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EM

C O N T R I B U I Ç Õ E Szyxwvutsrqponml
ANTROPOLOGIA
HISTÓRIA
SOCIOLOGIA 1

AN TR O P O LO GI A S OCI AL
D A R E LI G I Ã O
E. E . Evan s -Pritch ard zyxwv

I E D I TOR A CAM P U S LTD A.


uma casa da Elsevier/North - Holland
Rio do Jandira 1978
Publicado originalmente om
inglês sob o titulo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T he oríe s of P rimitive R eligion
© Oxford Universily Press, 1965.

(6) 1978, Editora Campus Ltda.

Todos os direitos para


a língua portuguesa reservados.
Nenhuma parte deste livro
poderá ser reproduzida ou transmitida
sejam quais forem os meios empregados, ÍNDICE
eletrônicos, mecânicos, fotográficos,
gravação o u quaisquer outros,
sem a permissão per escrito da editora. Prefácio à Edição em inglês, 9

Introdução, 11
Projeto Gráfico
Ana Luisa Escorei Teorias Psicológicas, 35

Teorias Sociológicas, 71
Editora Campus Ltda.
Rua Japeri 35 Rio Comprido Lévy-Bruhl, 111
Tel 284 8443
Conclusão, 139
20000 Rio de Janeiro RJ Brasil
Bibliografia, 169

Ficha Catalográflca Indico Remissivo, 181


(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)

Evans-Pritchard, E. E.
E93a Antropologia social da religlfio; traduçfio / do/ Jorge Wan-
derley. Rio de Janeiro, Campus, 1978.
(Contribuições em Antropologia, História e Sociologia)

Do originei em Inglôs: Theorles of primitive religion


Bibliografia

1. Homem (Teologln) I. Título II. Sôrle

CDD — 200.1
78-0074 CDU — 21
PREFACIO À EDIÇÃO EM INGLÊS zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb
Quatro dessas CONFERÊNCIAS SIR D. OWEN EVANS
foram proferidas no Colégio Universitário de Wales, A b e -
rystwyth, na primavera de 1962. Elas estão aqui apresenta-
das praticamente tal c o m o foram escritas para a referida
ocasião, muito e m b o r a alguns parágrafos não tenham então
sido lidos, uma vez que, se eu assim o fizesse, ultrapassaria
o tempo que me havia sido concedido. A conferência que
aqui aparece c o m o a de n.° IV foi escrita na mesma é p o c a ,
mas como me haviam pedido apenas quatro conferências,
não foi ela incluída, na ocasião, entre as demais.
Deve o leitor levar em consideração que estes textos
foram programados para a audição e não para a leitura; e
também que foram lidos para uma audiência altamente e d u -
cada em antropologia, embora incluindo também não-espe-
cialistas. Estivesse eu falando para colegas de profissão ou
mesmo para estudantes de antropologia, e certamente toría,
algumas vezes, utilizado linguagem algo diversa, embora
de significado idêntico.
Em meus comentários referentes a Tylor, Frazer, Lévy-
Druhl e Pareto, baseei-me maciçamente em artigos publl-

9
cados muitos anos atrás no BULLETIN OF THE FACULTY
OF ARTS da Universidade Egípcia (Cairo), na qual ocupei
por algum tempo a cátedra de Sociologia; são artigos que
circularam desde então até a g o r a em Departamentos de
Antropol ogi a Social em versões mimeografadas e cujas par-
tes principais aqui vão expostas.
Por conselhos e críticas formulados, devo agradecer ao
Dr. R. G. Lienhardt, e aos Drs. J . H. M. Beattie, R. Needham,
B. R. Wilson e M. D, McLeod.
E E. E.-P. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

INTRODUÇÃO
Estas conferências examinam o modo pelo qual vários
escritores que podem ser considerados antropólogos — o u ,
pelo menos, como escrevendo dentro do campo antropoló-
g i c o — tentaram compreender e interpretar as crenças e
práticas religiosas de povos primitivos. Devo esclarecer
desde o início que estarei lidando basicamente apenas com
teorias acerca das religiões de povos primitivos. Discussões
mais gerais sobre religião, quando fora destes limites, são
periféricas ao meu tema. A s s i m , procurarei me manter na-
queles que podem ser geralmente considerados como tex-
tos antropológicos, e, em sua maioria, de escritores ingleses.
Pode-se notar que nosso interesse aqui se concentra menos
em religiões primitivas, do que nas várias teorias formuladas
c o m a intenção de explicá-las.
So alguém perguntasse qual o interesse que as religiões
dos povos mais simples poderia ter para nós, eu responderia
em primeiro lugar que alguns dos mais importantes filósofos
políticos, sociais e morais, desde Hobbes, Locke e Rousseau
até Herbert Spencer, Durkheim e Bergson julgaram os dados
da vida primitiva c o m o sendo dotados de grande signifi-

10 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 11
cação para a compreensão d a vi da social em geral; e assi- batalhando contra as mesmas forças — complacentemente
nalaria, ainda mais, que os principais responsáveis pelas entrincheiradas — para conseguir o reconhecimento das lín-
modificações do pensamento em nossa civilização durante guas e religiões da fndia e da China como importantes para
o último século, os grandes "fazedores de mitos" que foram a compreensão da linguagem e da religião em g e r a l ; uma
Darwin, Marx-Engels, Freud e Frazer (talvez eu devesse in- luta q u e , é verdade, ainda ostá por ser vencida (aondo estão
cluir Comte), todos mostraram intenso interesse pelos povos os departamentos de linguística e religião comparadas des-
primitivos e usaram o quo se conhecia a seu respeito para te país?), mas na qual j á se fez algum avanço. Gostaria mes-
nos convoncer do que — embora muito do q u e recebia mo de dizer mais: q u e para compreender plenamente a
crédito e estimulo no passado não mais pudesse recebê-los natureza da religião revelada, temos que compreender a
hoje — nem tudo estava perdi do; considerada com o devido natureza das chamadas religiões naturais, uma vez que
distanciamento, a luta valeu a pena. nada poderi a ser revelado acerca de qualquer coisa, sezyxwvutsr
o
Em segundo lugar, eu responderia que as religiões pri - homem não estivesse já dotado de uma idéla acerca da
mitivas são espécies do género Religião e todo aquele que coisa mesma. Ou então, talvez devamos dizer, a dicotomia
tiver qualquer interesse pela religião deve compreender que entre religião natural e religião revelada é falsa e suscita
um estudo das ideias e práticas religiosas dos povos p r i - obscuridade, pois há um sentido dentro do qual se pode
mitivos, que são muito variadas podem ajudar-nos a chegar dizer que todas as religiões são religiões de revelação: o
a certas conclusões acerca da religião em geral, e por mundo que as circunda e sua razão em toda parto revela-
extensão, acerca das religiões ditas mais elevadas, ou das ram aos homens algo divino e algo de sua própri a natureza
religiões históricas ou positivas, ou das religiões de reve- 9 seu própri o destino. Poderíamos pensar nas palavras de
lação, incluindo a nossa própria. Contrariamente a essas Santo Agosti nho: " O que agora se chama de religião cristã
religiões mais elevadas, q u e são geneticamente relacionadas existiu entre os antigos, e não estava ausente do alvorecer
entre si (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, ou Hinduísmo, da raça humana, até que o Cristo veio em carne: e a partir
Budismo e Jainismo), as religiões primitivas em partes do de então a verdadeira religião, que já existia, passou a ser
1

mundo isoladas e amplamente apartadas entre s i , di fi ci l - chamada de c r i s t ã . "


mente poderão ser outra coisa senão desenvolvimentos i n - Não hesito, ademais, em dizer que embora os estudiosos
dependentes, sem relações históricas entre elas, de modo das religiões mais altas olhem de cima dos seus pedestais,
que fornecem valiosíssimos dados para uma análise c o m - com desprezo, para nós outros antropólogos e nossas re-
parativa que vise a determinação dos caracteres essenciais ligiões primitivas — nós não dispomos de textos — fomos
do fenómeno religioso e que pretenda efetivar afirmações nós, mais q u e ninguém, os que reunimos o vasto material
gerais, válidas e significativas a este respeito. de cujo estudo nasceu a ciência da religião comparada,
Estou evidentemente ciente de que teólogos, historia- apesar de algo inseguramente; mais ainda, por mais ina-
dores clássicos, hebralstas e outros estudiosos da religião dequadas que possam parecer as teorias baseadas nestes
frequentemente ignoram as religiões primitivas, julgando-as
de pequena i mportânci a; mas me consolo com o pensa-
1 August. Retr.l 13. Citado por F. M. Muller, SELECTED ESSAYS ON
mento de que menos de cem anos atrás Max Muller estava LANGUAGE, MYTHOLOGY AND REUGION, 188 1,1.5.

12 13
dados, poderiam servir e algumas vezes têm servido a estu- palmente porque enfrentaram, eles mesmos, em seu tempo,
diosos indo-europeus e a especialistas em estudos clássicos uma crise; e escreveram muitos livros a respeito. A s s i m ,
e semíticos, assim como a egiptologistas, na interpretação se me fosse necessário referir todos os autores desses
de textos de suas áreas de estudo. Aqui revisaremos, no períodos, as conferências deste livro não passariam de um
curso destas conferências, algumas dessas teorias, de for- recitativo de títulos e nomes. Preferi, portanto, selecionar
ma que devo me referir ao impacto que causaram sobre os autores mais influentes ou típicos de uma ou outra d e -
muitas disciplinas especializadas o s escritos de Tylor e terminada forma de análise dos fatos e discutir suas teorias
Frazer na Inglaterra, e de Durkheim, Hubert e Mauss, e como representativas de variantes do pensamento antro-
Lévy-Bruhl, na França. Podemos não achá-los aceitáveis pológico. Os detalhes que se perderem por esta escol ha
hoje, mas,-em seu tempo, eles desempenharam importante metodológica se compensam pelo que ganharmos em
papel na história do pensamento. Não é fácil definir o que clareza.
deveremos entender por religião a fim de alcançar o pro- As teorias da religião primitiva podem ser adequada-
pósito a que se destinam ostas conferências. Fosse con- mente consideradas s o b a designação de psicológicas e
veniente enfatizar crenças e práticas e seríamos forçados sociológicas; sendo as psicológicas subdivididas (e aqui
a admitir inicialmente a definição mínima de religião de Sir estou empregando os termos de Wilhelm Schmidt) em i n -
Edward Tylor (embora haja al algumas dificuldades), como telectualistas e emoclonalistas. Esta classificação, que,
sendo a crença em seres espirituais, mas desde que d e - ademais, se coaduna grosseiramente c o m o suceder his-
veremos enfatizar basicamente as teorias das religiões pri - tórico, servirá aos seus propósitos expositivos, embora a l -
mitivas, não me sinto suficientemente livre para escolher guns autores se situem entre as categorias mencionadas ou
uma definição em lugar de outra qualquer, pois que tenho se enquadrem em mais de uma delas.
que discutir cortas hipóteses que ultrapassam os limites da Meu tratamento em relação a estes casos pode parecer
definição de Tylor. Algumas delas incluirão, sob o rótulo de muito severo ou negativista. Mas creio que encontrarei ate-
religião, tópicos tais como magia, totemismo, tabu e mesmo nuantes no fato de que frequentemente se vê como são
bruxari a; ou seja, praticamente tudo o que integra a ex- inadequadas e mesmo ridículas muitas das interpretações
pressão "mentalidade p r i m i t i v a " , ou o que, para o erudito escritas a respeito do fenómeno religioso. Os leigos podem
europeu, parece irracional ou supersticioso. Farei forçosa- não estar alertados para o fato de que muito do q u e se
mente muitas referências à magia, uma vez que muitos escreveu no passado — e às vezes com muita segurança —
autores merecedores de crédito não fazem qualquer dife- e que ainda hoje circula por escolas e universidades a res-
rença entre magia e religião e falam de elementos mágico- peito de animismo, totemismo, magia, e t c , revelou-se com
(

religiosos, ou as consideram geneticamente relacionadas o tempo, erróneo, o u , pelo menos, duvidoso. Assim, tenho
num desenvolvimento evolutivo; outros ainda, embora dis- o dever de ser crítico, antes de construtivo, para mostrar
tingam uma coisa da outra, encontram, para ambas, ex- por que teorias aceitas durante algum tempo são hoje
plicações semelhantes. indefensáveis e têm ou tiveram de ser rejeitadas no todo
Os estudiosos vitorianos e eduardianos interessaram-se ou em parte. Se eu puder persuadir o leitor de que muito
profundamente pelas religiões dos povos simples, p r i n c i - é ainda incerto e muito ainda obscuro, meu trabalho não

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terá sido vão. Nem terá, o leitor, ilusões de que somos por- pois acredito que não há no livro nenhuma afirmativa geral
tadores de respostas definitivas para as questões levantadas. ou teórica que se possa defender hoje plenamente. Ele é
Efetivamente, num olhar retrospectivo é às vezes difícil uma coletânea de reconstruções absurdas, hipóteses e con-
entender de que maneira algumas das teorias que preten- jecturas insustentáveis, especulações incultas, suposições
deram estudar as crenças dos homens primitivos e o de- e analogias inadequadas, incompreensões e, especialmente
senvolvimento da religião chegaram a ser propostas. O es- no que o autor escreveu sobre o totemismo, é simplesmente
panto não depende apenas do fato de que agora, à luz puro disparate.
da pesquisa moderna, muito se conhece que não podi a ser Na ovontualidade de algumas teorias que apresentarei
conheci do pelos autores de então. Isto é inegável; mas nas conferências parecerem excessivamente simplórias, eu
mesmo a respeito dos fatos que ostavam à mão desses pediria que se recordassem de alguns fatos. A antropologia
autores, ó espantoso que tanto se tenha escrito na direção
estava ainda em sua infância, na época — e dificilmente
oposta à do b o m senso. E esses autores eram eruditos de
poderíamos dizer que já se encontre em idade adulta, hoje.
grande conhecimento e habilidade. Para compreender o
Até muito recentemente ela tem sido o afortunado campo
que agora nos parece terem sido interpretações falsas, te-
de caça de beletristas, e tem sido especulativa e filosófica,
ríamos que escrever um tratado a respeito do clima de
na mais antiquada das maneiras, Se se pode dizer que a
pensamento daquele tempo, das circunstâncias intelectuais
psicologia começa a dar os primeiros passos no sentido
que limitaram os raciocínios dos autores: uma curiosa mistura
de uma autonomia científica por volta de 1860, mesmo sem
de positivismo, evolucionismo, e alguns remanescentes de
se livrar de suas peias filosóficas senão quarenta ou cin-
uma religiosidade sentimental. Estaremos revisando algumas
quenta anos depois, a antropologia soci al , por seu turno,
dessas teorias nas conferências, mas eu gostaria já aqui
e agora de recomendar como um " l o c u s cl assi cus" a IN- que deu seus primeiros passos à mesma é p o c a , só bem
TRODUÇÃO À HISTÓRIA DA RELIGIÃO, de F. B. Jevons mais recentemente vem se libertando de estorvos seme-
que foi por muito tempo famosa e muito lida e difundida; à lhantes.
época, em 1896, Jevons era professor de Filosofia da Uni- Um fato notável a registrar é o de que nenhum dos an-
versidade do Durham. Para ele a Religião era um desen- tropólogos cujas teorias sobre as religiões primitivas exer-
volvimento evolutivo uniforme do totemismo — sendo o ani- ceram grande influência, tenha jamais estado entre um povo
mismo " u m a teoria filosófica primitiva, muito mais do que primitivo. É como se um químico julgasse desnecessário
1
uma forma de crença r e l i g i o s a " — que evoluiria para o entrar em um laboratório. Assim, os antropólogos deviam
politeísmo e o monoteísmo. Mas não pretendo di scuti r ou se basear em informações que lhes eram fornecidas por
dissecar suas teorias. Apenas menciono o livro c o m o o me- exploradores europeus, missionários, administradores e ne-
lhor exemplo q u e conheço para demonstrar como as teorias gociantes. É evidente que tais dados são altamente sus-
sobre as religiões primitivas p o d e m se revelar erróneas — zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
peitos. Não d i g o que fossem todos fabricados, embora
alguns realmente o fossem; e mesmo alguns viajantes f a -
mosos tais como Livingstone, Schweinfurth e Palgrave co-
1 F. B. Jevons, AN INTRODUCTION TO THE HISTORY OF RELIGION,
1896, p. 208. metiam grosseiros descuidos.

16 17
Muitos desses dados, portanto, foram falsos, a maioria provas desde então disponíveis, que isto não podia ser
1
não merecia crédito e, pelos modernos padrões da pesquisa verdade . As afirmações referentes às crenças religiosas
profissional podem também ser julgados como casuais, s u - de um povo devem sempre ser tratadas com grande cautela,
perficiais, som visão perspectiva e distanciados do contexto porque nestes casos estamos sempre tratando c o m o que
real. Até certo ponto, tais criticas se aplicam mesmo aos nem europeus nem nativos podem observar " d i r e t a m e n t e " ,
primeiros antropólogos profissionais. A este respeito, afirmo ou soja, com concepções, imagens mentais, palavras, que,
que as primeiras descrições das ideias dos povos simples todas, requerem, para o entondimonto, um amplo conhe-
e suas interpretações não podem ser consideradas tais como cimento da linguagem deste povo e também boa percepção
se apresentam, nem devem ser aceitas sem um exame cri- de todo o sistema de ideias de quo qualquer c r e n ç a par-
tico de suas fontes e sem o concurso de fortes evidências ticipa, pois esta pode se tornar sem sentido desde que
corroborativas. divorciada do conjunto de crenças e práticas ao qual per-
Qualquer pessoa que tenha realizado pesquisas entre tence. Multo raramente alguns daqueles observadores es-
povos primitivos anteriormente visitados por exploradores tavam dotados de uma mente com hábitos científicos. É
e outros, pode testemunhar que os dados fornecidos por verdade que alguns missionários eram homens bem edu-
estes são frequentemente incertos, não merecedores de cados e chegaram a falar a língua nativa com fluência, mas
confiança mesmo a respeito d e matérias que podem ser falar fluentemente uma língua ó bem diferente de compre-
avaliadas pela simples observação, sendo a insegurança endê-la; c o m o frequentemente observei ouvindo conversas
mais grave em assuntos tais como as cronças religiosas,
entre europeus e africanos e árabes. É que aí existe uma
nos quais a simples observação de nada servo; aqui , as
nova causa de incompreensão. Os nativos e os missionários
afirmativas podem ser flagrantemente falsas. Eis um exem-
poderão estar usando as mesmas palavras, mas as cono-
plo de uma região com a qual estou particularmente fami-
tações são diferentes, carregam diferentes cargas de sen-
liarizado; diante de recentes trabalhos o extensas mono-
tido. Para alguém que não tenha estudado intensamente
grafias acerca das religiões dos Nilotas do Norte, fi ca es-
as Instituições nativas e também hábitos e costumes do
tranhíssimo ler o que o famoso explorador Sir Samuel
próprio meio nativo (isto é, coisa bem diferente dos postos
Baker escreveu sobre elas, em uma comunicação à Socie-
de comércio, aldeiamentos missionários e postos adminis-
dade Etnológica de Londres em 1866: "Sem qualquer ex-
trativos), no máximo se pode esperar q u e surja um dialeto
ceção, eles não têm qualquer c r e n ç a em um Ser Supremo,
nem demonstram qualquer forma de culto ou idolatria. Tam- mascavado no qual seja apenas possível o comunicar-se
pouco ó a obscuridade de suas mentes iluminada por se- acerca de experiências comuns e interesses comuns. T o -
quer um raio de superstição. Seu espirito ó tão estagnado memos como exemplo uma palavra nativa correspondente
como o charco que compõe o seu mesquinho m u n d o " . 1
à nossa palavra " D e u s " . O significado da palavra para o
falante nativo pode ter apenas uma coincidência m ín i m a
Já em 1871, Sir Edward Tylor pôde mostrar, a partir das zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com o significado existente na língua do missionário, e num

1 S. W. Baker, THE RACES OF THE NILE BASIN, Transactions


of the Ethnologlcal Soclety of London. N. S. V 1867, 231. 1 E. D. Tylor, PRIMITIVE CULTURE, Torcoira odiçSo, 1891, 1.423-4.

18 19
contexto muito restrito. O falecido professor Hocart cita fatos misteriosos e ocultos, os observadores tendiam a pin-
um exemplo de tais desencontros, do Fiji: — quando o mis- tar um quadro em que o místico (no sentido que Lóvy-Bruhl
sionário fala de Deus como " n d i n a " , ele quer dizer que dá à palavra), ganhava na tela uma porção muito maior
todos os outros deuses são inexistentes. O nativo compre- do q u e ocupava na vida real dos povos primitivos; de modo
ende que aquele é o único Deus ofetivo, o único em que que o empírico, o cornum, o senso c o m u m e o mundo da
se podo crer; os demais deuses seriam eventualmente p o - faina diária pareciam ter apenas uma importância secun-
sitivos, porém não merecedores de confiança absoluta ou diária — e os nativos apareciam como infantis, obviamente
conti nua. Este é apenas um exemplo de como o professor carentes de uma administração paternal e de zelo missio-
pode querer dizer uma coisa e o aluno compreender outra. nário, especialmente se houvesse um toque de obscenidade
Em geral, os dois participantes permanecem candidamente em seus rituais.
ignorantes do equivoco. Não há remédio para isto, a não ser Assim, os eruditos partiam para o trabalho com base em
que o missionário adquira um amplo conhecimento dos informações que lhes eram fornecidas ao acaso e provindas
1
costumes nativos e de suas crenças . de todas as partes do mundo, e organizavam-nas em livros
Al ém do mais, as informações utilizadas pelos eruditos com títulos tão pitorescos como O RAMO DOURADO e A
para Ilustrar suas teorias não somente eram altamente ina- ROSA MÍSTICA. Estes livros apresentavam uma imagem
dequadas, mas também — e isto é o que mais diz respeito composta ou caricatural da mente primitiva: supersticiosa,
ao assunto destas conferências — eram altamente seletivas. infantil, incapaz de pensar críti ca ou consistentemente.
O que os viajantes gostavam de deitar no papel era o que Exemplos deste processo, deste uso promíscuo de dados
mais impacto lhes causava enquanto curi oso, rude e sen- podem sor encontrados em qualquer escritor da é p o c a .
sacional. Magias, ritos religiosos bárbaros, crenças supers- Assim,
ticiosas sempre tinham prioridade sobre as rotinas diárias "Os amaxosa bebem a bílis de um boi para se tornarem
empíricas e enfadonhas que compreendem nove décimos ferozes.
da vi da do homem primitivo e são seu principal interesse
Os famosos Mantuana bebiam a bílis de trinta chefes,
e sua principal ocupação: sua caça e pesca, a coleta de
na c r e n ç a de que isto os faria fortes. Muitos povos, como
raízes e frutos, sua agricultura e seu rebanho, construções,
os Yoruba, por exomplo, acreditam que " o sangue ó a v i d a " .
fabricação de instrumentos e armas e, em geral, suas ocu-
Os Nova-caledonianos comem os inimigos mortos para ad-
pações com os afazeres diários, domésticos e públicos.
quirir coragem e força. A carne de um inimigo morto ó c o -
Nada disso ganhava o espaço que mereci a, em tempo e
mida em Timorlaut para curar a impotência. O povo de
importância, na vida daqueles cujo modo de vida estava
Halmahera bebe o sangue dos inimigos vencidos para se
sendo descrito. Em consequência, por dar excessiva impor-
tornarem bravos.
tância ao que consideravam como superstições curiosas, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Na Amboi na os guerreiros bebem o sangue dos inimigos
que venceram para lhes adquirir a coragem. O povo de
1 A. M. Hocart, MANA, Man. 1914. 46. Celebes o faz para ficar forte.

20 21
Os nativos de Dieri e tribos das vizinhanças comerão de " m é t o d o c o m p a r a t i v o " . O processo consiste, no que i n -
um homem e beberão seu sangue para ganharem sua f o r ç a ; teressa ao nosso assunto, na utilização de recortes acerca
a gordura ó friccionada nos doentes" . 1
de povos primitivos o de todas as partes do mundo, reu-
E assim por diante, volume após v o l u m e . . . Malinowski nindo-os de qualquer maneira, fosse como fosse, retirando
satirizou muito bem tais métodos, e a ele se deve a maior ainda mais os elementos de seus contextos reais, para
parte do mérito de haver tornado fora de moda (pelo ridículo aproveitar apenas o que se referisse ao estranho, sobrena-
e pelo exemplo), tanto o tipo de investigação que até então tural, místico, supersticioso — usemos quaisquer palavras —
se fazia entre povos simples, quanto o uso que os eruditos num mosaico monstruoso que pretendia retratar a mente
davam a esses mesmos inquéritos. Malinowski fala das do homem primitivo.
"longas litanias de afirmativas encadeadas que fazem com Assim, o h o m e m primitivo tinha que aparecer, especial-
que nós antropólogos pareçamos idiotas e o s selvagens mente nos primeiros livros de Lévy-Bruhl, como claramente
ri dícul os", tais como "Entre os Brobdignacianos (sic), q u a n - irracional (no sentido usual do termo), vivendo num mundo
do um homem encontra sua sogra os dois se agridem mu- misterioso de dúvidas e temores, com medo do sobrenatural
tuamente e cada um se retira com um olho r o x o " ; "Quando e lidando com ele incessantemente. Creio q u e qualquer
um Brodiag encontra um urso polar costuma fugir o às vozes antropólogo dos nossos dias considerará este quadro uma
o urso o persegue"; " N a antiga Caledônia quando um nativo distorção.
acidentalmente encontra uma garrafa de uísque pela es- Efetivamente, o " m é t o d o comparati vo" enquanto assim
trada, bebe tudo de um gole, após o que começa imediata- usado é um equívoco. Havia muito p o u c a comparação, se
2
mente a procurar outra g a r r a f a " . nos referimos a comparação analítica. Havia apenas um
conglomerado de itens que pareciam ter algo em c o m u m .
J á vimos q u e a seleção ao nível da observação pura
Podemos mesmo dizer que tal " m é t o d o " possibilitou aos
produzira uma distorção inicial. O método de compilação
autores a elaboração de classificações preliminares em q u e
com tesoura e cola-tudo, utilizado pelos eruditos em suas
inúmeras observações poderiam ser encaixadas, dentro do
poltronas domésticas levou a distorções adicionais. No
limitado número de rótulos, o que dava a tudo uma certa
conjunto, faltou-lhes qualquer sentido de crítica histórica,
impressão de o r d e m ; era o seu único valor. Mas este era
as regras que um historiador emprega quando avalia dados
na realidade um método ilustrativo e não comparativo;
documentais. Então, se uma falsa impressão era criada quase aquilo que os psicólogos chamam de " m é t o d o ane-
pelos observadores dos povos primitivos, pelo fato de atri- d ó t i c o " . Um grande número de exemplos era trazido em
buírem excessiva importância ao místico em suas vidas, feixe para ilustrar alguma ideia geral e para dar apoio às
logo passava a ser patrocinada pelo método do " á l b u m de teses do autor acerca de tal ideia. Não havia nenhuma ten-
recortes", este, por sua vez, dignificado pela designação zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tativa de por à prova as teorias a partir de exemplos não
selecionados. As mais elementares precauções eram negli-
1 A. E. Crawley, THE MYSTIC ROSE, 1927 (edição rovista o aumon- genciadas, enquanto vagas conjeturas se seguiam umas às
tada por Theodore Besterman), 1.134-5. outras (o recebendo a designação de hipóteses). As mais
2 B. Malinowski, CRIME AND CUST0M IN SAVAGE S0C1ETY, 1926, simples regras da lógica indutiva (métodos do concordân-
p. 126.

22 23
1

cia, diferença e variações concomitantes) eram ignorados. Spencer preservou um espírito aberto a este respeito mas
Assim, para dar um simples exemplo, se Deus é, como outros antropólogos, com a exceção de Andrew Lang e até
Freud o diria, uma projeção d a i m a g e m paterna idealizada um certo ponto Max Muller, eram, assim como os sociólo-
e sublimada, tornar-se-ia necessário mostrar que concep- gos, adeptos d a progressão. Não havendo evidências his-
ções de divindade variam com as diferentes posições quo tóricas para demonstrar quais as fases por que haviam
o c u p a a figura paterna n a família em diferentes tipos de passado as sociedades primitivas, acreditou-se que eram
sociedades. E mais, exemplos negativos, se levados em as mesmas do natureza ascendente o invariável. Tudo o
consideração (o que era raro) eram logo descartados como que se fazia necessário era encontrar um exemplo em a l -
sendo desenvolvimentos tardios, decadênci a, sobrevivência guma parte, pouco importava onde, e que correspondesse
ou qualquer outro capricho evolutivo. As primeiras teorias a um ou outro estágio do desenvolvimento lógico — o ontão
antropológicas, como se verá em minha próxima conferên- inseri-lo como ilustração; ou, como os cientistas pareciam
cia, não apenas procuravam explicações para as religiões considerá-los, tomá-los c o m o prova d a validade histórica
primitivas em fundamentes psicológicos, como também ten- deste ou daquele esquema de progressão unlllnoar. So eu
tavam colocá-los numa gradação evolutiva o u c o m o um estivesse me dirigindo a um auditório composto de antro-
estágio do desenvolvimento social. Uma cadeia de desen- pólogos, a simples alusão a estes métodos passados seria
volvimento lógico era assim construída dedutivamente.
considerada comparável a chicotear cavalos mortos,
Na ausência de registros históricos, não se poderia dizer Creio ainda que as dificuldades se viram aumentadas,
c o m certeza que em qualquer exemplo em particular o de- e a distorção resultante tornada ainda maior, pela cunha-
senvolvimento histórico correspondesse ao paradigma ló- gem de termos especiais na descrição de religiões primi-
gico — na realidade, a partir da metade do século passado tivas, o que dava a entender serem aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
m e n tc3 primitivas
ecl odi u uma verdadeira batalha entre aqueles que aceitam Ião diferentes da nossa que suas ideias não podiam ser
a teoria da progressão e aqueles que o p t a m pela teoria expressadas por nosso vocabulário e nossas categorias. A
da degradação, o s primeiros sustentando que as socieda-
religião primitiva era chamada de " a n i m i s m o " , "pré-anlmis-
des primitivas se encontravam em um estado de desenvol-
m o " , " f e t i c h i s m o " , e coisas q u e tais. Ocorreu também que
vimento inicial e retardado, embora progressivo, no caminho
alguns termos foram tomados de empréstimo das linguagens
da civilização; e os segundos, defendendo o ponto de vista
primitivas, como se nenhum equivalente pudesse ser en-
de que elas já haviam estado, em algum tempo anterior,
contrado na nossa. É o caso de termos tais como t a b u
em condição de mais alta civilização, da qual regrediram.
(da Polinésia), " m a n a " (da Molanósia), " t o t e m " (dos índios
O debate se concentrou especialmente na religião, tendo
da Améri ca do Norte) e " b a r a k a " (dos árabes da Á f r i c a
um partido afirmado que aquilo que eles consideravam fos-
do Norte). Não nego que as dificuldades semânticas da
sem elevadas Ideias teológicas encontradas entre alguns
tradução sejam grandes. Elas são bastante consideráveis
povos primitivos eram um primeiro lampejo de verdade,
q u e mais tarde levaria a coisas mais altas, enquanto que no caso, digamos, de traduções entre o francês e o i ngl ês;
o outro partido afirmava que tais crenças eram uma s o -
brevivência do estados anteriores mais civilizados. Herbert 1 II. Sponcor, TRE PR|NCIPLE$ OF SOCIOLOQY, 1882. 1.106.

24 25
mas quando alguma língua primitiva precisa ser traduzida Chamo a atenção para este obstáculo porque ele tem
alguma importância na compreensão das teorias da religião
para a nossa própria, as dificuldades se tornam enormes.
primitiva. Na verdade, pode-se encontrar na nossa lingua-
Esta, na realidade, é a maior dificuldade com que nos de-
gem alguma palavra ou frase c o m q u e traduzir um conceito
frontamos no assunto que agora discutimos, de modo que
nativo de outro povo. Podemos traduzir uma palavra como
me permitirei alongar um pouco mais este aspecto. Se 11
significando " d e u s " , ou " e s p ír i t o " , ou " a l m a " ou "fantasma
um etnógrafo diz quo na língua de um povo da África Cen-
mas teremos que nos perguntar não somente o que tal
tral a palavra " a n g o " quer dizer " c ã o " , estará absoluta-
palavra traduzida significa para os nativos, como ainda o
mente correto; poróm ele terá até então trazido multo res-
que significa a palavra que escolhemos, enquanto tradu-
tritamente para nossa língua o que significa a palavra " a n -
tores, para nós o u nossos leitores. Temos que apontar os
g o " , pois o que ela significa para os nativos que a e m -
duplos sentidos; e reconhecer que na melhor das hipóteses
pregam ó muito diferente do que a palavra " c ã o " significa não há senão uma superposição parcial de significações
para nós. A significação que os cães têm para os pri mei - entre as duas palavras.
ros — eles caçam c o m os cães, eles os devoram e assim
A s dificuldades semânticas são sempre consideráveis e
por diante — não é a mesma que para nós. Quão mais
podem ser superadas apenas parcialmente. Os problemas
prováveis serão esses deslocamentos quando começamos
que apresentam podem também ser considerados numa
a lidar com termos que contenham em si uma referência
ordem inversa, como na tentativa dos missionários de tra-
metafísica?! Pode-se, como ]á se tem feito, empregar pa- duzir a Bíblia para línguas nativas. Foi muito difícil ex-
lavras nativas e depois demonstrar seu significado segundo pressar conceitos metafísicos gregos em latim e, como sa-
o seu uso em diferentes contextos e situações. Mas é óbvio bemos, muitos equívocos ocorreram por ocasião do trans-
que este recurso tem limites. Reduzido ao absurdo eie seria porte de uma língua para a outra. Mais tarde, a Bíblia foi
como escrever uma descrição de um povo na sua própria traduzida para diversas outras línguas europeias, como o
língua, para uso de quem o desconheça. Pode-se padroni- inglês, francês, alemão, italiano e t c , e eu mesmo passei
zar o emprego de uma palavra primitiva c o m o " t o t e m " e por esclarecedoras experiências ao cotejar alguns trechos,
usá-la para descrever fenómenos que ocorrem entre outros digamos um salmo em várias línguas, e verificar de que
povos e que se mostrem semelhantes àqueles do povo q u e modo cada uma delas o tratava dentro do suas caracterís-
deu o r i g e m ao vocábulo; mas isto pode ser causa de g r a n - ticas próprias. Os que conhecem o hebraico ou qualquer
de confusão, uma vez q u e as semelhanças podem ser s u - outra língua semítica podem completar o jogo traduzindo
perficiais e o fenómeno em questão tão diverso que o termo essas versões de volta ao seu idioma e ver o que resultará.
perca t o d o o seu sentido, o que aliás, como notou Gol- Muito mais desesperador é o caso das línguas primitivas!
denweiser, foi o destino da palavra t o t e m . zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1
Em alguma parte II a respeito das dificuldades que os mis-
sionários encontraram entre os esquimós na tentativa de
verter para a sua língua a palavra " c o r d e i r o " , como na
1 A. A. Goldenwelser, EARLY CIVIL1ZATI0N, 1921, p. 282. Ver tam-
frase "Al i mente meus c o r d e i r o s " . Poder-se-ia, por exemplo,
bém seu trabalho "FORM AND CONTENT IN TOTEMISM", American
Anthropologist, N. S. XX (1918). utilizar o nome de algum animal com o qual os esquimós

26 27
estivessem acostumados, dizendo, por exemplo, "alimente tado "traduttore, tradi tore". Eu menciono o problema em
minhas f o c a s " , mas se assim se fizer, troca-se a represen- minha conferência introdutória, em parte porque devo ter
tação que a palavra " c o r d e i r o " tem para um pastor hebreu em mente, ao lidar com teorias da religião primitiva, que
pela significação que uma f o c a tem para um esquimó. Como significação têm, nessas teorias, as palavras empregadas
á,
poderíamos traduzir a afirmativa de que o s cavalos dos pelos eruditos. Se alguém quiser entender as interpreta-
egípcios são carne e não e s p ír i t o " para um povo que nunca ções que eles deram à mentalidade primitiva, deverá c o -
viu um cavalo nem nada parecido, e que pode não ter um nhecer também a mentalidade dos autores; entender a ma-
conceito semelhante ao conceito hebreu de espirito? Estes neira por como viam as coisas, a maneira que regia sua
são exemplos corriqueiros. Poderia eu dar dois outros, mais classe, seu sexo e período em que viveram. No que con-
complexos? Como traduzir para o hotentote a frase " . . . cerne a religião, todos eles tinham, até onde sei, uma base
Embora eu fale com as línguas dos homens e dos anjos e religiosa de uma forma ou de outra. Cito alguns, cujos
não tenha cari dade"? Em primeiro lugar, é preciso deter- nomes devem ser familiares a todos: Tylor era um quacre,
minar o que significava o trecho para os ouvintes de São Frazor um presbiteriano, Marett pertencia à igreja anglicana,
Paulo; o, alóm dos "l ínguas de homens e a n j o s " , que c o - Malinowski era católico, enquanto Durkheim, Lóvy-Bruhl e
nhecimento exegético foi necessário à elucidação de pala- Freud eram judeus. Mas, com uma ou duas exceções, qual-
vras como " e r o s " , " á g a p e " e " c a r i t a s " ! Depois ó preciso quer que fosse a base religiosa, os autores dos textos mais
encontrar equivalentes em hotentote e, uma vez que não há significativos eram, na ocasião em que os escreveram, já
nenhum, procurar fazer o melhor p o s s ív e l . . . Ou então, per- agnósticos ou ateus. A religião primitiva, quanto à sua v a -
gunto, como traduzir para uma língua ameríndia a frase lidade, não era senão uma ilusão, como qualquer outra
" N o começo era o Verbo"? Mesmo na forma inglesa o sen- forma de fé religiosa. Não é que eles perguntassem, como
tido só pode ser determinado depois de uma análise teoló- Bergson, da razão por c o m o "crenças e práticas que são
gi ca. Os missionários lutaram ativamente e com grande tudo, menos coerentes, podem ter sido e sejam, ainda, acei-
1
sinceridade para superar estas dificuldades, mas, em minha tas por pessoas coerentes" . O que ocorre é que estavam
experiência, muito do que eles ensinam aos nativos lhes é implícitas, em sua forma de pensar, as convicções otimlstas
n a realidade incompreensível e muitos o reconheceriam dos filósofos racionalistas do século dezoito, sogundo as
abertamente, creio eu. A solução mais frequentemente ado- quais as pessoas são estúpidas ou más apenas porque
tada é a de transformar a mente das crianças nativas om têm más Instituições e são Ignorantes e supersticiosas por
mentos ouropóias; o isto é uma solução apenas aparente. terem sido exploradas em nome da religião por padres es-
Esperando ter trazido à vossa atenção estes problemas, pertalhões e avaros, bem como pelas classes inescrupulosas
devo agora abandoná-los porque as conferências não dirão que mantêm os padres. Deveremos ter em mente quais as
respeito às atividades missionárias, um fascinante campo intenções de muitos dos eruditos de que estaremos falando,
de pesquisa que ató agora não foi devidamente trabalhado. se quisermos compreender suas construções teóricas. Nas zyxwvu
Igualmente evitarei discutir mais do que já o fiz os proble-
mas mais g e r a i s da tradução, pois não é assunto de que.se
possa tratar com brevidade. Todos nós conhecemos o d i - 1 H. Borgson THE TWO SOURCES OF MORALITY AND RELIQIONED.
1956, p. 103.

28 29
religiões primitivas eles procuraram e encontraram uma
arma que poderia, segundo lhes pereceu, ser usada com vorá em Jeová um fantasma ancestral desenvolvido ou uma
efeito letal contra a Cristandade. Se a religião primitiva espécie de deus-fetiche, ligado a uma pedra, talvez uma
pudesse ser entendida como uma aberração intelectual, velha estela sepulcral de algum xeque do deserto, O admi-
c o m o uma miragem induzida pela tensão emocional ou por rador exclusivo da hipótese do totemismo encontrará provas
sua função social, estaria implícito que as religiões mais de sua teoria nos cultos às vacas e bois sagrados. O
altas poderiam ser desacreditadas e consideradas sob jul- adepto dos cultos naturais insistirá na conexão existente
1

gamento idêntico. Tal intenção se oculta sutllmente em al- entre Jeová e a tempestade, o trovão e o fogo do S i n a i " .
guns casos. Como em Frazer, King e C l o d d . Eu não duvido Podemos nos perguntar por que eles não consideraram
1
de sua sinceridade e, como disse antes, eles merecem como seu campo inicial de estudo as religiões superiores,
minhas simpatias, poróm não minha aquiescência. No en- sobre cuj a história, teologia e ritos já se sabia muito mais
tanto, o fato de eles estarem certos o u errados está além do que sobre as religiões primitivas, o que levaria o estudo
do que nos interessa, especificamente: que ó ter o racio- a seguir um curso do mais para o menos conhecido. Eles
nalismo passional da ópoca influído em sua avaliação das podom, até certo ponto, ter ignorado as religiões superiores
religiões primitivas e dado a seus escritos, tais como os para evitar controvérsias e constrangimento nas circuns-
lemos hoje, um sabor de presunção q u e podemos achar tâncias em que se envolvessem, mas foi principalmente
irritante ou ridículo. porque desejavam descobrir a origem d a religião, sua es-
sência, e por julgarem que a encontrariam entre os primi-
A c r e n ç a religiosa era, para estes antropólogos, absurda,
tivos, que assim orientaram seus estudos. Mas alguns deles
e o é ainda para muitos antropólogos de ontem e de hoje.
poderão ter declarado que por " o r i g e m " não se referiam
Mas parece que é preciso encontrar alguma explicação
ao mais novo no tempo, senão que ao mais simples em
para tal absurdidade, e isto vem sendo feito em termos
estrutura, suposição implícita, pois seria de esperar q u e
psicológicos e sociológicos.
do mais simples em estrutura se desenvolvessem as formas
Era Intenção dos quo escreveram sobre as religiões pri -
mais altas. Esta ambiguidade no conceito de " o r i g e m "
mitivas, explicá-las por suas origens, de modo que a expli-
causou muita confusão na antropologia. Não avançarei nes-
cação servisse aos dados essenciais de toda e qualquer
te assunto por agora, mas voltarei a ele e a outros assun-
religião, incluindo as mais altas. Quer explicitamente quer
tos gerais até agora mencionados de passagem, na minha
não, as explicações das religiões dos primitivos eram ela-
conferência final, ocasião em que terei tido oportunidade
boradas com o fito de abarcar as origens de tudo o que
de trazer algumas teorias antropológicas d a religião à au -
se chama de "religiões iniciais", o que incluiria a religião
diência. Podemos, entretanto, notar aqui , que, se o s au -
israelita e implicitamente o cristianismo, que dela deriva.
tores cujos textos vamos examinar tivessem lido algo' pro-
Assi m, como diz Andrew Lang, " o teórico que acredita em
fundamente — digamos — teologia, história, exegesse, apo-
cultos ancestrais como sendo a chave de todos os credos, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
logética, ritual e pensamento simbólico cristãos, teriam se

1 RELIGION AND THE ANTHROPOLOGISTS, Blackfriars, Abril, 1960.


Reeditado em Essays In Social Anthropology, 1962.
1 Andrew Long, THE MAKINQ OF RELIGION, 1898, p. 294.

30
tam o que terceiras pessoas escrevem sobre textos de
situado melhor para avaliar as ideias e práticas referentes
outros, em vez de lerem diretamente os textos (o livro de
às religiões primitivas. Mas era só muito raramente que os
Lévy-Bruhl, por exemplo, tem sido frequentemente mal i n -
eruditos que se situaram c o m o autoridades a respeito das
terpretado por pessoas que, estou seguro, nunca o leram
religiões primitivas mostravam em suas interpretações que
ou o fizeram sem aplicação). Ao fazermos as revisões, ve-
tivessem algo mais q u e um conhecimento apenas superfi-
remos que muitas vezes não me será necessário apontar
cial das religiões históricas e daquilo em que os crentes
os equívocos de um ou outro ponto de vista, porque a
respectivos acreditam, o que significa para eles o q u e f a -
crítica necessária está contida em livros de outros autores,
zem, e o que sentem quando o fazem. O que acabo de
mais tarde mencionados. Sendo assim, devo acrescentar
dizer não implica em q u e o antropólogo " d e v a " possuir,
— e todos concordarão com isto — que não podemos acei-
ele mesmo, uma religião, e quero deixar isto bem claro,
tar a ideia de que exista apenas um tipo de afirmativa
desde já. Ao antropólogo não interessa, " q u a " antropólogo,
geral acerca de fenómenos sociais e que as outras devam
a verdade ou falsidade do pensamento religioso. Do modo
estar erradas se aquela está certa. Não há nenhuma razão
como compreendo o assunto, ele não tem possibilidade de
apriorística pela qual tais teorias que pretendem explicar
" s a b e r " se os seres espirituais das religiões primitivas ou
as religiões primitivas em termos de raciocínio, emoção e
outros quaisquer são dotados de existência ou não; e, se
função social não estejam certas, cada uma suplementando
assim é, não lhe cabe levar em consideração tal problema.
as outras — embora eu não acredite que assim seja. As
As crenças são, para ele, fatos sociológicos, não fatos
interpretações podem se fazer em diversos níveis. Do mes-
teológicos e sua única preocupação ó a relação que tais
mo modo, não há razão por que várias explicações dife-
fatos mantêm entre si e com outros fatos sociológicos. Seus
rentes no mesmo tipo e nível não possam estar certas,
problemas são científicos e não metafísicos, ou ontológicos.
desde que não se contradi gam entre si — pois cada uma
O método que ele emprega é aquele que agora se designa
delas pode explicar aspectos diferentes do mesmo fenó-
frequentemente como sendo fenomenol ógi co: um estudo
meno. Efetivamente, eu considero todas as teorias que nós
comparativo de crenças e ritos, temas tais como deus, s a -
examinaremos como apenas plausíveis e mesmo, c o m o
cramento, e sacrifício, c o m a finalidade de lhes determinar
foram propostas, inaceitáveis, uma vez que contêm c o n -
a significação Intrínseca e soci al . A validade da crença
tradições e outras Incompatibilidades lógicas; ou ainda por-
pertence ao domínio do que podemos chamar de filosofia
que não se pode provar, como j á disse, que sejam verda-
da religião. Foi exatamente por haverem tantos antropólogos
deiras ou falsas; ou finalmente, e agora, mais precisamente,
tomado posição teológica, embora negativa o Implícita, que
porque a experiência etnográfica frequentemente invali-
foram conduzidos à evidência de que uma explicação dos
dou-as.
fenómenos das religiões primitivas em termos causais se
fazia necessária, vindo ela a ser levada, segundo me pa- Uma palavra final: algumas pessoas consideram hoje em
rece, além dos limites legítimos do probl ema. Mais tarde dia embaraçoso ouvir falar de povos designados c o m o pri -
comentarei, numa revisão geral, as teorias antropológicas mitivos ou nativos, o que lhe soa como se estes estivessem
da religião. Deixem-me apenas dizer que eu li os livros que sendo chamados de selvagens. Mas eu serei obrigado fre-
criticarei, uma vez que frequentemente oe estudiosos acei- quentemente a usar as expressões dos autores de quem

33
falarei e que escreveram na robusta linguagem de um tem-
po quando era praticamente impossível ofender um povo
sobre o qual se escrevesse; o bom tempo do progresso e
prosperidade vitorianos, e, podemos acrescentar, o do en-
fado e d a p o m p a de ontem. Mas as palavras serão usadas
por mim naquilo que Weber chama de sentido desprovido
de valor e não serão censuráveis do ponto de vista etimo-
lógico. De qualquer modo, o emprego da palavra " p r i m i t i v o "
para descrever povos que vivem em sociedades do escala
pequena, com uma cultura material simples e desprovidos
de literatura, já está muito firmemente estabelecido para
que possa sor eliminado. Isto ó uma pena, porque nenhuma
palavra causou mais confusão nos escritos antropológicos,
como veremos, uma vez que ela pode ter um sentido lógico
e cronol ógi co, e os dois sentidos nem sempre estiveram
apartados um do outro, mesmo nas mentes dos melhores TEORIAS PSICOLÓGICAS
eruditos. Basta, para estas notas introdutórias que foram 1
A teoria do presidente de Brosses, um contemporâneo
necessárias antes de embarcarmos na nossa viagem rumo de Voltaire e que c o m ele se correspondia, sustentando
ao oceano do pensamento do passado. Como ó o caso que a religião se originava do fetichismo, foi aceita até a
com qualquer e toda ciência, encontraremos em muitas 2
metade do século passado. A tese, assumida por Comte,
ilhas as sepulturas de marinheiros que naufragraram; mas
era de que o fetichismo (o culto, segundo marinheiros por-
quando olharmos para trás, encarando toda a história do
tugueses, de animais ou coisas inanimadas pelos negros
pensamento humano, não precisaremos entrar om desespero
da África Ocidental) teria evoluído ató politofsmo, e deste
por sabermos ainda tão pouco sobro as religiões primitivas,
até o monoteísmo. Ela foi substituída por outras teorias,
o u sobro a religião em geral, ou por termos de descartar,
formuladas cm termos intelectualistas e sob a influência da
por meramente conjeturais, apenas plausíveis, teorias que
psicologia associacionista da é p o c a , e que podem ser d i -
tentaram explicá-las. Na verdade deveremos nos encher de
vididas em teoria do fantasma e teoria da alma; ambas
coragem e prosseguir em nossos estudos com o espírito
concordam e m ' q u e o homem primitivo é essencialmente
do marinheiro morto, do epigrama que se encontra na A n - racional, embora suas tentativas de explicar os fenómenos
tologia Grega: sejam grosseiras e falazes.
um marinheiro naufragado No entanto, antes de tais teorias serem aceitas, tiveram
que nesta costa se enterrou que disputar o terreno com outras, da escola do mito na-
ordena-te que partas: muitos barcos
formosos, o vento daqui destruiu. 1 Ch. R do Brossos, Du cul.o dos dleux fó Ichea ou porallòlo do l'on-
clenne róllglon de 1'Egypte avec la réllglon actuelle de la Mlgrltle, 1760.
2 Comte. COURS DE PHILOSOPHIE POSITIVE, 1908, lições 52-54.

34 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
35
tural, uma iuta tanto mais amarga quanto eram ambas per- assim, não ó preciso procurar sua fonte na revelação primi-
tencentes ao mesmo género intelectualista. Quero inicial- tiva ou um instinto ou faculdado religiosos, como algumas
mente discutir a teoria da origem d a religião a partir da pessoas então faziam. Todo o conhecimento humano vem
teoria do mito natural, em parte porque foi ela a primeira pelos sentidos, sendo o do tato aquele q u e d á a maior
cronologicamente, e também porque o que aconteceu d e - impressão de realidade, e todo o raciocínio se baseia neles,
pois foi uma reação às teorias animtsticas, logo deixando, o que é também verdadeiro para a religião: "ni hi l in fide
a teoria da mitologia natural, de ter qualquer influência quod non ante fuerlt in s e n s u " . Mas as coisas Intangíveis,
neste país. como o sol e o firmamento, dão ao h o m e m a ideia de
A escola do mito natural era predominantemente alemã infinito e fornecem material para a c o n c e p ç ã o de deidades.
e estava basicamente interessada nas religiões indo-euro- Max Muller não pretendeu sugerir que a religião surgisse
péias; sua tese era de que os deuses da antiguidade — e pela deificação, por parte dos homens, dos grandes objetos
por extensão os deuses de todos os tempos e lugares — naturais; mas sim que estes lhes davam um sentimento de
eram apenas fenómenos naturais personificados: sol , lua, infinitude e serviam de símbolo para o infinito.
estrelas, o alvorecer, a renovação da primavera, rios cau- Muller estava basicamente interessado nos deuses da
ladosos, etc. fndia e do mundo clássico, embora também tivesse incur-
O mais importante representante desta escola foi Max sionado um pouco pela interpretação de material primitivo,
Muller (filho do p o e t a romântico Wilhelm Mtiller), um eru- acreditando, certamente, que suas interpretações tinham
dito alemão seguidor da teoria do mito solar, um ramo da uma validade geral. Sua tese era de q u e o infinito, uma vez
escola (os diversos ramos mantinham disputas entre si), nascida a ideia, não poderia ser pensado senão em termos
que passou a maior parte da sua vida em Oxford, onde foi de metáforas ou símbolos, os quais só poderiam ser deri-
professor e umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
F e llow of Ali Souls. Era um linguista de t a - vados do que parecesse majestático no mundo c o n h e c i d o :
lento excepcional, um dos maiores especialistas em sâns- os corpos celestes ou seus atributos. Mas estes atributos,
crito do seu tempo e, em geral, um homem de grande cul - então, perdiam seu sentido original, metafórico, e adquiriam
tura, que foi muito injustamente desacreditado. Ele não autonomia, tornando-se personificados c o m o deidades de
estava disposto a Ir tão longe quanto foram os seus mais existência própri a. Os " n o m i n a " se tornavam " n u m i n a " . As-
extremados colegas alemães, não porque na Oxford daque- sim sendo, as religiões poderiam ser descritas como sendo
les dias fosse perigoso ser um agnóstico, mas por convic- "doenças da l i nguagem", uma expressão vigorosa mas i n -
ção — ele era um luterano sincero e sensível; mas ele che- feliz, que mais tarde Muller tentou explicar, mas que nunca
gou bem perto da posição dos demais e, realizando ma- teve vida longa. Em consequência, dizia ele, a única ma-
nobras e malabarismos em seus livros para evitar tal apro- neira de encontrarmos o significado d a religião do homem
ximação, faz com que seu pensamento parecesse algumas primitivo é através d a pesquisa filológica e etimológica,
vezes ambíguo e o p a c o . Em sua opinião, tal c o m o a c o m - que devolve aos nomes dos deuses e às histórias contadas
preendo, o s homens sempre tiveram uma intuição d a divin- sobre eles o seu sentido original. Assim, Apolo amava
dade, da ideia de Infinito — a palavra que ele usava para Daphné; Daphné fugiu dele e foi transformada em um lou-
Deus —, intuição esta derivada de experiências sensoriais; reiro, Esta lenda não faz sentido até o momento em que

38 37
sabemos que Apolo era originalmente uma deidade solar, os adeptos da mitologia natural pelos seus contemporâneos,
e Daphné, o nome grego para loureiro, era o nome que porque embora Max Muller (o principal nome) tivesse tido
se dava à aurora. Isto nos d á o sentido original do mito: por algum tempo influência sobre o pensamento antropoló-
o sol perseguindo o alvorecer. gico, a repercussão não demorou muito e cossou antos da
morte de Muller. Spencer e Tylor, este último fortemente
Muller trabalha c o m a crença na alma humana e na sua
apoiado neste tópi co por seu pupilo Andrew Lang, eram
forma espiritual de modo semelhante. Quando os homens
contrários às teorias do mito natural e sua luta por um
desejaram expressar a distinção entre o corpo e algo que
enfoque diverso obteve sucesso.
eles sentiam para além do corpo, o nome que lhe veio à
mente foi o do sopro, algo imaterial e inegavelmente l i - Herbert Spencer, a quem a antropologia deve alguns de
gado à vida. Então, esta palavra, " p s y c h e " , passou a expres- seus melhores concei tos metodológicos, e que depois foi
sar o princípio vital e por extensão a alma, a mente, o eu. esquecido, devota grande parte de seus THE PRINCIPLES
A p ó s a morte, a " p s y c h e " vai para o Hades, o lugar do OF SOCIOLOGY (vol. 1) a uma discussão das crenças p r i -
invisível. Uma vez assim bem estabelecida a oposição entre mitivas e, embora as interpretações que lhes dê sejam se-
corpo e alma, nos planos do pensamento o da linguagem, melhantes àquelas de Sir Edward Tylor, e, mais, tenham
a filosofia começou a operar sobre ela e surgiram os sis- sido publicadas depois que Tylor publicou o seu PRIMITIVE
temas espiritualistas e materialistas da filosofia. Tudo isto CULTURE, suas opiniões estavam formuladas desde muito
para reunir o que a linguagem apartara. Assim a linguagem antes do aparecimento do seu livro e ele chegou a elas
exerce uma tirania sobre o pensamento e o pensamento está independentemente. O homem primitivo, diz ele, ó racional
sempre em luta contra ela, mas em vão. Da mesma forma e, considerado o seu pequeno conhecimento, suas inferên-
a palavra espírito originalmente significava sopro, e a pa- cias são razoáveis, embora débeis. Fenómenos tais como
iavra para fantasma (dos mortos) originalmente se referia sol e lua, nuvens e estrelas, vêm e vão, e isto dá a ele a
à sombra. Elas eram inicialmente expressões figurativas que noção da dualidade, de condições visíveis e invisíveis, e
por fim alcançaram concretude. esta noção se fortalece por observações outras, tais como
o encontro de fósseis, a observação de pinto e ovo, crisá-
Não pode restar dúvidas de que Muller e seus colegas
lida e borbol eta; pois Spencer tinha enfiado na c a b e ç a que
adeptos da teoria do mito natural levaram suas teorias até
os povos simples não podiam conceber as explicações
à absurdidade; ele afi rmou q u e o sítio de Tróia não era
naturais, c o m o se pudessem ter chegado aos seus vários
senão um mito solar; e, com a intenção de ironizar tal i n -
resultados de o r d e m prática sem e l a s . . . E se outras coisas
terpretação, alguém perguntou se Max Muller por acaso não
podiam ser dualidades, porque o homem mesmo não seria
seria também, ele mesmo, um mito s o l a r . . . Deixando de
uma? Sua s o m b r a e seu reflexo na água também vêm e
lado os erros da erudição clássica, tais como hoje sabemos
vão. Mas foram os sonhos, que são experiências reais para
que foram, ó evidente q u e , por mais engenhosas q u e ex-
os homens primitivos, que deram ao homem a ideia de sua
plicações semelhantes pudessem ser, elas não estavam nem
própria dualidade e ele identificou o eu onírico que pervaga
podiam estar apoiadas por provas históricas adequadaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e
à noite com o eu-sombra que aparece de dia. Esta ideia
não passavam, na melhor das hipóteses, de conjeturas eru-
do dualidade so reforça pela experiência do várias formas
ditas. Não preciso lembrar os ataques desferidos contra

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de Insensibilidade temporária, como no sono, desfalecimen- as ideias de fantasma e de alma surgem de raciocínios
to, catalepsia, e t c , de modo que a morte mesma passa a falazes acerca de nuvens e borboletas e sonhos e transes —
ser encarada como uma forma de prolongada insensibili- as crenças teriam persistido por milénios, sendo mantidas
dade. E se o homem tem uma alma, pelo mesmo raciocínio vivas por milhões de pessoas em seu tempo e mesmo no
também devem tê-las os animais e as plantas e os objetos nosso.
materiais. A teoria do animismo de Tylor (na qual ele fi ca muito em
A origem da religião, no entanio, deve ser procurada débito para com Comte), sendo animismo uma palavra que
na crença não em almas, mas em fantasmas. Que a alma ele cunhou, é muito semelhante à de Spencer, embora,
tonha uma sobre-vida temporária, é coisa que se admite como implícita na palavra " a n i m a " , saliente basicamente a
com base no aparocimonto dos mortos em sonhos, enquan- ideia de alma, e não a de fantasma. Nos textos antropo-
to são lembrados; o a primeira concepção do um sor so- lógicos, a palavra animismo aparece com alguma ambi gui -
brenatural ó a de um fantasma. Esta c o n c e p ç ã o deve ser dade, sendo às vezes empregada no sentido de uma crença,
anterior à do fetiche, que implica a existência de um fan- atribuída a povos primitivos, em q u e não só as criaturas,
tasma ou espírito Interior, Igualmente, a idóia de fantasma mas também os objetos materiais estão dotados do vida e
é encontrada em toda a parte, ao contrário da ideia do personalidade, algumas vezes com o acréscimo de que
fetiche, que não é realmente característica dos povos pri- tenham também almas.
mitivos. A Ideia do fantasma, Inevitavelmente (esta ó a pa - A teoria de Tylor cobre ambas as possibilidades, mas
lavra favorita de Spencer) se desenvolve até à ideia de aqui nos interessa basicamente a segunda delas. A este
deuses, os fantasmas de ancestrais remotos ou de pessoas respeito a teoria conta com duas teses principais, a primeira
superiores passando a divindades (a doutrina do Euheme- concernente ao problema da o r i g e m , e a segunda referin-
rismo), e o s alimentos e bebidas col ocados nos túmulos do-se ao desenvolvimento da alma. As reflexões do homem
para que os mortos se alegrem transformam-se em sacrifí- primitivo a respeito de experiências tais como morte, doen-
cios e libações dedicadas aos deuses para abrandá-los. ças, transes, visões e, acima de tudo, os sonhos, levaram-no
Assim, Spencer conclui q u e " o culto do ancestral é a raiz à conclusão de que são fenómenos que se devem à presença
1
de toda religião' . ou ausência de alguma entidade imaterial, a alma. Tanto a
Tudo isto é exposto em termos inadequados, tomados de tooria do fantasma quanto a teoria da alma poderiam ser
empréstimo às ciências físicas, e de maneira decididamente consideradas como versões do uma teoria ideal da origem
dldática. O argumento ô uma especulação apriorística, sal- da religião. O homem primitivo teria transferido a idóia de
alma para outras criaturas a ele semelhantes e mesmo
picada de algumas ilustrações, e ó capcioso,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É um perfeito
exemplo da falácia do psicólogo introspeccionista, ou "Se para objetos inanimados que lhe despertassem o Interesse.
eu fosse um c a v a l o " , à qual deverei me referir com fre- A alma, passível de se desligar da matéria em que esteja
quência. Se Spencer estivesse vivendo em condições pri - (seja ela qual for), pode ser pensada como independente
mitivas, aquelas teriam sido, ele supôs, as etapas através daquilo que a contém em s i ; de onde surgiria a Idóia de
das quais chegaria às crenças que os primitivos manti- seres imateriais, cuja suposta existência constitui a defi-
nham. Parece que não lhe ocorreu indagar como — já que nição mínima de religião segundo Tylor; passo seguinte, o

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desenvolvimento destes seres em deuses, entidades ampla-
próximo do homem pró-histórico; e os dois conceitos são
mente superiores ao homem e capazes de controlar seu
não apenas diferentes, mas também opostos, sondo o espí-
destino.
rito considerado como incorpóreo, estranho ao homem e
As objeções j á levantadas à teoria de Spencer apli-
invasivo. Efetivamente, Tylor, não conseguindo reconhecer
cam-se igualmente à de Tylor, Sondo impossível saber de
uma distinção tão fundamental entre os dois conceitos,
que modo surgiram as ideias de alma e espirito, a mente
cometeu um grave equívoco na sua representação do pen-
do erudito impõe uma construção lógica ao homem p r i m i - 1
samento hebraico antigo, como o Dr. Snaith assinalou .
tivo, e tal passa a ser a explicação de suas crenças. A
Do mesmo modo, ainda não se provou que os povos mais
teoria é da mesma qualidade de estórias do tipo " d e c o m o
primitivos pensem que as criaturas e os objetos imateriais
o leopardo adquiriu as suas manchas". A s ideias de alma
tenham almas semelhantes à do homem. Se qualquer povo
e espírito poderiam ter surgido como Tylor Imaginou, mas
pode ser considerado como predominantemente anlmístlco,
não há nenhuma evidência de que assim tenha sido. Quando
no sentido que Tylor dó à palavra, elo há de pertencer a
muito poder-se-á demonstrar que os primitivos citam os
culturas muito mais avançadas, um fato quo, ombora não
sonhos como prova d a existência da alma e se apoiam nas
tenha qualquer significação histórica para mi m, seria alta-
almas para demonstrar a existência de espíritos, mas mesmo
mente lesivo à argumentação evolucionista. O mesmo para
so isto fosso conseguido, não se provaria que os sonhos
o fato de que a concepção de um deus se encontra entre
fazem nascer uma ideia o a alma faz nascer a outra. Swanton
todos os povos caçadores e agricultores ditos inferiores.
protesta acertadamente contra essas explicações causais,
Finalmente, poderemos perguntar como é que, se a religião
perguntando por que, quando um homem morre e alguém
ó o produto de uma ilusão tão elementar, lhe foi possível
mais tarde sonha com ele, Isto pode ser chamado de
manter-se com tão grande continuidade e persistência.
"inferência ó b v i a " (Tylor) de que o morto tinha uma vida
fantasmal divisível de seu corpo. Isto é óbvio para quem? Tylor tentou demonstrar que a religião primitiva era
O mesmo autor também assinala que não há identidade de racional, que surgia de observações (embora inadequadas)
atitudes em relação aos mortos e em relação aos sonhos e de deduções lógicas que partiam destas (embora falhas);
entre cs povos primitivos e que as diferenças devem neces- e que constituíam uma filosofia natural grosseira. Em seu
sariamente ser levadas em consideração se qualquer " i n f e - tratamento da magia, que distinguia da religião muito mais
rência ó b v i a " está prestes a ser aceita como conclusão por conveniência de exposição do que por motivos etioló-
1
causal v á l i d a . gicos ou de validade, ele igualmente salientou o elemento
racional naquilo que chamou de "esta mixórdia de dispa-
Dizer que a ideia de alma leva à ideia de espirito, é uma
rates". Ela também se baseia em observações genuínas e
suposição muito duvidosa. Ambas as ideias estavam pre-
repousa, sobretudo, na classificação de similaridades, o
sentes entre o s então chamados selvagens Inferiores, que,
primeiro processo essencial do conhocimonto humano.
numa perspectiva evolucionista, eram o que havia de mais zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Onde o mágico erra ó em inferir que uma vez que as coisas

1 J. R. Swanton, THREE FACTO RS IN PRIMITIVE RELIGION, Ame-


1 N. H. Snaith, THE DISTINCTIVE IDEAS OF THE OLD TESTAMENT,
rican Anthropologist, N. S. XXVI (1924), 358-65.
1944, p. 148.

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são semelhantes elas estão dotadas de um elo místico entre — em toda a parte e mais cedo ou mais tarde — atravessa
si, ocasião em que se confunde uma conexão ideal com três estágios de desenvolvimento intelectual, da magia à
uma conexão real, ou uma conexão subjetiva com uma religião e da religião à ci ênci a, um esquema que pode ter
objetiva. E se nos perguntarmos c o m o é que povos capazes sido calcado nas fases de Comte — a teológica, a meta-
de explorar a natureza e tão bem se organizarem social- física e a positiva, embora esta correspondência não se
mente podem cometer tais erros, a resposta é que eles possa chamar de exata. Outros escritores da época, tais
têm razões muito boas para não perceber a futilidade de como King, Jevons e L u b b o c k (e ainda, como veremos, por
sua magia. A própria natureza (ou a trucagem, por parte certa maneira de encarar o assunto — Marett, Preuss e os
do mago), frequentemente é a responsável pelo apareci- escritores da escola da ANNÉE SOCIOLOGIQUE), também
mento daquilo que se atribui à m a g i a ; e se a magia não acreditavam que a magia precedesse a religião. Em certo
consegue atingir seu objetivo, o fato é logo explicado racio- momento, diz Frazer, as inteligências mais atiladas prova-
nalmente por ter havido alguma desobediência às regras, velmente descobriram que a magia não alcançava real-
ou porque se Ignoraram certas prescrições, ou porque algu- mente seus fins, mas, ainda incapazes de superar suas
ma força hostil se contrapôs à prática. Do mesmo modo, dificuldades por métodos empíricos e de enfrentar suas
existe uma plasticidade em relação ao julgamento de crises por meio de uma filosofia refinada, passavam a uma
sucesso ou fracasso e as pessoas em toda a parte acham outra ilusão: a de que havia seres espirituais capazes de
multo difícil aceitar a evidência, especialmente quando o lhes prestar ajuda. Com o decorrer do tempo, tais Inteli-
peso da autoridade Induz à aceitação do q u e confirma gências viam que os espíritos eram igualmente falazes, um
uma c r e n ç a e a rejeitar o que a contraria. Aqui as obser- episódio de iluminação que prenunciava o alvorecer da
vações de Tylor são corroboradas pelas observações ci ênci a experimental. Os argumentos que apoiavam esta
etnológicas. tese eram, para dizer pouco, triviais; e etnologicamente
Mencionei de passagem as discussões de Tylor acerca muito vulneráveis. Multo particularmente as conclusões
da magia, utillzando-as em parte como mais uma ilustração baseadas em dados australianos passaram muito longe do
d a interpretação intelectualista e em parte porque elas alvo e, uma vez que os australianos foram trazidos à baila
levam diretamente a uma estimativa das contribuições de para demonstrar quo quanto mais simples a cultura maior
Sir James Frazer no que concerne o nosso assunto. Frazer a magia menor a religião, vale a pena assinalar que os
ó, eu creio, o nomo mais c o n h e c i d o na antropologia e todos povos caçadores e agricultores, incluindo muitas tribos
devemos muito a ele, bem como a Spencer e a Tylor. Seu australianas, têm crenças e cultos animlsticos e teísticos.
livro THE GOLDEN BOUGH, um trabalho de notável esforço É também evidente que tanto a variedade quanto o volume
e grande erudição, se dedica às superstições primitivas. de magia em suas culturas deve ser menor — e na verdade
Mas não se pode dizer que ele tenha adicionado muitas o é — do que em culturas tecnologicamente avançadas; não
contribuições valiosas para além da teoria da religião de pode, por exemplo, haver uma magia d a agricultura ou
Tylor; diga-se antes que introduziu alguma confusão nela, magia de trabalhar o ferro na ausência de plantas tratadas
sob a forma de duas novas suposições, uma pseudo-histó- e na ausência de metal. Hoje ninguém mais aceita a teoria
rlca e outra psicológica. Segundo Frazer, a humanidade dos estágios de Frazer.

44 45
certas sensações elementares. Nem Tylor nem Frazer
A parte psi col ógi ca de sua tese é a que opõe a magia
explicaram por qu3 os povos, em seus erros sobre o
e a c i ê n c i a à religião, as duas primeiras postulando um
mági co, como supunham os autores, tomavam conexões
mundo sujeito a leis naturais invariáveis, uma idóia que ele
1
ideais por reais sem que o fizessem em outras atlvldades.
compartilhava com Jevons e a religião postulando um
Além de tudo, as coisas não ocorrem exatamente assim. O
mundo em que os fatos dependeriam dos caprichos dos
erro aqui foi não reconhecer que as associações são este-
espíritos. Consequentemente, enquanto o mágico e o ci en-
reótipos sociais e não psicológicas e que, portanto, só
tista, estranha associação, executam suas operações em
podem ocorrer quando evocadas em específicas situações
tranquila confiança, o padre realiza a sua c o m medo e
rituais que são também de duração limitada, como assinalei
tremendo. Portanto, psicologicamente, a magia e a ciência 1
antes.
seriam semelhantes, embora aconteça, entre ambas, que
uma soja falsa e outra verdadeira. Esta analogia entre A c e r c a de todas estas teorias, num certo sentido inte-
ciência e magia, só se mantém enquanto ambas são técnicas, lectualistas, devemos dizer que, se por um lado elas não
e, para a maioria dos antropólogos, ela é apenas artificial. p o d e m ser refutadas, por outro, n ã o p o d e m ser demons-
Frazer aqui comete o mesmo erro de método que Lévy- tradas, pela simples razão de que não há provas sobre o
Bruhl, quando da comparação realizada por este entre modo como se originaram as crenças religiosas. Os está-
ci ênci a moderna e magia primitiva, em vez de comparar gios de evolução que esses autores tentaram construir
técnicas empíricas e mágicas dentro das mesmas condições c o m o meio de fornecer as provas de que careciam, pode
culturais. ter tido uma certa consistência lógica — porém não têm
qualquer valor histórico. Entretanto, mesmo se devemos nos
Entretanto, nem tudo o que Frazer escreveu a respeito descartar dos evolucionistas (ou adeptos da teoria da pro-
da magia e da religião era desprezível. Havia alguma subs- gressão) ou se, às suas assertivas e julgamentos, devemos
tância nos escritos. Ele foi capaz, por exemplo, de demons- dar o estatuto hipóteses vagas, podemos conservar muito
trar, com seu trabalhoso método, aquilo que Condorcet e do que disseram a respeito da racionalidade essencial dos
outros tinham apenas mencionado, isto é, quanto é fre- povos primitivos. Esses povos p o d e m não ter chegado às
quente que entre povos mais simples do mundo os legis- suas crenças do modo suposto por estes autores, mas
ladores sejam mágicos ou padres. Al ém disso, embora ele mesmo assim o elemento de racionalidade permanece,
tenha adicionado pouco à explicação fornecida por Tylor ainda que as observações tenham sido inadequadas, as
d a magia como uma aplicação errónea da associação de inferências defeituosas, e as conclusões erradas. As crenças
ideias, contribuiu com alguns termos classificatórios úteis, são sempre coerentes e até certo ponto p o d e m ser críticas
mostrando quo essas associações são de dois tipos, aquelas ou céticas, e até mesmo experimentais, no interior mesmo
de similaridade e as de contacto, ou magia homeopática do sistema da crença e em seu i d i o m a ; e seu pensamento
ou imitativa e magia de contágio. Porém não foi além de
mostrar q u e nas crenças e ritos mágicos podem-se discernir zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 THE INTELLECTUALIST (ENGLISH) INTERPRETATION OF MAGIC,
Bulletin of the Faculty of Arts, Egyptian University (Cairo), 1, parte 2,
1 F. B. Jevons, REPORT ON GREEK MYTHOLOGY, Folk-Lore, I
(1933), pp. 282-311.
2 (1891) p. 220.

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ó portanto inteligível para quem quer que cuide aprender
e Skeat e Blagden sobre os povos da Indonésia; de Man
a língua e estudar os modos de vida dos povos em questão.
sobre os das ilhas Andaman; de In Thurn e von den Steinen
A teoria animística, sob várias formas, permaneceu into-
sobre os ameríndios; de Boas sobre os esquimós e, na
cável por muitos anos e deixou suas marcas em toda a
Africa, Macdonald, Kidd, Mary Kingsley, J u n o d , Ellis, Den-
literatura antropológica de seu t e m p o ; como é o caso, para
net e outros.
dar apenas um simples exempl o, do trabalho em que Dor-
Ter-se-á percebido que em um aspecto Frazer diferia
mam apresenta uma avaliação geral da religião dos índios
radicalmente de Tylor: em sua afirmativa de que a religião
americanos: nela, qualquer crença — totemismo, feitiçaria,
fora precedida por uma fase mágica. Outros autores adota-
fetichismo — ó apresentada em termos animísticos. Porém
ram o mesmo ponto de vista. Um americano, John H. King,
começaram a surgir outras vozes protestando, tanto no que
publicou em 1892 dois volumes intitulados O SOBRENA-
concerne a origem d a religião, quanto em relação à sua
TURAL: SUAS ORIGENS, NATUREZA E EVOLUÇÃO. O livro
ordem de desenvolvimento.
causou pouco impacto devido ao clima de animismo então
Antes de comentarmos o q u e diziam, devemos lembrar
reinante e, tondo caído no osquecimonto, só mais tarde
que os críticos tinham duas vantagens de que careciam os
foi ressuscitado por Wilhelm Schmidt. Tão Intelectualista e
seus predecessores. A psicologia associaclonlsta, que era
evolucionista quanto outros de seu tempo, ele era de opi -
mais ou menos uma teoria mecaniscista da sensação,
nião que as Ideias de fantasma e de espirito são sofisticadas
estava dando lugar ô psicologia experimental, sob a Influên-
demais para homens rudes, opi ni ão que segue logicamente
cia da qual os antropólogos passaram a adotar novos
o conceito básico do pensamento evolucionista da época,
termos, embora de modo convencional e em seu sentido
qual seja o de que tudo se desenvolve a partir de algo mais
c o m u m , pelo que passamos a ouvir falar menos das funções
simples e mais bruto. Há de haver, pensava ele, um estágio
cognitivas, substituídas por função afetiva, função conativa
ainda anterior ao animismo, um estágio " m a n a " , em que a
e elementos oróctlcos da mente; passamos a ouvir falar
ideia de fortuna, de bom e de mau augúrio fossem o único
em instintos, emoções, sentimentos e, mais tarde, sob a
componente daquilo que ele chamava de supremo. Isto
influência da psicanálise, de complexos, inibições, proje-
teria surgido de falsas deduções a partir de observações
ções, e t c , sendo do considerar que a psicologia d a
de estados físicos e processos orgânicos, levando o
GESTALT e a psicologia das multidões ainda viriam a trazer
homem primitivo a supor quo a virtude, o " m a n a " , estivesse
sua marca para o novo vocabulário. Porém, o que era ainda
nos objotos ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
f a t o 3 mosmos, como se fossem deles proprie-
mais importante, era o grande avanço ocorrido na etnografia
dades intrínsecas. Daí o surgimento de encantamentos e
durante as últimas décadas do século dezenove e começos
feitiços, e o nascimento do estágio da magia. Depois, atra-
do século atual. Isto municiou os autores que se seguiram
vés de erros de Julgamento e raciocínios falsos a partir de
com numerosas informações e de melhor qual i dade: pes-
sonhos e estados neuróticos adquiridos, a ideia de fantas-
quisas como as de Fison, Howitt e Spencer e Gillen, acerca
mas; e finalmente, por uma sucessão de etapas, a de espí-
de aboríglnes australianos; pesquisas de Tregear sobre os
ritos e deuses, sendo que os vários estágios dependeriam
Maoris; de Codrington, Haddon e Seligman sobre os mela-
de um desenvolvimento geral das instituições sociais. Assim,
nóslos; de Nieuwenhuls, Kruljt, Wilken, Snouck Hurgronje
também para King a religião çra uma Ilusão. Pior: um

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49
D espíritos. Ele assinalou que a idóia de um Deus criador,
desastre que bloqueava o progresso moral e intelectual. E moral, paternal, onipotonte e onisclente se encontra mesmo
o s povos primitivos, que acreditavam em tais fábulas, seriam entre os povos mais primitivos do globo e deve ser consi-
c o m o crianças pequenas, o desenvolvimento ontogenético derada como pertencente ao assim chamado argumento do
correspondendo aqui ao filogenético, o que os psicólogos desígnio, uma conclusão racional do homem primitivo
costumavam chamar de doutrina da recapitulação. segundo a qual o universo ao seu redor deve ter sido
Que deve ter existido um estágio mais anterior e cru na o b r a de algum ser superior. Seja como for, nos critérios
religião que o animístlco,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ó afirmativa feita também por dos evolucionistas a ideia de Deus, sendo encontrada entre
outros autores além de Frazer e K i n g , sendo dois dos mais povos culturalmente mais simples, não pode ser um desen-
conhecidos deles, Preuss na Alemanha e Marett na volvimento tardio das ideias de fantasma e alma ou qualquer
Inglaterra. Eles apresentaram um desafio à teoria de Tylor, outra coisa. Ainda mais, conti nua Lang, o ser supremo de
q u e por tanto tempo dominara o cenário. Mas em alguns tais povos é, em muitas circunstâncias, pensado não como
casos o desafio so referia aponas à questão da ordem do um espírito (pelo menos no nosso sentido do divino espi-
desenvolvimento e os críticos do assunto não conseguiram rito — " D e u s ó um espírito e aqueles que o cultuam devem
provar que houvesse existido um estágio de pensamento cultuá-lo em espirito e em verdade") mas sim como uma
tal como os autores haviam postulado. O ataque mais radi- espécie de pessoa. Assim, Lang conclui que a concepção
cal e agressivo partiu de dois pupilos de Tylor: Andrew de Deus " n ã o precisa ter evoluído a partir de reflexões
Lang e R. R. Marett. 1
acerca de sonhos e fantasmas". A alma-fantasma e Deus
Como seus contemporâneos, Andrew Lang era um teriam origens totalmente diferentes, e o monoteísmo pode-
teórico evolucionista mas recusava a ideia de que deuses ria até ter antecedido o animismo embora a prioridade
se pudessem desenvolver a partir de fantasmas ou de espí- histórica possa não ser n u n c a esclarecida. Apesar desta
ritos. Ele escreveu com muito bom senso — e m b o r a às afirmativa arguta, Lang achava que o monoteísmo era prio-
vezes também cometesse disparates — mas, em parte porque ritário no tempo, corrompendo-se e degradando-se mais
a origem animística da religião fosse tão geralmente aceita tarde pelas ideias animísticas. As duas correntes de pensa-
c o m o evidente, o que ele veio a dizer a respeito da religião mento religioso finalmente se reuniam, uma através das
primitiva passou ignorado até q u e Wilhelm Schmidt o fontes hebraicas e a outra através das helenísticas, no
recuperasse. Deve-se também ao fato de ele ter sido um Cristianismo.
h o m e m de letras romântico, capaz de escrever sobre
assuntos tais como o Príncipe Charles Edward e Mary A linha de argumentação de Marett era bem diversa. Ele
Stuart, q u e tenha sido considerado um simples literato e não apenas defendia a existência de um estágio pró-ani-
um diletante. Lang era um animista enquanto concordava mlstico, mas questionava, com base em elementos metodo-
com Tylor nisto de que a crença em almas, e consequen- lógicos, toda a argumentação das explicações da religião
temente em espíritos, poderia multo bem ter partido de até então surgidas. O homem primitivo, segundo ele afir-
fenómenos psíquicos (sonhos, e t c ) , mas, por outro lado,
não estava disposto a aceitar a ideia de Deus como sendo
1 Lang, THE MA KING OF RELIGION, p. 2.
um desenvolvimento tardio das noções de almas, fantasmas
51
50
mova, não era absolutamente o filósofo " m a n q u e " que que passe a ser tratado como mistério, ela ó religião. Por
haviam desenhado. Com o homem primitivo, não são as que deveriam algumas coisas evocar tais respostas e não
ideias que dão lugar à ação, mas sim é a ação que dá outras, e por que isto ocorreria entre certos povos e não
lugar às Ideias. Assim, " A religião selvagem não é tão entre outros, são perguntas que Marett não nos responde;
1
pensada quanto d a n ç a d a " . É o lado motor da religião aliás seus exemplos ilustrativos são insuficientes e trazidos
selvagem o que importa, não o seu lado reflexivo; e a ação à argumentação atabalhoadamente. Embora ole diga que
deriva de estados afetivos. Marett chegou à conclusão de neste estágio a magia não possa ser diferençada da reli-
que, nos estágios iniciais, pré-animfsticos, a religião não gião, Marett oferece para a magia uma explicação igual-
pode ser diferençada da magia, enquanto pode sê-lo mais mente emocionalista. A magia surgiria de tensões emoci o-
tarde, quando esta ó condenada pela religião organizada e nais. O homem sucumbe ao ódio ou ao amor o u a outra
adquire um significado oprobrioso. Ele achava melhor, emoção qualquer e, desde que não há nada de prático que
quando falando de povos primitivos, usar a expressão possa fazer a respeito, recorre ao fingimento para aliviar
"mági co-rel i gi oso", expressão, aliás, a meu ver infeliz mas a tensão, do mesmo modo que um amante traído pode
que foi adotada por muitos antropólogos, entro os quais jogar ao fogo o retrato de sua amante. Isto é o que Marett
Rivers e Seligman. Mas Marett preferia ainda falar de chama de magia rudimentar (Vierkandt argumenta da mesma
ambas as idóias c o m o " m a n a " , uma palavra da Melanésia maneira). Quando tais situações se repetem com suficiente
que os antropólogos acrescentaram ao seu vocabulário de frequência, a resposta se torna estabilizada sob a forma
conceitos com resultados a meu ver desastrosos; pois que designa c o m o magia desenvolvida, um modo soci al -
embora não possamos discutir assunto tão complicado mente reconhecido de comportamento habitual. A esta
agora, parece claro que " m a n a " não significa para os altura, o mago está bem consciente da diferença ontre
usuários nativos da palavra aquela força Impessoal, uma símbolo e realização. Ele então já sabe quo não ostá fazen-
concepção quase metafísica, que Marett e outros, tais como do " a coisa r e a l " , sabe que apontar uma lança para um
King, Preuss, Durkheim, Hubert e Mauss, seguindo a Infor- inimigo dlstanto onquanto pronuncia palavras de feitiço
mação então disponível, atribuíam à ideia. Segundo Marett, contra ole não é a mesma coisa que lhe atirar de perto
os povos primitivos têm um sentimento de que existe um contra o corpo a lança; ele não confunde, como queria
poder oculto em certas pessoas e em cortas coisas e é a Tylor, uma conexão ideal c o m uma real; pelo que também
presença ou ausência deste sentimento quo separa o não há, c o m o queria Frazer, verdadeira analogia entre
sagrado do profano, o mundo do maravilhoso do mundo do magia e ciência, pois o selvagem então conhece bem a
dia-a-dia, cabendo aos tabus proceder a esta separação, diferença entre causa mágica e causa real, entre a ação
Este sentimento seria a emoção do horror, um composto de simbólica e a ação empírica. Assim, a magia ó uma ativi-
medo, deslumbramento, admiração, interesse, respeito e dade de substituição nas situações em que faltam meios
talvez até amor. Seja o que for que tal sensação evoque e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
práticos para conseguir um objetivo; e sua função é catár-
tica ou simuladora, dando ao homem coragem, alívio, espe-
rança, tenacidade. No seu artigo sobre a magia na ENCI-
1. R. R. Marett, THE THRESHOLD OF RELIGION, segunda od. (1914), CLOPÉDIA DE RELIGIÃO E ÉTICA de Hastíng, Marett dá
p. XXXI.

52 53
urna explicação algo diversa, embora igualmente catártica,
1
realmente um filósofo genial e instigante, capaz de c o m
de cerias formas da expressão m á g i c a . Situações repe-
um pequeno trabalho publicado se estabelecer desde logo
tidas na vida social goram estados de emoção Intensa que,
c o m o um líder da escola pró-animfstica, não conseguiu
não podendo encontrar expressão numa atividade que leve
somar às suas toorias o necessário peso empírico, pelo q u e
a uma flnalidado prática (assim c o m o caçar, lutar e fazer
sua Influência e sua reputação nflo demoraram multo. Real-
amor) devem ser enfrentadas através de ativldades secun-
mente não bastava que ele dissesse (embora o tenha dito
dárias ou substitutas, como danças que representem a caça,
com muita graça e haja um pouco de verdade em tudo isso)
a luta, o ato amoroso; mas aqui a atividade substituta serve
numa conversa que, para entender a mente primitiva não
como válvula de escape para energias acumuladas. A partir
havia necessidade nenhuma de ir viver entre os selvagens,
deste ponto tais atividades substitutas passam a auxiliares
bastando para tal fim, ir-se a uma sala qualquer d a univer-
da ação empírica, conservando sua forma mimótlca, embora
sidade de Oxford.
sejam na realidade roporcussõos e não imitações. Marett
Falarei agora, brevemente, sobre os inúmeros escritos
disse muito pouca coisa importante sobre a religião primi-
de outro erudito clássico, um chefe de escola, Ernest Craw-
tiva, quando comparamos esta área com sua contribuição
ley, cujos livros apareceram mais ou menos ao mesmo
na área da compreensão da magia. Ele falou muito do
tempo que os de Marett. Ele empregou boa dose de bom
" s a g r a d o " , no que, acho, esteve s o b influência de Durkheim,
senso para derrubar teorias erróneas ainda vigentes à
mas suas afirmações pouco mais foram do que mero jogo
época, tais como a do casamento grupai, comunismo pri -
de palavras. Talvez ele se tenha sentido, como membro de
mitivo, e casamento por captura; mas as suas contribuições
uma faculdade de Oxford, à é p o c a , numa posição equi-
positivas próprias são de menor valor. Ao discutir a roligião
voca; e, sendo um filósofo, ele conseguiu (pareceu) sair
em THE IDEA OF THE SOUL, olo acompanhou Tylor ao
dela ao distinguir a tarefa da antropologia social na deter-
supor que a concepção de espírito desenvolvo-se a partir
minação da origem d a religião (uma mistura de história e
da de alma e, num estágio mais avançado da cultura,
procura de causas), da tarefa d a teologia, que concerne a
2 transforma-so na Ideia de Deus; mas ele discordava de
problemas de legitimidade : uma posição que, de certa
Tylor no que concerne à génese da idóia de alma. A opinião
forma, nós todos assumimos. Sua conclusão ô que " o fim
de Tylor neste assunto, dizia Crawley, nada acrescenta a
e o resultado da religião primitiva ó, em uma palavra, a
Hobbes ou Aristóteles, e é psicologicamente impossível que
consagração da vida, o ootímulo à vontade de viver e ao
a idóia de alma tenha se originado de sonhos, etc. Ela deve,
fazer" Marott era um escritor brilhante, mas embora fosse zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3

sim, ter surgido das sensações. O homem primitivo p o d a


visualizar qualquer pessoa que conhecesse quando tal
1 Marett, In ENCICLOPÉDIA DE RELIGIÃO E ÉTICA, de Hasting, 1915.
pessoa estivesse ausente e, de tal dualidade surgiram as
vol. VIII. ideias de alma e de fantasma; segue-se que tudo aquilo
2 Marott, ORIGIN AND VALIDITY IN RELIGION (1916) e MAGIC OR de que uma imagem mental possa ser formada pode ter
RELIGION? (1019), In P3ychology and Folk-Lore (1920). Ver também
artigo citado na nota seguinte.
uma alma, embora as almas dos objetos inanimados não
3 "RELIGION (PRIMITIVE RELIGION)", Ency. Brit., 119 edição, XIX sejam mais " a n i m a d a s " que os objetos mesmos, como
p. 105. acreditava Tylor. A s s i m , " a existência espiritual é a exis-

54
55
1
medo; os espíritos em que crêem os povos primitivos seriam
tência mental; o mundo dos espíritos é o mundo m e n t a l " .
apenas um produto do medo e do perigo. A mim me parece
Quanto a Deus ou aos deuses, são apenas agrupamentos de
difícil conciliar esta posição com a afirmativa feita em THE
fantasmas ou fantasmas de indivíduos importantes, como
IDEA OF THE SOUL segunda a qual a " a l m a é a base de
aisse Spencer. A religião é, portanto, uma ilusão. Se isto 1
toda a r e l i g i ã o " . Mos como eu já disse, não considero
fosse tudo o que Crawley escreveu acerca d a religião, ele
Crawley um escritor muito lúcido. Seu tema geral, no entan-
poderia ser catalogado entre os d a classe intelectualista
to, ó o mesmo em todos os seus livros: a religião é, em
e os comentários gorais q u e se fazem sobre ela se apl i ca- última análise, apenas um produto do medo do homem
riam também a ele. Mas em outros de seus escritos, primitivo, de sua hesitação, sua falta de iniciativa, sua
incluindo seu trabalho inicial (e mais conhecido) A ROSA ignorância e sua inexperiência; não chega a ser uma coisa
MÍSTICA, que eu, como alguns de seus contemporâneos, mesma, um departamento da vida social, mas sim um tônus
considero ininteligível, Crawley parece ter uma teoria mais ou ospírito que permeia suas partes e cuida dos processos
geral da religião. A totalidade dos hábitos mentais do fundamentais da vida orgânica e acontecimentos mais crí-
homem primitivo é religiosa o u supersticiosa, e por isto a ticos nela envolvidos. O instinto vital, o impulso para a vida,
magia não se deve distinguir d a religião. Em sua ignorância, é idêntico ao sentimento religioso. A religião sacraliza o que
ele vive num mundo de mistério em que não diferencia a promove a vida, a saúde, a força. Quando nos perguntamos
realidade objetiva da subjetiva; e a mola propulsora de todo o que vem a ser a emoção religiosa, respondem-nos que não
o seu pensamento ó o medo, especialmente o do perigo é nada específica, "constituindo aquele tom ou qualidade
nas relações sociais, muito especialmente aquelas que de qualquer sentimento que resulta na sacralização de
2
envolvem homem e mulher. Tal sentimento seria parcial- a l g o " . Segue-se da argumentação de Crawley, segundo ele
mente instintivo e parcialmente devido a uma Idóia mais ou mesmo disse, que quanto maior for o perigo, maior será
menos subconscientes de que as propriedades e qualidades, a religiosidade, e assim, quanto mais primitivo estágio de
sendo infecciosas, se podem transmitir pelo contacto. As- cultura, tão mais religiosa será; e a mulher sempre mais
sim, os homens se sentem particularmente vulneráveis religiosa que o homem. Mais ainda, Deus é um produto de
durante atos fisiológicos tais como comer ou manter relações processos psicobiológicos.

soxuals, pelo que tais atos são isolados como tabus. Antos do comentar as Idóias de Marett o Crawley a
Crawley conclui q u e "todas as concepções religiosas vivas respeito de religião e magia, consideremos alguns outros
surgem de origens funcionais mais ou menos constantes, exemplos semelhantes.
1
de naturoza fisiológica ou p s i c o l ó g i c a " . Ele chega a falar Acho que devo dizer alguma coisa sobre Wilhelm
de um "pensamento f i s i o l ó g i c o " , o processo pelo qual as Wundt, um nome influente em seu tempo, embora em
funções, por um reflexo mais ou menos orgânicos, p r o d u - nossos dias raramente seja mencionado. Escritor eclético,
ziriam " i d e i a s " acerca das mesmas funções. Nesta teoria fica difícil situá-lo. O enfoque do seu VOLKERPSYCHO-
a religião primitiva ó praticamente o tabu, o produto do zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 I * . p. 1.
2 Crawley, THE TREE OF LIFE, 1905, p. 2C9.
1 A. E. Crowloy, THE IDEA OF THE SOUU, 1900, P- 70,

57
58
1
ordinário, o Fantástico, o Sacro, o Santo, o Di vi no" (notar
LOGIE indubitavelmente influenciou Durkheim, mas, no
novamente as maiúsculas). Como Crawley, ele afirma que
gerai, pode-se dizer que suas explicações eram psicoló-
não há comportamonto espocifleamento religioso, mas sim
gicas, assim como altamente evolucionistas o também espe-
sentimentos religiosos, de modo que a crença dos índios
culativas, além de entediantes. Para ele, as ideias que se
Crow na existência de fantasmas dos mortos não ó religiosa,
referem ao que não é imediatamente apreensível pela per-
porque o assunto não é de interesse emocional para os
cepção, o pensamento mitológico, como elo o chama,
índios; assim, tanto o ateu militante quanto o padre podem
originar-se-lam do processos emocionais, basicamente o
ser pessoas religiosas se experimentam os mesmos sontl-
modo ("Scheu") que "são projetados rumo ao melo-amblen-
1 mentos, e o dogma cristão e a teoria da evolução biológica
t e " . Em primeiro lugar vem a c r e n ç a na magia e nos demó-
podem, ambos, ser chamados de doutrinas religiosas. O
nios, e não ó senão no próximo estágio de evolução, a
positivismo, o igualitarismo, o absolutismo e o culto da
Idade Totêmica, que começa a religião propriamente, no
razão, são indistinguíveis d a religião; mais: a bandeira de
culto de animais. Então, à m e d i d a em que o totemismo se
um país é um típico símbolo religioso. Quando a magia se
evanesce, o totem-ancestral é substituído por um ancestral
associa à emoção passa a ser, também ela, religião. De
humano como objeto de culto. O culto do ancestral se
outro modo, seria um equivalente psicológico de nossa
transforma em culto do herói e mais tarde em culto de
ciência, como disse Frazer.
deuses: a Idade dos Heróis e Deuses. O estágio final ó a
Paul Radin, outro americano, cujo estudo dos índios
Idade Humanística, c o m seu universalismo religioso. Talvez
Winnebago foi t a m b é m notável, assumiu posições seme-
tudo isto devesse so chamar filosofia da história, e não
lhantes. Não há comportamento religioso específico, mas
antropologia.
sim um sentimento religioso, uma sensibilidade maior que
Constitui certamente uma leitura muito estranha para o
o normal para com certas crenças e costumes, " q u e se
antropólogo de hoje. Chegamos então à era dos antropó-
manifesta por um frémito, uma sensação de regozijo, exal-
logos que se dedicaram ao trabalho de campo e que estu-
tação e terror e numa compl eta absorção nas sensações
daram povo3 nativos em pri mei ra mão, em vez de se
2
internas" . Quase todas as crenças podem estar associadas
basearem em relatos de terceiros, de observadores não
com este sentimento religioso, embora mais frequente-
treinados.
mente o estejam os valores de sucesso, felicidade e vi da
R. H. Lowie, cujo estudo dos índios Crow foi uma impor-
longa (e aqui sentimos ecoar William James e sua "religião
tante contribuição para a antropologia, informa-nos que a
da mentalidade s a u d á v e l " ) ; o frémito religioso soria parti-
religião primitiva se caracteriza por um "sentimento do
2
cularmente evidente nos momentos críticos da vida, como
Extraordinário, do Misterioso o u do Sobrenatural ", (notar
os da puberdado o d a morte. Quando aquilo que é geral-
que escrevo em maiúsculas) e que a resposta religiosa é
mente considerado c o m o mági co faz despertar a emoção
de "assombro e terror; sua fonte é o Sobrenatural, o Extra-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1 W. Wundt, ELEMENTS OF FOLK PSYCHOLOGY, 1916. p. 74. 1 Ibld. p. 22.


2 R. H. Lowlo, PRIMITIVE RELIGION, 1925, p. XVI. 2. P. Radin, SOCIAL ANTHROPOL0GY, 1932, p. 244. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIH

58 59
religiosa, então passa a ser religião. Caso contrário, é não têm conhecimentos adequados para superar por méto-
folclore. dos empíricos as dificuldades que se contrapõem a seus
Para citar um último antropólogo americano, e dos mais objetivos, de modo que usam a magia como uma atividade
brilhantes, mencionemos Goldenweiser: ele também diz que de substituição, o que alivia a tensão causada pela impo-
os dois reinos do sobrenatural, o mágico e o religioso são tência que ameaça o sucesso de seus empreendimentos.
caracterizados por um "frémi to rel i gi oso" . 1 Daí a forma mimética dos ritos, a conversão de atos suge-
Como trabalhador de campo, Malinowski deixou os antro- ridos pelos fins visados. Assim a magia produz o mesmo
pólogos para sempre devedores seus, mas nos seus escritos resultado subjetivo que a ação empírica teria conseguido,
explicitamente teóricos mostrou pouca originalidade e restaura-se a confiança, e seja qual for o programa em que
pouca distinção de pensamento. Fazendo diferença, como as pessoas estejam engajadas, ele pode ser levado avante.
outros, entre o sagrado e o profano, ele afirmou que o que Tal explicação é seguida por outros autores sem comen-
1 2

distinguia o primeiro seria o fato de que os ates a ele tários críticos, entre eles Dri berg e Firth ; efetivamente,
relacionados ocorreri am em meio a reverência e temor. A explicações emocionalistas deste tipo eram comuns entre
magia difere da religião em quo os ritos religiosos não os que escreveram sobre o assunto naquelo período. Mesmo
têm propósito ulterior, estando o seu objetivo no rito um equilibrado estudioso da vida primitiva como foi
mesmo, como nas cerimónias que ocorrem durante os nas- R. Thurnwald aderiu à idóia de que os povos primitivos
cimentos, puberdade e morte; enquanto que na magia se tomam conexões ideais por conexões reais — a fórmula
acredita que o fim "é o b t i d o " através dos ritos, mas não Tylcr-Frazer — dizendo que suas ações mágicas eram tão
está neles mesmos, como ocorre nos rituais da pesca, ou carregadas de emoções, seus desejos tão fortes, que ini-
da agricultura. Psicologicamente, no entanto, as duas são biam os modos mais práticos de pensamento existentes
3

semelhantes, uma vez que a função é, em ambas, catártica. em outros departamentos de suas vi das . Talvez a melhor
Diante das crises da vida, principalmente a morte, os afirmativa deste ponto de vista (o de que a magia é produto
homens em seu medo e ansiedade aliviam suas tensões e de estados emocionais, ou de dosejo, medo, ódio e assim
superam seu desespero pela execução de ritos religiosos. por diante, e de que sua função é aliviar as tensões do
A discussão de Malinowski, em seus escritos posteriores 2 homem e lhe dar esperança e confiança) tenha vindo de
seguo tão do perto a tese do Marott, que pouco precisa- um psi cól ogo, Carveth Read, em um livro que pareço ter
remos dizer a respeito. Como a religião, a magia surge de escapado completamente às atonções dos antropólogos
1

e funciona em situações de tensão emocional. Os homens — AS ORIGENS DO HOMEM E SUAS SUPERSTIÇÕES , —


zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
no qual são discutidas a magia e o animismo sob o título

1 Goldenwolser, EARLY CIVIL1ZATION, 1921, p. 346.


2 Mallnowsky, "M AGIC, SCIENCE AND RELIGION", In Science Reli- 1 J. H. Driberg, AT HOME WITH THE SAVAGE, 1932, p. 188.
gion and Roallty, 1925. Em ensaio anterior, "THE ECONOMIC ASPECT 2 R. Firth, "MAGIC. PRIMITIVE", Ency. Brlt, 1955, p. XIV.
OF THE INTICHIUMA CEREMONIES", In Festskrlít Tlllêgnad Edvard Wes- 3 R. Thurnwald. "ZAUBER, ALLGEMEIN", Reallexlkon der Vorgechl-
termarck, 1912, ole se Interessara mala pelo papol desempenhado pola chto, 1029.
magia, o elemento mágico do totemismo em particular, em relaçflo â 4 C. Read, THE ORIGIN OF MAN AND HIS SUPERSTITIONS, 1920,
evolução económica. passlm.

60 61
de "crenças imaginárias" por oposição às "crenças de
1

p e r c e p ç ã o " , aquelas do senso comum e da ciência, que formar o mundo exterior por um simples pensamento" . Aqui
nos vemos diante de um novo paralelismo entre os desen-
derivam da percepção sensorial e são por ela controladas.
volvimentos ontogênico e filogênico: o individuo passa por
É preciso dizer alguma coisa, embora não muilo, sobre
três fases da libido — o narcisismo, a descoberta do objeto,
a contribuição de Freud. Uma ponte utilizável na direção
que se caracteriza pela dependência em relação aos pais,
do seu pensamento nos ó fornecida por, entre outros, Van
e o estado de maturidade, em que o Indivíduo aceita a
Der Leeuw. Os povos primitivos, diz ele, não percebem as
realidade e a ela se a d a p t a ; e estas fases correspondem
contradições que estão por trás de muito do que ponsam,
psicologicamente aos três estágios do desenvolvimento do
porquo " u m a necessidade afetiva imperiosa lhes impossi-
1
homem, o animístico (aqui Freud parece referir-se ao que
bilita a visão da v e r d a d e " . Eles apenas vêem aquilo que
outros teriam chamado de mági co), o religioso e o cientí-
querem ver e este é especialmente o caso da magia. Quan-
fico. Na fase narcísica, que corresponde à mágica, a
do se defronta com um impasse, o homem pode escolher criança, incapaz de satisfazer seus desejos através da
entre superá-lo através de sua habilidade e retirar-se para atividade motora, se oferece uma recompensa, superando
dentro de si mesmo, ultrapassando o obstáculo através da suas dificuldades através da imaginação, substituindo o ato
fantasia: poderá portanto, voltar-se para fora ou para dentro, pelo pensamento; é uma condição psíquica semelhante à do
sendo este o método da magia, o " a u t i s m o " , para usar o mágico; e o neurótico ó c o m o o mágico também, pois c o m o
termo psicológico. Os mágicos acreditam que por palavras, ele, superestima o poder do pensamento. Em outras pala-
encantamentos, podem alterar o mundo, e assim pertencem vras, é a tensão, uma aguda sensação de frustração q u e
à nobre categoria das pessoas que supervalorizam o pensa- origina o ritual mágico, e este por sua vez se destina a
mento: as crianças, mulheres, poetas, artistas, amantes, aliviar a tensão. Assim, a magia é uma realização-de-desejo
místicos, criminosos, sonhadores e loucos. Todos procuram na qual o homem se gratifica através de alucinações
lidar com a realidade através do mesmo mecanismo psico- motoras.
lógico. Esta supervalorização do pensamento, a convicção
A religião ó igualmonto uma Ilusão. ElazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
3 u r g l u o ó man-
do que a dura muralha da realidade p o d e ser rompida na
tida por sentimentos de culpa. Freud nos oferece tal expli-
mente, ou de que ela não existe absolutamente, foi o que
cação, afgo que só um génio poderia se aventurar a
Freud disse ter encontrado em seus pacientes neuróticos e
compor, uma vez que não havia nem podia haver nenhuma
que chamou de onipotência do pensamento (ALLMACHT
prova a apoiá-la; embora, creio eu, se possa dizer que ela
DER GEDANKEN). Os ritos e fórmulas mágicas do homem
seja psicologicamente ou virtualmente verdadeira, no sen-
primitivo correspondem psicologicamente às açõos obses-
tido de que um mito pode ser considerado verdadeiro
sivas o fórmulas protetoras dos neuróticos; assim, o neuró-
mesmo quando literalmente e historicamente Inaceitável.
tico ó como o selvagem, desde que " a c r e d i t a poder trans-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Certa vez, esta fábula merece uma abertura do tipo das
dos contos de fadas, quando os homens eram criaturas
1 Q. Van der Loeuw, "LA STRUCTURE DE LA MENTALITÊ PRIMITIVE",
La Rovuo d'Hlstolro et de Philosophlo Religleuse, 1928, p. 14.
1 S. Freud, TOTEM AND TABOO, p. 145.

62
1
mais ou menos semelhantes aos macacos, o chefe da o titulo de O FUTURO DE UMA ILUSÃO ; mas esta ilusão
1
horda reservou todas as mulheres para s i . Seus filhos se o é apenas objetivamente. Subjetivamente ela não ó assim,
ergueram contra sua tirania e contra este monopólio, alme- por não ser produto de alucinação: o pai é real.
jando desfrutar também das mulheres e mataram e come- Em linhas como estas, não há limitos para a interpro-
ram o chefe numa festa canibalesca (uma idóia quo Freud tação. Do oxcolonto livro do Frcdcrick Schleiter acerca da
colheu de Robertson Smith). Em seguida os filhos come- religião primitiva quero citar as palavras irónicas que ele
çaram o sentir remorso e instituíram tabus a respeito da dedica ao COMPÊNDIO DE DOENÇAS MENTAIS de Tanzl.
devoração de seus totens (identificados com o pai), embora Ei-Ias:
o fizessem cerimonialmente de tempos em tempos, assim
comemorando e renovando a c u l p a ; estabeleceram, além " E m cadência melíflua, metáforas equilibradas e c o m
disso, a interdição do incesto, que ó a origem da cultura, brilhantes artifícios retóricos, ele propõe o paralelismo
pois a cultura resulta desta renúncia. A teoria de Freud (profundo, fundamental e inabalável) entre a religião primi-
acerca da religião está conti da nesta alegoria, porque o tiva e a p a r a n ó i a . . . Entretanto, aqueles q u e , seja por
pai devorado é também Deus. Este pode ser considerado predisposições temperamentais ou argumentações mais
um mito etiológico, que fornece uma base para os dramas racionais se disponham a encontrar alguma justificativa ou
encenados nas famílias vienenses de cujos problemas Freud dignidade na religião do homem primitivo, encontrarão,
realizou análises clínicas que julgou serem aplicáveis, em talvez, algum consolo no fato de que Tanzi rejeita o para-
sua essência, às famílias de qualquer lugar, uma voz quo lelismo entre os processos mentais do homem primitivo
eram derivadas d a própri a natureza da estrutura familial. e os da demênci a p r e c o c e " . 2

Não preciso me estender mais. Todos nós conhecemos os A magia e a religião são assim reduzidas, ambas, a
traços gerais de sua tese, segundo a qual, para dizer crua- estados psicológicos: tensões, frustrações, emoções e senti-
mente, as crianças amam e odeiam seus pais, e o filho, das
mentos, além de complexos e delírios de qualquer tipo.
profundezas de seu inconsciente, deseja matar o pai e
Dei alguns exemplos de interpretações d a religião em
possuir a mãe (o complexo de Édipo), enquanto a filha,
bases emocionais. Que devemos agora fazer com elas? Na
nas profundezas do seu inconsciente, deseja matar a mãe
minha opinião, estas teorias são, na maior parte, espe-
e ser possuída pelo pai (o complexo de Electra). Na super-
culações do tipo " s e eu fosse um c a v a l o " (permito-me
fície, a afeição e o respeito v e n c e m ; e a confiança no pai
repetir), com a diferença de que em vez de dizer: "Se eu
e dependência em relação a ole projetadas, idealizadas e
fosse um cavalo eu faria o que um cavalo faz por esta ou
sublimadas na imagem paterna de Deus. A religião ó por-
aquela razão", ela diz a g o r a : " e u faria o que um cavalo
tanto uma Ilusão e Freud deu a seu livro sobre o assunto, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
faz, dovldo a um ou outro sentimento que podemos supor
que os cavalos t ê m " . Se tivéssemos que praticar ritos tal

1 Esta Idôla, Freud obteve de J. J. Atklnson. Atklnson era primo de


Andrew Lang, que publicou seu ensaio "PRIMEL LAW" como suplemento 1 THE FUTURE OF AN ILLUSION, 1928.
ao seu próprio SOCIAL ORIGINS, do 1903. Nada que corresponda a esta 2 F. Schleiter, Rellglon and Culture, 1919, pp. 45-47 (Acerca de E.
família ciclópica foi descoberto. Tanzi, A TEXTBOOK OF MENTAL DISEASES, tradução Inglesa, 1909).

64 65
como os primitivos fazem, é provável que nos encontrás-
temor, então, poder-se-ia dizer que um homem correndo
semos numa situação do perturbação emocional; caso
desabaladamente de um búfalo em disparada está prati-
contrário nossa razão nos di ri a que os ritos não têm fina-
cando um ato religioso. E se a magia se caracteriza por
lidade objetiva e em nada resultam. A meu ver conseguiu-se
sua função catártica, um módico que alivie a tensão de
muito pouco material demonstrativo om apoio a 03tas con-
um paciente apenas c o m recursos clínicos estaria prati-
clusões;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Q isto foi o caso ató mesmo daqueles que, além
cando um ato mági co.
de fornecer a tooria, tiveram a oportunidade de testá-la em
pesquisa do campo. Há ainda o quo comentar. Muitos ritos que praticamente
todo mundo aceitaria como sendo de caráter religioso, tais
E aqui devemos fazer algumas perguntas. Que temor é
como sacrifícios, certamente não são efetuados em situa-
este que alguns dos autores q u e citei mencionam como
ções nas quais há alguma causa que dê lugar a inquietação
característico do sagrado? Alguns dizem que ele ô a emo-
e sentimentos de mistério e terror. Eles se constituem em
ção religiosa específica. Outros, que não há emoção
rotina padronizada e obrigatória. Falar de tensões e coisas
religiosa específica. Seja como for, como é que se pode
que tais nesses casos ó tão sem sentido quanto falar de
saber se uma pessoa está sentindo terror ou um frémito
tensões nas pessoas que estão indo para a igreja em nossa
emocional ou o que quer que seja? Como se pode reco-
sociedade. Se falamos de ritos levados a efeito em horas
nhecer ou medir isto? E mais, assim como o admitiu Lowie
críticas, como por ocasião das denças e da morte, ocasiões
e outros assinalaram, os mesmos estados emocionais podem
em que surgem sempre ansiedade e aflição, nestes casos
ser encontrados em formas muito diferentes de comporta-
as tensões estarão presentes. Mas mesmo aqui devemos
mento; até mesmo em formas opostas, como, por exemplo,
ser cuidadosos. A expressão de emoção pode ser obri ga-
no comportamento do um pacifista e no de um militarista.
tória, uma parte essencial do rito, assim como nas lamen-
Só poderíamos chegar a um resultado caótico, se os antro-
tações e outros sinais de sofrimento na morte e nos funerais,
pólogos classificassem os fenómenos sociais polas emoções
pouco importando que os atores estejam sofrendo ou não.
que se supõe acompanhá-las, pois tais emoções, se é que
Em algumas sociedades se empregam carpideiras profis-
existem então, devem variar não apenas de indivíduos para
sionais. Então, pode muito bem dar-so quo não seja a
indivíduo, mos também no mesmo indivíduo em ocasiões
emoção a fazer surgir o rito, mas sim o rito a fazer surgir
diversas ou mesmo em certas etapas do mesmo rito. É
a emoção. É o mesmo velho probl ema de saber se rimos
absurdo considerar sacerdote e ateu na mesma categoria,
porque estamos felizes ou se estamos felizes porque esta-
como faz Lowie; e seria ainda mais absurdo dizer que
mos rindo. É óbvio que não vamos à igreja por nos encon-
quando um padre está dizendo a missa não está executando
trarmos num estado emocional elevado, e m b o r a nossa
um ato religioso a menos que se encontre em determinado
participação no rito possa desencadear tal estado.
estado emocional. Mas quem poderia saber qual o seu
estado emocional? So quiséssemos classificar e explicar o No que concerne a função catártica d a magia, que evi-
comportamento social a partir dos supostos estados emo- dência prova que um homem efetua rituais mágicos de
cionais, poderíamos chegar a resultados verdadeiramente agricultura, c a ç a e pesca por estar frustrado? Ou qual a
estranhos. Se a religião se caracteriza pela emoção do prova que há de q u e a execução dos ritos lhe alivia as
tensões? A mim me parece haver pouquíssima ou nenhuma

66
67
prova. Sejam quais forem seus sentimentos, o mago tem adulta. O indivíduo aprende a participar do rito antes de
que efetuar os ritos a todo custo, pois eles constituem experimentar qualquer omoção, de modo que o estado
emocional, qualquer que seja ele, e se ó quo existo, dificil-
parte costumeira e obrigatória do processo. Pode-se dizer
mente poderá ser a origem e a explicação do rito. O rito
c o m acerto que o homem primitivo leva a efeito seus ritos
é parte da cultura em que nasce o individuo e se impõe a
porque acredita em sua eficácia e que não há grandes
ele de fora, como o restante d a cultura. Ele é uma criação
motivos para frustraçeõs, pois ele sabe que dispõe de meios
da sociedade, e não das emoções o u cognições Individuais,
para combater as dificuldades que se lhe apresentem.
embora possa satisfazer a ambas; e é por isto que Durkheim
Melhor que dizer q u e a magia alivia tensões, seria dizer
nos diz que toda Interpretação psi col ógi ca de um fato
que o recurso d a magia funciona preventivamente em rela-
social ó Invariavelmente uma interpretação errada.
ção às tensões. Ou, dizer novamente q u e se há algum
Pelo mesmo motivo, devemos afastar as teorias da reali-
estado emocional envolvido, ole pode sor, não a base do
zação de desejo. Ao comparar o neurótico c o m o mago,
rito, mas o resultado do rito, com os gestos o fórmulas
elas ignoram o fato do que as ações e fórmulas verbais do
produzindo as tais condições psicológicas que se imaginava
neurótico derivam de estados subjetlvos Individuais,
teriam levado à efetlvação do rito. Deveremos também ter
enquanto que as do mago são tradicional e socialmente
em mente que muita magia e muita religião têm caráter de impostas a esto por sua cultura e sociedade, sendo ainda
substituição, sendo o mago ou o sacerdote uma pessoa parte d a estrutura Institucional em quo vivo o à qual deve
diferente daquela a quem se dirige o rito, o cliente. Assim, se adaptar. Mais ainda; embora em certos casos e sob
a pessoa que se supõe estar num estado de tensão é certos aspectos possam haver semelhanças exteriores, não
alguém q u e não o contratado, esta pessoa desinteressada se p o d e inferir que os estados psicológicos sejam idênticos
cujos gestos e palavras, espera-se, aliviarão a tensão. ou que se devam a condições comparáveis. Ao classificar
Assim, se seus gestos e manobras sugerem um estado os povos primitivos como próximos às crianças, aos neuró-
emocional elevado, forçosamente serão si mul ados; ou então ticos, e t c , erra-se ao admitir que, já que as coisas se
o executante deverá penetrar na emoção durante e por parecem entre si em certos traços particulares, então devem
intermédio do rito. Devo acrescentar que, no caso de Mali- ser semelhantes em outros; trata-se d a falácia do "pars
nowski, muitos dos ritos que ele observou foram efetuados pro t o t o " . Tudo o que isto significa é que, aos olhos desses
" p a r a el e" e em t r o c a de pagamento, em sua tenda e fora autores, estas diferentes classes de pessoas (primitivos,
dos métodos usuais; se assim for, dificilmente poderíamos crianças, neuróticos, etc.) não pensam cientificamente o
aceitar q u e qualquer emoção então envolvida fosse causada tempo todo. E, poderíamos perguntar, quem já encontrou
por tensão ou por frustração. um selvagem quo pensasse poder transformar o mundo
1
Além disso, como observou Radin , na experiência Indi- pelo pensamento? Eles sabem muito bom quo não podem.
O que temos aqui é outra variante da espócio " s e ou fosse
vidual a aprendizagem de ritos e crenças precede as
um caval o", ou seja; se eu me comportasse como um mago
emoções que se diz estarem presentes mais tarde, na vida zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
selvagem, estaria sofrendo das doenças de meus pacientes
neuróticos.
1 SOCIAL ANTHROPOLOGY, p. 247.

68 69
Não devemos, ó claro, afastar Inteiramente estas inter-
pretações. Elas foram uma reação saudável a uma posição
excessivamente intelectualista. Os desejos e impulsos, cons-
cientes ou inconscientes, motivam o homem, guiam seus
interesses, impelem-no à ação; e certamente têm o seu
papel dentro da religião. O que ó preciso determinar ó a
sua natureza, e que papel exatamente desempenham. Aquilo
contra que protesto é a mera afirmação especulativa, e o
que ataco ó uma explicação da religião em termos de pura
emoção, ou de alucinação. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

TEORIAS SOCIOLÓGICAS
As explicações emocionalistas da religião primitiva, que
acabei de expor, têm todas um forte sabor pragmatista. Por
i mais que pareçam absurdos os ritos o crenças primitivas à
montalidade racionalista, o fato 6 que oles ajudam os povos
mais rudes a lidar c o m seus problemas e seus contra-
tempos, assim eliminando o desespero que inibe a
ação e dando confiança para a busca do bem-estar
do individuo, fornecendo-lhe um sentido renovado do
valor da vida e das atividades que a compõem. O p r a g -
matismo exercia grande influência na ocasião em que tais
teorias foram propostas, e a teoria de Malinowski acerca da
religião e da magia poderi a ter saldo diretamente das pági -
nas de William James, como de fato pode ter a c o n t e c i d o : a
religião ó algo de valor e mesmo algo verdadeiro, no sentido
pragmatista de verdade, desde que ela sirva ao propósito
de dar conforto e sentimentos de confiança, segurança,
alivio, apoi o; quer dizer — se resultados úteis à vi da decor-
rem del a. Dentre os analistas do pensamento primitivo Já
mencionados, o que talvez enuncie mais claramente o
enfoque pragmatista ó Carveth Read, em livro a que j á me

70 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 71
referi. Por que, pergunta ele, seria a mente humana pertur- tempo, uma função social útil, desempenhando assim impor-
bada por ideias de magia e de religião? (Para ele a magia tante papel no desenvolvimento d a civilização.
seria anteiror à religião e suas origens deveriam ser pro- Visões sociológicas semelhantes são encontradas nos
curadas nos sonhos e nas crenças em fantasmas). A res- primeiros textos escritos a respeito da sociedade humana.
posta é que, alóm do alívio psicológico que elas promovem, Eles às vezes utilizam aquilo que hoje chamaríamos de
nos estágios iniciais d a evolução social tais superstições termos estruturais. Aristóteles, na POLÍTICA, diz que "todas
eram úteis aos líderes, dando-lhes apoio, assim ajudando a as pessoas afirmam que os deuses também tinham um rei,
manter a ordem, o governo, o s costumes. Ambas as Ideias pois elas mesmas sempre tiveram um, no passado ou no
são ilusórias, mas a seleção natural lhes foi favorável. As presente; pois os homens criam os deuses à sua imagem,
danças lotêmicas, dizem-nos, "representam excelente exer- não apenas no que concerne à forma, mas também no que
cício físico, estimulam o espírito de cooperação, constituem 1
diz respeito ao seu modo de v i d a " . Hume diz praticamente
uma espécie de t r e i n a m e n t o . . E assim por diante. Vere-
a mesma coisa; e esta ideia da conexão entre desenvolvi-
mos que nas teorias sociológicas gerais da religião se
mento político e desenvolvimento religioso, nós podemos
encontra o mesmo sabor: — a religião ó válida enquanto
encontrá-la em vários dos nossos tratados de antropologia.
colabora na manutenção da coesão social e sua continuidade.
Herbert Spencer diz que Zeus está para os demais Celes-
Este modo pragmatista de encarar a religião ó bastante tiais "exatamente na mesma relação existente entre um
anterior à organização do pragmatismo c o m o uma filosofia monarca absoluto e a aristocracia da qual ele é a c a b e ç a " . 2

formal. Montesquieu, por exemplo, pai da antropologia Para Max Muller, o " h e n o t e ís m o " (uma palavra que creio
social (embora alguns atribuam esta honra a Montaigne), 3
inventada por e l e para descrever uma religião em que cada
ensina que e m b o r a uma religião possa ser falsa, pode ter
deus ao ser invocado assume todos os poderes de um ser
função social aproveitável; e verificar-se-á que ela se
supremo) ocorre em períodos que antecedem a formação
adapta ao governo ao qual está associada, sendo a religião
das nações a partir de tribos independentes, sendo esta
de um povo geralmente adequada a seu modo de vida; o
uma forma comunal, e não imperial, de religião. King tam-
que torna difícil transportar a religião de um país para
bém assevera que à medida em que se desenvolvem os siste-
outro. Assim, função e legitimidade não devem ser confun-
mas políticos, suas partes componentes são representadas
didos. " A s mais sagradas e verdadeiras doutrinas podem
por deuses tutelares; e quando as partes se unem, no
acarretar as piores consequências quando não estão liga-
momento em que as tribos se agregam em nações, aparece
das aos princípios da sociedade; e, por sua vez, as doutrinas
mais falsas p o d e m alcançar os melhores resultados quando a ideia de um ser supremo. Este é o deus tutelar do grupo
2
se aplicam na dedicação a estes p r i n c íp i o s " . Mesmo os dominante na fusão. Finalmente surge o monoteísmo, o ser
ultra-racionalistas do Iluminismo, como Condorcet, concor-
dam em que a religião, embora falsa, j á teve, em algum zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 I, 2.7.
2 Op. Cit. p. 207.
3 R. Pettazzoni, no entanto, In ESSAYS ON THE HISTORY OF RELI-
1 Op. clt. p. 42. GION, 1954, p. 5, diz que a palavra foi inicialmente usada por Schelling,
2 Montesquieu, THE SPIRIT OF LAWS, 1750, II, 161. sendo a ideia mais tarde desenvolvida por Muller.

72 73
supremo c o m o reflexo do Estado universal, onipotente. Ro-
pupilos mais influenciados foi Durkheim, cuj a teoria da
bertson Smith explicava o politoísmo da antiguidade clás-
religião logo apresentarei. O tema de THE ANCIENT CITY
sica pelo contraste c o m o monoteísmo da Ásia, pelo fato
é o de que a antiga sociedade clássica estava centrada na
de que em Grécia e Roma a monarquia caiu ante a aris-
família, «no sentido mais amplo que se possa dar a esta
tocraci a enquanto que na Ásia manteve seus poderes. "Esta
palavra, compreendendo família conj unta ou linhagem, e
diversidade de destino político se reflete na diversidade de
1
que o que mantinha unido o grupo agnático c o m o uma
desenvolvimento rel i gi oso" . Jevons segue a mesma linha
corporação, dando-lhe permanência, seria o culto do ances-
de raciocínio. Tudo isto é um pouco simplório. Os escritos
tral, no qual o chefe da família atuaria como um sacerdote.
de Andrew Lang e os muitos volumes de Wilhelm Schmidt
À luz desta ideia central e somente a partir dela — onde
contêm inúmeras demonstrações de que povos não dotados
os mortos aparecem como as deidades da família — todos
de um modelo político coerente com a concepção de um
os costumes do período podem ser compreendi dos: normas
ser supremo, os caçadores e coletores de produto silvestres
e cerimónias de casamento, monogamia, proibição do divór-
são, em larga escala, monoteístas, pelo menos no sentido
cio, interdição do celibato, o levirato, a adoção, a autoridade
em que aceitam a existência de apenas um deus — con-
paterna, regras de descendência, herança e sucessão, leis,
quanto não no sentido segundo o qual existe culto de um
propriedades, os sistemas de nominação, calendário, escra-
deus e rejeição dos demais (porque para haver monoteísmo
vidão, clientela e muitos outros costumes. Quando os esta-
no segundo sentido — o que tem sido chamado de mono-
dos-cidade se desenvolveram, tomaram o mesmo padrão
teísmo explícito — ó preciso que haja ou tenha havido
estrutural que havia informado a religião nestas condições
alguma forma de politeísmo).
sociais iniciais. Outro autor que influenciou fortemente a
Outros exemplos de análises sociológicas se encontram teoria da religião de Durkheim (assim como os escritos de
nos escritos de Sir Henry Maine sobre jurisprudência c o m - F. B. Jevons, Salomon Reinach e outros) foi o já mencionado
parada. Ele explica, por exemplo, a diferença entre as Robertson Smith, que foi professor de árabe em Cam-
teologias do OrientezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e Ocidente pelo simples fato de que, bri dge. Tomando algumas de suas ideias básicas do pensa-
nesta última, a telogia se combinou com a jurisprudência mento de um outro escocês, J . F . McLennan, ele supôs que
romana, enquanto que sociedade helénica " j a m a i s mostrou as sociedades semíticas da Arábia antiga eram compostas
2
a menor capacidade de produzir uma filosofia do d i r e i t o " . de clãs matrilineares, cada um dos quais mantinha um
A especulação teológica passou de um clima de metafísica relacionamento sagrado com determinada espécie de animal
grega para um cl i ma de direito romano. Porém o mais geral que era para eles um totem. A s evidências q u e apoiem
e extenso tratamento sociológico da religião á o de Fustel tais suposições são restritos mas ó nelas que Robertson
do Coulanges em THE ANCIENT CITY; este historiador Smith acreditava. Segundo ele os membros do clã deveriam
ter um só sangue, assim como seus totens; do mesmo san-
francês (bretão) nos interessa de perto, porque um de seus zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gue era também o deus do clã pois ele e r a concebi do
como sendo o pai físico do fundador do cl ã. Do ponto de
1 W. Robertson Smith, THE RELIGION OF THE SEMITES, terceira ed.
(1927), p. 73.
vista sociológico, o deus era o clã mesmo, idealizado e d i -
2 H. S. Maine, ANCIENT LAW, ed. de 1912, p. 363. vinizado. Esta projeção tinha sua representação material

74 75
na criatura totêmica; e o clã periodicamente expressava a que concerne os povos primitivos, acentuemos que há mui-
unidade do seus membros entre si e com seu deus, revita- tos povos dos mais primitivos, inclusive, que não têm s a -
lizando-se pelo sacrifício da criatura totêmica e comendo- crifícios sangrentos, e outros entre os quais não vigora ne-
Iho a carne crua numa festa sacra, uma comunhão em que nhuma ideia de comunhão. Neste assunto, Robertson Smith
" o deus e seus adoradores se unem pela divisão da carne fez com que Durkheim e Freud se equivocassem.
1
e do sangue de uma vítima s a g r a d a " . No entanto, na me-
É também altamente duvidoso que a ideia de comunhão
dida em que o deus, os membros do clã e o totem eram
chegasse a estar presente nas formas mais antigas do s a -
todos de um só sangue, os membros do clã estavam em
crifício hebreu como o conhecemos e, se estava, forçosa-
comunhão sagrada com seu deus, mas estavam também d i -
mente estariam presentes também a ideia de expiação e
vidlndo-o, cabendo a cada membro do clã incorporar uma
outras, talvez mesmo com caráter preponderante. De modo
partícula sacramental da vida divina à sua própria vida.
sumário, podemos dizer que tudo o que Robertson Smith
Formas tardias do sacrifício hebreu se desenvolveram a
realmente faz ó especular acerca de um período da história
partir desta forma comunal . As provas desta teoria, que
semítica do qual praticamente nada se conhece. Assim f a -
Jevons engoliu com anzol, linha, chumbo e tudo, são parcas.
zendo, ele pode ter protegido sua teoria da crítica, mas
Tal teoria representava, para um pastor presbiteriano, che-
ao mesmo tempo lhe nega legitimidade e poder de convic-
gar muito perto do f o g o ; de modo que o próprio Robertson
ção. Efetivamente, ela não é nada histórica; é apenas evo-
Smith ou quem quer que tenha sido responsável pela pu-
lucionista, como todas as teorias antropológicas da época,
blicação (póstuma) da segunda edição de THE RELIGION
uma ressalva que também deve ser feita. A tendência evo-
OF THE SEMITES em 1894 (a primeira era de 1889), suprimiu
lucionista é bem marcada em toda esta teoria e mostra-se
certas passagens que poderiam ser consideradas como
2
claramente através da crueza materialística, aquilo que
desmentidos do Novo Testamento . Tudo que se pode dizer
Preuss chamava de URDUMMHEIT, imputada à religião do
da teoria como um todo, considerando que seus argumentos
homem primitivo, assim colocando o concreto, por oposição
são ao mesmo tempo tortuosos e ténues é que comer o
ao espiritual, no começo do desenvolvimento; o também
animal totêmico pode ter sido a primeira forma de sacrifício
por enfatizar excessivamente o caráter social (por oposição
e a o r i g e m da religião — mas não há nenhuma prova de
ao pessoal) das religiões iniciais; tudo Isto revela a supo-
que o tenha sido. Mais ainda, na vasta literatura mundial
sição básica de todos os antropólogos vitorianos, qual seja
que trata do totemismo, há apenas um exemplo, entre os
a de que as religiões mais primitivas em pensamento e
aborígines australianos, em que um povo come, durante
costumes devem ser o seu contrário e antípoda, sendo a
uma cerimónia, seu animal t o t ê m i c o ; e a significação deste
religião destes antropólogos (e de sua época) vista como
dado, mesmo se aceitamos que seja verdadeiro, é duvidosa
uma espécie de espiritualidade individualista.
e questionável. Além disso, e m b o r a Robertson Smith pre-
tendesse quo sua teoria fosso genericamente verdadeira no Para compreender o tratamento que Robertson Smith d á
à religião semítica antiga e, por implicação, à religião p r i -
mitiva em geral, o que, aliás, se aplica igualmente à análise
1zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
THE RELIGION OF THE SEMITES, p. 227. de Durkheim assinalemos que R. Smith afirmava que as re-
2 J. Q. Frazer, THE GORGONS'S HEAD, 1927, p. 289. ligiões antigas não tinham credos, e não tinham dogmas:

76
77
sendo uma falsa inferência de sonhos e transes? Além de
"Elas eram constituídas exclusivamente de instituições e
1
tal explicação ser tão trivial como a animística, ó fato claro
p r á t i c a s " . Os ritos, é verdade, estavam conectados com
que os povos primitivos mostram pouquíssimo interesse
os mi tos; mas os mitos não explicam os ritos, e sim
pelo que podemos considerar como o s mais impressionan-
o oposto. Se assim é, deveremos procurar entender as re-
tes fenómenos d a natureza: o sol , a lua, céu, montanhas,
ligiões primitivas através de seus rituais, e, considerando
mar e assim por diante, cuj a monótona regularidade acei-
que o ritual básico numa religião antiga é o do sacrifício, 1
tam tranquilamente como infalível . Ao contrário, dizia ele,
é aí q u e deveremos achar o entendimento procurado; mais
naquela q u e ele considerava a religião mais elementar de
ainda: desde que o sacrifício é uma instituição tão genera-
todas, o totemismo, o que se diviniza são criaturas humil-
lizada, devemos procurar sua origem em causas gerais.
des (não as imponentes), como patos, ratos, rãs e vermes
Fundamentalmente, Fustel de Coulanges e Robertson cujas qualidades intrínsecas dificilmente teriam sido a ori-
Smith estavam propondo o que se poderia chamar do teoria gem do sentimento religioso que teriam inspirado.
estrutural da génese d a religião; isto ó, quo esta surgiria
É verdade, evidentemente, e Durkheim não o negaria,
da natureza mesma da sociedade. Este também foi o en- que a religião é pensada, sentida, e desejada por indivíduos
foque de Durkheim, que procurou além disso mostrar a — a sociedade não tem mente para experimentar tais fun-
maneira pela qual se gerava a religião. A posição de Dur- ções — e sob este aspecto ó um fenómeno de psicologia
kheim, talvez a maior figura da história da sociologia m o - individual, um fenómeno subjetivo, podendo ser estudada
derna, só pode ser avaliada se recordarmos dois pontos deste ponto de vista. Mas não deixa de ser também um
principais. O primeiro é o fato de q u e , para ele, a religião fenómeno social e objetivo, independente de mentes indi-
é um fato social, isto é, objetivo. Ele desprezava as teorias viduais, e é assim que o sociólogo a encara. O que lhe
que tentavam explicar as religiões em termos de psicologia d á objetividade são três características. Em primeiro lu-
individual. Como, perguntava ele, se a religião se ori gi na gar, ela se ( t r a n s m i t e de uma geração para outra, do
de um mero erro, uma ilusão, uma espécie do alucinação, modo que se num sentido ela está no individuo, em outro
como se podo ter tornado tão universal, tão duradoura, e está fora dele, pois existia antes dele nascer e existirá
como poderi a uma fantasia vã ter produzi do lei, ci ênci a e depois de sua morte. O indivíduo a adquire tal como o faz
moral? O animismo ó sempre, nas suas formas mais típicas c o m a linguagem, desde que nascido numa sociedade qual-
e desenvolvidas, encontrado não em sociedades primitivas, quer. Em segundo lugar, a religião é pelo menos nas so-
(

mas em sociedades relativamente avançadas como as da ciedades fechadas, Cde caráter geral.^Todos têm o mesmo
China, Egito, e do Mediterrâneo do período clássico. Assim tipo de c r e n ç a religiosa, as mesmas práticas religiosas, e
como o naturismo (a escola do mito natural) o propunha, sua generalidade o u coletlvidade lhe d á uma objetividade
deveria então a religião ser mais satisfatoriamente explicada q u e a coloca acima das experiências psicológicas de qual-

como uma doença da linguagem, uma névoa de metáforas,


a ação da linguagem sobro o ponsamonto, do que como zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 Hocart assinala (MAN, 1914, p. 99), que embora os furacões das
Ilhas Fiji sejam um tópico anual de conversa, jamais observou "a menor
sugestão de uma teoria nativa a respeito, nem o menor temor religioso".
1 THE RELIGION OF THE SEMITES, p. 16.

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quer individuo e de todos os indivíduos. Em terceiro lugar, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
transcendem estas funções através das quais operam e, se
e\ a(è obrigatória. Al ém das sanções positivas e negativas, não independentes da mente, têm uma existência própria,
o simples fato de'que a religião ó geral significa, novamente fora de cada mente Individual. A linguagem é um bom
numa sociedade fechada, que ela ó obrigatória pois, mesmo exomplo do que Durkholm ostava dizendo. Ela ó tradicio-
que não haja coerção, um homem não tem opção, senão nal, geral e obri gatóri a; tem história, estrutura e função,
a de aceitar o que todo mundo concorda em aceitar; tanto das quais todos os usuários têm pouquíssima noção; e,
quanto não tem escolha no que se refero à linguagem que embora Indivíduos possam ter contribuído para ela, nem
ele usa. Mesmo que seja um descrente, ele só poderá ex- por isto vem ela a ser um produto de qualquer mente i n -
pressar suas dúvidas em termos referentes às crenças dividual. É um fenómeno coletivo, autónomo e objetivo. Na
aceitas por todos ao seu redor. E, tivesse ele nascido em sua análise da religião, Durkheim vai mais longe. A religião
outra sociedade, teria tido um outro sistema de crenças, é um fato social. Ela surge da natureza da vida social,
assim como teria o u t r a linguagem. Pode-se aqui notar que estando, nas sociedades mais simples, associada a outros
o interesse de Durkheim e seus colegas acerca das so- fatos sociais, à lei, à economi a, às artes, e t c , que mais
ciedades primitivas, pode ter derivado do fato de que elas tarde se separam del a e vivem sua existência própria. Aci -
são ou eram comunidades fechadas. As sociedades abertas, ma de tudo, ela ó a maneira pela qual a sociedade se vô
nas quais as crenças p o d e m não ser transmitidas e em que como algo mais que uma coleção de Indivíduos, e meio
podem ser diversificadas e — assim menos obrigatórias — pelo qual mantém na solidariedade e continuidade, isto não
são menos passíveis de interpretação sociológica tal como significa, porém, que a religião seja apenas um epifenôme-
eles propuseram. no da sociedade, como os marxistas diriam. Uma vez ini-
O segundo ponto que devemos ter em mente diz respeito ciada pela ação coletiva, a religião ganha um grau de au-
à autonomia dos fenómenos religiosos. Eu o menciono aqui tonomia e prolifera de várias maneiras, o que não pode ser
apenas de passagem, pois que ele emerge claramente do explicado com base na estrutura social quo lhe deu ori gem,
tratamento que Durkheim dá à religião, o que logo estu- só podendo sê-lo em termos de outras religiões e outros
daremos. Durkheim não era tão simplesmente determinista fenómenos sociais num sistema específico.
e materialista como queriam alguns. Na realidado, inclino- Estabelecidas estas duas bases, não precisamos esperar
me a considerá-lo voluntarista o idealista. As funções d a mais para apresentar a tese de Durkheim. Ele partiu de
mente não podoriom existir sem os processos do organis- quatro Ideias principais tiradas de Robertson S m i t h : a re-
mo; mas isto, diz ele, não significa q u e os fatos psicoló- ligião primitiva é um culto de clã e este culto ó totêmico
gicos possam ser reduzidos a fatos orgânicos e por estes (ele julgava que um sistema clânico segmentar e o tote-
explicados; significa apenas q u e eles têm uma base orgâ- mismo implicavam necessariamente um no outro); o deus
nica, tal como os processos orgânicos têm uma base quí- dc clã é o próprio clã divinizado; o totemismo é a f o r m a
mica. Os fenómenos têm autonomia a cada nível. Igual- mais el ementar mais primitiva e — neste sentido original —
mente não poderia haver vida sócio-cultural sem as funções de religião que conhecemos. Com isto ele queria dizer que
psíquicas de mentes individuais, mas os processos sociais ela se encontra em sociedades dotadas do uma cultura

80 01
1
a d e r e m " . As origens hebraicas de Durkheim, parece-me,
material e de uma estrutura Social as mais simples; e aue emergem vigorosamente, e m b o r a não inadequadamente,
é possível explicar a religião, nestes casos, sem utilizar nesta definição; mas seja c o m o for, em seus critérios, o
qualquer elemento tomado de empréstimo a outras religiões.
totemismo pode ser considerado uma religião: ele está
Assim, Durkheim concorda com aqueles que vêem no t o -
cercado por tabus e é uma manifestação grupai.
temismo a origem da religião, ou, pelo menos, como a
Qual é então o objeto reverenciado nesta religião totê-
forma mais incipiente de religião: McLennan, Robertson
mica? Não é simplesmente um produto de imaginação de-
Smith, Wundt, Frazer em seus primeiros escritos, Jovons,
lirante; ele tem uma base objetiva. É o culto de algo que
e Freud.
realmente existe, embora não a coisa que os cultores s u -
Mas que base existe para que se considere o totemismo ponham que é.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É a sociedade mesma, ou algum segmento
um fenómeno sequer religioso? Frazer, em seus últimos dela, que os homens cultuam nestas representações ideais.
escritos, colocava-o na categoria da magia. Para Durkheim, E isto é natural, diz Durkheim, porque a sociedade tem
a religião pertence a uma classe mais ampla, a do sagrado, tudo o que ó necessário para fazer surgir nas mentes a
sendo que tudo, o real e o ideal, pertence a uma de duas sensação do divino. Tem poder absoluto sobre todos, e
classes opostas, o profano e o sagrado. O sagrado se iden- lhes dá a sensação do dependênci a perpétuo; o é também
tifica claramente pelo fato de que está protegido e isolado objeto de respeito o veneração. A religião é portanto um
por interdições; profanas são as coisas sobre as quais as sistema do ideias através do qual os indivíduos representam
interdições se aplicam. O tabu recebo aqui praticamonto para si próprios a sociedade a q u e pertencem e as relações
a mesma função que Marett lhe deu. Assim, "as crenças que com ela mantêm.
roligiosos são os representações que expressam a natureza Durkheim tentou demonstrar a sua teoria c o m o exem-
das coisas sagradas" e os ritos ' " s ã o as regras de conduta plo de alguns aborígines australianos — usando como con-
que prescrevem como um homem deve se comportar na tra-prova os índios americanos — tomando-lhes a religião
presença de objetos sagrados". Estas definições cobrem como experiência crucial e admitindo ser aquela a forma
magia e religião desde que ambas pertencem ao sagrado mais simples de religião conheci da. Defendeu o processo,
dentro dos critérios de Durkheim, razão pela qual ele pro- argumentando, com alguma razão, que ao se fazer um
pôs um novo critério para distinguir religiões de magia. estudo comparativo de fatos sociais, devem ser tomados
A religião é sempre um assunto coletivo, de grupo: não há fatos de sociedades do mesmo tipo, e que um único ex-
religião sem igreja. A magia tem uma clientela, não uma perimento submetido a bom controle é o bastante para
igreja, e a relação entro o mago e seu cliente é comparável estabelecer uma lei; uma argumentação que me parece não
ser muito mais do que ignorar os exemplos que contradi-
àquela oxistonte entre um médico e seu paciente. Assim
zem a pretensa loi. Na é p o c a , a otonção dos antropólogos
chegamos a uma definição final de religião: " a religião ó
estava particularmente dirigida para as recentes descober-
um sistema unificado de crenças e práticas relacionadas
a coisas sagradas, quer dizer coisas postas à parte e proi -
bidas, sendo que crenças e práticas congregam numa c o - 1 E. Durkheim, THE ELEMENTARY FORMS OF THE RELIGIOUS LIFE,
munidade moral única chamada igreja todos os que a elas tradução Inglesa 1915, p. 47.

83
82
tas feitas na Austrália através das pesquisas de SpencerzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e gravados em pcça3 oblongas do madeira ou pedra polida,
Gillen, Strehlow e outros. Mesmo assim, a escolha daquela chamadas de " c h u r i n g a " , algumas vezes perfuradas e usa-
região por Durkheim para o seu experimento, foi infeliz, das como zunidores. Efetivamente, as criaturas totêmicas
pois a literatura existento a c e r c a dos oborígines era então foram escolhidas, como Durkheim parece sugerir, por serem
pobro o confusa, o ainda hoje o é. modelos adequados â representação pictórica. Tais dese-
Os " B l a c k f e l l o w s " australianos, tal como eram chamados, nhos são símbolos, em primeira instância, de uma força
são (não restam muitos, vivendo como outrora, mas usarei impessoal distribuída em imagens, animais e homens, mas
o presente etnográfico) caçadores e coletores que vagam que não deve ser confundida com nenhum deles, pois o
em pequenas hordas em seus territórios tribais, procurando caráter sacro de um objeto não deriva de suas propri eda-
caça, raízes, frutas, lavras e assim por diante. Cada tribo des intrínsecas. Tal caráter se acrescenta, superposto, ao
se compõe de um certo número de tais hordas. Além de objeto. O totemismo é uma espécie de deus impessoal ima-
ser membro de uma pequena horda e da tribo em cujo ter- nente no mundo e difuso, numa numerosa multidão de
ritório a horda vive, um Individuo ó membro de um cl ã, coisas, correspondendo ao " m a n a " o a Ideias semelhantes
havendo muitos clãs espalhados pelo continente. Como dos povos primitivos: o " w a k a n " e o " o r e n d a " dos índios
membro do clã, o Individuo compartilha com os demais nortoamericanos, por exemplo. No entanto, os australianos
membros de um relacionamento para com certos fenómenos o concebem não como forma abstrata, mas sob a forma
naturais, na maioria espécies de animais o plantas. Tais es- de um animal ou planta, o totem, que ó " a forma material
pécies são sagradas para o clã e não podem ser comidas sob a qual a Imaginação representa esta substância Ima-
1
ou atacadas por seus membros. A cada clã correspondem t e r i a l " . Uma vez q u e esta essência ou princípio vital se
fenómenos naturais diversos, de modo que toda a natureza encontra tanto nos homens como nos totens, constituindo
pertence a um ou outro c l ã ; assim, a estrutura social pro- em ambos sua característica mais essencial, podemos com-
vê um modelo para classificação dos fenómenos naturais. preender o que quer dizer um " b l a c k f e l l o w " quando afirma
Uma vez que as coisas assim classificadas com os clãs que os homens da fratria do corvo são corvos.
se associam com seus totens, assumem também elas um
Os desenhos simbolizam, em segunda instância, os pró-
caráter sagrado; e uma vez que os cultos se implicam uns
prios clãs. O totem, portanto, é ao mesmo tempo, tanto o
rJos outros mutuamente, todos constituem partes coordenadas
símbolo tanto do deus ou princípio vital, quanto da socie-
de uma religião única, tribal.
dade, porque deus e sociedade são a mesma coisa. " O
Durkheim observou com agudeza que as criaturas t o - deus do clã, o princípio totômico, não pode sor nada,
têmicas não são de modo algum cultuadas, como pareciam senão o clã mesmo, personificado o representado para a
pensar McLennan, Tylor, e W u n d t ; tampouco, como men- imaginação sob a f o r m a visível do animal ou vegetal que
2
cionei antes, foram escolhidas como tais em virtude de sua serve como t o t e m " . Nos símbolos totêmicos os membros
aparência imponente. Ademais, não são as criaturas em si do clã exprimem sua identidade moral e seus sentimentos
que têm importância máxi ma; elas são sagradas, ó verdade,
mas apenas secundariamente sagradas. Do primeira impor-
1 Durkheim, op. cit., p. 189.
tância, são, isto sim, os desenhos que as representam, 2 Durkheim, op. cit., p. 206.

84 85
de dependência recíproca e para com o grupo como um
diz a senhorita Harrison, parafraseando Durkheim: "Seu
todo. A s pessoas só podem se comunicar através de si g-
corpo obedece à lei natural e seu espírito é circundado
nos, e, para expressar este sentimento de solidariedade, 1
pelo imperativo s o c i a l " . Assim, a alma não é o produto
é preciso que haja um símbolo, uma bandeira, o que para
de pura ilusão, como queriam Tylor e outros. Nós " s o m o s "
esses nativos vem a ser os seus totens, expressando cada
feitos de duas partes distintas, opostas entre si, c o m o o
clã tanto a sua unidaae quanto a sua individualidade atra-
sagrado e o profano. A sociedade não exerce sobre nós
vés do seu emblema totêmico. Os símbolos concretos são
apenas um poder mobilizador externo e circunstancial. " E l a
necessários porque " o clã é uma realidade complexa d e -
se Instala dentro de nós de modo d u r a d o u r o . . . Somos,
mais para quo possa ser representada claramente em toda
a sua complexa unidade por essas inteligências rudimen- portanto, feitos de dois seres que encaram direções dife-
1
t a r e s " . As mentes nao sofisticadas não podom se ver a si rentes, son3o opostas, sondo quo um exorce uma predo-
próprias como um grupo social senão através de símbolos minância real sobre o outro. Tal o profundo significado
materiais. O principio totêmico, portanto, nada ó senão o da antítese que todos os homens concebem mais ou menos
clã concebido sob a forma material do emblema totêmico. claramente entre o corpo e a alma, o ser material e o ser
Pelo modo com que age sobre o s seus membros, o clã espiritual que coexistem dentro de nós. Nossa natureza é
faz surgir dentro destes a ideia de forças externas que do- dupl a; existe realmente uma partícula de divindade dentro
minam e exaltam a todos, sendo tais forças representadas de nós, porque há dentro de nós uma partícula dessas
2
por coisas externas, as formas totêmicas. O sagrado não é grande ideias que são a alma do g r u p o " . Não há nada de
mais (nom monos) do que a sociedade mesma, representada depreciativo para o homem ou para a religião nesta inter-
em símbolos para os seus membros. pretação. Pelo contrário: " a única maneira que temos de
nos livrarmos das forças físicas ó contrapor-lhes forças
Durkheim reconheceu que os aborígines australianos 3
coletívas" . Assim, o homem, como diz Engels, ascende do
tinham conceitos religiosos diferentes daquilo que se rotula
reino da necessidade para o reino da liberdade. /
c o m o totemismo, mas afirmou q u e também eles eram ex-
plicáveis dentro dos termos de sua t e o r i a / A ideia da aima No que concerne os seres espirituais australianos, uma
ó o mesmo princípio totêmico do " m a n a " , corporificado noção que Durkheim, como Tylor, pensou ser derivada da
em cada indivíduo: a sociedade individualizada. É a socie- alma, eles devem ter sido totens em alguma época, acre-
dade em cada membro seu, sua cultura e ordem social, ditava Durkheim. Mas no momento corresponderiam a g r u -
que faz de um homem uma pessoa, ser social, em vez de
simples animai. É a personalidade social, por oposição ao
1 J. E. Harrison, THEMIS. A STUDY OF THE SOCIAL ORIGINS OF
organismo individual. O h o m e m é um animal racional e
GREEX RELIGION, 1912. p. 487. Do mesmo ano que LES FORMES
moral, mas seus componentes moral e racional são aquilo ÊLÊMENTAIRES DE LA VIE RÉLIGIEUSE, do Durkhoim. A Bria. Harrison
que a sociedade impôs ao componente orgânico. É como zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
foi influenciada por "DE LA DÉFINITION DES PHÉNOMÊNES RELIGIEUX",
LAnnée Sociologique, II, 1899, publicação anterior de Durkheim.
2 Durkheim, THE ELEMENTARY FORMS OF THE RELIGIOUS LIFE,
pp. 262-4.
1 Durkheim, op. cit., p. 220.
3 Ibid. p. 272.

{ 86
pos tribais. Em cada território muitos clãs são representa- que isto é uma racionalização, se demonstra pelo fato de
dos, cada qual com seus emblemas totêmicos distintos, que são levadas a efeito (diz Durkheim) mesmo quando um
com seus cultos, mas todos pertencendo igualmente à tribo totem, o " w o l l u n q u a , é uma serpente inexistente, tida como
e com a mesma religião, sendo esta idealizada em deuses. única e incapaz de se reproduzir; e também porque a mes-
O grande deus ó simplesmente a síntese de todos os totens, ma cerimónia destinada ao aumento das espécies ocorre
assim como as tribos são sfnteses da totalidade de clãs; durante ritos de iniciação e em outras ocasiões. Tais ritos
ô também inter-tribal em caráter, espelhando relações s o - servem apenas para estimular certas ideias e sentimentos,
ciais de tribo a tribo, especialmente no que diz respeito à ligar o presente ao passado e o indivíduo ao grupo. A f i -
presença de membros de tribos outras em cerimónias tri - nalidade alegada é completamente acessória e contingente,
bais, de iniciação o sub-incisão. Assim, ombora almas e como mais ainda se demonstra porque às vezes até mesmo
espíritos não existam^ na realidade, correspondem à reali- as crenças que atribuem eficácia física aos ritos estão au-
dade, e, neste sentido, são reais, pois a vida social que sentes, sem que Isto altere nada.
simbolizam ó bastante real. Os defensores de teoria, racionalistas da religião têm
Atô agora nado foi dito acerca do lado ritual do totemis- considerado os conceitos e crenças como os fatos essen-
mo australiano. E este ó o ponto mais central e mais obs- ciais da religião, sustentando que os ritos são apenas a
curo da tese de Durkheim, ao mesmo tempo em que é sua tradução externa. Mas, como já ouvimos de outros, ó
também o seu ponto menos convincente. Periodicamente, a " a ç ã o " que realmente domina a vida religiosa. Durkheim
membros do mesmo clã e presumivelmente componentes escreve:
(pelo menos em sua maioria) da mesma tribo, se congre- "Vimos q u e , se a vida coletiva desperta o pensamento
gam para a realização do cerimónias que visam à multipli- religioso levando-o a certo grau do intensldado, isto so dó
cação das espécies com as quais mantêm um relaciona- porque ela faz surgir um estado de efervescência que mo-
mento sagrado. Uma vez que não podem comer as suas difica as condições da atividade psíquica. As energias vitais
próprias criaturas totêmicas, os ritos são efetuados com a estão superexcitadas, as paixões mais ativas, as sensações
intenção de beneficiar membros de outros clãs, que podem mais fortes; algumas, até, aparecem apenas neste momento.
comê-los, de sorte que cada clã traz sua porção de alimen- O homem deixa de se reconhecer a si mesmo, ele se sente
to c o m o contribuição para o c o n j u n t o í ) s aborígenes ex-
v
transformado e consequentemente transforma o meio que
plicitam a finalidade aos ritos, mas o propósito manifesto o ci rcunda. Para entender as tão peculiares impressões
e a função latente não são a mesma coisa; e Durkheim que recebe, ele atribui às coisas com que está em contato
tem uma Interpretação soci ol ógi ca destos rituais quo não mais direto, propriedades que elas não têm, poderes excep-
está em c o n c o r d â n c i a c o m a própria ideia dos aborígenes cionais e virtudes quo os objotos da oxperiôncia diária não
acerca do que eles estão fazendo;/se ó que é esta a fi- possuem. Em uma palavra, acima do mundo real onde sua
nalidade da cerimónia para eles, o que não parece certo. vida profana se passa, ele colocou um outro q u e , num
O fato do que as cerimónias (chamadas " i n t i c h i u m a " ) não certo sentido, não existe exceto no pensamento, mas ao
se destinam realmente ao aumento das espécies, o fato de qual elç atribui um tipo de dignidade ma|s alto aue o do

88 89
1
primeiro. Um mundo, portanto, ideal de duas m a n e i r a s " . Esta era a teoria de Durkheim. Para Freud, Deus é o pcy
Para que uma sociedade se torne consciente de si mesma para Durkheim, Deus é a sociedade. Se esta teoria é ittit»
e conserve seus sentimentos no grau necessário de inten- cientemente boa para os aborígines australianos, se-lo-á tarrv
sidade, é preciso que se reúna e se concentre peri odi ca- bém.para a religião em geral, pois (diz Durkheim) a religião
mente. Esta concentração provoca uma exaltação da vi da totêmica contém todos os elementos de outras religiões,
montai, quo toma a forma de um grupo de concepções incluindo as mais avançadas. Durkheim foi ingénuo o bas-
ideais. tante para admitir isto, o que equivale a dizer que o que
ó molho para o ganso é molho para o pato. Se a idóia do
Assim sendo, não ó o propósito declarado dos ritos que
sagrado, da al ma e de Deus, pode ser sociologicamente
nos diz de suas funções. Sua significação real é, primeira-
explicada no caso dos australianos, então, em principio, a
mente, congregar os membros do clã e, em segundo lugar,
mesma explicação ó válida para todos os povos entre os
renovar, pela encenação dos ritos nestas ocasiões de c o n -
quais as mesmas ideias são encontradas com as mesmas
centração, os sentimentos de solidariedade dos participan- características essenciais. Durkheim preocupava-se em não
tes do grupo. Os ritos geram uma efervescência na qual ser acusado de estar meramente repetindo o materialismo
todos os sentimentos do individualidade se perdem e as histórico. Demonstrando que a religião é algo essencialmen-
pessoas se sentem a si mesmas como sendo uma col eti - te soci al , ele não queria dizer que a consciência coletiva
vidado, a partir o através das coisas sagradas. Mas q u a n -
( seja um mero epifenômeno de sua baso morfológica, assim
do os membros do clã se separam, o sentimento de sol i - como a consciência individual não é apenas uma mera efio-
dariedade lentamente diminui e deve ser recarregado pe- rescência do sistema nervoso. As ideias religiosas são pro-
riodicamente por outra assembleia e pela repetição das duzidas por uma síntese de mentes individuais reunidas
cerimónias em que o grupo novamente se reafirma. Mesmo em ação coletiva, mas, uma vez produzidas, passam a ter
se os homens acreditarem que os ritos têm atuação sobre vida p r ó p r i a : os sentimentos, ideias, e imagens, " u m a vez
coisas, é na realidade apenas a mente que se deixa " a t u a r " . nascidos, obedecem a leis própri as". Por outro lado, se a
Notemos que Durkheim não está dizendo aqui, como f a - teoria da religião de Durkheim está certa, ó óbvio que
zem autores emocionalistas, que os ritos são levados a ninguém mais aceitará as crenças religiosas. Apesar do
efeito para liberar estados emocionais exaltados. São os fato de que elas, segundo ele mesmo disse, são geradas
ritos quo produzem tais estados. Eles p o d e m , portanto, pela vi da soci al , sendo ao mesmo tompo necessárias â
neste aspecto, ser comparados aos ritos expiatórios c o m o manutenção da mesma. Isto o coloca nos cornos do um
os do luto, nos quais as pessoas procuram afirmar a sua dilema, e tudo o que poderia dizer para se livrar seria que
fé e cumprir um dever para com a sociedade sem que es- embora a religião no sentido espiritual seja c o n d e n a d a ,
uma assembleia secular pode produzir ideias e sentimentos
tejam sob qualquer tensão emoci onal ; esta, enfim, pode
que terão a mesma função; e, em apoio a esta ideia, ele
estar completamente ausente da ocasião. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cita a revolução francesa, com seus cultos à Pátria, Li-
berdade, Igualdade, Fraternidade e Razão. Pois não é ver-
1 Durkheim, THE ELEMENTARY FORMS OF THE RELIGIOUS LIFE, dade que em seus primeiros anos a revolução tornou estas
p. 422.

90 91
ideias sagradas, tornou-as em deuses, e à própri a sociedade e do profano? Eu não creio. Por certo, o que ele chama
então surgi da em deus também? Ele esperou, c o m o Saint- de sagrado e de profano pertencem ao mesmo nível de
Simon e Comte, que à medida em que declinasse a religião experiência e, longe de serem nitidamente demarcados em
espiritual, uma religião secular de tipo humanístico a subs- seus limites de vigência, são tão intimamente ligados que
tituísse. se mostram quase inseparáveis. Tais conceitos, portanto,
A tese de Durkheim ó mais do que apenas c o n c i s a ; ela não p o d e m , quer para o indivíduo, quer para a atividade
ô brilhante e Imaginativa, quase poética; e ele demonstrou social, ser dispostos em departamentos fechados quo negam
boa percepção quanto a um dos fundamentos psicológicos um ao outro, deixando um do existir quando o outro entra
da religião: a eliminação do eu, a negação da individuali- em cena. Por exemplo, quando alguma desgraça como a
dade, a visão de q u e a Individualidade não tem significação doença é atribuída a algum erro prévio, os sintomas físicos,
ou mesmo existência exceto enquanto parte de algo maior o estado moral do indivíduo envolvido e a intervenção es-
e alheio ao eu. Mas receio ter do dizer mais uma vez que piritual formam uma experiência objetiva unitária, que d i -
a teoria ó também espoculativa. O totemismo poderia ter ficilmente pode ser atomizada na mente. Meu método de
surgido a partir de uma vida gregária, mas não há provas verificação para formulações como esta ó bem simples:
de que assim tenha sido; e outras formas de religião po- averiguar se elas podem ser decompostas em problemas
deriam ter-se desenvolvido — como se apreende da teoria q u e permitam a verificação através de pesquisa de campo
de Durkheim, efetivamente assim o fizeram — a partir do ou se pelo menos podem ajudar numa classificação de
totemismo, ou do que ele chama de princípio totêmi co; mas fatos observados. Jamais constatei que a di cotomi a entre
novamente, não h á provas de que assim tenha sido, Pode- sagrado e profano fosse do qualquer utilidade em nenhuma
se admitir q u e as concepções religiosas devam manter das duas direções.
alguma relação c o m a ordem social, estando, em certo Pode-se também dizer aqui que as definições do Dur-
grau, de acordo com fatos económicos, políticos, morais e kheim não deixam muito espaço paro a flexibilidade de
sociais outros; e mesmo que elas sejam um produto da situações, como por exemplo para o fato de que o que é
vida social, no sentido de que não poderia haver religião " s a g r a d o " pode sê-lo apenas em certos contextos e em
sem sociedade, assim como não poderia haver pensamento certas ocasiões, e não em outras. Este aspecto já havia
ou cultura de qualquer espécie. Mas Durkheim está dizendo sido mencionado antes. Darei aqui um exemplo simples. O
muito mais do que isto. Ele afirma que ideias religiosas culto Zande dos ancestrais se organiza em torno de san-
tais como as de alma, ospírito, e outras, são projeções da tuários erigidos no meio dos pátios e as oferendas são
sociodade ou de seus segmentos e se originam de c o n d i - postas neles durante cerimónias ou, às vezes, em outras
ções que fazem surgir um estado de efervescência. ocasiões. Porém, quando não estão em uso ritual, para
Meus comentários deverão ser poucos e breves. Embora assim dizer, os Azande utilizam os santuários como con-
várias objeções lógicas e filosóficas pudessem ser levanta- venientes escoras contra as quais repousam suas lanças;
das, eu prefiro basear os argumentos de acusação no as- o u não lhes dão a mínima atenção. Do mesmo modo, a
pecto das provas etnográficas. Será que elas corroboram demarcação do sagrado por interdições deve ser verdade
a rígida di cotomi a que Durkheim impõe acerca do sagrado para muitos povos, mas não pode ser universalmente válida,

92 93
como Durkheim supôs — se ó quo ootou certo em crer q u e
os participantes d o s complicados ritos sacriliciais entre tinente as cerimónias " I n t i c h i u m a " parecem ter um signi-
povos do Nilo não estão submetidos a qualquer Interdição. ficado bastante diverso, sem Importância equivalente, po-
No que concerne à prova fornecida pelos australianos, dendo mesmo inexistir de t o d o . Portanto, o totemismo entre
devo dizer que umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da3 fraquezas da posição de Durkheim outros povos não tem as características que Durkheim
é o fato concroto de que entre os aborlgines australianos salienta mais marcadamente (tais como concentrações, ce-
ó a horda (e a seguir a tribo) que constitui o g r u p o cor- rimónias, objetos sagrados, desenhos, etc). A defesa de
porado, não os clãs, amplamente dispersos. Assim, se a que o totemismo em outras regiões seja uma instituição
função ó manter a solidariedade dos grupos, que frequen- mais desenvolvida o u uma instituição em decadência é uma
temente necessitam de um sentimento de unidade, então alegação que não podemos aceitar, uma vez que não há
deverão ser as hordas e tribos e não os clãs, que deveriam meios de saber algo a respeito da história do totemismo
1
efetuar os ritos geradores de efervescência . Durkheim p e r - . nem na Austrália nem em parte alguma. A afirmativa de
cebeu isto e tentou se esquivar respondendo — a meu ver que o totemismo australiano soja a forma original do toto-
inadequadamente — que é precisamente por faltar coesão mismo ó muito arbitrária c repousa na pressuposição de
aos clãs, que não têm chefes nem territórios comuns, que que a forma mais simples d a religião há de ser, necessaria-
as concentrações periódicas se tornam necessárias. Qual mente a de povos c o m a organização social e cultura mais
é o interesse de manter, atravós de cerimónias, a sol i da- elementares. Mas mesmo se aceitamos tal critério, devería-
riedade do grupos sociais quo não são corporados e que mos levar em consideração o fato de que alguns povos c a -
não têm qualquer ação conjunta senão nas cerimónias? çadores e coletores tão subdesenvolvidos tecnologicamente
quantos os australianos, e com organização social bem mais
Durkheim preferiu defender sua tese com a prova do
simples, não têm totens (nem clãs), ou os totens q u e p o s -
totemismo e quase que exclusivamente c o m o totemismo
suem não têm importância para oles; mas são dotados,
australiano. Ora, o totemismo australiano ó muito atípico e
apesar de tudo isto, do cronças o ritos religiosos. Podería-
altamente especifico, e conclusões obtidas a partir dele,
mos assinalar também que para Durkheim o totemismo era
mesmo se precisas, não p o d e m ser consideradas c o m o
essencialmente uma religião clânica, um produto deste t i -
válidas para o totemismo em geral. Ademais, o fonômeno
po de segmentação social e que portanto, onde haja clãs,
totêmico não ó o mesmo em todas as partes da Austrália.
haverão eles de ser totêmicos e onde haver totemismo a
Durkheim comportou-se muito seletivamente em sua esco-
sociedade terá uma organização à base de clãs; uma s u -
lha de material, restringindo-se basicamente à Austrália
posição em que ele está enganado, pois sabe-se agora que
central e n a maioria das vezes aos Arunta. Suas teorias
existem povos organizados em clãs e sem totens e vlce-
não levam cm consideração que em outras partes do c o n - 1
versa . Efetivamente, c o m o assinalou Goldenweiser, a afir-
mativa de Durkheim segundo a qual a organização social
1 Notar que a terminologia para os grupos políticos dos aborígtnoo
dos australianos se faz à base de clãs foi totalmente con-
australianos não é apenas ambígua; ó caótica. Difícil saber o que ô
tribo, clã, nação, horda, família, etc. Ver G. C. Wheeler, THE TRIBE
AND INTERTRIBAL RELATIONS IN AUSTRÁLIA, 1910, passlm.
1 Lowie, PRIMITIVE SOCIETY, 1921, p. 137.
94
95
trariada por provas etnográficas, e só este fato torna toda tal como o uso de palavras do tipo "i ntensi dade" e "efer-
1
a sua teoria questionável . Assim, ao pôr ênfase nas re-
v e s c ê n c i a " pode esconder a evidência de que ele faz de-
presentações figuradas das criaturas totêmicas, Durkheim
rivar a religião totêmica dos " b l a c k f e l l o w s " d a excitação
também se deixou vulnerável às poderosas argumentações
emocional de indivíduos reunidos numa pequena multidão,
de q u e em geral os totens não são, na realidade, represen-
isto é, daquilo seria uma espécie de histeria das multidões.
tados de modo figurativo. Pode-se dizer também q u e existe
Algumas de nossas objeções iniciais e, neste aspecto, a l -
multo p o u c a prova de que os deuses da Austrália sejam
gumas feitas pelo próprio Durkheim, devem ser aqui situa-
sínteses de totens — muito embora isto seja uma tentativa
das. Qual é a prova de que os " b l a c k f e l l o w s " estão, durante
esperta de so livrar da sua Incómoda presença. À s vezes
a realização de suas cerimónias, afetados por um estado
ficamos a pensar sobre como não teria sido tudo se Tylor,
emocional particular? E se estão, fica evidente que a emo-
Marott, Durkheim e todos os outros tivessem passado pelo
menos umas poucas semanas entre os povos sobre os quais ção ó produzida, como o próprio Durkheim assinalou, pelos
escreveram tão l i v r e m e n t e . . . ritos e crenças e não o contrário. Assim, a emoção exalta-
d a , seja ola qual for, e se ó que ostá envolvida nos rituais,
Mencionei alguns pontos que me parecem suficientes
poderi a ser realmente um Importante elemento dos ritos,
para levantar dúvidas acerca da teoria de Durkheim se ó
dando-lhes uma significação mais profunda na mente de
que não a invalidam completamente. Mais se poderia dizer,
cada indivíduo, mas dificilmente poderia ser uma explicação
como se diz na críti ca devastadora de Van Gennep, que
causal adequada para o rito enquanto fenómeno social. Tal
se torna ainda mais vigorosa e cáustica à medida em que
2
argumentação, como frequentemente acontece entre argu-
Durkheim e seus colegas excluíram e ignoraram o autor
mentos sociológicos, é tautológica: como o problema da
Deverei, portanto, antes de passar rapidamente em revista
galinha e do ovo. Os ritos criam a efervescência, que criam
algumas construções teóricas semelhantes a esta que temos
as crenças, q u e levam à realização dos ritos. Ou o simples
comentado, fazer um comentário final sobre a teoria da
fato do haver uma reunião é que lhes d á origem? Portanto,
génese do totemismo — e, portanto, da religião, em geral.
fundamentalmente, Durkheim faz surgir um fato social da
Ela contraria suas próprias regras de metodol ogi a socio-
psicologia das multidões.
lógica, pois, fundamentalmente, oferece uma explicação
Efetivamente não é um grande salto, o que vai da teoria
psi col ógi ca para os fatos sociais, e o próprio Durkheeim
de Durkheim — embora ele se chocasse se ouvisse isto —
afirmou que tais explicações são invariavelmente erradas.
a uma explicação biológica da religião, tal c o m o a que
Estava muito bem para ele desprezar os outros por julgarem
Trotter parece propor; ela seria um subproduto do Instinto
que a religião derivasse de alucinações motoras, mas isto
grupai, do instinto de gregarismo, um dos quatro quo avul-
é exatamente o que elo fez. Nenhum malabarismo verbal zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tam na vida humana (sendo os outros três o de auto-preser-
vação, o do sexo e o da nutrição). Eu digo que esta é a
1 Goldenweiser, RELIGION AND S0CIETY: A CRITIQUE OF EMILE tese quo Trotter " p a r e c e " propor porque neste aspecto ele
DURKHEIM S THEORY OF THE ORIGINS AND NATURE OF RELIGION,
Journal of Philosophy, Psychology and Scientlfic Methods, XII, (1917). não é muito preciso; a íntima dependência para com o re-
2 A. Van Gennep L'Éta! Actuei du problème tolómique, 1920, p. 4Q. banho " c o m p e l e o indivíduo na direção de existências maio-

96 97
res que a sua própria, na direção de algum ser abrangente
parle do ano (o inverno) em grupos maiores e mais concen-
através de quem ele encontraria uma solução para as suas
1 trados em habitações comunais, várias famílias ocupando
dificuldades e apaziguamento para seus d e s e j o s " . O livro
de Trotter ó, no entanto, muito mais uma polémica moral um mesmo cómodo, de sorte que quando as pessoas se
do quo um estudo cientifico. Devemos assinalar nele o encontram numa fase de relações sociais mais amplas (sen-
fervor idealfstico (sociallstico) que se encontra no de Dur- do, portanto, a ordem social então não apenas de diferen-
kheim. tes proporções mas também bastante diferente em arranjo

Algumas das ideias que Durkheim expôs om seu livro, e estrutura), a comunidade ó não apenas um grupo de fa-

foram desenvolvidas por seus colegas, por estudantes e mílias vivendo juntas por conveniências, mas uma nova

outros quo ele influenciou. Se passo a comentar alguns forma de agrupamento social em que os indivíduos se re-

deles e, ademais, apressadamente, ó porque as presentes lacionam de modo diverso. Com este padrão alterado, surge

conferências tencionam mostrar diferentes maneiras de olhar uma diferente escala de leis, da moral e costumes, adop-

para o mesmo assunto o u problema, longo do protonderem tada às novas circunstâncias o que cessa durante o período

ser uma história completa de ideias ou catálogo amplo de de dispersão, É quando se formam o s grupos amplos que

escritores que sobre elas escreveram. Um dos mais conhe- as cerimonias religiosas anuais o c o r r e m ; assim, poder-se-ia
1

cidos ensaios publicados na revista que Durkheim f u n d o u dizer que os esquimós confirmam a tese de Durkhei m .

e editou (UANNÉE SOCIOLOG1QUE) era um estudo da l i - Por mais engenhosa que possa ser tal exposição, ela
teratura existente acerca dos esquimós, da autoria do seu demonstra apenas que para a execução das cerimónias
sobrinho Mareei Mauss, em colaboração com M. H. Beu - religiosas, são necessárias muitas pessoas e boa parcela
2
chat . O tema geral deste ensaio ó uma demonstração d a de tempo livre. Diga-se também que o argumento se refere
tese de Durkheim de que a religião ó um produto da c o n - a circunstâncias bastante divorsas daquelas concornontes
centração social e se mantém viva às custas do gregarismo aos aborígines australianos, onde os membros d o clã se
periódico, de forma que o tempo, como as coisas, ganha reúnem periodicamente para a realização de suas ceri mó-
dimensões sagradas e seculares. Não precisamos entrar em nias totêmicas. Os esquimós se congregam por motivos
detalhes: basta dizer que o autor mostrou como os esqui- diferentes, e só se dispersam por necessidade. Mauss, c o m o
mós, durante parte do ano, — o verão — quando os mares Durkheim, afirmou que se pode formular uma lei a partir
estão sem gelo, se dispersam em pequenos grupos familia- de um só experimento bem controlado, mas a verdade ó
res vivendo em tendas. Quando o gelo se forma j á não lhes que tal formulação não é uma lei e sim uma hipótese; e
acontece que eu mesmo estudei um povo, os Nuer, entre
é mais possível procurar caça, do modo quo passam esta zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
os quais o período de maior concentração não é aquele

1 W. Trotter, INSTINCTS OF THE HERD IN PEACE AND WAR, quinta


ed. (1920), p. 113. 1 O ensaio de Mauss foi publicado antes do aparecimento de LES
2 M. Mauss, ESSAI SUR LES VARIATIONS SAISONNIÈRES DES FORMES ÊLÊMEN7AIRES DE LA VIE RÊLIGIEUSE, mas Durkhoim já
SOCIETÉS ESKIMOS: ÉTUDE DE MORPHOLOGIE SOCIALE, L'Annóe havia divulgado suas opiniões antes de lançar este livro; 9 as pesquisas
sociologique, IX (1906). e escritos dos dois (Mauss e Durkheim) são de tal modo entrelaçadas,
que ó difícil separar um do outro.

98
99
em que ocorrem as cerimónias, o que se deve a razões de mas impostas a uma análise brilhante do mecanismo do
conveniência, na sua maioria. sacrifício ou, talvez devêssemos dizer, de sua estrutura ló-
Em outro ensaio da ANNÉE, Mauss, juntamente c o m o gica ou sua gramática.
excelente historiador Henri Hubert, tinha anteriormente dis- Quero mencionar também, como exemplos do método
tinguido a magia da religião, como Durkheim, e realizara sociológico, dois notáveis ensaios de um jovem membro do
1
um exaustivo estudo daquela parte do sagrado — o mági- grupo da ANNÉE, Robert Hertz . Num desses ensaios, ele
co — 1
de que Durkheim não tratou no seu THE ELEMENTA- relaciona a dicotomia sagrado-profano de Durkheim às ideias
RY FOR MS OF THE RELIGIOUS LIFE; a mesma dupla de de direito e esquerdo representadas pelas duas mãos q u e ,
eruditos tinha também publ i cado, na mesma revista, uma em todo o mundo, são tidas como opostos, sendo a direita
magistral análise dos sacriffclos védico e hebreu . Mas, em-2
o bem, a virtude, a força, masculinidade, ocidente, vi da,
bora magistral, como era a análise, suas conclusões são uma e t c , e a esquerda o contrário de tudo isto. O outro ensaio
peça pouco convincente de metafísica soci ol ógi ca. Os ó uma tentativa de explicar por que tantos povos têm não
deuses são representações de comunidades, são sociedades somente maneiras de se descartarem dos seus mortos, o
concebidas Idoalístlca o imaginatlvamonto. A s s i m , as ronún- quo se comproondo íncilmonto, como ainda poosuom ceri-
cias através do sacrifício nutrem as forças sociais com mónias mortuárias e, especialmente o costume, existente
energias mentais e morais, O sacrifício ó um ato de abne- na Indonésia, de dar um " d u p l o " tratamento aos mortos. O
gação através do qual o Indivíduo reconhece a soci edade; corpo é deixado temporariamente até se decompor, quando
ele leva às consciências particulares a presença de forças então se recolhem os ossos, a seguir colocados no ossuá-
coletlvas, representadas por seus deuses. Mas embora o rio d a família. Este processo representa, no símbolo material
ato de abnegação Implícito em qual quer sacrifício sirva do corpo em decomposição, a prolongada passagem da
para manter as forças coletivas, o indivíduo também en- alma do morto do mundo dos vivos para o mundo dos
contra vantagens no ato, porque nele a força total da so- fantasmas, uma transição de um estado para outro, o s dois
ciedade lhe ó transmitida além da o b t e n ç ã o de meios para movimentos correspondendo a um terceiro: a libertação
recuperar equilíbrios perdidos ou perturbados; um homem, dos vivos de suas ligações para com o morto. Nas segun-
através da expiação, se redime da reprovação social — c o n - das exéquias, os três movimentos atingem harmonicamente
sequência de erros — e reingressa na sociedade. Assim se o seu clímax e seu término. São, na realidade, facetas d i -
preenche a função social d o sacrifício, tanto para o i ndi - ferentes de um mesmo processo, o ajustamento da socie-
víduo, quanto para a coletividade. T u d o isto me parece ser dade à perda de seus membros, um processo lento porque
uma mistura de especulações, conjecturas e reificações as pessoas não se reconciliam facilmente com a morte,
para as quais não há provas. São conclusões não derivadas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seja ela encarada como fato físico ou moral.
Na Inglaterra, as teorias sociológicas d a religião, espe-

t H. Hubort o M. Mouas, ESQUISSE D*UNE THÉORIE GÉNÉRALE


cialmente a de Durkheim, exerceram grande influência sobre
DE LA MAGIE, L'Annôe Soclologique, VII (1904).
2 H. Hubert and Mauss, ESSAI SUR LA NATURE ET LA FONCTION
DU SACRIFICE, L'année Soclologique, U , 1899. 1 R. Hertz, DEATH AND THE RIGHT HAND., 1960.

100 101
1
a mente humana tem que passar" . O sacrifício e o sacra-
uma geração de eruditos clássicos c o m o Gilbert Murray,
mento são "apenas formas especiais de manipulação do
A. B. Cook, Francis Conford e outros, fato admitido por 3
" m a n a " que nós concordamos em chamar d e m a g i a " . " A
Jano Harrison, que lida com a religião grega e por extensão
religião tom portanto cm si dois elementos: o costumo social,
com toda a religião, em termos de pensamento e sentimento
a consciência coletiva, e a ênfase e representação desta
colotivos. Ela seria o produto d a efervescência induzida
consciência coletiva. Contém, portanto dois fatores intima-
pela atividade durante a cerimónia, a projeção da emoção
mente ligados: o ritual (costume, ação coletiva) e o mito
do grupo, o êxtase do grupo "thi asos". Embora a autora
ou teologia, representação da emoção coletiva, consciência
confesse q u e " o s selvagens me cansam e desagradam,
coletiva. E, ponto de extrema i mportânci a, são ambas i n -
talvez porque eu passe longas horas lendo a respeito de 3
cumbentes, interdependentes" .
seus tediosos hábitos", ela transplanta para solo grego a
suposta mentalidade dos aboríglnes. E lá, em formas gregas, A s falhas d a teoria do Durkheim, que se devem basica-
encontramos os mesmos velhos f r u t o s . . . Os sacramentos mente à procura quo ele faz da génese e causa da religião,
1
"só podem sor entendidos à luz do ponaomonto t o t ê m i c o " . se acentuam ainda mais nos escritos de outro erudito clás-
Os fenómenos roligiosos gregos "dependem da ou expres- sico, muito conhecido Francis Cornford, que também deve
sam e representam a estrutura social dos praticantes do muito a Durkhei m. Também para ele o individuo não conta,
2
c u l t o " . " A estrutura social, e a consciência coletiva que salvo enquanto organismo, nas comunidades mais primiti-
3
se manifesta nela, estão por trás de toda r e l i g i ã o " . A re- vas. Em outros aspectos, só o grupo importa. E o mundo
ligião báquica se baseia na emoção coletiva do " t h i a s o s " . d a natureza é categorizado no padrão da estrutura do gru-
Seu deus é uma projeção da unidade grupai . O Dr. Verrall, po soci al . No caso da religião, as almas e douses de um
em seu ensaio acerca das Bacantes de Eurlpides, acerta no tipo o u de outro são apenas representações da mesma es-
alvo em um luminoso fragmento de tradução: — o êxtase trutura. Em ambos os casos, a maneira de conceber a na-
dos iniciados, diz ele, jaz essencialmente nisto: " s u a alma tureza e as crenças religiosas, as categorias do pensamen-
4
está congregaci onal i zada" . O homem tambóm reage cole- to são projeções da mente coletiva. A al ma ô a alma cole-
tivamente ao universo: "vimos sua emoção se estender, tiva do g r u p o ; é a sociedade mesma, que está por dentro
projetar-se aos fonômcnos naturais e notamos c o m o esta e por fora do indivíduo a ela pertencente; e ô portanto
projeção faz nascer nele concepções tais c o m o as de mana, imortal pois, embora seus membros individuais morram, a
5
o r o n d a " , com as quais a autora compara as concepções sociedade perdura. Da noção de al ma desenvolve-se a re-
gregas de poder ("kratos") e força ( " b i a " ) . O totemismo presentação de um deus, quando um certo grau de com-
plexidade política, individualização e sofisticação ó alcan-
" é uma fase ou estágio do pensamento coletivo pela qual zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ç a d o . Em última instância, porém, todas as representações
religiosas são ilusões causadas pelo q u e Conford chama

1 Harrison, op. cit. p. XII.


2 Ibidem p. XVII
3 Ibidem, p. XVIII. 1 Harrison, op. cit, p. 122.
4 Ibidem p. 48 2 Ibidem p. 134.
5 Ibidem p. 73. 3 Ibidom p. 486.

102 103
de sugestão do rebanho. Assim ele concl ui que " a primeira duvidosa). Assim, o povo que depende da caça e da coleta
representação religiosa é uma representação d a própria para sobreviver tem uma atitude ritual para com os animais
consci ênci a coletiva — o único poder moral quo pode vir e plantas que lhe sejam mais úteis. O totemismo surge desta
a ser sentido como imposto de fora e que assim sendo, atitude geral quando começa a segmentação social. Na sua
1
preci sa ser representado" . discussão do totemismo, Radcliffe-Brown divergiu claramen-
Embora o enfoque de Durkhoim em relação à religião te da explicação que dava Durkheim de sua génese a par-
possa ter sido valioso, como o enfoque sociológico em tir da psicologia das multidões; porém, em outras portes,
geral, sugerindo novas maneiras de encarar os fatos da an- como por exemplo em sua descrição das danças entre os
tiguidade clássica, deve-se admitir q u e afirmativas tais como ilhéus da Andaman, ele assume praticamente a mesma po-
1
as que mencionei aqui não são senão conjecturas, e mais, sição q u e Durkhei m . Na dança, diz ele, a personalidade
quo elas se aventuram até bem mais longe do que o per- do individuo se submete à ação que sobre ele exerce a
mite a especulação legitima. A s provas invocadas para comunldado, e o concerto harmonioso dos sentimentos
apoiá-las s3o, em qualquer padrão cri ti co, Insuficientes e Individuais com suas ações produz uma unidade máxima o
duvidosas. máxima concordância dentro da comunidade, o que é i n -
Nos tempos modernos, o maior expoente da interpreta- tensamente sentido por cada um de seus membros. Este
ção soci ol ógi ca das religiões primitivas deste lodo do Canal pode ou não ser o caso entre os Andamaneses, mas em
2 um de meus primeiros trabalhos fui obrigado a protestar
foi o durkheimiano inglês A. R. Radcliffe-Brown . (Digo dur-
contra a aceitação da afirmativa como uma generalização,
kheimiano mas acho q u e elo deveu igualmente ou mais a
porque as danças que observei na África Central eram uma
Herbert Spencer). Elo tentou restaurar a teoria durkheimla-
das mais frequentes ocasiões em que imperava a desarmo-
na do totemismo para torná-la mais abrangente, embora
ni a; e minha experiência subsequente confirmaria mou ce-
ao fazê-lo, na minha opinião, tenha-a tornado num dis-
1
ticismo de jovem.
parate . Ele quis demonstrar que o totemismo era apenas
uma forma especial de um fenómeno universal na sociedade A força de uma corrente se põe à prova através do seu
humana, constituindo-se lei geral que qualquer obj eto ou elo mais fraco. Vomoo nos escritos do Radcllffe-Brown quão
fato q u e tenha importantes efeitos sobre o bem-estar mate- insatisfatórios podem se mostrar estas explicações socioló-
rial ou espiritual de uma sociedade tenda a se tornar o b - gicas dos fenómenos religiosos. Em uma de suas últimas
2
conferências, (a Henry Myres Lecture) ele diz que a reali-
jeto de uma atitude ritualística (uma generalização muito
gião é sempre a expressão de uma sensação de depen-
, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dência para com um poder moral ou espiritual fora de nós
1 F. M. Conford, FROM RELIGION TO PHILOSOPHY, 1912, p. 82. mesmos: o que é, se deixarmos Schleiermacher e outros
2 Na analiso da posição da Radcllffe-Brown, ô importante saber que
filósofos
ele terminou suas pesquisas entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
0 3 ilhéus de Andaman antes de se
à parte, um lugar-comum de p ú l p i t o s . . . Mas Rad-
familiarizar com os escritos de Durkheim, sob a Influôncia dos quais
ele viria a publicar os seus resultados.
3 A. R. Radcllffe-Brown, "THE SOCIOLOGICAL THEORY OF TQTE- 1 Idem, THE ADAM AN ISLANDERS, 1922, p. 246.
M ISM ", Fourth Pacific Science Congress, Java, 1929, Biológica! Papers, 2 Radcliffe-Brown, RELIGION AND SOCIETY, Journnl of lho Royol
pp. 295-309. Anthropologlcal Instituto, LXXV (1945).

104
105
cl i ífe-Brown estava tontando formular uma proposição s o -
alma, mas não têm segundas exéquias o u ritos mortuários?
c i o l ó g i c a quo vai muito além deste conceito vago e geral.
Os que não associam a orientação correta a qualidades m o -
So a toso do Durkholm devesse ser demonstrada, verlflcar-
rais superiores? Os que têm linhagens porém não culto do
se-ia, que a concepção do divino varia de acordo com as
ancestrais? E assim por diante. Na ocasião om quo todas 03
diferentes formas das sociedades, uma comprovação pela
exceçõos ootivorom registradas e verificadas, o que sobrar
qual Durkheim não se interessou. Assim, diz Radcliffe-
das teorias há de ser pouco mais do que especulações
B r o w n , desde que a religião tem a função de manter a
razoáveis de um caráter tão vago e geral que será pouco
solidariedade da sociedade, ela deve variar em forma com
o seu valor científico, tanto mais que ninguém sabe o que
os diferentes tipos de estrutura social. Nas sociedades com
fazer dos resultados, pois nada se p o d e r á confirmar nem
sistema de linhagem, deveremos encontrar o culto de an-
negar numa análise final. Se alguém quisesse testar a teoria
cestrais. Os hebreus o os estados-cidade de Grécia e Roma
de Durkheim e a de Mauss acerca da origem e significação
tinham religião nacional, de acordo com seus tipos de es-
da religião, como conseguiria obter suporte para elas ou
trutura politica. Isto é realmente dizer, como fez Durkholm,
demonstrar que estão erradas? Se questionássemos a ex-
que as entidades postuladas pela religião não são senão a
plicação que Hertz dá das duplas exéquias, coloca-se o
sociedade mesma e o raciocínio ó, na melhor das hipóteses,
mesmo problema. Como saber se a religião mantém ou não
apenas razoavolmento aceitável. Quando deixa de ser uma
a solidariedade de uma sociedade? Todas essas teorias
mera reafirmação do óbvio, ele ó muito frequentemente
tanto podem ser verdadeiras como falsas. Podem parecer
contrariado pelos fatos. Por exemplo, o culto de ancestrais
claras e consistentes mas tendem a ridicularizar investiga-
é frequentemente a religião de povos que não têm linha-
ções mais profundas, porque à medida que vão além do
gens, c o m o é o caso de muitos povos africanos; e talvez
simples descrição dos fatos e fornecem explicações, por
o mais perfeito exemplo de um sistema de linhagem seja
outro lado como que evitam a verificação experimental. A
o dos árabes beduínos, que são muçulmanos. E não ó ver-
suposição de que um certo tipo de religião decorre de ou
dade q u e tanto o cristianismo quanto o islamismo foram
acompanha um certo tipo de estrutura social só teria um
adotados por povos c o m tipos bem diferentes de estrutura
alto grau de probabilidade se se pudesse provar historica-
social?
mente não apenas que as alterações na estrutura social
Existem graves objeções a todas essas teorias socioló- se acompanham de alterações no pensamento religioso, mas
gicas (ou deveríamos dizer sociologísticas?) que temos es- também que esta correspondência seja regular. Ou se se
tado considerando, inclusive quanto à inadequada coleta de pudesse demonstrar que todas as sociedades dê um certo
dados que, como eu disse antes, são frequentemente con- tipo têm sistemas religiosos semelhantes, o que para Lóvy-
fusos e geradores de confusão. Então, temos novamente Bruhl era um axi oma; e sua contribuição neste assunto
que enfatizar aqui, os exemplos negativos não podem ser sorá o tema da próxima conferência.
simplesmente ignorados. Eles devem ser Incorporados à
Em conclusão, devemos chamar a atenção para algumas
análise d a teoria proposta, ou então é melhor abandonar
semelhanças que há entre certas teorias q u e mencionamos
a teoria. Como encaixar os povos primitivos que têm clãs
e os escritos marxistas, ou pelo menos alguns deles, que
mas não tôm totens? Os que crêem na sobrevivência d a
em muitos casos e de muitos modos apresentam a mais

107
linear, dlretazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e lúcida exposição de um ponto de vista so- Conquanto não me seja possível discutir mais demora-
ciológico. A religião é uma forma de "superestrutura" social, damente o assunto aqui, eu diria que entre a escola fran-
um " e s p e l h o " ou " r e f l e x o " das relações sociais que re- cesa de sociologia o os teóricos marxistas oxlste, no quo
pousam na estrutura e c o n ó m i c a básica da sociedade. A s concerne à abordagem do estudo dos fenómenos sociais,
noções de espírito, alma, e t c , derivam de um tempo em muitos pontos comuns, embora com roupagens diferentes.
q u e havia lídoros de clã, patriarcas, " e m outras palavras, Embora os teóricos marxistas considerassem Durkheim um
quando a divisão do trabalho levava à segregação do labor idealista burguês, a verdade é que ele poderia muito bem
1
administrativo" . Assim, a religião c o m e ç a pelo culto de ter escrito o famoso aforisma de Marx segundo o qual não
ancestrais e dos mais velhos do cl ã: na ori gem, isto ó um é a consciência do homem que determina sua essência mas
"reflexo das relações de produção, principalmente daquelas sim o seu ser social que determina sua consciência. Bu-
entre senhores e escravos, e a " o r d e m política da socie- kharin cita Lévy-Bruhl com aparente aprovação. E ó a este
2
d a d e " por elas c o n d i c i o n a d a " . A s s i m , a religião tende sem- que nos referiremos a seguir.
pre a tomar a forma d a estrutura econômico-polítlca d a
sociedade, embora possa haver um lapso de tempo no
ajustamento de uma à outra. Numa sociedade formada por
clãs frouxamente entrelaçados, a religião assume a forma
do politeísmo; onde há uma monarquia centralizada, há um
deus único; onde houver uma república comercial cscrava-
gista (como om Atenas, no século VI A.C.), os deuses se
organizam como numa república. E assim por diante. É evi-
dentemente verdade que as concepções religiosas devem
forçosamente derivar d a experiência, e a experiência das
relações sociais deve fornecer um modelo para tais c o n -
cepções. Esta tese pode, pelo menos ocasionalmente, ex-
plicar as formas conceituais assumidas pela religião, mas
não suas origens, suas funções, seu significado. Em qual -
quer caso, nem a etnografia nem a história comprovam a
tese. É, por oxcmpio, falso — ao contrário do que afirma
Bukharin — que durante a Reforma os príncipes governan-
3
tes se alinhassem unanimemente ao lado do p a p a .

1 N. Bukharin, HISTORICAL MATERIALISM. A SYSTEM OF SOCIO-


LOGY, 1925, p. 170.
2 Ibidem pp. 170-1.
3 Ibidem p. 178,

108 109
- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

LÉVY-BRUHL
Nenhuma revisão das teorias d a religião primitiva estaria
apropriada se não devotasse especial atenção aos volu-
mosos escritos de Lévy-Bruhl acerca da mentalidade pri-
mitiva, uma expressão que deriva de um de seus livros,
LA MENTALITÉ PRIMITIVE. Suas conclusões sobre a natu-
reza do pensamento primitivo foram por muitos anos um
assunto de acesa controvérsia, e muitos antropólogos da
época se sentiram compelidos a abordá-las. Após expor e
criticar suas opiniões, farei uma breve revisão do que Pa-
reto tem a oferecer às nossas questões, em parte por ser
ele um acesso útil ao estudo de Lévy-Bruhl, e em parte
porque o que ele tem a dizer serve como uma ponto efi-
ciente na direção da discussão geral e do resumo que se
lhe seguirá.
Lévy-Bruhl era um filósofo q u e já tinha erguido uma
grande reputação através de livros notáveis sobre Jacobi
e Comte antes de voltar sua atenção, como aconteceu com
seu contemporâneo Durkheim, também filósofo, para o es-
tudo do homem primitivo. A publ i cação do seu LA MORALE
ET LA SCIENCE DES MOEURS em 1903 m a r c a a mudança

111
dos seus interesses na direção do estudo da mentalidade em seus livros Iniciais que formaram o corpo de sua notável
primitiva, o que viria a ser sua única preocupação até sua contribuição teóri ca à antropologia; e é a respeito delas
que falarei.
morte, em 1939. Embora suas suposições fundamentais se-
Assim como Durkhei m, ele recusa a orientação da escola
jam sociológicas, sendo portanto possível classificá-lo entro
Inglesa por tentar ela explicar os fatos sociais através de
aqueles autores do quo estive falando, Lévy-Bruhl não se
procossos individuais do pensamento (processos da própria
ajusta muito facilmente a esta categoria, e sempre recusou
escola) que são o produto de condições diferentes daquelas
sua inclusão no grupo de Durkhei m; portanto, é apenas
que moldaram as mentes que se pretende compreender. Os
num sentido formal que ele pode ser chamado, como faz
1
eruditos pertencentes a esta escola se auto-interrogam so-
Webb, um dos colaboradores de Durkhei m . Ele conservou-
bre como teriam eles próprios chegado às crenças e prá-
se mais um filósofo, puro e simples, daí seu interesse se
ticas dos povos primitivos, e depois admitem tacitamente
voltar mais para os sistemas primitivos de pensamento do
que os primitivos chegaram a tais resultados seguindo os
que para as instituições primitivas. Afirmava que se pode
mesmos passos. É sempre inútil tentar interpretar as men-
começar o estudo da vida social tão legitimamente pela tes primitivas em termos de psicologia individual. A menta-
análise das maneiras de pensar quanto pela análise das lidade do individuo deriva das representações coletivas de
formas de comportamento. Talvez possamos dizer que ele sua sociedade, para ele, obrigatórias estas representações,
as estudou basicamente c o m o um lógico, pois a questão por sua vez, são função das instituições. Consequentemen-
da lógica é fundamental em seus livros, como se deve, te, certos tipos de representações e portanto certas ma-
aliás, esperar que sej a em qualquer estudo dos sistemas neiras de pensar, pertencem a tipos determinados de estru-
de pensamento. tura social. Em outras palavras, assim como variam as es-
Seus primeiros dois livros acerca dos povos primitivos truturas sociais, variam também as representações e con-
traduzidos para o inglês sob os títulos de HOW NATIVES sequentemente o pensamento individual. Cada tipo de so-
THINK e PRIMITIVE MENTALITY expunham a teoria geral ciedade tem, portanto, seu tipo distinto de mentalidade,
do pensamento primitivo através da qual seu autor se tor- uma vez que cada uma tem seus costumes e instituições
nou tão conhecido. Seus trabalhos ulteriores eram ampl i a- específicos, o s quais são, fundamentalmente, apenas um
ções destes dois, e m b o r a ele p a r e ç a ter modificado l en- certo aspecto das representações coletivas. Estes costumes
e instituições são, por assim dizer, a soma das representa-
tamente sua visão original à luz das modernas pesquisas
ções considerada objetlvamente. Lévy-Bruhl não quis dizer
de campo; ele era um homem modesto e humilde. Ao fim
com isto que as representações de um povo são menos
de sua vida, ele pode ter modificado sua posição ou pelo
reais do que suas instituições.
menos ter considerado esta possibilidade, se é que pode-
mos julgar a partir dos seus CARNETS, póstumos. Seja Mas as sociedades humanas podem ser classificadas se-
como for, foram suas opiniões do modo como apareceram zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gundo vários tipos diferentes e no entanto, diz Lévy-Bruhl,

____ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
julgando da maneira mais ampla possível, existem dois tipos
principais: — o primitivo e o civilizado, com dois pensa-
1 C C. J. Webb, GROUP THEORICS OF RELIGION AND THE
INDIVIDUAL, 1916, pp. 13 o 14. mentos correspondentes e opostos a eles associados, polo

112 113
d e m . Estas imediatamente se impõem a atenção do homem
q u e podemos falar de mentalidade primitiva e mentalidade
primitivo e a dominam. Se um fenómeno parece a ele i n -
civilizada; e estaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sã o. dilerentes não apenas em grau mas
teressante e se ele não se contenta, por assim dizer, em
também em qualidade. Observar-se-á que Lévy-Bruhl pro-
apenas percebê-lo, passivamente e sem reação, pensará
cura enfatizar as diferenças entre os povos primitivos e os
imediatamente, como por ação de um reflexo mental, num
civilizados; esta é talvez a mais importante observação a
poder oculto e invisível do qual o fenómeno ó apenas uma
fazer acerca do seu posicionamento teórico e ó o que lhe 1
manifestação" .
d á muito de sua originalidade. Por várias razões, muitos
So se perguntar por q u e os primitivos não mergulham,
dos que escreveram acerca dos povos primitivos inclinaram-
como nós fazemos, na p r o c u r a das conexões causais ob-
se a por ênfase nas semelhanças ( ou no que lhes parecia
jetivas, a resposta será que eles não podem fazê-lo, uma
serem semelhanças) entre os primitivos e nós outros; Lévy-
vez que suas representações coletivas são pró-lógicas e
Bruhl achou que seria igualmente correto chamar a aten-
místicas.
ção para as diferenças. Ele é frequentemente criticado por
Estas afirmativas foram recusadas por antropólogos bri-
não ter percebido o quanto nos parocomos comzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
0 3 povos
tânicos, cuja tradição empíri ca leva a que desacreditem
primitivos om muitos aspectos; mas tal crítica perde muito
de qualquer coisa que tenha a natureza da especulação
do sua força desde que reconheçamos a intenção que o
filosófica. Lévy-Bruhl, para eles, ó apenas um teórico de
norteava; ele queria realçar as diferenças e, para torná-las
gabinete que, como os seus colegas franceses, nunca viu
mais claras, dirigiu o foco sobre elas e deixou as semelhan-
um homem primitivo e muito menos chegou a falar com
ças na penumbra. Ele sabia que estava incorrendo em dis-
algum deles. Acho que posso declarar que sou um dos
torções, no caso, o que algumas pessoas chamam de cons-
poucos antropólogos aqui e na Améri ca que tomaram sua
trutor ideal, mas nunca disfarçou isto, e o seu procedimento
defesa, não porque eu esteja de acordo com ele mas por-
é metodologicamente justificável.
que sempre me pareceu que um erudito deva ser criticado
Nós na Europa, diz ele, temos por trás de nós muitos
pelo que disse e não pelo que se supõe que ele tenha dito.
séculos de análise e especulação intelectual rigorosas. Logo, 2
Minha defesa tem portanto de ser exegética, uma tentativa
somos orientados logicamente, no sentido de que normal-
de explicar o que ele pretendeu dizer com suas expressões-
mente procuramos as causas dos fenómenos em processos
chave e seus conceitos-chave — que tanta hostilidade des-
naturais; e mesmo quando nos defrontamos com um fenó-
pertaram. Tais expressões o conceitos são por exemplo,
meno q u e não podemos explicar cientificamente, estabele-
" p r ó - l ó g i c o " , " m e n t a l i d a d e " , "representações coletivas",
cemos que assim ó porque nosso conhecimento é ainda
" m ís t i c o " e " p a r t i c i p a ç õ e s " . Esta terminologia torna seu
deficiente. O pensamento primitivo, porém, tem um caráter
pensamento obscuro, pelo menos para um leitor inglês, de
completamente diferente. Ele se orienta na direção do so-
brenatural. Diz Lévy-Bruhl: " A atitude da mente d o homem
1 L. Lôvy-Brull LA MENTALITÉ PRIMITIVE, 14? edlçfio (1947), pp.
primitivo ó bem diversa. A natureza do meio em quo olo
17/18.
vivo S Q lhe apresenta do modo muito diferente. Todos os 2 E.E. Evans-Pritchard, "Lévy-Bruhrs Theory of Primitive Mentallty",
objot0 3 o seres pertencem a uma rede de participações e BULLETIN OF THE FACULTY OF ARTS, Egyptian Unlversity, (Cairo),
1934.
exclusões místicas. É o que constitui sua textura e sua or-

115
114
modo que ficamos sempre em dúvida quanto ao que ele dizer pouco mais que "não-cl entífi co" ou " a c r ít i c o " . O
queria dizer. homem primitivo seria não-cienlficto e acrítico, embora r a -
Lévy-Bruhl c h a m a de " p r é - i ó g l c o s " os modos de pen- cional.
samento (pensamento mágico-religioso, pois que ele não Quando ele diz que a mentalidade primitiva ou a mente
distinguia pensamento mágico de pensamento religioso) primitiva é pré-Iógica, irrecuperavelmente acrítica, ole não
que parecem tão verdadeiros para um homem primitivo e se está referindo à habilidado ou inabilidade individual para
tão absurdos para um europeu. Ele quer aludir, c o m esta o raciocínio, mas sim às categorias em que o raciocínio se
palavra, a algo muito diferente daquilo que os críticos i ma- processa. Ele não es*á falando de uma diferença biológica
ginaram e lhe atri buíram. Ele não quis dizer que os p r i m i - ou psicológica entre nós e os primitivos, mas sim de dife-
tivos são incapazes de pensar coerentemente, mas sim quo rença soci al . Segue-se daí que ele também não esteja f a -
na maioria, as suas crenças sâo Incompatíveis c o m uma lando de um tipo de mente como a que alguns psicólogos
visão crítica e científica do universo. E que contêm, também, e outros conceberam: intuitiva, lógica, romântica, clássica e
evidentes contradições. Não diz que falta inteligência aos assim por diante. Ele está falando, isto sim, de axiomas,
primitivos, mas sim que suas crenças são Ininteligíveis para valores e sentimentos — mais ou menos o que às vezes se
nós. O que também não significa que. não possamos seguir chama de padrões de pensamento — e diz que entre os
seu raciocínio. Podemos, sim, pois que eles raciocinam de povos primitivos eles tendem a ser místicos e portanto s i -
maneira bastante lógica. Mas partem de premissas diferen- tuados para além de verificação possível pela experiência,
tes e que representam para nós um absurdo. São razoáveis, e indiferentes a contradições. Tomando o mesmo ponto de
mas raciocinam em categorias diferentes das nossas. São vista que Durkheim neste aspecto particular, decl ara que
lógicos, mas os pri ncípi os de sua lógica não são os nossos estes são fatos sociais e não psicológicos, pelo que são
e nem os da lógica aristotélica. Lévy-Bruhl não afirma que gerais, tradicionais e obrigatórios. Estão presontos desdo
"os princípios lógicos são alheios à mente dos primitivos; antes do nascimento do indivíduo quo o s adquire, e pre-
um conceito cuj a absurdidade é evidente no mesmo mo- sentes estarão depois de sua morte. Mesmo os estados
mento em que se o formula. Pré-lógico não quer dizer d e s - afetivos que acompanham as ideias, são socialmente deter-
provido do lógica o u antl-lógico. Esta palavra, aplicada à minados. Neste sentido, portanto, a mentalidade de um
mentalidade primitiva, significa simplesmente que ela não se povo é algo de objetivo. Se ela fosse simplesmente um
preocupa, como nós fazemos, em evitar contradições. A fenómeno individual, seria subjetiva; sua generalidade tor-
mentalidade não mantém sempre presentes as mesmas e x i - na-a objetiva.
gências lógicas. Aqui l o q u e para nossos olhos parece ser
Esses padrões de pensamento que em sua totalidade
impossível ou absurdo é, para a mentalidade primitiva, fre-
1
constituem a mente ou mentalidade de um povo são o que
quentemente aceito sem d i f i c u l d a d e " . Aqui Lévy-Bruhl es-
Lévy-Bruhl c h a m a de representações coletivas, uma expres-
tava sendo demasiado sutil, pois por " p r é - l ó g i c o " , ele q u e r i a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
são de uso c o m u m entre sociólogos franceses da é p o c a ,
provavelmente uma tradução do alemão " V o r s t e l l u n g " . A
palavra sugere algo de muito confuso, embora ele quisesse
1 Lévy-Bruhl, LA MENTAUTÊ PRIMITIVE (The Herbert Spencer Lec-
ture), 1931, p. 2 1 . apenas dizer q u e equivale aquilo que nós chamamos de

116 117
uma idóia, ou noção, ou crença; e quando ele diz que uma representação coletiva do nossa cultura, mas desde que
representação ó coletiva, quer dizer apenas que ela é c o - ola está de acordo com as características objetivas daque-
m u m a todos, ou peio menos à maior parte dos membros le, nós o percebemos objetivamente. A representação
de uma sociedade. Toda sociedade tem suas representa- coletiva do homem primitivo é mística e ele, em conse-
ções coletivas. As nossas tendem sempre a ser críticas e quência, percebe misticamente o objeto, de uma maneira
científicas, e as dos povos primitivos tendem a ser místicas. realmente estranha e na verdade absurda para nós. A
A c h o que Lóvy-Bruhl teria concordado em que ambas me- percepção mística é imediata. O homem primitivo não
recem crédito. percebe, por exemplo, uma s o m b r a e nela aplica a d o u -
Se Lévy-Bruhl tivesse desejado despertar as maiores sus- trina de sua sociedade, segundo a qual a sombra é
peitas num inglês, não poderia ter feito melhor do que fez, uma de suas almas. Quando consciente de sua sombra,
usando a palavra " m ís t i c o " . Mesmo assim, ele esclarece que ele está consciente de sua alma. Poderemos entender
quer apenas dizer o mesmo que dizem os autores ingleses, melhor as opiniões de Lévy-Bruhl se dissermos quo,
quando falam da crença no sobrenatural, na magia, na re- em sua maneira de encarar o assunto, as cronças só apa-
ligião e assim por diante. Ele di z: "Uso este termo à falta recem tardiamente no desenvolvimento do pensamento hu-
de melhor, não aludindo ao misticismo religioso de nossas mano, quando percepções e representações já se separa-
próprias sociedades, que é bastante diferente, mas no sen- ram. Podemos então aizer q u e um individuo percebe sua
tido estritamente definido em que se usa o termo como re- sombra e crê que ela ó sua alma. A questão da crença
ferente à crença em forças, influências e ações imperceptí- não surge entre os povos primitivos. A crença está contida
1
veis para os nossos sentidos, mas, assim mesmo r e a i s " . na sombra. A sombra é a crença. Do mesmo modo, um
As representações coletivas dos povos primitivos dizem res- homem primitivo não percebe um leopardo e acredita que
peito, basicamente, a estas forças imperceptíveis. Conse- ele seja o seu irmão-totem. A s qualidades físicas do leo-
quentemente, assim que as sensações do homem primitivo pardo estão fundidas na representação mística do totem
se tornam percepções conscientes, passam a ser coloridas e a ela se subordinam. Diz Lévy-Bruhl: " a realidade em
pelas ideias místicas que evocam. Passam a ser imediata- que os primitivos vivem ó em si mesma mística. Nenhum
mente conceitualizadas numa categoria mística de pensa- ser, nenhum objeto, nenhum fenómeno natural em suas re-
mento. O conceito domina a sensação e lhe impõo sua presentações coletivas ó aquilo quo a nós pároco ser. Quaso
imagem. Pode-se dizer que o homem primitivo vê um o b - tudo o que vomos lhos escapa, ou lhes é indiferente. Por
jeto do mesmo modo como nós o vomos, mas percebe-o outro lado eles vêem muitas coisas das quais nem sequer
diferentemente, pois no momento em que lhe dedica aten- 1
suspeitamos" .
ção consciente a ideia mística do objeto se instala entre o
objeto e ele, transformado as propriedades puramente obje- Ele vai ainda mais longe. Diz não apenas que as per-
tivas do primeiro. Nós também percebemos no objeto a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cepções dos primitivos engl obam representações místicas
mas que as representações místicas é que evocam as per-

1 Lévy-Bruhl. LES FONCTIONS MENTALES DANS LES S0C1ETÉS


INFÉRIEURES, segunda edição, (1912), p. 30. 1 LES FONCTIONS MENTALES, pp. 30 o 3 1 .

118 119
cepções. No fluxo das impressões sensoriais somentezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
al sentações são místicas, são místicas também. No pensa-
gumas se tornam conscientes. Os homens apenas notam ou mento primitivo as coisas são ligadas de modo que aquilo
prestam atenção a uma pequena parte daquilo q u e vêem que afeta a uma delas, crè-se que afeta outras, não de
e ouvem. O que lhes merece mais atenção é selecionado à medo objetivo, porém através de uma ação mística, embora
base de sua maior afetividade. Em outras palavras, os i n - devamos salientar aqui que o homem primitivo não ó capaz
teresses de um homem são os agentes seletivos, que são de distinguir entre ação objetlva e ação místi ca. Os povos
determinados socialmente. Os primitivos prestam atenção primitivos efetivamente estão mais interessados no que nós
aos fenómenos com base nas propriedades místicas que chamaríamos de supra-senslvel .ou, para usar a expressão
suas representações coletivas lhes atribuíram. Assim, as re- de Lévy-Bruhl, o místico, no que diz respeito às relações
presentações coletivas controlam a percepção e se fundem entre as coisas; interessa-lhes menos o que chamaríamos
com ela. Os povos primitivos prestam grande atenção à de relação lógica entre as coisas. Para tomar o exemplo
própria sombra precisamente porque, em suas representa- que usei antes, alguns povos primitivos se ligam a tal ponto
ções, suas sombras são suas almas. Nós não dedicamos à a suas sombras que o que acontece à sombra os afeta
nossa sombra a mesma atenção porque para nós uma som- também. Assim, seria fatal a um homem cruzar um espaço
bra nada é de positivo, sendo a negação da luz; as repre- aberto ao meio-dia, porque ele perderia a sua sombra.
sentações dos primitivos e as nossas, a esse respeito, se Outros povos primitivos se integram nos seus nomes e não
excluem mutuamente. Assim, não é exatamente que a per- os revelam porque quando um inimigo conhece o nome,
cepção de uma sombra origine a crença (de que o que ó terá o dono do nome em suas mãos. Entre outros povos,
percebido é a alma) na consciência, mas sim é a crença um homem participa em seu filho, de modo que quando o
que faz com q u e o primitivo preste atenção à sua sombra. filho adoece é ele e não o filho quem bebe o remédio.
As representações coletivas, pelos valores que dão aos fe- Essas participações formam a estrutura das categorias em
nómenos, dirigem a atenção para eles, e desde que as re- que se move o homom primitivo, e a partir das quais cons-
presentações diferem amplamente nos povos simples e nos trói sua personalidade social. Existem participações místi-
civilizados, o que o homem primitivo percebe no mundo cas entre um homem o a terra na qual ele vive, entre um
que o cerca será tambóm diferonto do quo percebemos; ou, homem e seu chefe, um homem e seu parente, um homem
pelo menos, as razões que têm para prestar atenção aos e seu totem, e assim por diante, numa gama de relações
fenómenos o serão. que cobre todos os aspectos da vida.
As representações dos povos primitivos têm uma qua- Pode-se notar que, embora as participações de Lévy-
lidade que lhes é própri a, a de serem místicas, o que ó Bruhl lembrem as associações de ideias de Tylor e Frazer,
muito estranho às nossas representaçeõs, pelo que pode- as conclusões a que ele chega são muito diversas das dos
mos falar da mentalidade primitiva como sendo algo "sui outros dois. Para Tylor e Frazer, o homem primitivo acre-
generi s". O principio lógico dessas representações místicas dita na magia porque raciocina incorretamente, a partir da
ó o que Lévy-Bruhl c h a m a de lei da participação mística. observação. Para Lévy-Bruhl ele raciocina incorretamente
As representações coletivas dos povos primitivos consis- porque seu raciocínio é determinado pelas representações
tem de uma rede de participações que, posto que as repre- místicas de sua sociedade. A primeira é uma explicação

120 121
verdadeira, nós dificilmente conseguiríamos nos comunicar
em termos de psicologia individual, enquanto que a segunda zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com um homem primitivo, mesmo para apenas aprender
ó uma explicação soci ol ógi ca. Lévy-Bruhl está correto no
sua linguagem. O simples fato de podermos fazô-lo mostra
que concerne aos indivíduos isoladamente, pois que o s
que Lévy-Bruhl estava salientando exageradamente o con-
indivíduos aprendem os padrões nos quais e através dos
traste entre o homem primitivo e o civilizado, Sou erro
quais se estabelecem as conexões místicas. Ele não as do-
deveu-se parcialmente à pobreza de material de que dis-
duz de suas próprias observações.
punha quando formulou inicialmente sua teoria, e parcial-
A discussão do Lévy-Bruhl acerca da lei d a participação
mente à seleção feita — à qual me referi anteszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQP
— e que
mística ó talvez a mais valiosa e original das partes de sua
privilegiava o sensacional e o curioso em detrimonto do
tese. Ele foi um dos primeiros, se náo o primeiro, a s a -
cotidiano e do factual. Assim, quando Lóvy-Bruhl nos com-
lientar que as ideias primitivas, que nos parecem tão estra-
para com os primitivos, q u e m , na realidade somos nós, e
nhas, às vezes mesmo chegando a parecer idiotas, quando
quem o s primitivos? Ele não distingue diferenças Internas
consideradas como fatos isolados, são plenas de significa-
entre nós, as camadas sociais e ocupacionais diferentes
ção, desde que vistas c o m o segmentos de padrões de ideias
dentro da nossa sociedade, o que era mais gritante c i n -
e de comportamento, tendo cada parte uma relação c o e -
quena antos atrás, do que é hoje; nem distingue a diversi-
rente c o m as demais. Ele reconheceu que os valores for-
dade nos diferentes períodos de nossa história. Será que,
mam sistemam tão coerentes como as construções lógicas
no sentido que ele dá à palavra, a mentalidade dos filósofos
do intelecto e que existe uma lógica de sentimentos assim
da Sorbonne e dos camponeses da Bretanha ou pescadores
como existe uma da razão, embora aquela esteja baseada
da Normandia é a mesma? E, uma vez que o europeu m o -
em um princípio diferente. Sua análise nada tem a ver com
derno emergiu do barbarismo (sociedade com tipo de men-
as historietas fantasiosas q u e comentamos anteriormente,
talidade primitiva), poderíamos determinar o momento e a
porque ele não tenta explicar a magia e a religião primitivas
forma em quo nossos ancestrais atravessaram de um para
por uma teoria que tenci ona mostrar como teriam elas
outro estágio? Tal desenvolvimento não poderia ter ocorrido,
surgido, ou qual a sua causa e sua origem. Ele as aceita
a menos que nossos antepassados primitivos, ao lado de
c o m o consumadas, e procura apenas mostrar sua estrutura
suas noções místicas, tivessem também um corpo de c o -
e o modo pelo qual elas constituem uma prova da existência
nhecimento empírico que os guiasse; e Lévy-Bruhl tem que
de uma mentalidado distinta, c o m u m a todas as sociedades
aceitar que os selvagens às vezes despertam de seus ho-
de um determinado tipo.
nhos, que isto ó necessário no desempenho de suas ati-
Para salientar a especificidade desta mentalidade ele
vidades técnicas, que " a s representações coincidam em al-
aceita que o pensamento primitivo em geral difere também
guns pontos essenciais com a realidade objetiva, e que
em qualidade e nSo somente em grau, do nosso (mesmo
as práticas sejam, em dados momentos, adequadas aos
que haja entre nós pessoas que pensem e sintam como 1
fins al mej ados" . Mas esta aceitação, Lóvy-Bruhl a oncara
os primitivos e admitamos q u e em cada pessoa existe um
substrato de mentalidade primitiva); e este, o seu tema pri n-
cipal, não se pode manter de p é ; no fim de sua vida, ao
que parece, ele próprio o abandonou. Se a afirmativa fosse 1 LES FONCTIONS MENTALES, pp. 354-5.

123
122
como uma concessão de pequena importância e que não francamente uma conclusão ilusória. Talvez não possamos
chegaria a prejudicar seus pontos de vista. No entanto, é culpá-lo por Isto, pois os resultados das intensas pesquisas
evidente que, longe de serem os homens primitivos, os de campo modernos ainda não haviam sido publicados
filhos da fantasia que ele insinua serem, suas chances de quando ele escreveu seus livros mais conheci dos. Na época,
sê-lo são menores que as nossas, pois eles vivem em c o n - creio eu, ele não poderia ter verificado quo, pelo monos em
tacto mais próximo com as ásperas realidades da natureza, geral, as contradições só parecem evidontes quando o o b -
que permitem sobreviver apenas aqueles que são guiados servador europeu alinha lado a lado crenças que, na reali-
em seus objetivos pela observação, pelo experimento e dade, são encontradas em diferentes situações e em dife-
pela razão. rentes níveis de experiência. Nem poderi a ele ter avaliado,
Poderíamos ainda perguntar om que categoria Platão se ao contrário de nós hoje, o fato de que as representações
encaixa, o u onde ficaria o pensamento simbólico de Plotlno místicas não são necessariamente suscitadas por objetos
o do Philo; principalmente porque entre os seus exemplos fora das situações rituais, o u que elas não são sistematica-
de mentalidade primitiva encontramos povos c o m o os c h i - mente evocadas pelos objetos. Alguns povos, por exemplo,
neses, junto a polinésios, melanóselos, negros, índios ame- col ocam pedras nas forquilhas das árvores para retardar o
ricanos, além dos aborlgens australianos. É preciso também por-do-sol, mas a pedra empregada é tomada ao acaso e
salientar uma vez mais que, assim como ocorre em tantas só tem significação mística enquanto dura o rito ou en-
teorias antropológicas, os exemplos negativos são simples- quanto concernento a ele. A visão daquela ou de qualquer
mente ignorados. Cito como exemplo, o fato de que muitos outra pedra não evoca a ideia de por-do-sol. A associação,
povos primitivos não se preocupam com suas sombras ou como assinalei na discussão dos trabalhos de Frazer, ó sus-
seus nomes, embora pertençam, tipologicamente à mesma citada pelo rito e não precisa ocorrer em outras situações.
classe das sociedades que o fazem, na própria classificação Saliente-se também que objetos como fetiches e ídolos são
de Lóvy-Bruhl. construídos por mãos humanas, e que em sua essência
material nâo têm significação. Só a adquirem depois de
Não há nenhum antropólogo digno do nomo que, atual-
dotados de poder sobrenatural através de um rito, que
mente, aceite esta teoria dos tipos distintos de mentalidade.
também por expedientes humanos, lhes infunde tal poder;
Todos os pesquisadores que realizaram prolongados estudos
de modo que o objeto e suas virtudes são conceitos sepa-
de observação direta de povos primitivos concordam em
rados na mente. E mais: na Infância, as noções místicas
quo estes são, em sua maior parte, muito Interessados no
não podem ser evocadas por objetos que para os adultos
quo diz respeitos aos afazeres de ordem prática, que con-
têm significações místicas, pois a criança ainda não tem
duzem de maneira empíri ca, ora sem a menor referência
conhecimento delas, podendo mesmo nem sequer atender
a forças supra-sensíveis ou influências e ações do mesmo
nos objetos. Uma criança, pelo menos entre nós, mais
tipo, ora atribuindo-lhes um papel apenas subordinado e
cedo ou mais tarde descobre sua sombra. Outro fato é que
auxiliar. Deve-se notar também que aquilo que Lévy-Bruhl
objetos que têm valor místico para certos povos não têm
define c o m o sendo a mais fundamental característica da
nenhum para outros: um totem, sagrado para um cl ã, é
mentalidade primitiva ou pré-lógica, a sua incapacidade de
comido por membros de outros clãs da mesma comunidade.
perceber ou se preocupar c o m contradições evidentes, é

124 125
Tais observações sugerem que é necessário formular uma
les; por que aconteceria como aconteceu se não fosse a
interpretação mais suiil. Continuo acreditando que no tempo
bruxaria? Eles estão perguntando por que — c o m o nós
em que escroveu, Lóvy-Bruhl não poderia valorizar, como
diríamos — duas cadeias de eventos Independentes se c r u -
nos ó dado hoje, a vasta complexidade e o rico simbolismo
zam, levando um determinado homemzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
e um determinado
das linguagens primitivas e do pensamento que elas ex-
búfalo ao mesmo lugar e no mesmo tempo. Todos concor-
pressam. O que parece serem contradições intransponíveis
darão em que não há contradição aqui e que, muito pelo
após tradução para o inglês, pode não parecer sê-lo na
contrário, a explicação baseada na bruxaria complementa
linguagem original. Quando, por exemplo, uma afirmativa ó
a explicação da causa natural, lidando com o que nós cha-
traduzida e nela se diz que um homem de tal ou qual clã
maríamos de acaso. A causa que implica a bruxaria ó s a -
ó um leopardo, a coisa nos soa absurda; mas para o nativo,
lientada porque das duas ô ela, a mística, que permite In-
a palavra que tem o significado da palavra " ó " , pode não
tervenção — a vingança contra quem enfeitiçou o homem.
ter o mesmo significado que para nós. Seja como for, não
A mesma mistura de conhecimento empírico e noções mís-
há nenhuma contradição inerente em dizer-se que um ho-
ticas se encontra nas ideias primitivas sobre a procri ação,
mem ó um leopardo. A qualidade do leopardo é algo que
drogas e outros assuntos. As propriedades objetivas das
se adiciona, em pensamento, aos atributos humanos e não
coisas o a causa natural dos acontocimontos podom ser
os diminui. As coisas podem ser diferentemente pensadas
conhecidas mas não são socialmente enfatizadas, ou são
em diferentes contextos. Em alguns, ó apenas a coisa, em
negadas porque entram em conflito com algum d o g m a social
outros, ó algo mais do que apenas a coisa.
que está de acordo com alguma instituição, e nestas cir-
Lévy-Bruhl também estava errado ao supor que há ne-
cunstâncias a crença mística é mais apropriada do que o
cessariamente uma contradição entre uma explicação o b -
conhecimento empírico. Eíetivamente, podemos novamente
jetiva causal e uma explicação mística. Não é verdade. Os
dizer que se não fosse assim seria difícil compreender o
dois tipos de explicação podem ser e na realidade são,
modo pelo qual se erigiu o pensamento científico. Mais
considerados em conjunto, um complementando o o u t r o ;
ainda, uma representação social não ô aceitável se entra
e não são reciprocamente excludentes. Por exemplo, o
em conflito c o m a experiência individual, a menos que o
d o g m a de que a morte se deve a bruxaria não exclui a
conflito possa ser considerado nos termos d a própri a re-
observação de que o homem tenha sido morto por um bú-
presentação ou de alguma outra representação; a explica-
falo. Para Lévy-Bruhl existo aqui uma contradição à qual
ção será, mesmo assim, reconhecimento do conflito. Uma
os nativos são indiferentes. Mão não há contradição ne-
representação q u e afirma que o fogo não quei mará a mão
nhuma, Pelo contrário, os nativos estão fazendo uma análise
que o toca, está fadada a ter vida curta. Uma que afirme
muito aguda da situação. Eles estão perfeitamente cientes
que não haverá queimadura se o indivíduo tiver bastante fé,
de que foi um búfalo que matou o homem, mas sustentam
pode perdurar. Lóvy-Bruhl admite, como vimos, que o p e n -
que isto não teria acontecido se não tivesse havido bruxaria.
samento místico ó condicionado pola oxpcriôncia o que em
Não fosse a bruxaria, o homem não teria sido morto pelo
atividados tais como a guerra, caça, pesca, tratamento das
búfalo, ou teria sido outro homem que não aquele ou teria
doenças e adivinhações, deve se adaptar racionalmente aos
sido outro búfalo e outro espaço e outro tempo e não aque-
objetivos visados.

126
127
Atualmente os antropólogos concordam unanimemente Udade civilizada, mas sim a relação de dois tipos de pen-
em que Lévy-Bruhl mostrou os povos primitivos como sendo samento e de experiência. Ele não visualizou assim o pro-
multo mais supersticiosos, para usar uma palavra mais ela primitiva ou civilizada; um problema do níveis do pen-
c o m u m do que " p r é - l ó g i c o " , do que o eram, na realidade. samento e de experiência. Ele não visualizou assim o pro-
E t a m b ó m sublinhou demais o contraste entre a sua menta- blema, porquo estava dominado, como quaso todos os es-
lidade e a nossa, mostrando-nos mais positivistas do que critoros d a época, por noções de evolução e progresso
realmente somos. De minhas conversas com ele, posso inevitável. Se ele não tivesse sido tão positivista em suas
dizer que neste aspecto ele se sentia em meio a um dilema. próprias representações, certamente se teria perguntado,
Para ele, o Cristianismo e o Judaísmo oram tambóm supers- não quais as diferenças entre os modos civilizado e primi-
ticiosos, indicativos de mentalidade pré-lóglca e mística, e tivo de pensar, mas sim quais são as funções dos dois
assim tinham que ser, de acordo com suas definições. Mas tipos de pensamento em qualquer sociedade ou na socie-
ele não so roforlu a estas religiões, julgo eu que para não dade humana em geral, sendo os mencionados tipos os que
ser ofonsivo. De modo que excluiu o que há de místico em às vezes se costuma chamar de pensamento "expressi vo"
nossa cul tura tão severamente quanto excluiu o que há de 1
e pensamento "Instrumental " . O problema se teria então
empírico nas culturas selvagens. Esta falha, o não ter levado mostrado a ele sob uma luz totalmente diferente, como
em consideração as crenças e ritos da ampla maioria de ocorreu, em diversas tormas, em relação a Pareto, Bergson,
seus semelhantes, tornou viciosa a sua argumentação. Ele William James, Max Weber, e outros. Posso apresentar este
mesmo, como Bergson ironicamente observou, ao acusar novo enfoque de modo preliminar, discutindo brevemente o
constantemente o homem primitivo de nunca atribuir ne- que diz Pareto acerca do pensamento civilizado, uma vez
nhum acontecimento ao acaso, aceitava o acaso. O que que o seu tratado é um verdadeiro comentário irónico da
o colocava na classe dos pré-lógicos. tese Lóvy-Bruhl. Lévy-Bruhl diz d a mentalidade d a nossa
Entretanto, Isto não significa que o pensamento primitivo soci edade: "Eu a considero bem definida pelo trabalho dos
não fosse mais místico (no sentido que ele dava à palavra) filósofos, lógicos, e psicólogos antigos sem prejulgar q u a n -
do que o nosso. O contraste que Lóvy-Bruhl ergue é um to ao q u e uma análise sociológica posterior possa mudar
2

exagero, mas seja como for, a religião e a magia primitivas nas conclusões até agora al cançadas" . Pareto então se re-
levantam para nós um problema real; e um que não esteve porta a escritos europeus de filósofos e outros especialistas
nas cogitações do filósofo francês. Muitos homens que t i - para provar que a mentalidade dos europeus é até bastante
nham larga experiência referente aos povos primitivos fre- irracional ou, como ele diz, distanciada de um pensamento
quentemente se sentiram confusos no trato do assunto; e lógico-experimental.
é verdade que os primitivos frequentemente (principalmente
No enormo TRATTATO DI SOCIOLOGIA GENERALE, tra-
quando tratam de desastres) atribuem os fatos a forças
duzi do para o inglês sob o título de THE MIND AND SO-zyxwvut
supra-sensíveis enquanto que nós, com nosso saber maior,
procuramos suas causas naturais. Mas eu acho que Lévy-
Bruhl poderia ter col ocado melhor o problema. Não ó bem t Ver J. Beattle, OTHER CULTURES, 1964, cp. XII, onde discute esta
distinção.
uma questão de opor mentalidade primitiva versus menta- 2 LES FONCTIONS MENTALES, p. 21.

128 129
CIETY, Vilfredo Pareto dedica cerca de um milhão de pa-
ao resultado o critério de utilidade, Uma crença objetiva-
lavras a urna análise dos sentimentos e das Ideias. Falarei
mente válida pode não ter utilidade para a sociedade ou
apenas daquela parte do tratado que contém algum interesse
para o indivíduo que a cultiva, enquanto que uma doutrina
para o tema da mentalidade primitiva. Pareto tambóm usa
absurda do ponto de vista lógico-experimental p o d e ser
uma terminologia peculiar. Existem, em qualquer sociedade,
útil a ambos. Na verdade, Pareto o afirma c o m o tentativa
"resíduos", que por conveniência poderemos chamar de
de demonstrar experimentalmente " a utilidade Individual e
sentimentos, alguns dos quais respondem pela estabilidade 1
social da conduta a l ó g i c a " .
social ao mesmo tempo em que outros respondem pelas
mudanças sociais. Os sentimentos se expressam em c o m - (A mesma opinião foi mantida por Frazer, por exemplo,
portamento e também em " d e r i v a ç õ e s " (isto é, aquilo que que nos afirma que um certo nível de cul tura, governo,
outros autores chamam de ideologias ou racionalizações). propriedade privada, casamento e respeito pel a vi da hu -
Muitas ações, entre as quais Pareto inclui o pensamento, e mana " d e r i v a m muito de sua força de crenças que atual-
que exprimem estes resíduos ou sentimentos, não são ló- mente dovoríamos condenar sem reservas por serem s u -
2

gico-experimentais (chamemo-las alógicas, para abreviar) e persticiosas e a b s u r d a s " ) .


devem ser distinguidas de ações lógico-experimentais (ou Mais ainda, a procura de causas, por mais imaginárias
simplesmente lógicas). O pensamento lógico depende de que as causas " d e s c o b e r t a s " se mostrem, levou, às vezes,
fatos, e não o contrário, enquanto que o pensamento alógico à demonstração de causas reais: "se alguém afirmasse q u e ,
é aceito " a p r i o r i " e dita ordens à experiência; e se os se não fosse pel a metafísica e pela teologia, a ciência ex-
fatos entram em conflito com a experiência, convocam-se perimental nem sequer existiria, não seria facilmente refu-
argumentos para restabelecer a harmonia. As ações e p e n - tado. Esses três tipos de atividade são provavelmente ma-
samentos lógicos estão em relação com as artes, ciência, nifestações do mesmo estado psíquico q u e , uma vez extin-
3

economia e são também exemplificados em operações mi - to, levaria à extinção simultânea das t r ê s " . Mas do mesmo
litares, jurídicas o políticas. Em outros processos sociais modo. c o m o ó possível que povos capazes de comporta-
as ações o pensamento alógicos predominam. Para verificar mento l ógi co tão frequentemente ajam alogicamente? Tylor
se as ações são lógicas ou alógicas, ó preciso verificar se e Frazer dizem que isto ocorro porque raciocinam errada-
seu propósito subjetivo está em concordância com seus mente; Marett, Malinowski e Freud dizem que é para q u e
resultados objetivos, isto é, se os meios estão objetivamente se aliviem tensões; Lévy-Bruhl e, de c e r t a forma Durkheim,
adequados aos fins visados. O único juiz deste teste deverá dizem q u e ó porque as representações coletivas governam
ser a ciência moderna, isto é, o conhecimento factual que seus pensamentos. Para Pareto, isto se deve aos resíduos.
nós mesmos possuímos. Ao usar a palavra " a l ó g i c o " , Pa- Eu usarei " s e n t i m e n t o s " em lugar desta palavra e lembro
reto não pretende dizer, como tampouco Lévy-Bruhl quando que o próprio Pareto frequentemente fazia tal substituição; zyxwvutsrqponmlkjihgfe
usou a palavra pré-lógico, que o pensamento e a ação
assim chamados seriam ilógicos; antes, quer dizer que tais
1 V. Pareto, THE MIND AND SOCIETY, 1935, p. 35. Ver também LE
pensamentos e ações só subjetivamente e não objetivamente
MYTHE VERTUISTE ET LA LITTÊRATURE IMMORALE, 1911.
correlacionam os fins com os meios. Nem devemos aplicar 2 Frazer, P8YCHE'8 TASK, 1913. p. 4.
3 Pareto, THE MIND AND SOCIETY, p. 591.

130
131
mas, para ser explícito, os " r e s íd u o s " de Pareto são os ele- nalização da ação, porque os homens não apenas têm ne-
mentos comuns om formas de pensamento e ação, uni- cessidade de ação, como t a m b é m de intelectualizá-la, para
formidades abstraídas da fala e do comportamento obser- justificarem o terem agido, pouco importando aqui que os
vados; e os sentimentos são conceltuações destas abstra- argumentos que empreguem sejam razoáveis ou absurdos.
ções, atitudes constantes que embora não possamos obser- Os resíduos e derivações são ambos, portanto, derivados
var, aceitamos que existam, dados os elementos constantes do sentimento; mas a derivação é secundária e menos
observados no comportamento. Assim, o resíduo ó uma abs- importante. É portanto inútil tentar interpretar os compor-
tamentos com base nas razões que os homens dão para
tração do comportamento observado,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e um sentimento é
explicá-los. Neste aspecto Pareto criticava severamente a
um nível mais alto de abstração; uma hipótese. Um exemplo
Herbert Spencer e Tylor por julgarem que os cultos dos
pode ser útil aqui. Os homens sempre se reuniram para
mortos derivavam realmente das razões alegadas, quais
festejos, mas há multas razões diferentes para seus ban-
sejam, as de que as almas e os fantasmas existem. De-
quetes. " O s banquetes em honra dos mortos so tornam
veríamos antes dlzor quo os cultos ó quo dão orlgom ào
banquetes om honra dos deuses e depois banquetes em
razõos, que são apenas racionalizações do que foi feito.
honra dos santos; finalmente, retrocedem e se tornam no-
Ele criticou igualmente Fustel de Coulanges por afirmar que
vamente banquetes meramente comemorativos. A forma
a propriedade de terras surgia como consequência de uma
1
pode mudar mas ó muito mais difícil mudar os b a n q u e t e s " .
ideia religiosa, qual seja, a c r e n ç a de que fantasmas an-
Na Linguagem de Pareto, o banquete é um resíduo e a
cestrais viveriam naquele solo, enquanto que, na realidade,
razão para mantê-lo é a derivação. Não ô nenhum t i p o a posse de terras e a religião se desenvolveram provavel-
especial de banquete, mas simplesmente o hábito de ban- mente ao mesmo tempo, sendo a relação al envolvida uma
quetear-se que o homem teve em todos os tempos e lugares, Interdependência e não uma relação simples, de causa e
que constitui o resíduo. A atitude constante quo subjaz a efeito, unilateral. Mas, embora as ideologias possam atuar
este elemento constante no banquete é o que Pareto c h a m a sobre os sentimentos, são os sentimentos, ou talvez deva-
do sentimento. Todavia, como estamos fazendo um resumo, mos dizer aqui, os resíduos, os modos constantes do com-
empregaremos a palavra sentimento tanto para a abstração portamento —, que são básicos e duráveis; e as ideias, as
quanto para a sua conceptualização. T a m b é m para dlzô-lo derivações, são meramente uma ligação inconstante e v a -
explicitamente, as derivações de Pareto são os elementos riável. As ideologias mudam, mas os sentimentos que as
inconstantes em ação, mas como eles são tão frequente- originam permanecem Imutáveis. O mesmo resíduo podo
mente as razões dadas para que se faça algo, contrastando ató fazer surgirem derivações opostas. Por exemplo, o que
com o elemento constante, que ó o fazer, em s i , Pareto Pareto chama de resíduo sexual pode se expressar através
geralmente usa a palavra para denotar as razões que as de um violento ódio a qualquer manifestação sexual. A s
pessoas dão para os comportamentos q u e têm. O senti- derivações dependem sempre dos resíduos, e n u n c a se
mento é assim igualmente expresso pola ação e pola racio- passa o contrário. As pessoas dão toda a sorte de razões
para explicar a hospitalidade mas, de uma maneira o u ae
outra, todas insistem na hospitalidade. Manifestar hospitall-
1 THE MIND AND SOCIETY, p. 607. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

132 133
1
nos períodos correspondentes" . Se queremos compreender
dade ó o resíduo, enquanto q u e as razões mencionadas
os seres humanos, portanto, devemos sempre procurar por
são as derivações, e elas pouco Importam, de modo que
trás de suas Ideias e estudar seu comportamento; e uma
praticamente qualquer razão serve igualmente bem a este
vez que admitamos que os sentimentos governam o com-
propósito. Se você pode convencer alguém de que as ra-
portamento, não fi ca difícil entender as ações humanas
zões que dá para fazer o que faz são erradas, nem por
em tempos remotos, porque os resíduos mudam pouco atra-
isto vai ele suspender o que vinha fazendo, mas sim pro-
vés dos séculos e mesmo dos milénios. Se não fosse assim,
curará outras razões para justificar a própria conduta. A q u i ,
c o m o poderíamos ainda apreciar os poemas de Homero
Pareto, de modo muito surpreendente cita Herbert Spencer
e as elegias, tragédias e comédias dos gregos e romanos?
aprobatoriamente, no que concerne sua afirmativa do que
Elas exprimem sentimentos dos quais, pelo menos em gran-
não são as idóias mas os sentimontos, aos quais as ideias
de parte, participamos. As formas sociais permanecem fun-
sorvem apenas como guias, quo governam o m u n d o ; ou
damentalmente as mesmas, diz Pareto; muda apenas o idio-
talvez os sontimentos expressos em ação, isto é, os resíduos.
ma cultural em que elas são exprimidas. As conclusões de
Diz Pareto: "Logi camente deve-se primeiro acreditar em
Pareto podem ser resumidas pela afirmativa segundo a qual
uma dada religião e depois na eficácia de seus ritos, o
" a natureza humana não se m o d i f i c a " ou em outras palavras,
que será, evidentemente, uma consequência da crença,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É 2
" a s derivações variam, os resíduos p e r d u r a m " . A s s i m , Pa-
absurdo oferecer uma oração sem que haja ninguém para
reto está de acordo com os q u e dizem que no começo
ouvi-la. Mas a conduta alógica deriva de um processo exa-
era o ato.
tamente inverso. Existe primeiro uma crença instintiva na
Pareto, como Crawley, Frazer, Lóvy-Bruhl e outros do
eficácia do rito e depois vem a necessidade de uma expli-
mesmo período, era um escritor do tipo tesoura-e-cola-tudo,
cação para a crença, o que mais tarde se fundamenta numa
1 tomando seus exemplos daqui, dali, de toda parte e adap-
rel i gi ão" .
tando-os a uma classificação elementar; e seus julgamentos
Existem certos tipos elementares do comportamento on- são superficiais. Mesmo assim, seu tratado nos Interessa
contradiços om qualquer sociedade, em situações similares, porque, apesar de não haver nele discussões sobre os povos
e dirigidos a objetos também similares. Estes, os resíduos, primitivos, ele tem importância para a compreensão do que
são relativamente constantes, desde que surgem a partir diz Lévy-Bruhl acerca da mentalidade primitiva. Este nos
de sentimentos fortes. A maneira exata pela qual se ex- diz que os primitivos eram pré-Iógicos. Pareto diz que
pressam os sentimentos, assim como as ideologias que somos, em grande parte, alôgicos. Teologia, metafísica, s o -
acompanham tal expressão, ó variável. 0 homem, em cada cialismo, parlamentos, democraci a , sufrágio universal, re-
sociedade, expressa-os no idioma particular d a respectiva pública, progresso e o que mais se queira são tão irracio-
cultura. Suas interpretações "tomam as formas que geral- nais quanto qualquer coisa em que os primitivos acreditam,
mente prevalecem nas épocas em que eles evoluíram. Isto uma vez que são igualmente o produto d a fó e do senti-
se compara ao estilo de vo stim o n ta 3 usados poios povos

1 THE MIND AND SOCIETY, p. 660.


2 Ibid. p. 143.
1 THE MIND AND SOCIETY, p. 569.

134 135
mento, e não do experimento e do racioctnio. O mesmo pode como diz Pareto, em termos de derivação, na lógica das
ser dito d a maioria de nossas Ideias e ações; nossa moral, representações ou dos sentimentos que estão subjacentes
nossas lealdades à família e ao pais, e assim por diante. Em às derivações. São eles e não a ciência os responsáveis
seus livros, Pareto dedica ao comportamento e noções ló- pela determinação dos padrões de vida. Segundo Pareto,
gicas das sociedades europeias, praticamonto o mesmo ó apenas no campo tecnológico que a ciência rouba ter-
espaço que Lóvy-Bruhl dedica às sociedades primitivas. reno dos sentimentos na sociedade moderna. Daí nossa
Podemos ser um pouco mais críticos do que e sensíveis dificuldade em compreender a magia primitiva o a bruxaria,
fomos um dia, porém não multo. As áreas relativas do lógi- enquanto que, por outro lado, compreendemos rapidamente
co-experimental e do não-lógico-experimental são bastante a maioria das outras noções dos povos primitivos, desde
constantes através da história em todas as sociedades. que elas se põem de acordo com sentimentos que nós
Mas, e m b o r a as conclusões de Pareto sejam opostas mesmos temos. Os sentimentos são superiores à simples
àquelas de Lévy-Bruhl, pode-se assinalar alguma semelhan- observação e à experimentação, governando a ambas na
ça entre os conceitos analíticos q u e os dois empregam. vi da diária comum.
"Não-l ógi co-experi mental " corresponde a " p r é - l ó g i c o " , " r e - As principais diferenças teóricas entre os dois autores
s íd u o s " corresponde a "participações místicas"; pois, para estão em quo Lóvy-Bruhl considerava o pensamento e o
Pareto, os resíduos são abstrações de elementos relacionais comportamento místicos como sendo socialmente determi-
comuns a todas as sociedades, desde o momento em que nados enquanto para Pareto eles seriam psicologicamente
acréscimos variáveis são afastados, como ó o caso de re- determinados; Lévy-Bruhl inclinava-se a ver o comporta-
lações de família e parentesco, e com lugares, com os mor- mento como um produto do pensamento, ou representações,
tos e assim por diante. As participações particulares — de enquanto que Pareto tratava o pensamento, ou derivações,
um homem com a bandeira de seu país, com sua igreja, como secundário e desimportante; o finalmente om que,
sua escola, seu regimento, a rede de sentimentos em que enquanto Lévy-Bruhl opunha a mentalidade primitiva à men-
vive o homem moderno seriam, para Pareto, derivações. E, talidade civilizada, para Pareto, os sentimentos básicos
de um modo geral, podemos dizer que estas derivações seriam constantes e invariáveis, pelo menos não variariam
correspondem às "representações col eti vas" de Lévy-Bruhl. muito, em relação aos tipos de estrutura social. É esta ú l -
Ambos quiseram, igualmente, demonstrar o mesmo ponto tima diferença que me interessa salientar, porque apesar
de vista, segundo o qual, fora do conhecimento empírico de sua superficialidade, vulgaridade e confusão de conceitos,
o u científico, as pessoas desejam se assegurar de que suas Pareto viu o problema corretamente. Em conferência profe-
noções e conduta estará de acordo com os sentimentos rida em Lausanne, ele disse:
e valores, pouco se importando com o fato de suas pre- " A atividade humana tem dois ramos principais: o do
missas serem ou não cientificamente válidas e suas infe- sentimento e o da pesquisa experimental. Não se pode
rências inteiramente lógicas. E tais sentimentos e valores esquecer a importância do primeiro. É o sentimento que
formam um sistema de pensamento dotado de uma lógica impele à ação, que dá vida às leis morais, ao dever e às
própria. Qualquer acontecimento é logo interpretado, como religiões sob todas as suas complexas e variadas formas.
diz Lévy-Bruhl, em termos de representação, coletiva e, É pela aspiração ao ideal que as sociedades humanas per-

136 137
duram e progridem. Mas o segundo ramo ó também essen-
cial para estas sociedades, ele provo o material de que a
primeira faz uso; a ele devemos o conhecimento que ga-
rante a ação eficaz o a modificação proveitosa do senti- •

mento, graças ao qual ele se adapta aos poucos, lentamente,


é verdade, às circunstâncias dominadoras. Todas as ciên-
cias, as naturais como as sociais, f o r m a m , em seus primór-
dios, uma mistura de sentimento e experimento. Foram ne-
cessários séculos para que surgisse uma separação entre
esses elementos, separação que, em nosso tempo, está
praticamente concluída no que diz respeito às ciências na-
turais, e que j á começa e vai continuar, nas ciências
1
sociais" .
Era intenção de Pareto estudar o papel desempenhado
pela ação e pensamento lógicos e alógicos no mesmo tipo
de cultura e de sociedade, a Europa antiga e moderna, mas
CONCLUSÃO
Acabamos de fazer uma revisão, com alguns exemplos,
ele não o fez. Ele escreveu muito acerca daquilo quo con-
dos vários tipos de teorias que foram propostas para expli-
siderava c o m o sendo crenças falaciosas e comportamento
car as práticas e crenças religiosas do homem primitivo.
irracional, mas nos disse muito pouco acerca do senso
Na sua maior parte, as teorias que estivemos discutindo são,
comum, crenças científicas e comportamento -empírico.
pelo menos para os antropólogos, algo de morto há tempos,
Portanto, assim como Lóvy-Bruhl nos deixa com a impres-
o que atualmente têm apenas interesse enquanto espécimes
são dos primitivos como homens quase continuamente en-
do pensamento de seu tempo. Alguns dos livros, como os
volvidos em rituais o sob o domínio de crenças místicas,
de Tylor, Frazer e Durkheim, certamente continuarão a ser
Pareto nos dá a impressão de europeus como homens que
lidos c o m o clássicos, porém não são mais do que um es-
estiveram, em todos os períodos de sua história, à mercê
tímulo para os estudantes. Outros, c o m o os de Lang, King,
dos sentimentos, expressos em uma variedade de noções e
Crawley e Marett, j á se encontram mais ou menos no es-
ações que ele reputa absurdas. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
quecimento. Tais teorias j á não oferecem mais nenhuma
atração por causa de alguns fatores; destes, quero mencio-
nar uns poucos.
Uma das razões é, creio eu, que a religião deixou de
preocupar a mente dos homens da maneira como fazia nos
fins do século passado e no início do atual. Os antropólogos
1 JOURNAL D Ê C 0 N 0 M I E POLITIQUE, 1917, p. 426. Apêndice ao sentiram que estavam vivendo uma criso importante na his-
livro de Q.C. Curtlus, AN INTRODUCTION TO PARETO. HIS SOCIOLOQY, tória do pensamento o quo tinham um papel a desempenhar
1934.
dentro dela. Max Muller assinalou em 1878 que " t o d o s o s

138 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
139
dias, todas as semanas, todos os meses, as revistas mais primitivo, passou a ser desacreditado. Não é apenas que
amplamente lidas parecem agora conjugadas para nos dizer os fatos revelados peia pesquisa moderna frequentemente
que o tempo da religião passou, quo a fé ó uma alucinação pusessem em dúvida as teorias iniciais, mas também quo
ou uma doença infantil e que os deuses foram finalmente se foi verificado que elas tinham erros em sua construção.
1
encontrados o destruídos" . Vinte e sete anos mais tarde, Quando os antropólogos tentaram empregá-las em seu tra-
2
em 1905, Crawley escreveu que os inimigos da religião d e - balho de campo verificaram que elas tinham pouquíssimo
senvolveram o antagonismo entre ci ênci a e religião a ponto valor experimental, porque eram formuladas em termos que
de transformá-lo numa guerra mortal e a opinião ganha raramente permitiam sua adequação a problemas que a
peso em todas as partes, repetindo que a religião é mera simples observação podi a resolver, pelo que não poderiam
sobrevivência de uma era mltopoótica e primitiva e que seu ser dadas como falsas nem como verdadeiras. Que utilida-
fim é uma questão de tempo. Em outra p u b l i c a ç ã o 3
comen- de teriam para a pesquisa de campo as teorias de Tylor,
Muller e Durkheim acerca da origem da religião?
tei o papel desempenhado pelos antropólogos nesta luta,
de modo que não discutirei mais longamente o assunto É sobre a palavra orlgerrUque se coloca ênfase, Ê por-
agora. Menciono-o aqui apenas por pensar que as crises que as explicações das religiões foram fornecidas em termos
de consclôncia de certo modo ajudaram ao florescimento do origens que os debates teóricos, antes tão cheios de vida
dos livros sobre as religiões primitivas neste período, e e explosivos, terminaram arrefecendo. Para mim, ó extraor-
também porque a cessação de tais crises deve ter parte dinário que alguém tenha considerado válido especular
na diminuição do interesse dos antropólogos de gerações acerca do que poderia ter sido a origem de algum costume
mais recentes com relação ao mesmo assunto, que tanto ou crença, desde que não há absolutamente nenhum modo
de descobrir, sem apoio histórico, qual teria sido a origem
apaixonara seus antecessores. O último livro em que sen-
verdadeira. Mesmo assim, foi isto que quase a maioria de
timos um sentimento de conflito e de urgência é o de S. A.
nossos autores explícita ou implicitamente fizeram, fossem
Cook (THE STUDY OF RELIGION) terminado e publicado
suas teses psicológicas ou sociológicas; mesmo os mais
quando a guerra de 1Q14 já havia sido desencadeada.
hostis ao que chamavam de pseudo-história não escaparem
Há outras razões pelas quais a discussão cessou. A de propor explanações semelhantes às que combatiam. Po-
antropologia estava se tornando um ramo experimental, e der-se-ia escrever um longo ensaio acerca da apavorante
à medida em que se desenvolveu a pesquisa de campo, confusão que ocorreu nessas discussões no que concerne a
tanto em qualidade quanto em quantidade, tudo o que pa - ideias de evolução, desenvolvimento, história, progresso,
recia pertencer mais à área d a especulação filosófica por origem, génese, caráter primitivo e causas, e não me p r o p o -
parte de eruditos que jamais tivessem visto um homem nho a fazê-lo. Baste-me dizer que há pouco o u nenhum
proveito a tirar dessas teorias.
1zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
LECTURES ON THE ORIGIN AND GROWTH OF RELIGION, 1878 Tantos exemplos já foram dados q u e eu quero citar
p. 218. apenas mais um. Herbert Spencer e Lord Avebury lidaram
2 Crawley, THE TREE OF LIFE, 1905, p. 8.
3 Evans-Pritchard, RELIGION AND THE ANTHROPOLOGISTS Blackf- com o totemismo através de uma teoria segundo a qual
rlars, Abril, 1960 pp. 104 — 18. o mesmo se originava da prática de dar nome aos indiví-

140 141
magia o u culto de fantasmas, podendo os dois últimos ser
duos, por uma ou outra razão, a partir de animais, plantas,
1
encontrados em estado incipiente. Por outro lado, estes
objetos inanimados. Diz Avebury : estes nomes então se
povos que são os mais baixos na escala do desenvolvimento
tornaram ligados às famílias das pessoas que os receberam
social e cultural têm, como assinalou Androw Lang, uma
e sua descendência; e, quando a origem dos nomes estava
religião monoteística, cujo deus é eterno, onisciente, bene-
esquecida, uma misteriosa relação com as criaturas e os
objetos se estabeleceu, evocando horror e levando ao culto. ficiente, moral, onipotente e criativo, satisfazendo a todas
Além do fato de que não há provas de que as criaturas to- as necessidades dos homens, sejam elas racionais, sociais,
têmicas, pelo menos usualmente suscitem nenhuma resposta morais ou emocionais. A s discussões acerca d a prioridade
que possamos chamar de horror, é de que sejam cultuadas, o u não do monoteísmo pertencem aos tempos pré-antropo-
como provar que o totemismo se originou assim? É possível; lógicos, como se encontra, por exemplo, no THE NATURAL
mas como investigar o assunto ou testar a validade d a HISTORY OF RELIGION (1757), de David Hume, no qual
suposição? ele tencionou dizer que o politeísmo ou a idolatria era a
mais inicial das formas de religião, baseando seus argu-
Muitas tentativas foram feitas por eruditos alemães (es-
mentos em fatos históricos, registros de povos primitivos e
pecialmonte Ratzol, Frobenius, Gríibner, Ankerman, Foy,
também na lógica. As controvérsias eram, c o m o se pode
Schmidt, cujo método era conheci do como "Kul turkroi sl eh-
esperar, adornadas por consideraçeõs teológicas e conse-
r e " ) no sentido de estabelecer uma cronologia para as cul -
quentemente inflamadas (como no livro de Hume) e tenden-
turas primitivas, partindo de provas circunstanciais. Wilhelm
tes a gerar polémicas. Hume escrevia como um crente, mas
Schmidt foi o expoente deste método de reconstrução no
podemos considerar ambígua a sua posição religiosa. É
que concerne as religiões primitivas, usando critérios tais
acima de tudo, como Lang tinha também admitido, o desejo
c o m o distribuição geográfica de caçadores e coletores e
de obter uma causa lógica para o universo que leva o
seu baixo estágio de desenvolvimento económi co. Ele admi-
homem a crer em Deus, pois esta resposta a um ostímulo
tiu que os povos que não têm o cultivo das plantas e o trato
externo combinada c o m a tendênci a à personificação lho
dos animais — os pigmeus e pigmóides d a A f r i c a e da Ásia,
d á a ideia de uma pessoa divina, um ser supremo. No que
os aborfgines do sudoeste da Austrália, os andameneses,
diz respeito a esta explicação dos deuses, Lang e Schmidt,
os esquimós, os povos da Terra do Fogo e alguns índios
se classificam entre os autores inteiectualistas. A origem
americanos — seriam os povos "etnol ogi camente mais ve-
da concepção está na observação e na inferência mas,
l h o s " . Eles pertencem à cultura primitiva que então se d e -
segundo eles, ambas então se haviam mostrado corretas.
senvolveu em três linhas independentes e paralelas: matri-
A teoria pode ser uma hipótese aceitável no que concerne
linear e agricultura, patrilinear e totêmica e patriarcal nó-
ao ser criador, porém não e x p l i c a satisfatoriamente, julgo
made, cada uma delas com seus próprios modos de pen-
eu, o predomínio do monoteísmo entre esses povos mais
samento e sua própria perspectiva no mundo. Na cultura
simples.
primitiva não há totemismo, culto do fetiche, animismo, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Schmidt tentou pôr em descrédito os etnólogos evolucio-
nistas, cujos esquemas supunham que a ordem de desen-
1 MARRIAGE, TOTEMISM, AND RELIGION. AN ANSWER TO CRITIC8. volvimento destes povos se deveria fazer do mais baixo
1911, pp. 86 e 87.

143
142
grau de fetichismo, magia, animismo, totemismo e assim sustentáveis acerca da origem da religião, lista que se com-
por diante. Indubitavelmente ele demonstrou sua tese con- pleta com fetichismo, manlsmo, mito-natural, animismo, t o -
tra os adversários, mas sendo forçado, como aconteceu temismo, dinamismo ( " m a n a " , e t c ) , magismo, politeísmo o
c o m Lang, a aceitar o s mesmos critérios evolucionistas vários estados psicológicos. Ninguém, que eu saiba, de-
deles, dando cronologia histórica aos níveis culturais. Efe- fende mais estas posições hoje em dia. Os grandes avan-
tivamente, do lado positivo, não me parece que elo tonha ços que a antropologia social conseguiu através das pes-
estabelecido firmemente sua posição e acho seu raciocínio quisas de campo, desviaram nossos olhos d a vã procura
tendencioso, e duvidoso o seu mótodo de utilização das das origens e as muitas escolas que disso cuidaram de-
fontes. Deve muito ao Padre Schmidt por sua exaustiva sapareceram no ar.
discussão d a religião dos primitivos e das teorias das re- Creio que a maioria dos antropólogos concordaria atual-
ligiões primitivas, mas não acho que sua reconstrução dos mente em que é inútil procurar por um " p r i m o r d i u m " na
níveis históricos possa ser mantida, nem que os métodos religião. Schleiter diz, acertadamente, que " t o d o s os esque-
que empregou possam ser aceitos c o m o genuinamente mas evolucionistas das religiões, sem qualquer exceção,
históricos, como ele afirmou. Trato do assunto brevemente, partem, ao tentar a identificação dos primórdios e dos es-
porque ele ó c o m p l i c a d o ; e m b o r a Schmidt, homem de forte
tágios seriais de desenvolvimento, de bases arbitrárias e
personalidade e grande cultura, tenha construído em torno 1
desgovernadas" . Do mesmo modo, estabeleceu-se firme-
de si uma escola em Viena, esta veio a se desintegrar após mente que em muitas religiões primitivas as mentes do3
a sua morte; e duvido que haja hoje em dia muitos defen- povos funcionam de maneiras diferentes em diferentes níveis
sores de suas reconstruções cronológicas, que foram outra e contextos. Assim, um homem pode dedicar-se a um fe-
tentativa de descobrir as origens da religião om que, dadas tiche por vários motivos, enquanto que apela para Deus em
as circunstâncias, a ciência não podo ajudar com nenhuma situações outras; e uma religião pode ser ao mesmo tempo
confirmação positiva. politeísmo e monoteística segundo o Espírito seja concebi do
É preciso, no entanto, assinalar, que o verdadeiro mono- como um só, o u mais de um. É também atualmente claro
teísmo nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3cntido histórico da palavra poderia ser consi- que na mesma sociedade primitiva pode haver, como assi-
derado uma negação do politeísmo, e assim não poderia nalou Radin, amplas diferenças a este respeito entre indi-
2

tê-lo precedi do; e a este respeito, quero citar Pettazzonl: víduos, o que ele atribui ao temperamento . Finalmente, eu
" o que encontramos entre povos não civilizados, não é suponho ser pacífico que a explicação do tipo causa-efeito
monoteísmo em legitimo significado histórico, mas a Ideia que estava implícita em muita teorização inicial só di fi ci l -
de um ser supremo e a identificação errónea, a assimilação mento poderia estar de acordo com o pensamento científico
equivocada desta ideia para com o verdadeiro monoteísmo moderno em geral, desde q u e este procura basicamente
1
só pode dar lugar a c o n f u s õ e s " . revelar e compreender relações constantes.

Portanto, devemos acrescentar o monoteísmo (no sentido


que Schmidt dá à palavra) à nossa lista de hipóteses In-
1 F. Schleiter, RELIGION AND CULTURE, 1919. p. 39.
2 Radin, MOtfOTHEISM AMONG PRIMITIVE PEOPLES, 1954, pp.
1 Pettazzonl. ESSAYS ON THE HISTORY OF RELIQtONS, p. 9. 24-30.

144 145
o cingalês, uma Ifngua indo-européia. Do mesmo modo,
Nestas teorias, foi suposto o tido como certo que nós
Darwin, num trecho bastante acientlfico, descreve o povo
estamos em uma extromldado da escala do progresso hu-
da Terra do Fogo, um povo muito agradável, segundo me-
mano o o s chamados selvagens na outra, e que, uma vez
lhores observadores, como bestas praticamente sub-huma-
que o homem primitivo se encontra em um nível tecnológico 1
nas e Galton, num espirito ainda menos cientifico, afirma
muito baixo, seu pensamento e seus costumes devem por
que seu cão tinha mais inteligência dos que os Damara
força ser o oposto dos nossos. Nós somos racionais e os 2
(Herero) que ele contactou . Muitos outros exemplos po-
primitivos pré-lógicos vivendo num mundo de sonhos e
t
deriam ser citados. Uma magnífica coloção de observações
fantasia, de mistério e de terror; nós somos capitalistas,
amalucadas, se não ultrajantes, deste tipo, pode ser, por
eles comunistas; nós monógamos, eles promíscuos; nós 3
exemplo, encontrada no trabalho APTITUDES OF RACES ,
monoteistas e eles fetichistas, animistas, pró-animistas ou
do Padre Frederic W. Farrar, o autor de ERIC, OR LITTLE
que mais seja; e assim por diante.
BY LITTLE e THE LIFE OF CHRIST. Seu desagrado e sua
O homem primitivo foi assim apresentado como sendo
hostilidade para com os negros ó semelhante ao de Kings-
infantil, rude, pródigo e comparável aos animais e aos i m-
ley. Cinquenta anos de pesquisa demonstraram que o de-
becis. Herbert Spencer nos diz que a mente do homem
negrir (a palavra neste contexto ó etimologicamente Irónica)
primitivo ó "i ncapaz da especulação, da generalização,
assim tal raça eram apenas equívocos adivindos de infor-
acrítica, e desprovida de noções, salvo algumas raras, forne-
1
mações erróneas e grosseiras.
cidas pelas percepções" . A q u i , mais uma voz, ele diz que
nos vocabulários não desenvolvidos e nas estruturas grama- Tudo isto so enquadrava muito bem nos interesses c o -
ticais primárias dos homens primitivos, somento os pensa- lonialistas e outros; e devemos admitir que algum descré-
mentos mais simples encontram lugar, do modo que, de dito deve caber aos etnóiogos americanos que procuravam
acordo com uma autoridade que ele cita mas cujo nome uma desculpa para a escravidão e para uns outros tantos
o m i t o , os índios Zuni "necessitam de muita contorção facial que andavam procurando o elo perdido entre o macaco e o
para tornar as suas frases intelegfveis"; e que a linguagem homem.
dos bosquimanos, necessita, segundo outro autor, de tanta É claro que se afirmou terem os povos primitivos as mais
gesticulação, quo ó Incompreensível no escuro, os arapahos, rudimentares concepções religiosas, e nós tivemos ocasião
teria dito uma terceira autoridade, "dificilmente conversam de observar, durante estas conferências, como se disse
2
um com o outro no e s c u r o " . Mas Muller cita Sir Emerson que eles as tinham al cançado. Isto pode ser ainda melhor
Tennet quando afirma que os vedas do Ceilão não têm demonstrado pelo condescendente argumento — uma vez
linguagem: "eles se fazem entender por sinais, caretas, que estava assegurado além das dúvidas que os povos p r i -
e sons guturais quo pouco se parecem com palavras ou
com a linguagem em g e r a l " . A verdade é que eles falam zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
3

1 C. Darwin, VOYAGE OF THE BEAGLE, 1831-36. Ed. de 1906. Cap X.


2 F. Galton, NARRATIVE OF AN EXPLORER IN TROPICAL SOUTH
1 Op. Cit. p. 344. AFRICA, edição do 1889, p. 82.
2 Op. Cit., p. 149. 3 TRANSACTIONS OF THE ETHNOLOGICAL SOCIETY OF L0 N D 0 N ,
3 SELECTED ESSAYS ON LANGUAGE, M YTH0L0G Y AND RELIGION, N. S. V. (1867). pp. 115-126.
II, 27

147
146
mltivos, mesmo os caçadores e coletores, têm deuses com religiosa das mentes dos Bechuana, hotentotes e bosquima-
altos atributos morais — de que eles devem ter tomado de 1
n o s " . Era frequente nessa é p o c a negar que os povos menos
empréstimo a ideia ou a palavra (sem compreender seu sen- desenvolvidos culturalmente tivessem qualquer tipo de re-
tido) a uma cultura mais elevada, seja de missionários, ligião. Esta era a opinião de Frazer, como vi mos; e até em
viajantes, ou o que seja. Tytor disse isto de modo certa- 1928 nós encontramos Charles Singer negando que os sel-
mente erróneo, como Andrew Lang demonstrou, acerca dos vagens tenham qualquer coisa a que possamos chamar do
1
aborlgines australianos . Sidney Hartland era d a mesma um sistema religioso, uma vez quo suas práticos e crenças
2
opinião de Tylor . Dorman, também sem qualquer prova, 2
eram totalmonto desprovidas de coerência . O que ele quer
diz categoricamente dos ameríndios: " n e n h u m a aproxima- dizor ó, suponho eu, que os selvagens não têm uma filo-
s

ção ao monoteísmo havia sido conseguida antes da desco- sofia da religião ou uma apologética teológica. Pode até
5
berta da Améri ca pelos e u r o p e u s " . A pesquisa moderna ser verdade q u e as crenças primitivas sejam vagas e i n -
mostrou que muito pouco valor podem ter afirmativas deste certas, mas parece não ter ocorrido a estes autores que
tipo; mas era mais ou menos um axioma na época, o afir- assim são também as das pessoas comuns em nossa pró-
mar que quanto mais simples a tecnologia e a estrutura pria sociedade; como poderia ser de outro m o d o , se a
social, moio degradados os conceitos religiosos o mesmo religião diz respeito a sores quo não podem sor dlretamon-
outros conceitos, também. E o arbitrário Averbury chegou te apreendidos pelos sentidos o u totalmente compreendidos
ao ponto de dizer quo não havia crença em deuses nem pela razão? E se seus mitos religiosos parecem às vezes
qualquer culto e, portanto, segundo ele, religião alguma ridículos, não o são mais do que os dos gregos e o s de
entre os australianos, tasmanianos, andamaneses, esquimós, Roma e da índia, tão admirados pelos eruditos clássicos
índios do norte e do sul da Améri ca, alguns polinésios, e orientalistas; e nem tampouco são os sous deuses tão
alguns ilhéus das Carolinas, hotentotes, alguns kaffires d o revoltantes.
sul da Áfri ca, os Fulani da Africa Central, os Bambara d a
4
Os pontos do vista do que falei até agora não poderiam
África Ocidental e o povo da Ilha D a m o o d . O famoso mis-
ser aceitos hoje. Quanto à possibilidade de que se justifi-
sionário Moffat, que se excusava de descrever as maneiras
cassem com base na informação de que se dispunha à
e os costumes dos Bechuana alegando que fazê-lo " n ã o
6
é p o c a , não farei comentários, pois que não efetuei a tra-
seria nem muito instrutivo nem muito e d i f i c a n t e " afirmou
balhosa pesquisa literária indispensável a que formasse um
que Satã havia apagado " q u a l q u e r vestígio de impressão zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
julgamento. Minha tarefa é apenas de exposição, mas devo
também apresentar o que me parecem ser as fraquezas fun-
damentais das interpretações da religião primitiva q u e du-
1 Tylor, "O N THE LIMITS OF SA VAGE RELIGION", J.A.I., XXI 1892
p. 293. rante algum tempo pareceram merecer crédito. Seu pri -
2 E. S. Hartland. "THE HIGH GODS OF AUSTRÁLIA", Folk-Lore, IX, meiro erro foi se basearem em pressuposições evolucionistas
1898, p. 302.
para as quais não havia nem poderia haver provas. O se-
3 R. M. Dorman, THE ORIGIN OF PRIMITIVE SUPERSTITIOMS 1881
p. 15.
4. Op. Cit., caps. 5 e 6.
5 R. Moffat. MISSIONARY LABOURS AND SCENES IN SOUTHERN 1 Ibidem, pp. 244 e 260/3.
AFRICA, 1824, p. 249. 2 C. Singer, RELIGION AND SCIENCE, 1928, p. 7.

148 149
gundo ô que, além de serem teorias referentes a origens 1
nossa própria é trabalho muito d u r o " . É realmente trabalho
cronológicas, eram tambóm referentes a origens psicoló- duro, especialmente quando lidamos com assuntos tão d i -
g i c a s ; até mesmo aquelas que chamamos de sociológicas, fíceis quanto o são a magia e religião primitivas, nos quais
poderíamos dizer que repousam, em última análise, em ó muito fácil, ao tentar a tradução das concepções dos
suposições psicológicas do tipo " s e eu fosse um cavalo". povos mais simples para as nossas, fazê-lo transplantando
E dificilmente poderia ter sido de outro modo, se nos lem- o nosso para o seu pensamento. Se é verdade, como afir-
brarmos de que os autores eram antropólogos de gabinete, maram os Seligman, q u e em matéria de magia os povos
cuja experiência se restringia à sua própri a cultura e sua brancos e negros se encaram uns aos outros com total falta
própria sociedade e, dentro desta, a um confinamento nu - 2
de compreensão, as ideias que o homem primitivo tem a
ma minúscula classe de intelectuais. Estou certo de que respeito devem ter sido gravemente distorcidas, especial-
homens como Avebury, Frazer e Marett não tinham qual- mente por aqueles que nunca viram um homem primitivo
quer ideia de como sentia o pensava o trabalhador inglês e que consideram a magia uma superstição fútil. Por isto
de sou tempo, o não surproondo que tivessem ainda menos houve a tendência a analisar o fenómeno como se nos imagi-
no quo concerne os homens primitivos, que jamais viram. nássemos nas mesmas condi ções que os homens primitivos.
Como vimos, suas explicações acerca da religião primitiva
Como assinalei em minha primeira conferência, considero
derivava d a introspecção. O erudito se colocava na posição
este problema da tradução c o m o sendo fundamental em
do homem primitivo: se ele mesmo acreditasse no que o
nossa especialidade. Darei " m a i s um e x e m p l o " . Nós usa-
primitivo acredita ou praticasse o que ele pratica, teria sido
mos a palavra " s o b r e n a t u r a l " quando falamos do alguma
guiado por uma certa linha de raciocínio ou impelido por
crença nativa, pois isto ó o que significaria a coisa para
algum estado emocional ou mergulhado na psicologia das
nós; porém, longe do aumentarmos a nossa compreensão,
multidões ou envolvido numa rede de representações mís-
fica mais provável quo a partir de então passemos a c o m -
ticas e coletivas.
preender ainda menos. Temos o conceito da lei natural e
Em diversas ocasiões fomos instruídos para não tentar a palavra " s o b r e n a t u r a l " nos dá a idóia de algo que está
interpretar o pensamento de povos antigos e primitivos nos fora da operação c o m u m de causa e efeito, mas este sen-
termos da nossa própria psicologia, que foi moldada por um tido pode estar completamente ausente para o homem pri -
sistema de instituições muito diferente da deles; assim nos mitivo. Por exemplo: muitas pessoas estão convencidas de
instruíram Adam Ferguson, Sir Honry Maine o outros, i n - que a morte é provocada por bruxaria; falar a estas pes-
cluindo Lóvy-Bruhl quo, nosto aspecto, pode ser consi- soas da bruxaria como sendo algo de sobrenatural dificil-
derado o mais objetivo de todos os que escreveram sobre mente refletiria a opinião que eles mesmo têm do assunto,
a mentalidade primitiva, dentre aqueles cujos livros estive- desde que do seu ponto do vista, nada poderia sor mais zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
mos comentando. Escreveu Bachofen para Morgan: " O s
eruditos alemães pretendem tornar a antiguidade inteligível
medindo-a de acordo com as ideias correntes nos dias
1 C. Resek. LEWIS HENRY MORGAN: AMERICAN SCH0LAR, 1960,
atuais Na criação do passado, eles apenas se vêem a si p. 136.
próprios. Penetrar na estrutura de uma mente diferente da 2 C. G. e B. Z. Seligman.PAGAN TRIBES OF THE NILOTIC SUDAN,
1932, p. 25.

150 151
natural Eles vivenciam isto pelos sentidos, na morte e em Aqui e agora passo a ter uma tarefa nova; sugerir qual
outras desgraças,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e os bruxos são vizinhos seus. Efetiva- deveria ter sido o processo de Investigação das religiões
mente, para eles, se uma pessoa não morre por ação de primitivas. Não nego que os povos tenham razão para suas
bruxa: ia é que não morreu, em um certo sentido, de morte crenças, que as aceitem como racionais; não nego que os
natural; morte natural é morrer por obra de bruxaria. Po- ritos religiosos possam se acompanhar de experiências
deríamos aqui considerar melhor a dicotomia entre " s a - emocionais e que o sentimento possa mesmo ser um ele-
g r a d o " e " p r o f a n o " , assim como o sentido de " m a n a " , e mento Importante neles; e certamente não nego que as
Ideias semelhantes, as diferenças entro magia e religião, e idóias e práticas religiosas estejam diretamente relaciona-
outros tópicos que me paroce estarem ainda confusos, pri n- das com os grupos sociais — que a religião, soja qual for,
cipalmente por causa da nossa incapacidade de perceber ó um fenómeno social. O que nego é que possa ser ex-
que nos defrontamos com problemas semânticos fundamen- pl i cada por qualquer um destes fatos ou mesmo por todos
tais; ou seja, se preferirmos, problemas de tradução; mas eles em conjunto, e sustento que não ó método científico
Isto levaria a uma longa discussão e espero dedicar-lhe a correto procurar por origens, especialmento quando elas
devida atenção em outro tempo e lugar. não podem ser encontradas. Sempre que expliquemos os
fatos da religião primitiva sociologicamente, deveremos fa-
Referir-me-ei apenas de passagem, mais uma vez, ao
zê-lo em relação com fatos outros, aqueles que com ela
apavorante nevoeiro de confusão que durou muitos anos e
formam um sistema de ideias o práticas e outros fenómenos
ainda não se dispersou e que diz respeito ao conceito
sociais que se lhe associam. Como exemplo do primeiro
(basicamente polinésio) de " m a n a " ; a confusão nasceu em
tipo de explicação parcial, tomemos a magia. Tentar en-
parte de registros incertos recebidos da Melanésia e Po-
tender a magia como uma idóia em si, qual seja sua es-
linésia, e mais ainda das especulações de autores de i n -
sência, é tarefa inútil. Torna-se mais fácil compreendê-la
fluência, tais c o m o Marett e Durkheim, que conceberam
quando ela ó vista não somento em relação com atividados
" m a n a " como uma força vaga e impessoal, uma espócie de
empíricas, mas também em relação com outras crenças,
éter ou eletrlcidade que se distribuía por pessoas e coisas.
como uma parto de sistema de pensamento; freqúentemento
Pesquisas mais recentos parecem ter determinado que a
se dá que ela não seja primariamente consi derada como
idóia dove sor entendida como uma eficácia (com o sentido
um meio de controlar a natureza, mas si m, mais frequente-
adicional de verdadeiro) do poder espiritual derivado de
mente, uma precaução contra a bruxaria o outras forças
deuses ou espírito, usualmente atravós de pessoas, especial-
místicas q u e operem contra o esforço humano, interferindo
mente chefes; uma graça ou virtude que capacita pessoas
c o m as medidas empíricas tomadas com o objetivo de al-
a garantir o sucesso em empreendimentos humanos, o que
cançar um fi m. Como exemplo de explicação em termos de
assim corresponde a ideias semelhantes em muitas partes
1
relação entre religião e outros fatos sociais (e em si mesmor
do m u n d o .

1 Hocart, "MAMA", Man, 1914, 46; "MANA AG AIN". Man. 1922, 79. WORD MANA: A LINGUIST1C STUDY", Oceanla, IX 1938, pp. 89-96.
Firth, "TH E ANALYSIS OF MANA: AN EMPIRICAL APPROACH" Jour- Também F. R. Lehman, Mana, DER BEGRIFF DES "AUBEnORDENTLICH
nal of Polyneslan Society, XLIX. 1940. pp. 483/610. A. Capoll, "THE WIRKUNGSVOLLEN" BEI SODSEEVOLKEN, 1922, passím.

152 153
náo-religiosos), poderemos tornar o culto dos ancestrais, só faz sentido quando considerada em relação às demais
que só pode ser compreendido quando visto como parte de e o próprio sistema t a m b é m fazendo sentido somente en-
uma montagem total de relações do família e parentesco. quanto relacionado com outros sistemas institucionais, ago-
Os espíritos têm poder sobre sous descendentes, sobre os ra num sistema mais amplo dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
rolaçõc3.
quais atuam como censores da conduta, cuidando em que Lamento dizer que muito poucos progressos tôm sido
cumpram suas obrigações interpessoais e punindo-os se feitos nestas linhas. Como assinalei antes, quando passaram
falharem. E, mais uma vez, em algumas sociedades Deus os momentos da criso religiosa, o interesse dos antropó-
ó concebido como o uno e o múltiplo, sendo o uno c o n s i - logos nas religiões primitivas definhou e, entre o f i m d a
derado quando relacionado a todos os homens o u a uma Primeira Guerra e dias recentes, houve uma nítida escassez
sociedade inteira e o múltiplo quando considerado na forma de estudos sobre o assunto por parte dos que fizeram
de uma variedade de espíritos relacionados a um ou outro pesquisas de c a m p o . É também possível que a pesquisa
segmento da sociedade. Um conhecimento adequado da de campo neste aspecto exija uma mente poética, apta a
estrutura social é aqui obviamente necessário à compre- lidar com imagens e símbolos. De modo que, enquanto em
ensão do alguns dados do pensamento roligioso. Ou ainda, outros departamentos da antropologia a pesquisa intensa
o ritual religioso é executado durante cerimónias em que conseguiu ponderáveis avanços, como no estudo do paren-
o " s t a t u s " relativo de indivíduos ou grupos ó afirmado, ou tesco e das instituições politicas, por exemplo, não houve
confirmado, como ocorro no nascimento, iniciação, casa- avanços equivalentes no estudo d a religião primitiva. A
mento e morte. É óbvio que para entender o papel da re- religião se exprime, evidentemente, através do ritual e um
ligião nostas ocasiões ô preciso mais uma vez ter b o m si ntoma d a falta de interesse demonstrada nos últimos anos
conhecimento da estrutura soci al . Dei alguns exemplos bas- ó o fato de se ter notado que das 99 publicações do Ins-
tante simples. Uma análise de relações do tipo que acabo tituto Rhodes-Livingstone (rotativas a vários aspectos da
de mencionar pode ser levada a efeito sempre quo uma re- vida africana durante o s últimos trinta anos, mais ou menos),
1
ligião estiver em relação funcional c o m qualquer outro fato apenas três tratavam do ritual como assunto . Alogra-me
social — moral, óti co, económi co, jurídico, estético e ci enti - dizor, no entanto — uma vez que a religião primitiva ó um
fico — e, uma vez realizada om toda a extensão teremos dos meus assuntos de interesse pessoal — que recente-
uma compreensão soci ol ógi ca do fenómeno tão amplo mente vêm surgindo sinais de uma renovação do Interesse
quanto possível. perdido e, mais a i n d a , dentro de um enfoque que p r o c u r a
o estabelecimento de relações. Não pretendo ser aeletivo,
Tudo isto equivale a dizer que devemos considerar os mas posso citar alguns exemplos do livros recentes acerca
fatos religiosos em termos da totalidade da cultura e da das religiões afri canas: DIVINITY A N D EXPERIENCE, do
sociedade em que eles estão, a fim de compreendê-los da Dr. Godfrey Lienhardt, um estudo analítico da religião do
f o r m a por como o s psicólogos d a "Gestal t" se reforiam à
" K u l t u r g a n z e " ou o q u e Mauss chamava do "falt total".
Eles devem ser vistos como uma relação do partes entre si 1 R. Apthorpe, introduction to "ELEMENTS IN LUVALE BELIEFS AND
RITUALS", por C. M. N. White, Rhodes-Livingstone Papers, n9 32, 1961,
dentro de um sistema coerente, do modo que cada parte p. DC

154 155
1
Dinka do Sudão, o estudo do Dr. John Middleton a c e r c a gleas, mas, desde que as teses gerais foram abandonadas
das concepções e ritos religiosos do povo Lugbara de pelos antropólogos, o nosso assunto passou a sofrer da
2
U g a n d a o o estudo ao Dr. Victor Turner sobre o ritual e perda de objetivo e de método comuns. O chamado método
3
simbolismo Ndembu na Rodésia do Norte e também, fora funcional era multo vago e muito manhoso para que pu-
de nossa área profissional, pesquisas como as de Tempels desse persistir, além de ser também muito adornado do
5
e Thews* e entre os Baluba do Congo. Estas recentes pes- pragmatismo o tolcologla. Elo repousava excessivamente
quisas em sociedades particulares nos tornam mais próximos numa analogia biológica muito frágil; e pouco se conseguiu,
da enunciação do probl ema concernente no papel dosem- através da pesquisa comparada, no sentido de apoiar as
penhado pela religião e mais amplamente, o do pensamento conclusões obtidas por estudos específicos; a verdade ô
não-cient(fico, na vida social. que os estudos comparativos estavam se tornando prati-
Mas, mais cedo ou mais tarde, se viermos a ter uma camente obsoletos.
teoria soci ol ógi ca geral d a religião, deveremos levar em Vários filósofos e quase-filósofos tentaram expor do modo
consideração todas as religiões, e não apenas as primitivas. mais amplo possível o quo ponsavam do papel d a religião
E somente assim poderemos compreonder algumas de suas na vida social e quero agora analisar o quo poderemos
características essenciais. Pois embora os avanços da ci ên- aprender com eles. A despeito de todos o s seus plágios,
cia e da tecnol ogi a tornassem a magia supérflua, a religião de sua prolixidade e trivialidade, Pareto viu, como já assi-
persistiu, e seu papel social tornou-se mais e mais envol- nalamos, que os caminhos alógicos do pensamento, isto ô
vente, incluindo pessoas cada vez mais distantes e, ao c o n - as ações (e ideias a elas associadas) nas quais os meios
trário do q u e acontecia com as sociedades primitivas, não não estão segundo o ponto de vista d a ciência experimental,
mais ligadas por laços de família e parentesco ou que racionalmente adequados aos fins visados, desempenham,
participassem de atividades em c o m u m . Se não tivermos apesar de tudo, um papei essencial nas relações sociais; e
alguma orientação geral a respeito do que seja a religião, nesta categoria elo Incluiu a religião. A oração pode ser
não iremos além de inúmeros estudos particulares das re- eficaz, e m b o r a Pareto, obviamente, não acreditasse nisto,
ligiões do povos particulares. Durante os últimos séculos, mas sua efi cáci a não ó acoita polo consonso d a opinião
tais pri ncípi os gerais foram ensaiados, c o m o vimos, sob a cientifica como sendo um fato. Mas circunstâncias em que
forma de hipóteses evolucionistas psicológicas e socioló-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a precisão técnica é necessária, como ó o caso da ciência,
operações militares, direito e política, a razão deve dominar
tudo. Por outro lado, em nossas relações sociais e na es-
1 G. Lienhardt, DIVINITY AND EXPERIENCE. The Religion on the Dinka.
fera de nossos valores, afetividade e lealdades, prevalece
1961.
2 J. Middleton, Lugbara Religion, 1960. o sentimento: em nossa ligação para com a família e o lar,
3 V. W. Tumor, "NDEMBU DIViNATION: ITS SYMBOLISM AND TECH- a igreja e o estado, e em nossa conduta referente aos
NIQUES'\ Rhodes-Livigstone Papers,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r\ 9 3 1 , 1961; "RITUAL SYMBOLISM,
nossos pares; e estes sentimentos são da maior importân-
MORALITY AND SOCIAL STRUCTURE AMONG THE NDEMBU", Rhodes-
Livtngstono Journal, n? 309, 1961. ci a, estando entre eles o religioso. Em outras palavras,
4 R. P. Placltle Tempels, BANTU PHILOSOPHY, 1959. certas atividades exigem rigorosamente o pensamento r a -
5 Th. Thews, LÊ RÉEL DANS LA CONCEPTION LUSA, Zaire, XV
cional (para substituir a expressão " l ó g i c o - c x p e r i m e n t a l " ) ,
1961. 1 .

156 157
mas mesmo estas só podem ser consumadas se existir espécies diferentes de experiência religiosa, a estática, as-
algum grau de solidariedade entre as pessoas envolvidas, sociada com sociedade fechada e a di nâmi ca ou mística,
além de segurança e o r d e m entre elas; e tudo isto dependo (no sentido individualista que a palavra tem em escritos
de sentimentos comuns que derivam de necessidades morais, históricos e em estudos comparativos sobre a religião; não
e não técnicas, e se baseiam em imperativos e axiomas, e no sentido que lhe dá Lévy-Bruhl), a qual se associa à s o -
não na observação e experimentação. São construções do ciedade aberta, universal. A primeira ó, evidentemente, c a -
coração, muito mais do que da monte, e a mente aqui só racterística das sociedades primitivas. Por outro lado, a
serve para encontrar razões que protejam as referidas cons- evolução bi ol ógi ca, tanto no que diz respeito a sua estru-
truções. Assim, o objetivo de Pareto, citado anteriormente, tura quanto no que concerne sua organização, tomou duas
de domonstrar experimentalmente " a utilidade social e i n - direções: o sentido da perfeição do instinto em todo o
dividual da conduta a l ó g i c a ' 7 dá a impressão de que ele reino animal, com exceção do homem, o, nesto, no sontido
estava querendo dizer que no terreno dos valores somente da perfeição da inteligência. So a inteligência tem suas van-
os meios são escolhidos pela razão; os fins, não. E ó este tagens, tem também suas desvantagens. Ao contrário dos
um ponto de vista compartilhado por, entre outros, Aristó- animais, o homem primitivo pode prever as dificuldades com
teles e Hume. que se defrontará e tem dúvidas e temores acerca de sua
Para usar um outro exemplo, o filósofo Henri Bergson capacidade de contorná-las. Mas a ação é imperativa. A c i -
estava, embora de outro modo, fazendo a mesma distinção ma de tudo, ele sabe q u e um dia morrerá. Esta conscienti-
entre os dois amplos tipos de pensamento e comportamento: zação de desesperança inibe a ação e põe a vida em perigo.
o religioso e o cientifico. Devemos estudá-los através d a A reflexão, pálida organização do pensamento, traz outro
ação; e também não nos devemos deixar desviar enganosa- perigo. As sociedades perduram por causa de um sentido
mente por Lóvy-Bruhl como ao supor quo, mencionando de obrigação moral existente entre seus membros; mas a
causas místicas, o homem primitivo cstoja com elas expli- Inteligência p o d e mostrar a um homem que seus próprios
cando efeitos físicos; ao contrário, ele está levando em c o n - interesses devem vir antes, entrem eles o u não em conflito
sideração sua significação humana. A diferença entre os com o bem coletivo.
selvagons o nós outros, ó simplesmente que nós temos
Confrontada com tais dilemas, a Natureza (estas rolflca-
maiores conhecimentos científicos do que eles, que são
2
ções são numerosas entre os escritos do Bergson) faz ajus-
"ignorantes daquilo que aprendemos" .
tamentos a fim de restaurar a confiança do homem e Im-
Guardando isto na lembrança, voltemos à tese principal por-lho o sacrifício de escavar as profundezas do Instinto
de Bergson. Fundamentalmente, diz ele, a sociedade e c u l - rocobortas pela camada da inteligência. Com a faculdade
tura humana servem a um fim biológico e os dois ti pos mítopoética que aí encontra, ela põe a Inteligência a dormir,
de função mental o servem igualmente, de diferentes m a - embora sem destruí-la. Daí derivam magia e religião, inicial-
neiras, mas maneiras que são complementares. Existem duaa zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mente Indiferenciadas e mais tarde individualizadas. Elas
promovem o necessário equilíbrio da inteligência e permitem
1 THE MIND AND SOCIETY, p. 35. que o homem, através de manipulação de forças Imaginárias
2 Dorgson, Op. Cit., p. 151. da natureza ou apelos a espíritos imaginários, torne a en-

158 159
carar seus objetivos; e ele se vê também compelido a aban-
Pode-se já ter observado que de um modo geral o 'Ins-
donar seus interesses egolsticos, trocando-os pelo bem c o -
t i n t o " de Bergson corresponde aos "resíduos não-lóglco-
m u m , e a se submeter, por f o r ç a dos tabus, à disciplina
experimentals" de Pareto e ao " p r é - l ó g i c o " de Lévy-Bruhl;
social. Assim, o que os instintos fazem pelos animais, faz a
religião pelos homens, ajudando sua inteligência a opor-se sua " i n t e l i g ê n c i a " corresponde ao "l ógi co-experi mental " de
ao instinto em situações criticas, através da arma das re- Pareto e ao " l ó g i c o " de Lóvy-Bruhl; e o problema, visuali-
presentações intelectuais. Portanto, a religião não ó, como zado por Pareto e por Bergson, porém não, j u l g o eu, por
alguns supõem, um produto do medo, mas sim um amparo Lóvy-Bruhl, era em suma o mesmo, embora fossem diferen-
o um seguro contra o medo. Em última analiso ola ó pro- tes os pontos de vista. Pode-se ainda observar que todos
duto de uma urgência instintiva, um impulso vital que c o m - três nos dizem muito sobre a natureza do irracional, mas,
binado c o m a inteligência, garante a sobrevida do homem dizem, em contrapartida, muito pouco sobre o racional, de
e sua ascensão evolutiva para altitudes cada vez maiores. modo que o contraste não fica muito nítido.
1
Ela ó, resume Bergson, " u m a reação defensiva da natureza O historiador social alemão Max Weber, quo escolho
1
contra o poder dissolvente da Intel i gênci a" . Assim, desde c o m o oxomplo final, toca no mosmo problema, embora não
que estas funções da religião (sejam quais forem as mons- de modo tão explicito; e seu " r a c i o n a l " por oposição a
truosas construções da imaginação em que proliferem, sem " t r a d i c i o n a l " e "cari smáti co" de certa maneira corresponde
o suporte da realidade) são essenciais à sobrevivência do aos termos antagónicos dos outros autores. Ele distingue
indivíduo e da sociedade, não precisamos nos surpreender esses três tipos "ideais." ou puros de atividade social. O
por terem existido e por existirem sociedades sem ciência, racional ó o tipo mais inteligível, melhor observado na eco-
sem arte, sem filosofia; mas jamais alguma sem religião. nomia capitalista do Ocidente, embora evidente em todas
" A religião, sendo vinculada à nossa espécie, deve pertencer as atividades sujeitas ao controle burocrático, à rotina, e
2
à nossa e s t r u t u r a " . que produzem uma despersonalização praticamento total. O
Bergson utilizou fontes secundárias, espocialmonte os tradicional se caracteriza pela devoção e tudo que sempre
escritos do sou amigo Lóvy-Bruhl, quando escreveu acerca existiu, o que ó típico das sociedades conservadoras e re-
dc ideias primitivas em sociedades contemporâneas simples; lativamente imutáveis, nas quais os sentimentos afetivos
mas quando falou do homem primitivo ele tinha em mente predomi nam. As sociedades primitivas pertencem a esto tipo,
algum hipotético homem pró-hlstórico, que funcionava mais e m b o r a pareça que Weber leu pouco a respeito delas. O
ou menos como um recurso dialético para lhe permitir um tipo carismático ó, até o momento em q u e se torne rotini-
contraste mais nítido entre a religião estática da sociedade zado pelo oficialismo (como invariavelmente ocorrerá, se
fechada e a religião mística da sociedade aberta do futuro bem sucedido) é o tipo da livro emergência individual do
(que sua imaginação, guiada por experiências religiosas espírito: é representado pela figura do profeta, do guerreiro
pessoais, antevia). zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
heróico, do revolucionário, e t c , que surgem c o m o lideres
em tempos críticos e a quem são atribuídos poderes ex-
1 Op.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c i t . p. 1 2 2 .
2 Op. Ci t . p. 176.
1 FROM MAX WEBER: ESSAYS IN SOCIOLOGY, 1947.

160
161
traordinários e sobrenaturais. Estes llaeres podem aparecer vi da s o c i a l . Em suma, temos de nos perguntar qual o papel
em qualquer sociedade. Como Bergson, Max Weber faz do não-racional na vida social, e que papéis foram e são
uma distinção entre o que chama de religiosidade mágica, desempenhados nesta vida pelo racional, pelo tradicional,
a dos primitivos e bárbaros, e as religiões universalistas polo carismático. Elo faz as mesmas perguntas que Pareto
dos profetas que desfazem os laços místicos (no sentido e Bergson.
que ele dá á palavra) da sociedade fechada, dos grupos e Tais, portanto, são as questões. (Não vou dar mais exem-
associações exclusivos da vida de comuni dade; ambas se plos). Serão as respostas a elas mais satisfatórias do que
preocupam muito com valores Imediatistas; saúde, longa aquelas que estivemos considerando nas conferências i ni -
ciais? A c h o que não. Elas são muito vagas, muito gerais
vida, riqueza. Em um certo sentido da palavra,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a religião
não ó em si irracional. 0 puritanismo, a apologética e o e um tanto fáceis demais e têm um forte sabor pragmatista.
casuísmo são altamente racionais. Sendo assim, segue-se A religião ajuda a preservar a coesão soci al , dá confiança
que as doutrinas p o d e m criar uma ética propi ci a a desen- aos homens, etc. Mas será que tais explicações não nos
volvimentos seculares: as seitas protestantes e a ascensão estariam levando longe demais? E se são verdadeiras, o que
do capitalismo ocidental são um exemplo. Mas ela está ainda tem que ser provado, como saber de que maneira e
om tensão referentemente à racionalidade secular, que len- em que graus a religião tem estos ofoitos?
tamente a despoja do uma esfera após a outra — lei, polí- Minha resposta à questão quo levanto tem que se fazer
tica, economi a e ciência — de forma que isto leva, como no sentido de que eu penso que, embora o problema seja
na frase de Friedrich Schiller, ao "desencantamento do real, por mais amplo que seja, as respostas possíveis não
mundo". Num outro sentido, portanto, a religião ó nâo- são convincentes. Seria melhor realizar algumas pesquisas
racional, mesmo em suas formas racionalizadas; e embora no assunto. O estudo comparativo da religião está mal re-
Max Weber a encarasse como um refúgio contra a comple- presentado em nossas universidades e os dados que se to-
ta destruição da personalidade pelos caminhos inevitáveis mam como a ele pertencentes, derivam quase que inteira-
da vida moderna, não lhe foi possível, a ele, abrigar-se: ó, mente de livros — textos sagrados, escritos teológicos,
antos, nocossário acoitar o aprisionamonto numa sociedade oxegótica, escritos místicos o tudo o mais. Mas para o an-
terrível e estar preparado para ser uma p e ç a da máquina, tropól ogo e o sociólogo esta é talvez a parte mais insignifi-
privando-se a pessoa de tudo o que significa ser um indiví- cante da religião, principalmente quando nos lembramos de
duo, q u e tem relações pessoais com outros. Mas, embora q u e os eruditos que escrevem livros sobre as religiões his-
as coisas estejam se movendo nesta direção, a religião ainda tóricas às vezes nem sequer estão seguros de qual o si g-
desempenha um importante papel na vida social e cabe ao nificado que certas palavras-chave tinham para os autores
sociólogo elucidá-lo, não apenas nas sociedades racionali- dos textos originais. As reconstruções e interpretações f i -
zadas da Europa Ocidental, mas também nos períodos i ni - lológicas destas palavras-chave são frequentemente contra-
ciais da história e em outras partes do mundo, demonstran- ditórias, pouco convincentes, como ó o caso da palavra
do c o m o , em diferentes sociedades, diferentes tipos de re- 1
"deus '. O estudioso de uma religião antiga o u de qualquer
ligião formaram o (foram formados por) outras áreas da religião em suas fases iniciais não tem c o m o examiná-la

162 163
senão através de textos, pois o povo em questão não pode Uma tentativa deste tipo foi feita por Weber and Tawney,
mais ser consultado. Podem resultar dal graves distorções, que relacionaram certos ensinamentos protestantes a certas
1
como quando se diz que o Budismo e o Jainismo são reli- modificações económicas . Longe de mim a intenção de
giões atelsticas. Não há dúvida de que podem ter sido con- minimizar o valor de estudiosos da religião comparada, pois,
sideradas como sistemas filosóficos e psicológicos pelos c o m o demonstrei nas conferências iniciais, nós antropólogos
autores dos sistemas mesmos, mas o que não sabemos ó não fizemos muitos progressos no tipo de estudos em que
se assim as considerava o povo c o m u m ; e é o povo comum se procuram relações e que acredito sejam os necessários
q u e interessa basicamente ao antropólogo. Para ele o que o os únicos que nos podom conduzir a uma vigorosa so-
interessa sabor ó como as crenças e práticas religiosas ciologia da religião.
afetam as montes em qualquer sociedade, como afeiam os Para concluir, devo confessar que não encontro, no c o n -
sentimentos, as vidas e as interrelações entre os membros junto das diferentes teorias que revisamos, quer em cada
da sociedade. Existem poucos livros que descrevam e ana- uma delas isoladamente quer no todo, muito mais do que
lisem de modo adequado o papel d a religião em qualquer simples especulações do senso-comum, o que, na maioria
comuni dade hindu, budista, muçulmana ou cristã. Para o das vezes, erra o alvo. Se nos perguntamos, como natural-
antropólogo social, a religião é o que a religião faz. Devo mente fazemos, se elas exercem alguma influência sobre a
acrescentar que tais estudos entre os povos primitivos foram nossa própria experiência religiosa, como por exemplo, se
poucos e raros. Tanto nas sociedades civilizadas como nas elas tornam mais significativas para nós palavras como " P a z
primitivas, se encontra nesta área um campo de pesquisa vos deixo, minha paz vos d o u " , suponho que a resposta
praticamonte inexplorado. deve ser que a influência é pequena, e isto nos deve deixar
eólicos acerca do valor que acaso tenham enquanto expli-
Mais ainda, a religião comparada deve ser digna desse cação das religiões primitivas. E os primitivos não podem
nome por procurar pontos de relação, se se quer esperar se aplicar o mesmozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
t c 3 t o . . . Tudo se devo ao fato do quo,
algum resultado do trabalho. Se a comparação deve se i n - como já mencionei antes, os autores estavam procurando
terromper ao nível simples da descrição (o cristão pensa as explicações em termos de origens e essências, em vez
isto, o muçulmano pensa aquilo, o hindu pensa aquilo outro), de relações; e acho que isto derivou de suas suposições
ou, mesmo se ela vai um pouco adiante e classifica, apenas de que as almas e espíritos e deuses da religião são irreais.
(Zoroastrismo, Judaismo e Islamismo são religiões proféti- Se forem considerados como simples ilusões, então alguma
cas, Hinduísmo e Budismo são rollgiõos místicas, ou ainda, teoria (biológica, psicológica ou sociológica) sobre o fato
certas religiões aceitam o m u n d o enquanto que outras o de em todas as partes e tempos os homens terem sido s u -
recusam) continuaremos longe de uma compreensão das ficientemente estúpidos para acreditarem neles, deveria sur-
semelhanças e diferenças. Os monistas indianos, os budistas, gir. Quem aceita a realidado do ser espiritual não sente a
o s maníqueus, podem ter pontos em c o m u m , nisto de que
desejam a liberação do c o r p o e o desligamento do mundo
dos sentidos, mas o que deveríamos perguntar é se este 1 M. Weber, THE PROTESTANT ETHIC AND THE SPIRIT OF CAPI-
TAU SM , 1939; R. fi. Tawney, RELIGiON AND THE RISE OF CAPITALISM,
elemento c o m u m está relacionado a outros fatos sociais.
1944.

164 165
mesma necessidade de tais explicações, pois, por mais In- em contraste com fatos etnológicos registrados e pesquisas
dequados que os conceitos de alma e Deus possam ser de campo. O progresso neste departamento da antropologia
entre os povos primitivos, eles não são, para tais povos, social nos últimos quarenta anos, mais ou menos, pode se
uma simples ilusão. Enquanto consideramos o estudo da avaliar pelo fato de que à luz do conhecimento que hoje
religião como fator na vida social, pode importar pouco a possuímos, podemos identificar as impropriedades de teo-
rias que duranto algum tompo mereceram crédi to; mas talvez
difcronça entre um antropólogo crente ou ateu, desde que
n u n c a tivóssemos chegado a este conhocimento som o tra-
em ambos os casos ela deve se restringir apenas àquilo que
balho dos pioneiros cuj os escritos estivemos revendo.
pode observar. Mas se desejarmos Ir além disso, ó preciso
que cada um siga caminho diferente do outro. O ateu pro-
cura a l g u m a teoria — biológica, psicológica ou soci ol ógi ca
— q u e explique a ilusão; o crente procurará compreender a
maneira pela qual um povo concebe uma realidade e suas
relações com ela. Para ambos, a religião é uma parte da
vida soci al , mas para o crente, tem também outra dimensão.
Aqui eu me encontro de acordo com Schmidt, na sua refu-
tação de Renan: " S e a religião ó essencialmente da vida
interior seguo-se que só pode ser realmente alcançada " d o
d e n t r o " . Mas sem dúvida isto pode ser conseguido por al-
guém em cuj a consciência interior uma experiência d a re-
ligião desempenha algum papel. Há muito perigo de que o
outro (o incréu) venha a falar de religião como um cego
falando de cores ou um surdo do uma bela composição
1
musicar' .
Nestas conferências eu vos fiz uma revisão de algumas
das principais tentativas antigas do explicar as religiões
primitivas e pedi que nenhuma fosse aceita como total-
mente satisfatória. E parece que vamos sair pela mesma
porta por onde entramos. Mas não quero que pensem que
tanto trabalho tenha resultado inútil. Se somos agora c a -
pazes de visualizar os erros nestas teorias que tentaram
explicar as religiões primitivas, é porque elas foram expos-
tas e convidaram a uma análise lógica de seus conteúdos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1 W. Schmidt, THE ORIGIN AND GROWTH OF RELIGION, 1931, p. 0.

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