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OLHARES PLURAIS

NA EDUCAÇÃO
Andressa Gobbi
Marco Antônio Ribeiro Merlin
(Organizadores)

E D I TO R A
Andressa Gobbi
Marco Antônio Ribeiro Merlin
(Organizadores)

OLHARES PLURAIS NA
EDUCAÇÃO

Editora Metrics
Santo Ângelo – Brasil
2021
Copyright © Editora Metrics

Imagens da capa: Freepik


Revisão: Os autores

CATALOGAÇÃO NA FONTE
O45 Olhares plurais na educação [recurso eletrônico] / organizadores:
Andressa Gobbi, Marco Antônio Ribeiro Merlin. - Santo
Ângelo : Metrics, 2021.
162 p.

ISBN 978-65-89700-07-4
DOI 10.46550/978-65-89700-07-4

1. Educação. 2. Práticas pedagógicas. 3. Educação indígena.
I. Gobbi, Andressa (org.). II. Merlin, Marco Antônio Ribeiro
(org.).
CDU: 37

Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720

2021
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora
Metrics
Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Metrics

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Drª. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Drª. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil
Drª. Vanessa Rocha Ferreira CESUPA, Belém, PA, Brasil
Drª. Waldimeiry Corrêa da Silva ULOYOLA, Sevilha, Espanha

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO����������������������������������������������������������������������������11

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO MÉDICO: UM OLHAR


SOBRE DETERMINANTES E SABERES CURRICULARES��������13
Bruno Massinhan
Natacha Souza das Neves Prosdocimo

ETNOASTRONOMIA INDÍGENA NA PERSPECTIVA DA


ESCOLA BILÍNGUE PARA SURDOS��������������������������������������������31
Caroliny Capetta Martins

A IMPORTÂNCIA DA ERGONOMIA NO CONTEXTO


ESCOLAR�����������������������������������������������������������������������������������������47
Edson Vidal
Andressa Gobbi
Marco Antônio Ribeiro Merlin

ESCOLHAS, VIVÊNCIAS E MEMÓRIAS DOCENTES����������������59


Edison Luiz Saturnino
Fernanda dos Santos Gentil
Helaine Badia Costa
Elias Junio
Flávia Leite Azambuja
Lucas Santos Jenisch
Rafael Mendes
Rodrigo Barreto Viana Rosito

A ABORDAGEM PIAGETIANA ACERCA DO


DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA E DO
PODER DE CRIAÇÃO: UMA ANÁLISE CONSTRUTIVA E
INTEGRADORA������������������������������������������������������������������������������75
Patricia Gonçalves
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

EJA NO PARANÁ - NOVA PROPOSTA: EVOLUÇÃO OU


INVOLUÇÃO?���������������������������������������������������������������������������������93
Marco Antônio Ribeiro Merlin

CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE


DIREITO: DIFERENÇAS ENTRE DOUTRINA DE PROTEÇÃO
INTEGRAL E ECA ������������������������������������������������������������������������103
Márcia Regina Mocelin
Dinamara Pereira Machado

PRÁTICA EDUCATIVA, PRÁTICA PEDAGÓGICA E PRÁXIS NA


ESCOLA������������������������������������������������������������������������������������������113
Natacha Souza das Neves Prosdocimo
Bruno Massinhan

REFLEXÕES SOBRE A TECNOLOGIA, SOCIEDADE E A


SUSTENTABILIDADE������������������������������������������������������������������133
Claudinei de Almeida
Jorge Uberson Pereira

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BRASILEIRA E


SUSTENTABILIDADE������������������������������������������������������������������147
Thiana Maria Becker
Luciana Poniewas Katerberg
Germano Bruno Afonso

AVALIAÇÃO DA EFICIÊNCIA DA PECUÁRIA SUSTENTÁVEL


NA DIMINUIÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS – APLICANDO
CONHECIMENTOS DE SALA DE AULA NO DIA A DIA DA
PECUÁRIA�������������������������������������������������������������������������������������165
Maysa Fernanda Back
Rullian Ferreira Pinheiro
Jolena de Santi Soares
APRESENTAÇÃO

Cara leitora, caro leitor,


A presente obra reúne 11 artigos de diversos autores que
individualmente ou trabalhando em equipe contribuíram com seus
conhecimentos, cada qual na sua área de interesse, mas com foco
na educação, surgindo assim o título deste livro: Olhares plurais na
Educação. Como as áreas de atuação e de interesse dos autores são
variadas, os capítulos são independentes, podendo serem lidos na
ordem apresentada por nós ou seguindo o interesse de cada leitor.
Primeiramente, o livro foca nas práticas pedagógicas no
ensino médico, discutindo sobre seus determinantes internos e
externos e também apresentando o conceito de educação médica.
Propondo uma reflexão sobre os determinantes envolvidos e
influenciadores das práticas pedagógicas no ensino médico. Já o
próximo capítulo traz a experiência prática do compartilhamento
da cultura indígena para os educandos surdos de uma escola
bilíngue. Apresentado as formas com que os indígenas observavam
os eventos celestes e como esses fenômenos influenciavam no
processo social e pessoal.
O terceiro capítulo apresenta uma discussão sobre a
importância da ergonomia no contexto escolar, evidenciando a
necessidade de um olhar atento para a saúde física e emocional
dos profissionais da educação. Com o intuito de provocar o
debate da importância de implementar um ambiente adequado de
trabalho. Posteriormente, aborda sobre as questões envolvidas nas
escolhas pela carreira docente e as memórias que permeiam esta
importante etapa da vida, os questionamentos que nortearam essa
busca, apresentando a vivência e as reflexões de três profissionais da
educação.
O capítulo cinco aborda uma análise sobre a teoria da
epistemologia genética de Jean Piaget, onde é abordada a inteligência
em estádios do desenvolvimento dentro de uma sequência progressiva
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

e dinâmica, em que há constante construção de conhecimento e


criação de novidades. Seguidamente é apresentado brevemente as
políticas públicas relacionadas à modalidade educacional de ensino
de jovens e adultos e uma discussão educacional sobre a modalidade
EJA no Estado do Paraná, com reflexão sobre as consequências a
médio e longo prazo que as adequações propostas para a modalidade
podem ocasionar.
Na continuidade, o capítulo sete traz a discussão sobre dar
mais dignidade para as crianças e adolescentes e reconhecendo os
mesmos como sujeitos de direitos. Estimulando a reflexão sobre
a necessidade de reconhecer que crianças e adolescentes precisam
do apoio de todas as instituições e de todas as políticas públicas
para evoluir enquanto ser humano. A prática educativa, prática
pedagógica e práxis são o assunto do oitavo capítulo, fazendo uma
abordagem com foco nos professores do ensino fundamental,
apresentando a conceituação das práticas educativas e trazendo o
professor como agente formador e transformador da sociedade.
O capítulo nove discorre sobre a trajetória da evolução
técnica baseado em Freeman e Soete, propondo uma série de
reflexões sobre a evolução técnica, o impacto das tecnologias, a
resiliência em não desistir e adiar o final do mundo e os impactos
da tecnologia e da humanidade na sustentabilidade. Em seguida,
aborda-se a educação indígena brasileira e as suas perspectivas
de consolidação, debatendo no âmbito educacional indígena, as
metas estabelecidas pela Agenda 2030, as gestões governamentais,
o Plano Nacional da Educação Escolar Indígena, e os Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável 4 e 16. Por fim, o livro finaliza
com uma aplicação prática dos conhecimentos de sala de aula
sendo empregados no dia a dia da pecuária, possibilitando avaliar
a eficiência da pecuária sustentável na diminuição de impactos
ambientais.

Boa leitura!
(Os organizadores)
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO
ENSINO MÉDICO: UM OLHAR SOBRE
DETERMINANTES E SABERES
CURRICULARES

Bruno Massinhan1
Natacha Souza das Neves Prosdocimo2

1 Introdução

C osta (2002) afirma que ultimamente o ensino


superior em saúde, de modo geral, e o ensino médico,
em particular, têm sido alvos de profundas críticas. Tanto as
reformas curriculares quanto o projeto pedagógico dos cursos de
Medicina têm sido abordados no processo de formação do médico
(LAMPERT, 2002). Verifica-se uma preocupação crescente com a
modificação da formação médica, ocasionada pela insatisfação com
a realidade existente. (COSTA, 2006). Enfatiza-se cada vez mais a
necessidade de um profissional apto a atuar e a contribuir com a
sociedade em um contexto de profundas mudanças, não somente
em seu próprio campo profissional, mas também nos campos
político e social (LAMPERT, 2002) (KOIFMAN, 1998).

1 Bruno Massinhan – Graduado em Medicina pela PUCPR; Especialista em Medicina


do Trabalho pela UFPR. Mestrando em Educação pela Universidade Tuiuti do
Paraná – Linhas de Pesquisa Prática Pedagógica e Elementos Articuladores. Preceptor
da Residência Médica em Emergências Médicas do Hospital Cruz Vermelha em
Curitiba-Pr. Instrutor do American College of Surgeons, programa ATLS. E-mail:
bruno.massinhan@gmail.com
2 Natacha Souza das Neves Prosdocimo – Graduada em Pedagogia e Professora da
Prefeitura Municipal de Curitiba. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade
Tuiuti do Paraná. Mestranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná.
– Linhas de Pesquisa Prática Pedagógica e Elementos Articuladores. E-mail:
natachaprosdocimo@gmail.com
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

A partir desse contexto, buscamos responder a seguinte


questão: quais os determinantes envolvidos nas práticas pedagógicas
no Ensino Médico? Objetiva-se, primeiramente, neste artigo,
abrir uma discussão sobre o conceito de prática pedagógica, seus
determinantes internos e externos, o conceito de educação médica e,
ainda, oportunizar uma reflexão sobre os determinantes envolvidos
e influenciadores das práticas pedagógicas no Ensino Médico.
Utiliza-se como embasamento teórico os conceitos de
prática pedagógica de Franco (2016), os conceitos de determinantes
estudados por Souza (2016) e os conceitos de educação médica por
Almeida (1999) e Feverwerker (2002).

2 O que é a prática pedagógica?

Entender o conceito de práticas pedagógicas é pensar o


conjunto de relações que circundam uma ação reflexiva (CARR,
1996), considerando o aprendizado em seus aspectos sociais,
humanos, neurofisiológicos, econômicos e até mesmo políticos –
todos expressos no currículo.
Diante de todas essas relações, é preciso diferenciar as
práticas pedagógicas das práticas educacionais. De acordo com
Franco:
Uma aula ou um encontro educativo tornar-se-á uma prática
pedagógica quando se organizar em torno de intencionalidades,
bem como na construção de práticas que conferem sentido às
intencionalidades. Será prática pedagógica quando incorporar
a reflexão contínua e coletiva, de forma a assegurar que a
intencionalidade proposta é disponibilizada a todos; será
pedagógica à medida que buscar a construção de práticas
que garantam que os encaminhamentos propostos pelas
intencionalidades possam ser realizados. (FRANCO, 2016, p.
3).
Nessa vertente, a prática pedagógica permeia uma dinâmica
de ação reflexiva, coletiva e participativa. Diante disso, essa prática
abre espaço para todos e ainda possui objetivos ligados às ações
15
Olhares Plurais na Educação

voltadas à compreensão e transformação, haja vista o cumprimento


da intencionalidade.
Enquanto as práticas pedagógicas são práticas sociais,
exercidas com a finalidade de concretizar processos pedagógicos,
as práticas educativas referem-se a processos que ocorrem para a
concretização de projetos educacionais. Assim, uma atividade
docente pode ser considerada prática educativa e nem sempre ser
uma prática pedagógica (FRANCO, 2016).
Considerando a abordagem das práticas pedagógicas, há
dois pontos que merecem destaque quando as comparamos com as
práticas educativas: a presença e atuação da reflexão crítica exercidas
pelo docente, e a consciência das intencionalidades que norteiam a
prática pedagógica (FRANCO, 2016).
Segundo Franco (2016) o conceito de práticas pedagógicas
fundamenta-se em três elementos: contexto, intencionalidades
e mediação de relações entre intencionalidades e sujeitos da
prática pedagógica. Além disso, a sua organização se volta para
as demandas de uma comunidade social. O contexto refere-se
ao local onde a prática pedagógica ocorre e está inserida (escolas,
universidades, hospitais, empresas); a intencionalidade, por sua vez,
refere-se à finalidade da prática pedagógica (por exemplo formação
profissional, escolar, política, sociocultural, entre outras).
Para compreender melhor a diferenciação entre práticas
educativas e práticas pedagógicas, é preciso o entendimento do
conceito de práxis. Em sua obra Filosofia da Práxis, o autor Adolfo
Sánchez Vásquez diante de uma abordagem do materialismo
histórico dialético, refere-se ao conceito de práxis como a atividade
material consciente e objetiva, que transforma o mundo exterior
a partir da ação humana que acaba transformando o homem, de
modo como se gerasse um movimento - por isso uma ação dialética.
A atividade da consciência, que é inseparável de toda
atividade humana, apresenta-se a nós como elaboração de fins
e produção de conhecimento em íntima unidade (...). Se o
homem aceitasse sempre o mundo como ele é, e se, por outro
lado, aceitasse sempre a si próprio em seu estado atual, não
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

sentiria a necessidade de transformar o mundo nem de, por


sua vez, transformar-se. (VAZQUEZ, 2011, p. 226).
O conceito de práxis fundamenta-se em três pontos:
intencionalidade da prática, ação crítica e consciente, e efetividade
de transformação ou ação no mundo real. (VÁSQUEZ, 2011).
A matéria-prima das atividades e práticas pode mudar,
originando diversos tipos de práxis. Note-se que Vásquez não limita
atividades apenas ás atividades educacionais e amplia o conceito
para toda atividade humana.
Assim, práxis produtiva (também chamada práxis
fundamental) é aquela intermediada por meios de produção, em
que o homem produz um mundo humanizado com seu trabalho e
se transforma a partir dele: atividade orientada a um fim. (MARX,
2002, citado por VASQUEZ, p. 229).
A práxis artística refere-se à produção e obras de arte, não
sendo limitada por uma necessidade prático-utilitária. Por sua vez,
a práxis experimental satisfaz necessidades de investigação teórico-
científica em diversos campos de atuação humana. Já a práxis
política envolve o homem como sujeito e objeto da ação e, quando
coletiva, recebe o nome de práxis social (VÁSQUEZ, 2011).
Diante disso, é fundamental o entendimento de que não
existe uma “práxis teórica”, pois como conceitua Vásquez (2011,
p. 234), a atividade teórica não é uma forma de práxis, pois não
transforma a realidade.
Em suma, a práxis se apresenta como uma atividade material,
transformadora e adequada a fins. Fora dela, fica a atividade
teórica que não se materializa, na medida em que é espiritual
pura. Mas, entretanto, não há práxis como atividade puramente
material, isto é, sem a produção de fins e conhecimentos que
caracteriza a atividade teórica. (VÁSQUEZ, 2011, p. 234).
O professor e pesquisador brasileiro Paulo Freire um dos
teóricos mais importantes nos estudos das práticas pedagógicas,
enquanto formas de práxis, e destaca os conceitos de educação
libertadora e educação bancária. Na obra “A pedagogia do
oprimido”, Freire utiliza o conceito de práxis para referir-se à
17
Olhares Plurais na Educação

reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-los.


(FREIRE, 1987, p. 38). Nesse viés, acrescenta que:
[...] se o momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis
se o saber dela resultante se faz objeto da reflexão crítica. É
neste sentido que a práxis constitui a razão nova da consciência
oprimida e que a revolução, que inaugura o momento histórico
desta razão, não pode encontrar viabilidade fora dos níveis da
consciência oprimida. (FREIRE, 1987, p. 53).
Freire salienta que a educação bancária se refere à prática
educativa em que o educador é o sujeito do processo e os educandos
meros objetos (FREIRE, 1987). Este tipo de prática perpetua a
domesticação / dominação sobre os educandos, pois não é marcada
por reflexão crítica, e, portanto, não nutre o educando de reflexão
que o liberte em seu contexto. Dentro do ambiente de ensino
médico e na vivência da formação médica, é fundamental evitar
uma educação bancária.
Em oposição a esta prática, na prática libertadora, dialógica,
há o sujeito cognoscente, que “se encontra dialogicamente com os
educandos” (FREIRE, 1987, p. 69). Esta constitui a verdadeira
práxis, que é revolucionária ou libertadora, com adequada
intencionalidade e rompendo práticas sociais de dominação.
Descreveremos a partir de agora, o conceito de determinantes
internos, tão presentes no cotidiano das práticas de educação
médica.

3 Determinantes internos

As práticas pedagógicas sofrem influências de um conjunto


de determinantes, chamados de determinantes internos e externos.
Podemos considerar como exemplos de determinantes internos:
a lógica escolar, as regras disciplinares, as relações hierárquicas
dentro do ambiente, professores, – e dos determinantes externos:
as diretrizes curriculares, legislação educacional, normativas e o
próprio material didático. (SOUZA, 2016). A autora conceitua
determinantes internos da prática pedagógica do seguinte modo:
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Compreende-se por determinantes internos a lógica


escolar como rotinas, horários, regras disciplinares, relações
hierárquicas entre direção, coordenação pedagógica,
professores, alunos, funcionários e comunidades, dentre
outras. (SOUZA, 2016, p. 42).
Desse modo, no contexto do Ensino Médico, os
determinantes internos envolvidos na prática pedagógica são
a própria rotina do ensino, quer seja na Universidade para a
Graduação, quer seja na rotina das Residências Médicas – enquanto
caráter de Programa de Pós-Graduação. A cultura de trabalho do
local de prática e ensino também é um determinante interno, pois
como conceituado por Souza (2016), envolve relações hierárquicas,
regras disciplinares, comportamentais, rotinas e relação entre os
indivíduos envolvidos e a comunidade. Pode-se citar como exemplo
o hábito em determinados hospitais universitários de se permitir as
evoluções dos internos no prontuário do paciente, se devidamente
acompanhadas ou supervisionadas por um profissional médico
habilitado. Este tipo de normativa é um claro determinante interno
da prática pedagógica, pois envolve a obrigatoriedade de supervisão
para os internos. Se há um aspecto positivo presente – o da presença
de supervisão; há também um aspecto negativo, pois se poderia
questionar: qual a autonomia do interno neste modelo de Ensino?
Há, portanto, uma ampla rede de elementos que se articulam
e participam enquanto determinantes internos no Ensino Médico.
Os determinantes internos, como as normas de universidades,
normas disciplinares, os próprios alunos e professores, supervisores,
técnicos de apoio diversos, exercem influências importantes na
formação profissional médica, o que acarreta uma constante
reprodução e influência sobre as práticas dos profissionais. Costa
(2007) em seu artigo “Docência Médica: por quê é tão difícil
mudar?” destaca:
Verifica-se uma preocupação crescente com a modificação da
formação médica, ocasionada pela insatisfação com a realidade
existente. Enfatiza-se cada vez mais a necessidade de um
profissional apto a atuar e a contribuir com a sociedade em
19
Olhares Plurais na Educação

um contexto de profundas mudanças, não somente em seu


próprio campo profissional [...] (COSTA, 2007, p. 22).
Assim, a preocupação crescente com a formação médica
surge em paralelo com a dificuldade de realizar melhorias na
qualidade da Educação Médica. Costa (2007, p 23), no mesmo
estudo, refere: “Os professores de Medicina tendem a encarar
com ceticismo ou descaso os aspectos pedagógicos da docência
universitária”.
A dificuldade de formação pedagógica nos professores
da Graduação e Pós-Graduação Médicas pode ser explicada, em
parte, pela falta de preparo específico, nas escolas médicas, para os
professores no campo pedagógico. (COSTA, 2007). Segundo este
mesmo autor:
Espera-se que o professor de medicina seja um profundo
conhecedor do assunto que deve ensinar, como se apenas
esse aspecto assegurasse sua competência didática, fato que
contribuiu para a falta de qualificação pedagógica dos docentes.
(COSTA, 2007 apud BATISTA, 1998).
Assim, múltiplos determinantes internos estão envolvidos
nas Práticas Pedagógicas no Ensino Médico e, portanto, múltiplas
dificuldades ainda encontradas para o exercício de Práticas
Pedagógicas dialógicas (FREIRE, 1998) ou na forma de Práxis
(VÁSQUEZ, 2011). Aprofundaremos agora, o conceito de
determinantes externos segundo alguns autores.

4 Determinantes externos

Souza (2016) conceitua os determinantes externos da


prática pedagógica da seguinte forma:
Determinantes externos são todos os materiais e mediações
externas que chegam às instituições e movimentos e
organizações sociais. São condicionantes externos a legislação
e o corpo normativo formado por resoluções, portarias,
normas instrutivas, estatutos, diretrizes curriculares, materiais
pedagógicos, processos institucionais de avaliação e ideologias
veiculadas nas mídias impressa, televisiva e redes sociais, entre
20
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

outros. Esses determinantes geram disputas na sociedade por


projetos políticos a educação, nesse contexto, pode estar a
serviço da dominação ou da superação da opressão. (SOUZA,
2016, p. 52).
No cenário do Ensino Médico tendo em vista as práticas
pedagógicas, há indícios de que os determinantes externos, como
por exemplo as avaliações do ENADE, normativas curriculares
do MEC, legislação cível, normativas e regulamentos Éticos
dos Conselhos Federais e Regionais, as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (MEC, 2014)
direcionem e influenciem a formação médica na graduação.
Destacamos neste ponto que as diversas formas de influência das
indústrias farmacêuticas, enquanto empresas de capital e inseridas
num contexto mercadológico, também são determinantes da
Prática Pedagógica no ensino médico. Enquanto fomentadoras de
pesquisas, as Indústrias Farmacêuticas produzem dados científicos,
direcionam pesquisas, e definem – direta ou indiretamente –
qual conhecimento terapêutico é importante. Assim, a Indústria
Farmacêutica pode ser entendida como um determinante externo
que influencia o estudo e as práticas pedagógicas, mas pode, também,
ser entendida como um determinante interno, quando direciona
quais terapêuticas devem ser utilizadas, quais são importantes e
quais não merecem destaque, estudo ou relevância. Acabam, então,
tornando-se um determinante interno da prática pedagógica e um
importante agente de influência na pesquisa e na prática médica.
Cabe destacar ainda as Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Graduação em Medicina (BRASIL, 2014) como um
importante determinante externo das práticas pedagógicas no
Ensino Médico. Em seu artigo segundo, as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) do Curso de Graduação em Medicina
estabelecem os princípios, os fundamentos e as finalidades da
formação em Medicina. No artigo seguinte, Art. 3º, regulamenta-
se a formação do graduado em Medicina:
Formação geral, humanista, crítica, reflexiva e ética, com
capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à
21
Olhares Plurais na Educação

saúde, com ações de promoção, prevenção, recuperação e


reabilitação da saúde, nos âmbitos individual e coletivo,
com responsabilidade social e compromisso com a defesa
da cidadania, da dignidade humana, da saúde integral do
ser humano e tendo como transversalidade em sua prática,
sempre, a determinação social do processo de saúde e doença.
(BRASIL, 2014, p.1).
É possível perceber neste artigo 3° a presença de influência
das Reformas sociais e das reformas que fundamentaram o SUS,
especialmente no trecho “compromisso com a defesa da cidadania,
da dignidade humana, da saúde integral do ser humano e tendo
como transversalidade em sua prática, sempre, a determinação
social do processo de saúde e doença” (grifo nosso).
É importante relatar que não deixamos, no presente artigo,
de reconhecer a importância de uma formação médica que defenda
a cidadania, que se detenha ás determinações sociais. Entretanto,
é preciso reconhecer uma forte influência dos estudos sociais, dos
estudos advindos da medicina preventiva e social e uma menor
influência e menor direcionamento, portanto, da formação médica
na graduação e pós-graduação – enquanto especialidade - para a
pesquisa, para a criação de novos protocolos de atendimento, para
a inovação em áreas correlatas à medicina nos campos de educação,
terapêutica, criação de novas formas de gestão em saúde, e de modo
geral, especialmente para uma formação voltada ao atendimento de
alta complexidade.
Assim, é importante questionarmos se há uma relação direta
entre a formação do profissional médico sob estas Diretrizes com a
atual dependência tecnológica da área de Saúde no âmbito nacional
perante novas terapêuticas, novos métodos diagnósticos e se, neste
panorama, não perpetuamos a dependência tecnológica a partir de
Diretrizes Curriculares Nacionais inadequadas.
No Capítulo III – Dos Conteúdos Curriculares e Projeto
Pedagógico do Curso de Graduação em Medicina, das mesmas
DCNs, destacam-se os artigos 5 e 6:
22
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

§ 5º As atividades do regime de internato voltadas para a


Atenção Básica devem ser coordenadas e voltadas para a área
da Medicina Geral de Família e Comunidade.
§ 6º Os 70% (setenta por cento) da carga horária restante do
internato incluirão, necessariamente, aspectos essenciais das
áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia, Obstetrícia,
Pediatria, Saúde Coletiva e Saúde Mental, em atividades
eminentemente práticas e com carga horária teórica que não
seja superior a 20% (vinte por cento) do total por estágio, em
cada uma destas áreas. (BRASIL, 2014, p. 01).
Assim, As Diretrizes Curriculares Nacionais, enquanto
Diretrizes Governamentais para o Ensino Médico, são um claro
conjunto de determinantes externos da prática pedagógica no
Ensino Médico. Ao privilegiar 30% do regime de internato para
uma determinada área de atuação (Medicina Geral de Família
e Comunidade) em detrimento de outras, nota-se uma forte
influência governamental como forma de política pública de Saúde
na Educação Médica.
Esta influência também é percebida ao se analisar o artigo
22, do Capítulo II, na Subseção III: “Da Ação-chave Promoção
do Pensamento Científico e Crítico e Apoio à Produção de
Novos Conhecimentos”, em que há apenas quatro incisos sobre a
promoção de pensamento científico e crítico na formação Médica.
Souza (2016, p. 47), no capítulo “Sobre o Conceito de
Prática Pedagógica”, na obra Práticas Pedagógicas e Elementos
Articuladores, destaca pontos importantes sobre a prática
pedagógica: “Na escola, a prática pedagógica não é do professor. Ela
é fruto de um processo social de trabalho dentro da escola, mediado
pelas instâncias governamentais responsáveis pela instituição
escola”. Assim, cabe destacar que o Docente na Educação Médica
também sofre forte influências dos Determinantes Internos e
Externos envolvidos nesta Prática.
Ainda entre os determinantes externos que possuem forte
influência sobre a prática pedagógica no ensino médico cabe
destacar as múltiplas resoluções do Ministério da Educação.
23
Olhares Plurais na Educação

Podemos citar a Resolução n°16 de 8 de abril de 2019, que versa


sobre a matriz de competências dos Programas de Residência
Médica em Pneumonologia. A referida Resolução é condicionada,
já em seu início, a pelo menos oito dispositivos legais, entre Leis e
outras Resoluções; a mesma tem como objetivo:
Formar e habilitar médicos especialistas na área da
Pneumologia com competências que os capacitem a atuar
em diferentes níveis de complexidade, utilizando ferramentas
clínicas e exames complementares para o diagnóstico clínico
e etiológico das doenças do aparelho respiratório bem como,
para o tratamento, prevenção e reabilitação dos pacientes com
problemas relacionados à Pneumologia em uma abordagem
de concepção integral e centrada no indivíduo, estabelecendo
relação respeitosa e produtiva com pacientes, familiares e demais
profissionais da área da saúde e mantendo-se comprometido
com sua educação continuada. (BRASIL, 2019, p. 01).
Dentro destes objetivos apresentados, a Matriz de
competências regulamenta 28 competências ao término
do Primeiro Ano de Residência Médica (R1). Algumas são
competências amplas e gerais, como por exemplo a competência
n.°12: “Analisar a epidemiologia nacional e mundial de doenças
respiratórias”. Entretanto, algumas competências exigidas são
extremamente específicas, como, a competência n.º15: “Dominar a
realização, supervisão e interpretação dos testes de função pulmonar
incluindo a espirometria, a pletismografia, a capacidade de difusão
pela respiração única, os testes de shunt, de broncoprovocação, a
gasometria, a oximetria de pulso e as medidas da complacência
pulmonar”. O Número de competências solicitadas, nesta
Resolução, é de 28 ao final do primeiro ano somadas com 27 ao
final do segundo ano, totalizando 55 exigências em dois anos de
Programa de Residência Médica. Ainda que uma das competências,
a n.°22 (“compreender a gestão da carreira”), envolva algum grau
de pensamento crítico e reflexivo, o alto número de resoluções
e especificidades de leis, resoluções e normativas envolvidas no
Ensino Médico permitem levantar sérios questionamentos sobre o
excesso de regulamentação nas práticas pedagógicas envolvidas no
24
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Ensino Médico, e, assim, a consequente falta de flexibilidade para


o desenvolvimento de ações educacionais reflexivas e dialógicas
segundo o Conceito de (FREIRE, 1998) nas práticas pedagógicas
nesta modalidade de ensino.

5 Análise de determinantes internos e externos a partir da Nota


Técnica número 1/2020 do MEC

A análise da Nota Técnica n.°1/2020/CNRM/CGRS/


DDES/SESU/SESU do Ministério da Educação, em resposta ao
Processo n.°23000.015323/2020-55, que tem como Assunto:
Recomendações quanto ao desenvolvimento das atividades dos
Programas de Residência Médica (PRMs) durante enfrentamento
à pandemia por COVID-19, é um importante exemplo sobre os
determinantes internos e externos da prática pedagógica envolvida
no Ensino Médico.
A partir de considerações de 15 legislações diferentes,
entre Leis Federais, Estaduais, Municipais, normativas técnicas
do Conselho Federal de Medicina, dos Conselhos Regionais de
Medicina e do Ministério da Educação, esta Nota Técnica orienta
a disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual para os
Médicos Residentes, a oportunização de aprendizado em Unidades
de Urgência e Emergência, no atual contexto da Pandemia de
COVID-19, mas também regulamenta situações que merecem
destaque:
Que no desenvolvimento dos PRMs (Programas de
Residências Médicas), seja respeitada a carga horária máxima
a ser cumprida pelos médicos residentes, estabelecida pela
legislação em vigor: total de 60 (sessenta) horas/semana, sendo
80 a 90 % destinadas às atividades práticas e 10 a 20 % às
atividades teóricas. (BRASIL, 2019, p.05).
Esse item da Nota Técnica nos permite fazer uma
profunda reflexão: como um(a) médico(a) graduado(a), com
perfeita regulamentação de profissão pelos Conselhos Regionais
de Medicina, que se encontra na posição de estudante de Pós-
25
Olhares Plurais na Educação

Graduação (Residência Médica) terá condições de realizar


atividades teóricas após ser submetido a 80% a 90% de seu tempo
em atividades práticas em uma situação de Pandemia e exposto
a uma carga horária semanal de 60 (sessenta) horas semanais?
Considerando todos as exigências das Matrizes de Competências
do MEC, mais as necessidades fisiológicas de qualquer ser humano
para descanso, lazer, e condições adequadas de vida, torna-se quase
impossível atender todas as exigências legais e cumprir tamanha
carga horária de atividades práticas. Nota-se, ainda, que estamos
partindo do pressuposto legal que os Hospitais exigem o que está
na Lei, situação muitas vezes negligenciada e que acaba por tornar
o médico residente um profissional com cargas horárias semanais
acima de 80 (oitenta) horas. Vale lembrar, que muitos médicos
residentes necessitam trabalhar durante a Residência Médica, pois
o valor da bolsa-residência, quando existe, é muito abaixo do valor
habitual de mercado do salário de um médico.
Diante deste contexto, podemos entender o tamanho do
desafio de realizar práticas pedagógicas para alunos médicos da Pós-
Graduação, nos Programas de Residência Médica, buscando práticas
conceitualmente pedagógicas, críticas e reflexivas, fomentando
uma educação libertadora, e não apenas bancária.
Assim, questiona-se a influência destes determinantes
externos associados aos determinantes internos nas Práticas
Pedagógicas no ensino médico como prováveis limitadores das
práticas pedagógicas e permitindo questionar se as práticas não são
práticas meramente educativas, ou seja, que visam apenas exercer
um plano educativo.

6 Conceito de educação médica

Visando um melhor aprofundamento no tema, realizamos a


definição do conceito de Educação Médica. Missaka (2010) define
o conceito do seguinte modo:
A educação médica é entendida como processo de produção
de médicos cujo modo escolar se realiza numa instituição – a
26
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

escola médica – com sujeitos, ideologias e culturas peculiares,


sob determinadas relações sociais e técnicas (ALMEIDA,
1999; FEUERWERKER, 2002). Este processo constitui-se
de dois componentes inseparáveis: o processo de ensino – o
conjunto de momentos sucessivos que envolvem atividades,
meios e objetos de ensino - e as relações de ensino - os vínculos
que se estabelecem entre as pessoas participantes do processo
de produção de médicos, resultantes do papel que estes
indivíduos desempenham no ensino médico (GARCÍA, 1972
apud MISSAKA, 2010, p. 01).
Assim, o conceito de Educação Médica apresentado por
Missaka (2010) é contemplado pelo conceito de práticas pedagógicas
e seus determinantes (FRANCO, 2016; SOUZA, 2016). Apesar
de ser uma área de permeio entre a Educação e a Saúde, entende-
se, do ponto de vista do autor e para o presente capítulo, que o
conceito de Práticas Pedagógicas (FRANCO, 2016; SOUZA,
2016) é mais completo e amplo, não cabendo uma diferenciação
de um Ensino “Médico” de um Ensino “Não-Médico”. Cabe
destacar, entretanto, que o conceito de Missaka contempla alguns
determinantes internos, discutidos por Souza (2016).
Segundo Costa (2007), em seu artigo intitulado “Docência
Médica: por quê é tão difícil mudar?”, os professores de Medicina
tendem a encarar com ceticismo ou descaso os aspectos pedagógicos
da docência universitária. Segundo o autor espera-se que o professor
de Medicina seja “um profundo conhecedor do assunto que deve
ensinar, como se apenas esse aspecto assegurasse sua competência
didática”, fato que contribui para a falta de qualificação pedagógica
dos docentes. (BATISTA, 1998, p. 34).
Finalizamos o artigo com o argumento de Costa (2007)
de que praticamente não existe, nas escolas médicas, preparo
específico para os professores no campo pedagógico, pois a docência
é considerada uma atividade secundária à profissão médica, e o
trabalho docente “não se configura como uma profissão” (BATISTA,
1998, p.32).
27
Olhares Plurais na Educação

7 Considerações finais

Exercer práticas pedagógicas – enquanto práxis – demanda


conhecimento, dedicação e consciência crítica. O currículo,
enquanto expressão social é reflexo dos múltiplos contextos e
intencionalidades da prática pedagógica. O Educador para conciliar
práticas pedagógicas dentro do currículo precisa aperfeiçoar-se e
enriquecer sua prática cotidiana. (FRANCO, 2016; SOUZA,
2016).
O professor no seu exercício diário precisa entender a
magnitude e a fundamental importância das práticas pedagógicas,
enquanto práxis, como meio para enriquecer e aprimorar o
aprendizado dos discentes. Quer seja na formação médica na
Graduação, quer seja na formação da pós-graduação nos níveis
mais aprimorados, exercer a prática pedagógica, e não apenas a
prática educativa é de fundamental importância. Compreender a
enorme quantia de Diretrizes, Leis, Normativas e outros elementos
enquanto determinantes externos da prática pedagógica é
fundamental para poder exercer uma prática realmente pedagógica,
e não apenas educativa.
Dentro do contexto da Educação Médica, múltiplos
determinantes participam das práticas pedagógicas, cabe destacar
que o pouco preparo específico para a formação de professores e
de profissionais para a docência no Ensino Médico exerce papel
importante como determinante interno das práticas pedagógicas.
(COSTA, 2007).
Entre os determinantes externos da Prática Pedagógica no
Ensino Médico destacam-se a indústria Farmacêutica, a legislação
vigente e um enorme conjunto de diretrizes curriculares do MEC,
com uma formação médica voltada para o SUS, atenção primária
e pouco direcionada para os atendimentos de nível terciário, alta
complexidade, pesquisa e docência. A principal consequência
desta forma de política pública e influência na Educação médica,
discutida ao longo do texto, é a perpetuação de um modelo de
saúde dependente de tecnologia estrangeira.
28
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

No presente capítulo buscamos responder a seguinte questão:


quais os determinantes envolvidos nas práticas pedagógicas no
Ensino Médico? Objetivou-se abrir uma discussão sobre o conceito
de prática pedagógica, seus determinantes internos e externos, e,
ainda, oportunizar uma reflexão sobre os determinantes envolvidos
e influenciadores das práticas pedagógicas.
Por fim, destaca-se a importância de uma formação médica
que também seja adequada para a Docência, com aprofundamento
na área de Educação, em permeio com a Saúde. Cabe destacar
a forte influência da legislação vigente na formação Médica e a
necessidade de se buscar práticas pedagógicas enquanto práxis no
Ensino Médico.

Referências

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perspectivas. In: Marcondes, E.; Gonçalves, E. (coord.) Educação
Médica. São Paulo: Sarvier, 1998. p. 31-38.
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Brasília: Câmara de Educação Superior; 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução n.°16 de 8 de abril
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BRASIL. Ministério da Educação. Nota Técnica
n.°1/2020/CNRM/CGRS/DDES/SESU/SESU. Processo
n.°23000.015323/2020-55. Brasília: MEC, 2020.
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Tão Difícil Mudar? Revista Brasileira de Educação Médica.
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Olhares Plurais na Educação

FRANCO, M.A.R.S. Prática Pedagógica e docência: um olhar


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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

2016.
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In: Maria Cristina Borges da Silva. (Org.). Práticas Pedagógicas
e Elementos Articuladores. 1ed. Curitiba: Universidade Tuiuti
do Paraná, 2016, v., p. 38-65.
ETNOASTRONOMIA INDÍGENA NA
PERSPECTIVA DA ESCOLA BILÍNGUE PARA
SURDOS

Caroliny Capetta Martins1

1 Introdução

A educação nos transforma todos os dias, nos


proporcionando novos horizontes, perspectivas e
visões, e a educação bilíngue precisa ser vista de forma diferenciada
e atenta para atender da melhor maneira a comunidade surda
que faz parte do meio social, que por todo processo econômico,
político e cultural, precisa de um olhar que garanta sua alteridade.
Que permita a elaboração e participação dos educandos surdos em
diversas temáticas, inclusive as de direito, como políticas públicas
que enalteçam a cidadania e a garantia de conquistas no decorrer
de sua trajetória.
O artigo proposto versa sobra e implementação da Lei
11.645/08 que prevê o ensino de história e cultura indígena nas
disciplina do ensino fundamental e médio nas escolas de rede
pública e privada. A aplicação de políticas públicas no âmbito
educacional e a importância dos povos indígenas para a construção
da nossa identidade e sociedade, com isso, há necessidade de
um projeto que aborde questões de etnoastronomia indígena na
perspectiva da escola bilíngue para surdos.
O objetivo desse projeto é compartilhar as formas com que
os indígenas observavam os eventos celestes e como esses fenômenos
influenciavam no processo social e pessoal. Passar à nova geração,
esses conhecimentos a respeito da cultura dos povos indígenas,

1 Mestra em Educação e Novas Tecnologias pelo Centro Universitário Internacional


UNINTER.
32
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

através da apresentação em um seminário indígena bilíngue para


surdos, com vídeos sobre astronomia indígena acessíveis em Libras.
A finalização do projeto ocorreu por meio de videoconferência
com os educandos, no qual apresentaram resultados das confecções
elaboradas de forma remota, que devida a pandemia do COVID-19,
ou Coronavírus, precisou ser transformado e readaptado na
educação à distância. Buscando inovar as práticas pedagógicas, a
atuação dos docentes e a interação dos estudantes nessa nova e
desafiadora modalidade de ensino.

2 A educação bilíngue e o processo de aquisição da linguagem


do sujeito surdo

No contexto sócio-histórico-cultural, a linguagem seja


talvez a base da comunicação e expressão do ser humano, fazendo
relação a diversão funções mentais, como o raciocínio, o pensar, o
aprendizado, portanto, pode-se afirmar que a utilização de signos
e instrumentos ajuda no desenvolvimento do indivíduo, tornando
assim, a língua de sinais um signo muito favorável na educação
bilíngue, no processo de aquisição da linguagem da criança surda e
atuando no desenvolvimento e na formação humana. É importante
identificar, através de uma visão sócio-histórica, como a linguagem
é percebida nesse processo psicológico, de uma maneira que
remete a cultura comportamental, construída diante da sociedade,
ocorrendo desde o nascimento e perpetuando para a vida.
Tem grande ligação com o pensamento e a partir disso
são desenvolvidas diversas outras atribuições humanas, como a
memória, o raciocínio, o desenvolvimento.
[...] linguística é a área que se preocupa com a natureza da
linguagem e da comunicação. Desvendar a complexidade da
linguagem humana e todas as formas criativas da comunicação
fascinam os investigadores da área. A linguística é uma ciência
que busca respostas para problemas essenciais relacionados
a linguagem que precisam ser explicados: qual a natureza
da linguagem humana? Como a comunicação se constitui?
Quais os princípios que determinam a habilidade dos seres
33
Olhares Plurais na Educação

humanos em produzir e compreender a linguagem ponto


de interrogação a linguística desmembrar a tais questões
com a finalidade de explicar os problemas e elaboraram uma
teoria da linguagem humana e uma teoria da comunicação.
(QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 16)
A linguagem tem o objetivo de transmitir informações onde
o indivíduo passa a refletir, pensar, possui um papel psicológico
essencial no desenho humano. A legislação, lei nº 13.005/14 aprova
o Plano Nacional de Educação (PNE) em específico na Meta 4,
recomenda algumas estratégias voltadas para a educação especial e
inclusão:
Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17
(dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso
à educação básica e ao atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia
de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos
multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados,
públicos ou conveniados. [...] 4.7) garantir a oferta de
educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais - LÍBRAS
como primeira língua e na modalidade escrita da Língua
Portuguesa como segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos e
com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em
escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos
do art. 22 do Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
e dos arts. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, bem como a adoção do Sistema Braille de
leitura para cegos e surdos-cegos. (BRASIL, 2014, p. 1)
A atual proposta para a Educação de surdos é a modalidade
bilíngue, que contribui para o aprendizado significativo no processo
de aquisição da linguagem de crianças surdas.
Focando-se apenas a situação linguística, a educação bilíngue
para surdos pode ser definida como uma proposta educacional
que compreende em sua realização, a utilização de duas línguas
na comunicação e no ensino dos surdos: a Língua Brasileira de
Sinais (Libras) e a língua portuguesa. (FERNANDES, 2012,
p. 104).
34
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

A proposta do bilinguismo é promover de forma completa


o desenvolvimento da linguagem do indivíduo surdo, já o conceito
de bilinguismo no formato voltado para a educação de surdos,
está associado a apropriação da língua portuguesa na modalidade
escrita.
Nessa proposta, considera-se um currículo que busca
contemplar os elementos da cultura surda, como por exemplo
a Libras. No contexto bilíngue, se almeja que a Libras seja
usada em todos os setores e por todos os sujeitos da escola, isso
é: biblioteca, secretaria, diretoria, coordenação pedagógica,
cantina, professores e colegas ouvintes. Para dar conta dessa
proposta, é necessário construir uma consciência política
para compreender o processo educacional dos surdos como
uma prática que verdadeiramente conduzirá o surdo para
um caminho pleno do desenvolvimento social e cognitivo.
Nesse lugar, o surdo é entendido como um sujeito dotado de
capacidade e subjetividade sem que haja uma identificação
com a deficiência. (MARCON, et al, 2020, p. 138)
A questão de educação bilíngue vai muito além da ideia de
educação inclusiva, a inclusão escolar do surdo ocorre efetivamente,
não apenas no campo da acessibilidade, mas a aceitação e valorização
da Libras como língua materna, instrumento de comunicação de
grande importância no ensino aprendizagem e desenvolvimento
desse público.
Quando uma criança nasce, ela logo é inserida em ambientes
de comunicação direta, ou seja, através das relações sociais ela vai
adquirindo a linguagem e construindo seu próprio conhecimento.
Porém, quando se trata de uma criança surda numa família de
ouvintes, os desafios para a que as informações cheguem à ela é
muito maior e a comunicação ocorre de forma truncada. Por
isso a importância da família buscar aprender uma forma de se
comunicar com seu filho, aprender a Libras e buscar se envolver
nos eventos da comunidade surda para que a criança descubra a sua
identidade e cultura através de seus pares linguísticos. Infelizmente
a realidade da maioria das famílias não condiz com a mencionada
acima, a comunicação é fragmentada, e é jogada a responsabilidade
de fornecer base linguística à essas crianças, para a escola, que busca
35
Olhares Plurais na Educação

desenvolver ações que auxiliem na aquisição da linguagem desses


indivíduos.
Mas isso só será efetivado através de uma abordagem na
língua materna, ou seja, na primeira língua dos surdos, que é a
língua de sinais, tendo o Português como segunda língua na
modalidade escrita. Para isso a família precisa estar preparada para
a aceitação dessa diferença linguística, de comunicação, aceite a
criança e suas dificuldades, sem julgar e exigir mais do que ela é
capaz, mas aproximando-a dos seus pares, de surdos mais velhos
para que ela sinta a língua de sinais e perceba seu potencial.
Junto ao privilégio de ter uma escola bilíngue, entra a
questão das metodologias e da importância de se ter um currículo
voltado as especificidades.
Levando em conta o currículo escolar de uma escola bilíngue,
sugere-se que esse deve incluir os conteúdos desenvolvidos nas
escolas comuns. A escola deve ser especial para surdos, mas
deve ser ao mesmo tempo uma escola regular de ensino. Os
conteúdos devem ser trabalhados na língua nativa das crianças,
ou seja, na LIBRAS. A língua portuguesa deverá ser ensinada
em momentos específicos das aulas e os alunos deverão saber
que estão trabalhando com o objetivo de desenvolver tal língua,
Em sala de aula, o ideal é que sejam trabalhadas a leitura e a
escrita da língua portuguesa. (QUADROS, 1997, p. 32).
Numa escola bilíngue é de máxima importância a interação
dos alunos, a troca de experiência entre os pares linguísticos
e principalmente a presença de professores surdos para que as
crianças tenham como referência e outros profissionais bilíngues
que tenham conhecimento pleno da Libras.
Além disso, é necessário adaptações metodológicas, com
estratégias práticas que estimulem esses alunos na produção
e desenvolvam também sua segunda língua, seu visual, e suas
expressões. Fernandes (2012), comenta que a educação bilíngue
é uma proposta de medicação de vários profissionais dentro
do Atendimento Educacional Especializado (AEE), sejam eles
professores surdos ou bilíngues, Tradutores Intérprete de Língua
36
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

de Sinais/ Português (TILSP), ouvintes que atuem na educação de


surdos, como fonoaudiólogos por exemplo, entre outros.
Para que a proposta bilíngue se efetive de fato, é importante
ter consciência política e entender como ocorre a educação de surdos
para uma prática que realmente auxilie para o desenvolvimento social
e cognitivo, para que nessa escola, o estudante surdo desenvolva
sua capacidade de comunicação, pensamento, interação, sem focar
na deficiência, ou seja, que através dos profissionais, o ensino e a
aprendizagem dessas crianças aconteça de forma significativa.

3 A etnoastronomia Indígena Guarani

A Etnoastronomia é o estudo das tradições e mitos dos


povos antigos, os indígenas possibilitaram um resgate através da
etnografia, ou seja, pelo estudo das etnias ou pela interpretação
da cultura. Esses povos que sobreviveram aos colonizadores, foram
primitivos na questão da astronomia brasileira (AFONSO, 2006),
as diversas comunidades que vivenciaram esse período, perceberam
a necessidade de explorar a natureza de maneira a conhecer e
adaptar-se ao seu habitat, pois levavam a vida como nômades,
transportando-se de um local à outro (MELLATI, 2007), somente
após muito tempo de observação, foram capazes de perceber que
o processo ocorre de forma natural e cada etnia, cada povoado
possuía sua forma de compreender os eventos celestes, dando início
aos mitos e lendas, relacionando cada movimento do céu com seus
rituais, além das atividades de caça e pesca.
Essas histórias não eram arquivadas em livros, porém eram
passadas de geração à geração através da contação de história,
pelos mais antigos e pajés, portanto os mais jovens respeitavam
e tomavam como verdade absoluta tudo que lhes era ensinado.
Com base nesses contos, eram definidos os períodos de caça, qual
a melhor fase da Lua para pescas e até os dias para nascerem as
crianças.
O dia do início de cada estação do ano é obtido através da
observação do nascer ou do pôr-do-sol, sempre de um mesmo
37
Olhares Plurais na Educação

lugar, por exemplo, da haste vertical. O Sol sempre nasce do


lado leste e se põe do lado oeste. No entanto, somente nos dias
do início da primavera e do outono, o Sol nasce exatamente
no ponto cardeal leste e se põe exatamente no ponto cardeal
oeste. Para um observador no Hemisfério Sul, em relação à
linha leste-oeste, o nascer e o pôr-do-sol ocorrem um pouco
mais para o norte no inverno e um pouco mais para o sul no
verão. (AFONSO, 2006, p. 51)
Haviam um calendário indígena, que os Guaranis dividiam
o ano em duas partes, nos meses de Novembro e Dezembro era
época de colheita, bons frutos, tempo de fartura e de nascimento,
haviam muitos rituais, festas e danças. Nos meses de Junho e
Julho, era tempo frio, a comida era escassa e segundo eles, não era
aconselhável que as crianças olhassem o céu nesse período, pois
caso vissem a constelação da Ema, ficariam rebeldes e um tempo
ruim.
Boa parte dos conhecimentos, foram resgatados através de
documentos históricos que frisam a importância da astronomia na
sobrevivência dos povos indígenas, dentre eles estão a arte rupestre,
os monumentos rochosos e monólitos orientados, utilizados para
observar o céu juntamente com os pajés em seus contos.
Ao falar de cultura humana, a arte primitiva que se destaca
são as pinturas rupestres, conhecida desde a Pré-história pela
quantidade de informações deixadas, também fortemente destacada
pelos Guaranis. Conhecida atualmente pelas telas desenhadas
com Sol, Lua e constelações, a arte rupestre pôde também a
representar fenômenos celestes, que através de algumas mudanças
e aparições, como um meteoro ou o alinhamento de um planeta,
deixavam o povo com incertezas e medos, utilizando a arte para
registrar os acontecimentos, proporcionando aos pesquisadores um
conhecimento desses antigos fenômenos.
Através do uso de uma haste fincada no solo, um dos
primeiros instrumentos de astronomia, era possível ter um
monólito orientado, onde os povos indígenas observavam o
movimento aparente do Sol e identificavam o meio dia solar, os
pontos cardeais, as estações do ano. Essa haste, conhecida por eles
38
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

como Gnômon, tinha a função de projetar a sombra do Sol em um


terreno horizontal.
A astronomia envolveu todos os aspectos da cultura indígena.
O caráter prático dos seus conhecimentos pode ser reconhecido
na organização social e em condutas cotidianas que eram
orientadas por rituais cujas datas eram definidas pela posição
dos astros. A comunidade científica conhece muito pouco
da astronomia indígena e da sua relação com o ambiente,
patrimônio que pode ser perdido em uma ou duas gerações pelo
rápido processo de globalização, que tende a homogeneizar as
culturas e assim perder as nuances da diversidade. (AFONSO,
2006, p. 50).
No Brasil, um tipo de gnômon encontrado é o de rocha
talhada possui em torno de 1,50 metros de altura, formando uma
espécie de pirâmide dentro de um círculo maior, com ênfase nos
quatro pontos cardeais. Apontando para o ponto mais alto do céu,
conhecido como Zênite. E seus lados maiores apontam para o
Norte e para o Sul, com os lados menores apontando para Leste e
Oeste.
Do gnômon ao círculo, partem linhas direcionadas aos
pontos cardeais, nascer e pôr do sol em cada época do ano, ou cada
estação, conhecidos também por solstício e equinócio. O Zênite
significa o deus maior, e os quatro lados, denominados pontos
cardeais, são os quatro deuses que ajudaram na criação do mundo
e tudo que há nele. (AFONSO,2006) O círculo representa a terra
vista pela ótica dos indígenas, que achavam que era plana e circular.
Esse monumento constituído por rochas, era conhecido como
Observatório Solar Indígena.
Os povos que utilizavam esse recurso, conheciam através do
nascimento do Sol, o vento, as chuvas, os meses, agricultura, além
de se localizarem na mata, utilizando seus saberes astronômicos.
As estações do ano se davam por meio das fases da Lua,
assim também eles determinavam a melhor época para plantar e
colher, conter os insetos e pragas, dias apropriados para caça e pesca.
(AFONSO, 2006) A Lua cheia não era aconselhável, pois com o
39
Olhares Plurais na Educação

aumento da luminosidade, os animais ficavam mais agitados, então


era melhor dedicar os dias de Lua nova para caça.

4 A implementação da Lei 11.645/2008 na escola bilíngue para


surdos

No município de Paranaguá, há o privilégio de ter uma


escola bilíngue para surdos, denominada “Nydia Moreira Garcêz”,
a única do Litoral Paranaense, que atende crianças desde a educação
infantil até os anos iniciais do ensino fundamental I, fundada no
ano de 1989. Atualmente, atende estudantes surdos de forma
integral, das 07h30 as 17h45, sendo dividido em um período as
disciplinas curriculares e no contraturno oficinas e produções que
fortalecem a identidade e cultura.
Ao analisar o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola,
percebe-se a proposta de um referencial prático-teórico relacionado
ao processo de ensino aprendizagem que aborda as sete áreas do
conhecimento, bem como a Libras.
Compreendemos as dificuldades enfrentadas e a importância
da escola bilíngue para o desenvolvimento de soluções práticas
para a educação, centrada na diversidade e singularidade de cada
indivíduo surdo. Portanto, o PPP resgata e esclarece a identidade
de uma instituição buscando intensificar o compromisso com a
educação através das ações educativas, dos princípios e valores,
que devem ocorrer de forma dinâmica, buscando sempre construir
de maneira flexível, valorizando as competências e atribuições do
estudante, transformando a realidade escolar.
Como relatam Campello e Rezende:
Esta é a história das lutas em defesa da Escola Bilíngue de
Surdos nestes últimos anos, uma história que foi e ainda é uma
explosão de mobilizações sem precedentes, em que surdos
de praticamente todas as regiões do país foram mobilizados
e mobilizadores para defender a qualidade da educação
para nossas crianças surdas. Nós vivenciamos essa história.
Primeiramente como surdas, representantes das comunidades
40
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

surdas brasileiras e, em segundo lugar, como pesquisadoras


com espírito ativista. Não podemos negar a nossa história,
intensamente ligada ao diagnóstico do campo de lutas e
batalhas. (CAMPELLO; REZENDE, 2004, p. 72)
O objetivo da escola bilíngue é proporcionar aos educandos
surdos, uma escola transformadora, capaz de construir cidadãos
críticos para exercer da melhor maneira na cidadania, efetivando
seu papel social.
Todos os anos a escola busca promover a interação dos pais
através de eventos que fortaleçam a cultura surda parnanguara,
algumas conhecidas festividades que a instituição promove
são: festa da família, festa junina e especial de natal, onde os
estudantes participam através de apresentações artísticas e os lucros
arrecadados são voltados para melhorias aos estudantes ou espaço
físico da escola. No ano de 2020, por decorrência da pandemia
do COVID-19, também chamada de Coronavírus, a escola, como
todas as demais, passou a atender esses estudantes se forma remota.
Aconteceu no mês de agosto, o Seminário Indígena da
escola bilíngue para surdos "Nydia Moreira Garcêz", programação
especial pelo dia 09 de agosto ser comemorado Dia Internacional
dos povos indígenas, visando a implementação da Lei 11.645/08
nas escolas especiais.
Neste projeto analisou-se a percepção dos estudantes surdos
referente a temática contemporânea transversal indígena presente
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), assim como em
relação aos benefícios que as adaptações trazidas para a língua de
sinais fornecem para que haja uma compreensão mais significativa
do tema estudado.
Dessa forma, com uma educação de qualidade, a cultura se
perpetua, e o acesso à novos saberes assim como, ao uso da
tecnologia, permitem a população indígena a integração na
sociedade nacional ocidental, participando de forma cidadã de
conquistas e salvaguarda de direitos. (BECKER et al, 2019,
p. 6).
41
Olhares Plurais na Educação

Além dos vídeos com sinais específicos sobre Astronomia


Indígena, as atividades foram aplicadas para todas as turmas da
escola, contemplando desde os surdos da educação infantil, na
idade mínima para a realização, de 2 anos, até os anos iniciais do
ensino fundamental I, com idade máxima de 18 anos.
Inicialmente utilizou-se o vídeo “Céu dos Índios” para
abertura do seminário, de uma forma mais animada para o
público infantil, o famoso vídeo do produtor Hélio Ziskind, que
teve mais de 288.890 mil visualizações no seu formato original no
YouTube, agora com sua versão em Libras, adaptado como produto
do mestrado da autora, teve repercussão nacional nas televisões da
UNINTER.
Dando sequência ao seminário, houve a criação de um vídeo
lúdico e criativo utilizando o aplicativo Plotagon, uma tecnologia
bastante interativa, que o blog (ARAGON, 2016) define como
um APP voltado para jovens e adultos, proporcionando a criação
de vídeos e animações personalizados em pouco tempo, podendo
ser utilizado pelos docentes ou pelos próprios estudantes, podendo
fazer suas próprias narrativas e ampliação de vocabulário que o
software possui. Os idealizadores do Plotagon, alegam que diversos
temas podem ser abordados por personagens, que a aparência
física e as falas podem ser escolhidas e elaboradas pelos estudantes,
facilidade para o aprendizado. Outra grande ferramenta é que
pode-se adicionar emoções, ações, sons e ritmos, só é necessário
criar um roteiro, pois o APP além de gratuito, tem tecnologia 3D,
o que pode ser colocada no CardBoard, o famoso óculos de RVI.
O estudo apresentado abaixo visa coletar opiniões de futuros
professores, em sua formação inicial, no Aprenda a aplicação
Plotagon para projetar e produzir recursos didáticos audiovisuais
que contemplar os diferentes elementos curriculares da
O estágio da educação infantil. Esse objetivo principal,
especificado nos seguintes objetivos Específico: 1. Descreva as
opiniões dos alunos de segundo ano de escolaridade Programa
de aprendizagem infantil. Chapa metálica para a concepção
e produção de recursos didáticos audiovisuais. 2. Analise se
existem diferenças entre as mulheres e homens, bem como
42
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

entre grupos de idade e os dispositivos utilizados pelo alunos


para ver conteúdo audiovisual referente a sua avaliação da
experiência. 3. Observe a existência ou não de correlações entre
as diferentes dimensões do questionário: percepção pessoal de
recurso; Contribuições de recursos para Aprendendo; Avaliação
do software Plotagon para o desenvolvimento de recursos.
audiovisual. 4. Estabeleça modelos para prever a Avaliação de
software com base em aprendizagem vivida Regressões lineares
múltiplas. (ARIZA; GONZÁLEZ; GEA, 2019, p. 36 - Texto
traduzido pela autora)2
Esse vídeo foi criado de maneira dinâmica lúdica através
de imagens, explicando um pouco sobre a cultura indígena e as
possibilidades que esse povo criou para observar o céu através das
estrelas, da Lua e principalmente do Sol. A educação em torno
do Observatório Solar Indígena, chamou bastante a atenção dos
estudantes, houve a apresentação das quatro principais constelações
Guarani, que fazem parte do observatório, bem como as posições
do sol, no horizonte, nos solstícios e dos equinócios.
Em geral, a geração de estudantes do século XXI, necessitam
de metodologias atualizadas para uma aprendizagem significativa,
e a utilização das TDCIS é vista comum recurso essencial presente
em sala de aula. Fazendo parte da formação inicial de professores,
mas também nas formações continuadas, que fazem a inserção nos
treinamentos, cursos e, proporcionam aos profissionais da educação,
o desenvolvimento de capacidades, habilidades importantes para

2 O el estudio que se presenta a continuación tiene como objetivo recoger las opiniones
de los futuros docentes que, en su formación inicial, no aprenden a aplicar Plotagon
para diseñar y producir recursos didácticos audiovisuales que incluyan los diferentes
elementos curriculares de la etapa O de la educación infantil. Este objetivo principal,
especifica a continuación los objetivos específicos: 1. Describir opiniones como dos
alumnos de segundo curso del Programa de aprendizaje infantil. Chapa para el diseño
y producción de recursos didácticos audiovisuales. 2. Analizar si existen diferencias
entre mujeres y hombres, así como entre grupos de individuos y dispositivos que
algunos utilizan para visualizar contenidos audiovisuales en relación a la valoración de
la experiencia. 3. Observar la existencia o número de correlaciones entre las diferentes
dimensiones del cuestionario: percepción personal del recurso; Contribuciones
de recursos al aprendizaje; Evaluación de software para desarrollo de recursos.
audiovisual. 4. Establecer modelos para predecir la evaluación de software basados ​​en
la experiencia de aprendizaje. Regresiones lineales múltiples.
43
Olhares Plurais na Educação

a integração desses recursos tecnológicos na educação de surdos.


“É através do processo de educar que alunos e professores são
transformados e levados à uma aprendizagem significativa. A
transformação é maior ainda quando se trata da integração de
tecnologias, quando se objetiva melhorias na forma de ensino.”
(AFONSO et al, 2020, p. 5)
O terceiro passo foi o desenvolvimento de um material que
os educandos receberam em suas residências para elaborarem com
o auxílio dos professores regentes, foram entregues kits contendo
a base do observatório solar, o gnômon, os desenhos referentes
às constelações indígenas: Colibri, Homem Velho, Cervo e Ema;
também a Lua, Sol, Estrela e Cometa; os pontos cardeais: Norte,
Sul, Leste e Oeste; e alguns retalhos de papel picado para decoração.
Na sequência, foi enviado o terceiro vídeo, que era o passo a passo
de como elaborar a miniatura do observatório solar indígena.
Por fim, a apresentação dos trabalhos se deu por meio
de videoconferência, onde os educandos demonstravam o que
aprenderam com o seminário indígena, a interação das crianças foi
surpreendente, já no início da aplicação do projeto, se interessaram
e fizeram tudo com muito esmero. Os estudantes surdos ao final da
explicação do Observatório Solar Indígena, interagiram de forma
expositiva, demonstrando o que aprenderam, explicando a forma
com que os indígenas identificavam o meio dia solar, as estações do
ano, sinalizando as constelações e os demais temas abordados.
Através da aplicação deste projeto, foi possível perceber
quanta riqueza cultural os povos indígenas nos deixaram, assim
como seus ensinamentos passados de geração a geração. O
desenvolvimento desse projeto permitiu, também a inclusão da
Astronomia Indígena no espaço da escola bilíngue.
A disponibilização desses vídeos está no canal do YouTube
“Céu em Libras”, com objetivo de disseminar o ensino de
Astronomia Indígena para surdos, para a inclusão e equidade na
educação de alunos surdos. Pretendemos ampliá-lo utilizando,
44
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

no lugar de Libras, as línguas de sinais de algumas comunidades


indígenas, que tenham alunos surdos.

5 Considerações finais

A elaboração desse projeto teve como principal objetivo a


implementação da Lei 11.645/08 dentro da escola bilíngue para
surdos, exteriorizar os conhecimentos etnoastronômicos à essa
geração que, muitas vezes, por excesso de informações, permitem
cair no esquecimento as tradições e cultura dos nossos antepassados.
As histórias contadas pelos anciãos, que hoje em dia não são mais,
por falta de interesse dos mais novos e que através da observação
celeste, podem ser revividas na geração atual, trazendo uma releitura
da sua própria identidade.
Na busca de novos saberes a respeito de astronomia
indígena, fez-se necessário uma pesquisa a respeito dessa temática,
para um resgate cultural dos povos Guaranis. A aplicação ocorreu
dentro da escola bilíngue para surdos com o intuito de fortalecer a
experiência desses educandos com a diversidade cultural, trazendo
o observatório solar indígena para dentro da escola como forma de
demonstrar esses conhecimentos.
O observatório solar é um instrumento bastante utilizado
pelos indígenas, com uma haste, chamada de gnômon, fincada ao
chão, possibilitava localizar-se através da sombra projetada pelo Sol
e quando a mesma era mínima, indicava o meio dia solar.
Essa pesquisa tem por objetivo disseminar a cultura indígena
para todos os estudantes que possuem esse direito, mas que muitas
vezes é esquecido em nosso cotidiano e ajudar a comunidade a
compreender e resgatar as histórias e contos fundamentais para a
nossa sobrevivência em sociedade.
Os educandos surdos da escola bilíngue participaram do
seminário e o retorno foi bastante positivo, através de vídeos e fotos
enviadas pelos pais, foi possível perceber o quanto a confecção da
45
Olhares Plurais na Educação

miniatura e a atividade com os vídeos atingiu de forma positiva


cada um deles.
O projeto foi uma maravilhosa experiência para minha
formação, pois possibilitou meu aprendizado com relação a
astronomia indígena, e a necessito de um estudo científico desse
povo que já tantos anos buscam respeito e sua sobrevivência em
sociedade, assim como os frutos que a natureza nos proporciona.

Referências

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American Brasil (Edição Especial), v. 14, p. 46-55, 2006.
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Paulo, 2007.
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uninter.com/intersaberes/index.php/revista/article/view/1800
Acesso: em 13 de agosto de 2020
AFONSO, G.B., Determinação dos Pontos cardeais com o
Gnômon. Astronomy Brasil, 2007.
ARAGON, Enio. Plotagon: Entre para o mundo das histórias
animadas. 2016. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/
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ARIZA, María Dolores Hidalgo; GONZÁLEZ, Juan Manuel
Muñoz; GEA, Esther María Vega. International Journal of
Technology and Educational Innovation. Innoeduca. 5 (1), p. 34-
42, 2019. Disponível em: http://www.revistas.uma.es. Acesso em:
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BECKER, T; KATERBERG, L. P; MARTINS, C. C; AFONSO,
46
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

G. B. Direitos humanos na educação escolar indígena. 2019.


Disponível em: https://www.inesul.edu.br/revista/arquivos. Acesso
em: 19 de agosto de 2020.
BRASIL. Lei nº 13005 de 13 de junho de 2014. Disponível em:
http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/125099097/lei-
13005-14. Acesso em: 28 de julho de 2020.
CAMPELLO, A. R.; REZENDE, P. L. F. Em defesa da escola
bilíngue para surdos: a história de lutas do movimento surdo
brasileiro. Educar em Revista, Editora UFPR, Curitiba, Brasil, Ed.
Especial n. 2, p. 71-92, 2004.
FERNANDES, S. Educação de surdos. Curitiba: Intersaberes,
2012.
MARCON, A. M; CIGOGNINI, F; COSTA, F. R; SOARES,
N. G. Currículo e a educação de surdos: uma reflexão para
os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
SONZA, A.P [et al.], organizadores. In: Afirmar: a inclusão e as
diversidades no IFRS. Bento Gonçalves: IFRS, 2020.
QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da
linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
QUADROS, R. M; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira:
estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
A IMPORTÂNCIA DA ERGONOMIA NO
CONTEXTO ESCOLAR

Edson Vidal1
Andressa Gobbi2
Marco Antônio Ribeiro Merlin3

1 Introdução

E m todos os empregos, profissões e ofícios, a saúde do


trabalhador não pode ser prejudicada. Na saúde pública,
a missão da medicina do trabalho é a promoção do bem-estar, da
cidadania e da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente
(BRASIL, 2016, p.1).
Dentre muitos objetivos do Brasil (2016, p.1) em relação
à saúde do trabalhador, procura-se desenvolver projetos de
capacitação, treinamento e reciclagem para profissionais das áreas
de saúde, educação e também para estudantes e população em geral.
O aconselhamento é efetivado por meio do Ministério do trabalho,
1 Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pela UNIFACEAR, Especialista
em Administração e Desenvolvimento de Recursos Humanos pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, graduado em Engenharia Civil pela Faculdade
Educacional Araucária, bacharel em Estatística pela Universidade Federal do Paraná
e graduado em Química Industrial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
E-mail: edsonvidal@terra.com.br
2 Doutora em Engenharia da Construção pela Universitat Politècnica de Catalunya,
Mestra em Engenharia da Construção Civil pela Universidade Federal do Paraná,
especialista em Docência no Ensino Superior pela UNIFACEAR e graduada em
Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná. Professora colaboradora na
Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: andressagobbi@yahoo.com.br
3 Professor do Centro Universitário Unifacear. Especialista em Educação Inclusiva
(Centro Universitário Campos Andrade), Docência no Ensino Superior (UniFacear)
e Ensino da Arte (Faculdade Anchieta), Licenciado em História e Pedagogia pela
Universidade Tuiuti do Paraná. Integrante do Grupo de Estudos Prática Educativa
e Movimentos Sociais do Campo (NUPECAMP), vinculado ao Programa de Pós-
Graduação da Educação (PPGED), da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail:
marcoantoniormerlin@gmail.com
48
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

o artigo 200 tem como função criar algumas normas exclusivas


relacionadas à segurança, saúde, higiene e medicina no trabalho.
Essas normas são chamadas de Normas Regulamentadoras e elas
podem ser encontradas na Portaria n. 3.217/77 (ESO, 2018, p.1).
Essas normas regulamentadoras são essenciais, visando
o atendimento de todos os profissionais na prevenção de riscos
à sua saúde, muitas vezes ocasionados no ambiente de trabalho.
Diante disso, há a necessidade de criação de um espaço favorável
não apenas nas empresas, mas dentro do contexto escolar, onde
os trabalhadores, os profissionais em educação e a mantenedora
Secretaria Estadual de Educação (SEED) criam as condições para o
estabelecimento de políticas de prevenção e proteção em termos de
saúde e segurança no trabalho.
Este estudo tem como objetivo principal abordar a
importância da ergonomia no contexto escolar, no que diz respeito
às lesões e enfermidades ocasionados pelo ambiente de trabalho,
devido às condições de trabalho dos profissionais em educação.
Para embasar a presente discussão, pensou-se nas seguintes
problematizações: Quais as condições de trabalho dos profissionais
em educação? A ergonomia pode contribuir para melhores
condições de trabalho para os profissionais dentro do seu contexto
escolar? Qual a importância da ergonomia no contexto escolar?
Como este trabalho poderá contribuir para os profissionais em
educação dentro do seu âmbito de trabalho?
Para tanto, fez se necessário analisar em diferentes fontes
bibliográficas a contribuição deste tema para os profissionais
em educação do ensino médio, dentro de seu contexto escolar,
buscando conhecer sua condição de trabalho. Bem como, pesquisar
a relevância da ergonomia e sua contribuição para oferta de melhores
condições de trabalho ao profissional alvo deste estudo.
A presente pesquisa se faz pertinente, por abordar a
importância da saúde do profissional em educação e da ergonomia
no seu ambiente de trabalho, visando dessa forma, despertar na
49
Olhares Plurais na Educação

SEED e na comunidade escolar olhar atento para a saúde física e


emocional destes trabalhadores.
O diferencial deste estudo está justamente no entendimento
da importância da ergonomia no contexto escolar, como sendo
uma maneira de possibilitar melhor condição de saúde, bem-estar
e consequentemente boa devolutiva da realização e concretização
do trabalho.

2 A ergonomia e os profissionais em educação

Segundo Santana e Neves (2017), ser profissional em


educação significa, no sentido simples, exercer a profissão docente,
embora, num sentido amplo, tenha capacidade e qualidade para
desenvolver e aperfeiçoar as faculdades cognitivas psicomotoras,
axiológicas e de convivência social da criança e do jovem, de uma
forma sequencial e temporal, usando diversos estilos e estratégia
pedagógica de acordo com suas necessidades de aprendizagem e a
visão de ser social definida pela sociedade. Logo, as competências
ou capacidades humanas do profissional em educação não são
o simples somatório de aptidões mecânicas e aptidões que lhe
permitem exercer a profissão docente, são, pelo contrário, um
conjunto complexo de conhecimentos, aptidões, atitudes e valores
que o profissional, mas para isso, requer melhores condições de
trabalhos e ambiente que proporcionem isso, além de preservar a
sua saúde.
Para Lida e Buarque (2000), em suma, a ergonomia é o
conjunto de conhecimentos científicos aplicados para que o
trabalho, sistemas, produtos e ambientes possam ser modificados
ou adaptados com base na capacidade e nas limitações, tanto físicas
quanto mentais da pessoa.
Para os mesmos autores, todos os itens de trabalho
ergonômicos são projetados pensando em quem os usará. No
espaço educacional não pode ser diferente, assim como qualquer
local de trabalho esse espaço e materiais que serão utilizados pelo
50
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

profissional em educação deverão ser pensados e adequados para


que os auxilie no melhor desempenho de sua função, de modo que
ele possa ter sua integridade física e emocional protegidas.
Diante disso, Olivatti (2010), salienta que a ergonomia
pode ser aplicada ao estudo de qualquer atividade, independente da
tarefa ou função exercida. A aplicação da ergonomia no contexto
escolar, envolve o desenvolvimento de um plano ou programa
adequado às necessidades e possibilidades da instituição.
Ainda de acordo com o mesmo autor, a ergonomia escolar
preocupa-se com alunos e professores, com sua integração adequada
ao ambiente para melhorar seu conforto e desempenho. No
ambiente escolar, não se dá muita atenção ao aspecto da ergonomia,
mas o fato de se propor um estudo ergonômico nas instituições de
ensino poderia melhorar o conforto de professores e alunos, e uma
redução de carga mental em ambos.
Uma aplicação correta da ergonomia pode melhorar a
satisfação do trabalho do corpo docente e contribuir para a melhoria
da aprendizagem e desempenho dos alunos.
Segundo artigo publicado pela Nova Escola, em agosto de
2018, 66% dos professores que participaram da pesquisa realizada
pela Associação Nova Escola precisaram se afastar por problema de
saúde. Sendo as doenças mais comuns: ansiedade, estresse, dor de
cabeça, e insônia.
Participaram da pesquisa mencionada mais de 5 mil
educadores, tais dados foram coletados entre os meses de junho e
julho de 2018, e os resultados foram os seguintes: [...] “a ansiedade,
que afeta 68% dos educadores; estresse e dores de cabeça (63%);
insônia (39%); dores nos membros (38%) e alergias (38%). Além
disso, 28% deles afirmaram que sofrem ou já sofreram de depressão”
dados retirados do site da Associação nova escola (TEIXEIRA,
2018).
Portanto, no contexto escolar, trabalhar os aspectos
ergonômicos para evitar esses danos à saúde que podem ser
51
Olhares Plurais na Educação

prejudiciais ao equilíbrio mental e social dos indivíduos, que


podem evoluir em doenças somáticas ou psicossomáticas.

2.1 Condições e ambiente de trabalho dos profissionais em educação

Para Santana e Neves (2017), as condições de infraestrutura


escolar, equipamentos e material didático ainda são precárias, o
que dificulta o trabalho docente. Os professores costumam fazer
esforços financeiros pessoais ou mobilizar os pais para preencher
essas lacunas, situação que gera sentimentos negativos relacionados
a falta de apoio das autoridades para o seu trabalho profissional. A
existência de espaços adequados e bem equipados para realização
de tarefas fora da sala de aula, tanto individualmente como em
equipe, é outro fator importante para as quais as situações são
muito diversas.
Além das condições e ambiente de trabalho, os profissionais
em educação enfrentam problemas de saúde e segurança, devido
aos movimentos repetitivos e de posturas. “O que pode levar a
danos por estresse postural, estática por estar parado ou dinâmico
(deslocamento de carga, postura, movimento e repetitivo) ESO
(2018)”. Desse modo, percebe- se a seguir as doenças que mais
costumam afetar os docentes:
As doenças mais comuns no meio docente (Figura 1) podemos
perceber que estas se dividem em HAS (Hipertensão Arterial
Sistemática), citada em 2 artigos (6.6%), distúrbios da voz
(disfonia) em 06 artigos (20%), síndrome de Bornout em 04
artigos (13%), exaustão emocional em 10 artigos (33,3%),
estresse em 10 artigos (33,3%), depressão em 02 artigos
(6,6%), disfunções musculoesqueléticas em 06 artigos (20%)
(BAIÃO E CUNHA, 2013, pp. 10-11)
52
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Figura 1: Doenças mais comuns no meio docente de acordo com a literatura pesquisada.

Fonte: BAIÃO e CUNHA (2013).

Dessa forma, observando esses dados, torna- se evidente


a importância da ergonomia no contexto escolar, para que os
profissionais em educação do ensino médio possam estar fazendo a
prevenção, cuidando primordialmente do seu bem-estar.
Comparando esses dados de 2013 com os dados de
TEIXEIRA (2018) torna- se possível observar que nesses períodos
as doenças mais presentes nos profissionais em educação são
as de cunho psicológicas/ emocionais. Percebe- se em ambos
os levantamentos de dados a presença das seguintes doenças:
depressão, ansiedade, exaustão emocional, estresse, burnout, que
fundamentam essa colocação.
Nesse sentido, pode-se averiguar, que no caso do estresse,
por exemplo, os números de professores afetados passam de
33,3 % em 2013 para 63 % em 2018. Esses dados representam
aproximadamente 23% de acréscimo nos números de casos. Dado
desfavorável para o trabalhador em educação, podendo vir a
comprometer a saúde e o seu desempenho profissional.
53
Olhares Plurais na Educação

2.2 A importância da ergonomia no contexto escolar

Segundo Ferreira (2010), a ergonomia é a adaptação da


posição homem trabalhador, frente aos objetos, baias de trabalho
e ferramentas que, pelo peso, tamanho, forma ou design, obrigam
esforço excessivo, movimentos repetitivos e manutenção de posturas
inadequadas, piso, mobília, etc.
De acordo com o autor, eles causam grande parte das
lesões em costas, desgaste anormal das articulações e músculos,
síndrome do túnel do carpo, tendinite, distúrbios gastrointestinais
e cardiovasculares, etc.
Como medida de prevenção, é necessário um projeto
adequado de estações de trabalho (móveis ergonômicos que
existem em variedade no mercado), rotação de tarefas, períodos
de descanso, duração da jornada de trabalho e regulamentação dos
materiais pedagógicos a serem movimentados durante as aulas.
(FERREIRA, 2010)

2.2.1 A ergonomia como melhoria nas condições de trabalho para


os profissionais em educação dentro do contexto escolar

A saúde é um estado de bem-estar físico, social e mental,


existem vários fatores que podem causar uma alteração desse estado.
“Entre eles pode-se citar os riscos ocupacionais e dentro destes,
aos maus hábitos posturais, que são adotados inconscientemente
desde muito cedo” Santana e Neves (2017), sendo a causa de vários
desequilíbrios musculares e estes, por sua vez, desencadeiam dores
nas costas.
Ferreira (2010) e Olivetti (2010), salientam que a ergonomia
é um forte aliado ao propor que os centros educacionais devem
avaliar e acomodar os espaços escolares para que os professores e
alunos possam realizar a atividade acadêmica em ótimas condições.
Tentar obter o melhor rendimento possível com a luz natural, não
se expor continuamente a altos níveis de ruído ou evitar mudanças
54
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

bruscas de temperatura são algumas orientações que os especialistas


em ergonomia escolar recomendam aplicar em sala de aula.
Evitando assim, vários dos problemas de saúde mencionados
ao discorrer deste artigo, pois só dessa forma será possível manter
a saúde dos profissionais em educação do ensino médio em
bom estado, o que resultará em uma ótima prestação de serviço
educacional.

2.2.2 NR-17- ergonomia e sua importância em espaços escolares

Para tanto, as normas de ergonomia têm um grau de


validade importante dentro do Brasil, por terem sidas estudadas e
validadas por especialistas. Neste contexto, pode- se citar a Norma
Reguladora Número 17 - Ergonomia, que trata do entendimento
da relação do homem com seu trabalho, de modo que possibilite
bons resultados do desempenho da função. Assim se entende a NR
17:
17.1. Esta Norma Regulamentadora visa estabelecer
parâmetros que permitam a adaptação das condições de
trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores,
de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e
desempenho eficiente. (BRASÍLIA, 2002, p. 12)
Conforme exposto, compreende- se que o objetivo dessa
norma reguladora é garantir ao profissional condições adequadas
para o exercício da profissão. Considerando suas características
individuais para que tenha um bom desenvolvimento em seu local
de trabalho.
Quando se diz respeito ao profissional em educação do
ensino médio a NR-17 pode ter papel fundamental no que tange
o cuidado com o bem-estar desse profissional, conforme está nesta
Norma, no subitem 17.5.1.: as condições ambientais de trabalho
devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos
trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. Brasília
(2002, p. 37).
55
Olhares Plurais na Educação

O referido subitem da NR-17 menciona as condições


adequadas ao local de trabalho, como por exemplo excessos ruídos,
baixa luminosidade e outros, que dentro do ambiente escolar pode
dificultar a prática docente, bem como comprometê-la. Diante
disso, a NR-17 pode contribuir com melhores condições de
trabalho do profissional em educação do ensino médio.

3 Conclusão

Se fizer uma analogia dos profissionais em educação e o


contexto escolar, pode-se dizer que o espaço em questão nada mais
é do que uma empresa, um ambiente de trabalho.
Tanto os profissionais de educação quanto os estudantes
devem gozar de um ambiente acolhedor que lhes proporcione além
do conhecimento, saúde e o bem-estar de todos os envolvidos.
Pensando nisso, a ergonomia é um termo que pode ser novo
ou desconhecido para a maioria dos profissionais em educação e
certamente para as autoridades em geral, o que pode ter enormes
consequências no futuro, justamente pela desinformação, não tem
havido interesse no estudo em termos do processo de ministração
das aulas, por isso é necessário analisar o cenário de atuação dos
profissionais, avaliar sua mobilidade e condições de saúde.
Portanto, é importante investigar as causas de desconforto
corporal em professores, observar se a superfície sobre a qual
caminham é adequada, se as condições em que se deslocam para o
local de trabalho são adequadas, se há segurança dentro dos centros
educacionais, se o tipo de imóvel é compatível com o centro
educacional, é muito comum afirmar que é importante analisar o
tempo de trabalho, com base na idade e no agravamento da saúde.
Sendo assim, a correta aplicação da ergonomia contribui
para o cumprimento da finalidade, que é garantir boas condições
aos profissionais em educação para que possam desenvolver bem
as suas atividades pedagógicas. Permitindo promover o equilíbrio,
otimizando a relação entre o aluno e a relação da sua atividade
56
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

docente, exercendo uma influência favorável tanto para o seu


desenvolvimento, como para a sua saúde.
A ergonomia é uma entidade multidisciplinar, preocupada
com a adaptação do trabalho ao homem, seu desenvolvimento é
recente em nosso meio e surge com a necessidade de profissionais
da área educacional incorporarem critérios ergonômicos em
suas atividades diárias, visto que no mundo moderno existe um
conjunto de patologias que podem ser desencadeadas. Nestes
casos, os tratamentos não são abrangentes, pois, não existe uma
visão holística da pessoa, eles se limitam ao ambiente físico, mas
não à interação correta ou aos fatores de risco que influenciam o
desempenho no trabalho dentro e fora da instituição.
Logo, o desenho dos postos de trabalho e as ferramentas a
serem utilizadas sem as necessárias medidas ergonômicas preventivas,
originariam uma série de consequências nos profissionais, tais
como: absenteísmo, acidentes de trabalho, doenças ocupacionais,
desmotivação, lesões, musculoesqueléticas que são eles refletem ao
longo do tempo e, em algumas ocasiões, se não tratados, põem
causar incapacidades parciais, temporárias, permanentes ou causar
a morte.
Diante disso, pode-se dizer que este trabalho chegou ao seu
objetivo de apresentar a importância da ergonomia no contexto
escolar, abordando principalmente os profissionais e o ambiente de
trabalho, visando sempre a saúde e o bem-estar de todos.
Diante do exposto, conclui-se que a ergonomia foi definida
de várias maneiras, que é adequar os produtos, sistemas e ambientes
às características, limitações e necessidades de seus usuários para
otimizar sua eficiência, segurança e conforto, no ambiente de
trabalho para os profissionais em educação, visando sempre a saúde
o bem-estar de todos. Porém, essa técnica não é muito aplicada
no contexto escolar, embora haja a necessidade de se implantar,
visto que os conhecimentos proporcionados pela ergonomia são
úteis para prevenir e reduzir os acidentes de trabalho e aumentar a
produtividade e a qualidade de vida dos profissionais.
57
Olhares Plurais na Educação

Referências

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Doenças e/ou disfunções ocupacionais no meio docente:
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

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professores já precisaram se afastar por problemas de saúde.
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2020.
ESCOLHAS, VIVÊNCIAS E MEMÓRIAS
DOCENTES

Edison Luiz Saturnino


Fernanda dos Santos Gentil
Helaine Badia Costa
Elias Junio
Flávia Leite Azambuja
Lucas Santos Jenisch
Rafael Mendes
Rodrigo Barreto Viana Rosito

1 Introdução

A presente pesquisa aborda sobre as questões envolvidas


nas escolhas pela carreira docente e as memórias que
permeiam esta importante etapa da vida, os questionamentos que
nortearam essa busca, foram:
Que narrativas de memórias são elaboradas por professores
acerca da escolhada carreira docente? ou, Como os professores narram
suas motivações para escolha da carreira docente?
A escolha de uma profissão ainda que parece bastante
intuitiva, carrega o peso de memórias e vivências anteriores a este
acontecimento. A citação de Pimenta (1999) contribui para nos
fazer entender aspectos que contribuem e refletem a escolha pela
docência:
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da
significação sociais da profissão; da revisão constante dos
significados sociais da profissão; da revisão das tradições.
Como, também, da reafirmação de práticas consagradas
culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que
resistem a inovações, porque estão prenhes de saberes válidos
às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e
60
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias


existentes, da construção denovas teorias, constrói-se também,
pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor
confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus
valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de
vida, desuas representações, de seus saberes, de suas angústias
e anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor”.
(PIMENTA, 1999, p.7).
A construção de um professor depende de um misto
de acontecimentos de seu tempo e espaço.O contexto escolar/
educacional, familiar, bairro/cidade/país, de cada indivíduo
incidem diretamente nos caminhos e escolhas que o mesmo toma
e tomará ao longo de sua vida, refletindo inclusive nas escolhas
profissionais. Já feita a escolha pela docência, o caminho a trilhar
ainda é longo e cheio de percalços.
A docência exige muito envolvimento com o contexto
onde se trabalha, problemas da comunidade, desvalorização da
profissão, falta de estrutura no ambientede trabalho - escola. Todos
estes percalços além de tantos outros desembocam em sensações de
desterritorialidade e questionamentos sobre as escolhas profissionais.
Pimenta (1999) nos alerta para a falta de alguns questionamentos
referentes a profissãode docente:
No entanto, poucos já se perguntaram qual o significado que
esses conhecimentos têm para si próprios; qual o significado
desses conhecimentos na sociedade contemporânea; qual a
diferença entre conhecimentos e informações; até que ponto
conhecimento é poder; qual o papel do conhecimento no
mundo do trabalho; qual a relação entre ciência e produção
material; entre ciência e produção existencial; entre ciência e
sociedade informática: como se colocam aí os conhecimentos
históricos,matemáticos,biológicos, das artes cênicas, plásticas,
musicais, . das ciências Sociais e geográficas, da educação física.
Qual a relação entre esses conhecimentos? Para que ensiná-los
e que significados têm na vida dascrianças e dos jovens (alunos
dos quais serão professores)? Como as escolas trabalham o
conhecimento? Que resultados conseguem? Que condições
existem nas escolas para o trabalho com o conhecimento na
sociedade atual?Como o trabalho das escolas com o conhecimento
produz o fracasso escolar?. (PIMENTA, 1999, p.8).
61
Olhares Plurais na Educação

Escolher a docência significa estar disposto e suscetível a


todas as condições atuais que envolvem e refletem no ambiente onde
o professor trabalhará. Os disparadores dos questionamentos em
maior parte derivam de situações desagradáveis, como : indisciplina,
a falta de interesse de muitos estudantes, sucateamento das escolas
e a desvalorização da docência. O professor, entrevistado 2, relata
que em meio aos questionamentos, também surgem situações de
reconhecimento: “Mas, cada vez que um aluno vem agradecer e dizer
que fizemos a diferença na vida dele, tenho certeza de que escolhi
a profissão certa”. Os professoresentrevistados relatam o quanto as
vivências junto aos demais indivíduos que compõem o ambiente
escolar são muito importantes para o constante crescimento de
todos que frequentam a escola e demonstram disponibilidade para
as trocas positivas.
As perguntas realizadas aos entrevistados foram as seguintes:
1) Que lembranças são mais significativas na sua formação?
2) Que relações estabeleceu com seus professores?
3) Que relações estabeleceu com seus professores?
4) Tiveste alguma expectativa ou idealização referente a
carreira de professor?
5) Cite uma experiência marcante como professor(a).
6) A formação docente te deu suporte para a prática em sala
de aula? Explique.
7) Quais vivências pessoais refletiram na tua escolha de
curso e profissão?
8) Escolheste primeiro a docência ou área de estudo? O que
te levou a escolher a área de estudo? (matemática, artes, ciências,
letras)
9) O professor já se questionou sobre a sua escolha
profissional?
62
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

2 Corpus documental

Dados da entrevistada 1
Professora, com 51 anos de idade, formada em 2005 na
área do conhecimento de Filosofia. Leciona há 12 anos em escolas
públicas no município de São José dos Pinhais,na cidade de
Curitiba, no estado do Paraná.
Respostas da entrevistada 1
Com relação as lembranças mais significativas na formação,
a professora de Filosofia relatou que eram os debates proporcionados
em sala de aula com os alunos sobre os conteúdos trabalhados,
pois eram conversas instigantes. As relações estabelecidas entre
a professora e os seus formadores eram de respeito e admiração.
Sobre as expectativas referente a carreira de docente, a professora
mencionou a possibilidade de proporcionar conhecimento ao
discente, dessa forma contribuindo com uma sociedade melhor.
Entre muitas experiências que a professora vivenciou, as que
mais lhe marcaram, e ainda lhe marcam, quando seus alunos dão
continuidade em seus estudos. Outro questionamento feito a
professora foi se a formação docente lhe deu suporte para a prática
em sala de aula. A professora relatou que sim e complementou
dizendo que é com a prática em sala de aula que os docentes passam
a adquirir um aprendizado maior, pois eles acabam aprendendo
também com seus alunos.Dando sequência na entrevista outra
pergunta realizada para a entrevistadora foi sobre quais vivências
pessoais refletiram na sua escolha do curso de profissão. Diante
desse questionamento a docente abordou que o contato com vários
professores
63
Olhares Plurais na Educação

da área de Filosofia dispertou o seu interesse para a escolha


dessa área para a sua profissão, visto ser uma disciplina que faz o
indivíduo desenvolver um pensamento crítica e por ser a mãe todas
as ciências.Dessa forma a professora escolheu primeiro a área de
estudo. Com relação aos possíveis questionamentos que a professora
fez sobre a escolha da sua profissão, ela relatou que situações de
indisciplina, a falta de interesse de muitos estudantes e a falta de
valorização da classe levaram a mesma a se perguntar se estava na
profissão correta., diante de tantas dificuldades encontradas.

Dados do entrevistado 2
Professor, com 27 anos de idade, formado em 2015 na área
do conhecimento de Letras/Inglês. Leciona há 8 anos em escolas
preparatórias para vestibular na cidade de Porto Alegre, no estado
do Rio Grande do Sul.
Respostas da entrevista 2
Com relação as lembranças mais significativas na formação,
o professor de Letras/inglês relatou que nos seus primeiros semestres
da graduação quando um professor lhe falou de um princípio de
Heidegger, que “ensinar é deixar aprender”. Isso lhe marcou muito
porque teve professores na escola que tratavam os alunos de maneira
que atrapalhava o aprendizado, dessa forma ele resolveu que iria
fazer diferente, que daria condições para os alunos aprenderem.
As relações estabelecidas entre o professor e os seus formadores
era bem hierárquica, no período do colégio. Os professores eram,
para ele, uma figura de “detentor do conhecimento” assim, acabava
ocorrendo um afastamento entre os alunos e os formadores. Já na
universidade a relação era muito mais próxima, era de mentor. O
professor era alguém que ele podia abordar e pedir dicas e que davam
referências. Sobre as expectativas referente a carreira de docente, o
professor mencionou que todos sempre tem expectativas para tudo
que irão fazer. Ele esperava poder contribuir para comunidade,
trazer algo novo, melhorar a vida dos alunos, mas idealização ele
nunca teve, porque seus pais eram professores também, e ele sempre
64
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

soube que vida de professor não tem muito glamour. Entre muitas
experiências que o professor vivenciou, duas coisas lhe marcaram
muito.
Uma foi quando uma aluna lhe deu de aniversário uma
caricatura dele. Relatou que foi muito marcante, porque foi a
primeira vez que ele se deu conta que ele existia para os alunos
fora da sala de aula. A outra foi quando uma aluna lhe agradeceu
porque tinha passado no vestibular para medicina. Foi muito
emocionante para ambos. Outroquestionamento feito ao professor
foi se a formação docente lhe deu suporte para a prática em sala
de aula. O professor relatou que sua formação lhe deu muito
suporte teórico, mas o dia a dia, a mão na massa faltou bastante.
Ele realmente aprendeu a preparar uma aula, por exemplo, quando
ele se viu como professor de uma sala de aula.Dando sequência
na entrevista outra pergunta realizada para o entrevistador foi
sobre quais vivências pessoais refletiram na sua escolha do curso
de profissão. Diantedesse questionamento o docente abordou que
caiu de paraquedas em seu curso. Ele fez o vestibular para história
e acabou não passando,dessa forma no ano seguinte, elecomeçou a
dar aula de inglês e se apaixonou pela área. Assim, que o professor
decidiucursar letras. O docente mencionou que sempre soube que
queria ser professor, mas não sabia para qual área. Ele aborda que
admirava muito seus pais, pois os mesmos exerciam a atividade
de professor. Com relação aos possíveis questionamentos que o
professor fez sobre a escolha da sua profissão, ele relatou que de
vez em quando elese pergunta se escolheu a profissão correta, mas
disse que cada vez que um aluno vem agradecer e dizer que ele faz
a diferença na vida dele, o professor tem certeza deque ele escolheu
a profissão certa.

Dados do entrevistado 3
Professor, com 42 anos de idade, formado em 1997 na área
do conhecimento de Matemática. Leciona há 20 anos em escola
pública na cidade de Viamão no estadodo Rio Grande do Sul.
65
Olhares Plurais na Educação

Respostas da entrevista 3:
Com relação as lembranças mais significativas na formação,
o professor de Matemática relatou que seu primeiro estágio foi
com uma turma de terceiro ano do ensino médio. No ano seguinte,
quando ele estava na etapa final da graduação, encontrou um dos
seus alunos no campus da universidade e o discente veio lhe abraçar
e lhe agradecer pelos ensinamentos passados. O aluno tinha sido
aprovado no vestibular. O professor disse que esse fato o marcou
muito, pois é gratificante ver o crescimento dos seus alunos. O
professor mencionou que tanto na escola quanto na faculdade, ele
apresentou poucos professores que realmente tiveram uma relação
de mestre e aluno com ele. Na maioria das vezes, os professores
eram vistos por elecomo as pessoas que ditam as regras e os alunos
seguiam aquela trajetória sem questionar. Sobre as expectativas
referente a carreira de docente, o professor mencionou que sua
idealização era poder contribuir para o ensino e fazer a diferençapara
aqueles que, assim como ele, não tiveram uma proximidade com
seus mestres. Entre muitas experiências que o professor vivenciou
houve uma que lhe chamou muito atenção, foi quando uma aluna
informou-lhe que ele havia ensinado uma vizinha dela. E que essa
vizinha fez boas recomendações dele e esperava que, assim como
ele foi importante na formação dela, que o professor de matemática
também fosse importante e fizesse a diferença na vida dessa aluna.
Outro questionamento feito ao professor foise a formação docente
lhe deu suporte para a prática em sala de aula. O professor relatou
que na formação docente é possível aprender o que deve ser ensinado
para os alunos. Agora de que maneira deve ser ensinado, qual é a
melhor abordagem e quais os melhores métodos, o docente só vai
conseguir descobrir na prática.Dando sequência na entrevista outra
pergunta realizada para o entrevistador foi sobre quais vivências
pessoais refletiram na sua escolha do curso de profissão. Diante
desse questionamento o docente abordou que sempre gostou
muito de matemática e, por gostar muito dessa ciência, fez com
que ele pudesse criar uma proximidade com a disciplina a ponto
dele começar a ajudar seus colegas, sua própria mãe, que ainda
66
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

não tinha terminado o ensino médio, uma prima e, quando ele


percebeu, já estava dando aulas particulares para pequenos grupos
de estudo. Assim, o professor foi gostando de ajudar as pessoas
que apresentavam dificuldade com o conteúdo. O professor relatou
que uma vez ouviu de um professor que a matemática é a ciência de
como não estar errado a respeito das coisas. A precisão em calcular
a área de uma peça da casa para botar o forro, formar hipóteses e
teoremas através de cálculos, issotudo sempre o encantou.
Com relação aos possíveis questionamentos que o professor
fez sobre a escolha da sua profissão, ele relatou que o fato da profissão
ser muito desvalorizada, o mal comportamento dos alunos e os pais
sendo coniventes com isso, a falta de investimento do Estado na
educação e má remuneração o levaram a se questionar se a sua
escolha foi a correta.

3 Fundamentação teórica

O método história de vida, de acordo Spindola e Santos


(2003) pressupõe a descrição das experiências de cada ser humano.
Um grande pesquisador na área de história de vida é o
português António Nóvoa, conhecido como o "garimpador de
histórias de vida". Nóvoa é um historiador da Educação e um dos
intelectuais de maior circulação internacional no debate pedagógico
atual. Pertence a uma geração que concentra atenções em aspectos
intraescolares, tais como currículos e competências, formação
inicial e continuada e processos de aprendizagem. A capacitação de
professores é o tema que privilegiou. Autor deinúmeros trabalhos,
entretanto se destacam Profissão Professor e Vidas de Professores,
ambos publicados na década de 1990.
O estudo das histórias de vida se estabelece como uma
ferramenta para identificar como se constroem, no interior da
ação educativa, os saberes do cotidiano escolar. É nessa temática
da formação, vista não como uma acumulação de competências
e intuições, mas como uma evolução biográfica - ou seja, a vida
67
Olhares Plurais na Educação

do profissional é, antes de qualquer coisa, a vida da pessoa que


trabalha como professor. Nessa perspectiva, Nóvoa (1988), afirma
que “todo conhecimento é autoconhecimento e toda formação é
autoformação”. Assim, a prática pedagógica inclui o indivíduo,
suassingularidades e seus afetos.
Corroborando com isso, Nóvoa et al (1988) apud
Moraes (2004) afirmam que ouvir as narrativas das histórias que
compõem a vida dos docentes é oportunizar momentos de reflexão,
descortinando alternativas que podem ajudar na sua formaçãoe na
de outros professores. A formação está ligada à produção de sentidos
acerca das vivências e das experiências de vida. Logo, não existe
modelo de formação, existem programas diferenciados e alternativas
de formação contínua. Segundo as investigações de Weiduschadt e
Fischer (2005) acerca de trajetórias docentes e cultura escolar o
pesquisador tenta reconstruir o passado ao escrever uma história.
A relação entre História e Literatura é resolvida a partir do plano
epistemológico, pois guardam aproximações distintas com o real,
não a verdade em si, mas o compromisso em lidar com as fontes
aproximando-se o mais possível sobre a temática investigada. Os
mesmos pesquisadores relatam que conhecer histórias de vida
de outros sujeitos com ricas experiências pedagógicas, exige
sensibilidade antes de tudo.
Temáticas como essa começaram a conquistar espaço com
o surgimento da nova história, a partir da École des Annales e se
caracteriza por desenvolver uma linha de pesquisa em oposição à
chamada história tradicional. A história tradicional é uma narrativa
dos acontecimentos que destaca fatos históricos dos feitos e dos
grandes homens, considera válidos somente documentos escritos
dando mérito a neutralidade e objetividade, entretanto a nova
história dá voz aos cidadãos comuns analisando os fatos históricos
sobre outras perspectivas. A nova histórica dá ênfase a outras fontes,
tais como, arquitetura, memória e depoimentos orais.
Moraes (2004) menciona que a história oral surgiu com
a École des Annales e consiste na incorporação dos métodos das
Ciências Sociais à História. Nesse períodoocorreram transformações
68
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

significativas, como por exemplo o afastamento das normascoletivas


para as situações singulares. A história oral teve aceitação nas ciências
educacionais por ser um instrumento de autoformação docente.
A história oral é um instrumento capaz de colocar novos
elementos à disposição dos interessados na leitura da sociedade.
Meihy (1996) considera três modalidades dehistória oral:
História oral de vida
História oral temática
Tradição oral
Segundo Lang (1995, p.34) apud Moraes (2004) história
oral "é um trabalho de pesquisa que se baseia em fontes orais
coletadas em situações de entrevistas e é parteconstitutiva do método
biográfico". Lang afirma que as fontes orais podem assumir a forma
de:
Histórias orais de vida
Relatos orais de vida
Depoimentos orais
A origem da nova história aparece em relatos de vários
intelectuais no século XX que sustentam a ideia de que esta é a
realidade social e culturalmente construída que diferencia em
grande escala dos historiadores tradicionais.
A história oral pode ser temática ou de vida. Temática
quando se caracteriza por coletar depoimentos em torno de um
mesmo acontecimento; e de vida quando envolve a memória,
supõe ouvir o depoimento do indivíduo ao longo dos anos, sendo
metodologia de trabalho.
A história de vida surgiu a partir do campo da Psicologia e
da Antropologia tendo o indivíduo como o centro dos interesses,
dando voz aos excluídos. Nesse sentido, háos estudos realizados por
Weiduschadt e Fischer (2005), em que afirmam que os Estados
Unidos utilizam as histórias de vida para romper com a hegemonia
de textos de história que descrevem o personagem branco de
classe média como a classe superior, predominante. Dessa forma,
69
Olhares Plurais na Educação

os pesquisadores norte-americanos, por meio da história de vida,


buscam representar as vozes silenciadas.
De acordo com Moraes (2004) a história de vida assemelha-
se às entrevistas, depoimentos pessoais, as autobiografias e as
biografias. O que é reiterado por Queiroz (1988), que ao citar
Moraes (2004) destaca ser a história de vida definida como “o relato
do narrador sobre a sua existência através do tempo, tentando
reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a
experiência que adquiriu" (QUEIROZ, p.20). A história de vida
é, ainda, considerada como um método e uma técnica. Uma
alternativa capaz de resgatar a riqueza e a importância das histórias
narradas por pessoas anônimas ou desconhecidas (MORAES,
2004).
Entretanto, é relevante destacar que há diferença entre
história de vida e depoimento. O depoimento é dirigido pela
sensibilidade do pesquisador o qual conduz a entrevista. Segundo
Moraes (2004) na história de vida quem decide o que deve ou
não ser contado é o narrador, ainda que seja o pesquisador quem,
sutilmente, dirija a conversa. Salienta-se que nas histórias de vida
há três aspectos fundamentais, os quaisauxiliam no direcionamento
dos pesquisadores em suas pesquisas. São eles: o conhecimento deve
ser parcial; a realidade é uma construção e a identidade é sempreum
estado em processo.
De acordo com Weiduschadt e Fischer (2005), em um
depoimento ou relato de alguém sobre si não se deve levar em
consideração a busca da verdade em si.
Os autores ressaltam que o pesquisador precisa ter alguns
cuidados e muita reflexão quando se propõe contar com a oralidade
de depoentes e deve levar em contaque o depoimento está repleto de
subjetividade e precisa haver comprometimento entreo pesquisador
e o depoente. Em relação ao “contrato”, é necessário ter ética e
respeito no processo de pesquisa. Weiduschadt e Fischer (2005)
também destacam que a memória está ligada à imaginação e ao
desejo. É utilizando-se da memória que o sujeito tenta projetar as
70
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

recordações a partir de suas construções imaginativas. A memória


tem a ver com o tempo vivido, por isso, sujeitos que participaram
de um processo educativo inventam e reinventam suas recordações.
Já em relação à História oral, destaca-se que é uma
metodologia a qual analisa os relatos dos depoentes e ao mesmo
tempo leva em consideração as lembranças do sujeito. A memória
relembrada coletivamente pelos depoentes no tempo presente,
baseia-se no tempo vivido no passado, mas sempre reconstituído e
ressignificado. O campo da memória está sempre ligado à história
cultural.
As lembranças dos depoentes evidenciam aquilo que mais
lhes dá sentido. Segundo Allan Radley (1992) apud Weiduschadt
e Fischer (2005) a memória além de ser um produto do discurso,
também está presente nos objetos, nos artefatos, na culturamaterial,
sendo possível recordar fazendo relações com os objetos produzidos
e preservados pelo grupo.
As rápidas transformações estimuladas pelos avanços
tecnológicos contribuem para que os indivíduos em sociedade se
comportam como máquinas, dessa forma há um rompimento
coletivo da memória. Com isso vai havendo um esvaziamento
de sentidos e a perda de referências individuais e coletivas
(SATURNINO, 2005).
Segundo Stephanou (1998, p.133) apud Saturnino (2005)
relata que o apego no passado apresenta resistência ao efeito
separador do presente, ou seja, lembrar é resistir, é deixar que as
memórias do passado não se percam para a construção da condição
humana individual e coletiva.
Artières (1998) retrata que arquivar a própria vida é se pôr
no espelho, é contrapor à imagem social, a imagem íntima de si
próprio, e nesse sentido o arquivamento do eu é uma prática de
construção de si mesmo e de resistência. Das palavras desse autor é
possível entender que durante a nossa história de vida arquivamos
muitas coisas do passado que algum momento o indivíduo recorrerá
a esses arquivos para buscar dar significado a situações da realidade.
71
Olhares Plurais na Educação

Conforme Myrian Santos (2003, p.273) apud Saturnino


(2005) relata que a memória é um fenômeno individual, mas
também é exterior ao indivíduo pois é resultado de um processo
interativo entre ambos. Há casos em que a experiência pessoal é
fundamental, mas em outros casos, as determinações coletivas
precisam ser consideradas. De acordo com Saturnino (2005; fl.
112):
As narrativas dos entrevistados, além de apresentarem
o esperado caráter pessoal que lhes é peculiar, em muitos
momentos resultaram encharcadas de significados públicos,
tornando proeminente e reproduzindo de maneira muito intensa
determinadas ideias, situações e comportamentos já consolidados
na memória coletiva. É importante considerar que o trabalho da
memória se constitui pelo ato de lembrar, pois assim o indivíduo
passa a ressignificar o presente e assume maneiras diferentes de
pensar e de agir. Segundo Alistair Thomson (1997, p.57) apud
Saturnino (2005),
O processo de recordar é uma das principais formas de nos
identificarmos quando narramos uma história. Ao narrar uma
história, identificamos o que pensamos que éramos no passado,
quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos
de ser. As histórias que relembramos não são representações
exatas do nosso passado, mas trazem aspectos desse passado
e os moldam para que se ajustem às nossas identidades e
aspirações atuais. Assim, podemos dizer que nossa identidade
molda nossas reminiscências; quem acreditamos que somos no
momento e o que queremosser afetam o que julgamos ter sido.
Saturnino (2005) relata a importância do reconhecimento das
memórias narradasque são marcadas pelos traços da descontinuidade
de uma sociedade em transformação, onde os saberes são discursos
provisórios e passageiros.

4 Metodologia

Essa pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa exploratória


cujo objetivo é apreender os modos de ser do indivíduo em seu
72
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

percurso de vida, perceber o contexto social de uma profissão,


captar o mundo de significados construídos pelo sujeito a cerca
de suas experiências: eles não narram as coisas tal qual aconteceram,
mas comoas significam ao longo de sua história.
Seu planejamento é flexível, e possibilita consideração
dos mais variados aspectos e em sua maioria envolve três coisas:
(a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas como pessoas que
tiveram experiências ou praticas com o problema pesquisado; (c)
analise de exemplos que possam estimular a compreensão (Selltiz,
1967, apud GIL, 2009, p.41).
Serão usados métodos de pesquisa bibliográficas, esse
método se baseia em material já existente, e é feita basicamente a
partir de livros e artigos científicos, assimcomo sites e outras fontes
disponíveis.O levantamento bibliográfico segundo Marconi e
Lakatos (2008, p.185) “abrange toda bibliografia já tornada publica
em relação ao tema de estudo". O intuito desse tipo de pesquisa é
fazer com que o pesquisador esteja em contato com tudo que existe
sobre o assunto em questão.
Sendo também, a pesquisa, qualificada como qualitativa,
pois segundo Dencker e outros (2001):
Os dados coletados nas pesquisas qualitativas são
predominantemente descritivos. O material obtido nessas
investigações é rico em relatos de pessoas, em situações
e acontecimentos, incluindo transcrições de entrevistas
e depoimentos, pode também vir de fotografias, desenhos
entre outros tipos de documentos. Nesse caso existe uma
preocupação maior com o processo da pesquisa, pois o interesse
do pesquisador é verificar como o problema é manifestado no
cotidiano.
Para Dencker et al. (2001), a analise de dados, no estudo
qualitativo é feita a partir de um processo indutivo, pois não há
necessidade de buscar evidencias que comprovem suas hipóteses
73
Olhares Plurais na Educação

5 Conclusões

De acordo com Pimenta (1999), a "identidade profissional


se constrói a partir da significação social da profissão; da revisão
constante dos significados sociais da profissão; da revisão das
tradições". Isso se mostra concreto nos relatos dos professores
que dizem ter sido influenciados por seus professores, seja como o
Paulo, que os tinha uma significação de idolatria, ou como Marco
Aurélio, que sentiu falta de um mestre em sua formação e buscava
ressignificar essa relação professor-aluno.
Pimenta também se questiona quanto aos resultados e
fracassos escolares, perguntando-se que condições levam a esses
fenômenos, o que se mostra constante nos relatos dos professores,
que dizem questionar sua profissão devido ao desinteresse dos
alunos. Propomos que esse desinteresse pode estar relacionado
ao questionamento da pesquisadora quanto à diferença entre
conhecimento e informação. De que adianta uma enxurrada
de informações sobre ciências, idiomas, literatura, história, se
os conhecimentos não estão a serviço do aprendiz, e não têm
significado em sua vida?
Nesse contexto, ao narrarem sua história de vida, os
professores se apegam a memórias afetivas de motivações extrínsecas
de modo a justificarem sua escolha, “questiono a decisão, mas fico
feliz quando um aluno me agradece”.

Referências

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Janeiro e de São Paulo, 1998.
DENCKER, Ada de Freitas Maneti; VIA, Sarah Chucidda.
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Humanas. Editora Futura, 2001.
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4ª
ed. Editora Atlas: São Paulo, 2009.
74
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

MARCONI, Marina Andrade. LAKATOS, Eva Maria. Técnicas


de Pesquisa. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MORAES, A.L.A. História de vida e autoformação de
professores: alternativa deinvestigação do trabalho docente,
v.15, n.2, 2004.
PIMENTA, Selma Garrido. Formação de Professores - Saberes
da docência e identidade do professor. 1999. Disponível
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vida: percalços de uma pesquisa (dora?). Revista de Enfermagem
USP. 2003. Vol. 37 (2), p. 119 – 126.
WEIDUSCHADT, P.; FISCHER, B.T.D. História oral &
Memória: aportes teóricometodológicos na investigação de
trajetórias docentes. Unisinos, 2005.
A ABORDAGEM PIAGETIANA ACERCA DO
DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA
E DO PODER DE CRIAÇÃO: UMA ANÁLISE
CONSTRUTIVA E INTEGRADORA

Patricia Gonçalves1

1 Introdução

O presente estudo tem por objetivo analisar de que forma


o epistemólogo suíço Jean Piaget, biólogo de formação e “antigo
futuro ex-filósofo” (PIAGET, 1983, p.88) como ele mesmo se
definia, elabora sua teoria da epistemologia genética, que aborda
a inteligência em estádios do desenvolvimento dentro de uma
sequência progressiva e dinâmica, em que há constante construção
de conhecimento e criação de novidade
Para tanto, realizaremos uma revisão de literatura nas obras
que compõem a primeira fase dos escritos do autor - primeiros
quarenta anos - que é justamente a fase em que ele inicia suas
pesquisas empíricas com seus filhos e depois com outras crianças no

1 Professora universitária na PUC – PR, graduada em Pedagogia com habilitação em


Educação Especial e em Filosofia pela UFPR, Neuropsicopedagoga, Especialista em
Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura, Mestre em Filosofia e
Doutora em Educação pela UFPR na linha de pesquisa Cognição, Aprendizagem
e desenvolvimento humano. Possui experiência na Educação infantil, Ensino
Fundamental e no Ensino Médio na Educação de jovens e Adultos. Também possui
experiência na Educação Especial tendo lecionado para classe especial, salas de
recursos, estudantes surdos, disléxicos e superdotados. Trabalhou como Professora
web, Tutora no Ensino Superior à distância e docente no Ensino Superior, além de
produzir material didático e vídeo aulas para o ensino a distância. Atualmente é autora
de livros sobre Superdotação, Dislexia e Atendimento educacional especializado.
Pesquisa o desenvolvimento da inteligência humana e trabalha diretamente com
o enriquecimento curricular de estudantes que se destacam por seu desempenho
acadêmico e/ou potencial criativo, além de lecionar no Ensino superior presencial e à
distância.
76
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Instituto Jean Jacques Rousseall, para depois passarmos à descrição


destas fases, enfatizando que nosso objetivo não é estabelecer uma
receita com comandos a serem observados nas crianças a fim de
rotula-las em fases do desenvolvimento, mas esclarecer de que
forma o epistemólogo compreende a evolução da inteligência
humana e seu poder de criação, considerando que o objetivo de
nosso trabalho, bem como o que nos parece ter sido o do grande
pesquisador, é descrever etapas comuns no processo de evolução da
inteligência que ocorrem sempre de forma sequencial e integrativa,
mas nem sempre na mesma ocasião. Assim, é importante lembrar
que as idades citadas são apenas um percurso, não uma orientação
cronológica de obstáculos a serem superados.
Em um segundo momento, descreveremos os estádios
construídos por Piaget iniciando pelo sensório motor e esclarecendo
que, para ele, a inteligência não é inata e que nossa primeira interação
com o meio é instintiva, mas que apesar disto, os primeiros reflexos
servirão de base para a promoção da inteligência.
Passaremos então para o estádio pré-operatório,
caracterizado principalmente pelos atos egocêntricos em que
a interação com os demais está voltada a interesses próprios e
ações geralmente intuitivas.
Posteriormente, veremos que no estádio operatório concreto já é
possível compreender regras, interagir mais com os outros e realizar
cálculos matemáticos básicos, mas, que o conceito de reversibilidade
ainda não se encontra completamente desenvolvimento.
Por fim, veremos que o estádio operatório formal é o último
descrito por Piaget, configurando o ápice da inteligência humana,
sem, contudo, estagna-la, tendo em vista que, para o autor, a
inteligência é caracteriza pela construção de novas aprendizagens e
pela criação de novidade, e que este processo é constante em toda
nossa vida.
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Olhares Plurais na Educação

2 A inteligência construtiva e criadora de Jean Piaget

Jean Piaget iniciou suas pesquisas acerca do desenvolvimento


da inteligência humana tendo primeiramente observado o
desenvolvimento dos próprios filhos. Uma empreitada que, para
ele, não levaria mais que cinco anos, tornou-se o grande desafio do
pesquisador, que podemos afirmar, devotou sua vida a compreender
como ocorre no ser humano o desenvolvimento deste fenômeno
chamado inteligência.
Ao analisarmos os estádios do desenvolvimento da
inteligência descritos por Piaget em várias de suas obras sobre a
temática, percebemos que cada um deles é caracterizado por
uma estrutura de conjunto em função da qual se explicam as
suas principais reações particulares (PIAGET; INHELDER,
1978). Entretanto, esse critério não significa que cada estádio seja
caracterizado por um conteúdo fixo de pensamento, mas sim, por
certa atividade potencial que é suscetível de atingir esse ou aquele
resultado, dependendo do meio no qual o indivíduo está inserido
(PIAGET, 1982).
É neste sentido, que as estruturas de um conjunto são
integrativas, mas que não substituem umas às outras, pois cada
uma resulta da precedente, integrando-a na qualidade de estrutura
subordinada que prepara a seguinte, integrando-se a ela (PIAGET,
1982). Esse contínuo processo de desenvolvimento ocorre através
do restabelecimento do equilíbrio entre a estrutura precedente e a
ação do meio, sendo que essas estruturas se sucedem, de forma com
que cada uma assegure um equilíbrio mais estável do que a anterior,
em direção a uma estrutura mais abrangente, processo chamado
por ele de equilibração.
Os estádios de desenvolvimento dessas estruturas são
divididos em alguns períodos principais na seguinte sequência,
determinando o desenvolvimento da inteligência: Inteligência
sensório-motora, Inteligência pré-operatória, Inteligência operatória
concreta e Inteligência operatória formal.
Cada estádio se caracteriza pelo surgimento de estruturas
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

originais que diferem das estruturas anteriores pela natureza de


suas coordenações e pela extensão do campo de aplicação. Essas
estruturas correspondem a características momentâneas que
são alteradas pelo desenvolvimento subsequente, em função da
necessidade de uma melhor organização, correspondendo ao que o
estudioso nomeia de adaptação.
No primeiro estádio, a saber, o sensório-motor, o bebê
precisa aprender a lidar com o meio e com as novas informações
através muito mais dos sentidos, do que de suas estruturas
cognitivas. A inteligência não é definida pelo estudioso como algo
inato, todavia, os primeiros reflexos ainda que instintivos, serão
fundamentais para o desenvolvimento das estruturas inteligentes.
Conforme Piaget (1983),
cada estádio constitui então, pelas estruturas que o definem,
uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se uma
evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais
completa. Assim, no estádio sensório-motor ou pré-verbal, a
criança procura coordenar e integrar as informações que recebe
pelos sentidos e, restringindo-se ao real, elabora o conjunto
de subestruturas cognitivas ou esquemas de assimilação, que
servirão de base para a construção das futuras estruturas
decorrentes do desenvolvimento ulterior (PIAGET, 1983,
p.14).
No recém-nascido, portanto, as funções mentais limitam-
se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos. Assim, o universo
que circunda a criança é conquistado mediante sua percepção e
alguns movimentos (como a sucção, o movimento dos olhos, por
exemplo). Segundo Piaget, os reflexos do lactente passam a ser
mais bem controlados pelo bebê após as primeiras semanas de vida.
Depois disso, a criança passa a sugar não apenas no momento da
amamentação, mas suga também os seus dedos, ou qualquer outro
objeto que encontra. Após esse período, o bebê vai adquirindo
mais mobilidade, como movimentar a cabeça para a direção de um
barulho, ou olhar atentamente para algum objeto que se encontra
em movimento (PIAGET, 1983).
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Olhares Plurais na Educação

Logo nos primeiros meses o bebê agarra o que está diante


de seus olhos, iniciando uma atividade de preensão de objetos e
em seguida de manipulação. A inteligência prática, que aparece
neste estádio, se dá antes da linguagem, sendo constituída pela
capacidade da criança de manipular objetos.
Neste período, a criança é egocêntrica, ou seja, ela é centrada
em si e não se imagina no lugar de outra pessoa (PIAGET, 1987).
O sujeito não explica as palavras que diz, pois pensa que todos estão
lhe entendendo, sendo que as suas palavras partem da ecolalia, que
se caracteriza pela repetição de palavras. Neste período também se
apresenta o animismo, caracterizado pelo fato de a criança dar vida
a seres inanimados, por exemplo, tratando objetos como se fossem
seres vivos (PIAGET, 1987).
Durante os dois primeiros anos, quatro processos relevantes
ocorrem para a evolução mental, são eles: as construções de
categorias do objeto e do espaço, as de causalidade e as de tempo.
Para que a criança realize esses processos, suas ações não são voltadas
a nível cognitivo, e sim a título de categorias práticas, ou seja, de
ação pura.
Mais tarde, em relação aos objetos e seu campo de visão,
a criança passa a imaginá-los mesmo que eles estejam fora do seu
campo perceptivo. Esta habilidade é desenvolvida apenas por volta
do fim do primeiro ano de vida. Antes disso, se um brinquedo que
é desejado pela criança for coberto por um lençol, ou sair de seu
campo perceptivo de algum modo, ela não irá procurá-lo mais, pois
pensa que o mesmo já não existe (PIAGET, 1982).
Progressivamente, a criança vai aperfeiçoando os
movimentos reflexos e adquirindo habilidades e chega ao final do
período sensório-motor já se percebendo dentro de um cosmo
“com objetos, tempo, espaço, causalidade objetivados e solidários,
entre os quais situa a si mesma como um objeto específico, agente
e paciente dos eventos que nele ocorrem” (PIAGET, 1987, p.93).
O estádio seguinte, é o pré-operatório, em que, para Piaget
e Inhelder, surge a função simbólica, que consiste no poder de
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

representação de objetos ou acontecimentos, tornando possível,


por exemplo, a aquisição da linguagem ou de símbolos coletivos.
(PIAGET e INHELDER, 1978). De acordo com Ferraciolli, (1999)
a partir daí, há o desenvolvimento de um pensamento simbólico e
pré-conceitual e, em seguida, do pensamento intuitivo, que, em
progressivas articulações, conduzem ao limiar das operações. As
operações são ações internalizadas, ou seja, uma ação executada
em pensamento sobre objetos simbólicos, seja pela representação
de seu possível acontecimento e de sua aplicação a objetos reais
evocados por imagens mentais, seja por aplicação direta a sistemas
simbólicos (FERRACIOLLI, 1999, p.23).
O sujeito se socializa mais, pois consegue comunicar-se
com os outros, mas é egocêntrico, ou seja, não consegue se colocar
abstratamente no ponto de vista de outro indivíduo, pois ainda
considera o mundo a partir da sua perspectiva. Segundo La Taille, a
criança “tenta dar explicações a quem não está participando de uma
situação como se estivesse explicando para si mesma” (LA TAILLE,
1992, p.12). Desta forma, podemos dizer que a socialização se
encontra em desenvolvimento, pois a criança procura se comunicar
com o próximo, mas ainda é egocêntrica.
Assim que a linguagem estiver um pouco mais aprimorada,
ocorre a fase dos “por quês”, sobretudo porque esta é a idade em
que a escola passa a ser obrigatória2 e a criança começa a fazer novas
descobertas. Para ela tudo deve ter uma explicação, um motivo,
nada é por acaso e ela busca através de suas perguntas, respostas dos
adultos que venham a justificar “o porquê das coisas”.
Neste período ocorrem as condutas de representação ou
manifestações da função simbólica, em que o sujeito adquire a
capacidade de representar os fatos ou histórias do cotidiano, por
meio da imitação, da linguagem, ou do desenho, que são variadas
condutas de representação simbólica de expressão de seus desejos.
(PIAGET, 1984).
2 De acordo com a atual legislação brasileira aos 4 anos de idade, considerando o Art.
4° da Lei no 12.796, que prevê “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro)
aos 17 (dezessete) anos de idade”.
81
Olhares Plurais na Educação

A criança, ao adquirir a capacidade de transformar as


imagens mentais, poderá transformar um objeto em algo que seja
prazeroso, como por exemplo, uma garrafa em um foguete, ou
uma vassoura em um cavalo, vivendo entre a fantasia e a realidade.
Apesar disso, mesmo nessas brincadeiras, ela ainda pode ser
egocêntrica, apresentando um pensamento individual, ou seja, a
criança pode simplesmente brincar sozinha, mesmo já possuindo
um pensamento coletivo, oscilando assim entre o egocentrismo e o
coletivo (PIAGET, 1984).
Neste estádio, também se apresenta o processo de
irreversibilidade, isto é, a impossibilidade de reverter um
pensamento, como por exemplo, “não entender que a bola (de
massa de modelar) transformada em salsicha pode ser novamente
transformada em bola e que a água do copo que foi colocada na
taça pode retornar à taça” (PIAGET, 1987, p.59). É somente mais
tarde que o indivíduo consegue pensar de forma semi-reversível.
Dito de outro modo, é em um estádio posterior que o
indivíduo passa a compreender que algo pode voltar ao estado
anterior e que no exemplo citado, a massa de modelar que foi
transformada em salsicha poderá voltar ao estado inicial. Porém,
este desenvolvimento é gradual, pois em um primeiro momento,
ele ainda não consegue realizar todas as formas de reversibilidade,
se encontrando em um período de transição para a reversibilidade
total, sendo a reversibilidade entendida como o pensar sobre o
estado inicial e final de qualquer transformação realizada sobre um
objeto. A reversibilidade total será alcançada no estádio operatório
concreto, considerando que neste período o sujeito começa a
raciocinar com coerência sobre objetos reais. (PIAGET, 1987).
Outra característica que está presente neste estádio, é
a falta de liderança entre os grupos e o fato de os amigos serem
constantemente trocados por outros colegas. O nominalismo
também aparece no decorrer deste período, ou seja, a nomeação
de variadas coisas, cujos nomes a criança desconhece, mas passa a
inventá-los. No decorrer desta faixa etária, se tem com frequência
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

a superdeterminação, em outras palavras: a “teimosia” (PIAGET,


1987, p.78).
De acordo com Piaget (1970), ainda neste período, a
noção da constituição de número considera os arranjos espaciais.
Em outros termos, a criança possui o pensamento intuitivo que
considera as percepções imediatas e deixa-se levar pela aparência
sem relacionar os fatos, partindo do particular para o geral. Nas
palavras de Piaget, “a intuição é o estádio em que as crianças parecem
fazer julgamentos imediatos sem passos mentais conscientes em sua
formulação” (PIAGET, 1970, p.98).
Como exemplo, podemos citar uma das experiências
realizadas por ele, na qual coloca-se para a criança as mesmas
quantidades de fichas vermelhas e azuis, porém as azuis têm
espaçamentos maiores entre si e as vermelhas estão mais juntas.
Neste experimento, a criança falaria que a fileira de fichas azuis
tem mais fichas, porque os espaçamentos das azuis são maiores (se
trata dos arranjos espaciais, cuja compreensão de número a criança
ainda não atingiu).
Assim, constata-se que o indivíduo leva em conta apenas
a questão visual, ele não tem formulada a constituição de número,
nem de quantidade exata. Ele tem o pensamento intuitivo baseado
na percepção, não possuindo respostas totalmente lógicas, pois as
respostas são na realidade pré-lógicas, considerando que a criança
não realiza o processo de reflexão exato (PIAGET, 1970).
Em jogos com regras, percebe-se que as crianças deste
período não têm um verdadeiro diálogo e compreensão para
estabelecer as regras dos jogos. Cada uma segue suas próprias regras,
sem se preocupar em regular as diferentes condutas a partir de uma
referência única, não conseguindo seguir regras coletivas. Esta fase
é chamada de anomia (LA TAILLE, 1992).
Além disso, os indivíduos desta fase não conversam em
torno de um assunto comum e tem extrema dificuldade em ver o
ponto de vista do outro, dificultando o estabelecimento de relações
de reciprocidade. Também neste momento, os sujeitos privilegiam
83
Olhares Plurais na Educação

o sentimento de justiça e geralmente estão de acordo com a ideia


de que se alguém cometer algo errado deve ser castigado, e ainda
são heterônomos, possuindo interesses em atividades grupais e
regradas, mas ainda não possuem autonomia para tomar suas
próprias decisões, pois acreditam que as regras morais são imutáveis,
ou seja, não podem ser modificadas.
Segundo La Taille, “na moral da heteronomia, o respeito
pelas regras morais é realmente inspirado pelos sentimentos
de medo, amor, sagrado” (LA TAILLE, 1992, p.66). Em outras
palavras, o sujeito segue as regras por medo de punição. Entretanto,
quando não há um adulto por perto, estabelece-se o caos, pois não
há mais regras a seguir, uma vez que não haverá punição.
Já no período das operações concretas, as intuições articuladas
se transformam em operações de classificação, ordenamento e de
correspondência, além de se observar o surgimento das noções
de tempo, causalidade e conservação entre outras. Entretanto, o
pensamento ainda conserva seus vínculos com o mundo real, isto é,
as operações se prendem às experiências concretas, não envolvendo
operações de lógica de proposições ou, como coloca Piaget, “o
pensamento concreto é a representação de uma ação possível”
(PIAGET,1970, p. 64).
Neste período, há duas ordens de operações: as operações
lógico-matemáticas e as operações infra lógicas. As operações
lógico-matemáticas possuem como referência as operações lógicas,
que foram denominadas por Piaget como agrupamentos. Assim, as
principais aquisições cognitivas matemáticas ocorridas no período
operatório concreto, são a classificação e a seriação, e em seguida
ocorrem a multiplicação lógica e a compensação simples.
O indivíduo, neste período, compreende os números
operatórios, não se tratando de apenas contá-los verbalmente, mas
também de conservá-los em conjuntos. Neste estádio, as operações
lógico-matemáticas partem dos objetos como “tentando reuni-
los em classes, ordená-los, multiplicá-los, etc., mas não ocupam o
objeto de maneira interna” (PIAGET, 1970, p. 67).
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

As operações infra lógicas são referentes à conservação


física: substância, peso e volume. Há também a constituição do
espaço, que se trata da conservação de comprimento, superfície,
perímetros, horizontais e verticais e a constituição do tempo e
do movimento, coordenando tempo e velocidade. Na análise de
Kesselring acerca dessas operações,
as operações infra lógicas e lógicas aparecem neste período
de desenvolvimento, sempre com base em algo concreto,
pois ainda não está formada a capacidade de abstração, que
acontece apenas no período operatório formal. Assim, o
período operatório concreto é o penúltimo estádio para
se chegar ao nível mais elevado de raciocínio: a abstração
(KESSELRING,1993, p.23).
Uma das experiências muito realizadas por Piaget para
verificar o conceito de conservação, consiste em apresentar à criança
duas bolas de massas de modelar do mesmo tamanho e quantidade
e transformar na frente da criança uma massa de modelar em
formato de bola e outra massa em formato de salsicha. Em estádios
anteriores, a criança poderia dizer que a massa de modelar em
formato de salsicha possui mais massa que a outra, pois é maior.
Já agora, no estádio das operações concretas, a criança consegue
perceber e relatar que se trata da mesma quantidade e que apenas o
formato foi alterado (PIAGET, 1987).
Durante seus vários anos de pesquisa, Piaget constatou que
a conservação da substância aparece por volta dos sete ou oito anos,
a do peso por volta dos nove ou dez e a conservação do volume
por volta dos onze ou doze anos, - lembrando mais uma vez que a
idade é simplesmente uma ideia e não um referencial - apesar dessas
diferenças cronológicas, a criança, para justificar suas considerações
sucessivas, emprega exatamente os mesmos argumentos que se
traduzem por expressões verbais rigorosamente idênticas: “nós
só esticamos” (a bolinha de massa de modelar em salsicha), “não
tiramos nem pusemos nada”, “é mais comprido, mas é mais fino”
etc. (PIAGET, 1973).
85
Olhares Plurais na Educação

Para o referido autor, esses são indícios que tais noções


não dependem apenas da linguagem, mas dependem também da
coordenação das ações, pois se dependessem da linguagem, em
crianças mais velhas encontraríamos melhores argumentos.
A criança neste período, já está apta para resolver os cálculos
matemáticos interligados, pois com base na subtração se tem a
adição e na divisão se tem a multiplicação. Ela percebe que para
se chegar a um determinado resultado matemático poderá ir por
vários caminhos, não precisando de um único modelo a ser seguido
e que o pensamento é livre para resolver os problemas (PIAGET;
INHELDER, 1982). Neste estádio também se inicia o processo de
reflexão, ou seja, o pensar antes de agir, diferente do estádio pré-
operatório em que o sujeito agia por intuição.
De acordo com nosso autor, agora o sujeito tem a
capacidade de organizar o mundo de forma lógica ou operatória,
não se limitando mais a uma representação imediata, embora
ainda dependa do mundo concreto para desenvolver a abstração
(PIAGET, 1987).
Assim, este período é caracterizado por uma lógica interna
consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos.
A criança já não é mais tão egocêntrica, logo, não está mais tão
centrada em si mesma e já consegue se colocar abstratamente no
lugar do outro dando origem ao aumento da empatia com os
sentimentos e as atitudes dos outros.
Nesta etapa, a organização social passa a ser em grupos,
começa-se a formar amigos fixos ao invés de ficar trocando de
amizades o tempo todo. Com isso, o sujeito passa a participar de
grupos maiores no papel de líder do grupo ou admitindo outro
líder. Ele conversa com mais pessoas, porém nem sempre tem a
capacidade de discutir ideias diferentes para alcançar uma conclusão
conjunta final (PIAGET, 1987). Inicia-se a autonomia nas ações da
criança.
Outro progresso alcançado neste estádio é que a criança já
estabelece compromissos com os outros. As brincadeiras começam
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

a ser substituídas por jogos e competições, apesar das crianças


apresentarem dificuldades nos estabelecimentos das regras. Elas
excluem a trapaça, porém não consideram a mesma proibida,
violando o acordo que realizou entre os colegas sobre o jogo se
necessário. Em relação à mentira, a mesma já é bem compreendida
e a maioria dos sujeitos desta idade privilegia o sentimento de
justiça, o que nos leva a compreender que além do desenvolvimento
intelectual, neste estádio também há espaço para o desenvolvimento
moral (PIAGET, 1970).
Finalmente, no início da adolescência, é alcançada a
independência do real, surgindo o período operatório formal.
Seu caráter geral é o modo de raciocínio, que não se baseia apenas
em objetos ou realidades observáveis, mas também em hipóteses,
permitindo, desta forma, a construção de reflexões e teorias.
Este é o estádio da abstração, onde o sujeito tem capacidade
para desenvolver maiores conhecimentos matemáticos como
compensações complexas, razão, proporção, e posteriormente,
probabilidade e indução de leis ou correlação (PIAGET, 1983).
Como resultado da experiência lógico matemática, o
adolescente consegue agrupar representações de representações em
estruturas equilibradas, ocorrendo, portanto, uma nova mudança
na natureza dos esquemas tendo acesso a um raciocínio hipotético-
dedutivo. Nesta etapa o adolescente poderá chegar a conclusões a
partir de hipóteses sem ter necessidade de observação e manipulação
reais, ampliando as capacidades conquistadas na fase anterior.
O adolescente já consegue raciocinar sobre hipóteses na
medida em que é capaz de formar esquemas conceituais abstratos
e através deles executar operações mentais dentro de princípios
da lógica formal (PIAGET, 1987). Esta capacidade caracteriza
o período das operações formais, com o aparecimento de novas
estruturas intelectuais e, consequentemente, de novos invariantes
cognitivos. Entretanto, é importante ter em vista que a mudança de
estrutura e a possibilidade de encontrar formas novas e originais de
organizar os esquemas não terminam nesse período, mas continuam
se processando em nível superior (PIAGET, 1987).
87
Olhares Plurais na Educação

As estruturas operatórias formais são o ponto de partida das


estruturas lógico-matemáticas, que prolongam em nível superior
a lógica natural do lógico e do matemático. Conforme Piaget
(1987), ocorre a libertação do pensamento quando a realidade se
torna secundária frente à possibilidade. Neste período, além da
lógica de proposições são desenvolvidas, entre outras, operações
combinatórias e de correlação.
Também neste estádio os sujeitos atingem uma forma de
equilíbrio nas relações sociais, tendo em vista que já expressam
um equilíbrio nas trocas intelectuais com clareza, compreendendo
o ponto de vista do outro. Com isso, ele adquire uma maior
capacidade de criticar os sistemas sociais e propor novos códigos
de conduta: discute valores morais de seus pais e constrói os seus
próprios, adquirindo, portanto, autonomia (PIAGET, 1983).
Há um interesse maior em participar de brincadeiras
coletivas e com regras, estando ciente do porquê de as regras
serem criadas e sabendo responder com argumentos coerentes o
que pode ocorrer se elas forem infringidas. Justamente por isto,
neste momento o sujeito atinge a consciência moral e a partir daí as
suas atitudes e deveres são guiados com base em sua significações e
necessidades (PIAGET, 1983). Mesmo na ausência de uma pessoa
adulta, o indivíduo se comporta da mesma maneira, pois já possui
consciência dos fins éticos e morais.
De acordo com a tese piagetiana, ao atingir esta fase o
indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio. Dito de outro
modo, ele consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá
durante a idade adulta. Contudo, isso não quer dizer que ocorra
uma estagnação das funções cognitivas a partir do ápice adquirido
na adolescência, como enfatiza La Taille,
esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo
adulto. Seu desenvolvimento posterior consistirá numa
ampliação de conhecimentos tanto em extensão como em
profundidade, mas não na aquisição de novos modos de
funcionamento mental (LA TAILLE, 1992, p.34).
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Observamos assim que, para Piaget (1970) o sujeito é um


organismo que possui estruturas e que, ao receber os estímulos do
meio, oferece uma resposta em função dessas estruturas. Ele chega
a dizer que a resposta já existia, no sentido de que o estímulo só
será estímulo se for significativo e será significativo somente se a
estrutura que permita sua assimilação for uma estrutura que possa
integrar esses estímulos, mas que, ao mesmo tempo, apresente uma
resposta (PIAGET, 1970).
Neste sentido, procurando entender como essa estrutura age
sobre o estímulo para fornecer a resposta, Piaget baseia sua explicação
justamente no processo de equilibração por auto regulação, que
é, em sua opinião, a principal característica do desenvolvimento
intelectual que ocorre durante toda a vida humana.
Assim, percebemos que para o autor não há distinção
entre o processo de criação e o processo de aprendizagem, uma
vez que a cada momento em que aprendemos algo novo, estamos
também criando uma nova aprendizagem. Mas, embora este
processo ocorra durante toda nossa existência, o autor afirma que,
o momento de nossa vida em que somos mais criativos é a nossa
primeira infância, considerando que nesta fase estamos livres de
estereótipos e modelos, o que nos liberta para criar e inventar. O
que talvez justifique o fato de uma criança aos dois anos transformar
tantos materiais em brinquedos e fantasiar com tanto desempenho
a realidade que a acerca.
Logo, podemos afirmar que o conceito de criação presente
na obra de Piaget parece assemelhar-se muito ao conceito de
construção, pois como afirmado anteriormente, sua teoria é
estruturada considerando a hipótese de que a cada novo estádio
do desenvolvimento nos tornamos aptos a construir novos
conhecimentos, criando soluções inovadoras e argumentos
diferenciados. Acerca do conceito de criação, ele afirma:
acho que o estudo da psicologia da inteligência pode nos ensinar
muito sobre esta questão. O desenvolvimento da inteligência
é uma criação contínua. Cada estágio do desenvolvimento
produz algo radicalmente novo, muito diferente do que existia
89
Olhares Plurais na Educação

antes. Desse modo, todo o desenvolvimento é caracterizado


pelo aparecimento de estruturas totalmente novas (PIAGET
In: VASCONCELLOS, 1997, p.11).
Tal afirmação nos leva a reiterar que a criação e a construção
de conhecimento na visão epistemológica de Piaget, nos parecem
indissociáveis. Neste sentido, construir um novo conhecimento ou
criar um novo conceito, para ele, não se distinguem em método
ou em superioridade, pois, para o autor, ambos são esforços da
inteligência que assimila, acomoda, reequilibra, constrói e que cria
novidade. A respeito deste argumento, ele nos diz:
inteligência não é uma cópia da realidade, não está representada
nos objetos. É uma construção do sujeito que enriquece
os objetos externos. O sujeito “adiciona” esta dimensão
aos objetos externos ao invés de extrair esta dimensão dos
objetos. Consideremos, por exemplo, a noção de número ou
a noção de grupo. Elas nos possibilitam entender os objetos
de diferentes modos, mas não são extraídas dos objetos.
São adicionadas aos objetos. Isso revela que a inteligência
é de fato um ato de assimilação num sentido realmente
biológico. O externo é incorporado às estruturas do sujeito
do conhecimento, isto é, nos termos das estruturas do sujeito
é que o mundo externo é entendido. Esta criação da novidade
acontece, é claro, em cada geração, mas também em cada
indivíduo. Cada criança reconstrói a sua própria inteligência
e seu próprio conhecimento. Por exemplo, contar ou recitar
os nomes dos números, certamente, para a criança, vem do
mundo externo. Porém aprender a noção de número é algo
muito diferente de aprender a recitar os nomes dos números.
A noção do número é construída pela criança como um ato
criativo, como uma multiplicidade de atos criativos (PIAGET
in: VASCONCELLOS, 1997, p.13).
Neste sentido, o potencial para criar algo está em constante
desenvolvimento assim como a inteligência, mas, ao contrário desta,
que tem seu potencial atingido por volta da idade da adolescência,
caracterizada entre outros pelo poder de abstração, em sua teoria
o poder de criação se encontra em seu mais alto potencial, na
primeira infância. Em seus termos, “o período mais criador da
vida humana, creio, é entre o nascimento e os dezoito meses. É
90
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

inaudito...” (PIAGET in JEAN-CLAUDE BRINGUIER, 1978,


p.181). Quando perguntado se aprende-se mais nesta etapa do que
nas demais ele enfatiza,
como rapidez e como fecundidade, sempre achei que era o
período máximo da criação. A criação cognitiva, e repare, antes
da linguagem em ação! Em seguida, ao nível do pensamento e
da representação, tudo isto vai ser reconstruído, reestruturado
sobre o terreno conceitual, no plano conceitual (PIAGET in
JEAN-CLAUDE BRINGUIER, 1978, p.181).
Percebemos assim, que na teoria de Piaget o poder de criação
está vinculado a construção pura sem ligação com estereótipos ou
exemplos. Percebemos também, que o fato de ainda não haver
linguagem desenvolvida, é primordial para o potencial criador,
uma vez que é através da linguagem que o repasse de modelos é
realizado. O que o leva a afirmar que os primeiros meses de vida
seriam aqueles em que a inteligência, mesmo não formalizada e sem
linguagem, estaria mais criativa, portanto, este seria o momento de
vida em que mais se aprenderia e em que mais se poderia criar. A
esse respeito, em uma de suas palestras ele afirma:
tirei muitos dos meus exemplos da infância, porque é o tempo
de maior criatividade na vida de um ser humano. No período
sensório-motor, por exemplo, antes do desenvolvimento da
linguagem, é inacreditável a sua quantidade de invenção e
descoberta. Também tirei exemplos da matemática. Poderia
ainda ter tirado da física – na área da construção dos modelos
físicos, por exemplo. Só gostaria de terminar repetindo as
palavras de um pesquisador que trabalha conosco em Genebra
fazendo experiências sobre o pensamento das crianças na
área da física. Ele disse o que distingue o físico criativo do
não-criativo: o físico criativo, apesar do seu conhecimento,
em uma parte de si tem uma criança com a curiosidade e a
candura da descoberta que caracterizam a maioria das crianças
até serem deformadas pela sociedade adulta (PIAGET In:
VASCONCELLOS, 1997, p.18).
Em outros termos, para Piaget a criação está presente em
todos os estádios do desenvolvimento da inteligência, mas, uma
vez que na primeira infância ainda não há um bombardeio de
91
Olhares Plurais na Educação

referenciais e de estereótipos que levam a criança à repetição, o


ápice da criação ocorre neste período.

3 Conclusão

Após esta revisão na literatura do epistemólogo podemos


compreender que a divisão de desenvolvimento da inteligência em
estádios proposta por Piaget, está centrada no desenvolvimento
biológico e na ação do sujeito no meio em que ele está inserido,
sendo este um agente ativo no desenvolvimento de sua inteligência,
que cria cotidianamente novos conhecimentos.
A inteligência é entendida não como a faculdade do saber,
mas como um conjunto de estruturas momentaneamente adaptadas
a cada nova situação, uma vez que, para ele, todo conhecimento é
uma nova organização das estruturas assimiladas.
Logo, podemos compreender que a aprendizagem
ocorre quando há uma aquisição de conhecimento em função
da experiência de forma mediata, havendo, ao mesmo tempo, o
processo de auto regulação, em que o sujeito procura ter sucesso na
sua ação ou operação, provocando com isso o desenvolvimento de
sua inteligência através da criação deste novo conhecimento.
Em outras palavras, como, pelo processo de equilibração,
o sujeito procura adaptar a sua estrutura cognitiva à realidade
circundante - o que, em essência, significa o desenvolvimento da
inteligência – para o autor, quando ocorre a aprendizagem, ela
tende a se confundir com o próprio desenvolvimento inteligente
não dissociando a ação de criar com a de aprender. Dito de outro
modo, Piaget considera que desenvolver a inteligência e criar
novidade são duas ações indissociáveis e que, portanto, assim como
aprender, podemos criar por toda nossa vida.

Referências

DELVAL. Juan. Introdução à Pratica do Método Clinico. Editora


92
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Artmed: São Paulo, 2002.


FERRACIOLI, Laércio. Aprendizagem, desenvolvimento e
conhecimento na obra de Jean Piaget: uma análise do processo de
ensino-aprendizagem. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194,
p. 5-18, jan./abr. 1999.
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LA TAILLE. O lugar da interação social na concepção de Jean
Piaget. In LA TAILLE; OLIVEIRA, M.K; DANTAS, H. Piaget,
Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 13.ed. São
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Madrid: Siglo XXI de España ed., 1978.
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M. Guimarães. Petrópolis, Vozes, 1973.
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Álvaro Cabral. Ed. Guanabara: Rio de Janeiro, 1987.
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PIAGET, Jean; INHELDER, B. A Psicologia da Criança. Rio de
Janeiro: Difel, 1978.
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São Paulo: Cortez, 1997. p. 193-210.
EJA NO PARANÁ - NOVA PROPOSTA:
EVOLUÇÃO OU INVOLUÇÃO?

Marco Antônio Ribeiro Merlin1

1 Políticas públicas: uma breve exposição

A s políticas públicas possivelmente ganham força na


década de 1930, através do Manifesto dos Pioneiros da
Educação, de 1932. Neles, após descrever a situação da educação
pública no país afirmando que “todos os esforços, sem unidade
de plano de espírito de continuidade não lograram ainda criar
um sistema de organização escolar à altura das necessidades do
país”(MANIFESTO, 1984, p. 407).
Através desse documento pode-se considerar que
desencadeou em um “Plano Nacional de reconstrução educacional”
(MANIFESTO, 1984, p. 47). Após este momento o contexto
nacional passou por modificações que levaram ao golpe Civil
Militar, em 1964.
Num apanhado geral as reformas educacionais do período
militar, concentraram-se de forma sintética nas seguintes ações:
Reforma Universitária, acordo MEC/USAID, unificação da
Escola primário/ginásio, implantação da disciplina Educação
Moral e Cívica, eliminação de disciplina de filosofia e sociologia,
implantação da língua inglesa, ensino obrigatório de 7 a 14 anos,
ensino profissionalizante, rompimento com Educação Popular,
exilando Paulo Freire, no Chile, instalação a educação tecnicista:
1 Professor do Centro Universitário Unifacear. Especialista em Educação Inclusiva
(Centro Universitário Campos Andrade), Docência no Ensino Superior (UniFacear)
e Ensino da Arte (Faculdade Anchieta), Licenciado em História e Pedagogia pela
Universidade Tuiuti do Paraná. Integrante do Grupo de Estudos Prática Educativa
e Movimentos Sociais do Campo (NUPECAMP), vinculado ao Programa de Pós-
Graduação da Educação (PPGED), da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail:
marcoantoniormerlin@gmail.com
94
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

com objetivo a neutralidade científica, inspirada nos princípios


de racionalidade, eficiência e produtividade. O sistema de gestão
no Brasil estava em adaptação do ensino, agora, voltado a uma
mentalidade empresarial tecnocrata (SAVIANI, p.381, 2010)
Durante a década de 1980 com a reabertura democrática
brasileira iniciou-se também a preocupação a acessibilidade
educacional dos indivíduos brasileiros. Na Constituição Federativa
exponha-se no artigo 225, que:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
(BRASIL, 1988)
A década posterior foi marcada pela aprovação da Leis
de Diretrizes de Bases da Educação- LEI n° 9.394-96, de 20 de
dezembro de 1996, esta ´considerada a carta magna da educação no
país, pois está abaixo apenas, da Constituição Federal de 1988. No
entanto, mesmo sendo o documento educacional, mais importante
da década de 1990, necessita de legislações especificas de caráter
complementar.
O curioso, é que, essas legislações começaram a ser aprovadas
antes da lei 9.394-96. A saber:
- LEI n° 9.131, de 24 de novembro de 1995;
- Emenda Constitucional, n° 14 aprovada em, setembro de
1996;
- LEI n° 9424/96, que regulamenta a emenda constitucional
n° 14;
- LEI Nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995. Altera
dispositivos da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que
regulamentam o processo de escolha dos dirigentes universitários.
Após a aprovação da Lei 9.394/96, foram baixados:
- Decreto n° 2.306, de 9 de agosto de 1997, que regulamentou
os pontos relativos ao sistema Federal de Ensino;
95
Olhares Plurais na Educação

- Decreto n° 2.208, de 17 de Abril de 1997, relativo a


educação profissional, complementado pela portaria do MEC 643,
de 14 de maio de 1997.
-Lei 9.475, de 22 de julho de 1997;
Segundo Saviani, “a principal medida política educacional
decorrente da LDB é, sem dúvida alguma, o PNE” (SAVIANI,
2016,p.03). Isto pois sua importância esta no caráter global,
abrangente a:
todos os aspecto concernentes a organização da educação
nacional,[...] implica a definição de ações traduzidas em metas
a serem, atingidas em prazos determinados dentro do limite
global de tempo abrangido pelo Plano que a própria LDB
definiu para o período de dez anos. (idem, p.03)
O último Plano Nacional de Educação- PNE, foi aprovado
no ano de 2014, através da Lei n° 13.005/2014, nela estão contidos
vinte metas que devem ser alcançadas até o ano de 2024.
As medidas políticas em âmbito nacional, refletem-se a
níveis menores, como no caso do Estado do Paraná, que no ano
de 2020 apontou para pareceres que buscavam a mudança em
relação a modalidade de Ensino de Jovens e Adultos-EJA. No
entanto antes de falarmos sobre a discussão educacional sobre a
modalidade, necessita-se apresentar a EJA, isto é o que ver-se-á no
próximo tópico.

2 A EJA como modalidade de ensino

A LDB de 1996, trouxe diversas mudanças em relação às


leis anteriores, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-
escolas), e a primeira etapa da educação básica. A LDB 9.394/1996,
expõe que a educação básica deve ser obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade.
Ainda segundo a Constituição de 1988, e também reafirmado
pela LDB 9.394/96, aos municípios foi dada a incumbência de
gerência, preferencialmente, da Educação Infantil e também
96
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

do Ensino Fundamental 1, e, aos Estados e Distrito Federal, a


priorização para o Ensino Médio, sem deixar de lado o Ensino
Fundamental.
No contexto apresentado, insere-se a modalidade da EJA,
que segundo o artigo 37 da LDB 9.394-96 deve promover “[…] a
educação de jovens e adultos”, sendo destinada à “aqueles que não
tiveram acesso ou oportunidade de estudos no ensino fundamental
e médio na idade própria”(BRASIL, 1996). A sua origem advém
da necessidade de escolarização de pessoas excluídas do processo
educacional, mas ficou inicialmente conhecida como uma
educação de segunda classe para as pessoas adultas, e, em geral,
de classes populares.
Os sujeitos dessa modalidade educacional agrupam-
se em outras frentes, tais como: Educação Especial, Educação
Profissional e Tecnológica, Educação Básica do Campo,
Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola e
Educação a Distância.
Esses sujeitos são organizados em duas etapas, sendo a
primeira destinada ao Ensino Fundamental, que visa atender a
jovens a partir de 15 anos. Tal etapa é composta por alunos do 1° ao
9° ano do ensino fundamental, sendo necessários, ao menos, dois
anos para concluir essa fase. Sendo neste momento educacional que
o estudante inicia o seu processo de aprendizado.
Na etapa dois, que equivale ao Ensino Médio, a idade
mínima é de dezoito anos. Nesse módulo, a duração média de
conclusão é de dezoito meses, e representa a conclusão da educação
básica. Nela, o estudante é preparado para o mercado de trabalho e
o ingresso na universidade através do vestibular tradicional. 
Outra maneira de classificar a EJA é separar em fundamental
I (1° ao 5° ano) e II (6° ao 9° ano), e em Ensino Médio. Na
categorização apresentada, a EJA permanece nas competências
dos Municípios e do Estados, isto, dependendo do grau de
aprendizagem do aluno.
97
Olhares Plurais na Educação

3 A atual discussão sobre a EJA no Paraná

No Paraná o Diretor de Educação da Secretaria de


Estado da Educação e do Esporte (Seed), Ralph Gomes Alves,
acompanhado do Coordenador da Educação de Jovens e Adultos,
Marlon Cristiano Borba, e sua equipe, apresentaram, no dia 04 de
novembro de 2019, durante a 10.ª Reunião Ordinária do Conselho
Estadual de Educação do Paraná, a proposta de adequação da
oferta, da Educação de Jovens e Adultos (EJA), para Organização
Curricular Semestral.
Segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social (Ipardes), o Paraná tem o pior indicador de
analfabetismo da Região Sul, e na contramão do país, teve um
aumento no número de analfabetos de aproximadamente 13,21%
entre 2016 e 2018.
Como apresentado no gráfico 1 (abaixo), atualmente a
oferta de EJA na Rede Estadual possui 71.526 matriculados na Fase
I e Fase II da Educação Fundamental e 58.166 no Ensino Médio,
isto no ano de 2019.
Gráfico 1 - Matrícula da EJA Rede Estadual de Ensino do Paraná 2019

Fonte: Sistema Estadual de Jovens e Adultos (SEJA), 2020.


98
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

No gráfico II, apresentado abaixo, dos alunos matriculados


somente 5,3% concluem a Fase I e II e 5,1% finalizam o Ensino
Médio. Ainda pode-se apontar que, num período superior a dois
anos, ressaltando que entre 2014 e 2018, houve um aumento de
136% no número de matrículas.
Gráfico 2 - Conclusão Fase I e II do Ensino Médio no Estado do Paraná

Fonte: Sistema Estadual de Jovens e Adultos (SEJA), 2020.

Buscando adequação da oferta de Ensino Fundamental


e Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), o
projeto apresentado no final do ano de 2019, para Organização
Curricular Semestral, foi ser implantada na Rede Estadual de
Ensino a partir de 2020.
Essa, tendo como suporte fundamental a Lei Federal n.º
9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
e indica que é de responsabilidade do Estado a oferta de ensino
que respeite os princípios de uma educação que esteja vinculada ao
mundo do trabalho e à prática social, garantindo aos trabalhadores
o acesso e permanência na escola (BRASIL, 1996).
99
Olhares Plurais na Educação

Parafraseando DI PIERRO (2008), a adequação da oferta


da EJA tem por finalidade a reinserção de sujeitos à escola, isso
possibilita a elevação da escolaridade, além da melhora das condições
de vida e o acesso e permanência do estudante matriculado.
Segundo Souza (2013) a EJA teve intuito de superar
o atraso daqueles que não sabiam ler nem escrever, adotando
uma concepção instrumental de educação, sem levar em conta a
experiência de vida dos trabalhadores.” (SOUZA,2013, p.21).
Para os autores supracitados os sujeitos da EJA, acabam
tendo um caráter diverso, sendo trabalhadores, aposentados,
jovens empregados e em busca do primeiro emprego, pessoas
com necessidades especiais. Sendo, assim a EJA tem de ser uma
modalidade de educação para sujeitos concretos, em contextos
concretos, com histórias concretas, com configurações concretas”
(Arroyo, 2007, p.7).
Mediante a exposição e análise do processo de consulta
sobre a nova organização, o Conselho Estadual de Educação do
Paraná aprovou o Parecer n.º 231, de 07 de novembro de 2019, que
autoriza a adequação da oferta de Ensino Fundamental e Médio,
na modalidade Educação de Jovens e Adultos, para organização
curricular semestral. O que, possivelmente levará a uma relação e
exclusão dos sujeitos da modalidade educacional.
Entre as propostas apresentadas, aponta-se o congelamento
e padronização de cronograma, o que por si só destrói a oferta
de EJA, dada as particularidades da população adulta com baixa,
ou sem nenhuma escolarização que se compõe de mães e pais
trabalhadores urbanos e rurais com diferentes jornadas de trabalho.
Isto acaba por impossibilitar muitos deles, que frequentam a EJA,
pois não conseguirão frequentar as aulas na escola seriada, por
conta da organização dos tempos, incompatíveis com as rotinas de
trabalho.
Aponta-se, também para o aligeiramento no processo
educacional, haja vista que ocorreu uma redução de tempo de
estudos, isso a médio e longo prazo, trará evidentes prejuízos
100
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

justamente para aqueles que necessitam de tempo de estudo para


qualificar e consolidar seus conhecimentos.
Foi durante meados do século XX, como vimos
anteriormente que políticas públicas foram criadas para dar
outra “intencionalidade política para à educação e a EJA” que se
contrapunha à concepção instrumental.”(Souza,2013,p.22),ou
seja, o processo educacional para modalidade EJA abarcaria a
finalidade tecnicista.
Segundo o parecer n.º 231, de 07 de novembro de 2019, a
profissionalização em detrimento da escolarização, num evidente
entendimento que pessoas jovens, adultas e idosas que estão na
EJA só devem estudar para ocupar um posto de emprego, uma
concepção utilitarista, tecnicista e preconceituosa da educação
na medida em que deve-se ensinar para os da classe trabalhadora
um oficio, e para os da classe dirigente o ensino deverá lhes dar
condição da assunção de níveis mais elevados de ensino.
As bases da concepção dialógica de educação, a qual, na
“modalidade da EJA, teria a investigação dos temas geradores como
fonte da prática educativa, com um dos componentes do processo,
de conscientização, emancipação e libertação”, o que acaba sendo
deixada de lado durante o processo proposto durante no parecer
apresentado pelo Governo do Estado do Paraná para modalidade
EJA.
Além disso, pode-se destacar que a proposição de até 80%
da carga horária em Educação a Distância (EAD), foi considerada
uma das medidas mais danosas e controversas que um sistema
de educação pode conceber porque pressupõe autonomia dos
estudantes, além de conhecimento sobre as ferramentas tecnológicas.
Para alcançar este último ponto do projeto considera-se que
a Educação de Jovens e Adultos deve ser sempre uma educação
multicultural, uma educação que desenvolva o conhecimento e a
integração na diversidade cultural, como afirma Gadotti (2008).
Mas o que pode-se ver no prjeto é o carater excludente pois
desconsidera o carater do sujeito da EJA, que, como aponta Souza
101
Olhares Plurais na Educação

(2013) tem um caráter uma educação para a compreensão mútua,


contra a exclusão por motivos de raça, sexo, cultura ou outras
formas de discriminação. Para isso o educador deve conhecer bem
o próprio meio do educando, pois somente conhecendo a realidade
desses jovens e adultos é que haverá uma educação de qualidade.

4 Considerações finais

Nesse trabalho buscou-se expor, primeiramente, um


breve resumo das políticas públicas relacionadas a modalidade
educacional da EJA em nosso país. Isto, como pôde ser observado,
foi relacionado a criação de um plano educacional que, mesclado
com as práticas educacionais, acabou dando formato ao modelo
que tem-se hoje no país.
Em meio a lutas frequentes pela equidade educacional do
sujeito da EJA, apresenta-se, no estado do Paraná, o parecer n.º
231, de 07 de novembro de 2019, que buscou o aligeiramento do
processo de ensino aprendizagem, ferindo os princípios básicos de
garantia de direito ao processo educacional universal garantido pela
Constituição Federativa Brasileira de 1988, e reafirmado pela Carta
Magna da Educação em nosso país, a LDB 9.394/96.
Destaca-se, ainda que a discussão sobre o último ponto
do parecer, continua em debate durante o ano de 2020 pelo
Conselho Estadual de Educação do Paraná que, juntamente com
os outros órgãos administrativos, irão buscar novas discussões
sobre a temática da modalidade para que essa não tenha um caráter
aligeirado e excludente, mas fica claro que o processo de luta por
novas políticas para inclusão dos sujeitos da EJA não podem parar.

Referências

ARROYO, Miguel Gonzales. Balanço da EJA, o que mudou


nos modos de vida dos jovens- adultos populares? REVEJ@-
Revista de Educação de Jovens e Adultos, Belo Horizonte, vol.1,
p.5-19, ago. 2007.
102
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da
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ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 26 set.
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CATELLI JR., R.; HADDAD, S.; RIBEIRO, V.M. (Orgs.). A
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Adultos no século XXI. São Paulo: Global, Ação Educativa, 2014,
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GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (Orgs.) Educação de Jovens e
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Disponível em :< http://www.comunidade.diaadia.pr.gov.br/
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SAVIANI, Dermeval. Sistema Nacional de Educação e Plano
Nacional de Educação: significado, controvérsias e perspectivas.
São Paulo: Autores Associados, 2017.
SAVIANI, Dermeval. Sistema Nacional de Educação e
Plano Nacional de Educação: Significado, controvérsisas e
Perspectivas. Campinas: Autores Associados, 2017.
SOUZA. Maria Antônia. Educação de Jovens e Adultos.
Curitiba: Intersaberes, 2016.
CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS
DE DIREITO: DIFERENÇAS ENTRE DOUTRINA
DE PROTEÇÃO INTEGRAL E ECA

Márcia Regina Mocelin1


Dinamara Pereira Machado2

1 Introdução

Paralelo ao nascimento da constituição nacional conhecida


como constituição cidadã, outras instituições como o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), trabalharam
e continuam contribuindo para a melhoria das condições das

1 Avaliadora do MEC (2018 - atual). Presidente e maestrina do Instituto Música e


Arte. (2019 – atual). Pós-Doutora em Educação - DERECHOS HUMANOS Y
DESAFIOS EN LA SOCIOEDUCACION pela Universidad Nacional de Educación
a Distância - UNED - Madrid - Espanha (2018 - 2019). PÓS DOUTORA em
EDUCAÇÃO - POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO pela
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP e Universidade de Salamanca - Espanha (2016-
2017). Doutorado em Educação - Políticas Públicas e Gestão da Educaçãopela
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP (2014). Professora na FANEESP/FAEC e
na FAEL no curso de Pedagogia. Graduada em Artes, Música, Pedagogia, Filosofia,
História e Letras. Membro do grupo de pesquisa “Entre a EAD, Presencial e Híbrido:
Vários Cenários de Docência, Currículo, Aprendizagem e Políticas Públicas” no
Centro Universitário Internacional Uninter (atual). Membro do grupo de Pesquisa
“ Grupo Internacional de Pesquisa em Políticas, Práticas e Gestão da Educação” na
Universidade de Pernambuco (UPE) (atual). Membro do Conselho Editorial da
Editora Dialética e Realidade.
2 Pós-doutora em Educação pela Universidade Nacional de Educación a Distância
(UNED). Doutora em Educação: Currículo na PUC SP. Mestrado em Educação
pela Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Qualidade e Educação.
Graduação em Letras e Pedagogia. Diretora da Escola Superior de Educação
do Centro Universitário Internacional Uninter, experiência como gestora na
Educação Superior e Básica, desenvolvimento de projetos na área da educação a
distância e presencial. Líder do Grupo de Pesquisa: EAD, presencial e o híbrido:
vários cenários profissionais, de currículo, de aprendizagem e políticas públicas, no
Centro Universitário Internacional Uninter. Diretora Administrativa e Financeira
do Instituto Música e Arte (IMA). Chefe Editorial do Caderno Intersaberes. Editora
Chefe da Editora Dialética e Realidade. Diretora de EAD do SINEPE Paraná.
104
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

crianças e adolescentes no Brasil. Ressalta-se a importância destas


instituições para a apresentação de duas emendas à Constituinte
(Emenda Criança Prioridade Nacional e Emenda Criança
Constituinte) que se tornaram depois de aprovadas no mais
conhecido e repetido Artigo da Constituição Brasileira, o Artigo
227.
O conteúdo dessas emendas é o resultado de uma discussão
muito maior oriunda do projeto de Convenção Internacional dos
Direitos da Criança debatidos intensamente pela Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas – ONU desde 1979. Esse ano
foi considerado o ano Internacional da Criança. Dessa convenção
resultaram 54 artigos aprovados em 20 de novembro de 1989.
Desses 54 artigos com exceção da introdução restaram 40 artigos
que foram resumidos no artigo 227 da Constituição.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. (CONSTITUIÇÃO, Art. 227)
Entende-se que o Artigo 227, legitima uma nova visão de
sujeito de direitos, sujeito em transformação e para a transformação
e propõe uma clara subdivisão de princípios que sustentam a
Doutrina da Proteção Integral.

2 Doutrina da Proteção Integral

A lei que antecedeu o ECA foi o Código de Menores.


Ao analisar as diferenças do Código de Menores e o Estatuto da
Criança e do Adolescente pode-se perceber já na sua introdução a
diferença radical ao que se propõe. No primeiro artigo do Código
de menores lê-se: “esta lei trata da proteção e vigilância dos menores
em situação irregular”.
105
Olhares Plurais na Educação

Contrariamente o ECA trata da proteção integral. Essa rede


de proteção ou o conjunto de direitos: o direito à sobrevivência, ao
desenvolvimento pessoal e social e o direito à liberdade, respeito e
dignidade, convivência familiar e comunitária, formam a doutrina
da proteção integral.
A palavra integral se refere à garantia de ver executados
todos os direitos para todas as crianças. No entanto estamos tão
acostumados a que a criança só tenha deveres, que essa política, essa
constituição da criança e do adolescente com ênfase nos direitos
causou e causa muita rejeição. Isso se dá principalmente pela leitura
errônea do documento. O ECA deve ser lido sempre a luz do artigo
sexto, que diz:
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais
e a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e
deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança
e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (ECA,
Art. 6).
Toda a articulação que sustenta o ECA parte desse artigo,
e a ausência dele para a leitura do documento torna-o inexato no
trato a sua aplicação. A criança e o adolescente são tratadas pelo
ECA como prioridade absoluta. A questão da prioridade absoluta
se dá em primeiro lugar, porque eles não têm conhecimento dos
seus direitos e depois por não terem meios de autossatisfazerem,
ou seja, não possuem meios para satisfazerem por si mesmo suas
próprias necessidades básicas, e em terceiro lugar porque a criança
representa o futuro da humanidade. Ainda, fundamentalmente,
porque cada criança ou adolescente é um ser humano incompleto
em qualquer uma das suas fases enquanto criança, adolescente ou
jovem.
Outro aspecto relevante do ECA é definir a relação
entre o Sujeito de Direitos e o Sujeito em Condição Peculiar
de Desenvolvimento. Isso significa que para cada fase de
desenvolvimento (criança, adolescente, jovem) os direitos e deveres
se aplicam de forma diferente.
106
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

É de fácil compreensão quando analisamos as questões do


trabalho e da educação nas diferentes fases de desenvolvimento
da criança e do adolescente. Por exemplo: a criança não pode
trabalhar, mas deve brincar e estudar; o adolescente deve estudar e
pode trabalhar, desde que esteja de acordo com a lei; o adulto deve
trabalhar e pode estudar. Ou seja, para cada condição peculiar de
desenvolvimento os direitos e deveres assumem uma determinada
configuração.
Outra leitura feita de forma equivocada é a de que a criança
e o adolescente não respondem por seus atos infracionais. No ECA,
essa confusão é esclarecida em seu capítulo sobre os atos infracionais.
Novamente aqui é preciso fazer a análise segundo o sujeito em
condição peculiar de desenvolvimento. No ato infracional, a
criança é irresponsável e inimputável penalmente, já o adolescente
é responsabilizado penalmente, mas não é imputável penalmente,
porque a ele não são aplicáveis as penas do Código penal e sim as
Medidas Socioeducativas contidas no ECA e finalmente o adulto é
responsável e imputável penalmente.
O ECA passa a ser uma lei universal, que rege todas as
crianças e adolescentes brasileiros, assim, para se ter acesso aos
direitos da criança e do adolescente, basta apenas ser uma criança
ou um adolescente independente de sua classe social.
Questão de relevância a ser analisada também se refere a
diferença entre as doutrinas pregadas no Código de Menores e no
ECA. Era uma lei de controle social da infância e da adolescência. O
ECA diferentemente do Código de Menores é uma lei que preserva
o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos adolescentes,
tramando a política de articulação dos direitos e deveres. Um não
pode ser sem o outro, por isso é um grande engodo pensar que o
ECA só trata dos direitos da criança
As linhas de ação dessa política de atendimento são postas
numa espécie de hierarquia ou subdivisão. Na base dessa hierarquia
estão as Políticas Sociais, aquelas que são direitos de todos e dever
107
Olhares Plurais na Educação

do Estado, que dão uma cobertura universal para todas as crianças


e adolescentes, como educação e saúde.
No segundo andar estão as Políticas de Assistência Social
que não são universais.
Para as crianças que tem violados os seus direitos a
Integridade psicológica, física e moral, se encaixam as políticas de
atendimento como às Políticas de Proteção Especial ou Medidas
de Proteção Especial que se encontram num terceiro andar dessa
hierarquia.
Por fim, no alto dessa hierarquia, tem-se a luta pelos direitos
da criança no campo dos direitos. No entanto, as contradições que
se aceleram em nossa sociedade fazem com que o ECA não seja
mais do que um amontoado de letras, em mais um amontoado de
papéis.
Apontam-se alguns desafios para efetivar o ECA como
política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
Em primeiro lugar está a questão ética. Como é possível falar
em ética com crianças fora da escola? Como é possível falar em
compromisso ético da sociedade se existem crianças trabalhando
para garantir a subsistência de suas famílias?
Em segundo lugar como transformar esse compromisso
ético em vontade política?
Em terceiro lugar é necessária capacitação profissional.
A ética, a vontade política e a competência técnica se farão
presentes se as pessoas que trabalham com as políticas sociais
básicas compreenderem, aceitarem e colocarem em prática esse
novo direito de ter direitos e deveres da criança e do adolescente.
Assim, como a família a escola tem uma função social
importante nesse novo olhar sobre a criança como sujeito de
direitos e ser humano em condição peculiar de desenvolvimento.
108
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

3 O papel da escola na construção e efetivação dos direitos e


deveres da criança e do adolescente

Quanto mais se fala em direitos humanos mais eles são


negados. Se reconhecemos a infância como produção histórica se
impõe a pergunta: em que contextos se produz a infância e com o
que a escola (pedagogos, professores, funcionários e comunidade
em geral) trabalha?
Se a escola, a família e a saúde funcionassem bem, não
haveria a necessidade de ter esta imensa diversidade de instituições
que atendem a criança. Uma escola funcionando bem, uma família
cumprindo o seu papel e o sistema de saúde funcionando, manteria
em perfeita harmonia o tripé que sustenta os direitos da criança.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
afirma a educação de uma maneira em que todas as ações de direitos
da criança e do adolescente são ações educativas.
O artigo primeiro da LDB diz que:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
(LDB, Art. 1).
A relação entre a escola, a família e os direitos da criança
e do adolescente fundem-se em prol da emancipação humana.
Enquanto a LDB/96 trata a educação pelo ângulo da oferta do
serviço educacional, o ECA trata do cumprimento dos direitos e
deveres da criança.
A escola, os professores, a equipe pedagógica, são vitais para
a criação da cultura de cidadania de crianças e de adolescentes.
Sendo a cultura dependente do cotidiano em que se vive os direitos
o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,
o movimento de defesa dos direitos da criança, e mesmo os
setores de governo viram a Lei 11.525/07 como uma forte aliada,
e determinante para o ensino dos direitos da criança no ensino
fundamental. Dessa maneira, nessa nova forma e, aproveitando
109
Olhares Plurais na Educação

o ensejo de colocar esta lei em vigor, tem-se a oportunidade de


recriar esse movimento que vai ao encontro da defesa dos direitos e
deveres da criança e do adolescente, incluindo dois agentes que são
fundamentais e que estão presentes constantemente na comunidade
escolar: os professores e os pais.
É um avanço entender as trajetórias sociais dos alunos (as) e
entender suas lutas pela sobrevivência. É um avanço repensar
nossa docência em função dessa infância, adolescência e
juventude reais (ARROYO, 2005, p. 79)

4 ECA 30 anos: o que mudou nas nossas vidas?

No bojo da redemocratização do país nas décadas de 1980,


1990, muitas mudanças ocorreram, para a melhoria da sociedade
que vivemos. A primeira grande mudança foi a Constituição Federal
de 1988, seguida de diversas legislações, conferências, declarações
acerca principalmente dos direitos humanos. Sendo os direitos
humanos compreendidos como direitos sociais, culturais, políticos,
econômicos etc., trouxeram muitas mudanças que permanecem
com solidez, e ao mesmo tempo lançamos uma indagação acerca
da temática, o que mudou nas nossas vidas?
Destacamos na nossa opinião um dos textos de maior
relevância desenvolvido na década de 1990, voltado ao bem-estar
da infância e da adolescência brasileira fora O Estatuto da Criança
e do Adolescente – ECA. Com um novo pensamento pautado na
filosofia da proteção integral, que faz com que todas as entidades
trabalhem de forma cooperativa para a melhoria das condições de
vida e o respeito aos direitos humanos.
Pois bem, acabamos de fazer aniversário em 2020, 30 anos.
Três décadas de legislação, trinta anos de mudanças na forma de
pensar a adolescência e a infância outrora vivenciada anteriormente
como mini adultos, e agora ocupando lugar próprio, específico e
por tempo integral. Por muitos o ECA fora compreendido de forma
equivocada que gerou manifestações pejorativas, desconsiderando
110
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

o propósito legal e social do ECA, e, da nova forma de concepção


social.
O Estatuto da criança e do Adolescente – ECA, Lei nº
8.069/90 é considerado um marco na história dos direitos da
criança e do adolescente no Brasil, e foi instituído para garantir
a preservação da cidadania. É também uma legislação que vem
ano após ano ganhando espaço para que seja cumprida na íntegra
protegendo os princípios que a regem, e um espelho para o mundo
que a partir da nossa lei, criou as suas. O ECA apresenta uma
série de artigos que compõe o arcabouço de medidas protetivas e
também socioeducativas previstas em seu texto legal.
Passados 30 anos dos avanços ocorridos, mesmo assim ainda
há muito que se alcançar quando se fala em direitos e deveres da
infância e da adolescência. Por vezes ainda prevalece o sistema de
punição similar ao aplicado ao adulto, ficando em segundo plano o
pensamento na construção do ser íntegro e completo e em contínuo
desenvolvimento. Há uma grande resistência em reconhecer essa
infância e adolescência como de direitos, reconhecer o sujeito como
sujeito de direitos que necessita do apoio de todas as instituições e
de todas as políticas públicas para evoluir enquanto ser humano.
A teia de relações que envolve a mudança é complexa,
porém não é impossível, e para que ocorra a mudança, na forma
de pensar e consequentemente na forma de agir de uma sociedade
que na sua maioria é excludente é preciso sair da invisibilidade, sair
do campo do desconhecido, parar de “vomitar” o senso comum e
compreender a evolução e a melhoria do que ocorre nas políticas
públicas que beneficia o sujeito de direitos, na sua individualidade
e consequentemente torna a sociedade melhor.
Em tempo, precisamos enquanto nação avançar
democraticamente e de forma humanizadora, não podemos
conviver novamente com a Roda dos Enjeitados, Maioridade
Penal a partir dos 9 anos de idade, Escola apenas para aqueles
que tem poder econômico e tantas outras políticas públicas que
retratavam ausência de conhecimento e segregação dos governantes
111
Olhares Plurais na Educação

que desprovidos de respeito ao humano, faz prevalecer de forma


nacional atrocidades.
E você? Conhece o estatuto? É consciente das mudanças que
ocorreram e que estão ocorrendo a partir da indivisibilidade dos
direitos e da justiça igualitária para o crescimento de todos? Vale
a pena inteirar-se das mudanças que o mundo nos oferece e junto
com elas crescer e poder viver com uma qualidade de vida superior
ao que já existiu. Construa-se como humano mais humano!

5 Considerações finais

Reconhecer as diferenças da legislação é apenas um


fragmento dessa teia social que se altera minuto a minuto. Agir de
forma consciente enquanto cidadão exige reflexão do ser social em
seu tempo histórico e das novas manifestações daquele tempo.
Compreender que esse novo tempo requer que famílias e
lideranças das mais diversas percebam velhos conceitos que estão
arraigados em suas práticas de convivência, de liderança, de fazer o
cotidiano dos nossos dias.
Compreendemos que a gestão escolar democrática, tanto
de uma sala de aula como de uma escola, para uma educação
para todos prioriza a participação dos alunos, da família e das
organizações que trabalham com adolescentes num espírito de
coparticipação e corresponsabilidade pelos direitos e deveres das
crianças e adolescentes.
O grande fazer da educação está centrado na relação das três
grandes forças: a família, a escola e a comunidade. É fundamental
colocá-las lado a lado com o único intuito de promover para as
novas gerações das crianças, adolescentes e jovens o conhecimento
no sistema da garantia dos direitos para o cumprimento da Doutrina
da Proteção Integral.
O direito a educação, entre os direitos humanos, é
fundamental, mas ele está intrinsecamente ligado à garantia do
conjunto dos direitos humanos. Sem a valorização da apreensão
112
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

dos direitos humanos para uma formação cidadã por meio da


escola, a educação como plenitude humana se torna uma utopia.
Este é um ponto fundamental. A função da escola é garantir
a humanização dos sujeitos, ou seja, dar mais dignidade para as
crianças e adolescentes reconhecendo-os como sujeitos de direitos,
ou seja, compreender os humanos em suas humanidades.

Referencias

ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas. 2. ed. Petrópolis:


Vozes, 2005.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.risolidaria.org.br/vivalei/outrasleis/
rg_nac_prot_menor.jsp>. Acesso em 23 fev. 2011.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9394 de
20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez.
1996. p. 27894.
BRASIL. (Constituição de 1988) Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado federal, 1988. Disponível
em: <http //www .planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/
Constituição.htm>.Acesso em: 23 fev.2011.
PRÁTICA EDUCATIVA, PRÁTICA PEDAGÓGICA
E PRÁXIS NA ESCOLA

Natacha Souza das Neves Prosdocimo1


Bruno Massinhan²

1 Introdução

N este capítulo os objetos de estudo são os conceitos


de prática educativa, prática pedagógica e práxis e os
sujeitos da pesquisa são os professores do ensino fundamental. As
práticas educativas e pedagógicas estão presentes no nosso cotidiano,
em casa, na escola e em diferentes locais. Como afirma LIBANEO,
em sua obra Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas, de
2001: “vivemos numa sociedade eminentemente pedagógica, com
o poder pedagógico de meios de comunicação, imprensa, rádio,
televisão e projetos culturais”.
As práticas educativas podem acontecer com ou sem
intencionalidade. Por isso, buscaremos contextualizá-las em seus
diferentes conceitos.
A partir de um exercício de reflexão e dos objetivos
da pesquisa, buscamos sistematizar os conceitos de práticas
pedagógicas, práticas educativas e práxis; discutir sobre algumas
questões que emergem na prática docente e explorar o tema a partir
1 Natacha Souza das Neves Prosdocimo – Graduada em Pedagogia e Professora da
Prefeitura Municipal de Curitiba. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade
Tuiuti do Paraná. Mestranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná.
– Linhas de Pesquisa Prática Pedagógica e Elementos Articuladores. E-mail:
natachaprosdocimo@gmail.com
² Bruno Massinhan – Graduado em Medicina pela PUCPR; Especialista em Medicina
do Trabalho pela UFPR. Mestrando em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná
– Linhas de Pesquisa Prática Pedagógica e Elementos Articuladores. Instrutor do
American College of Surgeons, programa ATLS. Preceptor da Residência Médica
em Emergências Médicas da Cruz Vermelha Brasileira - Capítulo Curitiba. E-mail:
Bruno.massinhan@gmail.com
114
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

de algumas problemáticas. O que são práticas educativas, práticas


pedagógicas e práxis? Quais as diferenças entre elas? Esperamos que
ao final deste capítulo o leitor encontre modos de orientar a ação
docente e a pesquisa educacional sobre a temática.
A escolha do tema: Práticas pedagógicas se deu pelo grande
interesse dos autores. Como docentes, juntamente com parte da
discussão da dissertação de mestrado em educação, buscamos
caracterizar as práticas dos professores de Educação Ambiental no
Ensino Fundamental de Curitiba.
A relevância da pesquisa no trabalho docente se dá através
dos saberes construídos pela teoria, pelas pesquisas e práticas
pedagógicas, tomadas como um importante instrumento de
conhecimento e formação para os pesquisadores e professores. Tais
conceitos destacam que as práticas pedagógicas visam introduzir
intencionalidades em suas ações. Desenvolvendo, deste modo, uma
ação educacional reflexiva, coletiva e transformadora.
A pesquisa tem a sua origem no estudo bibliográfico sobre os
atuais e principais conceitos sobre a temática. Abrange o professor
como agente formador e transformador da sociedade. Aborda o
papel do professor em não apenas reproduzir o conhecimento,
mas dialogar, refletir e ensinar o aluno a pensar. E para embasar a
pesquisa buscaremos as contribuições teóricas nos autores como:
VÁSQUEZ (2011), FRANCO (2016, 2020), FREIRE (2020),
NADAL (2016, 2020), SOUZA (2016, 2020) e VIANA (2016),
que trazem muitas contribuições sobre os conceitos de práticas.
Entre os resultados encontrados destaca-se a prática
educativa como uma intervenção comum e inintencional pelos
sujeitos. Quando se torna reflexiva, consciente e intencional passa a
ser considerada como uma prática pedagógica. Quando esta prática
torna-se atividade material consciente e objetiva, que transforma o
mundo exterior a partir da ação humana que acaba transformando
o homem, assume então a forma de práxis, conforme conceito de
Vásquez:
115
Olhares Plurais na Educação

A atividade da consciência, que é inseparável de toda


atividade humana, apresenta-se a nós como elaboração de fins
e produção de conhecimento em íntima unidade (...). Se o
homem aceitasse sempre o mundo como ele é, e se, por outro
lado, aceitasse sempre a si próprio em seu estado atual, não
sentiria a necessidade de transformar o mundo nem de, por
sua vez, transformar-se. (VAZQUEZ, p. 226, 2011).
Ainda neste contexto, é importante citar Viana, autor que
conceitua ainda que para se construir a práxis “é preciso que a
teoria penetre na consciência de tal modo que ela se torne prática”.
(VIANA, 2016, p.93).

2 Teorias da educação

A educação tem um papel importante na vida de todos,


pois cabe a ela instrumentalizar os sujeitos para o desenvolvimento
de uma postura crítica da realidade social. Essa postura crítica abre
espaço para a intervenção, produção e transformação da realidade.
Todos estamos ligados de uma forma ou outra à educação ou já
passamos por ela. Através da educação nos socializamos, construímos
a nossa identidade e cultura. Paro (2002) complementa que: “A
educação consiste na apropriação da cultura humana, entendida
como aquilo que o homem produz em termos de conhecimentos,
crenças, valores, arte, ciência, tecnologia” (PARO, 2002 citado por
NADAL, 2016, p. 19).
A educação como a apropriação da cultura humana anterior
nos constrói como ser humano histórico. Franco (2020) acrescenta
que “a pedagogia pensa, reflete, organiza as condições em que a
educação deve ocorrer: nas salas de aula, nos espaços coletivos,
nas lições de casa, nas atividades culturais”. Para a autora (2016)
“a pedagogia caminha por entre culturas, subjetividades, sujeitos
e práticas. Caminha pela escola, mas a antecede, acompanha-a e
caminha além”. (FRANCO, 2016, p. 542). Contudo, não podemos
ser ingênuos em pensar que a educação e a escola são neutras, elas
estão cercadas de interesses e escolhas. A educação se relaciona
com a política. De acordo com Charlot (2013) citado por Nadal
116
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

(2016, p. 20) “A educação é política na medida em que transmite


às crianças ideias políticas sobre a sociedade, a justiça, a liberdade,
a igualdade e etc”.
O Educador Brasileiro Paulo Freire (2020) expandiu
os estudos em educação. A partir do conceito de uma educação
libertadora, Freire demonstrou que só encontraremos expressão
numa pedagogia reflexiva descobrindo e conquistando caminhos
de libertação contra a opressão. Freire salienta que a educação
bancária refere-se à prática educativa em que o educador é o sujeito
do processo e os educandos meros objetos (FREIRE, 1987, p. 59).
Este tipo de prática perpetua a domesticação / dominação sobre os
educandos, pois não é marcada por reflexão crítica, e, portanto, não
nutre o educando de reflexão que o liberte em seu contexto.
Em oposição a esta prática, na prática libertadora, dialógica,
há o sujeito cognoscente, que “se encontra dialogicamente com os
educandos” (FREIRE, 1987, p. 69). Esta constitui a verdadeira
práxis, que é revolucionária ou libertadora, com adequada
intencionalidade e rompendo práticas sociais de dominação.
(MASSINHAN, 2020).
Por isso, a importância da constante formação na ação
educativa do professor, norteada por diversos modelos teóricos
que podem auxiliar na mudança de visão e consciência da prática.
Assim, como refere Viana, cabe ao professor buscar compreender:
Este domínio teórico é fundamental para que o educador
tenha autonomia intelectual, compreenda a realidade em
que vive e trabalha, saiba identificar as finalidades do ato
educativo, escolher os métodos e recursos didáticos, construir
o próprio currículo, constituindo-se como o mediador entre
o conhecimento científico historicamente construído e o
conhecimento reelaborado socioculturalmente. (VIANA,
2016, p. 70).
Se faz necessário conhecer e compreender as teorias e
conceitos que permeiam a educação e práticas pedagógicas para
assim colaborar com o trabalho dos professores. Para Franco
(2020) é preciso “compreender para ajudar”. Apresentaremos
117
Olhares Plurais na Educação

assim, algumas das principais teorias que se relacionam com o tema


de práticas pedagógicas, práticas educativas e práxis. Através do
levantamento da literatura realizada junto ao texto de referência de
NADAL (2016, 2020), SOUZA (2016, 2020) e VIANA (2016)
realizando um diálogo entre teoria e prática juntamente com os
autores FRANCO (2016, 2020) e FREIRE (2020).
Iniciaremos pelas teorias não críticas ou liberais. Essas
idealizam a educação como autônoma em relação à sociedade, em
que a marginalidade é vista como uma distorção corrigida pela
educação. (VIANA, 2016).
Já as teorias críticas fazem um exame crítico da sociedade
e acreditam nas finalidades sociopolíticas da educação. Veem a
educação como um instrumento de discriminação social e buscam
entender a educação no contexto socioeconômico. (VIANA, 2016).
O Modelo de empirismo predominou até 1950. Com o
objetivo de formar a elite, compreendia o indivíduo como uma
tábua rasa. Fundamentada pela pedagogia tradicional, em que o
professor era o detentor do saber e dava-se prioridade ao ensino
mais do que à aprendizagem. Utilizando-se basicamente de
aulas expositivas, numa relação vertical entre professor e aluno,
a imposição de disciplinas e a avaliação visava à reprodução de
conhecimentos. (VIANA, 2016).
Já a pedagogia tecnicista (1970 - 1980), assim como
a pedagogia tradicional, baseia-se na filosofia positivista e na
concepção psicológica behaviorista. Seu principal interesse foi
produzir indivíduos competentes para o mercado de trabalho,
não se preocupando com as mudanças sociais. Neste modelo de
ensino a avaliação dos alunos era controlada por meio de objetivos
padronizados para atingir os comportamentos esperados. (VIANA,
2016).
O modelo epistemológico implica na ideia do conhecimento
do indivíduo como uma forma de bagagem (hereditária). Neste
modelo, é o sujeito que determina o objeto. Deste modo, o
professor é um facilitador no processo de ensino e aprendizagem.
118
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

O pressuposto de aprendizagem é a vontade do aluno de aprender


e a avaliação está centrada na autoavaliação. (VIANA, 2016). Neste
contexto, o modelo epistemológico construtivista é representado
por Piaget. A prática pedagógica é interacionista, promove uma
mediação dialógica entre professor e aluno. (VIANA, 2016).
Em outro modelo, o epistemológico sociointeracionista,
que se aproxima da pedagogia histórico-crítica, e que baseia-se no
materialismo histórico dialético e na Psicologia histórico-cultural, o
maior representante é Vygotsky. A prática pedagógica neste modelo
se dá através da mediação, que visa ao processo de humanização do
indivíduo por meio da produção e apropriação do conhecimento
histórico e coletivamente produzido. Nessa perspectiva, o meio
social é repleto de significados culturais. A relação entre professor
e aluno é horizontal e a avaliação é diagnóstica e permanente.
(VIANA, 2016).
Como podemos perceber, a teoria e a prática estão
diretamente relacionadas e são fundamentais na formação dos
educadores para dar sentido ao fazer pedagógico, contribuir para
a compreensão e realização do processo de ensino e aprendizagem.
(SAVIANI 1982, citado por VIANA, 2016). Tanto a teoria quanto
a prática estão presentes no processo pedagógico, não sendo possível
excluir um do outro. Segundo o mesmo autor: “dir-se-ia, pois, que
teoria e prática, assim como professor e aluno, são indissociáveis do
processo pedagógico” (SAVIANI, 2017, p.107 citado por Viana,
2016, p. 81).

3 Prática educativa, prática pedagógica e práxis

Mas o que podemos entender por prática? Esse conceito


está relacionado a muitos significados e pode ser entendido como
uma ação que aplica certos conhecimentos. De acordo com Viana
(2016, p. 78) “a prática é associada a uma ação inerente à realidade
imediata, a funcionalidade ou costume”.
119
Olhares Plurais na Educação

E quais os modelos que embasam os diferentes tipos de


prática? Quais as semelhanças e diferenças entre a prática educativa,
a prática pedagógica e a práxis. Para entendermos cada uma
consideramos que estamos o tempo todo expostos a informação e
a aprendizagem no nosso cotidiano. Estamos sempre aprendendo
todos os dias e em vários lugares, aprendemos em casa, na escola,
com os pais e professores, amigos, vizinhos, até mesmo com os
meios de comunicação. Franco (2016, p.537) afirma que “os
processos vinculados a mídias como TV, internet e redes sociais
on-line passam a ter grande influência educacional sobre as novas
gerações”. Contudo, o que vai diferenciar se a prática é educativa,
pedagógica ou práxis serão a sua reflexão e intencionalidade.
Os principais autores de referências selecionados para este
estudo irão destacar as peculiaridades de cada tipo de prática.
Inicialmente, descreveremos os elementos que compõem a prática
educativa.
A prática educativa influência o mundo todo, tanto
para o bem como para o mal. Não possui necessariamente um
compromisso, ou seja, o sujeito está envolvido em muitas práticas e
é cheio de vivências (NADAL, 2020). Franco (2016) complementa
sobre a diferença entre prática educativa e prática pedagógica:
As práticas educativas fazem referências a práticas que ocorrem
para a concretização de processos educacionais, ao passo que
as práticas pedagógicas se referem a práticas sociais que são
exercidas com finalidade de concretizar processos pedagógicos.
(FRANCO, 2016, p. 536).
A prática educativa pode ser considerada uma intervenção
educativa genérica, comum, acrítica e inintencional. Mas a partir
do momento em que ultrapassa esse nível e se torna reflexiva,
consciente, crítica e intencional, transforma-se numa prática
pedagógica. Segundo Nadal (2016, p. 17) “toda prática pedagógica
é educativa, mas nem toda prática educativa é, necessariamente,
pedagógica”. FRANCO (2016, p. 536) acrescenta que:
Assim uma aula ou um encontro educativo torna-se à
uma prática pedagógica quando se organizar em torno de
120
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

intencionalidades, bem como na construção de práticas que


conferem sentido às intencionalidades. Será prática pedagógica
quando incorporar a reflexão contínua e coletiva, de forma a
assegurar que a intencionalidade proposta é disponibilizada
a todos; será pedagógica à medida que buscar a construção
de práticas que garantam que os encaminhamentos propostos
pelas intencionalidades possam ser realizados.
Se consultarmos Saviani (2013) com relação a esta temática,
o autor não faz uma distinção explícita entre a prática educativa
e a prática pedagógica, mas enuncia diferenciação entre os dois
conceitos.
A prática educativa tem uma intervenção educativa genérica
que pode ocorrer – ou não – sincreticamente, sem consciência
e intencionalidade, ou seja, por uma intervenção acrítica e
intencional e a prática pedagógica intervenção sistemática
mediada pela teoria, ação consciente operada por meio de
sínteses interpretativas, intencionalmente dirigida, isto é, por
uma intervenção crítica e intencional. (SAVIANI, 2013 citado
por VIANA, 2016).
Mas afinal, o que são práticas pedagógicas?
Para Saviani “o trabalho pedagógico configura-se como um
processo de mediação que permite a passagem dos educandos de
uma inserção acrítica e inintencional no âmbito da sociedade a uma
inserção crítica intencional” (SAVIANI, 2008, p. 130). Para Souza
(2020) a prática pedagógica é uma prática social e um processo de
transformação da sociedade.
Também podemos considerar a prática pedagógica como
um ato político cheio de intencionalidade, articulado com a nossa
visão de mundo, com a concepção de sociedade, de formação, de
professor, de aluno, de conhecimento, diz respeito aos modelos
teóricos e pedagógicos que as guiam. (NADAL, 2016, p. 17).
Reconhece-se assim a prática pedagógica como aquela que
se configura pelo caráter intencional e político, coletivo e de
organização. Constituí-la certamente é um grande desafio que
exige superar inúmeros intervenientes aqui não explicitados
como a desvalorização econômica e social da profissão
docente, a qualidade da formação inicial de professores, o
121
Olhares Plurais na Educação

caráter regulatório e tecnicista das políticas educacionais, a


organização e a cultura escolar, a precarização do contexto
educacional [...] (NADAL ,2016, p. 34).
A prática pedagógica é um grande desafio pois reflete uma
ideia revolucionária e não se satisfaz com o conservadorismo. E para
que isso aconteça, apresenta alguns elementos que acompanham o
seu desenvolvimento: a intencionalidade, a coletividade, a dialética,
a organização e a reflexividade. (NADAL ,2016).
Destacaremos agora, um importante elemento da
prática pedagógica: a intencionalidade. Nadal (2016, p. 23)
aponta que “a aprendizagem do educando se processa, demanda
intencionalidade”. E além da intencionalidade a autora acrescenta
que a prática pedagógica demanda posicionamento do professor.
O ato educativo passa a ser pedagógico para ter finalidades e exige
tomada de posicionamento para transformar a realidade.
Souza (2016, p. 57) argumenta que a intencionalidade da
prática pedagógica “é a construção de conhecimentos e experiências
coletivas que tenham caráter revolucionário”. Muitas vezes nos
questionamos se a nossa prática é realmente transformadora da
realidade ou estamos apenas reproduzindo o conhecimento?
Estaremos realizando Práticas coletivas voltadas para a reflexão
e transformação? Souza (2020) acrescenta que tentamos ser
revolucionários, mas nos deparamos com várias barreiras que
interferem na prática pedagógica, como por exemplo as avaliações
padronizadas. A reflexão, o diálogo e acrítica parecem cada vez mais
ausentes das práticas educativas contemporâneas. São substituídos
pela preparação para as avaliações externas. (FRANCO, 2016).
Podemos perceber assim, que a prática pedagógica sofre
influência de múltiplos determinantes, de origens externas e
internas à escola. Souza (2016) identifica quais são os determinantes
internos e externos das práticas escolares:
Compreende por determinantes internos a lógica escolar como
rotinas, horários, regras disciplinares, relações hierárquicas
entre direção, coordenação pedagógica, professores, alunos,
funcionários e comunidades, dentre outras. Por determinantes
122
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

externos entende-se o conjunto de diretrizes curriculares, o


próprio currículo escolar, a legislação educacional, as resoluções,
portarias e normativas nacionais, estaduais e municipais, os
materiais didático-pedagógicos fornecidos pelo Ministério da
Educação, produzidos por diversas editoras, e aqueles materiais
que adentram na escola oriundos de cooperativas (...) E
processos avaliativos externos, criados nos municípios, estados
e pelo governo federal, a exemplo do Sistema de Avaliação da
Educação Básica. (SOUZA, 2016, p. 42).
As práticas pedagógicas dos professores em sala de aula
estão cercadas de determinantes, sejam eles: sociais, culturais e
econômicos. Esses determinantes sofrem influências, modificam
ou direcionam a prática. A mesma autora acrescenta que “na escola,
a prática pedagógica não é do professor. Ela é fruto de um processo
social de trabalho dentro da escola mediado pelas instâncias
governamentais responsáveis pela instituição escola”. (SOUZA,
2016, p. 47). Diante do fenômeno educativo a autora conclui:
Toda a prática social é educativa, conserva ou transforma
relações e está orientada a um fim, ao processo de aprendizagem.
“Para uma prática ser pedagógica ou educacional ela necessita
de intencionalidade, sujeitos, relações e conteúdos pensados,
planejados, definidos de modo consciente. A prática pedagógica
pode servir para conservar relações ou para transformá-las”
(SOUZA, 2016, p. 48).
O objetivo da ação pedagógica é a formação de indivíduos
conscientes de seu papel na transformação da realidade. É muito
mais do que a transmissão de conteúdo. “É uma tarefa política,
social e emancipatória” [...] Franco (2016, p. 540) argumenta que
“a formação humana é valorizada no sentido das condições de
superação da opressão, submissão e alienação, do ponto de vista
histórico, cultural ou político”.
Do ponto de vista histórico a Instituição Escola nasceu
mediante a necessidade de educar. “Ter um lugar e pessoas para
educar crianças é necessidade histórica”. (SOUZA, 2016, p. 58).
O processo de transformação da educação é difícil e lento, é algo
que está diretamente relacionado aos valores cultivados por uma
sociedade. A educação, se for mecanizada, promove um ensino
123
Olhares Plurais na Educação

pobre que não ensina a pensar, apenas a reproduzir. Este tipo de


educação não promove a construção da aprendizagem significativa
e sim a obtenção de bons resultados nas avalições em larga escala.
É urgente a necessidade de se repensar a teoria e a prática e as
suas relações econômicas, sociais, culturais e políticas (FRANCO,
2020). Esta educação pobre, que não liberta o aluno, mantém-
no inserido a um sistema de reprodução de conhecimentos, e não
de produção de saberes. Este é um dos aspectos conceituados por
Paulo Freire como a “educação bancária”.
Quando separamos teoria e prática fortalecemos cada
vez mais as classes sociais e as desigualdades (Souza, 2016). Por
outro lado, quando se articula teoria e prática transformamos o
ser homem e a sociedade. Freire (2020, p. 99) menciona que “na
medida que os homens, simultaneamente refletindo sobre si e sobre
o mundo, vão aumentando o campo de sua percepção, vão também
dirigindo a sua mirada” [...]. Para o autor ao mesmo tempo em que
se reflete sobre si, aumenta-se a percepção de mundo.
E para que esta transformação realmente aconteça, de
acordo com Franco (2016) “as práticas pedagógicas devem se
estruturar como instâncias críticas das práticas educativas, na
perspectiva de transformação coletiva dos sentidos e significados
das aprendizagens”. (FRANCO, 2016, p.543).
Ainda nesta mesma linha de considerações, Souza
(2016) considera a prática pedagógica através de três elementos
importantes, o contexto da prática pedagógica, no nosso caso, a
escola, a intencionalidade da prática pedagógica, no que diz respeito
a formação escolar, e os sujeitos da prática, mediadores de relações,
docentes, gestores, entre outros. No que diz respeito a coletividade,
todos na escola são educadores e possuem os mesmos objetivos
educativos de formação humana e finalidade de apropriação da
cultura. A escola perpassa o conceito do individual para o coletivo.
Nadal (2016, p. 24) acrescenta sobre o trabalho coletivo:
Sendo a prática pedagógica mediada e situada num espaço-
tempo-organização educativa, possui a característica de ser
coletiva. Ela não se dá isolada; é inter-humana e ocorre em
124
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

coletividade, pois além da dimensão social que lhe é inerente


(humanização como apropriação da cultura historicamente
constituída pela civilização), é trabalho – atuação do homem
no mundo para alcançar valores e objetivos a que se propõe e
este, pelas necessidades que lhe interpõem, se faz em divisão
com outros homens, mediada pela divisão social do trabalho.
No que se refere á Divisão do trabalho, cada profissional
do ambiente escolar possui objetivos específicos relacionados a
sua função: professor, pedagogo, diretor, secretário, merendeira,
agentes de limpeza, cujo maior objetivo é a educação. “A prática
pedagógica não é da liderança (o que dirige, organiza), ela é fruto
da ação do coletivo voltada para um fim, previamente pensada por
esse coletivo” (NADAL, 2016, p. 25).
Numa visão sistêmica, para compreender todo o processo
educacional, o trabalho de um profissional está relacionado ao
trabalho do outro. “A escola deveria construir uma unidade
social dessas relações. Intencionalidade coletivamente construída”
(NADAL, 2020).
Nadal, (2020) acrescenta que “faz parte da cultura escolar
evitar conflitos, se omitir, somos acostumados a pensar diferente e
não discutir a respeito, então acabamos não agindo na coletividade
e permanecemos em defesa da passividade”. Consideramos aqui a
palavra passividade no sentido de falta de diálogo entre o grupo.
Podemos dizer que o diálogo é um elemento fundamental
para que a prática pedagógica se efetive no ambiente escolar. Essa
tarefa é difícil e exige tempo e abertura do outro. De acordo com
Franco (2020) “o diálogo só se dá no encontro”. Em um processo
linear entre os sujeitos, “os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, 2020, p. 96). Franco em
diálogo com Freire afirma: “sabe-se que o diálogo só ocorre na
práxis” (FREIRE, 1979 citado por FRANCO, 2016). É na práxis
que compreendemos a importância do diálogo para a efetivação da
transformação.
Outro aspecto importante que podemos identificar através
do diálogo é perceber a necessidade. “A prática pedagógica acolhe o
125
Olhares Plurais na Educação

outro porque precisa do outro. Trabalho com o outro depende do


outro”. (FRANCO, 2020). A escola é um espaço de acolhimento
dos educandos e a inclusão de todos faz parte do trabalho. Sobre o
trabalho do professor a autora enfatiza:
O professor não pode desistir do aluno; há de resistir, ouvir,
refazer, fazer de outro jeito; acompanhar a lógica do aluno;
descobrir e compreender as relações que esse aluno estabelece
com o saber; mudar o enfoque didático, as abordagens de
interação, os caminhos do diálogo. (FRANCO, 2016, p. 544).
Para que isso realmente aconteça é preciso comprometimento
ou compromisso. É possível fazer algo a mais, diferente, mas exige
compromisso docente. E qual seria esse compromisso docente?
Para Souza (2016, p. 49) “a prática pedagógica como trabalho
humano está orientada a um fim – transmissão, apropriação e
problematização de conhecimentos”. O professor tem a missão
de formar o aluno. Franco (2020) destaca que “a docência se faz
pedagógica quando reconhece seu compromisso com a formação
do outro”.
Mas como formar o outro? Eu como professor devo
controlar o que ele aprende? Ou podemos fazer diferente e
construir juntos a aprendizagem? O mundo já controla o tempo
todo a aprendizagem dos alunos através do ENAD, ENEM, SAED,
IDEB. (FRANCO, 2020). Para verificar, assim, se ele realmente
aprendeu sobre determinado assunto. Essas avaliações externas “são
de fora para dentro e não de dentro para fora”. [...] “Verificam se
o aluno aprendeu a responder, mas isso não significa que aprendeu
necessariamente o conteúdo”. (FRANCO, 2020). Nota-se que para
o ensino ser efetivo ele precisa muito mais do que memorização
se faz necessário significação. Franco (2020) enfatiza que “não há
ensino sem significado”.
Faremos agora uma reflexão sobre o significado de ensinar
e aprender de acordo com os autores de referência. De acordo com
Franco (2020): “ensinar é perseguir, conscientemente, objetivos
intencionais; ensinar é também tomar decisões consequentes e
organizar meios e situações para atingir essas decisões”. Ensinar
126
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

requer persistência, planejamento, organização e tomada de


decisão. Para o ensino se efetivar a mediação e o diálogo com o
outro devem se fazer presentes. “Ensinar requer o consentimento
e adesão voluntária do outro (aluno); isto implica em mediações
pedagógicas, convites ao encontro, habilidades de convívio e
diálogo”. Franco (2020).
Franco (2020) considera que “não há ensino fora do
sujeito que interpreta, é preciso levar em consideração a história, a
informação e a reinterpretação das disciplinas, entendimentos e as
experiências”. [...] Pois para a autora “o conhecimento é construído”.
Pensando nesta construção coletiva e reflexiva Franco afirma que
“o ensino só se concretiza nas aprendizagens que produz”. Se não
houver transformação o ensino não se concretiza.
Para Nadal (2016, p.23) a aprendizagem demanda
intencionalidade, e sobre o assunto discorre:
[...] a aprendizagem do educando se processa, demanda
intencionalidade. Este conjunto de dimensões ou fatores
exigem tomada de posicionamento no ato educativo, momento
em que este passa a se configurar como pedagógico ao apoiar-
se nas ciências da educação para verter finalidades sociais em
finalidades pedagógicas, orientando valores, conhecimentos e
formas de trabalho.
A partir do momento em que a prática se torna reflexiva,
se apropria da teoria para explicá-la, a prática pedagógica se torna
práxis, “como resultado de questões que estão postas na sociedade,
procurando com isso superar a fragmentação entre teoria e prática”.
(VIANA, 2016, p. 82).
Para Franco (2016) “uma prática pedagógica, em seu
sentido de práxis, configura-se sempre como uma ação consciente
e participativa, que emerge da multidimensionalidade que cerca o
ato educativo”. (FRANCO, 2016, p.536).
Portanto, a prática pedagógica só se constitui como práxis
pedagógica se for orientada pela lógica dialética. É nessa perspectiva
que:
127
Olhares Plurais na Educação

[...] a práxis pedagógica diz respeito à intervenção consciente,


intencional e dialética do professor para realizar a mediação
do conhecimento (teórico) construído historicamente
pela humanidade e do conhecimento (prático) produzido
socioculturalmente na sala de aula, tornando como elemento a
prática social. (VIANA, 2016, p. 88).
Como podemos orientar a prática pedagógica para a
necessidade social? A prática pedagógica tem em si a finalidade de
buscar uma sociedade melhor. Uma educação direcionada para a
mudança da realidade. Na perspectiva de que o sujeito se aproprie
da realidade para assim, agir e transformá-la. Freire (2020, p. 52)
considera a práxis “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para
transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor-oprimidos”.
Em Pedagogia da autonomia (1996) Freire elenca os saberes
necessários para a prática educativa emancipatória:
A articulação entre teoria e prática, pela ética, pela estética, pelo
reconhecimento da identidade cultural, pelo reconhecimento
da identidade cultural, pelo diálogo, pela reflexão permanente
sobre a prática, pela rigorosidade metódica, pela pesquisa, pela
competência profissional e generosidade, dentre outros saberes
necessários para uma prática emancipatória. (FREIRE 1996
citado por VIANA, 2016, p.90 e 91).
Fazer com que a prática seja emancipatória é um grande
desafio. E ainda mais difícil é transformá-la sozinho, pois
percebemos que ela sofre inúmeras influências e determinante.
Entretanto, não podemos ficar parados esperando que o mundo
melhore. A prática pedagógica só irá realmente acontecer se houver
transformação, tanto do professor como do aluno. “A práxis é
compromisso impregnante, uma utopia”. (FRANCO, 2020).
Podemos planejar o que queremos e repensar sobre a nossa prática.
Será que ela está direcionada para a libertação ou somente para a
conservação? Ou será que apenas se preocupa em manter o mundo
como ele está, para a dominação?
Ao referir-se a tal assunto, Freire (2020) diz que a prática
pode ter a intencionalidade voltada para a libertação ou para
128
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

dominação/domesticação. A prática bancária ,por exemplo,


relaciona o educador como o sujeito que conduz os educandos à
memorização mecânica, transformando-os em recipientes, meros
depósitos de conteúdo. Critica-se essa concepção de prática em que
apenas transmite-se valores e conhecimentos, mas pouco se faz para
superá-la. Freire (2020) reforça que:
Quanto mais lhes imponha passividade, tanto mais
ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se
ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebidos.
Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador
dos educandos ou minimiza, estimulando sua ingenuidade e
não a sua criatividade, satisfaz aos interesses dos opressores:
para estes, o fundamental não é desnudamento do mundo, a
sua transformação. (FREIRE, 2020, p.83).
Como podemos perceber, quando a prática não é marcada
pela reflexão crítica, ela apenas reproduz o conteúdo, o ensino
se torna pobre e pouco investigativo. A roteirização da prática
acostuma os indivíduos a perderem a capacidade de pensar e criar,
passando a só reproduzir o conhecimento já adquirido. Segundo
Franco (2020) “roteiros prontos matam o ensino”.
A partir desse ponto indaga-se: por que é tão difícil mudar
a prática?
Uma das possíveis respostas é que o professor seja resistente
a transformação para se manter passivo. (NADAL, 2020). Em uma
auto avaliação, como nós nos consideramos enquanto professores:
passivos ou conscientes? Nossas práticas são significativas para
os educandos ou apenas nos preocupamos com a transmissão de
conteúdo?
Para romper o conservacionismo, as práticas pedagógicas
na ordem da práxis pretendem implicar uma direção de sentido,
uma legitimidade social, uma interferência cultural, um coletivo
significativo. Carregam intenções explicitas, conduz-se como
prática social e tem caráter histórico da vida social. (FRANCO,
2020).
129
Olhares Plurais na Educação

Franco afirma que “é possível fazer de outra maneira”:


sair do conservadorismo e incluir pesquisa e problematização na
prática docente. Questionar qual a intencionalidade da prática
e o que se deseja com ela? Pretende-se formar estudantes com
respostas memorizadas ou estudantes capazes de desenvolver a
argumentação? O ensino problematizador é comprometido com a
libertação. (FREIRE, 2020).
A escola tem a possibilidade de abrir o outro ao pensamento
crítico, de produzir interferência cultural, de questionar e não se
conformar com a realidade. Busca o caminho para a emancipação
do pensamento. Paulo Freire argumenta que o conhecimento vai
além do que a “Eva viu a uva”. É preciso compreender o contexto
de quem produziu a uva. (FRANCO, 2020). Trazer o contexto do
estudante para a realidade dele, importando significância, para que
assim a aprendizagem aconteça de fato. “Por isso as salas de aula
precisam quebrar muros e convidar a vida para entrar”. (FRANCO,
2020).
Mas para que isso aconteça de fato, não podemos esperar
mudança da escola se ela não for crítica e se não houver compromisso
com a formação do outro. (FRANCO, 2020). Neste contexto,
um outro aspecto importante destacado por Franco é a formação
de professores. E a grande questão a ser superada com relação a
formação de professores é segundo Franco (2016, p. 545):
se quisermos ter bons professores, teremos que formá-los como
sujeitos capazes de produzir conhecimentos, ações e saberes
sobre a prática. Não basta fazer uma aula; é preciso saber por
que tal aula se desenvolveu daquele jeito e naquelas condições:
ou seja, é preciso compreensão e leitura da práxis.
A autora ainda acrescenta que quando um professor é
formado de modo não reflexivo, não dialógico, ele desistirá e
replicará fazeres. (Franco, 2016). Reproduzirá o conteúdo da
mesma forma que lhe foi ensinado.
Temos consciência do grande desafio que nos foi confiado:
ensinar é perseguir objetivos com intencionalidade. Assim como
o professor não pode desistir do aluno, a educação não pode
130
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

desistir de formar cidadãos reflexivos, críticos e transformadores


da realidade. Construir coletivamente saberes com significado e
fazer a nossa parte dentro de nossas possibilidades educacionais.
Conscientes de que “a educação está assim, mas deveria ser assim”.
(FRANCO, 2020). Como eternos aprendizes da teoria e de novas
práticas, transformando-as e sendo transformados por elas.

4 Conclusão

Neste capítulo buscamos expor o conceito de prática


educativa, prática pedagógica e práxis, destacando algumas
aproximações entre elas, e citando os principais autores e suas
respectivas linhas de desenvolvimento. A prática educativa pode ser
considerada uma intervenção comum e inintencional, encontrada
em diversos ambientes e meios de comunicação. A partir do
momento em que a prática passa a ser reflexiva, intencional e
coletiva torna-se uma prática pedagógica.
E para se tornar realmente práxis é preciso ir além; é necessário
que a teoria adentre a consciência e que se torne efetivamente uma
prática dialética. (VIANA, 2016). Franco (2016) complementa que
ela exige uma consciência crítica da realidade social, uma reflexão.
Assim, a reflexão e a intencionalidade da prática devem fazer parte
do ensino escolar.
Não podemos permanecer na visão ultrapassada de educação
bancária - tão criticada por Freire -, em que “o educador é o sujeito,
que conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo
narrado”. (FREIRE, 2020, p. 80). Devemos dar a possibilidade de
construir juntos o conhecimento. Franco afirma que “saberes não
se transmitem, são construídos” (FRANCO, 2020).
Somos conscientes das fragilidades dos métodos de
educação, de que são considerados antigos e ultrapassados. Sabemos
que ainda há muito a ser feito para que a prática se torne reflexiva,
consciente, transformadora, coletiva e que contemple o diálogo.
131
Olhares Plurais na Educação

É preciso tentar melhorar a educação em nossa volta.


Não podemos desanimar, a educação nos traz esperança no
futuro melhor. Acreditar na criação de oportunidades para que os
educandos reflitam, dialoguem, criem e atuem. (FREIRE, 2020).
Dar a possibilidade de trazer o sentido para o ensino, pois notou-se
na pesquisa que se não há sentido, não há aprendizagem.
Através da educação problematizadora, promover a reflexão
e transformação da realidade. Parece uma utopia, mas somos
conscientes que a educação não vai bem, “sabemos que ela está
assim, mas deveria ser assim”. (FRANCO, 2020).
Procurar aproximar cada vez mais o real do ideal para que
a teoria se torne prática. Contemplar na nossa prática cotidiana a
intencionalidade voltada para a transformar a realidade próxima.
“Construir a reflexão com intenção” (NADAL, 2020).
A concepção libertadora e problematizadora de Paulo
Freire é fonte inspiradora para professores e escolas. Um olhar que
possibilita novas reflexões a respeito das práticas e de novos estudos
de práticas educativas, pedagógicas e de práxis.

Referências

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2001.
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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

MASSINHAN, B.; Leite, M. Alzira . Práticas Pedagógicas e o


Uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação:
Um Olhar para a Universidade de Minerva. In: Cleber
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1ed.Curitiba: Editora Bagai, 2020, v. 1, p. 148-162.
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Articuladores. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2016.
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pedagógicas. Curitiba, 12 nov. 2020. Palestra proferida na
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2008.
SOUZA, Maria Antônia de. Sobre o conceito de Prática
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Paulo: Expressão Popular, Brasil, 2011. p. 221-239. Traduzido por
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VIANA, Iêda. Práticas pedagógicas: matrizes teóricas e interfaces
conceituais. In: SILVA, Maria Cristina Borges da (org). Práticas
Pedagógicas e Elementos Articuladores. Curitiba: Universidade
Tuiuti do Paraná, 2016. p.66-95.
REFLEXÕES SOBRE A TECNOLOGIA,
SOCIEDADE E A SUSTENTABILIDADE

Claudinei de Almeida
Jorge Uberson Pereira

1 Introdução

B usca-se neste texto, relacionar temas relativos à


tecnologia, inovação, sociedade e seus reflexos na
sustentabilidade. Parte-se, dessa maneira, com a revisão da visada de
Freeman e Soete (2008) sobre a historicidade da evolução técnica,
desde a Grã-Bretanha na segunda metade do século XVIII, até o
período industrial na metade século XX.
Em seguida, revisa-se, de modo breve os estudos de Castells
(2003) também com a evolução técnica, mas com foco na virada
da era da informatização, o que ainda vivemos plenamente nos
tempos atuais.
Assim, também recorreremos aos estudos de Harmut
Rosa (2019) sobre a aceleração da aceleração e os reflexos dela na
sociedade e na sustentabilidade.
Este estudo também se ampara no texto de tópico da
sociedade dos riscos, de Beck (2011), em busca se compreender a
influência da tecnologia na sociedade e na sustentabilidade.
Finalmente, também se fundamenta no estudo do texto de
Krenak (2019), com a ideia de como adiar o fim do mundo e a
relação dessa obra com a tecnologia, sociedade e sustentabilidade.

2 Revisão de literatura

A seguir são apresentados os principais pontos atrelados


à temática de Tecnologia e Sociedade. A iniciar pela evolução
134
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

técnica (tecnologias, inovação), virando da agricultura para a


industrialização, passando então pela virada cibernética (com
advento do microchip, a rede de computadores, internet e
digitalização em geral), e diante disso, a discussão da ideia de que
tudo se torna informação. Na sequência, tem-se a reflexão sobre
a aceleração da aceleração, e logo depois, a tecnologia vista em
uma sociedade de riscos. Finalmente, os impactos da tecnologia
e inovação verificadas anteriormente sobre o meio ambiente e na
vida dos indivíduos, e uma tomada de reflexão em que vivemos
suportando a destruição do planeta, adiando o fim do mundo.

3 Historicidade da evolução técnica

Desde os primórdios das civilizações a tecnologia avança, e


igualmente afeta o meio ambiente, a sustentabilidade. A evolução
técnica e as tecnologias, no que se referem às invenções e inovações,
podem ser verificadas praticamente por todas as modificações no
ambiente natural desde o período quaternário, segundo a biologia,
ou da era do antropoceno (STOERMER, 2000), há mais de uma
dezena de milhares de anos. Com efeito, é marcante a transição da
idade média para a idade moderna ou contemporânea, período este
também conhecido como a era do capitalismo ou das revoluções
industriais (revoluções assim chamadas também CASTELLS,
2003).
Ainda que necessária para a sobrevivência, contudo, nem
sempre atentado para a conservação ou reposição da natureza,
seguiram-se as explorações dos meios naturais, prosseguiram as
mudanças históricas, e no tempo destacado antes, da industrialização,
agravou-se ainda mais até os dias atuais. Freemann e Soete (2008)
descrevem que o nascedouro das transformações da era industrial foi
a Grã-Bretanha, e merecem destaque do autor: Josiah Wedgwood,
Richard Arkwright e Samuel Crompton. O primeiro, quebrando a
lógica da transição da evolução da agricultura para a manufatura,
em sua atuação no ramo cerâmico; no entanto, os outros dois sim,
no ramo da fianderia algodoeira. Contudo, os três sendo os de
135
Olhares Plurais na Educação

maior destaque por Freeman e Soete (2008) nesse primórdio da


primeira revolução industrial, sendo relevantes para a construção
histórica, surpreendentes nos aprimoramentos e tecnologias.
Essa primeira revolução precedem outras, tais como as
mencionadas pelos autores (CASTELLS, 2003; FREEMAN;
SOETE, 2008), quando se segue com a evolução técnica, a
exploração e utilização do aço, que passa a dividir o mercado
mundial com os Estados Unidos da América, sendo este país
oportunista, em estabelecer sua infraestrutura logística com as
ferrovias construídas com o mesmo aço e ferro, além de também
levarem da Europa, fórmula da extração do petróleo e assim
promoverem grandes avanços e saltos tecnológicos com a indústria
do polietileno, combustíveis, atrelamento à produção em série
dos automóveis. Na mesma lógica da evolução das fábricas, com
as invenções relacionadas à energia elétrica, levou-se indústrias à
transição do vapor e mecânica para processos eletromecânicos até
um passado recente.
Os avanços tecnológicos industriais e da sociedade em geral
se seguem, com infraestruturas que abarcaram essas indústrias (tais
como as estradas que eram a razão da eficiente evolução da Grã-
Bretanha), e depois com a paralela evolução com as máquinas à
vapor nas navegações e nos transportes sobre trilhos; e a partir de
então com o petróleo, com a evolução dos transportes terrestres.
Não só os produtos inventados e as demais inovações desses
e dos processos, das empresas e dos segmentos industriais, sofrem
impactos dessa dinâmica evolutiva. A sociedade, sob diversos fatores
também recebem o reflexo do avanço tecnológico. Conforme se
observa nos estudos de Freeman e Soete (2008), e ainda, se soma
a ação de empreender, as relações trabalhistas, a economia, as
regulamentações, conforme observado por Schumpeter (1997).
Depois da difusão da produção siderúrgica tanto dos
americanos e bretãos, a sequência industrial foi prevalecida pelos
Estados Unidos da América, como já mencionado pela “eletrização”
e mudança do vapor para essa fonte energética na indústria.
136
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Iluminação que contribuiu para horas do trabalho, invenções de


mais máquinas e a oferta de produtos que passavam a ser usados
pelos consumidores. E não somente a distribuição da energia
propiciou mais avançar mais com as indústrias.
Além da eletricidade, telefone, outras descobertas e
inovações com alumínio, química, e mais tarde, com a eletrônica
que de lá para os computadores não foi muito tempo, o que
também contribuiu junto com a telefonia, para as instalações
administrativas ou mesmo escritórios centrais fabris, não somente
integrando empresas, como também o aumento de diferentes tipos
de empresas.

4 A virada cibernética e a transformação de tudo em informação

As evoluções e as transformações tecnológicas, mais do que


nas máquinas, têm efeitos observados na sociedade, compreendidos
desde a sistemática econômica, as formas dos empregos, as
regulamentações, as atuações empresariais, a cultura, entre outras
(CASTELLS, 2003). Desde as relações observadas historicamente
como a servil, do saber fazer transmitido pelo artífice, da família no
ambiente da realização do trabalho, até mesmo pelas conquistas de
alguns direitos, e o surgimento dos ramos de serviços para subsidiar
o trabalhador e sua família, com escola, educação profissional,
demais serviços de conveniência, etc.. Nem sempre apenas aspectos
de bem estar, e sim, assinalados por desigualdade social, ilegalidades,
conforme anunciado por Castells (2003).
A revolução industrial, por Castells (2003), é mais
evidenciada na quinta longa onda de Kondratiev (PEREZ, 1983),
a tecnologia da informação (a primeira foi a máquina fiandeira
de algodão a vapor de Samuel Croton; a segunda, com os uso
do aço nas ferrovias; a terceira com as indústria eletroquímicas;
e a quarta com as indústrias petroquímicas e de automóveis).
Castells (2003) analisa que as invenções precursoras possibilitaram
as microinvenções. Fato histórico mais evidente retratado pelo
autor é a miniaturização na eletrônica, que veio a ter um boom na
137
Olhares Plurais na Educação

descoberta do microchip, nos anos 1970. Esses desdobramentos de


invenções e inovações se referem a um estágio de conhecimento,
que segundo Castells (2003), é um aprendizado tido pelo usar e
o fazer, aprender fazendo e aprender usando. Ele complementa
que o contato com as inovações e uso de novas tecnologias
proporcionam novas gerações tecnológicas, novas revoluções.
A tecnologia é conceituada por Castells (2003) como o “uso do
conhecimento científico para especificar as vias de se fazerem as
coisas de uma maneira reproduzível”. Reforça o autor: não estando
o conhecimento ao centro, mas sim, como propulsor de novos
conhecimentos, retroagindo com o uso e a inovação, apropriando-
se e se reconfigurando, refazendo e aprendendo. Cabe ainda forçar
que o autor descreve como aprendizado rápido, como observa, com
a lei de Moore, escrita em 1965, com capacidade de se descobrirem
novos transistores e novos eletrônicos a cada 18 meses.
Castells (2003) também observa que a microengenharia
gerou macromudanças na tecnologia da informação, oriunda da
eletrônica, das telecomunicações e outras inovações na computação.
Algo determinante foi a redução dos custos da microeletrônica
nos chips e nos demais itens dos computadores, mais rápida que a
queda de preços vistas antes na indústria algodoeira no século XVIII
ou do petróleo no século XIX. O autor relata também a evolução
computacional nos aspectos físicos (tamanho), em que se reduziu
do tamanho das máquinas que ocupavam um ginásio esportivo até
chegar na proporção de uma caixa, no quesito do uso da energia que
chegou a “piscar as luzes” de uma cidade, até alcançar o consumo
menor, e no fator de uso, deixando a exclusividade dos laboratórios
para a aplicação residencial. Segue também descrevendo a evolução
do computador pessoal com as conexões em rede, advindas do uso
no âmbito militar, e com o apoio do avanço das telecomunicações,
banda larga, fibras e também mais tarde. Assim como a revolução
proporcionada pela “ARPANET”, nos anos 1960, que depois de
usados mais nas grandes universidades americanas, em 1980 foi
liberada para todos os públicos, popularizaram e chegam ao que
hoje se tem a internet em outros dispositivos. Castells (2003)
138
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

já antecipava, em descrever sobre o uso das transferências de


informações questionando se o uso chegaria a eletrônica molecular.
Castells (2003) amplia a discussão, abordando sobre o a
tecnologia no uso cotidiano, na vida das pessoas, desde os estudos
de DNA, da genética, até a medicina em geral, a agroindústria,
microrganismos, farmacêutica, laboratórios e a ciência em geral.
Aborda ainda os esses feitos em animais: macacos, camundongos
e ovelhas, e relembra a primeira clonagem de um animal, o caso
da ovelha Dolly e embora mencionasse não estar nos planos a
clonagem humana, em 2018 soubemos do anúncio midiático da
modificação genética e criação de bebês por um cientista chinês.
O autor ainda bem observa que apesar dos avanços das
invenções, a tecnologia também impactou no poder, teve reflexos na
cultura, na vida, nos hábitos das pessoas, nas comunicações, enfim,
no rompimento de paradigmas, com a modificação de hábitos, e não
considera a geração de um sistema, mas uma abertura de múltiplas
redes. Conforme ele destaca na abertura do seu livro, Castells
(2003) relata desde o questionamento da identidade do homem,
quando se diferenciam do seu agir virtual, seu comportamento na
rede social, diferença entre o ser e o ter, entre outros elementos
como fragmentação social, ceticismo, descrença, racionalidades,
teorizações, até a condição da presença massificada, até suas ações
éticas, do bem individual ou bem comum. Como exemplo, quando
o autor descreve que tecnologias propagam imagens e textos em
funções que muitas vezes podem ter função desvirtuada. Dessa
forma, o autor orienta para o uso da tecnologia levada a sério.
As reflexões de Castells (2003), segundo o próprio autor,
apontam a tecnologia em uma sociedade enredada como além
da complexidade, não definindo-a, mas abrangendo-a, não
direcionando-a, mas utilizando-a. O sociólogo distingue esta
era informacional, que chama de “informacionismo” como pós-
industrialismo, destacada por relações de produção, experiência
e poder; uma restruturação do capitalismo, que também chama
de capitalismo informacional. Em que neles se transformam
empresas, requerendo delas maleabilidade e ajustes, diante da
139
Olhares Plurais na Educação

situação dinâmica em que passam a se inserir e que em diferentes


partes do mundo sofrem diferentes repercussões, como americanos
enfrentando incompatibilidades e reduções de bem-estar social,
europeus se deparando com desempregos, japoneses adaptando-se
à produtividade, latinos e africanos se afundando na recessão.
As mais agudas apreciações de Castells (2013) abordam
o ser na sociedade informacional, os reflexos das tecnologias que
atuam para ligar o que está distanciando-o geograficamente,
contudo, distorce a identidade, reconfigurando o papel da pessoa
socialmente, e nem sempre cumpre a finalidade de comunicar.
Entretanto, permitiu nos últimos tempos, dar voz aos movimentos
feministas, de gênero, de direitos civis semelhantes, dos objetivos,
das identidades, das ideologias, e dos posicionamentos políticos,
entre tantos outros. Algumas vezes não apresentando a personalidade
(quando da massificação da rede social), e em outros momentos
evidenciando de modo direto e claro, permite entender a cultura,
e em outros momentos desfazendo outras, gerando autonomia,
e abalando outras vezes. Enfim, entre organizações, empresas e
pessoas: “não há tecnologia boa ou ruim ou neutra, mas que penetra
no amago e na mente, na esfera social e o destino da sociedade”
(KRANZBERG, 1985, p. 50, apud CASTELLS, 2003, p. 113).

5 Aceleração da aceleração: a aceleração técnica

Em linha com o que foi mencionado neste trabalho antes,


Rosa (2019), segue o ritmo da visão da era do antropoceno, na qual
o estar no mundo considera as próprias modificações, as culturais,
econômicas e socioestruturais, não cabendo determinismo
tecnológico. Rosa (2019) evidencia que a evolução técnica, além
do uso de tecnologias avançadas já existiu em épocas anteriores,
tais como no século XVII, com coches, corriers e barcos utilizando-
se de tecnologias avançadas para aquele tempo em que operaram,
fazendo uso de menos tempo para o transporte e atividades, das
médias que podemos conhecer.
140
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Dessa feita, Rosa (2019) afirma que se pode desvincular


o tempo e espaço, e assim alterar a percepção do distanciamento.
Não apenas pela redução do tempo de deslocamento promovida
pelo desenvolvimento dos meios de transporte, ou pela evolução
considerada de novas infraestruturas (verificadas como as inovações
nas estradas), mas uma experiência fenomenológica implicada
consciência nesse deslocamento (pois quando se desloca se
experimenta o som, o cheiro, o visual, os sentimentos). Soma-se
ainda as preocupações, a interação, entre outros elementos.
Ao se trazer essa evolução para tempos atuais, a experiência
da internet, segundo o autor, deixa de considerar a questão espacial
na relação do homem com a tecnologia, além de aspectos como
não vivenciar a diferença climática, cultural ou se ter que lidar
com a relação política. Do que, analisa o autor, espaço é algo que
perde o valor e sua implacabilidade, reduzindo-se ao aspecto de
localização (condição que não se muda com a esta modernidade).
Nesses tempos conectados, a os formatos de transmissão tomam o
lugar do que antes era o deslocamento físico, experiências passam
do virtual para o digital, a cibernética. E mencionando Castells
(2003), converge com a ideia dele com relação à condições de
vida, movimentos sociais, doenças, terrorismo e outros aspectos
advindos da mundialização e revolução da informática, sem
hierarquia, assincronicidade, estilos nesta pós-modernidade que
se faz presente, políticas e cotidianos, além das repercussões de
vida e biológicas (aperfeiçoar no mesmo momento em que se atua
profissionalmente, paternidade e maternidade tardias, vida solteira
depois de casado, entre outras).
Diante desse contexto, relações espaciais, materiais e sociais
agem em relação ao deslocamento, comunicação e produção, tendo
como aspecto central a variável tempo e impactando na forma em
que o indivíduo se dispõe no mundo. Tal relação é evidenciada na
figura baseada em Rosa (2019, p.203):
141
Olhares Plurais na Educação

Fonte: Rosa, Harmut. Aceleração. 2019. p. 203.

Rosa (2019) também faz menção ao filósofo Bauman a


respeito da fluidez, transitoriedade e mutabilidade nas relações das
pessoas, na comunicação entre si, além da mutabilidade espacial,
conforme já mencionado antes (espaços geográficos que passam a
ser de fácil assimilação entre os indivíduos).
No que se refere ao aspecto mais tangente do elemento
sustentabilidade está o que Rosa (2019) descreve como a aceleração
da produção, tomando o lugar da moradia, móveis, utensílios,
e em linha com a fluidez mencionada antes, a transitoriedade,
descartabilidade e substitutibilidade, ou como o autor menciona,
embasando-se em Marx: o desgasta não é mais físico e sim moral,
pelo consumo e a efemeridade deste período pós-moderno.
A aceleração observada por Harmut Rosa (2014) é observada
em diversos aspectos no consumo humano: no meio de transporte,
no uso comunicacional, na forma em que se produz, além de
142
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

considerar a ação de cada indivíduo: nos inter-relacionamentos,


na relação desse sujeito com o mundo, a sua demonstração de
identidade, o uso do espaço e a forma em que marca sua passagem
pelo mundo.
O autor segue apresentando também o aspecto social,
descrevendo a fragilidade na cognição (em não se aprender para a
vida toda), na “evaporação” das relações sociais, e o aspecto em que
se “afrouxa” as estruturas jurídicas, políticas, estatais, financeiras,
entre outras. Rosa (2019) observa a aceleração social diante da
modernidade, também como resultado das gerações familiares, e
observadas no ciclo familiar em sua composição, duração, fases,
relações e legados. Ainda, observado nas diferentes relações,
não apenas entre os entes familiares, mas também na relação
de emprego, na religião, política e sociais de maneira geral. No
aspecto da aprendizagem, também apresenta a educação como
sendo mais comum entre a mesma geração (pares) do que sendo
transmitida da geração anterior (pais, professores mais velhos,
etc.). Além disso, a fluidez do não esforço em querer e buscar se
atualizar constantemente, e ao invés disso, apenas para atender a
uma necessidade momentânea.
Enfim, Rosa (2014) também destaca a aceleração do ritmo
da vida, em que se invertem valores e prioridades. E a reflexão sobre
situações como as que seguem. A espera de dias para resposta de uma
carta, que também levou dias para chegar; e o contraponto, com a
correspondência em meio eletrônico, que passa a ter o mesmo peso
e que se leva segundo para enviar e se responder. O uso de “tempo
de sobra” para atividade não remunerada. O receio de “estar de
fora”, de “não se adaptar” ou “ser igual aos outros”. Há tempo para
se fazer o importante? Vivencia-se em um “fluxo” adequado?

6 Sociedade dos riscos?

Beck (2011) então coloca em questionamento a sociedade


e as tecnologias dela agora não com um enfrentamento das relações
dos fenômenos e situações externas, e sim, da sociedade contra si
143
Olhares Plurais na Educação

mesma. Então passa a convidar para reflexão de que se mude o


foco e assume a responsabilidade pela destruição do planeta, dos
aspectos sustentáveis como de cada um de nós. Reforça que não
se trata de faltar conhecimento, e sim, o uso do conhecimento
existente, e utilizá-lo na maneira correta para do meio ambiente,
as decisões da sociedade frente à ameaça havidas nos problemas
gerados à natureza. Os riscos da sociedade intitulado neste tópico
é no “autopolitizar”, que se interpreta como julgamento que a
sociedade faz, de como define, localiza e coloca como política neste
ambiente moderno.
O autor elenca quatro fundamentos para o que apresenta
como tal política da modernização. A primeira, em entender que
o era o cidadão, com seus direitos privados e partícipe de uma
democracia agora é requerido a ser crítico e também contrapor o
que é tradicional, face ao que se programa e não se muda. Segundo
elemento, que o cada indivíduo também precisa refletir sobre as
fronteiras, principalmente em se superar desigualdades de classe
e contribuir com o desenvolvimento das forças produtivas e
científicas. Essencialmente, cada pessoa deve estar atenta e cuidar
com a destruição contínua da natureza, mudança do trabalho,
fragilização do gênero frente ao governo, destradicionalizar as
classes. Terceiro ponto, retrocesso da intervenção estatal e adesão à
cultura da sociedade civil em não se fazer política. Quarto aspecto,
não adesão a um Estado Social, e assim apenas haver a inversão
de que, quem faz político se tornar apolítico, e cuidar da gestão,
enquanto que o apolítico deve fazer política.

7 Adiando o final do mundo

Krenak (2019), como se diz popularmente é um defensor


“raiz”, ou seja, com origem indígena, sente na própria pele o meio
ambiente, é defensor da natureza e militante dessa causa. É crítico
e evita o contato com a sociedade consumista, vivendo nas terras
de seu povo. Além disso, fez e faz parte da história brasileira tendo
144
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

atuado ativamente do debate da atual constituição federal e nas leis


a favor da preservação do meio ambiente e dos povos indígenas.
A luta de Krenak (2019) segue no sentido de ter resiliência
no enfrentamento da defesa da preservação do meio ambiente.
Ele cita a era do antropoceno da exploração desregrada, de viver
em uma “casa comum” e não se cuidar dela. O que se destaca é
a chamada de atenção do autor em entender que a humanidade,
a natureza não é algo fora de nós, mas indissociável de cada ser
humano.
Krenak (2019) também explica que odiar também serve
para que se pare por um instante e se reflita sobre colocar de lado
somente o que lhe convém, deixar de pensar apenas no que é
aprazível, e sim olhar para o redor e também entender que a vida e
outras situações (emprego, sonhos, relações) também representam
a natureza.
Então, passar a usar o antropoceno também como um olhar
para o que se fez e enxergar que outros desastres já existiram no
mundo (citando a epidemia do século XVI) , mas estamos vivendo
lentamente outro, caos, desgoverno, perda de qualidade na vida
diária e nas relações, e que depende de nós fazermos por si a reversão
desse quadro.

8 Considerações finais

Este trabalho pretendeu relacionar alguns temas estudados


na tecnologia, inovação e sociedade e assim refletir sobre esses e os
reflexos na sustentabilidade. Nesse sentido retomou-se de modo
resumido o histórico da evolução técnica, a partir da revolução
industrial, enfatizando a despreocupação desde antes e até nesse
período com a sustentabilidade. Seguiu-se, então, com o destaque
da evolução técnica, com ênfase na era da informação, e a
generalização da informação pela sociedade, dinâmica vivida até os
tempos atuais.
145
Olhares Plurais na Educação

Passou-se então a discutir a as consequências do avanço do


tempo e da aceleração da aceleração analisada historicamente e seus
impactos no cotidiano e na sociedade, chamando a atenção para
um olhar mais atento para o fluxo dessa aceleração nos tempos
atuais.
Outra reflexão a fazer é no tópico da sociedade dos riscos, no
sentido de que agora se passa a se travar uma luta não exatamente
com as ameaças e aspectos externos, mas da sociedade contra si
mesma, em analisar como ela pode ajustar sua postura frente ao
meio ambiente, o social e as políticas para tanto.
E essa luta segue com a resiliência em não desistir e adiar o
final do mundo, baseado no texto de Krenak (2019), e com a ideia
da era do antropoceno, refletir um pouco mais sobre os impactos
da tecnologia e inovação na sustentabilidade.
Claramente verifica-se que nem de perto se esgota o debate,
o que, pelo contrário, desafia-se a explorar o entendimento e
as contribuições para as práticas e as publicações no tema da
tecnologia, sociedade e seus impactos na sustentabilidade.

Referências

BECK, Ulrick. Dissolução das fronteiras da política: sobre


a relação entre o controle político e transformação técnico-
econômica na sociedade do risco. In: Sociedade de Risco: rumo
a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p.
275-342.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. Ed. Paz e Terra, 7
ed. 2003. Cap. 1, p. 39-118.
CRUTZEN, Paul J; STOERMER, Eugene F. O antropoceno.
PISEAGRAMA, Belo Horizonte, sem número, 06 nov. 2015.
<https://piseagrama.org/o-antropoceno>. Acesso em 25 dez 2020.
FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da Inovação
Industrial. Clássicos da inovação. Ed. Unicamp. 2008. Cap. 2 e
146
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

3, p. 61-148.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
ROSA, Hartmut. Aceleração: a transformação das estruturas
temporais na Modernidade. São Paulo: Ed. Unesp, 2019, p. 202-
208.
SCHUMPETER, J. A. Teoria do Desenvolvimento Econômico.
São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BRASILEIRA
E SUSTENTABILIDADE

Thiana Maria Becker1


Luciana Poniewas Katerberg2
Germano Bruno Afonso3

1 Introdução

S ão discutidas em amplitude mundial, maneiras


sustentáveis e metas de como preservar o meio ambiente,
erradicar a fome; a pobreza; propiciar uma educação de qualidade;
1 Mestre em Educação e Novas Tecnologias - Centro Universitário Internacional Uninter.
Especialista em Educação a Distância com Ênfase na Formação de Tutores - Faculdade
São Braz. Especialista em Gênero e Diversidade Escolar - Faculdade São Braz. Graduada
em Pedagogia - Centro Universitário Internacional Uninter. Com MBA em Gestão de
Negócios em Alimentos pela Unicsul (Universidade Cruzeiro do Sul- SP) . Especialista
em Vigilância Sanitária pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Nutricionista
formada pela UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí- SC), CRN 8-9497. Corretora
e professora orientadora a distância de trabalhos de conclusão de curso do Centro
Universitário Uninter. E-mail: thianabecker@yahoo.com.br
2 Mestranda em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional
Uninter e membro do grupo de pesquisa “Ciência, Tecnologias e Interculturalidade
na Educação” no Centro Universitário Uninter. Graduada em PEDAGOGIA pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa com ênfase em Supervisão Escolar. Especialista
em Educação Física Adaptada, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e
especialista em Educação Especial, pela Faculdade João Bagozzi, Curitiba. Formação
em Psicomotricidade, promovido pela Água e Vida Centro de Psicomotricidade, em
Curitiba. Atualmente docente na Secretaria de Educação do Estado do Paraná e na
Secretaria Municipal de Educação de Curitiba. Criadora e mantenedora do canal
PROSA E TEA no YouTube. E-mail: lukaterberg@yahoo.com.br.
3 Pós-Doutor em Astronomia pelo Observatoire de la Cote d’Azur, França. Doutor em
Astronomia de Posição e Mecânica Celeste pela Université Pierre et Marie Curie (Paris
VI). Mestre em Ciências Geodésicas e Graduado em Física pela Universidade Federal
do Paraná. Atualmente é professor/pesquisador do Programa de Pós-Graduação
Stricto-Sensu: Mestrado e Doutorado Profissional em Educação e Novas Tecnologias
-PPGENT, do Centro Universitário Internacional UNINTER, Curitiba, PR, Diretor
Presidente da Fundação Wilson Picler de Amparo a Educação, Ciência e Tecnologia
- FAMPECT, Líder do Grupo de Pesquisa Ciência, Tecnologia e Interculturalidade
na Educação na Linha de Pesquisa e Formação Docente e Novas Tecnologias na
Educação da UNINTER. E-mail: planetarioindigena@hotmail.com
148
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

juntamente com uma vida saudável a população em geral; assegurar


a paz e a justiça; a igualdade de gêneros; a qualidade da água e acesso
a saneamento básico; a utilização e produção de energias renováveis;
o direito ao trabalho digno gerando crescimento econômico;
com investimentos em inovações e infraestruturas; reduzindo as
desigualdades; dentro do âmbito urbano e nas comunidades de forma
em geral que buscam o auto-sustento; produzindo e consumindo
de forma inteligente; antecipando ações de combate as alterações
climáticas; preservando oceanos, mares e os recursos marinhos;
bem como os ecossistemas terrestres e a biodiversidade; formando
parcerias com as comunidades, com empresas de pequeno e grande
porte, com os governos locais e federais; tornando-se esses os 17
Objetivos Sustentáveis, estabelecidos em Conferência realizada pela
ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Desenvolvimento
Sustentável Rio+20, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro,
em junho de 2012, elencados para formar a Agenda 2030, que se
propõe como ano para o término de concretização das 169 metas
propostas, com a adesão de 150 países globais.
Destarte, entre todos esses ODS de significativa relevância,
destacam-se aqui os ODS 4 e ODS 16, que versam sobre a educação
de qualidade e a paz e justiça.
Entende-se que a educação é o instrumento basilar de
transformações sociais, sendo um direito de todos os cidadãos,
tido com um Direito Humano, bem como, a justiça e a paz, que
asseguram o direito de formação integral, digna, cidadã, com
construções de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas, em
todos os níveis, respectivamente, e para todos.
Dentro desse contexto, citam-se as estratégias 4.5 e 4.7 da
ODS 4 que afirmam:
4.5 Até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação
e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação
e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo
as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em
situação de vulnerabilidade;
149
Olhares Plurais na Educação

4.7 Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram


conhecimentos e habilidades necessárias para promover o
desenvolvimento sustentável [...] por meio da educação para
o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis,
direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma
cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização
da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o
desenvolvimento sustentável. (ONU, 2015).
Estando ao encontro, estabelecem-se as estratégias da ODS
16, em especial as 16.3, 16.7 e 16.b, que descrevem:
16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e
internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para
todos;
16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva,
participativa e representativa em todos os níveis;
16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não
discriminatórias para o desenvolvimento sustentável (ONU,
2015).
No entanto, pode-se afirmar que nenhum dos ODS foram
desenvolvidos especificamente pensando nos povos indígenas,
apenas são citados em algumas das metas. Devido a isso, estabelece-
se esse estudo, que através de revisões bibliográficas, tomando
como base artigos, documentos, livros e sites governamentais,
tenciona elencar a educação indígena brasileira, e suas perspectivas
de consolidação através das metas estabelecidas pela Agenda
2030 e incorporadas as gestões governamentais desde o ano de
2016, citando o Plano Nacional da Educação Escolar Indígena,
e a aplicabilidade das ODS 4 e ODS 16 no âmbito educacional
indígena.

2 Educação escolar indígena brasileira: um breve panorama

A história da cultura indígena brasileira vem sendo marcada


por uma série de estereótipos, que por vezes, criam barreiras que não
permitem visualizar os anseios e necessidades que permeiam a luta
pela igualdade de direitos. Quando se tem acesso às informações
150
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

e conhecimento sobre o povo indígena, sob suas perspectivas, se


evidencia na realidade, as dificuldades e desafios que são enfrentados
diariamente.
Cabe ressaltar que a educação indígena não se atém ao
espaço físico escolar. No parecer CNE nº 14, de 9 de setembro
de 1999 (BRASIL, 1999b), citado no livro Ensino de História e
Cultura Indígena (2016, p. 40), a educação indígena “designa o
processo pelo qual cada sociedade internaliza em seus membros
um modo próprio e particular de ser, garantindo sua sobrevivência
e sua reprodução” (BRASIL, 1999b, p.191). Seguindo esse viés, o
aprendizado não necessariamente constitui um sistema de ensino,
mas afirma que a educação trata de intermeios que garantem o
pleno desenvolvimento social, político e cultural dos indígenas
(AFONSO, 2016).
Seguindo uma linha histórica-temporal, no período de
colonização, a Educação Jesuítica, que tentava catequizar os
índios, aculturá-los a seu modo ocidental, fazendo-os muitas vezes,
abandonar seus costumes, crenças e culturas, ensinavam as crianças
indígenas sob a ótica do que chamavam de programa educacional.
Contudo, no ano de 1889, caracterizado com o início do Período
Republicano no território brasileiro, a política vigente tinha como
objetivo integralizar as comunidades indígenas ao restante da
população, exaltando um caráter um tanto quanto nacionalista nos
índios.
Para a referida política de integralização, a língua materna,
que é uma das formas de identidade do povo indígena, era posta
como um empecilho para a socialização, e servia apenas como
forma de transição para o ensino da língua portuguesa. Houve nesse
ínterim, levantes reivindicatórios com o intuito de que a cultura
linguística assim como costumes e crenças fossem preservadas.
A Constituição de 1988 foi um marco decisivo que
proporcionou reconhecimentos e garantias aos povos indígenas,
permitindo um significativo avanço na conquista por direitos. O
151
Olhares Plurais na Educação

uso da mobilização nos diferentes segmentos sociais tornou-se,


desde então, uma constante.
Nos espaços escolares são retratados e reproduzidos
estereótipos que indicam o uso de ações eficazes para atenuar
e minimizar dicotomias visando superação dessas divergências.
Ainda se tem no Brasil um embate que promove constantemente
movimentos e lutas sociais em prol da causa indígena. Os
movimentos que são realizados em defesa dos direitos, considerando
a diversidade, são calcados na inclusão dos sujeitos nos diferentes
contextos sociais ligados a saúde, a educação, a cultura, entre outros.
São direitos constitucionais dos povos indígenas: o
reconhecimento e a garantia de seus territórios, de suas formas
de organização social e de sua produção sociocultural, o
ensino ministrado nas línguas indígenas e o reconhecimento
dos processos próprios de aprendizagem. As concepções que
alimentam esses direitos superam ideias antigas de que os povos
indígenas formariam sociedades em vias de desaparecimento,
que suas identidades seriam provisórias e que deveriam ser
assimilados pela cultura dominante. Estas ideias ainda fazem
parte da compreensão que se tem sobre os povos indígenas, pois
tiveram vigência durante muito tempo e, em muitos casos, são
reproduzidas no espaço escolar. Delas se derivou a percepção de
que existiriam culturas superiores a outras, de que as sociedades
indígenas não são dinâmicas e concepções equivocadas acerca
das trocas culturais, isto é, a partir do momento em que essas
sociedades adotam elementos da cultura dominante, estariam
se desfigurando enquanto “índios”, abandonando um estado
original de cultura. É necessário, então, um esforço crítico de
identificação e desconstrução dessas concepções para criarmos
as bases de um novo entendimento sobre a questão indígena.
(BRASIL, 1998, p.18)
A lei por si só não traz a justiça e a condição necessária
para um novo ideal. Ela estabelece uma nova forma da sociedade
visualizar o cenário e agir com respeito à diversidade. Os direitos
adquiridos contribuem para uma sociedade mais igualitária e
equitativa dando as mesmas oportunidades a todos, respeitando
e fomentando a diversidade cultural do país. Contudo, um vasto
caminho precisa ser percorrido para que haja maior compromisso
152
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

com a educação escolar indígena e todas as demandas sejam


supridas.
[...] 1.029 escolas indígenas não funcionam em prédios
escolares; 1.027 escolas indígenas não estão regularizadas
por seus sistemas de ensino. Do total de escolas, 1.539 são
estaduais distribuídas em 26 unidades federativas. Outras
1.806 são escolas municipais e estão em 203 municípios. Ao
todo, 3.288 escolas estão localizadas em área rural e 57 escolas
em área urbana. Além disso, 1.970 escolas não possuem
água filtrada, 1.076 não possuem energia elétrica e 1.634
escolas não possuem esgoto sanitário. São 3.077 escolas sem
biblioteca, 3.083 sem banda larga e 1.546 que não utilizam
material didático específico. E, apesar de 2.417 escolas não
informar a língua indígena adotada, 3.345 unidades escolares
utilizam linguagem indígena (BRASIL, 2019).
Outro dado que deve ser superado é a disparidade que
surge nas diferentes regiões do Brasil. Observa-se que no norte do
Brasil, as condições de acesso à escola, a esgoto sanitário são mais
precárias comparadas a região sul e sudeste. Quanto ao acesso à
laboratórios de ciências, informática e tecnologia (acesso à internet)
a precariedade envolve todo o território nacional. Esses dados
validam a disparidade existente, e ressaltam o ensejo da busca por
melhorias e defesa dos direitos indígenas. E principalmente, serve
de ponto de partida para tomadas de decisões que acrescentem um
aumento quantitativo e qualitativo principalmente, nesse contexto,
na área educacional.
As escolas indígenas das regiões Sul e Sudeste possuem 100%
de acesso à energia elétrica, enquanto a região Norte possui
apenas 54% de acesso. Quanto a esgoto sanitário, as escolas
indígenas das regiões Sul e Sudeste possuem, respectivamente,
98% e 90% de acesso, enquanto a região Norte possui
apenas 39,61% de acesso. As estruturas físicas de suporte ao
aprendizado das ciências, informática e linguagens encontram-
se praticamente ausentes nas escolas indígenas. Somente 6,84%
das escolas indígenas possuem laboratórios de informática,
0,50% contam com laboratórios de ciências, 8,01% possuem
bibliotecas e 14,73% tem acesso à internet (BRASIL, 2019).
153
Olhares Plurais na Educação

A diversidade promove um canal de acesso ao aprendizado


de novas culturas, novas formas de interação e contato com o
mundo dentro e fora dos muros da escola.
Uma perceptiva otimista vista a diversidade como
possibilidade de crescimento e amadurecimento. Um elemento
capaz de criar novas redes e centros de interesse, possibilitando
a organização e reorganização de suas estruturas conforme as
mudanças que vão ocorrendo no cenário mundial e local. Tomando
como exemplo a própria comunidade indígena, considera-se que
ocorreram alterações no modo de vida desses, devido a influência
de outros povos que interviram no modo de agir e pensar. No
entanto, algumas características são marcantes, pois, representam
o modo de ação e de ser que são determinantes na construção da
identidade. A relação com a terra é tida como sagrada na cultura
indígena, associada ao cuidado com a natureza, logo, a riqueza e o
consumo não fazem parte da cosmovisão indígena.
A Auto-Sustentação é um tema muito importante para os
povos indígenas, sobretudo no momento em que estes povos,
assim como todo o país e até o planeta, enfrentam várias
dificuldades para sua sobrevivência, especialmente em relação
ao uso dos recursos naturais. Para as comunidades indígenas,
as principais questões que envolvem a autosustentação são a
TERRA e a valorização de sua cultura. As comunidades buscam
alternativas para o seu sustento e autonomia econômica, social
e política, como grupos diferentes da sociedade nacional. Nos
seus territórios, lutam para ter a sua própria economia. O
objetivo de continuar a manter o grupo em relação a alimento,
vestuário e outros produtos é uma preocupação cada vez maior.
Algumas alternativas surgem, como projetos comunitários, em
vários setores: nos processos de produção e ajuda mútua na
saúde, lazer, educação. (REFERENCIAL CURRICULAR
NACIONAL PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS, 1998, p.
91).
Reforça-se então, a perceptiva de que através da educação
pode haver mudanças que possibilitem uma transformação social,
clamando especial atenção, às populações mais vulneráveis, aquelas
que por toda sorte estão expostas a violência, discriminação,
154
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

exploração, que dependem de recursos naturais para sua sobrevivência


e que necessitam de um olhar com maior responsabilidade social.
Tendo em vista que a educação escolar indígena deve
atender as especificidades e particularidades da sua cultura, é de
suma importância que se construam políticas públicas eficazes e
congruentes para que seja atendida essa demanda com veemência.

3 O Plano Nacional da Educação Escolar Indígena

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


9394/1996, indica “o compromisso e a garantia da educação
para todos independentes das características e condições de cada
ser humano.” No entanto, garantias desses direitos são postas
constantemente em xeque na medida em que os povos indígenas
clamam por igualdade.
A educação escolar indígena é recente em seus aspectos
legais, tanto jurídico-administrativo como em caráter político-
pedagógico, e está descrita de forma geral no PNE (Plano Nacional
de Educação), aprovado em 2014 pelo Congresso Nacional. A
educação escolar indígena aparece na meta 7, para a diversidade,
que versa sobre a diversidade cultural e que não atinge com total
precisão as necessidades efetivas dessa população.
O PNE propõe como um dos itens mais importantes a
divisão de territórios etnoeducacionais, a partir das determinações
do Decreto nº 6.861/2009, que afirma em seu art. 3º, “a garantia
das normas próprias e Diretrizes Curriculares específicas para as
escolas indígenas” e a partir disso, tem autonomia para criação
de seu próprio calendário escolar, respeitando as festividades, as
atividades socioculturais, os rituais religiosos e a economia de cada
comunidade.
Dando visibilidade aos povos indígenas do Brasil, o Plano
Nacional de Educação Escolar Indígena (PNEEI) promove maior
acesso à educação de qualidade para todos, para que possam competir
com igualdade as oportunidades de um emprego ou a formação
155
Olhares Plurais na Educação

universitária. Se um estudante não tem acesso ao conhecimento


de forma eficiente, também não consegue melhorar o meio em
qual está inserido, assim, reforçando o status da desigualdade de
oportunidades.
A elaboração do primeiro PNEEI surge a partir das
deliberações da I e II Conferência Nacional de Educação Escolar
Indígena (CONEEI), realizadas respectivamente em Luziânia
(GO), em novembro de 2016, e em Brasília, em março de 2018,
com os temas: “Educação Escolar Indígena: Gestão Territorial e
Afirmação Cultural”, e “O sistema nacional de Educação Escolar
Indígena: regime de colaboração participação e autonomia dos
povos indígenas”, e deu-se pela iniciativa do MEC, em parceria
com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed),
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime),
Funai e Secretarias de Educação.
Essa mobilização em prol da garantia dos direitos
educacionais indígenas pode ser vista como um marco histórico,
pois pela primeira vez, representantes dos povos indígenas
participam ativamente da elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena no Conselho Nacional
de Educação.
O intuito principal das Conferências Nacionais, que antes
tiveram suas etapas nas comunidades e em nível regional, foi o
de elencar e avaliar os avanços e falta de progresso, bem como o
delineamento de estratégias para enfrentar os desafios da educação
escolar indígena; debates sobre propositivas de consolidação da
política nacional de educação escolar indígena, com reafirmação ao
direito a uma educação diferenciada, com uma educação específica
para esses povos.
Lamentavelmente constatou-se nas conferências que não
houve progressos após a realização das mesmas, as discussões,
implantações de meta para educação, aberturas de novos cursos para
indígenas, modificações em relação aos territórios etnoeducacionais
ficaram na instância de projeto, nada concretizado devido a falta de
156
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

investimento por parte do governo, e pela falta de interesse humano


em fazer algo acontecer em prol da sociedade indígena.
Diversos programas que ao longo dos anos foram criados
com finalidade de auxiliar na consolidação da educação indígena
brasileira de qualidade foram paralisados por falta de verbas, cursos
de Licenciaturas Interculturais não tiveram mais aberturas. Porém,
mesmo diante de todos os contratempos, reafirmou-se a necessidade
de garantir uma educação específica e diferenciada, com autonomia
de gestão pelas comunidades indígenas, e a concreta efetivação dos
territórios etnicoeducacionais, além de um fundo monetário para
financiar a educação indígena escolar.
Diante desse cenário, na II CONEEI foram estabelecidas
25 regras, divididas em 5 eixos que nortearam a conferência, sendo
eles: organização e gestão da educação escolar indígena, práticas
pedagógicas diferenciadas, formação e valorização dos professores,
políticas de atendimento e educação superior
Após as regras estabelecidas, audiências continuaram
acontecendo ao longo do ano (2019) com o intuito de possibilitar a
participação dos sistemas de ensino na definição do Plano e garantir
a participação dos povos e organizações indígenas na elaboração do
documento.
Todas as sugestões foram anexadas no documento, que
posteriormente passou o texto final pela Comissão Nacional
de Educação Indígena (CNEI), para aprovação, e após isso,
seria realizada a publicação oficial do PNEEI. Esse documento
entraria em vigor a partir de 2020. Contudo, mais uma vez, não
se concretizou. Devido a pandemia ocorrida em cenário mundial
no referido ano de 2020, o documento ainda não conseguiu ser
publicado tampouco entrou em vigor.
Com a efetivação do plano, será possível alinhar questões
inerentes aos povos indígenas e assim oportunizar maior clareza
e eficácia no âmbito educacional, promovendo uma unidade de
metas e ações, por isso justifica-se a importância da implantação
desse plano.
157
Olhares Plurais na Educação

Diminuir as desigualdades e harmonizar as necessidades


permitirá a superação de barreiras que são acometidas por
negligências, descaso e desrespeito.
Reforçando essa questão, DIAS (2007) apud in BRUNO;
NOZU; LONGO (2014, p.40) aponta que:
O reconhecimento em âmbito internacional da educação
enquanto direito humano representou um passo histórico na
luta contra as desigualdades, na medida em que tal direito se
constitui fundamental, pois representa uma garantia essencial
para a consolidação de outros direitos dos cidadãos. Nessa
perspectiva, a educação enquanto um direito humano não
consiste apenas em um indicativo de direito fundamental que
deve ser respeitado, mas sobremaneira, como uma defesa da
igualdade entre os seres humanos, respeitando-se as diferenças
[...] O Direito à educação é parte de um conjunto de direitos
chamados de direitos humanos, que têm como inspiração o
valor da igualdade entre pessoas: igualdade de oportunidade
e tratamento, independentemente da cor, raça, sexo, religião,
cultura, ideologia política entre outros fatores. Trata-se de
um direito fundamental, porque inclui um processo de
desenvolvimento individual próprio à condição humana.
Segundo os autores supracitados, na educação é essencial
a valorização da pessoa, independentemente de seus costumes
e características, devido a isso, algumas questões precisaram ser
consideradas para a elaboração do Plano Nacional da Educação
Escolar Indígena, entre elas destaca-se a diversidade entre os povos
indígenas, pois cada um tem suas especificidades, sua língua, seus
costumes e sua identidade. Outra questão é que a escola deve
respeitar a cultura indígena e não seguir apenas os moldes da escola
dos povos ocidentais. Com isso surge a necessidade de profissionais
que compreendam as línguas indígenas e conheçam a cultura dos
povos.
Nesse contexto é imprescindível adequar a formação de
professores, seja exercitando o bilinguismo em suas aulas, a fim
de manter presente a identidade do povo através de sua língua
mãe que se configura em patrimônio cultural para a humanidade;
incorporando elementos culturais próprios; fortalecendo os
158
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

sistemas de ensino indígena, evitando assim a evasão escolar e


oportunizando o ingresso as universidades.
Também é necessário salientar a conscientização do papel do
Estado, aumentando investimentos públicos em infraestrutura, na
formação docente, no acesso dos discentes à escola, na realização de
pesquisas/estudos com avaliação dos resultados efetivos dos gastos
públicos e seu impacto na comunidade indígena, detectando qual
setor necessita de reestruturação ou adequações dos investimentos
dispendidos. O acesso a recursos financeiros para alimentação,
materiais escolares, equipamentos, tecnologias também se faz
necessário.
Os saberes indígenas precisam ser atualizados e difundidos
com equidade. Todos os estudantes devem ter as mesmas condições
de acesso à educação promovida em todo o território nacional
atendendo cada especificidade.

4 Aplicabilidade das ODS 4 e ODS 16 para Educação Indígena

A sociedade brasileira vem enfrentando uma luta para


a superação das desigualdades. A luta por justiça permeia toda
sociedade brasileira. As comunidades indígenas no Brasil também
são acometidas por atos de violência, e como frutos da mesma
nação, essa problemática deve ser encarada com seriedade e com
ações efetivas, por todos. Os governos são responsáveis por garantir
a segurança do povo, porém, a sociedade é parte integrante e que
deve propiciar ações que combatam a criminalidade, a violência,
as desigualdades e as exclusões. Uma educação de qualidade é o
caminho seguro para a promoção da justiça e da paz e da garantia
do respeito aos direitos humanos.
As crianças da comunidade indígena, em idade escolar,
também devem ter o direito ao acesso a uma educação plena,
gratuita, e em suas localidades, preferencialmente respeitando
seus idiomas, crenças, culturas e metodologias de ensino e
aprendizagem. É relevante que os povos indígenas recebam e
159
Olhares Plurais na Educação

também transmitam seus conhecimentos, que possam difundir sua


cultura, seu idioma e suas crenças, e ao mesmo tempo, usufruam
das benéfices tecnológicas e as facilidades permitidas pelo avanço
social ocidental.
As instituições de ensino de todo país devem incorporar
em seus currículos elementos da cultura indígena a fim de
propagar conhecimentos sobre os povos indígenas, as experiências,
suas epistemologias, histórias, técnicas e meios de transmissão,
caracterizando sua sociedade, preservando e desmistificando
estereótipos errôneos sobre esses povos que muito têm a oferecer.
A Lei número 11.645 de 10 de março de 2008, implanta
a obrigatoriedade do estudo da história e culturas indígenas nas
instituições públicas e privadas, de ensino fundamental e médio,
no entanto, não basta apenas fazer menção a passagem do Dia
do Índio, com caracterização e conhecimentos superficiais. A
verdadeira aplicação da Lei 11.645/2008 só será efetivada com
sucesso quando houver à disposição dos alunos materiais didáticos
com qualidade, com conteúdos históricos contados não somente
a partir da visão dos colonizadores europeus, que desde sempre,
estigmatizaram a imagem do índio; professores com conhecimentos
concretos, e seres humanos em formação ou já formados, com uma
acepção correta sobre a importância da sociedade indígena, sobre
a necessidade de inclusão desses povos, sobre o direito que lhes é
conferido de participar de uma sociedade diferente da sua, sem no
entanto, perder sua cultura ou deixar de lado seu modo de pensar e
agir. A pluralidade cultural deve ser respeitada em todos os âmbitos.
Uma educação para os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável visa ampliar o papel do cidadão, sendo esse, autor e
protagonista de ações baseadas em conhecimentos, pautados em
estratégias com finalidades específicas e claras. Segundo os ODS
espera-se que haja maior conscientização dos direitos e deveres
dos cidadãos e da responsabilidade com o meio ambiente e ações
sustentáveis. Partindo de uma educação com maior responsabilidade
social será possível promover ações de combate à exclusão, e as
160
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

desigualdades que assolam a sociedade como um todo e que é ainda


mais deficitária para os povos indígenas.
A educação para o desenvolvimento sustentável preza por
uma visão mais crítica pautada em ações. O ODS que indica a
promoção da justiça e paz vem ao encontro do ODS que incita
educação de qualidade para que ocorra uma mudança de postura
quanto ao respeito ao próximo, sendo fundamental que todos
tenham acesso à educação independente de gênero, raça ou
condição socioeconômica. A tolerância e o respeito são ações
que devem ser entendidas, internalizadas e aplicadas em todos os
momentos, para que a educação de qualidade e a inclusão sejam
efetivadas positivamente, assim como para concretude da paz e da
boa convivência.
Quanto a educação de qualidade no item estratégico 4.5, é
direcionado para que os povos indígenas sejam inclusos no sistema
de ensino sem desigualdades, gerando um indicativo de que existem
barreiras que impedem o acesso dos mesmos à educação. E ainda,
indica que até 2030 essas disparidades sejam superadas. Logo,
espera-se que o Plano Nacional de Educação Escolar Indígena
venha atender essa lacuna e amenizar as disparidades.
Já fazendo relação com o ODS 16, que reforça a defesa dos
direitos humanos, estabelece-se o direito que por vezes é massacrado
pela ignorância, pela crueldade, pelo descaso ou indiferença. Se a
educação de qualidade é um direito que permeia todos os demais,
esses objetivos se complementam, porque quando o respeito ao
próximo é validado, a justiça e a paz se fazem presente e garantem
o surgimento e aplicabilidade da equidade.
No item 16.3, destaca-se que o acesso à justiça é de
abrangência geral. Sendo assim, a educação indígena deve ser
beneficiada com ações e com direitos já conquistados e com outros
ainda a serem adquiridos.
A educação para o desenvolvimento sustentável depende
da abertura para novos conhecimentos, não apenas baseados em
fatos e comprovações, mas também, nos conhecimentos que os
161
Olhares Plurais na Educação

diferentes povos transmitem para a humanidade através de suas


crenças, idiomas, costumes e cultura, bem como, na interação entre
os pares.
Em meio a busca por soluções para os problemas atuais
da humanidade, o resgate das tradições e costumes da sociedade
indígena podem trazer contribuições grandiosas para o futuro
do planeta, tanto no que se refere ao meio ambiente, quanto nas
relações humanas. Conhecendo a cultura indígena pode-se ampliar
a visão sobre problemáticas e soluções, colocando a tecnologia a
favor do homem, mas apoiada em conhecimentos vindos dos
povos que mantém uma relação mais próxima com a terra, com o
ecossistema.
Através de suas estratégias, cada ODS permite o pensar e
agir sobre situação específica e de forma coletiva, pois o mundo todo
está empenhado em colocar essas estratégias como algo funcional,
buscando melhorias societárias.

5 Considerações finais

Ressaltaram-se nessas linhas a relevância dos direitos dos


povos indígenas quanto a educação de qualidade e a promoção
da justiça e da paz com foco nos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável, em especial o 4 e o 16.
No texto dos ODS, indica-se o direito a educação de
qualidade e a justiça e paz, como sendo um benefício de e para todos,
porém esse estudo relata a busca de igualdade dos povos indígenas,
vista que existem discrepâncias ao acesso à esses direitos. Destacou-
se a importância do acesso para todos sobre a cultura indígena para
que ocorra uma mudança no contexto social, garantindo através da
troca de conhecimentos, a equidade.
O Plano Nacional de Educação Escolar Indígena foi
indicado como uma estratégia que favorecerá ações que garantirão
a educação de qualidade e que ao mesmo tempo respeitará a
cultura indígena. No entanto, é necessária uma atenção especial
162
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

em relação a implantação definitiva desse plano, já que por motivos


de pandemia não concretizou-se os prazos estabelecidos e ainda não
há outra data prevista para tal.
É prudente ressaltar que indica-se a diversidade como
ponto fundamental para o crescimento sustentável.
Da mesma forma, se faz primaz retomar investimento em
infraestruturas, gerando escolas de qualidades e acima de tudo,
capacitar docentes a fim de, além de conhecerem a cultura dos
povos indígenas, respeitá-las e adotá-las em seus planejamentos de
aula, preservando a língua nativa, a cultura, a ancestralidade que
culmina no modo de pensar e agir.
Em conseguinte, é loquaz continuar com os debates e
aperfeiçoamentos em relação a implantação do Plano Nacional de
Educação Escolar Indígena, para que juntamente com os ODS que
garantem educação de qualidade e justiça social para todos, seja
efetivado no intuito de possibilitar a todos os brasileiros, índios ou
não, equivalências para que possam obter da sociedade os mesmos
direitos e benéfices garantidos por lei.
Não permitir a continuidade de comunidades
marginalizadas, dando visibilidade a todas as formas de cultura,
com indicadores estatísticos específicos para controle da seguridade
social, é algo muito importante para o pleno desenvolvimento de
um país.

Referências

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Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

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Nacional de Educação e dá outras providências. MEC. Brasília,
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ONU- ORGANIZAÇÃO NAÇÃOES UNIDAS. 17 Objetivos para
Transformar nosso Mundo. Disponível em: https://nacoesunidas.org/
pos2015/. Acesso em 24/06/2019.
AVALIAÇÃO DA EFICIÊNCIA DA PECUÁRIA
SUSTENTÁVEL NA DIMINUIÇÃO DE
IMPACTOS AMBIENTAIS – APLICANDO
CONHECIMENTOS DE SALA DE AULA NO DIA
A DIA DA PECUÁRIA

Maysa Fernanda Back1


Rullian Ferreira Pinheiro2
Jolena de Santi Soares3

1 Introdução

A tingir o Desenvolvimento Sustentável é o principal


objetivo de qualquer país, a trajetória para obtê-lo
muitas vezes acarreta em danos irreversíveis ao meio ambiente,
como o desmatamento (ARRAES, MARIANO e SIMONASSI,
2012, p.123). Principal causador da perda de cobertura vegetal, o
desmatamento está ligado diretamente com o aquecimento global,
tendo como consequência a alteração do clima.
O presente se trata do resultado de um estudo para
complementação da formação do Curso de Engenharia Ambiental.
Sabendo da essencialidade do leite na dieta humana, um dos mais
importantes produtos primários, e a sua geração elevada do número
de produtores na atividade da pecuária, tendo-a como sua principal
fonte de renda.
Busca desenvolver os problemas relacionados com o
desmatamento e as ações para atenuar suas causas e consequências,

1 Acadêmico do curso Engenharia Ambiental


2 Professor Engenheiro Químico - UNIFACEAR
3 Professora Engenheira Química - UNIFACEAR
166
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

estes que serão no futuro próximo a grande luta dos brasileiros e de


toda a humanidade.
Os constantes avanços na pecuária de leite no Brasil,
acarretam em impactos ambientais, tais como o principal problema
ambiental enfrentado no país na atualidade, o desmatamento.
Além disso, a pecuária afeta também a reposição de água doce
através da compactação do solo, diminuindo a infiltração para os
lençóis freáticos e a degradação das margens dos rios. O setor da
agropecuária contribui com cerca de 22% das emissões de gases
efeito estufa no Brasil. Contudo, segundo Almeida et al. (2011, p.
391), se forem somadas às emissões provenientes do setor mudanças
no uso da terra e florestas, esse percentual sobe para cerca de 80%
no Brasil, e o país passa a ser o quinto maior emissor de GEE no
mundo.
Sendo assim, o presente trabalho busca responder a seguinte
questão: É possível que a pecuária sustentável possa ser utilizada
como mecanismo de diminuição dos impactos ambientais na
fazenda área de estudo?
De maneira a desenvolver como principal objetivo do
presente a avaliação da eficiência da pecuária sustentável na
diminuição de impacto ambiental apresentado em fazenda leiteira
no município de Pitanga, Centro-Oeste do Paraná. E por sequência
como objetivos específicos o presente trabalho busca identificar os
impactos ambientais gerados a partir da pecuária leiteira na área
de estudo, além de, avaliar a possibilidade do uso da pecuária
sustentável como ferramenta de minimização dos impactos
ambientais presentes na área de estudo.
A hipótese do presente trabalho consiste na utilização
da pecuária sustentável atráves do confinamento, para a solução
dos impactos ambientais presentes na área de estudo. Tendo o
Engenheiro Ambiental um importante papel na solução deste
problema, de maneira a identificar os impactos ambientais
presentes na natureza, buscando a origem causadora desses, e
propondo maneiras de minimizar e neutralizar tais impactos. Além
167
Olhares Plurais na Educação

disso, é de interesse do Engenheiro Ambiental analisar o estado de


conservação da flora e fauna nativas, a fim de preservar e conservar
o meio ambiente, pois o produtor que preserva o meio ambiente
pode melhorar e valorizar sua fazenda, sendo referência para os
demais (DE SÁ, 2012, p.62). Sendo assim o presente estudo busca
analisar o método do confinamento na pecuária, a fim de equilibrar
o ecossistema e a qualidade de vida das vacas leiteiras, levando a
produção leiteira a uma melhor qualidade.

2 Materiais e métodos

A metodologia utilizada se configura como dedutiva,


impregando no trabalho uma natureza quantitativa. Essa que
“implica na utilização de medidas previamente estabelecidas, cujos
resultados sejam quantificáveis, garantindo o estabelecimento de
conclusões seguras e confiáveis” (GIL, 1999; CERVO; BERVIAN,
2002, citados por SILVA, 2014, p.20).
Para a coleta de dados foram utilizadas técnicas que
empregam como fonte a pesquisa bibliográfica, essa que “abrange
toda bibliografica já tornada pública em relação ao tema de estudo”
(LAKATOS e MARCONI, 1991, p.183). Além da documentação
direta, constituída pela pesquisa de campo, e o estudo de caso.
Também serão coletados dados em fontes primárias e
secundárias, utilizando como instrumento um questionário de
entrevista com o proprietário/gestor da propriedade e uma ficha
de elementos a serem observados na área de estudo, presentes no
Anexo A e Anexo B. Para interpretação das entrevistas e do registro
fotográfico será utilizado da técnica de Análise de Conteúdo.
Como instrumento de avaliação do proposto nos objetivos
do presente trabalho, a análise será comparativa, com base em
periódicos e literatura já existente. O principal instrumento de
avaliação terá a importância de avaliar os critérios do processo de
produção do leite, atráves dos impactos ambientais gerados na
atividade, para isso, utilizará-se a observação:
168
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir


informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados
aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas
também em examinar fatos ou fenômenos que se desejam
estudar (LAKATOS e MARCONI, 1991, p.190).
A partir do estudo de campo priorizou-se o reconhecimento
dos processos de produção do leite, e o registro fotográfico das
atividades realizadas. Para determinar as análises dos resultados
utilizará-se como referência principal o método de Avaliação de
Impactos Ambientais presente na literatura, Ad Hoc e Check List.
Através da interpretação do questionário, para identificação dos
aspectos da área de estudo, bem como o fluxograma de atividades
de exploração.
Adaptada de um exemplo de Raul e Wooden apud Braga et
al. (2004, citados por DE SÁ, 2012, p.67), foi utilizada uma tabela
qualificando os impactos sobre diferentes componentes ambientais.
Para cada componente, são analisados dez aspectos de impactos
ambientais, sendo eles: En (efeito nulo), EP (efeito problemático),
EN (efeito negativo), B (efeito benéfico), EA (efeito adverso), P
(problemático), CP (curto prazo), LP (longo prazo), R (reversível),
I (irreversível). Para o efeito de curto prazo, podemos considerar
cinco anos de retorno e para longo prazo, mais de 30 anos.
Como critério de avaliação vale ressaltar que uma pastagem
saudável significa que ela desenvolve funções desde a produtividade
primária, diversidade de espécies de plantas, a manutenção da
estabilidade do solo, até a retenção de água, e a ciclagem de nutrientes
(ADAMS et al., 2009, citado por SANTOS et al., 2014, p.08).
Estudos realizados em campo, mostram que o parâmetro indicado
de qualidade no estado de conservação de pastagens, refere-se ao
percentual de cobertura de espécies forrageiras (SANTOS et al.,
2014, p.08).
169
Olhares Plurais na Educação

2.1 Caracterização da área de estudo

A área de estudo do presente trabalho trata-se de uma fazenda


leiteira familiar, Sítio São Francisco, localizada no município de
Pitanga, distrito de Vila Nova dos Alemães, na região centro-
oeste do estado do Paraná. Situada nas coordenadas geográficas
24°31’41.6”S e 51°47’19.1”W.
A pecuária de leite no Sítio São Francisco tem como
missão produzir leite de maneira econômica, com qualidade e
em quantidade máxima de acordo com o potencial dos animais,
respeitando os interesses humanos, e preservando os recursos
naturais disponíveis. A sua visão é ser reconhecida como uma
propriedade com eficiência, tecnologia que proporcione o maior
índice de produção por animal. Para isto, busca-se a redução dos
impactos ambientais nos processos de produção do leite.
Figura 1 Mapa de Localização da área de estudo

Fonte: Google Maps (2020)


170
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

A propriedade dispõe de quatro adultos e duas crianças na


atividade, sendo essa a única fonte de renda da família. A atividade
na Fazenda objeto de estudo é constituída por quatro etapas
principais, realizadas duas vezes ao dia. Sendo elas:
• Ordenha: coleta de leite;
• Serviços externos: limpeza do ambiente, amostragem do
leite para controle de qualidade;
• Criação: gestação dos animais atráves de inseminação
artificial, cuidados com os bezerros até que atingam a idade de
produção leiteira;
• Alimentação: produção da silagem e manutenção das
rações dos animais.
Conforme presente na Tabela 2 a seguir, a área de estudo
possui capacidade total para atender sessenta animais. Atualmente
totalizando uma quantidade de cinquenta e quatro animais da raça
Holandesa, com uma estimativa de vida em cinco anos e meio.
Consta-se na fase de produção quarenta vacas, sendo
divididas em três lotes, separados por fiação metálica conectada a
rede de energia elétrica. O primeiro lote, é considerado o principal
produtor da fazenda estudo, possui vinte e seis animais atingindo
uma capacidade de produção diária de até cinquenta e cinco
litros por animal. Recebendo uma alimentação duas vezes ao dia,
composta por silagem, mix composto por milho moído e pastagem,
feno moído e ração.
O lote secundário possui quatorze vacas, essas com uma
produção média de quarenta litros diários por animal, esses em
final de período de gestação possuem uma alimentação similar ao
primeiro lote, porém com menor quantidade de ração duas vezes
ao dia. O último lote, nomeado de terceiro lote, possui quatorze
vacas essas nomeadas como fase seca, constituem os animais em
período inicial da gestação, período de cem a cento e vinte dias
após a inseminação. O terceiro lote possui uma alimentação duas
vezes ao dia formada de silagem e feno moído. A hidratação das
171
Olhares Plurais na Educação

vacas ocorre livremente por meio de quatro tanques de água, três


de 400L, e um de 600L.
Tabela 2 Setorização dos animais na propriedade

CAPACIDADE MÉDIA DIÁRIA


QUANTIDADE DE
LOTE DE GERAÇÃO DE LEITE POR
VACAS
ANIMAIS (L/dia)

1 26 55 L/dia

2 14 40 L/dia

3 14 0 L/dia

Fonte: Autora (2020)

Figura 1 Interior do Confinamento dos animais com identificação dos setores

Fonte: Autora (2020)


172
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

2.2 Coleta de dados

A primeira coleta de dados ocorreu atráves de registro


fotográfico presente no Anexo C do presente trabalho. A partir
desses dados gerou-se a Tabela 2 anterior com a quantidade de
animais presentes na propriedade de estudo, assim como a média
diária de geração de leite por animal.
Com o intuito de analisar os dados encontrados, será
realizado uma Avaliação de Impactos Ambientais atráves do método
de Check List e Ad Hoc, e a partir disso se realizará uma análise
comparativa com estudos já existentes e legislações pertinentes.
Dessa forma, propondo o uso da sustentabilidade e da pecuária
sustentável, de maneira a minimizar os impactos ambientais
encontrados na propriedade.
A referida metodologia de Check List “é adequada às
situações com escassez de dados e quando a avaliação deve ser
disponibilizada em um curto espaço de tempo” (CREMONEZ
et al., 2014, p.3823). A metodologia do Ad Hoc é a “estimativa
dos impactos ambientais, e a apresentação dos resultados de
forma rápida, organizada e facilmente interpretada, mesmo com a
possível escassez dos dados” (FEDRA et. al., 1991, citados por DE
MORAES, DE ABREU DAQUINO, 2016, p.3).
Além disso, através do método de observação ocorreu
a coleta de dados para o preenchimento da tabela de resultados
da avaliação ambiental da propriedade, de maneira a avaliar os
impactos presentes nas etapas da produção do leite. Presente no
Anexo C, observam-se os principais elementos da atividade, como
o tipo da construção, a ventilação do ambiente, o armazenamento
dos alimentos dos animais, o armazenamento do leite, a ordenha,
e a cama dos animais.
173
Olhares Plurais na Educação

3 Resultados e discussões

Os dados coletados foram analisados e organizados no


Quadro 1, de maneira a analisar o meio físico, meio biológico e
meio antrópico.
Segundo Costa e Rocha (2011, p.33), o meio físico “é o
suporte que os seres humanos utilizam para sobreviver, fazendo suas
construções e produzindo o que necessitam”, além disso, levando
em conta os aspectos físicos e a eles sobrepondo os humanos e
econômicos. O meio antrópico, também chamado de meio sócio
econômico pode ser definido através do Art. 6º da Resolução
CONAMA nº. 001/86, como:
O uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia,
destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos
e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a
sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização
futura desses recursos (CONAMA, 1986).
Segundo o Art. 6º da Resolução CONAMA nº. 001/86
(CONAMA, 1986), o meio biológico pode ser definido como
a fauna e flora do local, “destacando as espécies indicadoras da
qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e
ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente”.
174
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Quadro 1 Resultados da avaliação ambiental da propriedade produtora de leite na região


de Pitanga
IMPACTO AMBIENTAL
ÁREA AMBIENTAL
En EP EN B EA P CP LP R I
MEIO FÍSICO
CURSO D'ÁGUA/NASCENTE X X X X
QUALIDADE DO AR X X X X
RUÍDO DURANTE PROCESSO DE ORDENHA X X X
RUÍDO DURANTE PROCESSO DE LIMPEZA DO X X X
AMBIENTE
RUÍDO DURANTE PROCESSO DE DESCANSO
X X X
DOS ANIMAIS
EROSÃO DO SOLO X X X X
UTILIZAÇÃO DA ÁGUA DE LAVAGEM X X X
ÁGUA SUBTERRÂNEA/NASCENTE X X X X
IMPACTO AMBIENTAL
ÁREA AMBIENTAL
En EP EN B EA P CP LP R I
MEIO BIOLÓGICO
ESPÉCIES ARBÓREAS NATIVAS X X
X X
MATA CILIAR X X
X X
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE X X
X X
FAUNA NATIVA EXISTENTE X X X X X
IMPACTO AMBIENTAL
ÁREA AMBIENTAL
En EP EN B EA P CP LP R I
MEIO ANTRÓPICO
LOCALIZADADE DA FAZENDA X X
ÁREAS DE PASTAGENS X X X X X
COMPROMETIMENTO ESTÉTICO/PAISAGEM X X X
SAÚDE PÚBLICA/ZOONOSES X X
SAÚDE PÚBLICA/DOENÇAS/ÁGUA X X
SANIDADE DO REBANO X X X
EXCREMENTOS ANIMAIS X X X
MATERIAIS DESCARTÁVEIS X X
SUBSTÂNCIA HIGIENIZADORA PRÉ ORDENHA X X X
AÇÃO ANTRÓPICA DA ATIVIDADE NO MEIO X X
AÇÃO ANTRÓPICA (HUMANA) NA ATIVIDADE X X X
GERAÇÃO DE RENDA E DE EMPREGOS X X X
DISTRIBUIÇÃO DO LEITE X X X X
ARMAZENAMENTO DO LEITE X X X X
PERMANÊNCIA DOS ANIMAIS NA ORDENHA X X
DESTINO DO RESÍDUOS X X

*En (efeito nulo), EP (efeito problemático), EN (efeito negativo), B (efeito benéfico), EA


(efeito adverso), P (problemático), CP (curto prazo), LP (longo prazo), R (reversível), I
(irreversível).
175
Olhares Plurais na Educação

Devido aos efeitos de impactos seguirem uma mesma


prerrogativa, pode se dizer que o efeito negativo (EN), problemático
(P) de longo (LP) ou curto prazo (CP), irreversível (I) dependerão da
fazenda estudo. Enquanto houver um programa de gerenciamento
dos recursos disponíveis, e um interesse maior em preservar as áreas
de preservação permanente, e se o proprietário for informado o
suficiente sobre a disposição destes em sua propriedade os efeitos
dos impactos poderão ser reduzidos.

3.1 Meio biológico

Neste grupo houve uma tendência a efeito nulo (EN),


efeito negativo (En), longo prazo (LP), e reversível (R). Uma vez
que, a fazenda estudo recebeu no ano de 2004 uma inspeção do
órgão ambiental Instituto Ambiental do Paraná com a finalidade
de adequar a sua área de preservação permanente com as novas
normas estipuladas pelo órgão. Após este evento a área de
preservação passou a conter uma cerca delimitando sua área
com raio de 50 metros apartir da nascente, e o impedimento dos
animais adentrarem na localidade. Dessa forma da área total de
26,64 hectares da fazenda, foram destinados para Área de Reserva
Legal 5,3280 hectares e 1,6598 hectares para Área de Preservação
Permanente correspondente a vinte por cento da área total como
utilização limitada.
Devido a este isolamento da área de preservação a mapa ciliar
entorno da nascente presente dentro desta área está recuperando seu
estado natural de preservação. Observou-se uma pequena alteração
na composição da vegetação da área ciliar, uma vez que foram
restaurados 0,4606 hectares de Área de Preservação Permanente
com o plantio de essências nativas, e restaurados 1,0270 hectares
de Área de Reserva Legal. Observou-se também o retorno da fauna
nativa existente, foram encontrados durante a visita em campo
espécies como pica-pau, porco espinho, diversas espécies de cobras,
além de cutias, quatis e vários passáros.
176
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

Sabendo que o parâmetro indicador de qualidade no


estado de conservação de pastagens e áreas florestais, refere-se ao
percentual de cobertura de espécies forrageiras, recomenda-se um
programa de monitoramento florestal na área de maneira a manter
a floresta existente saudável (SANTOS et al., 2014, p.08).

3.2 Meio físico

Observou-se uma pequena alteração na composição deste


grupo, porém indica-se uma maior cuidado com a água da nascente,
água subterrânea e o curso d’água a longo prazo (LP), pois estes
apresentaram efeito negativo (EN), e problemático (P), uma vez
que apresentam uma pequena erosão de solo como consequência.
Outro ponto a ser abordado diz respeito ao item ruído,
pôde-se observar uma tendência à efeito nulo (En) à curto prazo
(CP) e reversível (R). Pode-se dizer que este aspecto depende da
intensidade do ruído e o tempo de exposição no local, para se
caracterizar como poluição sonora. Diminuindo a intensidade do
barulho, com o uso de EPI’s de proteção auricular, pode-se dizer
que é reversível a situação, não se tornando um ponto crítico de
controle.
Por outro lado um grande impacto a ser atentado é a
utilização de água para lavagem dá área. Sabendo que a água é um
recurso não renovável o seu uso indiscriminado a longo prazo (LP)
se tornará uma caracteristíca irreversível (I), portanto recomenda-se
ao proprietários e aos funcionários uma boa utilização deste recurso,
pois uma vez que a água subterrânea for extinta não haverá como
se extrair água do aquífero. Dessa maneira pode ressultar numa
perda irreversível (I) da situação, sendo inevitável vários anos para
recuperação das águas subterrânes e de nascentes.

3.3 Meio antrópico

Este tópico apresentou uma tendência a divergência de


resultados. Com relação à saúde pública, substância higienizadora
177
Olhares Plurais na Educação

pré ordenha, materiais descartáveis, sanidade do rebanho, com


exceção de excrementos animais, apresentam-se como efeito
negativo (EN), longo prazo (LP), problemático (P) e efeito adverso
(EA).
Concluí-se que a sanidade do rebanho, a qualidade do leite,
a distribuição do leite, e a permanência dos animais na ordenha são
fatores muito importantes para o controle e prevenção de zoonoses,
e doenças públicas. Na propriedade materiais descartáveis, materiais
usados na inseminação do rebanho, seringas, embalagens plásticas
e demais resíduos gerados são separados conforme orientações do
órgão IAP e Vigilância Sanitária da Prefeitura de Pitanga. Por outro
lado um efeito positivo da atividade é a geração de renda e empregos,
desde o processo de geração do leite, até o armazenamento e
distribuição deste.
O bom gerenciamento de pessoas, é peça fundamental
na dinâmica econômica da propriedade, levando assim a uma
melhora na qualidade do produto ofertado. Portanto, a interação
humana no meio ambiente deve ocorrer de maneira controlada,
gerenciando a interação do homem, atividade, e meio ambiente.

4 Conclusão

Os impactos ambientais da atividade de pecuária de leite


nesta escala, equivalem a uma cidade de pequeno porte, fazendo
com que estes sejam uma ameaça a qualidade das águas. Em
algumas regiões de Pitanga, Paraná, já são notáveis as mudanças
dos proprietários com o comprometimento ambiental, o que pôde
ser observado na propriedade estudada. Se mantidas as condições
de produção adotadas atualmente, são grandes as possibilidades de
conservação e preservação ambiental no local, além disso indica-
se aos proprietários que continuem seguindo com as orientações
legais ambientais da atividade.
Um aspecto notado na propriedade foi que com o uso
do confinamento dos animais os proprietários passaram a usar a
178
Andressa Gobbi | Marco Antônio Ribeiro Merlin

área de antiga pastagem para plantação de milho, este usado na


alimentação do rebanho. Portanto, o uso do confinamento não
aliado com o reflorestamento das antigas áreas de pastagem não
se faz eficaz na redução do impacto ambiental do desmatamento.
Porém, a propriedade está correta no modo de conservação de suas
áreas de preservação, sendo indicado como sugestão um programa
de monitoramento para que as áreas continuem preservadas a longo
prazo.
Observou-se na propridade o interesse pelos cuidados com
o meio ambiente, ou seja, os proprietários incluem o fator meio
ambiente na qualidade do produto. Está posição é correta, uma
vez que a tendência mundial segue um padrão de ações globais
de preservação e conservação, além do emprego de técnicas de
avaliação de impactos ambientais.
Devido a atual pandemia do Coravirus, SARS-CoV-2, a
pesquisa em campo teve de ser interrompida. Com isso, entregou-
se aos produtores e ao pesquisador interessado o início de uma
complexa avaliação de possíveis ações na área da fazenda, tendo
contribuido para uma futura análise mais aprofundada na Área de
Preservação Permanente, e Área de Reserva Legal, a fim de avaliar
o estado de conservação.

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181
Olhares Plurais na Educação

OLHARES PLURAIS NA
EDUCAÇÃO
Olhares plurais na educação engloba a diversidade de
aspectos que podemos abranger ao trabalhar a temática da
educação sob a ótica de diferentes profissionais que se
dispuseram a dividir suas pesquisas e conhecimentos. Sendo
assim, este livro é produto dos olhares de um conjunto de
autores, em uma compilação de 11 artigos que abrangem
assuntos alusivos à educação. Os capítulos tematizam as
diversidades educacionais e convidam os leitores para a
reflexão, apresentando seus capítulos de forma aberta,
objetivando contribuir com questões do nosso contexto atual.

Andressa Gobbi
Marco Antônio Ribeiro Merlin
(Organizadores)

E D I TO R A

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