuamente e
e deve agir. nos fazem balançar de uma para outra” . E
Uma distinção importante, no campo onde uma crença é infringida ou se enfraque
dos pensam entos, é a que Ortega traça ceu, o homem “ se agarra ao intelecto como
entre crenças e idéias-invenções. “ Idéias- a um salva-vidas” e procura inventar novas
invenções, e nelas incluindo as verdades idéias. As novas idéias, as idéias científicas,
mais rigorosas da ciência, podemos dizer são fantasias que têm sucesso: “ o triângulo e
que as produzimos, que as sustentamos, as o amuleto têm o mesmo pedigree. São filhos
discutimos, as propagamos [...]. São obra da louca da família” , isto é, da fantasia. O
nossa e por isso mesmo pressupõem já nossa homem — escreve Ortega — “ está condena
vida, que se funda mais sobre idéias-crenças do a ser um narrador” : ele cria suas idéias,
não produzidas por nós, idéias que em geral imagina possibilidades, isto é, inventa hipó
nós sequer formulamos, que obviamente não teses e teorias, que depois põe à prova, des
discutimos, não propagamos, não sustenta cartando as que resultam erradas e contando
m os” . As crenças são idéias fundamentais, com o fato de que o dos erros cometidos,
herdadas do passado e que constituem, por individuados e eliminados, é um verdadeiro
assim dizer, um patrimônio tácito, previsto: e próprio tesouro. Tudo aquilo que o homem
elas “ não são idéias que temos, mas idéias obteve — salienta Ortega — “ custou milênios
que so m o s” ; são “ o conteúdo de nossa e milênios, e o obteve à força de erros, ou
vida” ; “ nós as confundimos com a própria seja, embarcando em fantasias absurdas que
realidade, constituem nosso mundo e nosso resultaram em becos sem saída dos quais
ser” . Ortega escreve isso no ensaio Idéias e teve de voltar atrás machucado [...]. Hoje,
crenças, onde acrescenta que nós estamos ao menos, sabe que as figuras do mundo que
nas crenças, e que, enquanto “pensamos as imaginava no passado não são a realidade.
idéias, contamos com as crenças” . Alguém À força de errar, está delimitando a área do
Capítulo tlO flO - O r t e g a y ( g a s s e t e o d ia g n ó s tic o d a c iv iliz a ç ã o oc id en ta l 169
do — fenômenos por trás dos quais há, na para a imposição daquilo que se deseja” . O
opinião de Ortega, o desenvolvimento da homem-massa é um novo bárbaro que “ não
técnica e da indústria — são acompanhados se limita a considerar-se excelente enquanto
pela destruição do valor sobre o qual cresceu é vulgar, mas pretende impor a vulgaridade
a civilização ocidental: o individualismo. como direito e o direito à vulgaridade” (L.
Escreve Ortega: “ Foi aquilo que se Pellicani). Em poucas palavras, escreve Or
define como individualismo que enriqueceu tega, nosso tempo pode se orgulhar dessa
o mundo e todos os homens do mundo; e monstruosa novidade: “ o direito de não ter
foi essa riqueza que tão fundamentalmente razão, a razão da não-razão” . Novidade esta
multiplicou a planta humana M ais tanto mais clara se considerarmos o fato de
idéias, mais fés, mais estilos artísticos e uma que o homem-massa confiou totalmente sua
experimentação em todo âmbito da vida e vida ao poder público, ao Estado. O fascis
do pensamento construíram uma civilização mo e o bolchevismo representam exatamen
que no indivíduo contraposto ao coletivo te movimentos de homens-massa dirigidos
viu seu mais alto valor. O mundo moderno por homens por vezes rudes e privados de
cresceu, em suma, sobre a fé segundo a qualquer cultura. O homem-massa, em ou
qual “ todo ser humano deve ser livre para tros termos, é um homem que “ deu as costas
preencher seu destino individual e não aos valores da tradição liberal e introduziu
transferível” . Eis, porém, que justamente no na vida pública um estilo de ação baseado
seio da civilização moderna vem à luz um sobre a sistemática agressão e cancelamento
homem-massa, um homem-massa que é tal do outro, sobre a idolatria do chefe caris
não tanto porque elemento estandardizado mático e sobre o estatismo totalitário” . (L.
de uma m assa, e sim “ porque inerte como Pellicani). O Ocidente pode, em todo caso,
a m assa” . salvar-se, afirma Ortega. E o caminho da
O hom em -m assa não designa uma salvação foi por ele profeticamente indicado
classe social; é um ideal-tipo por meio do na formação dos Estados Unidos da Euro
qual Ortega delineia “ um modo de ser que pa, ou seja, na criação de uma Europa com
hoje se encontra em todas as classes” . O uma alma antinacionalista, e fundada sobre
homem-massa não percebe que a cultura e princípios liberais, em grau, de um lado, de
as instituições em que vive são realidades contrastar o estatismo, a burocratização e
precárias; é, portanto, um irresponsável; é o intervencionismo destrutivos da criativi
um especialista incapaz de enfrentar um pro dade e da responsabilidade dos indivíduos
blema geral; é decidido em rejeitar a discus e, do outro, de satisfazer as exigências fun
são: “ detesta-se toda forma de convivência damentais da justiça social, uma vez que a
que por si mesma comporta o respeito de liberdade de todos os cidadãos se resolve em
normas objetivas [...]. Suprimem-se todos os uma ficção hipócrita, se depois faltam “ os
trâmites normativos e se corre diretamente meios para exercitá-la e assegurá-la” .
Capítulo tlOflO - O r t e g a y l a s s e i e o d i a g n ó s t i c o d a c i v iliz a ç ã o o c id e n ta l
de nossa vida, a que sustenta e suporta todas da dúvida". Mas o que fazer? fl característica do
as outras, é constituída por crenças. Cstas são, duvidar é não saber o que fazer. O que fazer,
portanto, a terra firme sobre a qual nos afana portanto, quando nos acontece justamente não
mos (de passagem, tal metáfora se origina de saber o que fazer porque o mundo - uma parte
uma das crenças mais elementares que possuí dele, bem entendido - apresenta-se a nós de
mos, e sem a qual talvez nõo poderíamos viver: modo ambíguo? Com ele não há nada a fazer.
a crença segundo a qual a terra está bem firme, O homem, porém, quando se encontra em tal
apesar dos terremotos que por vezes ocorrem situação,Teafiza um estranho fazer, que quase
em alguns lugares da superfície terrestre. Expe não parece um fa?er: começa a pensar. Pensar
rimentemos imaginar que amanhã, por um ou em algo é o menos que pode fazer. Não deve
outro motivo, falte esta crença. Determinar, em sequer mover-se. Quando tudo ao redor vai de
linha de máxima, os traços da radical mudança roldão, resta-lhe, todavia, a possibilidade de
que tal desaparecimento produziria sobre o a s meditar sobre aquilo que vai de roldão. O inte
pecto da vida humana seria um excelente exer lecto é o dispositivo mais à mão com o qual o
cício introdutório ao pensamento histórico). homem conta, e está sempre à sua disposição.
Mas na área fundamental de nossas cren Quando crê em geral dele não se serve, porque
ças se abrem, cá e lá, como alçapões, enormes é um esforço fatigante, mas, quando cai na
abismos de dúvidas. Cste é o momento de dizer dúvida, aferra-se a ele como a um salva-vidas.
que a dúvida, a verdadeira, aquela que não As brechas de nossas crenças são, portan
é simplesmente metódica ou intelectual, é um to, o lugar vital em que as idéias realizam sua
modo de ser da crença e pertence, na arquitetu intervenção. Graças a elas substituímos sempre
ra da vida, à sua própria estratificação. Também o mundo instável e ambíguo da dúvida, por um
na dúvida se existe, flpenas que neste caso o mundo em que a instabilidade desaparece.
existir tem um aspecto terrível. [...] Como se obtém esse resultado? Fantasiando,
Todas as expressões comuns que se re inventando mundos. A idéia é imaginação. Ao
ferem à dúvida nos dizem que nela o homem homem não é dado nenhum mundo já deter
sente-se submerso em um elemento não sólido, minado. São-lhe dadas apenas as alegrias e
não firme, fl dúvida é uma realidade líquida as dores de sua vida. Guiado por elas, deve
sobre a qual o homem não consegue gusten- inventar o mundo. A maior parte do mundo ele
tar-se e cai. Daí o "encontrar-se em um mar de a herdou dos mais antigos e ela influi sobre sua
dúvidas", que é contraposto ao elemento da vida como um sistema de crenças fixas. Mas
crença: a terra firme. €, insistindo na mesma cada um deve se haver por sua própria conta
imaginação, dúvida como flutuação, como vai- com aquilo que é duvidoso e problemático. Para
e-vem de ondas, fl paisagem marinha é indis esse objetivo, ele traça figuras imaginárias de
cutivelmente o mundo da dúvida e suscita no mundos e de seu possível comportamento ne
homem pressentimentos de naufrágio, fl dúvida les. Cntre elas, uma lhe parece idealmente mais
descrita como flutuação, nos faz perceber o fato fundamentada e a chama de verdade. Observe-
de que ela é uma crença. 6 o é justamente por se, porém: aquilo que é verdadeiro, e também
ser constituída pela redundância do crer. Duvi aquilo que é cientificamente verdadeiro, não é
damos porque nos encontramos presos entre mais que um caso particular do fantástico. Há
duas crenças antagônicas que se entrechocam fantasias exatas. C mais: só pode ser exato o
e elas nos fazem balançar entre uma e outra, que é fantástico. Não há modo de compreender
deixando-nos sem terra sob os pés. O dois, é bem o homem, a não ser constatando que a
claro, torna-se o du da dúvida. matemática brota da mesma raiz da poesia, da
O homem, sentindo-se cair em tais abis faculdade da imaginação.
mos, que se abrem no solo firme de suas cren J. Ortega y Gasset,
ças, reage energicamente. €sforça-se para "sair Rurora do razão histórico.
FENOMENOLOGIA
EXISTENCIALISMO
HERMENÊUTICA
“Na miséria de nossa vida [...] esta ciência não tem
nada a nos dizer. Ela exclui de princípio os problemas
maiscandentesparaohomem, oqual, emnossostem-
pos atormentados, sente-se em poder do destino”.
Edmund Husserl
“A última questão [...] é saber se do fundo das
trevas um ser pode brilhar”.
Karl Jaspers
“A liberdade consiste na escolha do próprio ser. E
tal escolha é absurda”.
Jean-Paul Sartre
“A revolução é progresso quando a comparamos
ao passado, mas desilusão e aborto quando a
comparamos ao futuro que ela deixou entrever e
depois sufocou”.
Maurice Merleau-Ponty
E dm und H u sse rl
e o movime.Kvto j-enomenológico
I. g ê n e s e e n a tu re z a
d a - fe » a o m e n o lo 0 Ía
y \ fenomenologia
Escreve Heidegger em Ser e tempo: “ A
expressão ‘fenomenologia’ significa, antes é descrição
de mais nada, um conceito de método [...]. das essências eidéticas
O termo expressa um lema que poderia ser
assim formulado: voltemos às próprias coi
sas! E isso em contraposição às construções A partir dessa evidência, os fenome
desfeitas no ar e às descobertas casuais, em nólogos pretendem descrever os m odos
contraposição à aceitação de conceitos só típicos como as coisas e os fatos se apre
aparentemente justificados e aos problemas sentam à consciência. E esses modos típicos
aparentes que se impõem de uma geração à são precisamente as essências eidéticas. A
outra como verdadeiros problemas” . fenomenologia não é ciência de fatos, e sim
Portanto, a palavra de ordem da feno ciência de essências. Para o fenomenólogo
menologia é a do retorno às próprias coisas, não interessa a análise desta ou daquela
indo além da verbosidade dos filósofos e de norma moral, porém compreender por que
seus sistemas construídos no ar. M as como esta ou aquela norma são normas morais e
se fará para construir uma filosofia que se não, por exemplo, normas jurídicas ou re
sustente? Para cumprir essa tarefa, é preciso gras de comportamento. Da mesma forma,
partir de dados indubitáveis para com base o fenomenólogo não se interessará (ou, pelo
neles construir depois o edifício filosófico. menos, não se interessará principalmente) em
Em suma, procuram-se evidências estáveis examinar os ritos e os hinos desta ou daquela
para colocar como fundamento da filosofia: religião; ao contrário, ele se interessará por
“ sem evidência não há ciência” , dirá Husserl compreender o que é a religiosidade, ou seja,
nas Pesquisas lógicas. Os limites da evi o que transforma ritos e hinos tão diferentes
dência apodítica representam os limites de em ritos e hinos “ religiosos” . Naturalmente,
nosso saber. Assim, é preciso buscar coisas o fenomenólogo também produzirá análises
manifestas, fenômenos tão evidentes que mais específicas sobre o que caracteriza es
não possam ser negados. sencialmente, por exemplo, o pudor, a santi
Essa, portanto, é a intenção de fundo da dade, o amor, a justiça, o remorso ou os tipos
fenomenologia, intenção que os fenomenó- de sociedade, mas, em todo caso, sua ciência
logos procuram realizar através da descrição é precisamente ciência de essências.
dos “ fenômenos” que se anunciam e se apre Tais essências se tornam objeto de
sentam à consciência depois de feita a epo- estudo se o pesquisador, estabelecendo-se
ché, isto é, depois de postos entre parênteses na atitude de espectador desinteressado,
as nossas persuasões filosóficas, os resultados liberta-se das opiniões preconcebidas e, sem
das ciências e as convicções engastadas na se deixar envolver pela banalidade e pelo ób
quela nossa atitude natural que nos impõe a vio, saiba “ ver” e consiga intuir (e descrever)
crença na existência de um mundo de coisas. aquele universal pelo qual um fato é aquilo e
Em outros termos, é preciso suspender não outra coisa. N ós distinguimos um texto
o juízo sobre tudo o que não é apodítico mágico de um texto científico, mas como
nem objeto de controvérsia até se conseguir conseguimos fazê-lo senão porque utiliza
encontrar aqueles “ d ad o s” que resistem mos discriminantes essenciais, senão porque,
aos reiterados assaltos da epoché. E os talvez até sem termos consciência disso,
fenomenólogos encontram esse ponto de sabemos o que é magia e o que é ciência?
'
Capítulo x.
deciwiO - ££dmund tHusserl e o movimerv+o fenom enológico
177
____
Como podemos dizer que este é um ato de dizer kantianamente o que está na nossa
simpatia, aquele um gesto de ira, este outro consciência enquanto algo independente
um comportamento desesperado ou aquele da sensibilidade e, portanto, a priori, mas
outro ainda um comportamento de santida funcionalmente ordenado para a “ constitui
de, se não houvesse precisamente essências, ção” da experiência). Scheler, por seu turno,
dirigirá sua análise para os valores objetivos
ou seja, idéias essenciais, de simpatia, de ira,
de desespero ou de santidade? hierarquicamente ordenados que se impõem
Eis, portanto, o que a fenomenologia à intuição emocional, como a luz para os
pretende ser: ciência fundamentada esta- olhos e o som para o ouvido.
velmente, voltada à análise e à descrição Até aqui, citamos Husserl e Scheler.
das essências. Com base nisso, podemos M as o movimento fenomenológico é uma
compreender como a fenomenologia se dis vasta e articulada corrente de pensamento,
tingue da análise psicológica ou da análise da qual se destacam as concepções ontoló-
científica. Diferentemente do psicólogo, o gica e ética de Nicolai Hartmann, o pensa
fenomenólogo não manipula dados de fato, mento de Heidegger, as análises de Sartre,
mas essências; não estuda fatos particulares, de Merleau-Ponty e de G. Mareei, as idéias
senão idéias universais; não se interessa pelodo materialista dialético Tran Duc Tao, além
com portam ento m oral desta ou daquela dos trabalhos dos discípulos ou seguidores
pessoa, mas pretende conhecer a essência de Husserl, como E. Conrad-M artius, E.
da moralidade e talvez ver se a moral é ou Finck, E. Stein, A. Reinach, L. Landgrebe,
não fruto de ressentimento. Alexander Pfãnder, Oscar Becker e Moritz
Geiger. Deve-se dizer ainda que a influência
dos fenomenólogos sobre a psicologia, a
antropologia, a psiquiatria, a filosofia moral
V i^eção idealista
e a filosofia da religião foi e continua sendo
e direção realista notável. Por isso, é doravante reconhecido
da fenomenologia que o movimento fenomenológico constitui
um acontecimento decisivo no âmbito da
filosofia contemporânea.
O fenomenólogo, em suma, cumpre
tarefas bem diferentes das dos cientistas. A v
II. € A mu nd 'Husserl
pontos de partida frágeis. Para Husserl, aquilo que não pode ser posto entre pa
rênteses, aquilo que resiste aos ataques da epoché é unicamente a consciência, a
subjetividade. A consciência é a realidade mais evidente; é a realidade que nulla
re indiget ad existendum (= não precisa de nada para existir). O mundo é "cons
tituído" pela consciência.
• Mas uma consciência tornada mais aguda e hábil pela prática da descrição
fenomenológica não poderá aceitar o naturalismo e o objetivismo, ou seja, a
pretensão de que a verdade cientifica seria a única verdade e o
As meras mundo descrito pelas ciências seria a verdadeira realidade.
ciências De tal pretensão Husserl traça a história, começando por
de fatos criam Galileu e Descartes; e afirma: "Na miséria de nossa vida [...] esta
meros homens ciência nada tem a nos dizer. Ela exclui de início os problemas
de fato 0
q ue sg os m a js agudos para o homem, o qual, em nossos tem-
56 pos atormentados, sente-se à mercê do destino; os problemas do
sentido e do não-sentido da existência humana". Escreve ainda
Husserl: "As meras ciências de fatos criam meros homens de fato". A filosofia re
conhece a função da ciência e da técnica, mas é justamente a filosofia - comenta
Enzo Paci - que tem a função "de libertar a história da fetichização da ciência e
da técnica".
I
- Epoché. É um termo grego que quer I
dizer "suspensão do consentimento": ; existência do mundo e, ainda como homem,
não pode deixar de crer em muitas outras
k suspensão do consentimento ou do coisas na vida prática, mas, como filósofo,
| juízo típica da atitude do ceticismo ■ ele não pode partir delas. E não pode partir
| antigo e, particularmente, de Pirro. ■ tampouco dos resultados da pesquisa cien
I
* Dentro do pensamento contemporâ- ; tífica, em virtude do fato de que, embora
neo, a epoché é conceito fundamen- procedendo crítica e rigorosamente no seu
I tal da fenomenologia de Husserl. i âmbito, as ciências interpretam, aceitando-
I1
" A epoché é a suspensão, a colocação ; os “ ingenuamente” , os dados da experiência
entre parênteses, das convicções ; comum, sem se perguntar se eles resistem à
| científicas ou filosóficas, ou também í pressão da epoché, ou seja, se são realidades
| das crenças do senso comum que : indubitáveis.
não resistem à dúvida, que não são i
Portanto, nem as doutrinas filosóficas,
I indubitáveis, que não exibem a marca j
I da certeza incontestável. Tais idéias j nem os resultados da ciência, nem as cren
I e crenças atacáveis pela dúvida são ças da atitude natural, até as mais óbvias,
I colocadas entre parênteses no senti- podem constituir pontos de partida indubi
í do de que uma filosofia rigorosa não ■ táveis, que são precisamente aquilo de que
necessita a filosofia concebida como ciência
I
pode basear-se sobre elas.
: Em cada caso, o procedimento da epo- rigorosa. Todas essas crenças, pois, devem
ser postas entre parênteses.
: ché entra em função com o objetivo 5 M as existe alguma coisa da qual não se
I de atingir uma fonte de certeza qual- : possa duvidar e que não se deixa pôr entre
| quer. E isso Husserl encontra na cons- i parênteses? Se existe, o que é isso que pode
| ciência, na subjetividade. A consciên- í resistir à epoché? Pois bem, para Husserl, o
| cia não pode ser posta entre parênte- ; que resiste aos ataques da epoché, ou seja,
| ses. Sua existência brilha com a mais 5 o que não se pode pôr entre parênteses, é
| inabalável evidência. Ela é a realidade ;
| que nulla re in d ig e t ad existendum |
a consciência ou subjetividade. Aquilo cuja
existência é absolutam ente evidente é o
I
f (= não precisa de nada para existir); f
a consciência "constitui" o mundo. | cogito com seus cogitata, a consciência à
qual se manifesta tudo aquilo que aparece.
Terceira purte - F e n o m e n o lo g ia , E x is te n c ia lis m o , "H erm en êu tica
• Kant, em sua opinião, não teria feito a distinção entre bens e valores; bem,
por exemplo, é uma máquina, valor é sua utilidade; bem é uma lei, valor sua jus
tiça. Os bens são fatos; os valores são essências. As proposições éticas são de fato
necessárias e universais - referem-se, de fato, a essências - , mas
não formais; elas são materiais, e as matérias sobre as quais ver- a ética
sam tais essências são constituídas por valores: valores religiosos material
(sacro-profano), valores estéticos (belo-feio), valores especulativos dos valores
(verdadeiro-falso), valores jurídicos (justo-injusto) etc. Valores que - ^§2
o homem não deve produzir, mas apenas reconhecer e descobrir. E
os descobre por meio de uma intuição emotiva. Diz Scheler que é um preconceito
negar a intencionalidade do sentimento, sua capacidade de ver essências e captar
valores. Há, em suma, uma ordre de coeur, como pensava Pascal.
sucesso, e o fato de recorrer à interioridade como a lógica pura; não, porém, redutível
da lei moral. de modo algum à legitimidade típica da
Todavia, na opinião de Scheler, todos atividade intelectual” .
esses méritos se anulam pela fundamental e Aquilo que o sentimento vê são as
errada equação com a qual Kant identifica essências como valores.
a priori com formal. É precisamente contra Para tornar as coisas mais compreen
essa identidade que se volta o pensamento de síveis, podemos dizer que possuímos um
Scheler, o qual se mantém fiel ao apriorismo instrumento inato, a intuição sentimental,
e à universalidade da norma moral, definin que capta os valores objetivos pelos quais
do, porém, materialmente, isto é, concreta- as coisas são bens, e que capta e reconhece
mente, a esfera dos valores. O que Scheler a hierarquia existente entre esses valores.
sustenta é a existência de proposições a Esses valores, cada um dos quais se encontra
priori (ou seja, necessárias e universais) e, encarnado em uma pessoa ou modelo-tipo,
no entanto, materiais, já que as matérias são enunciados e propostos por Scheler na
sobre as quais elas versam não são fatos, e sucessão hierárquica apresentada no quadro
sim essências, isto é, os valores. Desse modo, abaixo.
Scheler pretende chegar à fundação de uma Esse cosmo de valores e sua hierarquia
ética a priori, não form al, mas material (pela qual se vai dos valores religiosos aos
(aqui, “ material” se opõe a “ form al” ): ética sensoriais, em ordem de preferência) são
material dos valores e não dos bens. captados ou reconhecidos pela intuição ou
visão emocional, que nos põe imediatamente
em contato com o valor, independentemente
Vai ores “materiais// da vontade e do dever, condicionados e basea
dos precisamente na intuição do valor.
N ão é verdade, por conseguinte, que
aquilo que não é racional seja sensível: há
uma atividade espiritual extra-teórica, a
O homem se encontra, portanto, cir intuição emocional. Em suma, existe o que
cundado por um cosmo de valores que ele Pascal chama 1’ordre du coeur.
não deve produzir, mas apenas reconhecer
e descobrir. E os valores não são objeto de
atividade teórica, e sim de uma intuição
emocional.
Scheler diz que pretender captar os va
àm ^ Pessoa
lores com o intelecto eqüivaleria à pretensão
de ver um som. N ão passa de preconceito Essas idéias sobre os valores e sua hie
negar a intencionalidade do sentimento, sua rarquia permitem a Scheler, por um lado,
capacidade de “ ver” essências e captar va refinadas análises críticas do subjetivismo
lores; trata-se de preconceito que deriva de ético no mundo moderno e delineamento
outro preconceito, segundo o qual apenas o agudo da antropologia do “ burguês” (isto é,
intelecto dá origem a atividades intelectuais. do homem ressentido e desconfiado, fanati-
Para Scheler, porém, há “ uma eterna e abso zado pelo valor do útil e insensível ao valor
luta legitimidade dos sentimentos, absoluta do trágico), e, por outro lado, permitem-lhe
quer que seja, o condicionamento social do para poder ser investigados cientificamente.
saber diz respeito, em primeiro lugar, às Escreve Scheler em Sociologia do saber:
form as do saber, que são modos de entrar “ Enquanto, para um dado grupo, a natureza
em contato com a realidade física, psíquica está cheia de forças pessoais e voluntárias,
e espiritual. divinas e demoníacas, ela é [...] exatamente
Scheler remete-se à “ lei dos três es ainda um ‘tabu’ para a ciência [...]. Quem
tágios” de Comte e distingue três formas considera as estrelas como divindades visí
de saber, que, no entanto, não se sucedem veis ainda não está maduro para a astrono
uma à outra, como queria Comte, mas são mia científica” .
co-possíveis em toda época. Tais formas de Pois bem, “ o monoteísmo criacionista
saber são as seguintes: judaico-cristão e sua vitória sobre a religião
a) O saber religioso, que diz respeito e a metafísica do mundo antigo foram, sem
à salvação definitiva da pessoa^ por meio da dúvida, a primeira possibilidade funda
relação com o Ser supremo. E o saber-de- mental para libertar a pesquisa sistemática
salvação. da natureza. Significou libertar a natureza
b) O saber metafísico, que põe o ho para a ciência de uma ordem de grandeza
mem em relação com a verdade e os valores. que talvez ultrapasse tudo o que, até hoje, já
E o saber “ formativo” . ocorreu no Ocidente. O Deus espiritual de
c) O saber técnico, que permite ao ho vontade e de trabalho, o Criador, que não
mem a utilização da natureza e o domínio foi conhecido por nenhum grego e nenhum
sobre ela. rom ano, por nenhum Platão e nenhum
Em cada época, diz Scheler, ocorre que Aristóteles, foi [...] a maior santificação
uma forma de saber prevalece sobre as ou da idéia do trabalho e do domínio sobre as
tras, mas não as exclui. Para ele, o relevante coisas infra-humanas; e, ao mesmo tempo,
é a relação interfuncional que se estabelece operou o maior desânimo, mortificação,
entre cada uma dessas formas de saber e distanciamento e racionalização da natureza
certas estruturas sociais, como, por exem que jamais ocorreu em relação às culturas
plo, entre o realismo filosófico e a sociedade asiáticas e à antiguidade” .
feudal, entre o nominalismo e a crise do A idéia de que o criacionismo judaico-
feudalismo, entre o triunfo da burguesia e o cristão tenha mortificado, isto é, tornado
racionalismo mecanicista, entre capitalismo morta a natureza, preparando-a assim para
e positivismo, e assim por diante. a investigação científica, é hoje concepção
M as o estudo do condicionamento so consolidada.
cial do saber não impede Scheler de analisar Como também está consolidada outra
os laços interfuncionais entre as diversas idéia de Scheler, segundo a qual o marxismo,
form as de saber: teológico, metafísico e que tanto lutou contra o pensamento ideo
científico. E certamente é de grande inte lógico, também é ideologia. Se a classe bur
resse o estudo que Scheler realiza sobre a guesa tem seus “modos de pensar formais
relação entre o monoteísmo judaico-cristão determinados por sua posição de classe” , o
e a ciência. mesmo vale para a classe dos proletários.
A religião não tem nada a temer da Onde quer que exista interesse de classe, lá
ciência. Uma religião só pode entrar em também haverá ideologia. Sem dúvida, o so
contraste com outra religião ou com uma ciólogo do conhecimento “ não pode deixar
metafísica, mas não com a ciência. de se dizer m arxista” . M as isso não implica
Entretanto, os âmbitos do conhecimen que se devam aceitar também os elementos
to humano devem perder seu caráter sacral míticos do marxismo. E fS fir n
Terceira parte - 1“e n o m e n o lo 0 Ía, (S x iste n cia lism o , -H e rm en ê u tica
IV. desenvolvimentos
d a fenomenologia
Otto
• A obra O sagrado (1917) de Rudolf O tto (1869-1937) hoje é
e o sentimento um clássico da fenomenologia da experiência religiosa.
de ser criatura A experiência religiosa ou experiência do numinoso (de
como traço numen) ou do sagrado tem, segundo Otto, um traço caracterís
típico tico, ou seja, o sentimento de dependência, o sentimento de ser
da experiência criatura.
religiosa O homem religioso é cheio de "maravilha atônita" diante
^§2 do mistério religioso, que ele experimenta como "totalm ente
Outro".
vida não-originária. De tal modo chegamos não pode se enganar nem enganar” . Nós,
por meio da empatia a uma espécie de atos portanto, acolhemos a verdade de fé com
experienciais “sui generis ” . base no testemunho de Deus, e abraçamos
assim “ conhecimentos que não possuem
evidência intelectiva” . Esta é a razão pela
EE1 ta r e fa d e uma filo so fia cristã
qual a fé é chamada de “ luz escura” . A fé
— afirma Edith Stein — “ quer mais do que
Stein já havia enfrentado o tema da re as verdades particulares sobre Deus, quer
lação entre pesquisa filosófica e experiência ele próprio, que é a Verdade, Deus, inteiro, e
de fé no ensaio A fenomenologia de Husserl o acolhe sem ver, ‘mesmo se é noite’ ” . Esta
e a filosofia de santo Tomás de Aquino. Aqui — comenta Stein — “ é a mais profunda
a autora distingue entre o conhecimento escuridão da fé, contraposta à eterna luz, à
divino, que é conhecimento da “ verdade em qual ela tende” . E aqui a filósofa carmelita
sua totalidade” , e o conhecimento humano, se refere a são Jo ão da Cruz, que escreve:
ao qual põem-se “ limites estabelecidos” . Em “ [...] o progresso do intelecto consiste em
sua grande obra Ser finito e ser eterno, Stein estabelecer-se mais fortemente na fé, ou seja,
afirma que com a expressão filosofia cristã em pôr-se sempre mais no escuro, uma vez
procura designar “ o ideal de um perfectum que a fé é trevas para o intelecto” . A fé é
opus rationis, que tenha conseguido recolher trevas para o intelecto e, todavia, ela é um
em unidade tudo aquilo que se nos tornou progredir, para além dos conhecimentos
acessível pela razão natural e pela Revela racionais, na direção da única Verdade: “ a
ção ” . Neste sentido não se dá, na opinião fé está mais próxima da Sabedoria divina
de Stein, uma “ filosofia pura” e, todavia, ela do que toda ciência filosófica e também
não é teologia: é filosofia “ em primeiro lugar teológica.” . Deus dá ao espírito criado
aberta à teologia e pode ser integrada por a visão beatífica quando o une a si. N o
esta” . Por mais que impulsionemos adiante decorrer da vida terrena, escreve Stein, “ a
nossa razão, ela não nos pode dar a verdade aproxim ação máxima desta meta altíssima
total e absoluta. Inquietum est cor nostrum, é a visão m ística".
e “ a tarefa mais elevada de uma filosofia E sobre a possibilidade ou não de uma
cristã é justamente a de preparar o caminho descrição da experiência mística versa -a
para a fé” . Isso foi feito de modo excelente última obra de Stein: Kreuzeswissenscbaft.
por santo Tomás de Aquino. Studie über Johannes a Cruce (A ciência
Stein assume a definição de fé do Ca- da Cruz. Estudo sobre são Jo ão da Cruz).
tecbismus catholicus: “ A fé é uma virtude De fenomenóloga rigorosa, Stein mira à
sobrenatural pela qual, com a inspiração e essência da experiência mística. Esta é a
com a assistência da graça divina, conside “ terra impraticável” , cujo mapa não pode
ramos como verdadeiro aquilo que Deus re ser oferecido pelos conceitos da razão natu
velou e ensinou por meio da Igreja, não pela ral; apenas a poesia e os símbolos (como a
verdade objetiva intrínseca, que poderemos “ cruz” e a “ noite” ) estão em grau de aludir à
conhecer mediante a razão natural, mas pela experiência mística, que é uma prefiguração
autoridade do próprio Deus que revela, que da visão beatífica.
Cãpltulo decimo - £ d m u k \d -H u sse rl e o m ovim en to fe n o m e n o ló g ic o
<?
2 fl epoch é fenomenológica
ciências habitualmente "positivas", as ciências poderiam ser modificados com plena liberdade
da positividade natural. e todo objeto de juízo poderia ser posto entre
Ro invés de permanecer nesse compor parênteses. Mas visamos ò descoberta de um
tamento, nós queremos mudá-lo radicalmente. novo território científico, e queremos conquistó-
Trata-se agora de persuadir-se da possibilidade lo justamente com o método da colocação entre
de princípio desta mudança. parênteses, porém limitado de certo modo.
Fl tese geral, pela qual o mundo circundan Devemos indicar essa limitação.
te real é reconhecido não só conceitualmente, Colocamos fora de ação a tese geral ineren
mas como “realidade" existente, não é consti te ã essência do comportamento natural, coloca
tuída evidentemente por um só ato específico, mos logo entre parênteses tudo o que ela abra
como, por exemplo, um juízo predicativo explí ça sob o aspecto ôntico: portanto, todo o mundo
cito sobre o existência do mundo. Ou melhor, natural, que está constantemente “aqui para
ela é algo que dura estavelmente por toda a nós", “Ó mão", e que continuará a permanecer
duração do comportamento, ou seja, por toda como "realidade" para a consciência, mesmo que
a nossa vida natural no estado de vigília. Tudo sejamos tentados a colocá-lo entre parênteses.
o que cada vez percebemos e clara ou obscu Fazendo isso, conforme está em minha
ramente nos representamos do mundo natural, plena liberdade fazê-lo, eu não nego este
em poucas palavras, quanto sabemos experi mundo, como se fosse um sofista, não duvido
mentalmente antes de todo pensar, apresenta de seu existir aí, como se fosse um cético; mas
em sua totalidade, e em toda parte articulada exerço em sentido próprio a epoché fenomeno-
que dele se retirar, a característica de estar lógica, ou seja, não assumo o mundo que me
"aqui", a mão": uma característica sobre a qual é constantemente já dado enquanto existente,
é essencialmente possível fundamentar um juízo como faço, diretamente, na vida prático-natural
(predicativo) explícito de existência intimamente e também nas ciências positivas, como um mun
ligado a ele. Exprimindo este juízo estamos, do preliminarmente existente e, em definitivo,
porém, conscientes de ter tematizado e apre como um mundo que nõo é um terreno universal
endido predicativamente aquilo que, justamente de ser para um conhecimento que procede por
como característica de “à mão", se encontrava meio da experiência e do pensamento. Cu não
já, não tematicomente nem cogitativamente nem atuo mais nenhuma experiência do real em um
predicativamente no experimentar original ou no sentido ingênuo e direto. <
ter experimentado. Cu não assumo aquilo que elo me propõe
Ora, podemos proceder em relação a esta enquanto existente simpliciter, enquanto pre-
tese potencial e não expressa exatamente como sumidamente ou provavelmente existente. Os
para a judicativamente explícita. Um procedimen modos de validade operantes no experimentar
to semelhante e sempre possível é, por exem ingênuo, cujo realização ingênua é constituída
plo, a tentativa de dúvida universal que Des pelo "estar sobre o terreno da experiência"
cartes empreendeu para um objetivo totalmente (sem que, por outro lado, jornais se ponha, por
diferente do nosso, ou seja, em vista da fixação meio de uma iniciativa particular e por meio de
de uma esfera do ser absolutamente isenta de uma decisão particular, sobre aquele terreno),
dúvida. Procedemos a partir daqui - declaramos no âmbito dessa experiência, eu os coloco fora
logo - enquanto a tentativa de dúvida univer de validade, proíbo-me esse terreno. Isso não
sal nos serve apenas como apoio metódico investe as experiências do mundano em sua
para salientar em virtude dela certos pontos singularidade apenas. Já toda experiência par
que estão implícitos em sua própria essência. ticular tem, por essência, "o próprio” horizonte
fl tentativa de dúvida universal entra no universal de experiência, o qual, embora não
campo de nossa liberdade completa: podemos explícito, comporta a constante convalidação da
tentar duvidar de tudo e de qualquer coisa, mes totalidade aberta e infinita do mundo existente.
mo que estejamos firmemente certos em base a Justamente este valer preliminarmente, que me
uma evidência plenamente adequada. [...] sustenta atual e habitualmente na vida natural
A tentativa cartesiana de uma dúvida uni e que fundamenta toda a minha vida prática e
versal poderemos agora substituir a universal teórica, justamente esse preliminar existir-para-
epoché em nosso novò e bem determinado mim "do” mundo, eu me proíbo; tiro-lhé aquela
sentido. Mas, por razão evidente, limitamos força que até agora me propunha o terreno do
a universalidade dessa epoché. Pois, se lhe mundo da experiência contínua como antes, ex
concedermos toda a amplitude que pode ter, ceto o fato de que essa experiência, modificada
não permaneceria mais nenhum campo para por meio desse novo comportamento, não me
juízos não modificados e muito menos para fornece mais o “terreno” sobre o qual eu estava
uma ciência: com efeito, toda tese e todo juízo até este momento.
Terceitã purte - Fenom enologia, Existencialism o, -Hermenêutica
exatidão das ciências naturais-, uma problema- pelas ciências positivas e com as quais se dei
ticidade qu® d0 r0sto investe também a relação xou fascinar pela "prosperity" que daí derivava,
que existe entre as disciplinas biofísicas ("con- significou um afastamento daqueles problemas
cretamente" científicas) 0 as das ciências naturais qu© são decisivos para uma humanidade au
matemáticas exatas. O rigor ci0ntífico d0 todas têntica. As meras ciências de fatos criam meros
estas disciplinas, a evidência de suas operações homens de fato. A revolução do comportamento
teóricas e de seus sucessos, que doravante S0 geral do público foi inevitável, especialmente
impus0ram de modo vinculador e para sempre, depois da guerra, 0 sabemos que na geração
p0rman0C0 fora de discussão, Apenas em rela mais recente e la .se transformou até em um
ção à psicologia, qu0 também pretende ser a estado d0 0spírito hostil. Na miséria de nossa
ciência fundamental, abstrata, definitivamente vida - ouve-se dizer - esta ciência nada tem a
explicativa em relação às ciências concretas do dizer-nos. 61a exclui de princípio justamente os
espírito, não estaremos, talvez, tão seguros. problemas que são os mais perturbadores do
Mas, considerando que o evidente afastamento homem, o qual, em nossos tempos atormenta
no método e nas operações deriva de um desen dos, sento-so entregue ao sabor do destino:
volvimento por natureza mais lento, estaremos os problemas do sentido e do não-sentido
geralmente dispostos a reconhecer também a ela da existência humana em seu conjunto. £sses
sua validade. De qualquer modo, o contraste en problemas, em sua generalidade e em sua
tre a "cientificidade" deste grupo de ciências e a necessidade, não exigem talvez, para todos os
"não-cientificidade" da filosofia é indiscutível. [...] homens, também considerações gerais e uma
Todavia, pode ocorrer que, procedendo solução racionalmente fundamentada? Ges,
a partir de uma outra ordem de considerações, definitivamente, referem-S0 ao hom0m em seu
isto é, das lamentações difusas sobre a crise de comportamento diante do mundo circundante,
nossa cultura e sobre o papel que nessa crise é humano 0 extra-humano, ao homem que deve
atribuído às ciências, venham ao nosso encontro escolher livremente, ao homem que é livre para
motivos que nos induzam a submetera uma crítico plasmar racionalmente a si mesmo e o mundo
sério e p or outro lado extremamente necessário que o circunda. O qu© tem a dizer esta ciência
a cientificidade de todas as ciências, sem contu sobre a razão e sobre a não-razão? o que tem a
do renunciar ao primeiro sentido de sua cientifi diz0r sobr© nós, homens-, enquanto suj0itos des
cidade, aquele sentido que é inatacável, dada sa liberdade? Obviamente, a mera ciência de
a legitimidade de suas operações metódicas. fatos não tem nada a nos dizer a este respeito:
Nós nos propomos, com efeito, de nos ela abstrai exatamente de qualquer sujeito. No
colocar no caminho daquela mudança, a que já que se refere, por outro lado, às ciências do es
aludimos, de todas as nossas considerações. pírito, que também, em todas as suas disciplinas
Realizando essa mudança perceberemos logo particulares 0 g0rais, consideram o homem em
que à problem aticidade que é própria da sua existência espiritual, isto é, no horizonte de
psicologia, não só em nossos dias, mas há sua historicidade, sua rigorosa cientificidade, se
séculos, à "crise" que lhe é peculiar, é preciso diz, exige que o estudioso evite acuradamente
reconhecer um significado central; ela revela qualquer tomada de posição valorativa, todos
as enigmáticas 0, à primeira vista, in0xtricáv0is os problemas referentes à razão ou à não-razão
obscuridad0s das ciências mod0rnas, até das da humanidade tematizada e de suas forma
mat0máticas; 0la r0V0la um 0nigma do mundo ções culturais. A verdade científica objetiva é
de um gênero que 0ra compl0tam0nt0 estranho exclusivamente uma constatação daquilo que o
às épocas passadas. Todos esses enigmas mundo, tanto o mundo psíquico como o mundo
remetem ao enigmo do subjetividade e estão, espiritual, de fato é. Todavia, na realidade, o
portanto, inseparavelmente ligados ao enigma mundo e a existência humana podem ter um
da temática e do método da psicologia. Tudo sentido se as ciências admitem como válido e
isso não constitui mais que uma primeira indi como verdadeiro apenas aquilo que é obje
cação no sentido profundo daquilo que estas tivamente constatável, se a história não tem
conferências se propõem. Adotamos como outra coisa a ensinar a não ser que todas as
ponto de partida a mudança, verificada no fim formas do mundo espiritual, todos os vínculos
do século XIX, na avaliação geral das ciências. de vida, os ideais, as normas que vez por outra
(Ele não investe sua cientificidade e sim aquilo forneceram uma direção aos homens, se formam
que elos, as ciências em geral, têm significado e depois se dissolvem como ondas fugidias,
0 podem significar para o ©xistência humana, que sempre foi assim e sempre será, que a
fl exclusividade com que, na segunda metade razão está destinada a se transformar sempre
do século XIX, a visão do murido complexiva de novo em não-sentido, os atos prudentes
do homem moderno açoitou S0r d0terminada em flagelos? Podemos contentar-nos com isso.
Terceirã parte - F e n o m e n o lo g ia , E x is te n c ia lis m o , -H e rm en ê u tica
podemos viver neste mundo em que o devir consciência religiosa, e eventualmente também
histórico nõo é mais que umo cadeia incessante por nova metafísica conquistadora dòs massas.
de impulsos ilusórios 0 amargos desilusões? Os tabus cunhados pelas religiões em vários
€. Husserl, campos do conhecimento humano, declarando
fl crise da ciência européia "sagradas" 0 “objetos de fé" as coisos a eles
e a Fenomenologia transcendental, relacionadas, em razão de seus motivos e s
vol. 1.
pecificamente religiosos ou metafísicos devem
perder essa característica d© tabu 0 se tornar
objeto da ciência. Rpenas onde, por exemplo,
um livro considerado "sagrado" perdeu para
vastos círculos seu caráter sacral devido a
motivos religiosos ou metafísicos, ele pode
S ch eler ser estudado "cientificamente" como uma fonte
histórico qualquer. Ou ainda: enquanto para o
grupo a natureza estiver cheia de forças divinas
0 demoníacas dotadas de personalidade 0 de
vontade, à medido que o for, a própria natureza
Quando umo idéia religiosa ainda é “tabu" para a ciência, flpenas o impulso
torna possível a ciência religioso para uma idéia espiritual de Deus, uma
idéia menos biomórfica, 0 enquanto tal essen
cialmente também mais ou menos monoteísta
Sobre a relação ciência-Fé: a ciência, - como aparece pela primeira vez no âmbito
enquanto perm anece ciência, não p o d e dos vastas monarquias políticas do Oriente,
torcer um só cabelo da religião. Por outro intimamente ligada no sentido com essa or
lado, o monoteísmo criacionista hebraico- denação monárquica da sociedade -, faz com
cristão, dessacrolizando o mundo, constituiu que a religião se eleve acima dos vínculos das
"a primeira possibilidad e Fundamental de comunidades consangüíneas e tribais; apenas
abrir livremente caminho no Ocidente para assim se espiritualiza 0 se desvitaliza a idéia
a pesquisa sistemática da natureza". de Deus, tornando, portanto, sempre mais livre
para a pesquisa científica a natureza esfriada,
por assim dizer, na religião e tornada relativa
Cm primeiro lugar, é preciso acabar com mente objetiva e "morta", ou aquela parte da
o erro, bastante difundido, de que a ciência natureza que foi esfriada pela religião. Quem
positiva, e seu movimento progressivo, tenha considera as estrelas como divindades visíveis,
podido e possa - enquanto permanecer dentro ainda não está maduro para uma astronomia
de seus limites essenciais - torcer um só cabelo científica.
da religião. Csta tese é sempre e igualmente O monoteísmo criacionista hebraico-
falsa, tanto se é sustentada por crentes ou por cristão e suo vitória sobre o religião e sobre
não crentes. Como as religiões não são formas a metafísica do mundo antigo foi sem dúvida
preliminares nem reproduções da metafísica a prim eira p o ssib ilid ad e fundamental de
0 da ciência, mas em seu núcleo possuem abrir livremente caminho no Ocidente para
uma 0volução de fato autônoma, 0 uma V0Z a pesquisa sistemática da natureza, foi um
que, por outro lado, umo roligião positiva tornar livre o natureza para a ciência, e isso
qualquer já preenche o espírito dos olmas e em uma ordem de grandeza que ultrapassa
dos grupos quando apareço uma metafísica provavelmente tudo aquilo que no Ocidente
ou uma ciência, por isso, se para a pesquisa aconteceu até hoje. O Deus espiritual, dotado
metafísica e científica, no sentido sociológico de vontade, trabalhador e criador, que o grego
de um fenômeno geral, deve tornar “livre" um e o romano não conheceram, foi, indepen
campo de existência 0 de objetos, a religião dentemente da verdade ou falsidade de sua
deve, ao contrário, estar sempre submetida a hipótese, o máxima santificação da idéia do
uma modificação espontânea produzida pela trabalho e do domínio sobre as coisos infra-
sua própria energia.. Aquilo que faz tremor uma humanas; e ao mesmo tempo operou a maior
religião dominante nunca é a ciência, mas o desanim ação, mortificação, distanciamento
ressecamento e a morte de sua própria fé, de e racionalização da natureza que jamais se
seu ethos vivo, isto é, o fato de qu© no lugar verificou, vista em relação às culturas asiáticas
da fé "viva" 0 do ethos “vivo" insinue-se uma fé e à antiguidade.
"morta", um ethos “morto", e sobretudo que a fé M. Scheler,
se torne reprimida por nova forma germinal de Sociologia do saber.
( Z - a p \ ii\ \ o d é c i m o p r im e ir o
' H e i d e g g e r :
da jervomervoIogia ao exisfervciaIismo
• A análise do Ser-aí, feita em Ser e tempo, não revela o sentido do ser, mas
o nada da existência. Na realidade, sustenta Heidegger na Introdução à metafísi
ca (1953), a metafísica clássica, de Aristóteles até Hegel e Nietzsche, tentou uma
impossibilidade; procurou o sentido do ser indagando os entes. A metafísica tra
dicional identificou o ser com a objetividade, com a simples-presença dos entes; é
metafísica que, na realidade, é "física"; física absorvida pelas coisas, que esqueceu
o ser, e que está na origem da "técnica", a qual, tornando a realidade - incluindo
o homem - puro objeto a ser dominado e manipulado, torna o
homem uma coisa entre coisas.
A "reviravolta" A técnica não é um evento acidental do Ocidente, mas
no pensamento
muito mais o produto resultante da reviravolta dada por Platão
de Heidegger:
o homem deve ao conceito de verdade. Nos primeiros filósofos (Anaximandro,
ser o pastor Parmênides, Herádito) a verdade era a-létheia, o des-velar-se do
do ser ser. Platão, ao contrário, inverteu a relação entre ser e verdade
-+§9-11 no sentido de que a verdade estaria no pensamento que julga
e que estabelece relações entre realidades, e não no ser que se
desvela ao pensamento. E, então, como recuperar a verdade do
ser, o seu des-velamento? Para falar da realidade nós usamos nossa linguagem
(palavras, regras gramaticais, sintáticas etc.). Mas esta linguagem pode falar dos
entes, das coisas, e não do ser. Este desvelamento pode ocorrer apenas por inicia
tiva do próprio ser. O homem deve ser o pastor do ser, um pastor que deve "ser
guardião de sua verdade". E o ser se desvela - mas não na linguagem da ciência
ou na tagarelice inautêntica -; ele se desvela na linguagem autêntica da poesia:
"a linguagem é a casa do ser. Nesta moradia habita o homem. Os pensadores e
os poetas são os guardiões dessa moradia". O des-velar-se do ser não é obra do
homem; é um dom do ser.
que é a filosofia? (1956), A caminho rumo prescinde da existência, que se torna uma
à linguagem (1959); Nietzsche (1961), em determinação não essencial do ser. Escreve
dois volumes. Heidegger morreu em 1976. ele: “ A história do ser rege e determina toda
condição e situação humana” .
D a fenomenologia
á í í ^ S er-aí
ao existencialismo e a analítica existencial
Penetração, compreensão, solução, escolha, está sempre em uma situação, lançado nela
acesso — são momentos constitutivos da e em relação ativa com ela.
busca e, ao mesmo tempo, modos de ser O Ser-aí, isto é, o homem, não é so
de determinado ente, mais precisamente mente aquele ente que propõe a pergunta
daquele ente que, nós que o buscamos, já sobre o sentido do ser, mas é também aquele
som os” . ente que não se deixa reduzir à noção de ser
Por tudo isso, “ elaboração do proble aceita pela filosofia ocidental, que identifica
ma do ser significa, portanto, o tornar-se o ser com a objetividade, ou seja, como diz
transparente de um ente, pôr aquele que Heidegger, com a simples-presença. As coi
busca em seu ser” . E nisso consiste a analí sas são certamente diversas uma da outra,
tica existencial. mas todas são objetos (ob-jecta) colocados
O homem, portanto, é o ente que se diante de mim: e nesse seu estar presente a
propõe a pergunta sobre o sentido do ser. filosofia ocidental viu o ser.
Por isso, a proposição correta do problema M as o homem não pode se reduzir a
do sentido do ser requer uma explicitação objeto puro e simples no mundo; o Ser-aí
preliminar daquele ente que se propõe a jamais é uma simples-presença, uma vez que
pergunta sobre o sentido do ser: e “ esse ente, ele é precisamente aquele ente para o qual
que nós mesmos já somos sempre, e que as coisas estão presentes.
tem, entre as outras possibilidades de ser, O modo de ser do Ser-aí é a existência:
a de buscar, nós o indicamos com o termo “ A ‘natureza’, a ‘essência’ do Ser-aí consiste
Ser-aí (Dasein)” . em sua existência” . A essência da existência
Considerado em seu modo de ser, o ho é dada pela possibilidade, que não é possibi
mem é precisamente Da-sein, ou seja, ser-aí. lidade lógica vazia nem simples contingência
E o “d a ” (aí) indica o fato de que o homem empírica. O ser do homem é sempre uma
MARTIN HEIDEGGER
vão freqüentemente repetindo ao "moribundo" revela-se tal sem conhecer nenhuma medida,
que ele certamente escapará da morte e poderá nenhum mais ou menos, ou seja, revelo-se como
voltor à tranqüila quotidianidade do mundo da a possibilidade do incomensurável impossibili
qual cuidava. Csse "cuidava" quer assim "con dade da existência. Cm conformidade com sua
solar" o "moribundo", fls pessoas se preocupam essência, tal possibilidade não oferece nenhum
em remetê-lo ao ser-aí, ajudando-o a esconder ponto de apoio para projetar-se na direção de
de si mesmo o possibilidade de seu ser mais algo, para "colorir" o real possível e, portanto,
própria, incondicionada e insuperável. O s e esquecera possibilidade. O ser-para-a-morte,
preocupa-se com uma constante tranquilização como antecipação da possibilidade, torna p o s
em relação à morte. I\la realidade, isso nõo vale sível a possibilidade e a torna livre como tal.
apenas para o "moribundo'', mas igualmente O ser-para-a-morte é a antecipação de
para os "consoladores". C também em caso de um poder-ser daquele ente cujo modo de ser
falecimento, o público não deve ser perturbado é o próprio antecipar-se. Na descoberta ante-
em sua tranqüilidade e em seu preocupar-se cipatória deste poder-ser, o ser-aí se abre a si
despreocupado. Não é raro se ver no morte mesmo em relação à sua possibilidade extremo.
dos outros uma perturbação social ou até falta Mas projetar-se sobre o poder ser mais próprio
de tato, em relação à qual a vida pública deve significo: poder compreender o si próprio den
tomar suas medidas. tro do ser do ente assim desvelado: existir. O
Com essa tranqüilizoção que subtrai ao antecipar-se revela-se como a possibilidade
ser-aí a sua morte, o s e assume o direito e a da compreensão do poder-ser mais próprio e
pretensão de regular tacitamente o modo com extremo, isto é, como a possibilidade da exis
que se deve, em geral, comportar diante da tência autêntica. [...] fl morte é a possibilidade
morte. Já o "pensar na morte” é considerado mais própria do ser-aí.
publicamente um temor pusilânime, umo fraque fl posssibilidade mais próprio e incon
za do ser-aí e uma fuga lúgubre do mundo. O dicionada é insuperável. O ser paro esta
se não tem a coragem da angústia diante da possibilidade faz o ser-aí compreender que
morte. O predomínio do interpretação pública sobre ele incumbe, como extrema possibilida
do 50 já sempre decidiu a respeito da situação de de sua existência, a renúncia a si mesmo,
emotiva que deve predominar em relação à fl antecipação não evade a insuperabilidade,
morte. No ongústia diante da morte, o ser-aí assim como o faz o ser-para-a-morte inautên
é conduzido diante de si próprio enquanto re tico, mas, ao contrário, torna-se livre para ela.
metido à sua possibilidade insuperável. O s e O antecipatório tornar-se livre para a própria
preocupo-se em transformar esta angústia em morte liberta do dispersão nas possibilidades
medo diante de um evento que sobrevirá, fl an que se apresentam casualmente, de modo que
gústia, banalizada equivocamente em medo, é as possibilidades efetivas, ou seja, situadas
apresentada como uma fraqueza que um ser-aí aquém da insuperável, podem ser compreendi
seguro de si não deve conhecer. [...] das e escolhidas autenticamente, fl antecipação
O ser-aí, enquanto ser-jogado-no-mundo, manifesta à existência, como sua possibilidade
já foi sempre entregue à própria morte. Cxis- extrema, o renúncia o si mesma, dissolvendo
tindo para a própria morte, ele morre efetiva de tal modo todo solidificação sobre posições
e constantemente até que nõo tenha chegado existenciais alcançadas.
a seu próprio falecimento. Que o ser-aí morra fí situação emotiva que pode manter aber
efetivamente significa, além disso, que ele já ta a constante e radical ameaça que incumbe
sempre decidiu, de um ou de outro modo, quan sobre o si-mesmo - ameaça que provém do
to a seu ser-para-a-morte. O desvio quotidiano mais próprio e isolado ser do ser-aí- é a angús
e degenerativo diante da morte é o ser-para-a- tia. Nela o ser-aí encontra-se diante do nada do
morte inoutêntico. Mas a inautenticidade tem na possível impossibilidade da própria existência,
sua base a autenticidade possível, fl inauten fl angústia se angustia por causa do poder-ser
ticidade caracteriza um modo de ser em que o do ente assim constituído, e abre de tal modo
ser-aí pode extraviar-se - e no mais das vezes sua possibilidade extrema. Como a antecipação
se extraviou - mas no qual não é obrigado a isola totalmente o ser-aí e nesse isolamento foz
se extraviar necessária e constantemente. [...] com que ele se torne certo da totalidade de seu
fl morte, enquanto possibilidade, não poder-ser, a situação emotiva fundamental da
oferece nado "a realizar" para o homem e nado ongústio pertence o esta autocompreensão do
que ele posso ser como realidade atual. Cia é a ser-aí em seu próprio fundamento. O ser-para-
possibilidade do impossibilidade de todo com a-morte é essencialmente angústia.
portamento para..., de todo existir. Na antecipa M. bteictegger,
ção esto possibilidade se torna "sempre maior", Ser 0 tempo.
................................. 213
Cãpítulo décifflO ptiffieivo - M a r+ m 'H e id e g g e r : d a f e n o m e n o lo g ia a o e x is te n c ia lis m o — .—
eles reencontram sua própria essência. Tal Hõlderlin responde timidamente pela boca
essência consiste no fato de que eles atingem do amigo poeta Heinse, a quem a pergunta é
o abismo mais depressa que os celestes. Caso dirigida:
se considere sua essência, eles aparecem
mais próximos da não-presença (Rb-uuesen) mas eles, dizes tu, são semelhantes aos
porque estão investidos pelo estar-presente sacerdotes sagrados do deus do vinho, errantes
(,fín-uuesen), ou seja, pelo ser, assim como é de terra em terra na santa noite.
chamado desde os tempos mais remotos. Como
o estar-presente no próprio tempo se esconde, Poetas são os mortais que, cantando
ele já é não-presença. Portanto, o abismo (ftb- gravemente o deus do vinho, seguem as pe
grund) guarda e tudo retém. No Hino aos Titãs gadas dos deuses que fugiram, permanecem
(IV, 2 1 0 ), Hõlderlin designa o abismo como sobre essas pegadas, e assim reencontram a
"aquele que tudo retém". O mortal que precisa direção da reviravolta para seus irmãos mortais.
(.muss) chegar ao abismo antes e diversamente O éter, no qual apenas os deuses são deuses,
dos outros, descobre os sinais que o abismo é a divindade deles. O elemento deste éter,
mantém em si. Cstes sinais são, para o poeta, em que a própria divindade está presente, é
as pegadas dos deuses que fugiram. Segundo o sagrado. O elemento do éter para o retorno
Hõlderlin, Dioniso, o deus do vinho, deixa esta dos deuses, o sagrado, é a pegada dos deu
pegada aos privados de Deus que jazem nas ses que fugiram. Mas quem estará em grau
trevas da noite do mundo. Com efeito, o Deus de reencontrar essa pegada? As pegadas,
da videira guarda na videira e em seu fruto a freqüentemente, são muito pouco visíveis, e
pertença recíproca originária de Terra e Céu, são sempre a herança de uma indicação apenas
como o lugar da celebração da união de homens pressentida. Ser poeta no tempo da pobreza
e deuses. Apenas nesse lugar - se em algum significa: cantando, inspirar-se na pegada dos
lugar - podem restar ainda para os homens deuses que fugiram, é por isso que no tempo
privados de Deus algumas pegadas dos deuses da noite do mundo o poeta canta o sagrado.
que fugiram. Cis porque, na linguagem de Hõlderlin, a noite
do mundo é a noite sagrada.
...6 por que os poetas no tempo da p o M. Heidegger,
breza? Caminhos interrompidos.
..................... .......... ..... (^ a p íiu lo d é c im o segu n do .....................
Tm cos essenciais
e desenvolvimentos do exis+encialismo
I. P erspectivas g erais
A época do existencialismo é época de será o que ele decidiu ser. Seu modo de ser,
crise: a crise do otimismo romântico que, a existência, é um poder-ser, um sair para
durante todo o século X IX e a primeira dé fora em direção à decisão e à automoldagem,
cada do século X X , “garantia” o sentido da como escreveu Pedro Chiodi, um ex-sistere.
história em nome da razão, do absoluto, da A existência é, portanto, um poder-ser e, por
idéia ou da humanidade, “fundamentava” conseguinte, é “ incerteza, problematicidade,
valores estáveis e “assegurava ” um progres risco, decisão, impulso para a frente” . Mas
so certo e irreprimível. impulso em direção a quê? E precisamente aí,
O idealismo, o positivismo e o marxis diz ainda Chiodi, que começam a se dividir
mo são filosofias otimistas, que presumem as correntes do existencialismo, conforme as
ter captado o princípio da realidade e o respostas, que são: Deus, o mundo, o próprio
sentido progressivo absoluto da história. O homem, a liberdade, o nada.
existencialismo, porém, considera o homem
como ser finito, “ lançado no mundo” e con
tinuamente dilacerado por situações proble
máticas ou absurdas. E é precisamente pelo P V ess up ostos fôm otos
homem, o homem em sua singularidade, que e proxim os
o existencialismo se interessa.
O homem do existencialismo não é d o existencialism o
o objeto que exemplifica uma teoria, um
membro de uma classe ou um exemplar de
gênero substituível por outro exemplar qual Precisados esses traços conceituais,
quer do mesmo gênero. Da mesma forma, o ainda que brevemente, é preciso fixar mais
homem considerado pela filosofia da exis alguns pontos:
tência também não é um simples momento 1) N a perspectiva da história das
do processo de uma razão oniabrangente idéias, o existencialismo se apresenta como
ou uma dedução do sistema. A existência é uma das manifestações da grande crise do
indedutível, e a realidade não se identifica hegelianismo, manifestações que se expres
com a racionalidade nem se reduz a ela. saram no pessimismo de Schopenhauer, no
A não identificação da realidade com humanismo de Feuerbach e na filosofia de
a racionalidade é acompanhada, como ele Nietzsche e que, por outro lado, encontram
mento característico, por três outros pontos sua correspondência na obra literária de
básicos do pensamento existencialista, que Dostoiewski e de Kafka, permeada de tão
são: profunda problematicidade humana.
1) a centralidade da existência como 2) N as raízes do existencialismo en
modo de ser daquele ente finito que é o contra-se o pensamento de Kierkegaard. E o
homem; existencialismo apresentou-se como explíci
2) a transcendência do ser (o mundo ta Kierkegaard-Renaissance. O Comentário
e/ou Deus) com o qual a existência se re à epístola aos Romanos, do teólogo Karl
laciona; Barth (1886-1968) é de 1919. E foi exata
3) a possibilidade como modo de ser mente esse escrito que difundiu na Alemanha
constitutivo da existência e, pois, como ca algumas das temáticas kierkegaardianas,
tegoria insubstituível na análise da própria com seu tremendo sentido trágico da exis
existência. tência e a lúcida consciência da radicalidade
M as de que modo se qualifica o con do mal e do nada.
ceito de existência dentro do existencialis 3) Se Kierkegaard é a raiz remota do
mo? A primeira coisa que se deve destacar existencialismo, a Fenomenologia é sua raiz
é que a existência é constitutiva do sujeito próxima. Com efeito, o existencialismo arti
que filosofa, e o único sujeito que filosofa cula-se em contínuo exercício de análise da
é o homem; por isso, ela é exclusivamente existência e das relações da existência huma
típica do homem, já que o homem é o único na com o mundo das coisas e o mundo dos
sujeito que filosofa. Além disso, a existência homens. A existência humana não pode e
é um modo de ser finito; e ela é possibilida não deve ser deduzida a priori; ao contrário,
de, isto é, um poder-ser. A existência não é ela deve ser escrupulosamente descrita assim
precisamente uma essência, coisa dada por como se manifestam suas variadas formas
natureza, realidade predeterminada e não da experiência humana efetiva.
modificável. As coisas e os animais são o que 4) A análise da existência não foi ob
são e permanecem o que são. M as o homem jeto somente de obras filosóficas, como é o
Cãpltulo dédwO segundo - X r a ç o s e s s e n c ia is e d e s e n v o lv im e n t o s d o e x is t e n c ia lis m o
II. Karl ^ a s p e r s
e o naufrágio d a existência
nós. O ser nos arrasta em todos os sentidos estudo, diz Jaspers, deixa e sempre deixará
em direção ao infinito” . fora de si a existência.
Q uerem os conhecer o ser, m as ele Em sua concretude, singularidade e
“ sempre recua e se afasta” . Jaspers chama irrepetível excepcionalidade, a existência
esse ser de o oniabrangente: “ O oniabran- não pode ser objeto ou exemplar indiferente
gente é, portanto, o que sempre e continua e substituível de teorias ou discursos univer
mente se anuncia a nós — e se nos anuncia sais. A existência é sempre a minha existên
não enquanto ele próprio vem até diante de cia, singular e inconfundível, como viram
nós, mas enquanto é a fonte de toda outra Kierkegaard e Nietzsche. Tal é, portanto, o
coisa” . primeiro resultado importante da filosofia
entendida como clarificação da existência:
a existência é não-objetivável; em sua auten
4 n ã o -o b je tiv id a d e
ticidade, não pode ser identificada com um
Dasein (ser empírico), com um dado de fato
d a e x is tê n c ia compreensível pelo intelecto científico.
A existência não é um dado de fato
indiferente, mas “ uma questão pessoal” . O
Entretanto, além do intelecto (isto é, homem não é dado, não é um dado de fato;
a ciência), existe a razão. E é exatamente à ele pode ser.
razão que Jaspers confia aquela iluminação- M as o que o homem pode ser?
da-existência em que consiste a filosofia. Sua escolha, afirma Jaspers, está apenas
Escreve Jaspers: “ Existe um pensar no qual no reconhecimento e na aceitação daquela
nada se conhece que tenha validade universal possibilidade — na única possibilidade
e que force ao assentimento, mas que pode — que é a situação em que o homem se
revelar conteúdos que servem de sustentação encontra: “ Eu estou em uma situação his
e norma para a vida. Esse pensar penetra e tórica se me identifico com uma realidade
abre caminho, iluminando e não mais co e com sua tarefa imensa [...]. Posso per
nhecendo [...]. Nesse caso, o pensamento tencer somente a um único povo, posso ter
não me propicia conhecimentos de coisas apenas estes genitores e não outros, posso
até então estranhas para mim, mas me torna amar somente uma única mulher” . Claro,
claro o que eu verdadeiramente entendo, o eu posso trair. Todavia, se traio (tentando
que eu verdadeiramente quero e aquilo em pertencer a outro povo, amando outra mu
que eu verdadeiramente creio. Nesse caso, lher, desconhecendo meus genitores), estou
o pensamento cria e determina para mim o traindo a mim mesmo, já que sou minha
fundo claro de minha autoconsciência” . situação e essa é realidade intranscendível.
N ão é difícil notar que Jaspers torna Posso tornar-me apenas aquilo que sou. E a
sua, interpretando-a com liberdade, a dis única escolha autêntica está na consciência
tinção hegeliana entre intelecto e razão. E, e na aceitação da situação em que se está.
com base nesta distinção, ele se distancia A liberdade não é o instrumento de alter
tanto dos racionalistas que, em nome da ciên nativas, mas assemelha-se ao amor fati de
cia, rejeitam todo o resto (religião, moral Nietzsche.
etc.), jogando-o no reino da subjetividade
emotiva, arbitrária, instintiva, como dos
irracionalistas que “ levam às estrelas” o O n a u f r á g i o d a e x is tê n c ia
que é desprezado pelos racionalistas. Aos // . • //
e os s in a is
intelectualistas, Jaspers lembra que “ a exa
tidão pura e simples não nos satisfaz” , e d a t r a n s c e n d ê n c ia
censura aos irracionalistas sua inconsistente
“ embriaguez de vitalismo” .
Portanto, “ a verdade é algo infinita A não-objetivabilidade da existência
mente maior que a exatidão científica” , e a e sua historicidade, portanto, são os dois
filosofia é a atitude ou atividade que aclara primeiros resultados a que leva a iluminação
a existência, levando-a à consciência de da existência. E isso mostra que existência e
si mesma e à comunicação com as outras razão “ não são duas potências em luta” , mas
existências. que “ cada qual existe em virtude da outra
O homem pode ser estudado (através e, no ato de se compenetrarem, conferem-se
da biologia, da psicologia, da sociologia reciprocamente realidade e clareza” . M as
etc.) como um objeto do mundo. M as esse as coisas não ficam aí, já que a existência
Cãpltulo d é c ifH O S B g U T td o - "T r a ç o s e s s e n c ia is e d e se n v o lv im e n to s d o existen c ia lism o
M as, se a verdade é única, ela é tam minho sem garantias, ele defende sempre
bém múltipla, já que a existência individual a possibilidade da comunicação entre as
existe juntamente com outras existências, verdades das existências singulares.
cada qual com sua própria verdade. Subs Justamente a partir de reflexões desse
tancialmente, a verdade alheia não é tanto tipo, Jaspers realiza sua crítica contra os
uma verdade oposta à minha, e sim muito sistemas totalitários (como o marxista e o
mais a verdade de outra existência que, jun nazista) e se alinha com o mundo livre. Os
tamente com a minha, procura aquela Única sistem as totalitários presumem conhecer
Verdade que está além de todas as verdades, todo o curso da história e “ fundamentam
é o horizonte que transcende todas elas e em sua planificação total com base nesse co
direção ao qual todas se movem. nhecimento total. M as, como não é possível
Conseqüentemente, Jaspers evita tanto para ninguém, nem mediante o conhecimen
o dogmatismo e o fanatismo de quem afirma to, nem mediante a ação, captar a totalidade
que sua própria verdade é a única verdade, do mundo, aquele que, apesar disso, tenta
como o relativismo e o ceticismo de quem fazê-lo deve, conseqüentemente, conquistar
sustenta que existem tantas verdades quan o mundo com a força, mas o fará como as
tas são as existências. O filósofo atento “ não sassino que se apossa de um cadáver, e não
cai no erro da verdade total e completa” . como homem que procura entrar em relação
O que o filósofo dá, portanto, não é com outros seres humanos para construir
uma verdade definida; avançando por ca um mundo comum” .
homem inventa o homem". Mas querendo sua liberdade, ele deve também que
rer a liberdade dos outros. E, em nome da liberdade, Sartre - que havia aceito o
materialismo histórico - rejeitará - na Crítica da razão dialética - o materialismo
dialético. O marxista - diz Sartre-transform ou o marxismo em "um saber eterno";
o marxismo "não sabe mais nada; seus conceitos são Diktat, o princípio heurístico
"procurai o todo através das partes" transformou-se na prática terrorista: "liquidar
a particularidade".
de. Existir é estar ali, simplesmente; os seres vazia de ser, é possibilidade — e a possi
aparecem, se deixam encontrar, mas nunca bilidade não é realidade. A consciência é
se pode deduzi-los [...]. N ão há nenhum ser liberdade.
necessário que possa explicar a existência: a Escreve Sartre em O ser e o nada: “ A
contingência não é falsa fisionomia, aparên liberdade não é um ser; ela é o ser do ho
cia que pode se dissipar; é o absoluto e, por mem, isto é, o seu nada de ser” . A liberdade
conseguinte, a perfeita gratuidade” . é constitutiva da consciência: “ Eu estou
E a essa tese que Sartre queria chegar: condenado a existir para sempre além dos
“ Tudo é gratuito: este jardim, esta cidade, eu moventes e dos motivos de meu ato: estou
mesmo. E quando acontece de nos darmos condenado a ser livre” . Uma vez lançado
conta disso, nosso estômago se revira e tudo à vida, o homem é responsável por tudo
se põe a flutuar [...] eis a náusea” . o que faz do projeto fundamental, isto é,
A vida de Roquentin torna-se privada da sua vida. E ninguém tem desculpas: se
de sentido; nenhum objetivo consegue mais falirmos, falimos porque escolhemos a fa
orientá-la; ele existe como uma coisa, como lência. Procurar desculpas significa estar de
todas as coisas que emergem, na experiên má-fé: a má-fé apresenta o desejado como
cia da náusea, em sua gratuidade e em seu necessidade inevitável.
absurdo: um sujeito sem sentido cancela O homem, portanto, se escolhe; sua
de repente o sentido de todas as coisas e liberdade não é condicionada; e ele pode
passam a faltar instruções para seu uso. A mudar seu projeto fundamental a qualquer
náusea de Sartre não está longe da angústia momento. E assim como a náusea constitui
de Heidegger. a experiência metafísica que revela a gra
tuidade e o absurdo das coisas, da mesma
forma a angústia é a experiência metafísica
// •» do nada, isto é, da liberdade incondicionada.
L J em-si Com efeito, o homem, e só o homem, é “ o
// ■// ser para o qual todos os valores existem” .
e o pam-si ;
a // // j // Todavia, estabelecido isso, não é pre
o se** e o y\c\c\cx
ciso muito para ver que, então, “ todas as
atividades humanas são equivalentes [...]
Se a experiência da náusea revela a e que todas estão destinadas em princípio
gratuidade das coisas e do homem reduzido à falência. N o fundo, é a mesma coisa em
a coisa e submerso nas coisas, a análise de briagar-se na solidão ou conduzir os povos” .
senvolvida em O ser e o nada revela, antes As coisas do mundo são gratuitas, e um
de mais nada, que a consciência é sempre valor não é superior a outro. As coisas são
consciência de algo, de algo que não é cons desprovidas de sentido e fundamento, e as
ciência. Em outras palavras, o exame da ações dos homens são desprovidas de valor.
experiência mostra-nos que desde o início o Em suma, a vida é aventura absurda, onde
ser-em-si, isto é, os objetos que transcendem o homem se projeta continuamente além de
a consciência, não são a consciência. Eu te si mesmo, como que para poder tornar-se
nho consciência dos objetos do mundo, mas Deus. Escreve Sartre: “ O homem é o ser que
nenhum desses objetos é minha consciência: projeta ser Deus” , mas, na realidade, ele se
a consciência “ é um nada de ser e, ao mesmo mostra como aquilo que é, “ uma paixão
tempo, um poder nulificante, o nada” . O inútil” .
mundo é o “ em-si” , é o dado “ misturado
de si mesmo” , “ opaco a si mesmo porque
cheio de si mesmo” , absolutamente contin
gente e gratuito (como precisamente revela 4 O '' s e r - p a r a - o u t f o s ”
a náusea).
Diante do “ em si” está a consciên
cia, que Sartre denomina o “ para-si” . A O homem ou ser-para-si é também
consciência está no mundo, no ser-em-si, ser-para-outros (être-pour-autrui). O outro
mas é radicalmente diferente dele, não está não tem necessidade de ser inferido analo-
ligada a ele. A consciência, que vem a ser gicamente a partir de mim mesmo. O outro
a existência ou o homem, é, portanto, ab revela-se como outro naquelas experiências
solutamente livre. O “ em si” é “ o ser que em que ele invade o campo de minha sub
é o que é” ; a consciência não é um objeto. jetividade e, de sujeito, me transforma em
O ser é pleno e completo; a consciência é objeto de seu mundo.
Capítulo décimo segundo - 1> a ç o s e s s e n c ia is e d e se n v o lv im e n to s d o e x isten c ia lism o
não modificável; em outras palavras, não há vicção de fundo de Sartre: “ O homem, sem
determinismo; o homem é livre, o homem nenhum socorro e apoio, está condenado a
é liberdade” . cada instante a inventar o homem [...]. O
Por outro lado, “ se [...] Deus não homem inventa o homem” .
existe, nós não encontramos diante de nós A liberdade é absoluta e a responsa
valores e ordens em condições de legitimar bilidade é total. M as já estamos em 1946:
nossa conduta. Assim, nem atrás nem diante Sartre tem atrás de si uma guerra terrível e
de nós, em um domínio luminoso de valores, a experiência da Resistência; mas, diante
temos justificações ou desculpas. Estamos dele, está a grande questão da reconstrução.
sós, sem desculpas. É isso o que eu expres Todas essas coisas não passam em vão,
so com a afirmação de que o homem está deixando um traço em seu pensamento,
condenado a ser livre. Condenado porque onde se delineia uma moral social com base
não se criou por si mesmo e, no entanto, na relação entre a liberdade de cada um e
livre, porque, uma vez lançado ao mundo, a liberdade dos outros: “ eu sou obrigado
é responsável por tudo aquilo que faz” . — escreve ele — a querer ao mesmo tempo
A liberdade defendida por Sartre é uma minha liberdade e a liberdade dos outros,
liberdade absoluta, e a responsabilidade que e não posso tomar minha liberdade como
ele, conseqüentemente, atribui ao homem, fim se não tomar igualmente como fim a
é total. Estas palavras resumem bem a con liberdade dos outros” .
portanto, ter uma concepção análoga so escolhe” . Por isso, é desviante o dilema que
bre as relações entre o sujeito e o mundo. afirma que “ nossa liberdade [...] ou é total
M as, para Merleau-Ponty, também é errado ou não existe” .
conceber uma relação de causalidade entre A liberdade existe, “ não porque algo
o homem e a sociedade. Por isso, se Sartre me solicite, mas, ao contrário, porque de
está fora de rumo com sua idéia da liberdade repente estou fora de mim e aberto para o
absoluta, também é errada a teoria marxista mundo” . Ou seja, a liberdade existe, mas é
da primazia causai do fato econômico sobre condicionada, porque “ somos uma estrutura
a constituição do homem e da sociedade. psicológica e histórica” , porque “ estamos
N a o p in iã o de M erleau-P on ty, o misturados ao mundo e aos outros em con
hom em é livre e não existe estrutu ra, fusão inextricável” .
como a econômica, que p o ssa anular sua N ossa liberdade, portanto, não destrói
liberdade con stitu tiva. M a s a lib e rd a a situação, mas nela se insere. E é por essa
de do homem é liberdade condicionada: razão que as situações permanecem abertas,
condicionada pelo mundo em que vive e já que a inserção do homem nelas poderá
pelo passado que viveu. A ssim , “ jam ais configurá-las de um ou de outro modo,
existe determinismo e jamais existe escolha obviamente enquanto as situações o permi
absoluta; eu jam ais sou coisa e jam ais sou tirem. E nesta dimensão a liberdade condi
consciência nua” . A realidade é que “ nós cionada do homem assume um significado
escolhemos nosso mundo e o mundo nos construtivo positivo.
= VI. CÀo^oAe\ M a
e o Kieo-socmfismo cris+ão
ser enjaulada na trama dos nexos causais. o problema do ser se amplia com base nos
O mundo visto com os olhos da fé é radi próprios dados, e se aprofunda no interior
calmente diferente do mundo lido com a do próprio sujeito que o propõe. E, com isso,
gramática da ciência. O mundo da ciência nega-se (ou se transcende) como problema
é “ o lugar de uma espécie de imensa e infle e transforma-se em um mistério” .
xível contabilidade” , ao passo que o mundo O problema do ser, portanto, não é
da fé é o mundo de radical contingência propriamente problema, mas um metapro
metafísica. Para o homem profundamente blema. E, segundo Mareei, a descoberta do
religioso, “ tudo é perpetuam ente posto metaproblema nos faz entender que, além
em questão; nada é adquirido; e isso nada do problema que nós compreendemos, há o
mais é [...] do que um modo indireto de mistério que nos compreende. “ O problema
definir a esperança” . N ão há saber sobre a é algo que encontramos, que nos obstacu-
Providência. liza o caminho. Está inteiramente diante de
mim. O mistério, ao contrário, é algo em
que me encontro empenhado, cuja essência
Problema e metaproblema implica, portanto, que ele não se encontra
inteiramente diante de mim” .
Assim, para Mareei, o discurso sobre
N o fundo da assimetria entre verificar Deus não é factível por meio de argumenta
e crer, Mareei insere a distinção — funda ções lógicas capazes de, por exemplo, chegar
mental em sua filosofia — entre problema e à demonstração da existência de Deus, mas
metaproblema. muito mais, por meio da descoberta do
A filosofia tradicional preferiu tratar o m etaproblemático, compreende-se que o
“ problema do ser” como se ele, apesar de mistério nos compreende. Nós não podemos
sua importância, fosse da mesma natureza compreender e dominar o mistério: o misté
dos outros problemas. M as, assim fazendo, rio não pode ser entendido. O que podemos
ofuscou o caráter único e irredutível do fazer, porém, é realizar a análise de nossos
problema do ser, até que algumas correntes modos de participação nele, como é o caso
filosóficas contem porâneas o repuseram das experiências cristãs da fidelidade, da
entre os pseudoproblemas. esperança e do amor.
M as, para Mareei, as coisas são bem Em suma, o único modo de falar de
diferentes. Com efeito, quando nos defron Deus é a invocação, isto é, falar a Deus. Não
tamos com um problema, por exemplo, nas se demonstra Deus, invoca-se. ESBinTl
ciências físicas, em química ou em biologia,
encontramo-nos diante de um incógnita x,
que devemos encontrar a partir de certo lá® S e r e ter
número de dados conhecidos (a, b, c etc.),
aplicando aquele conjunto de normas de
procedimento da verificação que constituem Para que a pessoa redescubra a si mes
o método científico. Desse modo, simplifi ma e, portanto, se torne disponível para o
cando um pouco as coisas, podemos dizer domínio do Ser, deve fazer uma reviravolta
que um problema científico encontra sua sobre si mesma e subverter a hierarquia que
formulação-padrão na fórmula da mais sim o mundo moderno e contemporâneo fixa
ples equação algébrica: a x = b. Entretanto, ram entre a categoria do ter e a do ser.
quando nos propom os o problema do ser, Segundo a metafísica do ter, valemos
isto é, o problema do sentido da realidade e pelo que temos e não pelo que somos, en
de nós mesmos, todos os dados desaparecem quanto o mundo e os outros são unicamente
enquanto tais, e tudo se torna problemático: objetos de posse sempre mais vasta.
a realidade, os outros, eu mesmo que me Segundo Mareei, não é estranha ao nas
interrogo. Assim, porém, um problema em cimento e ao desenvolvimento dessa atitude
que todos os dados são incógnitos acaba por a mentalidade objetivante do racionalismo
desvanecer como problema. científico e técnico, para a qual “ o próprio
A exemplo de Heidegger, Mareei obser mundo tende [...] a aparecer por vezes como
va, em Ser e ter, que a reflexão sobre o pro simples cam po de exploração e às vezes
blema ontológico lhe descerra um abismo: como escravo adorm ecido” . Entretanto,
“ Eu mesmo, que me interrogo sobre o ser, enquanto aquele que possui tenta, por todos
não sei inicialmente se eu o sou, nem a for- os meios, manter, conservar e aumentar a
tiori o que sou [...]; assim, o que vemos é que coisa possuída, esta, sujeita ao desgaste e
C ã p í t u l o d é c i m o s e g u n d o - X r a ç o s e s s e n c ia is e d e se n v o lv im e n to s d o e x isten c ia lism o
a Os limites do ciência
ciência não pode guiara vida; para sua clareza
e decisão ela remete a outro fundamento de
nossa vida.
c) fl ciência não pode dar nenhuma
“O conhecimento científico [...] nõo esta resposta à pergunta que se refere a seu
belece valores válidos; a ciência como ciência verdadeiro e próprio sentido: o fato de que a
nõo p od e guiar a vida". ciência exista baseia-se sobre impulsos que
não podem nem mesmo eles ser demonstrados
cientificamente como verdadeiros e como tais
para dever existir.
Nosso atividade filosófica atual está su Ao mesmo tempo, com os limites da ci
bordinada às condições destas experiências ência se esclarecem a importância positiva e a
da ciência. O caminho que vai da desilusão indispensabilidade da ciência para a filosofia.
provocada pela falsa filosofia até as ciências 6m primeiro lugar, a ciência, metódica e
reais, e das ciências novamente para a verda criticamente purificada nestes últimos séculos,
deira filosofia, é de tal espécie que influi de mesmo que apenas raramente realizada pelos
modo decisivo sobre a maneira de filosofar hoje pesquisadores em sua totalidade, teve pela
possível, flntes de nos remetermos à filosofia primeira vez a possibilidade de reconhecer,
devemos determinar objetivamente a relação por meio de seu contraste com a filosofia, a
de nenhuma forma unívoca entre a filosofia turva contaminação entre filosofia 0 ciência e
atual e a ciência. €m primeiro lugar tornaram- de sup0rá-la.
se claros os limites da ciência; eles podem ser O caminho da ciência é indisponsáv©!
brevemente caracterizados assim: para a filosofia, porque apenas o conh0cim0nto
d0ss0 caminho impede qu© outra vez se afir
a) O conhecimento científico das coisas
me, de modo pouco claro e objetivo, estar na
não é conhecimento do "ser"; o conhecimento filosofia o conhecimento objetivo das coisas
científico está particularmente dirigido sobre qu0, ao contrário, tem sua sed0 na pesquisa
objetos determinados, não é dirigido sobre a metodicamente exata.
própria realidade. Por isso a ciência representa Vice-versa, a clareza filosófica é indis
do ponto de vista filosófico, justamente por meio pensável para a vida e para a pureza de uma
Cãpítulo décimo segundo - X f a ç o s e s s e n c ia is e d ese n v o lv im e n to s d o e x isten c ia lism o
Gnus - Consegue escrever facilmente, Veja, as pessoas acabavam nas celas da Gesta
exprimir aquilo que pensa? po ou nos campos de concentração. Rquilo que
R rcndt - Rlgumas vezes sim, outras não. então começava era terrível, e hoje é freqüen
Mas, em geral, posso dizer que jamais escre temente ocultado por eventos sucessivos. Para
vo sem antes ter, por assim dizer, ponderado mim foi um choque imediato, e a partir daquele
aquilo que devo escrever. momento me senti envolvida. Isso significa
Gnus - Ou seja, depois de ter refletido que me tornei consciente de que não era mais
preliminarmente. possível limitar-se a ser expectadores. Procurei
R rcndt - Sim, sei exatamente aquilo que tornar-me útil de diversos modos. Mas aquilo
quero escrever. Rntes dessa fase, não escrevo. que imediatamente me convenceu a abandonar
Cu trabalho no mais das vezes um só texto. € a Rlemanha - caso deva falar disso - jamais
então a redação é relativamente rápida, porque o contei, porque doravante não tem nenhuma
depende apenas da velocidade com que bato importância...
à máquina. Gnus - Conte, por favor.
Gnus - R senhora trabalha principalmente Rrcndt - Cu tinha, de todo modo, intenção
com teoria política, com a ação e o comporta de emigrar. Imediatamente percebi que os ju
mento político. Dito isso, parece-me particu deus não poderiam permanecer. Cu não tinha
larmente interessante o que a senhora diz em a intenção de circular na Rlemanha, por assim
um diálogo com o professor israelita Scholem. dizer, como cidadã de segunda classe, ou de
R senhora escreveu a ele, permita-me citá-la, qualquer outro modo. Rlém disso, considerava
que na juventude “não se interessava nem pela que as coisas se tornariam sempre piores.
política nem pela história". Senhora flrendt, a Todavia, não me retirei de modo totalmente
senhora abandonou a Rlemanha em 1 9 3 3 por pacífico. C devo dizer que isso me causou certa
ser judia, com a idade de vinte e seis anos. satisfação. Fui presa, tive de abandonar ilegal
Cxiste uma relação causai entre seu interesse mente o país - logo lhe contarei isso - e disso
pela política, o envolvimento na política e na tirei certa satisfação. Cu pensava: ao menos fiz
história, e aqueles acontecimentos? alguma coisal Ro menos não sou inocente! Nada
Rrcndt - Sim, evidentemente. Cm 1 9 3 3 poderá ser-me reprovado! Ora, a ocasião para
o desinteresse não era mais possível. Mas jó tornar-me útil foi-me oferecida pela organiza
anteriormente não era mais possível. ção sionista. Cu estava em estreitas relações
Gnus - € isso vai ia também para a senhora? de amizade com alguns dos dirigentes, e o
Rrcndt - Sim, sem dúvida. Cu lia com primeiro de todos era o então presidente Kurt
atenção os jornais e criei uma opinião. Mas Blumenfeld. Mas eu não era sionista. C ninguém
não estava inscrita em nenhum partido, por procurou tornar-me sionista. Cu sempre, em
que não sentia necessidade disso. Depois de certo sentido, fora influenciada pelo sionismo,
1 9 3 1 eu havia chegado à conclusão de que particularmente no que se refere à crítica, ou
os nazistas tomariam o poder. Havia discutido melhor, à autocrítica, que os sionistas haviam
continuamente sobre este problema com outras suscitado no povo judeu. Por isso havia sofrido
pessoas. Mas ocupei-me sistematicamente com certa influência, e também fiquei impressionada,
estas coisas apenas no momento da emigração. mas de um ponto de vista político eu não tinha
Gnus - Tenho uma pergunta a respeito do nada a ver com o sionismo. Ora, em 1 9 3 3 ,
que a senhora acaba de dizer. Partindo de sua Blumenfeld e os outros, que o senhor não pode
convicção sucessiva a 1 9 3 1 - que os nazistas conhecer, me procuraram e disseram que tinham
conquistariam o poder-, a senhora não tentou intenção de recolher todos os testemunhos
opor-se ativamente, aderindo, por exemplo, anti-semitas de baixo nível: nas associações,
a um partido, ou pensava que isso não teria nas profissionais e de outro tipo, em todas as
nenhum sentido? revistas especializadas, em poucas palavras,
R rcndt- Pessoalmente eu considerava que tudo aquilo que não era conhecido no exterior.
não tivesse sentido. Caso contrário - mas isto Organizar essa coletânea recaía então sob a
é difícil de dizer com o discernimento posterior assim chamada G reulpropaganda.] Nenhum
- teria feito alguma coisa. Mas parecia-me que membro da organização sionista podia dela se
a situação fosse desesperada. ocupar. Com efeito, se fosse preso, também a
Gnus - Rcaso se lembra se um evento organização se tornava exposta.
particular coincidiu com seu empenho político? Gnus - Naturalmente.
Rrcndt- Poderia recordar o dia 2 7 de feve
reiro de 1 9 3 3 , o dia do incêndio do Reichstag,
e as prisões ilegais que ocorreram na mesma 'Propagando endereçada o desacreditar ou difamar
noite. Denominavom-se prisões preventivas. alguém.
241
Cãpltulo décimo segundo - T r a ç o s e s s e n c ia is e d ese n v o lv im e n to s d o e x iste n c ia lism o _ ..
tâncias externos. Por exsmplo, nõo penso ter O existencialismo se opõe energicamente
jornais me considerado alemã, no sentido do a certo tipo de moral leiga que gostaria de
nacionalidade, da pertença a um povo 0 não eliminar Deus com o mínimo dano possível.
da cidadania, se é possível 0stab0l0cer essa Quando, por volta de 1 8 8 0 , alguns professores
diferença. Lembro-me, por 0X0mplo, de ter franceses tentaram constituir uma moral leiga,
tido a esse respeito discussões com Jaspers raciocinaram mais ou menos assim: Deus é uma
pelos anos de 1 9 3 0 . (Ele dizia: "Naturalmente hipótese inútil e custosa: eliminemo-la,- mas é
que você é alemã"; e eu: “D© modo nenhum, necessário, todavia, para que haja uma moral,
e isso S0 vêl". M as isso não teve nenhuma uma sociedade, um mundo civil, que certos
importância para mim. Jamais me senti em con valores sejam tomados a sério e considerados
dição de inferioridade, não era exatamente o como exist0nt0s a priori; é preciso que seja
caso. Permita-me voltar à peculiaridad© de meu obrigatório a priori ser honestos, não mentir, não
ambiente familiar. Veja, todas as crianças judias bater na própria esposa, ter filhos etc. Devemos
tiveram a ver com o anti-semitismo. Envenenou fazer, portanto, pequeno trabalho que permitirá
a alma de tantos crianças, fl diferença para mostrar que tais valores existem igualmente, em
nós era que minha mãe partia sempre deste um céu inteligível, mesmo que Deus não exista.
ponto d® vista: não se deve abaixar a cabeça! Cm outros palavras - e é a tendência de todo
é preciso sempre defender-sel Se meus profes aquele movimento que na frança denomina-se
sores tivessem feito observações anti-semitas radicalismo - nada mudará se Deus não existir;
- geralmente não em relação a mim, mas às reencontraremos as mesmás normas de hones
outras estudantes judias, por exemplo, judias tidade, de progresso, de humanismo, e teremos
orientais -, eu fora instruída para levantar-me, feito de Deus uma hipótese ultrapassada, qu©
deixar a classe, voltar para casa e fazer uma re morrerá tranqüilamente por si só.
lação detalhada sobre o que havia acontecido. O existencialismo, ao contrário, pensa que
Minha mãe escrevia uma de suas tantas cartas é muito incômodo que Deus não exista, pois
registradas; e para mim o incidente estava com Deus desaparece toda possibilidade de
absolutamente encerrado. €u tinha um dia de reencontrar valores em um céu inteligível; não
férias a mais, 0 isso era muito gostoso. Mas, se pode mais haver um bem a priori porque não
as observações eram feitas por outras crianças, ©xiste nenhuma consciência infinita 0 perfeita
eu nõo devia contar nada em casa. Não valia para pensá-lo; não está escrito em nenhum
o peno. Com as crianças, devia me defender lugar que o bem ©xist©, que é preciso ser
sozinha. Assim, estas coisas não constituíam honestos, que não se deve mentir, e por esta
para mim nenhum problema. Cm minha casa precisa razão: que estamos sobre um plano em
existiam regras de conduta que me permitiam que há apenas homens.
mant0r e proteger absolutamente a dignidade. Dostoiewski ©screveu: "S0 D©us não 0xis-
H. Arendt, te, tudo é permitido". Cis o ponto de partida do
líng ua materna. existencialismo. Afetivamente, tudo é lícito se
Deus nõo existir 0, por conseguinte, o homem
torna-se "abandonado" porque não encontra
nem em si nem fora d e si uma possibilidade de
se ancorar. C em primeiro lugar não ©ncontra se
quer d0sculpas. Se de fato a existência precede
S artr e a essência não se poderá jamais ch©gar a uma
©xplicação referindo-se a uma natureza humana
dada 0 determinada; ou melhor, não há determi
nismo: o homem é livre, o homem é liberdade.
Se, por outro lado, Deus não 0xist0, não
0ncontramos diant0 d0 nós valores ou ord©ns
O homem que dêem o sinal da legitimidade de nossa
"é condenado conduta. Assim, não temos nem diante de nós
em todo momento nem atrás de nós, no luminoso reino dos valo
res, justificativas ou desculpas. Estornos a sós,
a inventor o homem" sem desculpas. Situação que me parece poder
caracterizar dizendo que o homem é condenado
"O homem é cond<znodo a ser livre [...] a ser livre. Condenado porque nõo S0 criou por
porque, uma vez jog a d o no mundo, é res si só, 0 m0smo assim nem rronos livre porque,
ponsável por tudo aquilo que faz". uma vez jogado no mundo, é responsável por
tudo aquilo qu© faz.
Capítulo décimo segundo - T r a ç o s e s s e n c ia is e d e se n v o lv im e n to s d o e x isten c ia lism o
O existencialista não crê na força da Mas o que queremos dizer nós, deste modo,
paixão. Jamais pensará que uma bela paixão senão que o homem tem uma dignidade maior
é uma torrente impetuosa que leva o homem que a pedra ou a mesa? Porque queremos dizer
fatalmente a certas ações e que, portanto, que o homem em primeiro lugar existe, ou seja,
vale como desculpa. Considera o homem res que ele é em primeiro lugar aquilo que se lança
ponsável pela paixão. O existencialista não para o futuro e aquilo que tem consciência de
pensará sequer que o homem pode encontrar se projetar para o futuro.
auxílio em um sinal dado sobre a terra, a fim de O homem é, em primeiro lugar, um projeto
orientá-lo; ao contrário, pensa que o indivíduo que vive por si mesmo subjetivamente, em vez
interpreta por si o sinal a seu bel-prazer. Pensa, de ser musgo, podridão ou couve-flor; nada
portanto, que o homem, sem apoio ou auxílio, existe antes deste projeto: nada existe no céu
está condenado em cada momento a inventar inteligível; o homem será em primeiro lugar
o homem. aquilo que tiver projetado ser. Não aquilo que
J.-P. Sartre, quiser ser. Pois aquilo que em geral entendemos
O existencialismo é um humanismo. com o verbo “querer" é uma decisão consciente,
posterior, para a maior parte de nós, ao fato
de ser feitos por nós mesmos. Cu posso querer
aderir a um partido, escrever um livro, casar-
me: tudo isso não é mais que a manifestação
O homem é responsável de uma escolha mais originária, mais espontâ
por ciquilo que pertence nea, daquilo que se chama de vontade. Mas,
a todos os homens se de fato a existência precede a essência, o
homem é responsável por aquilo que é. flssim,
o primeiro passo do existencialismo é pôr todo
"Nossa responsabilidade é muito maior homem na posse daquilo que ele é, e fazer
do que poderíam os supor, porque ela envol cair sobre ele a responsabilidade total por sua
ve o humanidade inteira''. existência. C quando dizemos que o homem é
responsável por si próprio, não entendemos que
o homem é responsável pela sua individualida
Há duas espécies de existencialistas: uns de estrita, mas que ele é responsável por todos
que são cristãos, e entre estes eu colocaria Jas os homens, fl palavra “subjetivismo" tem dois
pers e Gabriel Mareei, este último de confissão significados com os quais nossos adversários
católica: e os outros que são existencialistas jogam. Subjetivismo quer dizer, de um lado,
ateus, entre os quais é preciso pôr Heidegger, escolha do sujeito individual por si próprio e, do
os existencialistas franceses e eu mesmo. [...] outro, impossibilidade para o homem de ultra
O existencialismo ateu, que eu represento, passar a subjetividade humana. Cste segundo é
é mais coerente. Se Deus não existe, afirma, há o sentido profundo do existencialismo. Quando
ao menos um ser em que a existência precede dizemos que o homem se escolhe, entendemos
a essência, um ser que existe antes de poder que cada um de nós se escolhe, mas, com isso,
ser definido por algum conceito: este ser é o queremos também dizer que cada um de nós,
homem, ou, como diz Heidegger, a realidade escolhendo-se, escolhe por todos os homens.
humana. O que significa, neste caso, que a Com efeito, não há um só de nossos atos que,
existência precede a essência? Significa que o criando o homem que queremos ser, não crie ao
homem existe em primeiro lugar, se encontra, mesmo tempo uma imagem do homem tal qual
surge no mundo, e que se define depois. O julgamos que deva ser. Cscolher ser isto mais do
homem, segundo a concepção existencialista, que aquilo é afirmar, ao mesmo tempo, o valor
não pode ser definido pelo fato de que no início de nossa escolha, uma vez que não podemos
não é nada. Será a seguir, e será tal qual se jamais escolher o mal; isso que escolhemos é
houver feito, fissim, não há uma natureza hu sempre o bem, e nada pode ser um bem para
mana, pois não há um Deus que a conceba. O nós sem que o seja para todos. Se a existência,
homem é apenas, não só tal qual se concebe, por outro lado, precede a essência e queremos
mas tal qual se quer e precisamente tal qual existir ao mesmo tempo em que formamos
se concebe depois da existência, e tal qual se nossa imagem, essa imagem é validade para
quer depois deste impulso para a existência: o todos e para toda a nossa época, flssim, nossa
homem nõo é mais do que aquilo que ele se faz. responsabilidade é muito maior do que pode
Cste é o princípio primeiro do existencialismo. C ríamos supor, pois ela envolve a humanidade
é também aquilo que se chama de subjetividade inteira. Se eu sou operário e escolho fazer parte
e que nos é reprovada com este mesmo termo. de um sindicato cristão em vez de ser comunista;
Terceira parte - T -e n om e n o lo gia , É x is te n c ia lis m o , 'H e r m e n ê u tica
se, com esto minha escolha, quero mostrar que jamais tenha traído, sente-se, pelo seu modo
o resignação é, no fundo, o solução que convém de ser fiel, que ele poderia trair: ele não toma
ao homem, que o reino do homem não é sobre parte nas coisas como os outros, falta ao seu
esta terra, eu não ponho em questão apenas o assentimento algo de sólido e de cornai. Cie
meu caso pessoal: eu quero ser resignado por não é um ser totalmente real.
todos e, por conseguinte, meu ato envolveu Uma diferença existe. Mas é a do filósofo
toda a humanidade. C se quero, fato ainda e do homem? Cia é mais, no próprio homem,
mais individual, casar-me, ter filhos, mesmo a diferença entre aquele que compreende e
que esse matrimônio dependa unicamente de aquele que escolhe, e todo homem, deste
minha situação, ou de minha paixão, ou de meu ponto de vista, está dividido como o filósofo. Há
desejo, desse modo eu empenho não só a mim muito convencionalismo no retrato do homem de
mesmo, mas a humanidade inteira sobre o ca ação que é contraposto ao filósofo: o homem
minho da monogamia. Assim, sou responsável de ação não é íntegro. O ódio é uma virtude
por mim mesmo e por todos, e crio certa imagem invertida. O obedecer de olhos fechados é o
do homem que escolho. Cscolhendo-me, eu início do pânico, e escolher em oposição àquilo
escolho o homem. que se compreende é o início do ceticismo, é
Isso nos permite compreender aquilo que preciso ser capazes de certa tolerância para
está sob certas palavras um pouco grandilo retroceder, a fim de empenhar-se de fato, que
qüentes, como angústia, abandono, desespero. é sempre um empenhar-se na verdade. Aquele
Como vocês verão, é extremamente simples. mesmo que pode ter escrito um dia que toda
No entanto, o que se entende por angústia? ação é maniqueísta, uma vez que entrou mais
O existencialista declaro de bom grado que o a fundo no ação, pode responder familiarmente
homem é angústia. Isso significa: o homem que a um jornalista que lhe recorda sua afirmação:
assume um empenho e está consciente de ser "toda ação é maniqueísta, mas não se deve
não só aquele que escolhe ser, mas também remeter-se a este juízo". Ninguém é maniqueu
um legislador que escolhe, ao mesmo tempo, diante de si próprio. C uma área que têm os
e por si e por toda a humanidade, não pode homens de ação, vistos do exterior, e que eles
escapar do sentimento de sua própria, completa conservam raramente em suas memórias. Se
e profunda responsabilidade. o filósofo deixa entender desde o início algo
J.-P. Sartre, que o grande homem diz apenas diante de si
O existencialismo é um humanismo. mesmo, o filósofo salva a verdade para todos,
e o salva também para o homem de ação, que
evidentemente tem necessidade dela, pois ne
nhum governador de povos jamais aceitou dizer
que se desinteressa pela verdade. Mais tarde,
ou amanhã mesmo, o homem de ação reabilita
M erleau- P o n ty rá o filósofo. Ouanto aos homens simplesmente
homens, que não são profissionais da ação,
estão bem longe de classificar os outros em
bons e maus, contanto que falem daquilo que
viram e o julguem de perto. C os encontramos,
Para que servem quando se quer tentar fazer a experiência disso,
de modo espantoso, sensívéis à ironia filosófi
os filósofos? ca, como se nela reconhecessem seu silêncio e
suas reservas, porque, por uma vez, a palavra
"O Filósofo é o homem que desperto torna-se aqui deliberação.
e que Fala, e o homem tem em si, silen A fraqueza do filósofo é sua virtude. A ver
ciosam ente, os p a ra d o x o s da FilosoFia, dadeira ironia não é um álibi, mas uma tarefa,
porque, para ser de Fato homem, é preciso e a desapego do filósofo lhe permite certo tipo
ser um pouco mais e um pouco menos que de ação entre os homens. Como vivemos em
homem". uma das situações que Hegel chamava de di
plomáticas, na qual o sentido de toda iniciativa
corre o risco de ser falseado, crê-se por vezes
Os maniqueus que se combatem na ação servir à filosofia proibindo-lhe os problemas
entendem-se melhor entre si do que com a de sua própria época, e também recentemente
filosofia: entre eles há uma cumplicidade, cada foi lembrado em honra de Descartes o fato de
um é a razão de ser do outro. Nessa luta fra que ele não tomou partido entre Galileu e o
terna o filósofo é um estrangeiro. Mesmo que Santo Ofício. O filósofo, como se diz, não. deve
245
Cãpítulo decimo segundo - T ra ço s e s s e n c ia is e d e s e n v o lv im e n t o s d o e x is t e n c ia lis m o ---------
escolher entre dois dogmatismos rivais. Cie se ser aquilo que sobem todos aqueles que fazem
ocupa do ser absoluto, para além do objeto proceder juntos suo alma e seu corpo, seu bem
do físico e da imaginação do teólogo. Mas é e seu mal? O que ensina sobre a morte, a não
esquecer que, recusando-se a falar, Descartes ser que está escondida na vida, assim como
recusa também fazer valer e fazer existir a o corpo na alma, e que isso faz de fato, como
ordem filosófica na qual é colocado: calando, dizia Montaigne, que morra um camponês, que
ele não supera dois erros opostos, mas os morram povos inteiros, assim como morre o
deixa em oposição, os encoraja e, de modo filósofo? O filósofo é o homem que desperta e
particular, encoraja o vencedor do momento. que fala, e o homem tem em si, silenciosamente,
Não é a mesma coisa calar e dizer por que não os paradoxos da filosofia, porque, para ser de
se quer escolher. Se Descartes o tivesse feito, fato homem, é preciso ser um pouco mais e um
não teria podido não estabelecer o relativo pouco menos que homem.
direito de Galileu contra o Santo Ofício, mesmo M. Merleau-PontY,
se isso tivesse terminado, no fim, com uma su Elogio do FilosoFia.
bordinação da física à teologia, fl filosofia e o
ser absoluto não estão acima dos erros opostos
que se opõem no século: estes jamais têm um
mesmo modo de ser erros, e a filosofia, que é
integração na verdade, tem a tarefa de dizer
aquilo que deles pode ser integrado. Para que M arcel
um dia pudesse se realizar uma situação no
mundo na qual fosse possível um pensamento
livre tanto do cientificismo como da imaginação,
não era suficiente a pretensão de superá-los
com o silêncio: era preciso tomor posição contra, Problema e metaproblema
e, no coso específico, contra a imaginação. O
pensamento físico tinha consigo, na questão de
Galileu, os interesses do verdade. O absoluto fís p á g in a s seg u in tes constituem os
filosófico não reside em nenhum lugar, e nunca Delineamentos da relação apresentada por
se encontra, portanto, em outro lugar, fllain dizia G abriel M arcel ò S ocied ade de estudos
a seus alunos: “fl verdade é momentânea, poro FilosóFicos d e Marselha no dia 2 1 de janeiro
nós que somos homens, que temos uma visão de 1933, sobre Posições e aproximações
curta. €stá em uma situação, em um instante; é concretas do mistério ontológico.
preciso fazê-la, dizê-la, naquele dado momento, fí análise leva Marcel a concluir que o
não antes nem depois, não fechando-a em má problema do ser é um problema que se e s
ximas ridículas; não muitas vezes, porque nada tende a seus próprios dados, enquanto põe
se repete muitas vezes". Aqui a diferença não em discussão a própria pessoa que pergunta,
se encontra entre o homem e a filosofia: ambos e deste modo "se nega (ou se transcende)
pensam a verdade no acontecimento: encon como problema e transForma-se em mistério",
tram-se juntos contra a pretensão arrogante que fí ciência enFrenta problemas; a metaFísica vai
pensa segundo princípios abstratos e contra a ao encontro do metaproblema, cuja solução
libertinagem que vive sem verdade. é “o mistério que se compreende".
No limite de uma reflexão que no início o
diminui, mas para fazer com que ele sinta melhor
as verdadeiras relações que o ligam ao mundo fí - Se considerarmos a posição atual do
e à história, o filósofo não encontra o abismo pensamento filosófico como se manifesta em
do eu ou do saber absoluto, mas uma imagem uma consciência que procura aprofundar suas
renovada do mundo, e a si mesmo naquela próprias exigências, somos levados a formular
imagem, no meio dos outros. Sua dialética, os seguintes observações.
ou sua ambigüidade, não é mais que um meio 1) Os termos tradicionais, com os quais
para expressar com palavras aquilo que todo alguns tentam ainda hoje enunciar o problema
homem sabe bem: o vôlor dos momentos em do ser, despertam em geral uma desconfiança
que de fato a vida se renova continuando-se, se insuperável, cuja origem deve ser procurada
retoma e se compreende ultrapassando-se, nos mais no fato de que alguns espíritos estõo
quais seu mundo privado torna-se um mundo embebidos com os resultados da crítica berg-
comum. O mistério está em todos da mesma soniana - e isso se constata também naqueles
forma como estó nele. O que diz o filósofo que não poderiam remeter-se ao bergsonismo
sobre os relações da alma com o corpo a não enquanto metafísica - do que em uma adesão
Terceira parte - F e n o m e n o lo g ia , E x is te n c ia lis m o , ■H erm enêutica
mais ou menos explícito o algumas teses kan- porque se refere apenas aos outros, e isso por
tianas. uma ilusão de que estes “outros" são vítimas,
2) ilusão que afirmo ter definitivamente superado.
Por outro lado, a atitude de abstenção
pura e simples diante do problema do ser por é necessário evitar toda confusão entre
parte de muitas doutrinas filosóficas contem o mistério e o incognoscível: na realidade, o
porâneas é, em última análise, insustentável. incognoscível é apenas um limite do proble
Com efeito, tal atitude se reduz a uma espécie mático que nõo pode ser atualizado sem cair
de intervalo não justificável de direito que em contradição. O reconhecimento do mistério
deriva da preguiça ou do timidez. Essa atitude é, ao contrário, um ato essencialmente positivo
- como geralmente ocorre - pode também ligar- do espírito, o ato positivo por excelência, em
se, ainda que indiretamente, a uma negação função do qual toda positividade pode ser rigo
mais ou menos explícita do ser, que encerra rosamente definida. Tudo parece desenrolar-se
uma oposição às exigências essenciais de um como se eu me beneficiasse de uma intuição
ser cuja essência concreta é a de ser de todo que possuo sem saber disso imediatamente:
modo empenhado. Pelo próprio fato de ser de uma intuição que, propriamente falando,
empenhado ele vem a se encontrar às voltas não poderia existir por si, embora compreen
com um destino que deve não apenas sofrer, dendo-se por meio dos modos de experiência
mas também tornor seu, recriando-o de algum sobre os quais se reflete, e que ela ilumina por
modo a partir do interior. Essa negação do ser meio dessa própria reflexão. Um procedimento
nõo poderia ser na realidade a constatação metafísico essencial consistiria então em uma
de uma ausência, de uma falta; pode ser ape reflexão sobre esta reflexão; uma reflexão,
nas desejada e, portanto, pode também ser portanto, em segunda potência, com a quaf o
rejeitada. ^ pensamento se inclina no direção da recupe
B - é oportuno notar como eu, que me ração de uma intuição que se perde à medida
ponho quesitos sobre o ser, não sei nem se que ele se realiza.
eu seja, nem a fortiori o que eu seja, nem o O recolhimento, cuja possibilidade efetiva
significado próprio do quesito: o que sou eu?, pode ser considerada como o sinal ontológico
que todavia me assimila. Nós vemos aqui que mais revelador que possuímos, constitui o meio
o problema do ser s e estende o seus próprios real com que se pode realizar essa recuperação.
dodos, e se aprofunda no seio do sujeito que 6 - 0 “problema do ser" será, portanto,
o põe. Deste modo se nega (ou se transcen uma exemplificação, ainda que em linguagem
de) enquanto problema, e transforma-se em inadequada, de um mistério que pode ser dado
mistério. apenas a um ser capaz de recolhimento, e cuja
C -Parece justamente que entre um misté característica consiste talvez no não coincidir de
rio e um problema haja uma diferença essencial. modo puro e simples com sua vida. Encontramos
Com efeito, um problema é algo que deparo, a confirmação ou a prova dessa não-coincidên-
que encontro diante de mim, mas que posso cia no fato de que avalio minha vida de modo
delimitar e transformar, enquanto um mistério é mais ou menos explícito. Na realidade, posso
algo em que estou empenhado e que, portanto, não só condená-la com uma sentença abstrata,
é pensável apenas como uma esfera em que mas pôr um termo efetivo se não a esta vida
a distinção entre o "em mim" e o “diante de considerada em profundidade, pelo menos à
mim" perde seu significado e seu valor inicial. expressão finita e material à qual sou livre de
Um problema autêntico depende de uma téc crer que esta vida se reduza. Na própria possi
nica apropriada em função da qual se define, bilidade do suicídio há um elemento essencial
enquanto um mistério transcende por definição de todo pensamento metafísico autêntico. £
toda possibilidade de técnica. Sem dúvida é isso nõo só para o suicídio: o desespero, sob
possível (lógica e psicologicamente) degradar todas as suas formos, a traição, em todos os
um mistério para dele fazer um problema; mas seus aspectos, enquanto negações efetivas do
seria um processo substancialmente vicioso, ser, enquanto a alma se desespera, se fecha
cujas origens deveriam talvez ser procuradas também ela à garantia misteriosa e fundamental
em uma espécie de corrupção da inteligência. em que acreditamos encontrar o princípio de
Na realidade, aquilo que os filósofos chamaram toda positividade.
o problema do mal nos oferece um exemplo F - Nõo basta dizer que vivemos em um
particularmente instrutivo dessa degradação. mundo em que a traição é possível a cada
D - O mistério, enquanto pode ser reco instante, em toda medida, em todos os seus
nhecido como tal, pode ser também mal conheci aspectos; a própria estrutura de nosso mundo
do e ativamente negado: ele se reduz, portanto, a recomenda, para não dizer que o impõe.
a algo de que "ouvi falar", a algo que rejeito O espetáculo de morte que este mundo nos
Capítulo décimo segundo - T r a ç o s e s s e n c ia is e d e se n v o lv im e n to s d o e x isten c ia lism o
I. Estrutura d a ke-^menêutica
que só pode ser captada de modo genuíno se reza o esquema de fundo do procedimento
a interpretação compreende que sua função hermenêutico, ou seja, do ato interpretati-
primeira, permanente e última é a de não vo. Existem textos providos de sentido que,
se deixar nunca impor pré-disponibilidade, por seu turno, falam de coisas; o intérprete
pré-vidências e pré-cognições do caso ou das se aproxima dos textos não com a mente
opiniões comuns, mas fazê-las emergir das semelhante a uma tabula rasa, mas com sua
próprias coisas, garantindo assim a cienti pré-compreensão (Vor-verstàndnis), isto é,
ficidade do próprio tema” . M T] com seus pré-juízos (Vor-urteile), suas pré-
suposições, suas expectativas; dado aquele
texto e dada a pré-compreensão do intérpre
3 CD procedimento te, este esboça um significado preliminar de
tal texto, tendo-se esse esboço precisamente
kermervêu+ico
porque o texto é lido pelo intérprete com
como a+o in+erpre+a+ivo certas expectativas determinadas, que deri
e seu esquema de furvdo vam de sua pré-compreensão.
E o trabalho hermenêutico posterior
consiste todo na elaboração daquele projeto
Esta, comenta Gadamer, é uma descri inicial, “ que é revisto continuamente com
ção extremamente concisa do círculo her base no resultado da penetração ulterior
menêutico. M as nela já se entrevê com cla do texto” .
€
T c r c e i f ã p ã T t C - P e n o m e n o lo g ia , (z^xistencialism o, H e r m e n ê u tic a
II. J7nterpre+ação I
e^kis+ória dos efeitos'7
que devemos chegar à compreensão do texto compreendidas de modo arbitrário. Como nõo
partindo do uso específico que a linguagem podemos ignorar determinado uso lingüístico
tem naquela determinada época ou naquele sem que o sentido de seu conjunto se quebre,
determinado autor. Continua, naturalmente, o assim, quando compreendemos a opinião de
problema de como essa regra geral possa ser outro não podemos nos ater cegamente às nos
concretamente realizada. No plano dos signi sos próprias pré-suposições sobre a questão.
ficados, com efeito, a ela se opõe o caráter Não é que quando alguém ouve algum outro ou
inconsciente do modo com que usamos a lingua vai a uma conferência deva esquecer todas as
gem que falamos. Como podemos efetivamente pré-suposições sobre o argumento do qual se
chegar a estabelecer uma diferença entre o trata e todas as próprias opiniões a respeito.
uso que fazemos da linguagem e o uso que o O que se exige é simplesmente que esteja
texto dela faz? aberto à opinião do outro ou ao conteúdo do
é preciso dizer que em geral aquilo que texto. Tal abertura sempre implica, porém, que
nos obriga a refletir, e chama nossa atenção a opinião do outro seja posta em relação com
sobre a possibilidade de um uso diverso da a totalidade das próprias opiniões, ou que
linguagem que nos é familiar, é a experiência de nos coloquemos em relação com ela. Ora, é
um “choque" que se verifica diante de um texto, verdade que as opiniões representam multi
tanto se o texto não exibe nenhum sentido, plicidade de possibilidades (em confronto com
como se o sentido dele contrasta irredutivelmen- o acordo representado pela unidade de uma
te com nossas expectativas. Que todo aquele linguagem ou de um vocabulário), mas dentro
que fala minha língua assuma as palavras no desta variedade do opinável, ou seja, daquilo
mesmo sentido que elas têm para mim é um que um leitor pode encontrar provido de sentido
pré-suposto geral que pode se tornar proble e, portanto, pode se aplicar, nem tudo é possí
mático apenas no caso particular; o mesmo se vel, e quem ouve aquilo que verdadeiramente
diga no que se refere às línguas estrangeiras: o outro diz, perceberá no fim que aquilo que
também aqui consideramos conhecer uma língua ele terá eventualmente entendido mal não se
estrangeira em um nível médio e, na interpre deixa sequer coordenar coerentemente com
tação de um texto, pressupomos sempre este sua própria expectativa multiforme. Aqui há,
uso médio dela. portanto, um critério, fí tarefo hermenêutica,
fiquilo que vale para esta pré-suposição em virtude de sua própria essência, assume a
sobre o uso da língua vale também, ao mesmo Fisionomia de um problema objetivo, e como tal
título, para as pré-suposições de conteúdo com também sempre se determina. Desse modo, o
que lemos os textos, e que constituem nossa empreendimento hermenêutico encontra-se na
pré-compreensão deles. C também aqui o pro posse de um terreno sólido sob os pés. Quem
blema que se põe é como em geral se possa quer compreender não poderá desde o início
sair do círculo das próprias pré-suposições pri abandonar-se à casualidade das próprias pres
vadas. Não se pode certamente assumir como suposições, mas deverá se colocar, com a maior
norma geral que aquilo que um texto tem a coerência e obstinação possível, na escuta da
dizer-nos se adapte sem dificuldade às nossas opinião do texto, até o ponto que esta se faça
opiniões e às nossas expectativas. Mais ainda, entender de modo inequívoco e toda compreen
aquilo que outro me diz, tanto no diálogo, como são apenas presumida seja eliminada. Quem
em uma carta, em um livro ou de outra forma, quer compreender um texto deve estar pronto a
se pressupõe sempre que seja justamente sua deixar que o texto diga alguma coisa. Por isso,
opinião e não a minha, que ele expressa e da uma consciência hermeneuticamente educada
qual devo cientificar-me, sem dever necessa deve ser preliminarmente sensível à alteridade
riamente compartilhá-la. Mas este pressuposto do texto. Tal sensibilidade não pressupõe nem
não é uma condição que facilita a compreensão, uma “neutralidade" objetiva nem um esqueci
e sim que a torna mais difícil, pois minhas pró mento de si mesmo, mas implica uma precisa
prias pré-suposições, que determinam minha tomada de consciência das próprias pré-supo
compreensão, podem igualmente escapar da sições e dos próprios preconceitos. £ preciso
atenção. C se elas dão lugar a mal-entendidos, estar consciente das próprias prevenções, para
como será possível que, diante de um texto, em que o texto se apresente em sua alteridade e
que não há a presença de alguém que de fato tenha concretamente a possibilidade de fazer
nos responda, se possa em geral perceber um valer seu conteúdo de verdade em relação às
mal-entendido? Como se deve fazer para pre pré-siposições do intérprete.
caver um texto de um mal-entendido? t uma perfeita descrição fenomenológico a
Se refletirmos mais a fundo, percebere que Heidegger deu com seu esclarecimento, na
mos que também as opiniões nõo podem ser quilo que pretende ser um puro "ler" o que "está
Terceira parte - T -e n o m e n o lo g ia, E x is t e n c ia lis m o , "H e rm e n ê u tic a
- aquele qu® seria objeto do umo pesquiso sempre submetidos aos efeitos da Uüirkun
que se desenvolve progressivamente como gsgeschichte. Csta decide antecipadamente
a da ciência natural mas será um modo de sobre aquilo que se apresenta a nós como
reconhecer aquilo que é diferente de si, reco problemático e como objeto de pesquisa, e nós
nhecendo assim, com o outro, a si mesmo. O esquecemos a metade daquilo que é, ou me
verdadeiro objeto da história não é de foto um lhor, esquecemos toda a verdade do fenômeno
objeto, mas a unidade destes dois termos, uma histórico se assumirmos tal fenômeno, em sua
relação em que consiste tanto a realidade da imediatez, como toda a verdade.
história, como, ao mesmo tempo, a realidade Na ingenuidade presumida de nossa
da compreensão histórica. Uma hermenêutica compreensão, na qual seguimos o critério da
adequada deveria esclarecer a realidade da compreensibilidade, o outro se mostra a tal
história também no próprio compreender. ChaJ ponto apenas em base àquilo que é nosso,
ma aquilo que forma o objeto desta exigência pois um e outro elemento não são mais nitida
de UUirkungsgeschichte, história dos efeitos ou mente distinguíveis. O objetivismo historicista,
das determinações. O compreender é, em sua mantendo-se em sua metodologia crítica, fecha
essência, um processo que está inserido dentro os olhos diante da trama da história dos efeitos,
desta história e a deve levar em conta. em que a própria consciência histórica se encon
Que o interesse histórico não se dirija tra envolvida. 0 e de fato elimina, por meio de
apenas ao fenômeno histórico como tal ou à seu método crítico, toda ocasião de arbitrário,
obra que nos foi transmitida pela história, iso casual ou demasiadamente desenvolvido tra
ladamente entendida, mas também, em uma tamento do passado em base à atualidade;
tematização secundária, a seu “destino" e a todavia, modelando para si ao mesmo tempo
seus efeitos na história (que, em última aná uma boa consciência com a negação de todos
lise, compreendem também a própria história os pressupostos, também aqueles de modo
da pesquisa sobre aquele tema), é algo que nenhum arbitrários e casuais, que na realidade
se admite geralmente em termos de simples guiam sua compreensão, deixa escapar a ver
complementação do delineamento de um pro dade que, embora no caráter finito de nossa
blema histórico, e que, do RaFfaello de Hermann compreensão, seria possível alcançar. O obje
Grimm a Gundolf para diante, deu lugar a uma tivismo historicista pode ser nisso comparado
grande colheita de válidas obras históricas. à estatística, que é um tão poderoso meio de
Nestes termos, aquilo que chamei de história propaganda justamente porque deixa que os
dos efeitos não é nada de novo. Mas dizer que fatos falem e, desse modo, dá a ilusão de uma
tal história dos efeitos é sempre indispensável objetividade que na realidade depende da
quando se quiser esclarecer o significado au legitimidade de suas exposições iniciais.
têntico de uma obra ou de um dado histórico, Não se quer, todavia, afirmor que a his
subtraindo-o a um estado em que oscila entre tória dos efeitos deva ser desenvolvido como
história e tradição, isto é na verdade algo de nova disciplina auxiliar das ciências do espírito;
novo, o enunciação de uma exigência - tornada mas que é preciso aprender o compreender
válida não tanto em relação à pesquisa, e sim à melhora si mesmos, reconhecendo que em toda
própria consciência metodológica - que deriva compreensão, estejamos ou não conscientes
como resultado necessário a partir da reflexão de modo explícito, sempre está em ação esta
sobre a consciência histórica. história dos efeitos. Onde ela for negada em
é claro que não se trata de um preceito base a uma ingênua fé absoluta na força do
hermenêutico no sentido do conceito tradicional método, pode acontecer que se tenham, como
de hermenêutica. Não se quer dizer, com efeito, conseqüência, verdadeiras e próprias defor
que a pesquisa deva desenvolver tal história mações objetivas do conhecimento. Na história
dos efeitos, ao lodo do estudo da obra como da ciência temos exemplos de demonstrações
tal. O preceito tem, ao contrário, um significado irrefutáveis de algo que é claramente falso.
teórico. R consciência histórica deve tomar cons Mas no conjunto a força da história dos efeitos
ciência do fato de que na pretensa imediatez não depende do fato de ser reconhecida. Jus
com a qual ela se põe diante da obra ou do tamente esta é a força da história em relação à
dado histórico, age também sempre, embora consciência finita do homem: ela triunfa também
inconsciente e, portanto, nãô controlada, essa ali onde o homem, por causa de sua fé no mé
estrutura da história dos efeitos. Quando nós, todo, nega a própria historicidade. R exigência
a partir da distância histórica que caracteriza desta tomada de consciência da história dos
e determina em seu<conjuntó' nossa situação efeitos é urgente justamente pelo fato de ser
hermenêutica, nos esforçamos pará entender uma exigência essencial para a consciência cien
determinada manifestação histórica, já estamos tífica. Isso não significa, porém, que o problema
262
Terceira parte - F e n o m e n o lo g ia , E x is t e n c ia lis m o , -H e rm en ê u tica
posto por ela posso ser resolvido de umo vez de novos horizontes etc. A linguagem filosófico,
por todos 0 de modo unívoco. Que do história a partir de Nietzsche e Husserl, empregou em
dos efeitos possamos nos tornar conscientes de particular esse termo para indicar o fato de que
umo vez por todas de modo completo é uma o pensamento está ligado à sua determinação
afirmação híbrido como a pretensão hegeliano finita e para salientar a gradualidade de todo
do saber absoluto, no qual o história teria che alargamento da perspectiva. Quem não tem um
gado à plena autotransparência e, portanto, à horizonte é um homem que não vê suficiente
pureza do conceito. Mais que isso, a consciência mente longe e, por isso, supervaloriza aquilo
da determinação histórica (wirkungsgeschichtli- que está mais próximo. Ter um horizonte signi
ches Beuuusstseiri) é um momento do próprio fica, ao contrário, não estar limitado àquilo que
processo da compreensão, já está presente na se encontra mais próximo, mas saber ver para
proposição correta do problema. além dele. Quem tem um horizonte sabe avaliar
fl consciência da determinação histórica corretamente dentro dei® o significado de cada
é, em prim©iro lugar, consciência da situação coisa segundo a proximidade ou distância,
hermenêutica, fl tomada de consciência de uma segundo as dimensões grandes e pequenas.
situação, porém, é sempre tarefa carregada £m conformidade com isso, elaborar a situação
d© dificuldade peculiar. O conceito de situa hermenêutica significa adquirir o justo horizonte
ção implica, de fato, como sua característica problemático para os problemas propostos com
essencial, que ela não é algo diante do qual os dados históricos transmitidos.
nos encontramos e do qual possamos ter um . H. G. Gadamer,
conhecimento objetivo, fl situação é algo dentro Verdade e método.
do qual estamos, no qual nos encontramos já
sempre a existir, e a clarificação dela é tarefa
que jamais se conclui. Isso vale também para a
situação hermenêutica, ou seja, para a situação
em que nos encontramos em relação ao dado
histórico transmitido, e que temos de compreen
□ Teoria da tradição
der. Também a clarificação dessa situação, isto "Tanto a crítica iluminista da tradição
é, a reflexão sobre a história dos efeitos, não é como sua reabilitação romântica não cap
algo que se possa concluir; tal impossibilidade tam a verdade de sua essência histórica''.
de concluir não é, porém, um defeito da refle Cnganam-se os românticos ao sacralizar
xão, mas está ligada à próprio essência do ser a tradição; enganam-se os iluministas ao
histórico que somos nós. Ser histórico significa desacreditá-la. Cada um d e nós já está
não p od er jam ais s e resolver totalmente em dentro dos "preconceitos" (idéias e ideais)
autotransparência. Todo saber de si surge em da própria tradição; preconceitos que serão
uma datação histórica, que podemos chamar, aceitos ou rejeitados e que, em todo caso,
com Hegel, de substância, enquanto constitui passam a cada dia no crivo da experiência.
a base de toda reflexão e comportamento do Da "verdade" não perguntamos a data de
sujeito e, portanto, define e circunscreve tam nascimento.
bém toda possibilidade, por parte do sujeito, de
entender um dado histórico transmitido em sua
alteridade. fl tarefa da hermenêutica filosófica Para isso podem os retomar a crítico
pode, portanto, sobre esta base, ser definida romântica do lluminismo. Há uma forma de
como a de remontar ao itinerário da Fenome autoridade que foi particularmente defendida
nologia do espírito hegeliano, até esclarecer pelo romantismo: a da tradição. Aquilo que é
em toda subjetividade a substancialidade que consagrado pela história e pelo uso é provido
a determina. de uma autoridade que doravante se tornou
Todo presente finito tem limites. O conceito universal, e nossa finitude histórica define-se
de situação pode ser definido justamente com justamente pelo fato de que também a autori
base no fato de que a situação representa um dade daquilo que nos foi transmitido, e não só
ponto de vista que limita as possibilidades de aquilo que podemos racionalmente reconhecer
visão. Ao conceito de situação, portanto, está como válido, exerce sempre uma influência
essencialmente ligado o de horizonte. Horizon sobre nossas ações e sobre nossos comporta
te é aquele círculo que abraça e compreende mentos. Toda educação se fundamenta sobre
tudo aquilo que é visível a partir de certo isso; e embora no caso da educação o "tutor",
ponto. Aplicando o conceito ao pensamento, com a maturidade da maioridade alcançada,
costumamos falar de limitação de horizonte, perca suo função, e a autoridade do educador
possível alargamento de horizonte, abertura deixe o lugar para o julgamento e a decisão
Capítulo décimo terceiro - -H an s G e o r g G a d a m e r e a t e o r i a d a k e r m e n ê u + ic a
Desenvolvimentos recentes
da teoria da Uermenêutica
mílio Bef+i
e. a hermenêutica como método geral
d a s ciências do espírito
não pode de fato despojar-se de sua subjeti de igual nível e congenialmente disposto
vidade; ao contrário, o intérprete dirige-se à encontra a via para caminhar com o es
compreensão do objeto, partindo da própria pírito que lhe fala, e está em condição de
experiência, “ transpondo” o objeto da inter compreendê-lo de modo adequado” . Betti
pretação “ no círculo do próprio horizonte sustenta que não basta ao intérprete um
espiritual. A atitude do intérprete, em suma, interesse, ainda que vivo, para entender um
não deve ser “ passivamente receptiva, mas objeto; também lhe é necessária principal
factivelmente reconstrutiva” . Por conse mente “ uma abertura espiritual” que lhe
guinte, “ a pretensão de que o intérprete permita “ colocar-se na perspectiva justa,
deva cancelar sua própria subjetividade é no mais favorável à descoberta e à compreen
mínimo absurda: aquilo que ele deve fazer são ” . Ainda mais explicitamente, Betti diz
calar são unicamente os próprios desejos que se trata de uma disposição de espírito,
pessoais em relação aos resultados [...]. M as tanto moral como teórica, “ que poder-se-
a intelecção pressupõe a maior vitalidade ia definir negativamente como humildade
do sujeito e o m áxim o desenvolvimento e abnegação de si, que se manifestam com
possível de sua individualidade. sincera e decidida superação dos próprios
4) O quarto cânon é o da correspon preconceitos [...]; e que pode ser definida
dência de significado ou consonância her positivamente como abertura de visão e
menêutica ou, se quisermos, da adequação riqueza de interesses; capacidade de assumir
da intelecção. Escreve Betti: “ Se é verdade em relação ao objeto da interpretação uma
que apenas o espírito fala ao espírito, é atitude congenial animada por um senti
verdade também que apenas um espírito mento de estreita afinidade” .
da revista “ Esprit” , em 1952 Ricoeur sucede Essai sur Freud aparece em 1965; Le
a Jean Hyppolite na cátedra de história da conflit des interprétations é de 1969; La
filosofia na Universidade de Estrasburgo. métaphore vive é publicado em 1975. No
Em 1956 tornou-se professor de filosofia período 1983-1985 temos os três volumes
na Sorbonne. Transferindo-se a seguir para de Temps et récit. De 1986 é Du texte à
a nova faculdade de Nanterre nos anos difí Vaction. Essais d ’herméneutique II.
ceis da contestação, também foi seu decano. Paul Ricoeur morreu no dia 20 de maio
Tornou-se ainda docente na Divinity School de 2005, aos 92 anos.
da Universidade de Chicago, da qual foi
declarado professor emérito.
Ricoeur é um cristão de confissão pro swpocto este corpo
testante. Em 1968 a Universidade católica
que governo
de Nijm egen o distinguiu com a láurea
honor is causa.
Nessa ocasião o teólogo dominicano E.
Schillebeeckx pronunciou as significativas Le volontaire et Vinvolontaire oferece
palavras: “ O professor Ricoeur é um dos uma análise fenomenológica das estruturas
raros filósofos que, embora sendo filósofo do voluntário e do involuntário, dirigin
na autonomia do pensamento responsável, do a atenção sobre sua relação recíproca,
recusam pôr entre parênteses sua condição que se configura na tríplice dimensão do
existencial de crentes cristãos, e para ele decidir, do agir e do concordar. Assim, por
crer é ouvir a interpretação. M as para ou exemplo, no plano do decidir, a estrutura
vir a interpretação é preciso interpretar a voluntária é o projeto de quem se empenha
mensagem” . responsavelmente na decisão, mas esta deci
Em sua autobiografia intelectual es são encontra suas motivações nos “ valores
crita em 1991, Ricoeur recorda: “ Se reflito, vitais” , nos motivos introduzidos por meu
dando um passo para trás de meio século corpo, daquele involuntário primeiro que é
[...], sobre as influências que reconheço ter a existência. Aqui está o ponto central da
sofrido, sinto-me grato de ter sido desde o análise de Ricoeur: na tentativa de descrever
início instigado por forças contrárias e fideli- a relação entre voluntário e involuntário; em
dades opostas: de uma parte Gabriel Mareei, evidenciar a reciprocidade do involuntário
ao qual acrescento Emmanuel M ounier; e do voluntário.
de outro lado, Edmund Husserl” . Ricoeur, Escreve Ricoeur: “ A necessidade, a
portanto, formou-se em contato com idéias emoção, o hábito etc., adquirem um sentido
típicas do existencialismo, do personalismo completo unicamente em relação com uma
e da fenomenologia. vontade que eles solicitam, inclinam e em
Todavia, Ricoeur sempre acrescenta: geral influenciam, e que por sua vez estabe
“N ão só não lamento ter sido impelido des lece seu sentido, ou seja, determina-os por
de o início de meu itinerário por solicitações meio de seu esforço e os adota por meio de
distintas, ou até divergentes, mas devo a seu consenso” .
esta polaridade inicial de influências o di E, tendo instituído a ligação decisões-
namismo propulsor de toda a minha obra. motivações, “ propõe-se a dualidade e a opo
Rejeitando escolher entre meus mestres, eu sição [...] entre corpo sujeito e corpo objeto,
estava condenado a procurar meu próprio ou entre liberdade e natureza [...]. A decisão,
caminho desse modo, será o lugar da dialética de
De 1947 é Karl Jaspers et la philosophie atividade e passividade, centro de relações
de Vexistence (escrito com M. Dufrenne). complexas, resultado de tentativas falidas,
N o ano seguinte Ricoeur publica o ensaio de renúncias, de crises e de retom adas” (F.
Gabriel Mareei et Karl Jaspers. Philosophie Guerrera Brezzi).
du mystère et philosophie du paradoxe. De A partir disso vemos, então, que a
1955 é Histoire et vérité. existência humana configura-se como “ um
A primeira parte de sua grande obra diálogo com um involuntário múltiplo e
Philosophie de la volonté sai em 1950 com proteiforme — motivos, resistências, situa
o título Le volontaire et Vinvolontaire; ções irremediáveis — , ao qual a vontade
a segunda parte em 1960, com o título replica por meio da escolha, do esforço e
Finitude et culpabilité, em dois volumes: do consenso” . Escreve Ricoeur: “ Eu suporto
L’homme faillible e L a symbolique du mal. este corpo que governo” . E, mais à frente:
De Vinterprétation. “ Querer não é criar” .
"
Capitulo "
décimo q U ã T tO - ID esen v olvim en tos r e c e n te s d a te o ria d a h e rm e n ê u tic a
271
..........
interpretação. Ensaio sobre Freud, de 1965. decifrar o sentido escondido no sentido evi
Ricoeur volta a ler Freud porque Freud dente, ao desdobrar os níveis de significação
reinterpretou “ a totalidade das produções implícitos na significação literal” .
psíquicas que competem à cultura, do sonho Eis, então, que “ símbolo e interpreta
à religião, compreendendo a arte e a mo ção tornam-se, deste modo, conceitos cor-
ral” . A psicanálise, diz Ricoeur, pertence à relativos; há interpretação onde há sentido
cultura moderna: “ Interpretando a cultura, múltiplo, e é na interpretação que a plurali
ela a modifica; dando-lhe um instrumento dade dos sentidos se tornou manifesta” .
de reflexão, marca-a duravelmente” . E visto que o trabalho interpretativo
Assim como m arca duravelmente a se abre em uma multiplicidade de mode
própria idéia de consciência, assim como foi los interpretativos em conflito, é preciso
pensada e nos foi transmitida por Descartes: um trabalho atento dirigido, de um lado,
“ o filósofo educado na escola de Descartes a bloquear as intenções totalizantes das
sabe que as coisas são dúbias, que não são interpretações particulares e, de outro, a
como aparecem ; mas não duvida que a dar razão do efetivo, circunscrito valor dos
consciência não seja assim como aparece diversos modelos interpretativos.
a si própria; nela, sentido e consciência do
sentido coincidem” . Pois bem, isto — sa
lienta Ricoeur — hoje não é mais possível. yA realidade do símbolo
Os “ mestres da escola da suspeita” , ou entre o vetor " a r q u e o ló g ic o '
seja, M arx, Nietzsche e Freud, devastaram
também esta certeza: “ Depois da dúvida e o rtteleolÓ0 ÍcoA
sobre a coisa, para nós é a dúvida sobre a
consciência” . A dúvida entrou no próprio
coração da fortaleza cartesiana: a consciên M ais particularmente, na realidade do
cia é “ falsa” consciência. símbolo Ricoeur vê sempre presentes dois
Para M arx não é a consciência que vetores, o arqueológico e o teleológico, que
determina o ser, mas é o ser social que a interpretação tem a tarefa de esclarecer.
determina a consciência; para Nietzsche a “ Conforme ensina principalmente a her
vontade de poder é a chave das mentiras e menêutica desm istificadora freudiana, o
das máscaras; para Freud, finalmente, o Eu homem é continuamente forçado ao ponto
é um infeliz “ submisso a três senhores: o Id, inicial do próprio processo de desenvolvi
o superego e a realidade ou necessidade” . mento, porque não pode explicar sua pró
E3CT21 pria atividade, compreendida a tipicamente
espiritual, sem repetir os esquemas fixados
nas primeiras fases do desenvolvimento;
por outro lado, todo retorno daquilo que
O conflito foi rem ovido representa evidentemente,
das interpretações vendo bem, sempre também um acréscimo
de sentido ou, conforme a fenomenologia
hegeliana, a realização de um momento
Ricoeur eleva ao ponto mais alto o m ais elevado na vida do esp írito ” (M.
projeto de uma filosofia como hermenêutica Buzzoni).
em Le conflit des interprétations, de 1969. O arché e o télos são o inconsciente e
E nos símbolos, nas diversas formas simbó o espírito na vida do homem; são os dois
licas, que o homem objetiva os significados pólos, o regressivo e o progressivo, que
e os momentos mais importantes da vida e a interpretação pesquisa nos sím bolos.
da história da humanidade. M as o símbolo, Ricoeur se pergunta: “ Existe, com efeito,
para ser compreendido, requer um traba um só sonho que não tenha também uma
lhoso exercício hermenêutico. “ Chamo de função exploradora, que não esboce ‘profe
símbolo — escreve Ricoeur — toda estrutura ticamente’ um caminho de saída para nossos
de significação em que um sentido direto, conflitos? E vice-versa: existe um só grande
prim ário, literal, designa por acréscimo símbolo, criado pela arte e pela literatura,
outro sentido indireto, secundário, figurado, que não mergulhe e não volte a mergulhar
que pode ser apreendido apenas por meio no arcaísmo dos conflitos e dos dramas,
do primeiro” . individuais ou coletivos, da infância? O
D aí a necessidade da interpretação: verdadeiro sentido da sublimação não é
esta “ é o trabalho mental que consiste em talvez o de promover significados novos,
Cdpítulo décimo QUÜYtO - T)esenvolvimentos recentes da teoria da hermenêutica
m . Luís T-^areyson
e a p e sso a como ó rgão d a v erdade
cepção pluralista mas não relativista da no sentido de que ela seja determinada pela
verdade? Qual é o ponto de vista em que história da qual emerge, mas no sentido de
pode validamente colocar-se uma afirmação que toda filosofia é sempre resposta a proble
de prospectivismo, que consiga conciliar a mas históricos, que o próprio filósofo define
unicidade da verdade com a multiplicidade e põe, isolando-os dentro de sua experiência
de suas formulações?” histórica, de modo que por meio do trabalho
Pois bem, a tais perguntas Pareyson res do filósofo, que toma posição em relação a
ponde, evitando tanto o relativismo de quem seu tempo, esse tempo é também refletido
concebe as filosofias como “ conceitualiza- em sua filosofia” .
ções ideológicas de determinadas condições Por outro lado, a filosofia é também in
históricas de existência” , como o dogmatis- terpretação pessoal: “ Com efeito, a própria
mo e a incomunicabilidade fechada de quem pessoa do filósofo está empenhada em sua
sustenta a excepcionalidade da filosofia, pesquisa: o filósofo não pode indagar o ser
e afirma que as filosofias particulares são sem indagar a si próprio porque ele próprio
isoladas uma da outra “ como perspectivas é: está de tal modo imerso em sua pesquisa
irrepetíveis e inconfundíveis, interpretações que toda afirmação sua torna-se decisiva
personalíssimas de situações individualís- para ele, toda pesquisa que empreende o
simas, sem qualquer passagem entre elas modifica a partir do interior, e também não
e, portanto, absolutas e incomunicáveis” . há êxito que possa deixá-lo indiferente” .
Estas posições são, na opinião de Pa
reyson, propostas cripto-hegelianas para sair
da dissolução do hegelianismo. M as da dis
solução do conceito hegeliano de totalidade iAn\c\ac\e. da filosofia
e de inelutável desenvolvimento progressivo jilosoj-k
e a contilosotia
da história não se sai com os conceitos de
historicidade ou de excepcionalidade da
filosofia; daí se sai — afirma Pareyson, em Todavia, se a filosofia é também inter
Fichte — com “ a afirmação da condiciona- pretação pessoal, então — escreve Pareyson
lidade histórica da filosofia estreitamente — ter-se-á que, “ permanecendo única a
ligada com a da sua personalidade, e ambas verdade, a filosofia é necessariamente múl
ligadas com a afirmação da validade espe tipla” . Contudo, lembra Pareyson, esta mul
culativa da filosofia” . O que, em poucas tiplicidade de filosofias não pode significar
palavras, preme Pareyson, e constitui o multiplicidade da verdade, “ uma vez que
núcleo teórico de sua idéia de filosofia, é a não existem as verdades, nem, em relação
afirmação simultânea da condicionalidade a uma verdade, outras verdades: há, porém,
histórica, do caráter pessoal e da validade a verdade de outros, isto é, a verdade como
especulativa da filosofia: “ uma filosofia é foi procurada e formulada por outros que
sempre, ao mesmo tempo, expressão de um com-igo e como eu procuravam a verdade” .
tempo, interpretação pessoal e dotada de Desse modo, entender personalisticamente
validade especulativa” . a unidade da filosofia significa abandonar a
concepção de uma filosofia única, última e
definitiva capaz de oferecer a verdade total
>fi< e^também”
e absoluta. A verdade total — diz Pareyson
^ f i l osofia
— “ não se oferece ao homem como posse
expressão do tempo; alcançada e definitivamente conquistada,
e é^também” mas está presente nele como exigência e
norma: exigência que impele a buscar a
interpretação pessoa
verdade, e norma para julgar os verdadeiros
que tal pesquisa alcança” . Única é a verda
de; múltiplas são as filosofias, entendidas
A filosofia não é apenas expressão de um como interpretações pessoais; nenhuma
tempo, porque, se assim fosse, ela perderia delas consegue ser “ exclusiva conhecedora
sua autonomia, suas pretensões de verdade, da verdade” : mas então eis que “ a filosofia
e seria reduzida a um instrumento prag é aquela em que todas as filosofias particu
mático temporário. A filosofia, todavia, é lares se reconhecem” A filosofia, em suma,
também expressão do tempo, “ sem dúvida é um incansável e jamais completo trabalho
não no sentido de que sua validade esteja comum para a busca da verdade. Diz ainda
circunscrita ao tempo em que surge, nem Pareyson: “ As múltiplas filosofias não estão
Terceira parte - F e n o m e n o lo g ia , E x is t e n c i a li s m o , F le r m e n ê u + ic a
teoria eterna e absoluta sobre Deus (ou sobre der que o ser se dá “ como transmissão de
sua não existência), sobre o homem, sobre aberturas de vez em quando diferentes,
o sentido da história ou sobre o destino da assim como são diferentes as gerações dos
humanidade. A aventura do pensamento homens” . E “ também e em primeiro lugar a
metafísico chegou a seu fim. consciência da multiplicidade das perspecti
vas, dos universos culturais, dos a priori que
tornam possível a experiência é herança” .
4 O q u e sig n ific a "p e n s a r"; Os pilares do pensamento débil são, de
um lado, a idéia que o homem lê o mundo
o q u e s i g n i f i c a "s e .r" de dentro de horizontes lingüísticos que
tornam a evidência relativa a tais horizontes
ou aparatos categóricos, e, do outro, a idéia
O homem “ encontra-se desde sempre segundo a qual tais aparatos categóricos não
lançado em um projeto, em uma língua, em são fixos, mas históricos. Pois bem, à luz
uma cultura que herda” . O homem abre-se destes pressupostos se dissolvem: os funda
ao mundo por meio da linguagem que fala; mentos certos, a idéia de um conhecimento
remontar a estas “ aberturas lingüísticas” total do mundo, a de um sentido unitário
que permitem a “ visão do mundo” significa da história, a idéia de uma verdade certa da
pensar; mas significa também compreen qual seriamos capazes. O pensamento débil
Gianm Vattimo,
um dos pensadores italianos
mais conhecidos pela ressonância de
suas propostas,
é o filósofo do “pensamento débil”
e da “pós-modernidade”.
C ã p l t u l o d é c if H O q u ã Y t O - D e s e n v o lv im e n t o s r e c e n t e s d a t e o r i a d a h e r m e n ê u t ic a
5 A A odem o e p ó s-m o d em o .M e ta m o r fo s e s d a id é ia
d e ra c io n a lid a d e
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do "super-homem", do "eterno retorno" e de
"Dioniso", sem o que tal potência seria apenas mascarado". "O transcendente entrega-se de
a violência de agora. bom grado mais ao símbolo, que respeita sua
Rquilo que Freud deseja é que o ana inviolável reserva e invencível esquivonça, do
lisando, apropriando-se do sentido que lhe que ao conceito, com sua indiscreta vontade
era estranho, alargue seu próprio campo de de explicitação".
consciência, viva em melhores condições e seja
finalmente um pouco mais livre e, se possível,
um pouco mais feliz. Um dos primeiros reco
nhecimentos prestados à psicanálise fala de O problema da experiência religiosa não
"cura por obra da consciência". R expressão é é o problema metafísico de Deus, como ao
exata. Com a condição de dizer que a análise invés supõe quem ainda se pergunta se Deus
pretende substituir a uma consciência imediata dov© ou não ser concebido como substância ou
e dissimuladora uma consciência mediata 0 causa ou qualquer outra coisa. Cste é, no caso,
instruída pelo princípio da realidade. Rssim, o "Deus dos filósofos", no qual poderá se inte
justamente aquele que duvida, que representa ressar - ou, ao menos, ter-se interessado - a
o €u como um "infeliz" submisso a três senhores, filosofia, mas que não se refere, som dúvida,
o Id, o superego e a realidade ou n0 C0 ssidad 0 , à religião. O Deus da religião é outra coisa: é
0 também o exegeta qu© encontra a lógica do o Deus d e Rbraão, de Isaac e de Jacó, o Deus
reino do ilógico e que, com um pudor e uma dis vivo e vivificante, é um Deus a quem se trata
crição incomparáveis, tem a audácia de concluir de 'tu' e a quem se ora, um Deus ao qual so
seu ensaio sobre O Futuro de uma ilusão com a diz com trepidação miserere mei e com deses
invocação do deus Logos, de voz débil mas in pero ne siieas, ao qual nos voltamos pedindo
cansável, do deus sem dúvida não onipresente, angustiados quare me repulistí? € suplicando
mas eficaz apenas com o tempo. com temor e tremor ne avertas Faciem tuam a
£sta última r0f0rência ao princípio da reo- me, ao qual na hora suprema nos entregamos,
lidad© 0 aos 0quival0nt0s em Nietzsche 0 Morx exclamando: in manus tuas commendo spiritum
- compreendendo nisso a necessidade, eterno meum e implorando in te, Domine, speravi: non
retorno no outro - esclarece o b0n0fício positivo conFundar in aeternum.
da OSC0S0 requerida por uma interpretação re- Pergunto-me, de resto, quem em concreto
dutora e destrutiva: o confronto com a realidade tenha hoje interesse em um Deus puramente
nua, a disciplina de Fnanke, da n0C0ssidad0. filosófico: em um Deus que se reduza a mero
. No próprio momento em que nossos três princípio metafísico, ou que, como realidade
mestres da suspeita encontram sua convergên- existente, deva de algum modo ser relacio
cio positiva, 0I0S of0rec0m à f0nom0nologio do nado com o ser. R própria filosofia, creio, não
sagrado 0 a toda h0rm0nêutica, como medita pode se encontrar verdadeiramente interes
ção do S0 ntido e como reminiscência do ser, a sada em uma realidade que, embora decla
mais radical contraposição. rada suprema, se encontre em certo sentido
P. Ricoeur, subordinada como puramente ôntico, e o um
Do interpretação, Cnsoio sobre Freud. conceito que, embora considerado como a
pedra angular de um sistema racional, pela
sua abstração só possa se apresentar em uma
forma tão desencarnada e inerte. Parece-me
que se surgir algum interesse de levar ao
Deus filosófico, isso ocorre apenas à medida
P areyson que nele ainda vibre e trepide e esteja vigo
roso algum aspecto do Deus da experiência
religiosa. [...]
Delineia-se então a possibilidade que
na noção de transcendência, de modo nenhum
desconhecida à filosofia, pensamento filosófico
Como falar de Deus e experiência religiosa tenham de se encontrar.
Ç, com efeito, pois o Deus autêntico da expe
Qual é a linguagem mais adequada para riência religiosa não se alcança por conceitos
Falar de Deus? fí pretensão de Falar de Deus estritamente filosóficos de Deus, embora tão
com os conceitos metafísicos (Princípio, Cau interessantes para uma compreensão filosó
sa, Razão etc.) é antropomorFismo "oculto e fica da realidade e da própria filosofia, pode
nascer o projeto de procurá-lo e a perspectiva
287
Cãpítulo decitno quarto - D e s e n v o lv im e n to s r e c e n te s d a te o r ia d a K erm en êu tica
de encontro-Io em umo zono mais profundo e mas é preciso r©conh©c©r que justamente sua
originário do pensamento; lá onde nenhumo imediata e aparente inadequação a destina a
perplexidade ou hesitação pode nascer diante um emprego tão ©vid©nt©mente emblemático e
da idéia de que para o Deus da experiência lhe confere um porte tão claram©nt© simbólico,
religiosa, muito mois que os conceitos espe d© modo a torná-la não só apta para tal ob
cificamente filosóficos, pareçam adequados e jetivo, mas até a única apta, enquanto idônea
significativos os símbolos da poesia e as figuras a dizer coisas qu© não se podem dizer o não
antropomórficas do mito, tais como se encon ser daquele modo, e a representar coisas que
tram, por exemplo, nas teofanias sensíveis do não se podem representar de outra forma.
ê x o d o © dos S olm os, nos relatos do G ê n e s is Para captar o significado das fantasiosas 0
e dos livros apocalípticos, nas grandiosos e coloridas expressões não é de fato necessário
flamejantes visões dos profetas. submetê-las a um processo de demitização,
flssim pode-se dizer que imediatamente que, no ato de empobr©c©r a imagística © de
eloqüente para a experiência religiosa é o apagar seu brilho, apenas a destituiria não só
Deus que para comparecer prefere as nuvens de todo sentido, mas também de toda eficácia
0 as chamas, mostrando-se de dia como uma reveladora. Cias se encontram em tão pequeno
coluna de nuvem e de noite como uma coluna contraste com a transcendência divina, que
de fogo; que se manifesto a Moisés na sarça s© subtraem a toda demitização justamsnt©
ardente, in fío m m o ig n is d e m e d io rub i, e que, porque são as mais aptas a revelá-la; a ponto
t0ndo-o chamado do m0io de uma nuvem, d e de que quem as considera demasiado rústicas
m e d io c a lig in is , lhe aparece como um fogo de- para representar a divindade, arrisca ao invés
vorodor sobre o cimo do monte, no majestoso dar prova da rustícidad© d© seus próprios
cenário da montanha qu© ard© entre os chamas pensamentos.
até o céu escurecido por nuvens tenebrosas. De resto, não se vê com qual tipo de
Ou o Deus da grandiosa teofania do Salmo linguagem a demitização poderia substituir
1 8 , que aparece com os narinas fumegantes ©ssa linguagem imaginosa, que é eloqüen
e a boca lançando línguas de fogo e carvões te justamente por ser mítica e simbólico, fl
ardentes, no ato de inclinar os céus para d es expressão que pretenda se despojar o mais
cer sobre as nuvens escuras, de cavalgar um possível desse caráter poético e antropomór-
querubim para voor sobre as asas do vento, fico, e que pretenda conseguir desse modo
de envolver-se com águas espessas 0 densa captar a divindade e tornar patente sua na
nuv0m como de um manto d0 escuridão, d© tureza, arrisca-se a ser justamente a menos
fender o granizo fazendo, relampejar seu ful reveladora, porque em sua abstração não
gor, de orrastar todas as coisas com o brilho chega a penetrar a dialético por meio da qual
de seus raios e o fragor de seus trovões, de Deus, em sua inexorável e inacessível trans
descobrir com o turbilhão qu© irromp© d© suas cendência, se esconde, e, escondendo-se, se
narinas o leito do oceano e os fundamentos revela, nem se revela a não ser ©scondendo-
do mundo. Ou o Deus que oge no terremoto, se, a ponto que de toda manifestação sua se
fazendo tremer a terra e abalar o solo, fundir deve dizer que ela vela no ato que desvela 0
como cera as montanhas ©saltar o líbano como vice-versa, e não se pode dizer que descubra
um vitelo. Ou o Deus que, para s© manifestar, mais do que sele, nem que oculte mais do que
prefere d© vez ©m quando o ímpeto do ciclone tudo o que não mostre. 6 absurdo crer que
ou a leveza da brisa: ora se revela no furacão, a abstração aumente a adequação: dada a
entre o ribombar dos trovões © o fulgor dos inatingibilidade do "referente”, ©ntre os dois
raios, no meio d© montes fumegantes, tendo termos só pode existir uma proporção inversa,
como voz para falar o trovão, e como trombeta fl linguagem abstrata e conceituai torna-s©
para anunciá-lo o vento; ou então, fazendo-s© ©xposto ao perigo da objetivoção, e, a menos
preceder pela violência da tempestade e pela que seja submetida a uma sutil e perspícua
fúria do terremoto, passa depois como um radiografia que refira em função a originária
sopro de leve brisa, s ib ilu s a u ra e te n u is . Ou natureza simbólica e a latente vocação de cifra,
ainda o Deus que t©m o céu como trono e a arrisca sempre ser objstivante, e de prender
terra como escobelo, e que esconde a visão a não-objetivável na estreita medida de uma
do trono em que se assenta estendendo sobre metafísica ôntica; ao passo que à elasticidade
ele uma nuvem. [...] do símbolo compete a capacidade de proje
Pelo seu caráter imaginoso 0 sensív©l tar, em sua inseparabilidade, transcendência
©ssa linguag©m pode parecer totalmente ina e presença, ulterioridade e disponibilidade,
dequada para representar uma realidade tão ocultamento e revelação: o não-objetivável
transcendente e inatingível como a divindade, como g e h e im n is v o ll ofF enbar.
288
Terceira parte - F e n o m e n o lo g ia , E x is te n c ia lis m o , -H erm en ê u tica
um saber fundamental porque é o saber do específicas nos vários setores do vida. Não só:
saber, uma espécie de consciência reflexa ao lado da articulação racional especialista da
das condições de possibilidade dos saberes cultura ocidental, tornam-se acessíveis, graças
sobre os objetos. Como estar ciente de saber, ao desenvolvimento dos meios de comunicação,
no fundo. outras culturas que aparecem também como
é duvidoso que Kant quisesse de fato esferas de existência pouco comensuráveis. No
fundar os saberes. Provavelmente, porém, ti início, essas culturas parecem simplesmente "pri
nha já a exigência, que permanece em nós, de mitivas'', ainda não chegadas ao nosso grau de
filosofia, a exigência de referir de algum modo desenvolvimento. Cssa idéia, a seguir, começa a
os saberes técnicos, especiais, científicos, a vacilar. Aumentando o conhecimento desses po
uma dominabilidade por porte do indivíduo. R vos se descobre que têm culturas refinadas que
crítica da razão pura não fundava a ciência, mas compreendem ritos religiosos, danças sagradas,
mais se apropriava dela, não paro dominá-la, complexas mitologias e máscaras rituais que
mas para humanizá-la. Cm todo caso, de Aris se tornam até fonte de inspiração para nossa
tóteles a Kant, a filosofia mantivera a idéia de arte. Começa a parecer, portonto, improvável e
ser um saber primeiro, um saber fundamental, simplista a idéia de uma única linha de desen
no sentido objetivo ou no sentido, poderíamos volvimento sobre o qual é possível indicar quem
dizer, epistemológico, crítico, em Kant. Ou pelo está na frente e quem está atrás. Tem-se, ao
fato de conhecer o estrato primeiro do ser em contrário, uma experiência de multiplicidade que
Aristóteles, ou porque conhecia os próprios torna sempre mais difícil a redução de tudo a
modos do conhecer em Kant. um único fundamento. A crise da filosofia como
Depois de Nietzsche, porém, esto fisio metafísica, como pensamento da fundação, no
nomia fundacional da filosofia dissolveu-se. O mundo moderno verifica-se justamente por cau
nome de Nietzsche simboliza, na realidade, um sa destes fenômenos inéditos: a organização
movimento complexo e vasto que disse respeito racional e sempre mais articulada da sociedade,
a grande parte do saber filosófico entre o século com conseqüente divisão do trabalho social; a
XIX e o século XX. Nietzsche, de resto, em mui especificação das esferas de existência, a mul
tas de suas obras apenas expõe questões que tiplicação das linguagens científicas e a sempre
encontramos mais academicamente expostas, mais acentuada especialização. Portanto, se
com maior profissionalidade filosófica, em um há metafísica, não há mais sujeito em grau de
pensador como Dilthey, por exemplo, o qual praticá-la, porque não há ninguém que possa
trabalhou longamente em torno do problema saber tudo. Há outro aspecto da dissolução da
da formação e da dissolução da metafísica na idéia de fundação que é muito importante e que
tradição ocidental. está presente principalmente em Nietzsche, e é
Além de Dilthey, manifestações análogas a idéio da superficialidade da consciência.
do pensamento filosófico podem se encontrar Para que haja uma metafísica fundacional
nas discussões sobre os fundamentos da ciência é preciso que haja de um lado a possibilidade
no início do século XX, na fenomenologia em de agarrar um princípio, e do outro que este
alguma medida, e naturalmente em Heidegger não seja ilusório: é a evidência da consciên
(que não é apenas um fenomenólogo). cia, a idéia clara e distinta de Descartes, que
Como então falta a imagem da filosofia também para não duvidar tem necessidade de
como saber fundacional, fundante? Podemos pensar em um Deus bom que não nos engane.
provavelmente indicar duas razões. A primeira Para poder pensar o pensamento como funda
está diante dos olhos de todos: a complexifi- ção é preciso considerar que haja um princípio
cação do mundo do saber torno sempre mais primeiro (de tipo objetivo, como em Aristóteles,
inverossímil a existência de um saber que ou crítico-epistemológico, como em Kant), mas
governe todos os outros saberes de modo igualmente que o ato que o agarra seja também
unitário, fundante. ele primeiro, ou último de algum modo, isto é,
Ao lado da especialização dos saberes se que seja um ato do qual se deve não duvidar.
tem, além disso, a especialização das esferas Ora, a evidência da consciência, segundo
de existência, assim como a descreveu Max Nietzsche, é mais ou menos provocada pela má
UJeber, o sociólogo da modernidade. A organi digestão. Nietzsche escreve em algum lugar uma
zação racional da sociedade moderna europeu- frase muito impressiva: "Cnsinaram-me a duvidar
ocidental desenvolve-se por especificação de das idéias que nõo me pareciam claras e distin
territórios. Um pouco como ocorre na indústria, tas; pois bem, eu vos digo que deveís duvidor
a sociedade se "desenvolve" por meio de uma principalmente das idéias que vos parecem mais
especialização à qual corresponde uma divisão evidentes", porque a voz da consciência não é
das esferas de existência: impõem-se lógicas mais que a voz do rebanho em vós.
Cdpltulo décimo quarto - D e s e n v o lv im e n to s r e c e n te s d a te o r ia d a h e r m e n ê u t i c a
Nõo devemos, portonto, tomar a evidência para afirmar que a filosofia não funda. Simples
como sinal da verdade, porque a evidência é mente, a filosofia se transformou, tornou-se
produzida por hábitos, pressões sociais, con também um pensamento narrativo e nós en
venções, truques da língua de algum modo. tão contamos histórias. R superficialidade da
Nietzsche chega a escrever que não poderemos consciência, porém, nõo foi teorizada apenas
jamais dispensar Deus até que não modifique por Nietzsche, mas também, como se sabe, por
mos a gramática. R teologia, a fé em Deus, Freud e por Marx, embora em formas diferentes.
está escrita na gramática, na própria estrutura Marx na noçõo de ideologia, Freud na noção
do sujeito e do predicado. de consciência como produto de ações de re
fl dissolução da idéia fundacionol da filo moção, como domínio limitado por um domínio
sofia, dissolução que alguns negam, não é de- diferente que é o do inconsciente, que age de
monstrável de modo fundamentado. Seria pre algum modo sobre ela. fl consciência: em nossa
tender refutar a metafísica com outra metafísica, cultura não é instância última.
ato supremamente contraditório, fl fraqueza do Tudo isso leva àquilo que pode ser util
pensamento é também o reconhecimento que mente definido, no início apenas em sentido
sucederam fatos que transformam a essência metafórico, como "secularização da cultura",
de nosso discurso em alguma outra coisa. Cstes fl filosofia perdeu as características "fortes" e
fatos, porém, justamente porque fatos, não são "elevadas", e isso é comparável à secularização
uma forma de legitimação coercitiva como a da vida, à perda do sagrado. [...]
demonstração fundamental. Nietzsche diz: “Deus Se Heidegger existe, é porque existiu a
está morto" e não "Deus não existe", e isso é, o tradição judeu-cristã, se Heidegger pôde pensar
meu ver, fundamental: a profissão de ateísmo é que o ser não existe, mas acontece, é porque
a resposta a uma série de acontecimentos que leu a Bíblia e, notadamente, o Novo Testamento.
me falam e que eu interpreto em certa direção, Quando Nietzsche afirma que Deus está
mas jamais posso demonstrar que há uma estru morto, diz também que seus fiéis o mataram. De
tura do ser em que Deus é excluído. Que Deus algum modo, conseqüentemente ao conteúdo
esteja morto quer dizer que eu não tenho o que da revelação religioso - não existe tudo isso em
fazer com uma estrutura do ser sempre igual, Nietzsche, mas é sugerido por ele -, a hipótese
de outra forma Deus existiria, seria justamente de Deus como supremo princípio metafísico se
aquela estrutura. Cm um labirinto mental que torna supérflua.
leva talvez à loucura. Provavelmente é verdade De algum modo, é graças a Deus que
o que sustentam os pregadores, que Nietzsche somos, à m edida que o somos, ateus, é
tenha finalmente enlouquecido. apenas como continuação de uma vocação
Cstes discursos parecem mais problemá profundamente escrita na tradição judeu-cristã,
ticos quando apresentados em um esquema que nos foi transmitida junto com as verdades
unitário. Mas basta ler os textos filosóficos do do pensamento grego, que nós pudemos co
fim do século XIX e dos inícios do século XX para meçar a não pensar mais no ser em termos de
compreender como essas idéias circulam difusa princípio, autoridade, fundamento e, portanto,
mente em grande parte da filosofia. Consumou- também as estruturas da existência em termos
se a concepção fundacionol da filosofia, fala-se autoritários, rígidos, é apenas graças à pertença
de crise da razão. Ninguém jamais demonstrou a esta tradição que podemos pensar debilmen
que não é mais assim, mas, de algum modo, te. No termo “secularização", no uso que dele
sente-se que não é mais assim, acumularam-se se faz neste livro, se condensam, explicam-se
anedotas, historietas, reflexões interiores que um pouco todos estes significados, justamente
levaram a dizer que não é mais assim. [...] com a intenção de abrir seriamente o diálogo
Sem dúvida, o pensamento da seculariza- da filosofia com a religião.
ção, o pensamento que governou Nietzsche e • G. Vattimo,
Heidegger, não tem argumentos tão coercitivos O pensam ento seculorízodo.
BERTRAND RUSSELL,
LUDWIG WITTGENSTEIN
E A FILOSOFIA
DA LINGUAGEM
A filosofia da linguagem.
O movimento analítico de Cambridge e O xford______
( S a p ít u lo d é c im o q u in t o
Berfrcmd Russell
e yAljVed AJoHK WKitekead
Bertrand Russell
(aqui com a física francesa
lrène Joliot-Curie)
em Estocolmo em 1950,
por ocasião da entrega
do prêmio Nobel de literatura.
Capítulo décimo quinto - B efW and R u s s e ll e A l f r e d / M o r t k W k i f e k e a d
sem saída e os enigmas a que tais expressões as teorias disponíveis, o empirismo é a teoria
denotativas levam, propôs uma análise que melhor. Contrário ao pragmatismo, Russell
visava a fazer desaparecer tais expressões, também era avesso àqueles neopositivistas
de modo que, ao invés de dizer “ a monta (Neurath, Hempel e outros) que pareciam
nha de ouro não existe” , se possa dizer que ter esquecido que o objetivo das palavras
“ não há nenhuma entidade que, ao mesmo “ é o de se ocupar de coisas diferentes das
tempo, seja de ouro e seja montanha” . Tal palavras” .
análise elimina a locução “ uma montanha de M as Russell reservou seus ataques
ouro” e, conseqüentemente, elimina também mais ferozes ao “ segundo” Wittgenstein
qualquer razão de crer que o objeto por ela e à filosofia da linguagem. Como se verá
indicado tenha algum tipo de existência. nas páginas dedicadas tanto ao “ segundo”
A frase “ o círculo quadrado não existe” Wittgenstein como à filosofia analítica, as
torna-se “ jam ais é verdadeiro que x seja acusações de Russell caem substancialmen
circular, y seja quadrado e não seja sempre te fora do alvo, já que a filosofia analítica
falso que x e y se identifiquem” . Como se vê, preocupa-se com as palavras, precisamente
nas reconstruções de Russell desaparecem porque a filosofia analítica está atenta para
as expressões denotativas, e desaparecem uma relação não enevoada ou ilusória entre
as formas do verbo “ existir” e do verbo as palavras e as coisas, ou melhor, entre as
“ ser” em função não-copulativa. Exposta palavras e a vida.
em 1905, essa teoria foi depois desenvolvida Sobre o movimento analítico em seu
nos Principia mathematica, onde Russell conjunto, disse Russell: “ Pelo que entendi,
distingue entre descrições indefinidas ou a doutrina consiste em sustentar que a lin
ambíguas (“ um homem” , “ alguém que cami guagem da vida cotidiana, com as palavras
nha” etc.) e descrições definidas (“ o primeiro usadas em seu significado comum, basta
rei de R om a” , “ o assim e assado” etc.). Por para a filosofia, pois esta não teria neces
esse caminho, Russell pensava eliminar os sidade de termos técnicos ou de mudanças
paradoxos metafísicos da “ existência” e os de significado nos termos comuns. N ão
paradoxos dos não-existentes. Em suma, a consigo absolutamente aceitar essa opinião.
teoria das descrições de Russell afirma essen Sou contrário a ela: a) porque é insincera;
cialmente que as expressões denotativas b) porque é suscetível de desculpar a igno
são incompletas, ou seja, são incapazes de rância da matemática, da física e da neu
ter significado por si sós e se distinguem rologia naqueles que tiveram somente uma
claramente dos nomes próprios (que, tom a educação clássica; c) porque é apresentada
dos isoladamente, têm significado). por alguns com o tom de retidão cerimonio
sa, como se a oposição a ela fosse pecado
contra a democracia; d) porque torna es
miuçada e superficial a filosofia; e) porque
"Russell c o n tm
torna quase inevitável a perpetuação entre
o ^seg u n d o * W ittgen stein os filósofos daquela atitude confusa que eles
e a filosofia analítica retomaram do senso comum” .
Em suma, Russell acredita que os filó
sofos da linguagem estão praticando a místi
Atento an alista da linguagem , du ca do uso comum. E rejeita o fato de que os
rante toda a sua vida Russell submeteu ao oxfordianos consideram a linguagem comum
“ microscópio da lógica” toda uma série de como o banco de prova de qualquer outra
questões filosoficamente relevantes e amiúde linguagem. Claro, na linguagem comum não
difíceis e complicadas. M as o fez preocupa queremos de modo algum “ ficar discorren
do sempre com a relação que a linguagem do sobre o sol que surge e que cai. M as os
deve ter com os fatos, se deve haver conhe astrônomos acham melhor uma linguagem
cimento válido. diferente, e eu sustento que uma linguagem
Naturalmente, Russell tem consciência diferente também é preferível em filosofia” .
dos limites do empirismo. Com efeito, o em A outra acusação que Russell faz a
pirismo pode ser definido com a afirmação Oxford é que a filosofia que nela se faz “ pa
de que “ todo conhecimento sintético baseia- rece uma disciplina desprovida de relevância
se na experiência” . M as esse princípio não se e de interesse. Discutir ao infinito o que os
baseia na experiência. Conseqüentemente, o tolos entendem quando dizem tolices pode
empirismo é uma teoria que mostra suas ina ser divertido, mas é muito difícil que seja
dequações. E, no entanto, diz Russell, entre importante” .
Quarta parte - R u s s e ll , W it+ g e n s + e m e a f ilo s o f ia d a lin g u a g e m
São duas, portanto, as acusações que R ussell” para desm ascarar os crimes de
Russell levanta contra a filosofia analítica: guerra contra o Vietnã.
por um lado, ela praticaria o culto ao uso Pacifista coerente e desmitificador co
comum da linguagem, a despeito de toda rajoso, Russell pagou pessoalmente por seus
linguagem técnica; por outro lado, ao invés ideais. Foi processado várias vezes, esteve
de buscar o sentido das coisas e da realida preso, enfrentou a impopularidade, foi-lhe
de, ela se ocuparia de modo estéril com o tirada a cátedra de filosofia no City College
sentido das palavras. [2 ] de Nova Iorque.
Russell defendeu o amor livre. Casou-se
quatro vezes e, evidentemente, divorciou-se
5 "Russelli três vezes. Em 1927, juntamente com a se
a moral e o cristianism o gunda mulher, Dora Winefred Black, chegou
a fundar uma escola baseada em princípios
educativos “ revolucionários” : nela, rapazes
Persuadido de que os valores não podem e moças liam aquilo que quisessem, nunca
ser deduzidos logicamente do conhecimento, eram punidos, tomavam banho juntos, e
Russell foi tenaz defensor da liberdade do corriam nus pelo parque. A escola faliu.
indivíduo contra toda ditadura e contra os N o fundo, para Russell, somente as
abusos do poder. Sensível às injustiças so afirmações tautológicas da matemática e as
ciais, Russell também foi convicto defensor afirmações sintéticas das ciências empíricas
do pacifismo. têm sentido. E, com base nesses funda
Com suas dilacerações e seus sofri mentos, é óbvio que caem por terra toda
mentos, amiúde inúteis, a vida irredutível fé, toda visão metafísica do mundo e toda
e obstinada levou Russell do céu da m a religião. Como todas as outras religiões, ele
temática à terra dos homens sofredores. considerou o cristianismo do ponto de vista
Adversário das injustiças do capitalismo, teórico, como um conjunto de contra-sensos
Russell não foi menos duro em relação e, do ponto de vista ético, como implican
aos métodos do bolchevismo. Em Teoria e do m oral desum ana e obscurantista. A
prática do bolchevismo (1920), podemos respeito desse ponto, porém, surge a forte
ler: “ O sectarismo e a crueldade mongólica suspeita de que Russell não tenha querido
de Lênin (com quem Russell manteve longa reconhecer outra interpretação histórica do
conversa em 1920) gelaram-me o sangue cristianismo diferente da visão imperante
nas veias” . Em 1952, Russell pediu ao go na Inglaterra, no cinzento período da época
verno norte-americano que fosse libertado vitoriana.
M orton Sobell (acusado por Rosenberg em Russell dedicou sua vida a um mundo
1951), que fora condenado a trinta anos de novo, no qual, como fazia questão de dizer,
prisão por espionagem. Em 1954, apoiado “ o espírito criativo é vivaz, e em que a vida
por Einstein, prom oveu uma cam panha é uma aventura cheia de alegria e de espe
contra os armamentos atômicos. Durante rança [...], um mundo no qual o afeto tenha
a crise de Cuba, escreveu a Kennedy e a livre trânsito, e onde a crueldade e a inveja
Kruschev duas cartas memoráveis. Alguns tenham sido afugentadas pela felicidade e
meses mais tarde, escreveu ao Izvestia para pelo desenvolvimento livre e solto de todos
combater a hostilidade russa em relação aos aqueles instintos que constroem a vida e a
judeus. Pacifista durante a Primeira Guerra enchem de delícias intelectuais” . Russell
Mundial, colocou-se do lado dos aliados na também escreveu uma brilhante História
Segunda Guerra. Horrorizado com os crimes da filosofia ocidental (4 vols., 1934), onde
nazistas, criou posteriormente a “ Fundação tenta mostrar que “ os filósofos são o resul
Atlântica da Paz” para despertar a consciên tado de seu meio social” . Bertrand Russell
cia das massas contra a guerra dos Estados morreu na noite de 3 de fevereiro de 1970,
Unidos no Vietnã, e inspirou o “ Tribunal uma segunda-feira. [1]
Capítulo décimo quinto - B e r t r a n d R u s s e ll e y M f r e d / \ J o r t k W lv + e k e a d
o mundo, e sim a idéia de evento. A idéia de encarnam aqueles “ objetos eternos” que Pla
substância, de “ matéria inerte” e de tempo e tão chamava de “ essências” ou “ form as” ,
espaço absolutos eram os conceitos da física que são potencialidades e possibilidades que
newtoniana. M as é a física contemporânea o processo da realidade seleciona e realiza.
que nos força a abandonar tais categorias e Desse modo, o processo é permanência e
falar de “ acontecimentos ligados por suas emergência.
relações espaciotemporais” . E Whitehead chama a totalidade dos
Assim, o universo inteiro não é mais objetos eternos de Deus. Ou melhor, como
coisa estática, mas um processo. Ele não natureza originária, Deus contém em si ob
é uma máquina, mas um organismo que jetos eternos e, como natureza conseqüente,
“ co-cresce” , onde vemos que o sujeito não Deus é o princípio da realidade concreta,
é, como pretendem os idealistas, o ponto vive no processo, co-cresce com o universo.
de partida do processo, e sim um ponto de Escreve Whitehead: “ Deus não é o criador
chegada, no sentido de que a autoconsci do mundo, mas seu salvador” . As “ entida
ência é aquele acontecimento bastante raro des atuais” realizam valores, isto é, objetos
que se realiza a partir de outro conjunto de eternos. E são estes — e, portanto, Deus
acontecimentos que é o corpo humano. — que dão sentido ao mundo. Como natu
O universo é um organismo onde não reza originária, Deus é a harmonia de todos
se esquece o passado; pelo contrário, condi os valores; como natureza conseqüente, é a
ciona a criação de sínteses sempre novas, que realização do valor no processo.
Percebo, porém, que nutro uma prevenção ex se baseiam sobre ideais totalmente errados.
traordinariamente forte contra ela: com efeito, Apenas ideais totalmente diferentes poderão
se fosse verdadeira, a filosofia seria, no melhor impedir que continuem a ser fonte de sofrimen
dos casos, um pequeno auxílio para os autores tos, destruições e pecados.
de vocabulários, e, no pior dos casos, uma Os ideais políticos devem b asear-se
ociosa brincadeira de salão sobre ideais para a vida individual. O objetivo
Admiro o Tractatus de LUittgenstein, mas dos homens políticos deveria ser o de tornar
não suas obras sucessivas, que me parecem melhor a vida dos indivíduos. O homem político
implicar uma renúncia a sua melhor inspiração, não deve levarem consideração, nem fora nem
muito semelhante às renúncias de Pascal e de acima, nada mais além dos homens, das mulhe
Tolstoi. [...] res e das crianças que compõem o mundo. O
Analogamente a todos os filósofos pre problema da política é estabelecer as relações
cedentes a UUII, meu objetivo fundamental foi entre os seres humanos de modo que cada um
o de entender o mundo' da melhor maneira deles tenha em sua própria existência tanto bem
possível, e de distinguir aquilo que pode ter quanto seja possível. 6 esse problema requer
valor de conhecimento daquilo que deve ser antes de tudo a consideração daquilo que nos
rejeitado como hipótese sem fundamento. parece belo na vida individual.
Segundo UUII, eu não teria esclarecido esse Apenas para começar, não queremos que
objetivo, que teria dado como admitido. Agora todos os homens sejam iguais. Não queremos
nos contam, ao contrário, que não é o mundo estabelecer um sistema ou um tipo aos quais os
que devemos tentar entender, mas apenas as homens devam ser obrigados a uniformizar-se,
frases, e afirma-se que todas as frases podem de um modo ou de outro. [...]
ser tomadas como verdadeiras, exceto aquelas Não se quer um ideal só para todos os
pronunciadas pelos filósofos. Isto porém, talvez homens, mas um ideal separado para cada um
seja um exagero. dos homens: é preciso chegar a isso. [...]
B. Russel, (Existem duas espécies de impulsos, cor
M inho vido em filosofia. respondentes às duas espécies de bens: os
impulsos possessivos, que visam a adquirir ou a
manter bens pessoais que não se podem repar
tir e se concentram no impulso da propriedade. €
há impulsos criativos ou construtivos, que visam
3 "Ideais" para a política a levar para o mundo, e a tornar disponível para
o uso, o gênero de bens para os quais não
existe posse ou exclusividade.
A vida melhor é aquela em que os im
"Rs instituições políticos e sociais devem pulsos criativos ocupam a parte mais vasta, e
se r julgados conforme o bem 0 o mal que fa os impulsos possessivos a mais restrita. €sta
zem aos indivíduos. Encorajam o criatividade descoberta não é nova. O €vangelho diz: "Não
mais que a avidez? Exprimem e alimentam se preocupem, pensando: O que comeremos?
o sentimento de reverência entre os seres O que beberemos? Com que nos vestiremos?".
humanos? Mantêm o respeito?" Os pensamentos que dedicamos a estas coisas
são desviados de argumentos de maior impor
tância. €, o que é pior, o hábito mental gerado
Nos dias obscuros os homens têm ne por pensar nessas coisas é um hábito feio:
cessidade de fé clara e de esperança bem traz consigo concorrência, inveja, prepotência,
fundada; e, conseqüência destas, da coragem crueldade, e quase todos os males morais que
calma que não teme as dificuldades ao longo infestam o mundo. €m particular, leva ao uso da
do caminho. Os tempos que estamos atra força como meio para caçar a presa.
vessando [a guerra de 1 9 1 4 - 1 9 1 8 ] deram a Os bens materiais podem ser obtidos
muitos de nós a confirmação de tudo o que com a força e fruídos por aquele que deles se
acreditávamos. Vemos que as coisas que con apodera.
siderávamos mal são verdadeiramente mal e Os bens espirituais não podem ser obti
sabemos, mais seguramente do que antes, as dos desse modo. € possível matar um artista
direções nas quais os homens devem se mover ou um pensador, mas não adquirir sua arte ou
para que um mundo melhor surja das ruínas seu pensamento. Pode-se condenor à morte
daquele que agora está se precipitando para um homem porque ele ama seus semelhantes,
a destruição. Vemos que os projetos políticos mas dessa forma não se adquire o amor que
dos homens, tanto de uns como dos outros, fazia a felicidade dele. Nestes casos a força
Q uarta parte - R u s s e ll, W ittg e n s te in e a filo sofia d a lin g u a g e m
é impotente; é eficaz apenas quando se trata Já está claro aquilo que deveremos dese
d© bens materiais. Por essa razão os homens jar para os indivíduos; fortes impulsos criativos
que acreditam na força são os homens cujos que superem e absorvam o instinto de posse;
pensamentos e desejos são inspirados pelo reverência para com os outros; respeito pelo
interesse pelos bens. [...] impulso criativo fundamental em nós mesmos.
flqusles qu© percebem o mal que se pode Certa dose de auto-respsito ©d© orgulho natu
fazer a outfos com o uso da força e o escasso ral é necessária para a vida; um homem, para
valor dos bens qu© se podem adquirir com a permanecer íntegro, não deve experimentar a
força, terão grande respeito pela liberdade dos sensação de uma absoluta derrota interior, mas
outros, não procurarão entravá-la ou limitá-la; deve ter a coragem, a esperança e a vontade de
serão lentos para o julgamento e rápidos na viver segundo o melhor que nele existe, sejam
compreensão; tratarão qualquer ser humano quais forem os obstáculos internos e externos
com uma espéci© de ternura, porque nele o que acaso aconteça de encontrar. Os homens
princípio do bem é ao mesmo tempo frágil e têm o poder de realizar as melhores possibili
infinitamente precioso. Não condenarão aque dades de vida se possuem três coisas; impulsos
les que são diferentes; saberão ©sentirão que criativos mais que possessivos, reverência para
a individualidade requer a diversidade e que com os outros, e respeito pelo impulso funda
a uniformidade significa morte. Desejarão que mental em si mesmos.
qualquer ser humano esteja o quanto mais fls instituições políticas e sociais devem
possível vivo e o menos possível seja produto ser julgadas conforme o bem e o mal que fazem
mecânico; amarão uns nos outros apenas as aos indivíduos. Cncorajam a criatividade mais
coisas que o contato brutal de um mundo de- que a avidez? Cxprimem e alimentam o senti
sapiedado destruiria. Cm poucas palavras, em mento de reverência entre os seres humanos?
todas as suas relações com os outros serão Mantêm o. respeito?
inspirados por um profundo sentimento de B. Russell,
reverência. Minhas idéias políticas.
Ludwig Wif+genstem:
do 'V M c z ta fu s locfi<zo-p>hilosophi<^iAS
às pesquisas filosóficas
I. y \ vida
da Baixa Áustria. De 1926 a 1928, projetou dor de feridos no Guy’s Hospital de Lon
e supervisionou os trabalhos de construção dres. Depois, trabalhou num laboratório
da casa vienense de uma de suas irmãs. médico em Newcastle. Deu suas últimas
Retornou a Cambridge em 1929, onde aulas em 1947. Transcorreu o ano de 1948,
lhe foi conferida a láurea em junho. Em em solidão, na Irlanda. Em 1949 foi para
1930 tornou-se professor no Trinity College, os Estados Unidos, em visita a seu ex-alu
iniciando sua atividade de ensino superior. no e amigo Norm an M alcolm. Voltando
Em 1939, sucedeu a G. E. M oore na cátedra a Cambridge, descobriu que estava com
de filosofia. câncer. M orreu em 29 de abril de 1951
Durante a Segunda Guerra M undial, na casa de seu médico, o dr. Bevan, que o
por algum tempo trabalhou como carrega hospedara.
de fatos que se resumem em fatos atômicos, deira ou falsa uma proposição atômica. O
compostos por seu turno de objetos simples. fato molecular é uma combinação de fatos
Analogamente, a linguagem é formada de atômicos que torna verdadeira ou falsa uma
proposições complexas (moleculares), que proposição molecular.
podem ser divididas em proposições simples
ou atôm icas (elementares), não ulterior-
mente divisíveis em outras proposições. ;A parte " m \ \ s W c c \ '‘
Essas proposições elementares constituem d o T r a c ía iu s
o correspondente dos fatos atômicos. E são
combinações de nomes, correspondentes aos
objetos: “ O nome significa o objeto. O obje São essas, em resumo, as idéias cen
to é seu significado [...]” . Para exemplificar, trais do Tractatus. M as Wittgenstein se dá
“ Sócrates é ateniense” é uma proposição conta de que, embora a ciência represente
atômica, que descreve o fato atômico de que projetivamente o mundo, entretanto, além
Sócrates é ateniense; já “ Sócrates é ateniense da ciência e do mundo, “ há verdadeiramente
e mestre de Platão” é proposição molecular, o inexprimível. Mostra-se; é aquilo que é
que reflete o fato molecular de que Sócrates místico” . “ O que é místico não é como o
é ateniense e mestre de Platão. A proposição mundo é, mas que ele é” .
atômica é a menor entidade lingüística da “ O sentido do mundo deve se encon
qual se pode proclamar o verdadeiro ou o trar fora dele. N o mundo, tudo é como
falso. O fato atômico é o que torna verda- é, e acontece como acontece: nele não há
nenhum valor — e, se houvesse, não teria
nenhum valor [...]” .
E “ nós sentimos que, ainda que todas
■ Proposição atôm ica. Esta é uma as possíveis perguntas da ciência recebessem
idéia central do Tractatus logico-phi-
losophicus de Wittgenstein.
Eis como Bertrand Russell, em sua
Introd u çã o ao Tractatus, esclarece
tal idéia: "Nós podemos explicar-nos,
dizendo que os fatos são aquilo que
torna as proposições verdadeiras ou
falsas. Os fatos podem conter, ou
não conter, partes que são elas pró
prias fatos. Por exemplo: 'Sócrates
foi um sábio ateniense' consiste de
dois fatos: 'Sócrates foi um sábio', e
'Sócrates foi um ateniense'. Um fato,
que não tenha partes que sejam fa
tos, é chamado por Wittgenstein um
Sachverhalt, um fato atômico. Um
fato atômico, embora não contendo
partes que são fatos, todavia contém
partes. Se podemos considerar 'Sócra
tes é sábio' um fato atômico, percebe
mos que ele contém os constituintes
'Sócrates' e 'sábio'. [...] O mundo é
descrito completamente se forem
conhecidos todos os fatos atômicos.
[...] Uma proposição (verdadeira ou
falsa) que afirma um fato atômico,
denomina-se de proposição atômica.
Todas as proposições atômicas são
logicamente independentes uma da
outra. Nenhuma proposição atômica
implica outra. Assim, toda a questão Wittgenstein cm divisa de oficial au stríaco
da inferência lógica refere-se a pro durante a Primeira (Suerra M u nd ial ( i íU4- l l> IS),
posições que não são atômicas: as em u m a f o to tirada d a carteira de identidade
proposições moleculares". de iuiiIjo de I I S,
com c arim bo do regim ento de artilLhina
na m on tan h a.
Capítulo décimo sexto - L u d w i g W it + g e n s t e in
resposta, os problemas de nossa vida não com efeito, o senhor não extrairá grande coi
seriam sequer arranhados. Sem dúvida, não sa de sua leitura, essa é minha opinião exata.
resta então nenhuma pergunta — e esta é De fato, o senhor não o compreenderá; o
precisamente a resp osta” . “ O problem a tema lhe parecerá totalmente estranho. N a
da vida resolve-se quando se desvanece” . realidade, porém, ele não lhe é estranho, já
N essas afirmações consiste precisamente que o sentido do livro é um sentido ético.
a denominada parte mística do Tractatus. Certa vez, pensei em incluir no prefácio
B p ] uma proposição, que agora de fato não
está lá, mas que escreverei neste momento
para o senhor, porque talvez constitua para
o senhor uma chave para a compreensão
íá * * i- ^ p .e ta ç ã o
do trabalho. Com efeito, eu queria escrever
não-neopositivista que meu trabalho consiste em duas partes:
do ~ V r a c fa íiA S aquilo que escrevi e, além disso, tudo aquilo
que não escrevi. E precisamente esta segunda
parte é a importante [...]” .
Lido, discutido, pesquisado nos pressu Ou seja, o que não está escrito, o que
postos e nos diversos núcleos teóricos, inter não é dito porque não é dizível cientifica
pretado com base em perspectivas diversas, mente é a parte mais importante: a ética e a
o Tractatus foi um dos livros filosóficos religião. E é assim que se reconciliam em um
mais influentes do século X X . E a influência todo consistente a “ lógica” e a “ filosofia”
mais consistente foi a que exerceu sobre os do Tractatus com a “ mística” do próprio
neopositivistas, que, embora rejeitando a Tractatus.
parte mística, aceitaram sua antimetafísica, N a opinião de A. Janik e S. Toulmin
retomaram a teoria da tautologicidade das (A grande Viena, 1973), este era o problema
assertivas lógicas, interpretaram as proposi de fundo de Wittgenstein: “ Poder encontrar
ções atômicas como protocolos das ciências um método qualquer para reconciliar a
empíricas e assumiram sua idéia de que a física de Hertz e Boltzmann com a ética de
filosofia é atividade clarificadora da lingua Kierkegaard e Tolstoi” .
gem científica e não doutrina. M as os neopositivistas, devido a seus
Tanto mediante a Introdução de Ber- interesses e perspectivas, não souberam
trand Russell ao Tractatus como mediante a ver esse problema profundo e condenaram
interpretação dos neopositivistas, o Tracta como contra-senso a mística de Wittgens
tus foi visto pela maior parte dos estudiosos tein. Engelm ann com enta: “ Toda uma
como a bíblia do neopositivismo. Entretan geração de alunos considerou Wittgenstein
to, em nossos dias, essa imagem do Tractatus positivista, já que ele tinha em comum com
foi justamente abandonada. os positivistas algo de enorme importância:
Wittgenstein não apenas não foi mem traçara uma linha de separação entre aquilo
bro do Wiener Kreis e nunca participou das de que se pode falar e aquilo que se deve
sessões do Círculo, mas também nunca foi calar, coisa que os positivistas também ha
neopositivista. Suas intenções eram bem viam feito. A diferença está apenas no fato
diversas das intenções dos neopositivistas, de que eles não tinham nada sobre o que
como nos revelam suas Cartas a Ludwig von calar. O positivismo sustenta — e esta é sua
Ficker (1969), as Cartas a Engelmann (1967) essência — que aquilo de que podemos falar
e as reflexões do próprio Engelmann. é tudo o que conta na vida. Wittgenstein, ao
N a realidade, em 1919 (portanto, três contrário, crê apaixonadamente que tudo o
anos antes que M . Schlick, o fundador do que conta na vida humana é precisamente
Wiener Kreis, fosse chamado a Viena), Witt aquilo sobre o qual, no seu modo de ver,
genstein escreveu uma carta a L. von Ficker, devemos calar. Apesar disso, quando ele
com o qual estava tratando da publicação do toma grande cuidado em delimitar o que
Tractatus. Entre outras coisas, podemos ler não é importante, não é a costa daquela ilha
nessa carta: “ Talvez lhe seja útil que eu lhe que ele quer examinar tão acuradamente, e
escreva algumas palavras sobre o meu livro: sim os limites do oceano” . [3]
Quarta pattc - R u s s e ll, Wi-H-gens+ein e a filosofia d a lin g u a g e m
partida de xadrez são hábitos (usos, insti “ faz parte de nossa história natural, como
tuições)” . E essas regras que aprendemos o caminhar, o comer, o beber, o brincar” .
através do adestramento são públicas: “ N o A linguagem opera sobre o fundo de neces
sentido em que existem processos (também sidades humanas, na determinação de um
pro cesso s psíquicos) característicos do ambiente humano. E como “ o significado
compreender, o compreender não é processo de uma palavra é seu uso na linguagem” , a
psíquico” . função da filosofia é puramente descritiva.
M as uma imagem nos mantinha pri Como na psicanálise, a diagnose é a terapia:
sioneiros. E ela fez com que o mundo de “ o filósofo trata uma questão como uma
nossa mente se povoasse de espectros, isto doença” .
é, de problemas filosóficos: “ Eles não são N ão busqueis o significado, buscai o
naturalm ente problem as empíricos, mas uso — repetia Wittgenstein em Cambridge.
problemas que se resolvem penetrando na E acrescentava: “ O que vos dou é a morfo-
operação de nossa linguagem de forma a logia do uso de uma expressão. Demonstro
reconhecê-la, contra uma forte tendência a que ela tem usos com os quais jamais havíeis
subentendê-la. Os problemas não se resol sonhado. Em filosofia, as pessoas sentem-se
vem mais produzindo novas experiências, forçadas a ver um conceito de determinado
mas sim ajustando aquilo que já nos é m odo. Pois o que faço é propor ou até
conhecido há tempo. A filosofia é batalha inventar outros modos de considerá-lo. Su
contra o encantamento de nosso intelecto, giro possibilidades nas quais jamais havíeis
por meio de nossa linguagem” . pensado. Acreditáveis que só existisse uma
“ Os problemas filosóficos surgem [...] possibilidade ou, no máximo, duas. M as
quando falta a linguagem” . E esses proble eu vos fiz pensar em outras possibilidades.
mas se resolvem dissolvendo-os. “ Quando Além disso, mostrei que era absurdo esperar
os filósofos usam uma palavra — ‘saber’, que o conceito se adequasse a possibilidades
‘ser’, ‘objeto’, ‘eu’, ‘proposição’, ‘nome’ — e tão restritas assim. Desse modo, vos libertei
tentam captar a essência da coisa, devemos de vossa cãibra mental; agora, podeis olhar
sempre perguntar: essa palavra é efetiva em volta, no campo do uso da expressão,
mente usada assim na linguagem, na qual e descrever seus diversos tipos de uso” . Em
tem sua pátria?” suma, a filosofia é a terapia das doenças da
“ N ós utilizamos as palavras, no seu linguagem. “ Qual é o teu objetivo em filo
emprego metafísico, na trilha do seu empre sofia? Indicar à mosca o caminho de saída
go cotidiano” . E isso porque a linguagem de dentro da garrafa” .
315
Capítulo décimo sexto - L u d w ig W ittg e n s te in --------
delas. (€1® deve, por assim dizer, jogar fora a Nossa vida é tão sem fim, do mesmo modo
escada depois de por ela ter subido). que nosso campo visual é sem limites.
€le deve superar estas proposições, e
então verá o mundo corretamente. 6.4312 A imortalidade t0mporal da alma
do hom0m 0, portanto, sua 0t0rna sobrevivência
7 Sobre aquilo de que não se pode falar, mesmo depois da morte, não só não é de modo
deve-se calar. nenhum garantida, mas, quando a supomos,
L. UJittgenstein, não alcançamos de fato aquilo que, ao supô-la,
Tractatus logico-philosophicus sempre perseguimos. Talvez se torne resolvido
e Cadernos 1914- 1916. um 0nigma p0lo fato de que 0U sobreviva
0t0rnam0nt0? Não é talv©z 0sta vida 0t0rna
tão ©nigmática como a pres©nt0? A resolução
do ©nigma da vida no ©spaço 0 no t©mpo 0stá
foro do ©spaço e do tempo.
2 fl parte "mística" do T ra c ta tu s (Não são problemas de ciência natural
aqueles que aqui se procura resolver).
UJittgenstein, com seu Tractatus, havia-se 6.432 Flssim como o mundo é, é coisa de
proposto saber como era feito a ciência; nõo, fato indiferent© para aquilo que é mais elevado.
porém, porque pensasse que fora do ciência Deus não revela a si mesmo no mundo.
nõo houvesse noda de importante. Queria
sa b er como era feita a ciência - o dizível da 6 . 4 3 2 1 Os fatos pertencem todos apenas
ciêncio - para proteger o inefável (em rela ao problema, não à solução.
ção à ciêncio). fiquilo que a ciência não pode
dizer é o que mais importa para nós. 6 . 4 4 O místico não existe como o mundo
0xist0, mas que 0I0 ©xiste.
6.4 Todas as proposições são de igual valor. 6 . 4 5 Intuir o mundo sub specie aeternl é
intuí-lo como totalidade - limitada.
6 . 4 1 O sentido do mundo deve estar fora O místico é sentir o mundo como totali
dele. No mundo tudo é como é, e tudo acontece dade limitada.
como acontece; não há nele nenhum valor, nem,
s© houv0ss0, t©ria um valor. 6.5 De uma resposta que não se pode
S© existe um valor que tem valor, deve formular também não se pode formular a per
estar fora de todo devir e de ser-assim. Com gunta.
0f0ito, todo d0vir 0 ser-assim 0 acid0ntal. O enigmo não 0xist0.
flquilo qu© os torna não-acid0ntais não S0 uma p0rgunta pode ser levantada, ela
pod© ©star no mundo, pois, d0 outra forma, também pod e ter resposta. [...]
seria, por sua vez, acidental.
Deve ©star fora do mundo. 6 . 5 2 Sentimos que, mesmo depois que
todas as possíveis perguntas científicas tiverem
Ó. 4 2 Não podem, portanto, existir propo sido respondidas, nossos problemas vitais ain
sições da ética. da não terão sido sequer tocados. Sem dúvida,
As proposições não podem exprimir nada então não restará mais nenhuma pergunta; e
que seja mais elevado. esta é justamente a resposta.
6.4311 A mort© não é 0V0nto da vida. A 6 . 5 2 2 Cxiste d0 fato o in0fáv0l. Gle mostra
mort0 não s© viv©. a si mesmo, é o místico.
S0 por 0t0rnidad0 S0 entende não infinita
duração no tempo, mas intemporalidade, vive L. UJittgenstein,
eternamente aquele que vive no presente. Tractatus logico-philosophicus.
Q uarta parte - " R u s s e l l W ittg e n sfe iia e a -filosofia d a lin g u a g e m
todos, mois ou menos, o mesmo aspecto. (Isso tipos de linguagem, novos jogos lingüísticos,
é compreensível, uma vez que todas devem como poderemos dizer, surgem e outros en
ser pegas com a mão). Mas uma é a alavanca velhecem e são esquecidos, (fls mudanças da
de uma manivela que pode ser deslocada de matemática poderiam dela nos dar uma imagem
modo contínuo (regula a abertura de uma vál aproximativa).
vula); outra é a alavanca de um interruptor que Aqui a palavra “jogo lingüístico" destina-se
permite apenas duas posições úteis: para cima a pôr em evidência o fato de que o /b/ar uma
e para baixo; uma terceira é parte da alavanca linguagem faz parte de uma atividade, ou de
de freio: quanto mais fortemente é puxada, mais uma forma de vida.
energicamente se freio; uma quarta é a alavan Considere a multiplicidade dos jogos
ca de uma bomba: funciona apenas enquanto lingüísticos contidos nestes (e em outros)
a movemos para cima e para baixo. exemplos:
“Cstou em dúvido se..."; porém, desse modo semelhante a prender a uma coisa um cartão
os diferentes jogos lingüísticos nõo foram muito com um nome. Pode-se dizer que esta é uma
aproximados um do outro. preparação para o uso da palavra. Todavia,
fl importância d estas p o ssib ilid a d e s para o quê nos prepara?
de transformação, por exemplo, de todas as
proposições assertivas em proposições que 27. "Nós as denominamos de coisas, e
começam com a cláusula “Cu penso" ou "€u creio" assim podemos delas falar, referirmo-nos a elas
(e, portanto, por assim dizer, em descrições de no discurso". Como se com o ato de denominar
minha vida interior) aparecerá mais clara em já estivesse dado aquilo que faremos a seguir.
outro lugar. (Solipsismo). Como se houvesse uma só coisa que se chama
"falar das coisas". Ao contrário, com nossas
2 5 . Por vezes se diz: os animais não falam proposições, fazemos as coisas mais diversas.
porque carecem das faculdades espirituais. Pensemos apenas nas exclamações, com suas
€ isso quer dizer: "não pensam e, portanto, funções completamente diferentes.
não falam". Mas, exatamente: não falam. Ou Água!
melhor: não empregam a linguagem - se exce Fora!
tuarmos as formas lingüísticas mais primitivas Ah!
O mandar, o interrogar, o contar, o conversar Socorro!
fazem parte de nossa história natural, assim Belo!
como o caminhar, o comer, o beber, o brincar. Não!
Agora você ainda está disposto a cha
2 6 . Pensamos que aprender a linguagem mar estas palavras de "denominações de
consiste em denominar objetos. Ou seja: ho objetos"?
mens, formas, cores, dores, estados de espírito, L. UJittgenstein,
números etc. Conforme foi dito, denominar é Pesquisas Filosóficas.
( C a p ít u lo d é c im o s é + im o
lavras, e fazer emergir o conjunto das regras Para ele, “ a metafísica é paradoxo” , é
que regulam os diversos jogos de linguagem, “ tentativa de dizer o que não se pode dizer” ;
que operam sobre o fundo das necessidades as afirmações metafísicas são “ sintomas de
humanas, na determinação de um ambiente penetração lingüística” . Os paradoxos (pa
humano. E isso com o objetivo de eliminar radoxos em relação aos padrões “ normais”
as “ cãibras mentais” originadas pelas con de nossos usos lingüísticos) m etafísicos
fusões dos jogos de linguagem e pelo fato — como as assertivas do solipsista, do de
de se jogar um jogo com as regras de outro. fensor da irrealidade do mundo externo etc.
N ão se pode jogar xadrez com as regras do — têm a função de abrir brechas entre as
rúgbi. “ O filósofo trata uma questão como muralhas de nossos quadros intelectuais, de
uma doença” . A filosofia é a batalha contra abrir novos horizontes, de nos propor novos
o enfeitiçamento lingüístico do intelecto. problemas: com efeito, questões que não
encontram resposta podem gerar problemas
que têm solução.
.2.. A re v ista '/ X n a ly sis7 Em suma, o filósofo é um criador. Deve
ser “ como quem viu muito e não esqueceu
nada, e como quem vê cada coisa pela
Em Cambridge, portanto, Russell, M o primeira vez” . “ N ão apenas Cristóvão Co
ore, Wittgenstein, M. E. Johnson, C. D. Bro- lombo e Pasteur realizaram descobertas, mas
ad e F. P. Ramsey, apesar das diversidades, também Tolstoi, Dostoiewski e Freud. N ão
sustentaram todos que a filosofia é análise, são apenas os cientistas com seus microscó
clarificação da linguagem e, portanto, do pios que nos revelam coisas, mas também os
pensamento. E um produto dessa atmosfera poetas, os profetas, os pintores” . Wisdom
foi a revista “ Analysis” , que, dirigida por A. escreve: “ Os artistas que mais fazem por
Duncan-Jones, apareceu em 1933, e com a nós não nos falam somente de países de
qual colaboraram, entre outros, L. S. Steb- fadas. Proust, Manet, Bruegel, até Botticelli
bing, C. A. M ace e o oxfordiano G. Ryle. e Vermeer, nos mostram a realidade. E no
“ Analysis” se propunha a “ publicar breves entanto, por um momento nos dão alegria
artigos sobre questões filosóficas circunscri sem ansiedade, paz sem tédio [...]” .
tas e definidas com precisão, questões rela
tivas à clarificação de fatos conhecidos, ao
invés de prolixas generalizações e abstratas
especulações metafísicas sobre fatos possí A a n á lis e filo s ó fic a
veis ou sobre o mundo em sua totalidade” . //
c o m o " t & r a p i a lingüística^
Em bora havendo acordo em torno
desse program a m áxim o, imediatamente
aflorou o problema: o que a análise analisa? Além de John Wisdom, é preciso re
Foi assim que Srta. Stebbing e John Wisdom, cordar também G. A. Paul, M. Lazerowitz
que depois sucedeu a Wittgenstein na cáte e N. Malcolm.
dra de Cambridge, dedicaram-se a analisar É certamente difícil, senão impossível,
o conceito de análise. etiquetar o tipo de trabalho realizado em
Cambridge. M as, se o devêssemos fazer, di
ríamos que a característica desse trabalho é
3 o k n W is d o m a análise filosófica concebida como terapia.
Moore estava persuadido de que mui
e a s a fir m a ç õ e s m e ta fís ic a s
tas das confusões dos filósofos derivam do
com o " p a r a d o x o s fato de que eles tentam dar respostas sem
d e e x p lo r a ç ã o '7 antes ter analisado as perguntas às quais
respondem.
Para Wittgenstein, o filósofo trata de
Wisdom (nascido em 1904) é hoje o uma questão como de uma doença, e resolve
mais conhecido filósofo de Cambridge. Pro assim os problemas, desatando os intricados
fundamente interessado pelo problema da nós lingüísticos de nosso cérebro.
arte, da religião e das relações humanas, es E Wisdom é da opinião que uma per
creveu coisas refinadíssimas sobre as “ mentes plexidade filosófica deve ser tratada como na
alheias” e analisou com simpatia a aventura psicanálise, “ no sentido de que o tratamento
metafísica, embora sem voltar às preten é a diagnose e a diagnose é a descrição com
sões pré-neopositivistas dos m etafísicos. pleta dos sintomas” .
Quarta parte - T^ussell, W if+gen s+ein e a filosofia d a lin g u a g e m
CÃ. "Ryle:
o trabalko do filósofo
como correção
dos^erros categoriais*
mos cerca de setenta expressões que indicam certo vocabulário e determinada gramática,
gradações na atribuição de responsabilida cumpre-se um locutionary act. Por outro
des, por que o filósofo não deveria levá-las lado, ao dizer algo (by saying something)
em conta? E mais: a análise da linguagem realiza-se um illocutionary act direto a partir
comum nos mostra entidades lingüísticas daquilo que Austin chama de illocutionary
com as quais nós não tanto dizemos coisas, forces: pergunta, prece, informação, ordem
e sim fazemos coisas. etc. M as se in saying something se realiza
Em Como fazer coisas com palavras um específico illocutionary act, com o dizer
(1962), Austin justam ente desenvolve a algo (by saying something) nós realizamos
diferença entre enunciado constatativo ou um perlocutionary act, por meio do qual
indicativo e enunciado realizador ou execu produzimos sobre os outros determinados
tivo: o primeiro pode ser verdadeiro ou falso efeitos: nós os convencemos, surpreende
(“ amanhã parto para São Paulo” ), o segun m os, inform am os, enganamos etc. Essas
do pode ser feliz ou infeliz (“ eu te prometo distinções já constituem patrimônio comum
q u e ...” , “ juro q u e ...” , “ declaro aberta a da filosofia analítica, assim como o sentido
manifestação” ). N o curso da análise, porém, de seu apelo à linguagem comum e à visão
essa distinção vai se diluindo, pois também da finalidade da análise. “ A linguagem co
o enunciado indicativo parece ser realizador: mum não é a última palavra: em princípio,
com efeito, “ amanhã parto para São Paulo” ela pode ser sempre integrada, melhorada
não é equivalente ao realizador “ garanto e e superada. M as deve-se notar que ela é a
dou minha palavra de honra que amanhã primeira palavra” . E assim: “ Nós não con
parto para São Paulo” ? sideramos somente palavras [...], mas tam
Sendo assim, Austin enfrentou a ques bém a realidade, para falar da qual usamos
tão de outro ponto de vista. Realizando um palavras. N ós utilizamos uma consciência
ato rético, isto é, usando palavras segundo refinada dos termos para afinar nossa per-
J. L. A U S T IN
HOW TO DO THINGS
WITH WORDS
« m s
cepção dos fenômenos” (Uma defesa para em nível introdutório, a natureza da própria
as desculpas, 1956). lógica form al” .
Seu livro mais conhecido, de 1959, é
Indivíduos. Ensaio de metafísica descritiva,
.A filosofia de Oxford onde, por “ metafísica descritiva” , Strawson
e a análise
entende exatamente a descrição dos concei
tos de fundo com os quais nos relacionamos
da linguagem éfico-jurídica com a realidade. Essa metafísica descritiva
deve-se distinguir da metafísica revisionis
ta, preocupada em mudar as estruturas de
Ao lado dos nomes de Ryle e Austin, leitura do mundo.
também destacam-se em Oxford os nomes O livro Indivíduos está dividido em
de R F. Strawson, A. J. Ayer, S. Hampshire, duas partes. “ A primeira parte procura
H. L. A. Hart, S. E. Toulmin, R. M. Hare, I. estabelecer a posição central que os corpos
Berlin, D. Pears, A. Montefiore, P. Nowell- m ateriais e as pessoas ocupam entre os
Smith e G. J. Warnock. Devido à diversidade particulares em geral. M ostra-se que, em
de formação desses pensadores, e à diferença nosso esquema intelectual, assim como ele
de seus âmbitos de investigação, também é, os particulares dessas duas categorias
aqui é difícil, se não impossível, dizer o que são particulares básicos ou fundamentais,
é comum a todos eles. M as, seja como for, que os conceitos de outros tipos de parti
a atenção à linguagem comum é mais ou culares devem ser secundários em relação
menos constante na filosofia de Oxford. R. aos conceitos delas. N a segunda parte do
M . Hare, A. Montefiore, H. L. A. Hart, P. livro, o objetivo é o de estabelecer e explicar
Nowell-Smith, G. J. Warnock e, pelo menos a conexão entre a idéia de um particular
em grande parte, o próprio S. E. Toulmin, em geral e a de um objeto de referência ou
interessaram-se sobretudo (mas não exclu sujeito lógico” . Em suma, para Strawson,
sivamente) pelo problema ético, ou seja, a o conceito de pessoa é conceito primitivo.
análise da linguagem moral e, de quando em Ele está persuadido de que a concepção
vez, pela linguagem jurídica e política. comum ignora a noção cartesiana de esta
N o livro Pensamento e ação (1960), S. dos de consciência estritamente privados.
Hampshire indagou a questão da liberdade E isso porque admite “ um tipo de entidade
humana e de sua relação com o conhecimen em que tanto os predicados que atribuem
to, tema ao qual voltou em 1965 com o livro estados de consciência como os predicados
Liberdade do indivíduo. Hampshire repele que atribuem características morais, uma
decididamente a idéia cristalizada de que situação física etc., são aplicáveis a todo
quanto mais conhecemos os mecanismos indivíduo desse tipo” .
da mente humana, mais se restringe a área
da decisão livre; na opinião de Hampshire,
ocorre o contrário, ou seja, quanto mais 5 S.-H ampsKiVe e A . 3 ■jAyer:
conheço minha mente, mais estou em condi um desacordo
ções de agir de modo livre e consciente.
sobre a volta a Kanf
A tarefa que nos espera como filósofos é a de matemática, isto é, indicar suas regras, mas
penetrar nessa gramática mais profunda” . não baseá-la em algo. Ademais, o método
M as esse “ projeto” de Hampshire não de basear uma idéia sobre outra não pode
parece ter a concordância de A. J. Ayer, autor bastar para nós, o que deriva desta simples
daquele que foi um verdadeiro clássico do consideração: em algum ponto ele tem de
neopositivismo na Inglaterra, isto é, Lingua acabar, remetendo-nos a alguma idéia que,
gem, verdade e lógica (1936). Profundamen por seu turno, não pode se basear em nada.
te interessado pelos problemas do conhe A última base é constituída unicamente pela
cimento por ele analisados na e através da postulação. Tudo aquilo que tem o aspecto
linguagem, Ayer escreveu que “ há um perigo de uma fundamentação já contém algo de
em seguir Kant: é o perigo de sucumbir a um falso, o que não pode satisfazer” .
tipo de antropologia apriorística e presumir Esse convencionalismo permeia toda
que certas características fundamentais do a produção filosófica de Waismann. Aqui,
sistema conceituai próprio a nós são neces basta recordar seu ensaio Verificabilidade,
sidades de linguagem, que é o equivalente no qual Waismann sustenta que uma expe
moderno da necessidade de pensamento” . riência “ fala por” ou “ fala contra” , “ mais
fortemente” , “ corrobora” ou “ enfraquece”
uma proposição, mas nunca a confirma
6 F.W a ismcmn: ou não a confirma. Analogamente, em sua
inacabada série de artigos sobre “ Analytic-
a filosofia não pode
Synthetic” , publicada em “ Analysis” (1949
ter apenas 1952), Waismann se opõe à tendência “ dos
u m a tarefa terapêutica filósofos da linguagem comum” a acentuar
as “ regras” e a “ correção” . Ele tenta elimi
nar as barreiras que separam tipos de pro
N o espírito do convencionalismo lin posições: a correção, escreve ele, é o último
güístico também se situa o pensamento de F. refúgio daqueles que não têm nada a dizer.
Waismann, sempre elegante e agudo em seus E é precisamente por isso que Wais
límpidos escritos. Waismann iniciou seu tra mann não quer atribuir à filosofia uma
balho em filosofia como assistente de Schlick função puramente terapêutica, vendo muito
e, portanto, como neopositivista. M as desde mais nela um elemento criativo, que a leva
o início ele se aproximou das perspectivas a destruir as ferrugens lingüísticas que nos
de W ittgenstein, com o testem unham o paralisam.
ensaio sobre a probabilidade publicado “ A filosofia — escreve Waismann — é
em “ Erkenntnis” em 1930 e sua Introdu visão. O característico da filosofia é a pene
ção ao pensamento matemático, de 1936, tração na crosta enrijecida constituída pela
onde rejeita decididamente a idéia de que tradição e pela convenção, rompendo as
a matemática possa se “ basear na lógica” . amarras que nos vinculam a heranças ante
Waismann afirma que “ a matemática não se riores, de modo a alcançar um modo novo
baseia em nada” : “ Nós podemos descrever a e mais poderoso de ver as coisas” .
Cãpítulo décifflO sétimo - ;A filosofia d a lin g u a g e m
2 A) ova atitude
Pesquisas específicas foram realizadas em relação à
pelos filósofos analíticos não só sobre a lin
guagem comum, mas também, por exemplo,
sobre a linguagem política, a ética, a histo- M as, em todo caso, é de grande im
riográfica, a jurídica e a religiosa. portância ver como na filosofia analítica
- O que é típico de uma norma ética? tenha mudado a atitude iconoclástica que
Como a linguagem da ética se distingue da os neopositivistas tinham assumido em re
das ciências empíricas? Como as normas lação à linguagem metafísica. Com efeito, os
éticas “ se fundamentam” ? filósofos do Wiener Kreis, equipados com o
- O historiador, quando escreve sobre princípio de verificação, sustentaram que os
história, constrói uma ciência como a físi discursos metafísicos são discursos privados
ca, ou a história é uma ciência sui generísl de significado próprio porque não verificá
Que tipo de explicação é uma explicação veis e, portanto, não redutíveis à linguagem
histórica? Qual é a função das leis gerais na “ coisal” das ciências físico-naturalistas.
historiografia? O que é que transforma um O princípio de verificação, porém, deve
fato qualquer em um fato histórico? ter tido vida dura:
- Qual significado têm termos da lin 1) em primeiro lugar tal princípio pa
guagem religiosa que não podem se referir a rece autocontraditório;
experiências observáveis? Que tipos de crité 2) em segundo lugar, não é preciso
rios é possível exibir para a aceitação de uma saber muito para compreender que ele, en
fé religiosa? Como é possível falar de Deus? quanto tribunal de última instância, era
Q uarta parte - R u sse ll, W iffg e n s + e in e a filosofia d a lin g u a g e m
criptometafísico: quer-se jogar xadrez com modo de conceber as coisas. Como se tivesses
as regras do rúgbi; encontrado um novo modo de pintar; ou
3) e além disso ele— doente de finitismoentão
e um novo metro, ou um novo gênero
indutivismo — não se mostrou capaz de satis de canções” .
fazer as leis universais das ciências empíricas. 4) A metafísica é visão e, portanto,
E foi assim que todas estas críticas le paradoxo. Os paradoxos, ou seja, as asser
varam de um lado à proposta, por parte ções metafísicas, são terremotos de nosso
de Popper, do critério de falsificabilidade establishm ent lingüístico-conceitual. As
como critério de demarcação (e não de sig- metafísicas proíbem a esclerose do pensa
nificância, como era, ao contrário, o prin mento.
cípio de verificação) entre teorias empíricas 5) As funções realizadas pelas metafísicas
ou científicas e teorias não empíricas mas são tarefas morais, políticas, de asseguração
que todavia têm seu sentido, e do outro à psicológica, de apoio ou de substituição dos
introdução, por parte de Wittgenstein, do fins da religião.
princípio de uso. 6) As metafísicas podem desenvolver a
Pois bem, na atmosfera liberalizada importante função de gerar hipóteses cientí
pelo critério de falsificabilidade e pelo prin ficas. São questões cientificamente insolúveis
cípio de uso, na filosofia de língua inglesa que põem, todavia, na maioria das vezes,
desapareceu a angústia neopositivista em problemas que encontram depois uma so
relação à metafísica. Sem dúvida, as asser lução. De fato, disse Strawson, “ aquilo que
ções metafísicas não são nem tautológicas começa como metafísica pode acabar como
nem falsificáveis, mas não estão privadas ciência” . E isso porque “ uma reconstrução
de sentido. Também elas têm um uso, ou filosófica sistemática de conceitos e de for
melhor, usos que é preciso individuar e não mas de linguagem pode por vezes ter uma
tanto condenar. aplicação em ramos de conhecimento dife
rentes da filosofia” . E não diversamente de
Strawson pensa, a propósito de tal questão,
O s resultados K. R. Popper, para o qual “ a maior parte dos
mais significativos sistemas metafísicos pode ser reformulada
de modo tal a se tornarem problemas de
na reflexão
método científico” . A metafísica, portanto,
sobre a metafísica pode ser a aurora da ciência. Descartes gerou
Newton, Hegel alguns historiadores, e M arx
muita sociologia e muita historiografia.
Em síntese, os seguintes pontos repre 7) Se a m etafísica é visão, ou seja,
sentam os resultados mais significativos que, “ um modo de ordenar ou de organizar o
a partir da filosofia analítica, foram obtidos conjunto das idéias com as quais lemos o
na reflexão sobre a metafísica. mundo, então, se não somos reformadores
1) E um não senso afirmar que a meta metafísicos, uma tarefa útil é a de penetrar
física é um não senso. naquela gramática mais profunda que reflete
2) A “ cãibra mental” na reflexão sobre os pressupostos de todo nosso pensamento
a metafísica aparece quando pretendemos e experiência” . E com isso estamos naquela
que a metafísica seja “ informativa” da mes que Strawson chamou de metafísica descri
ma forma que as ciências empíricas. tiva e da qual nos ofereceu um ensaio em
3) A metafísica é um new way ofseeing, Indivíduos.
um blick (o termo foi cunhado por Hare e 8) A metafísica não é um conjunto de
corresponde, grosso modo, a “ perspectiva” ), proposições ligadas aos dois extremos da
uma visão que nos permite olhar o universo eternidade. As metafísicas, em outras pa
inteiro como se este se encontrasse em sua lavras, não devem ser vistas como animais
primeira manhã. Junto com o Wittgenstein em palhados, m as dinamicamente, como
das Pesquisas poderemos repetir ao metafí outros organismos que nascem, crescem,
sico: “ Descobriste, antes de tudo, um novo proliferam e morrem. fSTT-Fi 1 I 2 I 3 I
i n
D com
O que começa
o metafísica
2 O metafísico
"re-projeto
pode terminar como ciência todo o mapa
do pensamento"
Idéias que permaneceram, p o r p e río
dos mais ou menos longos, empiricamente fí metaFísica é um em preendim ento
incontroláveis - e, portanto, m etafísicas
teórico em que se tento re-ordenar ou re
- sucessivamente se tornaram, com o cresci organizar o conjunto das idéias p o r meio
mento do sa b er de Fundo, teorias cientíFicas;
dos quais pensamos e lemos o mundo e a
o exemplo clássico é o do atomismo antigo.
realidade.
Uma concepção análoga à que Strauison d e
Fende aqui p od e se r encontrado também em
pensadores como Popper e em não poucos
O 0mpreendimento metafísico emerge,
historiadores da ciência.
principalmente, como tentativa de r0-ord0nar
ou de re-organizar o conjunto das idéias com
as quais pensamos o mundo; assimilando
O qu® dizer do aspecto imaginativo da uma à outra coisas que em geral distinguimos,
filosofia? Obviamente nem a habilidade no uso distinguindo outras delas qu0, ao contrário,
das técnicas para a construção dos sistemas normalm0nte assemelhamos, promovendo cer
nem o olho arguto para os fatos lingüísticos é tas idéias a posições-chave, 0 d0gradando ou
de auxílio direto para a tarefa explicativa. Mas, eliminando outras, é em primeiro lugar um tipo
quando nos voltamos para o aspecto inventivo de revisão conceituai que o metafísico empreen
ou construtivo - também se poderia dizer o a s de, um re-projetar o mapa do pensamento - ou
pecto metafísico - a coisa mostra-se diferente. parte dele - em novo plano. Naturalmente, tais
Rquele que constrói um sistema, guiado por revisões são freqüentemente empreendidas
ideais de elegância e exatidão quase mate dentro de s0tor0s particulares do p0nsam0nto
mática, fornece-nos os modelos dos modos humano 0, então, nõo são empreendimentos
segundo os quais poderíamos ter pensado 0 metafísicos. Mas a revisão qu0 o m0tafísico
falado, caso tivéssemos sido criaturas menos 0mpre0nd0, por mais qu© possa s©r ©mpreendi-
complexos e menos diferentes do que somos. da nos interesses - ou nos supostos interesses
Ro assim proceder, como já disse, ele pode - da ciência, ou à luz da história, ou por causa
lançar muita luz, tanto direta como indireta, de uma crença moral qualquer, é S0mpre de
sobre os asp0ctos fundam0ntais dos modos ordem diferente de uma revisão puramente
com que nós de fato pensamos e falamos. 6 s0torial. Com 0f0ito, entre os conceitos que ele
isso não é tudo. Uma reconstrução sistemática manipula há sempre alguns - como conheci
dos concéitos e das formas lingüísticas, rea mento, existência, identidade, realidad0-qu0,
lizada pelo filósofo, por vezes pode ter uma como diss© Aristóteles, são comuns a todas os
aplicação em ramos do conh0cim0nto diversos disciplinas setoriais. Cm parte por esta razão,
da filosofia. Pode fornecer instrumentos úteis a revisão metafísica volta-se para a globalida-
e também indispensáveis para o progresso de, re-sistematiza tudo [...]. O metafísico par
da .matemática 0 das ciências a ela ligadas. C excellence [...] com mais ou menos temeridade,
nessa atividade de novo hó uma concordância ingenuidade e imaginação, re-proj0ta todo o
com as especulações inventivas da metafísica mapa [do p0nsam0nto].
mais tradicional. O que começa como metafísica
pode t0rminar como ciência. H. P. Grice,
D. F. Pears,
P. F. Strawson, P. F. Strawson,
Construção e análise, em W.fifl., Metaphysics, em W.Rfl.,
fí reviravolta lingüística The Nature
em FilosoFia. oF Metaphysics.
Q uarta parte - R u s s e ll, W ittg e n s t e m e a filosofia d a lin g u a g e m
O es pin+ual is mo
como jervômervo europeu
I. O espiníualismo: :
gênese; cam c+en sticas e expoentes
J f- .
M a u r ic e B lo n d e l ( 1 8 6 1 - 1 9 4 9 )
fo i o m a io r rep re se n tan te
d a filo so fia d a a ç ã o :
u m a filo so fia d e r e su lta d o s
d e c is iv a m e n te r e lig io s o s
e in te r lig a d a c o m o m o v im e n to
d e p e n sa m e n to m o d e r n ista .
343
Cãpítulo decimo OltüVO - O espiritualismo como fenômeno europeu
uma influência que nada pode conseguir pelo cientista acabam por ser tão coerentes
substituir” . entre si e por ter tal eficácia [...] que o cien
tista se vê fortemente tentado a considerar
todo esse simbolismo como imagem fiel da
;A dialética da vontade realidade, como a própria realidade” .
M as isso, diz logo Blondel, é “ erro
fundamental que se deve combater” . E é
Dito isso, vamos a Blondel. Em 1893, erro que devemos combater pelo fato de
ele publicou sua obra mais conhecida e im que também na ciência não há paz: o dis
portante: A ação. Ensaio de uma crítica da sídio se apresenta nela, por exemplo, entre
vida e de uma ciência da prática. relações universais e intuições do particu
O livro se abre com a seguinte in lar. Tampouco a ciência está em condições
terrogação: “ A vida humana tem ou não de resolver o enigma do destino humano.
tem sentido? O homem tem ou não tem Aliás, ao contrário, é o destino humano
destino?” Para poder responder à pergunta que fornece o sustentáculo para a ciência,
sobre o sentido da vida, devemos interrogar enquanto esta “ permanece como que sus
a própria vida, diz Blondel. Entretanto, se pensa” ao elemento subjetivo. A consciência
interrogarmos a vida e tentarmos descrevê- — e, portanto, a ação — foge à ciência, “ já
la, devemos tomar consciência de que “ é que é precisamente ela que cria o mundo e
preciso transportar para a ação o centro os símbolos da imaginação” . N o fundo e
da filosofia, já que lá se encontra também o em sua essência, “ a ação é sempre um além
centro da vida” . A experiência humana não [...]. Para a frente e para o alto, só assim a
é tipificada pela razão, mas precisamente ação é ação” .
pela ação: “ Em minha vida, a ação é fato, M as a ação “ é uma função social por
o mais geral e constante de todos” . excelência [...]; agir quer dizer evocar outras
O homem age e deve agir. E na ação que energias, chamar testemunhas, oferecer-se
ele expressa o mais profundo de si mesmo, ou impor-se à sociedade dos espíritos” . E
sua vontade. E é precisamente na ação que a assim nasce a abertura para os outros na
filosofia deve procurar a orientação, o fim a família, na pátria e na humanidade. Desse
ela imanente. E é assim que o núcleo central m odo, tenta-se satisfazer aquele desejo
em torno do qual se articula A ação é dado único que é “ expandir-se e crescer” . Aqui,
pela dialética da vontade. porém, longe de se extinguir, acentua-se o
Com efeito, a dialética da vida não é a dissídio entre o dever-ser e o ser, entre von
dialética da razão, como para Hegel, e sim da tade que quer e vontade querida: o plano
vontade. A vida é tecida pelo contraste entre
vontade que quer ( “quod. procedit ex volun-
tate” ) e vontade querida, isto é, o resultado
efetivo ( “quod voluntatis objectum fit” ).
■ M é to d o da im a n ê n c ia . É o mé
todo feito justamente por Maurice
O método da imanência Blondel, Lucien Laberthonnière - e
não só por eles - para construir uma
apologética da fé cristã; apologética
Em sua própria experiência, por con que, tornando aguda a consciência da
seguinte, o homem sempre percebe a des natureza finita e constitutivamente
proporção entre a vontade e a obra, entre insatisfeita do homem, mostra que o
a vontade que quer e a vontade querida. E divino é imanente no homem, pelo
menos sob a forma de aspiração ou
o apoiar-se em um resultado logo se revela exigência.
ilusório, posto que tal resultado não tardará Blondel: "Querer tudo aquilo que
a m ostrar sua parcialidade, insuficiência queremos com plena sinceridade de
e provisoriedade. Assim, inicialmente nos coração é pôr em nós o ser e a ação
entregam os às sen sações, apesar de as de Deus".
sensações deverem ser interpretadas em e Laberthonnière: "É na natureza hu
ligadas por generalidades empíricas. Essas mana que encontramos de novo as
generalidades empíricas que relacionam, exigências do sobrenatural".
interpretam e superam as sensações cons
tituem a ciência, e “ os símbolos instituídos
Quinta parte - E s p ir itu a l ism o, n o v a s fe o lo g ia s e n e o -e s c o lá s + ic a
do finito não consegue aplacar uma sede cristão e o idealismo grego (1904), põe em
inextinguível. E, no fim, confessa Blondel, contraste a filosofia grega, que faz de Deus
encontro-me “ dividido entre o que faço sem uma idéia suprema e o arquétipo da natu
querer e o que quero sem fazer” . Por isso, reza, e a descoberta cristã do sujeito. Essa
“ para querer-me a mim mesmo plenamente, intuição cristã essencial, isto é, a descoberta
é necessário que eu queira mais do que até da subjetividade e da interioridade, segundo
agora soube encontrar” , ou seja, é preciso Laberthonnière, ter-se-ia perdido quando a
transcender o plano do finito. Somente Deus Escolástica tornou suas as categorias lógico-
pode preencher o vazio entre minha vontade metafísicas do mundo grego. M as, diz ele
e suas realizações: “ Querer tudo o que que nos Ensaios de filosofia religiosa (1903), a
remos com plena sinceridade de coração é revelação não pode ser imposta ao homem de
pôr em nós o ser e a ação de Deus” . fora, recorrendo à autoridade ou por meio da
Com isso, chegamos plenamente ao demonstração racional. A verdade religiosa
método da imanência. Esse método (como deve brotar da interioridade do homem: a
Blondel esclarecerá na Carta sobre as exi verdade da revelação só tem valor para o ho
gências do pensamento contemporâneo em mem na condição de que ele a recrie por sua
matéria de apologética, 1896) consiste em própria conta. É “ na natureza humana que
reconhecer na natureza finita do homem a se encontram as exigências do sobrenatural” .
exigência de Deus. E B É L jJ Exegeta e historiador do cristianismo,
Loisy é autor de obras famosas, como O
evangelho e a Igreja (1902), A religião de
Israel (1901), O quarto evangelho (1903) e
filosofia da ação Os evangelhos sinóticos (1907-1908). Loisy
e suas relações procurou distinguir a exegese puramente
crítica e histórica da exegese “ teológica e
com o modernismo pastoral” , que extrai das Escrituras respos
tas adequadas às necessidades atuais dos
crentes. Ele sustentava que alguns livros da
Ligado à filosofia da ação e ao método Bíblia foram transformados e enriquecidos
da imanência de Blondel é o modernismo, por obra das gerações posteriores. E isso
movimento de pensamento religioso que também teria ocorrido no caso dos evan
apareceu na França no início do século X X , gelhos sinóticos. Substancialmente, Loisy
e que foi logo depois condenado pelo papa sustenta que “ o Evangelho não entrou no
Pio X , com a encíclica Pascendi, de 8 de se mundo como absoluto incondicionado, que
tembro de 1907. Os principais expoentes do se resume em verdade única e imutável, mas
modernismo foram o abade Lucien Laber- como uma crença viva, concreta e comple
thonnière (1860-1932) e Alfred Loisy (1857 xa, cuja evolução procede, sem dúvida, da
1940). Edouard Le Roy, sucessor de Bergson força íntima que o tornou duradouro, mas
no Colégio da França, também se inseriu nem por isso deixou de ser influenciado em
no movimento modernista, tentando uma tudo, desde o início, pelo ambiente em que
síntese com o bergsonismo. N a Inglaterra, se produziu e no qual cresceu” . Daí brota a
as idéias modernistas foram difundidas por idéia segundo a qual o dogma tem uma his
George Tyrrell (1861-1909), ao passo que tória. Portanto, o que conta, para Loisy, não
na Itália seus representantes foram Antônio é tanto a defesa de definições historicamente
Fogazzaro (1842-1911), R ôm olo M urri datadas, e sim muito mais a acentuação do
(1870-1944) e, sobretudo, Ernesto Bonaiuti significado moral da religião. Em poucas
(1881-1946), autor, entre outras coisas, de palavras, o m odernism o procurou uma
um Programa dos modernistas (1911). mediação do dogma com a subjetividade
Laberthonnière (diretor dos “ Anais humana e uma mediação da verdade supra-
de filosofia cristã” , que foram publicados histórica da revelação cristã com a evolução
de 1905 a 1913), em sua obra O realismo histórica da humanidade.
Cãpítulo décimo oitavo - O esp iritu a lism o c o m o fe n ô m e n o e u ro p e u
fl necessidade poro o homem de optar contra si mesmo. Não poderá viver, portanto,
apenas manifesta sua vontade de ser aquilo a não ser renascendo para uma ação diferente
que quer; sua ação, portanto, tem um ser neces do sua.
sário, mas este ser, caso pretenda encontrá-lo M. Blondel,
ou conservá-lo todo em si mesmo, volta-se fí filosofia da ação.
C a p ít u lo d é c im o nono
f lt í n H B e r g s o n
e a evolução criadora
francesa, que encontra suas maiores expres saram Bergson, então muito famoso, mas já
sões em Descartes e Pascal. Esses temas, em bastante doente, de se apresentar à vistoria
uma síntese rica e original, convergem com a que tinham de se submeter os judeus. Mas
as instâncias do evolucionismo spenceriano ele não aceitou, indo pessoalmente fazer
e com a crítica das “ verdades” científicas. sua ficha. Morreu em 1941, em uma Paris
Em linhas gerais, Bergson desenvolve o ocupada pelos nazistas.
espiritualismo de Maine de Biran e de R a O objetivo de fundo da filosofia de
vaisson e, ao mesmo tempo, seu pensamento Bergson é a defesa da criatividade e da
apresenta-se como continuação articulada irredutibilidade da consciência ou espírito,
das reflexões filosóficas de Boutroux. contra toda tentativa reducionista de matriz
Bergson é considerado como o mais positivista. M as a defesa do espírito elabo
importante filósofo francês de sua época. rada por Bergson adquire sua peculiaridade
N a realidade, foi notável a influência de seu precisamente porque ele, a fim de entender
pensamento, não apenas sobre o pragmatis plenamente a vida concreta da consciência,
mo norte-americano no modelo de James,
mas também sobre a reflexão acerca da
ciência, da arte, da concepção de sociedade
e da religião.
Bergson nasceu em Paris em 1859.
Em sua juventude, cultivou estudos de
matem ática e mecânica. Posteriormente,
decidiu dedicar-se à filosofia e, na École
Normale, seguiu os cursos de Ollé-Laprune
e de Boutroux.
Depois de laureado, ensinou durante
alguns anos em diversos liceus. Em 1889
publicou sua tese de doutorado na Sor-
bonne: Ensaio sobre os dados imediatos
da consciência. O livro alcançou grande
sucesso. E sucesso ainda maior obteve seu
segundo trabalho, Matéria e memória, que
é d e 1896.
Em 1900, Bergson foi chamado para
a cátedra de filosofia do Collège de France,
cátedra que manteria até o ano de 1924.
Sua coletânea de ensaios O riso é de 1900.
O subtítulo dessa obra é Ensaio sobre o
significado do cômico. Em 1903 Bergson
publicou a Introdução à metafísica, sucinta
e brilhante síntese de suas idéias. A evolu
ção criadora, a obra mais sistemática e de
maior relevância teórica de Bergson, saiu em
1907. Eleito membro da Academia France
sa, em 1928 Bergson foi galardoado com o
prêmio Nobel de literatura. Em 1932, saiu
sua última obra: As duas fontes da moral e
da religião.
Bergson era de origem judaica, mas
nos últimos anos de sua vida aproximou-se
progressivamente do catolicismo, já que,
como declarou, ele constituía o elemento
que completava o judaísm o. Entretanto,
Henri Bergson (1859-1941)
devido ao anti-semitismo que se disseminava foi o teórico da fidelidade
naquela época, renunciou à conversão pro a uma realidade não reduzida
priamente dita, como depois se soube pelo nem distorcida nos estreitos “ fatos ” dos positivistas,
seu testamento: “ Eu quis permanecer entre mas aberta para a dimensão do espírito.
aqueles que amanhã serão perseguidos” . Aqui é retratado em 1883, em Clermont-Ferrand,
Quando os nazistas ocuparam Paris, dispen onde ensinava filosofia no liceu da cidade.
350
Q u i n t a p a r t e - E s p i r i t u a l is m o , n o v a s t e o lo g ia s e n e o - e s c o lá s + ic a
torna seus os resultados da ciência e não que podemos voltar atrás e repetir infinitas
minimiza em absoluto a presença do corpo vezes o mesmo experimento. Além disso,
e a existência do universo material. Escreveu para a mecânica, todo momento é externo
Bergson em A evolução criadora: “ O grande ao outro e é igual ao outro: um instante
erro das doutrinas espiritualistas foi o de se sucede ao outro e não há um instante
acreditar que, isolando a vida espiritual de diferente do outro, mais intenso ou mais
todo o resto, suspendendo-a o mais alto importante do que o outro.
possível sobre a terra, se estava colocando-a Ora, tais características do tempo da
ao abrigo de todo atentado” . mecânica não conseguem de modo algum
Entretanto, com tais operações, os espi dar conta do que é o tempo da experiência
ritualistas fizeram com que a vida espiritual concreta. Se a espacialidade é a característica
ficasse exposta a ser confundida “ com o das coisas, a duração é a característica da
efeito de uma miragem” . Para Bergson, as consciência. A consciência capta imediata
coisas são diferentes: a consciência ou vida mente o tempo como duração. Duração quer
espiritual é irredutível à matéria; ela é uma dizer que o eu vive o presente com a memó
energia criadora e finita, continuamente às ria do passado e a antecipação do futuro.
voltas com condições e obstáculos que po Fora da consciência, o passado não existe
dem bloqueá-la e degradá-la. Em suma, o mais e o futuro ainda não existe. Passado e
pensamento de Bergson é uma filosofia que futuro só podem viver em uma consciência
pretende ser fiel à realidade, mas onde a rea que os liga no presente. A duração vivida,
lidade não é concebida como reduzida nem portanto, não é o tempo espacializado da
envolvida pelos “fatos ” dos positivistas. mecânica.
Naturalmente, o tempo espacializado
e, portanto, quantitativo e mensurável,
O tempo espacializado cristalizado em uma série de momentos ex
ternos uns aos outros, funciona bem para as
e o tempo como d u r a ç ã o finalidades práticas da ciência, que tem por
função construir teorias úteis porque ricas
de previsões, que se reduzem de tal modo
Justamente por ser fiel à realidade, em a instrumentos eficazes para controlar as
sua juventude Bergson se entusiasmou pela situações que, de quando em vez, devem
filosofia evolucionista de Spencer. E, como ser confrontadas. Se Bergson, de um lado,
confessará mais tarde, ele não queria então retoma a doutrina da economicidade da
nada mais que aperfeiçoar e consolidar os ciência proposta pelos empiriocriticistas, do
Primeiros princípios de Spencer, sobretudo outro ele percebe, na ciência da natureza e
no que se refere à mecânica. M as foi exata em seus métodos, uma total incapacidade
mente através desse trabalho que Bergson se e inadequação para o exame dos dados da
deu conta de que o positivismo não manteve consciência.
em absoluto sua promessa de fidelidade aos Para Bergson, a realidade apresen
fatos, como se observa, por exemplo, no tra ta aspectos diversos, que, se quiserm os
tamento do problema do tempo. Dedicado permanecer fiéis à experiência, devem ser
a tal questão, Bergson diz que “ aqui nos estudados com método próprio. E aí que,
esperava uma surpresa” . em sua opinião, o positivismo falha: na con
A surpresa consistia no fato de que cepção de que a natureza dos fatos é única
o tempo da experiência concreta escapa à e ao pretender julgar todos os fatos com o
mecânica. Como podemos ler no Ensaio mesmo método, I jf g g r n
sobre os dados imediatos da consciência,
para a mecânica, o tempo é uma série de
instantes, um ao lado do outro, como se Po r que a d u r a ç ã o funda
vê nas sucessivas posições dos ponteiros do a liberdade
relógio. Por isso, o tempo da mecânica é
tempo espacializado. E, com efeito, medir o
tempo significa comprovar que o movimento Bergson liga à idéia de duração, como
de certo objeto em um espaço determinado característica fundamental da consciência,
coincide com o movimento dos ponteiros sua defesa da liberdade e sua crítica ao
dentro daquele espaço que é o quadrante determinismo, quando este presume poder
do relógio. M as, além de espacializado, o explicar a vida da consciência. N a realidade,
tempo da mecânica é tempo reversível, já se os objetos “ não levam a marca do tem
C c ip ltU - lo d e c i m o f i o t i o - "HenH 1 3e ^ g so n e a e v o lu ç ã o c^ ia d o ^ a
não explica o espírito e que “ na consciência presente, pelo fato de agirmos sempre com
humana há infinitamente mais do que no base nas experiências passadas.
cérebro correspondente” . Assim, “ todo o passad o da pessoa
Para iluminar essa tese, Bergson assume encontra-se aberto” até o extremo, que é a
os dados das descobertas de psicofisiologia ação no presente. Em cada instante de nossa
efetuadas na época, e realiza uma análise vida temos, pois, uma ligação entre memória
aprofundada da atividade da consciência, e percepção, em vista da ação.
distinguindo três momentos distintos dela, Desse modo, a memória e a percepção
ou seja, a memória, a recordação e a percep se identificam respectivamente com o espí
ção. A memória coincide e se identifica com rito e o corpo.
a própria consciência. E é precisamente pela A memória funde em uma totalidade a
e na memória que “ nosso passado inteiro vida vivida; a percepção consiste “ em des
nos segue a cada momento” , e o que “ ouvi tacar, no conjunto dos objetos, a ação pos
mos, pensamos e quisemos desde a primeira sível de meu corpo sobre eles. A percepção,
infância está lá, inclinado sobre o presente, por conseguinte, nada mais é do que uma
que está por absorver em si, premente à seleção” . Conseqüentemente, a liberdade
porta da consciência” . da consciência encontra suas limitações na
Dessa memória espiritual — que é a percepção. E a percepção, por seu turno,
“ duração” da consciência — podemos dis entra no fluxo da vida do eu, fundindo-se
tinguir a recordação. N osso ser mais verda na memória ou consciência. Eis, portanto,
deiro e mais profundo está na memória espi segundo Bergson, em que consiste a verda
ritual, mas a vida nos impõe prestar atenção deira relação entre espírito e matéria e entre
ao presente e toma do passado unicamente alma e corpo: por um lado, a memória “ as
o que é necessário para que possamos nos sume o corpo de uma percepção qualquer
orientar no presente. E essa obra de seleção em que ele se insere” e, por outro lado, a
da recordação útil e do esquecimento do percepção é reabsorvida pela memória e se
que não serve ao presente é realizada pelo torna pensamento, jgHSi 2
corpo e pelo cérebro: eles tiram do fluxo até
abissal da consciência aquelas recordações
funcionais para a inserção de nosso orga i m p u l s o vital
nismo na situação do presente, através das
percepções. Em suma, pelo cérebro passa e evolução cri adora
apenas uma parte, parte muito pequena,
daquilo que é o processo da consciência,
ou seja, passa unicamente o que pode se Bergson não vê o universo confor
traduzir em movimento. Assim, podemos me Descartes, como dividido entre a res
compreender melhor Bergson quando diz cogitans e a res extensa. N o fundo, para
que na consciência há infinitamente mais do Bergson, o espírito e a matéria, assim como
que no cérebro correspondente. a alma e o corpo, são dois pólos da mesma
Para se realizar, a memória espiritual realidade e não duas realidades diferentes.
necessita dos mecanismos ligados ao corpo E precisamente em A evolução criadora
— já que é através do corpo que agimos (de 1907) — obra que James definiu como
sobre os objetos do mundo —, mas é inde “ uma aparição divina” — Bergson passa da
pendente do corpo, de modo que uma lesão análise dos dados imediatos da consciência
do cérebro não atinge a consciência, e sim para a elaboração de uma visão global da
muito mais a vinculação entre a consciên vida e da realidade, propondo a idéia de um
cia e a realidade: a consciência permanece evolucionismo cosmológico.
intacta, ainda que perdendo o contato com As teorias da evolução se distinguem
as coisas. Para Bergson, a realidade é que, em duas grandes classes: as mecanicistas e
“ sempre orientado para a ação, o corpo tem as finalistas.
como função essencial a de limitar a vida do O evolucionismo mecanicista explica a
espírito, tendo em vista a ação” . E faz isso evolução em termos da causa eficiente, o evo
através da percepção, que é “ a ação possível lucionismo finalista com base na causa final;
de nosso corpo sobre os outros corpos” . um com base em razões que determinam a
A percepção é o poder de ação de nosso evolução por meio do passado, o outro com
corpo, que se move com destreza entre as base em razões que determinam a evolução
“ imagens” dos objetos. Como imagem do por meio do futuro. Por conseguinte, tanto o
passado, a recordação orienta a percepção evolucionismo mecanicista como o finalista
Capítulo décimo nono - - H e n n S e r g s o k A e a e v o lu ç ã o c r i a d o r a
são deterministas - e justamente por isso dei matéria nada mais é que o momento de pa
xam escapar a realidade da evolução. Com rada desse impulso vital. A vida é o impulso
efeito, diz Bergson, a exemplo da vida da pelo qual ela tende “ a crescer em número
consciência, a vida biológica não é máquina e em riqueza, pela multiplicação no espaço
que se repete, sempre idêntica a si mesma, e pela complicação no tempo” ; trata-se de
mas é uma constante e incessante novidade, uma contínua criação de formas, onde o que
é criação e imprevisibilidade, é vida sempre vem depois não é de modo algum simples
nova que, englobando e conservando todo recombinação dos elementos que já antes
o passado, cresce sobre si mesma. existiam; ela é “ ação que continuamente se
A idéia de evolução criad o ra nos cria e se enriquece” , ao passo que a matéria
permite ir além das dificuldades e das fal é “ ação que se dissolve e desgasta” , que pro
sidades do mecanicismo e do finalism o, gressivamente se despotencializa e degrada,
já que a vida “ é realidade que se destaca o que é atestado até pelo segundo princípio
claramente da matéria bruta” . A vida, em da termodinâmica.
suma, é evolução criadora, criação livre e Para Bergson, “ não há coisas, mas
imprevisível, é “ impulso vital” , que “ não apenas ações” . A matéria é impulso vital
precisa se distender para se estender” . E a degradado, impulso que perdeu em criativi
354
Quinta parte - E sp ir itu a l ism o, n o v a s teol o g ia s e n e o -e s c o lá s + ic a
dade e que, desse modo, torna-se obstáculo na segunda ela leva à inteligência, embora
para o impulso seguinte, como a onda do certa “ franja de inteligência” acompanhe o
mar que, retornando, transforma-se em obs instinto e um “ halo de instinto” permanece
táculo para a onda que se levanta. A vida, em torno da inteligência.
ao contrário, é “ corrente que, atravessando M ais precisamente, porém, o que é o
os corpos que ela pouco a pouco organizou instinto, e em que consiste a inteligência?
e passando de geração em geração, dividiu- Como escreve Bergson, “ o instinto é a fa
se entre as espécies e se dispersou entre os culdade de utilizar e também de construir
indivíduos [...]” . Para Bergson, a matéria é instrumentos orgânicos, a inteligência é a
um refluxo do impulso vital, que, a partir de faculdade de fabricar e empregar instrumen
unidade originária, se irradia e recai em uma tos inorgânicos [...]. Instinto e inteligência
multiplicidade de elementos cujo impulso e representam, portanto, duas soluções diver
cuja criatividade vão se extinguindo. gentes, mas igualmente elegantes, do mesmo
A evolução criadora, portanto, não é problema” .
um processo uniforme. Ela é comparável à E esse é o problema da vida (de modo
explosão de uma granada cujos fragmen que se compreende que, originariamente, o
tos, por seu turno, também explodem. Ela homem é bomo faber e não homo sapiens).
também se assemelha a um feixe de colunas, O instinto funciona por meio de órgãos na
cada uma das quais representa um caminho turais, a inteligência cria instrumentos artifi
diferente da evolução, uma das bifurcações ciais. O instinto é hereditário e a inteligência
na qual o impulso vital dispersa sua unidade não; o instinto volta-se para uma coisa, já
originária. Em outros termos, a evolução se a inteligência é conhecimento das relações
abre em leque, em direções divergentes, com entre coisas; o instinto é inconsciente, a
os seres vivos se especializando em funções inteligência consciente; o instinto é repeti
específicas e precisas. A primeira bifurcação tivo, ao passo que a inteligência é criativa.
fundamental é a que se tem entre as plantas O instinto, justamente, é repetitivo e rígido,
e os animais. Enjauladas na noite da incons é hábito; ele apresenta soluções adequadas,
ciência e da imobilidade, as plantas armaze mas para um só problema, incapaz de variar.
nam energia potencial; os animais, móveis, Por seu turno, a inteligência não conhece as
vão à procura do alimento. E a consciência próprias coisas, mas as relações entre coisas.
nasce precisamente dessa busca. Os animais, Por isso, mediante os conceitos, ela conhece
por seu turno, se bifurcam ou “ explodem” as “ form as” e, afastando-se da realidade
em outras direções, uma das quais leva às imediata, pode prever a realidade futura. Por
formas mais perfeitas de instinto, como nos razões práticas, pois, a inteligência analisa e
himenópteros, ao passo que outra, a dos ver abstrai, classifica e distingue, subdividindo
tebrados, leva, com a inteligência humana, a duração real — como em uma película ci
para além do instinto. A realidade é que “ em nematográfica — em uma série de diferentes
todos os outros pontos a consciência acabou estados. M as “ mil fotografias de Paris não
em um beco sem saída; apenas com o homem são Paris” .
ela prosseguiu seu caminho” . BISIIITI Assim, nem o instinto nem a inteli
gência (e a ciência que esta produz) nos
dão a realidade: “ Há coisas que somente a
CJnstinto, inteligência, intuição inteligência é capaz de procurar, mas que
nunca encontrará por si só; somente o ins
tinto poderia descobri-las, mas este não as
A vida animal não se desenvolveu em procurará jam ais” .
uma direção única. E em algumas dessas
direções, como aquela em que acabaram os
moluscos, ela encontrou becos sem saída. yj-!,. jA intuição como órgão
Entretanto, no que se refere à mobilidade e da metafísica
à consciência, encontrou seu maior sucesso
nos artrópodes e nos vertebrados. A evolu
ção dos artrópodes manifesta sua melhor Entretanto, a situação não é deses-
expressão nos insetos, especialmente nos peradora. E não o é porque a inteligência,
himenópteros, ao passo que a dos verte que nunca está completamente separada do
brados se manifesta no homem. Enquanto, instinto, pode voltar conscientemente para
na linha dos artrópodes, a evolução leva a o instinto. E, quando isso acontece, temos
formas sempre mais perfeitas de instintos, a intuição, que é “ instinto que se tornou
C ãp ítu lo décim o tiotio - 'Henri B e r g s o n e a e v o lu ç ã o c r ia d o r a
moralidade aberta é algo que não se ensina: ciência de sua própria moralidade; conhece
é a moral dos grandes místicos e reveladores, a imprevisibilidade do futuro e a precarie
e de todos os que seguem a inspiração que dade dos empreendimentos humanos. Com
os induz a segui-los. suas fábulas, seus mitos e suas superstições,
a religião reforça os laços sociais entre o
homem e seus semelhantes. Por isso, “ a re
T^elig ião estática ligião primitiva [...] é uma precaução contra
o perigo que se corre, quando se começa a
e reliqião dinâmica pensar, a pensar somente em si” . Além disso,
a religião dá a esperança da imortalidade,
oferece ao homem a idéia de defesa contra a
Como na vida moral, também na vida imprevisibilidade e a precariedade do futuro,
religiosa Bergson distingue entre religião e lhe dá o sentido de proteção sobrenatural
estática e religião dinâmica. Tecida de mitos e a crença de poder influir sobre a realidade,
e fábulas, a religião estática é resultado do especialmente quando a técnica se mostra
que Bergson chama de função fabuladora, impotente.
que se desenvolve durante a evolução para Assim, a religião é a defesa da ameaça
objetivos eminentemente vitais. O ser huma da inteligência contra o homem e a socie
no tem inteligência, que representa ameaça dade. Nesse sentido, ela é religião natural,
contínua, sempre pronta a voltar-se contra a fruto e função da evolução natural. Para
vida. O ser inteligente tende ao egoísmo e a Bergson, essa religião estática e natural é in-
infringir suas relações sociais; ele tem cons fra-intelectual. M as ela não é a única forma
Cãpítulo décimo nono - B e i*g so n e a e v o lu ç ã o c^ ia d o ^ a
de religião. Ao lado dela, há a religião supra- mundo. E, assim, o amor a Deus torna-se
intelectual, a religião dinâmica para a qual amor pela humanidade.
os dogmas são apenas cristalizações e que E, além disso, só a experiência mística
mergulha no impulso vital e o continua. Essa está em condições de fornecer a única prova
religião, a religião dinâmica, é o misticismo, da existência de Deus; a concordância dos
cujo resultado, como escreve Bergson, “ é a místicos, não somente cristãos, mas também
tomada de contato e, conseqüentemente, a de outras religiões, mostra precisamente a
coincidência parcial com o esforço criador existência real daquele Ser com o qual a
que a vida manifesta. Esse esforço é de Deus, intuição mística põe em contato.
se não for o próprio D eus” . O amor do A religião dinâmica ou aberta é a reli
místico por Deus, na opinião de Bergson, gião dos místicos. E, como destaca Bergson,
coincide com o amor de Deus pelo próprio a hum anidade tem urgente necessidade
Deus: “ Deus é amor e objeto de amor: nisto de gênios místicos nos dias de hoje. Com
reside todo o misticismo.” efeito, a humanidade, através da técnica,
Enquanto o misticismo neoplatônico ampliou sua ação incisiva sobre a natureza
ou o misticismo oriental é contemplativo e, e, desse modo, podemos dizer que o corpo
por isso, não crê na eficácia da ação, Bergson do homem se engrandeceu além da medi
vê o misticismo adequado naqueles místicos da. Pois bem, esse corpo engrandecido, diz
(como são Paulo, são Francisco de Assis, Bergson, “ espera um suplemento de alma,
santa Teresa, santa Catarina de Sena ou Jo a e a mecânica exigiria uma mística” . Esse
na D ’Arc) para os quais o êxtase constitui suplemento de alma é necessário para curar
ponto superior de impulso para a ação no os males do mundo contemporâneo.
358
_1_ Quinta parte - E s p iH t u a l ism o , n o v a s t e o lo g i a s e n e o - e s c o l á s + ic a
cerebral; mas, contra o idealismo, procuramos está precisamente a diferença entre os qualida
estabelecer que a matéria supera de todos des heterogêneas que se sucedem em nossa
os lados a representação que dela temos, percepção concreta e as mudanças homogêneas
representação que o espírito, por assim dizer, que a ciência situa por trás dessas percepções
nela captou graças a uma escolha inteligente. no espaço? Rs primeiras são descontínuas e
€stas duas doutrinas opostas atribuem, uma nõo podem ser deduzidas umas das outras; as
ao corpo e a outra ao espírito, o dom de uma segundas, ao contrário, se prestam ao cálculo.
verdadeira e própria criação, a partir do mo Mas paro isso não há, de fato, necessidade de
mento que a primeira pretende que o cérebro transformá-las em quantidades puras: seria o
gere a representação, e a segunda que nosso mesmo que reduzi-los a nada. é suficiente que
intelecto delineie o plano da natureza. C, con sua heterogeneidode seja, de algum modo,
tra essas duas doutrinas, invocamos sempre o diluída o suficiente, a fim de que, de nosso
mesmo testemunho, o da consciência, a qual ponto de vista, se torne praticamente negligen-
nos mostra que nosso corpo é uma imagem ciável. Ora, se toda percepção concreta, por
como as outras, e que nosso intelecto é uma mais breve que a suponhamos, é já a síntese,
faculdade determinada de dissociar, de distin operada pela memória, de uma infinidade de
guir e de opor logicamente, mas não de criar "percepções puras'1 que se sucedem, não se
ou de construir, Rssim, prisioneiros voluntários deve talvez pensar que a heterogeneidode das
da análise psicológica e, por conseguinte, do qualidades sensíveis derive de sua contração
senso comum, parece que, depois de ter leva em nossa memória, e a homogeneidade relativa
do ao desespero os conflitos que o dualismo das mudanças objetivas de seu abrandamento
vulgar levanta, fechamos todas as saídas que natural? C então, assim como as considerações
a metafísica podia abrir para nós. sobre a extensão diminuíam o intervalo entre o
Todavia, exatamente porque rejeitamos extenso e o inextenso, as considerações sobre
ao extremo o dualismo, nossa análise talvez a tensão não poderiam talvez diminuir o inter
tenha conseguido dissociar seus elementos con valo entre a quantidade e a qualidade?
traditórios. R teoria da percepção pura, de um
H. Bergson,
lado, e a da memória pura, do outro, abririam
M atéria e memória,
então o caminho para uma aproximação entre em Obras (1889-1896).
o inextenso e o extenso, entre a qualidade e
a quantidade.
Queremos considerar a percepção pura?
fazendo do estado cerebral o início de uma
ação e não a condição de uma percepção, re Impulso vital
jeitamos a imagem percebida das coisas para e adaptação ao ambiente
fora da imagem de nosso corpo e, portanto,
recolocamos a percepção nas próprias coisas.
Mas então, como nossa percepção faz parte "[...] Fi evolução não troço um cominho
das coisas, estas últimas participam da natureza único, mos empenho-se em vários direções,
de nossa percepção. R extensão material não aliás, sem visar a objetivos, e permanece
é, e não pode mais ser, a extensão múltipla inventivo em suas próprias adaptações".
de que fala o estudioso de geometria; ela se
assemelha mais exatamente à extensão indivisa
de nossa representação. O que significa que a Que a condição necessária da evolução
análise da percepção pura nos fez entrever na seja a adaptação ao ambiente, de modo ne
idéia de extensão uma possível aproximação nhum o podemos negar. C demasiado evidente
entre o extenso e o inextenso. que, quando uma espécie não se submete às
Todavia, nossa concepção da memória condições de vida que lhe são colocadas, ela
pura nos deveria levar, por um caminho paralelo, desaparece. Mas outra coisa é reconhecer nas
a atenuar a segunda oposição, a que existe circunstâncias externos forças com as quais a
entre a qualidade e a quantidade. Com efeito, evolução deve se confrontar, e outra é ver aí as
separamos radicalmente a lembrança pura do causas determinantes da evolução. Csta última
estado cerebral que a prolonga e a torna eficaz. tese é própria do mecanicismo. Cia exclui abso
R memória, portanto, não é, em nenhum nível, lutamente a hipótese de um impulso originário,
emanação da matéria; ao contrário, é a matéria, ou seja, de um ímpeto interior que levaria a vida,
do modo em que a captamos em uma percepção através de formas cada vez mais complexas, a
concreta, que ocupo sempre certa duração, que destinos sempre mais elevados. Csse impulso,
deriva em grande parte da memória. Ora, onde todavia, é constatável; e um simples golpe de
Capítulo décifHO nono - •HenH 3 e i* 0 S o n e a e v o lu ç ã o c r ia d o r a
vista sobre as espécies fósseis nos mostra que só as formas da vida, mas também as idéias
a vida teria podido deixar de evolver-se, ou que poderiam permitir que uma inteligência
evolver-se dentro de limites muito restritos, se as compreendesse, os termos que poderiam
tivesse tomado o partido, muito mais cômodo, servir para exprimi-las. Isso significa que seu
de se mumificar em suas formas primitivas. Cer futuro excede os limites de seu presente e não
tos foraminíferos nõo mudaram desde o período poderia desenhar-se nele em idéia.
siluriano até hoje, impassíveis testemunhas das Cste é o primeiro erro do finalismo. Cie
inumeráveis revoluções que abalaram a terra; as traz consigo outro ainda mais grave. Se a vida
língulas são hoje aquilo que eram nos tempos realizasse um plano, ela deveria manifestar
mois remotos da era paleozóica. fl verdade é uma harmonia tanto mais elevada à medida
que a adaptação explica as sinuosidades do que mais avança. Assim, a casa revela sempre
movimento evolutivo, mas não suas direções melhor a idéia do arquiteto à medida que as
gerais, e muito menos o movimento em si mes pedras são acrescentadas às pedras. Ao contrá
mo. O caminho que leva ao povoado é, de fato, rio, se a unidade do vida se encontra totalmente
obrigado a subir encostas e descer declives: no impulso que a impele sobre o caminho do
ele se adapta às acidentalidades do terreno; tempo, a harmonia não estará na frente, mas
mas estas não sõo a causa do caminho nem lhe atrás. A unidade vem de uma vis a tergo: da-
imprimiram sua direção. Cm todo momento for se no início como um impulso, não posta no fim
necem-lhe o indispensável: o próprio solo sobre como um ponto de atração. Comunicando-se, o
o qual se estende; mas, caso se considere o impulso divide-se sempre mais. A medida que
caminho em seu conjunto e não mais cada um progride, a vida se dissemina em manifestações
de seus elementos, os acidentes do terreno que a comunhão de origem tornará sem dúvida
não parecem mais que obstáculos, ou causas complementores, sob certos aspectos, mas que
de retardo, porque o caminho apontava sim não deixarão, por isso, de ser antagonistas e
plesmente para o povoado, e teria querido ser incompatíveis entre si. Por isso a desarmonia en
uma linha reta. O mesmo vale para a evolução tre as espécies se acentuará. C aqui enunciamos
da vida e as circunstâncias que ela atravessa; apenas a causa essencial; para simplificar, su
com a diferença, todavia, que a evolução não pusemos que toda espécie acolhesse o impulso
traça um caminho único, mas empenha-se em recebido para transmiti-lo a outras, e que, em
várias direções, aliás, sem visar a objetivos, todos os sentidos em que a vida se evolve, a
e que permanece inventiva em suas próprias propagação tenha lugar em linha reta. Na rea
adaptações. lidade, há espécies que se detêm e outras que
Todavia, se a evolução da vida é bem invertem o caminho. A evolução não é apenas
diferente de uma série de ad aptações a um movimento para frente: em muitos casos nós
circunstâncias acidentais, ela não é também a vemos marcar passo, mais freqüentemente
a realização de um plano. Um plano é dado ainda desviar-se, ou então voltar para trás. é
antecipadamente, é representado, ou ao me necessário que seja assim, como mais adiante
nos representável, antes de ser realizado nos mostraremos: as mesmas causas que dividem
particulares. Sua execução completa pode ser o movimento evolutivo fazem de fato com que
remetida a um futuro longínquo, e até retardada a vida, evolvendo-se, se desvie com freqüência
indefinidamente: sua idéia não deixa por isso de si mesma, fixando-se sobre a forma que, um
de ser formulável desde já em termos dados, momento antes, produziu.
flo contrário, se a evolução é uma criação H. BGrgson,
sempre renovada, ela cria pouco o pouco não R evolução criadora.
( S a p ít w lo v ig é s im o
jA ^ en o vcxçcxo do p e .n s a v n e .n t o teológico
n o se.cu Io XX
ZZI I. ;A renovação
d a teologia pro+es+an+e
homem é o sujeito da fé. A fé é uma “ pos tária. Por “ m ito” Bultmann entende “ a
sibilidade humana” . descrição do transcendente sob roupagem
A fé pressupõe que, consciente de sua hum ana, das coisas divinas como se se
própria miséria ontológica, o homem seja tratasse de coisas humanas” . Diz ele: “A re
capaz de compreender “ o significado do presentação neotestamentária do universo é
último, do incondicionado, do supremo, mítica. Considera-se o mundo articulado em
do absoluto, do infinito” . A fé, portanto, é três planos. Ao centro encontra-se a terra,
a resposta de Deus à “ pergunta de uma vida acima dela o céu e abaixo dela os infernos.
não am bígua” . O céu é a morada de Deus e das figuras
Entre o hom em (ontologicam en te celestes, os anjos; o mundo subterrâneo é
miserável e psicologicamente desesperado) o inferno, o lugar dos tormentos. M as nem
que pede e Deus que dá, o que existe é uma por isso a terra é exclusivamente lugar do
correlação (e não aquele abismo afirmado acontecimento natural-cotidiano, ou seja,
por Barth). das solicitudes e do trabalho, onde reinam
a ordem e a norma: é também o teatro de
ação dos poderes sobrenaturais de Deus
e seus anjos, de Satanás e seus demônios
R “ d ° l f Bultmann: [...]” . E, acrescenta Bultmann, também “ a
o metodo representação do acontecimento da salva
//K i s f ó r i c o - m o r | 'o l Ó 0 Í c o // ção, que constitui o conteúdo específico do
anúncio neotestamentário, é coerente com
e a “demitização" essa imagem mítica do mundo” .
Diante desse dado de fato, Bultmann,
distinguindo entre o conteúdo essencial do
Em bora Bultm ann (1884-1976) se Evangelho e a forma estrutural (mítica, me
tenha imposto no campo das ciências reli tafísica, científica) que esse conteúdo pode
giosas como exegeta do Novo Testamento assumir, afirma que “ a pregação cristã” não
(H istória da tradição sinótica, 1921; O pode pretender do homem moderno que ele
Evangelho de João, 1941; O cristianismo reconheça como válida uma imagem mítica
primitivo no quadro das religiões antigas, do mundo. Por isso é preciso demitizar. E
1949), ele deve sua notoriedade no campo demitizar significa “ procurar descobrir o
filosófico-teológico à teoria da demitização, significado mais profundo que está oculto
com a publicação, em 1941, do escrito: sob as concepções mitológicas” .
Novo Testamento e mitologia. O problema E, escreveu Bultmann em Jesus Cristo
da demitização da mensagem neotestamen- e mitologia, de 1958, esse “ significado mais
profundo da pregação de Jesus é o seguinte:
estar aberto para o futuro de Deus, futuro
que, para cada um de nós, é verdadeiramente
iminente; estar preparado para receber esse
futuro, que pode vir como ladrão na noite,
H' - H no momento em que menos o esperamos;
: ■ Demitização. É um termo que o |
manter-se pronto, porque esse futuro será o
| pensamento teológico contemporâ- j
| neo deve a Rudolf Bultmann, para I juízo de todos os homens que estão apegados
| o qual "mítica" é uma narração de I ao mundo, que não são livres nem abertos
I acontecimentos em que "intervém •• para o futuro de Deus” .
| forças ou pessoas sobrenaturais ou \
í sobre-humanas". \
| Ora, a mensagem cristã é, segundo ;
I Bultmann, mensagem sempre atual % 4 D i^ ic K BonKoeffe,
.. mas que tem necessidade de ser I e o n\i\v\c\o scwdo
I "demitizada", no sentido de que ela,
• para captar sua autenticidade, deve f da “tutela de DeusA
’
í ser despojada das representações f
I mitológicas nas quais foi expressa na i
i pregação primitiva, e que chocam a § Dietrich Bonhoeffer nasceu em Breslau
; mentalidade científica dos homens | em 1906 e foi morto pelos nazistas dia 9 de
m. de nossos dias. S
:M abril de 1945, com 39 anos. São famosas sua
Ética (1949) e as cartas da prisão, publica
das postumamente com o título Resistência
367
Cdpltlllo vigésimo - r e n o v a ç ã o d o p e n sa m e n to te o ló g ic o no sé c u lo
: 11. A renovação :
d a teologia católica
• Derrubar os bastiões é a obra que o jesuíta Hans Urs von Balthasar (1905
1988) publica em 1952. É urgente - diz ele - que a Igreja saia do fechamento das
muralhas que colocou entre si, de um lado, e a cultura e a ciência, do outro. Mas
para fazer isso é necessário fazer teologia. E fazer teologia significa falar da Reve
lação de um ponto de vista, assim como ocorreu com a analogia
Von Balthasar: entis (Tomás e a Escolástica sustentam que a razão pode falar de
Deus fala Deus em analogia com os seres humanos, sem comprometer sua
na experiência transcendência), com o princípio antropológico (Rahner), com o
estética princípio de correlação (Tillich). Balthasar não avalia negativa-
52 mente essas tentativas, mas diz possuir um instrumento melhor
para tornar acessível e crível a Revelação aos homens de nossos
dias: esse instrumento é o conceito transcendental de beleza. A beleza - escreve
Balthasar em Glória (1961-1965) - é o modo com o qual se comunica a bondade
de Deus e no qual se exprime a verdade que Deus quer participar aos homens.
nada “ espírito” . E o é porque o homem é o Lyon, onde conheceu também Paul Claudel,
único ente que se propõe a questão do sen von Balthasar encontrou o padre Henri De
tido do ser. M as, propondo-se essa questão, Lubac, que o introduziu na Patrística e na
o homem abre-se para o ser como para o história da teologia. (O padre De Lubac,
horizonte de toda realidade possível. que o teve como discípulo, considerou von
Ele é espírito que está essencialmente Balthasar “ o homem mais culto de nossa
à escuta da possível Revelação de Deus. época” .) M ais tarde, em Basiléia, ele terá
Escreve Rahner em Ouvintes da palavra: freqüentes contatos com Barth, sobre o
“ O homem é espiritual, isto é, vive sua vida qual escreveria uma obra considerada muito
em contínua tensão na direção do absoluto, penetrante pelo próprio Barth.
em abertura para Deus” . E isso não é um Em 1952, von Balthasar publicou Der
fato acidental, e sim “ a condição que faz o rubar os bastiões, onde sustenta que a Igreja
homem ser aquilo que é e deve ser, estando deve sair do fechamento das muralhas que,
presente também nas ações banais da vida há séculos, ela pôs entre si e o mundo, entre
cotidiana. Ele é homem só porque está a ela de um lado, e a ciência e a cultura, do
caminho rumo a D eus” . Desse modo, na outro, entre os católicos e os outros cristãos.
concepção de Rahner, o homem se configura E precisamente por isso ele afirma a urgên
como “ ouvinte da palavra” : “ Afirmamos cia de se fazer teologia. A teologia não foi
agora...] que o homem é pelo menos o ser feita de uma vez por todas. Trata-se de uma
que tem o dever de ouvir uma revelação atividade que não deve cessar nunca.
desse Deus livre em palavra hum ana” . M as, para fazer teologia, ou seja, para
Nessas idéias encontra-se o núcleo da falar da Revelação, é preciso ter um ponto de
“ metafísica transcendental” ou da “ antro vista. O passado nos mostra diferentes pon
pologia transcendental” de Rahner. Assim tos de vista usados como instrumentos para
como Kant tomou a ciência e procurou ver aproximar-se da Escritura: a analogia entis,
as condições a priori que a tornam possível, o princípio antropológico, o princípio de
da mesma forma Rahner quis explorar as correlação etc.; von Balthasar aprecia essas
condições a priori que tornam possível a tentativas, mas, no entanto, sustenta estar de
teologia, justamente interrogando-se sobre posse de um instrumento melhor, capaz de
as condições da possibilidade da Revelação tornar a Revelação acessível e crível para os
em geral. R g g i 3 14 | homens de hoje: para ele, esse instrumento é
o conceito transcendental de beleza.
Somente na experiência estética é que
o objeto nos aparece mais próximo. Escreve
Hans IV s v o n Balthasar von Balthasar em Glória (Herrlichkeit), obra
e a estética teológica que, quando for concluída, constituirá a sua
Summa Theologica: “ N a luminosa figura
do belo, o ser do ente torna-se visível como
Von Balthasar (nascido em Lucerna em nenhuma outra parte; por isso, em todo
em 1905 e morto em Basiléia em 1988) foi conhecimento e tendência espiritual, deve
aluno de Erich Przywara, o célebre jesuíta estar presente um elemento estético” .
autor de Analogia entis (1932). Em seu livro, A beleza, como podem os ler ainda
Przywara faz ver por que a analogia entis em Glória, “ é a última aventura na qual a
constitui ponto básico da teologia católica. razão raciocinante pode se arriscar, já que a
Diz ele que é em virtude da analogia entre beleza nada mais faz do que circundar com
os vários graus do ser que nos é possível um impalpável esplendor a dupla fisionomia
subir do mundo para Deus, já que a razão da verdade e da bondade, e sua indissolúvel
pode falar de Deus analogicamente sem reciprocidade” . A beleza é o modo pelo qual
com prom eter sua transcendência (como a bondade de Deus se transmite e pelo qual
temia Barth). Foi com Przywara que von se expressa a verdade que Deus transmite
Balthasar aprendeu a conhecer o pensa aos homens. Glória é justamente a categoria
mento de santo Tomás. Posteriormente, em estética adequada ao amor de Deus.
Q u i f l t ã p ã t t C - E sp ir itu a lis m o , n o v a s te o lo g ia s e n e o -e s c o lá s t ic a
Ser sobrenatural. E, segundo esses teólogos, e sim muito mais como conquista da liber
a secularização seria o fruto maduro do pró dade cristã, graças à recordação de Jesus
prio cristianismo, que, com a revelação da Cristo; a doutrina da criação não significa
transcendência absoluta de Deus, desvelou que Deus criou o mundo, mas que o mundo
para o homem um mundo dessacralizado é aceitável; a santificação representa o con
e a total autonomia do próprio homem. vite para se fazer tudo o que Cristo fez, ou
A partir do pressuposto de que nós seja, a se comportar de determinado modo;
vivemos em um mundo e em uma sociedade a pregação faz com que quem escuta “ veja o
secularizados, os teólogos da morte de Deus mundo em que vive à luz de Jesus de Nazaré,
sustentaram que a teologia não deve se dei libertador de todo o mundo” .
xar seduzir pelas miragens do além, e que
sua função é mostrar que o discurso religioso
não é discurso que diz respeito a Deus, e sim A superação da tipologia
um discurso do homem relativo exclusiva da morte de Deus
mente ao homem e à sua vida aqui na terra.
Foi precisamente isso o que quis mostrar, em
seu livro O significado secular do evangelho Van Buren escrevera O significado
(1963), o mais conhecido dos teólogos da secular do evangelho com a convicção de
morte de Deus, isto é, Paul M. van Buren aplicar à teologia os instrumentos de inter
(nascido em Norfolk, Virgínia, em 1924, e pretação criados pela filosofia da linguagem.
morto em 1998; aluno de Barth em Basiléia; Entretanto, logo teve de constatar que a
professor em Filadélfia). filosofia da linguagem por ele utilizada não
A Revelação, portanto, não deve ser ia além do princípio de verificação do neo-
entendida como autodesvelamento de Deus, positivismo. Assim, indo além das estreitezas
Harvey Cox,
teólogo protestante americano,
em sua obra A cidade secular
propõe a politização
dos conceitos bíblicos.
Quinta parte - E s p ir itu a l is m o, n o v a s feol o g ia s e n e o -e s c o lá s + ic a
IV. ;A teologia d a e sp e ra n ç a
continuamente seu próprio tempo, como o dever, é também algo possível, já que não é
testemunha o incessante desenvolvimento difícil ver que, a cada estágio de desenvol
que ele imprime à filosofia e à arte, e que vimento da humanidade e a cada cultura
realiza, por exemplo, na ciência e na tecno corresponde um modo específico de expe
logia. Essa é a orientação do nosso mundo rimentar Deus.
e esse é o modo pelo qual o homem percebe A teologia, diz Schillebeeckx, “ é a fé
a si mesmo e à sua história. Então, sendo do homem que pensa; é reflexão sobre a fé” .
assim, escreve o teólogo católico Edward M as a fé não é a fé de homens que vivem
Schillebeeckx (dom inicano, nascido em fora da história e do tempo, não é a fé de
1914 em Anvers; autor, entre outras obras, todos e de ninguém, é a fé de homens que
de Deus e o homem; Revelação e teologia; constroem seu mundo e sua cultura e, atra
O mundo e a Igreja: trata-se de livros que, vés dela, de quando em vez, vêem de modo
a partir de 1964, reúnem ensaios e artigos diverso o mundo, a história e a si mesmos.
publicados isoladamente), “ a situação exige E a orientação para o futuro, que é a pers
que falemos de Deus de modo muito dife pectiva característica com que o homem
rente daquele que estávamos acostumados contemporâneo vê o mundo, a história e a si
a falar no passado. E se deixarmos de fazê- mesmo, nos leva a redescobrir a imagem de
lo [...], nosso testemunho e nosso discurso Deus que, profundamente bíblica, fora ocul
sobre Deus serão recebidos pela maioria das tada posteriormente: “ E a noção de Deus
pessoas com incredulidade” . entendido como ‘nosso futuro’, o Deus que
Assim, para que o teólogo não se torne chega, ‘aquele que vem’; não o ‘totalmente
culpado da extinção da força da experiência outro’, mas o ‘totalmente novo’ que é nosso
religiosa em um mundo secularizado, deve futuro, o Deus que, em Jesus Cristo, nos dá
reinterpretar o conceito de Deus. E, sendo a possibilidade de tornar tudo novo” .
. . , . -- 377
Cupítulo vigésimo - ;A r e n o v a ç ã o d o p e n s a m e n t o t e o ló g ic o no s é c u lo XX -----
possibilidades novas para enfrentar sem falsos tualmente terminará por se tornar seu próprio
nivelamentos, em uma teologia falsamente e princípio estruturante? Não nos esqueçamos de
superficialmente unitária, o pluralismo confes que tais ciências hoje querem ser considerados
sional das teologias, de modo nenhum causa autônomas, porque a filosofia sempre mais
necessária de divisão entre as Igrejas. claramente se separa e se distancia das ciên
fl teologia do futuro não poderá renunciar, cias, nem estas lhe permitem mais que ela se
sequer com seu pluralismo, à coragem de refle proponha como o único centro de elaboração
tir com todas as energias e todos os meios à da autocompreensão profana do homem, da
disposição do homem, ou seja, à coragem de revelação e da teologia. A teologia do futuro
fazer filosofia no sentido mais amplo do termo. deverá ser estruturada de modo diferente
M as a teologia do futuro não poderá mais também no que se refere a sua temática? Com
partir da premissa de uma filosofia comum, já efeito, como ocorre com as outras ciências, não
elaborada quase em todo particular e, como deverá talvez refletir com muito maior intensida
tal, oferecendo-se ao início do trabalho teoló de e empenho sobre seus próprios métodos e
gico verdadeiro e próprio. €m certo sentido as sobre sua própria hermenêutica, até se tornar
teologias deverão criar sob sua própria respon em certo sentido também ela “metateologia",
sabilidade as filosofias sobre as quais depois embora dessa forma encontrando-se exposta
inserirão seu trabalho. Naturalmente não po a um perigo mortal: sufocar-se em uma reflexão
derão pressupor nem desenvolver uma filosofia estéril sobre si própria, sem jamais chegar à
que declaradamente se coloque em contradição coisa? A teologia do futuro deverá refletir com
com uma filosofia aceita ou elaborada pelas mais resolução de modo transcendental sobre
outras teologias eclesiais. Todavia, as teologias a historicidade formal da história da salvação,
ecJesiais de amanhã podem tranqüilamente à qual naturalmente sempre permanece ligada?
confiar em filosofias diversas, em certo sentido Ou poderá, no caso, com liberdade e esponta
disparatadas e estranhas uma à outra, sendo neidade novas, confiar-se mais imediatamente
impossível, pensamos, uma integração superior à história e a seu caráter de história aberta
em um sistema único e considerado absoluto. para o futuro?
Tal pluralismo insuperável das filosofias, leva €is algumas perguntas sobre temas que
das adiante pelos próprios teólogos, constituirá talvez a teologia de amanhã acabará por privi
um motivo e um. momento do pluralismo das legiar. £ muitas outras semelhantes poderíamos
teologias eclesiais. [...] colocar. Mas hoje é quase impossível encontrar
fl teologia do futuro terá marca ecumênica, uma resposta para elas. De resto, sua própria
fl teologia ecumênica nõo será amanhã uma multiplicidade nos recorda mais uma vez o plu
disciplina ao lado das outras, mas se tornará um ralismo, que no futuro da teologia sem dúvida
momento que caracterizará profundamente todo se manifestará.
o pensamento e todo o trabalho do teólogo. £ A teologia do futuro, no modo que lhe
isso será necessário ao menos pelo motivo de é próprio, deverá infundir nos cristãos e nas
que toda disciplina deve estar a serviço da vida Igrejas a coragem de tomar decisões, de rea
da Igreja, mas justamente tal vida é, sempre lizar atos concretos válidos naquela época
e em todo lugar, vontade ecumênica voltada determinada. Poderá fazê-lo do modo que lhe
para a unidade das Igrejas e para a múltipla é próprio apenas caso se atribua uma função
variedade dentro da única Igreja. [...] de conselho e de advertência, de profecia e de
Apresentará [a teologia do futuro] um ca estímulo, embora sempre reconhecendo à práxis
ráter antropocêntrico? Isso não deveria estar em sua inteligibilidade específico [...].
oposição com seu teocentrismo radical. Basta A teologia do futuro será mais consciente,
pensar, com efeito, que o homem realiza sua esperamos, de seu caráter de serva da existên
própria essência teológica apenas se confia cia cristã e da realização religiosa que o homem
totalmente sua própria existência ao mistério deve dar a si próprio. Não é ciência com fim
inefável, que nós chamamos Deus. [...] em si mesma e, talvez, como tal, não deverá
Umq teologia do futuro será estruturada ser teologia apenas orante e genuflectente,
com base no empenho para uma contínua críti pois não pode eximir-se de se tornar crítica. 6,
ca das ideologias, voltada para as ideologias todavia, mais ainda do que nos últimos cem
profanas, para as falsas utopias sociais, mas anos, deveria brotar da oração, não se esgotar
também para uma desconfiança ideológica em unicamente na doutrina teológica, histórica ou
relação à mensagem do evangelho e da Igreja? teórico. Até aonde possível, deveria iluminar
A teologia do futuro realizará um diálogo com a existência do homem empenhado na vida
as ciências modernas, que será mais imediato real, infundir-lhe a coragem de se entregar em
e explícito do que o foi no passado, e even espírito de adoração à incompreensibilidade da
- . , . 381
Cãpítulo vigésimo - y \ r e n o v a ç ã o d o p e n s a m e n to te o ló g ic o no sé c u lo / ( / ( .........
existência, em cujo Fundo reino Deus com suo não mais européia, mas realmente marcada
graça; entregor-se o esso incompreensibilida- pelas várias culturas. Naturalmente isso não
d© com corajoso esperança e com o amor qu© significa que o problema esteja resolvido. Ao
abraço, unidos, Deus ©o homem. contrário: tem-se, por diversos lados, até a im
H. Rahner, pressão de que Roma esteja demasiadamente
Novos ensoios. cauteloso o respeito. Por exemplo, reage com
muita desconfiança às solicitações que provêm
da teologia da libertação, na América do Sul.
Talvez o Vaticano ainda não compreendeu que
fl missão do Igreja: o cristianismo da Ásia oriental ou da África terá
uma configuração necessariamente diferente
indicar a salvação daquela da Curopa! Outro exemplo: evidente
ao mundo inteiro mente, em Roma não se compreendeu sequer
com suficiência que também em relação à estru
tura e à interpretação do matrimônio existem na
O cristianismo: umo religião poro toda África pressupostos completamente diferentes
a humanidade? Harl Rahner em diálogo com dos do mundo ocidental. Ou então: até hoje
Gujendoline Jarczyk (Paris, 1983). os textos litúrgicos das nações não ocidentais
foram simples traduções, em suas respectivas
línguas, dos elaborados na Curopa. Mas isso é
Nosso mundo otuol é composto pelo multi suficiente? Por que Roma se opõe a tentativos
plicidade de culturos. Com oé possível formular mais decididos por umo autêntico inculturação?
para tal mundo uma mensagem salvífica em Dependerá, sem dúvida, do desejo, por si mais
grau d e s e r compreendido e oceita p o r todas que compreensível, de salvaguardar a unidade
as culturas? em matéria de fé e de moral cristã. Por outro
lado, a situação atual do cristianismo é verda
fl teologia moderna não pode e não deve deiramente novo do ponto de vista histórico.
s©r mais qu© teologia d© uma Igreja em nível é preciso considerar que até hoje, em
universal. Sem dúvida, é bastante difícil dar uma todo a história do mundo e da humanidade,
resposta à pergunta sobre a possibilidade de jamais existiu uma religião que não fosse ex
uma inculturação autêntica do cristianismo nos clusivamente própria de determinada civilização.
continentes da África, da América do Sul ©, com Poder-se-ia observar que uma religião deveria
maior razão, do Ásia oriental. Cste problema assumir a configuração de um humanismo abs
não foi levado p sla teologia em suficient© trato pora poder ser professada em todo o mun
consid©raçõo. do. O cristianismo, todavia, não pode constituir
A parte as Igrejas orientais anteriores a o modelo de um humanismo desse tipo. Cie é,
Calcedônia, relativamente modestas, e as da com efeito, essencialmente a religião fundada
Ortodoxia também, porém, de cunho ociden sobre a revelação histórica de Deus, a qual, a
tal, até a metade do século XX existia apenas partir de Israel, se tornou aquilo que é hoje no
uma teologia européia que era “exportada" âmbito da civilização ocidental. Ora, como uma
paro todo o mundo. Cssas exportações natu religião desse tipo, que tem essencialmente
ralmente foram possíveis openas sob o onda uma origem histórica, posso se tornar religião
do colonialismo europeu. Hoje a coisa não é de todas os civilizações, sem perder sua própria
mais admissível: o acolhimento do cristianismo identidade é, como já dissemos, um problema
por parte de outras culturas não pode mais aberto para a Igreja e para sua teologia.
ser motivado pelo recurso à superioridade das Acrescente-se, no entonto, outro proble
culturas européias e ocidentais, é necessário ma: o confronto com o ateísmo, que tem, hoje,
concretizar um cristianismo que posso de fato ser dimensão mundial. O cristianismo se encontra,
acolhido, em uma síntese interna e essencial, portanto, diante de dupla dificuldade, mesmo
pelas outros culturas. C já s© vêem os primeiros que esses dois aspectos estejam, em sentido
sinais desse processo. positivo, mais estreitamente ligados do que
é um dado de fato que o Concilio Vaticano estamos em grau de compreender. Mas, tam
II, diversamente do Vaticano I, tenho sido não bém sobre isso, a meu ver, ainda não se fez
mais um concilio de bispos europeus com bis nenhuma reflexão na Igreja. Por este motivo,
pos de origem européia postos na chefio de há algum tempo pedi pessoalmente que o
dioceses ©m terras de missão, mas um Concilio Papa escreva ampla encíclica sobre o ateísmo.
que viu reunido um verdadeiro episcopado Compreendo muito bem que até agora tenha
mundial. Isso assinalou o início de umo teologia havido motivos justos e compreensíveis para
QuiTItã parte - E s p ir it u a lis m o , n o v a s t e o lo g i a s e n e o - e s c o l á s t i c a
nõo fazê-lo: o tarefa apresenta-se, d® fato, o às Igrejas cristãs, não é idêntico. Como já sabia
demasiadamente árduo. Todavia, todos os Agostinho, muitíssimos parecem estar dentro e,
homens, ap esar das diferenças culturais e na realidade, estão fora, e muitíssimos parecem
existenciais devidas às várias situações, estão estar fora e, ao contrário, pertencem à Igreja
®m relação com o mistério absoluto do Deus invisível daqueles que se encontram em estado
uno e eterno, e em grau de compreender que de graça. Neste sentido, a existência de “cristãos
se pode morrer em comunhão e união com o anônimos" é certa. Quantos estes sejam, no
único Jesus, crucificado e ressuscitado. Pode- momento em que, através da morte, entram no
se, portanto, exigir para todos os homens uma estado definitivo de sua existência? Como esses
única fé! Posso, com efeito, dizer a todo homem: homens, embora não pertencendo à Igreja visí
“Cxiste o mistério incompreensível de Deus, e vel e não tendo uma fé explícita com conteúdos
nele deves morrer. Porém, em Jesus, que de especificamente cristãos, possam ser crentes?
resto foi um europeu, tens a promessa de qu® Perguntas desse tipo, obviamente, são difíceis,
este salto na incompreensibilidade de Deus terá fl teologia está longe de tê-los esclarecido sufi
um resultado positivo". Nessa luz, apesar da cientemente. Todavia, é possível e urgente não
problemática acenada, é possível ter também digo saber, mas esperar que, prescindindo de
hoje a confiança serena de que a mensagem todas as diferenças ideológicas e do horror da
da Igreja pode ser ouvida em todo o mundo. história profana do mundo, em muitos e talvez
€m qual medida esta mensagem depois será até em todos os homens, vencerá a graça de
ou não de fato ouvida, é uma questão aberta, Deus, indébita, mas superabundante. Convicção
estreitamente ligada ao problema se o Igreja, esta que se pode e se deve ter.
sacramento fundamental d® salvação para todo Um luterano tradicional diria, talvez: "Não
o mundo e para todos os homens, d®va ter, for digo que possam ser salvos apenas os batiza
çosamente, cá embaixo, uma valência numérica dos. Sobre,a salvação eterna dos não batizados
e histórica, ou possa renunciar a isso sem por nada sei". No passado, também a teologia
isso faltar automaticamente à suo missão de escolástico teria talvez respondido desse modo.
indicar a salvação ao mundo inteiro. Na Igreja, desde os tempos de santo Agostinho
e na prática até hoje, considerou-se comumente
O se n h o r sa lie n to sem p re q u e todo que apenas de modo excepcional se alcança a
homem tem a experiêndo da transcendência, salvação por meio da groça indébita de Deus.
mesmo que nõo conheça Deus e a Revelação. A perdição - permanecer na massa condenada,
Fl este propósito, o senhor sustenta que tam para usar a expressão de Agostinho - era consi
bém entre os não crentes contam-se numerosos derada mais ou menos a norma, flpenas dentro
"cristãos anônimos". O que o senhor entende da multidão dos batizados, segundo essa visão,
com esse conceito? podia existir, talvez, uma relação ligeiramente
melhor entre perdidos e salvos. Hoje, porém,
De fato, não sei se fui eu ou outros que se deveria dizer: “Cspero que o resultado fi
cunharam o termo de “cristão anônimo", ou se nal da história humana não deixará subsistir
primeiro foi inventada a idéia de "cristianismo para a eternidade aquele 'lixo' que a teologia
anônimo": entre as duas coisas, com efeito, há tradicional chama de 'inferno' ". Obviamente,
certa diferença. Sem dúvida minha teologia en não pretendo saber o modo com que no fim a
contra-se em estreita relação com este conceito. misericórdia infinita de Deus, exaltada também
Antes de tudo, porém, gostaria de dizer que o pelo Papa atual, poderá coexistir com sua justiça
termo em si não é de importância fundamental e com a possibilidade que um homem se perco
para mim. Se por um motivo qualquer de peda por sua livre decisão. Não pretendo ter encon
gogia religiosa ou de outro gênero ele fosse trado uma síntese clara a respeito. Como católico
considerado como perigoso ou passível de comum e como teólogo digo que todo homem
equívoco, poderia também ser abandonado. deve tomar em consideração a possibilidade
Todavia, depois do Vaticano II não se pode, de da perdição eterna. Todayia, nada me obriga
foto, pôr em dúvida que os homens divinizados a afirmar que eu saiba com precisão que essa
pela graça na fé, esperança e caridade não indiscutível possibilidade será definitivamente
coincidem com o número daqueles que estão realizada! Posso dizer que espero uma coisa e
em uma relação de fé explícita com Jesus Cristo temo a outro. Temo as catástrofes particulares,
e são batizados. O número dos “justificados", definitivas, e espero na possibilidade, infeliz
paro usar um termo escolástico, ou então, na mente sempre desmentida pela experiência
terminologia do Concilio Tridentino, dos "jus humana, de uma definitiva “opokatóstosis pon-
tificados na graça de Deus", e o número dos tôn" (salvação de todos). Com todo o respeito
batizados e pertencentes à Igreja Católica ou por santo Agostinho, eu precisaria perguntar-lhe:
383
Cupítulo vigésimo - y\ r e n o v a ç ã o d o p e n s a m e n t o te o ló g ic o no s é c u lo X X ------
"Como podes ter fé no vitória da cruz do filho política determina o destino dos homens, eles
eterno d® Deus e ao masmo tempo nõo perceber desejaram um radical compromisso político da
nenhum problema na hipótese segundo a qual igreja nas questões vitais do povo 0 da huma
uma enorm® multidão de homens incorrerá na nidade dilacerada de hoje. Cies desejariam ver
perdição eterna? Não seria isso um sinal da a igreja como vanguarda política no caminho da
frieza indescritível de teu coração?" justiça e da liberdade no mundo dos conflitos de
Cntende-se que, depois de fluschujitz e interesse e nas lutas entre as potências. Para
depois de tantos fatos terríveis também de nos eles a igreja ideal torna-se o modelo moral de
sos dias, não é lícito engolir de modo simplista um mundo melhor.
um otimismo cristão tão liberal, fldmito que não Os outros, ao contrário, afirmam que uma
se pode afirmar de modo simplista que a his igreja social e politicamente atual e incidente
tória do mundo s® concluirá com uma harmonia extravia seu eu íntimo, seu propríum cristão. Cies
de maravilhosa bem-aventurança. flo mesmo não podem mais reconhecer a igreja de Cristo e
tempo, porém, não tenho sequer o direito de a igreja de seus pais em uma igreja que tenha se
renunciar à esperança para todos! tornado, por exemplo, uma instituição moderna
Nutro grande respeito pela teologia ge para a terapia social. Também eles percebem
nial de Tomás de Rquino. Todavia, não posso que o número daqueles que se reconhecem cris
absolutamente assinar uma afirmação dei®. tãos praticantes torna-se sempre mais exíguo.
Tomás diz, com ®f®ito, que é possível esperar Mas a culpa desse fato eles nõo a atribuem
para si mesmos, mas não para os outros, fl à igreja ou a si mesmos, e sim ao espírito do
est® respeito só posso objetar: como homem mundo moderno. Caem no pânico e celebram
sou obrigado a amar os outros até o fim; por o pequeno número como a fileira dos últimos
isso tenho também o dever de esperar por fiéis em meio à apostasia de Deus, por parte
todos, e apenas por isso também tenho o di da humanidade do fim dos tempos. Retiram-se
reito de esperar para mim, pobre ® miserável em si próprios e no círculo daqueles que a pen
pecador. sam da mesma maneira, a fim de encorajar-se
K Rahner, mutuamente. Cies fazem de-sua indigência uma
ConFirmar a Fé. virtude e transformam a igreja em seita. Mas
isso, diante da adaptação ativa ao mundo mo
derno, não é mais que uma adaptação passiva.
Diante da maré crescente da incredulidade, que
eles lamentam, sua fé torna-se pusilanimidade.
M oltmann Cies confiam apenas no que crêem, nada mais.
Combatem pelo Papa e pela Igreja ou pela Bíblia
e pela confissão. Cies não querem “experimen
tos", novas experiências e nada de diálogo com
os não-cristãos. No mais, combatem aqueles
n fé é escopo que, embora passando através da própria crise
de identidade, se comportam diversamente,
e nõo meio e assim provocam a dilaceração da igreja, fl
mentalidade de gueto continua o crescer. Cntre
"Se não For o Fim último e nõo tiver sen o auto-isolamento ortodoxo 0 o compromisso
tido e volor p or si mesmo, o religião de Foto que leva a se assimilar divide-se a consciência
não tem nenhum objetivo 0 volor''. da igreja, fl pergunta, para qu0 serve a igreja,
encontra uma infinidad0 d0 respostas à luz das
diversas necessidades, mas não mais uma res
Para qu® serve a igreja, perguntam-se posta clara e inadiável.
muitos com admiração. Para alguns esta é uma Tempo atrás a igreja era considerada a
pergunta de despedida [...]. coroação da sociedade. O estado e os grupos
Para outros, esta é uma questão angus sociais existiam para a igreja do mesmo modo
tiante. Cies se identificaram plenamente com a que a igreja existia para Deus e para a neces
igreja, motivo pelo qual, diante da crescente sária adoração de Deus sobre a terra. Mas, a
perda de importância da igreja, caem em uma seguir, os estados e os grupos se libertaram
crise de identidade. Aqueles que experimentam de seu objetivo religioso de adoração de Deus
sobre si esta crise podem ser comodamente e assumiram, com Maquiavel a seu serviço, a
divididos em dois grupos. religião e as igrejas. "Os chefes de um Cstado
Uns desejariam uma igreja mais moder livre ou de um reino devem conservar as colunas
na, mais atualizada e mais incidente. Como a da religião". Desse modo eles poderão conser
QuifltCl purte - E sp ir itu a lis m o ,, n o v a s t e o l o g i a s e n e o - e s c o l á s t i c a
var mais facilmente "religioso e, portanto, bom e aos estreitos limites do poder do homem,
e unido seu Cstado, pois a religião traz grande fazendo apelo a um olho onividente e a um
contribuição para que os exércitos se mante poder infinito; ou de fazer ver como elo seja
nham no obediência, o povo no concórdia e os uma fé omigo e um„sustentáculo benéfico da
homens estejam bem", aconselhava Maquiavel moralidade". Com efeito, serio esta uma "bela
em seu célebre escrito O príncipe, muito lido por vantagem para ela, a celeste rainha, se pudes
príncipes e políticos. Para Rousseau todo Cstado se atender de modo tão tolerável aos assuntos
tem necessidade de uma "religião citadina" como terrenos dos homens! [...] Portão pouco ela não
vínculo ideal e simbólico de comunhão entre seus desce o indo do céu para vós".
cidadãos, fl religião não é mais considerado na Se não for o fim último e se não tiver
óptica de seu fim peculiar, e sim apenas conde sentido e valor por si mesma, a religião de fato
nada ou valorizada conforme sua utilidade pora não tem nenhum objetivo e valor. Cia não dá
alcançar outros objetivos, fl religião é útil pora nenhuma resposta à questão a respeito de seu
manter o respeito poro com o autoridade dos valor de uso social e de sua utilidade moral. Sua
príncipes, dos juizes, dos mestres e dos pais. fl dignidade está justamente no fato de que é pre
religião é útil para desfraldar diante de grupos e ciso deixar de lado essas questões preocupadas
partidos contestadores o imperativo supremo da consigo e com o ter, caso se queira compreendê-
unidade, fl religião é necessária para defender lo e dela fazer parte. Aqueles que querem defen
o direito e a ordem, o costume e a moral da so der a religião, demonstrando sua necessidade e
ciedade. "Deixai ao povo a religião!", fl religião, suo utilidade, são no fundo seus inimigos mais
portanto, não é mois o fim último, mas apenas sem piedade. "Aquilo que é amado e apreciado
um meio para alcançor o fim; os fins, ao contrário, apenas por causa de uma vantagem que lhe é
são postos pela moral e pelo político. estranha pode sim ser necessário, mas não é em
Todavia, uma vez que a religião, a igreja si necessário: ele pode sempre permanecer um
e a fé tenham sido subordinadas ao ponto de pio desejo que não chega jamais à existência,
vista da oportunidade e do utilidade da socie e um homem razoável não lhe atribui nenhum
dade, elas se desintegram, tão logo se pense valor extraordinário, mas apenas o preço que
poder alcançar esses objetivos também com ou lhe é proporcional. € esse preço seria, para a
tros meios. Cntão se dirá: "O mouro realizou suo religião, bastante pequeno; eu pelo menos por
tarefa, o mouro pode ir embora". Não se terá ela ofereceria um bem pequeno, uma vez que
mais necessidade da fé em Deus para explicar - não posso deixar de confessar isso - nõo creio
o enigmo do natureza ou as debandadas da que tenhamos tanta necessidade dela para as
história. Poder-se-ão explicar naturezo e história ações más que ela deveria impedir e paro as
etsi Deus non doretur, mesmo que Deus não ações morais que ela deveria produzir". Assim
existisse. Não se terá mois necessidade da fé pensava Schleiermacher. A religião, portanto,
em Deus paro levar uma vida honesto, fl moral não comparece de novo no circuito universal do
e a responsabilidade ética brotarão das funções processo dos valores da sociedade moderna.
de um grupo. Não se terá mais necessidade da Se nela fosse inserida, ela se desagregaria e
igreja para afirmar a autoridade nos diversos se aniquilaria por si mesma.
campos da vida. As responsabilidades se de Todavia se, como freqüentemente se
mocratizarão e as autoridades se consolidarão escreveu, o mundo moderno do Cstado, o da
também sem a religião. [...] economia, da escola e da moral se emancipa
A crise de identidade do cristianismo não ram da influência da religião, de Deus, do fé e
é de hoje. Cia foi discutida desde o início do da Igreja, e procuram funcionar autonomamente,
Huminismo europeu. De tal discussão retomamos então isso eqüivale indubitavelmente, em sen
os idéias que Schleiermacher sustentou em seus tido negativo, ao fim da posição de privilégio
Discursos sobre a religião, de 1 7 9 9 , dirigindo- da religião, mas, em sentido positivo, devemos
se “às pessoas cultas que a desprezam". Sch também dizer que o religião, Deus, a fé e a igre
leiermacher partia da idéia que a religião, vista ja estão finalmente liberados de suas funções
como meio pora alcançar os objetivos de outro, de suplência e podem se apresentar em seu ser
não pode ser mais que uma religião abusada genuíno. Não é necessário cair no pânico se des
e falso. Não é essa religião que ele queria moronam para a religião aquelos velhas incum
apresentar às pessoas cultas de seu tempo. bências. Deveríamos, ao contrário, refletir sobre
"Peço-vos apenas para não temer que eu re os possibilidades positivas surgidas com a nova
corra ainda ao meio costumeiro de apresentar situação. Cias podem se entrever na conversão
paro vós o quanto a religião seja necessária ogostiniana do relação entre a religião e o vida.
para conservar o direito e o ordem no mundo, J. Moltmann,
e de vir em auxílio do miopia da visão humana 6t? jo g o .
íS a p í+ u lo v ig é s im o p r i m e ir o
yA Kveo-escolastica,
a LAmve rs idade de Louvam,
a LAkviversidade (Safólica de ,/V^lão
e o pervsamervfo de Jacq u es TVlantairv
• Foi o sacerdote belga Désiré Mercier (1851-1926) que sustentou que, para
combater a filosofia positivista e o idealismo, era necessário opor sistema a siste
ma. E foi em Louvain que ele conseguiu fundar a mais florescente
escola européia de neo-escolástica. Em 1894 fundou também a
neo-escolástica "Revue Néoscolastique de Philosophie". Formou numerosos discí
ea
pulos, entre os quais deram grandes contribuições ao pensamento
Universidade
de Louvain
neo-escolástico D. Nys, M. de Wulf, L. de Raeymaeker....................
-^§4 O trabalho mais importante de Mercier é a Criteriologia ge
ral (1899), uma obra de teoria geral do conhecimento, em que o
argumento crucial é a descoberta de um critério para distinguir a
verdade do erro, e no qual o confronto com a filosofia moderna, e principalmente
com Kant, é cerrado.
E grande tentativa de superar a filosofia de Kant por meio de uma crítica
que parte das mesmas concepções de Kant encontra-se em O ponto de partida da
metafísica (1926), obra de outro importante pensador neo-escolástico, ou seja,
Joseph Maréchal (1878-1944).
RIVISTA
*i ir-i..—- ...... : : : T sm
i f lG S r » ti MU*m—.....
* » tm
. «aaMi.
lmm . • *
........ ...
II. o p en sam en to
de Jacq u es kv
e a n e o -e s c o la s tic a na F v a n ça
*w
humilhar-se até esse ponto, então não po
díamos pensar nem agir dignamente [...].
Antes de deixar o Jardim Botânico, tomamos
uma decisão solene que nos devolveu a paz:
não queríamos aceitar nenhuma máscara e
nenhuma manobra dos grandes homens,
adormecidos em sua falsa segurança [...].
Decidimos, portanto, depositar confiança
no incógnito ainda por algum tempo; es
távamos por dar crédito à existência [...].
E se aquela experiência não tivesse êxito,
a solução teria sido o suicídio: o suicídio,
antes que os anos houvessem acumulado
seu pó, antes que nossas jovens forças se
houvessem consumido. Se não fosse possível
viver conforme a verdade, queríamos morrer
com uma rejeição livre”.
E O O e ix o c e n t r a l d o p e n s a m e n t o
d e A ^ a r ita in : "d is tin g u ir p a r a u n ir”
Abelardo, Dante, são Boaventura e outros. inerte e vazia sem a intervenção do actus
Gilson chegou à especulação filosófica essendi, isto é, a existência entendida como
partindo de estudos de história moderna, concretização da essência. Gilson escreve em
já que a análise do pensamento cartesiano A filosofia da Idade M édia: “Todo ser é algo
levou-o a se interessar pelas fontes medie que é. E qualquer seja a natureza ou essência
vais da filosofia moderna; por fim, chegando da coisa considerada, ela jamais inclui sua
às teorias escolásticas, achou que o sistema existência. Um homem, um cavalo ou uma
tomista, mais que todos os outros, merecia árvore são seres reais, isto é, substâncias;
atenção e adesão. nenhum deles é a própria existência, mas
Segundo Gilson, santo Tomás descobriu apenas um homem que existe, um cavalo
a chave metafísica decisiva, desconhecida que existe ou uma árvore que existe. Assim,
para Aristóteles: a distinção entre essência pode-se dizer que a essência de todo ser real
e existência. Aristóteles distinguiu potência é distinta de sua existência. E, a menos que
e ato no devir, e matéria e forma no ser, mas suponhamos que aquilo que não existe por
não chegou a distinguir essência e existência. si mesmo possa dar a existência a si mes
A isso chegou Tomás, porque a Revelação mo, o que é absurdo, deve-se admitir que
de um Deus criador permitiu-lhe pensar a tudo aquilo cuja existência é diversa de sua
natureza das coisas à espera de se tornarem natureza recebe de outro sua existência”.
existentes. Em outros termos, enquanto a Partindo dessa teoria e seguindo santo
filosofia grega vê em Deus aquele que dá for Tomás, Gilson chega à existência de Deus.
ma à matéria, Tomás vê em Deus o criador, Com efeito, todas as coisas que têm essência
que não é simplesmente uma essência, um distinta da existência exigem uma Causa
aliquid, mas o esse visto como actus essen- Primeira que exista em si mesma, isto é, um
di. A distinção entre essência e existência Ser cuja essência e existência sejam uma só
constitui o âmago de uma visão de mundo coisa: “O que existe por meio de outro não
dualista, perfeitamente harmonizável com as pode ter outra causa primeira senão o que
verdades cristãs. A essência é simplesmente existe por si mesmo [...]. E esse ser que nós
a natureza de cada coisa, mas é como que chamamos Deus”.
Í95
Capítulo vigésimo prim eiro - A n e o -e s c o lá s t ic a --------
■ Mounier
■ Weil
O personalismo:
Êmmanwel e Simone Weil
I. O pei^so Kvalismo:
uma filosofia, m as n ã o um sistem a
para além de qualquer reserva e vivida sem sonalistas, mas também o centro de irradia
compromissos. ção de uma série de iniciativas “políticas”
significativas, como a posição em favor dos
republicanos espanhóis, a breve posição de
2 O contex+o kistórico expectativa em relação ao governo de Vichy
em q u e surgiu e depois, ao contrário, a passagem para a
Resistência, o apoio à liberdade argelina e
o p ersonalism o depois ainda à revolução húngara.
De qualquer forma, como na raiz do
movimento personalista existe a intenção
O personalismo, afirma Mounier, “sur
decidida de testemunhar a verdade em toda
giu da crise de 1929, que fez soar claramente circunstância, o personalismo não podia se
o fim da prosperidade européia e chamou a ligar - e não se ligou - aos particularismos
atenção para a revolução em curso. Diante táticos de um ou de outro partido. Ele nas
das inquietações e desventuras que então ceu e se desenvolveu como movimento, feito
começavam, alguns deram uma explicação de idéias, críticas, estímulos, controvérsias e
puramente técnica, outros puramente moral. iniciativas, jamais pretendendo se esclerosar
Alguns jovens, porém, acharam que o mal na forma de partido, bloqueado em uma
era ao mesmo tempo econômico e moral, ideologia fixa e apriosionado pela máquina
inserido nas estruturas sociais e nos cora burocrática.
ções, e que o remédio para ele, portanto, Isso nos permite compreender melhor
não deveria prescindir nem da revolução a afirmação de Mounier no sentido de que
econômica, nem da revolução espiritual; e “o personalismo é uma filosofia, não uma
que, por fim, posto que o homem é constituí simples atitude; é uma filosofia, não, porém,
do assim como é, devia-se encontrar estreitas um sistema” .
conexões entre uma e outra. Era necessário,
antes de mais nada, analisar as duas crises
para desatravancar os dois caminhos”. / \ s r e g ra s e a s es+rafégias
“Esprit” não foi apenas o ponto de
reunião das contribuições teóricas dos per d o personalism o
y \ s d imewsões da "pessoa*
de alguns sinais como hóspede secreto dos meditar sobre sua vocação, sobre seu lugar e
mínimos gestos de minha vida, mas não sobre seus deveres na comunhão universal.
pode ficar diretamente sob o olhar de minha Por outro lado, a pessoa está sempre encar
consciência” . Por isso, “minha pessoa não nada em um corpo e situada em condições
coincide com minha personalidade. Ela se históricas precisas. Por conseguinte, “a ques
encontra além do tempo, é uma unidade tão não está em se evadir da vida sensível e
dada, não construída, mais vasta do que particular, que se desenvolve entre as coisas,
as visões que eu tenho dela, mais íntima do no seio de sociedades limitadas, através dos
que as reconstruções por mim tentadas. Ela acontecimentos, e sim em transfigurá-la”.
é uma presença em mim” . Além disso, a pessoa só pode alcançar a si
Assim, Mounier especifica o que a pes mesma dando-se à comunidade superior,
soa não é. E realiza essa operação, visto que a que chama e integra as pessoas individuais.
pessoa é não-objetivável. Aquilo que se pode Decorre daí, segundo Mounier, que os três
dizer da pessoa é que ela “é o volume total do exercícios essenciais para alcançar a for
homem [...]. Há em cada homem uma tensão mação da pessoa são: “a meditação, para a
entre suas três dimensões espirituais: aquela busca da minha vocação; o engajamento, a
que sai de baixo e a encarna em um corpo; adesão a uma obra, que é reconhecimento da
aquela que se dirige para o alto e a eleva própria encarnação; a renúncia a si mesmo,
em um universal; aquela que se volta para que é iniciação ao dom de si e à vida em
a amplidão e a leva para uma comunhão. outros”. Para Mounier, se a pessoa faltar em
Vocação, encarnação e comunhão são as relação a um desses exercícios fundamentais,
três dimensões da pessoa” . O homem precisa estará condenada ao insucesso. Texto U
MOUNIER
»■
ESPRIT
Aimt, - m m
Dírcet»«ir :
m. futàimg TiImPiafi,
Mnrmirr
i- mt. Rivoluzione
personalista e
ESPRIT. NOUVELLE SÉRIE
comunitaria
F kW ft. taçvmímr cte émtâtem êtaçm ê * ia vte
d « Zãpnt » ; !93ft, ftttf* cenfir* È'«spri! «te Muwch.
km cem tm t d u « V o & g m jt • w m e P *À . ToixbcaxL te
«oir m im * dh Mumch, IÍ3&4B .• fcitt# btèwt. troj»
fertw». pour áonrm m m m au é tm m m m m m f 1940-41 :
ftpà, m wxm nem oacupi». nem htetm a kmmmmmi m tr*
te tiHeâ miU coasbot dan» le émàm&m
m m m pmsSM»-, tte m dv&sàm antt U comltwt, àeeú
l i s » » m l kfidb; aoü* 1941 ; wtredtctlon, pat Vlcbr, pa*
*&mm frtknea.
i w >pu in oM <*ovm à c » bral rapp*} ete dat*« te
©
»i Êstfcmid* notro htetotó# etandnMmm: I ntmi pmm àé
pr'imnpaux qui a ’y m m tagat ém tm-
importante*, Um «st pm n atent *ém mm
parti# (tec <mfíém§ «n pumm, éaím m tm m «Ftetef*
nmmm m ê w m m tik p * m s é l A «pai bon?Nou» m-
ru m abiíiié* àm nous «ate# mm «*«* qui rtm tm t e*pc»é* D
m em á * cmtx qui fon! ré«B*ra«Tt m te goto. t t , á m
fcw»pmvènmi pt&Miegm, mimm KOmwm
Ou'<! m m d * portei-
••Pois bem, diante deste "estado doloroso", Simone Weil apela para uma
obrigação eterna: a dirigida ao ser humano enquanto tal. O homem não pode ser
objeto. O indivíduo é o valor supremo. Um valor pisado também pelos movimentos
que se remetem a Marx. E que vem, ao contrário, incrementado por aquela revolu
ção que eqüivale a "invocar com os próprios desejos e ajudar com
as próprias ações tudo aquilo que pode, direta ou indiretamente, A revolução
aliviar ou eliminar o peso que esmaga a massa dos homens, as é um ideal,
cadeias que envilecem o trabalho; rejeitar as mentiras por meio um juízo
de valor,
das quais se quer mascarar ou desculpar a humilhação sistemátjca uma vontade
da maioria deles". A revolução é, portanto, um ideal, um juízo 4
de valor, uma vontade.
rigor era tal que chegou a ponto de romper mone Weil] consegue dar à própria femi
a amizade com uma companheira que se con nilidade, fisicamente, o menos, o mínimo,
vertera ao catolicismo. Foi nessa época que um corpo, que logo, depois dos vinte anos,
entrou em contato com o movimento sindica deixa emagrecer e murchar pelas fadigas,
lista e com as idéias da revolução proletária”. pelas apostas e desafios que lhe impõe: até
Atenta aos sofrimentos dos mais po o último desafio, isto é, quando consegue
bres, dividiu seu ganho como professora morrer de inanição na clínica londrina como
com os deserdados. E em 1934 decidiu viver solidariedade real e ideal com os judeus que
a condição operária: começa a trabalhar morrem incinerados nos lager nazistas”. As
na Renault com a intenção de “participar sim escreve Nazareno Fabbretti em seu livro
da situação dos últimos”. Em 1936 toma Simone Weil: irmã dos escravos, livro que
parte na guerra civil espanhola, do lado dos começa com dois julgamentos sobre Weil,
republicanos, aos quais, todavia, aparece um do filósofo católico Gabriel Mareei e o
como “companheira incômoda” . Por ter-se outro de Charles De Gaulle. Mareei definiu
queimado com óleo fervente, teve de deixar Simone Weil como “testemunha do absolu
o front. Entrementes, em 1939, estoura a Se to”. Charles De Gaulle, então chefe — na
gunda Guerra Mundial. Simone deixa Paris Inglaterra — da Resistência francesa contra
e se transfere para Marselha, onde as alcan os alemães, diante do esboço de um projeto
çam as medidas administrativas contra os idealizado por Weil para as enfermeiras na
judeus. No vale do Ródano conhece a dureza primeira linha, desacredita-a sem piedade,
do trabalho agrícola. Escreve também para dizendo: “Esta é louca!”
os “Cahiers du Sud”. E presa sob a acusação
de gaullismo; é interrogada longamente e
recebe a ameaça de ser jogada no cárcere j l l l l E s c r a v id ã o
— “a senhora, professora” — junto com em nome da f o r ç a
as prostitutas. Simone respondeu ao juiz:
“Sempre desejei conhecer esse ambiente, e o e escravidão
único modo de poder nele entrar seria para em nome da riqueza
mim justamente a prisão”. A essas palavras
— escreve padre Perrin — o juiz fez um ace
no ao secretário para deixá-la em liberdade Em O p o sição e liberdade Simone
como uma louca inócua! Weil escreve: “Jamais o indivíduo foi as
Dia 16 de março de 1942, junto com sim completamente abandonado a uma
os genitores, Simone Weil embarca para os coletividade cega, nunca os homens foram
Estados Unidos. Também em Nova Iorque mais incapazes, não só de submeter suas
a encontramos entre os mais pobres do Har- ações aos próprios pensamentos, mas até
lem. E sofre por ter abandonado a França. de pensar” . O indivíduo humano parece ter
Quer ir para Londres para se tornar ativa perdido sua humanidade. E a causa desse
da Resistência francesa. E chega a Londres “doloroso estado” é, na opinião de Weil, por
pelo fim de novembro de 1942. Pede para demais evidente: “Vivemos em um mundo
poder ser utilizada em alguma missão peri onde nada está na medida do homem; onde
gosa, pois queria sacrificar-se utilmente. Em há uma desproporção monstruosa entre o
abril de 1943 teve de se recuperar em um corpo do homem, seu espírito e as coisas
hospital; daí foi transferida para o sanatório que constituem atualmente os elementos da
de Ashford, onde morre no dia 24 de agosto, vida humana; onde, em uma palavra, tudo é
sempre de 1943. As obras de Simone Weil desequilíbrio”. Impotência e angústia expe
apareceram postumamente, sob a organiza rimentam os homens dentro de uma socieda
ção do padre J. M. Perrin e G. Thibon, com de que se tornou “máquina para comprimir
o auxílio de A. Camus. coração e espírito e para fabricar a incons
ciência, a estupidez, a corrupção, a deso
nestidade e sobretudo a vertigem do caos”.
G a b r i e l N \a r c z e \ Weil vê a história humana como “his
e íSkarles De C Ã a u lie tória da escravização dos homens”. E são
duas, segundo ela, as formas principais da
julgam S i Weil opressão: “uma, a escravidão ou servidão,
exercida em nome da força armada; a
Filosofa, sindicalista, operária, guerri outra, em nome da riqueza transformada
lheira, camponesa, exilada, resistente [Si em capital” . E aqui Weil se pergunta se
Capítulo vigésimo segundo - O p e r s o n a lis m o : £ m m a h u e l .AAounier e S im o n e W e il 409
não estaria para cair sobre os homens força opressora? Os movimentos sociais
uma terceira, e totalmente nova, forma de inspirados em Marx estão “todos falidos”,
opressão: “a opressão exercida em nome da diz Weil; e isso ao menos pela razão de
função” , e que é o fruto maduro da divisão terem ignorado “a única idéia preciosa”
do trabalho e das especializações típicas do que se encontra na obra de Marx, ou seja,
capitalismo. o método m aterialista , o instrumento de
Diante de tal situação, Simone Weil análise dos fatos sociais por meio do recurso
apela para uma obrigação eterna: é a obri às causas econômicas.
gação para com o ser humano enquanto Se não podemos esperar uma me
tal. “Existe obrigação para com cada ser lhoria da situação social pela ação dos
humano, pelo único fato de ser um ser hu movimentos que se apóiam em Marx,
mano, sem que nenhuma outra condição também não podemos nos enfileirar com
intervenha; e até quando nenhuma outra aqueles revolucionários que esperam, para
lhe seja reconhecida” . Essa obrigação deve um futuro próximo, “uma catástrofe feliz,
ser traduzida no dever preciso de “devolver uma subversão que realize cá embaixo
ao homem, isto é, ao indivíduo, o domínio parte das promessas do Evangelho, dan
que é sua tarefa exercer sobre a natureza, do-nos finalmente uma sociedade onde os
sobre os instrumentos de trabalho, sobre últimos serão os primeiros” . Tal posição é
a própria sociedade” . É preciso, além fatalismo, desinteresse por quem sofre no
disso, dirigir a atenção sobre a “degra momento. Eis, então, que se compreendem
dante divisão do trabalho” em trabalho as razões pelas quais, para Simone Weil,
intelectual e trabalho manual. E mais que “ser revolucionário significa invocar com os
abolir a propriedade privada, esta deve ser próprios desejos e ajudar com as próprias
transformada em instrumento de trabalho ações tudo aquilo que pode, direta ou in
livre e associado. O homem, em suma, não diretamente, aliviar ou suprimir o peso que
pode ser objeto: ele é sujeito. Afirma Weil: esmaga a massa dos homens, as correntes
“Não esqueçamos que queremos fazer do que envilecem o trabalho, rejeitar as men
indivíduo, e não da coletividade, o valor tiras por meio das quais se quer mascarar
supremo” . Aqui está a verdadeira revo ou desculpar a humilhação sistemática da
lução: tornar o homem fim e não meio da grande maioria deles” . Entendida nestes
produção, e estabelecer que é a produção termos, a revolução é um ideal, um juízo
que deve ser o meio e não o fim: “o traba de valor, uma vontade-, e não tanto “uma
lho humano — escreve Weil em Reflexões interpretação da história ou do mecanismo
sobre as causas da liberdade e da opressão social”, mesmo que esta pressuponha um
social — deve se tornar o valor supremo, sério e aprofundado estudo da situação so
não certamente pela sua relação com aquilo cial. E é também claro que o espírito revo
que produz, e sim pela sua relação com o lucionário, considerado em tal perspectiva,
homem que o realiza” . “é tão antigo quanto a própria opressão,
e durará o tanto que ela durar, ou melhor,
ainda mais tempo [...]” .
O q u e significa
s e r revolucionários F om os c o lo c a d o s
a o s p es d
dca cru z
Pois bem, para chegar a estas altas
finalidades não é de modo nenhum sufi
ciente Marx com sua idéia de uma “matéria A libertação da opressão social eqüi
social” concebida como “máquina apta vale a uma revolução em grau de fazer do
a fabricar o bem” — diz ainda Weil em indivíduo o valor supremo. Esta libertação,
Opressão e liberdade. E acrescenta que “a todavia, não é a salvação do homem, não
matéria social” deixada a si mesma produz é a redenção de sua infelicidade constitu
outras escravidões, transforma-se em falsa tiva. O infeliz é quem prova a ausência de
e opressiva divindade, entre outras coisas Deus, quem se sente coisa e coisa indigna
desviando o olhar do verdadeiro bem. O no vórtice imenso da grande máquina do
poder é força e se exerce com a força: o universo. E o infeliz caminha à beira de
proletariado no poder não exerceria esse um abismo: está pronto para a perdição,
poder com a força, não seria também ele mas pode tomar o caminho da salvação.
Sexta parte - O p e r s o n a lis m o
antemão ao insucesso; quem quer ser apenas nozes maravilhosas para que delas se sirva
anjo torna-se animal. O problema não está em em caso de necessidade. Cia anda errante
evadir da vida sensível e particular, que se de ainda por muito tempo. Cncontra finalmente
senvolve entre as coisas, no seio de sociedades um palácio onde está o príncipe, seu esposo,
limitadas, através dos acontecimentos, mas em sob sua forma humana. Mas ele a esqueceu
transfigurá-la. e está para se casar dentro de alguns dias
Minha pessoa, por fim, não alcança a com outra mulher. Fl princesa, depois de sua
si mesmo a não ser dando-se à comunidade viagem interminável, está em um estado mi
superior que chama e integra as pessoas in serável, coberta de farrapos. Cntra no palácio
dividuais. como empregada de cozinha. Quebra uma das
Os três exercícios essenciais para che nozes, e nela encontra uma veste maravilhosa.
gar à formação da pessoa são, portanto: a Oferece a veste à noiva, em troca do privilégio
meditação, para a busca de minha vocação; o de passar uma noite inteira com o príncipe,
empenho, a adesão a uma obra que é reco fi noiva hesita, depois, seduzida pela veste,
nhecimento da própria erfcarnação; a renúncia aceita; mas faz com que o príncipe beba um
a si mesmo, que é iniciação ao dom de si e à narcótico que o mantém adormecido a noite
vida para outros. Se a pessoa carecer de um inteira. Cnquanto ele dorme, a empregada,
destes exercícios essenciais, está condenada que é sua verdadeira esposa, mantém-se a
ao insucesso. seu lado e canta sem parar:
£. Mounier,
Revolução personalista e comunitário. Far hae I sought ye, near am I brought
to ye-,
DearDuke o ' Norrouiay, uuill ye return and
. speak to me?
y\Aa^tirv B u b e i '4
e o p r iia c íp io d i a lo 0 Íc o
aj
■ Sionismo. Designa-se com este
estabelecimentos hebraicos na Palestina, \ termo o movimento cultural e políti- 1
que escolhessem como norma própria o l co hebraico, nascido pela metade do :
: século XIX, que tende à volta na e à
diálogo eu-tu, e que contribuíssem com
} reapropriação da terra de Israel, como
os árabes para transformar a mãe-pátria í traços constitutivos da identidade do
comum em uma república na qual ambos • povo judeu. Foi Moses Hess (1812- j
os povos tivessem a possibilidade de livre í 1875) que lançou a idéia de uma volta \
desenvolvimento” (F. Jesi). i à terra de Israel em seu livro Roma e ;
A partir de 1904, depois da ruptura i Jerusalém (1862). :
com Herzl, Buber dedica-se ao estudo do Em todo caso, o sionismo assumiu a |
hassidismo, passando do apreço estético f consistência de um movimento e de ]
dele para uma interpretação religiosa que vê [ um projeto com a obra de Theodor 1
nos textos dos relatos do hassidismo o senso | Herzl (1860-1904) e o primeiro con- ;
f gresso de Basiléia (1897). ;
sagrado da vida. Fruto deste seu intenso
; O projeto sionista se desenvolveu em
interesse são : Die Gescbichten des Rabbi ? mais de uma direção: sionismo "socia-
Nachman, 1906 (As histórias do Rabbi Na- i lista"; sionismo "espiritual"; sionismo ;
chman). Die Legende des B aal Shem, 1908 | "religioso"; sionismo "sintético". O ;
(A lenda do Baal Shem); Ekstatische Kon- j sionismo encontrou a oposição tanto =
fessionen, 1909 (Confissões estáticas)-, D a í no judaísmo assimilado em outras ;
niel: Gesprãche von der Verwicklung, 1913 nações como na ortodoxia que con- ;
(Daniel: diálogos sobre a realização). sidera a diáspora como essencial à
Em 1909, 1910 e 1911 Buber faz três S condição hebraica. j
t ■ :à
discursos na organização hebraica dos estu W,r . ;■****, . f
dantes de Praga, discursos que foram vistos
419
Capítulo vigéssimo terceiro - M a r t in Bubet* e o princípio d ia ló g ic o ______
declarou sua contrariedade pela execução de [...]. Quando se pronuncia o Tu, com isso
Eichmann, um dos máximos responsáveis pronuncia-se também o Eu do par Eu-Tu.
pelo Holocausto. Buber morreu em Jerusa Quando se pronuncia o Esse, pronun
lém no dia 12 de junho de 1965. cia-se também o Eu do par Eu-Esse [...].
Não há um Eu em si, mas apenas o Eu
do par Eu-Tu e o Eu do par Eu-Esse.
■pala das coisas Quando o homem diz ‘Eu’, entende um
mas dialoqa com o Tu desses dois [...]” .
Nesta página fundamental de O princí
pio dialógico, Buber descreve os dois gêne
Em O princípio dialógico Martin Bu ros de relações típicas da existência humana:
ber escreve: “O modo de ser do homem é dú- a relação com o mundo das coisas e a relação
plice, em cònformidade com o dualismo das com os outros seres humanos. No primeiro
palavras-base, que ele pode pronunciar. caso, na relação com o mundo (o Eu que
As palavras-base não são palavras sin se relaciona com o Esse), a pessoa humana
gulares, mas pares de palavras. encontra-se diante de um mundo de coisas,
Uma palavra-base é o par Eu-Tu. de objetos a serem conhecidos, investigados
Outra palavra-base é Eu-Esse; sem experimentalmente, utilizados; o Esse é rea
mudar esta palavra-base, pode-se substituir lidade objetivada, é o complexo dos objetos
Esse também por Ele e Ela. da ciência e da tecnologia. No segundo caso,
Com isso também o Eu do homem tem na relação Eu-Tu, o Tu não é um objeto, é
duas faces. muito mais uma presença que irrompe em
Porque o Eu da palavra-base Eu-Tu minha vida. E a essência do Eu — afirma
não é o mesmo Eu da palavra-base Eu-Esse Buber — “é fundamentalmente relação com
Sétim a pavtc - /\ rej-lexão filosófica kebraica contem porânea
um Tu” . Um Tu que não é objeto de pesqui Buber afirma: “Eu tenho origem exatamente
sas, mas que “vem ao meu encontro”, e se de minha relação com o Tu; quando eu me
impõe a mim como presença. torno Eu, então digo Tu”.
Jerusalém, a cidade santa dos judeus e cristãos, em uma gravura do século XIV.
.............. -........ ............ ( S a p í+ u lo v i g é s i m o q u a r t o .... ....... ................ .... .
Ê m n \ a n u e l .L é v in a s
e a fe n o m e n o lo g ia d a f a c e d o O u f r o
D O Outro nõo pode relação com Deus". Poderia esclarecer mais uma
vez o tipo de ligação que existe a seu ver entre
nos deixar indiferentes Outros e Deus e precisar esta afirmação: "Não é
uma metáfora: nos outros há uma presença real
de Deus [...]. Não é uma metáfora, não é apenas
€m d iá lo g o com Emmanuel Lévinas: uma coisa extremamente importante: é literalmen
"a responsabilidade não é cedível, e é na te verdadeiro. Não digo que outros seja Deus,
responsabilidade que sou chamado como mas em seu Rosto eu sinto a palavra de Deus"?
único". r Resposta: Quando digo que não é metá
fora pretendo dizer que não é uma metáfora de
simples semelhança; na realidade o literalmente
Pergunto: Cm uma entrevisto o senhor afir verdadeiro, o ser verdadeiro literalmente é outra
mou: "fl responsabilidade é uma individuação, metáfora! Outros não só é o próprio lugar de
um princípio de individuação. Cm relação ao fa minha relação com Deus, mas essa relaçãol
moso problema 'o homem se individua por meio Pergunta: Cm seus escritos mais recen
da matéria ou por meio da forma?', eu afirmo tes, um tema parece assumir sempre mais
a individuação por meio da responsabilidade importância, o da Curopa e da Curopa cuja
por outros". Poderia precisar esta sua afirmação "herança bíblica implica a necessidade da he
interessante? rança grega". Poderia precisar o sentido de tal
Resposta: Trata-se da individuação dos implicação que não depende, como o senhor
outros na unicidade do "amado", que é "único mesmo afirma, de "simples confluência de duas
em seu gênero"; individuação, por outro lado, correntes culturais"?
do eu responsável em sua não-intercambiabi- Resposta: C o tema da aparição do tercei
Iidade de responsável que é uma “escolha", ro-, o "primeiro a vir" para mim e para o outro seria
fl responsabilidade não é cedível e é na res também o terceiro que nos reúne e que sempre
ponsabilidade que sou chamado como único. nos acompanha. O terceiro é também o meu
[...] Mas este proceder junto não é a unidade outro, o terceiro é também o meu próximo. Onde
de um gênero, mas a Não-ln-Diferença própria está a prioridade? é necessária uma decisão, fl
da alteridade (como, talvez, é a diacronia do Bíblia pede justiça e deliberação! Do seio do
tempo). amor, do seio da misericórdia, é preciso julgar
Pergunta: Cm seus escritos é possível e concluir: é necessário um saber, é necessário
encontrar várias vezes o termo "criação"; ele verificar, é necessária a ciência objetiva e o
parece intervir principalmente onde se trata de sistema. C preciso reunir os únicos do amor, exte
esclarecer a idéia-chave de uma passividade riores a todo gênero, ò comunidade e ao mundo.
do sujeito mais passiva do que qualquer outra Primeiras violências na misericórdia! C preciso,
passividade, passividade irrecuperável, apesar por meio do amor do único, renunciar ao único,
de não ser simplesmente um defeito ou uma é necessário que a humanidade do Humano en
negação. Qual função ocupa tal termo dentro contre um novo lugar no horizonte do Universal.
de sua reflexão? Instruir-se junto aos gregos e aprender seu verbo
Resposta: fl passividade do Cu, que não e sua sabedoria. O grego, inevitável discurso
é o Sujeito transcendental operante na síntese, da Curopa que a própria Bíblia recomenda.
não é, todavia, em sua humanidade, fraqueza C. Lévinas, Colóquio,
descurável, mas sacrifício "criador" "que oferece 5 . Petrosino e J. Rolland (orgs.),
mais do que aquilo que possui". em De Deus que vem à idéia.
O MARXISMO
DEPOIS DE MARX
E A ESCOLA
DE FRANKFURT
A Escola de Frankfurt
íS a p ít u lo v ig é s im o q u in t o
O m a r x i s m o
d e p o is d e
lista deva necessariamente se verificar nas são valores morais, em detrimento de uma
formas de desenvolvimento de uma época visão realista das situações e do mais sério
que ainda não conhecia de modo nenhum, compromisso ético. No plano da prática, a
ou somente de forma muito incompleta, os “revisão” da filosofia marxista por Berns
métodos atuais de propagação e de obtenção tein leva-o à defesa coerente da política
das leis e carecia dos órgãos adequados para reformista.
esse fim, deve ser considerado somente como Reformas e não revolução. Reformas
recaída, ou seja, como atavismo político” . no interior de um Estado regulado pelas
A ditadura do proletariado, em suma, é instituições democráticas: “A democracia é
idéia que, na opinião de Bernstein, baseia-se início e fim ao mesmo tempo. Ela é o meio
em análise radicalmente errada da situação. para impor o socialismo e é forma de rea
O Estado não é somente órgão de opressão lização do socialismo [...]. Em princípio,
e administrador delegado dos proprietários. a democracia é supressão do domínio de
Apresentá-lo sob essa ótica é o único cami classe, embora não seja ainda a supressão
nho de todos os elucübradores de sistemas efetiva das classes [...]. A democracia é a
anárquicos. O Estado não é necessariamente alta escola do compromisso” .
um instrumento de espoliação. Ele, sob o E, para Bernstein, “compromisso” não
impulso das lutas operárias, conheceu uma significa “a sujeira do oportunismo”, já
autêntica metamorfose. que “luta de classes e compromisso são tão
pouco antíteses absolutas quanto a estática
e a dinâmica ; são formas do movimento e o
próprio movimento é eterno”. O marxista
A democmcia como ortodoxo pensa em uma sociedade perfeita,
"o\\a escola acredita ter identificado “o objetivo final do
do compromisso” socialismo” e pensa assim realizar o paraíso
na terra, o melhor dos mundos possíveis. Já
o revisionista enfrenta os problemas reais,
Assim, no plano teórico, a filosofia e seu objetivo é o de fazer da sociedade em
marxista foi ao encontro dos mais severos que lhe cabe viver uma sociedade melhor,
desmentidos da história; tem dentro de si mais justa, mais culta, mais livre, e essa
componentes metafísicos e míticos, como a tarefa não tem fim.
dialética, que é preciso eliminar, ao menos O marxista ortodoxo é um totalitário,
para que não se chegue à deletéria confusão o revisionista é um reformista democrático.
dos fatos econômicos e sociais com os que E E E
Capítulo vigésimo quinto - O m a rx ism o d e p o is d e M a r x
• Max Adler (1873-1937) é certam ente-junto Otto B a u e r-a figura mais impor
tante do austromarxismo. Adler sustenta que o materialismo histórico - entendido
como doutrina segundo a qual a superestrutura "ideológica" é produzida pela es
trutura "econômica" - não encontra uma base nos textos de Marx
e de Engels: "aí se encontra, ao contrário, a indicação contínua Materialismo
de que elas estão necessariamente ligadas uma à outra". histórico
Em outras palavras - afirma Adler em Problemas marxistas e materialismo
- o materialismo histórico não seria uma metafísica, e sim uma dialético
reduzidos
indicação programática a levar em conta, nas pesquisas histórico-
a regras
sociais, o aspecto econômico. de m étodo
A dialética marxista não seria, também, uma doutrina me científico
tafísica. Para Adler, a dialética não é mais que a constatação "da - ^ § 2
oposição existente entre o interesse próprio do indivíduo e as
formas sociais em que ele é comprimido".
• Ora, porém, uma vez que nos tenhamos desembaraçado da dialética, con
siderada como lei inelutável da história na base de um processo que ao mesmo
tem po teria realizado um progresso, onde se fundariam os valores
socialistas? As razões
Aqui, justamente, temos a referência a Kant: a idéia política da referência
dos socialistas, seu empenho pela justiça e pela liberdade, se fun ao im perativo
damentam sobre o imperativo categórico de Kant, que "pretende categórico
que em cada um seja respeitada a humanidade e que ninguém de Kant
seja considerado apenas como um meio, e sim, ao mesmo tempo, - ^ § 3
tam bém como fim ".
: IV. O m arxism o :
Kva LAnião 5ovietica
V. o * m a^ ism o ocidental //
de .Lukács, KorscK e S lo c k
Daqui a relação que liga Bloch ao marxismo, apesar de todas as críticas que
lhe dirige e as dissensões com os teóricos do Diamat. também o marxismo é uma
filosofia dirigida ao futuro, uma filosofia que, em vez de contemplar o mundo,
procura transformá-lo; é uma teoria e uma proposta para libertar o homem das
cadeias da alienação. E nesse horizonte teórico o julgam ento marxista sobre a
religião como "ópio do povo" deve ser revisto, uma vez que "onde há esperança
há religião", afirma Bloch, que analisa a corrente "crítica" do cristianismo que é
contestação autêntica daquilo que existe. A propósito, vejam-se as obras Thomas
M ünzer como teólogo da revolução (1921) e Ateísmo no cristianismo (1968).
E rn st Bloch (1 8 8 5 -1 9 7 7 ),
expoente da
“filosofia da esperança ",
sustentou que
“o homem é a criatura que,
p o r e s s ê n c ia ,
projeta-se no possível.
• A sociedade divide-se em classes; e para que uma classe possa se tornar su
jeito histórico, ou seja, guia da sociedade, deve tornar-se classe dirigente. A classe
dirigente é aquela que - pela força de sua própria organização, de sua própria
ideologia, de uma superioridade moral e da capacidade de resolver os problemas
- obtém o consenso das outras classes, formando assim um bloco histórico, e dessa
forma está pronta para se tornar classe dominante.
Em poucas palavras, "a supremacia de um grupo social - escreve Gramsci
- manifesta-se de dois modos, como 'dom ínio' e como 'direção intelectual
O i t ã V ã parte - CD m a ^ i s m o d e p o is d e AAarx e a éE-scola d e F rank furt
pridos na penitenciária de Turi. Obtendo fosse “um deus oculto”. A estrutura, ao con
redução da pena, Gramsci foi libertado em trário, deve ser concebida “historicamente
abril de 1937, mas sua condição física já como o conjunto das relações sociais em que
era muito precária. Morreu em uma clínica os homens reais se movem e agem [...]”.
romana uma semana depois de ter obtido As filosofias especulativas idealistas
a liberdade. não servem, portanto, para compreender a
Suas Cartas da prisão são profudamen- história, mas também são inadequados os
te humanitárias. esquemas simplistas do marxismo vulgar.
A compreensão da história necessita de
MSM jA "filosofia d a p rá x is " um método próprio: o método dialético,
c o n tra a "filosofia e s p e c u la tiv a "d e íS ro c e que foi domesticado por Croce, não foi
compreendido pelos marxistas vulgares e
Assim, uma das intenções de fundo da foi ignorado pelos sociólogos. Somente a
reflexão filosófica de Gratnsci foi a de inserir dialética nos permite compreender o que é
o marxismo na tradição italiana. Foi por a realidade, enquanto ela é a consciência das
essa razão que, antes de mais nada, ele teve contradições sociais em que vivem homens
de se defrontar com a filosofia de Benedetto reais e que, em situações concretas, devem
Croce e com a hegemonia que essa filosofia ser enfrentadas por homens reais, que têm
conquistara na cultura italiana. Gramsci às suas costas uma tradição específica e não
achava que um dos motivos do sucesso do outra qualquer.
historicismo croceano foi o fato de Croce ter
lutado com eficácia “contra a transcendên B I .A te o ria d a k eg em o n ia
cia e a teologia em suas formas peculiares ao
pensamento religioso-confessional”. Ligado Com base nisso, não é difícil perceber
a isso também se encontra o fato de que que a filosofia da práxis de Gramsci consti
a filosofia de Croce, em comparação com tui uma concepção do marxismo contrária
as outras filosofias tradicionais, expressou às interpretações de cunho positivista e
“maior adesão à vida”, afirmando que “a mecanicista. E uma concepção na qual os
filosofia deve resolver os problemas que, em acontecimentos estruturais se entrelaçam e
seu desenvolvimento, o processo histórico interagem com elementos humanos como a
apresenta a cada vez” . vontade e o pensamento. Essa, portanto, é
Entretanto, na opinião de Gramsci, a lição que se deve aprender de Lênin: como
Croce permanece ligado a uma “filosofia sintetizar dialeticamente teoria e práxis de
especulativa”, a uma metafísica da história, modo a chegar à conquista do poder por
pela qual “no processo dialético se pressu uma força emergente que visa à criação de
põe ‘mecanicamente’ que a tese deva ser uma nova civilização. A lição de Lênin é im
‘conservada’ pela antítese para não destruir portante não porque devamos repeti-la, mas
o próprio processo, que assim é ‘previsto’, porque nos indica a estratégia para penetrar
como uma repetição ao infinito, mecânica (em condições diversas, a serem analisadas)
e arbitrariamente prefixada”. na cidadela, a fim de criar a sociedade so
Desse modo, a filosofia de Croce é cialista. É precisamente aqui que se insere a
uma “filosofia especulativa” e Gramsci lhe teoria gramsciana da “hegemonia”.
opõe sua Filosofia da práxis ou historicismo A sociedade se estrutura em classes.
absoluto, entendido como “a mundanização Ora, para que uma classe possa se colocar
e terrenidade absolutas do pensamento, como sujeito histórico, isto é, como motor
um humanismo absoluto da história”. Em que guia e plasma a sociedade inteira, deve
outros termos, “a filosofia da práxis deriva “distinguir-se” e conquistar “autoconsciên-
certamente da concepção imanentista da cia crítica” , ou seja, deve configurar-se
realidade, mas depurada de todo aroma como força que, com base na própria ideo
especulativo e reduzida a pura história, his- logia, na própria organização e na própria
toricidade ou puro humanismo” . B 3 T 1 superioridade moral e intelectual, possa
configurar-se como classe dirigente. Ora,
E U 0 " m é t o d o d ia lé tic o " uma classe torna-se dirigente quando, tendo
forjado as energias e capacidades necessárias
A filosofia da práxis elimina “todo resí e percebendo seu direito de dirigir a socie
duo de transcendência e de teologia”. E, por dade inteira, obtém o consentimento das
outro lado, não pode conceber a estrutura de classes subalternas, fundando assim um bloco
maneira especulativa e doutrinária, como se histórico, isto é, um sistema articulado e
Capítulo vigésimo quinto - O marx ismo depois de Marx
Fotografia
da redação de
“Nova Ordem ”,
da qual Gramsci
foi um
dos fundadores.
[
459
Capítulo vigésimo quinto - O m a ^ i s m o d e p o is d e y V W x .
aparece mais lento do qu® é no realidade. este processo, a social-democracia não tem
Mas sua direção é inconfundível. O direito de instrumento melhor do que aquele de se pôr
voto, em democracia, toma virtualmente seu sem reticências, também no plano doutrinai, no
titular participante da coisa pública, e essa terreno do sufrágio universal e da democracia,
pórticipação virtual deve-se traduzir, a longo com todas as conseqüências que daí derivam
prazo, em uma participação efetiva. Para uma para sua tática.
classe operária numérica e intelectualmente Praticamente, ou seja, em seus atos, a
não desenvolvida, o direito de voto pode social-democracia, no fundo, sempre fez isto:
parecer por muito tempo ainda o direito de freqüentemente não o fizeram e ainda hoje
escolher para si seu próprio “açougueiro", mas, não o fazem seus representantes literários
com o desenvolvimento numérico e intelectual em suas declarações, frases formuladas em
dos trabalhadores, ele se torna o instrumento um período em que em todo lugar na €uropa
pára transformar realmente os representantes dominava sem contrastes o privilégio da pro
dò povo, de patrões em.servidores do povo. priedade - e que, portanto, eram explicáveis
Sé, nas eleições parlamèntares, os operários e em certa medida também justificadas naque
ingleses votam para os membros dos velhos las circunstâncias, mas que hoje são apenas
partidos, e isso os faz parecer formalmente um peso morto - são tratadas com tal temor
como cauda dos partidos burgueses, resta o reverenciai, como se o avanço do movimento
fato de que nas circunscrições eleitorais indus dependesse delas e não do conhecimento
triais é sobretudo essa "cauda" que faz mover vivo daquilo que se pode fazer e é urgente
a cabeça, e não o contrário. Prescindindo de- fazer. Ou talvez tem um sentido, por exemplo,
ppis do fato de que a extensão do direito de agarrar-se à frase da ditadura do proletariado
voto realizada em 1 8 8 4 , unida à reforma das em um período em que, em todo lugar, os
representações comunais, adquiriram para a representantes da social-democracia se põem
social-democracia na Inglaterra o direito de praticamente no terreno da ação parlamentar,
cidadania como partido político. da representação proporcional e da legisla
€ é substancialmente diferente a situação ção pública, coisas todas que contradizem a
em outros lugares? O sufrágio universal na ditadura? Hoje aquela frase sobreviveu a si
Rlemanha pôde também servir transitoriamente própria a tal ponto que a única possibilidade
para Bismarck como instrumento, mas no fim de conciliá-la com a realidade é despojar o
obrigou Bismarck a servir ele próprio como termo "ditadura" de seu significado efetivo,
instrumento para o sufrágio universal; pôde e de atribuir-lhe um sentido mais matizado.
temporariamente favorecer os Junker do €lba Toda a atividade prática da social-democracia
oriental, mas há muito se tornou sua besta dirige-se à criação de situações e de pressu
negra; pôde permitir a Bismarck, em 1 8 7 8 , postos que tornam possível e garantem uma
forjar a arma da lei sobre os socialistas, mas ultrapassagem sem rupturas violentas da or
foi justamente sobre o sufrágio universal que dem social moderna para uma ordem superior.
essa arma se embotou e se enfraqueceu, e foi Se pela consciência de serem os pioneiros de
justamente mediante o sufrágio universal que uma civilização superior os sociais-democratas
se conseguiu finalmente fazê-la cair das mãos atingem o entusiasmo que os inflama, sobre
de Bismarck. Se, em 1 8 7 6 , Bismarck, em vez de tal consciência apóia-se também, em última
fazer uma lei excepcional policialesca, tivesse análise, a justificação ética da expropriação
feito, com a maioria de que dispunha então, social a que eles visam, fi ditadura de classe,
uma lei excepcional política que excluísse de ao contrário, pertence a um nível de civiliza
novo os operários do direito de voto, ele teria ção mais atrasado, e também abstraindo da
desferido na social-democracia, por longo pe racionalidade e da realizabilidade da coisa,
ríodo, um golpe mais forte do que aquele que apenas uma recaída no atavismo político pode
lhe desferiu com a outra. Todavia, não há dúvida evocar a idéia de que a passagem da socie
de que nesse caso teria atingido também outras dade capitalista para a sociedade socialista
pessoas. O sufrágio universal, como alternativa deva necessariamente realizar-se dentro de
para a revolução, tem dois gumes. formas evolutivas de uma época que ainda
• Mas o sufrágio universal é apenas um não conhecia, ou conhecia apenas imperfeita
fragmento de democracia, mesmo.que seja um mente, os métodos atuais de propagação e de
fragmento que, a longo prazo, é destinado a conquista das leis, e que carecia dos órgãos
atrair os outros, como o ímã atrai os fragmen aptos para tal escopo.
tos de ferro, é um processo que certamente €. Bernstein,
avança mais lentamente do que muitos de Os pressupostos do socialismo
sejam e, todavia, está em ato. Para favorecer e as tarefas da social-democracia.
461
Capítulo vigésimo quinto - O m a r x is m o d e p o i s d e M a r x -.
broto sempre alguma coisa diferente daquilo desfrutadores. Ou então, ao invés de deduzir
qu® havíamos previsto 0 desejado, mas essa a moral dos mandamentos da ética, dos man
alguma coiso nos leva a todos necessariamente damentos de Deus, ©Ia 0 deduzida d0 frases
para um progresso comum. idealistas ou semi-idealistas que, 0m última
M. fldter, análise, têm sempre a máxima semelhança com
Hant 0 o socialismo. os mandamentos de Deus.
Nós rejeitamos toda moral desse tipo,
estranha à humanidade, estranha às classes
sociais. Dizemos que ela não é mais qu© men
tira, engano, embutimento de crânios para os
operários e os camponeses, no interesse dos
L ê n in proprietários fundiários 0 dos capitalistas.
Dizemos que nossa moral é completa
mente subordinada aos interesses da luta de
classe do proletariado. Nossa moral descende
dos interesses da luta de classe do proleta
3 O ideal ético dos comunistas riado.
R velha sociedade estava fundada sobre
a opressão dos operários e dos camponeses
R moro! comunista "está subordinada por parte dos capitalistas e dos proprietários
completamente aos interesses da luta de fundiários. Nós devíamos destruí-lo, d0víamos
classe do proletariado". Cste é o núcleo do abater s0us dominadores, 0 para ©ss© fim
discurso pronunciado por Lênin no dia 2 de d0víamos nos unir. O bom D©us não cria uma
outubro de 1920 , no terceiro Congresso da união como aquela d e que tínhamos neces
Juventude comunista russa. sidade.
flpenas as fábricas, as oficinas, o proleta
riado educado e sacudido de seu antigo letargo
podiam dar-nos essa união.
€m primeiro lugar m0 ocuparei do ques flpenas d0pois da formação da classe
tão da moral comunista. D0veis dar-vos uma proletária começou o movimento de massa
educação comunista. R tarefa da Federação que desembocou na reviravolta de qu© hoje
jovem é de regular sua atividade prática de somos testemunhas, na vitória da revolução
modo que os jovens qu© a formam, estudando, prol©tária ©m um dos países mais fracos ©
organizando-se, cerrando as fileiras, comba ond©, apesar de tudo, a revolução já resistiu
tendo, dê0m o si próprios 0 aos jov0ns que por três anos às agressões da burguesia de
os segu0m uma educação comunista. Todo o todo o mundo. € vemos a revolução proletária
trabalho d0 educação, de ensino e de cultura se avolumar em todo o mundo, fl experiência
d0ve inculcar na juventude contemporânea a nos autoriza agora a dizer que apenas o pro
moral comunista. letariado podia constituir a força homogênea
€xiste, porém, uma moral comunista? que os camponeses disseminados e esparsos
Sem dúvida. Imaginamos freqüentemente S0gu©m, e que resistiu a todos as ofensivos
que não t0mos nossa moral própria, e a burgue dos dosfrutadores. Apenas essa classe pode
sia, nos reprova muitas vezes, a nós, comunis ajudar as massas trabalhadoras a se reunir, a
tas, do repudiar toda moral, é um modo como se unir, a instaurar definitivamente, a consoli
outro de falsificar as idéias, de jogar areia nos dar definitivamente, a edificar para sempre a
olhos dos operários e dos campones0s. sociedade comunista.
€m qu© S0ntido repudiamos a moral? Por isso dizemos: a moral concebida in
l\lo sentido da moral pregada pela burgue dependentemente da soci©dad0 humana não
sia, que a deduz dos mandamentos d e Deus. ©xiste para nós, é uma mentira, fl moral está
Naturalmente, nós dizemos que não cremos em subordinada aos interesses da luta de classe
D0US, qu0 sabemos muito bem que o clero, os do proletariado.
proprietários fundiários, a burguesia, invocam Lênin,
a divindade para defender seus interesses de Sobre a religião.
O itã V ã p ã f t e - O m a r x is m o d e p o i s d e ]\\arx e. a E s c o l a d e PrankfwH-
para que se tornem claros as providências que rizou o conceito de problema filosófico, e dessa
pretendemos tomar para Fugir a essa perversão. formo negou que o pensamento produz outro
Depois de toda catástrofe ou depois de todo pensamento, abstratamente, e afirmou que os
crime, e principalmente depois da queda do problemas que o filósofo deve resolver não são
dirigente que antes era responsável (e cujas uma filiação abstrata do pensamento filosófico
teses, de Rakosi o Gomulka, foram aceitas e precedente, mas são propostos pelo desen
aprovadas até o último dia) entrou o costume volvimento histórico atual etc. Croce chegou até
de dizer: foram cometidos erros; não é este o a afirmar que sua ulterior e recente crítica da
socialismo que construiremos. filosofia da práxis está justamente ligada a esta
Doravante esta práxis não é mais possível. sua preocupação antimetafísica e antiteológica,
Quando Copérnico constatou certo número de enquanto a filosofia da práxis serio teologizante
"erros" nas trajetórias das estrelas, assim como e o conceito de "estrutura” não serio mais que a
eram traçadas conforme o sistema ptolomaico, representação ingênua do conceito de um "deus
ele se perguntou se se tratava de fato de um escondido", é preciso reconhecer os esforços
conjunto de “erros” ou s ç ao contrário, justa de Croce para fazer aderir à vida a filosofia
mente o “sistema" não era a fonte de todos os idealista, e entre suas contribuições positivas
inconvenientes. Dessa forma, mudou o "siste para o desenvolvimento da ciência dever-se-á
ma", partindo da hipótese de que a terra girasse incluir a luta contra a transcendência e a teolo
em torno do sol, e não vice-versa. gia em suas formas peculiares ao pensamento
Hoje é necessária uma revisão dolorosa religioso-confessional. Mas que Croce tenha
desse tipo. Nõo para pôr em discussão o "sis conseguido sua intenção de modo conseqüen
tema" socialista, mas sua versão soviética e a te não é possível admitir: a filosofia de Croce
exportação de to! versão nos países socialistas. permanece uma filosofia "especulativa", e nisso
Não é preciso talvez tentar conceber um socia não existe apenas um traço de transcendência e
lismo que não se edificará apenas "do alto”, de teologia, mas existe toda a transcendência
mas "de baixo"? e a teologia, apenas libertas da mais grosseira
R. GcirciudY, casca mitológica, fl mesma impossibilidade em
Reconquisto do esperança. que Croce parece se encontrar para compreen
der o assunto da filosofia da práxis (de modo
tal a dar a impressão de que se trata não de
uma grosseira ignorantia elenchi, mas de um
ardil polêmico, mesquinho eadvocatício) mostra
como o preconceito especulativo o cega e o
G ram sci desvia, fl filosofia da práxis deriva certamente
da concepção imanentista da realidade, mas
dela enquanto depurada de todo perfume
especulativo e reduzida a pura história ou his-
toricidade, ou a puro humanismo. Se o conceito
7 Rs razões da crítica de estrutura é concebido "especulativamente",
sem dúvida ele se torno um "deus escondido";
a Croce mas justamente ele não deve ser concebido es-
peculativqmente, e sim historicamente, como o
"é preciso reconhecer os esforços de Cro conjunto das relações sociais em que os homens
ce poro Fazer aderir à vida a filosofia idealista reais se movem e operam, como um conjunto
[...]. M as que Croce tenha conseguido sua de condições objetivas que podem e devem
intenção de modo conseqüente não é p o s ser estudadas com os métodos da “filologia"
sível admitir: o filosofia de Croce permanece e não da "especulação". Como um “certo" que
uma filosofia especulativa"'. será também "verdadeiro", mas que deve ser
examinado antes de tudo em sua "certeza" para
ser examinado como “verdade", fl filosofia da
práxis está ligada nõo só ao imanentismo, mas
Croce aproveita toda ocasião para pôr também à concepção subjetiva da realidade,
em relevo como ele, em sua atividade de enquanto justamente a revira, explicando-a
pensador, tenha estudiosamente procurado como fato histórico, como "subjetividade histó
eliminar de sua filosofia todo traço e resíduo rica de um grupo social", como fato real, que
de transcendência e de teologia e, portanto, se apresento como fenômeno de "especulação"
de metafísica, entendida no sentido tradicional, filosófica e é simplesmente um ato prático, a
flssim ele, diante do conceito de "sistema”, valo forma de um conteúdo concreto social e o modo
, 46"
Capítulo vigésimo quinto - O m o d i s m o d e p o i s d e ;V W x ____
fase ainda econômico-corporativa, em que se pensar. Por isso pode-se dizer que os partidos
transforma quantitativamente o quadro geral da são os elaboradores das novas int0l0ctualida-
"estrutura", 0 a qualidade-superestrutura a d e d es integrais e totalitárias, ou seja, o cadinho
quada está em via de surgimento, mas não S0 da unificação de teoria e prática, entendida
©ncontra ainda organicamente formada. Dev0- como processo histórico real, e se compreende
S0 ressaltar a importância 0 o significado que, como é necessário a formação para uma adesão
no mundo moderno, os partidos políticos têm na individual 0 não do tipo "trabalhista" porqu©,
0laboração 0 difusão das conc0pçõ0s do mundo caso S0 trat0 d0 dirigir organícamont© "toda
enquanto 0SS0ncialm 0nte elaboram a ética 0 a m assa 0conomicam0nt0 ativa", trata-se de
a política conforme a elas, ou seja, funcionam dirigi-la não segundo velhos esquemas, mas
q u a se como "experim entadores" históricos inovando, e a inovação não pode S0 tornar d0
d 0 ssa s concepções. O s partidos setecionam massa, 0m S0US primeiros estágios, a não S0r
individuolm0nt0 a mossa op0rant0, 0 a S0l0ção para o trâmte d0 uma elite em que a concepção
ocorre tanto no campo prático como no t0Órico implícita na atividad0 humana já t©nha S0 torna
d e modo conjunto, com èítna relação tonto mais do, ©m C0rta m0dida, consciência atual, coeren
estreita entre t0oria 0 prática quanto mais a te 0 sist0mática, 0 vontad© precisa e decidida.
conc0pção é vital e radicalment© inovadora 0 fl. Gramsci,
antagônica 0m relação ao s velhos modos de Cadernos do cárcere, vol. II.
C a p ít u lo v ig é sim o se x to
A E s c o la d e F r a n k fu r t
I. 6\êhese. desenvolvimentos
e program a d a E s c o la de Frankfurt
• Com a tom ada do poder por parte de Hitler o grupo de Frankfurt emigra
primeiro para Genebra, depois para Paris e, finalmente, para Nova York.
Depois da Segunda Guerra Mundial Marcuse, Fromm, Lõwen-
thal e Vittfogel permanecem nos Estados Unidos; ao passo que Diasporae volta
Adorno, Horkheimer e Pollock voltam para Frankfurt, onde, em ^ í™ ur
1950, renasce o Instituto para a pesquisa social.
estudos sobre o movimento operário, mas mas tende a examinar as relações que ligam
também escritos de Karl Korsch (inclusive reciprocamente os âmbitos econômicos com
seu trabalho M arxismo e filosofia), Gyõrgy os históricos, bem como os psicológicos e
Lukács e David Riaznov, diretor do Instituto culturais, a partir de uma visão global e
Marx-Engels de Moscou. crítica da sociedade contemporânea.
Em 1932, porém, Horkheimer deu E aqui que se instaura o laço entre
vida à “Revista de pesquisa social”, que hegelianismo, marxismo e freudismo que
pretendia retomar e desenvolver a temática caracteriza a Escola de Frankfurt e que,
do “Arquivo”, mas que se apresentava com embora nas diversas variantes apresentadas
um posicionamento certamente “socialista” pelos vários pensadores da Escola, viria a ser
e “materialista” , cuja tônica, porém, era um constante ponto de referência da teoria
posta na totalidade e na dialética: a pes crítica da sociedade.
quisa social é “a teoria da sociedade como Na intenção de Horkheimer, a teoria
um todo”; ela não se resume ou se dissolve crítica da sociedade surge para “encorajar
em investigações especializadas e setoriais, uma teoria da sociedade existente considera
da como um todo”, mas precisamente uma
teoria crítica, ou seja, capaz de fazer emergir
a contradição fundamental da sociedade
capitalista. Em poucas palavras: o teórico
crítico é “o teórico cuja única preocupação
■ Teoria crítica da sociedade. É a consiste no desenvolvimento que conduza à
teoria proposta e desenvolvida pela sociedade sem exploração”. A teoria crítica
Escola de Frankfurt, contrária ao tipo pretende ser uma compreensão totalizante
de trabalho da sociologia empírica e dialética da sociedade humana em seu
americana. conjunto e, para sermos mais exatos, dos
Para os de Frankfurt (Adorno, Hork
heimer, Marcuse etc.), a sociologia mecanismos da sociedade industrial avan
não se reduz nem se dissolve em pes çada, a fim de promover sua transformação
quisas setoriais e especializadas, em racional que leve em conta o homem, sua
pesquisas de mercado (típicas, estas, liberdade, sua criatividade, seu desenvolvi
da sociologia americana). mento harmonioso em colaboração aberta
A pesquisa social para eles é, ao con e fecunda com os outros, ao invés de um
trário, "a teoria da sociedade como sistema opressor e de sua perpetuação.
um todo", uma teoria posta sob o Para compreendê-las corretamente, as
signo das categorias da totalidade e teorias da Escola de Frankfurt devem ser
da dialética, e dirigida ao exame das adequadamente enquadradas no arco do
relações existentes entre os âmbitos
econômicos, psicológicos e culturais período histórico em que foram elaboradas:
da sociedade contemporânea. trata-se do período do pós-guerra, que fez
Tal teoria é crítica enquanto dela a experiência do fascismo e do nazismo
emergem as contradições da socieda no Ocidente, e a do stalinismo na Rússia;
de industrializada moderna e particu que depois foi atravessado pelo furacão da
larmente da sociedade capitalista. Segunda Guerra Mundial e que assistiu ao
Para maior precisão: o teórico crítico desenvolvimento maciço, onipresente e irre
"é o teórico cuja única preocupação freável da sociedade tecnológica avançada.
consiste em um desenvolvimento Desse modo, podemos encontrar no
que leve a uma sociedade sem ex
centro das reflexões da Escola de Frankfurt
ploração".
O primeiro trabalho importante da tanto as mais importantes questões políticas
Escola de Frankfurt é o volume co como também os problemas teóricos sobre
letivo Estudos sobre a autoridade e os quais se delongara o marxismo ociden
sobre a fam ília (1936): a família - as tal (Lukács, Korsch), em contraste com
sim como a escola ou as instituições pensadores como Dilthey, Weber, Simmel,
religiosas - é vista aqui como trâmite Husserl ou os neo-kantianos, contraste que
da autoridade e da inserção desta na os francofortianos ampliarão também para
estrutura psíquica dos indivíduos. o existencialismo e o neopositivismo.
Um trabalho análogo será sucessiva O fascismo, o nazismo, o stalinismo,
mente projetado na América: seus re a guerra fria, a sociedade opulenta e a
sultados estão publicados no volume
A personalidade autoritária.
revolução não realizada, por um lado; e,
por outro lado, a relação entre Hegel e o
marxismo e entre este e as correntes filo
Capítulo vigésimo sexto - y\ Ê s c o l a d e F rankfurt
sóficas contemporâneas, como também a primeiro para Genebra, depois para Paris e,
arte de vanguarda, a tecnologia, a indústria por fim, para Nova York. Mas, apesar das
cultural, a psicanálise e o problema do indi peripécias e dificuldades, foi nesse período
víduo na sociedade moderna são temas que que apareceram alguns dos trabalhos de
se interligam na reflexão dos expoentes da maior destaque da Escola de Frankfurt,
Escola de Frankfurt. como os Estudos sobre a autoridade e a
família (Paris, 1936) e A personalidade au
toritária (obra que seria ultimada em 1950).
D a ^ le m a n K a Este último trabalho coletivo (de Adorno e
p a ra os Êstados lAnidos colaboradores) é desenvolvimento muito
sagaz dos Estudos sobre a autoridade e a
família.
Mas quem são esses expoentes da Esco Entretanto, também por causa dos
la de Frankfurt? Os primeiros membros do exemplos escolhidos somente entre os
grupo foram os economistas Friedrich Pollo- estudantes norte-americanos, este último
ck (autor da Teoria marxista do dinheiro, trabalho apresenta-se como obra certamente
1928, e da Situação atual do capitalismo e menos estimulante do que a primeira, onde,
perspectivas de reordenação planificada da ao contrário, o leque das temáticas típicas
economia, 1932), e Henryk Grossmann (au da Escola de Frankfurt encontra tratamento
tor de A lei da acumulação e da derrocada muito preciso. Ela, com efeito, discute a
no sistema capitalista, 1929), o sociólogo centralidade e a ambigüidade do conceito de
Karl-August Wittfogel (célebre autor de autoridade, a família como lugar privilegia
Economia e sociedade na China, 1931, e do do para a reprodução social do consenso, a
escrito sobre o Despotismo oriental, 1957, aceitação pelos homens de condições insu
ensaio no qual analisa também a sociedade portáveis vividas como naturais e imodificá-
soviética), o historiador Franz Borkenau e veis, a crítica da racionalidade tecnológica, a
o filósofo Max Horkheimer, aos quais se necessidade de uma colocação metodológica
uniria pouco depois o filósofo, musicólogo em condições de neutralizar os defeitos das
e sociólogo Theodor Wiesengrund Adorno. pesquisas setoriais “positivistas”, e assim
Entrariam depois para o grupo o por diante.
filósofo Herbert Marcuse, o sociólogo e Depois da Segunda Guerra Mundial,
psicanalista Erich Fromm, o filósofo e crítico Marcuse, Fromm, Lõwenthal e Wittfogel
literário Walter Benjamin (autor, entre ou ficaram nos Estados Unidos, ao passo que
tras coisas, de A origem do drama barroco Adorno, Horkheimer e Pollock voltaram para
alemão, 1928, e de A obra de arte na época Frankfurt. Aliás, em 1950 renasceu o “Insti
de sua reprodutibilidade técnica, 1936), o tuto de pesquisa social”, dele saindo sociólo
sociólogo da literatura Leo Lõwenthal (au gos e filósofos como Alfred Schmidt, Oskar
tor de Sobre a situação social da literatura, Negt e Jürgen Habermas, o mais conhecido
1932) e o politólogo Franz Neumann. de todos (de cujas obras deve-se recordar
Com a tomada do poder por Hitler, o pelo menos A lógica das ciências sociais,
grupo de Frankfurt foi obrigado a emigrar, 1967, e Conhecimento e interesse, 1968).
OitãVã parte - O m a rx ism o d e p o is d e A ^c^X e a £ s c o l a d e F rank furt
y \d o m o
e sua colaboração
com 'Horkkeimer:
a dialética do D Iummismo
que Adorno considera imagens desviantes levam a nível jamais alcançado o domínio
da realidade, para onde tudo volta; imagens da sociedade sobre a natureza. Enquanto o
que, assim, não desenvolvem outra função indivíduo desaparece diante da máquina a
senão a de servir ao poder, ao invés de dar que serve, é por ela aprovisionado melhor
voz a uma realidade desordenada como a do que jamais o fora. No Estado injusto,
da sociedade capitalista. a impotência e a dirigibilidade da massa
E é exatamente dessa sociedade capi crescem com a quantidade de bens que lhe
talista, ou melhor, da sociedade moderna, são fornecidos”. ESS1T]
capitalista e comunista, que Adorno e
Horkheimer nos apresentam seu juízo na
conhecida obra Dialética do Iluminismo ^ 'ndúslria cultural
(1949), que se apresenta como análise da
sociedade tecnológica contemporânea.
Por Iluminismo os dois autores não Para alcançar sua funcionalidade, o
entendem somente o jnovimento de pen “sistema”, que é a sociedade tecnológica
samento que caracterizou a era das luzes; contemporânea, entre seus principais ins
eles pensam muito mais em um itinerário trumentos, pôs em funcionamento uma
da razão, que, partindo já de Xenófanes, poderosa máquina: a indústria cultural.
pretende racionalizar o mundo, tornando-o Esta é constituída essencialmente pela
manipulável pelo homem. “O Iluminismo, mídia (cinema, televisão, rádio, discos, pu
no sentido mais amplo de pensamento em blicidade etc.). E com a mídia que o poder
contínuo progresso, sempre perseguiu o impõe valores e modelos de comportamento,
objetivo de tirar o medo dos homens e tor cria necessidades e estabelece a linguagem. E
ná-los senhores de si próprios. Mas a terra esses valores, necessidades, comportamentos
inteiramente iluminada resplandece sob a e linguagem são uniformes porque devem al
égide de triunfal desventura”. cançar a todos; são amorfos, assépticos; não
Com efeito, o Iluminismo vai ao en emancipam, nem estimulam a criatividade;
contro da autodestruição. E isso ocorre pelo contrário, bloqueiam-na, porque habi
porque ele ficou “paralisado pelo medo da tuam a receber passivamente as mensagens.
verdade”. Prevaleceu nele a idéia de que o “A indústria cultural perfidamente realizou
saber é mais uma técnica do que uma crítica. o homem como ser genérico. Cada qual
E o medo de afastar-se dos fatos “é coisa é cada vez mais somente aquilo pelo qual
estreitamente unida ao medo do desvio so pode substituir qualquer outro: ser consu-
cial”. Desse modo perdeu-se a confiança na mível, apenas exemplar. Ele próprio, como
razão objetiva, pois o que impqrta não é a indivíduo, é o absolutamente substituível, o
veracidade das teorias, e sim sua funciona puro nada [...]”.
lidade, funcionalidade em vista de fins sobre E isso pode ser visto também no diverti
os quais a razão perdeu todo direito. mento, que não é mais o lugar da recreação,
Em outros termos, a razão é pura razão da liberdade, da genialidade, da verdadeira
instrumental. Ela é inteiramente incapaz de alegria. E a indústria cultural que fixa o
fundamentar ou propor em discussão os divertimento e seus horários. E o indivíduo
objetivos ou finalidades com que os homens se submete. Como também submete-se às re
orientam suas próprias vidas. A razão é ra gras do “tempo livre”, que é tempo progra
zão instrumental porque só pode identificar, mado pela indústria cultural. “A apoteose
construir e aperfeiçoar os instrumentos ou do tipo médio pertence ao culto daquilo que
meios adequados para alcançar fins estabe é barato”. Desse modo, a indústria cultural
lecidos e controlados pelo “sistema” . não vincula propriamente uma ideologia: ela
Nós vivemos em sociedade totalmente própria é ideologia, a ideologia da aceitação
administrada, na qual “a condenação natural dos fins estabelecidos por “outros”, isto é,
dos homens é hoje inseparável do progresso pelo sistema.
social”. Com efeito, “o aumento da produ Foi assim que o Iluminismo transfor
tividade econômica, que, por um lado, gera mou-se no seu contrário. Queria eliminar
condições para um mundo mais justo, por os mitos, mas criou-os desmedidamente. Na
outro lado propicia ao instrumental técnico definição de Kant, “o Iluminismo é a saída
e aos grupos sociais que dele dispõem imensa do homem de um estado de menoridade do
superioridade sobre o resto da população. qual ele próprio é culpado. Menoridade é
Diante das forças econômicas, o indivíduo a incapacidade de valer-se de seu próprio
é reduzido a zero. Estas, ao mesmo tempo, intelecto sem a guia de outro”. Entretan
Capítulo vigésimo sexto - A Ê s c o la de Frankfurt
to, hoje o indivíduo é zero e é guiado por ram, advertindo que, “se o Iluminismo não
“outros” . Outrora, dizia-se que o destino capta a consciência desse momento regressi
do indivíduo estava escrito no céu; hoje, vo, está assinando sua própria condenação”,
podemos dizer que é fixado e estabelecido o que não deve acontecer, pois o que é ne
pelo “sistema”. cessário é “conservar, ampliar e desdobrar a
Para Adorno e Horkheimer, portanto, a liberdade, ao invés de acelerar [...] a corrida
situação está assim. Mas eles não se desespe em direção ao mundo da organização” .
Oitava parte - O m a rx ism o d e p o is d e J^ A c x r jz e a (S s c o la d e F rank furt
Não podemos absolutizar nada (deve- política, uma teoria, um Estado — seja algo
se recordar que Horkheimer é de origem absoluto. Nossa finitude, ou seja, nossa
judaica) e, portanto, também não podemos precariedade, não demonstra a existência
absolutizar o marxismo. “Todo ser finito de Deus. Entretanto, existe a necessidade
— e a humanidade é finita — que se pavo- de uma teologia, não entendida como ciên
neia como o valor último, supremo e único, cia do divino ou de Deus, e sim como “a
torna-se ídolo, que tem sede de sacrifícios consciência de que o mundo é fenômeno e,
de sangue” . portanto, não a verdade absoluta que só a
Marxista por ser contrário ao na- realidade última pode ser. A teologia — e
cional-socialismo, Horkheimer desde o aqui devo me expressar com muita cautela
início nutriu dúvidas sobre o fato de “se a — é a esperança de que, apesar dessa injusti
solidariedade do proletariado pregada por ça que caracteriza o mundo, possa acontecer
Marx era verdadeiramente o caminho para que essa injustiça não seja a última palavra”.
chegar a uma sociedade justa” . Na realida Assim para Horkheimer, portanto, a teolo
de — observa Horkhèimer em A nostalgia gia é “expressão de uma nostalgia segundo
do totalmente Outro (1970) — as ilusões a qual o assassino não possa triunfar sobre
de Marx logo vieram à tona: “A situação sua vítima inocente”.
social do proletariado melhorou sem a re Portanto, “nostalgia de justiça per
volução, e o interesse comum não é mais a feita e consumada” . Esta jamais poderá
transformação radical da sociedade, e sim ser realizada na história, diz Horkheimer.
a melhor estruturação material da vida” . E, Com efeito, “ainda que a melhor sociedade
na opinião de Horkheimer, existe uma soli viesse a substituir a atual desordem social,
dariedade que vai além da solidariedade de não será reparada a injustiça passada e
determinada classe: é a solidariedade entre não se anulará a miséria da natureza cir-
todos os homens, “a solidariedade que de cunstante” .
riva do fato de que todos os homens devem Entretanto, isso não significa que
sofrer, devem morrer e são finitos” . devamos nos render aos fatos, como, por
Se assim é, então “todos nós temos em exemplo, ao fato de que nossa sociedade
comum um interesse originariamente huma torna-se sempre mais sufocante. Nós, diz
no: o de criar um mundo no qual a vida de Horkheimer, “ainda não vivemos em uma
todos os homens seja mais bela, mais longa, sociedade automatizada [...]. Ainda pode
mais livre da dor e, gostaria de acrescentar, mos fazer muitas coisas, mesmo que mais
mas não posso acreditar nisso, um mundo tarde essa possibilidade venha a ser-nos
que seja mais favorável ao desenvolvimento tirada”.
do espírito” . E o que o filósofo deve fazer é criticar
Diante da dor do mundo e diante da “a ordem constituída” para “impedir que
injustiça, não podemos ficar inertes. Mas os homens se percam naquelas idéias e na
nós, homens, somos finitos. Por isso, embora queles modos de comportamento que a so
não devamos nos conformar, também não ciedade lhes propicia em sua organização”.
podemos pensar que algo histórico — uma E S Í W 21
Capítulo vigésimo sexto - A É s c o l « d e F rankfurt
v. F^omm
e a ^cidade do s e /
• Um dos livros mais conhecidos de Fromm é Ter ou ser? (1976), onde ele
examina "as duas modalidades basilares de existência: a modalidade do ter e a
modalidade do ser".
Para a primeira modalidade o verdadeiro ser do homem é o
O homem ter, razão pela qual "se alguém não tem nada, não é nada".
novo da Buda, Jesus, Mestre Eckhart, o Marx humanista radical (e
Cidade do Ser não aquele contrabandeado pelo comunismo soviético), ao con-
§2 trário, nos indicam, em contextos diferentes, as características da
modalidade do ser: "a independência, a liberdade e a presença
da razão crítica". Ser significa principalmente ser ativos, isto é, dar expressão aos
próprios talentos, renovar-se, crescer, amar, sair da prisão do próprio eu isolado,
"prestar atenção, dar". E o homem que é é o homem novo, o cidadão da Cidade
do Ser, de uma cidade onde-assim lemos em A arte de am ar (1 9 5 6 )- "a natureza
social e amante do homem não seja separada de sua existência social, mas torne-se
uma só coisa com ela".
porque diferente dos outras. O pensar que se levar Gide ao cristianismo. Gide escreve qu® Ih®
opõe à divisão do trabalho regride em relação é impossível crer nos dogmas do cristianismo,
ao desenvolvimento das forças, e se comporta e Claudel lhe responde mais ou menos assim:
como "arcaico"; porém, caso se enquadre como "Cntõo não creia, mas vá à igreja e faça aquilo
ciência entre as ciências, renuncia a seu pró que é prescrito; o resto virá".
prio impulso motor justamente onde dele teria é uma atitude semelhante à dos hebreus,
maior necessidade. Cl® permanece estático, que por séculos observaram suas prescrições.
permanece mera reconstrução de algo já pré- Um rabino talvez possa dizer: deixe em paz a
formado pelas categorias sociais e, por fim, fé, mos faça aquilo que está prescrito.
pelas relações da produção mesmo quando Por isso o catolicismo está mais próximo
presume julgar sobre assim chamadas ques do hebraísmo do que o protestantismo, por
tões de princípio, como a relação entre sujeito que no catolicismo a ação tem um papel muito
e objeto, fl ciência coisifica enquanto declara mais decisivo do que a fé. O conceito da fé é
que o trabalho espiritual incorporado, o saber propriamente uma invenção do protestantismo,
inconsciente de suas mediações sociais, é o para evitar a alternativa entre ciência ® supers
saber ut sic. Isso é expresso por todas as suas tição. Para salvar a religião encontrou-se para
exigências e todas as suas proibições. a alternativa um terceiro ângulo, a fé.
T. LU. Adorno, Cste problema não existe para o hebraís
Sobre o metacrítica da gnosiologia. mo. As prescrições determinam toda a vida do
hebreu praticante. Cste fato manteve unido o
hebraísmo, porque, onde quer que estivesse
um hebreu, seus companheiros de fé viviam
segundo os mesmos mandamentos.
G umnior - Cm poucas palavras, o que é
H o r k h e im e r decisivo é a ação, o fazer: não é importante,
ao contrário, que Deus exista, que se creia ou
não se creia nele.
HoRmeiMCR - Do ponto de vista dialético é
importante e ao mesmo tempo não importante.
R nostalgia Não é importante, porque, conforme já disse,
do "totalmente Outro" nós nõo podemos dizer nada sobre Deus, e nõo
é crível a doutrina cristã de que exista um Deus
onipotente e infinitamente bom, haja vista a dor
R teologia é "expressão de uma nostal que há milênios domina a terra, C importante,
gia, segundo a qual o assassino não pode porque por trás de toda açõo humana está a
triunfar sobre sua vítima inocente". teologia. P®nse ®m tudo o que nós, Adorno e
eu, escrevemos na Dialética do Iluminismo. Lá se
diz: uma política que não conserve em si, ainda
G umnior - O senhor fala de hebraísmo. que em forma extremamente não-reflexa, uma
Onde está a ligação com a teoria crítica? teologia, em última análise, por mais hábil que
HoRmeiMCR - O hebreu religioso hesita, por possa ser, permanece especulação.
exemplo, se deve escrever a palavra Deus. Cm G umnior - O que significa aqui teologia?
seu lugar faz um apóstrofo, porque para ele HoRmeiMCR - Procurarei explicar. Do ponto
Deus é o "inominável", porque Deus não se de vista do positivismo não é possível deduzir
deixa representar sequer por uma palavra. nenhuma política moral. 5 ® olharmos as coisas
G umnior - M as essa relutância em repre do ponto de vista estritamente científico, o ódio,
sentar Deus remonta ao mandamento divino, apesar de todas as diferenças de função social,
que, segundo a Bíblia, foi dado a M oisés s o não é pior do que o amor. Não há nenhuma
bre o monte 5 inai: não faças para ti nenhuma motivação lógica premente, se para mim não
imagem de Deus. há nenhuma vantagem na vida social.
Horkhqmcr - Naturalmente. Mas não nos G umnior - O positivismo pode, portanto,
devemos perguntar o porquê desse mandamen se bem entendi, dizer como no sentido de Geor-
to? Nenhuma outro religião, fora do hebraísmo, ge Orujell: a guerra é boa ou má como a paz:
conhece essa prescrição. Cu creio que este man a liberdade é boa ou má como a escravidão e
damento existe, porque no hebraísmo aquilo que a opressão.
importa não é como Deus é, mas como o homem é. Horkhcimcr - Cxatamente. Com efeito,
Penso na correspondência entre Paul como é possível fundar exatamente que não
Claudel e André Gide, na qual Claudel procura devo odiar, quando isso me deixa cômodo?
O itã V ã parte - O m a rx is m o d e p o i s d e yW n 'X e a < £ sc o l a d e F r a n k fu r t
------------------------------------------------
O positivismo nõo ©ncontra nenhuma instância
que transcenda o homem, qu© ponha uma fatos. €stá "paralisado p elo medo do verda
clara distinção entre prontidão em socorrer e de". € sobre a autodestruição do Iluminismo
anseio por lucro, entre bondade e crueldade, que Horkheimer e fldorno dirigem sua aten
entre cupidez e doação de si. Também a lógica ção. "Não temos a mínima dúvida [...] de que
permanece muda; ela não reconhece nenhum a liberdade na sociedade é inseparável do
primado para a atitude moral. Todas as tentati pensamento iluminista. M as consideramos
vas de fundação da moral sobre uma sabedoria ter compreendido, com igual clareza, que
deste mundo em vez de sobre a referência a o próprio conceito deste pensamento, não
um além - mesmo Kant nem sempre contradisse menos que as formas históricas concretas,
esta inclinação - repousam sobre ilusões de das instituições sociais às quais está e s
concordâncias impossíveis. Tudo aquilo que tem treitamente ligado, implicam já o germe da
relação estreita com a moral, remete em última regressão que hoje se verifica em todo lugor.
análise à teologia. Toda moral, pelo menos nos Se o Iluminismo não acolhe em si a consciên
países ocidentais, funda-se sobre a teologia, cia deste momento regressivo ele assina
com boa paz de todos os esforços para tomar sua própria condenação", fl realidade, com
as devidas distâncias em relação à teologia. efeito, é que "o aumento da produtividade
G umnior - Rindo a mesmo pergunto, s e econômica, que gera, de um lado, as condi
nhor Horkheimer: o que significo aqui teologia? ções de um mundo mais justo, propicia, do
Horkhqmsr - De nenhum modo aqui teolo outro lado, para o aparoto técnico e para
gia significa ciência do divino ou, talvez, ciência os grupos sociais que dele dispõem, uma
de Deus. imensa superioridade sobre o resto da p o
Teologia significa aqui a consciência de pulação. O indivíduo, diante das potências
que o mundo é fenômeno, que não é a verdade econômicqs, é reduzido a zero". €is, entõo,,
absoluta, a qual apenas é a realidade última. A que é urgente reafirmar a idéia de que ‘Pioje
teologia é - devo me exprimir com muita cautela se trata de conservar, estender, desdobrara
- a esperança de que, apesar dessa injustiça liberdade, em vez de acelerar, mesmo que
que caracteriza o mundo, não possa ocorrer que medianamente, a corrida para o mundo da
a injustiça possa ser a última palavra. organização".
G umnior - Teologia como expressão de
uma esperança?
Horkhcimcr - €u preferiria dizer: expressão Que a fábrica higiênica e tudo aquilo que
de uma nostalgia; de uma nostalgia, segundo a a ela se liga, utilidades e palácio do esporte,
qual o assassino nõo possa triunfar sobre sua liquidem obtusamente a metafísica, seria ainda
vítima inocente. indiferente; mas que eles, na totalidade social,
M. Horkheimer, se tornem por sua vez metafísica, uma cortina
fí nostalgia do totalm ente Outro. ideológica por trás da qual se adensa a des
graça real, isso não é indiferente, é daqui que
se movem nossos fragmentos. [...]
A condenação da superstição sempre
significou, junto com o processo do domínio,
também o desmascaramento do mesmo. O
H o r k h e im e r - A d o r n o Iluminismo é mais que Iluminismo; natureza que
se faz ouvir em seu estranhamento.
Mas reconhecer o domínio, até dentro do
pensamento, como natureza não-conciliada,
poderia deslocar tal necessidade, de que o
3 é necessário frear próprio socialismo admitiu demasiadamente
depressa a eternidade, em homenagem ao
o corrido poro o mundo common sen se reacionário. €levando a ne
da organização cessidade como "base" para todos os tempos
futuros, e degradando o espírito - conforme
o modo idealista - como vértice supremo, ele
"O Iluminismo volta a converter-se em conservou demasiado rigidamente a herança da
mitologia": o Iluminismo s e transformou em filosofia burguesa. Assim, a relação da necessi
pensam ento especializado, resolve-se na dade para com o reino da liberdade continuaria
economia d e mercado, é uma rendição aos puramente quantitativa, mecânica, e a natureza,
posta de fato como estranha, como na primeira
487
Capítulo vigésimo sexto - A focola d e F rank furt
mitologia, tornar-se-ia totalitária 0 acabaria por prio domínio. Cm cuja dissolução pode, portanto,
absorver a liberdade junto com o socialismo. ultrapassar o saber, em que indubitavelmente
Renunciando ao pensamento, qu0 so vinga, consistia, conforme Bacon, a "superioridade do
©m sua forma coisificada - como matemática, homem". Todavia, diante desta impossibilidade,
máquina, organização - do homem esquecido o Huminismo, a serviço do presente, transforma-
dele, o Huminismo renunciou à sua própria rea se no engano total das massas.
lização. Disciplinando tudo aquilo que é indivi M. Horkheimer - Th.LU. fidorno,
dual, ele deixou não compreendida a liberdade Dialética do Huminismo.
de se retorcer - a partir do domínio sobre as
coisas - sobre o ser 0 sobre a consciência dos
homens. Mas a práxis qu© inverte depende da
intransigência da teoria para a inconsciência
com que a sociedade deixa o pensamento se
endurecer. O que torna difícil a realização não M arcuse
são seus pressupostos mat0riais, a técnica
desencadeada como tal. Csta é a tese dos so
ciólogos, que procuram agora um novo antídoto,
talvez de marca coletivista, para d0scobrir o
antídoto. Responsável é um complexo social de Q Para "outra"
cegueira. O mítico respeito científico dos povos
pelo dado que eles produzem continuamente e "mais humana” sociedade
acaba por se tornar, por sua vez, um dado
de fato, a fortaleza diante da qual também a Fi alternativa "é uma so cieda de sem
fantasia revolucionária so envergonha de si guerra, sem desfrute, sem opressão, sem
mesma como utopismo e degenera em passiva pobreza e sem desperdícios".
crença na tendência objetiva da história. Como
órgão desta adaptação, como pura construção
de meios, o Huminismo é tão destrutivo como Cntrcvistrdor - Ç u al é então o modelo
afirmam seus inimigos românticos. Cie chega a alternativo de sociedade?
si próprio apenas denunciando o último acordo MfiRcuse - fl questão da alternativa sempre
com eles e ousando abolir o falso absoluto, me pareceu e até agora me parece bastante
o princípio do domínio cego. O espírito desta fácil. Aquilo que os jov0ns hoje querem é uma
teoria intransigente poderia inverter, justamente sociedade sem guerra, sem desfrute, sem
para seu objetivo, o inexorável do progresso. opressão, sem pobreza e sem desperdícios,
Seu arauto, Bacon, sonhou mil coisas "que os fl sociedade industrial avançada possui atual
reis com todos os seus tesouros não podem mente os recursos técnicos, científicos e naturais
adquirir, sobre as quais sua autoridade não que são necessários para satisfazer e pôr na
comanda, das quais seus emissários e informan realidade tais aspirações. O que impede tal
tes não dão notícias". Conforme augurava, elas libertação são simptesrronte o sistema existente
cabem aos burgueses, aos herdeiros iluminados e os interesses que operam sem cessar em de
dos reis. Multiplicando a violência por meio da fesa dele, empregando para tal objetivo meios
mediação do mercado, a economia burguesa sempre mais poderosos. Parece-me, assim,
multiplicou também seus próprios bens e suas que o modelo alternativo não seja demasiado
próprias forças a ponto de não haver mais difícil de se determinar. Quanto à sua fisiono
necessidade, para administrá-los, não só dos mia concreta, é outra questão. Mas creio que
reis, mas sequer dos burgueses: simplesmente sobre a base de uma eliminação da pobreza e
de todos. Cies aprendem, finalmente, a partir do desperdício de recursos se possa encontrar
do poder das coisas, a passar sem o poder. O umo forma de vida em que os homens consigam
Huminismo se realiza 0 se tolhe quando os obje determinar sua própria existência.
tivos práticos mais próximos revelam-se como a Cntrcvistroor - € qual é o caminho para
distância alcançada, e as terras "de quem seus chegar a tal sociedade?
emissários e informantes não dão notícias", isto M arcusc - O caminho para chegar a isso é
é, a natureza desprezada da ciência patronal, naturalmente alguma coisa que se pode concre
são recordadas como as da origem. Hoje que tizar apenas no processo da luta necessária para
a utopia de Bacon - “comandar a natureza por trazer tal sociedade ao ser. Devemos, porém,
meio da práxis" - se realizou em escala telúrica, logo precisar umo coisa: tal caminho será bas
torna-se óbvia a essência da obrigação que ele tante diferente nos diversos países, conforme
imputava à natureza não dominada. Cra o pró seu grau de desenvolvimento, da evolução de
O itã V ã pãTtS - O m a r x is m o d e p o i s d e ;V \ai'x e a Ê s c o l a d e F r a n k fu r t
suas forças produtivas, d® sua consciência, do poderes externos, sobre os quais o indivíduo
suas tradições políticas etc. Gostaria, em todo não tem nenhum controle,- o desenvolvimento
caso, de limitar minhas indicações aos £stados e a satisfação deles têm caráter heterônomo.
Unidos, porque é o país que melhor conheço. Não importa em qu© medida tais necessidades
[... ] €xiste, obviamente, o problema do sujeito da possam ter-se tornado as próprias do indivíduo,
transformação, isto é, a pergunta: quem é o sujei reproduzidas 0 reforçadas pelas suas condições
to revolucionário? Para mim este é um problema de existência; não importa até que ponto ele se
sem sentido, pois o sujeito revolucionário pode identifica com elas, 0 se encontra no ato de sa
se desenvolver apenas no próprio processo da tisfazê-las. Gas continuam a ser aquilo que eram
transformação. Não é algo preexistente e que desde o início, os produtos de uma sociedade
se deva apenas rastrear neste e naquele lugar. cujos interesses dominantes pedem formas de
H. repressão. [...] A cultura industrial avançada é,
Marcuse,
Revolução ou reformas? em sentido específico, mois ideológica do que a
precedente, enquanto no presente a ideologia
é inserida no próprio processo de produção. De
forma provocatória, esta proposição revela os
fi categoria aspectos políticos da racionalidade tecnológica
que hoje predomina. O aparato produtivo, os
dos "folsos necessidades" bens e os serviços que ele produz, "vendem"
ou impõem o sistema social como um todo.
Rs folsos necessidades são "os produtos Os meios de transporte e de comunicação de
de uma sociedade cujos interesses dominan massa, as mercadorias que se usam para ha
tes requerem formas de expressão". bitar, alimentar-se ©vestir-se, o fluxo irresistível
da indústria do divertimento e da informação,
trazem consigo atitudes e hábitos prescritos,
é possível distinguir entre necessidades determinadas reações intelectuais e emotivas
verdadeiras 0 necessidades falsas, As neces que ligam os consumidores, mais ou menos
sidades "falsas" são as que se impõem sobre agradavelmente, aos produtores, e, por meio
o indivíduo por parte de interesses sociais destes, ao conjunto. Os produtos doutrinam e
particulares que premem sua repressão: são as manipulam, promovem uma falsa consciência
necessidades que perpetuam a fadiga, a agres que é imun© pela própria falsidade. € à medi
sividade, a miséria e a injustiça. Pode ser que o da que estes produtos benéficos são postos
indivíduo encontre extremo prazer em satisfazê- ao alcance de um número de classes sociais,
las, mas essa felicidade não é uma condição a doutrinação de qu© são veículo deixa de
que deva ser conservada 0 protegida, caso sirva ser publicidade: torna-se um modo de viver,
para frear o desenvolvimento da capacidade é um bom modo de viver - bastante melhor
(sua e de outros) de reconhecer a doença do do que um tempo -, © como tal milita contra a
conjunto 0 d© agarrar as possibilidades que se mudança qualitativa. Por tal caminho ©mergem
oferecem para curá-la. O resultado é, portanto, formas de pensamento e de comportamento
uma euforia no meio da infelicidade. A maior em umo dimensão ©m qu© idéias, aspirações
parte das necessidades que hoje prevalecem, © objetivos que transcendem, como conteúdo,
a necessidade de se relaxar, de se divertir, de o universo constituído do discurso e da ação
se comportar e.de consumir de acordo com os são rejeitados ou reduzidos aos termos de tal
anúncios publicitários, de amar e de odiar aquilo universo. €les são definidos de modo novo por
que outros amam 0 odeiam, pertencem a esta obra da racionalidade do sistema em ato e de
categoria de falsas necessidades. sua extensão quantitativa.
Tais necessidades têm um conteúdo e H. Marcuse,
uma função sociais que são determinados por O homem de uma dimensão.
B i b l i o g r a f i a d o v o lu m e vr
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