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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

PEMBROKE COLLINS
CONSELHO EDITORIAL

PRESIDÊNCIA Felipe Dutra Asensi

CONSELHEIROS Adolfo Mamoru Nishiyama (UNIP, São Paulo)


Adriano Moura da Fonseca Pinto (UNESA, Rio de Janeiro)
Adriano Rosa (USU, Rio de Janeiro)
Alessandra T. Bentes Vivas (DPRJ, Rio de Janeiro)
Arthur Bezerra de Souza Junior (UNINOVE, São Paulo)
Aura Helena Peñas Felizzola (Universidad de Santo Tomás, Colômbia)
Carlos Mourão (PGM, São Paulo)
Claudio Joel B. Lossio (Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal)
Coriolano de Almeida Camargo (UPM, São Paulo)
Daniel Giotti de Paula (INTEJUR, Juiz de Fora)
Danielle Medeiro da Silva de Araújo (UFSB, Porto Seguro)
Denise Mercedes N. N. Lopes Salles (UNILASSALE, Niterói)
Diogo de Castro Ferreira (IDT, Juiz de Fora)
Douglas Castro (Foundation for Law and International Affairs, Estados Unidos)
Elaine Teixeira Rabello (UERJ, Rio de Janeiro)
Glaucia Ribeiro (UEA, Manaus)
Isabelle Dias Carneiro Santos (UFMS, Campo Grande)
Jonathan Regis (UNIVALI, Itajaí)
Julian Mora Aliseda (Universidad de Extremadura. Espanha)
Leila Aparecida Chevchuk de Oliveira (TRT 2ª Região, São Paulo)
Luciano Nascimento (UEPB, João Pessoa)
Luiz Renato Telles Otaviano (UFMS, Três Lagoas)
Marcelo Pereira de Almeida (UFF, Niterói)
Marcia Cavalcanti (USU, Rio de Janeiro)
Marcio de Oliveira Caldas (FBT, Porto Alegre)
Matheus Marapodi dos Passos (Universidade de Coimbra, Portugal)
Omar Toledo Toríbio (Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Peru)
Ricardo Medeiros Pimenta (IBICT, Rio de Janeiro)
Rogério Borba (UVA, Rio de Janeiro)
Rosangela Tremel (UNISUL, Florianópolis)
Roseni Pinheiro (UERJ, Rio de Janeiro)
Sergio de Souza Salles (UCP, Petrópolis)
Telson Pires (Faculdade Lusófona, Brasil)
Thiago Rodrigues Pereira (Novo Liceu, Portugal)
Vania Siciliano Aieta (UERJ, Rio de Janeiro)
ORGANIZADORES
ARTHUR BEZERRA ORGANIZADORES:
DE SOUZA JUNIOR, DANIEL GIOTTI DE
PAULA, EDUARDO
CELSO KLAUSNER,
GABATZ, ROGERIO
MARIA APARECIDA BORBA DA SILVA
DE BARROS,
PATRICIA DA ROCHA MARQUES NUNES BALISTIERI

DIREITOS HUMANOS
TEMAS ESPECIAIS
JURIDICIDADE DE
E EFETIVIDADE
EDUCAÇÃO

G RU PO M U LT I F O CO
Rio de Janeiro, 2019

PEMBROKE COLLINS
Rio de Janeiro, 2021
Copyright © 2021 | Celso Gabatz, Maria Aparecida de Barros, Patricia da Rocha Marques Nunes Balistieri
(orgs.)

DIREÇÃO EDITORIALFelipe Asensi


EDIÇÃO E EDITORAÇÃO Felipe Asensi
REVISÃO Coordenação Editorial Pembroke Collins

PROJETO GRÁFICO E CAPA Diniz Gomes

DIAGRAMAÇÃO Diniz Gomes

DIREITOS RESERVADOS A

PEMBROKE COLLINS
Rua Pedro Primeiro, 07/606
20060-050 / Rio de Janeiro, RJ
info@pembrokecollins.com
www.pembrokecollins.com

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FINANCIAMENTO

Este livro foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, pelo
Conselho Internacional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus), pelo Conselho Internacional de Altos
Estudos em Educação (CAEduca) e pela Pembroke Collins.

Todas as obras são submetidas ao processo de peer view em formato double blind pela Editora e, no caso
de Coletânea, também pelos Organizadores.

T278

Temas especiais de educação / Celso Gabatz, Maria Aparecida de


Barros e Patricia da Rocha Marques Nunes Balistieri (organizadores).
– Rio de Janeiro: Pembroke Collins, 2021.

526 p.

ISBN 978-65-89891-27-7

1. Educação. 2. Pesquisas teóricas. 3. Pesquisa empírica.


I. Gabatz, Celso (org.). II. Barros, Maria Aparecida de (org.). III.
Balistieri, Patricia da Rocha Marques Nunes (org.).

CDD 370

Bibliotecária: Aneli Beloni CRB7 075/19.


SUMÁRIO

ARTIGOS - TEMAS CONTEMPORÂNEOS 15

A IMPLEMENTAÇÃO DO SERVIÇO DE TERAPIA OCUPACIONAL EM


EDUCAÇÃO: PAVIMENTANDO CAMINHOS  17
Victor Matheus Marinho Dutra
Samantha Hanna Seabra Castilho Simões

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL COMO ESTRATÉGIA PARA O SUCESSO DE


ESTUDANTES DE ALTA PERFORMANCE  28
Renato dos Santos Lisboa

AS DIMENSÕES DO (IN)SUCESSO ESCOLAR 48


Jacira Medeiros de Camelo
Matias Rebouças Cunha
Rosiomar Santos Pessoa
Sônia Régia Pinheiro de Moura

INTOLERÂNCIA À DIVERSIDADE CULTURAL NA ADOLESCÊNCIA: A


BANDEIRA DO LGBT MARCADA PELO CYBERBULLYING  61
Josicleia de Oliveira Soares

ATENÇÃO E SIGNIFICÂNCIA NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM


NO CONTEXTO DE TDAH: CONTRIBUIÇÕES NEUROCIENTÍFICAS  80
Herson Conceição
Rosana Assis dos Santos

OS PLANOS DO NEOLIBERALISMO: IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC


NA EDUCAÇÃO E O RETROCESSO POR TRÁS DAS REFORMAS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA 103
Jessica Machado de Sena e Silva
HOMESCHOOLING NO BRASIL:PERSPECTIVAS HISTÓRICAS,
IDEOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS  116
Cássia Caroline Ezarqui Loçavaro

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO: ABORDAGENS E OBJETIVOS A PARTIR DE


UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 134
Alice Vasconcelos Silva
Ian Lima Santana
Gabriel Fonseca Guimarães

A OPRESSÃO DA HOMOSSEXUALIDADE MASCULINA: UMA REVISÃO


HISTÓRICA 146
Ana Flávia Bezerra Toledo Camargo
Bruno Peixoto Carvalho

GLOBALIZACIÓN, REVOLUCIÓN TECNOLÓGICA Y EL CAMINO HACIA LA


EDUCACIÓN 163
Alexandre Buccini

TELEMEDICINA E PROTEÇÃO DE DADOS SENSÍVEIS: DESAFIOS E


EXPECTATIVAS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO BRASIL 180
Luiz Claudio Gonçalves Junior

SEXUALIDADE INFANTIL: INTERFACE ENTRE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO 197


Juliane Fontana Ribeiro
Giseli Monteiro Gagliotto

EDUCAÇÃO DE ENSINO E TEMPO INTEGRAL: UMA ESCOLA DE


POSSIBILIDADES 213
Junio Pereira Virto de Oliveira

PUBLICAÇÕES, EM REVISTAS BRASILEIRAS, SOBRE A PRÁTICA DE


ATIVIDADE FÍSICA ENTRE ADOLESCENTES: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA 228
José Augusto Dalmonte Malacarne

BIBLIOTECA ESCOLAR VIRTUAL: UM ESTÍMULO À LEITURA NO PERÍODO


DE DISTANCIAMENTO SOCIAL E ENSINO REMOTO 247
Aline Castro Mesquita
AS VOZES DO SUPEREU NA RELAÇÃO DIRETOR E PROFESSOR:
REFLEXÕES SOBRE O ADOECIMENTO MENTAL DE UMA PROFESSORA DE
ESCOLA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL 261
Lidiane Oliveira Eduardo Mota

O INTERESSE DO ESTUDANTE NA AQUISIÇÃO DE CONTEÚDOS 277


Pedro Lúcio Silva Vivas
Ana Cristian Alves de Magalhães

AS RAÍZES HISTÓRICAS DA OPRESSÃO SEXUAL E SUAS EXPRESSÕES NA


SOCIEDADE BRASILEIRA 303
Ana Flávia Bezerra Toledo Camargo

DIREITO DOS IDOSOS À EDUCAÇÃO: ANÁLISE DO PROGRAMA DE


EXTENSÃO “UNIVERSIDADE DA MATURIDADE” DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TOCANTINS (UMA/UFT) 320
Neila Barbosa Osório
Vinicius Pinheiro Marques
Alana Carlech Correia

OS DISCURSOS DO CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO


BRASIL SOBRE O ENSINO À DISTÂNCIA ANTES E DEPOIS DO INÍCIO DA
PANDEMIA DE CORONAVÍRUS 335
Frederico Braida

A HISTÓRIA COMO PEDAGOGIA E A EDUCAÇÃO DO CAPITAL NA


PANDEMIA DE COVID-19: UMA CRÍTICA AO MODELO CAPITALISTA DE
EDUCAÇÃO 351
Alexandre Campos Duarte

COGNIÇÃO EM-AÇÃO (ENAÇÃO) – INTERAÇÕES, MEIO-AMBIENTE E


EDUCAÇÃO NUMA ETNOGRAFIA DO APRENDIZADO CONJUNTO 367
Regina Celia Pereira de Moraes

A CRISE PANDÊMICA, O PATRIARCADO E A INSTRUMENTALIZAÇÃO


DOS CORPOS DAS MULHERES NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO NA
CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA 375
Celso Gabatz
PAULO FREIRE EM TEMPOS DE FAKE NEWS: UMA ABORDAGEM
NECESSÁRIA 392
Tiago Zanquêta de Souza

O TOPOCÍDIO E O ESVAZIAMENTO DAS MEMÓRIAS AFETIVAS:


AGRAVAMENTOS E REPERCUSSÕES EM FACE DA PANDEMIA DA
COVID-19 398
José Roberto Limas da Silva

ARTIGOS - TEORIAS E PESQUISAS EMPÍRICAS 411

CONCEPÇÃO DE ESCOLA: TRAJETÓRIAS TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO 413


Jacira Medeiros de Camelo
Matias Rebouças Cunha
Rosiomar Santos Pessoa
Sônia Régia Pinheiro de Moura

MAL-ESTAR NA DOCÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: DO IMPOSSÍVEL AO


INSUPORTÁVEL 427
Diogo Bonioli Alves Pereira
Camilla Motta Mathias

THE SOIL-CEMENT BLOCK INCORPORATED WITH WASTE MEETING


THE REQUIREMENTS NEEDED LEED V4 CERTIFICATION UNDER THE
CATEGORY OF MATERIALS AND RESOURCES 441
Lázara Eliza Borges de Castro
Fabiolla Xavier Rocha Ferreira Lima

O OLHAR SISTÊMICO EM SALA DE AULA 453


Ângela Beatrís Lazzari

REFLEXÕES: REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA E TEORIA DOS


CAMPOS CONCEITUAIS NO ENSINO DA MATEMÁTICA 465
Dionara Freire de Almeida
Pedro Carlos Pereira

AS RELAÇÕES HISTÓRICAS, FILOSÓFICAS E SIMBÓLICAS ENTRE OS


OBJETOS DE CONSTRUÇÃO DOS POVOS ANTIGOS COM A MAÇONARIA  479
Walfrido Monteiro Júnior
RESUMOS 491

ANALISANDO AS JUVENTUDES DE PORTO ALEGRE-RS E SUAS


PERCEPÇÕES SOBRE A PANDEMIA DA COVID-19 493
Victor Hugo Nedel Oliveira
Andreia Mendes dos Santos

O CARÁTER EDUCATIVO E INTERDISCIPLINAR DA AVALIAÇÃO E DA


REABILITAÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA 498
Ivone Laurentino dos Santos

DA (IN)EFETIVAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO DURANTE A PANDEMIA


DE COVID-19 PELA UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO BRASIL 504
Rafaela Matiola Schmidt

SETEMBRO AMARELO EM TEMPOS DE PANDEMIA: UMA INTERVENÇÃO


DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA COM ALUNOS DO CAMPO 509
Nívea Eulália Guimarães dos Santos

DA PRÁTICA ANTISSINDICAL POR ATOS LEGISLATIVOS DE CHEFES DO


PODER EXECUTIVO: HARD CASE ESTADO DO PARANÁ 515
Andréa Arruda Vaz
Sandra Mara De Oliveira Dias
Tais Martins
Valquíria Gil Tisque

ÉTICA, MORAL Y JUSTICIA CRIMINAL DESDE LA “OPERAÇÃO LAVA


JATO”: LAS CONDUCTAS Y SUS INFLUENCIAS EN LA POLÍTICA, EN LA
DEMOCRACIA Y EN LA CIUDADANÍA 520
Nerlito Rui Gomes Sampaio Neves Junior
CONSELHO CIENTÍFICO DO CAEduca

Adriano Rosa (USU)


Antonio Gasparetto (IFSMG)
Cristiane Barroncas Maciel Costa Novo (UEA)
Fabiana Eckhardt (UCP)
Felipe Asensi (UERJ)
Glaucia Ribeiro (UEA)
Jardelino Menegat (UniLassale)
Jose Miranda (UNIMB)
Marcelo Mocarzel (UniLassale)
Marcia Cavalcanti (USU)
Rafael Bastos de Oliveira (UCP)
Robert Segal (Unirio)
Rosangela Tremel (Unisul)
Sergio Salles (UCP)
Thiago Mazucato (FUNEPE)

11
SOBRE O CAEduca

O Conselho Internacional de Altos Estudos em Educação


(CAEduca) é iniciativa consolidada e reconhecida de uma rede de acadê-
micos para o desenvolvimento de pesquisas e reflexões interdisciplinares
de alta qualidade em educação.
O CAEduca desenvolve-se via internet, sendo a tecnologia parte im-
portante para o sucesso das discussões e para a interação entre os partici-
pantes através de diversos recursos multimídia.
O evento é um dos principais congressos acadêmicos do mundo e
conta com os seguintes diferenciais:

• A bertura a uma visão multidisciplinar e multiprofissional sobre


a educação, sendo bem-vindos os trabalhos de acadêmicos de di-
versas formações;
• Democratização da divulgação e produção científica;
• Publicação dos artigos em livro impresso no Brasil (com ISBN),
com envio da versão virtual aos participantes;
• Galeria com os selecionados do Prêmio CAEduca de cada edição;
• Interação efetiva entre os participantes através de ferramentas via
internet;
• Exposição permanente do trabalho e do vídeo do autor, durante o
evento, para os participantes;
• Coordenadores de GTs são organizadores dos livros publicados.

O Conselho Científico do CAEduca é composto por acadêmicos de


alta qualidade no campo da educação em nível nacional e internacional.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Em 2021, o CAEduca organizou o seu tradicional Congresso In-


ternacional de Altos Estudos em Educação (CAEduca 2021), que
ocorreu entre os dias 26 e 28 de maio de 2021 e contou com 10 Grupos
de Trabalho com mais de 350 artigos e resumos expandidos de 31 univer-
sidades e 19 programas de pós-graduação stricto sensu. A seleção dos tra-
balhos apresentados ocorreu através do processo de peer review com double
blind, o que resultou na publicação dos 7 livros do evento.
Os coordenadores de GTs organizaram os respectivos livros, e no
caso de GTs que não tenham tido ao menos 18 trabalhos aprovados, estes
foram realocados em outro GT, conforme previsto em edital específico.
Os coordenadores de GTs também indicaram artigos para concorrer ao
Prêmio CAEduca 2021. A Comissão Avaliadora foi composta pelas pro-
fessoras Dras. Ana Maria Paula Marques Gomes (Escola Superior de Edu-
cação de Paula Frassinetti – Porto – Portugal), Juliana Fernandes Teixeira
(Universidade Federal do Piauí) e Maria de Lourdes Borges (Unilasalle).
O trabalho premiado é de autoria de José Roberto Limas da Silva,
intitulado “O topocídio e o esvaziamento das memórias afetivas:
agravamentos e repercussões em face da pandemia da covid- 19”.
Esta publicação é financiada por recursos da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), do Conselho Interna-
cional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus), do Conselho Interna-
cional de Altos Estudos em Educação (CAEduca) e da Editora Pembroke
Collins e cumpre os diversos critérios de avaliação de livros com excelên-
cia acadêmica nacionais e internacionais.

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ARTIGOS - TEMAS
CONTEMPORÂNEOS

15
A IMPLEMENTAÇÃO DO SERVIÇO
DE TERAPIA OCUPACIONAL EM
EDUCAÇÃO: PAVIMENTANDO
CAMINHOS
Victor Matheus Marinho Dutra1

INTRODUÇÃO

O processo da aprendizagem de um aluno depende de vários fatores,


incluindo a superação de diversos desafios na vida escolar, tais como aces-
so à escola, ao subsídio para frequentar tal espaço, ou aproveitamento do
ensino formal à construção de um sujeito cidadão. Contudo, a presente
crise na educação básica prejudica gerações de crianças e adolescentes pelo
ensino deficitário.
Na opinião pública, relaciona-se tal crise a fatores ideológicos, pro-
pondo soluções genéricas às problemáticas complexas. Avelino e Mendes
(2020) sinalizam as demandas sociais, culturais e econômicas como fato-
res que repercutem na formação do escolar. Salientam-se os conflitos de
interesse político, chefia inadequada em cargos de prestígio, despreparo
pedagógico e ausência de suporte familiar como forma de perpetuação de
uma educação fragilizada.

1 Acadêmico de Terapia Ocupacional, Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém-PA.

17
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

É nesse cenário que o terceiro setor ganha legitimidade para re-


mediar e salvaguardar gerações deste grave problema nacional. Para
Santos e Vieira (2020), o terceiro setor elabora projetos com o apoio da
sociedade civil, para minimizar os impactos da falta de assistência do
Estado, em diversas áreas da sociedade. Assim, o terceiro setor idealiza
contribuir ao melhor amparo de segmentos da sociedade que este con-
segue contemplar.
Uma dessas iniciativas encontra-se no município de Belém do Pará,
sendo um Projeto-Escola com finalidade de assistir 120 crianças, oportu-
nizando serviços de saúde com equipe multiprofissional e promovendo
ações de empreendedorismo social. Ainda, garantem-se merenda e almo-
ço diariamente aos menores, que durante a rotina institucional envolvem-
-se em atividades esportivas, aulas de música e natação, aulas de suporte
pedagógico nos anos do 1º ao 5º ano, inclusão digital, aulas de canto e
oficinas de arte.
A inserção da terapia ocupacional nesse projeto deu-se pelo Estágio
Curricular Profissionalizante de Terapia Ocupacional da Universidade do
Estado do Pará, importante conquista a visibilidade da profissão no con-
texto educacional. A Terapia Ocupacional, apesar de ser fundamental à
educação, tem pouco espaço na educação. Athayde (2020) identifica que
a TO em educação ainda é pouco invisibilizada, pelo desconhecimento
dos profissionais que administram escolas e pelos demais profissionais en-
volvidos.
Não somente isto, a falta de visibilidade também se deve à profissão,
que por falta de preparo curricular na área da educação, apropria-se dos
mesmos meios pedagógicos que os educadores, e não é esta a função da
TO, muito menos a característica do seu campo de intervenção (RO-
CHA, 2007).
A terapia ocupacional no contexto educacional contempla toda a
comunidade escolar, estando em todos os níveis de ensino, implemen-
tando capacitação profissionalizante, no suporte familiar, buscando efe-
tivar a inclusão escolar e promovendo políticas de acessibilidade, fazendo
adaptações dos mobiliários e materiais pedagógicos, combatendo, ainda,
a evasão escolar, e dentre outras possibilidades inerentes a profissão (CO-
FFITO, 2018). Assim, este trabalho compartilha a experiência da terapia
ocupacional e suas contribuições a um projeto educacional, de modo a

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fomentar novas práticas e dando notoriedade aos feitos positivos junto aos
representantes escolares. Nessa perspectiva, o trabalho objetiva relatar a
experiência da Terapia Ocupacional em um projeto educacional, no mu-
nicípio de Belém-PA.

MÉTODO

Neste trabalho utilizou-se o método qualitativo, por ser uma


pesquisa que segundo Godoy (1995), tem o interesse de lidar com os
fatores humanos, interpretando os dados colhidos pelos próprios sujeitos
do estudo, ou pela compreensão dos fatos analisados pelo pesquisador. O
pesquisador vai estar no ambiente, buscando observar e compreender os
fatos que interessam ao objeto de estudo. 
Além disso, este trabalho dialoga com o estudo descritivo-explo-
ratório. Raupp e Beuren (2006) enfatizam que a pesquisa exploratória
contribui significativamente em assuntos ainda pouco estudos e que po-
dem ser trabalhados na tentativa de tornar a temática mais estruturada e
viabilizando pontos essenciais. Não diferente, no estudo descritivo, al-
meja-se descrever os fenômenos através do relato fidedigno, de relações
e outras propostas.
Foram feitos usos de instrumentos de coletas de dados, o diário de
campo, relatório das atividades desempenhadas durante a disciplina. Além
de vídeos e fotos, para melhor ilustrar os acontecimentos que convergem
com o interesse do trabalho. O critério de análise das informações se deu
pela seleção de informações primordiais ao objetivo do trabalho, buscando
ainda preservar o anonimato dos envolvidos diretamente e indiretamente
neste trabalho.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA 

O início do estágio deu-se com a supervisão de subgrupos, abrin-


do um diálogo para visualizar as expectativas e o grau de afinidade sobre
a área em questão, bem como compartilhando eventuais experiências já
protagonizadas pelos estagiários no campo da educação e com o público
infantil. Ainda, pode-se ter acesso a textos de apoio ao estágio que funda-
mentam a prática da Terapia Ocupacional em educação. 

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

A Terapia Ocupacional é uma profissão que atua nos mais diversos


contextos e com públicos variados, tendo sua prática norteada pela sua
fundamentação teórica e por seu regulamento de atuação. Contribuindo
então, para a pesquisa da profissão e às intervenções. Porém, o trabalho da
TO se fará também pela proximidade com os sujeitos e pelas implicações
nessas trocas (GALHEIGO, 2020).
Como alternativa avaliativa e parâmetro de conhecimento para supri-
mir eventuais dúvidas, optou-se didaticamente pelo Estudo Dirigido, nos
primeiros momentos que antecederam o estágio, para construir um olhar
crítico e condizente com o campo da educação em terapia ocupacional,
tornando-se essencial para melhor domínio interventivo.
O docente da prática tem o papel fundamental de direcionar a expe-
riência de estágio profissionalizante ao seu êxito. Assim, Muller e Guima-
rães (2020), salientam que a estratégia de estudo dirigido é fundamental
ao senso crítico dos acadêmicos para que estes possam ser responsáveis por
suas aprendizagens, conhecendo as multiplicidades de conhecimento de
seus alunos e organizando para que estas respostas possam se harmonizar
em um senso.
Outro fator basilar na prática foi compreender as competências de
cada integrante da equipe escolar, respeitando os outros campos de co-
nhecimento e profissionais que colaboram no processo de aprendizagem.
Bonatto (2012) identifica que o ambiente escolar é formado por muitos
profissionais, que contribuem de formas específicas para um trabalho in-
tegral a formação da aprendizagem do aluno, por isso faz-se necessário
uma parceria colaborativa com a equipe.
Em seguida, a equipe de TO foi inserida no Projeto-Escola, locali-
zado no Município de Belém, PA, conhecendo a instituição e se estabe-
lecendo nesta, por cinco dias na semana, das 13h às 17h, nos meses de
fevereiro e março de 2020. Podem-se observar os ambientes do projeto,
como: recepção, sala de informática, auditório, salas de aulas, banheiros,
biblioteca, refeitório, sala de música/canto e a sala de terapia ocupacional
destinada pela instituição.

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Figura 1 – Sala de aula

Fonte: Compilação do Autor, 2020.

Conhecer e explorar o ambiente escolar é necessário, pois o ambien-


te pode repercutir em limitação no desempenho ocupacional dos alunos.
Nesse propósito, Ide et al. (2011) identificam que a TO se volta ao am-
biente escolar para que os alunos possam desempenhar as atividades de
forma autônoma e explorem as dimensões das atividades da rotina escolar.
Além disso, o ambiente deve estar atento à funcionalidade humana para
ser um espaço de inclusão pela perspectiva ocupacional.
Logo, estruturou-se a sala de TO para ser uma sala multiuso, isto
é, na função de uma sala planejada à intervenção individual, onde o es-
tagiário tivesse contato visual frente ao aluno, e de reunião do subgru-
po para feedback, discussões de casos e planejamento das práticas, dentre
outras propostas emergentes do estágio. Adiante, na primeira semana, os
estagiários foram inseridos na rotina escolar dos alunos, acompanhando-

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

-os e estabelecendo uma observação apurada aos menores. Nessa lógica,


observou-se como as crianças de comportavam nos ambientes, como in-
teragiam com seus colegas de turma, como birras e conflitos, mobiliário
escolar, identificando má formação postural, relações dentro da sala de
aula, estratégias de maximização do aprendizado, dificuldades relaciona-
das ao aprendizado. Os estagiários de TO auxiliaram os alunos no suporte
na execução das atividades a partir dos comandos dados pelas pedagogas.
A terapia ocupacional tem interesse em alunos que possuem dificuldades
de aprendizagem, atentando ao desempenho escolar dos alunos e buscando
estratégias para superar o fracasso escolar. O espaço escolar deve conter meios
para que esse aluno desenvolva suas habilidades sociais e seja protagonista de
sua aprendizagem. Por isso, a TO estará na execução das atividades escolares
e atenta ao desempenho do aluno (OLIVEIRA et al., 2010).
Por meio desse contato, fortaleceu o vínculo necessário que contri-
buiu nas sessões a posteriori à TO. Assim, havendo uma seleção dos alu-
nos as sessões, usando critérios de elegibilidade, como as dificuldades de
aprendizagem dentro e fora da sala, déficits nas habilidades sociais, com-
portamentos disruptivos, demandas emocionais e crianças com suspeitas
de distúrbios de aprendizagem e alunos que reprovaram em disciplinas.
Idealizou-se, na execução de atividades expressivas, o brincar espontâ-
neo, jogos de mesa e perguntas direcionadas para conhecer a realidade dos
menores, seja no contexto escolar e familiar: suas rotinas, o suporte nas
atividades escolares, eventuais conflitos, vulnerabilidades sociais, violência
física, pessoas de afinidade, demandas emocionais. 
É necessário estimular nas crianças através de propostas lúdicas as suas
expressões, para que estas possam externalizar conteúdos internos impor-
tantes que precisam ser analisados. Em uma atividade expressiva não se
faz juízo estético, mas sem aos conteúdos trazidos pela criança, para então
reafirmar suas criatividades e seu potencial expressivo (VIANA; FITA-
RONI [n.e] ).
Essas estratégias foram importantes, por terem identificado que as
relações familiares dessas crianças estavam fragmentadas, muitas vezes
sem a presença dos responsáveis na formação escolar dos menores, seja
pela falta de afinidade pelo estudo, capacidade de dar suporte nas tarefas
escolares, ausência de tempo dos pais na formação formal dos filhos pela
rotina de trabalho dos pais, pouco afeto aos filhos, brincar sem a parti-

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cipação dos responsáveis, uso excessivo do celular o que limita as trocas


entre pais e filhos.
A família nunca deve estar alheia à formação escolar do educando,
por isso Avelino e Mendes (2020) apontam que essas instituições preci-
sam trabalhar juntas de modo a fazerem um esforço aliado à construção da
aprendizagem do aluno. Uma família ausente desta formação pode pre-
judicar o processo de aprendizagem deste menor, da mesma forma que as
escolas precisam estar abertas a sempre manterem-se atualizadas e com
seus profissionais capacitados e empolgados de exercerem tais funções.

Figura 2 – Atividade expressiva

Fonte: Compilação do autor, 2020.

Observou-se, no relato dos menores, que suas condições de vida era


adversas e enfrentavam muitos limitações financeiras, isto é, moradias
de um cômodo para uma família relativamente numerosa, ambientes de
frequentes atos de violência físicas e verbal, que repercutiam na maneira
como os alunos tratavam seus colegas no projeto. 
Para Avelino e Mendes (2020), as atitudes e conhecimento das crian-
ças estão relacionados com as condições de vida em moradia e com seus
familiares. Em lares que buscam responder conflitos com violência física,
não oferecendo bem-estar aos menores, com abusos sexuais e com inte-
grantes que fazem consumo de drogas, deixando impressões nesse aluno,
cabendo a instituição educacional identificar e denunciar os envolvidos. 

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Outro aspecto bastante destacado foram as relações interpessoais den-


tro do projeto; muitos sinalizaram não terem um contato social com seus
pares, por motivos de pouca afinidade com o grupo, ou por não saberem
estabelecer contato. Muitos se queixavam de seus colegas não os entende-
rem, criarem situações conflituosas e constrangedoras, o que desestabili-
zava as relações. 
Crianças que se envolvem em conflitos podem ser vítimas, ou agres-
soras em situações embaraçosas dentro da escola. Além disso, possíveis
vítimas de brigas dentro da escola podem ter no seu ciclo de amizade
agressores, estando mais próximas ainda de se envolvem em tais questões,
precisando que a escola visualize esse fenômeno para poder tomar medi-
das interventivas e remediar futuros conflitos. De modo geral, conflitos
dentro da escola geram preocupações e perturbam toda a comunidade
escolar, precisando que se valorize as relações de amizade dentro do con-
texto escolar (LISBOA, 2005).
Esses relatos foram compartilhados em reunião de equipe, de modo
a discutir tais casos para gerar troca de informações a respeito dos alunos.
Aproximando o diálogo com os demais profissionais que ainda não ti-
nham conhecimento da atuação da profissão, acreditando que a Terapia
Ocupacional apenas entretém e passa o tempo com as crianças em suas
intervenções. Dando notoriedade para a TO na instituição, por suas pos-
sibilidades diversas e seus resultados. 
A equipe de terapia ocupacional idealizou também a proximidade
da família ao projeto, não somente isso, mas na educação dos filhos.
Em situações graves de violência, o assistente social foi comunicado
para prestar seu apoio e serviço às crianças. Todavia, o estágio foi in-
terrompido pela suspensão das aulas presenciais devido a pandemia da
Covid-19.
No presente cenário pandêmico, a educação passou a ser parcialmen-
te ou totalmente voltada à modalidade remota. Isto é, nem todas as esco-
las voltaram com o ensino presencial, passando aos seus alunos atividades
digitalizadas. Cabe elucidar que nem todos os alunos têm acesso a instru-
mentos digitais e possuem facilidade ao seu uso, fazendo que se crie uma
expectativa para o retorno das aulas presenciais (COUTO; COUTO,
2020).

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, busca falar sobre as estratégias da terapia ocupacional,


não somente para servirem como modelo, mas para prestigiar a atuação
da TO junto da comunidade escolar, apesar de a experiência ter sido in-
terrompida pela atual crise sanitária. Todavia, este trabalho é necessário
para que a terapia ocupacional possa futuramente alcançar maiores espaços
dentro do contexto escolar.
O Brasil precisa estar voltado para minimizar o desgaste educacio-
nal nas escolas, para o sucesso escolar as políticas públicas educacionais
devem estar aliadas com a boa vontade de mudança radical para apren-
dizagens dos alunos (AVELINO; MENDES, 2020). Nesse âmago,
acredita-se que para uma educação transformadora, a TO precisa estar
inserida nas escolas, com seus métodos e conhecimentos, competência
esta contemplativa.

REFERÊNCIAS

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Contexto Escolar: conhecimentos de profissionais inseridos nas es-
colas públicas, 2020.

AVELINO, Wagner Feitosa; MENDES, Jessica Guimarães. A realidade


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Reconhece e disciplina a especialidade de Terapia Ocupacional no
Contexto Escolar, define as áreas de atuação e as competências do
terapeuta ocupacional especialista em Contexto Escolar e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Bra-
sil. Brasília, 2018.

25
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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6-20, s/d.

27
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
COMO ESTRATÉGIA PARA O
SUCESSO DE ESTUDANTES DE ALTA
PERFORMANCE
Renato dos Santos Lisboa2

INTRODUÇÃO

O conceito de inteligência emocional tem se delineado na litera-


tura de forma bastante recente. Diversos autores, sobretudo nas áreas
da psicologia positiva e das neurociências, têm se debruçado sobre este
tema, a fim de apresentar explicações acerca da inteligência emocional,
ou a respeito de modos para seu melhor funcionamento. Um tema que
entra em convergência quando se discute a inteligência emocional são
os relevantes contextos de estresse, associados a situações que envolvem
conjunturas, tais como a aprovação no Exame Nacional do Ensino Mé-
dio (ENEM) e concursos públicos, sobretudo, pelos consideráveis níveis
de competitividade e exigências qualificatórias que demandam em cada
um desses cenários.

2 Psicanalista Clínico, Jornalista, Coach e Advogado, mestre em Psicanálise. Pós-Graduado


em Direito Material e Processual do Trabalho, em Administração de Conflito e Gestão Em-
presarial, em inteligência múltiplas e mindfulness e em Big Data (Ciência dos Dados), Master
Coach Executivo e de Negócios, com formação Profissional em Wellness & Health, Global
Coach Certification©, Leader Coach, Trainer de Analistas Comportamentais, e membro do
Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica e da ABRAPCoaching.

28
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Desde 1999, o ENEM é utilizado por algumas instituições de ensino


superior (IES) brasileiras, como requisito para ingresso ao ensino superior
(INEP, 2018). Tornou-se, portanto, gradativamente nos últimos 20 anos,
o modelo de avaliação mais concorrido, para ingresso na qualificação aca-
dêmica.
O ENEM é considerado o maior vestibular no Brasil, sobretudo para
as instituições públicas. O sistema de ingresso pode ser realizado através de
três modelos sistêmicos, a saber: Sistema e Seleção Única (SISU), destina-
do ao ingresso nas universidades e institutos federal e estadual; o Progra-
ma Universidade para Todos (PROUNI) que seleciona alunos com bolsas
integrais ou parciais para faculdades, centros universitários e universidades
privadas; e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) que disponibili-
za financiamento parcial ou integral para ingresso em faculdades, centros
universitários e universidades privadas.
Dados do Instituto Nacional de estudos e pesquisas educacionais
Anísio Teixeira (INEP, 2019) apontam que, em 2018, foram 5.513.747
pessoas inscritas no ENEM. Destas, 3.893.743 compareceram aos dois
dias de provas, tornando-se, portanto, o grupo de ampla concorrência
para uma vaga em cursos de ensino superior.
Dentre os cursos com maior procura no SISU, estão: Administração;
Direito; Pedagogia; Medicina; Educação Física; Engenharia Civil; Ciên-
cias Biológicas; Enfermagem; Psicologia e Ciências Contábeis. Contudo,
entre os de maior concorrência destacam-se: Medicina (47,6); Educação
Física (35,67); Direito (35,2); Administração (29,7) e Pedagogia (26,41),
sendo estes os números de candidatos por vaga (SISU, 2018).
O censo do INEP em 2017 apontou que, no Brasil, há um registro de
296 IES públicas e 2.152 na esfera privada (INEP, 2018). Destas, 1.434
utilizam o ENEM como porta de ingresso. Vale ressaltar que algumas
instituições utilizam o modelo misto, no qual, além a nota do ENEM, é
requerida também outra etapa de avaliação realizada pela própria institui-
ção (MATIAS; TOLEDO, 2016).
Em outra vertente, para além da graduação, está a corrida pela tão
concorrida efetivação no mercado de trabalho. Assim, os concursos pú-
blicos se configuram como uma das alternativas mais cobiçadas entre os
brasileiros. A carreira pública se torna atrativa pela conjuntura salarial, que

29
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

geralmente é mais bem empregada do que na esfera privada, sobretudo


por seu teor de estabilidade e possibilidade de estabelecimento de plano
de cargos e carreira.
Os últimos concursos para analista do INSS, operacional e adminis-
trativo dos Correios, e bancários da Caixa Econômica Federal, juntos mo-
bilizaram mais de 4 milhões de candidatos inscritos (JCCONCURSOS,
2019). Todavia, Granato (2019) salienta que os concursos que exigem
maior nível de desempenho, considerando alto grau de exigências. A con-
corrência maciça são: concursos da Receita Federal; Instituto Nacional
de Seguro Social-INSS; Departamento de Trânsito-DETRAN; Depar-
tamento Penitenciário Nacional-DEPEN; Polícia Civil; Magistratura no
Tribunal de Justiça-TJ; Defensoria Pública; Secretaria da Fazenda; Tribu-
nal de Contas da União TCU; e Tribunal de Contas dos Estados TCE.
Embora haja uma frenética preocupação em torno de uma aprova-
ção em um concurso público, Aragão (2017) chama atenção para outros
fatores de grande relevância na busca deste propósito. E um dos fatores
destacados se refere à concorrência real que diz respeito à possibilidade de
fato de uma convocação. Nesse aspecto, o autor salienta que apenas uma
pequena parcela dos candidatos está realmente apta na competição, sendo,
portanto, necessária uma estratégia que permita o máximo de nivelamen-
to com esses candidatos, para que haja efetiva chance de convocação.
Diante do exposto, este estudo visa compreender de que modo a
estratégia de inteligência emocional pode contribuir para o processo de
aprovação dos estudantes nos concursos nacionais mais concorridos.
Considera, por exemplo, o ENEM voltado para os cursos de maior con-
corrência, como Medicina e Direito; e os concursos públicos com altos
níveis de concorrência real, como magistratura, ministério público e au-
ditores fiscais.
Esta pesquisa se debruçou no conceito de emoções para discorrer
sobre como é possível gerir suas próprias emoções, enfrentar as emoções
dos outros e lidar com a concorrência; discutindo sobre de que maneira
a psicanálise explica a inteligência emocional como fundamental no pro-
cesso de preparação, não apenas abdicando dos relacionamentos sociais,
mas também em administrar e suportar um ritmo de estudo de longas
jornadas diárias, ter disciplina, manter o foco, absorver as pressões fami-

30
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liares e dos amigos; e ainda apresentar reflexões acerca da importância da


inteligência emocional para pratica esportiva diária e uma alimentação
equilibrada neste processo, apontando tratamento psicanalítico, nutri-
ção emocional, reestruturação comportamental, reprogramação cere-
bral, reprogramação dos hábitos e hipnoterapia como estratégia para a
manutenção do foco.
Portanto, este estudo se justifica primeiramente porque permite
compreender conceitos em relação a temas de relevância para a socieda-
de. Seu caráter é significativo de contribuição não só para a comunidade
acadêmica, mas para a sociedade em geral e, sobretudo, ao público-alvo,
estudantes e concurseiros que se permitirão refletir sobre a importância
de trabalhar a saúde mental como parte essencial do processo de estudos e
alto desempenho.

1. METODOLOGIA

Esta pesquisa é um estudo descritivo exploratório de caráter qua-


litativo, utilizando como método a Revisão Bibliográfica Sistemática
(RBS) em artigos publicados entre os anos de 2015 a 2019. Esse méto-
do científico possibilita buscar e analisar artigos de uma determinada
área da ciência, visto que esse tipo de pesquisa nos permite ter uma vi-
são mais ampliada do tema, confrontar ideias ou concordância existen-
tes entre os autores. Para Gil (2008), a pesquisa bibliográfica é desen-
volvida com base em material já elaborado, constituído principalmente
de livros e artigos científicos, no qual é elaborada através de matérias
documentais que se fundamenta das contribuições de diversos autores
sobre determinado assunto.
Para a construção deste trabalho, foi delimitado o objeto de estudo, e
posteriormente feita uma pesquisa exploratória, cuja finalidade foi obter
maior aproximação do tema por meio da leitura de textos, artigos e livros.
Na análise dos textos, foram avaliados os contextos referentes aos concei-
tos de emoção e inteligência emocional, e de que forma estes interagem
no processo de estudos voltados para concursos públicos em alto grau de
concorrência. Utilizamos como palavras-chave: inteligência emocional,
emoções, desempenho e psicanálise.

31
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Assim, estabeleceram-se critérios de inclusão e exclusão para as


buscas dos dados desta revisão bibliográfica. Características para in-
clusão: trabalhos científicos publicados no intervalo dos últimos cinco
anos; artigos publicados em revistas científicas, disponíveis na íntegra
e para acesso público com download gratuito em língua portuguesa; e
qualidade da descrição do desfecho a ser estudado. E para exclusão,
foram escolhidos os seguintes critérios: publicações em línguas estran-
geiras; trabalhos que não estavam do período de publicação estabeleci-
do; artigos duplicados.
Dentro dos critérios, buscaram-se material de interesse na base de
dados dos Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PEPSIC), Scientific Ele-
tronic Library On-line (SciELO) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A
coleta de dados foi iniciada e finalizada no decorrer do mês de janeiro de
2020. Nesse processo, foram selecionados sete artigos que contribuíram
na produção deste trabalho, sendo a primeira leitura seguida de fichamen-
to dos textos para compor as ideias da estrutura do texto. Os dados estão
no quadro abaixo, especificando: título; autor do texto; ano de publicação
e fonte.

Tabela 1 – Base de dados


Título Autores Ano Fonte
Instrumentos de autorregulação BATISTA, Helder H. 2018 SCIELO
emocional: uma revisão de literatura. V. e NORONHA, Ana
Paula P
Avaliação do nível de inteligência COURY, 2019 BVS
emocional em estudantes de medicina Marayara I. F.
de diferentes períodos da graduação.
Estudo transversal Belo Horizonte
2017-2018.
Desenvolvimento da compreensão FRANCO, 2015 PEPSIC
emocional. Maria G. S. E. C;
SANTOS, Natalie
N
Psicoterapia psicanalítica focada nas PIRES, Antônio 2016 BVS
emoções. P.

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Título Autores Ano Fonte


Entre a entrega e a renuncia: excelência QUARESMA, 2015 SCIELO
acadêmica em escolas públicas chilenas Maria L.
de alta performance.

Inteligência emocional: uma revisão de SANTOS, J. V. 2018 SCIELO


literatura internacional. et al

Manual de treinamento em inteligência TAVELA 2018 BVS


emocional. JUNIOR, J. S.
Total 7
Fonte: Autor (2020).

2. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NO VIÉS


PSICANALÍTICO COMO ESTRATÉGIA PARA ALTA
PERFORMANCE

2.1 EMOÇÕES

Emoções, segundo Dorneles (2014) vem do latim movere, e está rela-


cionada ao estado de pôr em movimento. Ainda de acordo com a autora,
podemos compreender emoção como sendo “um movimento subjetivo
do ser humano, de dentro para fora, que acontece a partir de experiências
e/ou estímulos que o sujeito vivencia, acontecendo por manifestar reações
fisiológicas, seja através de suas reações, ações ou expressões” (DORNE-
LES, 2014, p. 15).
Na perspectiva da psicologia, emoções e sentimentos se relacio-
nam, mas são diferentes. Deste modo, segundo a Sociedade Brasileira
de Inteligência Emocional (2017), as emoções são respostas químicas a
partir de memórias emocionais, que ocorrem nas regiões subcorticais
do cérebro; são capazes de criar diversas reações no corpo, através da
liberação de hormônios, alterando o estado no qual o indivíduo se
encontra. Basicamente, são reações instantâneas que se tem perante os
acontecimentos da vida.
Em contrapartida, os sentimentos são uma espécie de resposta às
emoções e neurologicamente, os sentimentos são encontrados nas regiões
neocorticais do cérebro. Os autores supracitados salientam que, os sen-

33
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

timentos são influenciados, principalmente, pelo histórico de cada indi-


víduo, o que inclui suas experiências vividas. Por isso, cada pessoa tem
uma reação diferente perante emoções e, enquanto alguns perdem a calma
facilmente, outros conseguem manter a tranquilidade, mesmo perante si-
tuações consideradas graves (SBIE, 2017).
A neurociência explica as emoções como sendo, aparentemente, uma
espécie de sentimentos conscientes, mas estruturalmente elas são desenca-
deadas por eventos internos ou externos que enviam sinais para o cérebro.
Configuram-se, assim, como respostas psicológicas aos estímulos, desti-
nadas a nos afastar do perigo e nos aproximar da recompensa. As emoções
são geradas constantemente, mas em geral não temos consciência disso.
Essa reação inicial transparece em milésimos de segundos, sem que a pes-
soa perceba o que está acontecendo (DOUX, 1998).
Anatomicamente, Oliveira e Jesus (2014) explicam que as emoções
são geradas no sistema límbico: um conglomerado de estruturas situa-
do abaixo do córtex. Esse processo se deu muito cedo na história dos
mamíferos. Nos humanos, está conectado às áreas corticais desenvolvidas
recentemente. O tráfego de duas vias entre o sistema límbico e o córtex
permite que as emoções sejam vivenciadas de forma consciente e que os
pensamentos as afetem. Cada emoção é produzida por uma rede diferente
de módulos cerebrais, incluindo o hipotálamo e a hipófise, que controlam
os hormônios que provocam reações físicas, como aumento da frequência
cardíaca e contração muscular.
De acordo com Moraes (2009), cinco elementos se caracterizam como
as principais estruturas do sistema límbico, que são: o giro cingulado que
se relaciona com o controle visual, auditivo e as alterações das emoções;
o tálamo, que são as células nervosas que enviam sinais dos sentidos para
o córtex. Nesse campo, estão ativas também as sensações de pressão, dor.
Portanto, sua função é de integração do sistema sensorial com o motor.
Ainda segundo o autor, também compõe o sistema límbico, o hipo-
tálamo, que regula funções essenciais, como o sono, a libido, o apetite e
a temperatura corporal; a amígdala, que está relacionada com a memória
emocional que temos, padronizando comportamentos adequados para
cada ocasião. E finalmente o hipocampo, que tem a funcionalidade de
arquivar as memórias.

34
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Originalmente, na perspectiva psicanalítica, as emoções, mais pre-


cisamente o que compete ao afeto e suas representações eram reflexões
indispensáveis no processo analítico, embora a própria psicanálise nun-
ca tenha se desprendido na elaboração teórica acerca das emoções e sua
significância. Ainda assim, atualmente e, sobretudo, com o advento da
neuropsicanálise, as questões relacionadas às emoções estão ganhando di-
mensão na atuação interventiva da psicanálise (PIRES, 2016).

2.2. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

No escopo da inteligência emocional, diversos autores se debruçaram


na tentativa de conceituar o termo e aproximar seu sentido no máximo da
compreensão entre a complexidade das emoções e sua relação com práti-
cas, tomadas de atitude e comportamento em geral.
Atualmente, estudos com foco na inteligência emocional têm-se des-
tacado consideravelmente no meio científico. Todavia, segundo Coury
(2019), esse interesse científico só começou por volta de 1960 e se con-
centrava exclusivamente no âmbito da psicoterapia, sendo o estopim para
maior discussão acerca do conceito, datado a partir da década de 1990
principalmente, através dos estudos de Daniel Goleman.
Deste modo, na perspectiva psicológica, o entendimento de Leahy,
Tirch e Napolitano (2013, p. 26) acerca da inteligência emocional “en-
globa a natureza geral da consciência e adaptação emocional, sugerindo
uma característica geral que possui implicações abrangentes no compor-
tamento adaptativo. A inteligência emocional compreende quatro fatores:
percepção, uso, compreensão e manejo das emoções”. Assim, a inteligên-
cia emocional está relacionada por sua capacidade de perceber o autocon-
trole e suas emoções, bem como motivar a si mesmo, controlar impulsos
e motivar pessoas, ajudando-as a buscar o seu melhor. Santos et al. (2018)
pontuam que a inteligência emocional está conceituada na capacidade de
processar informações, usando a inteligência como modo para raciocinar
sobre as emoções e se valendo dessa informação para tomadas de decisão
mais assertivas.
Na compreensão de Goleman (2001, p. 337), a “inteligência emocio-
nal é a capacidade de identificar nossos próprios sentimentos e dos outros,
de motivar a nós mesmos e de gerenciar bem as emoções dentro de nós

35
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

e em nossos relacionamentos”. O autor ainda afirma que a inteligência


emocional corresponde à capacidade de criar motivações para si próprio
e de persistir num objetivo, apesar dos percalços; de controlar impulsos e
saber aguardar pela satisfação de seus desejos; de se manter em bom estado
de espírito e de impedir que a ansiedade interfira na capacidade de racio-
cinar; de ser empático e autoconfiante (GOLEMAN, 2012). Ele propõe
que, estruturalmente, a inteligência emocional se baseia no princípio da
autoconsciência, autocontrole, consciência social e a habilidade de geren-
ciar relacionamentos.
Na esfera da autoconsciência, Franco e Santos (2015, p. 346) salien-
tam que a compreensão emocional está associada a “uma série de habili-
dades e mecanismos de processamento da informação emocional como: a
compreensão da relação entre emoções e outros estados mentais; o conhe-
cimento de estratégias de regulação das emoções e a compreensão de res-
postas emocionais ambivalentes”. Nesse aspecto, Coury (2019) argumen-
ta que a possibilidade de aferir elementos que fundamentam a inteligência
emocional se permeia através de instrumentos avaliativos. Dentre alguns,
a autora menciona os instrumentos de desempenho, que têm como foco
avaliar a performance; e os instrumentos de autorrelato, que se constituem
de questionário autoavaliativos acerca do nível de percepção sobre suas
próprias habilidades.
Contudo, Batista e Noronha (2018) ressaltam que pesquisas recentes
divergem acerca da efetividade da avaliação da autorregulação emocional.
Em pesquisa realizada pelos autores, foi possível identificar que regular as
próprias emoções é um recurso precioso de preservação da saúde mental.
Contudo, a pluralidade de contextos em que o sujeito avaliado pode es-
tar inserido, e a multiplicidade cultural implicam necessariamente ampliar
outras perspectivas avaliativas.
Por meio desses instrumentos, ao longo de anos de pesquisas nas mais
variadas áreas, tais como: trabalho, estudo, dinâmica social, foi possível
identificar que fatores como otimismo, autorrealização, felicidade, in-
dependência e responsabilidade social se relacionam de maneira positiva
com o contexto de inteligência emocional (COURY, 2019). Desta for-
ma, a inteligência emocional compreende e se apropria de suas próprias
emoções e a dos outros, reagindo naturalmente quando se depara com os

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

problemas na dinâmica da rotina, buscando resolver de modo eficaz as


situações emocionais.
Segundo Weisinger (2001), a inteligência emocional é simplesmen-
te o uso inteligente das emoções; isto é, fazer intencionalmente com que
as emoções trabalhem a seu favor, usando-as como uma ferramenta a
fim de ditar seu comportamento e raciocínio de maneira a aperfeiçoar os
resultados. Portanto, leva-nos ao entendimento do que os autores cor-
roboram ser a inteligência emocional, uma espécie de capacidade em
identificar as emoções, gerando sentimentos e facilitando o pensamento,
fomentando a aptidão em avaliar as expressões das emoções em si e nos
outros, controlando e administrando bem essas emoções para que haja o
crescimento de todos.

2.3. ESTUDANTES DE ALTA PERFORMANCE

Basicamente, todos os modelos de ensino atuais se propõem o desafio


de lançar no mercado acadêmico e profissional sujeitos com altos níveis de
excelência, aptos para desenvolver suas performances da melhor maneira,
sejam qual for à área na qual se submeteram (QUARESMA, 2015). Re-
centemente, o Ministério da Educação alterou a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB 9394/96), por meio da Lei nº. 13.145/2017,
que estabelece reforma na estrutura do Ensino Médio, tornando a carga
horária maior e redimensionando o currículo no intuito de trabalhar com
foco na formação técnica e qualificação profissional. A justificativa do
MEC é que a proposta é garantir a oferta de educação de qualidade a todos
os jovens brasileiros e de aproximar as escolas à realidade dos estudantes
de hoje, considerando as novas demandas e complexidades do mundo do
trabalho e da vida em sociedade (BRASIL, 2018).
Na contrapartida, a PL nº 60/2007, que prevê a atuação de psicólo-
gos e assistentes sociais na educação básica em escolas públicas, passou
por um verdadeiro calvário, inclusive tendo que derrubar veto do Poder
Executivo, que alegava inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse
público, até ser aprovada por meio da Lei nº. 13.935/2019 (SENADO
FEDERAL, 2019).
Esses apontamentos se fazem pertinentes para a reflexão acerca do
modo paradoxal como a educação e saúde mental são colocados de forma

37
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

díspares no contexto de ensino, aprendizagem e desenvolvimento pessoal


e social. Ora, se a proposta é aumentar carga de ensino e atuar com foco
em personalizar esses alunos, trabalhando-os para a excelência diante do
mercado de trabalho que os espera, então nada mais constitucional que
permitir e, sobretudo, promover qualidade psíquica a estes sujeitos.
Uma das áreas mais visadas e concorridas em meio acadêmico é a for-
mação em Medicina. A implicação de anos de estudo e práticas exaustivas,
como meio para atingir o status de uma formação em uma área com con-
siderável know how, conduz estudantes num processo de preparação, com
características de devoção. Assim, Coury (2019) salienta que é comum
aos aspirantes em processo de preparação, e os efetivos estudantes de Me-
dicina, conduzirem sua rotina de estudos de maneira intensa, focada nos
conteúdos, abstendo-se de vida social e qualquer outro interesse de lazer
que eventualmente possam desvirtuá-los de seus propósitos.
Nesse aspecto, Olivieri (2018) traz uma reflexão na qual aborda ques-
tões acerca dos princípios e valores que são tomados diante da escravização
de uma paixão, em detrimento de si mesmo. O autor salienta que, indu-
bitavelmente, as emoções são o alicerce das melhores e das piores tomadas
de decisão. Então, de que maneira cuidar dessas emoções, para que as de-
cisões tomadas sejam as mais assertivas? Assim, citando Daniel Goleman,
o autor discorre o seguinte pensamento.

O que parecia separar aqueles que estão no topo da alta performan-


ce de outros com capacidade aproximadamente igual é o grau em
que, começando cedo na vida, eles conseguem seguir uma árdua
rotina de prática por anos e anos. E essa obstinação depende de
traços emocionais entusiasmo e persistência diante de dificuldades
acima de tudo (OLIVIERI, 2018, p. 11).

Nesse sentido, Quaresma (2015) enfatiza que a capacidade de exce-


lência surge, sobretudo, associada a uma competição consigo mesmo e
que em última instância os custos dessa competência, pela tão almejada
excelência, não se associam diretamente a contextos de renúncia, resigna-
ção social ou frustração. Assim, em pesquisa realizada com alunos de alto
rendimento, Quaresma (2015), ao inquirir vestibulandos acerca de suas
percepções sobre o que caracteriza a excelência, concluiu que os alunos

38
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

percebem a excelência pelo viés da expressão efetiva da aprendizagem,


ou seja, a capacidade crítica e reflexiva aliada a um ambiente de equidade,
condiz de forma mais efetiva para o entendimento acerca da excelência.

2.4 NEUROPSICANÁLISE E A INTELIGÊNCIA


EMOCIONAL

Toda a premissa psicanalítica, em sua origem, foi fundamentada por


um neurocientista. Callegaro (2011) assume a afirmativa de que Sigmund
Freud, autor de grande parte do postulado da psicanálise, tentou fazer a
interação entre a psicologia e a neurologia. Contudo, os recursos científi-
cos na época não permitiram que seus conceitos se estendessem de forma
mais embasada no viés neurocientífico.
Um pouco mais tarde, no começo do ano 2000, realizou-se o primei-
ro movimento nessa ordem de interação entre neurociências e psicanálise.
Este se deu através da I Conferência Internacional de Neuropsicanálise,
em Londres, e na ocasião foi fundada a Sociedade Internacional de Neu-
ropsicanálise (CALLEGARO, 2011). Desta maneira, ao longo do último
século, com todo avanço na área da investigação científica, foi possível
promover a compreensão mais holística acerca do funcionamento cerebral
e suas relações com o inconsciente, permitindo-nos elucubrar acerca de
conceitos neuropsicanalíticos.
Fajardo (2016) destaca que Freud, em seu ensaio “Projeto para uma
psicologia científica”, abordava a compreensão acerca do aparelho psí-
quico a partir da ideia de uma cadeia neuronal, onde se destaca o “Q”,
que em última instância se refere a uma espécie de energia ou descarga
elétrica. Deste modo, os neurônios dessa cadeia se distinguiam entre os
permeáveis, responsáveis pelas memórias; os impermeáveis que impedem
a passagem de neurônios e os perceptuais sendo estes os que percebem
elementos, mas não retém informações.
Essas proposições freudianas são relevantes para a compreensão, por
exemplo, de que são essas interações neuronais que conduzem o enten-
dimento psicanalítico acerca dos princípios de prazer e satisfação. E essa
reflexão é essencial, uma vez que, de acordo com Fajardo (2016), a espe-
rança se forma no princípio do aparelho psíquico como fonte de resolução
de problemas.

39
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Para o aproveitamento e aplicabilidade da habilidade de inteligência


emocional, sobretudo no que concerne ao contexto de desenvolver a alta
performance, Oliveiri (2018) salienta que a ideia não está na abdicação do
lazer ou no empreendimento obsessivo em horas e horas de estudo, mas
principalmente na capacidade do sujeito em discernir sobre a qualidade de
suas decisões e ações.
Assim, na perspectiva de Goleman (2012), essa competência de dis-
cernimento se faz possível através da inteligência emocional, que em sua
essência amplifica as aptidões do sujeito de perceberem seu autocontrole,
sua capacidade de zelo e persistência, e a automotivação. São estas as capa-
cidades possíveis de serem ensinadas e plenamente aprendidas.

2.5 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL APLICADA AO


CONTEXTO DE ALTO DESEMPENHO

No ensaio intitulado “Alguns tipos de caráter encontrados na prática


psicanalítica” (1916/2010), Freud argumenta que a frustração é um dos
fatores que têm maior relação condicionante com o surgimento de neu-
roses. Deste modo, a frustração aqui pode ser entendida como o processo
no qual os desejos libidinais tentam se lançar por meio de metas, que não
são superadas ou condenadas pelo eu (FREUD, 2010).
Pensando principalmente sobre as emoções, Olivieri (2018) aponta
oito passos que podem ser utilizados para fundamentar um processo de
estudos que almeja alta performance. O autor indica que o foco inicial
deve ser dado às emoções, de modo que compreendê-las e utilizá-las a
seu favor, tendo o discernimento para aproveitar inclusive os efeitos das
emoções tidas negativas, como a tristeza e a raiva, é salutar para o processo
de aprendizagem. E que, basicamente, esse princípio consiste na prática de
inteligência emocional.
Em seguida, Olivieri (2018) salienta a importância de manter uma
vida saudável através da combinação de hábitos alimentares equilibrados,
que propiciam melhor condicionamento físico e mantem a energia rít-
mica do corpo; e rotinas de sono, principalmente pela sua condição de
permitir ao cérebro melhores condições de consolidação de aprendizagens
e memórias; e exercícios físicos, como fonte de consciência corporal.

40
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

O terceiro passo consiste em potencializar a aprendizagem, ou seja,


tornar-se consciente sobre as particularidades de seu aprendizado. Assim,
Olivieri (2018) apresenta uma espécie de equação para alcançar os resulta-
dos tão almejados, que consiste em: tempo em sala de aula x qualidade do
aprendizado + tempo de estudo x qualidade do estudo. Valendo-se dessa
estratégia, é possível aplicar técnicas de aprendizado que serão mais bem
explanadas na tabela 2.

Tabela 2 – Técnicas para o processo de aprendizagem focado na alta performance


Técnica Descrição Contribuição
Leitura ativa Após terminar de ler um parágrafo, página, ou Fortalece a memória de
capítulo, feche-o e busque o lembrar com o longo prazo; identifica
máximo de detalhes e se explicar tudo o que falhas no processo de
você aprendeu! Você pode fazer isso em voz alta, aprendizado; e protege
na sua mente ou esquematizando tudo em uma contra frustrações consigo
folha branca. mesmo.
Técnica Escolhe a fonte pela qual quer Fortalece a compreensão
Feynman de aprender; descreve com suas próprias assimilação e acomodação
estudo palavras o conteúdo em questão; do conteúdo.
dê uma aula para si mesmo em
voz alta; identifique as falhas de
forma momentânea e as corrija; e
progressivamente vá simplificando a
explicação.
Prática de Faça leitura dinâmica e compreensiva, Permite maior domínio
exercícios sobretudo, de conteúdos dos quais tem do conteúdo e percepção
mais dificuldade ou resistência, para acerca dos níveis de
posteriormente aplicar nas respostas de assertividade.
exercícios.
Sair da zona de Se imponha desafios constante. para potencializar as
conforto Encontre prazer na atividade que não habilidades cognitivas.
lhe agrada tanto
Maximizar Estar plenamente presente as aulas, Amplia e fortalece a
aprendizado das descansado e focado em tirar todas as aprendizagem.
aulas dúvidas.

Repetição Rever (reler) o conteúdo de Auxilia no reforço


espaçada preferência em dias alternados ao invés da memória, sem
de várias vezes no mesmo dia. sobrecarregar o cérebro.

41
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Técnica Descrição Contribuição


Alterar técnica Se proponha em exercícios diferentes Possibilita a
de resolução de para o mesmo conteúdo (alterne neuroplasticidade, ou seja,
exercícios. leitura, fichamento, reprodução de várias possibilidades de
aula etc.). resolução para um mesmo
problema.

Realize Faça um ciclo de tempo para estudos Permite dinamizar a rotina


intervalor e estabeleça uma pausa, ou pausa para de estudos, propiciando
regulares de descansos maiores no decorrer do dia, inclusive relaxamento
qualidade. ou pausa no fim do dia (mais longa até mental e corporal.
o dia seguinte), contudo, não durma
em seguida, se proponha em outra
atividade.

Estudos em Faça de forma estruturada (conteúdo Permite trabalhar a


grupo. e tempo definidos) estabeleça regras flexibilidade de ideias
de funcionamento, se permita na troca reflexivas e interação social.
ensine a aprenda.

Fonte: Olivieri (2018) adaptado pelo autor (2020).

O quarto passo é de fundamental importância para qualquer processo


que exija desenvolvimento de habilidades, como o foco. Este diz respeito
à otimização do ambiente, que deve ser um lugar adequado, com o mí-
nimo de distrações e o máximo de praticidade, ou seja, tendo o essencial
ao alcance da mão (OLIVIERI, 2018). Ainda segundo o autor, o quinto
passo é estabelecer uma estratégia para cada tipo de avaliação, estar atento
ao peso de cada conteúdo, focar no que no que é mais importante, fazer
experimentos anteriores ao dia oficial da avaliação. O sexto passo realça a
importância da produtividade se dar por meio da especificidade e clareza
dos objetivos, no intuito de não desperdiçar tempo.
E finalmente o sétimo passo e talvez o mais importante, no qual Oli-
vieri (2018) se refere ao que é feito no tempo livre e como estabelece
os relacionamentos. Aprender a aproveitar o tempo livre é tão complexo
quanto aprender e praticar todo o resto, anteriormente mencionado no
processo. Deste modo, conectar-se de forma significativa em atividade
prazerosas e divertidas com outras pessoas, buscar atividades que qualifi-
quem a saúde mental, como processo terapêutico, técnicas de relaxamen-

42
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

to, ou seja, atribuindo significado e relevância ao tempo no qual não está


estudando.
Diante do exposto, Tavela Junior (2018) salienta que cada pessoa de-
senvolve suas habilidades de forma bastante particular, não sendo, por-
tanto, as propostas de treino da inteligência emocional, uma receita infle-
xível ou infalível. Deste modo, o autor reforça a importância de escolher
a técnica mais adequada ao objetivo ao qual se propõe. Assim, técnicas
de treinamento são mais interessantes para o domínio de conteúdos; por
outro lado, técnicas de relaxamento são mais viáveis para o contexto de
inteligência emocional aplicada, por exemplo, a relações de trabalho.
Todavia, o elemento de maior relevância no treino da inteligência
emocional é saber diferenciar emoções que são, por exemplo, a raiva, tris-
teza, medo; dos sentimentos que é a manifestação da emoção; e os estados
de humor que diz respeito à sensação associada a uma emoção (TAVELA
JUNIOR, 2018).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conjuntura de acesso ao ensino superior no Brasil se configura, em


sua grande maioria, por meio da excelência nos resultados do processo
seletivo que se dá através do ENEM. A excepcionalidade nos resultados
também é quesito fundamental de apreciação dos concursos públicos, na
corrida pela tão almejada carreira estável e consideravelmente bem remu-
nerada. Desta maneira, o grupo de pessoas que se lançam nessa emprei-
tada buscam, em seus processos de preparação, nada menos que a exce-
lência, e que para alcançar a aprovação se propõe em jornadas de estudo,
caracterizando-se assim, como sujeitos de alta performance.
Contudo, é entendido que alta performance, exige muito além que
dedicação e disciplina nos estudos. Na discussão apresentada neste artigo,
pudemos identificar que trabalhar a habilidade da inteligência emocional
se apresenta como um diferencial essencial para que a alta performance
seja processada de maneira saudável, acarretando conquistas reais, sendo
no contexto aqui discutido, a aprovação.
Existem inúmeras maneiras de se trabalhar a inteligência emocional.
Todavia, diante da perspectiva neuropsicanalítica aqui apresentada, com-
preendeu-se que primeiro se faz necessário reconhecer as próprias emo-

43
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ções, de modo a diferenciar dos sentimentos e dos estados de humor, uma


vez que é no aparelho psíquico que acontece a interação dos neurônios
que em última instancia são â base de desenvolvimento das emoções e do
prazer.
Destacaram-se, ainda, técnicas de aprendizado que devem ser pen-
sadas e aplicadas de forma particularizada a cada sujeito, presumindo que
não exista uma única fórmula para fomentar a inteligência emocional em
todas as pessoas.
Vale ressaltar que as limitações deste estudo se apresentaram diante
da escassez de conteúdo na literatura, que faça uma interlocução discursi-
va entre a perspectiva psicanalítica e a inteligência emocional aplicada ao
contexto da alta performance. Portanto, caracteriza-se este estudo como
essencial para maior discussão, sobretudo por se tratar de um tema que
reflete a realidade de uma parcela considerável da população brasileira.

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47
AS DIMENSÕES DO (IN)SUCESSO
ESCOLAR
Jacira Medeiros de Camelo3
Matias Rebouças Cunha4
Rosiomar Santos Pessoa5
Sônia Régia Pinheiro de Moura6

INTRODUÇÃO

A discussão acerca do sucesso/insucesso escolar não é antiga. No Bra-


sil, iniciou-se nos anos 1980. Com a execução do ensino obrigatório para
todos, o insucesso escolar se tornou um fenômeno de destaque sob o pon-
to de vista social. Portanto, com a massificação do ensino, a sala de aula já
não é privilégio de alguns, mas a desigualdade do acesso na perspectiva da
permanência e sucesso pela qualidade do ensino tem sido o grande desafio
do ensino público.
A problemática do insucesso escolar preocupa estudiosos, pesquisa-
dores, e ainda todos os atores escolares como professores, alunos, pais e
técnicos da área. Por isso, é necessário aprofundar as investigações relativas
a esse fenômeno. Este problema é recente, sua configuração surgiu no
meado do século XX, momento em que a sociedade anuncia a exigência

3 Doutoranda em Ciências da Educação.


4 Doutorando em Educação.
5 Doutoranda em Ciências da Educação.
6 Doutoranda em Ciências da Educação.

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de escolaridade para todos, como forma de atender aos interesses econô-


micos e igualitários (MENDONÇA, 2006).
De acordo com essa questão, Rovira (2004), Marchesi e Pérez (2004),
Mendonça (2006), Martins (2007), Fernandes (2012), Machado, 2013 e
Neves (2016) retratam que com a massificação do ensino ocorreu cresci-
mento do número de alunos nos diferentes níveis de ensino. Não criaram,
entretanto, estruturas organizacionais capazes de garantir a qualidade de
ensino a cada aluno, permitindo avanços quanto ao insucesso escolar.
Diante dessa realidade, emerge uma nova vertente de discussão com
intuito de analisar a literatura relativa ao entendimento dos conceitos e os
efeitos quanto ao insucesso escolar. Por se tratar de um estudo pertinente a
uma linha de pesquisa vinculada à educação, o grande desafio foi articular
as dimensões sociológicas do (in)sucesso escolar. O mau êxito do aluno,
de acordo com a literatura, pode estar atrelado a questões pessoais do alu-
no e/ou atrelado ao contexto escolar, como pode estar ligado a elementos
extraescolares (MENDONÇA, 2006). Como se percebe, a exposição e
solução do problema não é tarefa tão fácil.
Segundo Marchesi e Pérez (2004), as elevadas taxas de insucesso es-
colar têm embate grave nos alunos, na escola e na sociedade, mesmo para
qualquer que seja a definição e o indicador que se distinga. Assim, importa
apontar os indicadores que possam identificar o fenômeno do insucesso,
além disso, o conceito não se encerra nesses indicadores, pois a abrangên-
cia dos aspectos observáveis na atual conjuntura histórica evidencia outros
mais que nos permitem localizar o fenômeno.
Indica Mendonça (2006) que na análise dos dados sobre o insucesso
escolar, não é utilizado apenas um indicador para este fenômeno, mas vá-
rios indicadores, tais como as reprovações, os abandonos da escolaridade,
taxa de retenção, dificuldades de aprendizagem, absentismo e os atrasos.
Nesta perspectiva, defende Neves (2016) que existe cenário de insucesso
com os alunos que não conseguem seguir as aulas com bom desempenho,
não apenas em relação aos resultados de rendimento ao final de um ano
letivo, mas ainda em relação ao nível de conhecimentos, no que se refere
às avaliações realizadas no final de cada bimestre estudado.
Como forma de relatar de modo resumido o significado mais comum
de insucesso escolar, seja o que se refere a um baixo rendimento acadê-
mico ou ao abandono precoce dos estudos, Rovira (2004) declara que

49
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

essa acepção não é de modo determinado a única, pois pode-se encontrar


situações de insucesso escolar nos alunos que não conseguem adaptar-se
às normas das escolas; que são pouco trabalhadores; que não conseguem
manter seu comportamento dentro dos limites que a comunidade escolar
estabelece; o aproveitamento dos alunos têm nível baixo; autoestima dos
alunos comprometida; dificuldade de adaptação social ao ambiente escolar
e outros. Identifica-se a partir dessa análise, que não existe um olhar uni-
tário sobre o insucesso, sendo assim, há dificuldades na realização de abor-
dagens diagnósticas, preventivas e interventivas (MENDONÇA, 2006).
Neste sentido, a importância deste estudo elucida-se nos aspectos
subjetivos quanto a forma de pensar dos educadores sobre essa problemá-
tica. Assim, a pesquisa tem como objetivos: conhecer a perspectiva dos
educadores sobre o insucesso escolar.

1. AS DIMENSÕES QUE COMPÕEM O (IN)SUCESSO


ESCOLAR

A escola no cumprimento quanto a função social e educativa de


forma ampla, sinaliza três aspectos fundamentais de suas finalidades.
De acordo com Pires et al. (1991), a educação tem como finalidades
instruir, estimular e socializar os discentes; assim, pode-se dizer que se
alguma destas dimensões não forem atingidas, caracteriza-se insucesso
escolar. Ou seja, visa à aquisição de determinados conhecimentos e
técnicas (instrução), a absorção e manifestação de determinados com-
portamentos e valores que instrumentalizem para a vida social (sociali-
zação), o desenvolvimento estável da personalidade do aluno (estimu-
lação/motivação).
No que concerne aos aspectos que parecem ter interferência no de-
sempenho e resultados escolares dos alunos, podemos integrar as variáveis
de natureza cognitiva, comportamental e interpessoal. Assim, salientam
Fernandes (2012) e Pires et al. (1991), que a educação escolar visa obter
determinadas aprendizagens, o desenvolvimento da personalidade e a ex-
pressão de determinadas condutas e valores. Se algum destes propósitos
não é atingido, pode-se entender que não existirá sucesso escolar.
Indica Mendonça (2006) que o insucesso escolar manifesta quando
algum ou alguns dos objetivos da educação escolar não são alcançados;

50
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portanto, os indicadores de reprovações sinalizam que houve insucesso


em relação à instrução. Em síntese, certo é que há estudos que fornecem
provas empíricas de que o (in)sucesso escolar está interligado ao prisma
instrucional. Não obstante, o insucesso pode ser identificado em outras
dimensões educativas.
Para tratar da natureza dessa discussão, Pires et al. (1991) relatam que
na escola é valorizada a dimensão da instrução em detrimento de uma
concepção mais ampla de educação onde a dimensão personalista e a di-
mensão socializadora, são notadamente inferiorizadas.
Ao tratar o insucesso escolar, notoriamente a dimensão instrucional
tem domínio sobre a prática educativa, situação que na maioria das vezes
não valorizam outras ideias ligadas a natureza dessa discussão, como os
aspectos emocionais e comportamentais. Frequentemente, ocorre que as
dimensões socialização e formação da personalidade não são levadas em
conta numa razão global sobre sucesso ou insucesso escolar, mas elas são
importantes para a caracterização do êxito na organização de uma pro-
posta educativa. Nesse sentido, compreende-se a necessidade de conheci-
mento que interliguem essas dimensões, a fim de melhor compreensão e
realização do papel de educar.

1.1 DIMENSÃO INSTRUCIONAL/ACADÊMICA

Vale salientar que o mais importante desafio da educação é assegurar


a permanência dos alunos na escola e tratar para que todos aprendam e
concluam com sucesso os níveis de escolaridade, consolidando os conhe-
cimentos necessários de cada etapa de ensino. Para tanto, a escola precisa
ofertar oportunidades e mecanismo de alcance para as aprendizagens de
cada um e de todos os alunos.
Nesta perspectiva, o insucesso escolar traz consequências negativas pes-
soais com encadeamento de problemas pessoais e sociais que concorrem para
a exclusão dos direitos que estão associados a vida estudantil e cidadã. Assim
como a escola, a sociedade penaliza aqueles que têm qualificação e conheci-
mentos insuficientes para exercício da cidadania. Como se ver, o problema
não é de fácil solução, pode-se pegar a questão da reprovação, este indicador
assume-se como meio de sanção aos alunos que face ao que é supostamente
trabalhado pela escola, não conseguem apreender (AZEVEDO, 2012).

51
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Até então, sobre a questão da aprendizagem, diz Silva (2015) que


como possibilidades que podem gerar prejuízo para que o aluno aprenda,
além dos fatores socioeconômico, familiares e escolares, ocorrem casos de
disfunção cognitiva, sensorial ou motora que incidem no nível pessoal,
por vezes, tardiamente detectada, distanciando o aluno da performance
desejada, que também pode ocasionar comportamentos inadequados, e
também pode acarretar o abandono escolar.
Segundo Díaz et al. (2012), a maioria dos alunos que abandonam a
escola tem um trajeto com caracterização por reprovações de ano, baixo
rendimento escolar, ausências frequentes às aulas e mudanças sucessivas
de escola, mau comportamento, tal como se ver, no caso de muitos alunos
que desistem da escola, a resposta da instituição escolar costuma ser a ex-
pulsão e/ou a proibição de matrículas daqueles alunos considerados com-
plicados. Percebe-se que os alunos não são adequadamente estimulados a
utilizar estratégias vinculadas ao processo de ensino e aprendizagem, con-
corre assim, de forma negativa para seu desempenho, e ainda, tornam-se
indiferentes as atividades da vida escolar (MACHADO, 2013).
É necessário considerar que, se por um lado a aprovação dos alunos
com rendimento abaixo do desejado, sem intervenções adequadas as
realidades específicas, não garante que o direito à aprendizagem aconteça,
de outra forma, quanto à reprovação, podemos indicar que pelo insucesso
nos exames, tende a prejudicar ainda mais o percurso escolar, em condi-
ções mais sérias, pode ocasionar a repetição do ano escolar nas mesmas
condições que levaram a reprová-los (MENDONÇA, 2006). Através do
meio da reprovação ou de outros mecanismos sociais criados pela
escola, os alunos desestimulados, desistem da escola sem ter con-
cluído os níveis de ensino, sem ter atingido satisfatoriamente uma
aprendizagem mínima para a vida pessoal e social.
Para Díaz et al. (2012), dentre todos os indicadores de insucesso, o
abandono é considerado o mais grave, haja vista que a posição de saída da
escola por pressão escolar e ou por inadaptação ao sistema de ensino, pode
gerar sérios problemas de desordem pessoal por diminuir as possibilida-
des de desenvolvimento cognitivo, emocional e relacional, em que podem
concorrer para muitas dificuldades, dentre elas, a inserção no mercado
de trabalho. Dessa forma, de acordo com Martins (2007), a escola deve
trabalhar para além dos conhecimentos, precisa assumir o papel de educar

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para vida, uma vez que não devemos conhecer a correlação entre sucesso
escolar e sucesso educativo.

1.2 DIMENSÃO SOCIALIZAÇÃO

A socialização na escola tem papel importante na formação indivi-


dual de cada aluno e de todos. Dessa forma, o ambiente escolar é um
espaço precioso de interações, aprendizados, trocas de ideias, valores e
interesses diferentes. A escola é um local de destaque para a socialização
dos discentes, bem como para o processo de construção da identidade
individual e coletiva (MIGUEL; LIMA, 2012).
A partir da citação referente ao autor supracitado, precisa-se levar em
consideração as variadas características no processo das interações pes-
soais, como além das questões cognitivas, pois tem-se que ter em conta a
aquisição de valores morais e éticos, bem como a construção da identidade
e a capacidade de ser e interagir, logo, surge a necessidade de compreender
que a escola contribui para a dimensão da socialização (MARTINS, 2007).
Quanto a essa questão os estudiosos (MENDONÇA, 2006; MARTINS,
2007; MIGUEL; LIMA, 2012; SILVA, 2015) mostram que a escola de-
sempenha um papel fundamental na promoção do conhecimento social,
no desenvolvimento das capacidades cognitivas, que refletem na com-
preensão que os discentes têm do mundo social e de suas especificidades.
Ao discorrer sobre a abordagem sociológica sobre o (in)sucesso es-
colar, a escola tem que transcorrer com a ultrapassagem dos limites da
instrução, deve ampliar domínio para o sistema das interações pessoais,
em que cada indivíduo seja visto e reconhecido como ser de potencialida-
des, capacidades e interações, em que suas experiências enriquecem suas
vivências a partir de si e da relação com as demais pessoas (CAMELO,
2020).
As interações sociais desempenham um papel fundamental no resul-
tado escolar (FERNANDES, 2012). Segundo Azevedo (2012), a dimen-
são social da educação consiste na formação integral do sujeito, o qual
requer a interposição de várias pessoas no processo, dentre eles, temos os
aspectos dentro da instituição escolar e os agentes fora da escola
A partir do exposto, observa-se a importância que os autores (MAR-
CHESI; PÉREZ, 2004; FERNANDES, 2012; MIGUEL; LIMA, 2012)

53
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

reservam aos aspectos afetivos e comportamentais na conduta, que envolve


os vínculos entre aluno/aluno e professor/aluno nas relações pedagógicas.
Acrescenta-se ao pensamento que um elemento preventivo relevante nas
interações é construir um espaço escolar democrático, no qual se cultive
o diálogo e a afetividade humana, assim, é necessário implementar políti-
cas educativas para maior articulação da escola, família e alunos, em que
possam aprimorar a capacidade de ouvir, refletir e discutir sua realidade.
(MIGUEL; LIMA, 2012).
Desse modo, acha-se de grande importância os pressupostos da so-
cialização escolar, para Martins (2007) é uma dimensão determinante das
condutas reproduzidas e aceitas socialmente, ligadas aos aspectos compor-
tamentais do aluno, em que a escola valoriza o uso de regras e normas sus-
tentadas unilateralmente pelos educadores que fazem a escola, confiados e
apoiados pela sociedade.
A educação atua com ação social em que ainda exerce de forma uni-
lateral, ou seja, os adultos incutem nos discentes as atitudes, regras e com-
portamentos reconhecidos pela sociedade. É neste tipo de relação que a
discriminação, marginalização e desigualdade atingem os alunos que não
acatam as normas e regras do sistema válido, ou que as reprovam. Nesta
perspectiva, sempre que os alunos apresentam comportamentos divergen-
tes ou desviantes com relação ao que seria de esperar, estamos diante de
indicação de insucesso na componente da socialização sobre o insucesso
educativo (MIGUEL; LIMA, 2012).
Alerta-se que as emoções do discente são condicionantes para a apren-
dizagem, como também a relação e experiências que os alunos vivenciam
com os professores. Quanto à relação professor-aluno, essa não pode ser
baseada em simples comandos, controles, ameaças ou castigos, ela precisa
ser alicerçada em uma correspondência emocional, que favoreça partilhas
de experiências, respeito as diferenças, envolvimento e participação dos
alunos nas definições das regras e normas, que proporcione conforto e
segurança, assim dando suporte ao aluno para solucionar seus problemas
(FONSECA, 2007).
Para Miguel e Lima (2012), a indisciplina escolar é um dos maiores
impedimentos para o relacionamento saudável entre professores e alunos.
Portanto, uma das principais tarefas dos professores é estimular apren-
dizagens significativas nos discentes, promover a socialização dos alunos

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em relação ao mundo escolar e externo à escola, possibilidade de fazer


com que os discentes compreendam e exercitem a cidadania. Isso implica
anunciar que a educação escolar tem como papel propiciar a consciência
crítica e reflexiva em que o acesso ao saber ocorra com a participação ativa
do aluno.

1.3. DIMENSÃO ESTIMULAÇÃO/FORMAÇÃO DA


PERSONALIDADE

Segundo os autores Pires et al. (1991), a formação dos alunos deve


ser mais além do que adquirir conhecimentos. É preciso pensar que a
educação não trata apenas da transmissão e da aprendizagem de
conteúdos, mas também do desenvolvimento social e pessoal de
um indivíduo. Dessa forma, o desenvolvimento integral do aluno/da
sua personalidade considera o aperfeiçoamento na organização de aspec-
tos físico, social, emocional, psicológico e cultural (SILVA, 2015).
A formação da personalidade pode ser estimulada através da perso-
nalidade de familiares, educadores e outros que permanecem próximos
as crianças por longos tempo, dessa forma, o docente exerce função não
menos do que os pais no desenvolvimento da criança.
A partir das atitudes e características da personalidade de cada indi-
víduo, a criança passa a ser influenciada por tais pessoas e passa a mani-
festar-se, demonstrando suas necessidades e vontades. A essas pessoas li-
gadas à criança cabe o compromisso da formação inconsciente do caráter,
dos sentimentos, do psicológico, do temperamento, da inteligência e de
outros (WALLON, 1995). Tais características são formadas ao longo do
período de desenvolvimento, ou seja, inicia-se na infância de acordo com
o tratamento que recebe e com o modo de vida que tem dentro de seus
ambientes, sejam eles o lar, a escola e outros locais (FONSECA, 2007).
Como se ver, a estruturação da personalidade trata-se de um processo de
evolução ao longo do ciclo da vida da pessoa.
A cada etapa do desenvolvimento, o ser humano reage às situações de
acordo com suas condições emocionais e suas possibilidades intelectuais.
A personalidade representa a integração de um componente afetivo, o ca-
ráter, e de um componente cognitivo, a inteligência (WALLON, 1995).
Dessa forma, pode-se perceber que existe um amplo poder dos professores

55
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

para influenciar os alunos, inclusive nos resultados escolares, na formação


moral e de valores, para o desenvolvimento intelectual e as aptidões sociais
do discente, para a vida em sociedade.
As ações humanas giram em torno das suas necessidades. Algumas
necessidades são primárias, como as condições fisiológicas de alimento,
água, respirar, alimento, excreção, abrigo e sono. Outras podem ser consi-
deradas secundárias, como as de autoestima, autoconfiança, status, estima,
reconhecimento, afeto, entrega, realização e autoafirmação. Percebe-se
que essas necessidades variam em intensidade, de acordo com as circuns-
tâncias, de uma pessoa para outra. É de suma importância que os serviços
educativos trabalhem no estímulo dos alunos ao convívio social, em que
possam ir além dos conteúdos e exercitem o ensino de bons costumes e
hábitos, a fim de ampliar o desempenho da personalidade, como condição
de uma boa convivência (SILVA, 2015).
Assim, é indispensável que o professor possa favorecer forma de so-
cialização, com incentivo da cooperação, interação e espírito de solidarie-
dade, a participação e responsabilização, como também, tenha atenção a
formação complexa do psiquismo humano, que compreende as capacida-
des cognitivas quanto as emoções, constituído por distintas funções psi-
cológicas que, integradas, caracterizam a forma singular de cada indivíduo
ser diante do mundo (WALLON, 1995).
Nesse contexto, é necessário o esforço no sentido de o professor sub-
sidiar através de trabalho pedagógico, por diferentes formas de mediação,
a promoção da aprendizagem dos conhecimentos que contribuam para a
formação cognitiva e da personalidade do aluno, como pessoa completa.
Assim, podemos dizer que o aprendizado escolar do aluno, deve favorecer
o seu desenvolvimento integral.

METODOLOGIA

A pesquisa de campo seguiu a abordagem qualitativa, que trabalha


com universo de significados, crenças, desejos, relações humanas, não po-
dendo ter generalizações por se tratar de uma realidade específica (MI-
NAYO,1994).
O estudo é parte de uma investigação mais profunda, recortes da tese
de doutorado que aguarda defesa pública, referente a um tópico teórico e

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

uma questão utilizada na entrevista, que possibilitou respostas aos objeti-


vos indicados nesta investigação. Nesta perspectiva, a pesquisa de campo
foi realizada por meio da aplicação de entrevista semiestruturada para 30
participantes: 28 professores, uma coordenadora escolar, uma diretora geral.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na aplicação da pergunta semiestruturada obtivemos como principais


respostas quanto ao entendimento sobre insucesso escolar:

[...] aluno não consegue acompanhar o conteúdo [...] o aluno não


atinge os objetivos propostos pelo processo de aprendizagem [...]
desinteresse do aluno, aí gera também no professor...; ..a falta de
apoio familiar [...] alunos que não estão totalmente aptos para pas-
sar de uma turma para outra [...] é quando as metas da escola não são
atingidas [...] o planejamento não é cumprido [...] quando ele não
consegue atingir os objetivos de aprendizagem [...] falta de interes-
se dos alunos...falta de boas notas...”; “Pessoa que não consegue
obter êxito [...] a gente não consegue despertar no aluno interesse
para ele aprender [...] quando o aluno não se enquadra nas regras,
não consegue obter resultados positivos em termos de aprendiza-
gem [...] ele não consegue se desenvolver intelectualmente...

A partir da sequência de ideias apresentadas pelos profissionais, na vi-


são deles, o insucesso escolar tem representação central na figura do aluno,
como se esse fosse o único culpado na questão. Observa-se ainda, que não
há uma unidade quanto a compreensão do conceito. Tal análise é concor-
dante com Mendonça (2006), que retrata não existir uma uniformidade
semântica quanto à definição de insucesso escolar. Para a autora, como
tentativa de entendimento do fenômeno, é comum se utiliza de diferentes
indicadores, como reprovação, repetência e abandono.
Na maior parte das respostas, há evidente direcionamento para a di-
mensão instrucional, em atenção aos aspectos da cognição. Como se ver,
a dimensão da socialização foi identificada apenas num relato do descum-
primento das regras, no entanto, o mau comportamento do aluno, na
maioria das vezes tende a agravar-se, condição que exacerba mais ainda
um caminho de insucesso para o discente (SILVA, 2015).

57
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Destarte, quanto a dimensão da formação da personalidade, não hou-


ve menção dos entrevistados quanto aos aspectos que possa ter ligação com
a formação psíquica e moral dos alunos. No entanto, para Wallon (1995),
a educação escolar contribui para a formação da personalidade do aluno,
assim é preciso entender que os educadores têm impacto importante so-
bre a história de vida dos alunos. Neste sentido, a conduta do professor e
suas expectativas sobre o aluno são fundamentais para a formação moral e
intelectual dos discentes.
Na opinião dos entrevistados, mesmo estando a pergunta direcionada
para o entendimento sobre o fenômeno do insucesso escolar, percebe-se a
existência de diferentes fatores que interligam ao problema, vinculado aos
alunos, pais e a escola.
Ao tratar do insucesso escolar é possível perceber que a implicação desse
problema segue caminho pela vida pessoal dos sujeitos que passam pela es-
cola, acarretando sérios danos: emocional, profissional, econômico e social.

Essa pergunta ela é bem complexa de se responder, né. Se a gente pen-


sar na verdade, o que que é ter sucesso, mas já que um dos papéis da
escola é passar para gerações futuras o conhecimento acumulado das
gerações anteriores e também fomentar a cidadania, eu acredito que
insucesso escolar seja o fato da escola não promover o aprendizado do
aluno e assim também acabar não promovendo a sua cidadania.

Com significação mais ampla de que o (in)sucesso escolar perpassa e


interliga as dimensões instrucional, socialização e formação da personali-
dade, é importante que os profissionais enxergarem a sintonia entre essas
dimensões. Assim, nas práticas pedagógicas, deve-se valorizar as poten-
cialidades e capacidades intelectuais dos alunos, as interações entre os di-
versos segmentos escolares e a formação integral do discente como sujeito
de sua história.

CONCLUSÕES

Cabe referir, à luz da interpretação dos dados, que há polisse-


mia de ideias quanto ao entendimento sobre insucesso escolar. Nesta
medida, os resultados indicam a importância de processos coletivos,

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

mais democráticos que possam favorecer reflexões e estudos na esco-


la sobre essa temática, para que possam compreender melhor sobre a
questão.
Discutir o (in)sucesso escolar torna-se uma tarefa de fundamental
importância na prática educativa para minimizar os efeitos dessa proble-
mática na vida estudantil e pessoal do aluno. Nesta perspectiva, os edu-
cadores precisam apropriar-se de conhecimentos teóricos que possam
embasar as suas práticas pedagógicas.
Diante da complexidade do ato educativo, os educadores preci-
sam levar em conta, objetivamente, que o desenvolvimento do ser
humano não pode ser perspectivado apenas por indicadores como
aprovação, reprovação, abandono. Isso remete diretamente às ques-
tões acadêmicas dos conteúdos, mas também é preciso considerar
os aspectos relacionais, com atenção à boa convivência entre todos,
como parte integrante da aprendizagem. Assim, cada aluno poderá ser
visto na sua individualidade, no sentido de melhor desenvolver as po-
tencialidades dos alunos no processo cognitivo, afetivo, social e ético
para formação do caráter.

REFERÊNCIAS

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dos professores. Faculdade de Educação e Psicologia da Universi-
dade Católica Portuguesa-Porto, 2012.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa, Edições


70, 1995.

60
INTOLERÂNCIA À DIVERSIDADE
CULTURAL NA ADOLESCÊNCIA: A
BANDEIRA DO LGBT MARCADA PELO
CYBERBULLYING
Josicleia de Oliveira Soares

INTRODUÇÃO

Quando falamos sobre a prática do cyberbullying, temos como a raiz


do problema temas ligados à intolerância. As mais variadas categorias
de violências por trás da não aceitação das escolhas individuas, como
religião, política e as opções sexuais, têm-se agravado no Brasil. O
país, sendo protagonista de uma diversidade cultural acentuada nos
mais amplos aspectos, é também um dos países com maiores índices
de agressões físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais em re-
lação à comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transe-
xuais e Transgêneros (LGBT).
A comunidade LGBT é marcada historicamente por tristes episódios
de violência física e moral levando a extremos. Os homicídios referentes
a essa cultura estão cada vez mais altos, as práticas do cyberbullying no ci-
berespaço são de maneira frequente. O anonimato é afirmado e ofensas
são redigidas em âmbitos virtuais principalmente em redes sociais. Nisso
percebemos que não há limites a prática criminosa, pois a violência vai
além do espaço físico se extrapolando para o virtual. O cyberbullying é uma
arma letal e suas consequências vai além de danos emocionais causados
pelas ofensas. As marcas são reais e podem levar a homicídios e aos sui-

61
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

cídios além dos traumas do desenvolvimento, dificuldade na integração


social e transtornos psicológicos.
Com o desenvolver do tema, o presente artigo apresentará discus-
sões a respeito dos níveis estruturais culturais de Augustí Nicolau Coll
(2002), uma teoria básica para o entendimento sobre a construção de
cada indivíduo. Veremos que as escolhas individuais estão diretamente
ligadas aos níveis estruturais que sofre influência: da instituição, crença
e as práticas.
Em outros tópicos, aprofundaremos na definição da palavra cyber-
bullying, uma espécie de bullying virtual, e iremos enfatizar a discussão des-
sa prática criminosa na fase da adolescência. Traremos algumas possíveis
causas do que pode influenciar os agressores a optarem pela realização do
crime, discutiremos as consequências trazidas para o agressor/agredido em
relação à prática, reveremos as leis de respaldo nacional e por fim apresen-
taremos a hipótese para barrar ou tentar diminuir as agressões recebidas
pelo público LGBT.
Com isso, o presente artigo objetiva apresentar de maneira clara as de-
vidas informações para uma compreensão ampla sobre o problema, além
de propor soluções apresentando métodos eficazes com o intuito de pro-
mover a diversidade e o respeito em relação às opções sexuais.

1. NÍVEIS ESTRUTURAIS DA CULTURA DE AUGUSTÍ


NICOLAU COLL

Quando falamos nas diversidades culturais temos o Brasil como refe-


rência gritante, a miscigenação é um exemplo claro da característica dessa
sociedade e a todo lado nos deparamos com pessoas de raças, etnias, usos
e costumes variados. Rodolfo Alves Pena descreve etnias e raças como:

Um país com uma grande diversidade étnica, ou seja, apresen-


ta uma elevada variedade de raças e etnias. Nesse caso, o termo
“raça” não é compreendido em seu sentido biológico, mas sim
em seus aspectos socioculturais de modo a diferenciar os grupos
populacionais por características físicas externas, geralmente a cor
e outros aspectos. Já o termo “etnia” costuma definir as popula-
ções com base também em suas diferenciações culturais e linguís-

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ticas, envolvendo também tradições, religiões e outros elementos.


(PENA, 2021).

Dentre os mais variados povos que compõem a civilização brasileira,


destacam-se “três grandes e principais grupos étnicos: os indígenas, os
africanos e os europeus” (PENA, 2021), precursores das nossas tradições,
práticas sociais, religiões etc. Em um país rico nas diversidades, cores, ra-
ças, costumes, valores e crenças, valem as palavras de Freyre (2006, p.
367), o brasileiro mesmo o de cabelos claros traz consigo a miscigenação
no corpo e na alma, há muitos que trazem a pinta do negro ou a do indí-
gena, a música, o catolicismo quase tudo é trazido de fora para cá:

Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quan-


do não só na alma e também no corpo – há muita gente de jenipapo
ou mancha mongólica pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta,
do indígena ou do negro. No litoral, do Maranhão ao Rio Grande
do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência
direta, ou vaga e remota, do africano. Na ternura, na mímica exces-
siva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música,
no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é
expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influên-
cia negra. Da escrava que nos embalou. Que nos deu de mamar.
Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de
comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de
bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro
bicho- de- pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor
físico e nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a primeira sen-
sação completa de homem. Do moleque que foi o nosso primeiro
companheiro de brinquedo (FREYRE, 2006, p.367).

Em uma visão ampla, temos a cultura como tudo o que significa a


partir de uma produção humana, é uma espécie de “teia” de significado
tecido pelo homem Geetz (1989). Além disso, pode-se considerar a cul-
tura como:

O homem é resultado do meio cultural em que foi socializado.


Ele é herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete os

63
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

conhecimentos e experiencias adquiridas pelas numerosas gerações


que antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patri-
mônio cultural permite as inovações e as invenções (LARAIA,
1986, p. 45).

A socialização dita por Laraia é um tópico essencial para que a cultu-


ra se desenvolva. Nesse âmbito o pesquisador espanhol Augustí Nicolau
Coll a divide em três níveis estruturais. Em suas obras ele ressalta que
não se deve ocultar as diferenças trazidas pelas diversidades, até porque o
mundo se resulta a esse fato: “não há ato político, econômico, científico,
religioso, jurídico, social, artístico ou folclórico que não seja cultural, ou
seja, que não expresse uma cultura específica” (COLL,2002, p.28). Além
disso, o altor analisa a importância do respeito a diversidade cultural:

Quando falamos sobre diversidade cultural, estamos falando sobre


pessoas e comunidades humanas que, por razões e motivos muito
diferentes, desenvolveram modos especiais de viver, que são cria-
dores de sentido não apenas material e individual, mas também
espiritual e coletivo (COLL, 2002, p. 39).

O primeiro nível retratado por Augustí Nicolau Coll diz a respeito a


crenças e valores:

Um primeiro nível diz respeito aos valores e crenças — conscientes


ou inconscientes — em que cada cultura fundamenta e desenvolve
sua maneira de conceber a realidade e de se situar nela. Tais valo-
res e crenças nem sempre são da ordem da consciência reflexiva e
do logos, mas principalmente da ordem do mythos, que é aquilo
em que acreditamos sem termos consciência de que acreditamos
(COLL, 2002, p. 32).

Nesse primeiro nível, os valores e crenças são a base da estrutura cul-


tural. Na definição no Dicionário On-line de Português temos os valo-
res como “reunião das normas, preceitos morais e/ou regras sociais, que
são passadas de uma pessoa, sociedade, grupo ou cultura para outra(s)”
(2021). Em uma definição epistemológica de crenças temos: convicção
íntima; opinião que se adota com fé e convicção; certeza (DICIO, 2021).

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E ainda nas palavras de Augustí essas crenças e valores são reproduzidas e


repassadas, nem sempre cultiva a reflexão ou a indagação da raiz da crença,
e muitas vezes é feita de maneira inconsciente.
O segundo nível compreende todas as categorias de instituições:

Um segundo nível diz respeito às instituições que se desenvolvem


nos diversos âmbitos da realidade, como concretização estrutural dos
valores e crenças e também como marco referencial dentro do qual
se inscrevem e se desenvolvem as práticas concretas. Essas institui-
ções podem ser de caráter mais ou menos formal, o que não tem
relação alguma com sua importância. (COLL, 2002, p. 32-33).

Nesse segundo nível, as instituições chegam como concretizadoras


do processo dos valores e crenças. Elas são responsáveis por afirmar um
conceito podendo ser uma instituição formal ou informal.
E por último, o terceiro nível estrutural cultural traz as práticas, ou
seja, a atuação ativa do indivíduo nos diversos setores e podem sofrer al-
terações conforme a convivência em sociedade. Para a antropóloga ame-
ricana Ruth Benedict (2000), a cultura pode ser comparada como uma
lente pela qual o homem vê o mundo, homens de culturas diferentes usam
lentes diversificadas e possuem visões distintas.
Tendo em mãos essas informações, é importante ressaltar o respeito
as escolhas individuais de cada cidadão a partir de suas crenças e valores,
tomando sobre consciência a heterogeneidade não apenas na sociedade
Brasileira, mas ao nível global.

2. A CULTURA LGBT NA MIRA DOS ADOLESCENTES


INTOLERANTES:

Tendo em vista as estruturas da cultura e entendendo como se dá


essa percepção na atualidade, veremos como a diversidade cultural ins-
tiga a prática do preconceito e a violência. Para Minayo e Souza (1998),
violência é “qualquer ação intencional, perpetrada por indivíduo, grupo,
instituição, classes ou nações dirigidas a alguém, que resulte em prejuízos,
danos físicos, sociais, psicológicos”. A violência não se resume a açoites
físicos; qualquer ação direcionada com o objetivo de causar possíveis da-
nos pode ser caracterizada como violência.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Quanto aos aspectos políticos que ampliam o conceito de violência


psicológica, temos a Lei n° 11.360:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que


lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degra-
dar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,
chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, explora-
ção e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que
lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Lei n.
11.360 (BRASIL, 2006).

A violência psicológica tratada em lei não resultou em consideráveis


mudanças a essas práticas. As ofensas verbais extrapolam o ambiente físico
e se espalham também em âmbitos virtuais, com isso vemos crescente prá-
ticas ao cyberbullying no mundo todo, principalmente em relação as diver-
sas categorias de preconceitos, sendo eles: racial, cultural, religioso, social,
linguístico e sexual (HIPERCULTURA, 2021).
O tema deste tópico será discorrer sobre o preconceito sexual come-
tido pelos adolescentes enfrentados pelo público LGBT. Hoje, há diversos
problemas em torno do preconceito em relação a práticas sexuais distintas.
Dentre eles, temos a homofobia, que é uma prática dirigida diretamen-
te aos indivíduos que possuem uma escolha sexual diferente e são alvos
dessa discriminação. Em uma definição mais específica, a homofobia se
caracteriza como atitude de hostilidade para com as homossexuais. No
cerne desse tratamento discriminatório, a homofobia tem papel impor-
tante, dado que é uma forma de inferiorização (BORRILHO et al., 2019,
p. 15). Pode dar-se a piadas vulgares, ofensas diretas ou indiretas, mas
também pode se estender e trazer consequências graves, como foi o caso
da Alemanha sobre dominação de Adolf Hitler, aniquilando milhões de
judeus por discriminação racial.
Já os homicídios desse grupo, é um problema sério e merecem aten-
ção nesse assunto. Em um relatório do ano de 2019, o Grupo Gay da
Bahia, organização não governamental que defende os direitos dos ho-
mossexuais, registrou 329 mortes violentas no Brasil (GRUPO GAY DA

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

BAHIA, 2019), e a questão do homicídio não é o único ponto focado de


preocupação. Em pesquisa realizada com adolescentes, a Universidade de
Columbia nos EUA revelou que adolescentes gays são cinco vezes mais
propensos a tentar suicídios do que estudantes heteros. Este é um dado
relevante, que leva em questão as situações psicológicas enfrentadas por
esses adolescentes.
Infelizmente, não tendo punições assertivas a essa prática e a qualquer
espécie de violência tende a aumentar, porque não há nada que impeça a
realização de crimes contra a honra e contra a vida dessas pessoas sem que
haja rigorosa punição. Se por um lado temos altos números em homicí-
dios e suicídios contra os LGBTS, por outro, temos a homofobia sendo
consentida através das tecnologias de informação e comunicação (TICs).
A prática criminosa realizada em direção a qualquer indivíduo em âmbito
virtual é chamada de cyberbullying.
Para entendemos a definição de cyberbullying, é fundamental entender
o que é a bullying. Para Erling Roland, é “uma violência de longa data,
física ou psicológica, conduzida por um indivíduo ou um grupo e dirigido
contra um indivíduo que não pode se defender na real situação” (1989, p.
143). E o cyber vincula sua definição no sentido de tecnologia, internet e
redes de comunicação. Logo o cyberbulliyng seria uma violência conduzida
pela internet.
Em amplas definições, o cyberbullying constitui uma nova expressão do
bullying, enquanto agressão, ameaça e provocação de desconforto, preme-
ditadas e repetidas, concretizadas com auxílio de dispositivos tecnológicos
de comunicação, tais como o e-mail, chat, o blogue, telefone celular etc.,
contra uma vítima de estatuto semelhante, mas que tem dificuldade de se
defender (WOLAK et al., 2007).
Para um levantamento de dados, a revista Tarde Nacional descreve uma
pesquisa do Instituto IPSOS em 2018 dados apontaram o Brasil como o
segundo país com mais casos de cyberbullying contra crianças e adolescentes
(TARDE NACIONAL, 2018). Com isso, no momento que estamos vi-
vendo por conta da Covid-19, esse problema ganhou nítido destaque. Es-
tamos vivendo em uma era pós-moderna, na qual as tecnologias e o acesso
à informação e comunicação estão literalmente nas pontas dos dedos. Por
um lado negativo, o uso destas para a violência virtual é concretizado de
maneira direta e indireta através das ferramentas tecnológicas diversas.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O Brasil possui 134 milhões de usuários de internet, significando


que três em cada quatro pessoas acessam a rede mundial de computadores
(AGÊNCIA BRASIL, 2020). Isso significa que cada vez mais o acesso
está sendo efetuado, e seu aumento acentuou-se com os impactos da pan-
demia, pois estando em casa os trabalhos e conteúdos escolares giram em
torno do acesso.
Dados relevantes do mesmo site apontam os recursos mais utiliza-
dos, que são: o envio de mensagens por WhatsApp, Skype ou Facebook
Messenger (92%), redes sociais como Facebook ou Snapchat (76%), cha-
madas de vídeo por Skype ou WhatsApp (73%), acesso a serviços de go-
verno eletrônico (68%), envio de e-mails (58%), compras por comércio
eletrônico (39%) e participação de listas ou fóruns (11%). As informações
mais buscadas foram sobre produtos e serviços (59%), serviços de saúde
(47%), pagamentos ou transações financeiras (33%), viagens e acomoda-
ção (31%). Na área de educação e trabalho, as práticas mais comuns foram
pesquisas escolares (41%), estudo on-line por conta própria (40%), ativi-
dades de trabalho (33%) e armazenamento de dados (28%). (AGÊNCIA
BRASIL, 2020).
Dando ênfase às redes sociais, seguimos com o gráfico para maior
compreensão:

Fonte: elaboração própria, a partir de Agência Brasil (2020). Disponível em: https://agen-
ciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-05/brasil-tem-134-milhoes-de-usuarios-de-inter-
net-aponta-pesquisa

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Com a análise direta dos dados, verifica-se que o acesso em redes so-
ciais possui índices em destaque.

3. ASPECTOS QUE INFLUENCIAM O CYBERBULLYING

Para uma denominação assertiva, os indivíduos que nasceram na dé-


cada de 1990 compõem um grupo denominada Geração Z e são descritos
como peculiarmente familiarizadas com as novas tecnologias de informa-
ção e comunicação (ZEMKE; RAINES; FILIPCZAK, 2000). Segundo
pesquisa feita no Fórum Econômico Mundial, tais acessos estão forte-
mente ligados a essa geração: “Geração Z é o primeiro grupo na história
que nunca conheceu um mundo sem a internet. Imersa no mundo on-line
desde o nascimento, a Gen Z supera os millennials em atividades diárias nas
redes sociais com 2 horas e 55 minutos gastos por dia (WORD ECONO-
MIC FORUM, 2018.) São jovens que passam a maior parte do seu tempo
integrado em redes sociais.
Nisso em processo educacional, garantida em lei o direito ao estudo,
a escola vem sendo apontada como instituição mais propensa a essa dis-
criminação (PINTO et al., 2012). Jovens intolerantes cometem a prática
sobrepondo sua cultura individual sobre o outro, ressaltando a Hegemo-
nia cultural ao uso da violência. Isso coloca em discussão a “fragilidade
psicológica destes jovens em aceitar/reconhecer suas próprias característi-
cas físicas e em lidar com a diferença do outro” (PIGOZI; MACHADO,
2015). Essa característica pode ser um dos influenciadores para a prática.
Vale ressaltar que, para Augustí Coll, o fato de:

Aceitar a diversidade cultural não é apenas um ato de tolerância, mas


reconhece o próximo como a realidade plena, contraditória, como
mensageiro do saber, dos conhecimentos e práticas por meio das
quais ele é e tenta ser em seu estado pleno (COLL, 2002, p. 41).

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Na idade jovem, os adolescentes passam por diversas mudanças em


aspectos físicos e emocionais. Pontos que não tinham importância numa
idade anterior passam a ter relevância, e a integração em grupo é enfatiza-
da; a todo tempo procuram a aceitação, muitas vezes sofrendo influência
do meio.
Bert Hellinger (2007) comenta sobre a necessidade de pertencimento
por parte dos adolescentes. Muda de roupa, de personalidade, hábitos e
crenças por estar inserido em um grupo onde enfatiza esses aspectos. É
através dessa socialização que eles criam sua identidade, mas vale ressaltar
que a identidade moldada por eles é influenciada e pode ser mudada con-
forme a maturação do sujeito.
Em entendimento mais detalhado sobre a fase da adolescência,
Steinberg, na dissertação sobre o bullying homofóbico em contexto esco-
lar, declarou:

O período da adolescência é favorável a enganos a nível cognitivo


que se podem refletir na exibição de comportamentos de risco. É,
inclusive, um período em que procuram excessivamente sensações
e novidades (Steinberg, 2009). A nível cognitivo, os/as adolescen-
tes estão, suficientemente, aptos para tomar decisões coerentes e
lógicas, porém o seu sistema límbico está vocacionado para que
as suas recompensas sejam quase imediatas, o que pode ocasionar
decisões precipitadas (Steinberg, 2009).

Outro ponto que leva ao entendimento aos episódios impulsivos mar-


cados na adolescência é justamente aos aspectos neuronais explicados pelo
neurocientista Fernando Louzada: “Não podemos esperar do adolescente
reações adultas, porque não há estrutura neural para que isso aconteça”
(BBC, 2019). Em uma explicação mais detalhada, ele relata um dos fato-
res da imaturidade:

Um dos fatores-chave por trás disso é um processo chamado de


mielinização, que só se completa depois dos 20 anos. Trata-se da
aquisição de mielina – substância que faz os impulsos nervosos an-
darem mais rápido – pelos neurônios. Em algumas áreas do cé-
rebro, como o córtex pré-frontal, essa mielinização demora mais
para acontecer. E essa área é justamente a que controla nossa im-

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pulsividade, a avaliação de riscos de nossas ações, o planejamento e


o processamento de emoções (Dr. Fernando Louzada, 2019).

E por fim, outro fator que pode influenciar as práticas criminosas ao


público LGBT é o excesso em acesso aos eletrônicos: “Longos períodos
de uso frente aos meios eletrônicos, como computador, videogame e te-
levisão estão associados ao bullying, tanto para ser agressor, quanto para
sofrer a agressão” (PIGOZI; MACHADO, 2014). Nesse caso, a tutoria é
consolidada através de um tríplice de monitoramento: Família, Sociedade
e Escola, trabalhando de forma gradual de modo a entender e modular
comportamentos que levem à aceitação da diversidade sem o uso das ar-
mas virtuais.

4.REPREENSÃO DAS PRÁTICAS PELAS LEIS


BRASILEIRAS:

A prática do cyberbullying ao público LGBT pelos adolescentes é um


problema em questão e necessita reflexões críticas. Tal ato é considerado
crime contra a honra em aspectos virtuais, podendo ser usado com as mais
diversas fontes de tecnologias do mundo globalizado. O respeito, a empa-
tia e a consciência da diversidade cultural são respaldados no aspecto que
preza a cultura da paz, que deve ser relevante e colocado de forma integral
nas escolas. A educação é a raiz da transformação de uma sociedade, as
atividades e vivências no ambiente de ensino irão moldar uma visão ex-
pandida ou reprimida de diferentes aspectos sobre a reflexão e prática dos
preconceitos na sociedade, incluindo a opção sexual individual.
Em aspectos legislativos, podemos citar o Estatuto da Criança e Ado-
lescente (Lei n. 8.069/90), que no seu Art. 35 explicita algumas exigências
sobre a execução das medidas socioeducativas: “VIII – não discriminação
do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade,
classe social, orientação religiosa, política ou sexual, associação ou
pertencimento a qualquer minoria, ou status[...]”. Por lei, o respaldo é
garantido, mas para quem vive na pele da prática ofensiva, o medo é cons-
tante e gera instabilidade na repreensão.
Em uma matéria sobre o atual tema em 2020, Pinheiro relata as pa-
lavras da delegada e presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia,

71
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Raquel Kobashi Galliinati: “O bullying, que antes ocorria principalmente


na escola, se transformou no cyberbullying, e agora existe nas redes sociais,
grupos de WhatsApp e todos os meios onde os agressores consigam acesso
às suas vítimas” (PINHEIRO, 2020).
Por se tratar do virtual, os agressores se mantêm ao anonimato, o que
dificulta o combate à prática. Por outro lado, as vítimas estão expostas e
sentem-se inseguras mesmo dentro de suas casas, pois a violência extra-
polou o lado físico e se estendeu por lados virtuais, dando resultados a
variadas categorias de problemas com enredo dramático. O cyberbullying
homofóbico é uma prática que está longe de ser controlada justamente
por se tratar de um crime virtual, no qual os protagonistas se escondem
atrás da limitação do cyberespaço, irradiando a prática de ódio pelo sistema
global de internet.
Ainda nesse aspecto, podemos enfatizar a Constituição Federativa do
Brasil (1998), que no Art. 5° traz:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à se-
gurança e à propriedade, nos termos seguintes: III- ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante
(BRASIL, 1998).

5. CONSEQUÊNCIAS PISCOLÓGIAS E METODOLOGIAS


PARA O COMBATE À PRÁTICA

Como já relatado, as taxas de homicídios em relação ao grupo LGBT


têm índices consideráveis. Outro ponto importante são fatores psicológi-
cos que podem estar diretamente ligados à elevada taxa de suicídio, de-
sencadeamento de depressão e ansiedade, transtorno de humor e baixo
rendimento, entre outros.
Já na ocupação contrária às vítimas, os agressores se sentem realizados:

Após o ato de agressão, a maioria dos agressores acha engraçado


praticar o bullying com os pares, muitos relatam um sentimento
de bem-estar ou satisfação por dominar os colegas, e entenderem

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como qualidade positiva estas atitudes que trazem prestígio e lide-


rança perante os pares. (PIGOZI; MACHADO, 2014).

A depressão e ansiedade são doenças causadas por desequilíbrios de


neurotransmissores na função cerebral que podem ter causas genéticas
ou ambientais. O indivíduo que sofre algum dano emocional brusco, in-
cluindo estresse forte, perda de um familiar ou outros fatores como o pró-
prio cyberbullying, podem reagir desencadeando esses transtornos.
O sentimento de superioridade do agressor diante da vítima é uma
influência negativa que estimula a prática. Levar a discussão sobre os pro-
blemas físicos e emocionais que o cyberbullying pode ocasionar, sobretudo
aos indivíduos que possuem uma opção sexual diferente, é essencial para a
compreensão e diversidade cultural, e ajuda na conscientização dos danos
que, na maioria das vezes, são irreversíveis.
Com todos esses danos, é vital que encontremos metodologias para
que esse ato infracional seja estancado. Como metodologia, pegaremos
como base as influências da prática criminosa aqui citadas, e a partir delas
traçaremos a estratégia de combate. Como estudado, as escolhas e com-
portamentos nessa fase são dadas a diversos fatores ambientais e neuroló-
gicos.
Em aspectos ambientais, podemos enfatizar o papel influenciador do
ambiente familiar. A família é a base dos primeiros passos na convivência
social que uma pessoa adquire após o nascimento. Pesquisas mostram que
a convivência familiar pode modular ações violentas e estas podem se re-
fletir em diversos ambientes, incluindo a escola:

Quanto aos aspectos familiares [...] mostra uma associação positiva en-
tre o bullying e o seio familiar violento ou pouco afetivo. Quanto mais
violenta e pouco afetiva é a família, maior a tendência de o adolescente
expressar violência na escola; por outro lado, quanto mais acolhedor o
seio familiar, menos atitudes agressivas o jovem demonstrará no am-
biente escolar. Adolescentes que tiveram apoio familiar quando foram
desprezados na escola demonstraram menos atos agressivos quando
retornaram a ela (PIGOZI; MACHADO, 2014).

Com isso, uma das metodologias seria justamente afirmar aos pais a
importância do ciclo afetivo com seus filhos, estimulando-os, através do

73
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

diálogo, a estar cada dia mais presente nas práticas dos jovens, mantendo
um monitoramento e aconselhamento de cada escolha concebida. O jo-
vem, tendo o devido respaldo familiar no aconselhamento das suas esco-
lhas, se sentirá mais confortável em lidar com suas diferenças e em aceitar
as diferenças físicas e sexuais que o cercam.
Outro aspecto que pode ser adotado como metodologia é introduzir
esse assunto nas instituições, fazendo com que o agressor tenha consciên-
cia plena do ato cometido e como isso pode acarretar severos problemas
para a vítima, além do próprio praticante, sob pena de multas e punições.
Como citado por Pereira (2011), “compreender e falar sobre cyberbullying
constitui um primeiro passo a dar no contexto escolar [...] além de pro-
mover a facilitação da denúncia de casos de cyberbullying, mediante a dis-
ponibilização de canais anônimos”.
Como último parecer metodológico, vimos que o cyberbullying não
se limita a instituições de ensino, por isso, campanhas devem ser inves-
tida em âmbitos virtuais, pois é o meio no qual a prática ocorre. Tais
campanhas devem ser estendidas as diversas redes de relacionamento,
pois essas redes são consideradas raízes que ligam a infração criminosa
por parte dos menores de idade. De fato, precisamos colocar essa rea-
lidade no centro da raiz do cyberbullying: a educação e suas práticas em
sociedade com respaldo familiar. A multiculturalidade e a intercultu-
ralidade devem estar enraizadas na escola desde as primeiras fases da
Educação Infantil.
Para Romani e Rajobac, para entender o aspecto da intercultura, a
visão preconceituosa deve dar lugar à visão estendida dos diferentes ho-
rizontes:

O próprio conceito de interculturalidade já apresenta a comple-


xidade que é tratar desse assunto. Falar de etnia, gênero, raça, cor
entre outros, são temas que antes de tudo devem mudar o nosso
modo de ver o mundo; o que exige a suspensão de nossos precon-
ceitos, e a compreensão das diferenças e identidades culturais de
cada povo (ROMANI; RAJOBAC, 2011, p. 66).

Nossa educação vem sofrendo mudanças, envoltas pelas tecnologias


que estão cada vez mais presentes em nossas vidas e nas das futuras gera-

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ções. Hoje o conhecimento é tomado pelos mais diversos ambientes, nas


mais variadas horas e por qualquer pessoa em alta velocidade. Buscando
uma visão antropológica, o homem está em constante evolução, mas a
regressão intelectual pode também estar inserida na sociedade por meio
das suas práticas, pois o preconceito racial, e especificamente a homofobia
praticada em ambiente virtual e não virtual, não são considerados ato evo-
lutivo, mas uma regressão intelectual socialmente reproduzida.
A conscientização da individualidade e a conservação da diversida-
de cultural são temas que devem ser levados para discussões aos próprios
componentes das pluralidades culturais. Levar a familiarização desse con-
teúdo é enfatizar a existência da individualidade, já que cada um traz con-
sigo bagagens culturais que diferem das outras. Isso pode evitar a prática
da hegemonia no sujeito jovem, cuja idade e prematuridade do conheci-
mento sobre o assunto permitirão que use isso como arma de ofensas a
conceitos preconcebidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo procurou apresentar como se dá a prática do cyberbullying pe-


los jovens no público LGBT na fase da adolescência. O adolescente atual
está diariamente ativado através das tecnologias digitais para a comunica-
ção, sendo elas papel central para a comunicação instantânea e ao acesso a
conhecimentos ilimitados. Com as tecnologias de comunicação inseridas,
temos a praticidade, comodidade nas tarefas do dia a dia que antes depen-
diam de locomoção. As redes sociais estão no topo dos acessos, e a fase da
adolescência é a mais propensa ao uso incontrolado. Essas redes suportam
toda categoria de pessoas com várias etnias e culturas diferentes. E como
vemos, a cultura está em todo lugar, a diversidade é nítida em todos os
ambientes virtuais e não virtuais.
Estamos em um mundo em constante desenvolvimento e a todo tem-
po surgem pessoas com usos e costumes diferentes, e opções políticas,
sociais e sexuais distintas. No entanto, um fator que vem crescendo na
questão da violência foi o cyberbullying cometido pelos adolescentes dire-
cionados ao público LGBT. A educação pode estar influenciando a limi-
tação da prática, ao dar maior amplitude de discussão ao assunto e propor
metodologias assertivas na questão do preconceito homofóbico. Por ou-

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

tro lado, as leis cumprem papel fundamental na limitação dessa prática, e


mesmo havendo diversas leis sobre a repreensão, o crime ainda é conside-
rado de difícil resolução, justamente pelo ambiente ilimitado marcado no
cyberespaço.
Dando ênfase ao conhecimento, ele pode abrir visões, moldar pensa-
mento e reconstruir conceitos, sobretudo na adolescência, pois é uma fase
propensa a mudanças do pensamento na medida em que ocorre a matura-
ção cognitiva e mental. Retrair, punir a prática do preconceito e enfatizar a
questão do respeito no âmbito escolar é uma ferramenta necessária, mas a
escola não é a principal instituição. Temos que reafirmar os componentes
da construção do conhecimento e o respeito às diversidades culturais: a
escola, sociedade e família. Nestes, o sujeito se molda perante a sociedade,
tornando-se conhecedor de suas escolhas.
O devido respaldo familiar é necessário, assim como políticas edu-
cacionais de conscientização dos atos infracionais, para monitoramento
dos componentes da sociedade que o cercam. Com isso, teremos maio-
res resultados acerca dos problemas que envolvem a prática da homofobia
vinculada às TICs presentes na vida dos adolescentes.

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79
ATENÇÃO E SIGNIFICÂNCIA
NO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM NO CONTEXTO
DE TDAH: CONTRIBUIÇÕES
NEUROCIENTÍFICAS
Herson Conceição7
Rosana Assis dos Santos8

INTRODUÇÃO

A Escola, como instituição social, tem como tarefa fomentar a vei-


culação de saberes, garantindo que as leis sejam efetivadas por meio das
relações de diálogo e da criação de vínculos. Trabalha no sentido de

7 Mestre em Educação de Jovens e Adultos – MPEJA pela UNEB – Campus I. Especialista


em Educação de Jovens e Adultos pela UFBA, Psicopedagogia pela FACCEBA, Neurociên-
cias e Comportamento pela PUCRS, Neuroeducação pela Uninassau, Graduado em Peda-
gogia (FEBA) e Letras (UNIFACS). Gestor Escolar e professor da Rede Municipal de Ensino
de Salvador – BA. Atua no Grupo de Pesquisa Gestão Organização, Tecnologias e Políticas
Públicas em EJA.
8 Mestra em Família na Contemporaneidade pela UCSAL. Especialista em Educação de jo-
vens e Adultos pela UNEB e Educação Especial pela IBPEX. Graduada em Pedagogia pela
UNEB e Psicologia pela faculdade Ruy Barbosa. Atua como Coordenadora Pedagógica do
ensino fundamental pela rede municipal de ensino de Salvador e realiza atendimento na
clínica psicológica na Fundação de Neurologia e Neurocirurgia. Atua no grupo de pesquisa
Família e Desenvolvimento Humano.

80
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

enaltecer a lógica da inclusão e da homogeneização, ou seja, seu papel


principal é formar as crianças para a tarefa de renovar um mundo que
ainda está repleto de práticas e concepções de exclusão. Nesta perspec-
tiva, emergem pressupostos evidenciando que o processo de aprendi-
zagem de cada criança seja singular, que toda a criança aprende e que
todas são importantes para o processo de construção de conhecimento
no ambiente escolar. Assim é construída uma sociedade inclusiva, que
oferece oportunidades para que todos possam conquistar sua autonomia,
mesmo diante de realidades diversas.
Por conta dessas e outras discussões, não há como deixar de se tratar
dos alunos que apresentam algum desvio da suposta normalidade como
o transtorno de déficit de atenção (TDA) sem ou com hiperatividade
(TDAH), que a cada dia estão mais presentes no ambiente escolar. Neste
sentido, os profissionais que lidam diretamente com esses alunos precisam
de fato se debruçar sobre estudos específicos ou formações que venham
a ajudar no trabalho em sala de aula. Esse aperfeiçoamento por parte dos
profissionais se justifica devido à gama de problemas que podem suscitar
a partir de práticas pedagógicas inadequadas com alunos com TDAH e
dificuldade de aprendizagem.
Este trabalho se propõe a buscar na neurociência, na aprendizagem
significativa e estudos da atenção e memória, contribuições que perpas-
sam o olhar comportamental ou das relações sociais do aluno em classe,
mas também adentrar nos princípios de aspectos fisiológicos e neurobio-
lógicos do cérebro para que de fato os profissionais envolvidos no processo
ensino-aprendizagem possam construir estratégias próprias que contem-
plem as especificidades dos alunos. Além disso, a apropriação desses sa-
beres poderá instrumentalizar o professor na compreensão e construções
de intervenções baseadas nos laudos emitidos pelas equipes multidiscipli-
nares para aqueles alunos que já são acompanhados por estas equipes de
profissionais especializados.
Assim, o trabalho foi organizado de forma a permitir um ca-
minhar inicial nos meandros do próprio histórico do TDAH, onde
na seção 1 abordamos o desenvolvimento sócio-histórico do TDAH,
desde as primeiras descobertas no século passado com os estudos do
médico George Fredick Still, nos EUA e Europa, até os dias atuais no

81
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

contexto brasileiro. Na seção 2, foram abordados aspectos da atenção


ou das “atenções” que podem estar envolvidos no TDAH, basea-
do em pesquisas recentes de renomados pesquisadores. Na seção 3,
abordaremos de forma mais direta a importância da significância no
contexto de TDAH, valorizando a inclusão. Já na seção 4, fizemos
análise de algumas conjecturas do TDAH e sugestionamos possíveis
ações pedagógicas. Nas considerações finais há o “fechamento” de
algumas reflexões baseadas em dados das perspectivas pedagógica,
metodológica, da neurociência, além de sugestões de intervenções
baseadas em pesquisas recentes. Cabe lembrar que apesar de não ha-
ver um tópico específico sobre neurociência, houve em todo o traba-
lho interface da temática, inclusive com o contexto escolar, tanto na
perspectiva docente quanto na discente, promovendo reflexões que
podem ajudar na elaboração de novos instrumentos e metodologias
que proporcionem e possibilitem práticas de intervenções metodo-
lógicas que permitam atender um público específico que apresenta
necessidade própria como o TDAH.

METODOLOGIA

A pesquisa enquanto finalidade foi exploratória, por proporcionar


um olhar investigativo do objeto; o método investigativo será o dialético
por permitir a análise de ideias e contradições a partir do movimento e
do fulcro de informações e de possíveis soluções, sendo a preocupação
precípua a compreensão do fenômeno e a descrição do objeto de estudo,
considerando a realidade social dos fatos. Por este motivo, selecionamos
o procedimento estratégico da pesquisa bibliográfica para complementar
o estudo investigativo, pois, para Gil (2010), a investigação bibliográfica
é consolidada a partir de estudos já publicados com o objetivo de analisar
posições diversas em relação a determinado assunto.
A abordagem foi de cunho qualitativo nos espaços escolares, pois se-
gundo Minayo (2001), ela responde a questionamentos particulares, tem
um universo de significados, de motivos, de aspirações, de valores e de
crenças. As entrevistas não foram realizadas, devido a suspensão das aulas
presenciais, motivada pela pandemia de coronavírus.

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PROCESSO HISTÓRICO E CONTEXTO ATUAL DO


TDAH

O cenário histórico do TDAH é cercado de minúcias, que vão do


entendimento sobre a sistemática da formação do conceito do transtor-
no, como seu diagnóstico e sintomas, aos próprios conceitos da formação
epistemológica, semântica e histórica. Percebemos a necessidade de um
tópico específico neste artigo que norteará e colocará o leitor numa po-
sição mais crítica diante das especificidades ideológicas do conceito do
transtorno e das múltiplas concepções que se fizeram presentes até os dias
atuais.
Outro ponto importante relacionado à questão do TDAH é justa-
mente a dificuldade do diagnóstico, uma vez que envolve várias espe-
cialidades, dentre elas a neurologia, psiquiatria, psicologia, pedagogia;
e mais recentemente a biologia e a neurociência, além de algumas ou-
tras que se fazem necessário de acordo com cada situação. Na verdade,
o diagnóstico ainda se apresenta alicerçado em maior monta na análise
subjetiva, porém considerando o recente avanço de tecnologias de ma-
peamento cerebral, está acontecendo avanços significativos que levarão
a diagnósticos cada vez mais objetivos e precisos, não ficando apenas
na análise comportamental nem ao sabor das subjetividades excessivas
de cada profissional.
Retomando o processo histórico, construímos o quadro abaixo ba-
seado em Schwartzman (2001), para sintetizar melhor o processo históri-
co, o entendimento e o processo de análise.

83
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Quadro: Resumo do processo histórico do TDA-H


1902 1904 1922 1937
O médico Meyer e, Hohman observou que Bradey
George Fredick posteriormente, crianças que tiveram observou que
Still denominou Goldisten (1936) encefalite, passaram a anfetamina,
crianças que observaram o apresentar problemas na droga
apresentavam comportamento manutenção da atenção, estimulante
comportamentos descrito por Still afeto e memória. do sistema
agressivos, em crianças que Associou com sequelas nervoso,
indisciplinados, tinham sofrido no sistema nervoso causava efeito
como portadoras lesão traumática central. Institui-se o calmante.
de “Defeito e sugeriram termo “Lesão Cerebral
no Controle o termo Mínima” (LCM),
Moral”. “Distúrbio que para os médicos
Identificou Orgânico do estavam associados
percentual de Comportamento ao comportamento,
hereditariedade. e Lesionado para professores estava
Cerebral”. . associado a problemas de
aprendizagem.
1941-1947 1957 1962 1972
Strauss e alguns Laufer e Denhoff Há mudança da Virgínia
colaboradores introduzem denominação LCM Douglas,
difundiram o termo (Lesão Cerebral defende que
o termo hiperatividade, Mínima) para DCM o defeito
“Lesionado em 1960 (Disfunção Cerebral primário estaria
Cerebral” a reafirmado por Mínima), proposta por no déficit
certos tipos de Stella Chess, Clements e Peters num de atenção e
comportamento. continuando congresso em Oxford impulsividade
a noção de (Inglaterra) e não na
lesão do SNC hiperatividade.
e excesso
de atividade
motora.
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, baseado em Schwartzman (2001).

A partir da análise histórica do quadro acima, podemos fazer asso-


ciações com a vigência de cada Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM), que tem como tradução para o português, Manual Diag-
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que poderá nos situar de forma
mais contextual a partir de cada normativa da época em que as concep-

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

ções sobre o transtorno iam se modificando. Cabe ressaltar que os DSM


foram instituídos com intuito de acompanhar o processo de evolução dos
transtornos e das possibilidades científicas e culturais ao longo do tempo.
O primeiro DSM foi produzido em 1952 que tinha sua base fincada no
pensamento de Adolf Meyer; o DSM II foi publicado em 1968 e tinha sua
base numa visão mais psicanalítica; o DSM III foi instituído em 1980 e o
DSM IV em 1994. Já o DSM 5 foi instituído em 2014.
O DSM III representou uma tentativa de desvinculação de um pen-
samento específico de determinada corrente de pensamento, pesquisador
ou ideologia. Era uma busca pela neutralidade científica, sendo Robert
Sptzer (1932-2015), o pesquisador responsável por sua produção. Apesar
da busca da neutralidade pelo manual, o mesmo parecia resgatar conceitos
de Emil Kraepelin (1856-1926), que defendia que as doenças psiquiátricas
eram causadas por desordens genéticas e biológicas.
Outro ponto importante do DSM III foi o deslocamento do centro
de análise, que deixa de ser a hiperatividade e passa para o déficit de aten-
ção. O déficit de atenção, que era considerado característica secundária
até aquele momento, passa agora a ter peso definidor no diagnóstico (CA-
LIMAN, 2009).
O enaltecimento da importância do déficit de atenção no diagnóstico
do TDAH causa grande impacto na sociedade, principalmente americana,
pois a falta ou déficit de atenção pode estar diretamente atrelada ao au-
mento de acidentes automobilísticos, aumento do uso de medicamentos,
principalmente Ritalina, e baixa produtividade em percentual conside-
rável da população, o que poderia comprometer a economia do próprio
país. Neste momento, a imprensa e a sociedade cobram do governo ati-
tudes mais efetivas com relação ao problema. É neste contexto que o go-
verno americano institui a década de 90 como a “Década do Cérebro”,
quando foi também elaborado o DSM IV em 1994.
A partir da segunda metade do século XX, especialmente nos EUA,
a nova ciência psiquiátrica nascia do encontro de diversos aspectos: o pro-
cesso de biologização das doenças mentais vinculado a descobertas psico-
farmacológicas; o desenvolvimento do campo neurocientífico e de suas
tecnologias de imagem cerebral; o crescimento da pesquisa epidemioló-
gica baseada nos estudos populacionais dos riscos individuais; criação do

85
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Instituto Nacional de Saúde mental; o advento da tecnologia genética,


biofísica e bioquímica (CALIMAN, 2009).
O DSM-IV nasce já em meio a um processo de estudos neurobiológi-
cos, onde a Tomografia Computadorizada já permitia o estudo da estrutura
cerebral e o eletroencefalograma potencializava a análise de atividade cere-
bral durante a realização de algumas atividades. Além desses instrumentos, a
neurociência já vinha se destacando como campo de estudo interdisciplinar
que permitia estudos mais contextuais que envolvessem conhecimentos re-
lacionados à psicologia, biologia, neurologia e da própria pedagogia.
Outro ponto importante, que até hoje ainda causa mal-entendido, é a
questão da nomenclatura e o significado dos termos empregados. O termo
“reação hipercinética da infância”, empregado no DSM II, foi dividido no
DSM III em transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDA/H) e
Transtorno de Déficit de Atenção sem Hiperatividade (TDA/SH).
Já a nomenclatura utilizada no DSM-IV, de 1994, passa a ficar da
seguinte maneira:

• t ranstorno de déficit de atenção/hiperatividade predominante-


mente desatento;
• transtorno de déficit de atenção/hiperatividade predominante-
mente hiperativo/impulsivo;
• transtorno de déficit de atenção/hiperatividade tipo combinado.

O DSM-5 apresenta poucas mudanças e que ainda não foram bem


consolidas por estudiosos e pesquisadores, dentre as quais se destacam:

• udanças nos exemplos de sintomas na busca do diagnóstico;


m
• contextualização ao longo da vida;
• alteração de 7 para 12 anos para considerar os sintomas iniciais;
• o termo “subtipo” é substituído pelo “apresentação atual”;
• remoção dos transtornos do espectro autista como fator exclu-
dente para diagnóstico.

Devido às poucas mudanças do DSM-5 e da pouca adaptabilidade e


referências dos estudos e pesquisas recentes, adotaremos o DSM-IV como
referência, apenas no aspecto das nomenclaturas , o que não vai compro-
meter nas recentes informações e análises.

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lém das nomenclaturas acima, também existe o Transtorno de Déficit


de Atenção tipo Residual, que inclusive trataremos aqui. Este último tipo
é encontrado em pessoas na idade adulta, onde esse indivíduo já vivencia-
rá o TDAH num contexto mais amplo como no trabalho, família (agora
como chefe de família) e mesmo no campo do estudo, já no contexto es-
colar e da universidade, onde reflexões mais subjetivas e abstratas podem
ser alteradas ou prejudicadas no seu cotidiano acadêmico. E devido à gama
de pesquisas e avanços na área, o DSM IV passou por uma revisão em
2000, dando origem ao DSM IV-TR. Esse DSM revisado foi utilizado
até o ano de 2013, quando foi instituído o DSM-5.
Cabe neste momento enfatizar que o indivíduo para ser considerado
portador do TDAH deve estar inserido em critérios diversos que caracte-
rize certo padrão no seu desenvolvimento, manifestação e sintomas:

• O s sintomas devem persistir pelo menos seis meses.


• Os sintomas devem estar presentes até os 12 anos de acordo DSM-
5 (no DSM IV era até 7anos).
• Os sintomas envolvidos, desatenção, impulsividade/hiperativida-
de devem exceder bastante ao comportamento de outro indiví-
duo da mesma idade.
• Evidências da deficiência, interferindo diretamente na capacidade
de exercício das funções.
• Apresenta os sintomas em mais de um contexto, como escola e
em casa.

O DSM-IV apresenta nove sintomas que caracteriza a desatenção e


nove representando a hiperatividade e impulsividade onde:

• C aso a criança se encaixe a partir de seis itens de desatenção e hi-


peratividade, o aluno será diagnosticado com TDAH combinado.
Essas pessoas apresentam muita dificuldade de concentração e são
muito ativas. Eram os chamados de TODA com hiperatividade.
• Se apresenta a partir de seis dos nove sintomas de desatenção e
não apresenta seis de hiperatividade e impulsividade, o aluno é
diagnosticado com TDAH predominantemente desatento. Essas
crianças geralmente são bem “tranquilas”, muitas vezes conheci-

87
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

das como pessoas que “vivem no mundo da lua”, mas apresen-


tam problemas de concentração. Eram chamadas portadoras de
TODA sem hiperatividade.

Há de se considerar a possibilidade de o indivíduo apresentar seis ou


mais características apenas da tabela de hiperatividade e impulsividade.
Porém nesse caso não emerge um novo tipo que poderia ser hiperativo-
-impulsivo, mas se considera que este indivíduo faz parte do combinado
por considerar que o aluno hiperativo teria sua capacidade de concentra-
ção extremamente limitada. No quadro abaixo estão listados de forma
organizada os nove sintomas que caracteriza a desatenção e nove que con-
templa hiperatividade e impulsividade.

Quadro: Síntese dos sintomas de TDAH


Desatenção Hiperatividade
1 Dificuldade em manter atenção em 1 Mexe pés e mãos e se contorce na
detalhes e comete erros por descuido. cadeira quando precisa ficar por muito
tempo.
2 Dificuldade de atenção em tarefas e no 2 Levanta-se com frequência da cadeira
lazer. em reuniões ou em outras situações
em que deveria ficar sentado.
3 Dificuldade frequente de prestar 3 Fica inquieto, fazendo atividades
atenção no que as pessoas falam inadequadas para o momento.
4 Deixa tarefas pela metade. 4 Tem dificuldade para brincar em
silêncio.
5 Dificuldade em organizar as atividades 5 Age como se fosse movido a pilha.
e etapas de processo.
6 Dificuldade em tarefas que exijam 6 Fala em excesso.
esforço mental prolongado.
Impulsividade
7 Perde coisas ou tem muita dificuldade 7 Responde antes que a pergunta seja
de encontrá-las. completada.
8 Distrai-se facilmente com barulhos e 8 Tem dificuldade de esperar sua vez.
estímulos diversos.
9 Dificuldade para lembrar 9 Frequentemente interrompe os outros
compromissos e obrigações ou se intromete.
(esquecido).
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, baseado no DSM IV (2003).

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Entendemos que o ambiente social atual cercado de estímulos diver-


sos e intensos, onde a internet e os aplicativos de mensagens instantâneas
delimitam bastante o processo de atenção e concentração do aluno, in-
fluencia como esse indivíduo constrói suas relações e está intrinsecamente
ligado ao processo de aprendizagem, à medida que os olhares dos pro-
fessores construam processos metodológicos que contemplem os tipos de
construções cerebrais que são vivenciados pelos alunos nas relações coti-
dianas. Essas interações do cotidiano de fato apresentam diretrizes para
necessidade de análises mais aprofundadas das estratégias cerebrais do su-
jeito aprendente a partir de suas estruturas de cognição.

A ATENÇÃO E SUAS TESSITURAS COM O TDAH

Durante o processo de pesquisa, percebemos a necessidade da criação


de uma seção que tratasse especificamente da atenção. Vimos de fato a im-
portância de aprofundamento da temática e sua ampliação no referencial
teórico, considerando que a atenção é uma das vertentes mais importantes
no estudo do TDAH, justamente por gerar prejuízos sociais, inclusive na
vida adulta. Por isso vamos abordar nesta seção, justamente essas especifi-
cidades, desde a importância da atenção e seu controle, passando pela con-
centração e análise de cada tipo de atenção, além de falarmos brevemente
sobre a memória.
A capacidade da atenção atualmente é condição de extrema impor-
tância, onde temos que tratar de vários assuntos ao mesmo tempo, as-
sumimos papéis diversos na sociedade, além de estímulos diversos que a
todo tempo “sequestra” a nossa atenção, tirando-nos o foco o estudo ou
atividade pretendida. A informática e as redes de informação são bons
exemplos desses “sequestradores” que, praticamente ilimitados, nos colo-
ca numa situação de vulnerabilidade “passiva” diante dos vários estímulos
externos.
Augusto Cury (2014), nos seus estudos sobre o funcionamento da
mente, descobriu a síndrome do pensamento acelerado (SPA), consi-
derando um dos mal do século, justamente devido ao exagero de in-
formações a que somos submetidos diariamente. Nesse mundo globa-
lizado, no qual as informações chegam com muita velocidade, ainda
que o conteúdo seja importante, o aceleramento do pensamento gera

89
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

um desgaste cerebral intenso, produzindo uma ansiedade patológica,


e, para quem apresenta o TDAH, se torna ainda mais desafiante o lidar
com tantas informações.
A grande quantidade e velocidade de informações que o indivíduo re-
cebe , suscita a necessidade de algum controle seletivo para que a melhor
tomada de decisão aconteça. Cabe lembrar que as informações e estímulos
podem chegar pelos órgãos dos sentidos ou do próprio corpo como sensação
de fome, dor, bexiga cheia e precisam de um “maestro” para gerenciar esse
processo. Neste caso são as funções executivas, dentre as quais a atenção,
que realizam esse trabalho no cérebro, mais especificamente no pré-frontal.

As funções executivas são um grupo de habilidades que nos ajudam


a focar, planejar, a direcionar e gerenciar vários fluxos de informa-
ção ao mesmo tempo, monitorar erros, tomar decisões a partir das
informações disponíveis, rever planos, resistir as distrações, evitar
ações precipitadas (TIEPPO, 2019, p. 217).

Claro que não nascemos com as funções executivas desenvolvidas,


mas nascemos com o potencial para seu desenvolvimento pleno, que ge-
ralmente acontece no fim da adolescência e início da idade adulta, mas
isso depende também das nossas experiências ao longo do processo. ob-
servando-se o processo maturacional biológico do cérebro do indivíduo.
De maneira geral, o processo de atenção é bastante complexo e envolve
vários mecanismos, tanto do cérebro como do corpo. A atenção é uma habili-
dade que pode ser desenvolvida e faz parte de nossas vidas, do nascimento até
a morte, sendo que apresenta importância cada vez mais crescente, à medida
que a memória e a evocação de informações, no momento certo, é cada vez
mais valorizada. “A atenção é um recurso de fundamental importância para
o aprendizado, para a comunicação, para a retenção de informações na me-
mória, para aumento da produtividade nas tarefas” (TIEPPO, 2019, p. 220).
Mas se pensarmos no momento atual, onde os estímulos e o fluxo de
informações emanam de várias fontes e com grande intensidade, enten-
deremos como cada vez mais estamos vendo pessoas apresentando dificul-
dade para manter a atenção, principalmente com a população mais jovem
que já nasceu no contexto das redes sociais, mídias de comunicação e das
mensagens instantâneas, o que dificulta mais ainda a vida do portador de

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TDAH. Sendo cada vez mais necessário aprender a gerenciar a atenção,


mesmo através de treino (TIEPPO, 2019).
Acreditamos que o processo de construção, durabilidade e qualidade
da atenção esteja diretamente ligado ao controle ou autocontrole a par-
tir dos mecanismos que proporcionam a disciplina durante o processo de
aprendizagem. Também acreditamos na existência de uma gradação dos
níveis e que o alcance também esteja vinculado a motivação do interessado
ou “desinteressado”, a partir das descargas de hormônios mais envolvidos
no processo de atenção, memória e aprendizagem, principalmente o cor-
tisol, dopamina, glutamato, noradrenalina.
Neste sentido, o desinteresse pode acontecer em qualquer parte do
processo de construção do conhecimento: no início de um processo,
no decorrer mediano ou na finalização. Contudo, é necessário ensinar à
criança, à medida que haja o crescimento, que existe de fato necessidade
de esforço individual para se alcançar certo objetivo e que nem sempre o
prazer será companheiro fiel em todo o percurso. Claro que na criança
muito pequena a capacidade de atenção, tanto em durabilidade, quanto
em profundidade, é muito pequena, ampliando-se à medida que fica mais
velha e potencialmente disciplinada.
Todavia, na criança com TDAH o processo da atenção não acontece
de forma tão harmônica e concatenada. Mesmo considerando o avanço cro-
nológico, apresenta um déficit, seja de durabilidade ou profundidade ou os
dois, o que compromete a qualidade da atenção e consequentemente a qua-
lidade da aprendizagem ou ação que está sendo desenvolvida ou executada .
Achamos necessário, assim, construir uma tabela sobre os tipos de
atenção, tendo como referência Schwartzman (2001).

Quadro: Tipos e características da atenção


Atenção Atenção Atenção Atenção Atenção sutentada
automática voluntária dividida focalizada ou
seletiva
Tarefas que Envolvimento Atendimento Quando, no Habilidade de se
fazemos não consciente nas de dois manter a atenção em
meio rico de
inteiramente ações. estímulos um mesmo estímulo
estímulos, é
conscientes. concomitantes. ou tarefa por um longo
necessário
período de tempo
absorver apenas
um.sendo determinante do
desempenho em .
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, baseado em Schwartzman (2001)

91
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Agora que já vimos as características de cada tipo de atenção, cabe


conjecturar que a atenção dividida não é considerada por muitos estudio-
sos como um tipo de atenção específica, pois os mesmos acreditam que
haveria na verdade uma alternância entre um estímulo e outro, não sendo
simultânea. Neste caso, esta atenção na realidade seria uma atenção sele-
tiva que estaria alternando rapidamente entre os estímulos. Cabe salientar
que os estímulos podem ser suscitados pelos órgãos dos sentidos, pensa-
mentos ou memórias e que, de alguma forma, teríamos que nos concen-
trar especificamente em um para que atinjamos certo nível de consciência.

Podemos presumir, portanto que, além de contar com várias áreas e


estruturas diversas, os mecanismos que garantem a função de aten-
ção contam com um sistema gerencial que deve, a todo momen-
to, na dependência de qual o tipo de atenção é o mais capaz para
aquela tarefa específica, colocar em funcionamento o sistema ou
subsistema mais adequado e silenciar os demais (SCHWARTZ-
MAN, 2001, p. 37).

Então, se os estímulos são de origens diversas e com intensidades dife-


rentes, há de se acreditar que são processados em áreas diversas do próprio
cérebro, havendo com isso algum tipo de necessidade de gerenciamento.
E de fato há. A tarefa desse gerenciamento é feita pela formação reticular
que fica no tronco encefálico. “Os neurônios da formação reticular são
dispostos como em uma rede, uma espécie de teia de aranha, e sustentam
uma circuitaria responsável por ativar várias áreas cerebrais” (TIEPPO,
2019, p. 99).
Esse gerenciamento feito pela formação reticular nos faz retornar ao
TDAH, no qual haveria o comprometimento das atenções seletiva, que
em meio a vários estímulos, foca-se em apenas um, e a sustentada, manti-
da por período maior. Neste sentido, podemos assim auferir a necessidade
de o professor, ou dos próprios pais, buscarem, em parceria com os pro-
fissionais que acompanham os alunos e filhos, caso assim seja, qual o tipo
de estímulo que mais interfere na capacidade de concentração, podendo
diminuí-lo ou evitá-lo nos ambientes da casa ou sala de aula.
Acerca das crianças menores, poderia se pensar no trabalho de aten-
ção seletiva e aos poucos, à medida que for evoluindo e amadurecendo, in-

92
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clusive biologicamente, adentrar na sustentada. Os professores poderiam


buscar informações, sejam através de relatórios ou outro meio de comuni-
cação, com a entidade que acompanha o aluno para assim se pensar num
ambiente e metodologias mais favoráveis ao processo de aprendizagem em
parceria também com os pais, pois o trabalho multidisciplinar necessita
dessa parceria em proveito do desenvolvimento do aluno.
Os alunos que não são acompanhados por profissionais, um diálogo
com os pais poderia suscitar “experiências”, orientações, confecção de
instrumentos, tentativas de atividades e organização de ambientes, con-
siderando que a formação reticular poderia estar no processo de superes-
timulação cerebral no momento do gerenciamento ou “distribuição” dos
estímulos. Schwartzman (2001) retrata de forma bem precisa a “angústia”
da criança com TDAH em relação aos estímulos recebidos de forma irre-
gular: “A tal ativação poderia ser entendida como facho de uma lanterna
que se move de uma área cerebral para outra, e a lanterna seria a estrutura
neural denominada formação reticular ativadora ascendente” (p. 38).
Assume assim também grande importância, além da atenção, a forma
como a significância é construída na mente do aluno, sendo porém um
processo que deve ser precedido pela análise sensível do professor, cons-
truído e desconstruído juntos, vivenciando os conflitos, indagações e a
beleza de novas construções de conceitos e significância que vamos ex-
plorar melhor na próxima seção. Codea (2019, p. 75), referindo-se à im-
portância do sentido e significado diz: “Tentamos apreender a experiência
a partir do nosso conhecimento anterior sobre o mundo, comparando a
experiência atual com o que temos armazenados na memória” .

A RELAÇÃO DE SIGNIFICÂNCIA NO CONTEXTO DE


TDAH

O termo “aprendizagem significativa” vem sendo recentemente re-


colocado em evidência, considerando uma relação de concretude a partir
da necessidade de proporcionar ao aluno um aprendizado que contemple
a realidade vivenciada, dentro de um contexto ao qual aquele sujeito per-
tence, ou que ele tenha alguma relação (MOREIRA, 2012). É claro que
nesse caso cabe pensar no próprio termo aprendizagem, a partir da pers-
pectiva de construção de um conhecimento que esteja atrelado, de alguma

93
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

maneira, a vida do aluno a partir das várias perspectivas de relações, seja


cultural, afetiva, cognitiva ou alguma outra que pode ser identificada pela
coordenação ou pelo próprio professor, numa entrevista prévia com pais
e alunos na escola. Também precisamos notar que o processo de ensino-
-aprendizagem é permeado por nuances diversas e de conhecimentos que
são advindos de bases que perpassam as restrições geográficas e culturais
da vida do aluno. Desta forma, este tópico faz uma análise da significância
do aprendizado a partir da instrumentalização do olhar sensível do obser-
vador, considerando a construção conceitual e relação com o TDAH.
Moreira e Masini (2001, p. 17) resgatam e analisam a teoria signifi-
cativa de Ausubel e defendem que: “[...] aprendizagem significativa é o
processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto re-
levante da estrutura de conhecimento do indivíduo” (p. 17). Este processo
deve, acima de tudo, considerar a construção histórica e cultural do aluno
que, certamente, serviram de alicerce para a formação do próprio concei-
to, ou dos vários conceitos concernentes aos seus conhecimentos em suas
perspectivas de análises e de eventos. Entendemos que este olhar deve ser
remetido as intencionalidades subjetivas, que cada aluno apresenta, pois
elas eclodem no processo de aprendizagem a partir, primeiramente, da
automotivação e posteriormente, da motivação dos agentes externos que
estão envolvidos no processo de aprendizagem. O respeito a essas inten-
cionalidades é a base para a significância do aprendizado do aluno que re-
flete, em sua automotivação e, consequentemente, em sua motivação, nos
valores e nos objetivos que devem nortear, metodologicamente, a atuação
do professor.
Sabemos que o cérebro continua aprendendo mesmo na maturidade,
mas para esse processo acontecer e ser potencializado é necessário que o
professor busque estratégias adequadas para os alunos. Como enfatiza Ea-
gleman (2017, p. 193), referindo-se ao cérebro humano: “Ele é um circui-
to vivo que reconfigurou o próprio circuito. Embora o cérebro adulto não
seja tão flexível quanto o de uma criança, ainda conserva uma capacidade
impressionante de se adaptar e mudar” (p. 193). Mais uma vez, vimos a
desmitificação da ideia equivocada que pessoas mais velhas não aprendem,
o que também é responsável pelo afastamento de muitos adultos da escola
ou aumentam grandemente o índice de evasão desse público, promovida

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pela baixa autoestima e preconceito da sociedade e às vezes da própria


família do aluno, o que é pior.
O fato é que o olhar investigativo do professor sobre contextual do
aluno permitirá que o mesmo identifique valores, concepções, visões de
mundo, o que pode se traduzir em estratégias metodológicas que aproxi-
mem o mundo intelectual às formações idiossincráticas que sustentam a
significância do aluno com TDAH. Inclusive, cabe incluir de forma es-
pecial, justamente para colocar em posição de destaque, o fator tempo e o
momento histórico de formação dos alunos, considerando a diversidade
etária e muitas vezes geográficas e culturais de cada aluno. Uma possi-
bilidade para se trabalhar com essas significâncias são as práticas lúdicas
que podem oportunizar o aluno a ter contato com os conteúdos de uma
maneira mais prazerosa, contextualizada e diversificada.
É neste sentido que se percebe que a relação de significância é muito
mais que apenas trazer um relato do aluno de sua comunidade e excede
em muito a utilização do tempo de aula apenas para ensinar o conteúdo
proposto pelo currículo. É diante dessa diversidade de possibilidades de
construções didáticas em busca da melhor forma de trazer o significado
para o aluno que Codea (2019) relata:

A ocorrência de sentido e significado nos conteúdos educacionais


provavelmente redireciona nosso estado atencional, pois, à medi-
da que geramos interesse e damos valor a um conteúdo, mais nos
envolvemos e participamos ativamente, o que deve também fazer
diferença em relação memorização de longo prazo de tais conteú-
dos (CODEA, 2019, p. 77).

Assim, a importância dada a análise dos elementos constituintes que


alicerçaram a formação de conceitos pelo aluno e que podem dar respos-
tas quanto a visão e a leitura de mundo dos mesmos, além de respeitar os
elementos constituintes da identidade, podem facilitar a concentração em
determinados pontos, assuntos e ambientes alfabetizadores ou de constru-
ção do conhecimento. Isso pode direcionar para uma metodologia aplica-
da pelo professor e a construção de planos de aula, ou planos de interven-
ção, no qual acolha as bases da construção de significância dos mesmos

95
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

e proporcione o aluno um processo de transformação e evolução no seu


aprendizado.
Além desses processos de construção, que devem ser considerados e
das variações existentes na dinâmica social da significância do aprendiza-
do, precisamos validar que o processo acontece tanto na perspectiva do
professor quanto do aluno. O professor precisa compreender que a cons-
trução do conhecimento a partir de estruturas prévias deve acontecer de
forma contundente e contínua. Daí, Moreira e Masini, quando se repor-
tam à teoria de Ausubel, expõem:

Na aprendizagem significativa há uma interação entre o novo co-


nhecimento e o já existente, na qual ambos se modificam. À me-
dida que o conhecimento prévio serve de base para a atribuição de
significados à nova informação, ele também se modifica, ou seja, os
subsunçores vão adquirindo novos significados, se tornando mais
diferenciados, mais estáveis. Novos subsunçores vão se formando;
subsunçores vão interagindo entre si. A estrutura cognitiva está
constantemente se reestruturando durante a aprendizagem signi-
ficativa. O processo é dinâmico; o conhecimento vai sendo cons-
truído (MOREIRA; MASINI, 2001, p.b45).

Nesse processo, ressaltamos a necessidade de compreensão por parte


do professor sobre a importância de sua intervenção para fortalecer a for-
mação do sujeito aprendente, na medida em que novos conhecimentos
formarão conceitos inovadores, que terão efeitos conscienciais anacrôni-
cos e conhecimentos também do passado. Isso faz remover a própria con-
cepção, estritamente futurista, das construções de novos conhecimentos
e de como as mudanças ocorrem, colocando o educador como sendo um
agente da necessidade da escuta sensível, que possa reverberar em meto-
dologias próprias. Pensando assim, o horizonte de significância não deve
estar restrito, apenas, ao processo de aprender, mas também, ao processo
de ensinar.

CONJECTURAS E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS

Podemos ressaltar alguns pontos neste espaço, que longe de serem


respostas, apresentam o TDAH a partir de novas perspectivas possibili-

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tadas pelo avanço das pesquisas na área da neurociência. Neste sentido, a


própria concepção de aluno portador de TDAH passa a ter um olhar mais
amplo e ao mesmo tempo profundo, principalmente porque ampliou-se a
gama dos sujeitos que podem estar contribuindo para um comportamento
fora do esperado de um aluno, considerando o ambiente escolar, de um
filho e de pais, tomando por base a habitação dos sujeitos envolvidos.
Outro ponto que apresenta novas possibilidades é o próprio diagnós-
tico e seus “ritos” de construção, ainda extremamente subjetivo, baseado
nos aspectos comportamentais, o que possibilita análises diversas muitas
vezes duvidosas. Há casos em que crianças que são agitadas por serem
portadoras de algum déficit sensorial, ainda não descoberto, seja ele au-
ditivo, visual ou de outra ordem, apresentam comportamento de agitação
excessiva e muitas são diagnosticados com TDAH, sem que a verdadeira
causa tenha sido de fato descoberta.
Em crianças muito pequenas, até os sete anos, medicações psicoa-
tivas como barbital (Gardenal), bastante utilizadas como antiepiléptico,
podem provocar distúrbio na atenção. Outras medicações como carbama-
zepina (Tegretol), primidona (Mysoline), os neurolépticos como Haldol,
Neuleptil, Malleril, também podem suscitar no indivíduo distúrbios na
atenção, seja hiperatividade, agitação e dispersão (SCHWARTZMAN,
2001). Já nos indivíduos jovens ou adultos, há defesa da utilização da
medicação por parte de muitos profissionais e pesquisadores como Mattos
(2005) e Phelan (2015). Essa defesa é respaldada a partir da concepção
que muitos adultos não querem começar um tratamento psicoterapêutico,
por preconceito, desconhecimento, falta de tempo, vergonha, tornando a
possibilidade da medicação mais viável, contundente e eficaz. Além disso,
há níveis do próprio TDAH que o grau de hiperatividade e impulsividade
é tão alto que não há possibilidade de uma intervenção paralela sem a
utilização de medicação.
Porém, com relação à medicação, todos os profissionais são unânimes
na defesa de um diagnóstico personalizado com doses cuidadosamente
ajustadas a partir de exames regulares com participação de equipe multi-
disciplinar.
No campo neurocientífico especificamente, algumas pesquisas em
desenvolvimento mostram que estudos que utilizaram ressonância mag-
nética apontaram algumas reduções de área e volume do cérebro do sujei-

97
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

to com TDA-H, principalmente em áreas do sistema límbico, responsá-


vel pelo controle emocional, e o tálamo. Também mostram alteração de
conexão entre o córtex pré-frontal e os gânglios basais. As pesquisas mais
recentes se concentram nos estudos das disfunções das redes neuronais em
uso, o que possibilita analisar o processo estando o cérebro em “repouso”
ou durante a realização de uma tarefa. Este estudo, a partir das disfunções
de conectividade, também possibilita análise das relações de comunicação
sinápticas em lobos diversos do cérebro e seu potencial de ação. Outra ca-
racterística importante apontou para disfunções no sistema dopaminérgi-
co que influenciaria diretamente na atenção (SCHWARTZMAN, 2001).
Outro ponto importante é que, apesar da forte influência da heredi-
tariedade do TDAH, estudos recentes também ressaltam a influência am-
biental e do comportamento, como prematuridade e tabagismo da mãe
durante a gravidez.
Na perspectiva pedagógica e metodológica, podemos ressaltar que
uma metodologia inadequada pode suscitar desinteresse na aula e conse-
quentemente comportamento de inquietude, que muitas vezes pode ser
confundido com TDAH. Além disso, a crescente ansiedade de iniciar os
estudantes com conteúdos no ambiente formal de educação cada vez mais
cedo, promove o descompasso entre o amadurecimento neurobiológico e
o currículo adequado àquela idade. Essa precocidade também pode deses-
timular e promover a falta de atenção, sendo que as crianças são as maiores
vítimas desse processo de antecipação, onde o ritmo maturacional do or-
ganismo não é respeitado.
Sabe-se que o trabalho docente com aluno que apresenta TDAH não
é fácil, mas um ponto importante é o gerenciamento de suas emoções
diante d a irritabilidade do aluno com transtorno e os desafios constantes
que o mesmo lança para o professor. De certa forma essa habilidade de-
riva-se de conhecimento e reflexões sobre o TDAH (PHELAN, 2005).
Russel Barkley (2012) sugestionou alguns princípios para auxiliar o
trabalho docente com alunos com TDAH que ajudam na reflexão, au-
toconhecimento, autocontrole além de promover intervenções apuradas.
Dentre elas destaca-se:

• sempre que puder apresente o feedback imediatamente logo após


o ato do aluno, seja ele elogio ou repreensão;

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• apresente feedback frequente de motivação e mensagens úteis de


forma amigável;
• as intervenções precisam ser mais intensas, com “impacto”, com
algumas recompensas, inclusive simbólicas;
• o professor deve controlar suas emoções e tom de voz, pois o alu-
no já vai estar num estado de superexcitação emocional. O pro-
fessor não pode alimentar essa pirâmide;
• precisa haver estabelecimento de regras e rotinas, pois os alunos
apresentam dificuldades de lidar com constantes mudanças. Lem-
brando que tais regras não podem estar relacionadas ao humor do
professor, nem dos colegas de classe;
• planejamento antecipado de possíveis intervenções de problemas
que o aluno poderá enfrentar com as atividades do dia;
• sempre que possível, estar repassando os planos e as regras, pois
muitos alunos portadores de TDAH apresentam problemas de
esquecimento.

Importante também relatar a existência de alguns instrumentos que


podem ajudar pais e professores na observação de algumas característi-
cas que irão ajudar na identificação de comportamentos que podem con-
tribuir no direcionamento ou encaminhamento do portador de TDAH
para um profissional especializado. Dentre estes instrumentos, destaca-se
a “ASRS” (Adult Self-Report Scale) ou escala de autoavaliação do adulto, que é
para uso específico em adultos. Também existem as escalas de “BENC-
ZIK” e a escala de “CONNERS”, que são adaptadas para pais e professo-
res. Lembrando que tais escalas em si só, não são instrumentos capazes de
diagnosticar o indivíduo como portador ou não, mas já darão informações
importantes para nortear pais e professores a procurar um profissional es-
pecialista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que o trabalho docente não se satisfaz atualmente como


décadas atrás, quando a preocupação maior, quando não a única, era com
a dimensão cognitiva, desconsiderando as outras dimensões que instituem
o ser humano enquanto um ser integral. É imprescindível que o professor

99
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

considere interdisciplinaridade, inclusive interagindo com as clínicas e de-


bruçando-se sobre saberes que antes parecia não se fazer necessário, para
que possam explanar suas aulas, fazendo conexões com outros campos do
saber e promovendo a significância dentro de um processo de constru-
ção contextual. Desta forma a escola também estará contribuindo efetiva-
mente para desmitificar o número grande de alunos “diagnosticados” com
TDAH, inclusive de forma indevida.
Acreditamos de forma premente na importância da autoformação do
professor, onde este profissional busque de forma consciente atualizar seus
conhecimentos a partir dos desafios e realidades enfrentadas. Muitas vezes
a instituição ou o sistema de ensino, não é capaz de perceber certas especi-
ficidades, ou não teria nem interesse de suscitá-la, igual à do professor que
ali está vivenciando as questões diariamente. Não queremos com isso exi-
mir as instâncias institucionais das suas responsabilidades, mas transcen-
der as barreiras das dificuldades, adentrando no campo da contribuição do
“eu” como sujeito profissional e ser humano promotor de transformação.
Outro ponto muito importante é a necessidade do entendimento por
parte dos profissionais que acompanham pessoas com TDAH que, apesar da
pouca frequência de casos, não há obrigatoriedade da relação TDAH com
dificuldade escolar. Neste sentido, temos que ter muito cuidado com as pers-
pectivas generalizante, do ponto de vista do problema, e limitante, do ponto
de vista de intervenção, pois, inclusive, este aluno pode ter altas habilidades,
o que também poderia estar refletindo em seu comportamento na classe, le-
vando-o em tese ao término das suas atividades com mais rapidez que seus
colegas, ficando ocioso o resto do tempo com propensão a inquietação.
As redes de ensino também precisam, de forma premente, investir
em parcerias com instituições que acolham não só os pacientes, mas pais
e responsáveis que muitas vezes se sentem impotentes diante de algo que
não conhecem e que desesperadamente tentam resolvê-lo de forma inde-
pendente e sem auxílio de um profissional.
Outro ponto importante é a população em vulnerabilidade social que
apresenta maior dificuldade, pois além dos vários condicionantes envol-
vidos de ordem da estrutura social, muitos não têm nem o dinheiro do
transporte para se deslocar até as clínicas de apoio, isso quando conseguem
marcar com certa brevidade. Já ouvimos relatos de pais e mães que só con-
seguem consulta com um profissional para quatro ou cinco meses.

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Neste sentido, entendemos a necessidade de envolvimento de uma


rede colaborativa que atenda a família de forma globalizada, pois a questão
do TDAH reflete de forma incisiva no âmago das relações familiares, trans-
formando-se numa questão social. Precisamos entender que a assistência às
crianças e adultos que apresentam algum tipo de transtorno ou distúrbio, no
caso aqui específico de TDAH, representa de forma concreta o futuro da
nação, como foi o entendimento dos americanos nos anos setenta e oitenta.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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102
OS PLANOS DO NEOLIBERALISMO:
IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC NA
EDUCAÇÃO E O RETROCESSO
POR TRÁS DAS REFORMAS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Jessica Machado de Sena e Silva9

INTRODUÇÃO

Este artigo busca trazer reflexões a respeito da implementação da


BNCC — Base Nacional Comum Curricular, e seus possíveis impactos.
O objetivo principal é conduzir novos diálogos referentes ao tema e pontuar
questões relacionadas a partir de contextos históricos que servirão de base
para o desdobramento da pesquisa. O conceito de Neoliberalismo será in-
dispensável para que possamos entender seus reais interesses. Temos como
diferencial de pesquisa o estudo do comparativo da proposta neoliberalista
com a Pedagogia Tecnicista, que durante décadas serviu de moldes para a
aptidão de competências. Iremos trabalhar o conceito de Ball para perce-
bermos as mudanças ocorridas com o tempo e a intercessão que as unem.
Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico a partir de obras
como: A reprodução: elementos para uma teoria de ensino, de Bourdieu (1970);
A educação em tempos de Neoliberalismo, de Santomé (2004); Pedagogia da

9 Graduanda de 5ª período do Curso de Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio de


Janeiro – UERJ.

103
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

exclusão, de Gentili (1995) e A escola não é uma empresa, de Laval (2003).


A sustentação teórica tem como ponto de partida Bourdieu por dialogar
com o tema do estudo desse artigo ligando a predominância de pensa-
mentos e culturas sobre as outras usando de sua força para ditar tendências
políticas e econômicas. Segundo o autor usa-se de uma violência simbóli-
ca através da ação pedagógica para enraizar valores. Citamos Santomé por
demonstrar como as políticas neoliberais e conservadoras estão tentando
transformar o sistema escolar em um mercado que defende um modelo de
sociedade em que a Educação seja reduzida a mais um bem de consumo.
Seguimos com Gentili por discutir o impacto dos processos de reforma
do Estado nas políticas educacionais e questões como a problemática da
pobreza e a Educação nos países do capital central, nos apresentando os
fatores para uma Pedagogia excludente. E por fim Laval, pelos seus argu-
mentos prezarem uma Educação emancipatória e a ruptura do modelo de
Capitalismo para uma verdadeira transformação social.

1. NEOLIBERALISMO E SUA BUSCA CONSTANTE PELA


RENTABILIDADE

O Neoliberalismo tem como estratégia para sua expansão a escola,


pois é através dela que é transmitido o conhecimento humano e com isso
é formado o que a política chamaria de capital humano. Não é de hoje que
a sala de aula e o sistema educacional são estruturados para o crescimento
da economia e aos meios de produção. Para entendermos melhor esses
acontecimentos, retornaremos a 1970, quando a Pedagogia Tecnicista foi
inserida no Brasil.
A Pedagogia Tecnicista surgiu no século XX como uma tendência
Liberal que visava implementar o modelo empresarial na escola. Nesse
modelo reducionista, o professor era um mero transmissor de conteúdos
e o aluno espectador que estaria sendo preparado para o mercado de tra-
balho. Suas diretrizes estavam longe de proporcionar a democracia, tam-
pouco a consciência política e resultados nas lutas sociais. No Tecnicismo,
a ênfase era na valorização exagerada dos recursos técnicos e aos meios
de produção. A partir disso citaremos Laval para mostrarmos o quanto
o Sistema Educacional brasileiro gira em torno de uma demanda social
sustentada pelo cenário político e econômico:

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Quem mais é em nome da “igualdade de chances”, instaura uma


lógica mercantil que consolida e mesmo intensifica as desigualda-
des existentes (LAVAL, 2003, p. 21).

É o que podemos ver quando é sugerida a ideia de base comum com a


suposta intenção de todos adquirirem os mesmos conhecimentos usando
como argumento a igualdade. Então, afinal, no que consiste o Neolibera-
lismo? Seguiremos com os pensamentos de Laval, em que ele afirma que
o Neoliberalismo vai além de uma política econômica monetária, sendo
também uma política que visa modificar a sociedade. Para isso, seu foco
está em transformar os valores humanos com a brilhante visão de renta-
bilidade e deturpada de crescimento pessoal. Esse “crescimento pessoal”
vem atrelado à ideia de sacrificar o próprio bem-estar em nome da pro-
messa de uma melhor posição econômica social.

1.1. A BRILHANTE VISÃO DE RENTABILIDADE E O


CONCEITO DE PERFORMATIVIDADE

Para desdobrarmos este subtítulo, recorreremos a Bourdieu (1970),


quando nos dá o conceito de violência simbólica, que nada mais é do que
o ato de imposição arbitrária do sistema simbólico da cultura dominante
sobre os demais sujeitos. Trazendo para o contexto atual, as instituições de
ensino obrigariam os educandos desde cedo a se posicionarem no mundo
social em conformidade das demandas preestabelecidas por pensamentos
ou tendências dominantes por meio da ação pedagógica que manifestaria
tal violência. Para combatermos isso, devemos lutar por uma Educação
em que se considera a formação crítica do aluno, conduzindo-o a maior
autonomia e emancipação.
Citaremos Ball para ilustrar o afastamento dessa Educação:

Uma tecnologia, uma cultura e um modo de regulação que se ser-


vem de críticas, comparações e exposições como meios de con-
trolo, atrito e mudança. Os desempenhos (de indivíduos ou orga-
nizações) servem como medidas de produtividade e rendimento
ou mostras de ‘qualidade’ ou ainda ‘momentos’ de promoção ou
inspeção. Significam, englobam e representam a validade, a qua-

105
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

lidade ou o valor de um indivíduo ou organização dentro de um


determinado âmbito de julgamento/avaliação (BALL, 2002, p. 4).

A performatividade alimenta a visão de rentabilidade, atribuindo-se a


um deturpado crescimento pessoal com base na competição e estímulo da
concorrência. É o que temos visto nas escolas através de testes e avaliações
sistemáticas fazendo não só os alunos, mas também os professores e esco-
las competirem entre si. Iniciaremos esse ponto do estudo com a seguinte
citação a respeito do Neoliberalismo na Educação:

Essa mesma filosofia neoliberal e conservadora de fundo, que ex-


plica muitas das mudanças que estão ocorrendo nos sistemas edu-
cacionais, servem para avaliar os novos papeis a serem desempenha-
dos pelo diretor ou diretora das escolas. Atualmente pretende-se
que eles sejam um dos pilares dessa transformação das instituições
escolares em empresas, e que adaptem as estruturas e condições de
trabalho às necessidades das novas sociedades mercantilistas (SAN-
TOMÉ, 2003, p. 72-3).

Em se tratando de mercantilismo o retrocesso torna-se evidente, va-


lorizando assim a força de trabalho e interesses no sistema educacional
como na década de 70. O que diferencia o Neoliberalismo da Pedagogia
Tecnicista é que nós, trabalhadores e profissionais, acabamos sendo atraí-
dos pela promoção e destaque, mesmo tendo que corresponder a índices
de desempenho. A Educação neoliberalista nos vende a ideia de performa-
tividade para conquistar, traçando assim o retrocesso por trás de reformas
como a BNCC para a Educação Básica e na formação de professores.

2. BNCC, SEU ALTO VIÉS NEOLIBERAL E A


CONTRIBUIÇÃO PARA UMA PEDAGOGIA DA
EXCLUSÃO

Se tratando da BNCC, elencaremos a seguir alguns pontos em que


podemos perceber seu viés Neoliberal e a forte contribuição para uma
Pedagogia da exclusão: a ênfase nas capacidades e competências que cada
educando deve adquirir no âmbito educacional para atingir uma melhor
posição no mercado de trabalho. A adequação automática da formação

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docente aos itens da BNCC restringe a formação cognitiva tornando nós


educadores em meros ‘dadores’ de conteúdos estando predominantemen-
te inseridos a uma lógica conteudista. Mecanismos que tiram a autonomia
do professor, transformando a escola em um mero lugar de capacitação
em determinadas áreas ao invés de ser um ambiente de socialização do
conhecimento humano e a construção coletiva do saber. Para finalizarmos
citaremos Gentili, que explica a respeito do que é a Pedagogia da exclusão
incentivada pela BNCC na Educação/ Educação Básica:

A maneira como a escola trata a pobreza constitui uma avaliação


importante do êxito de um sistema educacional. Crianças vindas
de famílias pobres são em geral, as que têm menos êxito, se avalia-
das através dos procedimentos convencionais de medida e as mais
difíceis de serem ensinadas através dos métodos tradicionais. Elas
são as que têm menos poder na escola, são as menos capazes de
fazer valer suas reivindicações ou de insistir para que suas necessi-
dades sejam satisfeitas, mas são, por outro lado, as que mais depen-
dem da escola para obter sua educação (GENTILI, 1995, p. 10).

2.1. CONSEQUÊNCIAS DA INFLUÊNCIA DO


NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO
DA BNCC

Após reunirmos evidências das práticas neoliberalistas contidas da


BNCC, destacaremos que o Neoliberalismo age através de restrições da
atuação do Estado contribuindo para o aumento da desigualdade social,
dessa forma colocando em prática seus planos o Ensino Público compro-
metendo seu acesso e qualidade ofertando uma ‘solução’ que resolveria
todos os problemas. As esferas particulares e o sentimento de privatização
como melhoria move o capital fazendo esses defensores lucrarem com ele.
Analisando o documento da BNCC, devemos prestar atenção ao quê
de positividade na maneira como as competências são formuladas, estando
mais para um manual de padronização do comportamento. Essa abordagem
na Educação Básica é de tamanha preocupação, pois limita a subjetividade
dos indivíduos em formação, censurando quaisquer diálogos fora do pla-
nejado. A influência no contexto atual é que a maior parte das escolas es-
tão centradas unicamente nos resultados das provas e exames. Eles desejam

107
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

verificar no todo das notas como estão os alunos fazendo que o sistema
social se contente com as notas desses exames, resumindo todos a um siste-
ma de ensino em que se interessam apenas pelos resultados gerais: as notas
em detrimento dos processos formativos. Em posse disso, podemos sentir
tais impactos ao manter os níveis de desempenho em exames avaliativos,
crianças estão adquirindo transtornos psicológicos ao entrar na escola, pois
as mesmas estão sendo muito cobradas a atender expectativas. A busca da
alta performance nos exames avaliativos tem feito crianças terem ansiedade
precoce e, nos piores casos, depressão. Já englobando os adolescentes, o Pro-
grama de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) informa resultados
semelhantes ao das crianças. A Pisa, em seu relatório, coloca os alunos bra-
sileiros entre os que ficam mais estressados durante os estudos (56% dos en-
trevistados relatam o problema). Nossos jovens também ocupam a segunda
posição no ranking dos ansiosos para as provas, mesmo quando se preparam.
Novamente temos o comparativo do século XX quando cartilhas foram
esquematizadas a partir do olhar autoritário governamental.

3. ENTENDENDO O PASSADO PARA MUDAR O


PRESENTE

Nesta seção será esmiuçado o contexto que nos despertou a discus-


são do tema. No início do século XX, um material chegou às salas de
aulas para servir de guia indispensável nas mãos de diversos educadores
recém-formados, com o objetivo de alfabetização e leitura dos educandos.
Esse material, denominado de cartilha, utilizava um método de ensino
que se dava de forma mecânica, tratando os indivíduos como uma página
em branco, desprovida de conhecimento. A partir dos dados contidos na
sustentabilidade das obras e referencial teórico, sabemos que até o meado
de 1990 esse tipo de material foi sendo utilizado por diversos profissionais
da Educação. Muitos desses são defensores e reprodutores do discurso de
que é obrigação do aluno gravar tudo o que o professor diz por meio da
repetição e cópia.
Os vestígios do passado dão margem a meritocracia como prêmio de
consolação, a redução de medidas de assistência social e a criação de reais
oportunidades para as classes menos favorecidas. Ball (2002) diz que a
emergência da performatividade na Educação se dá na intersecção entre o

108
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

processo de reconfiguração do papel do Estado, a proliferação dos discur-


sos da reforma educacional e instituição do Estado-avaliador.

4. LISTA DE COMPETÊNCIAS DA 3ª VERSÃO DA BNCC


DE 2017 DE ACORDO COM O MEC

Cada uma das competências estabelecidas possui áreas que contri-


buem para o seu aprendizado e aspectos específicos que o estudante deve
desenvolver. O esforço para aplicação das competências gerais da BNCC
não deve partir somente das instituições de ensino, mas envolve a união de
diferentes atores, como os gestores escolares, professores, alunos, famílias,
secretarias de Educação e a sociedade em geral. O objetivo é proporcionar
uma transformação na educação para que as escolas possam se adequar as
novas demandas e problemas da sociedade.
Competências gerais de forma resumida de acordo com o material de
apoio da BNCC:

1.Conhecimento

2.Pensamento científico, crítico e criativo

3.Repertório cultural

4.Comunicação

5.Cultura digital

6.Trabalho e projeto de vida

7.Argumentação

8.Autoconhecimento e autocuidado

9.Empatia e cooperação

10.Responsabilidade e cidadania

Competências gerais de forma ampla, conforme o material de apoio


da BNCC:

• Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos


sobre o mundo físico, social e cultural para entender e explicar a

109
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

realidade (fatos, informações, fenômenos e processos linguísticos,


culturais, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e natu-
rais), colaborando para a construção de uma sociedade solidária.
• Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria
das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica,
a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e
testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções
com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
• Desenvolver o senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as
diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais,
e também para participar de práticas diversificadas da produção
artístico-cultural.
• Utilizar conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) e/
ou verbo-visual (como Libras), corporal, multimodal, artística,
matemática, científica, tecnológica e digital para expressar-se e
partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em di-
ferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo.
• Utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de for-
ma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do
cotidiano (incluindo as escolares) ao se comunicar, acessar e disse-
minar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas.
• Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apro-
priar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem
entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer esco-
lhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e social,
com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
• Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis,
para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e deci-
sões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos e
a consciência socioambiental em âmbito local, regional e global,
com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo,
dos outros e do planeta.
• Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas e com a pressão do grupo.

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• Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a coo-


peração, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialida-
des, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, orientação sexual,
idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer
outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade
com a qual deve se comprometer.
• Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade,
flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões, com
base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princí-
pios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
• Apesar dessas diretrizes com promessas tais como: valorizar a di-
versidade e exercitar a curiosidade intelectual a história nos mos-
trou os verdadeiros planos do Estado ao promover a visão da pri-
vatização como medida salvadora de uma pátria órfã de melhores
recursos nas Instituições publica de ensino. Podemos ver também
a fragmentação do conhecimento e do desenvolvimento humano
por inviabilizar questões como a importância de uma educação
antirracista e de dar voz as minorias. A intenção de antecipar a
idade máxima para a conclusão do processo de alfabetização, ig-
norando as especificidades de aprendizagem de cada aluno. Há
críticos e estudiosos que dizem com base em seus estudos que a
Base é falsamente participativa e submissa á lógica das avaliações
em larga escala.

4.1. TEMAS CONTEMPORÂNEOS NA BNCC

Na teoria, os temas contemporâneos fazem parte dos 40% da grade di-


versificada de carga horária da BNCC a ser aplicada. Sendo temas que sejam
de interesse dos estudantes e de relevância para seu desenvolvimento como
cidadão. Temas como ética, saúde, meio ambiente, trabalho, consumo,
educação financeira entre outros fazendo assim parte dos parâmetros curri-
culares nacionais (PNCNs). Na prática, por trás desse conjunto de apren-
dizagens ditas como essenciais está uma padronização da educação com a
intenção de fazer um alinhamento com os sistemas de avaliação em larga

111
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

escala, a formação de professores e os materiais didáticos que são difundidos


nas escolas. Isso como cumprimento das principais exigências dos organis-
mos internacionais que financiam as políticas educacionais no Brasil, como
a UNESCO, por exemplo. Aproximando desse modo a educação brasileira
ao tecnicismo de outrora apresentado no desenvolver dessa pesquisa. Com
o êxito dessa padronização, tais temas contemporâneos não serão assegura-
dos, pois o tecnicismo é uma linha que não dá lugar a nada que esteja fora
do mercado de trabalho e ao que se pode ser avaliado. A capacidade crítica
será dissolvida junto com suas múltiplas manifestações artísticas, científicas,
sociais e ética ferindo a autonomia das escolas e do educador.
A problemática segue com a centralização no desempenho e avaliação
por parte desses sistemas ampliando a visão tecnicista e unificadora ali-
mentando a competitividade e teor de desempenho contida na antiquada
pedagogia do exame. Desconsiderando a construção dos saberes cotidia-
nos com base na liberdade de expressão e seu histórico de conquistas e das
Diretrizes Curriculares. Além do não reconhecimento das condições de
trabalho dos professores, a eleição de conceitos e conteúdos controversos,
que não garantem a diversidade, além do próprio atropelo de prazos da
construção da Base no qual professores alegam ter ficado de fora na cons-
trução da mesma.
Para corrobar este tópico, citaremos a seguir os pensamentos de inte-
grantes do Colóquio Nacional “A Base em Questão: desafios para a edu-
cação e o ensino no Brasil”, promovido pela ANPED em 25 de abril de
2016.

Panorama de visões sobre a BNCC: “O currículo é um campo


de disputa. E esperamos que ele possa ser garantido sem golpe, com
garantia democrática”

Andreia Gouveia (presidente ANPEd):

“A Base não garante o direito à educação e à diversidade. Só é


possível pensar currículo se estiver atrelado à flexibilização, e não
à unificação.”

“É uma falácia a defesa da Base como se fosse sucesso em outros


países. Estado de Illinois, nos EUA, foi o primeiro a unificar o
currículo e já abandonou.”

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“É mais importante a qualidade da formação dos professores do


que a unificação.”

“É uma visão tecnicista, com forte tendência meritocrática. Esta-


mos falando claramente de uma visão empresarial, que culpabiliza
os gestores da rede por maus resultados.”

Maria Luiza Sussekind (Coordenadora do GT Currículo /


ANPEd): “Temos que discutir se somos contrários à metodologia
ou à própria ideia de uma Base.”

Carlos Ferraço (Vice-presidente Sudeste da ANPEd)

“A ideia republicana e generosa da Base traz uma janela de negó-


cios”

“Currículo é campo de disputa. Mas quem define?”

Paulo Carrano (1o Secretário da ANPEd)

“A Base Nacional Comum fere a Lei de Diretrizes e Bases (LDB),


sua trajetória política, fere a autonomia de gestão, dos diferentes
sujeitos.”

“O sujeito da educação passa a ser objetificado ao dizerem o que


ele tem que aprender.”

“Onde está o direito de reconhecimento daquilo que já se sabe?”

Inês Barbosa (presidente da ABdC)

“Qualquer política pública pressupõe a avaliação de políticas ante-


riores. Isso definitivamente não aconteceu. Isso é fundamental para
qualquer política séria. Qual o impacto das Diretrizes na constru-
ção da BNC?”

“É um absurdo de não se levar em conta as pesquisas e discussões


avançadas de currículo que existem no país.”

Jorge Najjar (ANPAE – Diretor no estado do Rio de Janeiro)

“Nossa visão não é que é impossível uma base, mas que já existe
uma Base em curso.”

113
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

“Temos interesse que se discuta a Geografia nos currículos. Mas


o que está na Base é muito vago, diz tudo e não diz nada, o que é
perigoso.”

“Seria importante fazer do currículo uma discussão sobre a escola


pública, fazer um projeto de pensar o Brasil.”

Gabriel Passetti (ANPHLAC)

“É um documento empobrecido do ponto de vista conceitual.”

“Foi dada pouca importância à Antropologia, como a conceitos de


diversidade, gênero. Ficou tudo muito solto.”

“Enviamos um documento com críticas à comissão da BNC, que


não respondeu. E ainda recebemos em particular comentários
agressivos.”

Os pensamentos expressos dialogam com os resultados obtidos e de


consenso com as questões debatidas no presente artigo.

OBTENÇÃO DOS RESULTADOS

Após aprofundarmos no documento da BNCC, percebemos a in-


tencionalidade por trás da positividade proposta. É de preocupação para a
Educação Básica, pois irá limitar a subjetividade dos indivíduos e quaisquer
diálogos fora do plano estabelecido no documento. Através da sustentação
teórica e as informações obtidas no decorrer desse estudo, entendemos
como parte dos planos do Neoliberalismo a implementação da BNCC na
Educação. Analisando o contexto histórico de 1970 e as estratégias neoli-
berais, chegamos ao retrocesso por trás das reformas na Educação Básica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da sustentação teórica e informações contidas nos capítulos


condutores, concluímos que a BNCC faz parte dos planos do Neolibe-
ralismo, pois o mesmo tem foco na escolarização e obtenção do saber
para capital humano. Semelhanças da Pedagogia Tecnicista ainda estão
em vigor pelo pensamento de padronização e estabelecimento de com-

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petências. Esse artigo deixou perguntas para uma próxima discussão. Até
que ponto os indicadores avaliativos fazem parte da política do Neolibera-
lismo? Estaria a Educação retornando para os tempos tecnicistas passando
por cima dos valores humanitários?

REFERÊNCIAS

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Disponível em:


http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/pro-bncc/
material-de-apoio. Acesso em: 13 abr. 2021.

______. Base Nacional Comum Curricular: Entenda as competên-


cias que são o “fio” condutor da BNCC. Disponível em: https://
sae.digital/base-nacional-comum-curricular-competencias./ Acesso
em: 13 abr. 2021.

______. Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi tema de


debate entre associações científicas em Coloquio promovido
pela ANPEd; novo documento será entregue ao CNE esta se-
mana pelo MEC. Disponível em:https://anped.org.br/news/base-
-nacional-comum-curricular-bncc-foi-tema-de-debate-entre-asso-
ciacoes-cientificas-em. Acesso em: 13 abr. 2021.

BORDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: Ele-


mentos para uma teoria do Sistema de Ensino. Ed. Vega, Lisboa, sd.
302 p.

GENTILI, Pablo. Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em


educação. Vol.2. Petrópolis: Vozes, 1995.

LAVAL, Christian. A educação em tempos de neoliberalismo ao


ensino público. PENSO. 1ª ed. Dez. 2003.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. A escola não é uma empresa: O neolibe-


ralismo em ataque ao ensino público. Londrina: PLANTA. 2004.
324 p.

115
HOMESCHOOLING NO
BRASIL:PERSPECTIVAS HISTÓRICAS,
IDEOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS
Cássia Caroline Ezarqui Loçavaro10

INTRODUÇÃO

O homeschooling ou educação domiciliar, consiste em uma prática de


ensino que dispensa a escola e o ambiente escolar, pois é a própria família
que ministra as aulas em casa para as crianças, trazendo como conteúdo
aquilo que consideram necessário para a sua formação.
No Brasil, existem muitas famílias que educam seus filhos em casa
sob o argumento da liberdade de escolha dos pais, e do direito de definir
o que consideram a alternativa educativa mais adequada aos seus filhos,
ignorando assim o direito ao acesso a instituições próprias de ensino, além
da obrigatoriedade da matrícula e da frequência escolar, conforme previs-
to pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 e pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/1990.
Discutida pela Câmara dos Deputados desde 1994, a questão da le-
galização da educação domiciliar ganhou repercussão nos últimos anos,
especialmente depois da eleição do presidente Jair Bolsonaro, político ali-
nhado a ideias conservadoras, que prometeu a regulamentação da prática.

10 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.


Especialista em Saberes e Práticas para a Docência no Ensino Fundamental I pelo Instituto
Federal de São Paulo. Especialista em Gestão Escolar pela Universidade de São Paulo.

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Para legalizar o ensino doméstico o presidente assinou em 11 de


abril de 2019, o Projeto de Lei 2401/2019 que regulariza e dispõe sobre
os requisitos mínimos necessários aqueles que desejam exercer a função
de pais-educadores. Entretanto, no dia 17 de abril de 2019, o Supremo
Tribunal Federal decidiu que o homeschooling não é permitido no Brasil,
considerando a prática inconstitucional, mesmo que a lei de regularização
seja aprovada.
Considerando a grande necessidade de discussão da temática este
trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica, buscando
compreender as origens históricas, e as motivações políticas e ideológicas
que levam as famílias e o Estado a adotarem o homeschooling como prá-
tica educativa; além de demonstrar a partir dos pressupostos da Psicologia
Histórico Cultural de Vygotsky e outros estudiosos da área, como a edu-
cação domiciliar pode ser insuficiente para conduzir o processo de ensino
– aprendizagem de crianças e adolescentes em detrimento da educação
escolar.

O INÍCIO DO HOMESCHOOLING E A INFLUÊNCIA


NORTE AMERICANA NO BRASIL

Os brasileiros que adotam o homeschooling como prática educativa


inspiram-se na experiência norte-americana. De acordo com Barbosa e
Evangelista (2017) o homeschooling foi a prática de ensino dominante na
América do Norte até a década de 1870, quando a educação começou a
ser institucionalizada devido a matrícula compulsória e a formação profis-
sional de educadores. Entretanto, mesmo com a obrigatoriedade da ma-
trícula, a educação no lar continuou a ser ministrada ainda que de forma
limitada; e de acordo com Reich (2002) passou a receber atenção e inte-
resses renovados de pais e educadores a partir da década de 1960.
Conforme Gaither (2009 apud BARBOSA; EVANGELISTA 2017)
a prática do homeschooling nos Estados Unidos era comum desde o período
colonial, mas apenas a partir da década de 1970 surgiu um movimento
como um protesto político a favor de tal modalidade de ensino como al-
ternativa a escola formal. Segundo Aurini e Davies, (2005 apud BARBO-
SA; EVANGELISTA, 2017), dois diferentes grupos pioneiros ganharam

117
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

destaque nessa época, os protestantes fundamentalistas e os seguidores de


John Holt, conhecidos como “unschoolers”.
O grupo protestante era muito bem-organizado e oferecia suporte
legal e pedagógico além de materiais específicos para as famílias que ensi-
navam em casa. Os unschoolers, por sua vez, ofereciam como alternativa o
estímulo à aprendizagem, explorando a curiosidade das crianças e opon-
do-se ao modelo protestante, pois acreditavam que este apenas reproduzia
a escola formal em casa.
Gaither (2009 apud BARBOSA; EVANGELISTA 2017) afirma que
nesta época os adeptos do homeschooling encontravam grandes dificuldades
diante da opinião pública que manifestava dúvidas, como também diante
das autoridades que ainda não haviam determinado a legalidade da prática.
Outrossim, de acordo com Reich (2002 apud BARBOSA; EVANGE-
LISTA 2017) neste período muitas famílias eram processadas com base
nas leis de frequência escolar obrigatória, que proibiam o homeschooling
explicitamente.
Conforme Barbosa e Evangelista (2017), o crescimento do homeschoo-
ling na América do Norte ocorreu devido as mudanças das políticas edu-
cacionais, como resultado da reforma escolar realizada a partir da década
de 80. Tais mudanças se devem ao governo do presidente Ronald Rea-
gan, que perdurou de 1981 a 1989, e de acordo com Cortez, Carvalho e
Cunha (2015) caracterizou-se como um governo conservador e neolibe-
ral, em virtude das aspirações do próprio Reagan membro do “Movimen-
to Ultraconservador” desde 1950.
Segundo Garthier (2009 apud BARBOSA; EVANGELISTA, 2017),
a década de 80 foi marcada pelo discurso de afirmação de direitos dos
homeschoolers religiosos e seculares. O início dos grupos de apoio e das de-
cisões favoráveis das cortes estaduais em favor das famílias que ensinavam
em casa, contribuíram para alcançar vitórias no plano legislativo o que
garantiu mudanças nos estatutos legais em prol das famílias homeschoolers.
Neste contexto, em 1983, a Homeschool Legal Defense Association
(HSLDA) foi criada, como um aparato com função de prover assistência
legal as famílias protestantes. Tal associação tornou-se muito reconhecida
devido a sua atenção em prol da legalização dessa modalidade de ensino.
Todos esses esforços, fizeram com que, em 1993, 50 estados nor-
te-americanos legalizassem o homeschooling como prática educativa; e de

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

acordo com Reich (2002 apud BARBOSA; EVANGELISTA, 2017), ao


menos 37 estados possuíssem estatutos que explicitam o homeschooling.
De acordo com Barbosa e Evangelista (2017), os esforços da HSLDA
fizeram com que as leis estaduais que dispõem sobre o homeschooling se tor-
nassem cada vez mais brandas. Atualmente, apenas vinte e cinco estados
exigem testes padronizados e avaliação dos alunos educados em casa, e dez
estados possuem regulamentação mínima, que não exigem sequer que os
pais notifiquem o Estado sobre sua intenção de ensinar os filhos em casa.
Segundo Barbosa e Evangelista (2017), diferentemente do Estados
Unidos, no Brasil a educação domiciliar tem sua origem no período impe-
rial. Devido às grandes proporções do território brasileiro, a forma predo-
minante de educação era no lar, e de acordo com Vieira (2012), existiam
três modelos diferentes de educação domiciliar: os chamados professores
particulares, que ministravam aulas nas casas mas não residiam com a fa-
mília; os preceptores que moravam junto a família que os contratava, e por
fim as aulas domésticas, que eram ministradas por membros da família ou
clérigos que não recebiam pelas aulas. Além disso, conforme Gondra e
Schueler (2008) no Brasil Oitocentista coexistiam formas de ensino di-
versas, dentre elas a educação familiar, religiosa, artesanal e profissional.
Sendo assim, podemos inferir que neste período todo e qualquer tipo de
prática educativa era oferecida no seio familiar; entretanto, não se deve
confundir a educação doméstica do período Oitocentista com a ideia do
homeschooling atual.
Segundo Barbosa e Evangelista (2017), essa forma de ensinar resistiu
até o século XX, e dividiu espaço com os colégios particulares e com as
escolas públicas que começaram a surgir a partir do século XIX. Souza
(2011) afirma que as primeiras tentativas de sistematização da instrução
pública no Império ocorreram depois da chegada da Corte portuguesa em
1808. Em 1824 foi criada a primeira Constituição Brasileira que assegu-
rava a instrução primária gratuita para todos11 os cidadãos. No entanto, as
primeiras “Escolas de Primeiras Letras” foram criadas somente por deter-
minação da Lei de 15 de outubro de 1827.

11 Embora a educação não fosse oferecida de forma universal no Brasil nesse período, a
Constituição de 1824 apresentava em seu texto no Título 8º, Art. 179, Parágrafo XXXII a
instrução primária e gratuita como direito de todos os cidadãos.

119
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

De acordo com Souza (2011), com a Proclamação da República, as


primeiras reformas da instrução pública foram realizadas no país, o que
resultou na difusão da escola graduada e na criação dos grupos escolares.
Para Vasconcelos (2005), o surgimento da escola como instituição de
ensino gerou um debate acerca da legitimidade dos espaços para a con-
dução da educação, levantando as diferenças entre instruir e ensinar, e
por conseguinte, o que caberia ao Estado e a família. Conforme a autora,
durante o século XIX o conceito de educação causou muita polêmica e
fez com que o Estado e as famílias travassem uma luta pela educação das
crianças. Contudo, depois do ápice do período Oitocentista, a casa foi
cedendo lugar ao Estado no controle da educação, e o ensino doméstico
começou a perder força no decorrer do século XX, enquanto as escolas se
tornavam hegemônicas.
Entretanto, Sampaio e Abreu (2016) observam que até meados do
século XX o Estado e a família compartilharam a responsabilidade pela
educação conforme o texto constitucional de 1946: “Art. 166 – A educa-
ção é direito de todos e será dada no lar e na escola [...]”. (BRASIL, 1946).
Ademais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 tam-
bém permitia a educação no lar: “Art. 2º A educação é direito de todos e
será dada no lar e na escola” (BRASIL, 1961).
Nesta perspectiva, a educação no lar desaparece dos textos legais em
1971, com a Lei nº 5.692 que fixava as diretrizes e bases para o ensino de
1º e 2º graus:

Art. 2º  O ensino de 1º e 2º graus será ministrado em estabeleci-


mentos criados ou reorganizados sob critérios que assegurem a plena
utilização dos seus recursos materiais e humanos, sem duplicação de
meios para fins idênticos ou equivalentes. (BRASIL, 1971).

Além disso, a LDB de 1971 também passou a considerar a frequência


como critério de aprovação do aluno, outro fator que fez com o ensino em
casa se tornasse inviável.

§ 3º Ter-se-á como aprovado quanto à assiduidade:

a) o aluno de freqüência igual ou superior a 75% na respectiva dis-


ciplina, área de estudo ou atividade. (BRASIL, 1971).

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No entanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a


educação domiciliar deixou de constar no texto constitucional, não sendo
mais regulamentada por essa lei maior. Para Barbosa e Evangelista (2017),
esta nova Constituição apresentou grandes avanços no âmbito educacio-
nal, permitindo maior acesso à escola e um aumento no período de escola-
rização; garantindo a oferta de ensino fundamental obrigatório e gratuito.
De acordo com Duarte (2001) neste período também houve um for-
te movimento de retomada das concepções educacionais construtivistas
pautadas no lema “aprender a aprender”. Conforme Duarte (2001), para
as teorias construtivistas são mais desejáveis as aprendizagens que o indi-
víduo realiza por si mesmo, quando não há transmissão de conhecimentos
e experiências por outros indivíduos; por isso estas ideias fomentaram o
fortalecimento de diversas pedagogias do aprender a aprender, dentre elas
o homeschooling.
Diante disso, mesmo sem amparo legal, o homeschooling continuou
sendo praticado pelas famílias brasileiras, e décadas mais tarde, em 2010
surgiu a ANED – Associação Nacional de Educação Domiciliar. De acor-
do com Barbosa e Evangelista (2017), esta associação tem se destacado
entre os defensores da educação domiciliar e parlamentares que também
apoiam a causa.
Segundo dados da ANED (2019), entre 1994 e abril de 2019 já tra-
mitaram na Câmara dos Deputados oito projetos de lei e uma proposta de
emenda constitucional com vistas à regulamentação da educação domici-
liar. A saber, PL4657/94 – João Teixeira (PL/MT); PL6001/01 – Ricardo
Izar (PTB/SP); PL6484/02 – Osório Adriano (PFL/DF); PL1125/03 –
Ricardo Izar (PTB/SP); PL3518/08 – Henrique Afonso (PT/AC) e Mi-
guel Martini (PHS/MG); PL 4122/08 – Walter Brito Neto (PRB/PB);
PEC 444/09 – Wilson Picler (PDT/PR) ; PL 3179/12 – Lincoln Portela
(PRB/MG); PL 3261/15 – Eduardo Bolsonaro (PSL/SP); PLS 490/17 –
Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE); PLS 28/18 – Fernando Bezerra
Coelho (MDB/PE); e PL 10185/18 – Alan Rick (DEM/AC).
A mais recente tentativa de legalização da educação domiciliar ocor-
reu em 11 de abril 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro assinou o
Projeto de Lei nº 2401/2019, que altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da

121
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

educação nacional com a intenção de regulamentar a educação domiciliar


no Brasil, além de dispor sobre os requisitos mínimos necessários aqueles
que desejam exercer a função de pais-educadores.
Apesar disso, logo após a assinatura do projeto de lei, o Supremo Tri-
bunal Federal decidiu que o homeschooling não é permitido no Brasil. Os
ministros entenderam que a Constituição Federal não proíbe a prática,
mas como não há lei vigente que regulamente esta forma de ensino, não
há como torná-lo uma alternativa. Na decisão, sete dos 11 ministros for-
maram a maioria: Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Edson Fachin,
Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

HOMESCHOOLING, CONSERVADORISMO E A
REJEIÇÃO DA ESCOLA

Ao longo do tempo, a cultura da escolha do homeschooling tornou-se


cada vez mais diversa com relação a praticantes, objetivos e métodos. Para
Arai (2000), diferentemente das justificativas religiosas presentes no iní-
cio do movimento, as razões que motivam as famílias a optarem por essa
prática nos Estados Unidos e no Canadá nas últimas décadas é a intenção
de fazer valer o seu direito e responsabilidade pela educação dos filhos.
Nesse sentido, os pais defendem que conhecem melhor os seus filhos do
que professores e educadores, e portanto, reivindicam participação direta
e ativa na educação dos mesmos.
Conforme Vieira (2012) as famílias brasileiras que aderem ao homes-
chooling em geral são cristãs, de classe média e conheceram a modalidade
por meio de líderes religiosos americanos que imigraram ou visitaram o
Brasil.
De acordo com Davies e Aurini (2003), o que diferencia os pais ho-
meschoolers dos que optam pela escola formal é a insistência na centrali-
dade na autoridade parental, o que caracteriza uma cultura que tem se
expandido entre a classe média, sobretudo entre as famílias com ideias
mais conservadoras.
Flach e Silva (2019) destacam que o conservadorismo atual é muito
diferente do conservadorismo clássico de Edmund Burke. Muito além do
senso comum, o ideário conservador de nossos dias é muito mais com-
plexo que a mera defesa de conservação de uma forma de sociabilidade;

122
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

o conservadorismo é um sistema de ideias, ou estilo de pensamento, que


associa o ordenamento social com a valorização do sagrado, prestígio de
instituições sociais já consolidadas, enaltecimento de posturas vanguardis-
tas que privilegiam modelos hierárquicos na estrutura social entre outros
elementos.
De acordo com Flach e Silva (2019), as ações sociais e políticas vin-
culadas ao pensamento conservador se apresentam como defensoras da
ordem, uma vez que a contrapõem a uma possível desordem; e em virtude
disso, a palavra ordem é frequentemente utilizada como positiva.
Flach e Silva (2019) consideram que, no Brasil, as investidas conser-
vadoras no campo educacional tem aumentado, principalmente em ra-
zão da ampliação da bancada parlamentar comprometida em criminalizar
ações como justificativas de purificar a sociedade e, consequentemente
com a perspectiva divina, expressa na defesa da religião e da família; como
é o caso de movimentos como “Escola Sem Partido”, os que se opõem a
disciplinas relacionadas a educação sexual no âmbito escolar, os que pro-
põem a militarização das escolas, e por fim, os que se aproveitam da res-
trição de recursos na educação pública sob o pretexto de regulamentar a
oferta de educação domiciliar.
Neste sentido, Saviani (2013) considera que o problema da escola está
relacionado ao problema da ciência. Para o senso comum, muitas vezes é
difícil admitir um conhecimento como científico, e como consequência,
tal conhecimento não é aceito como algo que deva ser ensinado na escola
de forma metódica e sistematizada. A esse respeito, Saviani (2013) recorre
a três definições gregas de conhecimento.

Em grego, temos três palavras referentes ao fenômeno do conhe-


cimento: doxa, sofia e episteme. Doxa significa opinião, isto é, o sa-
ber próprio do senso comum, o conhecimento espontâneo ligado
diretamente à experiência cotidiana, um claro-escuro, misto de
verdade e erro. Sofia é a sabedoria fundada numa longa experiên-
cia de vida. É nesse sentido que se diz que os velhos são sábios e
que os jovens devem ouvir seus conselhos. Finalmente, episteme
significa ciência, isto é, o conhecimento metódico e sistematiza-
do. Consequentemente, se do ponto de vista da sofia um velho é
sempre mais sábio do que um jovem, do ponto de vista de episte-

123
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

me um jovem pode ser mais sábio do que um velho. (SAVIANI,


2013, p. 14)

Dessa forma, munidos de doxa, as famílias acreditam que a escola


pode corromper as crianças, enquanto com sofia creem que sabem o que é
melhor para os seus filhos, coibindo-os de conhecer episteme.
De acordo com Barbosa e Evangelista (2017), as famílias praticantes
de homescholling afirmam que seu direito de escolha é parte essencial da
democracia. Entretanto, conforme apontam Flach e Silva (2019), na pers-
pectiva conservadora, democracia e cidadania podem ser superadas em
detrimento da necessidade de conservação de determinadas formas so-
ciais. Dessa forma, é por meio da supressão da democracia e cidadania que
há possibilidade de aprovar a retirada de direitos sociais outrora conquista-
dos, e implantar políticas de austeridade necessárias para a manutenção de
um modelo de sociedade. No caso dos adeptos do homeschooling, o direito
ao acesso à educação escolar conquistado para atender aos interesses das
crianças e adolescentes é ignorado para atender à vontade da autoridade
parental, privando assim os menores de desfrutarem de sua liberdade de
escolha, enquanto cidadãos portadores de direitos.
Conforme os dados disponibilizados pela ANED (2019), estima-se
que no Brasil existem atualmente 7.500 famílias adeptas da educação no
lar, e 15.000 estudantes com idades entre 4 e 17 anos.
Outro fator determinante para a opção do ensino doméstico é a des-
valorização da escola e do trabalho do professor. Além disso, Vieira (2012)
aponta que os pais homeschoolers também consideram a escola insuficien-
te. Segundo o autor, os pais que promovem a educação em casa podem
ser agrupados de acordo com seus ideais: a saber, os que têm motivações
ideológicas, os que têm motivações pedagógicas e os que têm motivações
ambientais.
Para Vieira (2012), as famílias com motivações ideológicas desejam
transmitir às crianças uma visão ideológica particular do mundo; os com
motivações pedagógicas almejam preparar educacionalmente a criança de
forma específica, e incutir-lhe visões particulares; já os pais com motiva-
ções ambientais querem proteger os filhos de influências sociais negativas
das escolas públicas e particulares, como drogas, violência, pressão de gru-
po, panelinhas e mesquinhez.

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Além disso, segundo Ray (2011, apud VIEIRA, 2012), entre as razões
mais comuns para a escolha dessa forma de ensino, estão customizar ou
individualizar o currículo e o ambiente de aprendizado; melhorar o ensi-
no acadêmico; e utilizar abordagens pedagógicas distintas das comumente
usadas em escolas institucionais. Outrossim, as famílias adeptas buscam
evitar aprendizagens que contrariem os valores e crenças familiares, e a
intervenção inapropriada do governo; e também visam incentivar a livre
criatividade das crianças, oferecer atenção individual e um ambiente de
aprendizagem positivo.

A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E A
NECESSIDADE DA EDUCAÇÃOE ESCOLAR

De acordo com as declarações de Damares Alves, ministra da pas-


ta responsável pela regulamentação da educação domiciliar, “lugar de
criança” não é na escola, mas sim em casa. Nesta perspectiva, para Alves
(2019), a maior crítica a este modelo de educação é a falta de socialização
da criança, argumento que segundo a ministra, não tem fundamento:

[...] não é só na escola que a criança se socializa. Este pai pode, por
exemplo, matricular esta criança em um curso de inglês. Ele vai
ter amigos do curso de inglês. Esta criança vai fazer esporte, esta
criança vai a um clube, esta criança vai à igreja, esta criança tem
vizinhos [...] (ALVES, 2019).

No entanto, para Barros (2000), o mundo escolar permite o convívio


entre iguais, sem desrespeitar as diferenças. Neste aspecto, a escola propi-
cia para a criança uma vivência singular, completamente diferente da que
a criança experimenta com a família, em que os apelos afetivos criam as
regras. Desse modo, na escola tem-se a primeira oportunidade de se des-
cobrir como pessoa, e não mais o filho de alguém.
Apesar disso, entendemos que a socialização não é o único aspecto do
desenvolvimento da criança que será comprometido em uma situação de
ensino em casa. Embora o parágrafo 2º do Projeto de Lei nº 2401/2019,
que visa legalizar a educação domiciliar afirme que a mesma busca o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

125
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

sua qualificação para o trabalho, nos termos do disposto no artigo 205 da


Constituição Federal (BRASIL, 1988); entendemos que o homeschooling
enquanto prática educativa não é capaz de garantir ao indivíduo o seu
pleno desenvolvimento, e para justificar a crítica a tal método de ensino,
recorremos a psicologia histórico-cultural da Escola de Vygotisky12 e suas
ideias acerca da educação escolar.
Para Vygotsky (apud POSSAMAI, 2014), as trocas sociais que acon-
tecem nos processos de educação e ensino resultam na constituição da
função psíquica. Nesta perspectiva, o desenvolvimento cognitivo é enten-
dido como resultado do conteúdo apropriado e das relações estabelecidas
ao longo do processo de educação e ensino. De acordo com o autor, o
aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvi-
mento da criança, o que Vygostsky (1991) denomina como zona de de-
senvolvimento proximal.
Para compreender o conceito de zona de desenvolvimento proximal,
é preciso conhecer outros dois conceitos elaborados por Vygostsky sobre
as relações entre a aprendizagem e desenvolvimento, a saber, zona de de-
senvolvimento real e zona de desenvolvimento potencial.
Segundo Vygostsky (1991), a zona de desenvolvimento real consiste
no nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se esta-
beleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já com-
pletados, isto é, o desenvolvimento real de uma criança consiste em tudo
aquilo que ela consegue fazer por si mesma; enquanto isso o conceito de
zona de desenvolvimento potencial, refere-se ao nível de desenvolvimento
em que a criança consegue solucionar problemas somente sob a orienta-
ção de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Sendo assim, Vygostsky (1991) denomina como “zona de desenvol-
vimento proximal” a distância entre o nível de desenvolvimento real e o
nível de desenvolvimento potencial; ou seja, a zona de desenvolvimento
proximal define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão
em processo de maturação. Para Vygostsky (1991), enquanto a zona de
desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospecti-

12 Duarte (1996) chama de Escola de Vygostsky o conjunto de trabalhos elaborados por


nomes como Leontiev, Luria, Galperin, Elkonin, Davidov, Zaporózhets, e outros integrantes
da Psicologia Histórico-Cultural.

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vamente, a zona de desenvolvimento proximal o caracteriza prospectiva-


mente.
Segundo Vygostsky (1991), a zona de desenvolvimento proximal é
um instrumento que os educadores podem utilizar para entender o curso
interno do desenvolvimento, e assim, identificar os ciclos e processos de
maturação que já foram completados, como também os que estão come-
çando a amadurecer e se desenvolver. Para o autor este conceito pode me-
lhorar a eficiência e a utilidade da aplicação de métodos diagnósticos no
desenvolvimento mental a problemas educacionais; e deve ser levado em
conta para reavaliar o papel da imitação no aprendizado.

As crianças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além
dos limites de suas próprias capacidades. Numa atividade coletiva ou
sob a orientação de adultos, usando a imitação, as crianças são capazes
de fazer muito mais coisas. Esse fato, que parece ter pouco significa-
do em si mesmo, é de fundamental importância na medida em que
demanda uma alteração radical de toda a doutrina que trata da relação
entre aprendizado e desenvolvimento em crianças. Uma consequên-
cia direta é a mudança nas conclusões que podem ser tiradas dos testes
psicológicos do desenvolvimento. (VYGOSTSKY, 1991, p. 59).

Conforme o Projeto de Lei nº 2401/2019, cabe ao pais ou respon-


sáveis legais do estudante conduzir o ensino, como também elaborar o
plano pedagógico (BRASIL, 2019). Considerando que os responsáveis
pela elaboração do plano pedagógico não possuem a formação e o pre-
paro necessário para fazê-lo, pode ocorrer assim como alerta Vygostky
(1991) uma má interpretação dos processos de imitação, confundindo-os
com aprendizagem, o que gera conclusões equivocadas quando se avalia
o desenvolvimento e o desempenho do aluno. Seguindo esta perspectiva,
Duarte (1996) afirma que:

[...] é preciso discernir o que está sendo aprendido, reproduzido,


imitado pela criança. Aquilo que é muitas vezes caracterizado
como aprendizagem meramente imitativa é, na verdade, apenas
a imitação de alguns aspectos mais aparentes do conhecimento
estudado, aspectos esses que perdem sua significação ao serem
aprendidos de forma dissociada dos processos intelectuais que estão

127
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

na sua origem. Podemos dizer que tal aprendizagem, ao contrário


do que parece, não é ainda suficientemente imitativa, posto que
não possibilita ao aprendiz a reprodução dos traços essenciais do
conhecimento que está sendo estudado. (DUARTE, 1996, p. 37).

Para Duarte (1996), na relação entre o desenvolvimento intelectual


e a aprendizagem escolar a mediação é desempenhada pelo ensino. Isso
significa, conforme Vygostsky (1993), que não é preciso esperar que as
capacidades necessárias a um determinado conteúdo, amadureçam na
criança para ensinar-lhe este conteúdo. Assim, segundo Duarte (1996),
cabe ao ensino oferecido pela escola a tarefa de transmitir as crianças os
conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários, selecio-
nando em cada etapa pedagógica os conteúdos que estiverem na zona de
desenvolvimento proximal.
Nesse sentido, Saviani (2013) afirma que para existir a escola não bas-
ta apenas a existência do saber sistematizado. É necessário antes de tudo,
viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação, o que requer do-
sá-lo e sequenciá-lo de forma que a criança passe gradativamente do seu
não domínio ao seu domínio. Nisto consiste o saber escolar, o saber que
é dosado e sequenciado para efeitos de sua transmissão-assimilação no es-
paço escolar dentro de um tempo determinado. Considerando os aspec-
tos da educação escolar que Vygostsky apresenta como essenciais para o
desenvolvimento das funções mentais e cognitivas, tal desenvolvimento
estará comprometido uma vez que o sujeito estará alheio aos processos de
educação e ensino que ocorrem em ambiente escolar.
Conforme Duarte (1996), conclui-se que o processo de desenvolvimen-
to psíquico dos indivíduos é também histórico-social, e não apenas um pres-
suposto natural do processo de ensino-aprendizagem escolar, mas sim um
produto social das atividades do indivíduo mediadas pela escola. Por isso, a
educação escolar é essencial para um bom desenvolvimento cognitivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as funções e as especificidades da escola, podemos con-


cordar com Barros (2000), segundo o qual essa instituição é o lugar onde
ensinar e aprender se caracteriza por traços específicos, diferindo, portanto,

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das outras formas de conduzir o processo de ensino-aprendizagem, locus


privilegiado deste tipo de ensino. Em contrapartida, a educação doméstica,
por ser restrita no que tange aos métodos, conteúdos e formas de socializa-
ção, não pode atingir o princípio emancipatório da educação; pelo contrá-
rio, pode-se dizer que ela é alienadora, pois faz com que o sujeito se torne
alheio a tudo aquilo que está além da realidade que o cerca.
Outrossim, a proposta que requer liberdade aos progenitores para re-
tirar os filhos da escola é controversa em muitos sentidos; primeiro, por-
que parte dos já escolarizados e que já se beneficiaram de tudo aquilo que
a escola oferece; e segundo, porque em um país como o Brasil, onde ainda
há níveis expressivos de evasão escolar no ensino fundamental, não faz
sentido negar a escola a quem poderia tê-la, enquanto muitos não têm ou
precisam abandoná-la.
Nossa preocupação com o homeschooling, além da ausência da escola,
que já configura um prejuízo muito grande para a criança, é que esta mo-
dalidade de ensino se torne uma justificativa para mascarar outros proble-
mas sociais, como: exploração infantil, trabalho escravo, violência sexual,
entre outros. Isso porque, não fica claro no projeto de lei que regulamenta
essa forma de ensino como se dará o acompanhamento das famílias, e
principalmente das crianças que aderirem à prática. Sendo assim, ainda
que a educação domiciliar seja dada apenas como uma opção em detri-
mento a educação escolar, é preciso combater essas ideias de rejeição da
escola para que estas não se fortifiquem ainda mais, e coloquem em risco
a educação, e por fim, a vida das crianças brasileiras.
Consideramos que só pode defender a educação doméstica quem não
entendeu a função da escola enquanto transmissora dos saberes e valores ne-
cessários para a constituição da humanidade; ou ainda quem justamente por
entender isso, busca censurar a escola para não lidar com os efeitos libertadores
e emancipatórios de uma boa educação escolar. Portanto, concluímos que a
educação escolar é imprescindível a todos os indivíduos, para que se constituam
como cidadãos que reconhecem, valorizam e defendem a instituição escolar.

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Ian Lima Santana14
Gabriel Fonseca Guimarães15

INTRODUÇÃO

A educação é a base de todo conhecimento humano. Essa afirmati-


va pode ser verificada em muitas pesquisas relevantes ao longo do tem-
po (LUDKE; ANDRÉ, 1986; ALVES-MAZOTTI, 2001; CAMPOS,
2009; FERREIRA, 2009; GATTI, 2012), muitas das quais buscam
caminhos para uma melhoria no processo de ensino-aprendizagem em
diversas áreas, a fim de constituir um horizonte de conhecimentos signi-
ficativos. Nesse sentido, a educação pode ser caracterizada como a gran-
de responsável pelo desenvolvimento de muitas pesquisas científicas que
buscam contribuir com a sociedade.

13 Graduanda em Licenciatura em Letras Modernas pela Universidade Estadual do Sudoeste


da Bahia – UESB.
14 Graduando em Licenciatura em Física pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
– UESB.
15 Graduando em Licenciatura em Física pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
– UESB.

134
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

É importante ressaltar que há inúmeras dificuldades e desafios exis-


tentes nesse campo que levam a firmes debates e a diversas pesquisas com
o intuito de resolver determinadas problemáticas que existem em decor-
rência da sociedade que está sendo considerada. Tais problemáticas giram
em torno de cortes de verbas educacionais, da falta de comprometimento
educacional, de recursos financeiros à pesquisa, de investimentos em per-
manência estudantil, de programas de iniciação à docência e à pesquisa etc.
Conforme Ferreira (2009, p. 44), “produzir pesquisa é ser criativo,
reinventar a história e os fazeres humanos sob um olhar particular. Trata-
-se de uma atividade coletiva, cuja função primordial é atribuir sentidos ao
cotidiano, revendo e significando identidades e histórias”. Nesse sentido,
é importante ressaltar o fato de surgir dificuldades no campo educacional
que levam às pesquisas em educação serem reinventadas e atreladas a sig-
nificados, a fim de resolver um potencial “problema”. Assim, procurando
explicar a palavra pesquisa, cabe citar:

A palavra pesquisa pode ser utilizada de uma forma ampla – quando


dizemos, por exemplo, que vamos pesquisar o preço de um determi-
nado produto na internet – ou em um sentido estrito – quando nos
referimos à pesquisa como uma atividade que nos leva à construção do
conhecimento científico. É nessa última acepção que estamos utili-
zando a palavra neste texto. Podemos afirmar que a pesquisa é um dos
modos, ao lado de tantos outros, de compreender, explicar e interpre-
tar o mundo em que vivemos. Saberes populares, crenças, religiões,
arte, literatura, astrologia são algumas das outras formas que convi-
vem, no nosso cotidiano, com a pesquisa (GALVÃO, 2019, p. 1).

Nessa perspectiva, estamos considerando a palavra pesquisa no sentido


de construção do conhecimento no campo da educação, com o objetivo
de compreender, revisar, mostrar e interpretar as necessidades das pesqui-
sas educacionais no país.
Neste artigo, realizamos uma breve revisão de literatura sobre a pes-
quisa em educação no Brasil e seu objetivo geral. De início, apresentamos
alguns trabalhos relevantes sobre a temática em questão, os apontamen-
tos realizados, as soluções educacionais sugeridas e o contexto histórico
considerado e, depois, usamos a revisão destes trabalhos para responder

135
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

algumas questões de pesquisas que nortearam este artigo. Em seguida,


firmados nesses referenciais promissores e significativos, deixamos nossas
considerações a respeito da pesquisa em educação, seus objetivos primor-
diais e as possíveis soluções que ela pode trazer para a sociedade.

1. MATERIAL E MÉTODO DE PESQUISA

Em prol de obter materiais para a análise bibliográfica pretendida, rea-


lizamos uma busca sobre artigos e livros que tratam da pesquisa em edu-
cação. Dessa forma, foram selecionados dois livros e três artigos científicos
amplamente referenciados.
A seguir, no quadro 1, tem-se o material de pesquisa considerado para
a revisão bibliográfica:

Quadro 1: material de pesquisa para a revisão bibliográfica


Pesquisa em educação: abordagens qualitativas (LUDKE;
Livros ANDRÉ, 1986)
A construção da pesquisa em educação no Brasil (GATTI, 2012)
Relevância e aplicabilidade da pesquisa em educação (ALVES-
Artigos MAZOTTI, 2001)
Para que serve a pesquisa em educação? (CAMPOS, 2009)
A pesquisa educacional no Brasil: tendências e perspectivas
(FERREIRA, 2009)
Fonte: elaboração própria.

A análise dos materiais selecionados para a revisão bibliográfica foi


pautada em algumas questões de pesquisa, como segue: 1) O que se pode
dizer sobre a pesquisa em educação ao longo do tempo? 2) O que ela
procurou e procura resolver na sociedade? 3) As pesquisas realizadas têm
gerado resultados relevantes? 4) Quais são as tendências e perspectivas
nesse campo da pesquisa? 5) Quais as principais abordagens realizadas na
pesquisa em educação?

1.1. JUSTIFICATIVA

Considerando as crescentes dificuldades e desafios das pesquisas no


campo da educação ao longo do tempo, situar-se diante dos seus desenvol-
136
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

vimentos se faz inteiramente necessário. A fim de compreender os avanços e


resultados obtidos nessa jornada, deve-se levar em conta que tais pesquisas,
apesar de serem desenvolvidas ao longo de um considerável período de tem-
po, ainda encontram-se em construção e esse processo se perpetuará com o
tempo. Nesse sentido, Borges e Dalberio (2007) dizem que:

Pode-se afirmar que o desenvolvimento das pesquisas científicas na


área da educação é, ainda, um processo embrionário e em constru-
ção. Muito se tem a caminhar. Contudo, a relevância da pesquisa
em educação é indiscutível, uma vez que a educação tem avançado
muito na conquista da democratização do ensino. Entretanto, para
conquistar a educação ‘de qualidade para todos’ exige-se, ainda,
muito aperfeiçoamento (BORGES; DALBERIO, 2007, p. 1).

Do recorte acima, é perceptível a necessidade de ampliar cada vez


mais o processo de desenvolvimento educacional, mesmo que ainda se
tenha muito a caminhar, com o objetivo de conquistar um ensino de qua-
lidade.
Ainda citando os autores: “É importante conhecer a produção cientí-
fica de um determinado momento histórico, mas é igualmente importan-
te destacar qual é a pertinência e o significado das pesquisas para o desen-
volvimento social” (BORGES; DALBERIO, 2007, p. 8). Nesse sentido,
justificamos o presente trabalho à medida em que se faz necessário enten-
der como se caracteriza a pesquisa em educação no Brasil, ao longo do
período abrangido pela revisão bibliográfica, bem como investigar o que a
pesquisa educacional vem promovendo e o que ainda busca promover na
sociedade.

2. ANÁLISE DO MATERIAL DE PESQUISA

Nesta seção, abordamos a análise realizada nas obras pesquisadas, pos-


tas no quadro 1, apontando, sempre que necessário, o objetivo geral de
cada uma delas no que diz respeito à pesquisa em educação e seus desdo-
bramentos. Além disso, realizamos uma interlocução com as ideias conti-
das no referencial de pesquisa com o objetivo de reafirmar os apontamen-
tos efetuados.

137
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

No livro Pesquisa em educação: abordagens qualitativas (LUDKE; AN-


DRÉ, 1986), as autoras se propõem a discutir o caráter geral da pesquisa
social e o papel do pesquisador (MARFAN, 1986). Ademais, as autoras
focam em situar os conceitos sobre a pesquisa qualitativa, entre outras,
bem como as formas em que este tipo de pesquisa pode assumir, como
pesquisa do tipo etnográfico e estudos de casos. Ludke e André (1986), no
geral, se dedicam a oferecer contribuições e possíveis recomendações para
professores e demais integrantes do corpo docente do ensino básico, com
o propósito de incentivar e orientar determinadas práticas para a pesqui-
sa em educação com abordagens qualitativas e amplamente didáticas no
campo educacional, vinculando diversas teorias relacionadas à realidade
do cotidiano das escolas.
A obra A construção da pesquisa em educação no Brasil (GATTI, 2012)
abre uma coleção sobre pesquisas em educação no Brasil a partir de uma
sequência de trabalhos que abordam aspectos diferenciados em relação ao
desenvolvimento de pesquisas no campo educacional. No geral, o volu-
me inicial procura situar os contextos de desenvolvimento da pesquisa
educacional no Brasil e abordar algumas questões metodológicas que têm
se apresentado como desafios aos que pesquisam nesse campo (GATTI,
2012). Ademais, a série direciona-se aos que se interessam nas pesquisas
gerais em educação tanto para graduandos quanto para pós-graduandos.
O artigo intitulado “Relevância e aplicabilidade da pesquisa em edu-
cação” (ALVES-MAZOTTI, 2001) parte de avaliações da qualidade da
pesquisa em educação e aponta as dificuldades derivadas da fragilidade
teórico-metodológica envolvida em tais pesquisas. Além disso, Alves-Ma-
zotti (2001) busca levantar a potencial importância de teorizar, com forte
rigor, as dimensões da pesquisa em educação e evidencia que, em relação
aos conceitos na área de educação, a aplicabilidade deles dependem do de-
senvolvimento das teorias envolvidas, da seleção correta de procedimen-
tos e instrumentos, de uma análise interpretativa dos dados envolvidos,
da organização em determinados padrões significativos, da comunicação
precisa dos resultados e conclusões e de sua validação pela análise através
da crítica da comunidade científica. Como conclusão do estudo realiza-
do, a autora, ainda em meados de 2001, já tratava de problemas na área de
educação que perpetuam até os dias de hoje, ao dizer que:

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Os problemas a serem enfrentados no campo da educação, em


nosso país, exigem soluções que precisam ser subsidiadas por um
corpo de conhecimentos significativamente mais amplo e confiá-
vel do que aquele que estamos produzindo. Não desconhecemos
os obstáculos que dificultam o desempenho dessa tarefa, dos epis-
temológicos aos institucionais. Mas nossa responsabilidade como
pesquisadores [...] não pode ser minimizada. Não podemos abrir
mão do compromisso com a produção de conhecimentos confiá-
veis, pois só assim estaremos contribuindo, tanto para desenvolver
o instrumental teórico no campo da educação como para favorecer
tomadas de decisão mais eficazes, substituindo as improvisações e
os modismos que têm guiado as ações em nossa área (ALVES-MA-
ZOTTI, 2001, p. 48-49).

Diante do cenário educacional atual, o recorte acima ainda condiz


com a realidade, apesar de datado de 2001, e enfatiza amplamente que
as soluções para os problemas na área educacional precisam ser resolvi-
dos mediante conhecimentos ainda mais fortes e significativos do que já
temos costume. Assim, é crucial que as pesquisas no campo educacional
tenham, cada vez mais, responsabilidade e rigor teórico firme em prol de
solucionar e até mesmo evitar os problemas que ainda perpetuam o meio
educacional.
Em continuidade, intitulado “Para que serve a pesquisa em educa-
ção?” (CAMPOS, 2009), este artigo busca analisar as relações existentes
entre as práticas educativas e a pesquisa em educação a partir da constante
insatisfação da gestão da escola pública diante o desenvolvimento das pes-
quisas educacionais realizadas dentro da universidade. Nesse sentido, a
pesquisadora evidencia e examina as diferentes maneiras de como atores
sociais incorporam e reinterpretam os resultados de pesquisa em educa-
ção. Outrossim, com tal título indagador, o artigo enfatiza que a pesquisa
é uma atividade humana, considerando que as universidades, instituições
de ensino no geral, fazem parte da sociedade, isto é, integram o meio so-
cial e cultural.
Além disso, Campos (2009) aborda a pesquisa em educação dividida
entre dois campos, ao afirmar que:

139
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

[..] a pesquisa em educação caminhou, nos últimos anos, em dire-


ção a uma cisão entre dois campos de produção paralelos: o campo
acadêmico, formado principalmente pela produção no contexto
dos programas de pós-graduação das universidades e um outro
campo, situado em instituições com certa autonomia em relação
ao primeiro, como, por exemplo, as instituições independentes de
pesquisa, as organizações não governamentais e os institutos em-
presariais, associados ou não a órgãos oficiais nacionais. Nessa aná-
lise, eu havia comentado que esses dois campos apresentam muitas
diferenças, não só nas condições que oferecem para a realização de
pesquisas, mas também no tipo de relacionamento que estabele-
cem com os gestores de políticas educacionais e, em alguns casos,
com os organismos internacionais que atuam no financiamento
dessas políticas (CAMPOS, 2009, p. 271).

Assim, o artigo é finalizado com o apontamento a um diálogo po-


tencial e aberto entre os dois modos de conhecer e agir, aquele da investi-
gação e da reflexão crítica e aquele da ação política e profissional (CAM-
POS, 2009).
Ferreira (2009), no texto “A pesquisa educacional no Brasil: tendên-
cias e perspectivas”, que assim como o presente artigo, faz uma revisão
bibliográfica e também faz uma revisão de apontamentos, busca abordar
as tendências de pesquisa realizadas na década de 2000, mas que até nos
dias de hoje, essas tendências ainda perduram no contexto educacional.
De modo geral, o artigo foi concebido de forma a apresentar concepções
de pesquisa no campo educacional, a entender como se configuram estas
concepções sob o ponto de vista histórico e a sugerir algumas dificuldades
do trabalho neste campo na atualidade, incluindo menções ao financia-
mento da pesquisa em educação no país. E nesse aspecto, pontua:

Com certeza, a pesquisa educacional avançou muito nos últimos


anos. Entretanto, há muito a avançar, sobretudo no que se refere ao
financiamento, à qualidade da produção e à divulgação. Em sínte-
se, são necessários alguns aspectos bem pontuais:

a) uma concepção de ciência que alie os fenômenos educacionais


e a pesquisa, sustentada teoricamente e divulgada nos meios edu-

140
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cacionais, evitando a confusão teórica e apoliticidade com que se


revestem muitas pesquisas nos dias atuais;

b) uma opção teórico-metodológica efetivamente embasada nos


referenciais teóricos dos professores-pesquisadores, sustentável e
evidenciada a partir dos caminhos da pesquisa;

c) uma avaliação e divulgação de resultados das pesquisas, com pe-


riodicidade, com permissão de acesso à comunidade acadêmica à
base de dados atualizados e a periódicos que efetivamente sejam
publicados em tempos regulares (FERREIRA, 2009, p. 52-53).

Com plena seriedade, a autora ressalta pontos importantes a serem


considerados em relação à pesquisa em educação: a concepção de ciên-
cia deve ser fortemente potencializada, de modo a evitar que haja uma
confusão teórica; o ser-fazer na pesquisa, isto é, o ponto teórico-meto-
dológico, necessita ser embasado em um viés firme e consistente a guiar
os caminhos da pesquisa educacional; os resultados obtidos necessitam de
ampla divulgação em periódicos de publicações regulares, de maneira que
a pesquisa seja de fato valorizada e reconhecida.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. RESPOSTAS ÀS QUESTÕES DE PESQUISA

Na primeira seção do presente artigo, apresentamos cinco questões que


serviram como base para nossa pesquisa, são elas: 1) O que se pode dizer
sobre a pesquisa em educação ao longo do tempo? 2) O que ela procurou e
procura resolver na sociedade? 3) As pesquisas realizadas têm gerado resul-
tados relevantes? 4) Quais são as tendências e perspectivas nesse campo da
pesquisa? 5) Quais as principais abordagens realizadas na pesquisa em edu-
cação? Para responder essas indagações, analisamos, por amostragem, cinco
trabalhos científicos publicados entre os anos de 1986 e 2012.
Para a primeira pergunta, percebemos, ao analisar a fundo os mate-
riais, que as pesquisas realizadas no final do século passado e no começo
do século atual têm objetivos semelhantes. O mais evidente deles é a ten-
tativa de trazer a realidade das escolas e dos estudantes para o cenário da
pesquisa. Todavia, com o tempo, percebemos que os trabalhos direcionam

141
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

a uma necessidade de haver um conhecimento mais amplo e confiável


para a realização das pesquisas, partindo, assim, desde a primordialidade
de colher mais informações do público-alvo até traçar mais claramente
quais são os desafios da pesquisa.
Quanto à segunda indagação, percebemos uma mudança mais signi-
ficativa do objetivo dos trabalhos mais antigos para os mais recentes. Os
materiais produzidos no final do século XX buscavam levar os estudantes
até as escolas, enquanto as produções realizadas no século XXI têm como
objetivo auxiliar nos desafios da educação. De acordo com o conteúdo
dos materiais hodiernos, segundo Ferreira (2009), é preciso aumentar o
campo de pesquisa e para isso se faz necessário disponibilizar uma maior
verba para o financiamento das instituições e das pesquisas.
Para responder à terceira pergunta, precisamos contextualizar a situa-
ção das pesquisas em educação no Brasil. Isso porque, conforme apontado
por Macedo e Sousa (2010), as pesquisas brasileiras no âmbito da educa-
ção só passaram a receber maior enfoque nas últimas décadas. Aliando
isso às dificuldades de financiamento e de divulgação científica apontadas
por Ferreira (2009), percebemos que as pesquisas em educação ainda são
poucas e de difícil realização. Portanto, os resultados obtidos nesses estu-
dos, que ressaltam as dificuldades e necessidades de melhorias, se tornam
resultados relevantes, pois, podem auxiliar, ou mesmo possibilitar, uma
maior realização de pesquisas no futuro.
Para a quarta pergunta, podemos apresentar uma resposta positivista
ou crítica, tendo como base as mudanças no cenário educacional. Isso
porque tivemos uma significativa evolução a partir dos anos finais do sé-
culo XX, em que as pesquisas paulatinamente passaram a receber um des-
taque muito maior. Todavia, como apontamos na questão anterior, ainda
existem problemas que inibem o desenvolvimento da pesquisa no Brasil.
Portanto, um fator crucial para atingirmos uma pesquisa educacional de
maior qualidade é aumentar o incentivo para que tais produções sejam
realizadas, pois, conforme foi apontado por Marques (2001), nós somos
levados a refletir e a acreditar, através da escrita, que somente através dessa
reflexão podemos buscar soluções para os desafios educacionais.
Para nossa última indagação, podemos concluir que as pesquisas em edu-
cação abordam diversas questões. Entretanto, tendo como base os materiais
que pesquisamos, compreendemos que os maiores enfoques dizem respeito

142
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às formas de como explorar a realidade do cotidiano das escolas, à necessidade


de um conhecimento mais amplo e aos desafios para a realização das pesqui-
sas. Gatti (2012) afirma que essa multiplicidade de enfoques é algo muito
importante, porém é necessário que o pesquisador se insira na pesquisa, para
não apenas reproduzir teorias já existentes e sim produzir uma nova ciência.

3.2. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA PESQUISA EM


EDUCAÇÃO

Com a pesquisa, podemos construir um conhecimento científico e,


através dele, podemos enfrentar algumas das mazelas da sociedade. Isso
também ocorre com a educação, pois, conforme apontado por Galvão
(2019), através das pesquisas educacionais, podemos buscar formas de in-
serir os mais diferentes públicos no contexto educacional, possibilitando,
assim, uma educação mais inclusiva.
Todavia, a produção de pesquisas em educação no Brasil é algo relativa-
mente recente. Isso fica claro quando observamos a data de criação das insti-
tuições de incentivo à pesquisa; o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), por exemplo, foi criado em 1937 com
o nome de Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos na ocasião. Ademais,
as próprias Leis de Diretrizes Bases da Educação Nacional surgiram apenas
em 1961. Mas, para Galvão (2019), a pesquisa em educação no Brasil só ga-
nhou maior enfoque após o término da ditadura militar em 1985 e passou a
ter uma pluralização nos eixos de pesquisa após os anos 2000. Isso se deu após
várias mudanças no cenário educacional nacional. No final do século passado
e no começo do século atual, tivemos três grandes mudanças: a reformulação
da LDB e a criação dos PCN e a criação dos PCN+.
A reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), em 1996, que veio para modificar a forma de ensinar, trouxe, ao
menos em teoria, diversos direitos. Como o ensino igualitário (BRASIL,
1996), além da garantia a uma educação básica gratuita (BRASIL, 2013).
Nesse período, também foram implementados os Parâmetros Curricu-
lares Nacionais (PCN) de 1995 e, mais tarde, as Orientações Educacio-
nais Complementares (PCN+) aos Parâmetros Curriculares Nacionais
de 2002. Os dois têm como objetivo orientar as práticas pedagógicas dos
professores, trazendo mais elementos do cotidiano ao ambiente escolar.

143
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Essas mudanças nos PCN e nos PCN+ não ampliaram a necessidade


de pesquisas na educação. Portanto, podemos perceber nos trabalhos ana-
lisados na presente pesquisa, conforme apontado na resolução da questão
dois, que os materiais mais antigos buscaram meios de levar os estudantes
às escolas, enquanto os mais recentes buscaram soluções para o desafio que
é tornar as aulas mais dinâmicas e próximas da realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo escolhido o material de pesquisa e realizada sua revisão biblio-


gráfica, foi possível percebermos as diferentes formas em que a pesquisa no
campo da educação vem sendo produzida e desenvolvida no Brasil. Fei-
ta a revisão, executamos a resolução das questões de pesquisas propostas,
bem como apontamos e apresentamos os direcionamentos que permeiam
a pesquisa em educação.
Percebemos uma notória evolução das pesquisas em educação nas
últimas três décadas. Todavia, ainda existe um longo caminho a percor-
rer, pois enfrentamos diversas dificuldades no momento de produzi-las e
divulgá-las. Dessa forma, é notável a necessidade de haver maior incentivo
financeiro e de mais possibilidades de divulgação dessas pesquisas para,
assim, mais pessoas sentirem-se motivadas a trabalharem na área educa-
cional e a contribuírem para o progresso e melhoria da educação no Brasil.

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MARFAN, M. A. Série Resenhas: Pesquisa em educação: abordagens


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MARQUES, Mario. O. Escrever é preciso. Ijuí: Unijuí 2001.

145
A OPRESSÃO DA
HOMOSSEXUALIDADE MASCULINA:
UMA REVISÃO HISTÓRICA
Ana Flávia Bezerra Toledo Camargo16
Bruno Peixoto Carvalho17

INTRODUÇÃO

As elaborações presentes neste artigo se orientam a subsidiar a tese


sobre o surgimento da opressão da sexualidade a partir do triunfo da
acumulação primitiva, e da origem da repressão à homossexualidade
masculina sob o lócus dos interesses das classes dominantes, como for-
ma de continuidade da relação exploração-dominação de classe. Para
contextualizar a afirmação acima, trataremos de anunciar inicialmente
sobre as práticas sexuais na educação grega. Posteriormente, preten-
de-se apresentar o contexto de surgimento da repressão homossexual
masculina nas civilizações romana, da Idade Média e no modo de pro-
dução capitalista.

16 Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Institu-


to de Educação) na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – Campus de Cuiabá-MT.
17 Psicólogo. Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atua
como docente do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) – Campus Curitiba-PR.

146
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

O CONTEXTO DA OPRESSÃO À HOMOSSEXUALIDADE


MASCULINA: UMA PERSPECTIVA MATERIALISTA-
HISTÓRICA

PRÁTICAS SEXUAIS NO PERÍODO GREGO

Para adentrar o presente tema na Grécia Antiga, deve-se conside-


rar duas civilizações gregas cujos costumes e tradições contrastavam. A
primeira é Esparta (século XI a.C), em que as relações entre homens e
mulheres se davam por certa simetria, herdadas das sociedades tribais ma-
triarcais. A educação espartana era transmitida em casa pelos próprios pais,
que desde cedo ensinavam as crianças sobre os valores e conhecimentos da
vida cotidiana. Conforme a tradição guerreira dos dórios, os garotos desde
pequenos eram orientados à vida militar, com uma educação rígida e dis-
ciplinar. Aos 7 anos de idade eram separados de suas mães e encaminhados
para o treinamento, pois o foco era que se tornassem guerreiros (REINKE
et al., 2017, p. 278).
Os espartanos cultuavam a guerra, força, virilidade, e as relações ho-
mossexuais masculinas eram aceitas socialmente e fazia parte da cultura,
visto que consideravam estas práticas sexuais essenciais para a força e o mi-
litarismo. Em Creta, os meninos mais jovens eram levados para florestas
acompanhados dos parentes ou amigos, onde eram cortejados, ganhavam
presentes e por lá permaneciam dois meses. Os garotos eram ensinados a
caçar para sobreviver e tinham relações sexuais com homens mais velhos.
Estes rituais de iniciação, que continham aspecto sexual, eram aprovados
e comuns nas sociedades gregas (CORINO, 2006, p. 20).
Em Atenas, localizada na península grega central, somente eram reco-
nhecidos como cidadãos os homens adultos com idade acima de 18 anos e
que fossem descendentes diretos de casais atenienses, e as mulheres não pos-
suíam direitos por não serem consideradas cidadãs. A inferioridade da mulher
se dava pelas explicações ideológicas que buscavam construir sua submissão,
tomando como uma das razões, a penetração e a lógica de que não eram do-
tadas de raciocínio intelectual, resultado de relegá-las a vida trancafiadas, sem
acesso aos meios de conhecimento (SOUSA, 2008, p. 44).
Desde a infância, as meninas eram separadas dos garotos, e seus brin-
quedos correspondiam ao papel que exerceriam futuramente, como mães

147
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

e cuidadoras, e quando chegavam no período da adolescência, já eram


preparadas para o casamento. Os meninos geralmente brincavam de luta,
sendo incentivados à entrada no exército, e ao tornarem-se adolescentes
iniciavam treinamento para o serviço militar, começando pela caçada e
competições esportivas. O estudo era obrigatório e restrito aos homens,
enquanto as mulheres aprendiam a tecer, fiar, cuidar da casa e dos filhos,
e quando muito, a tocar e dançar. Além disso, as meninas tinham apenas
contato com suas famílias, além de ficarem a maior parte do tempo iso-
ladas em um cômodo separado de suas casas (SPENCER, 1996, p. 51).
Entre os indivíduos trabalhadores, as esposas não ficavam confinadas
em casa, pois tinham que auxiliar com o sustento da família. Nesse sen-
tido, a descrição feita até aqui sobre o fato de as mulheres ficarem tran-
cafiadas em casa, se referia às classes dominantes. As mulheres da classe
trabalhadora, neste período, saíam para produzir a vida junto com os ho-
mens, havendo divisão sexual do trabalho, mas ainda não existia a divisão
público/privado, que só ganhou força no capitalismo.
Em relação à religião, os rituais gregos eram realizados para selar a
comunhão entre os deuses e os homens, o que envolvia práticas sexuais
realizadas nos templos. O falo representava a força e fecundidade e os gre-
gos faziam um culto a este devido a sua função procriadora. O casamento
tinha por objetivo a aliança entre duas famílias poderosas, e geralmente era
arranjado pelo pai da noiva e seu futuro marido, o qual pagava um dote
por sua esposa. A ideia era que não se perdesse o status social ao qual os
casais pertenciam, além dos interesses em comum, como a procriação e
a transmissão de herança, tendo o casal a obrigação de gerar filhos (DO-
VER, 1978/1994, p. 33; REINKE et al., 2017, p. 278).
O matrimônio monogâmico como contrato foi o primeiro a ter re-
lações estritamente econômicas, tanto que as mulheres eram para os ho-
mens apenas servas, escravas sexuais e “incubadoras”; a união era um far-
do ao qual deveriam carregar pela tradição, o compromisso com os deuses
e os deveres sociais. Mesmo com a monogamia instaurada, a poligamia
sempre existiu para os homens e era prestigiada entre o grupo masculino.
Em contrapartida, a poliandria sempre foi motivo de rechaço, desprezo e
punição pois, sendo os homens da classe dominante os únicos permitidos
a possuir fortunas e tendo que repassá-las aos seus filhos legítimos através

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da herança, se fazia necessária somente a fidelidade da mulher e não do


homem (VRISSIMTZIS, 2002, p. 58).
Além da educação recebida em casa e a preparação para o exército,
os meninos das classes dominantes (de 12 a 18 anos), tinham uma outra
educação que era prioritária. Tratava-se da pederastia, que tinha dura-
ção de dois anos ou mais, com o consentimento da família, sendo uma
preparação para os homens exercerem seus direitos enquanto cidadãos. A
educação pederástica tinha valor pedagógico entre um homem mais velho
(erastes) e um garoto (eromenos). Os homens já considerados adultos e sábios
pela experiência de vida, tinham relações sexuais com meninos mais jo-
vens, e lhes ensinavam os valores da vida social, como a ética, a cidadania,
a participação em decisões públicas, e sobre como ser considerado respei-
toso, viril e honrado (CORINO, 2006, p. 20; FUNARI, 2002, p. 55).
Importante afirmar que mesmo a homossexualidade sendo admitida
entre os gregos, esta não poderia ocorrer entre dois homens adultos, pois
significava que algum deles iria imitar a posição considerada passiva e afe-
minada da mulher, o que era considerado uma afronta à virilidade, agres-
sividade e papel ativo tidos como pertencentes naturalmente aos homens.
A relação sexual entre dois homens adultos conferia a perda do status de
cidadão para os sujeitos envolvidos e ambos eram ridicularizados (ULL-
MANN, 2007, p. 48).
Para Dover (1978/1994, p. 36), a proibição da homossexualidade en-
tre dois adultos se tratava mais de uma proibição de classe, visto que a
prática sexual entre senhores e indivíduos escravizados era comum, mes-
mo sendo proibida. Além disso, os nobres burlavam facilmente as leis da
pederastia, como ocorreu no caso de Pausânias (eraste) e Agatão (eromenos),
que se relacionavam mesmo após o garoto ter feito 18 anos, tendo ambos
permanecido praticando relações homossexuais mais de 12 anos depois do
eromeno se tornar adulto, sem sofrer qualquer penalidade. Assim, mesmo
que a passividade fosse motivo de deboche a um homem adulto, isto não
significava que era incomum.

PRÁTICAS SEXUAIS NO PERÍODO ROMANO

No período romano (553-509 a.C.), as mulheres não tinham o di-


reito de deter propriedades; ao contrário, elas mesmas eram considera-

149
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

das uma e, portanto, não sendo consideradas cidadãs eram proibidas de


exercerem cargos públicos. Apesar de não ficarem somente confinadas
em casa, como no caso das gregas, somente algumas raramente recebiam
educação básica para aprender ler e escrever. O pai de família era consi-
derado proprietário da esposa, filhos, animais e terras, demarcando uma
estrutura fortemente patriarcal tal como nas sociedades gregas (REINKE
et al., 2017, p. 280; ENGELS, 1884/1984, p. 138).
Nas famílias da elite, os garotos tinham aulas em casa, desfrutavam de
lazer frequentando o Campo de Marte, onde praticavam exercícios físicos,
faziam arremesso de discos e dardos, praticavam natação e aprendiam a
montar em cavalos. Toda esta aprendizagem tinha por objetivo incentivá-
-los à vida pública e liderança política, enquanto as mulheres continuaram
tendo sua vida sexual contida, sendo subservientes aos seus maridos e ape-
nas cuidando dos afazeres domésticos (FUNARI, 2002, p. 102).
Em relação à homossexualidade masculina, os romanos denomina-
vam tal prática de “amor à grega”, pois eram incentivadas e valorizadas
entre os homens na Grécia. Por mais que os romanos fossem tolerantes
com a homossexualidade, sendo uma sociedade com estruturas patriarcais
rígidas, não a tinham como prática pedagógica, como ocorria entre os
gregos. Havia uma lei denominada Lex Scanitia, criada em 226 a.C, que
punia com multa relações sexuais entre homens livres, no entanto, tal lei
não era respeitada à risca (FUNARI, 2002, p. 55; REINKE et al., 2017,
p. 280).
Segundo Funari (2002, p. 107), para os romanos a sexualidade mascu-
lina estava ligada ao culto religioso, principalmente devido à reprodução.
Alguns objetos fálicos eram encontrados em aneis, pingentes de colares,
nas casas etc. A religião romana era politeísta e expressava-se na completa
devoção em templos, santuários e procissões, além da reverência aos im-
peradores romanos pela crença de que se tornavam deuses após a morte.
Com a abertura de Roma para a imigração, muitos judeus que vi-
viam dispersos fora da Palestina e falavam o idioma grego migraram para
o território romano. Aos poucos, começaram a contar aos trabalhadores a
história de um Deus (Jeová) uno e todo poderoso que comandava o mun-
do, os homens e todas as coisas. Esses judeus eram de origem trabalhadora
e diziam que Jesus não liderava para os ricos, e sim para os oprimidos,
garantindo vida após a morte para aqueles que fossem merecedores. Aos

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poucos, foram conquistando a adesão dos indivíduos escravizados e outros


trabalhadores, deixando de ser uma pequena seita e se espalhando, pois
acreditavam que o “messias” voltaria e destruiria o imperador romano,
fato que mudaria as condições de vida e as injustiças da sociedade (FU-
NARI, 2002, p. 127).
O Imperador Constantino, ao descobrir que o cristianismo não ado-
rava a sua pessoa, o Estado, os deuses e ainda pregava contra a elite, não foi
tolerante e tratou de exterminar os judeus. Houve perseguições de caráter
puramente político, pois havia o temor de que os trabalhadores se rebe-
lassem contra o monopólio que detinham as classes dominantes. Entre
230-260 d.C., o Império Romano sofreu sucessivos ataques, diminuindo
gradativamente seu território. Esse foi o momento oportuno para que a
religião cristã ganhasse ainda mais adeptos, pois todos estavam com medo
da crise enfrentada pelo Império Romano e queriam se salvar (FUNARI,
2002, p. 130).
Assim, na lógica dos ideais cristãos, a elite identificou uma oportuni-
dade de se aliar a estes pregadores para continuar no poder. O Imperador
Constantino concedeu aos cristãos o direito de realizarem seus cultos atra-
vés do Edito de Milão, em 313 d.C., mas, em troca, tirou proveito inter-
vindo no funcionamento e ensinamentos do cristianismo estabelecendo
um acordo com os padres. Não demorou para que os patrícios, o Impe-
rador e os padres começassem a discutir e alterar os novos ensinamentos
cristãos. No século IV a.C., Constantino se converteu ao cristianismo e
tornou tal religião universal, estabelecendo hierarquias dentro do papado,
em que os bispos (muitos das classes dominantes) seriam responsáveis por
controlar a vida dos fiéis (FUNARI, 2002, p. 131).
Para que os trabalhadores não se rebelassem contra o Estado, Cons-
tantino ordenou que a pregação tivesse o intuito de falar sobre a igualdade
mistificada entre todos (patrícios e plebe). Por meio da palavra, e não mais
tanto pela repressão das forças militares, Constantino conseguiu por meio
do cristianismo se concentrar no poder, e os trabalhadores explorados sem
acesso ao estudo, identificaram no cristianismo primitivo uma possível
saída para suas condições de vida (FUNARI, 2002, p. 132).
Na segunda metade do século IV a.C., Roma já era majoritariamente
cristã. A vitória do cristianismo como estratégia de dominação por parte
das elites e como ganho secundário do papado se consolidou com o Im-

151
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

perador Teodósio, que concedia o governo de parte da cidade aos bispos.


Mas a consolidação da religião cristã não aconteceu imediatamente, uma
vez que muitos se rebelaram contra ela e não queriam abandonar suas an-
tigas crenças. Estes foram denominados “pagãos”, que foram perseguidos
severamente, torturados e mortos pela Igreja acusados de praticarem o que
consideravam uma heresia (se negar a seguir os ensinamentos cristãos),
mas que na verdade eram inimigos políticos que se rebelavam contra as
desigualdades (CABOT; COWAN, 1989, p. 72).
Quando o cristianismo se tornou religião oficial do Império Roma-
no, tendo os mesmos administradores, Igreja e Estado se misturaram e
seus artífices passaram a reforçar ainda mais o casamento e a maternidade
das mulheres, visto que estas eram consideradas condições decisivas para
a procriação de herdeiros e futuras gerações de trabalhadores. Este fato
fora um marco decisivo para a repressão de práticas homossexuais, que
até então não havia acontecido. Sob esse contexto, mais uma alteração
religiosa foi realizada pelos Imperadores Constantino e Constâncio, sendo
estipulada a pena de castração e morte na fogueira para os homossexuais
passivos (REINKE et al., 2017, p. 281).
Em 390 d.C., Teodósio I, juntamente com outros líderes cristãos,
criou as passagens do Levítico para justificar a homossexualidade como
abominação, um mal que deveria ser evitado e repudiado. As passagens
bíblicas criadas pelo papado, imperadores e nobres patrícios foram as pri-
meiras a condenar a homossexualidade. Posteriormente, em 438 d.C.,
Teodósio II reforçou os ensinamentos religiosos de repressão à homos-
sexualidade, acrescentado que homossexuais ativos também seriam con-
denados (SPENCER, 1996, p. 68). Reinke et al. (2017, p. 282) afirmam
que a partir do status condenável da homossexualidade, a única relação
aceita passou a ser entre homem e mulher, considerada como ordem na-
tural, pois somente assim é que a procriação seguiria seu curso. Para que
pudessem controlar as práticas sexuais, os patrícios, o imperador e o papa-
do criaram a confissão como parte obrigatória do cristianismo, sendo uma
forma de fiscalizar os comportamentos dos indivíduos.
As condições de vida nesse período não eram favoráveis para a saúde
dos trabalhadores, visto que havia extensas jornadas de trabalho no cam-
po, maus-tratos, e a medicina era inexistente. Justiniano (438-565 a.C)
delegou à homossexualidade e à sexualidade fora do casamento a causa-

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lidade pelo surgimento de desastres naturais, pragas e doenças – como


a peste bubônica surgida em 542. Tanto Paulo de Tarso, quanto Santo
Agostinho (335-430 d.C.) sendo líderes religiosos, reforçavam este argu-
mento defendendo que o sexo somente não seria pecado se ocorresse den-
tro do matrimônio, e apenas com a finalidade de reprodução da espécie. A
Igreja condenava severamente a mulher que se rebelasse contra o seu papel
de esposa (que não quisesse casar ou ter filhos), assim como os homens
que adotassem quaisquer condutas ou atributos considerados femininos.
Vamos à exposição de algumas passagens que confirmam essa afirmação
(ULLMANN, 2007, p. 51):

Conhecido é o texto de São Paulo aos Romanos 1, 24-27, do qual


são ilustrativos os versículos 26 e 27: “Por isso Deus os entregou
as paixões aviltantes: suas mulheres mudaram as relações naturais
por relações contra a natureza; igualmente os homens, deixando a
relação natural com a mulher, arderam em desejo uns para com os
outros, praticando torpezas homens com homens e recebidos em si
mesmos a paga da sua aberração”.

No n. 2357 do Catecismo da Igreja Católica lemos: “[...] os atos de


homossexualidade são intrinsecamente desordenados. São contrá-
rios à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não pro-
cedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em
caso algum podem ser aprovados”. (ULLMANN, 2007, p. 51).

Temos aqui uma informação demasiadamente relevante, qual seja:


não foi o cristianismo, pura e simplesmente, que condenou a homosse-
xualidade, mas a classe dominante deste período (patrícios), os imperado-
res que governavam o Estado Romano e os bispos, sempre visando seus
interesses de classe, tal como já acontecia na antiga Grécia. Para os do-
minadores, era melhor que a classe trabalhadora não se perdesse ocupada
com os prazeres sexuais, mas, com o trabalho que desenvolvia a produ-
ção e economia do Estado. O cristianismo sempre cumpriu a função de
atuar como força ideológica importante, responsável pela manutenção da
sociedade de classes e por consequência, de todas as interdições sobre a
(homos)sexualidade. As classes dominantes (patrícios) nunca governaram
sozinhas, tendo sempre a Igreja para ajudá-las nesse processo.

153
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

PRÁTICAS SEXUAIS NO PERÍODO DA IDADE MÉDIA

Na Idade Média (século V d.C.), os clérigos, sendo aliados da nobre-


za, eram demasiadamente ricos e poderosos, os maiores proprietários de
terras. Com isso, a Igreja Católica detinha grande monopólio econômico,
além de ser a responsável pelos julgamentos, o que fazia com que confis-
casse e se apoderasse da maioria dos bens daqueles que eram condenados.
Todos os costumes, crenças e valores eram regulamentados pelo cristia-
nismo, nobreza e monarquia (HUBERMAN, 1936, p. 87; REINKE et
al., 2017, p. 282).
A força ideológica que a Igreja quase não tinha na Roma Medie-
val mudou drasticamente na Idade Média, quando se tornou instituição
universal com grande concentração de poder político. Mas as proibições
e confissões não estavam sendo suficientes para controlar as ameaças ao
poder da nobreza, e assim foi instituído o Tribunal da Inquisição, que
se tornou lei jurídica responsável pela condenação dos comportamentos
considerados crimes. Em 1484, o papa Inocêncio VIII ordenou que os
monges dominicanos Heinrich Kramer e Jacob Sprenger criassem um
manual de julgamento aos hereges, que tinha como principal pena a mor-
te na fogueira. Esses escritos deveriam conter: as características e práticas
que provariam o crime, as penalidades e como seria realizada a morte dos
culpados (CABOT; COWAN, 1989, p. 74; KRAMER; SPRENGER,
2015, p. 170).
Segundo Federici (2017, p. 296-297), durante 250 anos, o material
produzido por estes inquisidores foi utilizado para cometer as mais diver-
sas barbaridades e torturas. No tratado, especialmente as mulheres que
não aceitavam a ordem patriarcal e os homens homossexuais, não tinham
direito de defesa, de contra-argumentação e de se posicionarem diante do
tribunal. Em 1486, o manual foi criado e posto em prática, e de 1580 a
1630 ocorreu o maior número de mortes contra os considerados “sodo-
mitas”, que foram torturados, enforcados e queimados. Em essência, os
quatro séculos de caça aos hereges marcaram a perseguição política daque-
les que lutavam contra a centralização das riquezas.
Nesse período, uma imagem extremamente negativa da sexualidade
fora criada, mas somente quando não se tratava da reprodução. Inclusive,
pregava-se a virgindade da mulher antes do casamento e posteriormen-

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te, relações sexuais no período fértil como forma considerada natural do


sexo. Foram denominadas de relações antinaturais: a bestialidade (sexo
com animais), a sodomia (práticas sexuais entre dois indivíduos do mesmo
sexo) e a fornicação (penetração anal, masturbação, sexo oral, entre outras
que não permitiam a procriação) (FEDERICI, 2017, p. 325).
A grande caça aos hereges foi uma forma de propagar o impedimento
do que era considerado pecado em nível aparente, pois na realidade tor-
nou-se grande negócio para reis, nobres, papas e inquisidores, que quando
conseguiam a confirmação de um caso de heresia, confiscavam os bens e
riquezas do acusado que eram redistribuídos entre os interessados. Parte
das riquezas ficava para os torturadores da Igreja Católica, que pronta-
mente se encarregavam de encontrar cada vez mais praticantes de heresias
por toda a Europa (KRAMER; SPRENGER, 2015, p. 156).
No século XVI, a Igreja católica ainda interferia nas decisões polí-
ticas do Estado, o que não agradou banqueiros e mercadores, que for-
maram uma classe que enriqueceu aceleradamente. O acúmulo de bens,
propriedades e o desenvolvimento tecnológico e econômico para explo-
ração eram os objetivos desta classe, e o catolicismo estava atrapalhando
as estratégias de classe da monarquia e burguesia que se tornaram aliados.
Nesse período, Martinho Lutero fora o primeiro a contestar os valores e
crenças propagados pela Igreja Católica através da Reforma Protestante
(HUBERMAN, 1936, p. 90).
Este movimento encontrou apoio entre burgueses e reis, pois, estes
ainda necessitavam da religião como forma de manipulação, mas teria de
ser uma de outra ordem que não defendesse os antigos valores da Igreja ca-
tólica feudal. Sendo assim, encontraram apoio no protestantismo, crença
que ia ao encontro das transformações pré-capitalistas, como o reforço de
ideologias sobre a valorização da individualidade, a castidade, a negação
do prazer e a dedicação exclusiva ao trabalho (SENEM; CARAMAS-
CHI, 2017, p. 179).
No século XVIII, ocorreram transformações nos valores morais, em
que cessou a caça aos hereges com a intensa derrocada da Igreja. A queda
do modo de produção feudal incorporou novas transformações à socie-
dade. A religião que detinha poder absoluto sobre as legislações, o poder
político e o monopólio da educação perdeu toda sua autonomia, não dei-
xando de ser uma importante aliada da burguesia. Com o surgimento da

155
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ciência, que desenvolveu a medicina, a sexualidade e a homossexualidade


principalmente se tornaram objetos de especialidade dessa área. A com-
preensão da sexualidade, do mesmo modo que nos outros períodos, seria
orientada aos interesses das classes dominantes. Mas, como na sociedade
capitalista se mistifica a relação exploração/opressão, a repressão sexual
continuou sendo compreendida em âmbito individual, e não como pro-
duto da ideologia das classes dominantes.

HOMOSSEXUALIDADE NO MODO DE PRODUÇÃO


CAPITALISTA

Os burgueses (nova classe dominante no capitalismo) não se apoia-


vam no poder ideológico da Igreja, visto que a sociedade capitalista se ca-
racteriza pela razão, e os dogmas religiosos já não tinham a mesma serven-
tia ideológica que antes. No entanto, para dar continuidade aos interesses
das classes dominantes no modo de produção capitalista, o catolicismo
teve que adequar seus preceitos de acordo com a lógica do capital. Assim,
continuou-se a reprimir a sexualidade, e toda energia humana deveria ser
gasta no trabalho; para tal, utilizava-se o argumento de que o sexo para o
prazer era algo impuro (NUNES, 1987/2005, p. 64).
Como a medicina também estava ancorada no projeto político bur-
guês, logo tratou de situar as explicações da sexualidade reduzida à fisiolo-
gia, e a rotular práticas não-reprodutivas como causadoras de doenças do
corpo e da mente. Tudo isso sob o argumento ideológico de que a classe
trabalhadora continuasse a reproduzir e repor a força de trabalho, pois a
homossexualidade é uma prática sexual impeditiva da procriação da espé-
cie humana e sobre ela se constituíram significados negativos, como se a
reprodução biológica fosse uma obrigação (NUNES, 1987/2005, p. 75;
SPENCER, 1996, p. 81).
A homossexualidade passou a ser constantemente vigiada, pois pres-
supunha-se que era hereditária e degenerativa. Os médicos, em geral,
afirmavam que as causas da homossexualidade se assentavam na desregu-
lação das glândulas sexuais, fazendo com que os “homens ficassem com
cérebros femininos”. Tal afirmação se baseou em estudos antropométri-
cos, através da medição do tamanho e espessuras do cérebro, pois a antro-
pometria defendia que o cérebro feminino era menor que o masculino.

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As religiões passaram a tratar os homossexuais com compaixão, à medida


que passaram a ser considerados doentes, mas sempre fazendo defesa da
cura espiritual através da castidade para se tornarem heterossexuais, ou
na melhor das hipóteses, que ficassem em abstinência. Em essência, os
princípios tradicionais e ideológicas das Igrejas não foram abandonados
(REINKE et al., 2017, p. 284; SENEM; CARAMASCHI, 2017, p. 182).
O termo homossexualismo foi utilizado em 1869 pelo médico húngaro
Karoly Benkert, para designar os indivíduos atraídos pelo mesmo sexo. A
partir daí, os homossexuais foram submetidos aos mais sórdidos tratamen-
tos propostos como cura: relações sexuais forçadas com prostitutas, eletro-
choques, terapias de reversão sexual etc. A indústria farmacêutica e as ins-
tituições psiquiátricas se tornaram grandes monopólios de fortunas com a
internação e tratamento medicamentoso desses indivíduos. Até mesmo a
prostituição – exploração e violação do corpo feminino – passou a ser esti-
mulada para combater a homossexualidade (BIEBER, 1965/1973, p. 94).
O médico Karl Heinrich Ulrichs (1825-1895) tentou defender sua
tese de que o “homossexualismo” fazia parte da natureza humana, na ten-
tativa que os homossexuais fossem menos perseguidos, argumentando que
esses sujeitos nasciam como mulheres presas em corpos masculinos. Este
argumento hoje se encontra na base do movimento de compreensão do
transgenerismo, e estamos voltando ao mesmo erro do passado, visto que
esta lógica fez com que pesquisadores médicos psiquiatras começassem a
procurar na genética as formas de se evitar o desenvolvimento da homos-
sexualidade (BIEBER, 1965/1973, p. 96).
Os tratamentos hormonais e a lobotomia foram amplamente utilizados,
e os lobotomizados eram acometidos na maioria das vezes por demência
pós-procedimento. Após muitos anos, somente em fins da década de 1940,
que se provou a ineficácia dos tratamentos hormonais na cura da homosse-
xualidade. A testosterona foi administrada em homens gays, mas não fora
efetiva no combate das práticas homossexuais. A não-efetividade do trata-
mento refere-se ao fato de que sendo a sexualidade da ordem dos desejos,
seu processo de constituição parte das experiências externas e práticas afeti-
vas, libidinais e sexuais particulares de cada sujeito, não podendo ser redu-
zida à função reprodutora e biológica (SPENCER, 1996, p. 82).
No século XX, o médico e psicanalista austríaco Sigmund Freud,
em sua obra Três ensaios sobre a sexualidade (1905), foi o primeiro a tratar

157
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

a sexualidade em uma perspectiva psicossexual como advinda de fatores


psicológicos, desenvolvimentais e que sofria influências ambientais e não
somente biológica. No entanto, o psicanalista ainda defendia que uma ex-
pressão da sexualidade normal ocorreria somente nas relações entre ho-
mem e mulher. Para ele, o indivíduo se tornava homossexual através do
“complexo de Édipo invertido”, ou seja, por sua identificação excessiva
com a mãe e fixação no pai como objeto amoroso. Assim, Freud fazia a
defesa de que nas famílias não-chefiadas por maridos, ou em que estes
fossem ausentes, tinha-se maior tendência do filho ser homossexual (BIE-
BER, 1965/1973, p. 98; SENEM; CARAMASCHI, 2017, p. 183).
Segundo Nunes (1987/2005, p. 57), do mesmo modo que a medici-
na, a ciência psicológica cumpriu a função de naturalizar a família nuclear
burguesa, delimitando que outros tipos de constituição familiar seriam
um risco a ter filhos gays. As indicações psiquiátricas e psicológicas eram
de que os homossexuais fossem curados, mas se caso não fosse possível,
que vivessem em abstinência para o resto de suas vidas.
A partir do ano de 1969, em um bar denominado Stonewall, em
Nova York, começa-se a mudar o cenário em relação à homossexuali-
dade. Ocorreu uma reação dos homossexuais – que estavam cansados de
sofrer violência, contra policiais que tentaram impedi-los de frequentar o
local. Este e outros ocorridos, como o surgimento do movimento hippie,
já eram sinais da luta da comunidade LGBT por liberdade de expressão.
Tal acontecimento passou a representar a bandeira do movimento, de-
monstrando a negação do autoritarismo policial e a força da resistência
dos homossexuais. O resultado de lutas da comunidade LGBT come-
çou a aparecer nesse período, em que a homossexualidade deixou de ser
considerada crime na maioria dos países e surgiram os primeiros locais
frequentados exclusivamente por gays, lésbicas e bissexuais (bares, saunas,
discotecas e clubes), devido à constante violência a que estavam submeti-
dos (SOUSA, 2008, p. 43).
Nesse processo, casais de homossexuais passaram a sair nas ruas de-
fendendo que também tinham direito de demonstrar suas relações, cons-
tituir família e se casarem. Interessante pensar que a comunidade LGBT,
por vezes, não reconhecesse que a luta por acesso a lugares exclusivamente
frequentado por homossexuais, ou pelo casamento era algo que os segre-
gavam mais ainda. Ora, eles tinham de ter direito a irem aonde e quando

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quisessem, independentemente de quem frequentasse o lugar; além disso,


era mais vantajoso que lutassem pelo fim de algo que mais os oprime do que
acolhe – a constituição familiar tradicional e o matrimônio. Assim, pode-
mos ver o poder ideológico da burguesia em impor e reconhecer seus ideais
como legítimos, quando até mesmo nas famílias constituídas pelos indi-
víduos LGBT (consideradas não-tradicionais), se reproduz a demarcação
acirrada dos papéis sociais e sexuais de gênero (SOUSA, 2008, p. 43).
Mesmo após algumas conquistas, a opressão à homossexualidade não
cessou no capitalismo, pois sendo um sistema que prioriza a extração de
mais-valia, cumpre-se a função extraí-la de todos os setores, ora penden-
do para o lado dos conservadores, ora para dos ativistas. O debate a homo-
fobia deve transcender às discussões dentro dos movimentos feministas e
LGBTs, visto que, não são questões prejudiciais somente para as mulhe-
res e homossexuais. A ideologia burguesa/patriarcal hierarquiza os sexos,
marginaliza e provoca entraves no avanço das lutas da classe trabalhado-
ra, pois aos homens parece cômodo a estrutura social patriarcal, mas esse
processo encobre a emancipação dos trabalhadores de se libertarem da
exploração-dominação capitalista, deslocando o antagonismo de classes
para o conflito individual de homens, mulheres, LGBTs etc. (SANTOS;
OLIVEIRA, 2010, p. 12).
Arruzza (2015, p. 42) complementa que os homens se aproveitam da
opressão feminina, pois dela acarretam muitas vantagens, e por isso não se
esforçam para somar forças em alterar a ordem social patriarcal, tendo por
consequência a reprodução da homofobia. Essa autora postula que mui-
tas teorias feministas tomam o patriarcado como sistema independente
das relações e dominações de classes, contribuindo com a reprodução do
capital, pois desresponsabiliza-se o modo de produção e acumulação que
acentuou diferenças, desigualdades e hierarquias nos papéis de gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerramos este texto ressaltando as raízes da compreensão das re-


lações afetivas e sexuais e suas implicações a partir do modo de produção
que pertenciam. A partir de então, utilizaram-se esses pressupostos para
compreender, mais especificamente, o modo como perdura e se desenha
até o presente momento histórico a repressão à homossexualidade. Com

159
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

novos valores à frente da sociedade burguesa, as desigualdades antes na-


turalizadas em outros modos de organizar a vida e as forças produtivas
tiveram de ser mascaradas como diferenças entre os indivíduos de forma
naturalizada na atual sociedade.
Como pudemos observar, as condutas consideradas “masculiniza-
das” ou “feminilizadas” pelos papéis sociais e sexuais desenvolvidos por
machos e fêmeas não são definidores determinantes do gênero, à medida
que são constituídos e podem ou não ser apropriados em determinadas
culturas. Ou seja, trata-se de representações e categorias criadas para
definir o sexo, mas que nem todo sujeito tende a se adequar. Não se
pode confundir os papéis sexuais e de gênero com a sexualidade, terreno
onde se encontra a compreensão da homossexualidade, à medida que o
gênero são as representações sociais e culturais criados na sociedade que
recaem sobre o sexo (macho/fêmea); a sexualidade, de outro modo, en-
contra-se na ordem dos desejos, práticas afetivas e experiências eróticas,
apresentando-se como fenômeno síntese de múltiplas determinações e
contradições.
Buscamos apresentar a conjuntura histórica da totalidade do processo
de compreensão da repressão à homossexualidade masculina, pois é es-
sencial para compreender os valores, regimentos e projetos políticos que
os envolveu. Por isso nos desdobramos em apresentar minuciosamente o
papel das instituições que são regidas e organizadas pelo capital – como
a Igreja e a medicina, na compreensão da sexualidade. Concluímos que,
apesar de em um nível aparente a religião e o biologicismo médico se
apresentarem como responsáveis pela constituição da repressão à homos-
sexualidade, essas instituições cumprem a função de ser aliados de uma
estratégia de classe do capital para reproduzir biológica e ideologicamente
a exploração da força de trabalho e a extração de mais-valia.

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162
GLOBALIZACIÓN, REVOLUCIÓN
TECNOLÓGICA Y EL CAMINO HACIA
LA EDUCACIÓN
Alexandre Buccini18

INTRODUCCIÓN

De acuerdo con el educador Ronald Cruz (apud FERGUSON,


1980), la reforma de la educación debe basarse en la descentralización, el
desmoronamiento de los muros que han aislado a los establecimientos de
enseñanza superior en relación con las comunidades locales y los medios
concretos de vida. De igual modo, el educador Onésimo Cardoso (1994),
está de acuerdo en que hoy los niños aprenderán mucho más fuera de los
terrenos de la escuela, en contacto con el mundo exterior. Por lo tanto,
opina que el discurso pedagógico debe considerar todos los niveles de la
educación en una forma crítica, reflejando la construcción de una educa-
ción pertinente para la vida en sociedad.
Las tecnologías electrónicas y digitales han proporcionado una revolu-
ción en el antiguo concepto de clase, sustituyéndolo por un nuevo proceso
de externalización de conocimiento, en el que los profesores comenzaron
a ser simples intermediarios entre los estudiantes y el fascinante mundo de
la información, convirtiéndose en asistentes de los alumnos y ayudándolos

18 Doutor em Ciencias de La Educación pela Universidad Nacional de Cuyo, Mestrado em Ci-


nema pela Latin American Film Institute, Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de
São Paulo, membro e pesquisador da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (SOCINE) e
da Associação Brasileira de Profissionais de Educomunicação (ABPEducom).

163
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

a encontrar las fuentes de información de todo el mundo. Estas tecnolo-


gías también promovieron una nueva visión al respecto de la educación
a distancia, demostrando que las comunicaciones pueden compensar la
deficiencia de absorción racional del sonido en rincones aislados. En esta
conjetura, se implementan pedagogías más pragmáticas, que aprovechan
el aprendizaje a través de experiencias interactivas y la transformación de
las antiguas aulas, a través de la hipermedia en centros de navegación del
conocimiento. Por lo tanto, al asociar texto, sonido, fotos, imágenes fijas
y animaciones, la hipermedia, se estimula experiencias multisensoriales
alrededor de varios canales perceptivos.
Existe el temor de que la evolución de las metodologías pedagógicas
pueda conducir a la peligrosa posibilidad de desmoralización de la propia
escuela como el locus educativo. Eso nos hizo cuestionar: ¿En qué medida
la inserción de las nuevas tecnologías en la educación puede ser, verdade-
ramente, una evolución? Así, nuestro objetivo general en este artículo es
analizar lo que es realmente necesario para que la inserción de las tecno-
logías en las escuelas pueda ofrecer soportes reales para que los estudiantes
sean más críticos y engajados en la sociedad. Para eso, adoptamos como
objetivos específicos: apuntar la relación del capitalismo con el surgimien-
to de una nueva perspectiva de educación; y averiguar como las tecnolo-
gías son usadas en la educación y cuales son las necesidades en ese sentido.
Las tecnologías disponibles llevan a que el profesor especialista esté
sujeto a tener que ser capacitado para adaptarse a las nuevas realidades. Los
estudiantes no quieren más aprender cómo nuestros abuelos y no aceptan
los maestros como dueños del conocimiento. Con el nuevo paradigma, la
figura del maestro se convierte en la de un moderador. Por desgracia, es-
tas tecnologías, en Brasil, están distanciando cada vez más los estudiantes
de escuelas privadas de los de escuelas públicas, conocidas como de peor
calidad y con poco acceso a las nuevas tecnologías. Todo eso hace con que
los educadores tengan una necesidad de repensar sus propias formas de
enseñar y herramientas que utiliza, teniendo que primorearse continua-
mente, lo que justifica este trabajo y otras investigaciones sobre el tema.
Además de eso, es importante apuntar que este trabajo tiene como
direccionamiento metodológico la investigación bibliográfica, partiendo
de un abordaje cualitativo. Resaltamos que lo que aquí se presenta es una
parte pequeña de la tesis doctoral del autor, donde este tema y otros son

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más explotados, y donde también se presentan muchísimos más estudio-


sos con sus aportaciones e los resultados de muchas investigaciones. De
todos modos, esperamos contribuir con la discusión en torno del uso de
las tecnologías en la educación.

1. LA EDUCACIÓN Y EL CAPITALISMO: EL
SURGIMIENTO DE UNA NUEVA ESCUELA

Brasil se ha comprometido, en el año de 1996, con un amplio progra-


ma de informatización de escuelas de la red pública, tratando de corregir
las deficiencias en el sistema educativo de nivel primario. Así, 23 mil es-
cuelas han sido contempladas con la instalación de 300 mil computadoras,
pero el programa crujió un problema prosaico, porque en el 30% de las
escuelas no había teléfonos y acceso a internet, y, luego, no podían recibir
el equipo del gobierno. Además, había un problema con el diseño de los
nuevos procedimientos y con la formación de los maestros, que no estaban
adaptados al nuevo idioma. Así, el proyecto se convirtió en un fracaso. Y,
aun, pensando en 300 mil computadoras para 23 mil escuelas, estamos
hablando de 13 computadoras para cada escuela. Hay que pensar que una
escuela solamente de nivel primario, con una clase para cada año, recibe
aproximadamente 280 estudiantes en un turno. Eso quiere decir que la
propuesta aportaría una computadora para cada 20 alumnos. Y eso porque
hemos establecido números bajos de cantidad de alumnos.
Al mismo tiempo, el gobierno estadounidense ha detectado que, cada
dos años, doblaba la cantidad de información disponible en el planeta.
Cada día, siete mil artículos científicos estaban disponibles en el mercado,
y los satélites, temblando alrededor de la Tierra, generaban información
capaz de llenar 19 millones de volúmenes. De esa manera, existe un pro-
ceso de superación de la cultura escrita, con el crecimiento gradual de
una cultura audiovisual y acústica. Mientras que en Estados Unidos había
un ordenador por cada grupo de 12 estudiantes, en Brasil, en 1996, de
un universo de miles de escuelas, sólo el 2% utilizaban algunas aplica-
ciones pedagógicas asistidas por computadoras. La totalidad de los esta-
blecimientos educacionales, incluidos el sector privado, y el índice de un
ordenador por cada 2 mil estudiantes, daba la impresión de que en Brasil
la escuela fue desconectada de la realidad del mundo.

165
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

La nueva escuela de la sociedad del conocimiento contradice los ante-


riores paradigmas de la “educación bancaria”, apuntada por Paulo Freire
(2005). El concepto medieval de una escuela asediada por un territorio
uno (incluyendo en ella las antiguas universidades) va a ser sustituido por
redes de hipermedia y telemática, distribuidas bajo nuevos recortes de
mercados institucionales. Los estudiantes empezarían a discutir sus resul-
tados y evaluaciones a través de ordenadores personales y pantallas de por-
tátiles, sin necesidad de presencia física en determinados locus académico.
También hay consenso en que los educadores deberían pasar por evalua-
ciones sucesivas, para ser verificado si están cumpliendo sus actividades de
orden real, sometida a los imperativos del mercado y la realidad oprimida
de sus estudiantes.
En mercados cada vez más exigentes, esa nueva escuela intenta traba-
jar sobre una comunicación eficiente, y pretende producir buenos profe-
sionales y ciudadanos capaces de sentido crítico, capaces de comprender
los bloqueos de la sociedad competitiva. Existe también la necesidad de
fomentar el debate sobre los conocimientos útiles, practicados por las es-
cuelas en el mundo; debate destinado a las instituciones enfocadas en el
futuro teórico-crítico y la adaptación de los estudiantes a la atmósfera de
las tecnologías disruptivas. Las escuelas contemporáneas deben escapar el
trazado medieval, en el que se recomendó que los establecimientos vivie-
ran aparte del mundo: debe pasar por el trabajo de la riqueza y de los po-
deres nacionales (la colectividad), evitando que el conocimiento sea sólo el
privilegio de unos pocos. Cualquier sistema escolar debe ser aprovechado
por los principios rectores y las leyes, ordenanzas y regimientos, interde-
pendientes e integrados. En este sentido, observa Piletti (1995, p. 30):

Como o sistema escolar é um subsistema do sistema social no qual


está inserido, ele deve recair sobre os princípios da administração
pública. Esses princípios foram estabelecidos pelo governo federal:
planejamento, coordenação, descentralização, delegação de pode-
res e controle.

La cercanía del fin del milenio, así como su transición, reflejó en el


área de educación para dotarla de nuevos soportes tecnológicos-opera-
cionales, buscándose que las escuelas fueran capaces de una eficacia equi-

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valente a la de las empresas. Las tendencias de la globalización y la com-


petitividad neoliberal lideraron este plan para instituciones de educación
superior, un plan desarrollado en las organizaciones. Se trató de conseguir
un salto cualitativo, produciendo un cuestionamiento sistemático y meto-
dológico de las corrientes de administración de sus productos, tales como
la rentabilidad de estudiantes-profesores y la inserción de las escuelas
como repositorios de mejoras constantes del mercado. En este contexto,
el gran debate fue saber si la escuela debe permanecer sólo en la tendencia
globalizadora de una educación bancaria, o un sesgo crítico a adherirse
plenamente como de manera ordenada por los educadores magistrales,
como Paulo Freire.
Muchos partidarios de la globalización comenzaron a afirmar que la
tendencia hacia la crítica de la ideología educativa, tan en boga desde me-
diados del siglo XX, fue golpeada por la necesidad de adaptar la escue-
la a los imperativos del mercado capitalista, quien iba a discriminar a los
estudiantes no profesionalizados, aunque muchas veces adecuadamente
preparados por los actuales planes de estudio. Este retraso provocó, por
cierto, una crisis sin precedentes en Brasil que, desde el año 1980, lleva
varias autoridades educativas a reclamar un énfasis en las políticas públicas
(DOWBOR, 1996).
El metabolismo de las organizaciones empresariales globalizadas fue
influenciado por otras escuelas al final del milenio, pero las escuelas en
Latinoamérica, y especialmente en Brasil, permanecieron estáticas, no
respondieron a las transformaciones motivadas por la caída del Muro de
Berlín y el fin de las ideologías que impregnaban el despliegue del socialis-
mo de estado. En el caso brasileño, correspondiente al final de la dictadura
militar y el establecimiento de la Cuarta República (1985-1988), ha em-
peorado el descuido de la educación, que no sigue los cambios sistémicos
del capitalismo y tampoco ha logrado, en un sistema dinámico, evaluar sus
deficiencias. Surgen, entonces, las cuestiones para el área educativa, frente
a las apelaciones y la fuerza del capitalismo globalizado, como sugiere el
educador Ladislau Dowbor (1996):

[...] a pirâmide econômica do capitalismo mundial leva, portan-


to, uma grande massa de pessoas excluídas ou marginalizadas do
Sistema. Como encontrar o espaço educacional para uma massa

167
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

que não tem espaço econômico? E como lidar com esse proble-
ma, quando a pressão das transformações tecnológicas se fortalece
a cada dia? (DOWBOR, 1996, p. 21).

Fue extinguida la escuela-cuartel, pero se mantuvieron ciertos re-


quisitos de educación bancaria, por principio ideológico, y los programas
comenzaron a ser sintonizados por las expectativas del mercado de los
clientes (en última instancia por los intereses dominantes), excepto para
la educación básica, garantizada por el Estado brasileño, bajo el pretexto
de la seguridad nacional. En este punto, el país ha intentado copiar la ten-
dencia educativa de los tigres asiáticos, que, masivamente, tensionaran los
investimentos en educación de nivel primario y secundario. Este varillaje
intervencionista entre Estado y sociedad ha proporcionado suficiente de-
sarrollo educativo en el espacio de 20 años (DOWBOR, 1996).
La perspectiva neoliberal de la educación ha incorporado de mane-
ra particular los recursos de la informática y la telemática, estimulando a
los estudiantes, ahora transformados en clientes, tratándolos de manera
individualizada y observando conocimientos personales, aparentemente
de acuerdo con sus intereses. Los materiales fueron depositados en una
canasta de desarrollo curricular, anclado en un nuevo sistema de créditos
distribuidos entre requeridos y electivos de los temas, también aparen-
temente, la misericordia de las decisiones de los estudiantes. Estos ya no
reciben órdenes y amenazas como en las “escuelas viejos cuarteles”, pero
cumplirían con la ley. Y, a su vez, las universidades federales brasileñas, a
pesar de haber garantizado el gasto estatal y actuaren con relativa autono-
mía, han mostrado cómo estaban lejos de una educación libertaria y de la
emancipación, como habían deseado los pedagogos de mediados del siglo
XX (GUILLON; MIRSHAWKA, 1994).
Los profesores influenciados por la nueva mentalidad adoptarían en
definitiva una filosofía de calidad, capacitarían a los estudiantes para es-
tudiar, llevaría a los alumnos a aprender por sí mismos para vencer en la
vida y, aún, los convencería de que este sería un buen método y la mejor
ruta. Por medio de la planificación de los cursos, exponiendo los temas
con sencillez y paciencia, los profesores debían estimular la creatividad,
manteniendo a los estudiantes atentos, estableciendo empatía con otros y
participativos en relación con los problemas de sus cursos (no necesaria-

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mente de sus vidas), además, estimulado de manera eficiente en las comu-


nicaciones verbales (GUILLON; MIRSHAWKA, 1994).
Los maestros deberían buscar un liderazgo eficaz, desarrollando una
idea de descontentamiento divino contra quienes no quisieran cambios
pedagógicos, prestando atención a las oportunidades, la intuición, la con-
vivencia con la incertidumbre, además de fomentar el compromiso de
absorber valores. El liderazgo significa comprender y compartir las resolu-
ciones comunes. La asignación de recursos en los ámbitos institucionales
podría estimular la capacitación, la investigación y la mejora de los proce-
sos educativos, además de modificar la vieja mentalidad brasileña de auto-
ritarismo y rigidez jerárquica funcional y autárquica, disolviendo el temor
generalizado entre los profesores de los centros educativos. De conformi-
dad com Guillon y Mirshawka (1994, p. 187): “A educação visa preparar
o ser humano para a Nova Era, e, desta forma, não pode ser marginalizada
no processo de mudança, a revolução do Aprender e a renovação de nossas
empresas”.
Para los seguidores de esta filosofía educativa de la gestión en el marco
de la calidad total, desarrollada desde el año 1950 en Japón y mejorada en
décadas posteriores en los Estados Unidos, sería perdido el sentido del
dualismo indicado por Paulo Freire, entre educación bancaria (destinadas
a la formación para el mercado) y educación fundamental (dedicado a la
formación integral de la persona humana, de su ciudadanía y sus valo-
res), moviendo la educación hacia una especie de escuela del futuro, que
adoptaría en definitiva los procesos científicos de la administración. Las
escuelas serían, entonces, como empresas privadas adeptas de la política
neoliberal de los procesos de gestión. Contra este punto de vista, Cardoso
(1994) considera los principios de la calidad total como incompletos (y
hasta peligrosos) para una filosofía de la educación. Los estudiantes nunca
podrían vivir como materiales típicos de la industria manufacturera, si-
mulando la vida como único medio de producción, máquinas y recursos
técnicos para la realización de empresas conjuntas. El autor sigue obser-
vando:

Uma organização de ensino superior precisa de participação. Parte


dos recursos humanos e regras e procedimentos menos rígidos do
que os de uma empresa para alcançar seus objetivos de treinamento

169
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

críticos, o que implica preocupações, desejos, comportamento e a


consciência dos alunos, a educação não pode ser reduzida a limites
estritos de previsibilidade inerente à máquina (CARDOSO, 1994,
p. 149).

La palabra máquina, tomada aquí en un sentido genérico, podría


incluir desde pequeños equipos audiovisuales y aparatos de apoyo has-
ta extensas redes de hipermedia e internet, que se supone que subsidia-
rían el aula del futuro, influyendo de manera decisiva en la ideología. Esta
tendencia, sin embargo, no debe confundirse con la gestión corporativa,
como lo afirma Cardoso (1994). Así, la búsqueda por una idealizada es-
cuela futurista, adaptada a las exigencias del mercado, se ha convertido en
el pilar fundamental de la economía mundial y el desarrollo sostenible.
En Brasil, uno de los aspectos disfuncionales de las escuelas, que abar-
can los tres grados en que se divide, es la deficiencia de comunicación
social evidente, hasta el punto de que en algunos casos una institución
escolar se comporta en su funcionamiento como completamente ajeno a
su comunidad física. En verdad, las autoridades escolares en el país siguen
siendo históricamente mucho más preocupadas por cumplir directrices
pedagógicas del Ministerio de Educación y llenar la satisfacción de diver-
sos mandamientos burocráticos, incluyendo sus funciones sociales y los
servicios pertinentes (principalmente en los momentos de inactividad y
receso escolar), que interfieren en la discusión de las condiciones de vida
de la población y sus patrones socioeconómicos. Incluso en este tema,
es interesante transcribir las oportunas observaciones de Guillon y Mir-
shawka (1994, p. 336):

Se tivermos uma escola usada por seus clientes Alunos (principal-


mente), apenas 180 dias, durante 4 horas por dia, provavelmente,
se compararmos com uma empresa em que trabalha muito mais
dias e mais horas, chegaremos à conclusão óbvia de que é um dos
principais recursos da nação, com o maior subuso, isto é, “uma
enorme ineficiência”. Assim como muitas empresas estão se des-
centralizando e o mesmo acontece com os governos que buscam a
municipalização, as escolas também devem ter, em seu programa,
a transformação da tradicional instituição de ensino em um centro
de recursos comunitários ao longo do ano, por toda a vida.

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¿Qué introduciría, obligatoria para todas las escuelas del país, en el


período de inactividad del receso de vacaciones, la apertura a la comu-
nidad de la biblioteca de la escuela, el uso de las canchas deportivas, la
transformación de algunas aulas en puestos de salud, utilización de depen-
dencias de recreo para las reuniones de la tercera edad, el funcionamiento
de los cursos sobre nociones de higiene, erradicación de enfermedades y
otras actividades extracurriculares? Esas funciones podían cubrir el déficit
de explotación de las instituciones, con lo que las escuelas de las comuni-
dades serían una fuente de equilibrio social, convirtiéndose en centros de
conocimiento para la comunidad. En ese sentido, las escuelas necesitan
mejores recursos comunitarios para rastrear el papel que deben desem-
peñar en el contexto más amplio de las sociedades en que surgen.
En el momento en que hay sistemáticamente la participación comu-
nitaria en la escuela, esta, reversamente, promueve una transformación
cualitativa y dialéctica de sí misma. Esta transformación garantizaría una
extensión gradual del período de tiempo que se pasa en la escuela. Las
transiciones de la escuela desde una posición de centro de transmisión
del saber para convertirse en el núcleo de la producción de los valores
democráticos necesitan el intercambio de experiencias con la comunidad,
estimulando la creación de ideas, valores y soluciones. En este contexto,
la eliminación de las resistencias conservadoras depende, en principio, de
una remodelación de la organización oficial de la escuela en la que el cor-
porativismo se convirtió en la tónica predominante.

2. TECNOLOGÍAS ELECTRÓNICAS Y DIGITALES EN EL


PROCESO EDUCATIVO

Onésimo Cardoso (1994) comenta las aportaciones de nuestro tiem-


po en el campo de la enseñanza/aprendizaje también direccionando los
grandes cambios ocurridos desde hace algunas décadas. El nuevo para-
digma no sólo prepara a los ciudadanos para tomar ventaja de las nue-
vas tecnologías, como también extiende a personas críticas, creativas y
comprometidas con los cambios sociales todos los derechos y deberes. El
individuo y la sociedad son vistos en su totalidad y potencialidad, lo que
contradice el concepto muy fragmentado y pragmático de la adquisición
de destrezas profesionales estancas.

171
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Ocurre también que, aunque esté firmemente inculcada en todas las


ramas de la actividad humana, la tecnología de la información no puede
ser vista como una panacea capaz de resolver todos los problemas de los
procesos educativos. Hay metodologías estancas y prácticas en desuso en
todo el mundo, que han supervivido desde la Edad Media y que deben
superarse, como nos enseñan Lévy y Authier (1993, p. 8-9):

É verdade que a escola é uma instituição que há cinco mil anos


é baseada na conversa/fala do professor, na escrita do aluno e, há
quatro séculos, com um uso moderado da impressão. Uma ver-
dadeira integração da tecnologia da informação (como o audiovi-
sual) implica, portanto, o abandono de um hábito antropológico
de mais de mil anos, e isso não pode ser feito em poucos anos. Mas
o ‘social’ das resistências tem boas razões.

Pero la preferencia indiscriminada por nuevas tecnologías educativas,


sin embargo, podrían favorecer la enseñanza de las ciencias fisicoquími-
cas, biológicas y matemáticas en detrimento de las letras y humanidades,
alejando de muchos de los estudiantes los procesos de reflexión crítica,
que, según Henrique Rattner (1984), también podría inaugurar una nue-
va y contemporánea forma de exclusión, especialmente en los países sub-
desarrollados.
Además de eso, aunque los ordenadores domésticos portátiles no
hayan sido diseñados originalmente para uso educativo, su aceptación
universal los ha convertido en el medio útil de difundir el aprendizaje. Se
ha perfeccionado en el estudiante la capacidad de autonomía y el placer
del trabajo independiente, además de la percepción de los nuevos datos
de la lógica y el contenido. Sin embargo, aunque pueda lidiar con infor-
mación precisa, además de favorecer la información visual y auditiva, los
equipos no han contribuido a la definición perfecta de la ortografía de las
palabras, lo que fácilmente podría comprobarse en el desarrollo curricular
de muchos estudiantes en los últimos años. Patrícia Greenfield (1988) nos
recuerda que, a partir de la miniaturización de los circuitos y el tamaño de
los equipos domésticos, su costo también disminuyó, permitiendo que las
escuelas pudieran comprarlos, a pesar de los limitados presupuestos para
la educación.

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No obstante, aunque consagrado como medio auxiliar en el proceso


educativo, el ordenador no puede sustituir el proceso educativo en sí mis-
mo, como señala Fernando José de Almeida (1987). En este sentido, ade-
más de asegurar la inclusión de tecnologías de vanguardia en la educación,
existe la necesidad de evitar, como dijo el mismo autor, la dependencia
cultural, por la cual “una invasión de pura tecnología que no correspon-
den a las necesidades de la Unión histórico-social conduciría a la venta
de su identificación y de su esencia” (ALMEIDA, 1987, p. 51). Alerta
Almeida (1987), todavía, sobre el peligro de que el usuario del equipo
acostumbrando a sólo las experiencias mentales en el campo (o virtual),
pueda olvidar “probar” el mundo.
La cuestión fundamental ya no es garantizar la difusión de la infor-
mación, ya que definitivamente los estudiantes ya han comenzado a ser
liberados de las fuentes tradicionales de la cultura, tales como las familias,
los maestros, los padres, etc., en una primera etapa; pasando a través de la
radio, la televisión y el vídeo en una segunda y, ahora, a materializarse en
las redes multimedia, programas de aprendizaje y videotextos. La verda-
dera pregunta, entonces, sería: ¿Quién controla los medios?, porque, en
realidad, la información es poder, y siempre existe el peligro de control
totalitario (Estado) de los medios de comunicación y la información. Otro
grave problema se refiere a la brecha tecnológica entre las naciones ricas
y las pobres, cuyo abismo se definirá no más por su grado de riqueza,
sino por la abundancia de información almacenada para sus poblaciones.
Como nos advierte Giddens (2000, p. 22):

A comunicação eletrônica instantânea não é apenas um meio pelo


qual notícias ou informações são transmitidas mais rapidamente.
Sua existência altera a própria estrutura de nossas vidas, sejam ricos
ou pobres. Quando a imagem de Nelson Mandela pode ser mais
familiar para nós do que o rosto de nosso vizinho, algo mudou na
natureza da experiência diária.

La búsqueda de la mejora continua en la educación, especialmente


en un ambiente de crisis, es sin duda un requisito importante de nuestra
época posmoderna. Esta observación demuestra la revisión de los valores
hacia la planificación de los cambios y en la búsqueda de transformaciones

173
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

definitivas en el entorno escolar, sobre todo por el uso de las llamadas


tecnologías disruptivas. El ambiente de la escuela sería, entonces, una caja
de resonancia de los cambios sociales necesarios, como declara Nelson
Piletti (1995). O sea, es necesario articular las tareas de la interlocución
y la interacción entre las diversas propuestas para la educación de los es-
tablecimientos educativos, tendiendo únicamente para el mercado y la
profesionalización, la investigación teórico-crítico, o incluso para la in-
corporación de los dos. La escuela debería integrar la comunicación y la
racionalización de la labor pedagógica.
Los cambios revolucionarios, producidos por el equipo de informá-
tica y telemática, alentaron a la hora de descubrir nuevas maneras para
mejorar el aprendizaje, incluso porque el mercado capitalista y sus em-
presas exigieron nuevas habilidades de estudiantes, no cubiertos por los
establecimientos educativos tradicionales. Sin embargo, en países como
Brasil, la introducción de las tecnologías disruptivas no puede compensar
el capital invertido, por razón de las enormes debilidades estructurales de
las redes de educación, incluyendo en ella la innovadora preparación de
los recursos humanos. Así, hay una realidad ineludible representada por
la creación y el uso de equipos y software educativo, pues, según declara
Reinhardt (1994, p. 34-35),

[...] esta geração de tecnologia promete mais do que apenas uma


mera melhoria na produtividade educacional: ela pode fornecer
uma mudança qualitativa na própria natureza da aprendizagem. As
empresas exigem que as escolas treinem alunos com um conjunto
de habilidades diferentes das da pedagogia de meados do século
XX. E os próprios empregadores estão usando novas tecnologias
para treinar trabalhadores. As mudanças refletem o que toda a
indústria de TI vai passar, por exemplo, afastando-se de sistemas
centralizados para um modelo distribuído na rede. Também ecoa
uma nova maneira de pensar sobre a teoria da educação: em vez
de um fluxo unidirecional de informações, caracterizado por uma
transmissão televisiva ou por um professor, dirigindo-se a um gru-
po de alunos passivos – as novas técnicas de educação, como a in-
ternet, a colaboração bidirecional e interdisciplinar.

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De hecho, las tecnologías disponibles para el final del siglo XX tu-


vieron muchos problemas de instalación en las escuelas, porque lanzaron
nuevos métodos pedagógicos, y se resaltaron prácticas que han queda-
do obsoletas. De este modo, las nuevas tecnologías han exigido prácticas
modernas de enseñanza, redefiniendo drásticamente la antigua relación
maestro-estudiante, con los maestros dejando de estar situados como
agentes que actuarían como guías turísticos en un ‘infoespacio’. Hubo un
cambio radical en los paradigmas del aprendizaje, y el hombre contem-
poráneo empezó a recibir la mitad de todo su conocimiento a través de
imágenes, a través de los auriculares. Pero, aunque en ese nuevo escenario
sólo el 10% de los estudiantes exploren la lectura de libros y materiales
impresos, el 90% de la educación formal en las escuelas de todo el mundo
permanecen ancladas en los libros de texto y los textos impresos. Esta dis-
crepancia entre la escuela tradicional y el nuevo paradigma informativo, el
suizo Christian Doelker (1982) llama de fundamentalismo de la escritura,
la resistencia de la educación a la cultura digital.
Los profesores han formado una red de protección, a menudo tan
potente, como los ordenadores interconectados, encaminada a fijar una
plataforma de poder dentro de un sector, que necesita urgentemente ser
reformado. Está claro que no debemos llegar a la exageración de postular
la sustitución de profesores por software adecuado, como si la tarea de
educar se limitase únicamente a la refundición no tecnológico y huma-
nista. Sin embargo, la combinación de ordenadores interactivos, satélites,
videos y juegos electrónicos no pueden ser descartadas como herramienta
educativa y de los profesores, de estudiosos y de dueños del conocimiento,
pero representan los facilitadores de la transformación educativa. Como
dijo el educador norteamericano Willard Daggett (1996, p. 9), “el mundo
en que vivirán nuestros hijos está cambiando cuatro veces más rápido que
nuestras escuelas”.
No hay otra alternativa que no sea adaptarse a los logros económicos
y tecnológicos presentes en los procesos de globalización y de la compe-
titividad internacional, que se han convertido en los principales desafíos
del mundo contemporáneo, como también lo afirman Guillon y Mir-
shawka (1994). Por supuesto, la introducción de los medios electrónicos y
las obras audiovisuales en la escuela tiene una revolución sin precedentes
en el proceso de enseñanza-aprendizaje. La vieja escuela, con construc-

175
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ción de aulas fijas, estancas, billeteras en cola, alacenas, pizarras, tizas y un


maestro autoritario mostrando el vasto conocimiento para estudiantes se
sustituye por una nueva estructura, que incluye equipos para la recolec-
ción y difusión de información, además de transformar a los profesores en
facilitadores de la enseñanza.
El primer impacto violento de la vieja escuela y los materiales de en-
señanza se deriva del hecho de que las instituciones de educación superior
siguen expresando, en Brasil, una conformidad estricta con la ‘civilización
de la escritura impresa’, tal como se ofrece desde Gutenberg, en el siglo
XVI. Sin embargo, el proceso de aprendizaje ha sufrido mutación radical,
sin ningún control de esta situación por los viejos preceptos y prejuicios
que vienen de la antigua pedagogía. El fundamentalismo de la escritura,
denunciado por Doelker (1982), afirma que pasamos a un insaciable con-
sumo de información.

CONSIDERACIONES FINALES

En el comienzo de este trabajo se propuso como objetivo general ana-


lizar lo que es realmente necesario para que la inserción de las tecnologías
en las escuelas pueda ofrecer soportes reales para que los estudiantes sean
más críticos y engajados en la sociedad. También propusimos apuntar la
relación del capitalismo con el surgimiento de una nueva perspectiva de
educación; y averiguar como las tecnologías son usadas en la educación y
cuáles son las necesidades en ese sentido. Se puede considerar que estos
objetivos fueron cumplidos, ya que pudimos aclarar que en la etapa actual
de nuevos debates de la educación, podemos distinguir que, por un lado,
que la enseñanza básica pública tiene poca calidad y la universidad pública
es superior a la privada, lo que tuvo relación con los avanzos del capita-
lismo y del neoliberalismo en Latinoamérica y en Brasil, especialmente a
finales del siglo pasado; y, por otro lado, que el gran peligro del proceso
de globalización de la economía y la política mundial sería la ideología del
pensamiento único, según las necesidades del capitalismo internacional,
que son bien conocidas Al mismo tiempo, aunque la tecnología de la in-
formación sea vista como capaz de resolver los problemas de los procesos
educativos, existe el temor de que la evolución de las metodologías peda-
gógicas pueda conducir a la peligrosa posibilidad de desmoralización de la

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propia escuela como el locus educativo y convierte la figura del maestro


en la de un moderador.
En este sentido, parece haberse establecido un consenso que de nada
vale la pena adquirir sofisticadas máquinas para informar y educar a la
población, sin que se pueda ampliar en conocimiento de los profesores y,
además, que se pueda cambiar la mentalidad involucrada en la utilización
de los equipos, de internet y de todo lo que la tecnología puede ofrecer. El
reentrenamiento del cuerpo docente asume que, originalmente, los pro-
fesores fueron preparados de conformidad con la cultura libresca del pa-
sado y necesitan aprender acceder mejor a las modalidades de aprendizaje
auditivo, visual y cinestésica, puesto que se estimula el aprendizaje de los
hemisferios derecho e izquierdo del cerebro. Una nueva comprensión de
la escuela, como elemento intercultural, debe también tener la inserción
en la Comunidad, y la creación de un ambiente de motivación. Esta nueva
fase debe contener programas de formación, investigación de las necesida-
des de la comunidad y planificación de nuevos programas didácticos. La
evaluación constante de las necesidades de los estudiantes puede requerir
la adopción de herramientas de gestión que faciliten el control de la eje-
cución de los proyectos, revelando que nuevos liderazgos y una estrecha
comunicación entre los maestros y los administradores escolares deben ser
estimuladas para que la escuela sea una entidad única, donde las soluciones
se encuentren juntas, sin el abuso jerárquico registrado en el pasado.
Sin embargo, no existe un consenso acerca de la aplicabilidad uni-
versal de los materiales didácticos electrónicos y de hipermedia, por el
hecho de que la velocidad de su obsolescencia supera las expectativas más
optimistas, choca con la realidad de los libros de texto duradero, aunque
puedan ser transferidos a otras generaciones de estudiantes y permitan una
sólida formación de la ciudadanía, conciencia crítica y valores esenciales
para cualquier proyecto de enseñanza-aprendizaje digno de ese nombre.
Recordamos nuestro cuestionamiento inicial: ¿En qué medida la in-
serción de las nuevas tecnologías en la educación puede ser, verdaderamen-
te, una evolución? De hecho, se puede concluir que, en la introducción de
nuevas tecnologías en las escuelas públicas, no basta llevar computadoras
para los alumnos, porque debe haber un esfuerzo correlativo de perfec-
cionamiento para maestros. La tecnología también no necesariamente au-
menta el rendimiento de los estudiantes, pero la capacidad que el profesor

177
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

tiene para mantener la atención de ellos. Tampoco significa aumento de


la calidad de la enseñanza y no se puede creer ciegamente en la interacti-
vidad y la multimedia. Los programas a veces cometen errores, que son
descubiertos por los estudiantes, a diferencia de error en los libros, que
los maestros manipulan antes de entrar en el aula. Por otro lado, algunos
maestros tienden a estructurar los cursos de acuerdo con los programas
educativos que tienen acceso, exponiendo exageradamente estudiantes a
estímulos audiovisuales. Esta postura contradice a veces el precepto de di-
dáctica de lo simple al complejo, y muchos de los softwares ofrecidos son
transcripciones caras desde libros baratos. El acceso a las redes con miles
de usuarios también puede saturar a los estudiantes y profesores, además
de la tendencia a la demasiada confianza en simulaciones, haciéndose caso
omiso de los hechos reales.

REFERENCIAS

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la. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1987.

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In: Revista do COGEIME, v. 3, n. 3. Atibaia: Cooperação Inte-
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REINHARDT, A. Novas Formas de Aprender. In: Revista Byte Bra-


sil, v. 4, n. 3. São Paulo, 1994.

179
TELEMEDICINA E PROTEÇÃO DE
DADOS SENSÍVEIS: DESAFIOS E
EXPECTATIVAS DA EDUCAÇÃO EM
SAÚDE NO BRASIL
Luiz Claudio Gonçalves Junior19

INTRODUÇÃO

Coube ao Conselho Federal de Medicina (CFM) a definição sobre


telemedicina no Brasil. Levou-se em consideração o funcionamento do
sistema de saúde vigente no país, bem como, a sua difusão em âmbito
internacional com a inevitável observância do direito à saúde no direito
comparado e o atendimento das reais necessidades vigentes em nosso ter-
ritório, como nos casos de calamidade pública. A telemedicina envolve a
junção entre a medicina e a tecnologia, o que nos permite, por exemplo,
falar em acesso à saúde por meio da teleconsulta e da telecirurgia. Toda-
via, há que se pensar no processo pedagógico desse “rito de passagem”
para a educação médica digital, uma vez que esse dinamismo tecnológico
exige contextos de aprendizagens diferentes dos modelos clássicos, o que
releva a educação em saúde. Não bastasse a importância da telemedicina,
entrou em vigência no Brasil, em 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados

19 Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP; Mestre em


Biodireito, Ética e Cidadania pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL;
Professor e pesquisador do Centro Universitário de Volta Redonda / Fundação Oswaldo Ara-
nha – UniFOA/FOA.

180
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(LGPD), a qual requer muita atenção com os dados dos usuários do siste-
ma nacional de saúde e dos profissionais dessa área, os quais prestarão um
serviço aos seus pacientes-usurários.
Na primeira seção, optou-se por definir a telemedicina a partir do
enaltecimento da prática médica e do serviço prestado pelo Brasil aos
usuários do Sistema Único de Saúde, sendo identificado preocupação
com os dados transmitidos por meio dos recursos tecnológicos disponí-
veis. Em seguida, abordou-se a Lei Geral de Proteção de Dados na União
Europeia, dando-se especial ênfase para os dados sensíveis dos usuários do
sistema de saúde vigente, considerando a importância do seu tratamento e
as exceções que existem quando envolvem o interesse público. Em conti-
nuidade, a terceira parte trouxe a importância da ética médica na proteção
dos dados pessoais e sensíveis dentro do território nacional, mostrando
alternativas de fiscalização com base em legislação vigente no país. Na
quarta e última seção, tratou-se dos desafios e expectativas que envolvem
a educação em saúde a partir da Lei Geral de Proteção de Dados, advertin-
do sobre a imperiosidade da mudança comportamental que se exige dian-
te dos novos desafios que envolvem a telemedicina e a telessaúde em geral.
Como metodologia científica, partiu-se de uma revisão sistematizada
da literatura física e digital que envolve a telemedicina, pormenorizando
a proteção que a legislação impõe a todos àqueles que fazem uso dos da-
dos pessoais de seus usuários, seja pessoa física ou jurídica. Justifica-se a
presente pesquisa por se tratar de uma nova realidade experimentada pela
sociedade tecnológica.

1. A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA SOBRE A TELEMEDICINA


NO BRASIL

É notório o avanço da medicina no Brasil. Graças aos avanços tec-


nológicos, a população brasileira experimenta novas expectativas de vida,
ainda que em muitos aspectos sejam urgentes as providências por melho-
ras. Isso também impulsionou a qualidade dos serviços médicos.
A telemedicina precede alguns conceitos e competências vincula-
dos ao complexo âmbito estrutural da saúde. No Brasil, as práticas e as
políticas de saúde inspiram-se no assistencialismo, pois a promoção da
saúde vai além do “curar a doença”, expraiando-se por políticas públicas

181
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

de vigilância e cidades saudáveis, em perfeita consonância com a Orga-


nização Mundial da Saúde (OMS) (GERMINARE; OLIVEIRA, 2021,
p. 24-25).

Ao sopesar a saúde sob o olhar constitucional, imprescindível que


se traga a disposição do artigo 196 da Constituição Federal de
1988, o qual considera a saúde como um direito de todos e dever
do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas, vi-
sando a redução do risco de doenças, promovida por meio do aces-
so universal e igualitário. Assim, corrobora-se a saúde por meio
de práticas inclinadas a reduzir o risco de doenças, incluindo-se,
desta forma, ações de prevenção voltadas à promoção, proteção e
recuperação da saúde (GERMINARE; OLIVEIRA, 2021, p. 26).

O texto constitucional traz de maneira expressa o acesso universal e


igualitário, o que nos permite deduzir que o serviço prestado em saúde não
pode conter discriminações de qualquer ordem, assim como, atem-se a
todo tipo de cuidado com o paciente, o que inclui a proteção dos seus dados
pessoais, independentemente do tipo de intervenção médica que se realiza.
Conforme ensinamentos de Germinare e Oliveira (2021), coube ao
Conselho Federal de Medicina normatizar os limites da extensão da atua-
ção médica, incluindo a teleconsulta e a telecirurgia. O termo nasceu em
1998, com a Resolução nº 1.529/98, do CFM, o qual trata da atividade
médica de urgência, ocasião em que o profissional médico julgava a gra-
vidade da situação de maneira remota a informação que lhe é transmiti-
da por rádio ou telefone ou para dispensar o encaminhamento de equipe
técnica. Ainda que não seja necessário o deslocamento de equipe, a co-
municação deve ser gravada e o profissional da saúde deve preencher as
fichas médicas do atendimento. Presente está a telemedicina por meio da
teleorientação.
Explicam Germinare e Oliveira (2021) que a aprovação da Resolu-
ção CREMESP nº 97, em 20/02/001, disciplinou a idealização, criação,
manutenção e atuação profissional em domínios, sites, páginas ou portais
sobre medicina e saúde na internet, mas até então não abrangia a consulta
médica, o diagnóstico clínico, a prescrição de medicamentos, dentre ou-
tros. Apesar disso, reconheceu-se a importância da internet, como ferra-

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menta de utilidade, veiculando e orientando as informações sobre saúde,


de caráter educativo, incluindo a prevenção de doenças. A divulgação de
imagens cumpriu os limites de ordem ética e passou a ser admitida, ex-
cepcionalmente, quando voltada à atualização e à reciclagem profissional
tal como ocorre nas videoconferências, educação e monitoramento, com
restrição de acesso ao público leigo.
Por meio da Resolução nº 1.643/2002, o CFM publicou o marco re-
gulatório da telemedicina, construindo o alicerce dessa prática e a sua di-
fusão no território nacional. Inicialmente, os objetivos eram as atividades
de assistência, educação e pesquisa em saúde, procurando suprir as neces-
sidades tecnológicas com a proteção de dados. Em 2009, foi editada a Re-
solução CFM nº 1890, que regulamentou o exercício da telerradiologia
para a transmissão de imagens radiológicas com o propósito de consulta e
relatório, admitindo-se o diagnóstico a distância, em casos excepcionais
(GERMINARE; OLIVEIRA, 2021, p.45-46).
Em 13 de dezembro de 2018, a Resolução CFM nº 2.227/2018,
ampliou o exercício da telemedicina para fins de assistência, educação,
pesquisa, prevenção de doenças, lesões e promoção da saúde. Atividades
telemáticas em saúde foram promovidas, como a teleconsulta, a teleinter-
consulta, o telediagnóstico, a telecirurgia, a teleconferência, o telemoni-
toramento, a teletriagem, a televigilância, a teleconsultoria e a teleorienta-
ção (GERMINARE; OLIVEIRA, 2021, p.47-48).
E com a propagação do vírus SARS-Covid-2, causador da doença
infecciosa Covid-19, a qual se alastrou pelo Brasil, em 2020, novas discus-
sões e regulamentações que estavam adormecidas em torno da telemedi-
cina foram mobilizadas e articuladas entre os três poderes. A telemedicina
no Brasil é praticada desde 2002, dentro de limites devidamente regula-
mentados, todavia, a pandemia causada pela Covid-19, tornou urgente
regulamentar o setor, o que ocorreu com a Lei nº 13.989, de 15 de abril de
2020, a qual trouxe o seguinte conceito, no seu artigo 3º: “...o exercício
da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa,
prevenção de doenças e lesões e promoção da saúde” (DALLARI, 2021,
p.313). Outro autor destaca:

Em termos gerais, telemedicina abrange a oferta de cuidados em


saúde e a troca de informações sobre serviços de saúde à distância.

183
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Outros termos sinônimos de telemedicina são telessaúde, e-saúde


e saúde on-line. A telemedicina pode ser utilizada para descrever o
processo em que a informação é partilhada entre lugares distantes
com fins de diagnose e decisões relativas ao gerenciamento clínico
dos pacientes. Ela pode ser útil também para a educação de pacien-
tes e profissionais da saúde (SILVA, 2014, p. 13-14).

A telemedicina, Germinare e Oliveira (2021), é um método de pres-


tação de serviços médicos por meio de tecnologias conectadas, as quais
estão inseridas nas ideias de desenvolvimento que integram o progresso
incessante da sociedade. A justificativa para isso é a ideia de bem estar,
pautada na ordem e no progresso. É um conceito indefinido porque a
telemedicina encontra-se em diferentes estágios de desenvolvimento, em
nível mundial e brasileiro.
Nota-se, portanto, que a telemedicina tem condições de melhorar di-
versos problemas de ordem territorial e geográfica, prestando um serviço
que promova o direito social à saúde a partir de uma educação médica que
valorize as necessidades humanas, inserindo uma nova proposta de acesso
à saúde por meio dos recursos tecnológicos. É um “rito de passagem” em
que a relação médico-paciente passa a ser digital, o que demanda uma
formação educacional diferenciada por parte dos profissionais que atuam
e manipulam dados pessoais na área da saúde.

2. A TELEMEDICINA E A PROTEÇÃO DE DADOS


SENSÍVEIS NA UNIÃO EUROPEIA .

A União Europeia também possui a sua Lei Geral de Proteção de


Dados, cuja sigla é RGPD. Trata-se de uma legislação nova, todavia, fruto
de outras legislações tradicionais entre os países europeus.
Descrevem Barbosa e Lopes (2021) que, na década de 1980, surgiu a
“Convenção 108”, documento legal e de relevância global, voltado para
a proteção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de da-
dos de caráter pessoal. Em 2001, foi adotado o Protocolo Adicional (ETS
nº 18) à Convenção 108, introduzindo alterações sobre fluxos de dados
internacionais para países terceiros e autoridades nacionais de supervisão
da proteção de dados. Em 2018, foi adotado um Protocolo de Alteração

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(CETS nº 223), o qual modernizou o processo e ficou conhecido como


“Convenção 108+”. A RGPD foi adotada como parte de um Pacote de
Reforma da Proteção de Dados da U.E., que, abrange a Diretiva (UE)
2016/680, relativa à proteção das pessoas e de seus dados pessoais pelas
autoridades policiais e judiciárias à livre circulação desses dados. Neste
sentido, cabe considerar:

[...] O RGPD entrou em vigor em 2016 e iniciou a sua aplicação


a 25 de maio de 2018 diretamente a todos os Estados-Membros da
UE (não há necessidade de transposições nacionais), pelo que cria
regras de proteção de dados consistentes em toda a UE (apesar das
várias cláusulas abertas). Contudo, os Estados-Membros tiveram
de atualizar as suas leis nacionais de proteção de dados consideran-
do que o RGPD possui, como já referimos, várias “cláusulas aber-
tas” que necessitam de ser regulamentadas pelos Estados-Mem-
bros. São, pois, essas leis internas que asseguram a plena execução
do RGPD nos ordenamentos jurídicos internos (BARBOSA;
LOPES, 2021, p. 37).

A citação mostra que os países-membros da UE possuem uma legis-


lação interna que se coaduna com o RGPD. Deduz-se que há um rigor
maior em relação ao tratamento dos dados sensíveis, os quais integram os
da saúde, ainda que existam “cláusulas abertas”, o que também demonstra
que não são dados de proteção absoluta.
Os dados pessoais relativos à saúde são dados pessoalíssimos ou sensí-
veis, conforme exposição de Barbosa e Lopes (2021), as quais informam
que o RGPD aplica-se ao tratamento de dados pessoais, ou seja, à infor-
mação sobre uma pessoa identificada ou identificável, em especial por re-
ferência a um identificador, por meios total ou parcialmente automatiza-
dos de dados contidos em ficheiros. Esse identificador pode revelar dados
de localização da pessoa, identidade física, fisiológica, genética, mental,
econômica, cultural ou social de uma pessoa. E completa:

À semelhança do que acontecia com a Diretiva de 95, o Regula-


mento proíbe o tratamento de dados pessoais que revelem a origem
racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou
filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados

185
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma


inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual
ou orientação sexual de uma pessoa (artigo 9º do RGPD). São es-
ses os designados dados sensíveis (BARBOSA; LOPES, 2021, p.
37).

Constata-se que pela legislação europeia, os dados pessoais relativos à


saúde são aqueles relacionados ao estado de saúde de um indivíduo, titular
de dados que revelam informações sobre sua saúde mental ou física, as
quais constituem dados sensíveis. Mas será que estão totalmente impedi-
dos de tratamento?
Esclarecem as pesquisadoras (BARBOSA; LOPES, 2021) que o tra-
tamento de dados pessoais em saúde, incluindo os genéticos, serão per-
mitidos com autorização legal ou mesmo quando o titular do dado pes-
soal tenha dado o seu consentimento explícito para o tratamento desses
dados pessoas para uma ou mais finalidades específicas, como nos casos
de investigação clínica/científica. Encerram dizendo que a RGPD e o
compartilhamento de dados sensíveis tem como regra-base a proibição
de compartilhamento, tanto em relação a terceiros quanto para outras fi-
nalidades diferente com a que foi autorizado o seu recolhimento. É o que
diz o artigo 35 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 8º da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujos documentos
reconhecem o direito de autodeterminação informacional do titular dos
dados, incluindo os dados sensíveis. A exceção só se revela necessária por
motivos de interesse público no domínio da saúde pública. Ainda assim,
de maneira bastante restrita, como no caso de combate a pandemias e
outros preocupações de saúde pública. Outras finalidades não autorizadas
estão proibidas, como dados fornecidos a companhias de seguros e enti-
dades bancárias, conforme preceitua o art. 54 do RGDP (BARBOSA;
LOPES, 2021).

3. ÉTICA MÉDICA E PROTEÇÃO DE DADOS SENSÍVEIS


NA TELEMEDICINA BRASILEIRA .

É desafiador tratar da proteção de dados na telemedicina brasileira,


pois trata-se de um país multifacetado culturalmente, bem como, com

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

enormes problemas sociais de desigualdade e acesso à saúde pública de


qualidade, prejudicando a proteção de dados e a manutenção da ética mé-
dica diante do uso de recursos tecnológicos.
As preocupações sobre os serviços médicos no Brasil transitam em
três eixos: o crescimento populacional desequilibrado, a utilização cada
vez maior de recursos tecnológicos disponíveis e a transposição de relações
humanas físicas ao contexto virtual e a oferta público-privada de serviços
médicos frente aos problemas médicos identificados, como a demanda por
cuidados com a saúde, o surgimento de novas doenças e os entraves nor-
mativos para que o sistema de saúde tenha o mínimo de funcionalidade
(GERMINARE; OLIVEIRA, 2021, p. 18).
Sem desconsiderar os demais problemas sobre os serviços médicos, a
proposta científica deste trabalho continua a ser a proteção de dados para
o correto desenvolvimento da telemedicina.
Sobre esse assunto, diz Dallari (2021) que o elevado tráfego e com-
partilhamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis, realizado em
ambiente interconectado e totalmente digital, aumenta o risco de ocorrer
tratamento irregular com os dados. O Direito e a Ética ainda não en-
contraram um caminho seguro em relação à privacidade, à segurança da
informação, ao sigilo profissional e a responsabilidade do médico quanto
ao armazenamento e ao compartilhamento seguro e regular dos dados
pessoais sensíveis em saúde, ainda que reconhecendo que situações aci-
dentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão
podem causar prejuízos ao paciente e titular de dados por conta de con-
teúdos discriminatórios e preconceituosos. A LGPD, no Brasil, em vigor
desde 15 de agosto de 2020, permite a aplicação de sanções administra-
tivas pela Autoridade Nacional de Dados Pessoais (ANPD), oferecendo
especial proteção aos dados pessoais sensíveis, incluindo os de saúde, com
hipóteses de tratamento mais rigoroso, todavia, ainda existem lacunas,
como os casos previstos no art.11§3º da LGPD, o qual disciplina o uso
compartilhado de dados sensíveis entre controladores com o objetivo de
obter vantagem econômica.

A área da saúde é completamente diferente de qualquer outro seg-


mento econômico. E isso é importante de ser entendido por todos
os atores do setor, para que possam ser capazes de esclarecer a to-

187
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

das as entidades que farão algum tipo de fiscalização, auditoria ou


julgamento, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANPD), a Justiça, ou os organismos de defesa do consumidor,
indicados pela Lei como uma opção às pessoas exercerem os seus
direitos (KIATAKE, 2021, p. 329).

O primeiro ponto a considerar é que a saúde é lida com informa-


ções pessoais e ainda mais sensíveis, destacadas pela Lei como informações
mais críticas e que precisam de permissões e tratamentos especiais, sendo
que não é possível praticar a assistência sem o envolvimento de dados sen-
síveis. Outro ponto diferente é que a questão da transação, seja financeira,
seja compra pela internet. Na saúde, o atendimento assistencial pode ter
impacto em toda a sua vida e mesmo após a sua morte, e não apenas no
momento da transação. O destino do dado na saúde não fica restrito a
uma instituição ou entre duas partes, mas, um laudo por exemplo, pode
ter como destinatário um médico, os profissionais da saúde que o solici-
taram, podendo ir ao hospital, ao plano de saúde e até a determinado fa-
bricante de um material especial. O terceiro ponto que diferencia a saúde
no Brasil está no seu modelo universal, atendendo todas as pessoas em
solo brasileiro, incluindo os estrangeiros. O serviço de saúde será prestado
à pessoa, ainda que esteja inconsciente, sem documentação ou sem qual-
quer identificação. Não há nenhum segmento econômico de abrangência
nacional que presta serviços a uma pessoa sem uma identificação, exceto a
saúde (KIATAKE, 2021, p.329-330).
Acrescenta Dallari (2021) que a regulamentação da telemedicina no
Brasil estava defasada, pois a Resolução CFM nº 1.643/2002, do Con-
selho Federal de Medicina (CFM), proibia a integralidade do exercício
da telemedicina, permitindo apenas a realização de videoconferência du-
rante procedimento, conforme esse diploma normativo. A teleconsulta
era permitida desde que na presença de médicos nas duas pontas. Com
o início da pandemia, o CFM editou o ofício nº 1.756/2020-Cojur, re-
conhecendo a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina no
combate ao contágio da Covid-19, expandindo a aplicação da Resolução
1.643/2002, regulando a teleorientação, o telemonitoramento e a telein-
terconsulta, ainda que em caráter excepcional e temporário. Espera-se que
se crie uma norma ética, técnica e segura para a prática da telemedicina

188
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

no Brasil, com relevância para a relação médico-paciente com a provável


definição de que a primeira consulta seja presencial. E destaca:

Certo é que a pandemia – e o cenário jurídico atualizado por ela


– mostrou que a telemedicina praticada integralmente, abrangen-
do o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta,
monitoramento, diagnóstico e prescrição, por meio de tecnologia
da informação e comunicação, é um caminho sem volta, em sin-
tonia com os avanços das tecnologias digitais e eletrônicas, hoje
tão dinâmicas e presentes no cotidiano das pessoas. Por outro lado,
o elevado e necessário tráfego de dados pessoas e dados pessoais
sensíveis em ambiente totalmente virtual pode deixar os serviços
de telemedicina suscetíveis a tratamento irregular de dados pes-
soas, em violação da LGPD, além de vulnerável a sofrer inciden-
tes de segurança como ataques cibernéticos e sequestro de dados
(DALLARI, 2021, p. 317).

Conforme preceitua o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Fe-


deral, assegura-se como direito fundamental o livre exercício de qual-
quer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer. O médico tem o dever de informar
ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo
em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a con-
sulta, mas também preconiza que a prestação desse serviço seguirá os
padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial. Ainda
assim, a Lei nº 13.989/2020, é uma lei temporária e enxuta, não abor-
dando questões relevantes como: responsabilidade do médico; possi-
bilidade para compartilhamento de dados, privacidade e segurança da
informação; necessidade, ou não, de manter inscrição secundária no
estado em que se situar o paciente atendido por meio de ferramenta
tecnológica; determinação do local da prestação do serviço para fins
tributários, entre outros (DALLARI, 2021, p.318).
Em respeito ao artigo 5º, XII, da LGPD, base legal primordial para
tratamento de dados pessoais sensíveis de saúde, a manifestação do con-
sentimento do titular de dados deve-se dar pela aceitação do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A LGPD não exige que o

189
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

instrumento seja por escrito, mas prevê que o controlador tenha o ônus
de provar que o consentimento foi obtido em conformidade com a LGPD
para que não haja vício do consentimento e, consequentemente, a nuli-
dade do ato praticado. Além disso, a prestação de serviço de telemedicina
faz incidir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do
Código de Ética Médica, sobre eventuais dados causados aos pacientes
(DALLARI, 2021, p. 318-319). E encerra:

Já é realidade que empresas de tecnologia e prestadoras de serviços


médicos desenvolvem softwares e plataformas digitais com solu-
ções voltadas a teletriagem, teleorientação, telelaudos, teleconsul-
tas com teleprescrição e emissão de segunda opinião médica por
meio de plataformas e aplicativos que podem também utilizar in-
teligência artificial. Elas são obrigadas a respeitar a legislação que
versa sobre privacidade e segurança da informação, como a LGPD,
o Código de Ética Médica e outras resoluções pertinentes do CFM
(DALLARI, 2021, p. 319).

Como bem asseveram Gutierrez, Magalhães e Bonafé (2021), o im-


pacto da LGPD nas startups demanda cuidados. A LGPD traz um rol taxa-
tivo de dados pessoais que são considerados sensíveis, tendo em vista que
podem ser tratados com discriminação e causar prejuízo aos seus titulares.
Os dados pessoais sensíveis devem ser utilizados com mais restrição que
os dados pessoais. As startups realizam o mapeamento desses dados e pos-
suem a responsabilidade em demonstrar que o fazem amparados em uma
das bases legais previstas na LGPD.
Portanto, a telemedicina pode ser exercida dentro dos padrões nor-
mativos e éticos existentes, respeitando-se a privacidade dos pacientes e a
relação médico-paciente no tratamento dos dados em saúde, incluindo os
sensíveis, os quais devem ter um tratamento mais rigoroso com sua restri-
ção no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do paciente. Desta
forma, haverá maior controle sobre os dados sensíveis e o acesso não auto-
rizado aos mesmos. O avanço tecnológico e a inteligência artificial geram
riscos, mas também são uma ferramenta de salvaguarda ética e normativa
desses dados.

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4. DESAFIOS E EXPECTATIVAS DA EDUCAÇÃO EM


SAÚDE

A telemedicina, desde os seus primeiros conceitos, demonstra preo-


cupação com as tecnologias de informação e comunicação para fins edu-
cacionais, uma vez que ela é indissociável dos profissionais da educação
e também dos discentes espalhados nos mais diferentes cursos na área da
saúde. Isso decorre não só em relação a chamada “tele-educação”, mas
também em relação aos processos de gestão e pesquisa científica em saúde.
Os desafios para a educação em saúde abrange tanto a telemedicina em
tempo real ou a assíncrona.
Atualmente, os serviços telemáticos englobam quatro grandes áreas,
sendo a tele-educação, a telemedicina, os recursos de investigação e pes-
quisa e a gestão dos serviços de saúde. Em virtude de suas diferentes de-
finições, têm-se a telemedicina como uma ciência aberta e em constante
evolução, sendo adaptada conforme os avanços no tempo e as adaptações
corporificadas em saúde na sociedade. Existem aqueles que apontam dife-
renças entre a telemedicina e a telessaúde, sendo aquela restrita aos profis-
sionais médicos e a prestação de seus respectivos serviços; por outro lado,
a telessaúde envolve os serviços médicos prestados pelos demais profissio-
nais da saúde, como farmacêuticos, enfermeiros e outros (GERMINA-
RE; OLIVEIRA, 2021, p. 65-66).
Pensar em educação em saúde num país de grandes contrastes so-
cioculturais e econômicos é uma tarefa complexa, pois os problemas se
apresentam de diversas formas e com grau de incidência diferenciado.
Mesmo diante do avanço tecnológico e do atual estágio da telemedici-
na, é possível vislumbrar alguns problemas desafiadores, inclusive os de
ordem conceitual.
A pesquisadora Angélica Baptista Silva (2014, p. 16), destaca que te-
lemedicina é vista como o uso de tecnologia de telecomunicações para
diagnóstico médico, monitoramento e propósitos terapêuticos, quando há
grande distância entre os participantes. Por sua vez, a telessaúde é consi-
derada um termo mais abrangente, que significa cuidados em saúde en-
volvendo também a comunicação entre pacientes e entre provedores de
serviços de saúde, ou seja, o conceito de telemedicina mais delimitado

191
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

– são programas envolvendo tecnologia em contato assíncrono, estímulo


e serviços clínicos interativos.
Os serviços médicos prestados apresentam falhas de ordem técnica,
tecnológica e ética, o que não raras vezes culmina com resultados cirúrgi-
cos indesejados, diagnósticos equivocados e direitos fundamentais viola-
dos. O Conselho Federal de Medicina não possui a estrutura organizacio-
nal necessária para gerenciar os limites éticos-profissionais impostos para
o desenvolvimento da atividade médica (GERMINARE; OLIVEIRA,
2021, p. 20). Ressalte-se, todavia, que independentemente de conceitos
mais restritivos ou longos, bem como, os problemas envolvendo o aces-
so do uso de tecnologias na saúde, há que se considerar a importância
da educação no combate aos crimes digitais envolvendo dados pessoais e
sensíveis, a sustentabilidade da gestão em saúde, o atendimento universal,
dentre outros aspectos.
Conforme ensinamentos de Leite, Prado e Peres (2010), a sociedade
atual destaca o conhecimento como um dos principais valores de seus cida-
dãos, o qual está relacionado à capacidade de inovação e empreendimento
que possuem, porém, esse conhecimento tem data de validade, obrigando
cidadãos e profissionais a atualizarem-se em suas competências. Isso tem
causado perplexidade nas áreas da educação e da educação em saúde, pois
o educador/profissional de saúde não é mais o centro do processo edu-
cacional. Agora, o papel do educador e das organizações formadores de
saúde é focar no indivíduo/usuário, numa aprendizagem interativa com
outros indivíduos em que estão características como aprendizagem indivi-
dualizada e coletiva, flexiva e de autodesenvolvimento.
Numa concepção pedagógica cognitivista, explicam Leite, Prado e
Peres (2010), que o professor deve orientar e criar ambientes que facilitem
a troca de experiências e cooperação entre os alunos, propondo desafios e
soluções que partam dos alunos. Neste sentido, a educação com o uso de
tecnologias que propiciem a exploração do espaço de aula de maneira ativa
é muito interessante. Pode, por exemplo, utilizar situações-problema que
levam o aluno à necessidade de investigar, pensar, racionalizar a questão e
construir uma resposta satisfatória. Neste sentido:

Destaca-se, portanto, a necessidade de implantação de um proces-


so educativo que dê conta desse conteúdo específico, que favoreça

192
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o uso da vertente educativa progressista e de tecnologias educativas


pelos profissionais no sentio de trabalharem de forma participativa,
democrática e cidadã com os diferentes grupos da população (CA-
VALCANTE et al., 2011, p. 12).

Vencer a sensação de incapacidade para formar pessoas para atender


a uma infinidade de novas demandas no mercado e na academia para-
ce ser o maior desafio. Especificamente, para o educador, vale ressaltar o
transmitir o conhecimento adquirido ao longo das experiências e vivên-
cias particulares de cada pessoa, sendo o alicerce para a educação em saúde
(MONTEIRO; GRISOLIA; SOUZA, 2019, p.5).
Os pesquisadores Lottenberg, Silva e Klajner (2019), ao tratarem de for-
mação médica na área digital e falarem sobre educação, ressaltam que a inteli-
gência artificial vem promovendo mudanças profundas nessa área, sendo que
nada adianta inserir algoritmos e tecnologia se os futuros médicos, gestores,
pacientes e a sociedade não entenderem que os benefícios efetivos dessa trans-
formação só ocorrerão se também houver profundas mudanças culturais.
A abordagem educacional em proteção de dados pessoais e sensíveis
deve ser promovida com essa mesma proposta pedagógica. Se a tecnologia
de informação e comunicação for abordada com foco no indivíduo, pro-
vavelmente, os casos de violação da LGPD serão reduzidos, promovendo a
proteção de todos os usuários. A expectativa é que professores e organiza-
ções de ensino insiram a LGPD em seus currículos e planos de aula, bem
como, que a telemedicina seja uma ferramenta eficiente para a promoção
da saúde, sendo um modelo a ser aperfeiçoado com o passar dos anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A evolução legislativa sobre telemedicina no Brasil foi se aperfeiçoan-


do vagarosamente, mas de maneira contínua. Com a pandemia da Co-
vid-19, o Conselho Federal de Medicina, resolveu ampliar o conceito já
existente em suas normativas, ensejando nova forma de atuar dos médi-
cos, os quais passaram a fazer uso de forma mais efetiva das tecnologias de
informação e comunicação. Ainda que em caráter excepcional, o conceito
atende os novas exigências da sociedade no combate à pandemia, reco-
nhecendo-se que nada está definido.

193
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

A União Europeia também pratica a telemedicina e sua legislação so-


bre a proteção de dados é anterior à brasileira. No continente europeu, os
dados pessoais em saúde, incluindo os sensíveis são tratados com maior
rigor, sendo as exceções expressamente previstas em lei, além de trazer a
responsabilidade por parte de médicos e provedores que violarem as leis.
Ainda assim, possibilitou-se o tratamento dos dados pessoais em saúde
por parte dos países, desde que não contrariem as normativas gerais sobre
o assunto.
A ética médica e a proteção de dados em saúde no Brasil tem desafios
complexos, pois o Brasil é um país muito extenso e as diferenças de acesso
à saúde são enormes. Neste sentido, a telemedicina pode contribuir para
reduzir essas desigualdades, mas há outros fatores que precisam ser me-
lhorados, como a própria tecnologia em regiões mais afastadas das grandes
capitais e profissionais capacitados e comprometidos com a promoção da
saúde individual e coletiva da sociedade, seja no seu aspecto presencial ou
digital, em saúde pública e privada.
Falar em processo educacional em saúde na sociedade contemporâ-
nea implica dizer que o professor na área da saúde exerça uma função
voltada para a orientação não só do paciente, mas também de seus fami-
liares, conscientizando-os das informações e dos riscos que envolvem os
procedimentos médicos. O educador precisa ter consciência que a socie-
dade continua verbal, mas as tecnologias de informação e comunicação
transformaram essa sociedade em modelo visual e auditivo, o que permite
maior acesso às informações na área da saúde, razão pela qual a transpa-
rência não deve se restringir ao médico e paciente, mas, em especial, ao
professor e aluno.
A telemedicina é um conceito que será aperfeiçoado com o tempo,
mas é um novo contexto que tende a permanecer. Neste sentido, em con-
sonância com a recente Lei Geral de Proteção de Dados, é urgente que
essas temáticas tenham fluxo permanente dentro dos órgãos de gestão da
saúde e das academias.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Carla; LOPES, Dulce. RGPD: Compartilhamento e trata-


mento de dados sensíveis na União Europeia – O caso particular da

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196
SEXUALIDADE INFANTIL: INTERFACE
ENTRE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO
Juliane Fontana Ribeiro20
Giseli Monteiro Gagliotto21

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende refletir sobre a contribuição da Psicanálise


para a Educação, especialmente ao que se refere às questões de sexualidade
infantil que aparecem no contexto escolar. O estudo evidencia a figura do
professor como aquele que, aos olhos da criança, detém o suposto saber na
relação transferencial, a quem endereçam suas dúvidas sobre a origem dos
bebês, a diferença dos corpos, entre outras perguntas e comportamentos
de ordem sexual e afetiva. Nesse contexto, interroga como as práticas pe-
dagógicas podem ser pensadas com o atravessamento do aporte psicana-
lítico, a partir dos conceitos de sexualidade, suposto saber e transferência.
Como pensar o lugar do professor, do ponto de vista psicanalítico, na
relação professor-aluno enquanto aquele que escuta a sexualidade infantil?
O que o professor faz com aquilo que escuta da criança e como ele pode
auxiliá-la em suas investigações infantis? Esses questionamentos apontam
para alguns caminhos possíveis a serem trilhados, mas trata-se de uma
tarefa complexa adentrar no universo da sexualidade, uma vez que há dis-
torções, tabus, preconceitos, desinformação e angústia sobre a temática.

20 Psicóloga (FADEP); Pós-Graduada em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica (UNOCHA-


PECÓ); Mestranda em Educação (UNIOESTE).
21 Professora e Orientadora (UNIOESTE); Doutora em Educação (UNICAMP).

197
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Alguns estudos foram conduzidos sobre como os professores rea-


gem frente às manifestações da sexualidade infantil, como exemplo,
a dificuldade dos professores em lidar com o assunto (COSTA; VE-
NÂNCIO, 2015), o silenciamento da temática, o sentimento de angús-
tia e o constrangimento diante das questões sexuais (SCHINDHELM;
EVANGELISTA, 2013). A literatura ainda aponta para os desafios que
os professores enfrentam para desenvolver diálogos e ações relativas a
sexualidade e a afetividade no contato consigo próprio e com os alunos
(FIGUEIRÓ, 2009). A reprodução de brincadeiras diferenciadas pelo
gênero, a vigília contra a homossexualidade e o incentivo constante da
estética feminina (MAIA et al., 2011) também são assuntos recorrentes
no espaço escolar.
As seções a seguir pretendem, inicialmente, desmistificar em um bre-
ve ensaio o que é sexualidade infantil pelo viés da psicanálise, e depois rea-
lizar uma discussão sobre os desafios que os professores enfrentam diante
desta temática, bem como pensar o lugar do professor no campo simbó-
lico do ensino-aprendizagem. Por fim, vale ressaltar as possíveis contri-
buições da psicanálise para a educação, aqui especificamente em relação à
educação infantil.

1. UM BREVE ENSAIO SOBRE A SEXUALIDADE INFANTIL


NA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA

Segundo Freud (1905), o conceito de sexualidade pode ser articulado


para além da genitalidade e da reprodução, desloca-se do campo da biolo-
gia, da medicina e do senso comum para apontar que a sexualidade é toda
a vida afetiva e pulsional do sujeito. Todo o seu corpo e o seu entorno
participam desta modalidade, o modo como ama e odeia, suas preferên-
cias e aversões, o modo como fantasia, deseja e se relaciona consigo, com
o outro e com o mundo. Está presente desde o nascimento até a morte,
deste modo, inicia-se com a sexualidade infantil e dela mantém seus tra-
ços na vida adulta. A psicanálise dialoga com a centralidade do conceito
de sexualidade, esta “divorciada da sua ligação por demais estreita com
os órgãos genitais, sendo considerada como uma função corpórea mais
abrangente, tendo o prazer como a sua meta e só secundariamente vindo a
servir às finalidades de reprodução” (FREUD, 1925[1924], p. 51).

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Para compreender como se dá a constituição da sexualidade é necessá-


rio entender o conceito de pulsão (Trieb), ao qual tem íntima conexão com
a sexualidade e com a construção do circuito pulsional. O termo pulsão é
tratado nas obras “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1905) e
“Pulsões e destinos das pulsões” (1915), de Freud, mas desde o projeto de
1895 já é trabalhada a ideia da existência de excitações externas e internas
que precisam ser descarregadas ao afetar o princípio de constância. A pulsão
foi definida por Freud como: “conceito limite entre o psíquico e o somáti-
co, como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do
corpo e alcançam a psique, como medida da exigência de trabalho imposta
ao psíquico em consequência de sua relação com o corpo” (FREUD, 1915,
p. 148). Pode assemelhar-se e confundir-se a ideia de instinto, contudo dis-
tingui-se radicalmente deste, isto é, enquanto o instinto estaria relacionado
ao biológico, a pulsão está numa intersecção entre o psíquico e o somático,
associa-se à esfera psíquica sem desligar-se da esfera biológica. Para comple-
mentar, de acordo com Freud (2004):

Em alemão, Trieb e Instinkt são sinôminos ocasionais, mas Instinkt


padece do problema de enfatizar a articulação entre o biológico e
o fisiológico com o psíquico como um imperativo, ao passo que o
termo Trieb, além desse imperativo presente na vida das espécies e
dos seres humanos, engloba outros elementos. [...] o arco de Trieb
abrange também a esfera mais volitiva ligada ao pensamento e às
representações e ultrapassa as determinações “naturais”. Trieb não
é representado apenas por imperativos compulsivos, mas também
por desejos, carências e outras representações e afetos menos inves-
tidos e mais deslocáveis (p. 143-144).

A pulsão (Trieb), enquanto conceito-limite, localiza-se entre o cor-


po e o psíquico, manifesta-se como força contínua, na medida em que
estímulos originados no corpo passam a agir como pressão no aparelho
psíquico, impulsionando-o. A pulsão, como Lacan (2008) descreve, não
é o impulso, o Trieb não é o Drang, e retoma Freud para distinguir qua-
tro termos que fazem parte da pulsão: “[...]o Drang primeiro, o impulso.
A Quelle, a fonte. O Objekt, o objeto. O Ziel, o alvo” (LACAN, 2008,
p. 160).

199
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

A pressão de uma pulsão constitui seu aspecto motor, ou seja, a


força a partir da qual o que é orgânico se torna representação psí-
quica. A meta é sempre a satisfação, embora as vias para atingi-la
sejam diversas. Para alcançar tal meta, a pulsão precisa de um obje-
to. Neste sentido, objeto é o meio a partir do qual a pulsão atinge
a satisfação e o elemento mais variável da pulsão. Por sua vez, fonte
é o processo somático a partir do qual um estímulo proveniente de
alguma parte do corpo é transformado em pulsão, na medida em
que atinge o aparelho psíquico (INADA, 2009, p. 63).

Diante do breve exposto, Kupfer (1990) aponta na direção da dinâmi-


ca relacional, em que não há uma simples maturação de instintos em jogo;
é necessário que ocorram experiências com outras pessoas para que a pul-
são seja construída e seja representada no plano psíquico. Nesse sentido,
o sujeito e sua pulsão precisam se apoiar no corpo do outro para “ter um
corpo”, isto é, para ter vida. Por exemplo, as primeiras representações que
levarão à satisfação da pulsão são construídas na relação com a mãe (qual-
quer pessoa que realize a função materna), cujo investimento possibilitará
ao bebê as identificações e o constructo da sexualidade.
Nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (FREUD, 1905),
ao contrário da concepção naturalista, predominante no final do século
XIX, Freud denomina a sexualidade das crianças de perverso-polimorfa,
isto é; afasta-se do modelo genital de relação sexual e diz de uma pulsão
variável, que não tem objeto e alvo definidos. Em outras palavras, não há
uma relação exclusiva entre pulsão sexual e objeto sexual.
Freud (1905), em sua época, discorreu que faz parte da opinião po-
pular que a pulsão sexual estaria ausente na infância e somente despertaria
com a puberdade; contudo, refuta essa ideia ao demonstrar a existência
da pulsão sexual na infância e denunciar a resistência daqueles que, ainda
hoje, não querem ver como uma possibilidade a ampliação da sexualidade.
Além disso, a explicação sobre o porquê de muitos adultos não considera-
rem a sexualidade infantil, encontra fundamento no que Freud descreveu
como amnésia infantil, um fenômeno intrapsíquico que seria responsável
por encobrir as lembranças dos seis ou oito primeiros anos de vida. A
amnésia infantil historiciza a vida de cada sujeito e o faz esquecer que teve
também uma vida, nos primeiros anos, rica de afetos e conflitos.

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Como gênese fundante das manifestações sexuais infantis, temos o


comportamento de mamar/chuchar que está para além da finalidade de
alimentação, revela sutilmente uma satisfação pulsional na repetição rítmi-
ca do contato da boca com o seio que parece acalentar a criança (FREUD,
1905, p. 169). Nesse sentido, pode-se observar que a pulsão sexual infantil
aparece ligada às funções vitais, mas delas se desvencilham, isto é; busca-
-se além da sobrevivência (pulsões de autoconservação), um algo a mais,
uma relação afetiva (pulsões sexuais). Para Freud (1905), quando o seio é
abandonado, o bebê começa a fantasia-lo e suga seu próprio polegar, esse
fenômeno é chamado de autoerotismo e revela uma sexualidade desviante
do instinto.
O sugar com deleite na infância, mais tarde, já adulto, vincula-se a
atividades como o beijar ou o sexo oral, por seu registro simbólico de afeto
na infância o adulto sente-se impelido a repetir experiências de satisfação:

[...] se um bebê pudesse falar, ele indubitavelmente afirmaria que


o ato de sugar o seio materno é de longe o ato mais importante
da vida. [...] nesse único ato [ele] está satisfazendo de uma só vez
as duas grandes necessidades vitais [nutrição e a satisfação sexual].
[...] Sugar ao seio materno [ou seu substituto] é o ponto de partida
de toda a vida sexual, o protótipo inigualável de toda satisfação
sexual ulterior (FREUD, 1996 [1915-16], p. 319).

Contudo, não é possível reviver ou repetir em absoluto a vivência de


satisfação infantil, pois não há algo ou alguém que satisfaça sempre na me-
dida exata, somente como traço mnêmico, como uma marca alucinatória
de prazer. A impossibilidade de satisfação (impossibilidade real do bebê
de poder mamar o tempo todo) leva o bebê a experimentar a falta em al-
gum momento, a qual abre espaço para que o sujeito esteja em uma busca
constante e deslizante de objetos, pois há sempre um furo. Em psicanálise,
“estar em falta’ chama-se desejo (Wunsh) e o objeto que o causa com sua
falta chama-se em Freud, a coisa (das Ding) e, em Lacan, objeto ‘a’ (l’object
petit a)” (LAJONQUIÈRE, 1992, p. 156).
Além da boca, todo o corpo da criança pode ser tomado como fon-
te de prazer; segundo Freud (1905), são três características essenciais da
manifestação sexual infantil: apoia-se numa das funções somáticas vitais,

201
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ainda não conhece objeto sexual exclusivo, portanto é autoerótica, e seu


alvo sexual está ligado à uma zona erógena. O autor denomina também
as fases do desenvolvimento psicossexual: fase oral (0 a 1 ano), fase anal
(1 a 3 anos), fase fálica (3 a 6 anos), período de latência (6 a 9 anos) e fase
genital (por volta dos 10 anos). Desse modo, abandona as concepções bio-
lógicas e aproxima-se de uma noção psíquica para explicar a sexualidade
(GAGLIOTTO, 2014).
Além do prazer e da diminuição ou eliminação de desprazer, existe
uma relação de poder e desejo que se estabelece no vínculo da criança
com as figuras parentais e com o outro. A criança realiza um movimento
de transgredir o desejo do Outro primordial, como quando ela se nega a
obedecer a mãe e faz valer o seu desejo (SANTOS; LAJONQUIÈRE,
2010). Sobre a intricada relação pais-filho no campo desejante:

As crianças ocupam uma posição de objeto para seus pais, pois sua
vinda ao mundo dependeu de uma equação estabelecida no desejo
deles. Na espécie humana a reprodução não é automática, resul-
tado direto de algum instinto de reprodução, mas objeto de um
complexo processo que implica o campo desejante. Ainda que não
desejassem (lembremos que, para a psicanálise, desejo não é sinôni-
mo de vontade) o filho naquele instante, ou porque eram jovens
demais, ou porque não tinham as condições necessárias para seu
sustento, a decisão de tê-lo implicou uma equação desejante dos
pais. O ser humano é o único animal livre para escolher não se re-
produzir. Essa condição de partida faz com que cada criança tenha,
inevitavelmente, que se deparar com as fantasias parentais a partir
das quais foi concebida. (VOLTOLINI, 2011, p. 29).

Nesse sentido, de acordo com os autores supracitados, em uma pers-


pectiva psicanalítica, para que o bebê se constitua como sujeito desejante
deve, necessariamente, existir um Outro que a deseje, para que haja sus-
tentação para o corpo ganhar vida e sentir-se pulsionado a viver.
A partir do breve exposto, Gagliotto (2014) enfatiza a importância da
Educação Sexual no campo Escolar, fundamentada nos conhecimentos
científicos da psicanálise, como uma aposta viável de valiosas contribui-
ções para as articulações pedagógicas.

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2. A EDUCAÇÃO SEXUAL E OS DESAFIOS DO


PROFESSOR

A educação sexual promovida pelo campo escolar, já era defendi-


da por Freud em 1907, em uma carta que enviou ao Dr. M. Fürst, para
ser publicada num periódico dedicado à medicina social. Nesta carta ele
menciona:

Considero um avanço significativo na educação infantil que na


França o Estado tenha introduzido, em lugar de catecismo, um ma-
nual que dá à criança as primeiras noções de sua situação como cida-
dão e dos deveres éticos que deverá assumir mais tarde. No entanto,
essa educação elementar continuará com sérias deficiências enquan-
to não abranger o campo da Sexualidade (FREUD, 1989, p. 144).

A reforma educacional, que Freud parecia sonhar, abrange o campo


da sexualidade, sobre isso, Voltolini (2011) retoma que Freud tentou abor-
dar o tema espinhoso da educação sexual das crianças em pelo menos dois
de seus artigos, “O esclarecimento sexual das crianças” e “Sobre as teorias
sexuais das crianças”. De acordo com o autor, os problemas levantados
nesses artigos foram incorporados, após várias reformas educacionais, pelo
discurso pedagógico. A Escola, intencionada a se tornar democrática e
emancipatória, incluiu o tema da educação sexual no currículo escolar,
questões como: “constrangimento dos professores para tratar do assunto,
suas dúvidas quanto à pertinência e a justa medida desse diálogo, bem
como os encaminhamentos derivados da reflexão sobre eles” (VOLTO-
LINI, 2011, p. 18), questões estas que parecem ter sido sacudidas ao longo
do último século, para que fossem olhados com atenção.
O autor supracitado prossegue nas distinções da época freudiana para
a contemporaneidade. Aponta na direção de mudanças, como uma aber-
tura de diálogo entre pais e filhos sobre sexualidade, a diminuição de si-
lenciamento sobre a sexualidade, a possibilidade de iniciar a vida sexual
mais cedo sem, necessariamente, casar. Os meios de contracepção que,
supostamente, permitem um exercício mais livre da prática sexual. Con-
tudo, não há uma diminuição significativa do adoecimento neurótico,
como se poderia imaginar, e a repressão insiste em se fazer presente.

203
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Voltolini (2011) descreve o embaraço dos pais quando os filhos pas-


sam a fazer perguntas sobre a origem deles e de outros bebês, entre outros
questionamentos que mobilizam os pais a ponto de não saberem como
interpretar o interesse infantil. O autor aponta que Freud sugere que a
educação sexual fique a cargo de outros adultos, como por exemplo, o
professor, pois este não estaria diretamente implicado e poderia dar uma
resposta com menos restrições. Contudo, Freud (1933/1975) recomenda
aos professores que façam análise pessoal, pois somente o conhecimento
da teoria não poderia ter um papel decisivo na prática pedagógica. So-
mente na análise, o professor poderia compreender, além de suas inten-
ções conscientes no processo de ensino-aprendizagem, o que está além de
suas possibilidades de mestria. Sobre isso:

[...] em “Análise terminável e interminável”, Freud admitirá ter


superestimado o papel da educação sexual. Com uma interessante
analogia dirá: “As crianças se comportam como os primitivos aos
quais foi inculcado o cristianismo, que continuam adorando seus
antigos ídolos às escondidas”. O problema que a tese do incons-
ciente obriga, em geral, a admitir é quanto ao poder de esclare-
cimento. Podemos pensar em nos guiar sempre por ideias claras e
distintas? (VOLTOLINI, 2010, p. 24).

Voltolini (2011) afirma que é necessário distinguir o “impossível” do


educar com “inexequível”, o que aponta para um inalcançável estrutural.
A impossibilidade não se trata de planejar e executar propostas educativas,
de natureza lógica e consciente. Trata-se da impossibilidade de se pensar
na concretização de uma criança sonhada a partir de um ideal educativo.
De acordo com o autor, aquele que se aventurar no campo educativo, mais
cedo ou mais tarde, experimentará a decepção, de modo que “os resul-
tados atingidos estarão sempre aquém daqueles imaginados no ponto de
partida” (VOLTOLINI, 2011, p. 27).
Segundo o autor, haverá sempre uma impossibilidade lógica, pois
ainda que haja um professor consciente (o que denuncia o engano, pois
segundo a psicanálise somos sujeitos do inconsciente), não pode controlar
plenamente a influência de seu ensino sobre o aluno. Mesmo assim, po-
demos nos perguntar, sobre o campo do possível simbólico e da abertura

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para o real; o que pode então o professor saber sobre o seu lugar frente às
manifestações sexuais infantis?
De acordo com Banzato e Grant (2000), a atitude do adulto frente às
manifestações da sexualidade, é fundamental para que a criança prossiga
ou não em suas investigações; mais do que isto, que possa promover deslo-
camentos quanto ao objeto de pesquisa. As práticas coercitivas ou respos-
tas errôneas, por exemplo, podem impedir que a criança se desenvolva em
sua capacidade de pensar, de modo independente. Um caminho possível
seria a satisfação de suas dúvidas com informações corretas e, poder rela-
cionar o sexo a valores positivos. Entretanto, segundo as autoras, a capaci-
dade para educar está relacionada à uma disposição subjetiva do professor,
associado a aspectos inconscientes e conscientes, construídos durante toda
uma história de vida. Neste ponto, vale lembrar a importância da análise
pessoal para lidar com experiências de vida capazes de mobilizar o sujeito.
Gava e Villela (2016) apontam que a educação em sexualidade pres-
supõe garantir os direitos sexuais das crianças, e uma das premissas para
trilhar esse caminho, deveria contar com a participação das crianças na
construção deste saber. Contudo, o estudo apresenta uma aceitação par-
cial por parte dos professores, pois vale lembrar que, a atitude do profes-
sor, acompanha as construções políticas e aquilo que é incorporado pela
sociedade. Neste sentido, a escola acaba por reproduzir o que é aceito e
o que é repudiado pelo senso comum, a partir de mecanismos sutis de
silenciamento e controle.
Complementa-se que, para o efetivo espaço de exercício da sexuali-
dade, uma vez que ela não se aparta da vida e da escola, é fundamental que
professor e aluno sejam participantes, cada qual com o seu saber. Neste
sentido, a psicanálise contribui para um campo fértil no tocante às dinâ-
micas relacionais, e para tanto partiremos do conceito de transferência
para compreender a relação professor-aluno.
A transferência, de acordo com Chemama (1995), é um fenômeno
constante em todas as relações, mesmo fora da situação analítica, desde
que haja o exercício da palavra e o estabelecimento de um vínculo afetivo
intenso. Uma ilustração comum desse registro afetivo na relação profes-
sor-aluno, pode ser visualizado nos relatos de alunos, que mesmo adultos,
depois de passado tanto tempo, ainda se recordam com carinho de seus
primeiros professores ou ainda, professores atuais. Afinal, como aponta

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Zimerman (2004), o fenômeno transferencial está presente nas relações


humanas e possibilita a integração do presente com o passado. O autor
fala, especificamente, do termo “transferência” ligado ao contexto clíni-
co, aqui associamos ao campo escolar. Neste sentido, pode-se dizer, de
um conjunto de todas as formas pelas quais o aluno vivencia com o profes-
sor, na experiência emocional, todas as “representações” que ele tem do
seu próprio self e “fantasias inconscientes” com as respectivas distorções
perceptivas. Em outras palavras, as primeiras vivências afetivas marcantes
(geralmente com os pais) podem servir como um farol para o estabeleci-
mento das demais relações.
Lacan (1992), complementa que, desde que haja em algum lugar o
sujeito suposto saber, haverá transferência. Na Educação, esse suposto sa-
ber recai sobre a figura do professor. De acordo com Ribeiro e Neves
(2006), o que o aluno supõe vai além dos conteúdos disciplinares e que o
professor sabe sobre seu próprio desejo, como se fosse responder ao aluno
o caminho que este deve seguir. Neste sentido, na percepção do aluno, o
professor parece ocupar um lugar de autoridade, daquele que tudo sabe e
para quem o aluno direciona seu desejo e espera que o professor diga a ele
como são as coisas do mundo. O que ocorre, muitas vezes, é uma ideali-
zação desse saber que a princípio, parece estar, absolutamente, no outro,
como se então o professor carregasse uma verdade inquestionável e um
conhecimento completo sobre todas as coisas.
Voltolini (2011) traz luzes ao retomar as contribuições de Freud, La-
can e outros autores da psicanálise para a educação, e alerta para que, em
qualquer relação em que se suponha um saber, onde exista a possibilidade
do educar, do governar ou do analisar e não haja uma alienação, uma para-
lisação diante de atitudes de mestria, que são indesejáveis. Nesse sentido, o
desejável seria que o aluno pudesse ser convidado sempre a criar um estilo
próprio e único, o avesso de criar identificações demasiadas com uma fi-
gura de mestre ideal. Sobre isso, ele complementa:

A ambição e o esforço da pedagogia de organizar um ato cientifi-


camente balizado, a partir de todo o conhecimento erigido sobre
a criança e o ato educativo, não deveria levá-la a inviabilizar o ato
educativo. Este – e é isso que lembra a psicanálise – se inscreve
sempre numa impossível equação entre um adulto, que espera ver

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reproduzida no outro uma ordem que ele representa e ama, apesar


de tudo, e uma criança que resiste a ser mero objeto dessa investida
educativa, que a anularia num nível absolutamente decisivo para
sua vida, se bem-sucedida. (VOLTOLINI, 2011, p. 72).

Muitos professores, segundo Santos (2009), compreendem os movi-


mentos afetivos que despertam em seus alunos, mas os interpretam como
algo pessoal e relativo à sua didática. O professor, por exemplo, pode res-
ponder às provocações das crianças com traços de sadismo, realizar ações
coercitivas, com o intuito único e exclusivo de ver, ali exposta, a sua au-
toridade. Ou ainda, ver-se tentado a “rejeitar ou isolar um aluno que se
mostre agressivo, uma vez que um comportamento desse tipo faz acender
nele o medo frente à sua própria agressividade” (SANTOS, 2009, p. 58).
De acordo com Ribeiro (2014), o conhecimento sobre a transferência
pode possibilitar ao professor ser um aliado do aluno, sem se deixar apri-
sionar pelo jogo que a subjetividade lhe propõe, e sem impor a esse aluno
seu próprio desejo. Ainda segundo essa autora:

A relação professor – aluno é uma teia complexa de sentidos, re-


presentações, expectativas e desejos inconscientes que em muitos
casos desemboca em conflitos que contribuem decisivamente para
o que se convencionou chamar de fracasso escolar. Contudo, dessa
relação também emanam paixões, identificações que resistem ao
tempo, marcam a vida dos alunos de modo a influenciar até mesmo
suas escolhas pessoais. A Psicanálise ajuda o professor a compreen-
der essa intrincada relação, dimensionar sua importância, chamar
a reflexão sobre si mesmo e sua prática docente, atentando para
sua singularidade, responsabilidade e imenso desafio (RIBEIRO,
2014, p. 30).

Portanto, de acordo com Santos (2009), não há dúvida de que o co-


nhecimento de alguns pontos da teoria psicanalítica, ajuda a esclarecer o
professor e a deixá-lo ciente dos elementos de sua subjetividade; que in-
terferem na relação com os alunos e também da subjetividade dos mesmos
que, como visto, transferem ao professor uma série de representações e
sentidos. Ao mesmo tempo, o professor pode se sentir tentado a responder
desse lugar de mestria, ao qual pode desabar numa relação alienante.

207
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar de sexualidade no séc. XXI ainda é tabu, ao tratar deste assunto


é comum esbarrar em preceitos morais, religiosos, sociais, políticos e teó-
ricos como barreiras e distorções do que seria a sexualidade. A Psicanálise,
desde seu surgimento até hoje, sofre duras críticas por tentar clarificar
a natureza sexual humana, e como vimos ao longo deste artigo, a com-
preensão da distinção entre instinto e pulsão, genitalidade e corpo pulsio-
nal, sexo e sexualidade, é fundamental para desmistificar do que se trata a
sexualidade infantil. Em Psicanálise, não há como dissociar a relação entre
a formação psíquica dos sujeitos e o conceito de sexualidade, e há nisso
uma valiosa contribuição para a construção de políticas públicas e para as
reflexões das práticas pedagógicas.
Alguns delineamentos deste artigo fornecem pistas e caminhos, ainda
que brevemente, para seguir nos interrogantes de como o professor pode
refletir sua prática e como ele poderia auxiliar a criança na manifestação de
suas potencialidades e no exercício de sua singularidade, sem que contri-
bua para uma atitude vertical e autoritária, ainda que sutil, na repressão de
movimentos investigativos da criança sobre a vida. Sejam questionamen-
tos sobre “de onde vem os bebês”, “por que o menino tem pipi e a menina
não?”, “por que a criança precisa esperar a professora dar atenção pra outra
criança?”, ou ainda, de comportamentos não verbais, mas aqueles de ob-
servação e exploração, em que a criança precisa de espaço para conhecer o
mundo, articular-se a ele e contribuir com o seu saber.
A psicanálise nos ajuda a lembrar o avesso da distinção habitual en-
tre criança e adulto; a concepção de que a criança é o futuro adulto em
formação ou o adulto que existe na criança, quando faz algo considerado
“certo” e dentro da norma dominante. É apontada como uma criança
que não tem a idade que tem, pois parece estar mais próxima do “adulto
maduro” do que da própria infância. O avesso disso, como nos recorda
Freud, em “O interesse científico da psicanálise” (FREUD, 1977 [1913]),
é representado pelo velho ditado “a criança é o pai do homem”, em outras
palavras: é necessário um olhar atento para compreender a criança que há
no adulto, ao mesmo tempo em que se deve considerar que a criança não
é uma tábula rasa, à espera de, tal como um recipiente com lacunas, ser
preenchida pelo saber do adulto.

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Além de apontar direcionamentos acerca de como funciona o psiquis-


mo humano, a psicanálise também contribui na compreensão dos efeitos
da cultura, na posição subjetiva das pessoas. Como dito no capítulo II des-
te artigo, a sociedade avançou no exercício da liberdade e autonomia da
manifestação sexual, deslocou-se da moralidade rígida e cristalizada dos
papéis e lugares destinados ao homem e a mulher da época freudiana, por
exemplo. Contudo, ainda existem práticas excludentes, políticas fechadas
e impositivas, bem como distorções sobre a sexualidade infantil.
Sobre as práticas pedagógicas, há uma tentativa de proteger a crian-
ça daquilo que o adulto vê como algo precoce da sexualidade, mas de
qual sexualidade o adulto se refere? Seria a sexualidade nos moldes da
genitalidade e do erotismo, próprios do adulto? Há uma confusão de lín-
guas do universo adulto e infantil, que também parece aterrorizar os pais,
quando são propostas atividades sobre sexualidade na escola. Muitas vezes
diante do entendimento do senso comum por parte dos pais, o professor
se vê controlado também a reproduzir esse controle nas relações com o
aluno. Além das práticas formais e atividades direcionadas, há também
a educação sexual informal, como apontada por Figueiró (2013), isto é;
não é necessário propor, logicamente e conscientemente, uma proposta
de educação sexual, pois a sexualidade não está setorizada na criança; ela
se impõe, independente da vontade do adulto.
Tal como a psicanálise desvela, somos sujeitos do inconsciente, sujei-
tos desejantes, e mesmo que estejamos, ao menos, inicialmente, imbrica-
dos e alienados nas demandas parentais e depois, ao campo dos ideais de
uma cultura, há em todos nós uma pulsão incessante. A criança que vive
em nós nunca morre e deseja, sem dúvida, explorar e experimentar tudo o
que da vida entra e sai do seu corpo. Há na criança um saber que formula
hipóteses, faz testagem da realidade e elabora teorias, que o adulto possa
ser seu companheiro de viagem e não fazer dela uma prisioneira em seu
navio.
Nesse sentido, a curiosidade da criança sobre as relações consigo mes-
ma, com o outro e com o mundo serão exercitadas, cabe ao adulto não dar
respostas prontas, fixas, imutáveis e absolutas, não é necessário que o adulto
fique imbuído de uma angústia por saber de tudo, como se quisesse garantir
um ideal do seu trabalho, assim como não é necessário que as políticas sejam
fechadas e impositivas. Antes é necessário observar os movimentos fluídos

209
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

da criança e aprender com elas, perguntar a elas de onde surge a pergunta,


o que ela já sabe sobre aquilo, o que ela acha, e sempre que necessário esta-
belecer diálogos e combinados, limites que são bem-vindos. Em suma, pos-
sibilitar um saber construído entre professor e aluno, cujo lugar de suposto
saber pode instigar na criança o desejo de ir adiante.

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212
EDUCAÇÃO DE ENSINO E TEMPO
INTEGRAL: UMA ESCOLA DE
POSSIBILIDADES
Junio Pereira Virto de Oliveira22

INTRODUÇÃO

No atual cenário da Educação brasileira, uma modalidade de ensino


vem ganhando cada vez mais espaço: trata-se da Educação Integral, com
ideais de promover equidade na qualidade da educação, tentando corrigir
desigualdades, por meio de um maior período na unidade escolar e tam-
bém pela oferta de mais atividades pedagógicas.
A ideia de educação integral no Brasil não é recente, podemos dizer
que tem sua base inicial nos conceitos dos escola-novistas, pautadas na
aprendizagem do aprender a aprender. Essa pedagogia de ensino mantinha
a ideia do poder da escola e de sua função de equalização social, como
aponta Saviani (2008), como vimos o viés social que encontramos hoje na
Educação Integral está ligado ao seu início.
Gadotti (2009), em sua obra Educação Integral no Brasil: inovações em
processo, descreve com brilhantismo a história da educação integral no Bra-
sil, pontuando aspectos interessantes do processo de caracterização dessa
modalidade de ensino. Segundo o autor, a Educação Integral está dire-
tamente relacionada com as ideias da Escola Parque, de Anysio Teixeira,

22 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PP-


GPE), Universidade Federal de São Carlos (UFscar).

213
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

passando pelos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPES), de


Darcy Ribeiro, seguindo de uma reestruturação do programa. Inclusive
houve a mudança de nome para Centros Integrados de Atendimento à
Criança (CIACS), durante o mandato do Presidente Fernando Collor,
e posteriormente ao impedimento do presidente, já na gestão do então
Presidente Itamar Franco, outa mudança de nome, passando a se chamar
de Centros de Atenção Integral à Criança (CIACS).
Poderíamos levantar outros programas de Educação Integral como
forma de ilustração, porém falaremos de mais um, o programa “Mais Edu-
cação” do Governo Federal, iniciado em 2008 e vigente até os dias atuais.
Parece ser o de maior expressão no cenário da educação brasileira, tendo
sofrido várias mudanças ao logo do tempo, mas continua vivo. No início
um programa intersetorial, envolvendo diversos Ministérios do Governo
Federal, atualmente reduzido apenas ao Ministério da Educação.
Podemos entender que os projetos citados acima têm características
em comum, são Políticas Públicas que visam prestar assistência aos alunos,
alinhadas aos projetos pedagógicos. Entre os mais variados modelos de
Educação Integral, considerando todos como espaços de aprendizagem,
como aponta Gadotti (2009), o foco deste artigo delimitará a escola de
tempo e formação integral, discutindo aspectos relevantes à temática.
Devemos entender que a ideia da modalidade de Educação Integral
deve entender seu papel social, atuando na equiparação de uma educação
de qualidade, entendendo o aluno como um todo, sem fragmentar infor-
mações, uma escola que tende a pensar nos processos de ensino-aprendi-
zagem de forma integradora e totalizadora, possibilitando a superação dos
indivíduos mediante as desigualdades sociais.
Pensando nisso, a Base Nacional Curricular Comum (2017) estabe-
lece que o ensino-aprendizagem deve ser levado para uma educação inte-
gral, entendendo os indivíduos como seres completos, visando à formação
global favorecendo as dimensões intelectuais e afetivas, respeitando a sin-
gularidade e as diversidades envolvidos no processo, para uma educação
emancipatória, crítica e reflexiva. Esses aspectos devem levar em conta
interesses da comunidade escolar, considerando a contemporaneidades
dos fatos, superando a fragmentação que ocorre no sistema educacional
brasileiro, por diversas questões, fazendo com que os alunos sejam prota-
gonistas de sua aprendizagem.

214
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No decorrer do texto, serão discutidos pontos relevantes em relação


à modalidade da Educação Integral, necessidades e possibilidades que po-
dem auxiliar na construção de um projeto que oportunize a seus discentes
o protagonismo.

1. A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO


INTEGRAL

A escola de Educação Integral deve ser uma escola de possibilidades,


entendendo ao indivíduo como um todo, não sendo possível fragmentar
o conhecimento. Como uma escola de possibilidades, carece disponibi-
lizar a seus alunos possibilidades para que possam ser críticos, reflexivos e
atores/autores de suas escolhas. De acordo com Base Nacional Curricular
Comum (2017, p. 14), os alunos carecem “reconhecer-se em seu contexto
histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, partici-
pativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável
requer muito mais do que o acúmulo de informações”.
Os processos de ensino-aprendizado na modalidade de Educação In-
tegral precisam ser propostos aos alunos, de modo a proporcionar a su-
peração da fragmentação dos conhecimentos escolares, possibilitando aos
indivíduos questionar, esclarecer, criticar e formar suas próprias conclu-
sões, contemplando aspectos que transcendam os limites e possibilida-
des dos indivíduos primando pelo apoderamento. Dessa maneira Oliveira
(2021, p. 2) entende:

[...] a modalidade de ensino da educação integral carece enten-


der a escola como espaço de aprendizagem, referente à construção
intencional de processos educativos que promovam aprendizagens
sintonizadas nas necessidades, nas possibilidades e nos interesses
dos discentes.

Para tal situação, precisamos atentar aos modelos tradicionais de edu-


cação que visam apenas a transmissão de conhecimentos. José (2013) e Fa-
zenda (1989) apontam que a escola é uma reprodutora de conhecimento,
tratando todos alunos como iguais, replicando um conhecimento morto,
não considerando as individualidades e pretensões dos alunos. Para Freire

215
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

(1987), a educação não pode ser pensada apenas na transmissão de conhe-


cimentos, entendendo os discentes como seres meramente passivos, meros
recipientes em que são depositadas informações, como uma esponja que
absorve tudo sem questionamento.
A escola como um todo precisa entender que se faz necessário uma
nova roupagem, ser crítica, e para isso ela precisa ser crítica com ela mes-
mo, vasculhar pontos que a incomodam, pontos que a desestabilizam, que
a faça questionar sua função social. Apenas ensinar? Apenas assistir aos
alunos? A escola precisa dar voz aos marginalizados e também aos não
marginalizados; precisa entender que deve ser uma ferramenta de mudan-
ças e equidade, talvez assim possibilite tornar sua essência mais viva.
Os estabelecimentos de ensino precisam reorganizar suas práticas pe-
dagógicas, no qual os docentes carecem entender o aluno como autor/ator
de sua trajetória tanto na sua vida estudantil como na sua vida enquanto
membro da sociedade, produtor e consumidor de aspectos socioculturais,
de acordo com Ferreira (2018, p. 115):

Nesse contexto, a escola sonhada não deve almejar um padrão de


crianças e jovens submissos, mas sim protagonistas do currículo,
do seu processo educacional e da própria vida. A escola tem o
compromisso, portanto, de atuar efetivamente, na formação de
sujeitos críticos, reflexivos e participativos das mudanças que de-
sejam nos diferentes espaços que ocupam essas crianças e jovens,
propondo um currículo que provoque alterações de padrões he-
gemônicos impostos às classes populares ao longo da história da
educação.

Assim, a escola almejada não tem que que buscar um padrão de alu-
nos, seria utopia esse pensamento; precisa levar em consideração as mais
variadas diversidades que são parte integrantes do todo chamado escola.
Precisa, como entende Freire (2002, p. 6), criar condições favoráveis para
que nossos discentes possam realizar transgressões, essa necessárias para a
mudança. Mudanças essas não para proporcionar a igualdade, pois seriam
como um tratamento superficial para tratar nossas “feridas educacionais”,
mas mudanças pensadas na equidade, esta sim, um início de empodera-
mento para as classes mais marginalizadas.

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Mozena e Ostermann (2017), José (2013) e Freire (1987) apontam


que a construção do saber de cada aluno está diretamente ligada aos pro-
cessos de relações interpessoais que são mediatizados pelo dialogo, no qual
as pretensões e anseios tendem a possibilitar a construção da autonomia,
de maneira crítica e reflexiva, proporcionando o apoderamento dos indi-
víduos, logo tornando-o protagonismo da sua aprendizagem
A escola precisa proporcionar situações inovadoras nos processos de
ensino-aprendizagem, que despertem a curiosidade nos discentes, sen-
do essas pautadas em relações dialógicas que tendem a proporcionar a
passagem de situações de heteronomia para situações de autonomia, no
qual os mesmos passam a ser protagonistas, saindo de uma situação de
aprendente passivo para um aprendente ativo, como destacam Ferreira
(2018) e Freire (1987).
O envolvimento dos discentes, segundo Singer (2017), dá o direito a
expressar-se e participar no decorrer das atividades favorecendo situações
morais, sociais e éticas, possibilitando uma leitura de mundo condizen-
te, essa interpretada por sua própria ótica, corroborando ações críticas e
reflexivas por parte dos indivíduos. A autora salienta ainda a importância
da autonomia no indivíduo, pois essa tende a favorecer quais assuntos são
relevantes para suas necessidades, assim facilitando a capacidade do mes-
mo pesquisar e aprender, sempre respeitando os pares durante as relações
interpessoais.
Ao disponibilizar situações para o protagonismo dos discentes, Fried-
mann (2017) entende que tais fatos favorecem uma educação mais demo-
crática, possibilitando uma discussão com mais equidade nas mais distin-
tas classes sociais. O protagonismo dos discentes estão diretamente ligadas
as possibilidades nas mais variada formas de expressão, como “[...] pen-
samentos, sentimentos, vivências, opiniões reivindicações, preferências e
realidades de vida.”, como aponta Friedmann (2017, p. 42). Cabe aos pais,
familiares, comunidade, docentes e educadores em geral, mediar tipos de
intervenções positivas, nos mais variados espaços de aprendizagem, per-
mitindo a construção de pontes com diversas possibilidades favorecendo o
aumento da bagagem cultural das crianças e adolescentes, oportunizando
o protagonismo infanto-juvenil.
Assim, a modalidade de educação integral, como apontam Mendon-
ça (2015), Rocha e Rocha (2013), Pereira e Vale (2012) e Guará (2006),

217
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

deve encontrar caminhos inéditos, mediante projetos metodológicos que


objetivem formas integradoras e totalizadoras que levem os alunos a um
aprendizado na sua totalidade, evitando fracionamentos, reconhecendo e
valorizando os mais variados tipos de saberes e vivências.
Na sequência, pontuaremos os dispositivos legais que amparam a mo-
dalidade de Educação Integral, para um melhor embasamento e futura
discussão do currículo dessa modalidade de ensino.

2. A BASE LEGAL DA MODALIDADE DA EDUCAÇÃO


INTEGRAL

No Brasil, a Educação é um direito adquirido mediante alguns dis-


positivos, devendo ser gratuito, de qualidade e universal. Devemos, en-
tretanto, entender que a escola para todos no Brasil é uma situação nova;
com a democratização do ensino apontando pela Lei de Diretrizes e Bases
de 1996 como marco desse fato, podemos dizer que engatinhamos quan-
do o assunto é educação.
No decorrer dos anos, bases legais foram sendo construídas e costura-
das, dando e dividindo responsabilidades como por exemplo, apontando
a Educação como direito de todos e dever do estado e da família, como
referida nos artigos 205 da Constituição Federal (Brasil, 1988) e 2º da
Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996). Também os artigos 227º da
Constituição Federal (BRASIL, 1988) e 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990) enfatizam o dever da família, da sociedade
e do Estado, primando pela efetivação dos direitos referente à vida, à saú-
de, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
Com a democratização do ensino com a Lei de Diretrizes e Bases
(1996), algumas situações ficaram evidentes, como falta de estrutura das
escolas, tanto em material físico como pedagógico, grande defasagem em
relação aos processos de ensino-aprendizagem. A escola inchou, não esta-
va preparada para receber a grande diversidade cultural, social e econômi-
ca, criando grandes gargalos de desigualdades sociais.
Assim, a educação integral passou a ser uma grande alternativa, tanto
em relação a equalizar uma educação de qualidade para os marginalizados

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nos processos de ensino-aprendizagem, como também atender às neces-


sidades das demandas locais em relação a um maior período dentro da
escola. Dessa forma, a ideia de acordo com o projeto o Projeto Mais Edu-
cação, do Ministério da Educação (BRASIL, 2009, p. 9), é oportunizar
maior tempo na unidade escolar com um número de atividades reparando
desigualdades sociais.
Falando em Educação Integral, podemos apontar o primeiro marco,
falando em relação à modalidade de ensino, no artigo 34° parágrafo 2 da
Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996, p. 24), onde cita “O ensino
fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a cri-
tério dos sistemas de ensino”. Nesse momento tal lei tornava optativo a
inserção dessa modalidade de ensino aos seus entes federativos.
Outro dispositivo que auxilia na consolidação da modalidade de Edu-
cação Integral é o Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece a
meta para a educação integral, especialmente a meta 6: “oferecer educação
em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas
públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento)
dos alunos da educação básica” (BRASIL, 2015, p. 97). Nesse momento,
esse dispositivo torna obrigatória os sistemas de ensino a ofertarem essa
modalidade de ensino, abarcando o ensino infantil, ensino fundamental
e ensino médio.
As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica
(BRASIL, 2010), asseguram a possibilidade de trabalhar em turno único
ou turno e contraturno, desde que cumpra a jornada mínima de sete horas
diárias. A disposição do programa deve levar em conta as particularidades
de cada estabelecimento de ensino, respeitando as características locais.
Tal fato é acentuados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o En-
sino Fundamental de nove anos (Brasil, 2010), destaca a obrigatoriedade
de haver um mínimo de 1.400 horas anuais letivas, possibilitando maior
qualificação nos processos de ensino-aprendizagem, no qual o currículo
da escola de tempo integral deve cuidar das demandas decorrentes da Base
Nacional Comum Curricular articulado com a Parte Diversificada, res-
peitando o Plano Político Pedagógico de cada estabelecimento de ensino,
corroborando os processos de ensino-aprendizagem.
A seguir, tentaremos levantar questões pontuais que envolvam ques-
tões referentes a Base Nacional Comum Curricular e Parte Diversificada,

219
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

assim para podermos entender, minimamente conceitos do currículo da


escola integral.

2.1. BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E PARTE


DIVERSIFICADA

A Base Nacional Comum Curricular é um documento normativo


definindo um currículo com a intenção de subsidiar a educação básica em
território brasileiro. É dividido em cinco áreas de conhecimento, lingua-
gens (língua portuguesa, artes, educação física e língua estrangeira), ma-
temática (matemática), ciências humanas (história e geografia), ciências
da natureza (ciências) e ensino religioso. Cada área de conhecimento tem
suas competências e habilidades a serem desenvolvidas e atingidas (BRA-
SIL, 2017).
A partir desses pressupostos, a preparação de um currículo de Edu-
cação Integral deve atender às questões voltadas as áreas de conhecimento
juntamente com a parte diversificada. Dessa maneira, as Diretrizes Curri-
culares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove anos) do Minis-
tério da Educação (BRASIL, 2010, p. 12), entende:

Os conteúdos que compõem a base nacional comum e a par-


te diversificada têm origem nas disciplinas científicas, no desen-
volvimento das linguagens, no mundo do trabalho, na cultura e
na tecnologia, na produção artística, nas atividades desportivas e
corporais, na área da saúde e ainda incorporam saberes como os
que advêm das formas diversas de exercício da cidadania, dos mo-
vimentos sociais, da cultura escolar, da experiência docente, do
cotidiano e dos alunos.

A Parte Diversificada das Diretrizes Curriculares Nacionais da Edu-


cação Básica do Ministério da Educação (BRASIL, 2013, p.32), destaca
“[...] o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cul-
tura, da economia e da comunidade escolar [...]”. Tal situação reflete a
importância de se levar em consideração aspectos e peculiaridades locais,
para uma melhor otimização das potencialidades locais.

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Entretanto, para conseguirmos formular um currículo de educação


integral, devemos considerar a qualidades, intencionalidade e as possibi-
lidade que este oportunizará para sua comunidade escolar. Para não cair-
mos em um senso comum, devemos atentar para não ficarmos presos às
questões de quantidade, em relação ao aumento do tempo e maior ofertas
de disciplinas, mais na qualidade das ações para apropriação de conheci-
mento.
Adiante, discutiremos questões que a escola deve estar atenta para co-
locar em prática seu currículo, com qualidade, intencionalidade e possibi-
lidades. Uma escola integral, que pretende ensinar de modo integral deve
integrar o máximo de energia em prol de aspectos pensando nas diversas
disciplinas, tanto da base nacional curricular comum quanto na parte di-
versificada, de maneira interdisciplinar.

3. UM CURRÍCULO INTEGRAL

A Educação Integral deve considerar o currículo como “[...] a ligação


entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhe-
cimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria
(ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas
condições”, segundo o entendimento de Sacristán (1999, p. 61).
Para que possamos começar a falar sobre currículo de educação inte-
gral, devemos atentar para a necessidade de nos despirmos de preconceitos
em relação aos mais variados tipos de saberes, nem classificar as disciplinas
como mais ou menos importante; precisamos colocar para apreciação to-
dos os conhecimentos, para assim podermos legitimarmos esses conheci-
mentos. Como forma inicial de não fragmentar, não podemos margina-
lizar nem silenciar de modo autoritário; não podemos ser cúmplices de
uma hierarquização de saberes no qual se legitimam saberes socialmente
reconhecidos e marginalizam saberes populares, como aponta Moreira
(2008).
Assim, como forma de legitimar os mais variados saberes contidos
no currículo da educação integral, entendendo todas as disciplinas como
importantes e com mesmo peso, colocando todas no mesmo patamar en-
quanto produto de conhecimento, devemos entender a importância de
essas disciplinas trabalharem de modo interdisciplinar. A contextualização

221
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

da interdisciplinaridade se faz importante para um debate inicial, para as-


sim entender que as disciplinas trabalham pensando, não da mesma for-
ma, que isso fique claro, mas pensando na mesma direção.
Para fazermos uma breve explanação sobre o termo interdisciplinarida-
de, nos apoiaremos em alguns autores como Ivani Fazenda, Heloísa Lück,
Olga Pombo e Jurjo Torres Santomé. Para esses autores, o conceito básico
se apoia na ideia de que a interdisciplinaridade ocorre através de questões
que envolvem aspectos sócio-históricos.
Interdisciplinaridade é a relação entre duas ou mais disciplinas, ou
ramificações do conhecimento. Assim, devemos entender aspectos que
envolvem a base comum e a parte diversificada, e como estas irão dialogar
entre eles, devendo ser trabalhadas de forma a não fragmentar o conheci-
mento, permitindo uma construção a partir de seus pares. Assim, a inter-
disciplinaridade é entendia por Santomé (1998, p. 63) como:

[...] uma vontade e compromisso de elaborar um contexto mais


geral, no qual cada uma das disciplinas em contato são por sua
vez modificadas e passam a depender claramente uma das outras.
Aqui se estabelece uma interação entre duas ou mais disciplinas, o
que resultará em intercomunicação e enriquecimento recíproco e,
consequentemente, em uma transformação de suas metodologias
de pesquisa, em uma modificação de conceitos, de terminologias
fundamentais etc. Entre as diferentes matérias ocorrem intercâm-
bios mútuos e recíprocas integrações; existe um equilíbrio de for-
ças nas relações estabelecidas.

De acordo com Pombo (2008), o conceito da interdisciplinaridade


tem três momentos: a pluri ou multidisciplinaridade que entende as
disciplinas andando de forma paralela; a interdisciplinaridade que en-
tende a importância da convergência de pontos de vista das disciplinas;
e a transversalidade, que entende que as disciplinas estão unificadas e
conectadas.
Fazenda (2011) entende que a interdisciplinaridade deve conter ati-
tudes em busca do saber, livrando-se de fragmentações, pois as ações da
educação precisam ser vividas e exercidas.
Ainda de acordo com a autora:

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Considerando interdisciplinaridade como atitude a ser assumida


no sentido de alterar os hábitos já estabelecidos na compreensão
do conhecimento, passou-se a um questionamento pedagógico, ou
seja, passou-se a avaliar a mudança que a interdisciplinaridade im-
plica o que se refere aos aspectos pedagógicos. (FAZENDA, 2011,
p. 45).

De acordo com Lück (2010, p. 47), a interdisciplinaridade é “[...] o


processo que envolve a integração e o engajamento de educadores, num
trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre
si e com a realidade”, possibilitando aos docentes efetuarem um trabalho
coletivo, saindo de uma zona de conforto, oportunizando a não divisão
dos conhecimentos, assim propondo um processo de ensino que realmen-
te forme o aluno para a criticidade.
De modo geral, podemos colocar que a interdisciplinaridade entende
a relação entre duas ou mais disciplinas, devendo ser trabalhadas de modo
coletivo, no qual os docentes possam vir a otimizar o máximo de conhe-
cimentos, levando em conta a unificação das disciplinas proporcionando
uma educação pensada no todo, evitando assim a fragmentações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola de educação Integral precisa ser entendida como espaço in-


tencional de atividades, mas não somente; precisa ser uma escola de pos-
sibilidades, tanto nos aspectos que balizam a formação estudantil dos alu-
nos, quanto na formação integral para a vida do indivíduo no contexto de
mundo.
A escola precisa se reinventar enquanto um importante mecanismo
de formação, não só em relação à educação, no que se diz em relação aos
processos de ensino aprendizagem, não só como uma agente que permite
assistir aos alunos, mas sim em relação ao fato de proporcionar aos dis-
centes um apoderamento mediante as relações pessoais que cada um tem,
sendo mediatizadas pelo diálogo.
Precisamos possibilitar aos alunos, com medidas ativas e proativas, o
protagonismo estudantil, permitindo-os ser autores/atores da construção
de seus sonhos. Isso é possível apenas mediante quando conseguimos, en-

223
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

quanto escola, dar autonomia para eles, favorecendo limites com critici-
dade, reflexão e posicionamentos ativos.
Para tal, precisamos pensar em um modelo de Educação Integral que
vislumbre se pautar na qualidade, entendendo que o fato de a extensão do
período em tempo e também das tarefas não poder balizar o currículo da
Educação Integral, tal situação não garante sucesso. O currículo da Educa-
ção Integral fará sentindo quando realmente conseguir atingir os alunos em
suas vontades e anseios, e isso passa diretamente por situações pedagógicas
totalizadoras e integradoras. Mas especificamente pelas situações de inter-
disciplinaridade nas unidades escolares, onde as disciplinas devem dialogar
pensando em um objetivo comum. Esse movimento tende a legitimar todas
as disciplinas escolares, sejam elas da Base Nacional Curricular Comum ou
da Parte Diversificada, uma subsidiando a outra, nunca sendo “muleta”.
A interdisciplinaridade permitirá a participação coletiva dos docentes,
colocando-os em discussão, enriquecendo seus conhecimentos, também
pelo diálogo. Precisamos ter a humildade de admitir que não possuímos
todos os conhecimentos, e isso é bom, pois nos proporciona ouvir outras
ideias, transformando o professor em aluno – afinal, somos eternos alunos
e estamos em constante transformação.
Um currículo pautado na democracia, nas relações dialógicas, nas
intencionalidades e possibilidades, deixando de lado a fragmentação do
conhecimento, não é utopia, até parece, mas não é. Trabalhoso, sim, po-
rém a escola, principalmente a escola de educação integral precisa estar de
“roupa nova” entender que precisa ressignificar hábitos e costumes.
A escola precisa atender aos alunos de maneira inovadora, pois são
indivíduos que a cada dia querem mais e mais, seres inquietantes, contes-
tadores que querem mudar o mundo; por isso a escola deve agir possibi-
litando aos seus alunos essa mudança revolucionária, oportunizando uma
escola com qualidade e acima de tudo equidade. A educação Integral pode
e deve ser esse veículo impulsionador; não uma escola dos sonhos, mas
uma escola de possibilidades.

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227
PUBLICAÇÕES, EM REVISTAS
BRASILEIRAS, SOBRE A PRÁTICA
DE ATIVIDADE FÍSICA ENTRE
ADOLESCENTES: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA
José Augusto Dalmonte Malacarne23

INTRODUÇÃO

A atividade física é definida como qualquer movimento corporal ge-


rado pela musculatura esquelética resultante em gasto energético acima
dos níveis de repouso. Ela pode ser categorizada por atividades físicas de
lazer, atividades físicas de deslocamento e atividades físicas domésticas
(CASPERSEN et al., 1985). Embora praticadas com finalidades distin-
tas, elas podem resultar em benefícios à saúde das pessoas. Pigin (2019)
amplia este conceito, de modo holístico, referindo-se à ação das pessoas se
movendo, sendo influenciado por instruções, emoções, interesses, ideias
e relacionamentos.
A prática de exercícios entre adolescentes pode estar associada, de
modo agudo e crônico, à prevenção e tratamento de doenças cardiovas-
culares, ósseas, articulares, depressão, ansiedade, alguns tipos de câncer,

23 Mestrando em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Física da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGEF/UFRJ). Especialista em Pedagogia Crítica da
Educação Física.

228
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

dentre outras. Ainda, relaciona-se às atividades físicas à manutenção da


saúde, atuando na profilaxia de doenças e na promoção da saúde e da qua-
lidade de vida (HALLAL et al. 2006; HALLAL et al. 2010; CAMPOS et
al. 2019).
Estudos apontam para o fato de que ser ativo fisicamente na infância
e na adolescência pode contribuir para que, na vida adulta, os indivíduos
mantenham um nível de atividade tal qual recomendado pela Organi-
zação Mundial da Saúde (OMS) para gerar impacto nos níveis de saú-
de (KJØNNIKSEN et al., 2009; WHO, 2010; HALLAL, 2010). Sendo
assim, sugerem-se 60 minutos diários, ou 300 minutos acumulados de
atividades físicas semanais para gerar impactos significativos na saúde das
crianças e dos adolescentes (WHO, 2010).
No Brasil, em termos legais, consideram-se adolescentes os indiví-
duos com idade entre 12 e 18 anos (ECA, 1990). A Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (PenSe, 2015), refere-se à adolescência enquanto a
transição da infância para a vida adulta, período em que há modificações
biológicas, intelectuais, sociais e emocionais entre os indivíduos.
Mesmo já se tendo uma ampla discussão científica com estudos su-
gerindo os benefícios da prática de exercícios à saúde dos adolescentes,
parece que os trabalhos envolvendo a prevalência de atividades físicas entre
adolescentes e os fatores associados a elas estão estritamente vinculados a
uma perspectiva biológica do corpo e dos benefícios fisiológicos acarreta-
dos por elas. Com isso, ignoram-se as demais contribuições que ela pode
proporcionar para o desenvolvimento do indivíduo, como as questões so-
ciais, culturais, políticas e psicológicas.
Diante disso, algumas questões podem – e devem – ser repensadas no
processo de produção e divulgação dos conhecimentos científicos sobre a
importância da prática de atividades físicas para os adolescentes, como, por
exemplo, quais os conteúdos que estruturam e carregam estes trabalhos?
Seriam estes pautados nos múltiplos benefícios das atividades físicas de
lazer, ou carreados, principalmente, no discurso biomédico medicalizante
de atividade física enquanto garantia de saúde e ausência de doenças? É
preciso, neste contexto, um olhar menos reducionista para este tema.
Diante destes questionamentos, o objetivo do presente estudo foi ana-
lisar os conteúdos presentes nas publicações de artigos científicos de pe-
riódicos brasileiros sobre a prática atividade física entre adolescentes. Isto,

229
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

em jornais com estratos A1 e A2 na área de avaliação da Educação Física,


de acordo a plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES).

PERCURSO METODOLÓGICO

Foi realizada uma revisão sistemática de literatura, destacando tanto


aspectos quantitativos como qualitativos associados ao conteúdo dos tra-
balhos analisados. Para Galvão e Ricarte (2019), a revisão sistemática é
uma modalidade de pesquisa bibliográfica que segue padrões específicos,
buscando reunir um conjunto documental e verificando as informações
prevalentes dentro de um contexto. De acordo com Goldenberg (2004),
ao integrar a pesquisa quantitativa com a qualitativa, há a possibilidade
de um cruzamento de inferências de modo que os resultados obtidos não
sejam provenientes de uma única perspectiva.
Para seleção dos artigos analisados, utilizou-se a plataforma Sucupi-
ra da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CA-
PES), em que foram pesquisados por periódicos brasileiros com classi-
ficação A1 e A2 relacionados à área de avaliação da Educação Física, no
quadriênio de 2013-2016.
Na seleção das revistas, optou-se por incluir periódicos brasileiros pu-
blicados na versão on-line. O recorte temporal compreendeu o período de
janeiro de 2015 a agosto de 2020. Na classificação A1, não foi encontrada
nenhuma revista brasileira da área da Educação Física. Já na A2, foram
identificadas 14 revistas, conforme apresentado no quadro 1.

Quadro 1 – Revistas encontradas na área de avaliação da Educação Física com Qualis A2


publicadas na versão on-line

ISSN TÍTULO DA REVISTA CLASSIFICAÇÃO

1809-4406 Acta Ortopédica Brasileira A2


1677-9487 Arq Bras Endocrinol Metabol A2
1414-431X Brazilian Journal of Medical And A2
Biological Research
1808-8686 Brazilian Journal of A2
Otorhinolaryngology

230
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

ISSN TÍTULO DA REVISTA CLASSIFICAÇÃO

1809-9246 Brazilian Journal of Physical Therapy A2


1809-4570 Brazilian Journal of Rheumatology A2
1678-4464 Cadernos de Saúde Pública – Fiocruz A2
1678-4561 Ciência & Saúde Coletiva A2
1982-8918 Movimento (UFRGS) A2
1806-9940 Revista Brasileira de Medicina Do A2
Esporte
2255-5021 Revista Brasileira de Reumatologia A2
1678-9865 Revista de Nutrição A2
1518-878 Revista de Saúde Pública A2
1984-0470 Saúde e Sociedade A2
Fonte: os autores, 2021.

Após a identificação das revistas através da consulta na plataforma


Sucupira, o site individual de cada uma delas foi acessado, sendo realiza-
da a busca pelos descritores: “exercício físico OR exercícios físicos OR
exercícios OR atividade física OR atividades físicas OR práticas corporais
AND adolescente OR adolescentes”.
Os critérios de inclusão dos artigos no estudo foram: a) serem pu-
blicados entre janeiro de 2015 a agosto de 2020; b) serem produzidos,
por pelo menos um pesquisador brasileiro, e publicados em português;
c) terem no título, resumo ou nas palavras-chave alguns dos descritores
supracitados. Os critérios de exclusão foram: a) artigos que, depois de li-
dos os títulos, resumos e em alguns casos o corpo do texto, os objetivos
não eram compatíveis com o objetivo principal do tema investigado; b)
trabalhos que consideravam adolescentes indivíduos maiores de 19 anos e
menores de 11 anos.
Após a seleção, leitura e análise dos artigos encontrados, eles fo-
ram analisados em uma perspectiva quanti-qualitativa. Sendo assim,
foi realizada a análise dos descritores gerais e específicos dos artigos,
conforme disposto por Teixeira e Megid-Neto (2006). Também foram
produzidas tabelas, por meio do programa Microsoft Word 2010, para
apresentação dos artigos, autores, universidades, estados e regiões em
que foram produzidos.

231
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Primeiro, acessou-se o site eletrônico da Plataforma Sucupira e se-


guiu-se para o campo Qualis periódicos. O evento de classificação sele-
cionado foi o quadriênio entre 2013-2016; a área de avaliação selecionada
foi a Educação Física; e os campos de classificação selecionados, em buscas
diferentes, foram: A1 e A2 considerando apenas as versões on-line.
Levando em consideração os critérios de busca e inclusão dos perió-
dicos, foram encontradas 239 revistas no estrato A1, mas nenhuma bra-
sileira estava inclusa na avaliação de Educação Física. Para o estrato A2,
foram encontradas 275 revistas. Depois de lidos os títulos e selecionado as
revistas brasileiras, chegou-se ao quantitativo de 14 periódicos. Embora as
revistas sejam brasileiras, algumas têm seus títulos e publicações em inglês
e, também, há aquelas correlacionadas a outros campos do conhecimen-
to, tais como a nutrição, fonoaudiologia, medicina etc. Mesmo assim, os
critérios de busca foram testados em todas, mas depois de selecionados os
materiais, apenas três revistas forneciam textos ligados à temática deste
estudo, conforme apresentado no quadro 2. Após o processo de leitura e
exclusão dos artigos inelegíveis, 18 se adequaram ao objetivo do estudo,
que estão apresentados no quadro 3.

Quadro 2 – Quantidade de artigos selecionados por revistas


REVISTA QUANTIDADE
DE ARTIGOS
SELECIONADOS
Cadernos de Saúde Pública 5
Ciência & Saúde Coletiva 7
Revista Brasileira de Medicina do Esporte 6
Fonte: os autores, 2021.

Foram encontrados alguns artigos epidemiológicos de prevalência de


atividade física nas revistas relacionadas à saúde pública e à saúde coletiva,
ao passo que o quantitativo na Revista Brasileira de Medicina do Esporte
surpreendeu, uma vez que se pensava encontrar investigações associadas às
lesões, ao processo de retreinamento e do treinamento de força.

Quadro 3. Títulos dos artigos, ano de publicação, autores, objetivos, amostra e metodo-

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logia utilizada
AUTOR/ TÍTULO OBJETIVO AMOSTRA/ MÉTODO E
ANO LOCAL INSTRUMENTO
DE COLETA
Camargo et Interação dos fatores Investigar a 1.984 Estudo transversal,
al. (2020) sociodemográficos interação dos fatores estudantes, com com uso de
na associação entre sociodemográficos na idade entre questionário.
fatores psicossociais e associação 15 e 17 anos,
transporte ativo para dos fatores de Curitiba,
a escola psicossociais com o Paraná.
transporte ativo para
a escola.
Simões et al. Saúde dos adolescentes Estimar a prevalência 2.525 Estudo transversal
(2020) da coorte de de indicadores de adolescentes, com uso de
nascimentos de São saúde de adolescentes com idade entre questionário e
Luís, Maranhão, em São Luís, 18 e 19 anos, aferição de medidas
Brasil, 1997/1998 Maranhão, Brasil, em de São Luís, antropométricas.
2016. Maranhão.
Ferreira et Desigualdades Identificar Foram incluídos Estudo descritivo,
al. (2018) sociodemográficas na desigualdades na na PeNSE 2009, utilizando os dados
prática de atividade prática de atividade 2012 e 2015, provenientes da
física de lazer e física de lazer 61.301, 61.145 e Pesquisa Nacional de
deslocamento ativo e deslocamento 51.192 escolares, Saúde do Escolar –
para a escola em ativo para escola respectivamente, PeNSE.
adolescentes: Pesquisa em adolescentes com idades
Nacional de Saúde do brasileiros, bem entre 13 a 17
Escolar (PeNSE 2009, como suas anos.
2012 e 2015) tendências de acordo
com o sexo, tipo de
escola, escolaridade
materna e regiões
geográficas de 2009
a 2015.

Ferrari et al. Estilo de vida saudável Analisar o estilo de 560 adolescentes Estudo transversal,
(2017) em São Paulo, Brasil vida das populações com idade entre com uso de
adolescente, 12 e 19 anos, da questionário.
adulta e idosa do cidade de São
Município de São Paulo.
Paulo, Brasil, de
acordo com variáveis
demográficas e
socioeconômicas.

233
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Bergamann Atividade física, tempo Avaliar associações 12.883 Estudo transversal,


et al. (2016) de tela e utilização transversais e adolescentes, com uso de
de medicamentos em longitudinais entre com idade entre questionário.
adolescentes: coorte atividade física, 11 e 19 anos,
de nascimentos de tempo de tela e uso de Pelotas, Rio
Pelotas, Rio Grande de medicamentos Grande do Sul.
do Sul, Brasil, 1993 em adolescentes da
coorte de nascidos
em Pelotas, Rio
Grande do Sul,
Brasil, em 1993.
Piola et al. Nível insuficiente Verificar o impacto 899 adolescentes Estudo transversal,
(2020) de atividade física e de fatores associados com idade entre com uso de
elevado tempo de ao nível insuficiente 15 e 18 anos questionário.
tela em adolescentes: de atividade física e de São José dos
impacto de fatores elevado Pinhais, Paraná.
associados tempo de tela em
adolescentes.
Minuzzi et Relação do Identificar a relação 208 Estudo transversal,
al (2019) comportamento do do Perfil de Estilo de adolescentes, com uso de
perfil do estilo de vida Vida (PEV) parental com idade entre questionário.
de escolares com o de com os estudantes. 11 e 15 anos, de
seus pais uma escola não
informada no
estado do Rio
Grande do Sul.
Campos et Conhecimento de Investigar o 302 Estudo transversal,
al. (2019) adolescentes acerca dos conhecimento dos adolescentes, com uso de
benefícios do exercício adolescentes acerca com idades questionário.
físico para a saúde dos benefícios do entre 14 e 19
mental exercício físico anos, de uma
sobre a saúde mental. escola pública
do Centro-
Oeste de Minas
Gerais.
Smouter et Associação entre Analisar a associação 98 adolescentes, Estudo transversal,
al. (2019) nível de atividade entre nível de com idade com uso de
física e autoconceito atividade física média de 16,7 questionário.
de autoestima de e autoconceito anos de um
adolescentes de autoestima de colégio público
adolescentes. de Irati, Paraná.

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Bacil et al. Reprodutibilidade Analisar a 1.189 Estudo transversal,


(2018) de um questionário reprodutibilidade adolescentes, com uso de
de atividade física em “teste-reteste” de com idades questionário.
escolares de 9 a 15 um questionário de entre 9 e 15 anos
anos de idade Atividade Física em da rede pública
1.189 escolares, de de ensino
ambos os sexos, de de Curitiba,
9 a 15 anos da rede Paraná.
pública de ensino de
Curitiba/PR.
Mendonça Padrões de prática de Descrever os 2.350 Estudo transversal,
et al. (2018) atividade física em padrões de prática adolescentes com uso de
adolescentes de um de atividade física de João Pessoa, questionário.
município da região e analisar suas Paraíba.
Nordeste do Brasil variações conforme
as características
sociodemográficas de
adolescentes de um
município da região
nordeste do Brasil.
Silva et al. Níveis insuficientes Investigar as 2.545 Estudo transversal,
(2018) de atividade física associações entre adolescentes com uso de
de adolescentes o nível de atividade com idades questionário.
associados a fatores física com os fatores entre 14 e
sociodemográficos, sociodemográficos, 18 anos de
ambientais e escolares. ambientais e escolares Florianópolis.
de adolescentes.
Nascimento Sedentarismo Avaliar a associação 129 Estudo transversal,
et al. (2019) em adolescentes entre inatividade adolescentes, com uso de
é associado ao física e variabilidade com idades questionário.
comprometimento da frequência entre 15 e 17
da modulação cardíaca (VFC) em anos de uma
cardiovascular adolescentes. escola estadual
autonômica de São Paulo.
Andrade Níveis de Atividade Verificar o nível 62 adolescentes Pesquisa quantitativa
e Castro Física: um estudo de atividade física com idades de natureza
(2017) comparativo entre entre adolescentes entre 10 e 19 Investigativa e
adolescentes surdos e surdos comparados anos de Minas comparativa.
ouvintes a adolescentes Gerais.
ouvintes.

235
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Luciano et Nível de atividade Aplicar de um 202 adolescentes Estudo quantitativo


al. (2016) física entre questionário para de Taubaté, São de natureza
adolescentes saudáveis avaliar o nível de Paulo. descritiva com uso de
atividade física questionário e dados
realizada escolares.
e suas correlações
com estágios
da puberdade e
índice de massa
corporal (IMC)
em adolescentes
saudáveis
matriculados na rede
municipal de ensino
da cidade de Taubaté,
SP, Brasil
Coledam et Fatores associados Analisar os fatores 736 adolescentes Estudo transversal,
al. (2016) à aptidão associados a aptidão com idades com uso de
cardiorrespiratória em cardiorrespiratória entre 10 e questionário e
escolares em escolares. 18 anos de aferição de medidas
Londrina, antropométricas.
Paraná.
Pereira et al. Fatores associados à Identificar a 1.455 Estudo transversal,
(2016) baixa aptidão física de prevalência e os adolescentes com testes físicos.
adolescentes fatores associados à com idades
baixa ApFRS em entre 10 e
adolescentes. 17 anos de
Uruguaiana,
Rio Grande do
Sul.
Menezes Condições de vida, Verificar indicadores 3.992 Estudo transversal,
e Duarte inatividade física e das condições de adolescentes com uso de
(2015) conduta sedentária de vida associados as com idade entre questionário.
jovens nas áreas urbana prevalências do nível 14 e 19 anos de
e rural. de atividade Sergipe.
física abaixo das
recomendações
(NAFAR) e da
exposição ao
comportamento
sedentário (ECS)
em escolares de áreas
urbanas e rurais de
Sergipe, Brasil.
Fonte: os autores, 2020.

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Dentre os trabalhos analisados, a maioria foi realizada em parceria en-


tre Instituições e pesquisadores brasileiros. Apenas o estudo de Camargo
et al. (2020), teve participação de instituição estrangeira, a Faculdade de
Desporto, da Universidade do Porto – Portugal.
No que diz respeito às regiões brasileiras onde os estudos foram rea-
lizados, a região Sul teve destaque, visto que sete trabalhos foram inte-
gralmente realizados por pesquisadores desta região (CAMARGO et al.,
2020; PIOLA et al., 2020; MINUZI et al. 2019; SMOUTER et al., 2019;
BACIL et al., 2018; SILVA et al., 2018; MENEZES; DUARTE, 2015).
Ainda, outros quatro estudos tiveram participação de instituições do Sul
do país (FERREIRA et al., 2018; BERGAMAN et al., 2016; COLE-
DAM et al., 2018; PEREIRA et al., 2018). A Região Sudeste teve três
trabalhos integralmente realizados (FERRARI et al., 2017; CAMPOS
et al., 2018; LUCIANO et al. 2016) e participou nos estudos (BERGA-
MANN et al., 2016; NASCIMENTO et al., 2019; ANDRADE; CAS-
TRO, 2017; COLEDAM et al., 2016). A Região Nordeste produziu
integralmente dois estudos (SIMÕES et al. 2020; MENDONÇA et al.
2020), e participou de outros quatro trabalhos (FERREIRA et al., 2018;
NASCIMENTO et al., 2019; ANDRADE; CASTRO, 2017; MENE-
ZES; DUARTE, 2015). A região com menor publicação deste tema foi a
Centro-Oeste, com um trabalho realizado em parceria com instituições
do Sul e do Nordeste (FERREIRA et al., 2018).
Dos 18 trabalhos, dez foram realizados totalmente por instituições
públicas federais; dois por instituições públicas estaduais e um por insti-
tuição particular. Em parceria, dois foram realizados por instituições fede-
rais, estaduais e particulares e três por universidades federais e estaduais.
Todos os estudos, exceto o de Simões et al. (2018), usaram o delinea-
mento transversal, com suas variáveis, como desenho do estudo. Entende-
-se a escolha deste desenho nos estudos epidemiológicos que envolvem a
prática de atividade física, pois envolvem amostras com grupos de diferen-
tes idades, com coleta em um único momento, para associar os desfechos
pretendidos (TOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2012). Simões et al.
(2018) realizaram um estudo descritivo, em que se apropriou de dados
provenientes da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PENSE) para es-
timar a prevalência dos indicadores de saúde dos estudantes do Maranhão.
Chama-se atenção para o trabalho de Andrade e Castro (2017), o único

237
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

que abordou a temática inclusiva de adolescentes com deficiência auditiva,


quantificou, analisou e comparou adolescentes surdos e ouvintes quanto à
prática de atividade física.
No que diz respeito aos instrumentos para coleta de dados, grande
parte dos estudos utilizou o questionário, seja ele isolado, com questões
específicas entre atividade física e as variáveis investigadas, ou, em alguns
casos, o utilizaram junto à coleta de medidas antropométricas dos adoles-
centes. Florindo et al. (2006), especialistas epidemiológicos em atividade
física e nutrição, elaboraram um questionário com 17 questões para ado-
lescentes e depois de teste e reteste, o validaram. Os autores recomendam
o uso de questionários para mensurar a atividade física em trabalhos que
envolvem adolescentes (FLORINDO et al., 2006).
É interessante ressaltar que as associações da atividade física foram fei-
tas em quatro grupos principais: condições sociodemográficas (três traba-
lhos); aspectos relacionados à saúde (dez trabalhos); sedentarismo (quatro
trabalhos) e; inclusão (um trabalho). Apesar disto, é difícil e um tanto
delicado fazer tais delimitações e categorizações, uma vez que, de modo
geral, todos justificam a realização das investigações em prol da saúde dos
adolescentes.
Abaixo, no quadro 4, tem-se a exposição dos trabalhos quanto a sua
instituição de origem, sua especificação (pública – estadual ou federal –,
particular), estado e região que foi realizado.

Quadro 4 – Artigos de acordo com a região, estados e tipos de instituição que foram
realizados
PARTI- ESTA- FEDE-
AUTORES UF REGIÃO IES
CULAR DUAL RAL
Camargo et al. PR/
SUL UFPR X
(2020) PORTO
Simões et al.
MA NORDESTE UFMA X
(2020)
SUL/CENTRO-
Ferreira et al. RS/DF/PE/ UFPEL/UDF/UPE/
OESTE/ X X X
(2018) PB UFPB
NORDESTE
Ferrari et al. USP/UNICAMP/IS-
SP SUDESTE X X
(2017) SES-SP
Bergamann et RGS//UFPEL/UFCSPA/
RS/SP SUL/SUDESTE X X
al. (2016) USP
Piola et al.
PR SUL UFPR X
(2020)

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C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

PARTI- ESTA- FEDE-


AUTORES UF REGIÃO IES
CULAR DUAL RAL
Minuzzi et al
RS SUL UFSM/CMSM X
(2019)
Campos et al.
MG SUDESTE UFSJ X
(2019)
Smouter et al.
PR SUL UNICENTRO X
(2019)
Bacil et al.
PR SUL UFPR X
(2018)
Mendonça et
PB NORDESTE UFPB X
al. (2018)
Silva et al.
SC SUL UDESC X
(2018)
Nascimento et SUDESTE/ UEPA/USP/UFMA/
SP/PA/MA X X X
al. (2019) NORDESTE USJT
Luciano et al.
SP SUDESTE FMABC/FMTB X
(2016)
Coledam et al.
SP/PR SUDESTE/SUL IFSP/UEL/UNESP X X
(2016)
Pereira et al.
RS SUL UNIPAMPA X
(2016)
Menezes e NORDESTE/
SE/SC IFSE/UFSC X
Duarte (2015) SUL
Fonte: os autores, 2021.

Levando em consideração os artigos analisados, assim como outros


textos presentes no campo da epidemiologia da atividade física, percebe-se
um forte viés biomédico associado à prática de atividades físicas e demais
práticas corporais. É, sobretudo, fruto de uma concepção estritamente
biológica de corpo e saúde, sem vínculo com referenciais das ciências hu-
manas e sociais (NOGUEIRA, 2017; PALMA, 2020).
Sabe-se que os exercícios físicos promovem diversas alterações fisioló-
gicas no organismo humano, em nível de saúde. Entretanto, é preciso que
a produção científica não se limite apenas a essa questão, mas, também,
aos impactos sociais, culturais e econômicos que estão vinculados a essas
práticas. A educação física, nesse sentido, está fortemente ligada aos estu-
dos epidemiológicos, médicos, biológicos e estatísticos, exaltando as alte-
rações agudas e crônicas das atividades físicas. Por outro lado, percebe-se
que os conhecimentos oriundos das ciências sociais e humanas não vêm
sendo valorizados nesse contexto (PALMA, 2020).

239
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

É necessário, portanto, pensar nas práticas de atividades físicas des-


tinadas às crianças e adolescentes enquanto fatores de desenvolvimento
humano, entendido por Palma (2020, p.25) enquanto “processo de alar-
gamento das escolhas das pessoas”. Desse modo, ao se adotar o discurso
hegemônico de atividade física e saúde, a prática se torna fundamentada
na medicalização da vida, sendo os condicionantes e determinantes sociais
colocados em segundo plano e, por vezes, desconsiderados. Isto, contudo,
é permeado por valores morais, com insinuações sobre uma irresponsa-
bilidade consigo mesmo e com seu estilo de vida que pode gerar gastos
aos serviços de saúde pública (PALMA, 2009; BAGRICHEVSKY et al.,
2010).
Por isso, Palma et al. (2003) advogam que parecem existir algumas in-
coerências na produção científica sobre atividades físicas e saúde, rodeadas
por conflitos de interesses e estratégias econômicas e mercadológicas, que,
aliados à função enfraquecida do Estado e ignorando o contexto social,
produzem estes discursos. Praticar atividade física, desse modo, está além
de uma escolha individual e moral, mas é produto de complexas relações
sociais (PALMA et al., 2003). Percebe-se que as “escolhas possíveis” não
são, essencialmente, as “necessárias”, defendidas repentinamente pelas
diretrizes de atividades físicas e pela produção científica (PALMA et al.,
2010).
Diante destas questões, as intervenções propostas por meio das ati-
vidades físicas se pautam, majoritariamente, nos índices matemáticos e
estatísticos, considerando unicamente as alterações fisiológicas e o tempo
necessário, em minutos/semana, para gerar impactos na “saúde”. Por ou-
tro lado, carecem de análises mais aprofundadas sobre o contexto social,
econômico, político, cultural e ambiental destes indivíduos e os culpam,
em uma perspectiva moralista e de juízo de valor, por não terem as condi-
ções de acesso às atividades físicas (PALMA, 2020; HALLAL; KNUTH,
2011).
Hallal e Knuth (2011) alertam que as pesquisas epidemiológicas en-
volvendo atividade física não são irrefutáveis, pelo contrário, devem ser
constantemente repensadas, sobretudo quando os indivíduos são catego-
rizados enquanto “ativos”, “insuficientemente ativos” ou “inativos”, uma
vez que estas análises são de ordem, o que pode gerar más interpretações,
dados taxativos e, até mesmo, constrangedores.

24 0
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Diante disso, percebe-se que seria viável, ao se mensurar a prática


de atividades físicas entre os adolescentes, que os pesquisadores refletis-
sem sobre os contextos desses indivíduos e sobre quais as oportunidades
que eles têm para ingressar em algum programa de esporte e lazer. Por
isso, Palma (2017) chama atenção para a desigualdade social existente, as-
sim como a pobreza, o grau de instrução dos familiares, a alimentação, as
questões ambientais, as condições de moradias, o trabalho, a violência,
dentre outros fatores, que podem influenciar na prática de exercícios físi-
cos e não podem ser ignorados pela produção científica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi analisar os conteúdos presentes nas pu-


blicações de artigos científicos e de pesquisadores brasileiros sobre a prá-
tica atividade física entre adolescentes. Depois de seguidos os passos me-
todológicos delineados, apenas 18 trabalhos se adequaram à proposta. A
região brasileira que mais desenvolve trabalhos nessa perspectiva é a Sul,
especialmente nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Verificou-se que são poucos os estudos epidemiológicos que dão
ênfase aos processos pedagógicos e socioculturais da atividade física. Dos
que compuseram a amostra da pesquisa, por exemplo, apenas três preo-
cuparam-se, primariamente, em fazer a associação dos aspectos sociais
e demográficos vinculados à atividade física, enquanto um se apoiou na
perspectiva inclusiva e os demais na vertente sedentarismo/saúde.
Algumas limitações consistem no fato de a amostra consistir apenas
de estudos brasileiros, publicados em periódicos nacionais e em língua
portuguesa, embora se reconheça a importância de valorização da ciência
nacional, com toda sua qualidade e luta diante do cenário político-econô-
mico difícil que os brasileiros passam. Contudo, pode-se ampliar a inves-
tigação para demais bases de dados e idiomas.
Percebe-se que o discurso de saúde se sobrepõe aos aspectos sociais,
culturais, políticos e mentais inerentes à prática de atividade física. Isto,
contudo, pode influenciar até mesmo nas políticas públicas destinadas às
atividades físicas dos adolescentes, que priorizam esportes e exercícios de
força, quando, deveriam se atentar para as múltiplas possibilidades de ma-
nifestação das práticas corporais, como os jogos, as danças e as brincadeiras.

24 1
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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24 6
BIBLIOTECA ESCOLAR VIRTUAL: UM
ESTÍMULO À LEITURA NO PERÍODO
DE DISTANCIAMENTO SOCIAL E
ENSINO REMOTO
Aline Castro Mesquita24

INTRODUÇÃO

Vivemos um momento único e transformador na educação, com no-


vos desafios, propostas e inovações para o ensino. O futuro da educação
depende de uma renovação e ressignificação na forma como fazemos a
nossa prática pedagógica, pois, diante de tantas mudanças e incertezas,
o que permanece é a certeza de ensinar e aprender, nos reinventando e
criando estratégias e meios para uma nova ação educativa.
A continuidade e funcionalidade das bibliotecas escolares depende
agora de sua capacidade de se adaptar a essas mudanças e evoluir com
elas, por meio de seu acesso à cultura digital. Mudanças essas, previstas na
BNCC (2017) desde a sua criação:

Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem promovi-


do mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas.
Em decorrência do avanço e da multiplicação das tecnologias de
informação e comunicação e do crescente acesso a elas pela maior
disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e

24 Mestranda em Ciências da Educação (CECAP) em andamento.

24 7
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

afins, os estudantes estão dinamicamente inseridos nessa cultura,


não somente como consumidores. Os jovens têm se engajado cada
vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se di-
retamente em novas formas de interação multimidiática e multi-
modal e de atuação social em rede, que se realizam de modo cada
vez mais ágil. (BNCC, 2017, p. 61).

Essa adequação vai para além de um espaço físico e visa oportunizar a


leitura a todos os alunos, principalmente aqueles pertencentes aos grupos
de maior vulnerabilidade e não dispõem de um ambiente leitor no seu en-
torno, pois, entendemos que crianças leitoras desenvolvem mais e melhor
todas as outras áreas do conhecimento, “enfim, o contato com o livro
enriquece culturalmente o indivíduo e promove a sua autonomia. Isso
sem falar, da importância do livro e da leitura para a melhoria da compe-
tência e aprendizagem do código linguístico” (SILVA et al., 2014, p. 85).
As bibliotecas virtuais já são, há muito tempo, uma realidade no mundo
acadêmico, mas só há pouco migraram para a educação básica.
A proposta da biblioteca escolar virtual busca disponibilizar apren-
dizagens, instigar a curiosidade, enriquecer o vocabulário e proporcionar
prazer e diversão, com a utilização da tecnologia para transmitir e com-
partilhar livros, vídeos, filmes, pesquisas, informações e assuntos diversos
da atualidade, tendo como público-alvo alunos, professores, funcionários
e toda a comunidade no entorno da escola.
Um artigo de 2012, publicado pela revista Nova Escola, ilustra um
pouco da relevância do assunto aqui proposto, que diz: E essas bibliotecas
“sem paredes” são um grande aliado para a educação e, principalmen-
te, um importante canal para que todos tenham o acesso à informação.
(PORTILHO; PINTO, 2012).
Com o início das aulas virtuais, para todas as séries e níveis de ensi-
no, veio a necessidade da participação indispensável da biblioteca, sendo a
leitura uma excelente oportunidade, não somente de reflexão e aprendi-
zagem, mas também uma boa aliada para a mente, as emoções e o bem-
-estar, fundamentais nesse período de distanciamento social.
O objetivo geral proposto aqui é refletir sobre a relevância e influência
que a biblioteca digital implantada nas escolas de educação básica tem em
relação ao desenvolvimento e aprendizagem dos educandos considerados

24 8
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

nativos digitais e demais seguimentos da comunidade escolar. Essa inves-


tigação se justifica, porque a ideia de utilização dos recursos tecnológicos
nas mais diversas áreas do ensino tem sido uma necessidade urgente na
sociedade contemporânea, devido principalmente a pandemia, que trouxe
mudanças e desafios para a prática pedagógica e para o processo de ensi-
no-aprendizagem.
Os principais autores citados são: Paulo Freire (1989), Palfrey, J.;
Gasser, U. (2011), Prensky, M. (2001) e outros, que abordam diferentes
conceitos e reflexões, acerca da prática da leitura e do emprego das tec-
nologias nas bibliotecas escolares. A metodologia utilizada foi a pesquisa
qualitativa e revisão bibliográfica, embasada em aportes teóricos, que de-
batem sobre a importância da leitura e da implantação e funcionalidade
das bibliotecas digitais. Nessas perspectivas, surgiram então observações
sobre a reestruturação e modernização das bibliotecas, que podem contri-
buir para a sua introdução no âmbito tecnológico.
Democratizar o acesso à leitura de qualidade, através das bibliotecas
virtuais, é essencial, principalmente para aqueles que são mais atingidos
por fatores externos como a baixa escolaridade da família, violência, vul-
nerabilidade econômica e social, fatores que prejudicam a formação de
bons leitores. Através dos meios digitais e tecnológicos, estamos viven-
ciando uma importante transformação, e uma experiência única num
momento histórico decisivo para a humanidade.

1. O PAPEL DA BIBLIOTECA VIRTUAL

Uma educação de qualidade precisa de uma escola leitora, que valori-


za e incentiva a leitura, como um valioso elemento para o desenvolvimen-
to cognitivo, emocional e social, pois ler também é fundamental para o
exercício da plena cidadania e inclusão na sociedade. Para a BNCC (2017,
p. 42), “[a]s experiências com a literatura infantil, propostas pelo educa-
dor, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvi-
mento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do
conhecimento de mundo”.
A leitura, para além da decodificação de símbolos e letras, precisa ser
refletida, compreendida e contextualizada; dessa maneira, ela trabalha a

24 9
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

oralidade, a memória, a concentração e a criatividade, fazendo parte da


aprendizagem, porquanto elas estão intrinsecamente ligadas.

A leitura reflexiva possibilita o desenvolvimento e aplicação de no-


vos conhecimentos, desperta no leitor ideias nunca antes pensadas,
melhora a comunicação oral e escrita e desenvolve autonomia e
capacidades cognitivas, promovendo, graças aos aspectos informa-
tivos e formativos, formas de se inserir na sociedade em que vive. A
leitura reflexiva e orientada ainda permite o despertar de valores e
princípios humanísticos e éticos. O aluno, que tem contato íntimo
com a leitura na escola, leva conhecimento e informação ao seio
familiar, motivando os membros da família a desenvolver melhores
hábitos, contribuindo para uma melhor qualidade de vida. (SIL-
VA; GOBBI, 2014, p. 100).

Com o objetivo de alcançar melhores resultados, principalmente de


compreensão leitora, precisamos focar na BNCC (2017), tanto nos cam-
pos de experiências; escuta, fala, pensamento e imaginação, como tam-
bém nas habilidades de compreensão leitora, entre elas a identificação,
reconhecimento e organização de informações; comparação, distinção,
estabelecimento de relação entre partes de um texto e inferência. Embora
as habilidades leitoras possam ter início antes da criança aprender a ler,
através da leitura de um adulto ou da visualização de imagens e gravuras,
infelizmente esse hábito não faz parte da população, em geral, daí a rele-
vância da introdução de bibliotecas digitais nas escolas de ensino básico,
principalmente nesse momento de distanciamento social, sendo que, além
de mais barato do que o livro físico, esse tipo de leitura tem maior alcance
e acesso.
O acesso digital não é universal, por causa das condições econômicas
e sociais da maioria da população, causando, no caso da escola pública,
até o aumento da desigualdade no ensino e discriminação social. Então as
questões pedagógicas, financeira e social são fundamentais nesse incentivo
à leitura digital, como também a desigualdade entre gerações, consideran-
do que, os nascidos na era digital apresentam maior facilidade e intimida-
de nesse tipo de aprendizagem. Para Prensky (2001), os nativos digitais
são aqueles que compreendem e utilizam com segurança as ferramentas

250
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digitais, adaptados ao contexto tecnológico, “Nossos alunos mudaram ra-


dicalmente. Os alunos de hoje não são os mesmos para os quais o nosso
sistema educacional foi criado [...]” (PRENSKY, 2001).
Por não se tratar de um ato natural, a leitura precisa da orientação e
mediação de um leitor experiente, nesse caso capacitado e conhecedor
dos meios digitais, sendo que a leitura interessante e prazerosa aumenta a
qualidade da aprendizagem, tornando o ato de ler colaborativo, interativo
e participativo, podendo ser uma excelente atividade de apoio na constru-
ção da aprendizagem e então se tornar um hábito mais rotineiro e natural
para as crianças e adolescentes.
O livro impresso deixou de ser o único objeto de leitura, uma vez que,
atualmente, o ambiente digital vem assumindo progressivamente maior
destaque como portador de textos, sendo que não agora, mas futuramen-
te esse provavelmente, será o formato padronizado em que a informação
circulará. Para alguns autores esse formato é mais que conveniente e atual:

A tecnologia e a internet trouxeram para o século XXI, facilidades


que permitem que em segundos sejam pesquisados os mais varia-
dos temas. Tanta comodidade, em alguns momentos, nos fez pen-
sar se a biblioteca estaria de certa forma ameaçada. Ocorre que na
realidade, um meio de informação se uniu ao outro trazendo para
os leitores outras formas de aprendizagem. (GOBBO et al., 2014,
p. 91).

A criação da biblioteca virtual não ameaça a existência e funcionali-


dade da biblioteca física; pelo contrário, elas se completam no sentido de
ampliar a variedade de leitura e diversificar as interações entre os livros
digitais e físicos, sendo que o livro é mais que um objeto material, ele é
o discurso que um autor dirige ao seu público, influenciando no hábi-
to leitor e no desenvolvimento das habilidades e competências, culturais,
cognitivas, emocionais e sociais. Segundo Palfrey e Gasser (2011):

Os livros não estão mortos e a cultura não está entrando em co-


lapso. Não há necessidade ainda de se preocupar com o futuro
do livro. Para muitas pessoas, o livro continua sendo uma ótima
tecnologia. Livros em papel são importantes em muitos aspectos.
(PALFREY; GASSER, 2011, p. 281).

251
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Hoje, utilizar a tecnologia para superar barreiras e obstáculos impostos


pela pandemia e a necessidade de distanciamento faz parte do progresso e
adaptação, ao qual as bibliotecas também precisam se ajustar para atender a
uma coletividade diversa e dinâmica, oportunidades essas que vieram para
ficar e somar no mundo educacional, afinal as crianças e adolescentes de
hoje passam grande parte do tempo diante da TV, do celular, do tablet etc.
A importância do espaço da biblioteca está presente, em todos os ní-
veis e modalidades do ensino, descritos nas Diretrizes Curriculares Na-
cionais (2013), bem como sua estruturação e aquisição de materiais com-
patíveis com o trabalho que será realizado.

Construir a qualidade social pressupõe conhecimento dos interes-


ses sociais da comunidade escolar para que seja possível educar e
cuidar mediante interação efetivada entre princípios e finalidades
educacionais, objetivos, conhecimento e concepções curriculares.
Isso abarca mais que o exercício político-pedagógico que se viabi-
liza mediante atuação de todos os sujeitos da comunidade educati-
va. Ou seja, efetiva-se não apenas mediante participação de todos
os sujeitos da escola – estudante, professor, técnico, funcionário,
coordenador – mas também mediante aquisição e utilização ade-
quada dos objetos e espaços (laboratórios, equipamentos, mobi-
liário, salas-ambiente, biblioteca, videoteca, etc.), requeridos para
responder ao projeto político-pedagógico pactuado, vinculados às
condições/disponibilidades mínimas para se instaurar a primazia
da aquisição e do desenvolvimento de hábitos investigatórios para
construção do conhecimento. (DIRETRIZES CURRICULA-
RES NACIONAIS, 2013, p. 22).

O receio dos professores de serem substituídos pelo mundo digital se


perdeu, pois diante da pandemia, não houve outra opção para as escolas e
educadores, a não ser assimilar e incluir os recursos digitais no cotidiano
educacional. Tais essas mudanças serão permanentes e duradouras, farão
parte cada vez mais da rotina escolar, e assim teremos que cada vez mais
conviver e nos adaptar a essas inovações e novas realidades.

À medida que o mundo se move, mais e mais, em direção à digi-


talização (impulsionado pela era de avanços tecnológicos em que

252
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

vivemos), as instituições que se relacionam com a informação, tais


como as bibliotecas, precisam transformar-se também para garan-
tir sua acessibilidade e manter-se em dia com as necessidades in-
formacionais da sociedade a que atendem. (LEVACOU, 2005, p.
209).

A pandemia acabou acelerando também o processo de introdução das


bibliotecas escolares no contexto digital, promovendo inovação e qualida-
de para a educação e contribuindo para o bom desempenho do trabalho
didático-pedagógico, incentivando a troca de experiências, uma apren-
dizagem mais ativa e a análise de atitudes e valores. De acordo com Pal-
frey e Gasser (2011, p. 280), as bibliotecas são a faceta da educação que
mudará mais substancialmente na era digital. Entretanto, essa experiência
não substitui o livro impresso, ou a visita às bibliotecas físicas (quando for
permitido e seguro), muito menos a figura do professor, mas acrescenta às
práticas pedagógicas um instrumento inovador, pensado para possibilitar
que o leitor relacione os textos e demais materiais com seu contexto, com
intencionalidade e reflexão, também no ambiente digital.
Mais do que garantir o acesso a diversos materiais de leitura e audio-
visuais, a biblioteca virtual visa contribuir e compartilhar experiências,
entusiasmo, envolvimento e qualidade dessa leitura, ou seja, um conjunto
de estímulos e vivências literárias, além de aprofundar os laços com a co-
munidade e o entorno da escola, ampliando as oportunidades, auxiliando
uma aprendizagem proveitosa e significativa, repensando as possibilidades
de ensino com o distanciamento social. Palfrey e Gasser (2011) corrobo-
ram o argumento:

O papel da biblioteca está aumentando, não diminuindo. A tarefa


pode assumir contornos diferentes, mas sua importância só é cres-
cente na medida em que os Nativos Digitais crescem saturados no
ambiente de informação da era digital. [...] Nosso desafio é ajudá-
-las a extrair sentido desses novos contextos e novos significados,
e pensar sintética e criticamente, em vez de deixá-los perder seu
rumo. (PALFREY; GASSER, 2011, p. 283).

Precisamos de bibliotecas diferentes, mais participativas, atualizadas e


ativas, diversificando a sua atuação, colaborando e inovando para alcançar

253
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

o aluno e a comunidade escolar, com alternativas viáveis e o auxílio dos


recursos tecnológicos disponíveis.

2. ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO

Os planejamentos e estratégias utilizados para o funcionamento da


biblioteca virtual precisam estar relacionados, direta ou indiretamente,
aos planejamentos e necessidades das séries existentes na escola, nas datas
comemorativas, nos acontecimentos, eventos atuais, nos interesses e per-
fis dos alunos de acordo com cada série e faixa etária. De acordo com a
BNCC (2017), uma das sínteses da aprendizagem é conhecer diferentes
gêneros e portadores textuais, demonstrando compreensão da função so-
cial da escrita e reconhecendo a leitura como fonte de prazer e informação
(BNCC, 2017, p. 55)
Oferecer diferentes gêneros literários e portadores de texto, como
também temáticas e assuntos discutidos e sugeridos em grupos e redes
sociais, é indispensável para a constituição da identidade, cultura e di-
versidade do aluno, fazendo da leitura um momento de descobertas,
liberdade, variedade, vivências e significados, despertando cada vez
mais a consciência e as possibilidades de comunicação e interação. As
séries e os alunos não são homogêneos, nem aprendem no mesmo rit-
mo ou demonstram os mesmos interesses, pelo contrário, apresentam
dificuldades e limitações distintas umas das outras, demanda ajustes de
acordo com o nível e competência leitora, avançando de acordo com a
evolução adquirida.
Em um trabalho apresentado na abertura do Congresso Brasileiro de
Leitura, realizado em Campinas, em novembro de 1981, Paulo Freire, já
alertava para a importância das relações e experiências, para a formação
de um leitor, “[...] A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura
crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto [...]”
(FREIRE, 1989, p. 9). Ainda que o texto escrito seja o centro dessa pro-
posta, recursos e dispositivos audiovisuais também podem ser utilizados,
valorizando o desenvolvimento intelectual e criativo do sujeito, mantendo
a atenção e o cuidado para não perder o eixo principal, que é a leitura,
buscando enriquecer os processos pedagógicos por meio, tanto de textos,
como de imagens, áudios, vídeos e animações.

254
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
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Uma dinâmica muito interessante e popular é a divulgação de vídeos,


áudios, escritas e desenhos de pais e alunos, com as devidas autorizações,
lendo, contando histórias, parlendas, adivinhações e outros tipos de repre-
sentações literárias.
A biblioteca virtual viva age como facilitadora da leitura, disponibi-
lizando o acesso a livros, vídeos, filmes, revistas, pesquisas, instruções e
o que mais for necessário, auxiliando professores e alunos nesse período,
atuando como parceira da escola e de toda a comunidade escolar, princi-
palmente para o aluno que não pode ter acesso a esses materiais na escola
nesse momento e não dispõe de material para leitura em suas residências,
como descrito na BNCC:

Leitura no contexto da BNCC é tomada em um sentido mais


amplo, que diz respeito não somente ao texto escrito, mas tam-
bém a, imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico,
diagrama) ou em movimento (filmes, vídeos etc.) e ao som (mú-
sica), que acompanha e cossignifica em muitos gêneros digitais.
(BNCC, 2017, p. 72).

A metodologia presente aqui se utiliza de recursos tecnológicos e das


mídias sociais para a distribuição e divulgação de todo o material disponi-
bilizado, através do WhatsApp, Facebook, plataforma Google Classroom,
outros aplicativos e programas. Também atender aos pedidos feitos, pelos
professores, alunos e comunidade, buscando e fornecendo fontes, links e
informações, dando o suporte para um ensino mais rico, diversificado e
significativo. Para Trindade (2014), a contribuição da comunidade escolar
é vital para o sucesso e crescimento da biblioteca virtual, sendo um meio
eficiente para estimular a leitura e a busca pelo conhecimento.

Desse modo, o acervo da biblioteca escolar deverá ser composto


também de sugestões vindas de toda comunidade escolar sobre os
mais variados assuntos, pois, à medida que o usuário é motivado, a
curiosidade pela leitura será maior para obter as respostas desejadas.
(TRINDADE, 2014, p. 48).

O funcionamento da biblioteca por meios digitais visa apoiar a esco-


la, os professores e alunos, para, nessa nova proposta didática de ensino à

255
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

distância, planejar e viabilizar materiais, recursos e informações de acordo


com as séries e faixa etárias presentes na escola, bem como oferecer alter-
nativas e variedades dentre os assuntos desejados, utilizando os recursos
tecnológicos de maneira responsável, segura, crítica e de inclusão. Ou seja:

O formato digital permite que a informação resida no que chama-


mos de bibliotecas digitais ou virtuais, mas desafia o profissional
da área a deixar de pensar como um “guardião da informação”,
entendendo as características especiais destas coleções e desenvol-
vendo estratégias informacionais que tirem proveito destas tecno-
logias ao mesmo tempo, em que repensam certos aspectos de sua
profissão. (LEVACOU, 2014, p. 210).

Utilizar os recursos tecnológicos com intencionalidade pedagógica,


dá abertura aos professores para refletir suas práticas e realizar uma autoa-
valiação do uso dessas ferramentas no seu trabalho docente, tomando o
cuidado de não transformar isso em um fim, mas em um meio, sendo um
instrumento essencial, embora não o único.
O profissional responsável pela biblioteca digital também precisa de
planejamento, formação continuada e ser um leitor assíduo, requisitos
essenciais para formar alunos leitores de qualidade, mediando e impul-
sionando a ação pedagógica, tomando sempre o cuidado de dar sentido
e significado ao que é sugerido como leitura. Entendemos que esse pro-
fissional ainda se encontra em um processo de formação e compreensão
do uso das tecnologias e sua inclusão na rotina escolar. Palfrey e Gasser
(2011) discorrem sobre o perfil desse profissional:

As bibliotecas do futuro também necessitarão de bibliotecários do


futuro. As bibliotecas serão cada vez mais servidas por profissionais
que possam ser guias dos Nativos Digitais. Em um nível funda-
mental, os serviços proporcionados pela biblioteca devem se ajustar
à maneira em que os Nativos Digitais estão acessando as informa-
ções. Nunca houve uma necessidade maior de bibliotecários de re-
ferência do que hoje, quando os Nativos Digitais estão se baseando
tanto no Google, na Wikipédia e em ambientes aos quais esses sites
lhes indicam. (PALFREY; GASSER, 2011, p. 282).

256
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

O leitor aqui não deve ser apenas receptor de conteúdos e informa-


ções; ele precisa interagir e participar, para assim desenvolver maior de-
sempenho e autonomia como leitores, se envolvendo cada vez mais com
o propósito de aprender e evoluir. Não podemos repetir modelos, práticas
e ações do passado, sendo que a realidade e o contexto mudaram; precisa-
mos nos reorganizar e evoluir também.
Colocamos aqui uma proposta simples, mas coerente e aplicável, en-
tretanto, compreendemos que ainda não suficiente para romper as bar-
reiras que dificultam o acesso a uma leitura contínua e progressiva, sendo
uma das maiores dificuldades a aquisição dos equipamentos e meios tec-
nológicos, seja nas escolas ou nos lares de alguns professores e da maioria
dos alunos, mesmo que esse direito esteja garantido inclusive no PNE, Lei
nº 13.005, de 25 de junho de 2014.

(7.20) prover equipamentos e recursos tecnológicos digitais


para a utilização pedagógica no ambiente escolar a todas as
escolas públicas da educação básica, criando, inclusive, meca-
nismos para implementação das condições necessárias para a
universalização das bibliotecas nas instituições educacionais,
com acesso a redes digitais de computadores, inclusive a inter-
net; [...]. (PNE, 2014).

A definição das prioridades e periodicidade sobre os assuntos a serem


abordados e as etapas do trabalho realizado pela biblioteca virtual, podem
ser estabelecidos dessa maneira:

• Levantamento dos assuntos e temas abordados nos planejamentos


dos professores e equipe escolar;
• Verificação das datas comemorativas e outros eventos históricos
ou populares;
• Pesquisa e seleção do material, definindo a relevância do assunto
e o nível de interesse que irá despertar;
• Publicação na plataforma da escola, duas vezes por semana ou de
acordo com a necessidade;
• Divulgação dos materiais e leituras nas mídias sociais, WhatsApp,
Facebook e Instagram da escola e da comunidade.

257
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Não se trata de seguir ou obedecer a um cronograma, ou lista, mas


usar de observação, escuta e sensibilidade para a realização das escolhas
e compartilhamentos, que podem ser alterados, ajustados e modificados
sempre que se perceber necessário, acompanhando a dinâmica e as rela-
ções da época em que vivemos.
O método de avaliação neste trabalho consiste na verificação dos aces-
sos e atendimento dos pedidos realizados, também na opinião dos profes-
sores e comentários nas mídias citadas, valorizando sugestões e críticas,
para o aprimoramento desse serviço. O propósito da avaliação é orientar
as mudanças e melhorias, na prática educativa da biblioteca virtual, visan-
do a intencionalidade pedagógica do ato de ler.
Aqui observamos algumas competências fundamentais para a implan-
tação e execução da biblioteca escolar virtual:

• Utilizar os diversos meios tecnológicos e de mídias, para planejar,


distribuir e divulgar o trabalho da biblioteca escolar virtual;
• Despertar no aluno o interesse e o prazer pela leitura digital;
• Estimular o letramento, por meio da diversificação de gêneros e
portadores de textos;
• Valorizar a cultura, diversidade popular e expressões diversas;
• Estimular a aprendizagem, através de uma leitura multidisciplinar;
• Compreender a responsabilidade na pesquisa e divulgação de in-
formações e sua veracidade;
• Refletir sobre as atitudes e valores morais e sociais.

A leitura se torna eficiente quando anexa linguagem e realidade,


compreendendo o texto e o contexto, não se tornando apenas um ato
mecânico para o leitor.

CONCLUSÃO

A biblioteca digital no contexto atual mostra-se fundamental para o


processo ensino-aprendizagem, pedagógico e cultural, contribuindo dire-
tamente para o hábito e prazer da leitura, além de fornecer o apoio neces-
sário para os conteúdos trabalhados no currículo da escola.

258
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Pensando em todos os benefícios que a leitura proporciona e conhe-


cendo a relevância da contribuição de todos para a educação nesse mo-
mento, os profissionais responsáveis pelo funcionamento das bibliotecas e
salas de multimeios têm uma oportunidade para evoluir e contribuir para
o desenvolvimento desse hábito importante, tanto para a aprendizagem,
quanto para a construção da reflexão e consciência crítica e ativa da co-
munidade escolar.
O futuro da educação e do funcionamento das escolas ainda é incerto,
mas as bibliotecas na ação educativa continuarão ativas, participativas e
colaborativas, cada dia mais, com o objetivo de proporcionar aos educan-
dos uma maior competência e fluência leitoras.
Nosso desafio para os próximos anos será compreender a situação das
famílias que não participam, buscando alternativas e um planejamento de
ações para podermos alcançar aqueles alunos que não possuem acesso aos
meios digitais, ou os possuem, porém, de maneira bastante limitada, e
assim contribuir para a formação de alunos leitores e reflexivos, pois acre-
ditar que o aluno é capaz faz toda a diferença.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Plano Nacional de Educação. Brasília: Câmara dos Deputa-


dos/Edições Câmara, 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais


Gerais da Educação Básica. Secretaria de Educação Básica. Bra-
sília, 2013.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Fun-


damentos pedagógicos e estrutura geral da BNCC. Brasília,
2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Leis de diretrizes e bases da edu-


cação nacional – Lei n. 9.394/1996. Brasília, 2017.

GOBBO, Tereza C. A. R. et al. A importância da biblioteca escolar. In:


Rosa, R.; MARCONDES, H. E.; Bessa. J. A. (Orgs.). A bibliote-
ca no contexto escolar. Uberaba: IFTM, 2014, p. 89-93.

259
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: três artigos que se


completam. São Paulo: Autores Associados/Cortez, 1989. Coleção
Polêmicas do Nosso Tempo 4.

LEVACOU, Marília. Tornando a informação disponível: O acesso e a


reinvenção da biblioteca. In: MARCONDES, C. H. et al. (Orgs.).
Bibliotecas digitais: saberes e práticas. Salvador/ Brasília: UFBA/
IBICT, 2005, p. 207-224.

PALFREY, J.; GASSER, U. Nascidos na era digital: entendendo


a primeira geração de nativos digitais. Porto Alegre: Artmed,
2011.

PORTILHO, G.; PINTO, J. O que são bibliotecas virtuais. Dispo-


nível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/2226/o-que-sao-bi-
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PRENSKY, M. Nativos digitais, imigrantes digitais. 2001. Dispo-


nível em: <https://sites.google.com/site/ferreirasandysil/fundamen-
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SILVA, L. M. da.; GOBBI, A. F. A biblioteca escolar: uma ferramen-


ta para a inclusão social. In: ROSA, R.; MARCONDES, H. E.;
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TRINDADE, Sandra Mara. A biblioteca no contexto educacional. In:


Rosa, R.; MARCONDES, H. E.; Bessa. J. A. (Orgs.). A biblio-
teca no contexto escolar. Uberaba-MG: IFTM, 2014, p. 47-50.

260
AS VOZES DO SUPEREU NA RELAÇÃO
DIRETOR E PROFESSOR: REFLEXÕES
SOBRE O ADOECIMENTO MENTAL
DE UMA PROFESSORA DE ESCOLA
PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
Lidiane Oliveira Eduardo Mota25

INTRODUÇÃO

O aumento de doenças mentais aparece cada vez mais latente em to-


das as esferas da sociedade; o professor por sua vez, não fica isento. O
número de professores com quadros de adoecimento mental é crescente e
absurdo. Os fatores que levam a isso são vários. mas Diehl e Marin (2016)
salientam que a dificuldade de relacionamento com os supervisores está
acarretando desgaste no trabalho e gerando adoecimento. É interessante
destacar que esse ponto é pouco explorado em textos e artigos sobre a te-
mática de adoecimento entre os professores. Sendo assim, a relação entre
direção e professor, ou seja, relação chefe e subordinado como possível
causadora de adoecimento, merece ser mais estudada.

25 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Modalidade Profissional – Uni-


versidade de Brasília. Especialista em Psicopedagogia Institucional – Faculdade João Calvino.
Graduada em Pedagogia – Universidade de Brasília. Professora da Secretaria de Educação
do DF.

261
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Por isso, é proposto utilizar conceitos da psicanálise, pautados no livro


Desejar, Falar, Trabalhar, de Ana Magnólia Mendes (2018), para discorrer
sobre como as vozes do supereu, manifestadas nas relações chefe e su-
bordinado, podem estar entre as causas de adoecimento enfrentadas por
professores. Assim, o objetivo geral deste artigo é compreender como as
vozes do supereu na figura dos diretores de escola podem contribuir para
o adoecimento mental dos professores. Como objetivos específicos estão:

1- Analisar a carreira do Magistério Público do Distrito Federal e


a Gestão Democrática;

2- Desvelar a questão do adoecimento mental e da readaptação


funcional entre os professores;

3- Entender como as vozes do supereu podem se manifestar na


figura dos diretores de escola.

Para alcançar os objetivos propostos, foi realizada uma entrevista com


uma professora de educação básica que se encontra em processo de readapta-
ção funcional por adoecimento mental. Essa professora foi escolhida porque,
além da questão do adoecimento, ela vivenciou situações conflituosas com a
diretora da escola onde trabalhava, o que contribuiu para o agravamento do
adoecimento, resultando posteriormente numa readaptação funcional. A par-
ticipante será apresentada pelo codinome Ana, em homenagem à professora
e autora base deste estudo, Ana Magnólia Mendes. Tal codinome foi adotado
com o intuito de facilitar a compreensão do leitor nos relatos descritos e prin-
cipalmente, garantir o anonimato da entrevistada. O método utilizado foi o
de entrevista semiestruturada, contendo duas perguntas abertas: “Como era a
sua relação com a diretora da escola onde você trabalhava?” e “Você acredita
que essa relação pode ter contribuído para o seu adoecimento? Como?”. Re-
cortes da entrevista estarão presentes em todo o corpo do trabalho, a fim de
contribuir com a análise e reflexão dos temas abordados.

1. A CARREIRA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DO


DISTRITO FEDERAL E A GESTÃO DEMOCRÁTICA

A Lei Distrital nº 5.105, de 3 de maio de 2013, estrutura a carreira de


magistério público do Distrito Federal. O ingresso na carreira é feito por

262
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

meio de concurso público de provas e títulos, onde o profissional pode ser


efetivado nos seguintes cargos: professor de Educação Básica e pedagogo-
-orientador educacional.
Para o primeiro cargo, é exigido curso superior com licenciatura ple-
na ou bacharelado com Complementação Pedagógica. Como professor,
é possível atuar nos seguintes âmbitos: Educação Infantil, Ensino Funda-
mental, Ensino Médio, Ensino Especial e Educação de Jovens e Adultos.
Os profissionais de Educação Básica dividem-se em: professor de discipli-
nas específicas e professor de Atividades. Nesse último é onde se encontra
a professora entrevistada.

Fiz concurso e entrei em 2007 na Secretaria, fui trabalhar direto


na escola em que eu estudei, sabe aquelas coisas de gente nova?
Querer ficar apegada a uma história? Pois é, eu tive isso. Aí fiquei
dois anos em sala de aula e depois fui para coordenação da Educa-
ção Infantil. Ninguém queria esse cargo e eu via a necessidade,
então acabei indo parar lá. (Ana).

No que diz respeito ao cargo de diretor escolar, existem várias formas


para que ele seja escolhido, entre elas, indicação, concurso, prova, certi-
ficação, entrevista e eleição. No caso do Distrito Federal, o processo de
escolha se dá por eleição, podendo concorrer ao cargo de diretor escolar o
servidor ativo da Carreira Magistério Público do Distrito Federal (como
os descritos nos parágrafos anteriores) ou da Carreira Assistência à Educa-
ção Pública do Distrito Federal (servidores técnico administrativos), que
comprove entre outros, ser servidor efetivo da Rede Pública de Ensino do
Distrito Federal há no mínimo três anos e ao menos um dos candidatos
(diretor ou vice) deve ser professor efetivo da Carreira Magistério, com no
mínimo três anos de regência de classe, como aponta o Artigo 11 da Re-
solução nº 01, de 27 de setembro de 2019, que regulamenta o processo de
escolha de Diretores e Vice-Diretores no âmbito da Gestão Democrática
da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal.
Desde 2012, a Secretaria de Educação do Distrito Federal adota o
modelo de eleição e direção visando a gestão democrática, que é um prin-
cípio constitucional e traduz a participação ativa e cidadã da comunidade
escolar e local na condução da escola, pois no contexto escolar, a gestão

263
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

é um ato político que implica tomar decisões que não podem ser indivi-
duais, mas coletivas (BRASIL, 2004). Assim, não cabe ao diretor uma
conduta egocêntrica e autoritária, e sim, humana, acessível e democrática,
pois todas as decisões devem ser tomadas em conjunto.
Esse panorama foi trazido com intuito de mostrar que em nada pro-
fessor e direção se diferem na Secretaria de Educação do Distrito Federal,
no que diz respeito ao ingresso no órgão e à formação relacionada ao ma-
gistério. O fato é que o cargo de diretor traz diversas implicações e res-
ponsabilidades, mas não deve ser utilizado como esteio para uma conduta
autoritária entre ele e os demais, pois afinal, todos devem trabalhar em
prol da educação e no que tange às decisões, essas não são tomadas aleató-
ria e unilateralmente, tudo deve ser decidido em conjunto com a equipe
pedagógica, professores e apoio administrativo, sendo algumas decisões
levadas ainda aos pais e responsáveis.

A diretora sempre teve um jeitão de mandar sabe, a vice sem-


pre foi mais amigável. Era tipo assim, se a gente ia fazer uma ca-
misa para os professores e tinha a cor azul e branca para escolher,
e a maioria do grupo já tinha escolhido a azul, se ela (diretora)
chegasse e gostasse mais da branca, era a branca que era feita, não
interessava a opinião do grupo, porque tudo tinha que ser do
jeito dela, ela não podia ser contrariada, e isso era em tudo.
Mesmo depois quando ela saiu da direção e foi para um cargo de
supervisão, as coletivas, reuniões da regional...tudo era ela quem
fazia, porque ela ainda se sentia diretora. (Ana).

2. O ADOECIMENTO MENTAL ENTRE OS


PROFESSORES

A Organização Mundial da Saúde, apontou que em 2020 a depres-


são seria a segunda causa mais incapacitante no mundo, somente atrás de
doenças do coração. Esse órgão aponta ainda, que 5,8% dos brasileiros
(11,5 milhões de pessoas) são afetadas pela depressão e que ela é a principal
causa de mortes por suicídio no Brasil e no mundo (com cerca de 800 mil
casos por ano). Com relação à ansiedade, o Brasil é o país com maior pre-
valência de ansiedade no mundo, 9,3% da população, sendo 8,6 milhões
de pessoas (OMS, 2013).

264
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Com a depressão e a ansiedade perdi a habilidade de ter sor-


risos fáceis, a medicação me incomoda, não consigo expressar
meus sentimentos com sinceridade, tenho meus sentimentos con-
fusos. Mas sei que isso é um processo e que vou ficar melhor. (Ana)

Os autores Diehl e Marin (2016), em uma revisão narrativa de lite-


ratura, levantaram que o estresse e a síndrome de burnout são os principais
motivos de afastamento do trabalho da categoria docente. Para Harrison
(1999), a síndrome de burnout é como “um tipo de estresse de caráter per-
sistente vinculado a situações de trabalho, resultante da constante e repe-
titiva pressão emocional associada com intenso envolvimento com pessoas
por longos períodos de tempo.” (HARRISON, 1999 apud DIEHL; MA-
RIN, 2016, p. 66).
Muitos são os desafios da profissão docente: relação professor aluno e
família, relação entre os pares, violência, insegurança, indisciplina, falta de
materiais pedagógicos, estruturas precárias, baixos salários, carga horária
elevada, sobrecarga de trabalho, não reconhecimento por parte da socie-
dade e ainda a dificuldade de relacionamento com os supervisores. Esses
fatores têm se mostrado como fontes principais de desgaste no trabalho,
como apontam Diehl e Marin (2016). Ainda segundo as autoras, “desgas-
tes osteomusculares e transtornos mentais, como apatia, estresse, desespe-
rança e desânimo, são formas de adoecimento que têm sido identificadas
em professores.” (DIEHL; MARIN, 2016, p.66).
Além das autoras citadas, Araújo e Sousa (2013) também apontam a
dificuldade de relacionamento com os supervisores como um fator adoe-
cedor entre os docentes:

O crescente número de atestados e o adoecimento dos professores


estão relacionados ao trabalho, relações interpessoais com alunos,
colegas e direção [...] sabe-se que a pressão emocional, funcional
e pessoal pode gerar sintomas e patologias no docente e em seu pa-
pel. Existe um descrédito profissional, desmotivação laboral e pro-
blemas nas relações interpessoais. (ARAÚJO; SOUSA, 2013
apud RODRIGUES; SANTOS, 2017, p. 289, grifo do autor).

Todos esses fatores fazem com que a profissão docente caminhe por
campos extremamente adoecedores, não é à toa que a Organização Inter-

265
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

nacional do Trabalho (OIT) a descreva como uma profissão de alto risco,


estando em segundo lugar em categorias profissionais em âmbito mundial
a portar doenças ocupacionais (TRINDADE; MORCEF; OLIVEIRA,
2018).

Antigamente se eu fosse falar com você eu ia morrer de chorar,


agora eu consigo falar sem sofrer tanto. Foram anos e anos de te-
rapia para eu começar a entender quem eu sou, meu propósito de
vida para então saber lidar com essas questões. Ainda estou no pro-
cesso, mas estou bem melhor! [...] não é fácil você se encontrar
com um terapeuta toda semana por anos e falar dos seus proble-
mas, as vezes cansa, e isso é normal, tem vezes que eu não estava a
fim, dava um tempo, ia de quinze em quinze dias, até uma vez por
mês, mas nunca deixei de ir. As sessões foram muito importantes
para eu conseguir lidar com tudo. (Ana)

2.1. SOBRE A READAPTAÇÃO FUNCIONAL

Por readaptação funcional entende-se que é a redução da capacidade


laborativa (capacidade física e/ou mental para o exercício de atividade pro-
dutiva) sofrida pelo servidor, de caráter permanente, em função de adoe-
cimento ou acidente. A readaptação é, portanto, um “benefício” conce-
dido ao servidor que sofre com o adoecimento crônico (SAEDF, 2014).
Segundo Facci, Urt e Barros (2018), quando as licenças se tornam
consecutivas, muitos professores são colocados na categoria de professor
readaptado. No entanto, no Distrito Federal o processo até a readaptação
é um tanto burocrático, longo e até mesmo cruel. Os professores ao lida-
rem com a junta médica apontam que, “a maior dificuldade, [...], ocorre
quando há um transtorno psíquico. Nem sempre os peritos tratam com
respeito aqueles que estão em sofrimento” (FACCI; URT; BARROS,
2018, p. 286).
São diversas idas à junta médica, sendo questionado, interrogado e
posto à prova tanto a narrativa do servidor adoecido quanto os atestados
por ele apresentados. Somente depois de um longo período afastado de
sala de aula, se ficar claramente comprovado à junta médica que o profes-
sor não tem condições psíquicas de voltar a dar aula, ele recebe a readap-
tação. Nesse caso, os professores readaptados “continuam trabalhando na

266
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

escola, mas não ministram aulas e desempenham outras funções.” FAC-


CI; URT; BARROS, 2018, p. 286). Tais funções podem estar no âmbito
do apoio pedagógico, trabalhos burocráticos, apoio aos professores, xerox,
impressão, elaboração de atividades, auxílio na biblioteca e ainda, projetos
como sala de leitura, horta, culinárias entre outros.

Trabalho há quatro anos como bibliotecária, na sala de leitura e


vídeos. Estou cansada, olha só, não consigo mais ficar naquele lu-
gar, com a nova direção, vou ver se consigo realizar outro projeto
na escola e deixar a sala de leitura com a outra professora, se ela
continuar afastada. Cansei de ficar sozinha lá, não tem janela, ven-
tilação, a gente organiza a escala por professores para usarem a sala,
quase ninguém aparece, fico lá à toa. (Ana)

Sobre o professor trabalhar como bibliotecário por conta da readapta-


ção, os autores Rodrigues e Santos (2017) alertam que:

[...] o professor readaptado é colocado na biblioteca escolar em um


ambiente descontextualizado da sua formação, exercendo a função
de bibliotecário sem possuir a devida habilitação e técnica. Dei-
xando de lado suas competências pedagógicas por falta de apoio,
valorização, assumindo um papel gerenciado por questões políti-
cas, em que lhe é retirada a subjetividade e autonomia que possuía
em sala de aula. [...] A invisibilidade do novo papel nas bibliotecas
escolares desestruturadas, serve muitas vezes como depósitos de
livros disfuncional ao seu propósito e agora vista como depósito
de pessoas doentes que não tem tempo para a adaptação. É preciso
respeitar este professor que apresenta sentimentos [...]. (RODRI-
GUES; SANTOS, 2017, p. 298).

Assim, alguns questionamentos acerca da efetividade da nova função


podem surgir tanto por parte do grupo de trabalho, como por parte dos
próprios professores readaptados. Pensamentos como “Será que vou ser
útil?”, “Eu não prestei concurso para isso!”, ou ainda “Os outros acham
é que estou com preguiça, pois não estou em sala!”, são comuns entre os
professores readaptados.

267
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O que me traz mais angústia ou sofrimento é o fato de não con-


seguir entrar em uma sala de aula por mais de 20 minutos, não
conseguir fazer o trabalho para o qual eu passei no concurso. Isso
me incomoda muito. (Ana)

Mesmo auxiliando a escola em vários aspectos, desenvolvendo ações


e projetos, o fato de os trabalhos desenvolvidos por esses professores “nem
sempre estarem relacionados com o significado social da sua profissão, que
seria o ensino”, como destacam Facci, Urt e Barros (2018, p. 285), acaba
dificultando a noção que eles têm de processo de trabalho, fazendo-os
por vezes se enfadarem e se incomodarem com as atividades que estão
exercendo.
Contudo, mesmo diante dessas problemáticas, 95% dos professores
readaptados entrevistados no estudo de Facci, Urt e Barros (2018) dizem
gostar do trabalho que exercem, pois agora o desejo é não estar em sala
de aula; o desejo é fugir da situação estressante, pois não têm mais que
trabalhar diretamente com alunos que ficam sob sua responsabilidade. “O
convívio da sala de aula com as dificuldades que as condições de trabalho e
a relação com o aluno se apresentavam era muito angustiante para aqueles
profissionais que foram readaptados por problemas psíquicos.” (FACCI;
URT; BARROS, 2018, p. 286).
No que diz respeito à significação do trabalho realizado pelo professor
por conta da readaptação, as autoras salientam:

Não significa, com isso, que estão se desresponsabilizando. Do


nosso ponto de vista significa apenas que estão procurando formas
de enfrentamento para lidar com as dificuldades que foram sur-
gindo na sala de aula. Eles poderiam simplesmente fazer-de-conta
que estavam ensinando, mas ficam angustiados quando veem que
não estão cumprindo sua tarefa. (FACCI; URT; BARROS, 2018,
p. 285).

Ou seja, o trabalho do professor readaptado por questões de adoeci-


mento mental não deve ser visto como o trabalho de alguém que desistiu;
ao contrário, deve ser visto como o trabalho de alguém que poderia adotar
uma postura apática com relação a educação e ensino, mas se recusando a
isso, e como forma de enfrentamento às inúmeras dificuldades que lhe são

268
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

impostas, decide continuar tentando, só que de outras maneiras. Enten-


der esse processo se mostra importante para que possamos compreender
o longo caminho que a entrevistada percorreu até agora. Faz-nos ter um
olhar mais humano para professores em situação de adoecimento e rea-
daptação funcional. A readaptação não acontece do nada e todo adoeci-
mento tem uma história e passa por uma construção.

Depois de dois anos como professora, aceitei o cargo de coordena-


dora e comecei a observar coisas que quando você está só em sala
de aula você não percebe tipo, relações pessoais, questões admi-
nistrativas, financeiras... é natural porque você se aproxima mais
da direção, por conta dos trabalhos que devem ser feitos. Observei
que um passeio que era $20,00 cobravam $50,00, vi que quem
era chegado da direção não precisava apresentar atestado, coisas do
tipo, aí observei também que o PDAF26que vinha para escola era
usado para investir somente no Ensino Fundamental, a Educação
Infantil não recebia nenhuma parte, isso era errado, não é porque a
direção gosta mais de um segmento do que de outro que ela pode
beneficiar mais ou menos, entende? Então, por conta própria eu
corri atrás e calculei o custo de cada aluno da EI e quanto teria
que ser repassado dessa verba para a Educação Infantil, cheguei na
direção com todo levantamento e reivindiquei a verba própria da
EI. A gente não tinha nada, nem um colchonete para os meninos
dormirem, não tinha nenhum brinquedo! A diretora não gostou,
falou que eu passei por cima da autoridade dela, que eu deveria ter
falado com ela antes de ir à regional ou qualquer lugar, se sentiu
insultada. Pode até ser, hoje entendo que eu deveria ter falado, eu
posso até ter falhado nisso aí, mas se eu fosse nela primeiro, era
bem capaz dela não aceitar minha sugestão. Do jeito que eu fiz, ela
não teve como dizer não...a questão é que deu certo! Conseguimos
recursos para adquirir os brinquedos, colchonetes, coisas básicas

26 PDAF: Verba pública que visa dar autonomia financeira às escolas. Pode ser utilizado em
serviços como aquisição de materiais de consumo, contratação de pessoa física ou jurídica
para realização de serviços de manutenção e pagamento de despesas com água e esgoto,
entre outros. O governo do Distrito Federal repassa essa verba anualmente em duas parce-
las para todas as escolas que comprovem que estão com a documentação em dia.

269
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

que precisam na Educação Infantil. Mas a perseguição come-


çou aí, pelo fato de segundo ela, eu ter passado por cima
da sua autoridade e não ter feito as coisas do jeito dela. A
vice-diretora gostou muito da minha atitude, de ter corrido atrás,
gostou que fui proativa, e me convidou para no ano seguinte ser
supervisora pedagógica e eu aceitei. (Ana)

Parte da história de adoecimento da professora passa pelo período em


que ela esteve mais diretamente ligada a direção da escola, numa função
de coordenação e depois supervisão pedagógica, onde vivenciou casos de
conflitos manifestados pelas vozes do supereu, na figura de sua chefe, que
serão detalhados a seguir, junto com a definição de supereu e a reflexão
de como sua manifestação numa relação chefe e subordinado pode ser um
possível fator de adoecimento.

3. MANIFESTAÇÕES DAS VOZES DO SUPEREU NUMA


RELAÇÃO CHEFE E SUBORDINADO (DIRETORA E
PROFESSORA)

O presente estudo, embora no âmbito educacional, se apropriou de


um termo da psicanálise por ir diretamente ao encontro dos questiona-
mentos relativos ao adoecimento mental dos professores. Entender o su-
pereu e como ele se manifesta se mostrou como uma possibilidade de
compreensão de um dos fatores do adoecimento de professores, que em-
bora pouco debatido é mais presente do que se imagina: dificuldade nas
relações entre diretores e professores (chefe e subordinado).
O cerne das dificuldades nessas relações pode estar na questão do
supereu e suas manifestações no sujeito. Mas, o que é o supereu afinal?
“O supereu é essa instância intrapsíquica introduzida por Freud, em
1923, que definimos frequentemente como ‘o herdeiro do complexo de
Édipo’27”(MENDES, 2018, p. 19). No entanto, para fins de estudo, Men-

27 Definição do termo complexo de Édipo, dividido em três momentos: num primeiro pode
ser definido como desejo ou atração que tanto os meninos quanto as meninas (entre 03 e
05 anos) sentem naturalmente pelo progenitor do sexo oposto, repudiando ainda aquele
do mesmo sexo. Num segundo momento, de forma mais estruturada introduz o concei-
to de narcisismo à temática, por último, o Édipo “completo”, trata da ambiguidade entre

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

des (2018), o supereu para além de herdeiro do complexo de Édipo, reve-


lou-se também tirânico, amoral e cruel.

Quando assumi a função de supervisora pedagógica, a diretora


achava que podia mandar em mim e me pedir coisas que não eram
próprias, com a fala de que, quem me colocou ali foi ela e que
a qualquer momento ela poderia escrever um relatório e me ti-
rar da supervisão. Ela me mandava mensagem 11 da noite falando
para abrir a escola no outro dia cedo, quando isso não era minha
função, fazia eu ficar até depois do meu expediente, para fechar a
escola quando ela não estava. A minha filha tinha só dois anos nes-
sa época. Como supervisora pedagógica minhas responsabilidades
aumentaram e o contato com os demais professores também, agora
eu era responsável não só pela educação infantil, mas tinha que ava-
liar o trabalho da sala de recursos, orientação, equipe, pedagogos,
e isso não me falaram, eu não sabia que seria responsável em avaliar
esse tanto de gente...foi complicado, a direção só me colocou lá
porque era alguém que ela conseguia manipular, controlar. (Ana)

O sujeito fica bloqueado, emudecido e a voz do supereu no outro fala


para o sujeito que aquela é a sua função, que ele tem que dar conta, que
está sendo pago para isso. Os imperativos “Você deve!”, “Obedeça!” e
“Deixe-se conduzir” (MENDES, 2018) são consequência de um discur-
so capitalista para o trabalhador produzir sem “reclamar”, sob a falsa ideia
de que é seu dever, que independente de qualquer coisa ele vai dar conta,
levando o sujeito a se submeter, a se calar, a aceitar a situação. A voz do
supereu se manifesta ainda como uma voz acusadora e repetitiva.

Não era minha função, mas eu tinha que fazer as coisas, não tinha
opção. Ou eu fazia, ou eu fazia. Uma vez quando falei que não
podia estar na escola no dia seguinte no horário que ela (diretora)

afeto de um lado e rivalidade do outro. Nesse último, conceitos como melancolia e supe-
rego (supereu) também chamado de ideal de ego são abordados, é aqui que o superego
(supereu) é definido como herdeiro do complexo de Édipo. Resumo inspirado no artigo A
psicanálise e o complexo de Édipo: (novas) observações a partir de Hamlet, Maurício Ro-
drigues de Souza. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&-
pid=S1678-51772006000200007. Acesso em: 6 dez. 2019.

271
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

queria, e que não era o meu horário de trabalho, ela bateu a mão
na mesa, jogou as coisas no chão e gritou falando de novo que eu
estava ali porque ela tinha me colocado, e que eu tinha que dar um
jeito. Eu realmente não podia daquela vez, minha filha tinha uma
consulta importante, por várias vezes eu remarquei consultas e ou-
tras coisas para fazer o que ela queria, mas dessa vez quando ela foi
contrariada, não aceitou. (Ana)

Percebe-se que o supereu é também imediatista, não aceita frusta-


ções, é cego e egoísta, aparecendo com força quando as coisas não saem
do seu jeito. Tais fatores estão relacionados diretamente ao gozo. “O im-
perativo, Goze! é um modo de o supereu exercer seu poder sobre nós, o
que produz culpa por nos submetermos à sua injunção e renunciarmos o
tornar-se.” (MENDES, 2018, p. 45). O gozo nas manifestações do supe-
reu na relação chefe e subordinado implica dizer, por um lado que o chefe
sente prazer em mandar, em se sentir superior, como o fragmento a seguir
relata:

Ela usava do cargo de diretora para ser assim, porque agora que ela
está aposentada eu duvido que ela aja daquele jeito, agora que ven-
de coisas, se não, como vai fazer, se for estúpida daquele jeito, en-
tendeu? E era assim em tudo, ah vai ter coletiva, ela pegava caixa de
som e microfone, dentro daquela sala do (nome da escola) aí você
imagina como a gente saía de lá para dar aula, ela fazia isso porque
ela queria ser ouvida e não queria que nenhuma conversa atrapa-
lhasse a voz dela, todo mundo tinha que ficar quieto, sabe. (Ana)

O fragmento a seguir nos permite refletir ainda, que o supereu tem


a “existência e dimensão perseguidora”, como aponta Mendes (2018, p.
19). E também que o supereu “julga, critica e rebaixa e, aqui, já com-
preendemos que ele pode se revelar um temível ‘aliado’ do assediador...”
(MENDES, 2018, p.20).

Todos que se opunham a algo ou tinham uma opinião diferente


ela tratava mal. Chegou num ponto que não aguentei mais, seis
meses depois eu saí e voltei para sala de aula. Era ano de eleição
e ela achou que eu tinha saído da supervisão para abrir chapa e

272
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

concorrer contra ela ao cargo de direção. Nunca nem pensei nisso,


só não aguentava mais tanta pressão e ser maltratada, além de fazer
um monte de coisas que não era para mim. Aí começa ela a pegar
no meu pé em absolutamente tudo, ela chegou ao ponto de con-
versar com pessoas da limpeza para saber como eu deixava minha
sala. Ela queria qualquer motivo para pegar no meu pé, para ter o
que falar contra mim! (Ana)

O adoecimento pelo trabalho, segundo Mendes (2018, p. 65), “é


sempre acompanhado por um sofrimento que ao tornar-se insuportável
age como um mobiliza-a-dor ao levar o trabalhador a buscar saídas para
seu alívio.” O adoecimento pelo trabalho, para essa professora veio acom-
panhado de um sofrimento que por anos ela carregava, como veremos no
relato a seguir.

É difícil, além dessa perseguição, aconteceu um fato de abuso com


um aluno meu, o que me fez lembrar do abuso que sofri na infân-
cia. Depois disso desmoronei, não consegui mais, dei atestado e
depois mudei de escola. O fato dessa diretora agir assim foi para
mim a gotinha que faltava para o meu copo que já estava cheio
transbordar. Tanto que quando eu peguei o atestado, eu ficava na
porta de fora da escola, eu não conseguia entrar na escola para ir
no administrativo entregar o atestado. Aí ia minha mãe ou minha
irmã, e levava o atestado e dava para o pessoal. É, não é fácil não...”
(Ana)

Uma possibilidade de fuga que a professora encontrou para sair da


situação de sofrimento, foi aceitar a condição de adoecimento e se afastar.
No entanto as marcas desse sofrimento a paralisaram durante um tempo.
Foi então que ela procurou a ajuda de uma terapeuta.

Quando eu entrei para igreja eles me indicaram uma terapeuta,


e fez toda a diferença eu tratar com alguém que entende meus
princípios cristãos, muda tudo...muda tudo! Foram dois, três
anos tratando com essa mesma terapeuta, aí foi onde eu des-
cobri o valor que me regia, dividir esse negócio de trabalho,
porque mesmo eu estando fora de sala de aula, como coordena-

273
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

dora eu pegava trabalho dos outros e levava para casa para fazer,
aquele monte de coisa para cortar, trabalho para fazer, que nem
era meu. Ela mesmo (a terapeuta) me ajudou dizendo “o seu
trabalho não é a sua vida, você não tem que tratar o seu trabalho
como se fosse sua vida, aquilo lá é só para você ganhar dinheiro,
sua vida é fora de lá”. Ahh é ser besta mulher! Sim, é ser besta
mesmo, aí a gente vai envelhecendo e melhorando. Eu tenho
que ver que elas (referindo-se à direção) são apenas colegas de
trabalho, eu não preciso levar essa relação para o resto da vida.
Mas isso tudo foi terapia...anos de terapia. A terapia me ajudou
a perceber quando eu estou ficando ruim de novo e aí eu já sei
como sair logo. Aí você já começa a se conhecer melhor e não
se deixa afundar de novo, para isso é a terapia. (Ana)

Sobre isso, Ana Magnólia Mendes (2018) escreve em Desejar, Falar,


Trabalhar, que:

O clínico trabalha para que o sujeito trabalhe. Por meio de um


percurso entre o nomear, elaborar e perlaborar busca-se recons-
truir a cena traumática vivida no contexto do trabalho capitalista
que se mistura com os traumas infantis, juvenis e atuais. [...] É
brincar com o supereu, transformar seus imperativos em chiste e
ditos espirituosos como forma de confrontarmo-nos com o real.
É quando o sujeito percebe que o real não tem nenhuma intenção
sobre ele, fazendo com que o supereu perca a força sobre si mesmo.
(MENDES, 2018, p. 71).

De fato isso pôde ser observado, pois Ana voltou ao trabalho numa
outra função, conseguiu falar sobre os ocorridos sem se emocionar e sem
chorar, o que mostra que as vozes do supereu presentes na relação entre ela
e a diretora foram aos poucos perdendo sua força. No entanto, conforme
a própria entrevistada relata, e como ficou evidente ao longo do trabalho,
as manifestações do supereu nessa relação entre ela e a diretora contribuí-
ram para seu adoecimento e consequentemente o afastamento e depois a
readaptação funcional. As vozes do supereu perderam sua força, mas ainda
existem e deixaram suas marcas.

2 74
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Ela (diretora) se aposentou e até hoje vende coisas e quando ela


vem aqui na escola, o meu coração acelera. Tem sete anos que eu
saí da escola, e até hoje se eu ver ela meu coração acelera. Se
eu estiver num shopping e ver ela, eu dou a volta e vou por outro
lugar porque eu não me sinto bem, então eu acho que me afe-
tou... muito! Mas, tudo passa, graças a Deus hoje tem só
cicatrizes, não mais feridas. (Ana)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientar que o texto foi escrito para que todas as pes-
soas interessadas pelo tema consigam entender o que foi proposto, sem
ter um conhecimento prévio sobre o assunto. A ideia não é aprofundar
em termos psicanalíticos, e sim mostrar que a temática do supereu pode
ser trabalhada em aspectos relacionados ao adoecimento entre professores
sendo uma das causas suas manifestações nas relações de trabalho entre
chefe e subordinado, diretor e professor.
Destaca-se ainda que o fato de este trabalho ser baseado em uma
única entrevista não o descaracteriza; ao contrário, nos aponta questões
que merecem ser ampliadas, a fim de saber a proporção e recorrência das
manifestações das vozes do supereu na relação chefe e subordinado, dire-
ção e professor, abrindo, assim, caminhos para uma pesquisa mais profun-
da sobre o tema.
Ficou evidenciado que mesmo embora diretor e professor pertençam
ao mesmo patamar de igualdade no que diz respeito ao ingresso no órgão
e formação inicial, estar num cargo de chefia pode ser fator propício para
que as manifestações das vozes do supereu, que é controlador, tirânico,
perseguidor e amoral, apareçam com força. Assim, foi possível observar
que essas manifestações das vozes do supereu se contribuem para o adoe-
cimento do professor.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Con-


selho escolar, gestão democrática da educação e escolha do
diretor / elaboração Ignez Pinto Navarro... [et al.]. Brasília: MEC,
SEB. 2004.

275
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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leiros: revisão sistemática da literatura. Estudos Interdisciplinares
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DISTRITO FEDERAL. Lei Distrital nº 5.105, de 03 de maio de 2013.


Estrutura a carreira de magistério público do DF.

______. Resolução nº 01, de 27 de setembro de 2019. Regulamenta


o processo de escolha de Diretores e Vice-Diretores no âmbito da
Gestão Democrática da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal.

FACCI, M.G.D; URT, S.C. Professor readaptado: a precarização do tra-


balho docente e o adoecimento. Psicologia Escolar e Educacio-
nal. São Paulo, v. 22, n. 2, p. 281-290, maio-ago. 2018.

MENDES, A. M. Desejar, Falar, Trabalhar. Porto Alegre, RS: Edito-


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fessores em Bibliotecas Escolares Públicas no Brasil: Uma Reflexão
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sos pra compreender a readaptação funcional na SEDF. In: www.
saedf.org.br. Disponível em: http://www.saedf.org.br/index.php/
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TRINDADE, M. A; MORCEF, C.C. P; OLIVEIRA, M. S. Conecte-


-se! Revista Interdisciplinar de Extensão, v. 2, n. 4, 2018.

276
O INTERESSE DO ESTUDANTE NA
AQUISIÇÃO DE CONTEÚDOS
Pedro Lúcio Silva Vivas28
Ana Cristian Alves de Magalhães29

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, como um lugar comum do senso social e, não ape-


nas entre professores e demais profissionais da educação, nota-se que há
no contexto do sistema educacional brasileiro, em todos os seus níveis
de escolaridade, desde o ensino fundamental à pós-graduação, um desin-
teresse massivo dos estudantes pela aquisição do conteúdo ofertado nos
componentes das matrizes curriculares, sendo as suas reais causas objeto
de necessários estudo e compreensão.
Isto posto, o presente trabalho empreende esforços no sentido de acla-
rar, sob as perspectivas do estudante e do docente, vetores que vêm exer-
cendo significativo impacto neste cenário, de tal sorte que se observem
algumas das razões que advêm da ausência de motivação e engajamento ao
estudo do conteúdo a ser dado em sala de aula. Impende salientar, desde
já, que não se pretende aqui esgotar a investigação sobre o tema proposto,
tampouco suas intrínsecas possibilidades de abordagens, tendo-se como

28 Administrador, Analista de Sistemas, Mediador Judicial, Pós-graduando em Docência


para o Ensino Superior pela UNIFACS.
29 Engenheira Civil pela UCSAL, Especialista em Docência para o Ensino Superior, Mestre e
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA.

277
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

desígnio exclusivo contribuir com pontos de elucidação e a possibilidade


da promoção de novos questionamentos e estudos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Após a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), na segunda metade


do século XX, à luz de quaisquer fontes de informação, observa-se uma
natural reconfiguração em todos os aspectos da vida humana, num pro-
cesso retroalimentado e com profundas alterações, especialmente no que
tange às formas do pensamento individual e coletivo, em função do uso
glocal30 e irrestrito de tecnologia pelo homem, como ciência a ser apli-
cada em substituição ao próprio homem, e sem se limitar a este aspecto,
se desdobrando em novas e diversificadas relações sociais, políticas e fa-
miliares.
Entretanto, como explicar que, após mais de meio século de grandes
transformações, pouco tenha se alterado no contexto geral da educação
brasileira, comparativamente ao que ocorreu no cenário da modernida-
de líquida em outros setores? Teria a escola o poder de imunidade? Em
que medida essas questões são direcionadores do interesse dos estudantes?
Ainda que não se tenha respostas convincentes, resta indagar como real-
mente a escola atual está preparando o aluno para o futuro, nos âmbitos
pessoal e profissional, se ele não vier a realmente ser partícipe e protago-
nista desse processo.
A escola sempre fora o ambiente utilizado para “adestrar” as pessoas,
a fim de que viessem a ocupar vagas do mercado de trabalho nos setores
econômicos, instruindo e determinando regras sobre o modo de cons-
trução do pensamento de seus estudantes. A escola atual insiste em não
preparar os estudantes para a convivência com este novo tempo e mundo,
pois adota por padrão o modelo afirmativo de ensino, que não se alinha
completamente à realidade que nos cerca.
Seja de forma expositiva ou demonstrativa, quando o processo de
aprendizagem centra-se exclusivamente na figura do professor, e este se
vê obrigado a “ensinar” nos mesmos moldes e estratégias indivíduos com
realidades, sonhos e necessidades muito distintas, ainda que venha a em-

30 Glocal: neologismo resultante da fusão dos termos global e local. Refere-se à presença da
dimensão local na produção de uma cultura global.

278
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

preender um esforço hercúleo para minimizar os efeitos de se atirar todos


numa vala comum, sempre haverá a possibilidade de virem, como pessoa
ou profissional, a se tornar vítimas, com implicações graves ou de impos-
sível reparação, deste processo que, em certa medida, é uma deficiente
programação do intelecto do sujeito da aprendizagem.
Se na medicina, por exemplo, quando o médico prescreve a mesma
medicação para diferentes pacientes que apresentam sintomas similares o
resultado pode vir a ser desastroso em função das intolerâncias e alergias
que um determinado sujeito venha a possuir, de forma análoga isto pode
acontecer na educação: um professor que ensina de igual forma aos seus
estudantes, como já exposto, anteriormente, não levando em considera-
ção suas peculiaridades nos processos de aprendizagem, pode lhes trazer
consequências catastróficas.
Em outras palavras, o sistema educacional dito “moderno” ainda insiste
em transformar as pessoas em “robôs”, programando-as. No entanto, é
fato que o mundo progrediu e se “liquefez”, porquanto já não são neces-
sários “robôs-zumbis”, e sim pessoas que pensem criativamente, de forma
inovadora, crítica, independente, com capacidade de manter e fazer novas
conexões nas relações entre os indivíduos na sociedade (I JUST SUED
THE SCHOOL SYSTEM, 2021). Além disso, todo ser humano é inte-
ligente e, até onde se sabe, não existem dois cérebros iguais. Assim, qual
o sentido de as escolas tratarem os estudantes do mesmo jeito, educando
com o mesmo “formato”?
Outrossim, a escola deve focar no desenvolvimento mental (intelectual)
do aprendiz preparando-o para encarar o mundo com competências não ex-
clusivamente técnicas. A educação deve trabalhar o conhecimento e o exer-
cício da imaginação, resgatando o espírito de aprendiz que existe em cada
estudante. Um dos maiores gênios da humanidade, Albert Einstein, consi-
derava a imaginação mais importante que conhecimento e defendia que esta
deveria estar associada à beleza do universo amplo, subjetivo e criativo.

Eu acredito na intuição e inspiração! Às vezes eu tenho certeza


de que estou certo, embora não saiba o motivo. Quando o eclipse
de 1919 confirmou minha intuição, eu não fiquei nem um pouco
surpreso. Na verdade, eu teria ficado surpreso se tivesse aconteci-
do o contrário. Imaginação é mais importante que conhecimento.

279
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Pois o conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abraça o


mundo inteiro, estimulando o progresso, dando origem à evolu-
ção. É, estritamente falando, um fator real na pesquisa científica.
(EINSTEIN, 2009, p. 49 – tradução livre dos autores).

Inexistindo, ou não, imunidade sobre os diretos e consequentes efeitos


da modernidade líquida de Bauman, a Educação passa ainda, atualmente,
por um período de extremos desafios em face da pandemia do SARS-Co-
V-231 (Corona Vírus), onde, docentes e discentes se veem obrigados, de
forma abrupta, a encontrar forças para superar dificuldades em favor da
continuidade e do desenvolvimento do processo de aprendizagem. Pode-
-se, inclusive, empiricamente entender que, uma possível falta coletiva de
interesse tenha sido potencializada neste período, uma vez que o modelo
virtual imediatamente adotado possa ter vindo a prejudicar, sobremaneira,
o caráter emocional da interação, presente fortemente no âmbito do mo-
delo tradicional, e que ainda possui em si, outros atributos motivacionais
diferenciados em comparação à modalidade à distância.
Se os estudantes vêm demonstrando grande desinteresse na interna-
lização de conteúdo, sejam relativos às ciências humanas ou exatas, com-
preender, no cenário atual, o que possa vir a motivá-los se faz necessário
para promover reflexões sobre alternativas de mudanças na educação, e o
sentido de urgência que estas possuam, para tentar garantir o desenvol-
vimento dos indivíduos em todas as suas dimensões: física, intelectual,
social e emocional. Igualmente, a prática docente deve evoluir no mesmo
sentido de tornar os conteúdos mais atrativos para que os principais “con-
sumidores” do processo da aprendizagem sejam automotivados.

DESINTERESSE DOS ESTUDANTES – PONTO-CHAVE

Em linhas gerais, resta pacífico o entendimento onde a miopia que se


origina da falta de expectativas quanto à aplicação prática e imediata dos

31 SARS-CoV-2: Betacoronavírus descoberto em amostras de lavado broncoalveolar obti-


das de pacientes com pneumonia de causa desconhecida na cidade de Wuhan, província
de Hubei, China, em dezembro de 2019. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/
sobre-a-doenca#:~:text=O%20SARS%2DCoV%2D2%20%C3%A9,China%2C%20em%20
dezembro%20de%202019. Acesso em: 01 maio 2021.

280
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

conteúdos ofertados nas diversas grades curriculares, pode tazer consigo


o desinteresse dos estudantes, sendo assim apontado por muitos autores
educacionais, por esta razão, foi um dos pontos-chave analisados neste, e,
muito provavelmente, será em ulteriores possíveis trabalhos de pesquisa
sobre o tema.
Funda-se atenção neste pensamento vez que, numa sociedade ho-
diernamente fluída de Bauman32, aonde a única coisa constante é a própria
mudança, os estudantes seriam, em verdade, partícipes e co-contrutores
de seu conhecimento e, na medida em que não observem a transformação
da realidade, sobretudo do ponto de vista de seus objetivos prementes,
podem se desinteressar a consumir aquilo que enxergam apenas como um
imenso volume morto de dados ou informações.

FATORES MOTIVACIONAIS

Segundo John Keller (2008), a motivação no processo de aprendiza-


gem é sustentada por quatro aspectos basilares, quais sejam:

• Atenção:despertar a curiosidade dos estudantes em relação ao


tema e conteúdo proposto para obter a atenção como resposta
percebida do estudante aos estímulos instrucionais.
• Relevância:relacionar os conteúdos e resultados esperados aos
objetivos do aluno, associando os seus conhecimentos e experiên-
cias prévias com o novo conteúdo. Compreende o valor da tarefa
de aprendizagem.
• Confiança:gerar expectativa positiva ao estudante com relação
ao seu desempenho durante o processo de aprendizagem para que
este identifique metas e avalie com confiança a probabilidade de
alcançar o sucesso na obtenção do conhecimento.

32 O conceito de modernidade fluida foi desenvolvido pelo sociólogo e filósofo polonês Zyg-
munt Bauman, referindo a uma nova época em que as relações são frágeis, maleáveis como
o líquido. Segundo Bauman, a modernidade líquida se contrapõe aos padrões e conceitos
históricos tidos como “confiáveis”, aos institutos e paradigmas conhecidos, e, até então,
aceitos, praticados e cultivados pela sociedade, os quais ele carateriza como sendo de na-
tureza “sólida”.

281
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

• Satisfação:obter evidências e resultados satisfatórios em resposta


às realizações durante o processo de aprendizagem, vem a ser o
sentimento positivo após prática do conhecimento ou da habili-
dade recém-adquirida.

Este modelo de desenvolvimento instrucional introduzido por Keller


em 1979, é conhecido como Modelo ARCS (do acrônimo em Inglês: At-
tention, Relevance, Confidence and Satisfaction) e considera o desenvolvimen-
to da motivação como um processo dinâmico e interativo. A oscilação de
qualquer um destes fatores impacta todos os outros, pois desempenham
papel crítico na motivação dos estudantes durante o processo de aprendi-
zagem.
Conforme este modelo, as pessoas agem de acordo com suas expec-
tativas e avaliações, em uma relação direta entre o potencial daquilo que
percebe que a levará ao sucesso (esperança) e o impacto deste sucesso (va-
lor). A interação entre os fatores auxilia o estudante a iniciar a sequência de
definição de metas, que é fundamental para o processo de aprendizagem.

OUTROS DESAFIOS À APRENDIZAGEM

Além dos fatores motivacionais, da curiosidade e necessidade da prá-


tica, inerentes à contrução do conhecimento, existem ainda outros aspec-
tos a considerar como os seguintes desafios enfrentados no dia a dia do
processo de aprendizagem:

• abusos de quaisquer naturezas durante o convívio com a turma.


• aplicação de estratégias pedagógicas em descompasso com a ma-
turidade do aluno.
• baixas autoconfiança e autoestima do discente.
• dificuldade de comunicação do indivíduo ou timidez.
• dificuldades de concentração por estímulos externos aos estudos.
• dificuldades e transtornos de aprendizagem.
• emprego de materiais de difícil compreensão para explorar os
conteúdos complexos.
• falta de conhecimento ou habilidades como pré-requisitos ao
novo conteúdo.

282
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• falta de materiais auxiliares à internalização do conteúdo.


• inadequação do conteúdo para a visão de mundo e experiências
do estudante.
• incongruências entre os materiais ofertados e os conteúdos ex-
plorados.
• linguagem inacessível ao sujeito da aprendizagem.
• materiais de aprendizagem inadequados ou ultrapassados.
• programas excessivamente difíceis ou exigentes.

DAS COMPETÊNCIA TÉCNICAS E INTERPESSOAIS


(HARD AND SOFT SKILLS)

A busca de uma educação que fomente aos estudantes aprender de


forma não convencional para que saibam trabalhar colaborativa e coopera-
tivamente na geração de inovadores conhecimentos, perpassa, inevitavel-
mente por se assumir uma nova abordagem de formação, agora, necessa-
riamente, de caráter não exclusivamente técnico.
A neurociência orienta aos educadores que todos os indivíduos pos-
suem cérebro com plasticidade neuronal, o que lhes permite a criação de
novas conexões intraneurônios por toda a vida, logo, aprender modifica
o nosso cérebro, e o processo de aprendizagem poderá ocorrer em suas
muitas e distintas áreas, num fluxo único e exclusivo de cada indivíduo.
Dito isto, entende-se, pois, que no processo de adaptação o órgão ve-
nha a estabelecer para aptidões diferentes, novas conexões em áreas tam-
bém distintas. Assim, sendo pacífico este concepção, podemos mais facil-
mente compreender que certos grupos de competências, em seu sentido
mais amplo de conhecimento, habilidades e atitudes, possam ser interna-
lizadas pelo uso de diferentes estratégias didático-pedagógicas.
As ditas competências técnicas, também conhecidas como Hard Skills
(habilidades técnicas adquiridas com experiências da vida ou formação
acadêmica) sempre foram trabalhadas nas escolas pelos professores mas o
mesmo não se pode afirmar quanto as competências interpessoais, ou Soft
Skills (habilidades interpessoais, ou comportamentais individuais) logo,
há de se supor que parte de nosso fluxo intelectual tem estado carente
do exercício mental que impulsione certas conexões importantes à nossa
formação. À esse respeito, Élida Pereira Jerônimo (2019) cita:

283
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Em tempos de gestão 4.0 e revolução tecnológica, incluindo tec-


nologias como inteligência artificial, robótica, big data, analytics e
afins, as hard skills e soft skills, tiveram um crescimento exponencial.
Isso porque quando se trata de hard skills a tecnologia substitui os
humanos, em algumas áreas com mais precisão e agilidade. Já as soft
skills não serão substituídas tão cedo. (JERÔNIMO, 2019).

Como a carência maior não está nas hard skills, trabalhadas em todo
percurso científico das escolas, do ensino fundamental até a “academia”,
torna-se de imperiosa atenção a professores e estudantes preencher este
vazio. Neste caso, a “ginástica” envolvida seria com o fito de estimular o
cerébro para favorecer ao processo de aprendizado das soft skills. Os estu-
dantes estariam mais bem capacitados a descobrirem, pelo autodesenvol-
vimento, os caminhos de transformação da sua realidade ao aprenderem a
modelar suas próprias competências interpessoais.
Quanto ao aspecto de se conhecer quais são as soft skills essenciais ao
desenvolvimento pessoal que formará o estudante num futuro profissio-
nal, no relatório “The Future of Jobs Report” divulgado pelo Fórum Econô-
mico Mundial consta uma lista das 15 soft skills mais importantes para as
carreiras do futuro até 2025 (WEF, 2020).

Habilidades em alta até 2025


1 Pensamento analítico e inovação
2 Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizado
3 Capacidade resolver problemas complexos
4 Pensamento crítico e analítico
5 Criatividade, originalidade e iniciativa
6 Capacidade de liderança e influência social
7 Uso, monitoramento e controle de tecnologias
8 Programação
9 Resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade
10 Raciocínio lógico, resolução de problemas e ideação
11 Inteligência emocional
12 Solução de problemas e experiência do usuário
13 Orientação de serviço ao cliente
14 Análise e avaliação de sistemas
15 Persuasão e negociação

Quadro 1 – Habilidades do Futuro, segundo relatório Future of Jobs 2020 (WEF, 2020)

284
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Como se percebe claramente, não são competências constantes das


grades curriculares, mas a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
determina que as habilidades emocionais e sociais sejam trabalhadas junto
com os conteúdos curriculares dentro do contexto do planjeamento pe-
dagógico das escolas, de forma que os alunos tenham formação completa
enquanto cidadãos e futuros profissionais.
Sob este prisma, mutatis mutandis Julian Baggini (2019) fornece as se-
guintes sugestões aos docentes que desejem em suas práticas desenvolver
as soft skills de seus estudantes, quais sejam:

Fomente o senso de colaboração

Consiste na capacidade de duas ou mais pessoas conseguirem atuar


em conjunto, para o atingimento de um objetivo. Com isso, o am-
biente de estudo se tornará mais produtivo se os estudantes domi-
narem essa habilidade.

Incentive a comunicação

É uma das bases do sucesso de qualquer estudante, pois, por meio


dela defenderá seus projetos, proporá novas ideias e será capaz de
exercer uma liderança natural.

Incentive o bom relacionamento interpessoal

O relacionamento interpessoal é uma soft skill bastante estimada,


pois diferentes áreas necessitam de pessoas que saibam conversar.
Contudo, para que exista uma interação positiva, é importante que
os estudantes tenham um bom relacionamento com os colegas.

Estimule e reconheça a turma

Os estudantes se destacam pela motivação, comprometimento ou


pela proatividade. E, para que essas habilidades sejam incentivadas,
é fundamental que o docente as reconheça e deixe-as mais aparen-
tes em cada estudante.

Crie uma cultura de feedbacks

É importante que o docente converse com os estudantes. Isso


mantém uma constante troca de feedback, contribuindo para que a

285
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

turma consiga perceber seus pontos fortes e fracos. Ou seja, o que


eles entendem estar funcionando e, por sugestões da turma, o que
deva ser melhorado.

DA PRÁTICA DOCENTE

No planejamento da prática docente deve-se ter como premissa o es-


tímulo à busca voluntária, consciente e intencional do discente na cons-
trução do conhecimento.
Na medida em que os componentes da matriz curricular permitam,
as estratégias didático-pedagógicas do plano de ensino a ser efetivado de-
vem procurar atender às pretensões idiossincráticas de vinculação e de uti-
lidade do conhecimento, validadas pelo grupo de afinidade social ao qual
o discente se vê como integrante.

AINDA SOBRE A PRÁTICA DOCENTE – AS “GAIOLAS


EPISTEMOLÓGICAS”

Interessante discussão no que tange ao conhecimento tradicional por


meio de disciplinas no sistema de educação é trazida pelo professor Ubi-
ratan D’Ambrosio, que explica que estas disciplinas, com seus objetivos,
fundamentação, métodos, regras, critérios, códigos próprios são inacessí-
veis aos não iniciados.
O educador introduziu a metáfora das gaiolas epistemológicas, com-
parando os especialistas dedicados integralmente a uma disciplina a pássa-
ros que vivem em uma gaiola.

[...] Os pássaros só vêem e sentem o que as grades permitem, só


se alimentam do que encontram na gaiola, só voam no espaço da
gaiola, só se comunicam numa linguagem conhecida por eles,
procriam e reproduzem na gaiola. Mas não sabem de que cor a
gaiola é pintada por fora. [...] Sair da gaiola não é fácil, pois as
gaiolas oferecem vários benefícios, como o reconhecimento pe-
los pares, o que garante emprego e promoções. Mas o preço por
estes benefícios e alto: as grades impedem sair e voltar livremente.
Com isto não há possibilidade de ver e conhecer a realidade social

286
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e natural, de se inspirar pelo novo para a criatividades. (D’AM-


BROSIO, 2016, p. 224).

Segundo o professor, o modelo de educação com disciplinas “engaio-


ladas” prepara especialistas fechados em suas áreas, não permitem que o
indivíduo veja o todo, que tenha conhecimento amplo da realidade, só lhe
possibilita ver aquilo que está ligado às suas preferências às suas vontades
(D’Ambrosio, 2016).
Para o educador, “sair da gaiola não é fácil”, mas possibilita aos profis-
sionais, cientistas e professores, guiarem o seu fazer para realizar o sonho
de uma humanidade com dignidade para todos, servindo de exemplo para
futuras gerações. Ele destaca a importância de trabalhar no sistema esco-
lar, em todos os níveis, desde a infância à pós graduação, as relações entre
os elementos (indivíduo, sociedade e a natureza) para entender cada um
deles e reconhecer que todos eles estão relacionados entre si, não havendo
necessidade de se fechar em uma gaiola. Esta, embora necessária, tem que
ter as suas portas abertas para permitir a entrada e saída livre para entender
os diversos fatores que causam um problema e não perder a visão do todo.
Neste sentido, a proposta é de uma mudança no sistema educacio-
nal, o que irá mexer com as grades curriculares dos programas oficiais
que “engradeiam” e determinam aquilo que o aluno vai fazer. Como fazer?
Segundo o educador, a abordagem sobre o que for terá que ser feita com
uma visão holística, procurando considerar todas as coisas envolvidas nes-
ses elementos.

MÉTODO DE PROJETOS:

Cada aluno expõe a sua visão, a sua busca ou modo de explorar e


aprofundar o tema por meio de diferentes direções. Com o grupo, o pro-
fessor começa a discutir problemas gerais que conversam um com outro.

PROJETO COOPERATIVO:

Grupos de professores conduzem projetos e atingem praticamente


todos os setores dessa realidade que nos afeta dia a dia. Em cada etapa do
desenvolvimento do projeto são discutidos aspectos como o que se passa

287
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

na relação do indivíduo com a natureza, do indivíduo com o outro, dos


grupos sociais.

METODOLOGIA

À medida em que os estudos avançaram, com o objetivo de enrique-


cer com aspectos práticos deste ensaio sobre o interesse do estudante na
aquisição de conteúdos, optou-se, porquanto propício, por extrapolar a
consulta bibliográfica da literatura especializada e o estudo de fontes con-
fiáveis de informação da Rede Mundial de Computadores (Internet), com
a realização de uma pesquisa de campo com os públicos-alvo envolvidos e
utilizando-se de uma abordagem indutiva ao tema. Partiu-se, para tanto,
de premissas menores em observações estatísticas cujo exame teria um
caráter mais límpido e imediato, com a proposta de, ato contínuo a isso,
objetar alguns conhecidos paradigmas e apresentar diferentes óticas no fito
de tentar responder as questões ora apresentadas.

CÁLCULO DA AMOSTRA

Para realização da pesquisa de campo, levou-se em consideração a


seguinte amostra:

Fórmula utilizada no cálculo da amostra:

N .( Z α / 2 ) 2 . p .( 1 − p )
n =
( Z α / 2 ) 2 . p .( 1 − p ) + E 2 .( N − 1 )

Parâmetros utilizados:
•Nível de confiança:95%.

•Zα/2:1,96

obtido pela distribuição Normal correspondente ao nível de 95%.

•Margem de Erro:5% (E = 0,05)

•Distribuição:80/20

288
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Universo da pesquisa – Amostra:


•N: 71.531.053 (Professores + Estudantes)33;

oEstudantes:68.389.416

oProfessores:3.141.637

•n: Amostra (número de questionários a serem respondidos).

n = 246

Resultados da pesquisa:
oQuestionário respondidos:278

oEstudantes:200

oProfessores:78

FERRAMENTA DE PESQUISA

Para realização da Pesquisa de Campo, fora utilizada aplicativo in cloud


on-line Microsoft Forms, em sua versão gratuita e limitada até 200 formu-

33 Dados obtidos pelos Censos Escolares 2019 2 2020 do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, sendo: Educação Superior – Censo 2019 do
INEP. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-
-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados Acesso em: 01 maio 2021. Educação
Básica, Média e Profissionalizante – Censo 2020 do INEP. Disponível em: https://download.
inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2020/apresentacao_coletiva.pdf Acesso em: 01 maio
2021.

289
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

lários e cada formulário podendo receber até 200 respostas. Disponível


em: https://forms.office.com/ Acesso em: 01 maio 2021.

QUESTIONÁRIOS DA PESQUISA

290
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Os questionários foram aplicados entre os dias 25 a 30 de abril de


2021, disparados por WhatsApp e por mailling tendo como destinatários
1.760 pessoas de todo o Brasil.

RESULTADOS DA PESQUISA

A pesquisa de campo foi realizada com “autodeclarados” professores e


estudantes, entre os dias 25 e 30 de abril de 2021. Tendo como destinatários
1.760 pessoas de todo o Brasil. Após o fechamento do formulário de coleta
contabilizou-se 278 respondentes, sendo 78 professores e 200 estudantes,
os resultados alcançados pela pesquisa de campo foram os seguintes:

FAIXA ETÁRIA
FAIXA ETÁRIA
100,00%
71 anos ou mais 5,13%; 4

50,87%
51 anos a 70 anos 37,18%; 29 14,00%; 28
49,13%

32,25%
31 anos a 50 anos 51,28%; 40 42,00%; 84
67,74%

20,00%
22 anos a 30 anos 6,41%; 5 10,00%; 20
80,00%

14 anos a 21 anos 34,00%; 68


100,00%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 1 – Faixa Etária

Notas:
•A população de professores e estudantes respondentes se concentra
na faixa de idade entre 31 a 50 anos, 51,28% dos professores e 42,00%
dos estudantes, logo, contemporâneos e testemunhas dos mesmos movi-
mentos sociais e tecnológicos ocorridos ao término do Século XX e até
o momento.

291
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

•Entre os professores respondentes apenas 6,41% possuem maior


tempo de vida no Século XXI, por outro lado, a população respondente
de estudantes possuem em mesma circunstância um percentual de 34,00%
dos seus respondentes. Na prática, o estudantes estão mais presentes e,
portanto, são mais conhecedores da dinâmica da modernidade líquida.

ESCOLARIDADE
ESCOLARIDADE
100,00%
Pós-Doutorado Completo 1,28%; 1
100,00%
Doutorado Completo 3,85%; 3
100,00%
Doutorado Incompleto 5,13%; 4
100,00%
Mestrado Completo 24,36%; 19
100,00%
Mestrado Incompleto 2,56%; 2
35,00%
Especialização Completa 35,90%; 28 26,00%; 52
65,00%
38,89%
Especialização Incompleta 8,97%; 7 5,50%; 11
61,11%
25,93%
Superior Completo 17,95%; 14 20,00%; 40
74,07%
Superior Incompleto 16,00%; 32
100,00%
Nível Médio Completo 12,50%; 25
100,00%
Nível Médio Incompleto 20,00%; 40
100,00%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 2 – Escolaridade

Notas:
• Na população respondente dos professores 82,05% possuem es-
colaridade em nível de pós-graduação atingindo, inclusive, o ní-
vel de Pós-doutorado. Apenas 17,95% possuem exclusivamente o
Nível Superior, o que demonstra a busca incansável pelo conheci-
mento por parte do professores, alternando de tempos em tempo
o seu papel para o de aluno, a fim de obter a elevação de seu nível
de escolaridade. Infere-se pois, que o conheçam profundamente
ambos os lados das questões ora levantadas.
• Em contraponto, dos autodeclarados estudantes responden-
tes, quase metade, 48,5% ainda não possuem o nível superior,
20,00% possuem Nível Superior (ou está em vias de possuir) e,

292
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

31,5% já estão em nível de pós-graduação, ou seja, infere-se pela


observação da interação da distribuição no nível de Especializa-
ção, que embora pudessem, boa parte dos professores optaram por
não se declarar como estudantes.
• Outrossim, infere-se que parte dos 31,5% estudantes responden-
tes do nível de especialização não se vinculam à prática docente.

ALCANCE TERRITORIAL DA PESQUISA

ORIGEM

33,34%

Outros Estados 33,33%; 26 26,00%; 52

66,66%

26,00%

Bahia (BA) 66,67%; 52 74,00%; 148

74,00%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 3 – Alcance territorial da pesquisa

Notas:

• Sendo o domicílio e residência dos pesquisadores o Estado da


Bahia, suas relações sociais foram efetivas nos sentido de pro-
mover a maioria das respostas, tanto no público de professores
quanto dos estudantes, alcançando a marca de 71,94% dos res-
pondentes.
• O resultado dos demais Estados restou assim composto:

293
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Tabela 1 – Respostas por Estado (Exceto a Bahia)

FONTE DE PRAZER NO ESTUDO


FONTE DE PRAZER NO ESTUDO
62,5%
Não encontram prazer em estudar 3,42%; 5 0,87%; 3
37,50%
30,34%
Aprender algo que possa usar logo 30,14%; 44 29,45%; 101
69,66%
14,30%
Deixar os pais ou responsáveis orgulhosos 4,79%; 7 12,24%; 42
85,70%
45,61%

Estudar de forma divertida 35,62%; 52 18,08%; 62


54,39%
27,32%
A curiosidade por determinado assunto 36,30%; 53 41,11%; 141
72,68%
19,64%
Assunto ser dado em pequenas partes 7,53%; 11 13,12%; 45
80,36%
30,26%
Estudar com os amigos 15,75%; 23 15,45%; 53
69,74%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 4 – Fonte de prazer no estudo

Notas:
• A curiosidade, capacidade inata de todos os seres vivos, mostra-se
na pesquisa como maior fonte de prazer, apontada por 36,30%
dos professores em função dos estudantes e 41,11% pelos próprios

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

estudantes, totalizando 69,78% dos respondentes, sendo pois, na


concepção de ambos a maior aliada no processo do aprendizado.
• Observa-se, de igual modo que, outrora impensável, deixar pais
ou responsáveis com orgulho por se apresentar um disciplinado
estudante, segundo a opinião dos professores respondentes, ape-
nas 4,79% das indicações, não é mais uma importante alavan-
ca aos estudos. Entre os estudantes, o percentual de 12,24% das
indicação ainda demonstra certa importância dos respondentes a
opinião de seus pais ou responsáveis.
• Com apenas 3,42% dos professores e 0,87% dos estudantes, um
ponto onde repousa consenso vem da assertiva de que “não há
prazer em estudar”, uma clara indicação de que a maioria dos pro-
fessores e estudantes refutam essa ideia e entendem ser possível
encontrar prazer nos estudos.

DESENVOLVIMENTO PESSOAL
DESENVOLVIMENTO PESSOAL
21,64%

Aquisição de Conteúdo 15,18%; 29 20,39%; 105


78,36%
23,88%
Estrutura da Instituição 8,38%; 16 9,90%; 51
76,12%
20,00%
Exames de admissão / Concursos 4,19%; 8 6,21%; 32
80,00%
30,04%
Integração com a turma 33,51%; 64 28,93%; 149
69,96%
30,43%
Estímulo do Professor 14,66%; 28 12,43%; 64
59,57%
28,75%
Apoio e motivação dos pais ou responsáveis 24,08%; 46 22,14%; 114
71,25%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 5 – Desenvolvimento pessoal

Notas:
• Para os professores respondentes, respectivamente e em or-
dem descendente de indicação, tem-se a “integração com a turma”
(33,51%), o “apoio e motivação dos pais ou responsáveis” (24,08%) a
“aquisição de conteúdos” (15,18%), como principais fatores de esti-
mulo ao estudo com vista ao desenvolvimento pessoal.

295
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

• Para os estudantes respondentes, respectivamente e em ordem


descendente de indicação, tem-se a “integração com a turma”
(28,93%), o “apoio e motivação dos pais ou responsáveis” (22,14%) a
“aquisição de conteúdos” (20,39%), como principais fatores de esti-
mulo ao estudo com vista ao desenvolvimento pessoal.
• Atenta-se para o fato de que tanto professores quanto estudantes
considerem como importante a “aquisição de conteúdo” (48,20%)
como fator de desenvolvimento pessoal, fugindo às concepções
assistencialistas de cunho patriarcal e redimensionando um pouco
o papel do estímulo do professor que alcança, no geral, 33,09%
no geral de indicações dos respondentes.

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
34,03%
Aquisição de Conteúdo 17,69%; 49 13,87%; 95
65,97%
29,38%
Estrutura da Instituição 22,38%; 62 21,75%; 149
70,62%
29,41%
Exames de admissão / Concursos 25,27%; 70 24,53%; 168
70,59%
21,54%
Integração com a turma 5,05%; 14 7,45%; 51
78,46%
26,88%
Estímulo do Professor 18,05%; 50 19,85%; 136
73,12%
27,12%
Apoio e motivação dos pais ou responsáveis 11,55%; 32 12,55%; 86
72,88%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 6 – Desenvolvimento profissional

Notas:
• O fato de desejar colocar logo em prática, de forma imediata aqui-
lo que se dispõe a estudar mostra-se preponderante tanto para as
percepções de professores quanto de estudantes, ao menos é o
depreende pela análise da assertiva “Exames de admissão / Concur-
sos” vez que 25,27% dos professores e 24,53% dos estudantes o
apontam como principal fator de estimulo ao estudo com vista ao
desenvolvimento profissional.

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C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

• De igual forma, a assertiva “Estrutura da Instituição” possui a indi-


cação por parte de 22,38% dos professores e 21,75% dos estudan-
tes, o que aponta para a relevância de um estudo suportado com
necessários e suficientes laboratórios, bibliotecas, equipamentos,
ferramentas e diversificadas fontes de informações válidas ao con-
texto científico no processo de produção e aquisição do conhe-
cimento.
• Repousa harmônico o entendimento entre professores e estu-
dantes que a “integração com a turma” – 5,05% dos professores e
7,45% dos estudantes não guarda relevância sobre os demais fa-
tores preponderantes para o estímulo aos estudos em face de aspi-
rações profissionais. O que, de certa forma revela a preocupação
do indivíduo em busca do seu espaço no contexto do mercado de
trabalho.

NÍVEIS DE INTERESSE NO ESTUDO


NÍVEIS DE INTERESSE NO ESTUDO
26,00%
10 - Total 2,56%; 2 15,00%; 30
74,00%
26,00%
9 - Altíssimo 2,56%; 2 10,00%; 20
74,00%
26,00%
8 - Muito Alto 14,10%; 11 29,00%; 58
74,00%
26,00%
7 - Alto 21,79%; 17 21,00%; 42
74,00%
26,00%
6 - Médio Superior 23,08%; 18 12,00%; 24
74,00%
26,00%
5 - Médio 21,79%; 17 7,50%; 15
74,00%

4 - Médio Inferior 6,41%; 5 3,00%; 6


26,00%
3 - Baixo 5,13%; 4 1,50%; 3
74,00%
100,00%
2 - Muito Baixo 2,56%; 2

1 - Inexistente 1,00%; 2
100,00%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
PROFESSOR ESTUDANTE

Gráfico 7 – Níveis de interesse no estudo

Notas:
• Neste ponto professores e estudantes respondentes delineiam, por
suas indicações, cenários dicotômicos. Enquanto, na percepção
do professores o nível de interesse dos estudantes é geralmente

297
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

mediano (58,97% das indicações), os estudantes reportam que


possuem muito interesse nos estudos (75,00% das indicações).
• Se por um lado, em sua percepção, os professores indicam que
apenas 5,12% estudantes possuem interesse elevado nos estudos,
os estudantes respondentes afirmam que apenas 5,5% possuem
reduzido interesse nos estudos.
• Há que se considerar que, estando em lado oposto o observador,
neste caso o professor, em relação ao objeto observado, sua per-
cepção de certa forma é prejudicada, por ser impossível enxergar
mais do que a face então exposta. Por outro lado, o estudante,
como sujeito do processo de aprendizagem, não indica se este ex-
ternalizado interesse vem a ser totalmente convertido em estudo
de fato, a simples demonstração de engajamento revela apenas o
potencial que existe e pode ser trabalhado pelo professor.

CONCLUSÕES

À guisa de conclusão, consideramos que o desinteresse massivo dos


estudantes em todo os níveis está intimamente ligado à qualidade do pro-
cesso de aprendizagem, em especial por não contemplar no planejamento
das matrizes curriculares, componentes de práticas didático-pedagógicas
que suportem o propenso imediatismo exigido por uma sociedade de mo-
dernidade liquida e, no contexto de um ambiente VUCA34 no qual terá
que se inserir como agente de mudanças.
A escola moderna e seu corpo docente não podem servir mais à ades-
tração dos seus estudantes e devem se adaptar à realidade social e histórica
que a cerca, especialmente quanto à volatilidade e efemeridade das coisas,
da necessidade de produção de um conhecimento útil e de aplicação ime-
diata, porquanto necessita ser glocal e se inserir no desenvolvimento de
soft skills para minimizar as possiblidades de formar futuros profissionais

34 VUCA – Acrônimo das palavras inglesas Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity
(em português: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) e foi empregado pelo
U.S Army War College na década de 1990 para explicar o mundo no cenário pós-Guerra Fria
e vem sendo utilizado desde então para descrever de maneira geral diferentes cenários
desafiadores e complexos.

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“descartáveis” em razão das máquinas, soluções ou tecnologias já serem


capazes de atenderem, com desempenho bem superior ao humano, quais-
quer hard skills.
Há que se cuidar, de forma imediata, para que não mais ocorra a pos-
sibilidade de vitimização do estudante durante o processo de aprendiza-
gem em função deste não adquirir as competências necessárias e desejadas
pelo mercado de trabalho. De igual forma, o estudante deve ser conduzido
na trilha da construção do autoconhecimento, num ambiente propício ao
exercício da imaginação e da criatividade, inserindo-o como protagonista
do próprio processo de aprendizagem, sendo assim, altamente recomen-
dável o uso intensivo de metodologias ativas.
Há um sem-número de possibilidades estratégicas para a melhoria da
prática pedagógica, entretanto, para se realizar um bom trabalho de in-
vestigação apreciativa quaisquer delas deve ser originada após um bom
diagnóstico do cenário e seus vetores de composição, especialmente nas
questões de fundo, por impor certa miopia na observação daquilo que
emerge à superfície do problema em questão. Observa-se, por exemplo,
que a prevalência no uso da metodologia expositiva adotada pelo professor
não se configura, em tese, como uma possibilidade de alta eficiência na
Pirâmide da Aprendizagem.
Neste caso, cabe ao professor se organizar para a ação pedagógica,
deve pois, buscar um conjunto de ações didáticas que visem extrapolar as
variáveis de transmissão e verificação do conteúdo para focar na efetivi-
dade da aprendizagem pelas opções técnicas aplicadas em prol do desen-
volvimento de processos cognitivos, especialmente aqueles cujo foco da
aprendizagem venha a se alicerçar no envolvimento ativo do corpo discen-
te, respeitando necessidades e alavancando potencialidades.
Nessa esteira, deve-se sempre elevar a importância dos sujeitos na
aprendizagem, vez que precisam construir, com o devido suporte do-
cente, para além da internalização de conteúdo, a criação de sentido e
da possibilidade de transformação de mundo. Isto posto, relembrado ao
professor as diretrizes pedagógicas que necessitariam ser incorporadas na
dinâmica de seu componente curricular, ratifica-se de igual forma o im-
perativo de assegurar aos seus discentes a oportunidade, no mínimo, de:

299
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Aprender a conhecer – O prazer no ato da busca pela descoberta


e compreensão da realidade do objeto de observação e a alegria com a
efetivação de sua construção e reconstrução de uma diferente ótica sobre
a coisa do estudo, sua verdade, relação com o mundo e consigo, além do
entendimento e da percepção do poder transformador que há no conhecer
para que tudo não seja efêmero e sem sentido, faz com que o aprendiz se
mantenha firme em seus propósitos de aprendizado ao longo de sua vida,
sempre valorizando a investigação, a liberdade dos caminhos a percorrer
que fará de forma voluntária e permanente.
Com base nessa visão, pode-se planejar uma prática pedagógica
sempre com pretensão aos melhores resultados educacionais pois irá
se investir não apenas para a absorção de conhecimento encapsulado
pelo corpo docente, pronto e preparado para doses diárias, mas dará
lugar ao ensinar que estimule aos estudantes um pensamento analí-
tico e crítico, que o estimule à pesquisa e imaginação, que valorize
a comunicação e a criatividade, como formas de obtenção autônoma
do conhecimento. 35

35 Pilares da Educação – Fundamentos da educação baseados no Relatório para a UNESCO


da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Lu-
cien Jean Delors. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quatro_pilares_da_educação.
Acesso em: 01 maio 2021.

300
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dent-


zien. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2001.

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revista. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segunda versão


revista. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 03 maio 2021.

Censo Escolar da Educação Básica, Média e Profissionalizante – Censo


2020 do INEP. Disponível em: https://download.inep.gov.br/cen-
so_escolar/resultados/2020/apresentacao_coletiva.pdf. Postado em:
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Censo Escolar da Educação Superior – Censo 2019 do INEP. Disponí-


vel em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-
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Postado em: 21/10/2020. Acesso em: 27 abr. 2021.

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mática – Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS), v. 9, n. 20, 27 dez 2016.

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ions and Aphorisms. Dover Publication, Mineola, New York.
2009.

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em: 30 abr. 2021.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

JERÔNIMO, Élida Pereira. Hard Skills e Soft Skills: qual o diferencial


do profissional do amanhã? Disponível em: https://administrado-
res.com.br/artigos/hard-skills-e-soft-skills-qual-o-diferencial-do-
-profissional-do-amanhã. Postado em: 13/04/2020. Acesso em: 01
maio 2021.

KAROLYNE, Audryn. O que são soft skills ou habilidades compor-


tamentais? Disponível em: https://folhadirigida.com.br/mais/no-
ticias/mercado/soft-skills. Postado em: 15/09/2020. Acesso em: 01
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KELLER, J. M. An integrative theory of motivation, volition,


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Learning, v. 6, n. 2, p. 79-104, 200.

WORLD ECONOMIC FORUM. The Future of Jobs Report 2020.


Disponível em: https://www.weforum.org/reports/the-future-of-
-jobs-report-2020. Acesso em: 01 maio 2021.

302
AS RAÍZES HISTÓRICAS DA
OPRESSÃO SEXUAL E SUAS
EXPRESSÕES NA SOCIEDADE
BRASILEIRA
Ana Flávia Bezerra Toledo Camargo36

INTRODUÇÃO

Esta breve síntese tem como objetivo apresentar as características so-


bre a socialização nas sociedades matriciais, de modo que através do mo-
vimento histórico seja possível defender nosso argumento da gênese da
opressão sexual, a partir da acumulação primitiva de excedentes (proprie-
dade privada) e da sociedade dividida em classes. Ao passo em que a acu-
mulação primitiva foi se acentuando, surgiram a família monogâmica, o
patriarcado e o Estado já em um estágio mais avançado de nossa sociedade
como formas de proteger a propriedade privada nas mãos dos homens da
classe dominante, através do controle sobre a sexualidade, a linhagem de
herdeiros, e a dominação e poder político/econômico hegemonicamente
masculino. Essa compreensão é a base explicativa para a repressão à ho-
mossexualidade na sociedade brasileira, e por isso optou-se por fazer esta
contextualização.

36 Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Institu-


to de Educação) na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – Campus de Cuiabá-MT.

303
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

1. SOCIABILIDADE NAS CIVILIZAÇÕES TRIBAIS E PRÉ-


HISTÓRICAS: O CONTEXTO DA OPRESSÃO SEXUAL A
PARTIR DO ADVENTO DA PROPRIEDADE PRIVADA

As sociedades matriarcais primitivas existiram no território da Eu-


ropa e Ásia, durante o período Paleolítico entre 500.000 e 10.000 a.C.
A necessidade e estratégias de caça para sobreviver exigia a cooperação e
coletividade entre os bandos, fazendo com que se criassem os primeiros
clãs, ou seja, as habitações primitivas onde conviviam grupos de homens
e mulheres e suas futuras gerações. Essas comunidades eram organizadas a
partir do matriarcalismo, que consistia em os homens se deslocarem para
caçar e pescar e as mulheres ficavam responsáveis por governar os clãs. O
que caracterizava o sistema matrilinear deste período era o culto, valori-
zação e relevância da figura feminina, como as características de materna-
gem e reprodução da vida humana (NUNES, 1987/2005, p. 28).
Durante milhares de anos, a organização social e o culto feminino
eram comuns e próprios das sociedades matrilocais, onde grupos de mu-
lheres realizavam atividades conjuntamente com os homens, não havendo
prevalência e formas de dominação entre eles. Assim, todos os sujeitos
eram autônomos, não havia distinção de poder aquisitivo, e as mulheres
gozavam de liberdade, independência e não eram dominadas. Os meios
de subsistência (caça, pesca e cultivo) e seus produtos (peixes, animais de
pequeno, médio e grande porte, frutas, raízes etc.), eram de usufruto de
todos. O poder e prestígio feminino tinha sua origem principalmente pela
função útil procriadora das mulheres (a capacidade de reprodução e ge-
ração da espécie humana), já que outras atividades e demais funções po-
deriam ser socialmente desenvolvidas por homens e mulheres (NUNES,
1987/2005 p. 28).
Eis a explicação sobre a gênese material da importância de todas as so-
ciedades de classes, posteriormente às sociedades matrilineares, de exercer
o controle (autoritário e violento) sobre o corpo das mulheres. O surgi-
mento do patriarcado não é produto de homens que foram ruins, sádicos
etc., mas outrossim, ocorreu pelo fato de que no corpo de machos não se
gera a vida humana, era preciso que o controle fosse exercido sobre os cor-
pos das mulheres. Ora, como não seria se quem gera a vida pudesse (tam-
bém) controlá-la? É nesse sentido que os homens – mais tarde, tiveram a

304
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

necessidade de controlar o corpo e sexualidade feminina através da lógica


da propriedade privada, para também decidir sobre as futuras gerações e
suas obrigações com a sociedade.
Baseado nos estudos de Bachoffen, realizados em 1861, Reed
(1980/2008, p. 50) afirma que diante da necessidade do sustento das
mulheres e de seus filhos, elas foram as primeiras a organizar atividades
produtivas e formas de vida social. Para tal, criaram instrumentos e de-
senvolveram conhecimentos e técnicas que contribuíram com a colheita
de frutos, horticultura e, posteriormente, com a agricultura. Assim, as
mulheres foram as responsáveis pelo progressivo abandono das atividades
mais animalescas das comunidades pré-históricas, tendo papel decisivo na
elevação do gênero humano graças às atividades desenvolvidas por elas.
Os cultos religiosos eram baseados nas práticas cotidianas, em que fa-
ziam verdadeira adoração às mulheres, a procriação da vida e maternagem,
sendo que a sexualidade era compreendida como algo sagrado e divino.
Algumas escavações comprovam o culto à mulher, pois mostram a exis-
tência de pinturas rupestres e estatuetas femininas gordas com realce dos
seios, coxas e quadris, além do poder e fortaleza femininos, provavelmente
providas da civilização Cicládica e Malta (3.000-2.000 a.C). Os antigos
hebreus (religião mais antiga que se tem registro na história da humanida-
de) praticavam a poligamia e poliandria, e, pelo menos, durante 200.000
anos, seus deuses representavam a figura feminina (CABOT; COWAN,
1989, p. 57; NUNES, 1987/2005, p. 29).
Cabot e Cowan (1989, p. 49) relatam que a produção de leite, a mens-
truação e a capacidade de dar à luz conferia às mulheres o reconhecimento
de deusas, fazendo com que fossem adoradas por gerar a vida humana.
Figuras de mães foram retratadas em ossos, marfins, pedras e esculturas de
barro datadas de 35.000 a 10.000 a.C. No Mediterrâneo Oriental, diver-
sas cidades desenterradas refletiam uma organização matriarcal, a saber:
na atual Turquia, as cidades de Catai Hüyük, Mersin, Hacilar e Ala-lakh.
Nessas civilizações não existia o escravismo, e as mulheres foram as mais
arcaicas artistas, sacerdotisas, caçadoras de animais e agricultoras.
A organização matrimonial do período primitivo não se estabelecia
em condições de posse ou contrato, e isso impossibilitava o desenvolvi-
mento de sentimentos como o ciúme. Engels (1884/1984, p. 28-29), ba-
seado nos escritos de Morgan, discorre sobre a existência de três tipos de

305
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

família surgidas nas tribos primitivas. A primeira, denominada consan-


guínea, se caracterizava pelas relações sexuais entre pais e filhos, filhos e
filhas, netos e netas etc., do mesmo casal, em que as relações sexuais eram
permitidas entre irmãos e primos que se tornavam marido e mulher. No
segundo modelo, denominado punaluana, além da exclusão de relação se-
xual entre pais e filhos como ocorria na consanguínea, tornaram-se atípi-
ca práticas sexuais entre irmãos e irmãs, e, posteriormente, entre primos e
primas, os impossibilitando de terem filhos entre si.
Com a proibição de casamento entre irmãos, logo a união por pares
começa a existir com a família sindiásmica. Nesta, a poligamia por parte
do homem ainda era comum, enquanto o adultério por parte da mulher
era severamente castigado. No entanto, estas podiam a qualquer momento
abandonar seus maridos, com direito a ficar com os filhos. Além disso, as
mulheres comandavam as regras da casa e compartilhavam as atividades
domésticas com os maridos, que eram punidos, caso não as cumprissem.
Este tipo de família surgiu entre o estado selvagem das comunidades pri-
mitivas e a barbárie (ENGELS, 1884/1984, p. 32).
Nunes (1987/2005, p. 26) a partir da obra Sexo e Temperamento, de
Margareth Mead publicada em 1950, relatou a existência da tradição de
tribos matriarcais na Oceania. Nas tribos Arapesh observou-se caracte-
rísticas como a calmaria, docilidade e aspectos da maternagem tanto em
homens quanto em mulheres, além de trabalho cooperativo e criação dos
filhos como responsabilidade de ambos. Entre os Mondugumor, a agres-
sividade e a violência faziam parte da educação das crianças do sexo mas-
culino e feminino, e ambos eram autônomos, soberanos e responsáveis
pelas atividades desenvolvidas. Por fim, nos Tchambulli, os homens eram
dependentes, submissos e cuidadores, enquanto as mulheres apareciam
como fortes, dirigentes das tribos e da produção material, além de con-
trolar a religião. Baseando-se em estudos como este, é que o feminismo
marxista defende o fim do gênero. Este é o horizonte que deve ser almeja-
do para os seres humanos, onde todas as qualidades e atributos sejam dis-
tribuídas entre todos, e não segundo o sexo – não conformando gêneros.
Dando seguimento a contextualização histórica das tribos matriciais,
no período neolítico (X milênio-III milênio a.C) nas tribos bárbaras, as
habitações começaram a serem feitas com madeiras, pedras e em forma de
aldeias, e outros materiais foram criados, como os tecidos, vasos e instru-

306
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

mentos combinados de madeira e pedra polida. Os cereais e hortaliças pu-


deram ser cultivados (milho, melão, abóbora, trigo, cevada, arroz e man-
dioca), assim como os animais passaram a ser domesticados (aves, gados e
lhamas) com a finalidade da extração de leite e carne, e a principal arma
era a espada. As mulheres na realização dessas atividades, tornaram-se co-
letoras de ervas e raízes que serviam como remédio. Com uma acumu-
lada experiência, desenvolveram técnicas de processamento, preservação
e armazenagem de víveres. Nesse sentido, foram as primeiras educadoras
por transmitirem aquilo que aprendiam à comunidade, desde os aspectos
culturais, até aqueles da produção da vida material (CABOT; COWAN,
1989, p. 76; REED, 1980/2008, p. 52).
No Neolítico, devido à produção excedente, a expansão de terra
e agricultura passaram a ser atividades comuns, com a criação de reba-
nhos. Tal período, que ocorreu há cerca de 8.000 anos atrás, reorientou
a produção, visto que os indivíduos passaram a confeccionar as próprias
vestimentas, objetos úteis como barcos, pequenas armas e instrumentos
caseiros. A caça diária de alimentos foi massivamente substituída por gran-
des rebanhos com várias espécies, aumentando os lotes de terra para que
estes vivessem. Esse processo fez com que certos indivíduos acumulassem
territórios, leite, carne, animais e plantações. A caça, antes considerada
uma necessidade, passou a ser utilizada muito esporadicamente (CABOT;
COWAN, 1989, p. 42; ENGELS, 1884/1984, p. 57).
Esse novo desenvolvimento social se gestou a partir da acumulação
primitiva de excedentes por parte de alguns sujeitos, e o sentimento de
pertença individual fez com que: primeiro, se separassem os clãs e depois
as famílias individuais. As relações ainda se davam por estreitos laços de
igualdade, pois todos trabalhavam na produção da terra, com o plantio e
armazenamento do que era colhido. No entanto, aqueles homens que no
trato com a produção material de subsistência, conseguiram gerar mais
produtos cumulativos extraídos das terras e das criações de animais, tor-
naram-se os novos dirigentes das comunidades. Assim, iniciou-se a der-
rubada do matriarcalismo, e as mulheres passaram a ser exploradas e do-
minadas (ENGELS, 1884/1984, p. 58; REED, 1980/2008, p. 53).
Enquanto havia coletividade e cooperação nas atividades e relações,
todas as mulheres tinham liberdade e poder de decisão. Com o advento
da propriedade privada e da família monogâmica, as mulheres dos homens

307
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

que mais acumulavam produtos ficaram mais restritas às atividades do am-


biente doméstico. Esses homens ao se apropriarem dos meios de produção
da vida, negaram a presença de suas mulheres nas atividades produtivas,
“tomaram as rédeas” da organização social e aos poucos originou-se uma
nova estrutura de acordo com suas necessidades: o modelo patriarcal. Com
o fim das comunidades matriarcais, nasceu a sociedade dividida em classes
sociais, em que a exploração das mulheres apareceu como os primeiros
indícios de desigualdade entre os indivíduos (NUNES, 1987/2005, p. 30;
REED, 1980/2008, p. 56-57).
Dado esse passo, o casamento que antes era em grupos, passou a ser
efetivado a partir de um contrato no primeiro milênio, em que se altera-
ram algumas de suas funcionalidades: o laço indissolúvel do matrimônio
impedia que as mulheres praticassem a poliandria (garantindo a paterni-
dade dos filhos), escolhessem seus esposos e se separassem, não podendo
deixar de serem servas de seus maridos. A organização dos clãs e ativida-
des passadas de mães para filhas, passou a ser de pai para filho (NUNES,
1987/2005, p. 32).
Apropriados do sacerdócio, os homens criaram os primeiros escritos
religiosos de acordo com sistema patriarcal, inscrevendo que as mulhe-
res eram seres inferiores, e por isso deviam obediência e submissão aos
seus maridos. As adúlteras deveriam ser apedrejadas e a sensualidade e
sexualidade feminina, passaram a ser consideradas como promiscuidade,
sendo classificadas como atos impuros e servindo apenas para a procria-
ção. A mulher tornou-se propriedade de seu marido, tal como os bois,
os indivíduos escravizados (apreendidos nas guerras) e os outros meios de
produção, e cobiçá-la era considerada uma violação capital de direito à
propriedade de outrem, pois por ela era pago um dote de valor negociável,
entre seu pai e seu marido. Sob o contexto do surgimento do patriarcado,
se instaurou o mito da superioridade masculina, em que se constituiu:
1) famílias patriarcais monogâmicas; 2) a inferioridade e não-dignidade
das mulheres; 3) o poder social nas mãos dos homens; e 4) instituições,
leis e valores que refletem o mito da prevalência do macho (CABOT;
COWAN, 1989, p. 56; NUNES, 1987/2005, p. 35).
A história das sociedades matriarcais fora ocultada durante muito
tempo, pois desmistificam o patriarcado vigente como produto de uma
ordem natural. O poder social e controlador do patriarca foi constituído

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historicamente a partir da propriedade privada dos meios de produção, à


medida em que a submissão feminina não existia anteriormente à socie-
dade dividida em classes, que as rebaixou a um status inferior. A partir da
historicidade, percebe-se que o poderio masculino não advém de suas for-
ças físicas ou aparato biológico, mas propriamente das condições socioe-
conômicas que os elevaram ao monopólio da sociedade, não perdendo seu
trono na hierarquia social através da transmissão de bens aos seus herdeiros
(REED, 1980/2008, p. 65; SPENCER, 1996, p. 39).

2. O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SEXUAL NO


BRASIL: IMPLICAÇÕES NA REPRESSÃO DA
HOMOSSEXUALIDADE

Logo que o Brasil se transformou em uma sociedade nos moldes oci-


dentais, a primeira promulgação da homossexualidade considerada como
crime contra a fé fora criada no reinado de D. Manoel em 1521, conheci-
da como Ordenações Manuelinas, já regidas rigorosamente em Portugal.
Nas leis deste decreto, as práticas homoeróticas tanto de homens, quanto
de mulheres, eram punidas com morte na fogueira, sendo consideradas
crimes contra a natureza. Os incriminados e seus cúmplices tinham seus
bens confiscados e eram penalizados, ainda que pertencessem a família
real ou das elites, e aos que denunciassem as práticas homoeróticas, lhes
seria conferido uma recompensa (REINKE et al., 2017, p. 285; TREVI-
SAN, 1944/2007, p. 101).
Os filhos dos grandes proprietários rurais tinham iniciação sexual
precoce, em que desde muito cedo tinham relações sexuais forçadas ou
brincadeiras eróticas com indivíduos escravizados da mesma idade que
eles. As mulheres das classes altas se casavam cedo, geralmente aos 13 ou
15 anos de idade e eram constantemente vigiadas, sendo permitida sua
saída apenas para ir à Igreja. O casamento arranjado pelo pai por interesses
patrimoniais teria de ser o único objetivo de suas vidas, neste sentido, não
sendo instruídas para o estudo, tornavam-se ignorantes, submissas e ocio-
sas. Caso fossem pegas em adultério, as mulheres deveriam ser mortas,
mas, do contrário, se seus maridos fossem adúlteros o ideal era ocultar o
acontecido (RIBEIRO, 2004, p. 68; SAFFIOTI, 1976, p. 103; TREVI-
SAN, 1944/2007, p. 102).

309
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O rechaço a homossexualidade era seletivo, pois, apesar da religião


proibir os atos sexuais em excesso ou considerados imorais, tal censura
caminhava junto à libertinagem dos senhores e líderes religiosos. Inclusi-
ve, o local onde mais havia práticas sexuais homoeróticas no Brasil era nos
colégios jesuítas, em que padres traziam garotos órfãos com idade entre
12 e 17 anos de Portugal e mantinham com eles relações sexuais abusi-
vas. Eram comuns encontros amorosos em Igrejas, à medida que eram
proibidas as traições e relações sexuais antes do casamento (TREVISAN,
1944/2007, p. 107; VAINFAS, 1956/2010, p. 237).
Neste contexto de libertinagem sexual, não demorou para que os
portugueses das classes dominantes trouxessem as perseguições do Tri-
bunal da Inquisição no século XVII para a região da Bahia, com o intuito
de tornar mais rígida a condenação homossexual. Foram muitas as perse-
guições políticas de adversários que aconteciam na inquisição brasileira, à
medida que, ao se livrar do inimigo, a coroa ainda ficava com seus bens
confiscados. Dentre as punições aos crimes de heresia, estavam prescritas
multas em dinheiro, confisco de bens, torturas em praças públicas, traba-
lhos forçados, prisão perpétua e morte na fogueira (REINKE et al., 2017,
p. 285; TREVISAN, 1944/2007, p. 107; VAINFAS, 1956/2010, p. 219).
Foram inúmeros os casos de padres, mulheres, homens de todas as
classes e autoridades condenados no tribunal da inquisição até a sua ex-
tinção. Segundo Vainfas (1956/2010, p. 398), mais de 80% dos condena-
dos eram indígenas, trabalhadores livres, artesãos, marinheiros, indivíduos
em situação de miséria, advogados e indivíduos escravizados. Os motivos
eram, em geral: o discurso ideológico da naturalização da sodomia como
típica da servidão e pobreza, visto que, sendo os escravos considerados
objetos sexuais do senhor era previsível que a sodomia se acentuasse entre
eles. Tal argumento encobria o verdadeiro motivo das perseguições e jul-
gamentos da inquisição, os inimigos políticos do governo.
Os outros menos de 20% julgados eram autoridades, padres, mine-
radores, senhores de engenho e fazendas, grandes mercadores e seus fi-
lhos, que mesmo sendo os que mais praticavam a sodomia, somente eram
condenados por disputas políticas ou quando suas fortunas interessavam
à Igreja. Ainda, é importante ressaltar que a grande maioria das relações
que envolviam as classes dominantes e líderes religiosos, os senhores e pa-
dres pagavam para que fossem queimados os processos, e assim, os papas

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e inquisidores responsáveis pelos julgamentos faziam “vista-grossa” destes


casos (REINKE et al., 2017, p. 281; TREVISAN, 1944/2007, p. 109).
Em meados de 1864 sob o contexto histórico de libertinagem se-
xual de senhores com indivíduos escravizados – homens e mulheres,
prostitutas e suas mulheres, que começam a surgir as infecções sexual-
mente transmissíveis. Fazendeiros passaram doenças como a sífilis aos
seus escravos, que transmitiam aos seus filhos. A princípio a doença se-
xualmente transmissível era considerada um “sinal de virilidade”, sendo
que quem não a apresentasse era ridicularizado por ser ainda conside-
rado virgem. Mas, neste período, a ciência desenvolvia-se no território
brasileiro – deixando em certa medida para trás, o apego aos dogmas
religiosos. Não demorou para que médicos da Faculdade de Medicina
da Bahia alertassem aos pais e professores sobre as questões de higiene
ligadas a moralidade, em que, nos casos não cuidados consideravam que
poderia evoluir para o “homossexualismo” e gonorreia. A pederastia
bem-vista nas sociedades da Grécia Antiga, tornou-se ideologicamen-
te doença orgânica equiparada a outras de natureza sexual (RIBEIRO,
2004, p. 71; TREVISAN, 1994/2007, p. 111).
No fim do século XIX, seguindo os passos da cultura europeia, no
Brasil muitos pesquisadores buscaram as causas da homossexualidade
nas diferenças genéticas e cromossômicas. Quando se postulou a hipó-
tese de um gene gay, é como se a bissexualidade existente até o Império
romano tida como natural e pertencente à esfera social nunca tivesse
existido, pois homens e mulheres poderiam ser reconhecidos somen-
te como homo ou heterossexuais. E quando considerados pendentes ao
“desvio” sexual, propostas de manipulação genética foram utilizadas a
fim de que se evitasse ter um filho homossexual. De um outro extremo,
abordagens culturalistas apresentavam a homossexualidade como opção
sexual, mas, nem isso fez com que esta deixasse de ser por dois séculos
objeto de estudo da medicina (TREVISAN, 1944/2007, p. 114; VAIN-
FAS, 1956/2010, p. 537).
Do século XX em diante, os tratamentos de cunho moral visavam a
eugenia, como forma de “melhoramento da raça humana”, dentre estes
estavam modelos de boas condutas, relações heterossexuais e constituição
familiar. Neste contexto, o casamento entre raças consideradas superiores
(branca caucasiana, heterossexual, cristã) foi fortemente reforçado, sendo

311
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

que se defendia a todo momento que a homossexualidade era responsável


pelo surgimento de várias moléstias (MAIA, 2004, p. 70). Segundo Tre-
visan (1944/2007, p. 121), seguindo os mesmos passos que os países da
Europa (França, Alemanha, Itália, Inglaterra etc.), a sexualidade no Brasil
tornou-se tutelada pela psiquiatria37, e suas causas eram diversas: perversão
sexual acometida por deficiência glandular, hereditariedade, alcoolismo
e outras. As causalidades se desdobravam também em comportamentos
considerados femininos, como o uso excessivo de acessórios, perfumes,
rendas e depilações.
Leonídio Ribeiro (1893-1976) médico formado pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro e um grupo de médicos, baseados nas teorias
fascistas do criminologista Cesare Lombroso, trouxeram para o Brasil a
ideia de identificar os homossexuais pelos traços biotípicos. A cada ho-
mossexual preso, este era obrigado a ser fotografado nu para um exame
meticuloso de sua sexualidade. Foram examinados cerca de cento e oi-
tenta e quatro indivíduos, situação experimental que delegou à Ribeiro o
prêmio Lombroso na Itália, por ele ter supostamente conseguido detectar
os sinais intersexuais, sendo alguns deles: cintura fina, nádegas exacer-
bantes, ausência de pelos na barriga etc. A obsessão pelo tratamento da
homossexualidade era tamanha, que até mesmo nas músicas e obras de
arte de Leonardo da Vinci foram encontrados traços de homossexualidade
(TREVISAN, 1944/2007, p. 130).
O Dr. Afrânio Peixoto (1876-1947) afirmava que cabiam aos médi-
cos e educadores corrigir as consideradas “práticas antinaturais”. Para tal,
primeiro era necessário a educação preventiva nas escolas, voltada para o
higienismo/eugenismo, o ensino e reforço das características da masculi-
nidade para os meninos, e femininas para as garotas. Se por esta via ainda
corresse o risco de “contaminação da homossexualidade”, então a inter-

37 Importante destacar, que a ciência médica e a psicometria que tomaram a homosse-


xualidade como objeto de estudo no Brasil. Diferentemente dos outros países da Europa
onde imperavam o modo de produção capitalista, em nosso país nunca houve a condenação
específica da homossexualidade nos códigos penais jurídicos, tampouco, castigos aplicados
em decorrência da cultura fascista do século XX. Ainda que, de certa forma todas essas
violências homofóbicas influenciassem na situação legal dos sujeitos, e ocorresse nos anti-
gos tribunais da inquisição, nas ruas por repressão policial em nome do conservadorismo e
dentro dos hospitais psiquiátricos (REINKE et al., 2017, p. 277).

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venção médica seria necessária. Em 1928 houve o Congresso Nacional de


Educadores, em que seus participantes (médicos, professores, delegados)
concluíram ser relevante um projeto – 235/1928 – que incluísse as temá-
ticas sobre higiene, educação sexual diferenciada para meninos e meninas
e o bom comportamento moral e cívico nas instituições escolares (MAIA,
2004, p. 82; RIBEIRO, 2004, p. 74).
Este congresso foi a primeira tentativa de implementar o tema da edu-
cação sexual nas escolas, ainda que sob um viés moral e proibitivo. Mas,
em 1930, quando o ingresso da mulher nas escolas começou a ter um
ínfimo crescimento, um professor de uma escola no Rio de Janeiro-RJ
tentou debater sobre o tema da sexualidade, o que resultou em sua expul-
são da instituição por não ensinar conteúdos ligados às bases das ciências
pragmáticas (MAIA, 2004, p. 103; RIBEIRO, 1987/1992, p. 45; RIBEI-
RO, 2004, p. 78).
Na década de 1960, houve a tentativa de introduzir a educação sexual
nos currículos escolares, e vários programas em parceria com docentes
da área de ciências foram criados em escolas de Belo Horizonte, Rio de
Janeiro e São Paulo. O público participante seriam indivíduos a partir dos
12 anos de idade e as aulas e abordagens dos programas seriam a respeito
da sexualidade sob o crivo biológico, ressaltando aspectos como reprodu-
ção, gravidez na adolescência, puberdade, namoro, drogas, aborto, DSTs,
família e outros. Tal iniciativa resultou na exoneração de diretores (as),
suspensão de professores (as) e expulsão de alunos (as), além da reativa
contrária dos pais, pois acreditava-se que seria um incentivo a relações
sexuais precoces (MAIA, 2004, p. 121; RIBEIRO, 2004, p. 84).
Na conjuntura do ano de 1968, período da Ditadura Militar38 no
Brasil, novamente foi levantada pela Deputada Federal Júlia Steimbru-
ck, a proposta de inclusão obrigatória da educação sexual nos currícu-
los, que foi engavetada pelo Ministério da Educação, pois era tida como
irrelevante e imoral pelas Secretarias de Educação. Em 1971, o governo

38 Importante salientar, que assim como o fascismo e o nazismo, a Ditadura Militar que
concretizou um golpe em 1964 foi financiada pela burguesia brasileira – empresários e la-
tifundiários, que com o apoio dos donos das multinacionais, do governo norte-americano
e das forças armadas do exército desferiram um golpe de Estado instaurando um poder
burocrático, conservador e militar que intervia em todas as decisões políticas e instituições
públicas de acordo com seus interesses de classe (GORENDER, 1981, p. 102-103).

313
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

militar através da Lei 5.692 incluiu a profissionalização no ensino secun-


dário e médio, além da disciplina de Educação Moral e Cívica nas escolas,
que tinha por objetivo abordar temas como família, religião e regras de
boas condutas, tendo caráter extremamente conservador, não permitindo
leituras de natureza marxista, de esquerda ou sociais-críticas. Somente
na década de 1980 a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
(CENP), retomou a experiência de trabalhar a educação sexual em esco-
las através de programas de saúde e da disciplina de biologia (RIBEIRO,
2004, p. 85; TREVISAN, 1944/2007, p. 142).
O movimento LGBT no Brasil surgiu tardiamente em relação às ma-
nifestações que vinham ocorrendo no mundo, talvez seja este um dos mo-
tivos para a educação sexual ser discutida tão tardiamente em nosso país.
Somente em 1978 é que a comunidade LGBT ganhou força na luta contra
a homofobia, com a constituição do Grupo Somos em São Paulo. Este
grupo se consolidou a partir de integrantes intelectuais do Jornal Lam-
pião da Esquina, como João Antônio Mascarenhas, que publicava artigos
sobre a luta LGBT dentro do movimento feminista e sua associação com
o socialismo. João Silvério Trevisan, autor do livro Devassos no paraíso
(1944/2007), fez um boicote ao jornal, alegando que ele e outros mili-
tantes se consideravam excluídos da pauta dos movimentos feministas, à
medida que, concebiam que estes não contemplavam as demandas das
minorias LGBT, e por isso queriam se emancipar destes movimentos de
esquerda. Tal processo, fez com que os movimentos contra a ditadura mi-
litar se fragmentassem e perdessem a força que tinham antes (FACCHI-
NI; RODRIGUES, 2018, p. 236-237).
Assim, em 1980 João Antônio Mascarenhas e Luís Mott (funda-
dor do Grupo Gay da Bahia – GGB) começaram a mudar a pauta do
movimento LGBT, que antes operava em traçar estratégias visando a
transformação das estruturas da sociedade capitalista como enfrenta-
mento da homofobia. Posteriormente, a pauta passou a ter por objeti-
vo a conquista de direitos civis contra as discriminações, e a favor da
liberdade de expressão, ou seja, a pauta da “libertação gay” passou a
ser prioridade e encerrou a aliança entre os movimentos sindicalistas
e LGBT. O que antes era um coletivo unitário em prol da transfor-
mação da sociedade, se ramificou em vários segmentos que passaram
a lutar cada qual por seus interesses individuais. A partir de 1990, os

314
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

movimentos começaram a se fragmentar dentro deles mesmos a partir


da hierarquização das pautas, em que o movimento sindical de esquer-
da, se desdobrou nos grupos feministas, negros, LGBT, etc., e deles,
organizações LGBT de recortes identitário, pluralista, classista, racial,
entre outros (FACCHINI; RODRIGUES, 2018, p. 239-240).
Em 1996, com o surgimento cada vez maior de movimentos LGBTs,
implementou-se novamente o incentivo à criação de projetos, debates e
orientações nas escolas voltadas para o tema da sexualidade. As explica-
ções e discussões sobre educação sexual quase sempre foram baseadas nas
pesquisas médicas, tratando a sexualidade reduzida ao crivo biológico e
a homossexualidade como desvio da normalidade. Nesta conjuntura, a
sexualidade não aparecia como expressão da ordem dos desejos, afetos e
sentimentos, e quem a praticava com esta finalidade considerava-se anor-
mal. Os professores não deveriam dar destaque às questões sobre educação
sexual, mas, ao adentrar o assunto, a ideia era abordar a sexualidade sob
sua constituição morfológica e funcional para a reprodução, bem como
a constituição familiar e o casamento como objetivo-fim de toda relação
considerada saudável (REIS; RIBEIRO, 2004, p. 88; RIBEIRO, 2004,
p. 90). Foram muitas as dificuldades para trabalhar o assunto sobre a edu-
cação sexual, que esbarrou em vários obstáculos:

Segundo França Ribeiro (1995), apesar do mérito de provocar al-


gum debate sobre o tema na escola, as iniciativas de orientação
sexual da época se deparavam com várias dificuldades: a) resistên-
cia ao debate sobre o assunto; b) parcos recursos financeiros dispo-
níveis; c) receio dos dirigentes das Delegacias de Ensino de que o
projeto não daria certo, considerando o tema a ser abordado, isto
é, pouca credibilidade e pouco incentivo às propostas; d) dúvidas
operacionais quanto à implementação: qual seria a idade escolar
mais adequada dos alunos envolvidos, que tipo de professor seria
responsável; qual a maneira adequada de informar sem interferir
nos valores familiares; e) desinteresse dos pais para participarem
ativamente do programa e, ainda, f) dificuldades específicas ao pró-
prio planejamento do programa como: carga horária, acompanha-
mento das atividades e falta de material didático e de bibliografia
sobre o assunto (MAIA, 2004, p. 159-160).

315
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Atualmente, a educação sexual carrega um arcabouço mais moralista


do que científico, visto que, é reduzida aos seus aspectos anatômicos, fi-
siológicos e biológicos, além de se misturar os valores morais dos especia-
listas com a ciência. O papel dos educadores nas escolas sempre foi seme-
lhante ao de um “fiscal da sexualidade alheia”, que de forma desenfreada
tentava a todo custo vigiar e impedir práticas sexuais que se desviassem
do que julgavam como comportamento sexual padrão. As tentativas de
falar sobre a educação sexual nas escolas nunca extrapolaram o moralismo
ou o crivo biológico, mas centravam-se na repressão e controle dos atos
sexuais, rotulando o que se considerava certo e errado (REIS; RIBEIRO,
2004, p. 110).
Somente em 2000, foram criados os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCNs) que continham um volume sobre a Pluralidade Cultural e
Orientação Sexual. A ideia dos PCNs, era trabalhar o tema da Educação e
diversidade sexual em perspectiva crítica como tema transversal nas disci-
plinas escolares. No entanto, sabe-se que a implementação concreta deste
tema ainda enfrenta muitos desafios, visto que, nas escolas públicas mal
se consegue ofertar um ensino de qualidade, e as particulares por preocu-
parem-se mais com conteúdos que possam ser cobrados nos vestibulares,
pouco dão destaque as discussões referentes à orientação sexual e identida-
de de gênero. Outros problemas são considerados entrave para a discussão
desses temas, tais como: falta de formação apropriada ao professor sobre
esse assunto; a interferência de crenças pessoais moralistas, dogmáticas e
preconceituosas sobre a discussão; propostas fragmentárias e por curto pe-
ríodo que logo são esquecidas; além daquelas que se propõem a falar so-
mente do ato sexual em si, sendo em essência, uma depravação esvaziada
de conteúdo responsável e científico (MAIA, 2004, p. 162).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos observar, as condutas consideradas “masculinizadas”


ou “feminilizadas” nos papeis sociais e sexuais desenvolvidos por homens
e mulheres, brinquedos, características e outros atributos não são defini-
dores do gênero, à medida que, são constituídos e podem ou não serem
reforçados em costumes, valores e culturas diversas. Ou seja, trata-se de
estereótipos e categorias sobre o masculino e feminino que são criados

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

para serem definidores do sexo, mas que nem todo sujeito se adequa. Não
podemos confundir os papeis sexuais e de gênero com a sexualidade, ter-
reno onde se encontra a compreensão da homossexualidade, pois, à me-
dida que o gênero são as construções e representações sociais e culturais
criadas na sociedade que recaem sobre o sexo (macho/fêmea); a sexuali-
dade de outro modo, encontra-se na ordem dos desejos, práticas afetivas e
experiências eróticas, apresentando-se como fenômeno síntese de múlti-
plas determinações e contradições.
Buscamos apresentar a conjuntura histórica da totalidade do processo
de compreensão do sistema sexo/gênero, pois é essencial para compreen-
der os valores que os envolveu, por isso nos desdobramos em apresentar
o papel das instituições que são regidas e organizadas pelo capital – como
a Igreja e a medicina, na compreensão da sexualidade. Concluímos que,
apesar de em um nível aparente a religião e o biologicismo médico se
apresentarem como responsáveis pela constituição da repressão à homos-
sexualidade, estas instituições cumprem a função de serem aliados de uma
estratégia do capital para desresponsabilizar a sociedade de classes, a pro-
priedade privada e o Estado como os verdadeiros germens que envolve a
repressão à homossexualidade.
Ressaltamos que, para o feminismo de vertente marxista, o fim da
opressão sexual não ocorre pela “troca de posições sociais”, no caso dos
homens sendo substituídos por mulheres que oprimem, mas outrossim,
pela erradicação de toda forma de exploração/opressão que ameace a vida
e dignidade humana. A sociedade que almejamos é aquela em que as rela-
ções entre seus membros eram igualitárias, e os modos de viver não sejam
voltados para a competitividade, exercício de controle e poder.

REFERÊNCIAS

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319
DIREITO DOS IDOSOS À EDUCAÇÃO:
ANÁLISE DO PROGRAMA DE
EXTENSÃO “UNIVERSIDADE DA
MATURIDADE” DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO TOCANTINS (UMA/UFT)
Neila Barbosa Osório39
Vinicius Pinheiro Marques40
Alana Carlech Correia41

INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), idoso é


todo indivíduo com 60 anos ou mais. O Brasil tem mais de 28 milhões
de pessoas nessa faixa etária, o que representa 13% da população do país.
Esse percentual tende a dobrar nas próximas décadas, segundo a Projeção
da População, divulgada em 2018 pelo IBGE.

39 Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Estadual do Pará (UEPA). Professora do


Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Tocantins (UFT).
40 Doutor em Direito pela Pontiífica Unviersidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Professor do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional
e Direitos Humanos da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
41 Doutora em Direito pela Pontiífica Unviersidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Professora do Curso de Direito do Centro Unviersitário Católica do Tocantins (UniCatólica).

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C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

A Constituição Federal de 1988, especificadamente no art. 205, é


clara o prescrever que a educação é um direito de todos, devendo ser pro-
movida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. Mais adiante, em se tratando do direito
dos idosos, o art. 230 da Carta Magna também deixa consignado que a
família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade
e bem-estar.
Nesse contexto de promoção da educação da pessoa idosa, como ca-
minho de efetivar os dispositivos constitucionais supracitados, a Política
Nacional do Idoso (PNI), inaugurada pela Lei nº 8.842, de 4 de janeiro
de 1994, notadamente no art. 10, inciso III, alínea “f”, determina que os
órgãos e entidades públicas deverão apoiar a criação de universidade aberta
para a terceira idade, como meio de universalizar o acesso às diferentes
formas do saber.
Nesse contexto normativo em fevereiro de 2006, foi iniciado o pro-
jeto de extensão “Universidade da Maturidade” da Universidade Federal
do Tocantins (UMA/UFT), sob a coordenação geral da professora Nei-
la Barbosa Osório e vinculado ao colegiado do Curso de Pedagogia do
Campus de Palmas e, posteriormente, expandindo e assumindo a modali-
dade de programa de extensão, bem como sendo implementado nos campi
do interior do estado do Tocantins.
O presente artigo tem como problema central da pesquisa investigar
de que modo a UMA/UFT vem proporcionando e assegurando o direito
à educação das pessoas idosas nos campi em que o programa está implan-
tado. Assim, ficou estabelecido como objetivo geral analisar os projetos
desenvolvidos e executados pela UMA/UFT que proporcionam o direito
à educação dos idosos. Para alcançar o desiderato, foi realizada pesquisa de
abordagem qualitativa dos dados obtidos mediante fontes documentais,
com uma finalidade descritiva e exploratória.
No presente artigo inicialmente no primeiro capítulo será apresenta-
da uma fundamentação legal do direito à educação das pessoas idosos com
o intuito de se compreender o contexto normativo que sustenta a atuação
da UMA/UFT, para posteriormente, no segundo capítulo, descrever no
plano ideal as concepções pedagógicas, bem como as atividades da UMA/

321
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

UFT. Por fim, no terceiro e último capítulo, serão apresentados os proje-


tos em execução no ano de 2021 com o intuito de verificar a compatibi-
lidade dos referidos projetos com a promoção da educação e dignidade da
pessoa idosa capaz de permitir o alcance da cidadania.

1. COMPREENSÃO SOBRE O DIREITO DAS PESSOAS


IDOSAS À EDUCAÇÃO

O essencial direito à educação no âmbito da sociedade brasileira foi


tratado como um direito pertencente ao núcleo dos direitos sociais pela
Constituição Federal de 1988, que, em um Estado de bem-estar social,
deve ser patrocinado por ele para todos indistintamente. Percebe-se cla-
ramente que, no texto constitucional brasileiro de 1988, o Direito Fun-
damental é o gênero de diversas modalidades de direitos: os denominados
individuais, coletivos, difusos, sociais, nacionais e políticos.
Assim, constituindo o capítulo destinado aos direitos sociais espécie do
gênero direitos fundamentais, não se torna difícil concluir que a educação,
apesar de sua conotação social, carrega consigo a valiosa marca de direito
fundamental na medida em que esses têm por finalidade a melhoria das
condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade
social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo
art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. De outro lado, desde
os primeiros artigos da Constituição, nota-se claramente a interligação que
envolve os direitos fundamentais, com os princípios que regem o Estado
Democrático de Direito, conforme observa Piovesan (2008, p. 26):

Dentre os fundamentos que alicerçam o estado Democrático de


Direito brasileiro, destacam-se a cidadania e dignidade da pessoa
humana (art. 1.º, II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do
Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fa-
zendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento bá-
sico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que
exercem uma função democratizadora.

A partir das referidas balizas teóricas, percebe-se a existência de ver-


dadeiro elo entre a educação enquanto direito social, sua conotação de

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direito fundamental, constituindo elemento integrante e indissociável da


dignidade humana, capaz de permitir o alcance da cidadania. Destaca-se
desde logo a concepção constitucional segundo a qual a educação está co-
nectada ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao exercício da cidadania.
No contexto exposto, é preciso recordar da educação para a cidada-
nia. Segundo Norberto Bobbio (2015), nos dois últimos séculos, só existia
uma maneira de fazer com que os súditos se transformassem em cidadãos:
concedendo direitos que os escritores de direito público do século passa-
do denominavam activae civitatis; com isso, a educação para a democracia
surgiria no próprio exercício da prática democrática. Bobbio (2015) relata
que a educação para a cidadania foi um dos temas preferidos da ciência
americana nos anos 1950, um tema tratado sob o rótulo da cultura política
e sobre o qual foram gastos rios de tinta que rapidamente perdeu a cor: das
tantas distinções, ressaltam as estabelecidas entre cultura para os súditos,
isto é, orientada para os outputs do sistema (para os benefícios que o eleitor
espera extrair do sistema político), e cultura participante, isto é, orientada
para input, própria dos eleitores que se consideram potencialmente empe-
nhados na articulação das demandas e na formação das decisões.
Em sociedade, percebe-se em muitas ocasiões o sentimento de luta e
cobrança por mais presença do Estado nas realizações de atividades consti-
tucionalmente obrigatórias. Por isso, Pompeu (2014) ressalta a importân-
cia da educação nas sociedades democráticas para que o Estado tenha com
base ações de igualdade, simetria e retidão, agindo em conformidade com
as necessidades apresentadas e exigidas pela sociedade na pretensão real de
um verdadeiro Estado Democrático.
No Brasil, a principal legislação referente à educação é a Lei de Dire-
trizes e Base (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e no máxi-
mo cita a educação de jovens e adultos (EJA) como única alternativa edu-
cacional destinada à população fora da idade escolar. Contudo, conforme
destaca Peres (2011), a legislação não trata da diversidade existente entre
os indivíduos que compõem a categoria de adultos, ou seja, em nenhum
momento é levado em consideração na LDB as diferenças existentes entre
adultos e idosos, partindo do pressuposto que os idosos integrariam, nesse
caso, a categoria de adultos. Contudo, não diferenciar a velhice da vida
adulta, como fase que demanda atenção especial, bem como metodolo-
gias próprias de ensino/aprendizagem, seria assumir uma perspectiva no

323
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

mínimo reducionista, análoga à consideração da infância como uma vida


adulta em miniatura, que vigorou no período medieval, conforme mostra
Ariès (1981).
Outro texto significativo para a educação é o Estatuto do Idoso que,
embora não seja exclusivo ao tema educacional, trouxe significativas con-
tribuições dentre os diversos direitos estabelecidos na lei. O referido es-
tatuto compõe-se de sete títulos, vinte e um capítulos e 118 artigos, con-
templando todos os direitos constitucionais, civis e criminais dos idosos.
Em seu artigo inaugural, a Lei nº 10.741, de 01 out. 2003, instituiu o
Estatuto do Idoso e dispôs sobre sua destinação, qual seja, a de regular os
direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta)
anos. Vale notar que o legislador pátrio adotou a denominação de idoso,
em vez de “velho” como constava da legislação penal, a partir da Consti-
tuição Federal de 1988, conceito que se repetiu quando da edição da Lei
nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994, que traçou a política nacional do idoso
e se consolida definitivamente com o presente Estatuto.
Os idosos, assim como todos os brasileiros, têm direito à educação,
assentando a Constituição Federal: “Art. 205. A educação, direito de to-
dos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a co-
laboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Em decorrência, o Estatuto impõe ao Poder Público (art. 21 da Lei nº
10.741/2003), portanto, a todas as esferas de governo – federal, estaduais
e municipais – a criação de oportunidades de acesso do idoso à educação,
adequando currículos e metodologias e material didático aos programas
educacionais a ele destinados.
Buscando efetivar a previsão constitucional de participação do idoso
na sociedade (artigo 230 da Carta Magna) o Estatuto previu em seu artigo
21, § 1º, a criação de cursos ou outras formas de acesso à educação para a
terceira idade, principalmente com conteúdo relativos às técnicas de co-
municação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integra-
ção à vida moderna.
Cumpre observar também que o Ministério da Educação e Secre-
tarias Estaduais de Educação devem, conforme o artigo 22 do Estatuto,
incluir nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino, conteúdos
voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do

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idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos so-


bre a matéria.
Ademais, o Poder Público, também, deverá apoiar a criação de uni-
versidade aberta para as pessoas idosas e incentivar a publicação de livros
e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que fa-
cilitem a leitura, tudo como forma de aumentar a interação entre idosos
e jovens, diminuindo as diferenças, desconhecimento e dificuldades que,
normalmente, são fatores de incentivo ao preconceito.

2. CONCEPÇÕES INICIAIS SOBRE A “UNIVERSIDADE


DA MATURIDADE” DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
TOCANTINS (UMA/UFT)

A educação é um direito fundamental e uma das formas mais básicas


pelas quais as pessoas podem alcançar bem-estar. Ela eleva os ganhos ao longo
da vida, bem como o quanto uma pessoa pode se envolver e contribuir para
a sociedade. Uma educação de qualidade gera efeitos positivos sobre toda a
sociedade e como ela se desenvolve. A disponibilidade de cidadãos com as
competências adequadas é um dos principais determinantes de sucesso para
qualquer sociedade, portanto investir na educação acarreta enormes benefí-
cios sociais, ambientais e econômicos aos indivíduos e às sociedades
Os mais velhos, adultos e idosos, não podem ficar à margem des-
se direito. O ensino superior é a chave para o desenvolvimento de so-
ciedades baseadas no conhecimento. Por meio da extensão tecnológica a
Universidade pode se aproximar da sociedade em um contexto em que
as necessidades individuais são abordadas num plano de desenvolvimento
pessoal que inclui: Formação e capacitação, acompanhamento fisiológico
e psicológico, orientação profissional. Essa aproximação é uma maneira
eficiente de trocar conhecimentos e experiências entre professores, alunos
e população, pela possibilidade de desenvolvimento de processos de ensi-
no- aprendizagem a partir de práticas cotidianas.
A extensão universitária pressupõe uma ação junto à comunidade,
disponibilizando ao público externo o conhecimento adquirido com o
ensino e a pesquisa que foram desenvolvidos pela instituição. Dessa ma-
neira, os programas de extensão universitária desvelam a importância de
sua existência na relação estabelecida entre instituição e sociedade.

325
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Os estudos sobre o envelhecimento humano encontraram espaço


para serem debatidos tanto na sociedade como no ambiente acadêmi-
co. Essa mobilização em torno do tema envelhecimento humano é uma
constatação das mais recentes pesquisas e estudos a respeito do desenvol-
vimento populacional no mundo e no Brasil, demonstrado por pesqui-
sas que indicam um aumento significativo da população que envelhece.
Esse aumento populacional pode ser atribuído aos avanços da medicina,
à melhoria da qualidade de vida, resultando no aumento da longevidade.
Busca-se atender uma demanda interna e externa à universidade com
atividades elaboradas especialmente para atendimento desta faixa etária
– idosos –, oferecendo um espaço plural para práticas supervisionadas
de variados áreas do conhecimento, sendo eficaz porque oferece apoio
pessoal especializado.
Por meio da UMA/UFT, que em 2021 completou 25 anos no To-
cantins como referência em tecnologia social como programa de extensão,
amplia a concepção de extensão universitária em função do valor social
que o programa tem para a vida das pessoas envolvidas. A questão da ve-
lhice com a qualidade de vida, assim como o vínculo ao curso de pedago-
gia, possibilita uma formação da comunidade acadêmica da UFT, dando
a dimensão completa do desenvolvimento.
A proposta pedagógica da UMA/UFT é fundamental para produzir
conhecimento multidisciplinar aplicado ao contexto social. Esse programa
constitui um processo educativo constante que favorece as inter-relações
sociais, culturais, políticas e econômicas e promove valores e atitudes de
solidariedade e justiça que devem caracterizar uma cidadania responsável.
Consiste ainda num processo ativo de aprendizagem que pretende sen-
sibilizar e mobilizar a sociedade para as prioridades do desenvolvimento
humano e acesso a tecnologias sociais.
A UMA/UFT atende hoje cerca de 100 adultos e idosos, homens e
mulheres, que se utilizam de transporte privado ou coletivo para aces-
so às atividades oferecidas pelo programa. A maioria é composta por
pessoas de baixa renda, que são aposentadas ou recebem algum tipo de
benefício social. Parte deles vive em moradia individual e outros com
seus familiares.
Nos termos da legislação vigente, a UMA/UFT oferece curso com
carga horária de 360 horas, devendo o aluno obter frequência mínima é de

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75%. Por oportuno, cumpre registrar que em razão da pandemia provoca-


da pela Covid-19 as aulas presenciais estão suspensas e as atividades estão
sendo realizadas por meios remotos. Ao final do curso e cumprindo os
requisitos o acadêmico da UMA/UFT recebe o certificado de “Educador
Político Social do Envelhecimento”.
O programa de extensão da UMA/UFT tem caráter socializador por
meio do ensino que possibilita o conhecimento aprofundado sobre ques-
tões referentes ao envelhecimento saudável e digno. Sua política de atendi-
mento, com base no Estatuto do Idoso, a Vida Adulta e o Envelhecimento
Humano visa evidenciar a importância do cuidado e do dever que temos
para com as pessoas idosas, a partir de 45 anos de idade, oportunizando
atividades físicas, sociais e culturais, inserindo alunos da graduação para
que percebam o valor desse cuidado.
Antes da suspensão das atividades presenciais, os encontros do
curso ocorriam diariamente, oportunizando momentos de aulas, pa-
lestras, oficinas, atividades físicas, de lazer, teatro, entre outros, in-
tegrando diversas áreas com abordagem interdisciplinar. A pandemia
provocada pela Covid-19 forçou adaptação do desenvolvimento do
curso de modo a se adequar aos protocolos sanitários e decretos mu-
nicipais e do estado do Tocantins. Na ocasião de datas comemorativas
são realizados eventos diferenciados. À título de exemplo de eventos
diferenciados pode-se citar o encerramento do projeto Inovação So-
cial e Envelhecimento Ativo: Proporcionando Soluções Inovadoras
para um Envelhecimento Ativo e Saudável, a festa dos avós. Através da
integração dos netos com seus avós, foi possível celebrar a Avosidade,
valorizando o papel do idoso na sociedade. As disciplinas previstas para
serem trabalhadas durante o ano abordam os assuntos como: Funda-
mentos de Gerontologia, Direito do Idoso, Oficina do Corpo, Infor-
mática, Dança, Cuidadores de Idosos, Educação Gerontológica, Espe-
ranto – Língua Intergeracional, Economia Doméstica, Atividade Física
e Envelhecimento, Empreendedorismo na Maturidade, Informática,
UMA no Parque, UMA Sorriso, Xadrez na Maturidade, Oficina da
Oração, Gerontologia Social, Qualidade de Vida e Envelhecimento,
Hotelaria, Estágio Supervisionado, Mediação e Conflitos, Projetos
Sociais, Inglês, Libras, Geografia, entre outros.

327
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

3. PROJETOS DA UMA/UFT COMO INSTRUMENTOS


DE PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO E DIGNIDADE DAS
PESSOAS IDOSAS NO ESTADO DO TOCANTINS

Para demonstrar que a UMA/UFT tem desempenhado relevan-


te trabalho na promoção do direito à educação das pessoas idosas, serão
apresentados três projetos atuais e execução. Para efeitos de registros ad-
ministrativos, os projetos foram aprovados pelo colegiado do Curso de
Pedagogia e demais instância e conselhos da Universidade Federal do To-
cantins (UFT), bem como cadastrado junto à Fundação de Apoio Cientí-
fico e Tecnológico do Tocantins (FAPTO).

3.1. PROJETO – EDUCAÇÃO E SAÚDE NA


MATURIDADE

De acordo com uma abordagem baseada em direitos, que reconhece


os idosos como agentes ativos do seu processo de envelhecimento, esse
projeto é uma ferramenta que se articula com os princípios da Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idoso (PNSPI), objetivando a recuperação,
manutenção e promoção da autonomia e independência, além de incenti-
var a participação e a segurança da pessoa idosa.
Esse projeto visa estruturar e oportunizar ações de educação e saúde
para idosos no Estado do Tocantins, podendo servir de suporte para o
planejamento e priorização das políticas de educação em saúde aos idosos
tocantinenses. Com isso, o projeto contribui para a emancipação, autono-
mia e independência nas atividades cotidianas como forma de garantir o
exercício da cidadania, conscientes do curso natural do envelhecimento.
Por meio da pesquisa, capacitação, extensão universitária, realização e
participação em eventos técnicos e científicos nacionais e internacionais,
além da cooperação interinstitucional o projeto proporciona a melhoria
da qualidade de vida da pessoa idosa no Tocantins que incorporem em seu
estilo de vida hábitos saudáveis, estimulando a emancipação, autonomia e
independência nas atividades cotidianas como forma de garantir o exercí-
cio da cidadania, conscientes do curso natural do envelhecimento.
Os objetivos desse projeto em execução pretendem aumentar a parti-
cipação dos diferentes setores da sociedade, família e organizações públi-

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cas e privadas, principalmente aquelas relacionadas com serviços de saúde


e promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural, e sua coor-
denação em projetos educacionais e de saúde da pessoa idosa. É possível
com esse projeto também acompanhar a evolução e monitoramento do
processo de gestão dos programas e ações com base em indicadores de
saúde e educação da população idosa no Tocantins e Brasil. Por fim, o
projeto também estimula a participação dos idosos em programas e ativi-
dades intersetoriais nas áreas de Saúde, educação, turismo, lazer, cultura
e outros.

3.2. PROJETO – EDUCAÇÃO GERONTOLÓGICA

O objetivo desse projeto em execução é promover a construção de


conhecimentos sobre o processo de envelhecimento de forma a estimular
uma postura crítica frente à realidade vivenciada pela pessoa idosa, a partir
da educação gerontológica.
Para alcançar a finalidade o projeto parte do pressuposto de que a ta-
refa de ensinar requer cuidar da aprendizagem do acadêmico, para que ele
possa manejar, ter contato com as informações e construir seu conheci-
mento e sua autonomia. Portanto, ensinar adultos e idosos é exercer uma
influência libertadora, promovendo a aprendizagem por meio de uma
ação educadora emancipatória que libere as pessoas de atitudes e antigas
suposições que limitam o seu potencial e que permitam a criação de pos-
sibilidades positivas para o crescimento pessoal e social.
Neste sentido, o eixo central do Projeto é a aprendizagem ao longo da
vida. A partir deste, selecionaram os demais eixos que farão parte do pro-
cesso de ensino e aprendizagem da UMA/UFT com foco na gerontologia.
A aprendizagem ao longo da vida deve ser intrínseca ao ser humano, pois
este pode aprender em todas as etapas de sua existência.
A partir da aprendizagem ao longo da vida/permanente, o trabalho
interdisciplinar desse projeto ocorre na prática pedagógica na sala de aula,
ofertando aos idosos maior interação com o conhecimento. Neste senti-
do, a interdisciplinaridade seria a interação existente entre duas ou mais
disciplinas, podendo envolver desde a simples comunicação de ideias até
a integração de epistemologias, termos, métodos, procedimentos, dados e
organização referentes ao ensino e à pesquisa (JAPIASSU, 1992).

329
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

3.3. PROJETO – EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA

A proposta desse projeto visa construir sistemas de educação inclusiva


de qualidade requer políticas e planos de educação coerentes, oferecendo
assistência técnica e disseminação de tecnologia social para o firmamento
de políticas de educação e cidadania para os mais velhos tocantinenses.
Tem como cerne a promoção no sujeito a passagem da consciência ingê-
nua (alienação) para a consciência crítica, polêmica (autonomia), conside-
rando que o ato pedagógico será sempre um ato de conhecimento e um
ato político, que capacita o educando a ler o mundo.
Por meio da capacitação, diálogo, extensão universitária e cooperação
interinstitucional visa identificar e reunir as entidades públicas e privadas,
bem como as organizações da sociedade civil relevantes enquanto atores
de Educação ao longo da vida e criar dinâmicas e mecanismos de diálogo
e de cooperação institucional.
Uma das potencialidades do princípio da aprendizagem ao longo da
vida é que ele quebra uma visão estanque da educação, dividida por mo-
dalidades, ciclos, níveis etc. Ele articula a educação como um todo, inde-
pendentemente da idade ou de ser formal ou não formal. Se a educação
e a aprendizagem se estendem por toda a vida, desde o nascimento até
a morte, significa que a educação e a aprendizagem não se dão somente
na escola nem no ensino formal. Elas se confundem com a própria vida,
que vai muito além dos espaços formais de aprendizagem. Assim, pode-se
dizer que tanto a educação quanto a aprendizagem não podem ser con-
trolados pelos sistemas formais de ensino. Esse princípio nos obriga a ter
uma visão mais holística da educação. A Educação ao Longo da Vida não
pode ser confundida com a Educação de Adultos, pois o próprio princípio
“ao longo da vida” indica que a educação ocorre em todas as idades e não
só na idade adulta.
Por outro lado, se a educação ao longo da vida se dá em espaços for-
mais e informais, reduzir esse conceito à educação formal seria, também,
privá-lo de uma de suas grandes potencialidades. Por isso, não se deve
confundir Educação ao Longo da Vida como a Educação Formal. A pro-
posição deste projeto se dá por ter, de fato, já avançado do ponto de vista
conceitual em mecanismos de organizações internacionais, em particular
da Unesco, a formulação em torno do direito à educação ao longo da

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vida, não restritamente vinculada a etapas e modalidades da educação for-


mal, tampouco restringida à condição de cumprimento da escolaridade
obrigatória ou da temporalidade em que essa escolaridade é prevista em
regimentos formais e legais.
A educação ao longo da vida se dá no horizonte do cumprimento do
direito à educação estabelecido no art. 6º e 205 da Constituição Federal
de 1988 Essa redação foi complementada pela Emenda Constitucional n.º
26, de 2000. Encontra também forte ressonância na regulamentação deste
capítulo da Constituição, ocorrida no ano de 1996, por meio da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional que estabelece no seu art. 1°:
“Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.”
Dessa forma, o conceito de educação ao longo da vida poderá
efetivamente transitar na condição dos protocolos de intenção e das
formulações de documentos oficiais a política pública absolutamente
realizável dentro do nosso território. Ademais, a temática é cada vez
mais abrangente, tendo em vista o feliz alcance de maior longevidade
por parcelas maiores de população que não só demandam a escolari-
dade formal nos termos do que a lei prevê de escolaridade obrigatória
nos seus diversos níveis de modalidade de ensino, mas, em particular,
esse conceito mais abrangente de educação que percorre toda a vida
humana em qualquer uma de suas etapas.
Nessa perspectiva o projeto executa ações no sentido de possibilitar a
identificação, validação e certificação de saberes adquiridos e desenvolvi-
dos pelos adultos e velhos, público alvo da proposta, além de promover re-
conhecimento de saberes acumulados nas experiências de vida e trabalho
pelos adultos e velhos por meio de práticas diversificadas, personalizadas
e contextualizadas, que incentivem a autonomia, em permanente diálogo
entre educandos e educadores.
Também constituem ações importantes desse projeto a capacitação
de atores relevantes de Educação ao Longo da Vida e criar dinâmicas e
mecanismos de diálogo, extensão universitária e cooperação interinstitu-
cional e troca de práticas e vivências, criando deste modo um cenário de
formação de cidadania e compromisso social que incluam as comunidades

331
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

locais, integrando ensino, pesquisa e extensão bem como as práticas de


promoção de educação ao longo da vida e da cidadania para o envelheci-
mento ativo

CONCLUSÃO

O Programa UMA/UFT é uma proposta pedagógica, voltada à me-


lhoria da qualidade de vida da pessoa adulta e dos idosos, e visa à integra-
ção dos mesmos com os alunos de graduação, identificando o papel e a
responsabilidade da Universidade em relação às pessoas de terceira idade.
Afinal, a Universidade está adequada e capacitada para responder às ne-
cessidades específicas de pessoas idosas. Conforme as análises realizadas a
partir das diretrizes pedagógicas da UMA/UFT, bem como dos projetos
em execução, não restam dúvidas de que cumprem com satisfação os co-
mandos contidos na Constituição Federal de 1988, bem como nas legisla-
ções infraconstitucionais.
Contudo o papel da UMA/UFT não se limita apenas em executar e
oferecer o que está descrito na lei, trata-se de um programa de extensão
que realmente é uma alternativa para as pessoas idosas que a sociedade
brasileira exclui, numa fase da vida em que detém experiência acumula-
da e sabedoria. É um espaço de convivência social de aquisição de novos
conhecimentos voltados para o envelhecer sadio e digno e, sobretudo, na
tomada de consciência da importância de participação do idoso na socie-
dade enquanto sujeito histórico.
A extensão universitária para pessoas idosas proporcionada pela
UMA/UFT constitui-se em programas e projetos de cunho educativo,
cultural e científico que articulam, de forma indissociável, o ensino,
pesquisa e a extensão, viabilizando uma relação transformadora entre
instituição, universidade e sociedade. Dessa forma, o retorno ao apren-
dizado na velhice trata-se de um momento de (re)viver os prazeres da
vida. Então, a volta à participação em atividades socioeducativas em
programa de extensão educacional passa a ter outro sentido. A UMA/
UFT emerge como um espaço de participação social e um lócus em
busca da ressignificação da vida, na perspectiva de dirimir os efeitos do
isolamento e da solidão, por meio da comunicação interpessoal rela-
cionada às atividades oferecidas.

332
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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334
OS DISCURSOS DO CONSELHO
DE ARQUITETURA E URBANISMO
DO BRASIL SOBRE O ENSINO
À DISTÂNCIA ANTES E DEPOIS
DO INÍCIO DA PANDEMIA DE
CORONAVÍRUS
Frederico Braida42

INTRODUÇÃO

Dentre os diversos temas de maior relevância para o debate sobre a


Educação na contemporaneidade, está a questão no Ensino à distância
(EaD). Na era da cultura digital – também conhecida como a era da ciber-
cultura (LÉVY, 2010) –, da aprendizagem ubíqua (SANTAELLA, 2010;
2013) e da sociedade em rede (CASTELLS, 2017), assiste-se a um amplo
debate sobre o EaD e outras conceituações adjacentes, tais como: “edu-
cação aberta”, “estudo on-line”, “ensino virtual” e “e-learning” (SIMÃO
NETO, 2017, p. 10).
Apesar de essa modalidade ter conquistado um grande espaço no sé-
culo XXI, de acordo com Simão Neto (2017, p. 32), o EaD ainda enfrenta

42 Graduado em Arquitetura e Urbanismo (UFJF). Especialista em Tecnologias e Educação


a Distância (FESL). Mestre em Urbanismo (UFRJ). Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Design
(PUC-Rio). Pós-Doutor em Matemática (UTFPR). Professor da FAU, PPGP, PROAC e PPGCOM
da UFJF.

335
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

diversas oposições que emergem “de instituições, de profissionais, da opi-


nião pública em geral, entre outras”. No âmbito mais específico do ensino
de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, o debate sobre o EaD também tem
se dado de forma bastante efusiva.
Embora já se verifiquem diversas Instituições de Ensino Superior
(IES) ofertando os cursos de Arquitetura e Urbanismo integralmente em
EaD, conforme Braida (2019), há uma grande resistência por parte do
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) em aceitar
o EaD como modalidade, ainda que o aceite como ferramenta. Além do
CAU/BR e de várias das suas regionais, outras instituições, tais como
tais como a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
(ABEA), o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional
dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) e a Federação Nacional de estudantes
de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA), também, em alguma medida, já se
posicionaram reiteradamente contrárias ao EaD.
No entanto, com a pandemia causada pelo novo coronavírus (Co-
vid-19), declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de
março de 2020 (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE,
2020), surgiu a necessidade, ao redor de todo o mundo, da paralisação das
atividades não essenciais e da adoção do distanciamento e/ou isolamento
social como principais medidas de prevenção e de combate à transmissão
do vírus (CAMPOS, 2020). Rapidamente, houve o fechamento das es-
colas, as quais tiveram que buscar alternativas para a continuidade das suas
atividades não presenciais.
Diante desse cenário, a alterativa encontrada pelos setores da Educa-
ção foi adotar, ainda que de forma improvisada, recursos ou estratégias re-
correntemente empregados no EaD. Logo no início da pandemia, no Bra-
sil, o Ministério da Educação (MEC) editou a Portaria n. 343, de 17 de
março de 2020, a qual autorizou, desde a sua publicação, a “substituição
das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação
de pandemia do Novo Coronavírus – Covid-19” (BRASIL, 2020a). No
caso dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, apesar das críticas, também
foram adotados, ainda que precariamente, os métodos, as técnicas e os
recursos (análogos aos) do EaD.
Algumas IES imediatamente adotaram o EaD. Dentro de, aproxi-
madamente, uma semana, as instituições privadas, em especial, buscaram

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viabilizar adequações para que os cursos não fossem interrompidos. As


universidades públicas, de um modo geral, demoraram um pouco mais
para se ajustarem à nova realidade imposta, mesmo porque, parte dos re-
cursos humanos estava dedicada a compreender tal realidade, para pro-
porcionar um ensino de qualidade e inclusivo, bem como para buscar so-
luções de enfrentamento e combate à pandemia (ARQUICAST, 2020).
Por exemplo, deve-se mencionar que diversas universidades, juntamente
com outras instituições da sociedade civil, estiveram envolvidas na produ-
ção de equipamentos de proteção individual, como os protetores faciais
(BRAIDA; UNANUE, 2021).
Diante dessa situação de excepcionalidade, de pandemia e conse-
quente distanciamento social que perdura até o presente momento, em
maio de 2021, e segue com baixa perspectiva de resolução em diversos
países, tais como Brasil e Índia, ao menos parte do discurso contrário ao
EaD precisou ser revisado. É, portanto, nesse contexto que se apresenta a
seguinte pergunta: quais são os discursos veiculados pelo CAU/BR sobre
o EaD de Arquitetura e Urbanismo antes e depois do início da pandemia
de coronavírus?
Para responder a essa pergunta, realizou-se pesquisa bibliográfica e do-
cumental, de caráter exploratório e qualitativo43. Do ponto de vista dos pro-
cedimentos metodológicos, buscou-se compreender a lógica subjacente aos
discursos sobre o EaD em Arquitetura e Urbanismo no Brasil, comparando-
-os a partir de dois recortes temporais: antes e durante a pandemia. Portanto,
cabe destacar que o principal objetivo deste artigo é evidenciar os discursos do
CAU/BR (e das regionais) sobre o EaD como modalidade adotada pelas IES
para a formação de arquitetos e urbanistas no Brasil, levando-se em conside-
ração os cenários de antes e de depois do início da pandemia.

1. ENSINO À DISTÂNCIA EM ARQUITETURA E


URBANISMO NO BRASIL

O EaD de Arquitetura e Urbanismo, no Brasil, é, ainda, muito re-


cente. O início do primeiro curso de Arquitetura e Urbanismo oferecido

43 Este artigo é, originalmente, fruto de uma pesquisa iniciada em 2020, como trabalho de
conclusão do curso da Pós-Graduação Lato Sensu em Tecnologias e Educação a Distância,
na Faculdade de Educação São Luís, sob a orientação da Profa. Dra. Lucia Helena Vasques.

337
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

em EaD foi em 1 de março de 2016 (BRASIL, 2020b), ou seja, há apenas,


aproximadamente, cinco anos, tempo recorrentemente necessário para a
formação de um bacharel em Arquitetura e Urbanismo.
Ao se realizar a busca no banco de dados do “Cadastro e-MEC”, do Mi-
nistério da Educação, em 26 de dezembro de 2020, filtrando-se pela palavra
“Arquitetura e Urbanismo”, inserida no campo “Nome do Curso”, foram en-
contrados 849 registros. Ao todo, já constavam 52 cursos de Bacharelado em
Arquitetura e Urbanismo na modalidade “a distância”, representando um total
de 6,12% dos cursos de Arquitetura e Urbanismo do Brasil. Dos 52 cursos
registrados no Cadastro e-MEC, 28 cursos ainda não haviam sido iniciados.
Dentre os cursos já iniciados, um curso teve sua primeira turma em 2016; três
cursos foram iniciados em 2017; dez cursos foram iniciados em 2018; quatro
cursos tiveram início em 2019; e seis cursos tiveram início em 2020.
Em uma busca mais recente, realizada em 6 de maio de 2021, o total
de cursos de Arquitetura e Urbanismo registrados na Plataforma e-MEC
passou para 859, dentre os quais, 62 cursos estão registrados na modalida-
de “a distância”. Desses cursos, cinco tiveram início em 2021, totalizando
a oferta de mais 2100 novas vagas em cursos de graduação em Arquitetura
e Urbanismo no Brasil.
Como pode ser notado, o registro de cursos nessa modalidade ainda
está em ascensão. A tabela 1 apresenta o quantitativo de cursos de Arqui-
tetura e Urbanismo no Brasil ofertados na modalidade “a distância” e suas
respectivas vagas, de acordo com os dados do e-MEC.

Tabela 1 – Quantitativo do ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil na modalidade a


distância
Ano de início do Quantidade de Novas vagas
curso novos cursos ofertadas
2016 1 100
2017 3 13599
2018 10 7705
2019 6 9990
2020 7 10500
2021 5 2100
Fonte: Elaborado pelo autor, de acordo com pesquisa realizada em 6 maio 2021, na Plata-
forma e-MEC.

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Destaca-se que, desde a flexibilização da abertura de cursos de gra-


duação na modalidade EaD, com a publicação do Decreto presidencial nº
9.057, de 25 de maio de 2017 (BRASIL, 2017), e consequente aumento
do número de vagas autorizadas pelo MEC, diversas entidades vinculadas
ao campo da Arquitetura e Urbanismo têm se manifestando predominan-
temente contrárias à formação de arquitetos e urbanistas exclusivamente
nessa modalidade (BRAIDA, 2019). Também Valcarce (2020, p. 23 e 24)
ressalta que

[...] após autorização do MEC para a oferta do curso de Arquite-


tura & Urbanismo na modalidade EaD e a divulgação da abertu-
ra dessas vagas, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo [CAU]
e a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
[abea] emitiram manifestos a esta modalidade de Ensino com se-
veras críticas.

O quadro 1 traz, cronologicamente, uma síntese das principais mani-


festações das diferentes entidades vinculadas à Arquitetura e ao Urbanismo
no Brasil veiculadas entre os anos de 2017 e 2019. Esse quadro foi apresen-
tado no artigo intitulado “Panorama do ensino à distância de Arquitetura
e Urbanismo no Brasil” (ver BRAIDA, 2019), que está publicado publi-
cado nos anais do 37º Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e
Urbanismo (Ensea), realizado conjuntamente com o 20º Congresso da
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (Conabea),
eventos organizados pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e
Urbanismo (Abea). As principais discussões desses eventos estavam volta-
das para os “desafios do ensino de arquitetura e urbanismo no século 21”.

Quadro 1 – Principais manifestações das entidades vinculadas ao campo da Arquitetura


e Urbanismo no Brasil
Data Entidade Manifestação
26 jan. 2017 ABEA Carta “Aprender Arquitetura e Urbanismo à
distância não funciona”
30 jan. 2017 IAB Carta ao ministro da Educação
16 fev. 2017 CAU/BR Manifestação do Plenário do Conselho de
Arquitetura e Urbanismo do Brasil sobre Ensino à
distância em Arquitetura e Urbanismo

339
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Data Entidade Manifestação


21 fev. 2017 FNA “Carta de apoio à ABEA sobre o ensino à distância
para graduação em AU”, intitulada “Distâncias em
Arquitetura e Urbanismo”
12 mar. 2017 FeNEA “Carta da FeNEA sobre os cursos de Arquitetura e
Urbanismo em modalidade EAD”
21 abr. 2018 CAU/BR “Carta pela qualidade do ensino de Arquitetura e
e CAU/ Urbanismo”
UF
22 mar. 2019 CAU/RS Deliberou por não conceder registros a egressos de
cursos EaD.
29 mar. 2019 CAU/BR Comunicou sua decisão de “recusar registro
profissional a alunos formados em cursos EaD”
23 maio FeNEA Carta “Sobre o Ensino à distância”
2019
Fonte: Braida (2019, p. 408).

Esse quadro deve ser entendido como um resumo das manifestações


que se opõem à admissão do EaD como modalidade de ensino em Arqui-
tetura e Urbanismo. Ainda que haja manifestações favoráveis, emitidas
por outros seguimentos da sociedade, como se vê, além do CAU/BR e de
suas regionais, a ABEA, o IAB, a FNA e a FeNEA manifestaram-se con-
tra ao ensino de Arquitetura e Urbanismo na modalidade exclusivamente
a distância. Tal posicionamento é decorrente de uma ampla reflexão sobre
a formação de arquitetos e urbanistas no Brasil, a qual, por consequência,
tem promovido uma discussão sobre a qualidade do ensino.
Como exemplo, podemos citar três eventos que discutiram a temática
do EaD em Arquitetura e Urbanismo. O 8º Encontro Estadual de Escolas
de Arquitetura e Urbanismo do Estado de Santa Catarina (ENEAU), rea-
lizado em 20 de fevereiro de 2018, promovido pela Associação Catarinen-
se de Escolas de Arquitetura e Urbanismo (ACEARQ), tratou do “ensino
à distância nos cursos de Arquitetura e Urbanismo” (CAU/SC, 2018).
Em agosto de 2018, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Ser-
gipe (CAU/SE) promoveu o “Seminário Nacional de Ensino e Formação
em Arquitetura e Urbanismo”, cuja pauta principal foi “o Ensino à Dis-
tância (EAD), que põe em risco a formação profissional de arquitetura no
país” (CAU/BR, 2018b). Em 10 de maio de 2019, em Brasília, foi reali-

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zado o seminário “Ensino à distância e as Diretrizes Curriculares Nacio-


nais”, organizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito
Federal (CAU/DF) (CAU/BR, 2019c).
O que tem fundamentado um posicionamento contrário à adoção do
EaD em Arquitetura e Urbanismo é o argumento de que o curso de Arquite-
tura e Urbanismo possui prerrogativas comparáveis às do curso de Medicina,
curso não autorizado a ser ofertado em EaD. Por exemplo, na “Carta pela
qualidade do ensino de Arquitetura e Urbanismo”, o CAU/BR afirmou que

Arquitetura e Urbanismo é um ofício que, da mesma forma que a


Medicina e o Direito entre outras importantes profissões, tem seu
exercício regulamentado por relacionar-se com a preservação da
vida e bem-estar das pessoas, da segurança e integridade do seu pa-
trimônio, e da preservação do meio ambiente. Por isso mesmo exi-
ge, em sua formação, acompanhamento presencial de forma muito
próxima em atelieres, laboratórios, canteiros experimentais e outros
espaços pedagógicos vivenciais, o que defenitivamente não pode ser
alcançado em cursos oferecidos à distância (CAU/BR, 2018a, p. 1).

Esse mesmo discurso foi adotado na “Manifestação sobre a Portaria


nº 343/2020 do MEC que ‘dispõe sobre a substituição das aulas presen-
ciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação da pandemia
do Novo Coronavírus – Covid 19’”, emitida pela Comissão de Ensino e
Formação (CEF) do CAU/RS, em 20 de março de 2020, conforme pode
ser visto no trecho a seguir:

[...] existem áreas do conhecimento contempladas nos conteúdos das


disciplinas em que a complexidade das suas formulações para o aten-
dimento espacial das necessidades sociais, bem como a segurança dos
procedimentos técnicos para sua materialização, não podem prescin-
dir da modalidade presencial de ensino na sua formação. Essa questão
é de mais fácil percepção em profissões da área da saúde, como a Me-
dicina, que lidam mais explicitamente com a vida e a saúde da popu-
lação, como é também a Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS, 2020).

Embora o Quadro 1 tenha apresentado um resumo das manifestações


até 23 de maio de 2019, durante o ano de 2020, e até os dias de hoje,

341
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

foram publicadas notas informativas contrárias à modalidade EaD em Ar-


quitetura e Urbanismo no Brasil. À guisa de exemplificação, em 23 de
fevereiro de 2021, o CAU/BR emitiu uma “Nota de esclarecimento do
CAU/BR sobre o ensino à distância”, mencionado que

[...] o campo da Arquitetura e Urbanismo se relaciona diretamente


com a preservação da vida e bem-estar das pessoas, a segurança e
integridade do seu patrimônio material e imaterial e a preservação
do meio ambiente. Possui, portanto, impactos diretos sobre a saúde
e o bem-estar do indivíduo e da coletividade (CAU/BR, 2021).

Por meio dessa nota, além de o CAU/BR reforçar o pensamento


evidenciado na “Carta pela qualidade do ensino de Arquitetura e Urba-
nismo” (CAU/BR, 2018a), reafirmou sua posição contrária à oferta dos
cursos na modalidade EaD, conforme o item 6 da nota:

6. [...] com a serenidade que o assunto exige e ciente de suas res-


ponsabilidades o CAU/BR segue não recomendando o ensino à
distância da Arquitetura e Urbanismo e continuará cumprindo sua
obrigação, defendendo este posicionamento aqui explicitado até
que haja decisão final da Justiça sobre o tema (CAU/BR, 2021).

No entanto, mesmo as instituições marcando uma posição contrária


ao EaD, buscando reverter decisões judiciais que afirmam que o CAU
não pode negar o registro de bacharéis egressos de cursos ofertados na
modalidade a distância, com a pandemia, o enfático discurso contrário ao
EaD emitido pelas instituições precisou ser revisado e, ainda que proviso-
riamente, ajustado à realidade imposta pela crise sanitária mundial, a qual
tem inviabilizado a aglomeração de pessoas e o desenvolvimento da maior
parte das atividades educaionais presenciais.

2. OS DISCURSOS DO CONSELHO DE ARQUITETURA


E URBANISMO DO BRASIL SOBRE O ENSINO À
DISTÂNCIA E A PANDEMIA COMO PONTO DE
INFLEXÃO

Em Braida (2019) e em Wilderom e Arantes (2020), encontramos


um panorama detalhado do EaD em Arquitetura e Urbanismo. Reitera-

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das vezes, antes da pandemia, o CAU/BR e as regionais manifestaram-se


publicamente contra a modalidade EaD. Em 16 de fevereiro de 2017, o
CAU/BR publicou a “Manifestação do Plenário do Conselho de Arqui-
tetura e Urbanismo do Brasil sobre Ensino à distância em Arquitetura e
Urbanismo”, expressando “sua preocupação e discordância com a impro-
cedente e perigosa oferta de cursos de graduação na modalidade Educação
à Distância (EAD)” (CAU/BR, 2017).
Em 27 de abril de 2018, o CAU/BR enviou, ao Ministro da Educa-
ção, a “Carta pela qualidade do ensino de Arquitetura e Urbanismo”, na
qual ratificava a “sua preocupação e discordância com a temerária ofer-
ta de cursos de graduação na modalidade Educação à Distância (EAD)”
(CAU/BR, 2018a, p. 1).
A decisão mais rigorosa do CAU em relação ao EaD foi publicada em
29 de março de 2019, quando o CAU/BR comunicou que iria “recusar
registro profissional a alunos formados em cursos EaD” e afirmou que os
cursos de Arquitetura e Urbanismo em EaD “não oferecem segurança à
sociedade” (CAU/BR, 2019b).
Subjacentes aos discursos contrários ao EaD, até o início da pande-
mia, conforme já destacado por Braida (2019), estavam os seguintes argu-
mentos: (1) deve-se valorizar o papel pedagógico do espaço; (2) as relações
presenciais entre professor e aluno são fundamentais; (3) a qualidade do
ensino deve ser garantida (subtendendo-se a falta de qualidade do EaD); e
(4) as tecnologias digitais devem ser adotadas somente como complemen-
tares à formação presencial.
Poucos dias antes da declaração da pandemia, em 14 de fevereiro de
2021, foi realizada a 32ª Reunião Plenária Ampliada, na qual houve mani-
festação contrária ao aumento da carga horária dos cursos de Arquitetura
e Urbanismo ofertada na modalidade EaD. De acordo com a matéria pu-
blicada pelo CAU/AC, em 27 de fevereiro de 2020, tem-se:

A 32ª Reunião Plenária Ampliada, que reúne conselheiros fede-


rais do CAU/BR e presidentes dos CAU/UF, realizada em 14 de
fevereiro, manifestou-se totalmente contrária ao aumento da carga
horária na modalidade Ensino à distância (EaD) nos cursos presen-
ciais de Arquitetura e Urbanismo. A medida se contrapõe à Porta-
ria do Ministério da Educação (MEC) nº 2.117, de 6 de dezembro

343
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

de 2019, que dispõe que as Instituições de Ensino Superior (IES),


pertencentes ao Sistema Federal de Ensino, poderão introduzir a
oferta de carga horária na modalidade de EaD na organização pe-
dagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais, até o
limite de 40% da carga horária total do curso. Anteriormente este
índice era de 20% (CAU/AC, 2020).

Também o CAU/RS, ainda que admitisse que 20% de carga horária


dos cursos possa ser oferecida a distância, manifestou-se contrário à am-
pliação para os 40%. De acordo com o CAU/RS (2020):

[...] a posição do CAU/RS, através da CEF/RS, é de que apenas


20% da carga horária possa ser ministrada à distância, sendo apli-
cados em conteúdos que não gerem atribuição profissional, isto
é, não gerem riscos evidentes à sociedade à qual o aluno estará
inserido futuramente em sua atividade profissional. Assim sendo,
nos demais 80% da carga horária, os conteúdos do curso de Ar-
quitetura e Urbanismo deverão ser desenvolvidos na modalidade
presencial.

As premissas dos discursos contrários ao EaD foram retomadas na


carta da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
(ABEA, 2020), de 27 de março de 2020, intitulada “Ensino de Arquite-
tura e Urbanismo e a pandemia de Covid-19”. Essa carta, assinada pela
Diretoria executiva da ABEA, é encerrada com os seguintes tópicos:

• A ABEA entende que o convívio presencial é fundamental para a


vivência e o questionamento do próprio espaço.
• Em Arquitetura e Urbanismo, o espaço físico [...] é parte do pro-
cesso de ensino e favorece o aprendizado.
• A relação professor/aluno presencial é importante para o apren-
dizado da significação e da construção física, real e material dos
espaços.

É importante destacar que, em diversas manifestações, o CAU afirma


não se opor ao uso das tecnologias digitais, porém sua adoção deve se dar
apenas em caráter complementar. Esse posicionamento está presente, por

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exemplo, na “Carta aberta aos estudantes de cursos à distância de Arqui-


tetura e Urbanismo”, emitida pelo CAU/RS, em 24 de julho de 2019.

O CAU/RS entende que o EaD é uma ferramenta excelente, que


incorpora as novas tecnologias e amplia e potencializa novas pos-
sibilidades de ensino. Entretanto, o EaD não é uma “modalidade”
que possa ocorrer em paralelo com o ensino presencial, muito me-
nos em substituição à este, com claríssimas perdas de qualidade e
diversidade e danos irreparáveis à formação dos futuros profissio-
nais (CAU/BR, 2019a).

Assim, o CAU/BR e as suas regionais argumentam haver uma di-


ferença entre o EaD como ferramenta (complementar ao ensino presen-
cial, em baixas porcentagens) e o EaD como modalidade exclusiva (o que
permite a oferta de cursos 100% a distância), e defendem “o EAD como
ferramenta e não como modalidade de ensino” (CAU/RS, 2020).
No entanto, com a pandemia, as entidades que criticavam ferozmente
o EaD precisaram rever, ao menos em parte, seus discursos e posiciona-
mentos. Ainda que se mantenha acesa a chama do combate ao EaD, haja
vista que o item 41 da Carta de Brasília, de 15 de dezembro de 2020, redi-
gida pelo CAU, afirmar que o objetivo do CAU/BR é “intensificar a de-
fesa do ensino presencial” (CAU/BR, 2020a) ou mesmo evidenciada na
“Nota de Esclarecimento do CAU/BR sobre o ensino à distância” (CAU/
BR, 2021), o ensino não presencial, por vezes denominado de ensino re-
moto ou ensino mediado por tecnologias de informação e comunicação,
passou a ser admitido, mesmo que em caráter excepcional.
A própria Carta da ABEA (2020, p. 1), ao mesmo tempo que insis-
tia na crítica ao EaD, mencionando que as perdas decorrentes da adoção
de “práticas pedagógicas a distância” deverão ser compensadas assim que
possível, reconhece que “situações excepcionais exigem soluções igual-
mente atípicas”.
Não encontrando outra alternativa senão aceitar o ensino remoto, a
Comissão de Ensino e Formação (CEF) do CAU/BR reconheceu “que
o acompanhamento remoto do ensino é uma ferramenta disponível para
a situação excepcional de crise”, ainda que tenha recomendado seu tra-
tamento como situação “emergencial e temporária” (CAU/BR, 2020b).

345
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

De acordo com Wilderom e Arantes (2020), a pandemia, “com sua cruel


pedagogia, é também forma de testar os limites do EaD de forma compul-
sória, dada a obrigatoriedade do distanciamento social”.
Diante dos fatos, o CAU/BR (2020b) se viu na obrigação, inclusive,
de se manifestar sobre o registro dos formados durante a pandemia:

Faz-se necessário também esclarecer aos egressos dos cursos de


arquitetura e urbanismo do primeiro semestre de 2020 que seus
registros profissionais não serão prejudicados pelo atual acompa-
nhamento remoto do ensino, considerando sua característica ex-
cepcional diante da pandemia, guardadas as condições vigentes
para registro no CAU.

Portanto, o que se vê é uma mudança, ainda que velada e compulsó-


ria, no discurso e, mesmo que sob a insígnia da excepcionalidade, o CAU/
BR já reconhece a validade do ensino remoto (temporariamente ofertado
100% a distância) como solução emergencial. Assim como destacaram
Wilderom e Arantes (2020), a pandemia tem demandado a reflexão sobre
as práticas educacionais e a qualidade do ensino, colocando à prova, massi-
va e forçosamente, as possibilidades e as limitações da inserção das tecno-
logias de informação e comunicação (digitais) no contexto da Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tal como apresentado neste artigo, o CAU/BR, as suas reginais e


outras entidades vêm se posicionando contrariamente ao EaD como mo-
dalidade exclusiva para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. É
de se notar que, na base dos argumentos, está o discurso sobre a qualidade
do ensino. No entanto, cumpre ressaltar que a simples associação do EaD
à falta de qualidade é uma postura equivocada, que em nada contribui
para o debate.
No entanto, com a pandemia, o discurso vigente precisou ser revi-
sado, ajustado, adequado à realidade. Observa-se, assim, que a pandemia
pode ser compreendida como um ponto de inflexão, ainda que tempo-
rária, nos discursos do CAU, e de toda a sociedade, sobre o EaD. Na
realidade, os desdobramentos e repercussões da adoção do ensino remoto

346
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

durante a pandemia ainda precisarão ser analisados futuramente. Porém,


seja como for, a adoção compulsória do EaD já tem provocado uma maior
discussão sobre essa modalidade e a revisão dos paradigmas vigentes até o
início da pandemia.

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350
A HISTÓRIA COMO PEDAGOGIA
E A EDUCAÇÃO DO CAPITAL NA
PANDEMIA DE COVID-19: UMA
CRÍTICA AO MODELO CAPITALISTA
DE EDUCAÇÃO
Alexandre Campos Duarte44

INTRODUÇÃO

O modelo educacional contemporâneo, que está associado a uma


educação voltada para atender os interesses do capital, ao invés de
emancipar e libertar, acaba por gerar mais exclusões sociais, perpe-
tuando um modelo de opressão. A justificativa nasce da real demons-
tração do que se quer discutir, problematizar e refletir, logo, faz-se
necessário apontar os olhos e o intelecto a este modelo educacional,
que mais exclui do que o contrário.
A pandemia da Covid-19 tornou ainda mais nítido o problema, as-
sim, o presente artigo se desdobra em analisar criticamente a educação
voltada ao capital e evidenciar a importância de se utilizar a história como
método de aprendizado. Este estudo pretende demonstrar a necessidade
de separação entre educação e capital, além de buscar responder o porquê
os indivíduos não devem se tornar reféns do capital e como a forma de
internalizar conteúdos pode ser relevante à discussão.

44 Graduando do 5º período em História pela Unilasalle/RJ e escritor.

351
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O leitor, portanto, será guiado através de um pensamento que fincou


seus pilares nas ideias de Paulo Freire e István Mészáros, além da expe-
riência vivenciada pelo autor deste presente artigo.
Para entregar os objetivos pretendidos, este artigo falará sobre a im-
portância da História e como ela nos serve como forma de ensino-apren-
dizado; porque o capital tem se interessado tanto pela educação, usando
até mesmo acontecimentos históricos cruciais para validar o seu propósi-
to; e porque a saída libertadora da humanidade se encontra em um mode-
lo educacional voltada ao social.

1. A RELEVÂNCIA DA HISTÓRIA E O PORQUÊ DE UMA


EDUCAÇÃO SOCIAL

O estudo de história é pertinente em um mundo extremamente ma-


terial e cada vez mais digital. A pedagogia histórica deve ser entendida
como aquilo que ajuda o sujeito a se sentir realmente livre para escolher, e
não forçado a isso. Paulo Freire reflete com acuidade sobre o tema em suas
obras (FREIRE, 2019). O ensino de Ciências Humanas também serve
para libertar os homens das amarras do mercado. Compreender o passado
é respeitar o presente e o ser humano, nunca querendo indevidamente o
que não se pode ter. A humildade faz parte da base epistemológica na área
de humanas. São apenas subvertidas pelo jogo do capital.
Conhecer o mundo em que vivemos, respeitando nossas diferenças,
se faz também através do estudo de História. A preservação do patrimô-
nio artístico e histórico-cultural da humanidade corrobora o que foi dito
anteriormente. Assim como a historiografia e o dever de memória, pois
é necessário conhecer e entender os seus diferentes significados para que
aconteça a sua valorização. A memória promove o reconhecimento de um
fato histórico acontecido trazendo reflexão ao objeto reconhecido. Vale
ressaltar, o dever de memória tem um caráter conscientizador para gera-
ções que não tiveram qualquer relação familiar ao objeto histórico em si.
E o Ser Humano tem a tendência de valorizar, preservar e respeitar aquilo
que conhece. Já o mercado força o esquecimento social daquilo que não
gera lucro. O ilustre advento que está na prateleira do shopping hoje, é
completo passado amanhã. Por consequência, como agente histórico que
o indivíduo é, deve-se estabelecer o papel social para que cada um possa

352
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definir aquilo que melhor lhe convém socialmente. Sempre respeitando e


acolhendo o próximo. A história detém uma finalidade social de singular
relevância para a sociedade, esclarecendo que liberdade não significa ter,
mas ser. Somos porque vivemos, vivemos porque somos alguém em al-
gum lugar.
É preciso notar que ficou difícil viver em tempos de pandemia. Ser
sem educação social, do tipo que se reflete para a vida, tem ficado compli-
cado. A exclusividade e a exclusão educacional na pandemia de Covid-19
torna a desigualdade brasileira um problema maior do que era antes. E
quem poderia imaginar um cenário ainda pior por aqui? A pandemia veio
para escancarar ainda mais a desigualdade sociocultural. Com o vírus solto
no ar ficou evidente que para estudar precisa se estar minimamente inse-
rido no mundo digital. No entanto, há casas onde faltam computadores,
internet e até comida. Como colocar na balança uma residência com ar-
-condicionado, uma tela digital por pessoa e comida balanceada, contra
aquelas que tiveram que diminuir as refeições. Com as escolas públicas
abertas é lá que as crianças fazem a principal refeição. São muitas as crian-
ças passando fome, longe das escolas e à mercê das mazelas sociais.
Uma educação social nunca se fez tão pertinente. A desigualdade
educacional é oriunda também dessa desigualdade nas relações sociais e
econômicas. Estar atento ao mundo e com o mundo, como Freire (2019,
p. 57) aborda em sua obra Pedagogia da autonomia, deve ser tema de reflexão:

Na verdade, seria uma contradição se, inacabado e consciente do ina-


cabamento, o ser humano não se inserir em tal movimento. É neste
sentido que, para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente
significa estar com o mundo e com os outros. Estar no mundo sem fazer
história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua pró-
pria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem
pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir,
sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência,
ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem
ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível.

É na inclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação


como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram edu-

353
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

cáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a


educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência
de sua inclusão é que gerou sua educabilidade.

A transformação educacional, no qual o aprendizado crítico-reflexivo


e social deve estar no lugar de práticas copistas e de memorizações, precisa
ser considerada como uma alternativa à fome neste país. É imprescindível
que a educação seja abrangente. E a sua amplitude depende de uma inter-
nalização educacional social, e não meritocrática. Precisa-se modificar a
estrutura educacional.
A educação do capital é uma forma excludente de educação, é o mo-
delo educacional voltado ao capital e seus interesses (LIBÂNEO, 2013).
É o tipo de educação que atende aos propósitos do mercado e não aos se-
res humanos. Por consequência, exclui indivíduos de sua estrutura social.
Privilegia os detentores do capital em detrimento daqueles que disponibi-
lizam a maior parte do seu tempo com o trabalho. É da educação do capi-
tal que se forma a massa que trabalhará pela manutenção do sistema atual.
Com privilegiados numa ponta e o povo na outra. Enquanto de um lado
se dedica tempo exclusivo ao trabalho como forma de sustento, do outro
se explora estes trabalhadores para que se tenha capital suficiente para su-
prir a falta de tempo. O trabalho excessivo passa a ser o passaporte para a
exclusão educacional dos não detentores do capital. Por sua vez, os que os
exploram têm para si e seus familiares os meios necessários educacionais,
ainda que muitos também não tenham tempo.
Mas o que parece ser difícil de compreender é que nem um e nem
outro estão em harmonia com a sociedade ou com o ambiente. Pelo con-
trário, estão favorecendo o capital e se desumanizando. Servem-se de pra-
ticidade e de bens de consumo. Uma parcela pensa existir porque compra
e usufrui das mais capacitadas instituições de ensino, que estão cada vez
mais a serviço do capital. Assim, se perpetuam nas camadas mais elevadas
da sociedade. Desfrutam disso às custas dos que pensam existir porque
comem. A parcela que come e trabalha para sobreviver ilude-se ao desejar
essa praticidade, bem como esse consumo desmedido. No topo ou não,
a humanidade está deixando de existir. Deixando de sentir, de ser. Mas
sabe-se que existe uma solução e essa solução encontra-se na educação.

354
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O golpe derradeiro do capital, no qual sequestraria todo e qualquer


sentido de liberdade, pluralidade, contemplação e observação reflexiva, se
dará quando este conseguir transformar a educação em mais um bem de
consumo. Consumir a educação com o falso propósito de entrar na ciran-
da do capital seria, em última instância, o xeque-mate contra a humani-
dade. O capital triunfaria alegremente ao dissolver as genuínas intenções
da educação com a sociedade. A educação do capital já nasceu! Mas ainda
não se transformou no que pode impedir a sociedade de se libertar. A
educação necessita de uma transformação para se empenhar socialmente.
István Meszáros (2008, p. 114) fez o alerta em sua obra A educação para além
do capital:

Assim pela primeira vez no curso da história humana espera-se que


os indivíduos se tornem realmente conscientes de sua parte no de-
senvolvimento humano com a relação tanto a seus objetivos transfor-
madores abrangentes possivelmente plausíveis quanto à escala temporal
de seu próprio envolvimento real e contribuição específica ao pro-
cesso de mudança de suas sociedades. Nesse sentido, a consciência
e a autoconsciência dos indivíduos particulares quanto a seu papel
como indivíduos sociais responsáveis – sua consciência clara de sua
contribuição específica imediata, mas escolhida de forma autônoma, à
transformação oniabrangente contínua – é uma parte integrante e es-
sencial de todo êxito possível.

Somente nessa perspectiva eles podem se tornar completamente


cientes da importância vital de seu próprio tempo disponível, como
‘produtores livremente associados’. Essa é a única maneira pela
qual podem autonomamente dedicar seu tempo disponível – que
é simultaneamente seu tempo histórico real como indivíduos sociais
particulares capazes de obter sociometabólica qualitativamente di-
ferente, bem como historicamente sustentável.

O tempo do ser humano na terra é precioso demais para ser gasto


com efêmeros prazeres. Nesse sentido, a educação social tem a capacidade
de transcender determinando valores que são essenciais à vida sociocul-
tural. A essencialidade da vida não tem conexão com o capital, mas com
as relações humanas e sociais. A preservação de uma educação voltada ao

355
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

social, bem como a sua internalização crítico-reflexiva, conduzirá à liber-


tação da humanidade de uma educação opressora, que perpetua esse mo-
delo estrutural de atendimento aos interesses do capital. (FREIRE, 2019)
A educação voltada ao social é a última e também a melhor saída contra
a barbárie que se pretende a educação do capital. Mas formar para quê e
para quem parecem ser a pedra fundamental deste presente artigo
E a História caminha de mãos dadas com uma intenção social das
relações humanas. Ao ensinar história, o elemento histórico de ensino em
questão se mistura com uma forma pedagógica de ensino-aprendizado,
e o seu dever é social. Mas foi só a partir de relatos históricos, e também
com a sua historiografia, que o ensino-aprendizado foi se aprimorando. A
história serve como forma de ensino, isto é, como elemento pedagógico,
posicionando a historicidade do homem no mundo e conectando-o à rea-
lidade em que vive (BORGES, 1993).
Partindo do princípio de que a História é o ofício do historiador,
sendo o Homem o seu objeto principal, isto é, aquilo em que ele vai traba-
lhar, se debruçar, pode-se dizer que ao ensinar história também se fala um
pouco da vida (BLOCH, 2001). Seja em um estudo, em uma investigação
ou em uma análise, a vida remete a tudo que é do Homem.
Aquilo que somos hoje, nada mais é do que a soma de tudo que acon-
teceu até o presente instante. E os homens, desde os seus primórdios, sem-
pre necessitam de explicações (BORGES, 1993). Ainda que um sujeito
em seu pleno direito de liberdade, estando só em algum canto do planeta,
descubra algo sozinho, ele próprio buscará uma maneira de esclarecer-se.
Explicar a si mesmo como alcançou aquela novidade trará paz a sua cons-
ciência. Tranquilidade ao seu sono e confiança para seguir adiante.
A educação também tem esse papel de nos dar confiança e clareza,
pois não se trata apenas de entender, mas de compreender. De usar um
conceito, uma explicação, de modo que lhe faça refletir e decidir sobre
o mesmo com o mundo, com as pessoas (FREIRE, 2019). E como con-
ceitos são mutáveis, porque se movem de acordo com as interpretações,
carregando consigo as mais diferentes culturas, credos e desejos, entender
a importância da História é, de certa forma, entender e respeitar um pou-
quinho de cada um de nós.
Como vimos acima, para se aprender, para se ensinar alguma coisa e
até mesmo para se assimilar melhor um método de observação, o homem,

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este como figura central de seu mundo, necessita de uma explicação, de


uma averiguação. Por isso o homem faz uso de intermináveis metáforas,
pois ela transgride a realidade estática. O ser humano sente conforto dan-
do nomes aquilo que vê (NIETZSCHE, 2001). E mesmo ao que se vê,
este também é capaz de reconfigurar o seu significado no intento de dar
outra explicação, ainda que use uma palavra para algo que não era de fato
aquilo. Quando alguém diz: “dei uma topada no pé da mesa” sabe-se que o
‘pé da mesa’ não é como o nosso. Os significados adquirem conceitos que
ajudam a nossa interpretação, e também ao entendimento daquilo que
estamos a interpretar. E o modo interpretativo é singular e inerente a cada
um também.
Portanto, vale reparar que a história caminha junto com a verdadeira
necessidade de interpretação (HOBSBAWM, 2013). De esclarecer e de
averiguar qualquer coisa ou instante que seja. A história de um homem
nasce e cresce, tal como brota e floresce a sua cultura. Com o vigor e a
beleza de uma flor que nasce no campo. Com vivências, aprendizados,
observações e ensinamentos que o acompanharão até o final de sua vida, e
assim por incontáveis gerações. A história nos auxilia no aprendizado ge-
ral das coisas, tanto que hoje em dia se estuda a história dos mais variados
segmentos e particularidades. Quando se faz necessário aprender qualquer
coisa que seja, desde o seu princípio, é preciso conhecer a história daquilo
que deseja investigar. Saber como o conteúdo de seu estudo teve origem,
lhe dará segurança e embasamento para realizar a sua tarefa. E tudo e qual-
quer coisa no mundo estão em constantes movimentos interpretativos. O
ser humano é interpretação, ele se move a todo instante (NIETZSCHE,
2001). Logo, a história é tudo aquilo que nos faz ser.
O historiador Le Goff (1990, p . 535) na obra História e Memória cons-
tata que “A memória coletiva e a sua parte científica, a história, aplicam-se
a dois tipos de matérias: Documentos e Monumentos”.
É possível notar a relação dos relatos com a memória social, as-
sim como da importância que o relato testemunho exerce no espírito
social daqueles que naquela sociedade habitam e compartilham inte-
resses (LE GOFF, 1990). E dependendo do seu conteúdo, essa onda
interpretativa pode atravessar culturas, credos e limites geográficos. É
de se notar, portanto, a relevância da historiografia e o seu papel social
também. Ela permite ao historiador investigar o passado, conectando

357
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

diálogos com o presente através do documento em análise. Documen-


tos ganham vida nas mãos dos historiadores. Conversam de forma crí-
tica e respeitosa entre si.
Ainda que hoje se fale da História da natureza, ou de qualquer outra
coisa, sem o ser humano e seu intelecto não se pensaria em História como
ciência em nenhuma circunstância ou área. Repare como são íntimos! A
relação da História com tudo que o homem fez, faz e irá fazer está inti-
mamente ligada à História, sendo esta o objeto do historiador, pois, como
se sabe, o Homem é o objeto da História. A História nos serve como pe-
dagogia humana, e vice e versa, desde a revolução cognitiva! Cria-se me-
canismos de aprendizado desde que o homem desenvolveu novas formas
de pensar, há mais de 30 mil anos atrás (HARARI, 2020). Os homens,
carregando suas culturas, conhecimentos e memórias de vida, buscam
melhores caminhos e soluções para o seu modo de viver semeando, justa-
mente, novas histórias.
Sendo assim, o impacto da História na vida cotidiana do homem é
imensurável, assim como é a História como forma de ensino. Ela nos re-
vela uma forma de pensar, de refletir e de compreender o outro. O seu
objeto percorre todo o caminho histórico, pois é daí que se faz História.
Por consequência, deve-se ter ressalvas com estilos pedagógicos que tra-
gam uma análise copista ou de memorização. As diferentes interpretações
devem caminhar com a capacidade crítica de reflexão. O entendimento
do indivíduo em seu contexto, que observa acerca de seu processo socio-
cultural, deve ser percebido como algo satisfatório coletivamente (FREI-
RE, 2019). O acolhimento e a emancipação estão em pauta nesse caso. É
preciso ter a devida atenção com a banalização de valores, com a ganância
do lucro desmedido e com filosofias cegas de cunho estritamente eco-
nômico e autoritário. Estes não devem interferir no brilhante ato de se
ensinar também para a vida.
A estrutura social é influenciada pelo seu tempo histórico, e tudo que
a sociedade interpreta como bom ou ruim faz parte de sua engrenagem.
O pensamento da atualidade é bisneto de discursos passados. O cenário
geográfico deste tempo é consequência de anos de mudanças climáticas,
somadas às interferências do homem. Saber como se chegou até aqui, com
inúmeras tragédias e triunfos naturais e humanos, faz o indivíduo discer-
nir um caminho que respeite o indivíduo ao lado. Sozinho ou em grupo,

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C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
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parado ou em constante movimento, o Ser Humano é uma reconstrução


contínua. E a História também.
No entanto, a frenética busca por resultados e o método de selecionar
pessoas, que cada vez mais se parecem uns com os outros, não parece tra-
zer benefícios à população em geral (BAUMAN, 2013). Talvez a alguns
poucos, mas não a grande maioria. Esta, por sua vez, cada vez mais adoece
física e mentalmente, pois se torna obrigada a obter e ser aquilo que lhe é
vendido como ordem social. A moral do homem tem sido abatida a golpes
de foice na alma e no psicológico, quando este se sente pressionado a ser
e ter o que o ‘vizinho’ ao lado têm. Hoje o indivíduo ocidental é cada vez
mais parecido, tendo as mesmas posses materiais, ainda que habitem dife-
rentes países. O mercado não ama as mídias sociais à toa, elas romperam
com essas barreiras. O que se vende nos dias de hoje já não são mais pro-
jeções de vida, e sim padrões autocráticos, porque desta forma governa-se
melhor. O capital circula com mais voracidade quando o próprio estabe-
lece os padrões. Pessoas que pensam de uma mesma maneira, se vestem
de um modo único e possuem os mesmos objetivos de vida, rendem mais
ao mercado. Primeiro porque dão menos trabalho e segundo porque são
menos custosos, sobrando mais tempo para ir às compras.
Keith Jenkins, em A história repensada (2017, p. 51), diz algo sobre
poder e emancipação histórica. Talvez ele tenha, num mesmo parágrafo,
apontado o seu problema e a sua solução:

Porque o conhecimento está relacionado ao poder e porque, para


atenderem a interesses dentro das formações sociais, os que têm
mais poder distribuem e legitimam tanto quanto podem o “co-
nhecimento”. A forma de escapar ao relativismo na teoria é ana-
lisar assim o poder na prática. Por conseguinte, uma perspectiva
relativista não precisa levar à desesperança. Ela é o começo de um
reconhecimento geral de como as coisas parecem funcionar. Tra-
ta-se de uma emancipação: de modo reflexivo, você também pode
produzir história.

Será que fazer história seria se levantar contra a ordem atual? Parece que
as instituições de ensino são bons lugares para se observar. São nelas, e em
suas concepções pedagógicas, que se edificam as ordens sociais futuras. E

359
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

uma boa primeira medida seria garantir qualificação profissional e salarial


adequadas aos nossos mestres. Além de ambientes qualificados e seguros
de trabalho, pois estes formam as vestes do amanhã.
A História também lembra a humanidade que precisa-se sentir, antes
de ser alguma coisa. Quem é o que, afinal de contas, se não um indivíduo
como outro qualquer? A moral imposta socialmente é aquilo que serve
para vigiar os homens perante o mercado. E não é o mercado que nos ob-
serva de perto como em tempos passados. Esse jogo está mudando, obser-
var é preciso, ter criticidade é pertinente. O ser humano vigia o mercado
sem ter ideia de que isso é uma estratégia que o engana diariamente. A
liberdade é forjada nas mais variadas mídias básicas onde, aí sim, muitos
têm acesso.
Isso tudo porque necessitasse tanto da História como elemento peda-
gógico, quanto da pedagogia como elemento histórico dos saberes. Pre-
cisam ter estudos distintos, métodos próprios e formações superiores que
tornem seus alunos melhores em suas profissões e vidas, porém servem
simbioticamente um ao outro. Muito mais do que se possa pensar! Imagi-
nem um caçador-coletor há 40 mil anos atrás onde seus dias se resumiam
a caçar (HARARI, 2020). Imaginem que este estivesse atingindo uma
idade em que o faz natural ensinar aos mais jovens caçadores-coletores
a caça. Certamente, o que este caçador-coletor ensinou aos mais jovens
trouxe em seus ‘métodos de ensino’ fatos, e até mesmo provocações, que
gerações anteriores não o ensinaram.
Os elementos históricos, e tudo que se aprende com eles, servem
como novas metodologias de ensino-aprendizagem. A experiência his-
tórica é crucial para a educação. E eis porque a educação se tornou refém
do capital fluído e voraz (BAUMAN, 2013). Este acabou por asfixiar a
maioria das instituições educacionais a fim de obter ensinos epistemológi-
cos que sirvam a ele, e nada mais. Quem passa a reproduzir a experiência
é o capital. Não é demais lembrar, quem controla o capital controla a
desigualdade, a indiferença e as tendências mercadológicas. Direta ou in-
diretamente, é assim que funciona.
O mercado legitimou o ensino como a força de seu trabalho, onde,
sem dúvida, melhorou as relações produtivas em larga escala, globalizando
produtos e instaurando no indivíduo a lógica do consumo, do trabalho
ininterrupto e de um ideário nunca alcançado. O capital pegou a sua me-

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lhor carona na Revolução Francesa, na Escravidão e na Revolução Indus-


trial. Ficou em silêncio e, sempre que pode, alimentou o seu ‘modo de
ser’. O mundo aceitou e ‘comprou’ essa filosofia como algo libertador e
justo. Imaginou-se que traria igualdade e ‘progresso’ à humanidade. Mas
o que é o ‘progresso’ se não um confiante slogan fincado em terreno fértil
a ser explorado pelo capital? Por outro lado, o mercado vem ao longo das
últimas décadas neutralizando e sufocando uma forma crítico-reflexiva de
se pensar, para que o mundo continue engolindo essa filosofia.
A Revolução Francesa colocou o ser humano, com o grato empurrão
do Iluminismo, como centro do universo liberto das amarras do Esta-
do e do pensamento religioso do passado. O absolutismo veio abaixo e
o indivíduo ganhou papel de destaque na sociedade. Por sua vez, com o
cego lucro em horizonte, a Escravidão e o tráfico de milhares de africanos,
indígenas e outros povos ao longo de quase 400 anos, com o seu desleal
genocídio, criou uma submissão de classes e uma mão de obra forçada.
Os negros e os indígenas sofrem até hoje com um racismo estrutural, que
deságua numa desigualdade desproporcional em suas raças, em suas fa-
mílias. Já a Revolução Industrial criou meios de produção que ditou uma
drástica mudança na forma de se consumir, tendo uma notável aceitação
ocidental. É o adoecimento da humanidade.
Desde então, os indivíduos vêm sendo excluídos de uma reflexão ade-
quada às novas tendências. As mudanças aconteceram aos poucos, porém
logo tomou a forma acelerada das máquinas. Atualmente a praticidade
começou a dar lugar às teorias. Mas as teorias se tornaram reféns tempos
depois. Hoje em dia, e isso aconteceu fortemente após as duas guerras e
a consolidação inevitável das máquinas e do consumo no século XX, as
práticas ‘adequadas ao capital’ mantêm as teorias emancipadoras e sociais
encarceradas sob forte vigilância. Paulo Freire (2019, p. 28) é novamente
preciso quando observa:

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prá-


tica docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curio-
sidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é traba-
lhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem
se “aproximar” dos objetivos cognoscíveis. E esta rigorosidade
metódica não tem nada que ver com o discurso “bancário” mera-

361
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

mente transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo. É exata-


mente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratamento”
do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à
produção das condições em que aprender criticamente é possível.
E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores
e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente
curiosos, humildes e persistentes.

O caráter explorador do capital com indivíduos entregues aos bens


de consumo e ao descarte elevado – leia-se descarte material e humano –
têm em vista uma educação como investimento estritamente profissional
e não pessoal. Pouco se utiliza o conhecimento para a reflexão de causas
nobres, tampouco para a observação, a inquietude e a criticidade do meio
ou a sua preservação. O que vemos é uma luta pelo que chamo de “diploma
funcional”. Se forme a qualquer custo e ganhe o seu diploma funcional.
Pronto, estará livre! Ou será que não? A educação emancipadora e longe
das amarras do capital, como propõe Freire e Mészáros, é aquela em que
proporciona verdadeira liberdade ao ser humano. Em que o capital não
aprisiona o indivíduo e o social é visto como primordial.
Contudo, o que se propõe cada vez mais são sujeitos práticos, com
conhecimentos teóricos rasos, pois assim se produz e se consome mais.
A epistemologia e a erudição estão cada vez mais nas mãos dos mesmos
poucos, e seus descendentes, que ditam as regras e as funcionalidades so-
cioculturais. Ainda que se dedique tempo em boa parte das instituições
educacionais aos grandes pensadores sociais, o que vale no final das contas
é alcançar a meta. Passar em uma prova se tornou como a meta alcançada
no mercado de trabalho ao final do mês. São metas que se valorizam e para
isso se empenham estudantes e profissionais das mais diferentes áreas. O
capital é voraz e não tem corpo único. É como um camaleão dissimulado.
Ele é escorregadio, desonesto, e se infiltra em todos os cantos. Provavel-
mente, ele está a vigiar quem dedica reflexão ao presente artigo. Ele adqui-
re força e amplitude com o medo, por isso se espalha tão rápido.
Por mais que notórios educadores e pensadores façam incríveis ma-
nifestos, se unam em prol de mudanças neste cenário, logo se veem refém
de um mercado que para eles também é necessário. Os cursos básicos e
superiores se iniciam tentando quebrar esse formato ideológico, mas logo

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se transformam em um grande conglomerado de mercado também. O su-


jeito liberto e centro do mundo, se vê refém de um padrão mercadológico
infinito. O contraditório é saber que este infinito empurra o homem, e
o meio em que vive, cada vez mais para o seu fim. Daí o porquê de, nos
dias atuais, haver o questionamento sobre a importância da História como
ciência e dos novos rumos pedagógicos. E isto deve nos levar a reflexão. O
tema merece a devida atenção! Se no primeiro caso se propõe uma disso-
lução de sua prática, ou até mesmo a sua união com outras ciências huma-
nas, relegando os a um nível único – leia-se desprezível – e superficial de
ensino. No segundo caso o que se propõe são métodos de ensino onde a
prática deve se sobrepor às teorias, pois se alcançam mais metas.
Seguindo o novo e bem atual lema americano “less is more”, menos
passou a significar mais. Mas cuidado, o reverso da roda está diante de nós,
porém a sua visibilidade é distorcida. Se os meios de produção são capazes
de fabricar numa escala gigante nunca antes vista e vivida pela humani-
dade, o importante é ter pouco conhecimento para se produzir mais. Isso
facilita os infinitos e descartáveis bens materiais. O pouco aqui é o ganho
intelectual e epistemológico. É preciso ler nas entrelinhas, toda facilidade
deve ser refletida como algo de acesso adequado raro. Em contrapartida
se têm cada vez mais instituições de ensino com mais e mais conteúdos
práticos (re) produzindo alunos que mais se parecem entre si. Todos que-
rem o que o sujeito ao lado possui, pois assim se ganha aceitação social. Já
vimos a sua importância acima. Recorrendo uma vez mais à Istvan Més-
záros (2008, p. 43), em A educação para além do capital, ele lembra que:

As determinações gerais do capital afetam profundamente cada


âmbito particular com alguma influência na educação, e de forma
nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão
estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não
podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia
com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo.

O capital é forte e sabe provocar afogamentos sociais em massa com


sua poderosa máquina de marketing. E os homens contemporâneos acei-
tam isso como certeza de liberdade, sem se dar conta de que na verdade
estão se tornando servos institucionais. A servidão foi colocada em ou-

363
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

tro patamar, é preciso ter diploma para estar sob o domínio de alguém.
Aceita-se a servidão mercadológica como forma de livrar-se da pobreza
achando que isso é bom. Enxerga-se a condição de servo, isto é, como
dependentes do mercado, que é a personificação do ‘senhor medieval’,
como algo maravilhoso (ROUSSEAU, 2019). É gratificante ser assim.
É admirável estudar para ganhar mais e não para compreender mais, para
refletir mais, ou tampouco se inquietar mais.
A História nunca foi tão importante, pois quase não se observa hoje
em dia. A contemplação está sendo sepultada. Se faz necessário preservar
as teorias sem a sequer remota opinião do capital, para que haja a preserva-
ção de todos tal como são, e como desejam ser. Precisa-se qualificar a hu-
manidade com saberes justos e plurais para a preservação do nosso meio.
O mercado consegue totalizar os seus desejos quando transforma o
ensino em uma grande educação do capital. Este é o maior golpe a ser
dado pelo capital. Um golpe do qual não teremos mais saída, por isso o
tema deve tocar a todos. Este é um golpe que está em curso neste momen-
to. Talvez em estágio avançado, mas ainda há tempo! Um honrado levante
social com humildade, alma, inquietação, criticidade e coração para mu-
dar a forma de internalizar conteúdos, deve estar em pauta. Nossos pro-
fessores devem ser educados para isto, pois ensinarão futuros educadores
com esse propósito. O mundo atual, e a forma instaurada de pensar só
muda através da educação. Logo, uma educação social, plural, com caráter
de preservação e restauração humanitária se faz pertinente. A educação
precisa ser social e libertadora, do contrário não há transformação de in-
ternalização (MÉSZÁROS, 2008).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ensinar socialmente se tornou vital aos educadores, pois este é o


verdadeiro conceito que abrange nossas relações com os outros, e com a
sociedade em que vivemos. E sem a transformação de internalização de
conteúdo continuaremos reféns. Para que seja extensa, e abrace a todos
sem indiferença, a educação precisa ser, antes de qualquer significativo
dote intelectual, social (MÉSZÁROS, 2008). Assim será ampla, contem-
plativa, libertadora e crítico-reflexiva. A mais pura e positiva educação
deriva do olhar humilde e sincero aos mais vulneráveis, às minorias e ao

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meio-ambiente que clama por ajuda. Porém só se discute liberdade quan-


do retiramos da mesa a possibilidade de adquirir mais capital. Só se pauta
a liberdade quando se enforcam as políticas do “less is more”. Tendo isso
mantido no controle, estamos livres, ou seja, o sentido de liberdade está
aprisionado ao controle do capital.
Hannah Arendt (2018, p. 38) flagrou essa transgressão quando escre-
veu Liberdade para ser livre: “Essa nova liberdade, baseada na libertação da
pobreza, mudou tanto o curso quanto o objetivo da revolução. Liberdade,
agora, passou a significar antes de tudo “roupas, alimentos e a reprodução
da espécie”.
Esse doloroso momento da pandemia, onde nem mesmo abraços
consegue-se dar, deve direcionar olhos e pensamentos à educação e o seu
propósito humanitário. Uma educação que se paute pelo social e não pelo
capital, é primordial. Que reflita o bem-estar sociocultural em que se vive
visando a sua valorização. Que abrace as minorias, que respeite a plura-
lidade humana e que em harmonia espante a exclusão educacional. Se
o objeto da História é o homem, então que a abracemos com merecido
destaque. Que lembremos das mazelas passadas com apreço pela mudança
interna, e que recordemos dos triunfos vividos com intuito de melhorar
o futuro. Que a interpretação histórica carregue consigo humildade sufi-
ciente para acolher, incluir e preservar as relações sociais. Uma educação
social coerente parte de princípios assim. Com o vigor e a beleza de uma
flor que nasce no campo.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Liberdade para ser livre. Rio de Janeiro: Bazar do


Tempo, 2018.

BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude: conversas com


Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

BORGES, Vavy Pacheco. O que é História. Rio de Janeiro: Brasiliense,


1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práti-


ca educativa. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

365
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

HARARI, Yuval Noah. Sapiens. São Paulo: Companhia das Letras,


2020.

HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras,


2013.

JENKINS, Keith. A História repensada. São Paulo: Contexto, 2017.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: SP Editora da


UNICAMP, 1990.

MÉSZÁROS, István. A Educação para além do capital. São Paulo:


Boitempo, 2008.

NIETZSCHE, Friedrich. Verdade e mentira no sentido extramoral.


Apresentação por SOBRINHO, Noéli C. M. In: Revista Co-
mum, Rio de Janeiro, v. 6, n. 17, p. 5-23, jul./dez. 2001. Disponível
em <http://imediata.org/asav/nietzsche_verdade_mentira.pdf> Aces-
so em 06 maio 2021.

ROUSSEAU, J.J. O contrato social. Porto Alegre, RS: L&PM, 2019.

366
COGNIÇÃO EM-AÇÃO (ENAÇÃO)
– INTERAÇÕES, MEIO-AMBIENTE E
EDUCAÇÃO NUMA ETNOGRAFIA DO
APRENDIZADO CONJUNTO
Regina Celia Pereira de Moraes45

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta um arcabouço epistemológico que busca inte-


grar os educadores Paulo Freire, Humberto Maturana e Lev Vygotsky,
em busca de uma resposta provisória ao problema de juntar conteúdos dis-
ciplinares à experiência do aluno, seus valores que se constituem na lâm-
pada através da qual ele aprende. O aluno traz o pequeno candelabro e nós
educadores oferecemos os conteúdos das disciplinas. Como juntar narra-
tivas pessoais e sociais com educação? Se não o fizermos ele não aprende.
Mas nós educadores temos este alcance, que não é só pedagógico?
Há uma incerteza Heisenberguiana46 que guia esta busca epistemoló-
gica, e isto não é ruim, pois a finalidade da educação está sendo construída
por vários educadores em suas salas de aula e seus alunos e a mudança
também é matéria-prima para embasar os novos capítulos desta história
chamada Educação.

45 Dra em Eng. de Sist. e Computação (COPPE/UFRJ); Cientista da Informação (IBICT); Ba-


charel em Direito (UERJ); Professora Titular UNICARIOCA.
46 Heisenberg autor da Teoria da Incerteza.

367
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

1. EDUCAÇÃO E APRENDIZADO

1.1. O APRENDIZADO EM PAULO FREIRE E EM


HUMBERTO MATURANA

Paulo Freire (1997) estudou o ciclo do conhecimento, que chamou


de ciclo gnosiológico, e afirmava que, se observarmos o ciclo do conhe-
cimento, podemos perceber dois momentos, e não mais que dois, que se
relacionam dialeticamente. O primeiro momento do ciclo é o momento
da produção de um conhecimento novo, de algo novo. O outro momento
é aquele em que o conhecimento produzido é conhecido ou percebido.
Para Paulo Freire o aprendizado é alavancado pelas condições históricas
de vida do aluno, ou seja, a sociedade é responsável pelos resultados da
Educação.
O ato de aprender se funda nas habilidades cognitivas e enativas que
são desenvolvidas como operadores da razão e da inteligência humanas. A
experiência, a história de cada um, os valores construídos em conjunto em
sociedade, operam com ou sem resiliência a Lógica, a Lógica analítica, a
memória, a abstração, a lógica relacional e todo este conjunto é ao mesmo
tempo produtor da inteligência social e individual e seu extraordinário
produto.
Humberto Maturana chamava este processo de Autopoieses, repre-
sentando nossa capacidade inata (biológica) e nata (experiencial) de nos
construirmos e reconstruirmos a partir das interações a que somos sub-
metidos no meio ambiente.
Em relação à Educação, o aluno sempre desenvolve as habilidades
cognitivas em conjunto com seus colegas, professores e colaboradores na
escola, em casa, em comunidade. O aluno por sua condição de aprendiz,
sofre as consequências de uma educação negligenciada socialmente ou
rica de valores éticos do bem comum.
Paulo Freire chamava este processo de aprendizado na escola de ciclo
gnosiológico (1997, p. 18) e ele dizia que só existem dois momentos nes-
te ciclo: produção do conhecimento e percepção sobre o conhecimento
produzido. Para Paulo Freire (1997, p. 18), na produção do conhecimento
há um processo colaborativo de aprendizado, que é mobilizado a partir da
socialização com outros alunos e num processo de fora para dentro esta-

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mos professores e alunos, em sala de aula aprendendo, ouvindo e falando,


e isto é referente ao plano no qual dá-se a cognição.
O segundo momento de aprendizado segundo Paulo Freire é a Per-
cepção do conhecimento produzido (FREIRE, 1997, p. 18). Pode-se
afirmar que este segundo momento é o que Humberto Maturana chama
de enação, que é o conhecimento produzido em ação, que se desenvol-
ve, numa escala de tempo, a partir de processos reflexivos sobre o que se
aprendeu. A enação é um processo de aprendizado que é mobilizado de
dentro para fora e que se dá a partir da bagagem do aluno, de suas expe-
riências contínuas, conduzindo-o pela estrada do conhecimento sobre os
conteúdos ouvidos na sala de aula e sobre os quais usa uma lente que é feita
do material de suas experiências, um óculo forjado no cadinho do meio
ambiente que o cerca. Veremos adiante neste resumo, que os conceitos de
enação em Maturana, aprendizado em Vygotsky e percepção do conhe-
cimento em Paulo Freire, compõem uma trilogia epistemológica funda-
mental para se entender o processo metafísico do ensino/aprendizado em
sala de aula. Aqui perfilando-nos com estes 3 gigantes da Educação pode-
mos ter a máxima na qual o meio ambiente é cocriador de quem somos.

1.2. A APRENDIZAGEM EM VYGOTSKY E EM MATURANA

Vygotsky (1996) diz que a aprendizagem não é em si mesma, desen-


volvimento, mas uma correta organização da aprendizagem conduz ao
desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvol-
vimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por
isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e univer-
sal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não
naturais, mas formadas historicamente. “[...] todo o processo de aprendi-
zagem é uma fonte de desenvolvimento que ativam numerosos processos,
que não poderiam desenvolver-se por si mesmos sem a aprendizagem”
(VYGOTSKY 2001, p. 87).
Aprendizagem para Vygotsky é a criação do ser social, isto é, “[...] os
indivíduos em suas interações constituem o social, mas o social é o meio
em que esses indivíduos se realizam como indivíduos [...] não há contradi-
ção entre o individual e o social, porque são mutuamente gerativos” (MA-
TURANA, 1997, p. 43). Para Vygotsky aprender é existir como pessoa

369
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

em determinado tempo histórico, carregando o aprendizado como um le-


gado imposto pela sociedade. O aprendizado é construído historicamente
e por outro lado, historicamente constrói as características que ainda não
possuímos – e desta forma, ao longo de centenas e até milhares de anos
este aprendizado é produto e produtor da base biológica neuronal, que
está em construção progressiva (MATURANA, 1997, p. 43).
Para Vygotsky, o contexto social é vetor fundamental no desenvolvi-
mento do ser e nesta medida, cabe ao professor aqui e agora, responder aos
dilemas impostos pela diversidade na sala de aula e na socialização entre
alunos construir reconstruir as habilidades cognitivas, expondo e tornan-
do discutível o contexto histórico no qual dá-se a educação.

2. METODOLOGIA

A metodologia que serve de base a esta magnífica experiência de edu-


car e ser professor ou professora em busca de uma Teoria do Conheci-
mento é qualitativa e se vale da pesquisa ação para enxergar os contornos
da sala de aula presencial ou remota, que se desdobram hoje nas decisões
de ensinar a partir de metodologias ativas como sala invertida, registros
etnográficos, percepção das narrativas individuais ou Roda de Conversas.
Na verdade, no ensino presencial ou remoto a sala de aula e o meio
ambiente estão em um efeito que chamarei de “fita de Moebius”, na qual
é impossível determinar qual é a parte de dentro e qual é a parte de baixo,
a de dentro e a de fora. Com um simples clique, ao dar uma volta completa
horária na sala de aula, alunos e professores dão-se conta de que chegaram
em casa, para o meio ambiente no qual se constroem as narrativas que
fundam a nossa história conjunta.
A pesquisa ação se adequa à sala de aula, pois trata-se de uma autor-
reflexão coletiva, empreendida pelos alunos e professor ou professora, para
melhorar as práticas sociais e educacionais. Aqui pode-se associar o Ciclo
gnosiológico de Paulo Freire, com os seus dois momentos clássicos: Pro-
dução de conhecimento e percepção do conhecimento produzido.
Pode-se afirmar que a pesquisa ação com Rodas de Conversas com os
alunos, em paralelo aos registros etnográficos e a programação curricular e
reflexões pertinentes são altamente produtivos na vida do próprio docen-
te, que também aprende.

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Usando a pesquisa ação no processo de educar e aprender, podem-se


destacar as categorias que busco definir aqui: cognição, educação, enação,
aprendizado, narrativa, meio ambiente.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base na Biologia, Maturana destaca a importância dos aspec-


tos biológicos e os sociais, na perspectiva de que as narrativas individuais
e sociais envolvem a pessoa criando processos internos enativos que se
aprimoram ou se deterioram a partir do meio ambiente e que vão servir
de cadinho para a formação do ser social e fundamentação da educação
escolar. Nenhuma tecnologia digital é capaz de superar o contrato social
de uma sociedade cujas narrativas individuais se fundam na negligência do
ser humano e sua família.

Assim, ao se estudar o que propõe Maturana sobre o ser humano,


é possível identificar não só a importância que atribui aos sistemas
biológicos, mas também uma forte ênfase nos fenômenos sociais,
como elementos preponderantes para o desenvolvimento do in-
divíduo, mostrando que os seres humanos são, ao mesmo tempo,
individuais e sociais, sociais e individuais. Para ele, não existe o
humano fora do social [...] isto é, “[...] os indivíduos em suas in-
terações constituem o social, mas o social é o meio em que esses
indivíduos se realizam como indivíduos [...] não há contradição
entre o individual e o social, porque são mutuamente gerativos”
(MATURANA, 1997, p. 43, apud ROSSETO, 2008).

Voltando a Vygotsky, é preciso compreender que estas aquisições não


naturais provocam no tempo oportuno as grandes mudanças nas bases
biológicas neuronais e dependem do que fazemos hoje, historicamente.
“Nós somos hoje responsáveis pelo futuro mais longínquo da humanida-
de.” (RICOEUR, 1991). Ricoeur47 estabelece a relação entre educação
e narrativa e apresenta as bases que rizomaticamente adensam uma epis-
temologia de pensar a educação como o processo de construção de uma
identidade narrativa.

47 Paul Ricoeur em História e verdade, editado pela Forense em 1968.

371
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Passo a descrever um registro etnográfico do último dia de aula na sala


de aula do TEAMS, em dezembro de 2020.

Era o último dia de aula remota digital e eu estava na plataforma do


Aplicativo sozinha, olhando para a tela o computador e num feito
narcisístico via a minha imagem parada a minha frente. Uma sen-
sação de dever cumprido. Fim de semestre mais um ano do vírus.

Absorta nesses pensamentos ouvi uma voz de aluno:

- Professora que bom que lhe encontrei.

- Ué, mas estou sempre aqui neste dia e hora.

O aluno explicou que não frequentou as aulas, não tinha compu-


tador e estava desempregado. Ele disse:

- Comecei um curso de Direito presencial. Não conheço nada de


informática.

Fiquei ouvindo e ele então contou-me a sua história:

- Moro em Queimados. Ganhei um computador e a amiga da


igreja está me ensinando informática. Eu estou aqui na igreja agora
e entrei na sua aula. Fiquei feliz,

no próximo semestre começarei o meu curso, de verdade!

Fiquei pensado que eu com dois pós-doutorados não consegui fa-


zer o que a amiga da igreja fez. Uma noção de humildade preen-
cheu-me naquele momento, e entendi que a nossa importância se
dá na medida correta da necessidade do outro.

E ele continuou se apresentando ali na interface do computador e


me disse que está construindo a sua casa e como o quarto não tem
porta a gata que teve gatinhos fica a noite inteira no quarto miando
com os nove gatinhos.

- Não posso expulsar e jogar na rua os bichinhos. São tão peque-


ninos.

Falamos mais alguma coisa e fomos embora cada um para “a sua


casa” e eu com a impressão que entre mim e aquele aluno havia um
mundo inteiro a aprender de ambos os lados.

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Podemos dizer que pesquisa ação está na base do estudo etnográfico


da sala de aula e a partir dos registros e da escuta atenta pode-se promover
efeitos de mudança social e pedagógica nos alunos e professor ou professora.

4. CONCLUSÕES

Aprendi, ao longo da trajetória como professora, que educar é ensinar


a ler. Não a tarefa de alfabetização, que é nobilíssima, mas a arte de proces-
sar e desenvolver de forma conjunta a linguagem que percebe e interpreta
a vida. Qualquer que seja a Disciplina, o professor deve estimular a leitura
como capacidade de integrar, perceber e debater. No livro A Arte de ler,
Michelle Petit fala sobre “como resistir à adversidade”. E narra...

Ao longo das histórias, eu podia finalmente falar sobre o que ti-


nha me acontecido [...] como uma coisa que me acontecera em
um passado sem mais atualidade [...] ao me permitir dar um nome
àquilo que foi e que fez com que minha razão fosse embora e por
meio dela, à noite, meu passado, de pesadelo, se transformou em
sonho48. (PETIT, 2009, p. 103).

A partir do desenvolvimento da linguagem e do debate o aluno reto-


ma a habilidade cognitiva e a atividade de construção de sentido e funda-
menta junto com a Disciplina, a reconstrução de si mesmo, em profundos
níveis enativos. A linguagem desenvolvida na leitura cura feridas, cura a
alma e o aluno retoma para si a finalidade da Educação.
Trabalhar a educação a partir dos aspectos colaborativos é fundamen-
tal porque se insere o aluno na vida atual, aqui e agora. O aluno produz
um conhecimento e em meio ao grupo torna-se um indivíduo. É preciso
estimular a reflexão crítica sobre o conhecimento produzido, é urgente
introduzir o pensamento sistêmico na Educação, lidar com o individua-
lismo, a cultura do imediatismo, do egoísmo e desenvolver o apreço pela
justiça. Aqui os resultados são a médio e longo prazo e ligam-se à Educa-
ção integral do aluno como parte de um projeto pedagógico. Finalizo com

48 Michèlle Petit, recordando Júlio, “o jovem colombiano desmobilizado, cuja voz jamais
havia sido ouvida, e que após ouvir algumas histórias, se pôs a falar como não fazia há anos”
(PETIT, 2009, p. 103).

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

o escritor Saramago49 com o “Sineiro de Florença”, que tocava o sino da


igreja sempre que se pressentia a morte da justiça.

[...] é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover


um debate [...] sobre o direito à felicidade e a uma existência digna,
sobre as misérias e as esperanças da humanidade, [...] um por um
e todos juntos. Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma
palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Floren-
ça acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar.
Ouçamo-lo, por favor.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o cotidiano do pro-


fessor. 7ª. Edição. Tradução de Adriana Lopes. Rio de Janeiro: Edi-
tora Paz e Terra. 1997.

PETIT Michèle. A Arte de ler ou como sair da adversidade. São Pau-


lo: Editora 34, 2009.

ROSSETO, Elizabeth. A educação a luz do pensamento de Matu-


rana. Revista “Educação Especial” n. 32, p. 237-246, 2008, Santa
Maria Disponível em: A educação a luz do pensamento de Maturana
| Rossetto | Revista Educação Especial (ufsm.br); https://periodi-
cos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/100.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem.


São Paulo: Martins Fontes, 2001.

49 Texto lido por Saramago no Fórum Social Mundial de 2002.

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A CRISE PANDÊMICA,
O PATRIARCADO E A
INSTRUMENTALIZAÇÃO DOS
CORPOS DAS MULHERES NOS
ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO NA
CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA
Celso Gabatz50

INTRODUÇÃO

A expressão “nossos corpos nos pertencem” tem sido uma das ban-
deiras dos movimentos feministas nas últimas décadas. Esta premissa ex-
pressa a vontade de autonomia das mulheres, de ter desejos e exercê-los
sem o controle dos homens, de sua família, do Estado ou das instituições
religiosas. Ela recobre o questionamento à imposição de padrões de bele-
za, de normas na perspectiva das sexualidades e na reprodução. Aparente-
mente, a mudança de certos paradigmas e a maior presença das mulheres
no âmbito da vida pública, aliada aos avanços tecnológicos, teria feito desta
bandeira uma realidade. No entanto, é preciso questionar se esta situação
é, de fato, algo que se evidencia e impõe na sociedade atual.

50 Professor Colaborador e Pós-Doutorando nas Faculdades EST, São Leopoldo-RS. Doutor


em Ciências Sociais (UNISINOS). Mestre em História (UPF). Pós-Graduado em Ciência da
Religião e Docência no Ensino Superior. Graduado em Sociologia; Teologia e Filosofia.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O que se tem visto nos últimos anos é que as pressões patriarcais, das
instituições religiosas e do Estado, se somam às ofertas e exigências do
mercado. O mercado se apropria de elementos da construção do gênero
feminino, como sua identidade relacionada ao “outro”, num movimento
permanente de tentar agradá-lo. Os meios de comunicação e a publicida-
de, em particular, constroem o imaginário de uma mulher através de um
corpo com padrões estéticos pré-estabelecidos a partir de certas peculiari-
dades de “perfeição” (MUJICA, 2007).
Importa lembrar que a sociedade atual se consolida por meio de
uma ideologia que cimenta relações sociais de poder por conta de uma
clara tendência à naturalização de tudo que envolve a reprodução e a
maternidade. Omitem-se, assim, os custos e o trabalho da reprodução
que são designados às mulheres. É tarefa quase impossível conhecer se
o desejo de uma mulher de ser mãe é uma vontade própria, ou se trata
de satisfazer certas sociabilidades ou vontades da família, do compa-
nheiro, ou ainda, de garantir que alguém cuidará dela na velhice. Estas
e outras motivações têm a ver com as práticas sociais hegemônicas que
a sociedade repercute. Para aqueles que creem e buscam os caminhos
da emancipação humana, é preciso salientar que se trata de uma jor-
nada na qual as mulheres expressam a sua responsabilidade consigo
mesmas, com sua comunidade e com as gerações futuras para que estas
tenham condições e direitos para, de fato, decidir acerca de seu prota-
gonismo no mundo.
O objetivo desta abordagem é, portanto, ampliar o horizon-
te compreensivo acerca de como o patriarcado vinculou as mulheres
à dicotomia do público e privado, assim como consolidou a ideia de
controle e dominação dos corpos das mulheres pelos homens. Con-
vém salientar também nesta perspectiva, os possíveis dilemas éticos em
um contexto de pandemia e os seus desdobramentos no cotidiano das
relações sociais. Quanto à primeira questão, de início, é importante
reforçar que as fronteiras entre público e privado, como lugares social-
mente sexuados, formando as bases do patriarcado, situando homens e
mulheres como socialmente assimétricos. A intenção é divisar, mesmo
que de forma bastante sintética, algumas questões pertinentes ao tema,
sobretudo, em suas implicações no âmbito das sociabilidades contem-
porâneas.

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POSSÍVEIS DILEMAS ÉTICOS NO CONTEXTO DA


PANDEMIA

Vivemos um período complexo e marcado pela insegurança tanto


nas emoções, quanto nas tarefas que costumavam passar despercebidas
e que agora demandam novas estratégias de ação. Talvez a maior com-
plexidade que temos enfrentado esteja em nossos dilemas diários colo-
cados à prova a partir de valores, princípios, escolhas e prioridades. Esse
período é, por óbvio, bastante favorável para o surgimento de dúvidas
que envolvem as tomadas de decisões de todos os atores da sociedade.
Surgem questões acerca de qual o equilíbrio entre a reclusão e uma eco-
nomia mais ativa? Como o sistema público em sua capacidade máxima,
vem escolhendo quem deve ou não receber atenção e internação hospi-
talar? Deve-se priorizar a proteção e direitos dos indivíduos ou podemos
colocá-los em um outro plano em nome de um interesse coletivo? Os
chamados dilemas éticos são moralmente muito complexos, e, em al-
guns momentos, até mesmo insolúveis (SANDEL, 2015).
De forma recorrente, ouve-se falar em um “novo normal”. Trata-
-se de uma expressão que vem sendo repetida exaustivamente durante a
pandemia pelo noticiário, por agentes do mercado financeiro, por alguns
educadores e educadoras. Normal é, na verdade, um adjetivo que em
sua etimologia original, do latim, significa aquilo que remete a algo feito
com esquadros (a maioria talvez nem conheça mais esse instrumento,
mas ele serve para traçar ângulos com maior exatidão). Normal é aquilo
que é feito conforme uma regra ou uma norma, sem defeitos, portanto,
e de acordo com algum ponto de vista anterior. Para que algo seja nor-
mal é preciso ser considerado aceitável por uma maioria.
Anormal, por consequência, seria quem contraria uma maioria
“normal”. A complexidade reside na semântica e também na etimologia
da palavra. O grande problema é que este “normal” é sempre algo que
exclui. Que coloca em evidência um tipo de atitude, de pensamento, de
verdades. Não é difícil perceber, nesta linha de entendimento, que no
Brasil, especialmente nos últimos tempos, a exclusão se acentua como
parte de nossa bagagem cultural, social, e agora também política, ideo-
lógica e ética.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Ailton Krenak, ambientalista e uma das maiores lideranças do mo-


vimento indígena brasileiro, lançou há pouco tempo um pequeno livro
com reflexões feitas a partir de algumas entrevistas que concedeu du-
rante a quarentena. Ele reflete sobre este novo normal e diz algo como
“Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é por-
que não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro”
(HELAL FILHO, 2020). Muitas pessoas estão encarando a quarentena
apenas como algo provisório, o que, convenhamos, até pode ser, mas
não existe na quarentena somente uma suspensão de projetos, atividades
e do calendário.
Olhando para o que Krenak acentua, é preciso perceber que aquilo
que descortinamos como futuro é, em última análise, algo a ser buscado
no presente, pois pode não nem existir a semana que vem, o mês que
vem ou até o ano que vem. Se já era difícil conviver com o presente, cada
vez mais distópico, complicado e cheio de desafios, como lidar com o
fato de o futuro estar em nossas vidas assim, sem aviso? Eis uma questão
complexa com a qual necessitamos conviver.
A dificuldade de qualquer mudança ou paradigma reside no fato
de que muitos de nós ainda pensamos que somos os únicos protagonis-
tas no planeta. Portanto, podemos fazer aquilo que nos parece melhor.
Os dilemas éticos em um contexto extremo intensificam a luta pela so-
brevivência. As reflexões sobre essas questões são importantes, apesar
de dolorosas, e fazem parte do processo que enfrentamos. São elas que
possibilitarão nos conduzir a compreensão de qual é a sociedade que
desejamos ver no futuro (SINGER, 1998).
Talvez seja importante entender uma justaposição feita pelo re-
nomado neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis (2021) que fala de
“pandemia” e “pandemônio” para explicar as duas crises enfrentadas
pela sociedade brasileira a partir do ano passado. De um lado, o alastra-
mento do vírus, com seu potencial “apocalíptico” e, de outro, o agra-
vamento da polarização, da incapacidade para o diálogo, para colocar-se
no lugar do outro. Tão perigoso e intratável quanto a pandemia também
é a ignorância e a desinformação. Do medo mais elementar a uma au-
sência de estrutura no sistema de saúde, soma-se agora a desorientação
cognitiva. Algo que só embaralha, ainda mais, a nossa capacidade de
reagir de forma adequada aos desafios do tempo presente.

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Se estamos comprometidos com a construção de uma sociedade jus-


ta, igualitária e sustentável, nossos parâmetros precisam ser outros além
de capital, produtividade, da renda ou trabalho. Não podemos ser deter-
minados exclusivamente pelas nossas relações econômicas. Precisamos
retomar o contexto amplo das relações sociais e nos valermos de outras
variáveis para estabelecermos novos padrões. Princípios e valores como
a ética, transparência, integridade e respeito devem ser mantidos em
quaisquer que sejam as tomadas de decisões, de maneira que nenhuma
medida consiga melindrar os direitos humanos de cada indivíduo.
No cenário brasileiro, a crise sanitária se soma à crise de governan-
ça, resultando numa situação que produz inúmeras precariedades e vio-
lências. De acordo com o filósofo e pensador feminista espanhol, Paul
Preciado (2020), na pandemia, o lar centraliza a produção, o consumo e
controle biopolítico, antes dividido e disperso em instituições tradicio-
nais como as fábricas, prisões, escolas, hospitais. Sobre a vida nas casas,
lares ou famílias enquanto domínios discursivos que produzem diferen-
tes significações não se podem prescindir de abordar relações de poder,
desigualdades, formas de dependência e vulnerabilidades que seguem
atravessadas por questões de gênero, raça, sexualidade, e outras perspec-
tivas analíticas que ensejam subjetividades.
Para muitas mulheres, o espaço doméstico é truculento, já que é
onde grande parte das agressões físicas, psicológicas, morais, patrimo-
niais e sexuais ocorre (GAGO, 2020). Para algumas, o ambiente da casa
nada tem de pacífico ou seguro, tornando-se, por vezes, um campo de
batalha contra as violências e pela sobrevivência, uma vez que os índices
de homicídio de mulheres apresentam uma alta domesticidade, tanto em
relação ao local onde ocorrem quanto aos meios utilizados (WAILSEL-
FISZ, 2015).
No contexto da pandemia, para algumas mulheres, as relações de
cuidado se misturam de maneira direta, por exemplo, com as rotinas de
trabalho e estudos. Mesmo que estas atividades sejam cansativas, ainda as-
sim, não há como deixar de lado que também estejam permeadas por pri-
vilégios de classe ou raça. A realização de atividades virtuais remuneradas
(home office) representam, para muitas mulheres, uma impossibilidade,
tanto pelo vínculo de trabalho informal ou pela natureza das atividades
exercidas. É preciso sublinhar ainda questões correlatas à exaustão articu-

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ladas com a perda ou diminuição da renda e à impossibilidade de contar


com redes de apoio devido às medidas de distanciamento social.
A questão ética fundamental que a pandemia levanta é quanto ao
valor da vida humana. Para o mercado e o mundo financeiro, parece
bastante óbvia a percepção de que a pandemia é apenas um desafio a
mais que necessita ser superado a despeito do valor da vida. Alguns va-
lores e verdades não são apenas ligados a pandemia, mas, nestes tempos,
parecem ter ficado mais agudos. Prova disso é o descaso humano com
tantas mulheres que necessitam buscar o seu sustento e também de seus
filhos e famílias sem que o poder público e a sociedade, de uma maneira
mais ampla, saiba o nome, a história, seus sonhos.

QUESTÕES CONCEITUAIS E EPISTEMOLÓGICAS NA


PERSPECTIVA DO PATRIARCADO

Com a publicação de O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, em


1949, começou a ser pensada uma nova concepção sobre as mulheres.
Passou-se a refletir acerca do condicionamento à inferioridade a partir de
ficções socialmente construídas. Foi nessa época que sexo passou a ser
entendido como uma característica biológica e, gênero, como uma cons-
trução social. É por isso que se tornou tão famosa a frase “Ninguém nas-
ce mulher; mas, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 2016, p. 11). A frase
é relacionada com a ideia de que não um destino biológico, psíquico ou
econômico que define a forma que a “fêmea humana” se insere no seio
da sociedade.
O que qualifica o feminino é “o conjunto da civilização que elabora
esse produto intermediário entre o macho e o castrado” (BEAUVOIR,
2016, p. 11). Beauvoir enfatizou o debate sobre o sexo e o corpo da mu-
lher. Ela levou para a esfera do público questões que antes se encontravam
restritas ao privado, com discussões temáticas sobre a exploração da mu-
lher por meio da maternidade e do casamento, sobre a violência sexual e o
estupro como engrenagem de manutenção do poder masculino.
Uma contribuição importante nesta direção para ampliar o debate a
partir das questões suscitadas na contemporaneidade é sublinhada por Ju-
dith Butler (2003). Esta autora soube ilustrar de maneira bastante incisiva
o significado dos estudos de gênero ao desenvolver uma teoria de gênero

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enquanto performance. Seu objetivo era, pois, romper com o paradigma


da divisão entre natural e social, sexo e gênero. Para Butler, o gênero não
é apenas uma construção social. Isso significa que a biologia, por exemplo,
também é um discurso que teria sido traçado em determinada época e
com determinados interesses. Assim, o discurso “biológico” tenta confor-
mar a ideia de gênero com a sexualidade e os desejos sexuais.
Dentro desta premissa evidenciada pela pensadora estadunidense, o
sexo feminino, representado pela genitália teria que, em tese, se confor-
mar com o gênero feminino. Caberia às mulheres se portarem de acor-
do com aquilo que a sociedade supõe como valor inerente a elas. Tudo
aquilo que estivesse fora destes parâmetros tidos como “adequados” se-
ria considerado aberração ou anormalidade. Judith Butler questiona estas
diretrizes e, inclusive, coloca em dúvidas os discursos em relação a esta
pretensa normalidade, argumentando sobre a possibilidade de que certos
comportamentos talvez nem teriam como se encaixar em determinados
pressupostos sociais, morais, culturais, religiosos, entre outros.
O controle e a dominação dos corpos e das sexualidades das mulheres
foram significativos e constantes a partir de certas imposições. O feminino
foi encarado como um ser inferior, desempenhando um papel secundário
nas relações sociais. Os corpos e as sexualidades passaram a ser controla-
dos, reprimidos e, portanto, domesticados. Suas atribuições estavam li-
gadas aos espaços domésticos, em grande medida, resumidos ao papel de
cuidar do lar, dos filhos, do marido. Sua integração ou inserção na socie-
dade ocorria através do casamento e da maternidade.

É o medo que explica a ação persecutória em todas as direções,


conduzidas pelo poder político-religioso, na maior parte dos países
da Europa no começo da Idade Moderna. Foi preciso em seguida
chegar aos totalitarismos de direita e esquerda do século XX para
reencontrar – em escala bem maior! – obsessões comparáveis no
escalão dos corpos dirigentes e inquisições de mesmo tipo no nível
dos perseguidos (DELUMEAU, 1989, p. 394).

Com o progressivo aperfeiçoamento e o crescimento de mecanismos


de controle, dominação e repressão dos corpos e das sexualidades, no-
tadamente, das mulheres, ocorre a afirmação de um saber. Os corpos e

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

as sexualidades passam a ser não somente recusados ou reprimidos, mas,


também transformados em objeto de estudo, intolerância coletiva e de in-
tervenção médica e judiciária, com elaborações teóricas, que resultam em
concepções preconceituosas e discriminatórias, associando características
físicas das mulheres com o caráter moral dos indivíduos (AGACINSKI,
1999). Trata-se de acentuar a construção do feminino como um ser infe-
rior, perigoso, desconhecido, diabólico, cujo objetivo era inspirar o medo
e, como consequência, operar o domínio e a repressão de outros setores
da sociedade.

Através de tais discursos multiplicaram-se as condenações judiciá-


rias das perversões menores, anexou-se a irregularidade sexual à
doença mental; da infância à velhice foi definida uma norma do
desenvolvimento sexual e cuidadosamente caracterizados os des-
vios possíveis; organizaram-se controles pedagógicos e tratamentos
médicos; em torno das mínimas fantasias, os moralistas e, também,
sobretudo, os médicos, trouxeram à baila todo o vocabulário enfá-
tico de abominação (FOUCAULT, 1987, p. 37).

Foi através dos discursos construídos neste período que se criou uma
ciência do sexo, cujo principal objetivo era controlá-lo e reprimi-lo através
de técnicas para obter a sujeição dos corpos e o controle das populações.
O poder sobre a vida desenvolveu-se em duas formas principais; no corpo
como máquina: no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na
extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e na do-
cilidade com a integração em sistemas de controle. O segundo, no corpo-
-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do indivíduo como suporte
dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade,
a saúde, a duração da vida e a longevidade (FOUCAULT, 1987, p. 131).
No contexto de uma sociedade em acelerada transformação onde
as relações sociais tornavam-se mais complexas, foi preciso compreen-
der o corpo e o sexo enquanto objetos de disciplina, de regulamentação,
de controle social e de disputa política no âmbito das relações de poder.
Relações construídas sob a ótica do masculino, com base na disciplina
do corpo e na regulação e submissão das sexualidades femininas (LA-
QUEUR, 2001). Convém frisar que no mundo ocidental, os mecanis-

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mos de controle foram modificados para se adequar as novas realidades


vigentes. Os corpos e as sexualidades, a despeito das transformações his-
tóricas, continuam sendo objetos estratégicos para a repressão, o controle
e a domesticação das massas empobrecidas e das minorias sociais. No que
tange especificamente às mulheres, tal controle faz-se mais visível quando
se fala em reprodução, contracepção e, principalmente, do aborto e sua
criminalização.
O processo histórico pelo qual o patriarcado se estabeleceu e se insti-
tucionalizou manifestou-se na organização familiar e nas relações econô-
micas, na instituição de burocracias religiosas e governamentais e também
na mudança das cosmogonias, expressando a supremacia de divindades
masculinas (LERNER, 2019). Em linhas gerais, o patriarcado, conside-
rado uma forma de poder político, significa a manifestação e instituição
da dominação masculina sobre as mulheres em suas mais variadas formas
(PATEMAN, 1993).

OS CORPOS DAS MULHERES NOS ESPAÇOS PÚBLICO


E PRIVADO

No contexto de uma sociedade em transformação, justificava-se com


mais facilidade, a hierarquia de gênero e também a exclusão das mulhe-
res no espaço público. Nesta perspectiva, o fundamento utilizado foi a da
diferença biológica entre os sexos. De acordo com esta premissa, funções
diferenciadas conforme a morfologia sexual e a ideologia da diferença en-
sejavam uma pretensa complementaridade entre os sexos.

Para Rousseau a mulher não seria nem inferior, nem imperfeita,


ao contrário, ela seria perfeita para sua especificidade, dotada de
características biológicas e morais condizentes com as funções ma-
ternas e a vida doméstica, enquanto os homens seriam mais aptos
à vida pública, ao trabalho e às atividades intelectuais (NUNES,
2000, p. 38).

É com base neste entendimento que será legitimada a associação das


mulheres com os afazeres domésticos e a maternidade. Tal compreensão
não estava na contramão dos ideais liberais da época. De acordo com este

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

entendimento, tanto o controle como a domesticação dos corpos e da se-


xualidade não derivava de uma imposição social, mas daquilo que esta-
ria na essência da própria natureza das mulheres (STEARNS, 2012). O
grande paradoxo suscitado pelo pensamento de Rousseau tem a ver com
o fato de que este considerava as mulheres, naturalmente, voltadas para a
passividade e a subordinação, e, ao mesmo tempo, expostas a um projeto
pedagógico para o adestramento e domesticação do feminino.
A construção do feminino no contexto da modernidade foi estabe-
lecida com base na seguinte dicotomia: ou a mulher era associada à figu-
ra da maternidade e do matrimônio, à figura da “santa-mãezinha”, ou à
figura do “agente de satã” (DEL PRIORE, 1993). Este dualismo servia
para separar e distinguir as mulheres puras e saudáveis, das impuras e não
saudáveis, libidinosas, vadias, cujo objetivo último era o controle, a domi-
nação e a repressão.
As mulheres, em muitos momentos, desafiaram meios para prover
certa solidariedade umas com as outras. Eram elas que dominavam as er-
vas medicinais e ajudavam na cura de doenças com sua sabedoria popular.
Algo que, entrementes, era condenado pela Igreja. Ajudavam-se e com-
partilhavam segredos, no combate às enfermidades e nos males femininos.
As doenças da “madre” (útero) eram um mistério para os homens. Ha-
via mulheres que preparavam tratamentos para a esterilidade, corrimen-
tos, dores, sangramentos, abortos e gestações indesejadas (SALLMANN,
2002). As mulheres acabaram por construir uma sociabilidade e uma lin-
guagem próprias, criando laços de solidariedade e amizade em um mundo
dominado pelos homens. Souberam unir-se em diversas situações, parti-
lhando experiências, trocando conselhos, descobrindo segredos, e, qua-
se sempre, arquitetando maneiras para melhor se relacionarem naquele
contexto.
O historiador Ronaldo Vainfas (1986) destaca que a solidariedade tinha
muitos limites, pois o que unia as mulheres era, na maioria das vezes, o desejo
(e a necessidade) de serem amadas ou protegidas pelos homens. Oprimidas,
violadas, cerceadas em sua liberdade, agredidas, abandonadas, traídas, presas a
relacionamentos abusivos, mas, buscando formas de lutar e mudar a sua situa-
ção. A mentalidade da mulher demonizada teve como fundamento o corpo e
a sexualidade feminina que representava um perigo para os homens e para o
todo da sociedade (JULES, 1992). Tais discursos antifeministas e misóginos

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afirmavam que as mulheres tinham uma visão cheia de veneno, sem fé, sem
lei, sem moderação, inconstantes, avarentas, feiticeiras, enganadoras, ambi-
ciosas, vingativas, fingidas, impetuosas, mentirosas.
O pensamento, historicamente construído, nas mais diferentes
épocas, serviu aos mecanismos de controle do corpo e da sexualidade
das mulheres. Fundamentalmente, serviu para a hierarquização entre os
sexos nos mais distintos momentos, satisfazendo os interesses, ora da
igreja, ora dos seguimentos conservadores da sociedade, alcançando e
criando um modelo de dominação e controle das sexualidades, intrinse-
camente ligado à ideia de procriação. Um saber capaz de dizer o que era
verdadeiro e o que era falso quando conectado ao sexo e à reprodução
(FEDERICI, 2017).
É importante perceber que ao longo do tempo foram sendo estabe-
lecidos espaços sociais diferenciados para homens e mulheres. Por isso, o
conceito de gênero é fundamental para compreender o caráter cultural das
distinções. As discriminações de gênero foram assumido diferentes for-
mas, variando conforme os momentos históricos e os lugares, sendo, na
maioria das vezes, justificadas mediante a atribuição de qualidades e traços
de temperamento diferentes para homens e mulheres e também como jus-
tificativas para delimitar espaços de inserção. Dessa maneira, a categoria
gênero oferece possibilidades de análise sobre diferentes experiências que
variam de acordo com as classificações acerca do que possa ser feminino
ou masculino. Gênero é uma categoria de análise e também de transfor-
mação, permitindo ampliar uma compreensão firmada apenas em certo
período. De acordo com a pedagoga, Guacira Lopes Louro:

É preciso recolocar o debate no campo do social, pois é nele que


se constroem e se reproduzem as relações (desiguais) entre os su-
jeitos. As justificativas para as desigualdades precisariam ser busca-
das não nas diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser
compreendidas fora de sua constituição social), mas, sim, nos ar-
ranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da
sociedade, nas formas de representação (LOURO, 2003, p. 22).

Falar de gênero é, portanto, falar de disputas por hegemonia e rela-


ções de poder. As importantes contribuições do sociólogo francês, Pierre

385
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Bourdieu, (2011), por exemplo, investigam diversos aspectos da domina-


ção em uma dimensão do poder que se distancia das abordagens econo-
micistas, particularmente nos esquemas analíticos do funcionamento de
grupos. Pensar as construções sociais a partir da heterossexualidade con-
feriria a um grupo privilégios e poder tornando plausível um arcabouço
teórico e social. Para o autor, os processos e formas de operação simbólica
procedem de transformação das arbitrariedades culturais historicamente
construídas em naturais, ou seja, constituindo determinada lógica indis-
cutível para os atores dominantes.
Para Bourdieu (2011), grupos sociais hegemônicos, de qualquer na-
tureza, exercem e garantem a reprodução de sua posição social e da coe-
são que mantém a sociedade através de um modo de existir, empregando
coerção aos grupos dominados, por processos ideológicos, físicos e eco-
nômicos, a partir da economia das trocas simbólicas e das posições sociais
de quem pode dar e quem precisa receber, tanto em aspectos objetivos
como nos subjetivos das relações sociais. Ao analisar a questão de gênero
na sociedade, este autor retrata a dominação masculina que se consoli-
da enquanto diferença anatômica, também em relação aos órgãos sexuais,
como justificativa para as diferenças de gênero com aquilo que se entende
como sendo parte de um caráter natural, e, portanto, consolidado por
uma leitura socialmente construída por homens dominantes. Ressalta-se
o aspecto mágico que essa forma naturalizada dá aos homens, até mesmo
porque com base na obviedade desenvolvem-se maneiras sistemáticas de
comprovar a lógica da arbitrariedade, sem se questionar o motivo pelo
qual se detêm prestígio no campo simbólico.
Questionar os padrões hegemônicos seria como questionar as condi-
ções sociais que permitem e legitimam o domínio sobre os corpos e sobre
os sexos, sendo importante o entendimento dos fenômenos da vergonha
(corporal e cultural) frente aos modelos de correção. Tem a ver também
com um campo de lutas políticas onde ocorrem disputas entre os domi-
nantes pela apropriação da “energia social acumulada” (BOURDIEU,
2014a, p. 25) em relação à instituição de verdades em concorrência com a
(im)possibilidade de experiências socialmente aceitas.
Utilizando as prerrogativas descritas acima é possível compreender
que ao afirmar a defesa incondicional da família nuclear tradicional e hete-
rossexual, por exemplo, no fundo, o que se está respaldando é uma men-

386
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

sagem que legitime certos representantes políticos frente a um determina-


do público que assimila certas práticas e representações reguladoras tidas
como “naturais”. De igual forma, trata-se ainda de afirmar uma demar-
cação publica de uma posição contra antagonistas ou oponentes, fazendo
prevalecer a importância da repercussão midiática de disputas entre inter-
pretações, em grande medida, religiosas conservadoras, sobre a sexualida-
de e a luta dos movimentos sociais como das mulheres (BIROLI, 2018).
O meio de manifestação e de manutenção de uma pretensa “ordem”
por meio de um discurso dominante compulsório é estruturado e estru-
turante “por meio da imposição mascarada (logo, ignorada como tal) de
sistemas de classificação e de estruturas mentais objetivamente ajustadas às
estruturas sociais” (BOURDIEU, 2007, p. 13). Desta forma, o “parado-
xo” aqui entabulado tem a ver com o fato de que os dominados aceitam
sua condição e a reproduzem, não apenas por não a questionar, mas, tam-
bém, por defender a sua lógica. Esta premissa tem a ver com aquilo que é
enunciado por Paulo Freire, a saber, quando a educação não é libertadora,
o sonho do oprimido é ser o opressor (FREIRE, 2004).
Apresentar-se como a guardião da moral é uma de suas estratégias
para que os discursos hegemônicos sejam recebidos e aceitos por muitas
pessoas, inclusive pelas próprias mulheres. A civilização do controle e do
medo instaurada pelo Cristianismo, associada à repressão do prazer e à
suspeita sobre o sexo é inseparável da desvalorização simbólica e social
(MIGUEL, 2016, p. 590-621). As diferenças biológicas, constantemente
invocadas, validam a atribuição das mulheres à esfera doméstica, reafir-
mando a legitimidade de sua exclusão da esfera pública e reiterando sua
inferioridade social e política (BURGGRAF, 2001).
É necessário defender a igualdade de gênero, mas não a partir de uma
ideologia deturpada disseminada por forças reacionárias. Primordial é a
erradicação das iniquidades de gênero, que fazem uma distinção binária
entre masculino e feminino, relegando o feminino a um plano inferior,
estabelecendo papéis inflexíveis para o masculino e o feminino que apenas
servem para reforçar as desigualdades, muitas vezes originados no patriar-
cado ou em uma “ordem patriarcal de gênero” (SAFIOTTI, 2004, p.
136). Por fim, convém salientar ainda que nenhuma pessoa deveria ser
compreendida como tábula rasa. Alguém que somente reproduz aquilo
que escuta. Na retórica da afirmação de dispositivos hegemônicos se su-

387
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

bestima a capacidade do outro pensar por conta própria e desenvolver o


seu raciocínio autônomo a partir das experiências vivenciadas em sua his-
tória e em seu cotidiano (BENTO, 2011, p. 549-559).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta abordagem evidenciou como os discursos patriarcais hegemôni-


cos repercutem e incidem sobre a invisibilidade das mulheres no decorrer
da história, tanto na perspectiva da violência simbólica, das sexualidades e
maternidade compulsórias, bem como, nas questões relativas aos corpos.
Percebeu-se a necessidade de ampliar o horizonte crítico e compreensivo
sobre as lutas das mulheres nos espaços públicos e privados e, ao mesmo
tempo, atentar para as controvérsias com as possíveis articulações para a
supressão de certas liberdades individuais e coletivas alicerçadas pelas pre-
missas patriarcais hegemônicas e que interferem nos processos de sociali-
zação para uma convivência na dimensão da alteridade, equidade, diversi-
dade, pluralidade e democracia.
As mulheres, a partir de sua percepção acerca da realidade e do lu-
gar que lhes foi atribuído e das obrigações impostas, tem buscado rei-
vindicar o seu protagonismo por meio do reconhecimento sobre o seu
lugar no mundo para além de qualquer premissa hegemônica, hierárqui-
ca, cultural ou moral. Trata-se de perceber, sobretudo, as necessidades
conjunturais segundo um ideário de direitos que possa permitir o pleno
exercício da cidadania e de uma agenda na qual se afirme a luta contra
muitas bandeiras como as questões relativas à sexualidade, maternidade
voluntária, violência doméstica, aliadas às reivindicações culturais, polí-
ticas, religiosas e sociais, que permitam outro entendimento acerca dos
próprios corpos.
As conquistas e a afirmação do protagonismo das mulheres sem-
pre tiveram relação estreita com certas peculiaridades históricas en-
tranhadas no cotidiano das relações sociais. Ultrapassar os limites que
foram sendo consolidados ao longo dos tempos requer sabedoria, re-
siliência, discernimento e capacidade para romper as cadeias que são
continuamente exacerbadas e que (de) limitam as possibilidades das
mulheres de se abrirem para novas formas de pensar, sentir e ser no
mundo.

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

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391
PAULO FREIRE EM TEMPOS DE
FAKE NEWS: UMA ABORDAGEM
NECESSÁRIA
Tiago Zanquêta de Souza51

PALAVRAS INICIAIS52

Esta reflexão é fruto de um projeto de pesquisa em andamento, vin-


culado ao grupo de pesquisa Formação Docente, Direito de Aprender
e Práticas Pedagógicas – FORDAPP, da Universidade de Uberaba, que
tem por foco discutir a resistência propositiva popular em Paulo Freire, como
possibilidade de reinventar a educação e a escola, para a ética, para a con-
vivência dialógico-crítica, para a esperança e para a humanização.
Trago como como objetivo problematizar a escola e a educação como
prática da liberdade, na busca pela humanização de homens e mulheres
e pela primazia do sonho e da esperança, na utopia pelo ser mais. Tendo
em vista os diferentes ataques de fake news à escola, a Paulo Freire, patro-
no da educação brasileira, à educação e à comunicação nos últimos três
anos, faz-se necessário fomentar o debate sobre os desafios inerentes a esse
contexto, à luz da educomunicação, com a finalidade de lutar, incessante-

51 Universidade de Uberaba (Uniube).


52 Este texto foi originalmente publicado no IV Congresso Internacional Salesiano de Edu-
cação – CONISE, entre 26 e 28 de setembro de 2019. E foi revisado e aperfeiçoado para esta
publicação.

392
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

mente, por uma educação e comunicação emancipadoras e para o fortale-


cimento da democracia.

A EDUCAÇÃO E A ESCOLA EM TEMPOS DE FAKE NEWS

Segundo Ladislau Dowbor (2013), a educação, sob o prisma do neo-


liberalismo, é um importante instrumento destinado à adequação de ho-
mens e mulheres para o mundo do trabalho, de modo a discipliná-los/as
por meio dos conhecimentos técnicos, para que possam “obter sucesso”
na vida, inserindo-os/as num contexto egoísta, competitivo e desumani-
zador. O caráter vantajoso oriundo dessa visão de mundo seria capaz de
garantir o reconhecimento profissional e a remuneração. De certo modo,
a educação vem cumprindo um papel de “trampolim” para a vida que se-
gue depois da escola, o que configura um caráter reducionista e de opres-
são em relação à sua real função social, uma vez que “a criança é uma
realidade presente, não um projeto” (DOWBOR, 2013, p.5).

Este paradigma de trampolim para o sucesso, amplamente domi-


nante, gerou outra visão, contestadora, que tenta assegurar à edu-
cação uma autonomia que lhe permita centrar-se nos valores hu-
manos, na formação do cidadão, na visão crítica e criativa, menos
utilitarista, e mais rica na própria dinâmica de apropriação do
conhecimento e de convívio social escolar (DOWBOR, 2013,
p. 5 – grifo nosso).

A apropriação e a produção do conhecimento são vitais para as pes-


soas especialmente em tempos de fake news. Impõe-se à educação e, por
consequência, à escola, a seguinte questão: como lidar com a invasão de
fake news (em escala mundial)? Primeiramente, é necessário reconhecer
que, hoje, o conhecimento é muito mais importante, pois é o principal
fator de produção. Segundo, porque há uma conectividade planetária.

O acervo de conhecimentos de toda a humanidade é transforma-


do num gigantesco sistema de vasos comunicantes [...]. Inclusive,
naturalmente, os órgãos de segurança como o NSA americano,
através dos organizadores de informações pessoais como o Face-

393
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

book, Google53 e grandes empresas de telefonia. Ferramentas mais


poderosas podem ser utilizadas para o bem e para o mal, são apenas
mais poderosas (DOWBOR, 2013, p. 12).

Entretanto, tais ferramentas estão a serviço da lógica opressora, do-


minadora e excludente, que seleciona saberes e conhecimentos que serão
divulgados. Disso decorre a luta pelo acesso livre e gratuito à internet,
de modo a gerar sistemas colaborativos entre escolas e universidades, na
busca pelo fortalecimento da generalização de todas as formas de conhe-
cimento, pois a mesma base que serve à perversidade pode ser usada para
o benefício das populações afetadas por esta perversidade.

DA EDUCAÇÃO IMEDIATISTA À EDUCAÇÃO COMO


PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO: A PERSPECTIVA DA
EDUCOMUNICAÇÃO

Pensar a produção do conhecimento por meio de uma rede colabora-


tiva, na perspectiva dos oprimidos, dominados, subjugados, injustiçados,
como considerava Paulo Freire (2005), pressupõe a luta contra a educação
“bancária”, que condena o homem e a mulher a serem menos. É justa-
mente pelo fato de Paulo Freire protagonizar a luta pela humanização, que
ele também é alvo de forte ataque das fake news.
Tal contexto remete à análise dos três modelos de educação conce-
bidos por Juan Enrique Díaz Bordenave (1989) e problematizados por
Mário Kaplún (2002), que ainda hoje estão em disputa. 1) A educação com
ênfase nos conteúdos: aquela que caracteriza a educação “bancária” (FREI-
RE, 2005), ou seja, é uma educação centrada na transmissão do conheci-
mento. Para Kaplún (2002), se existe educação “bancária”, existe também
comunicação “bancária”. 2) A educação com ênfase nos efeitos: que reside em
“moldar” as pessoas, seu caráter, sua conduta, sua moral, seus valores, para

53 Trata-se do GAFAM, que é o acrônimo das empresas estadunidenses Google, Apple, Fa-
cebook, Amazon e Microsoft, nascidas nos últimos anos do século XX ou início do século
XXI, que dominam o mercado digital. Esse grupo controla as ações humanas, o tempo e o
espaço, invade a privacidade, apropria e vende as informações “roubadas”, especialmente
ao capital mercadológico e político, segundo os seus interesses, que estão intimamente
associados à manutenção do status quo.

394
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

atingir objetivos específicos traçados por quem planeja a educação, ou seja,


pela classe dominante. Nesse sentido, para Kaplún (2002), a comunicação
é “persuasiva”, enquanto para Freire (2005), a educação é domesticadora
e, portanto, não emancipatória. 3) A educação com ênfase no processo: aquela
que transcende o saber e o fazer, ou seja, propõe o desenvolvimento de
homens e mulheres por meio da práxis, de modo a se posicionarem cri-
ticamente em relação àquilo que fazem, pensam, sentem, promovendo o
desenvolvimento das suas capacidades cognitivo-intelectuais, despertan-
do-os/as para a conscientização, com vistas à libertação, para lerem a si
mesmos/as e ao mundo (FREIRE, 2005). Desse último modelo decorre
a educomunicação.

Em primeiro lugar, quando fazemos comunicação educativa esta-


mos sempre buscando, de uma forma ou de outra, um resultado
formativo. Dizemos que produzimos nossas mensagens “para que
os destinatários tomem consciência de sua realidade”, ou “para sus-
citar uma reflexão”, ou “para gerar uma discussão”. Concebemos,
pois, os meios de comunicação que realizamos como instrumentos
para uma Educação Popular, como alimentadores de um processo
educativo transformador (KAPLÙN, 2002, p. 15; tradução nossa).

É por fazer a defesa de uma educação contra a desumanização, a favor


da conscientização, que Paulo Freire, a escola e a educação tem sido alvos
de constantes ataques de Fake News. Nesse sentido, o trabalho de Kaplún
(2002), por meio da educomunicação, incita o trabalho pedagógico que
eduque para lidar com a mídia, pois, quem produz Fake News são aqueles/
as que possuem uma visão imediatista de mundo, que olha para os efeitos
de se estudar conteúdos, a fim de reproduzir e agravar o quadro de desi-
gualdade e injustiça social vigentes.

CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS: POR UMA


EDUCAÇÃO PARA A ÉTICA, PARA A CONVIVÊNCIA
DIALÓGICO-CRÍTICA, PARA A ESPERANÇA E PARA A
HUMANIZAÇÃO

Segundo Dussel (1986) é fora do projeto de dominação epistemológi-


ca que o pobre, oprimido, dominado, excluído ou vítima busca sua liber-

395
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

tação. Dussel (1997) coloca que a libertação acontece a partir da realidade


da vida, ou seja, do plano prático-produtivo, das condições materiais que
a efetivam.
Como possibilidade de superação dessa realidade, a educação popular,
em sua práxis, fora ou dentro dos contextos escolares, vai primar pela de-
mocratização do ensino, pela ética, na luta pela inclusão social e pela valo-
rização do saber popular, por meio do diálogo, na convivência, o que por
excelência, implica buscar permanentemente a criação coletiva, dialética e
dialógica (FREIRE, 2000; SOUZA; MELO, 2019).
O importante na educação e comunicação libertadoras, então, para
Freire (2008) e Kaplún (2002), é que mulheres e homens se sintam sujei-
tos de seu pensar, discutindo o que pensam, sua própria visão de mundo,
manifestada explícita ou implicitamente nas suas sugestões e nas de seus
companheiros. É convocar à pesquisa, à investigação-ação que liberta,
desperta a esperança, alimenta o sonho e estimula a prática da resistência
como um caminho possível para a emancipação de homens e mulheres,
pelo fortalecimento da democracia e por uma educação na diversidade
para a cidadania (SOUZA; OLIVEIRA, 2018).

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397
O TOPOCÍDIO E O ESVAZIAMENTO
DAS MEMÓRIAS AFETIVAS:
AGRAVAMENTOS E REPERCUSSÕES
EM FACE DA PANDEMIA DA
COVID-19
José Roberto Limas da Silva54

INTRODUÇÃO

A necessidade de pensar sobre o estilo de vida contemporâneo, com


sua agenda estressante e demandas urgentes, exige que reconsideremos
alguns conceitos estabelecidos. Nesse sentido, a relação entre lugar e tem-
po tem sido totalmente reformulada na nossa prática cotidiana, mas ainda
nos valemos de uma compreensão teórica ultrapassada acerca dessa re-
lação. Assim, quando se busca estabelecer uma teia de relações entre o
lugar, o tempo e o ser humano, faz-se necessário admitir que o ser hu-
mano “somente pode estabelecer raízes profundas em uma pequena parte
do mundo” (TUAN, 1980, p. 115), que chamamos de lugar. Esse espaço
sempre evocará a subjetividade do indivíduo, pois desperta sentimentos,
emoções e memórias que estão adormecidos em seu interior. Percebe-se,
frequentemente, que “a esperança das pessoas gira em torno de determi-

54 Mestre em Ciências da Religião, bacharel em Geografia/UFMG, graduando em Filosofia


pela UNINTER, doutorando em Teologia pela Faculdades EST em São Leopoldo/RS, bolsista
da CAPES/PROSUC.

398
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

nados lugares carregados de histórias e símbolos” (BONNEMAISON,


2002, p. 108).
Entrementes, a recente reclusão social exigida pelo agravamento da
pandemia da Covid-19 realçou algumas anomalias que estavam presen-
tes na vida comunitária, mas que, efetivamente, não eram pensadas nem
dimensionadas. Uma dessas anomalias que se percebeu foi o processo de
esvaziamento de significado dos lugares afetivos, que denominamos, aqui,
de morte dos lugares afetivos (topocídio afetivo).
Dessa forma, antes de adentrar a discussão sobre o fenômeno recente
da morte dos lugares afetivos, deve-se, primeiramente, caracterizar a re-
lação espaço, tempo e ser humano, partindo-se da categoria geográfica,
chamada de lugar, que é o espaço das vivências. Assim sendo, a análise
da categoria lugar, aparentemente, só apresenta viabilidade a partir do in-
divíduo, haja vista que essa espacialidade é estruturada no encontro com
o ser humano. Não obstante, isso não deve pressupor que os lugares são
criações do sujeito, devendo, porém, ser considerados como espaços locais
que “possuem características próprias” (ROCHA, 2008, p. 135), ou seja,
que têm existência real, seja no plano material, seja no cultural. Eviden-
temente que o lugar tem existência própria, seja o lar, a rua, o bairro, ou
a cidade, mas estes lugares só ganham cores, sentido e significado a partir
das relações de afeto que o sujeito trava com essa espacialidade, ou seja,
seus sentimentos pintam e dão o colorido àquele espaço.
Assim, a descoberta do sujeito, das coisas e dos demais seres parte
da categoria chamada lugar, porque é essa espacialidade recortada que
organiza e dimensiona o espaço, à medida que ela (o lugar) representa
uma fragmentação desse espaço. Dessa maneira, a ideia de que pode-
mos compreender o mundo e as coisas abstraindo os objetos do espa-
ço, ignorando seu lócus, suas relações e suas essências individuais, tem
demonstrado ser um grande equívoco, pois quando falamos de lugares,
estamos falando da significação do espaço para cada indivíduo, por isso
não parece possível explicar o espaço, a vida, os objetos e as relações se-
não a partir do indivíduo.
Não obstante a preeminência do lugar na compreensão do ser hu-
mano, não deve ser esquecido que o espaço (lugar) é estruturado e co-
nhecido na escala do tempo, pois a espacialidade se manifesta numa
temporalidade. Nesse sentido, a agenda humana só é possível em certo

399
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

lugar, dentro de um período e, por isso, a atividade humana é refém do


lugar e do tempo, pois, nossas relações são mediadas ininterruptamente
por essas duas instâncias.
Diante disso, o indivíduo está continuamente sujeito ao tempo e ao
espaço. Ademais a ideia de uma topofilia55 só é possível a partir do lugar,
pois ela (a topofilia) exige um “tamanho compacto, reduzido às neces-
sidades biológicas do homem e as capacidades limitadas dos sentidos”
(TUAN, 1980, p. 117), uma vez que os seres humanos, normalmente, só
estabelecem relações de afeto com aquilo que vivenciam e experienciam.

1. CONCEITO DE LUGAR NA CONTEMPORANEIDADE

Quando se pensa no conceito de lugar, faz-se necessário considerar


os modernos arranjos espaciais, bem como o fato de que o ser humano
contemporâneo é dinâmico e desloca grandes distâncias em curto espaço
de tempo. Essa é uma questão complexa para o estabelecimento de um
conceito de lugar, uma vez que “a situação de um homem supõe um espa-
ço onde ele se move; um conjunto de relações e de trocas e distâncias que
fixam de algum modo o lugar de sua existência” (DARDEL, 2011, p. 14).
Mas, diante desta intensa mobilidade humana, torna-se inadiável avançar
na compreensão de lugar, não o vendo apenas como um local estático,
mas como um espaço móvel e dinâmico.
Nessa empreitada de libertar o lugar da condição estática/locacional e
atribuir a ele significado translocal, é preciso tomar o cuidado de não es-
quecer que o lugar é o ancoradouro das experiências, ou seja, “o lugar en-
carna as experiências e aspirações das pessoas” (HOLZER, 1999, p. 70).
Dessa forma, não parece apropriado reduzir o lugar a uma subjetivação,
matando o seu aspecto físico/local, pois o lugar materializa as memórias.
Considerando que o lugar é o substrato das experiências e não a ex-
periência em si, logo ele é o espaço/mundo das vivências.56 E se não é
possível reduzir o local às vivências e experiências, há de se convir que
as experiências e vivências no mundo contemporâneo se manifestam em
espaços variados, fragmentados e distanciados, como é o caso das pessoas

55 Topos e filos, na língua grega, significam respectivamente, lugar e amor/afeição).


56 Filósofos, como Husserl, usam a expressão mundo das vivências, com o sentido de lugar
das experiências, do vivido, do experimentado.

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que moram nas grandes metrópoles brasileiras. Sabe-se, por exemplo que,
no decurso de um ano, “o paulistano passa, em média, o equivalente a um
mês e meio parado no trânsito” (DIÓGENES, 2019).
Atualmente, a ideia de lugar como um local estático está limitada às
pessoas que moram em cidades pequenas e aos grupos que pertencem às
sociedades tradicionais que preservam a paisagem física e os costumes pas-
sados. Essa população é, ainda, a depositária de memórias que são evoca-
das através da preservação daquele espaço. Cidades históricas e patrimônios
culturais preservados são exemplos clássicos desta ideia de lugares estáticos.
Admitindo, ainda, que o lugar não é um espaço amorfo, uma vez que
ele materializa um espaço significativo, sagrado e emblemático, este mes-
mo lugar, na atualidade, é concebido qualitativamente e não pelas coorde-
nadas geográficas. Assim, todo lugar é sagrado/significativo quando ele é o
substrato das vivências relevantes para a vida humana (trabalho, lar, lazer,
culto etc). A espacialidade física continua sendo essencial, entretanto o
lugar se torna significativo pela experiência vivida, porque são “as pessoas
que lhe dão significado” (HOLZER, 1999, p. 70), e não a sacralidade ou
o simbolismo próprio do lugar.
Nesse sentido, essa é uma experiência recente da humanidade, pois
na antiguidade o valor e a importância do lugar eram baseados na sacra-
lidade inerente àquele espaço. Por conseguinte, as sociedades se organi-
zavam em torno de um estatuto simbólico, ou seja, o lugar escolhido por
determinada população era considerado diferente, especial, sagrado em
relação ao entorno espacial. Essa experiência era chamada de hierofania,
onde “uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um ter-
ritório do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferen-
te” (ELIADE, 2010, p. 30).
Nessa perspectiva, o estilo de vida contemporâneo não deixa de ser
uma proposta de dessacralização e deslocamento do lugar, possibilitando
inclusive a morte ou desconstrução desse espaço (topocídio). Tal fenômeno,
de alguma forma, amplia ou, eventualmente, ressignifica o conceito de
lugar, na atualidade, pois os lugares das vivências significativas passam a
ser arquipélagos de uma mesma espacialidade simbólica, um verdadei-
ro mundo das vivências57. Grosseiramente, a soma dos microlugares sig-

57 Lebenswelt na língua Alemã, berço do existencialismo fenomenológico de Husserl e Hei-


degger.

401
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

nificativos (escola, igreja, família, trabalho etc.) produz um macrolugar


afetivo/simbólico. Nesse entendimento, admite-se que “todos os lugares
são pequenos mundos” (HOLZER, 1999, p. 70) significativos, ou seja,
dotados de sentido.
A questão mais inquietante, nessa consideração, é que houve um le-
gado histórico da antiguidade e da modernidade iluminista58 em que se
admite o lugar estático como elemento principal na construção das me-
mórias vivenciadas. Dessa forma, o lugar representava um baú de expe-
riências, à medida que desencadeava as lembranças e portava o passado
enquanto tecia o presente. Diante disso, a contemporaneidade gera uma
ruptura com esse processo mnemônico,59 relativizando a importância do
lugar físico/estático na construção das lembranças.
Esse cenário vivenciado pelo ser humano da contemporaneidade gera
nele um esforço em criar uma configuração sistêmica do lugar, uma vez
que o indivíduo se encontra deslocado e desconexo da realidade histó-
rica passada, manifestando um comportamento “disperso e alienado de
qualquer totalidade possível” (OLIVEIRA, 2005, p. 18). Dessa forma, as
experiências dispersas e fragmentadas do indivíduo são alocadas e organi-
zadas em microlugares,60 numa tentativa de estruturação de seu mundo
particular, construindo, assim, uma teia ordenada de sentidos. O indi-
víduo passa a portar em si mesmo, de forma sistêmica, a memória de di-
versos lugares, sendo que essas memórias estão diluídas em espacialidades
significativas.
Esta atitude de desconexão com lugares específicos e estáticos gera
certo desnorteamento do ser humano, tendo em vista que os lugares
físicos vão perdendo sua força de aglutinação e de geração de senti-
mento comunitário. O sujeito contemporâneo perde, diariamente, a
afeição pela vida comunitária, uma vez que a contemporaneidade, em

58 Em termos históricos e, de forma simplificada, admitiremos modernidade iluminista


como o período entre o século XVIII e meados do século XX, sendo que, a partir do fim da
segunda guerra mundial, podemos pensar em uma modernidade tardia ou uma contempo-
raneidade ou, ainda, como dizem alguns pesquisadores, uma pós-modernidade.
59 Diz respeito às técnicas usadas para gerar memorização.
60 Adotamos a palavra microlugar, pois há um consenso mínimo para essa forma de gra-
fá-la. Usamos o termo para definir espacialidades físicas flutuantes, ou seja, não estáticas.
Este microlugar pode ser o lar, a igreja, o trabalho etc.

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face da globalização, parece ter acelerado o processo de ruptura do


indivíduo com seus lugares de origem. De certa forma, parece óbvio
que a globalização produziu comunhão em torno de uma parafernália
tecnológica, mas distanciamento entre indivíduos que estão espalhados
em lugares fluidos.

2. A MORTE DOS LUGARES AFETIVOS (TOPOCÍDIO) NA


ATUALIDADE

Antes de mais nada, importa dizermos o que significa o termo grego


topocídio, pois ele revela na sua composição a presença de dois radicais gre-
gos (topos – cídio), sendo que topos significa lugar e cídio, morte. Assim sen-
do, seu claro sentido é a morte do lugar. Esse conceito pode ser entendido
como o “contínuo processo de degradação ou aniquilação deliberada de
lugares, paisagens naturais ou construídas ou monumentos valorizados”
(AMORIM FILHO, 1996, p. 142).
Portanto, o topocídio afetivo significa, por extensão, a destruição/mor-
te dos lugares de referência afetiva. Esse fenômeno está relacionado com
o esvaziamento emocional de determinadas espacialidades que perderam
sua relevância afetiva. Tal situação ganhou contornos dramáticos nesse
período de Pandemia da Covid- 19, em que os membros da família se
recolheram ao ambiente doméstico, sendo que a cessação das atividades
comerciais, profissionais e estudantis trouxe todos para a mesma espacia-
lidade (o lar). Assim, o que poderia, num primeiro momento, ser motivo
de celebração, comunhão e partilha se tornou um verdadeiro tormento
para muitas famílias61. Aparentemente, o isolamento social está revelan-
do que a convivência no ambiente familiar sofreu grandes mudanças ao
longo dos últimos anos. Claramente, percebe-se que “conflitos e ruptu-
ras irrompem nessa convivência forçada (ainda que mediada pelas novas
tecnologias de comunicação) devido ao dever moral dos familiares frente

61 Após quase 90 dias de isolamento social, “o que parecia ser a oportunidade ideal para
fortalecer relações, em muitas famílias foi um fator para o aparecimento de conflitos”. A
afirmação é da psicóloga Carla Guanaes Lorenzi, professora do Departamento de Psicologia
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Disponível
em: https://jornal.usp.br/atualidades/ isolamento-social-prolongado-pode-causar-conflitos-
-familiares/. Acesso em: 30 abr. 2021.

403
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ao ente dependente” (HEILBORN, 2020, p. 4) e esse comportamento é


bastante significativo quando se observa a baixa motivação dos mais jovens
para cuidar dos entes queridos mais frágeis.
Para entender esse contexto inusitado, faz-se necessário analisar o
processo de construção, ou melhor, de desconstrução do lugar chamado
lar/casa. Percebe-se que

[...] o vivido perdeu seu sentido no cotidiano e com ele os lugares


são mais desconstruídos do que construídos. O ser humano não
tem tempo para estar (ser) no espaço, mas sim para produzir dentro
deste que já não é símbolo de liberdade, mas sim de prisão e maté-
ria de produção (STURZA, 2005, p. 33).

Esse processo de esvaziamento afetivo do lar parece apontar para uma


complexidade maior, que extrapola o ambiente familiar e exige uma com-
preensão mais abrangente do tema. Sendo assim, a fim de termos uma
compreensão mais detalhada e sistêmica, vamos analisar a relação que
existe entre três conceitos ligados à geografia do lugar: Topofilia, Topofobia
e Topocídio. Dessa forma, poderemos compreender o processo de descons-
trução e esvaziamento de sentido dos lugares afetivos, sobretudo porque
ele não acontece espontaneamente, mas de acordo com a relação estabele-
cida entre ser humano e espaço vivido (lugar).
Começando com a Topofilia, percebemos que, como demonstram os
dois radicais gregos (Topos e Filia), o termo significa amor/afeição por lu-
gares, e, nesse contexto, lugar precisa ser entendido como algo de um “ta-
manho compacto, reduzido às necessidades biológicas do homem e às ca-
pacidades limitadas dos sentidos” (TUAN, 1980, p. 117). Assim, o lugar é
do tamanho da percepção das pessoas, sendo um espaço que deixa marcas
em suas memórias, funcionando como um repositório de lembranças da
terra natal, das brincadeiras na infância, e de outros ambientes agradáveis.
Esse apego aos lugares (Topofilia) confere sentimento de pertencimento e
forja parte de nossa identidade. Nesse sentido, um dos lugares mais mar-
cantes, na estruturação de nossas memórias, é o ambiente familiar, pois
“o lugar é onde estão os homens juntos, sentindo, vivendo, pensando e
emocionando-se” (ARROYO, 1996, p. 56).

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A topofilia, por conseguinte, precisa ser compreendida numa perspec-


tiva mais abrangente e complexa, como Tuan nos propõe, ao definir o
termo:

A palavra “topofilia” é um neologismo, útil quando pode ser defi-


nida em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres
humanos com o meio ambiente material. Estes diferem profunda-
mente em intensidade, sutileza e modo de expressão. A resposta ao
meio ambiente pode ser basicamente estética: em seguida, pode
variar do efêmero prazer que se tem de uma vista, até a sensação
de beleza, igualmente fugaz, mas muito mais intensa, que é subi-
tamente revelada. A resposta pode ser tátil: o deleite ao sentir o
ar, água, terra. Mais permanentes e mais difíceis de expressar, são
os sentimentos que temos para com um lugar, por ser o lar, o lócus
de reminiscências e o meio de se ganhar a vida (sublinhado nosso)
(TUAN, 1980, p. 107).

Dessa forma, a topofilia é uma construção afetiva, que é forjada pelos


sentidos (táctil) e pela subjetividade do indivíduo (sentimentos), confe-
rindo um sentido mais complexo, pois a relação com o ambiente não é
somente uma abstração, mas uma experiência sensorial, e isso traz grandes
implicações para o estilo de vida contemporâneo, uma vez que “o contato
físico com o próprio meio ambiente natural é cada vez mais indireto e
limitado à ocasiões especiais. Fora da decrescente população rural, o en-
volvimento do homem tecnológico com a natureza é mais recreacional do
que vocacional” (TUAN, 1980, p. 110).
Analisando, agora, o conceito de topofobia, percebemos que “a topofo-
bia, ainda pouco explorada pelos estudos geográficos, é a aversão ao lugar,
traduzido também nas paisagens do medo, que são objetos de repulsão”
(STURZA, 2005, p. 37). Logo, a topofobia é um processo de estranha-
mento e de rejeição daquele ambiente, em termos afetivos. Assim, esse
sentimento de aversão surge, normalmente, “quando os lugares são feios e
desagradáveis para as pessoas” (STURZA, 2005, p. 37). Observa-se que
a topofobia se desenvolve na ausência de um prazer estético e afetivo para
com determinado lugar, e esse aspecto se torna muito significativo quan-
do se pensa no esvaziamento afetivo do ambiente familiar, onde a casa/lar,

405
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

historicamente, era reconhecida como o ambiente que “dá a segurança e


a satisfação do enraizamento pelo qual o homem se fixa, fica tranquilo e
abrigado, descansa, enfim vive” (STURZA, 2005, p. 30). Portanto, o lar
parece ter sido negativamente ressignificado, uma vez que se tornou am-
biente de conflitos e receios. Dessa forma, a falta de segurança impede que
o sentimento de topofilia se desenvolva, abrindo espaço para o sentimento
inverso, o de topofobia (TUAN, 2005).
Esse processo topofóbico, enquanto indicativo de ausência e de falta de
partilha e cuidados no ambiente do lar/família, tem gerado um sentimento
de antipatia, de conflito e de aversão. Por conseguinte, o lar tem deixado
de ser uma finalidade, um objetivo, mas sim um meio, um intermediário
nas vivências diárias. Assim, os membros da família preferem se encontrar
e se divertir em lugares fluidos como shoppings, parques de diversão, ci-
nemas etc.
Considerando, agora, o conceito de topocídio, entendemos que ele sig-
nifica a morte dos lugares, a remoção desses ambientes da paisagem. Uma
situação que exemplifica bem a ideia de topocídio é a remoção de popula-
ções autóctones de seus territórios para a realização de empreendimentos
industriais e comerciais. Normalmente, esse “processo de topocídio é im-
plantado suavemente, sem que a população o perceba, ou pode ocorrer
de forma rápida, quando as pessoas têm o cotidiano e o modo de vida
interrompido, como tem ocorrido com grandes projetos hidrelétricos em
nosso país” (STURZA, 2005, p. 38).
Analisando a terminologia topocídio emocional, pode ser dito que ele é
basicamente o abandono definitivo de um ambiente (lugar) afetivo, con-
denando-o a extinção. Consequentemente, o lar/família corre o risco de
perder sua condição de lugar de aconchego, cuidados, partilhas e amores,
em face de seu esvaziamento afetivo decorrente de vários fatores, e, sobre-
tudo, pelo distanciamento dos membros familiares. Tal situação se deve,
especialmente, ao longo período de afastamento do lar em decorrência das
demandas educacionais e profissionais próprias do modelo capitalista de
produção e consumo em que a sociedade ocidental está inserida. As im-
plicações deste processo de topocídio merecem atenção especial, sobretudo
porque “é a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo, materiais
necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes [...] e
onde se aprofundam os laços de solidariedade” (GOMES, 2005, p. 358).

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A topofobia, que desemboca no topocídio, demonstra que descuidamos


dos lugares afetivos e, sendo assim, estamos diante de um cenário triste e
sombrio, mas que, também, possibilita pensarmos na restauração destes
lugares de afeto e proteção. Podemos, por exemplo, pensar na experiência
da parábola do Bom Samaritanto, narrada no evangelho de Lucas (Lc. 10.
30-37):

E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para


Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e
espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasio-
nalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o,
passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando
àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que
ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima
compaixão; E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes
azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma
estalagem, e cuidou dele; E, partindo no outro dia, tirou dois di-
nheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo
o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar. Qual, pois,
destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos
dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com
ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira (ALMEIDA,
2017, p. 1.489).

Considerando a parábola, temos quatro personagens: o homem feri-


do, o sacerdote, o levita e o samaritano. O sacerdote e o levita demons-
tram sua topofobia diante do “homem ferido à beira do caminho”, pois
a narrativa diz que ambos passam de largo, demonstrando sua aversão e
rejeição ao lugar onde estava o ferido. Temos o quarto personagem – o
samaritano – que passa pelo mesmo lugar e sente empatia, apego, interesse
e afeto pelo homem ferido.
Por fim, essa atitude do samaritano ilustra claramente que é possível
uma topofilia que se baseie no outro e não somente na estética do lugar
que, no caso da narrativa, era um lugar esteticamente feio e desprezível

407
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

(uma estrada deserta e perigosa). Dessa forma, o lugar se tornou relevante


e atrativo para o samaritano porque ali havia alguém significativo e im-
portante, um ser humano ferido. Quem sabe, os lares poderiam ser vistos
assim, como lugares onde há feridos, gente para ser cuidada e pessoas que
merecem nosso carinho, nossa atenção, nosso amor. Eles são os próximos
mais próximos.

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ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. São


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ambiente. Rio de Janeiro: Difel, 1980.

409
ARTIGOS - TEORIAS E
PESQUISAS EMPÍRICAS

411
CONCEPÇÃO DE ESCOLA:
TRAJETÓRIAS TEÓRICAS DA
EDUCAÇÃO
Jacira Medeiros de Camelo62
Matias Rebouças Cunha63
Rosiomar Santos Pessoa64
Sônia Régia Pinheiro de Moura65

INTRODUÇÃO

A Sociologia da Educação nos possibilita uma visão mais alargada so-


bre os processos educacionais de forma contextualizada, ou seja, é o ramo
da Sociologia que adota princípios ao estudo do fenômeno educacional
(LOUREIRO, 2006). Com o propósito de entender melhor a função
e valor da escola como espaço institucional, é importante que possamos
contextualizar com as profundas transformações estruturais e organiza-
cionais da sociedade.
Identifica Tozoni-Reis (2010) que, na Revolução Industrial, na óti-
ca político-social aconteceram muitas mudanças, inclusive no modo de
produção e consumo, a aristocracia declina em seu poder político para a
burguesia urbano-industrial, surge uma nova classe denominada de os tra-

62 Doutoranda em Ciências da Educação.


63 Doutorando em Educação.
64 Doutoranda em Ciências da Educação.
65 Doutoranda em Ciências da Educação.

413
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

balhadores/operários. Nesse momento histórico, quanto ao aspecto eco-


nômico, inicia-se um processo exagerado de exploração do trabalho em
grandes medidas, acumulação de capital e criação de lucro. A partir dessa
realidade, por seu caráter educativo, organizacional e sistemático na aqui-
sição dos diferentes saberes, elegeu-se a escola como principal instituição
preparatória para a vida social (LOUREIRO, 2006).
Neste sentido, a relevância deste estudo está na forma de elucidação
dos aspectos subjetivos dos educadores no jeito de pensar o papel da esco-
la, na medida que seus pensamentos e ações são determinantes de forma
educativa nas funções complexas que exercem. Dessa forma, é no debate
sobre o papel da escola à luz de diferentes perspectivas teóricas de educa-
ção, é que se concebe reflexões sobre o seu papel como agente de trans-
formação e/ou de reprodução social. Para entender melhor o papel e valor
da escola é importante que possamos ter como objetivos discutir sobre as
teorias da educação e conhecer as concepções dos educadores escolares
sobre o papel da escola pública na contemporaneidade.

1. ESTUDOS SOCIOLÓGICOS SOBRE A ESCOLA

Como forma de entender a educação escolar se processa na moderni-


dade, importa discorrer breve discussão sobre as teorias educacionais que
analisaremos a partir da sociologia da educação. Nesta perspectiva, afirma
Luckesi (1994), que a educação pode ter o objetivo “redentor” pressupos-
to teórico que defende a escola como instituição capaz de salvar a socieda-
de da situação em que se encontra, traz a ideia da educação tirar a socieda-
de das mazelas; ainda pode ter como objetivo “reproduzir” a sociedade na
sua forma de estruturação, o qual entende a escola preparar para a vida em
sociedade, um local cuja finalidade é reproduzir a sociedade tal como ela
existe; têm-se também a condição “transformadora”, que se dá quando o
educador/a escola atua como mediadora, de modo a entender a vida em
sociedade, para a transformação dessa realidade.
Pode-se entender que a educação é um processo contínuo existente
na história de todas as sociedades, sucedendo em diferentes formas e ca-
racterizações, ela não é a mesma em todos os tempos e todos os lugares,
(LOREIRO, 2006). Assim, o projeto educativo está atrelado ao ideal de
homem e de sociedade, que se quer edificar.

414
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1.1. EDUCAÇÃO REDENTORA

Nessa teoria, destaca Loureiro (2006) que a garantia de acesso à escola


concorre ao sucesso escolar e em seguida ao sucesso social. Essa concepção
traz o entendimento do conceito de igualdade e oportunidades educativa.
Na tendência redentora, a escola como fator de mobilidade crescente, tem
como ideia principal que a igualdade de oportunidades no acesso à edu-
cação escolar é garantia de que todos têm iguais oportunidades de sucesso
social. Sem caracterização ideológica, nesta concepção entende-se que a
instituição escolar transmite um conhecimento neutro, logo a diferença
ocorrerá com base nas capacidades de cada pessoa (interesse, motivação e
desejo), percebida apenas com suporte na meritocracia pessoal.
Em meados do século XIX, ligado nos aportes da filosofia positivista de
Auguste Comte, Durkheim (2007), defende a concepção da escola reden-
tora. A escola é vista como “salvadora da pátria”. Durkheim e os defensores
dessa teoria, acreditavam que bastaria os indivíduos estarem na escola para
se tornem pessoas preparadas para a vida em sociedade e para o trabalho. A
partir do manifesto, aponta Loureiro (2006), que estamos perante um dos
princípios que transpassa toda a sociologia da educação funcionalista.
Relata (TOZONI-REIS, 2010) que essa tendência não dá impor-
tância a diferenciação entre alunos, aspectos vinculados às suas experiên-
cias e cultura. A problemática ainda é que ela desconsidera a realidade
diferenciada das escolas quanto aos seus recursos materiais e humanos,
que seriam necessários para dar uma formação para os alunos.
Os defensores dessa teoria resguardam a ideia da meritocracia como
base na mobilidade social crescente, sendo a escola a razão democráti-
ca dessa mobilidade social está vinculada a igualdade de oportunidades
dos alunos com base na neutralidade do conhecimento e valores escolares
transmitidos (LOUREIRO,2006).
A educação nessa perspectiva é considerada independente, ou seja, ela
não recebe interferências, ela é quem interfere na sociedade. Durkheim
(2007) e os defensores dessa teoria, pensavam que bastaria os indivíduos
estarem na escola para se tornem pessoas preparadas para a vida em socie-
dade e para o trabalho, ainda, o mesmo defendia que a educação era fun-
damental, pois ela atuava na socialização do sujeito e teoriza a ideia sobre
as formas possíveis de conhecer as atividades humana.

415
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Essa abordagem se adequa a ideia geral da educação escolar como fator


de desenvolvimento e crescimento econômico e de estratificação social com
base em princípios igualitários (LOUREIRO, 2006). Dessa forma, temos
a educação como fator de igualdade de oportunidades, ou seja, escola como
fator de mobilidade social ascendente. Essa teoria defende que a educação
desempenha várias funções para a sociedade: socialização, integração social,
capacitação profissional, colocação social e inovação social e cultural.
Ao desenhar a escola nesse contexto, quando ocorria esporadica-
mente o insucesso do aluno, essa responsabilidade era apontada apenas
ao aluno, isso quer dizer que a inteligência de cada um é que determina o
sucesso na escola, como o ensino escolarizado não era uma determinação
exigida em lei, quanto ao insucesso escolar, nem se mencionava falar de tal
questão, nesse contexto situacional o insucesso está vinculado aos “dons”
ou “dotes” individuais dos alunos (MARTINS, 2007).

1.2. EDUCAÇÃO REPRODUTORA

Os pesquisadores passam a ver a escola e o seu papel duma forma


completamente diferente daquela que os teóricos funcionalistas defen-
diam, (LOUREIRO, 2006). Nesse tópico, aparecem as teorias que fazem
análise da relação entre escola e a sociedade com suporte na concepção de
conflito e reprodução social.
Inicia-se uma série de outros estudos a partir do início dos anos 70,
contribuindo para as principais linhas de investigação ao estudo da relação
entre a educação e estratificação social. A sociologia da educação focou
discussões sobre novas contestações, criticam a ideia da escola como fator
de igualdade de oportunidades, pois retrata a sua ineficiência como ins-
trumento de igualdade social (BORDIEU,1992).
Nessa medida, a escola, em sua responsabilidade de formar os sujeitos
sociais, não é isolada, mas realiza um papel político nesta formação intei-
rada da realidade social, no sentido de seu comprometimento quanto à
reprodução ideológica da dinâmica social dominante. O notável subsídio
da sociologia bourdieusiana foi quem rompeu com a noção que defende o
mérito pessoal, atrelado a teoria explicativa do dom, pois não funciona de
forma imparcial, isolada e neutra do contexto histórico, político e social,
esta exerce manutenção da ordem social, aspectos que influenciam em
sua organização e funcionamento. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).

416
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Acrescentam-se as investigações em atenção as causas do insuces-


so escolar como ideia do déficit cultural das famílias das classes baixas;
no entanto, a escola não é identificada como fator de insucesso nem de
desigualdade educativa e social (BORDIEU, 1992). Segundo Loureiro
(2006), os estudantes trazem bagagens sociais e culturais que mais ou
menos favorecem os propósitos escolares. A escola, a partir dos conhe-
cimentos escolares, definição do currículo, métodos de ensino e formas
de avaliação, tem o papel ativo de disseminar para os alunos as crenças,
posturas, valores e ideias dos grupos dominantes. Assim, a escola valida
a desigualdades entre os alunos, mascarando em diferenças acadêmicas e
cognitivas, relacionadas aos méritos e dons individuais, enquanto na rea-
lidade decorreria da maior ou menor proximidade entre a cultura escolar
e a cultura do aluno absorvida no seu entorno social.
Claramente, na análise da escola reprodutora, dentre outros, encon-
tra-se Althusser (1985), que defende a função reprodutora do Estado, através do
controle dos aparelhos ideológicos e repressivos. Entre eles, podemos elen-
car como aparelho ideológicos: a escola, família, religião, imprensa, etc. Já
como aparelho repressivo temos o governo, o exército, a administração etc.
Assim, não é a escola que institui a sociedade, mas a sociedade que
institui a escola a seu serviço, então, não adianta lutar por melhorias da
educação, contra o poder dominante do sistema educacional, pois sempre
reproduzirão a ideologia dominante. Althusser (1985) critica e dá seu pa-
recer cético a respeito da escola e da educação, pois essa teoria defende que
as ideologias da classe dominante prevalecem por estarem disseminadas
tanto nas infraestruturas e superestruturas sociais, denominadas aparelhos
ideológicos do Estado.
Acrescenta Loureiro (2006) que a socialização ideológica é incorporada
através do processo de transmissão dos conteúdos manifestos dessa ideolo-
gia, sendo também reforçado nas próprias práticas escolares por meio da sua
função educativa e técnica, através das atividades, penalidades, recompensas
e disciplina comportamental, de forma clara, por meio de imputação dos
ideais burgueses, assim, asseguram o papel de implantação ideológica.
Tudo isto não existe de forma absolutamente pacífica; ocorrem con-
tradições nestes mecanismos resultantes da relutância que oferecem os
alunos da classe trabalhadora (TOZONI-REIS, 2010). Segundo Berns-
tein (1998), a ideia de processo da contraposição às práticas escolares re-

417
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

pressivas resultante da ideologia proletarizada, abrandam e dissimulam-se


sobre mecanismos de subjugação, são reprimidos pelo processo de sociali-
zação criados através de dissimulações ideológicas burguesas.
De acordo com Loureiro (2006), geralmente privilegia-se a cultu-
ra das classes dominantes e ao mesmo tempo se desvaloriza, negligencia,
despreza e tenta extinguir a cultura das classes desfavorecidas, a partir dos
determinantes em reproduzir o modelo vigente, por meio de “habitus so-
cial”. A dominação subjetiva garante uma prática cultural e social que se
constrói culturalmente por meio da transmissão de costumes e crenças,
pensadas e trabalhadas, por via de regras pelas instituições, pais, familiares
e pessoas do entorno social da vida dos alunos.
Existem teóricos que demonstram forte descrença na mudança das
ações das escolas, pois identificam grande poder do Estado a serviço da
classe dominante; portanto, não enxergam ações políticas, sociais e edu-
cacionais significativas capazes de mexer com tal sistema. No entanto,
Azevedo (2014) e outros mais, defendem a ideia de que a atual educação é
seletiva, reprodutora, dominadora e precisa transformar.
Luckesi (1994), Sposito (2003), Loureiro (2006), Azevedo (2014), Nobre
e Sulzart (2018), Prigol e Behrens (2020) reconhecem a regulação, controle,
a dominação simbólica do sistema capitalista sobre os indivíduos em diversas
dimensões; no entanto, veem também concepções divergentes; sujeitos que
não se deixam submeter, portanto resistem. Esses e outros mais estudiosos
levam em consideração o indivíduo, com suas indagações, insatisfações, con-
tradições e com o seu desejo ontológico de transformação social.

1.3 EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA

Considera-se, como princípio básico, que a educação está sempre in-


trínseca na sociedade, situada historicamente. Nessa perspectiva, as insti-
tuições escolares defrontam-se com vários desafios, face às mudanças e às
exigências da sociedade, estando a receber críticas constantes quanto aos
resultados concretos de suas atividades e à eficácia do seu funcionamento,
e também no que tange a suas relações com as estruturas sociais, levando
em conta essencialmente a possibilidade de democratização do conheci-
mento, do ensino e da própria sociedade.
A visão de escola enquanto espaço social emancipador e democrático
possibilita a consciência da complexidade das relações e mudanças que

418
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

favoreçam transformações sociais. Dessa maneira, de acordo com Sposito


(2003), o processo educativo se caracteriza por uma atividade mediadora
através de ações práticas, sociais e globais, dessa forma, a educação é por
natureza um acontecimento comunicativo e social de qualquer sociedade
historicamente determinada, sua ocorrência está associada aos contextos
político, econômico, científico e cultural.
Nessa teoria, a escola, além do papel legitimador das desigualdades
sociais, a sociologia traz para análise a proposta transformadora de escola.
Aponta Loureiro (2006) que esta teoria contrapõe ao excessivo determi-
nismo da ação social; quer dizer, que acredita na capacidade de autonomia
e criação das pessoas para transformarem o mundo em que atuam. Enten-
de-se que a abordagem transformadora se amplia com possibilidades de
mudanças, a qual a autonomia, mesmo em condição relativa, sem deter-
minismo, cabe diversas funções que possam possibilitar transformações.
Deste modo, podemos afirmar que não é preciso esperar por mudanças
estruturais para se desenvolver ações com política transformadora (NO-
BRE; SULZART, 2018).
Em termos escolares, caracteriza-se pela capacidade e competência
dos atores (professores e alunos) em identificarem a natureza ideológica
dos conhecimentos que são determinados. A partir dessa ideia, pode-se
desenvolver novos conhecimentos que sejam de acordo com as necessi-
dades reais, capacitando os sujeitos para o desenvolvimento de suas po-
tencialidades, para a transformação da sua realidade (TOZONI-REIS,
2010). O enfrentamento da realidade ocorre quando a escola se planeja de
modo a organizar a transmissão dos saberes históricos da humanidade de
forma crítica e reflexiva.
A teoria da resistência é uma amostra clara da possibilidade de cons-
trução de uma educação radical que se agarra à prática dialética entre as
estruturas de dominação e os atos de resistência e transformação. Para
Loureiro (2006), é uma abordagem que questiona a neutralidade da escola
e do seu conhecimento, e apesar de suas diferenças internas, examina o
processo de dominação cultural e social, em que ela gera um fenômeno
social sujeito a resistências e oposições.
Argumenta Tozoni-Reis (2010) que a educação transformadora
se distancia do funcionalismo e das teorias da reprodução; de qualquer
modo, os teóricos que avançam por um viés democrático, defendem a im-

419
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

portância da educação escolar como direito de todos. A partir dessa orien-


tação, há necessidade de investigar e apresentar alterações nas práticas pe-
dagógicas, que possam evitar os fundamentos mais perversos do sistema
escolar no que trata da reprodução das desigualdades sociais. Isso significa
dizer que a escola, como instituição social, tem o papel de garantir aos
sujeitos com oportunidades contraditoriamente desiguais a aquisição de
conhecimentos, formação de valores sociais e culturais, qualificação para
o mundo do trabalho e preparação para o desenvolvimento da prática so-
cial (LOUREIRO, 2006).
De qualquer modo, argumenta Tozoni-Reis (2010), que para a escola
exercer sua função transformadora, pressupõe-se que ela contribua para
a democratização da sociedade, tendo como responsabilidade singular a
garantia que os sujeitos adquiram saberes elaborado de forma crítica e re-
flexiva. Essa proposta difere claramente daquelas que acreditam nos con-
juntos de conhecimentos comprometidos com os grupos dominantes para
a formação de sujeitos.
Segundo Nobre e Sulzart (2018), é necessário que o educador en-
tenda a complexidade da realidade social na qual ele está inserido. Além
de conhecimento da realidade, é preciso refletir e intervir sobre ela, com-
preendendo as diferentes teorias educacionais como aspecto orientador
para reflexão-ação-reflexão, em que o papel da educação na sociedade,
ultrapasse os muros da escola.
As teorias aqui indicadas favoreceram o entendimento da complexi-
dade quanto ao campo ideológico da sociedade com repercussão no sis-
tema escolar, através da dinâmica no processo educativo. De uma forma
geral, as concepções sociológicas da educação é que destacam as diferenças
existentes na escola (LOUREIRO, 2006).

2. METODOLOGIA

Esta pesquisa, com o tema “Concepção de escola: Trajetórias teóricas


da educação”, tem como percurso metodológico um estudo interpreta-
tivo com modelo qualitativo, correspondendo a uma realidade que não
pode ser quantificada, que trabalha com um universo de significados, de-
sejos, cresças, atitudes e valores, referentes às relações humanas, não sendo
operacionalizado por variáveis (MINAYO, 2002).

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A pesquisa traz estudos teóricos de uma investigação mais profunda, re-


cortes da tese de doutorado que aguarda defesa pública. Quanto à pesquisa de
campo, desenvolveu-se com questionários abertos voltados aos educadores
de escolas públicas da rede municipal e estadual do município de Fortaleza-
-Ceará. Em decorrência da pandemia de Covid-19, por conta do isolamento
social e paralisação das escolas, como facilitador da coleta de dados, o instru-
mental foi aplicado por mecanismos da internet, através de WhatsApp. Como
recolha, os registros foram transcritos na íntegra, a partir de áudios e textos
escritos, com apresentação de três quadros expositivos para análise.
Os pesquisados são 15 educadores de diferentes escolas. As questões
foram analisadas através de técnica de análise de conteúdo e, por último, o
tratamento dos resultados, com inferência e interpretação.

2.1. RESULTADOS

Os quadros 1,2 e 3, a seguir, apresentam os posicionamentos dos edu-


cadores. Foram ressaltadas as quatro respostas mais significativas referentes
ao assunto.

Quadro 1. O papel da escola na atualidade


Educador 12 Educador 11 Educador 1 Educador 5
A função social da escola, A escola exerce A escola tem um papel A cada dia percebemos
na contemporaneidade, é dois papéis muito importante na que a sociedade está
trabalhar para a formação fundamentais na sociedade. A socialização cada vez mais violenta,
de sujeitos históricos, sociedade: socializar do indivíduo e a sua mais egocêntrica,
críticos, culturais, afetivos e democratizar autonomia estão sem limites. E apesar
e, principalmente, o acesso ao diretamente ligados com a de não ser um papel
construtores do seu conhecimento convivência e os trabalhos exclusivo da escola,
processo educativo com e promover em grupo. Os limites é lá que muitos
o intuito de erradicar as a construção impostos e as regras de dos nossos jovens e
desigualdades sociais, moral e ética nos convivência têm papel crianças passam a
promovendo qualidade estudantes. Esses fundamental para boa trabalhar os pilares da
de vida e educação para papéis compõem a formação do caráter, além educação, e assim tecer
todos e que esses cidadãos formação de pessoas do aprendizado de como um fio de esperança
comprometidos não se conscientes, agir com suas frustações e de levar a vida numa
alienem do momento críticas, fracassos. Tudo isso deixa sociedade mais justa,
histórico, social, econômico engajadas e com o indivíduo mais bem mais honesta e mais
e político e que sejam potencial de preparado para ter sucesso empática.
fazedores da sua história, transformação na vida.
pois a educação é parte de si mesma e de
essencial da constituição sociedade.
humana
Fonte: elaboração própria, 2021

421
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Constata-se que todos os participantes têm a concepção de que a es-


cola exerce em linha gerais, papel relevante na sociedade, tendo como
objetivo a formação integral do indivíduo, para que possam exercer a ci-
dadania. Contudo, entende-se que não há uma função universal; cada
sujeito compreende esse papel segundo seu próprio conjunto de valores,
princípios e ideias. Para Nobre e Sulzart (2018), a educação destaca-se
como referência no ato de ensinar e formar os sujeitos; percebe-se que ela
é um dos mecanismos que podem favorecer a redução de variados proble-
mas de ordem social.

Quadro 2. Contribuição da escola indiretamente para promoção de mudanças na


sociedade
Educador 6 Educador 3 Educador 7 Educador 9

Na troca de Penso ter papel A educação forma A escola contribui


experiências, fundamental para essa cidadãos mais significativamente para
conhecimentos mudança; visto que ela críticos com mais mudanças na sociedade
e reflexões, é para a transformação oportunidades de porque ela é a única forma
se constrói do sujeito. As pessoas melhorar sua vida de transformação e de
estratégias para o que estudam têm mais e indiretamente no mudanças. Ela transforma
desenvolvimento clareza e poder para desenvolvimento quando todos os saberes e
de práticas fazer mudança dentro econômico, social conhecimentos se prestam
que auxiliam e fora delas. e cultural. Auxilia a serviço do aluno que
nas mudanças Tem mais na luta contra a aprende, capacitando-o
econômicas, sociais oportunidades no pobreza na proteção para sua inserção no
e políticas. mercado de trabalho do meio ambiente mercado de trabalho, para
e condições de na diminuição da uma participação plena na
saírem da pobreza violência dos direitos vida social, política, cultural
e contribuir para garantidos por lei e profissional na sociedade
o crescimento da que todo cidadão onde está inserido.
economia. tem etc. Tornando
o mundo um lugar
melhor e mais
igualitário
Fonte: elaboração própria, 2021

Nas afirmações dos professores, constata-se consenso de que a escola


possibilita a transformação da realidade dos que por ela passam. No en-
tanto, é necessário identificar que as aspirações pela qualidade do ensino
público se afirmam como um dos grandes desafios da educação brasileira.
Enfim, uma escola que não se preocupe só com o acesso, mas que permita
atender às reais necessidades dos alunos no desenvolvimento dos diferen-
tes saberes.

422
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Para Libâneo (2004), apesar do predomínio ideológico do capitalismo


neoliberal, a escola existe mediada por experiências e vivências, espaço de
possibilidades e aprofundamento de estudo sobre a autonomia relativa da
cultura, relação de interações constantes de seus sujeitos, processo essen-
cial de criação e recriação das ações humanas, aproximando a consciência
dos indivíduos a suas práticas para transformar a realidade.

Quadro 3. A escola numa política que questione o sistema e busque sua democratização
Educador 11 Educador 6 Educador 9 Educador 8

Sim. E nesse contexto, Sim. A escola Acredito que seja Sim, é possível
para que isso aconteça, precisa promover possível sim porque pensar numa escola
é necessário criarmos a manifestação do a instituição escolar democrática.
processos e instâncias saber e das vivências não pode se afastar A Constituição
deliberativas que permitindo que seus do mundo da política Federal de
viabilizem. A gestão participantes sejam porque isso provocaria 1988 e a Lei nº
democrática envolvidos em projetos a impossibilidade 9.394/96 (LDB)
pressupõe a diferenciados para total da cidadania proporcionam os
participação facilitar a participação e democracia pois mecanismos legais
efetiva dos vários individual e coletiva na ambos interagem e se necessários para que
segmentos sociedade. aproximam. haja uma política de
da comunidade democratização nas
escolar. escolas...
Fonte: elaboração própria, 2021.

Constata-se que os participantes indicados, como os demais, de-


fendem a escola num viés democrático, em que destacam o valor da
participação coletiva nas decisões e responsabilidades, realidade em
que pode ser garantida através da participação dos vários segmentos
da comunidade escolar, como pais, professores, alunos, gestão escolar
e funcionários. Portanto, há necessidade de subsidiar a formação ini-
cial e continuada dos educadores que favoreça o desenvolvimento das
práticas pedagógicas em defesa da teoria transformadora de educação
(PRIGOL, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a pesquisa, predomina a ideia de que o acesso à edu-


cação tem por finalidade adaptação do sujeito a sociedade, em que se
reconhece a importância fundamental de acesso à escola e qualidade do
ensino. Isso significa dizer que a escola é uma instituição que interfere

423
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

sobre a sociedade, como também é influenciada pela mesma. Verifica que


é possível entender a educação dentro da sociedade, com os seus deter-
minantes e condicionantes, mas com a possibilidade de trabalhar pela sua
transformação e democratização.
Na perspectiva dos entrevistados, é possível uma educação transfor-
madora, em que defendem propostas pedagógicas capazes de explorar as
capacidades e potencialidades dos alunos, para o desenvolvimento intelec-
tual, físico e social, possibilitando maiores oportunidades na vida pessoal e
profissional dos sujeitos. Em vista disso, a apropriação do saber elaborado
pela cultura precisa ocorrer de forma ativa pelo aluno, e não mecânica, em
que tenha significado enquanto aprendizagem.
Nesta perspectiva, faz-se conveniente evoluir em pensamentos e
ações dentro da escola, pois para a educação poder transformar o homem,
precisa ater-se às contradições, tornando reflexiva a situação histórica da
humanidade, ou seja, a importância da consciência de coletividade. Nessa
visão, a escola constitui em diversos desafios, dentre os quais a escola está
a serviço da construção de uma sociedade mais igualitária.

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426
MAL-ESTAR NA DOCÊNCIA
E POLÍTICAS PÚBLICAS: DO
IMPOSSÍVEL AO INSUPORTÁVEL
Diogo Bonioli Alves Pereira66
Camilla Motta Mathias67

INTRODUÇÃO

Nas instituições de ensino brasileiras, é bastante comum observar-


mos os resultantes do mal-estar estabelecidos nos professores através da
formação de sintomas que geram afastamento da sala de aula por mo-
tivos de falta de saúde mental. É sabido que o Brasil lidera o índice de
violência contra professores (D’AGOSTINI, 2019). Os números epi-
demológicos de saúde e violência ganham atenção dos profissionais da
educação, instituições de ensino, sindicatos e do governo para um expo-
nencial aumento do absenteísmo docente ao mesmo tempo em que se
esvazia a quantidade de pessoas que desejam ter uma profissão associado
à licenciatura e urge a necessidade de uma tomada de políticas públicas
para solucionar o cenário atual.

66 Psicólogo, Mestre em Psicologia (UCP) e docente de Filosofia na SEEDUC-RJ, atualmente,


designado como Orientador Educacional. Docente e coordenador do curso de Psicologia da
Universidade Estácio de Sá, campus Alcântara. Membro da FCL-Niterói e da IF.
67 Pós-graduanda em Clínica Psicanalítica na Contemporaneidade, pelo Centro Universitá-
rio La Salle, Unilasalle, participante do FCL-Niterói e Psicóloga pela Universidade Estácio de
Sá (Brasil).

427
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O Ministério da Fazenda e a Secretaria de Previdência publicaram


uma série de boletins contendo análises e levantamentos da conceção de
auxílio-doença (B31) e aposentadoria por invalidez (B32). Especifica-
mente, em um relatório lançado em 2016, o governo federal identificou
as doenças que mais atingiram as atividades econômicas, em cada ramo da
economia para traçar um perfil acidentário que contribuísse com políticas
positivas. Tomando a forma de filiação Segurado Empregado, tabularam-
-se as frequências de acordo com a categoria do CID. No total, foram
tabulados 784.394 casos de benefícios concedidos aos empregados em
2014. Deste número, o episódio depressivo (F32) ocupa a sexta posição,
com 43.900 concessões de benefícios; outros transtornos ansiosos (F41)
figuram na décima quinta posição, com 25.804 beneficiados. Somando
os dois transtornos, há 69.704 empregados sob o benefício do governo, ao
que se fossem agrupados em uma categoria única de transtorno mentais,
estabeleceria a terceira maior causa de afastamento do trabalho (CAETA-
NO; PEREZ, 2016).
Em 2017, os mesmos ministérios elaboraram outro relatório com os
dados mais abrangentes e específicos, entre os anos 2012 e 2016, direcio-
nado para os benefícios concedidos para os diagnósticos ocasionados por
transtornos mentais. Dentre todas as formas de conceções (auxílio-doen-
ça e aposentadoria por invalidez), foram concedidos 7.452.056 benefícios,
que comprometeram R$ 81.358.723.105,65 dos cofres da Previdência.
Os transtornos mentais representaram 668.927 casos e comprometeram
R$ 7.955.861.655,53 em despesas. A parte mais beneficiada pelo critério
de filiação à previdência foram aqueles que possuíam vínculo emprega-
tício, isto é, empregados de “carteira assinada”, representando 64,41%.
O gênero feminino esteve na maior posição, 56,98%, em oposição aos
43,02% dos homens; em contrapartida, foram os homens que mais se
aposentaram por invalidez, somando 64,26%. Nesse período, os transtor-
nos mentais foram o terceiro motivo de concessão de benefício, com 8%
de representatividade (MEIRELLES; CAETANO, 2017).
Quando se analisa o relatório em questão, ainda é possível observar
que as categorias que apresentam maiores frequências de concessão de au-
xílio-doença sem acidente de trabalho (B31) são: episódios depressivos
(F32); outros transtornos ansiosos (F41) e transtorno depressivo recor-
rente (F33). Ao lado, as categorias mais reincidentes para concessão de

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auxílio-doença, agora relacionados a acidente de trabalho (B91), temos:


reações agudas ao estresse grave e transtornos de adaptação (F43); Epi-
sódios depressivos (F32); outros transtornos ansiosos (F41) e transtorno
depressivo recorrente (F33).
Desde a universalização da Educação Básica no Brasil, em 1990, acon-
teceu uma incorporação maciça da força de trabalho de docentes nas escolas
e sem precedentes semelhantes na história do país. Ao longo dos últimos
trinta anos, a questão da saúde do professor vem angariando cada vez mais
espaço nas pautas das pesquisas acadêmicas, em sindicatos e notícias de jor-
nais. Entre 1997 e 2006 registrou-se uma incrível crescente nas produções
acadêmicas em temas relacionados à saúde mental dos professores, estresse,
Burnout e mal-estar na docência. Isso refletiu diretamente em diversas esfe-
ras de organização civil, como os sindicatos (GOUVÊA, 2016).
O estado de São Paulo, até setembro de 2017, registrou o afastamento
de 27.000 docentes por questões comportamentais. No ano anterior, as
escolas estaduais de São Paulo tiveram 50 mil afastamentos de professores.
Em meados do ano de 2018, metade da rede estadual do Rio de Janeiro
pediu licença por problemas psiquiátricos. Entre janeiro e julho de 2019,
foram registradas 2.653 licenças tendo como principal motivador a vio-
lência na sala de aula (RJTV, 2018). Os dados na rede municipal do Rio
de Janeiro são ainda mais alarmantes: estatisticamente, a cada três horas,
um professor da rede solicita afastamento por razões psicológicas. As mo-
tivações apresentadas destacaram a violência dentro e fora da escola (AR-
COVERDE et al., 2017; CAPETTI, 2019).
Ferreira & Silva (2019), a partir de 1.253.295 casos selecionados na
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), atribuíram à precarização
das condições do trabalho docente a causa do afastamento dos professo-
res das redes municipais de ensino no país. A pesquisa ainda indica que a
educação infantil e as redes municipais do Sudeste, Centro-Oeste e Sul
registram os maiores percentuais de professores afastados.
A Psicanálise vem se interessando pela educação desde 1913 e, tanto
Freud quanto Lacan, entre suas explicações da economia psíquica, sempre
esbarravam nas temáticas acerca da escola, seu papel em ensinar, socializar,
adaptar, educar e direcionar as pulsões para estabelecer uma ordem social
produzindo cidadãos dispostos a conceder parte de sua liberdade para vi-
ver na cultura e evitar a formação de rebeldes (FREUD, 1913).

429
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Todo este cenário nos conduziu para a seguinte questão: qual o mal-
-estar estabelecido na escola que influencia na saúde mental dos docentes
da educação básica e tornando, para alguns, insuportável o próprio exer-
cício profissional? Nossa hipótese se baseia na constatação de compreen-
der inconsciente freudiano como sendo a parte mais estável do aparelho
psíquico (FREUD, 1911) e de que “a força motivadora de todas as ati-
vidades humanas é um esforço desenvolvido no sentido de duas metas
confluentes: a de utilidade e a de obtenção de prazer” (FREUD, 1930,
p. 101) que influencia as escolhas e, consequentemente, os destinos das
pulsões. A escola contemporânea além de desafiar o senso de utilidade dos
seus componentes curriculares, tem sido local de obtenção de desprazer e
aflição, exigindo do docente, além das habilidades técnicas, o manejo dos
quatros discursos impossíveis como parte de sua competência.
Para alcançar nosso objetivo, cabe apresentar uma revisão do conceito
de mal-estar na civilização para Freud e Lacan, destacando a importância
do laço social exerce e a produção dos sintomas decorrentes desta relação;
em seguida, elucidar de que maneira a psicanálise concebe os discursos
impossíveis; e, por fim, compreender o professor como agente responsá-
vel por manejar todos os impossível, de uma só vez; e, de que tal intento
torna sua tarefa insuportável prejudicando desta forma seus próprios laços
e saúde mental, fazendo com que esse campo seja de demanda para ações
de políticas públicas.

1. O MAL-ESTAR PARA A PSICANÁLISE E DESTINO DAS


PULSÕES

O termo “mal-estar”, segundo Freud (1930), é o estado de infelici-


dade, ou desprazer, vivenciado pelo homem, quando se renuncia a uma
satisfação pulsional. Esta renúncia acontece para possibilitar a vida daquele
indivíduo em sociedade, assim a barra é imprescindível como um sacrifí-
cio da parcela de sua liberdade, de modo que prevaleça um interesse co-
mum, com garantias de segurança, ordem e justiça.
Por outro lado, o aparelho psíquico reclama sua função de satisfazer
exigências pulsionais tal como evitar o desprazer. Assim, a felicidade
passa ser vivenciada através da satisfação de tais exigências, na mesma
medida em que a infelicidade seria a experiência por meio do despra-

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zer. Este último, mais comumente vivido, é decorrente das três fontes
de ameaça, a saber: (1) a interna, sendo essa a degradação oriunda do
próprio corpo físico; (2) externa, proveniente do ambiente e de forças
naturais impiedosas; e, por fim, (3) a relação estabelecida com os outros
homens. A terceira fonte é possivelmente a mais penosa forma de viver
o desprazer (FREUD, 1930).
De maneira a evitar o desprazer do viver, o aparelho psíquico cria o
que Freud denomina “princípio do prazer”, uma forma eficaz de burlar
tudo o que for contrariar tal mecanismo por meio de experiências obtidas
a priori. O mecanismo do princípio do prazer, culturalmente, deverá sofrer
modificações no decorrer da constituição do sujeito, e mais tarde ganha-
rá a alcunha de princípio da realidade. O segundo mecanismo não deve,
jamais, ser entendido como uma oposição ao primeiro, mas como aquele
que converge, na medida do que é possível, aos interesses da civilização
e os interesses particulares do sujeito integrante desta com finalidade de
promover prazer, ainda respeitando o que é da ordem do social (FREUD,
1911; 1915b; 1930).
Conforme o estabelecimento do princípio da realidade, a humanida-
de faz uso da limpeza e da ordem para utilizar proveitosamente espaços e
tempo, à medida que conservam suas forças psíquicas, no entanto “os seres
humanos revelam uma tendência inata para o descuido, a irregularidade e
a irresponsabilidade em seu trabalho” (FREUD, 1930. p. 61). Tornou-se
necessário, portanto, criar um espaço social para o controle das pulsões
para um modelo perfeito no qual a beleza, a limpeza e a ordem ocupem
uma posição especial e sejam apontadas como exigências da civilização e
forma de evitar os sofrimentos e as diferenças (FREUD, 1915b; 1930).
Foi sob a pressão ameaçadora das possibilidades de sofrimento, que
os homens acostumaram-se a moderar suas exigências pulsionais e reivin-
dicações de felicidade, para encarar a dura realidade imposta pelo viver,
suas satisfações poderiam sofrer uma substituição como para: a prática da
religiosidade, o uso de substâncias entorpecentes, as criações artísticas, os
saberes da ciência e sua busca por amar e ser amado (FREUD, 1930).
Para Lacan (1973), em sua (re)leitura de Freud, o mal-estar na civili-
zação é operado pela repressão. O autor afirma que “mesmo que as lem-
branças da repressão familiar não fossem verdadeiras, seria preciso inven-
tá-las”(LACAN, 1973, p. 531). Foi nos seus apontamentos em Televisão,

431
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

que indicou que a família se constitui sobre a repressão, enquanto uma


ação de punitiva, que ocasiona tensão e que tem como fim gerar um recal-
camento, um sacrifício às reivindicações pulsionais para o funcionamento
da família e sociedade, tornando possível então estabelecer laços sociais
(LACAN, 1970; 1973).
Por fim, compreendemos que a liberdade individual não é coerente
com a civilização e que, anterior à existência de uma sociedade, a liberda-
de era maior, porém não havia valores. Sendo assim, com o desenvolvi-
mento da civilização, passa a existir a necessidade de estabelecer maiores
restrições à liberdade individual e, através dos regulamentos sociais, ser
aceito pela sociedade para satisfazer uma tendência dos homens de reu-
nirem-se em comunidade por suas necessidades de trabalho e de receber
amor. Porém, igualmente se entende que tais características não provêm
de uma gentileza humana, mas de uma inclinação para a agressividade,
sendo necessário então conter tal impulso através da educação que, ma-
nejando no destino das pulsões, opera no candidato à cidadão mostrando
como abrir mão da liberdade para viver em sociedade. A violação de tais
regras estabelecidas para o convívio social acarretavam em punições apli-
cadas pelas autoridades e para reafirmar a importância do cumprimento
das mesmas, com isso Freud (1915a, p. 316) afirma: “o Estado proíbe ao
indivíduo a prática do mal, não porque deseja aboli-la, mas porque deseja
monopolizá-la”. Renunciar às próprias exigências pulsionais, isto é, ine-
rente a cada pessoa, é um movimento que, por si só, geram os mal-estares
sociais, e, embora falemos de civilização e massas, cada mal-estar pode ser
entendido como particular de cada sujeito (FREUD, 1930).

2. OS DISCURSOS IMPOSSÍVEIS

Com o despontar da civilização e ingresso do homem à linguagem,


tornou-se fatídico a exposição ao sofrimento dos laços sociais estabeleci-
dos com os outros homens, sendo assim, podemos dizer que o mal-estar
na civilização também pode ser descrito como um mal-estar dos laços.
Nestas relações Freud estabelece três fazeres impossíveis: governar, educar
e analisar; pois, em ambos os casos, trata-se de exercer uma influência so-
bre o outro por meio do discurso, da linguagem, coisa essa que está fadada
a um fracasso parcial, e por isso mesmo, um movimento em direção a uma

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possibilidade, por se estabelecer laços incompletos, de maneira não-toda


(FREUD, 1925; 1929; 1937).
Por sua vez, Lacan (1969/1970) insere na própria teoria dos discursos,
mais um discurso impossível: o desejar. No total, então, temos os quatro
discursos conhecidos por: discurso do mestre (DM), discurso da histérica
(DH), discurso do universitário (DU) e discurso do analista (DA). Lacan
os representa por meio de matemas, ao qual temos a verdade sob a barra
do inconsciente e o agente que exerce influência sobre o outro que fará
uma produção.
O discurso do mestre consiste no sujeito dividido enquanto verdade;
o agente seria o significante primordial, que agiria sobre o outro enquanto
um saber que produz um gozo. Esse outro é tratado como escravo cuja
produção deve satisfazer às demandas do mestre que sabe, porém não sabe
fazer. Cabendo apenas ordenar ou governar o escravo. O agente é movido
por uma verdade oculta, sob a barra do inconsciente. No caso do discurso
do mestre, essa verdade escondida consiste no sujeito barrado, ou seja,
oculta que o mestre é castrado.
O discurso da histérica, um passo à frente do discurso do mestre,
consiste na verdade de sintomas sob a barra do inconsciente, um gozo
oculto, que move o sujeito dividido a influenciar o outro como mestre,
demandando que este produza um saber e que o mesmo sirva como sig-
nificante lei. O que há de impossível em tal discurso é que a histérica quer
provocar o desejo, fazer desejar, porém sem submeter-se ao mestre. Per-
manece insatisfeita, pois embora sua busca por um amo não se apresenta
como objeto, buscando portanto um mestre ao qual ela possa governar.
Mais um passo à frente, temos o discurso do analista, cuja verdade
oculta consiste no saber, um saber que move o agente como objeto causa
de desejo para que o sujeito possa produzir um significante mestre. O
discurso do analista consiste no enigma, em exatamente não pretender
solução alguma, o que é considerado por Lacan como mais subversivo em
tal discurso, permitindo um improviso do sujeito diante do impossível
(LACAN, 1969/1970; ALMEIDA, 2010).
Completando um giro no sentido horário das matemas de represen-
tação dos discursos impossíveis, temos o discurso do universitário, cujo
agente consiste num saber que ocupa um lugar de poder, assumindo falta
de saber ao outro, impondo assim um conhecimento aceito socialmente.

433
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

O saber organizado do discurso do universitário pode tornar-se uma re-


gra, não se questiona, o que não provoca no sujeito o desejo de saber, tal
como se goza de fazer do outro um ouvinte, tendo como produção um
sujeito que reproduz o discurso. Se o saber deste discurso não obtiver
êxito em adequar o sujeito à posição de objeto repetidor, poderá ocasionar
numa revolta contra as “regras” impostas (LACAN, 1969/1970; ALMEI-
DA, 2010; DIAS, 2017).

3. O PROFESSOR COMO OPERADOR DOS DISCURSOS


IMPOSSÍVEIS

A escola é a instituição que coloca o professor como sujeito que opera


diretamente nas práticas educacionais e sendo o centro de todas as ações.
Sendo assim, Freud (1911) afirma ser a função da educação direcionar e
educar os destinos das pulsões dos alunos para produzir indivíduos adequa-
dos às exigências da sociedade. Nas palavras de Freud (1911, p. 69), lemos:

A educação pode ser descrita sem maiores hesitações como um es-


tímulo à superação do princípio do prazer à substituição deste pelo
princípio da realidade. Ela se propõe oferecer ajuda complementar
ao processo de desenvolvimento que ocorre no Eu, utilizando-se
para esse fim de recompensas amorosas por parte dos educadores.

A notória falência do atual sistema de ensino no Brasil, aponta para o


professor como a causa de todos os percalços, mas que na verdade, igual-
mente se mostra vítima do próprio sistema.
A busca por identificar quais os fatores inerentes ao trabalho do pro-
fessor que influenciam diretamente na construção do sofrimento psíquico
é vasta e absolutamente relevante no atual contexto social. Os estudos de
Andrade & Cardoso (2016) delinearam que a razão do mal-estar docente
reside na falta da formação docente que não acompanhou o processo de
democratização do ensino, que fez aumentar o número de alunos e pro-
fessores nas salas de aula. Neste bojo, aumentaram as exigências familiares,
a falta de planejamento material e orçamentário que contribuíram para a
péssima infraestrutura e os baixos salários. E os sintomas surgem em um
discurso de insatisfação com o trabalho, a diminuição das responsabili-

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dades no fazer profissional, o absenteísmo, a ansiedade, a depressão e a


sensação de esgotamento físico.
No entanto, o mal-estar docente é um resultante multifatorial, sendo
o fato da escola ser apresentada como via de inserção social e profissional,
com isso parece diminuir o sentido de obtenção de prazer do saber e dos
processos inerentes à educação escolar (VIEIRA, 2013). A mesma ideia se
repete na lógica utilitarista reducionista do ensino tido como um meio para
aprovação nos sistemas de acessos ao ensino superior, que esvazia a lógica-
-fim do saber e limita o objetivo à aprovação, culminando no aumento de
componentes curriculares desligados da prática e vivência do aluno enquan-
to se aumenta a concorrência como padrão desejável de comportamento.
Justamente neste cenário multifatorial percebemos, no comporta-
mento e nos discursos dos docentes, diante das exigências sociais e ins-
titucionais, a necessidade em ter que assumir e tramitar cotidianamente
os quatro discursos do impossível quando precisa ensinar, governar uma
sala de aula, entender os problemas psicossociais de cada um e de fazer da
escola um lugar de desejo, enquanto isso é empiricamente contraditório
às práticas cotidianas.
Ao professor contemporâneo resta a ocupação no lugar de culpa
quando constata a impossibilidade de tramitar nestes discursos impossí-
veis e, com isso, resta apenas sustentar o gozo dos discentes, que por ser
gozo necessita ser constante, moratório e dispendioso de energia, pois ali
fala uma ordem própria da existência do sujeito. Assim, o professor en-
quanto no discurso de mestre não consegue fazer seu mundo funcionar;
no discurso da histérica não consegue se fazer desejar e não se consegue
educar o desejo; enquanto analista não tem tempo de esperar que o sujeito
construa um significante mestre estando embaraçado nos componentes
curriculares e enquanto discurso universitário não consegue produzir um
saber que empodere os alunos de um saber útil para a vida social e técnica,
enquanto prática para realização de seu desejo atual que não oferece trégua
porquanto também seus hormônios contribuem para tal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atual formato da educação brasileira arquitetado por Darcy Ri-


beiro, através da Leis de Diretrizes Básicas de 1996, instituiu um pro-

435
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

cesso de democratização de acesso para as instituições de ensino, assim


como tornou obrigatória a presença das crianças nas escolas. No entan-
to, essa “democratização” não permaneceu acompanhada de subsídios
suficientes às escolas e aos profissionais para que pudessem operar neste
campo heterogéneo.
O personagem fictício de Lewis, o demônio Maldanado, propõe um
brinde no inferno ao fracasso dos acessos “democráticos” que as escolas e
as universidades realizam, que em nada beneficiam por meio da invenção
um indivíduo médio e pela “igualdade de valor” que acorrenta os mais
inteligentes e não desenvolve os menos habilidosos. Igualmente, fortalece
este sistema os participantes da classe média que, ao destacarem seus filhos
para escolas de iniciativa privada, privam os colegas com menos acesso
da sua ajuda ao mesmo tempo que perdem oportunidade de investir seu
dinheiro em outros negócios e acabando com a capacidade de desenvolver
a classe. Refestela-se este demônio, pois sabe que a escola pública seria a
única solução caso ela fosse o único sistema de ensino, mas disso tratará as
suas tentações para que nunca aconteça (LEWIS, 2017).
Nesse conflito de classes, salas lotadas, interesses financeiros das insti-
tuições privadas de ensino, a transmissão da responsabilidade dos pais para
os professores estabelecendo uma relação de cobrança quanto ao investi-
mento nos filhos e a baixa utilidade dos conteúdos escolares da educação
básica fazem recair sobre o trabalho docente a incógnita do que seria um
aluno educado, agente crítico e inserido na sociedade. Operar na ordem
da sala, no desejo de aprender, na compreensão das diversas demandas de
problemas de aprendizagem e manter a qualidade da transmissão do con-
teúdo, formam os cuidados do professor um local impossível de discursar
e, portanto, trabalhar, provocando uma transição do discurso do impos-
sível ao insustentável, prejudicando por inevitável consequência a saúde
mental desse trabalhador.
A contribuição que os estudos psicanalíticos oferecem para as políti-
cas públicas é evidenciar o fracasso da instituição escolar como um mal-
-estar em que o docente não deve ser percebido como culpado ou sem
técnicas. Ao contrário, a psicanálise aponta que a ordem estabelecida nas
escolas tem impresso no docente contemporâneo a figura de responsável
em sustentar os quatros discursos impossíveis na sala de aula aumentando
sua infelicidade enquanto (re)cria inúmeras estratégias (e por vezes não

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didáticas) para sustentar o gozo dos alunos enquanto também elabora o


seu diante dos evidentes fracassos pedagógicos.
A necessidade de reinventar o espaço escolar e a democratização da
escola tornaram-se um imperativo para o retorno da funcionalidade (fun-
cional-idade) da escola e da saúde mental do professor e sua reestrutura-
ção é o único caminho para gerar instrumentos úteis aos docentes a fim
desenvolverem uma educação em que o sujeito encontre oportunidade de
elaborar suas pulsões em direção ao objeto de desejo, que não exijam tão
grandes esforços em sustentar o gozo. Espera-se que, a partir da instau-
ração de uma nova política educacional, os alunos abandonem os impul-
sos agressivos, que são apenas respostas e solução para a limitação da sua
liberdade e do exercício de atividades vazias de significantes, e com isso
também livrar o docente da tarefa de sustentar estes discursos impossíveis
e retornarem do lugar de insuportável.

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440
THE SOIL-CEMENT BLOCK
INCORPORATED WITH WASTE
MEETING THE REQUIREMENTS
NEEDED LEED V4 CERTIFICATION
UNDER THE CATEGORY OF
MATERIALS AND RESOURCES
Lázara Eliza Borges de Castro 68
Fabiolla Xavier Rocha Ferreira Lima 69

INTRODUCTION

The relationship between human beings and nature has been going
through a considerable change. In the beginning, this relationship was
quite harmonious and balanced; it was a time when human beings
respected nature. Over time, with the intense modernization of the
means of production, humankind began to make nature bend to his will
and caused a swift and devastating environmental degradation, putting the
planet and his own existence at risk.

68 Graduada em Direito (2007) e Arquitetura e Urbanismo (2018) pela PUC Goiás. Vinculada
ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN-GO.
69 Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela PUC Goiás (2003), mestra em Engenharia do
Meio Ambiente pela UFG (2007) e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UnB (2013).
Professora adjunta na UFG, desde 2009.

441
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

A few decades ago, people began to adhere to a powerful awareness


campaign that preached the intelligent use of the environment (PARENTE,
2010). Soon, several people changed their ideals and became concerned for
the development of green technologies that can solve current problems in
order to preserve the environment and reduce environmental aggressions.
This movement increased consumer awareness, inciting a greater concern
for the means of production in regard to sustainable products and services.
According to Santos (2002), certifications that attest to the
sustainability of buildings, companies or products serve as an incentive
to green initiatives. Autonomous entities objectively provide these
certificates, which check whether the company or product meets certain
prerequisites.
Among these certifications, LEED has so far been one of the most
prominent, in addition to its worldwide recognition. Initially created to
establish certain parameters for the construction of sustainable buildings,
the LEED Certification now covers all stages of the construction process,
being able to determine the level of sustainability from the materials used
to the management of the finished building.
Due to certain patterns in certifications, it is possible to determine via
pre-established parameters that the soil-cement block with incorporated
waste is a cheap, accessible and, most importantly, sustainable alternative
for construction. However, this kind of block is still not widely used in
constructions throughout Brazil due to the lack of technical methodology
and more in-depth scientific studies. There is a need for evaluations that
improve on the technology of such elements in order for them to be
adapted to a more modern constructive system.
The greatest difficulty in obtaining points in the Materials and
Resources category of LEED V4 seems to be the reports and information
on the sourcing of waste and other raw materials, which must be offered
by recognizable entities. Certification is one of the main ways to spread the
use of the material, and it only requires greater transparency concerning
the sourcing of raw materials used in its production.
Therefore, by considering the features of the soil-cement-
waste block and applying the requirements of LEED’s Materials
and Resources category, we assess its sustainable nature, reuse
and recycling potential, and eventual growth towards mass use in

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C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

buildings across the country, which would guarantee a high score in


the category, consequently increasing society’s recognition and use
of the soil-cement-waste block.
In light of the aforementioned factors, this article is part of a study
that sought to accommodate the soil-cement-waste block into the
requirements necessary for certification through literature review, as well
as to make its use feasible for low-cost housing made by government
programs and for people of lower income in general.

1. SUSTAINABLE CONSTRUCTION

For a product to be competitive in the market, an enticing price


is enough. Consumers demand new experiences, quality of life, social
and especially environmental concerns. This behavior causes companies
to continuously worry about meeting these requirements, essentially
modifying construction by bringing sustainability to the heart of
discussions.
The objective of sustainable construction is to balance constructive
techniques and the preservation of the environment, avoiding damages
to nature. The focus should be on water, energy efficiency, and rigorous
waste management. For this to be possible, technology should work in
favor of sustainability by providing sustainable materials with a lower
environmental impact.
A sustainable building must have a long-term commitment
from its production to operation and should not adversely affect the
environment. Moreover, some elements of sustainable construction
should be contemplated, such as respect for the environment, for the local
community, sustainable planning, use of natural resources, water and
waste management, rational uses of materials, etc.
Other factors to consider are energy consumption and resources
used during construction, which can be even higher than usual after its
completion. For this reason, it is appropriate to use materials that favor
sustainability and consume fewer resources. Creative solutions are being
developed to make materials more sustainable, joining the interests of
real estate to the concerns of the population and the preservation of the
environment.

443
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

2. SOIL-CEMENT-WASTE BLOCK AS A SUSTAINABLE


MATERIAL

Losses in construction increase the consumption of materials and


the waste generation. In general, losses cannot be ignored from both
environmental and economic points of view: it is estimated that the lack
of material consumption management systems causes a 25% average loss
of all materials used in the production of multi-storey buildings with
concrete structure (SOUZA, 2017).
Waste generation in construction and demolition (RCD) in Brazil has
been constantly discussed and is regulated by The National Environmental
Council (CONAMA) resolutions n. 307 and n. 348. Therefore, the soil-
cement block with incorporated waste must be analyzed to determine
its technical qualities and socio-environmental advantages. However
interesting it may be, there is still not enough data to submit the soil-
cement-waste block to a socio-environmental evaluation.
The analysis of its composition will show that it does not have any
toxic or inadequate components, and studies may determine the material’s
parameters of quality and strength, life cycle, and environmental impact,
all indispensable factors for being granted environmental certification
(MARASCA, 2014).
In addition, soil-cement blocks encourage the use of both local
materials and labor, supporting local economy and reducing freight costs,
as well as reducing waste and accelerating the construction process. As
a result, quality and sustainable housing become available to a greater
number of people. This material also enables companies to build new
homes even under political or economic crises.
Promoting social sustainability therefore drives sustainability as a
whole and vice versa (BARRON, 2002). Materials that employ waste as
raw material have a considerable potential to reduce the impact associated
with extraction activities, and even decrease the manufacturing impact.
The available experimental results evidence that recycled aggregates
have an excellent performance in this type of use, including an increase
of support capacity over time (MOTA, 2004), possibly via hydration and
pozzolanic reactions or cement particles.

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3. METHODOLOGICAL PROCEDURES

The present study is based on already existing literature. We carried


out a thorough bibliographic and descriptive research on studies developed
by other authors.
Through a literature review, we have collected information that
enabled the application of the requirements necessary for the soil-cement-
waste block to achieve LEED v4 certification, especially through analyses
of theses, dissertations, and other sources that address the sustainability
and viability of such materials.
Sustainable design is becoming more of a concern in construction. As
a result, the need for information on sustainable construction materials and
resources grows. When assessing the attributes of construction materials,
it is important to consider how the product is made, used, and disposed
of (THE BRICK INDUSTRY ASSOCIATION, 2015). Compliance
with mandatory and qualifying items will determine LEED certification
performance levels (AQUA, 2013).
Due to the lack of a technical methodology, the use of the soil-cement
block is not as widespread as we hoped. It would be necessary to study
new elements adapted to a more modern construction system that could
increase the block’s resistance index (FILHO, 2014). Manufacturing is not
yet made within pre-established technical concepts to apply the necessary
technology that transforms the small-scale block into a technological and
standardized product.
Hence, the strategies used to make the material more sustainable
and certifiable were based on specialized books, journals, articles, and
scientific works.

4. CERTIFICATION OF THE SOIL-CEMENT-WASTE


BLOCK

When it comes to certifying materials, the precariousness of


parameters for evaluation is a great hindrance. However, the use of
raw and certified materials increases the value of projects and reduces
environmental impacts.

445
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Certification is important considering that it reveals relevant


information, verifies environmental aspects and thermal comfort index of
construction materials, in addition to indicating the product’s potentialities
and shortcomings, from financial viability to environmental performance.
It also assesses whether the material meets Brazilian technical standards
and, when applicable, foreign ones (FUSP, 2010).
In order to obtain the eco-label, materials must undergo periodic
audits that check the entire production chain. The reuse of waste is an
important practice, assessed by those responsible for checking the seals.
Thus, information obtained during research must turn into results by
verifying whether the soil-cement block with incorporated waste would
fit the requirements to be certified as a sustainable material.
We would like to point out that the recognizing the material as
sustainable and efficient facilitates funding and transfer programs carried
out by public banks, especially Caixa Econômica Federal (CEF).

5. LEED V4

Initially developed by the US Green Building Council – USGBC


–, LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) provides
guidelines for environmental certification of buildings based on
sustainability. Currently, more than 143 countries employ this standard,
which offers recommendations that will guarantee credits for construction
(GBC BRASIL, 2016).
Factors such as design, construction, and maintenance of a building
are analyzed, as well as whether it optimizes the use of natural resources
or employs strategies of environment restoration and regeneration. As a
result, construction damage should decrease and, conversely, the quality
of indoor environments for the occupants of certified buildings should
improve (USGBC, 2016). The latest LEED version, V4, increased the
requirements for obtaining credits that range from 40 points to achieve
certified level to 110 points to achieve platinum level.

5.1. MATERIALS AND RESOURCES

One of the categories analyzed, and of major importance for


this article, is that of materials and resources, which scores buildings

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C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

that use materials with low environmental impact and waste control.
In this category, the maximum of 13 credits are distributed as follows
(CHMIELEWSKI, 2014):

• Storage and collection of recyclables – prerequisite;


• Construction and demolition waste management planning – pre-
requisite;
• Building life cycle impact reduction – 2 to 5 points;
• Environmental product declaration – 1 to 2 points;
• Sourcing of raw material – 1 to 2 points;
• Material ingredients – 1 to 2 points;
• Construction and demolition waste management – 1 to 2 points;

The prerequisite of storage and collection is aimed at batteries,


mercury lamps and electronic waste, and thus does not apply to the soil-
cement block with incorporated waste. Yet the second prerequisite,
construction and demolition waste management planning, requires a
project that establishes the amount of waste produced and its destination.
Regarding this topic, the production of soil-cement blocks with
incorporated waste proposes the reuse of waste in the same area in which
they are produced, reducing the damage caused to the environment both
in its manufacturing and in the construction process (LIMA, 2014).
Thus, the entire idea of the production of soil-cement-waste blocks is
based on waste management, making this prerequisite the essence of the
whole project.
The requisite that offers the most points, and thus is the most
important, is building life cycle impact reduction. The use of new
materials should decrease either via a life cycle analysis or by reusing
existing construction resources. There are four ways to achieve this score:
reuse of historic buildings; renovation of abandoned or ruined buildings;
reuse of materials or buildings; and life cycle assessment of the entire
building (USGBC, 2016).
The soil-cement-waste block is made from reutilized materials, and
the mixture of soil and waste can reach up to 60% of the entire block’s
composition. The high reuse rate of materials establishes a good relationship
between environmental preservation and low manufacturing cost, which
ensures quality to the construction and a high score in this requisite.

447
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

One of the requisites that have recently become required is the


Environmental Product Declaration (EPD). So far, this has been the
most difficult requirement to fulfill due to the lack of standardization in
the means of production and in the raw material itself, which, although
sustainable, is made up of a wide range of materials. The declaration
analyzes the following aspects of the material:
a)Use of local and recyclable materials sourced within a radius of
up to 800 km from the site (USGBC): the soil-cement-waste block is
manufactured by reusing soil and waste from places near its manufacturing
site, and the materials in its composition are almost all local and recycled.
b)Third-party certification on the ingredients used that evidence of
source, extraction, and the disposal according to several ISO standards: the
certification will be issued according to the lifecycle analysis of the material,
which as previously stated, proves a commitment to the highest standards of
sustainability and energy efficiency. However there is a clear need of a more
detailed study on issuing ISO 14025 Type III environmental labels.
Sourcing of raw material can be scored in two ways: raw material
source and extraction reporting, and leadership extraction practices. The
report should be drafted by the manufacturer and contain the raw material
extraction sites along with a commitment to long-term ecologically
responsible land use and reduction of the environmental damage and
manufacturing processes (USGBC, 2016).
Structural materials represent up to 30% of the total score of the
materials used in the construction. To achieve the score, 100% of the
cost of all reused and recycled material is taken into account. Products
sourced within 160 km from the construction site will account for
200% of the cost12. The production process of the soil-cement block
with incorporated waste is done in an environmentally responsible way,
lessening environmental damage by employing raw materials that are
reused, recycled, and present low environmental impact, low energy
consumption, and cheaper transport and maintenance (SUSTENTA
AQUI, 2016). The sourcing of all materials in locations near the
construction site contributes to an increase on the LEED v4 score.
Thus, as in the environmental product declaration, the sourcing of
raw materials requisite is only missing third-party certification, which
would increase the amount of points the material would gain.

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As for material ingredients, they are required to obtain ingredient


reports, also known as Corporate Sustainability Reports – CSR. These
contain a chemical composition inventory, including ingredients’ name
and chemical registration number. A health product declaration is also
required, including full disclosure on known hazards15. Since waste from
different sites is reused, it is difficult to attest the origin of all products.
However, lab tests may indicate the composition, chemical elements
present in those samples, and even the material’s hazards. In this case,
it would be more feasible – for scoring – to use the second criterion to
material composition assessment, which addresses material ingredient
optimization via documents that prove that the materials do not contain
harmful substances to people’s health or the environment.
Another solution would be to previously select projects that supply
waste and include only those that use safe materials and that do not pose
a health risk. Thus, the supply chain would only include materials with
environmental verification, which clearly and truthfully inform which
chemical ingredients were used during production12.
Finally, the last requirement we would like to point out is construction
and demolition waste management. LEED awards products who
reduce waste by reusing and recycling non-hazardous construction and
demolition materials, and calculations of such materials may be by weight
or volume. Waste management should identify the materials that will be
reused and recycled. Excavated soil is excluded from the calculation and
the minimum diversion percentage is 50%.
The soil-cement-waste block proposal is precisely the absorption
of waste from construction, avoiding the disposal of waste into the
environment. Materials generally found in greater quantities in waste,
such as mortar, concrete, and ceramic materials, are the basis for the
manufacturing the block, which makes this material a solution in waste
management and reduces environmental impacts (PARODE et al, 2014).

6. DISCUSSIONS

Certification is an increasingly important element to attest the


constructive and environmental quality of materials. Sustainability is
a great concern to architects, who make project decisions based on

449
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

choosing such materials in order to reduce environmental impact


(PARODE et al, 2014).
In light of this, LEED v4 certification becomes an essential tool to
attest the concern for environmental preservation. Nevertheless, it is up to
designers to specify sustainable materials, such as the soil-cement-waste
block. Suppliers are responsible for offering the block with the necessary
environmental performance to achieve certification.
In addition to all resistance and viability tests of the soil-cement-
waste block, it is crucial to make the environmental statement and
specifications. Furthermore, the use of local raw material is an important
factor in obtaining credits in the LEED v4 certification process.
In order to achieve certification, the origin of the materials must
be evidenced via official documents. The great difficulty is to find
companies that make satisfactory use of construction waste and include
clear information about the raw material used and the manufacturing
process. Since the certification process is not yet widespread among
construction materials suppliers, it is a major issue to obtain the proof
of sourcing documents and the certificate number in the product’s
invoice.

7. CONCLUSION

Due to market and consumer demands, certification of construction


materials is becoming a requirement for manufacturers. There are
still many obstacles in obtaining this type of certification, due to the
requirement of reports offered by recognized entities which, in Brazil,
are still few. Thus, an effort to share information, studies, and analyses of
materials would strengthen an ecological awareness among the builders.
Knowledge on certified and environmentally effective materials will
facilitate the choice of better products.
This is precisely the case for the soil-cement-waste block, which
mostly uses reused, recycled and non-harmful ingredients. This material
meets the requirements for a high score on the LEED certification,
being able to reach a total of 13 points in this requirement, and thus is a
sustainable, safe and low-cost solution for construction.

450
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

8. ACKNOWLEDGEMENTS

The authors would like to thank the Academic Publishing Advisory


Center (Centro de Assessoria de Publicação Acadêmica, CAPA – www.
capa.ufpr.br) of the Federal University of Paraná for assistance with
English language translating and editing.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

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452
O OLHAR SISTÊMICO EM SALA DE
AULA
Ângela Beatrís Lazzari70

INTRODUÇÃO

A partir da definição de Angélica Olvera, docente em Pedagogia Sis-


têmica pela Universidad Multicultural Emilío Cardenas/CUDEC (Méxi-
co), na aula inaugural do curso de Pós-Graduação em Pedagogia Sistêmi-
ca pela Innovare em São Paulo (set 2017), que entende a Pedagogia como
a arte de acompanhar aquele que aprende, surgem os questionamentos:
Quem educa/ensinante? Quem é educado/ensinado? O que é aprender/o
que é educação? Qual o objeto da educação/do ensino aprendizagem? E,
para que educar?
Este artigo apresenta algumas reflexões sobre as implicações das rela-
ções de educador, educando e educação incluindo a perspectiva sistêmica
e fenomenológica a partir das contribuições de Bert Hellinger no ano de
2001 na comunidade do Grupo Multicultural CUDEC – Centro Uni-
versitário Doctor Emílio Cardenas, onde se iniciou um trabalho apresen-
tando o conceito de Constelações Familiares no âmbito escolar.
Segundo Hellinger (2007), Constelação Familiar é uma abordagem
da Psicoterapia Sistêmica Fenomenológica criada e desenvolvida por ele

70 Discente de Mestrado em Pedagogia Sistêmica pela Universidad MultiCultural Emílio Car-


denas (México). Especialização em Pedagogia Sistêmica na Innovare Faculdades em parceria
com Hellinger Schule (2020). Licenciada em História pela Universidade de Caxias do Sul.
Professora da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul.

453
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

após experiências na África com tribos Zulus e anos de pesquisas e traba-


lho terapêutico com famílias. De acordo com o autor, há três leis que re-
gem a vida e os relacionamentos: (a) pertencimento, uma necessidade que
todos temos e inclui outra condição: estar em lugar adequado; (b) ordem;
e (c) equilíbrio entre dar e receber.
A partir da experiência da sala de aula com os conhecimentos sistêmi-
cos e fenomenológicos, é indispensável apresentá-los de forma a comparti-
lhar, abrindo a possibilidade para que outros colegas, professores, pedagogos
e todos aqueles que trabalham nas escolas e sistemas de ensino possam des-
frutar desse espaço de forma cada vez mais humana, alegre e com resultados
que melhoram índices de aprendizagem e reduzem a taxa de evasão escolar,
pois a criança encontra espaço de pertencimento. Assim, este trabalho nasce
da necessidade de aprender, experimentar e compartilhar.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

Notoriamente, a sala de aula está relacionada a uma pessoa que educa


e outra ou outras que são educadas. Ao educar, o educador por mais im-
parcial e impessoal que almeje ser em sua ação, por ser um ser humano e
como tal carregado de sentido e significado consciente e inconsciente, não
consegue se dissociar totalmente da sua ação de educador. O educando,
por sua vez, não é uma “tabula rasa”; ele também vem carregado de sen-
tido e significado, por isso se expressa das mais variadas formas. Ambos,
educador e educando, marcados pela transgeracionalidade – entendida
aqui como o conteúdo que carregam de seus ancestrais tanto biológica
como culturalmente –, compartilham da condição humana permeada
pelo lugar (não só restrito ao espaço geográfico, pois vivemos na era global
e tecnológica) e pelo tempo presente.
Seguindo os princípios fenomenológicos, a vida consciente, tal como
é, não pode ser estudada em partes. O que ocorre em sala de aula, ou fora
dela, que chamamos de educação é um fenômeno de totalidade, único e
exclusivo. Hellinger (2007, p. 14), no livro As Ordens da Ajuda, nos fala
sobre o que chama de fenomenologia:

Dois movimentos nos levam ao conhecimento. O primeiro é ex-


ploratório e quer abarcar alguma coisa até então desconhecida, para

454
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

apropriar-se e dispor dela. O esforço científico pertence a este tipo


e sabemos o quanto ele transformou, assegurou e enriqueceu o
nosso mundo e a nossa vida. O segundo movimento nasce quando
nos detemos durante o esforço exploratório, e dirigimos o olhar,
não mais para um determinado objeto apreensível, mas para um
todo. Assim, o olhar se dispõe a receber simultaneamente a di-
versidade com que se defronta. Quando nos deixamos levar por
este movimento diante de uma paisagem, por exemplo, de uma
tarefa ou de um problema, notamos como nosso olhar fica simul-
taneamente pleno e vazio. Pois só quando prescindimos das parti-
cularidades é que conseguimos expor-nos a plenitude e suportá-la.
[...] Esse movimento, que inicialmente se detém e depois se retrai,
eu chamo de fenomenológico. Ele nos leva a conhecimentos dife-
rentes no que podemos obter pelo movimento do conhecimento
exploratório. Ambos se completam [...].

Na relação ensino-aprendizagem, estabelecida entre educador e edu-


cando, temos o objeto da relação que é a educação. Ela permeia as relações
humanas a ponto de institucionalizar esta ação através das escolas e dos
sistemas de ensino. As Nações Unidas definiram em 1999, no Relatório
para Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI, coordenado por Delors (1998), os quatro pilares da educação mun-
dial. São eles: aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreen-
são), aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envolvente), aprender
a viver juntos (cooperação com os outros em todas as atividades huma-
nas), e finalmente, aprender ser (conceito principal que integra todos os
anteriores). Essas quatro vias da educação, na verdade, constituem apenas
uma, visto que existem pontos de interligação entre elas. De acordo com a
visão hellingeriana, estamos na vida e nela vivemos conhecendo, fazendo,
convivendo e tomando a vida para encontrar a si mesmo.
A palavra educação, em sua etimologia, revela a amplitude do seu sig-
nificado, pois pode ser entendida tanto derivada do verbo latino “educare”
como de outro verbo do mesmo idioma “educere”, ambos com significados
diferentes. Enquanto “educare” significa criar, nutrir, orientar, conduzir,
indicando o movimento de fora para dentro, “educere” significa fazer nas-
cer, provocar atualização de algo latente, representando o movimento de

455
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

dentro para fora. Este significado reporta à maiêutica socrática,71 que fazia
a parturição das ideias. Escolher um dos significados em detrimento de
outro não condiz com a prática sistêmica. Logo, a educação acontece tan-
to no seu sentido de “educare” como “educere” nas instituições escolares e
também fora delas. Os sentidos de “educere” ou “educare” tornam-se claros
quando temos a dimensão do para que educamos.
Os atores do fenômeno educativo educador, educação e educando,
estão marcados por sua transgeracionalidade e participam cada qual em
seus sistemas micro (família, escola, cidade, trabalho) e em sistemas macro
(políticos, econômicos, sociais). Todos entrelaçados tecendo o tecido da
vida.
A educação tomada por si só é algo muito complexo na relação entre
os seres humanos, pois cumpre sua função de reprodução e/ou transfor-
mação pessoal e social, já que as gerações de cada tempo estão imersas em
suas características, desafios, cultura, posição geográfica no mundo e pela
singularidade do tempo presente, que é único e inquestionável.
A educação é característica das sociedades humanas, portanto: o que
nos faz humanos? Segundo Olvera (2019, p.72):

O que nos faz humanos? Esta pergunta foi discutida durante a vida
toda, e, na história, os cientistas não entraram em acordo em rela-
ção a isso. Cada pensador e cada corrente tem um ponto de vista
particular. A lista de hipóteses a respeito desse assunto é extensa:
o pensamento, pois, cada uma dessas características nos conduz ao
que nos faz humanos. É a alma? É o espírito? É a consciência? O
que é que nos faz humanos e dá sentido a nossa humanidade?

Maturana (apud OLVERA, 2019) afirma que é na biologia que en-


contramos uma das referências para argumentar que podemos ser cons-
tituídos biologicamente, mas nos tornamos humanos a partir das nossas
relações conosco, com os outros e com o meio.

71 Etimologicamente, maiêutica se originou a partir do termo grego maieutike, que significa


“arte de partejar”. Sócrates usou essa expressão em associação ao trabalho das parteiras
– profissão de sua mãe – visto que, para o filósofo, o seu método proporcionava o “par-
to intelectual” dos indivíduos. Disponível em https://www.significados.com.br/maieutica/
Acesso em: 03 jun. 2019.

456
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

Humberto Maturana, biólogo e epistemólogo chileno, autor de


diversas obras sobre biologia do conhecimento afirmou que “nós
seres humanos somos seres culturais não biológicos, ainda que
biologicamente sejamos Homo sapiens sapiens”. O que Maturana
nos quer dizer? Através de suas palavras no livro El Sentido de lo
Humano, nos conta como vamos nos convertendo em humanos
desde a gravidez, quando a mãe cria um vínculo e a partir deste se
desenvolve a relação com seu filho. Tudo isso é anterior a qualquer
reflexão que possa surgir depois. A partir da concepção, o ser hu-
mano adquire um lugar. (p. 72).

A metodologia dialógica freireana fundamenta-se nas relações, na


dialogicidade. Construímo-nos como humanos a partir das relações esta-
belecidas conosco e com o outro, entendendo o outro como sendo tudo o
que percebo fora de mim. Esta construção acontece no tempo e no lugar.
Qual lugar?

[...] nos fala precisamente desse lugar que todos seres humanos
ocupamos no espaço e no tempo. Em que campo? Primeiro no
campo da vida, e, em seguida, no campo familiar, no campo edu-
cativo, no campo profissional. Qual é o sentido de ser humano?
O sentido de ser humano aparece quando podemos ocupar esse
lugar que a vida nos deu por direito, exatamente da maneira como
nos foi transmitida pelos nossos pais. Quando somos concebidos,
pertencemos a nossa família de origem. (OLVERA, 2019, p. 72).

Bert Hellinger nasceu na Alemanha em 1925, estudou filosofia, teolo-


gia e pedagogia e trabalhou por 16 anos como membro de uma ordem mis-
sionária dos Zulus na África do Sul. Tornou-se psicanalista e desenvolveu
sob influência da dinâmica de grupo, da terapia primal, da análise transa-
cional e de diversos procedimentos hipnoterapêuticos sua forma de Cons-
telação Familiar. Em seus mais de 80 livros, além de relatos de constelações,
encontramos os referencias teóricos desenvolvidos por ele como fenomeno-
logia, leis sistêmicas: pertencimento, ordem, equilíbrio e amor cego.
O trabalho dele tomou tamanha proporção que suas bases foram apli-
cadas além da terapia, foram para as áreas da saúde, direito, organizações
empresariais e na pedagogia. Angélica Olvera, a partir de sua convivência

457
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

e aprendizado com ele é referência mundial na implementação, pesquisa


e desenvolvimento da Pedagogia Sistêmica com enfoque em Bert Hellin-
ger, mudança iniciada pelo Grupo CUDEC a partir de 2002 e que vem se
consolidando até os dias de hoje. A Pedagogia Sistêmica traz a possibilida-
de do educador, pedagogo conhecer e ocupar seu lugar no sistema trans-
geracional e olhar para seus alunos reconhecendo-os e respeitando-os.
Ocupar este lugar reconhecendo a singularidade dos envolvidos (edu-
cador, educando e educação) fortalece todos para que possam assumir a
responsabilidade e o compromisso a partir do seu lugar, de maneira íntegra
com leveza e alegria. Isso traz consciência e sentido da vida.
As metodologias pelas quais as relações de educação se estabelecem
são as mais variadas e cada qual guarda as suas implicações do tempo e das
necessidades. Segundo Olvera (2019, p. 84): “O método hellingeriano é
fenomenológico, sistêmico e transgeracional. Permite observar os fenô-
menos que se apresentam nos sistemas por meio das constelações familia-
res e identificar as dinâmicas profundas que os produzem”.
Na sala de aula, não cabe ao professor interferir nos sistemas familia-
res de seus alunos através da prática das Constelações Familiares, pois isso
seria atuar no âmbito psicológico e o professor tem papel pedagógico. Esta
distinção entre ambos os papéis é fundamental para que o professor possa
atuar desde o seu lugar e com o que lhe compete. Este discernimento
permite olhar o aluno na perspectiva sistêmica, fenomenológica e transge-
racional. Tal olhar implica já ter trabalhado com seus conteúdos internos
transgeracionais e desenvolvido a consciência de observador que o torna
disponível para perceber os fenômenos do processo de ensino-aprendiza-
gem e atuar de modo holístico. Libâneo (2005, p. 35) afirma que “[...] ter
uma visão holística significa ter o sentido de total, de conjunto, de inteiro
(holos, do grego), em que o universo é considerado como uma totalidade
formada por dimensões interpenetrantes”.
Como professora dos anos iniciais, sempre encontrei situações de re-
lacionamentos e aprendizagens difíceis de serem entendidas e resolvidas.
Durante o curso de Pós-Graduação em Pedagogia Sistêmica com enfoque
em Bert Hellinger, foi possível rever minha trajetória como estudante e
como professora, além de reconhecer meu próprio olhar e ampliá-lo de
forma a construir um outro jeito de estar em sala de aula, alegre e leve.
Pergunto-me:

458
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

• Como construímos o olhar? Sobre nós mesmos? Sobre a profissão?


• Olhar e ver é o mesmo?
• O que é possível ver ou não?
• Como vejo a escola? E para onde vejo?
• O que vejo é igual ou diferente do que os outros veem?
• O que diminui ou amplia a capacidade de olhar?

Se o que determina nosso olhar são as nossas experiências, vividas,


construídas e reconstruídas, como traduzir esse olhar construído em pos-
turas pedagógicas e atitudes que favoreçam aprendizagens na sala de aula
observando a faixa etária dos alunos e respeitando-os, sem interferir nos
sistemas familiares?
Em seus livros, Bert Hellinger nos fala do amor cego ou infantil, que é
capaz de qualquer coisa para pertencer, compensar ou equilibrar nos seus sis-
temas. Para o autor, família é o primeiro sistema do qual todos fazemos parte
e sabemos disso, pois recebemos a vida por esse sistema. A escola constitui o
segundo sistema e, para estar nela, a criança necessita da autorização dos pais.
A autorização aqui não se refere ao artigo 208 da Constituição Brasileira ou
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que diz que os pais têm a
obrigação matricular os filhos na escola. A autorização a que se refere aqui está
vinculada ao sentido de pertencimento, segundo Hellinger (2007). Perten-
cer a um sistema dá sentido à vida, a ameaça de não pertencimento pode ser
um impedimento a aprendizagem. A relação e o entendimento que a família
tem com o conhecimento e a escola são essenciais para aprendizagem ou não.
Quando a aprendizagem de alguma forma compromete o vínculo familiar, a
criança mantém-se leal aos padrões familiares e abre mão da aprendizagem,
manifestando isso através das dificuldades ou sintomas.
A seguir, apresento o relato algumas experiências em sala de aula em
relação ao amor cego e implicações do pertencimento familiar no processo
de aprendizagem.

2. OLHAR SISTÊMICO NA SALA DE AULA

2.1. AMOR INFANTIL EM SALA DE AULA

Nas turmas de Educação Infantil com crianças de seis anos em que


trabalhei em 2018, havia sempre uma criança ou outra com queixa de dor

459
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

de barriga. Isso é bastante comum nas escolas e nas turmas que em traba-
lhei, já que sempre vivi situações assim. O procedimento da escola é enca-
minhá-las para tomar uma água, ficar um pouco na secretaria ou direção e
se a dor for persistente, chamar os pais, comunicar-lhes através da agenda e
ver o que está ocorrendo com a criança. Na maioria das vezes, são sempre
os mesmos alunos e essa situação é rotineira nas escolas.
Após os conhecimentos da Pedagogia Sistêmica, experimentei inter-
vir nestas situações de outra forma. Quando a criança chegava para mim
com a queixa de dor de cabeça, de barriga ou mal-estar, pedia que dissesse
se estava preocupada com alguém ou com alguma situação em casa. Infor-
mava que não precisaria contar o que era ou com quem era, pois sei que as
coisas que acontecem em casa geralmente não se contam. Simplesmente
precisava saber se a criança estava ou não preocupada. Geralmente respon-
dia que sim. Então fazia outra pergunta, se sentia-se grande ou pequena.
Geralmente respondia que era grande. Perguntava se achava que poderia
ajudar seus pais. Para minha surpresa, essa era a resposta mais comum que
a criança dava, pois achava que era capaz de ajudá-los. Questionava se po-
deria dirigir, comprar coisas sozinha e assim fazia com que visse que não
era tão grande quanto imaginava. Usava a expressão “assim como chove
e faz sol e você não pode mudar isso, você também não pode fazer nada
em relação ao que acontece no mundo dos adultos, portanto se você qui-
ser ver seus pais felizes, deve estudar e fazer o trabalho em sala de aula”.
Para minha surpresa, a criança abria um sorriso, ou fazia um ar de espanto
como se dissesse: “será que isso é verdade?” Então reforçava a ideia de que
ela poderia amar seus pais, que isso é bonito, mas eles, os pais e mães, são
grandes, muito grandes e sabem cuidar de si e que ela poderia ficar em sala
de aula bem feliz e fazer sua tarefa.
Isso já aconteceu comigo na sala várias vezes. Entretanto, com uma
menina, quando perguntei se estava preocupada, ela respondeu que não,
então pedi o que estava acontecendo, ela fez um gesto com as mãos, que
entendi como a presença de um bebê, porém ficou nítido que ela não
assimilava aquela criança como seu irmão. Com palavras não consigo ex-
pressar o olhar dela em relação a mim, ao revelar a presença do irmão,
pois percebi que ela não se dava conta de que ela tinha um irmão e não
encontrava mais o seu lugar. Na mesma hora, perguntei se esse bebê era
seu irmão, qual o seu nome e como ele era. Ela respondeu que era muito

460
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

pequeno e sua mãe só ficava com ele, pois tinha dor de barriga. Questio-
nei se ela precisava ter dor de barriga para ficar com sua mãe. Abriu um
sorriso que indicava ser este o artifício utilizado por ela. Disse-lhe que
quando era bebê também chorava, fazia as coisas nas fraldas e que sua mãe
também tinha cuidado dela, mas que agora sua mãe precisava cuidar do
bebê e continuaria cuidando dela também. Reforcei que nesse momento
ela era a irmã maior e minha aluna também, que seu irmão não poderia
fazer o que estávamos fazendo, pois era muito bebê. Afirmei que um dia
seu irmão também iria para a escola, mas que agora ela estava aqui e co-
migo. Mais que depressa foi fazer o trabalho e nunca mais no ano teve
dor alguma. Depois fui conferir as informações com a professora titular
e realmente ela tinha tido um irmão há um mês e por isso tinha faltado
aulas algumas vezes, porque não queria tomar o transporte para vir à esco-
la. Sempre que sentia dor, a mãe era chamada e ela ia para casa, após essa
intervenção nada mais foi necessário.

2.2. A CRIANÇA PRECISA DE AUTORIZAÇÃO DOS PAIS


PARA APRENDER

Na turma do primeiro ano, onde se concentra a alfabetização, traba-


lho sempre leituras e escritas de palavras, mas em um determinado mo-
mento, quando as crianças conhecem as letras e os seus respectivos sons,
mas ainda não associam o suficiente para fazer a leitura da sílaba e ou da
palavra, proponho-me fazer um trabalho de leitura individual. Então, com
a autorização da colega, professora da turma, chamava esses alunos indi-
vidualmente e enquanto os outros faziam suas tarefas, este aluno, naquele
dia, ficava comigo para ler. Eu começava a conversa checando se realmen-
te sabia todas as letras e seus sons, se achava que estava pronto para ler, se
alguém não ficaria bem se ele lesse. Perguntava o nome dos pais, bairro
onde morava, o nome dos irmãos e escrevia no computador, aos poucos
ele lia e me olhava buscando aprovação, para comprovar se realmente es-
tava escrito o que lera. Depois pedia que lesse para um dos colegas para
comprovar a leitura. E assim nas outras aulas os alunos que estavam nessa
situação, pediam para vir aprender a ler comigo. Na turma, só havia mais
dois meninos que não liam e eu queria muito que um deles se dispuses-
se a ler, mas ele nunca manifestou interesse, eu insisti para que viesse.

461
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Ele me respondeu que precisava pedir para sua mãe. Eu não entendi, fui
compreender um tempo depois o que isso significava. No dia seguinte,
chegando à escola, estava ele vindo com a mãe e veio em minha direção
muito contente, pois sua mão o havia autorizado a ler. Ele veio com muita
dificuldade, mas leu pela primeira vez e não palavras conhecidas.

2.3. A PAZ EM SALA DE AULA

Brigas e desentendimentos entre colegas fazem parte da convivência


na escola. Assim como é na vida é na escola também. E quanto menor a
idade da criança, mais rápida é a reação ao ataque, assim os pequenos de
5 e 6 anos muito rapidamente se engalfinham para resolver a situação e os
motivos dos desentendimentos são os mais variados. A partir da ótica sis-
têmica, fenomenológica de que tudo e todos têm seu lugar, experimentei
a seguinte postura. Quando brigavam ou se desentendiam não procurava
saber quem começou ou qual a razão do desentendimento. Pedia simples-
mente que se olhassem nos olhos e assim permanecessem. O restante da
turma também participava ficando em silêncio o observando o que acon-
tecia. Quando eram muito pequenos, me colocava na altura deles e per-
manecia ao lado para que sustentassem o olhar. Sugeria que dissessem para
o colega frases como: “eu vejo você, eu sou eu, você é você, Eu sou do
meu jeito e você é do seu, ou também eu sou como você.” Fico impressio-
nada como isso acontece. Já fui procurada por alunos tanto menores como
os maiores que chegam a mim e pedem ajuda para olhar para o colega.

2.4. AS HISTÓRIAS

Hellinger (2007, p. 405) faz uso de histórias e ao ser questionado:


Quando você introduz histórias? Existem determinadas regras para isso?
Bert (2007, p. 405) responde: “Quando não vou adiante com alguém e
noto que existe um bloqueio, às vezes me ocorre alguma história para essa
pessoa. Muitas histórias surgiram dessa maneira e fazem então um efeito
surpreendente.” Gosto muito de contar histórias em sala de aula e diante
desta situação foi a solução que encontrei nesse caso.
Pietro era um menino de 10 anos que estava no quarto ano e ainda
usava chupeta. Este hábito comprometia sua dentição e fala. Foi encami-

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

nhado para a fonoaudióloga e após avaliação foi indicado para tratamen-


to, porém ela se recusava fazer o tratamento, caso ele continuasse usando
bico. A mãe, não sabia o que fazer e solicitou ajuda da escola. Assim a
coordenadora pedagógica pediu se eu poderia intervir de alguma forma,
pois já haviam sido feitas várias tentativas sem nenhum resultado. Nos
livros de Hellinger, ele conta várias histórias com fins terapêuticos, eu não
conhecia nenhuma que pudesse ajudar nessa situação, mas resolvi criar
uma. Um dia cheguei à escola e fui procurá-lo para dizer que eu havia
sonhado com ele e no sonho ele estava muito feliz, pois tinha deixado a
chupeta. Por não saber que eu conhecesse o fato, ficou surpreso, porém
informou que ainda o usava. Reforcei para ele meu sonho e pedi se seria
possível que o sonho se tornasse realidade, ele disse que sim. Ainda na-
quele mês voltou para atendimento com a fonoaudióloga. Não tenho mais
informações do que aconteceu depois.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Olhar a partir de outra perspectiva implica um movimento de mu-


dança de posição e ou, ampliação da capacidade de olhar. Ao considerar o
objetivo deste trabalho de relatar as experiências vividas em sala de aula a
partir do olhar da perspectiva sistêmica posso afirmar que fiquei surpresa
em perceber como o ambiente é rico sistemicamente e que a mudança da
minha postura se tornou uma necessidade a partir das observações.
O estudo da Pedagogia Sistêmica com enfoque em Bert Hellinger me
ajudou a olhar para os alunos e para a minha prática de uma maneira tran-
quila, humana, inteira. A postura fenomenológica em sala de aula nos faz
perceber o quanto a vida é dinâmica e cheia de possibilidades e somente
com consciência é possível atrever-se a experimentar outros comporta-
mentos e permanecer neste processo de auto investigação e conhecimento
a respeito de si e do que nos cerca. Sou profundamente grata por viver e
aprender e compartilhar tudo isso.

REFERÊNCIAS

DELORS, J. (coord.). Educação: um tesouro a descobrir: Relatório


para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação

463
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

para o Século XXI. Tradução de José Carlos Eufrázio. São Paulo:


Cortez Editora. Brasília: Unesco, 1998.

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pe-


dagogia do Oprimido. 4ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

HELLINGER, B. Ordens do Amor um guia para o trabalho com as


constelações familiares. São Paulo: Cultrix, 2007.

LIBÂNEO, J.C. As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo


Debate Contemporâneo na Educação. In: LIBÂNEO, J. C.; SAN-
TOS, A. (Orgs.). Educação na Era do Conhecimento em Rede
e Transdisciplinaridade. Campinas: Alínea, 2005.

OLVERA, A. Pedagogia Hellinger. São Paulo: Terrahumida, 2019.

PAIVA, G. Curso Renascimento Sistêmico. Carlos Barbosa, maio


2019.

464
REFLEXÕES: REGISTROS DE
REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA E
TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS
NO ENSINO DA MATEMÁTICA
Dionara Freire de Almeida72
Pedro Carlos Pereira73

INTRODUÇÃO

Temos como principal objetivo deste artigo, que faz parte da tese de
doutoramento, em desenvolvimento, a reflexão crítica e teórica a respeito
da Didática da Matemática (DDM), no que tange, especificamente, a duas
teorias cognitivistas: a Teoria dos Registros de Representação Semiótica
(RRS), de Raymond Duval; e a Teoria dos Campos Conceituais (TCC),
de Gérard Vergnaud.
Para tanto, investigamos as duas teorias já citadas como marco teó-
rico fundamental, RRS, de Duval (2003), a qual estuda a existência e
coordenação de representações próprias da matemática. Segundo alguns
dos principais ensinamentos, para aprender, um indivíduo precisa transitar
entre vários registros de representação dos objetos e coordená-los. Explica
também que é importante as transformações possíveis das representações
e não só as representações, discutindo a distinção entre objeto e represen-

72 Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidad Columbia del Paraguay e Tutora


EAD Administração UFSC.
73 Doutor em Educação Matemática (PUC/SP) e Professor Adjunto da UFRRJ.

465
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

tação. A TCC, de Vergnaud (2009), diferencia a referência e o significado


dos objetos nas diferentes situações (tarefas) que se podem desenvolver em
sala de aula. Essa é uma teoria que apresenta elementos para se analisar o
sujeito-em-ação, foco de nossa investigação.

REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA (RRS), DE


DUVAL, E A TEORIA DO CAMPO CONCEITUAL (TCC),
DE VERGNAUD

Procuramos, neste momento, articular a ideia concernente entre duas


teorias desenvolvidas na escola francesa, no contexto da Didática da Ma-
temática (DDM): RRS, de Duval, e TCC, de Vergnaud. Também apre-
sentamos reflexões de outros pesquisadores em torno dessas concepções
com relação ao ensino de matemática, buscando estabelecer pontos de en-
contro e desencontro dos pressupostos apresentado por Duval e Vergnaud.
Para eles, os educadores matemáticos devem ter o ensino da matemática
a partir da diversidade de representações da matemática; das operações
de tratamento e conversão entre esses registros; da semiose; e da noesis,
que pode ser um caminho que facilite os nossos alunos a compreender a
matemática
Nas visões de Piaget (1962) e de Vygotski (1968), as representações
semióticas são essenciais à atividade cognitiva do pensamento, não sendo-
somente necessárias para fins de comunicação. Elas desempenham papel
indispensável no desenvolvimento das representações mentais, pois de-
pendem de uma interiorização de representações semióticas, do mesmo
modo que as representações mentais são uma interiorização daquilo que
é percebido.
As representações semióticas, para Duval (2003, p. 2), não devem
ser consideradas como um simples meio de exteriorização das represen-
tações mentais para fins de comunicação, elas são igualmente essenciais
à atividade cognitiva do pensamento: “[...] são produções constituídas
pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representações que
tem suas dificuldades próprias de significação e funcionamento”. Segun-
do Duval (2009), assume-se que não é possível estudar fenômenos rela-
tivos ao conhecimento sem recorrer à noção de representação, pois ela é
inseparável do desenvolvimento científico por permitir representar seus

466
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

objetos e relações. Na verdade, a natureza da noção de representação tem


sido abordada na literatura científica a partir de três diferentes perspectivas
epistemológicas, sendo abordada no nosso estudo a noção das representa-
ções semióticas, cuja especificidade relaciona-se “a um sistema particular
de signos, podendo ser convertidas em representações equivalentes em
outros sistemas semióticos, mas podendo tomar significações diferentes
para o sujeito que as utiliza” (DUVAL, 2009, p. 31).
Conforme Duval (2009), as dificuldades de compreensão na apren-
dizagem da matemática não estão relacionadas aos conceitos, mas à varie-
dade de representações semióticas utilizadas e o uso confuso delas. Para
tanto, usa o termo “registro” para distinguir o sistema semiótico utilizado
em matemática dos outros sistemas semióticos. Constatando que as difi-
culdades apresentadas pelos alunos na compreensão da Matemática são
originadas da/na situação epistemológica particular do conhecimento ma-
temático. Sendo assim, há a necessidade de promover um ensino de Ma-
temática que possibilite nos estudantes o desenvolvimento da abstração,
facilitando a aprendizagem e a utilização de símbolos e signos próprios
que representam os objetos matemáticos e suas possíveis relações.
Acreditamos que o professor, ao ensinar matemática, tenha consciên-
cia dos processos cognitivos específicos que requer o pensamento mate-
mático, seja capaz de justificar o resultado de uma situação-problema por
meio de uma propriedade onde o aluno possa aprender, reconhecendo o
mesmo objeto em diferentes representações semióticas:

Para que os alunos possam realmente compreender matemática, ou


para que a matemática contribua para a formação intelectual e geral
deles, que vá além de uma aprendizagem tecnológica de procedi-
mentos executados à mão ou com máquinas, é preciso desenvolver
outro tipo de funcionamento cognitivo que o praticado nas outras
disciplinas. (DUVAL, 2009, p. 9).

Para produzir conhecimento matemático, segundo Vale, Pimentel e


Barbosa, (2015), é preciso existir uma relação clara e consistente entre a
compreensão dos conceitos matemáticos e o desenvolvimento cognitivo.
Essa prática pode se tornar mais substantiva para o desenvolvimento dos
alunos. Conforme Duval (2003), a matemática tende a diversificar o regis-

467
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

tro da representação, e a aprendizagem da matemática pode promover so-


bremaneira o desenvolvimento das habilidades cognitivas globais pessoais.
Duval (2009) nos aponta dois tipos de dificuldades para a aprendizagem:
locais e globais. São locais as que estão relacionadas ao conhecimento da
aprendizagem matemática que aparecem, até mesmo, em uma única aula,
ou após algumas semanas. Já as globais aparecem durante o ano de aula, e es-
tão relacionadas à resolução de problemas, raciocínio, visualização geomé-
trica e gráfica. E, no sentido de minimizar essas dificuldades e ter êxito no
desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos em matemáti-
ca, Duval (2009) diz que os métodos cognitivos são necessários, porque na
formação inicial, o objetivo do ensino da matemática não é formar futuros
matemáticos, nem fornecer aos alunos ferramentas que só serão úteis para o
futuro, mas contribuir para o desenvolvimento global de sua capacidade de
raciocínio. A originalidade do método cognitivo não é tentar determinar
as ideias dos alunos e a fonte de suas dificuldades com base em erros, mas
permitir aos alunos compreender, executar e controlar os vários processos
matemáticos que propõem no ambiente de ensino, visando a seu desenvol-
vimento sem atribuir miopia à aquisição do conceito e contribuindo para a
aprendizagem da matemática e para sua educação como ser humano.
De acordo com o RRS, os objetos matemáticos não são diretamente
acessíveis na percepção, ou numa experiência intuitiva imediata, como
são os objetos ditos “reais” ou “físicos” e suas representações semióticas,
não são somente necessárias para comunicar as representações mentais,
mas também são necessárias para o pensamento matemático. Neste caso,
é preciso dar aos objetos uma representação semiótica. Nesta perspectiva,
a Matemática trabalha com a mobilização de objetos abstratos, e, por esse
motivo, o aluno necessita recorrer a sua representação para a apreensão
desses objetos. Ou seja, o desenvolvimento cognitivo do aluno está rela-
cionado ao pensamento ligado às operações semióticas e, consequente-
mente, nas suas representações, pois não haverá compreensão sem os re-
cursos das representações semióticas, uma vez que “não há conhecimento
que não possa ser mobilizado por um sujeito sem uma atividade de repre-
sentação” (DUVAL, 2009, p. 29). O uso de diferentes RRS contribui
para uma reorganização do pensamento do aluno e influencia a atividade
cognitiva da pessoa que as utiliza. Portanto, as RRS são necessárias para a
compreensão de conceitos matemáticos.

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Duval (2009, p. 5) afirma:

As formas de pensar e trabalhar em matemática são radicalmente


diferentes daquelas praticadas em outros domínios do conheci-
mento, uma vez que, tanto nas pesquisas sobre a aprendizagem de
matemática quanto no conjunto das dificuldades intransponíveis
de compreensão nas quais a maioria dos alunos se bate sistematica-
mente, o ponto de vista cognitivo.

Todavia, para Colombo (2008), na aprendizagem da Matemática deve


existir uma relação de dupla entrada entre sistemas cognitivos, envolvendo
atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento
e linguagem, e sistemas semióticos, visto que não devemos prestigiar mais
um sistema do que o outro, e se assim ocorrer, poderá haver dificuldades
de absorção de conhecimento. Ainda nos afirma que:

A representação semiótica é imprescindível na formação cultural


da humanidade, ou seja, na produção do conhecimento, uma vez
que este é veiculado e limitado pelas representações. Limitado por-
que, para se ter conhecimento, é preciso que o objeto do conheci-
mento esteja em presença do sujeito do conhecimento – é preciso
que o objeto do conhecimento seja dado a conhecer, o que ocorre
por meio das representações. Estas possibilitam o acesso aos obje-
tos do conhecimento. Por isso mesmo é que podemos dizer que
“conhecer” é uma atividade essencialmente de natureza semiótica
(COLOMBO 2008, p. 22).

A Teoria dos Registros de Representação Semiótica tem ajudado


na organização de ocorrências de aprendizagem, na busca da conceitua-
lização e na aquisição de conhecimentos matemáticos. Segundo Duval
(2009), quando destaca que não é possível apreender conceitualmente um
objeto matemático sem fazer uso de suas representações por meio de re-
gistros semióticos, pois a semióse é a apreensão ou a produção de uma re-
presentação semiótica e noésis a apreensão conceitual de um objeto, o que
nos leva à afirmar que não existe a noésis sem que haja semióse. Nesse con-
texto, as representações assumem papel determinante na aprendizagem e
no ensino da matemática, não havendo possibilidade de um sujeito mobi-

469
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

lizar qualquer conhecimento sem realizar uma atividade de representação,


e o desenvolvimento das representações semióticas é uma das condições
essenciais para a evolução do pensamento matemático.
Podemos concluir que não é possível existir a compreensão e a apren-
dizagem em Matemática se não distinguirmos os objetos matemáticos de
suas representações. Por exemplo, no estudo de Função, observamos que
o objeto matemático função é o “f (x)” ou “y”, quando, na verdade, essas
são apenas representações de tal objeto. E caso ocorra uma confusão entre
o objeto e sua representação isto pode provocar uma perda de compreen-
são dos conceitos a serem estudados.
A teoria de RRS trata o objeto como conceito matemático. Neste
sentido, Duval (2009) defende que a distinção entre um objeto matemá-
tico e a representação é importante para o desenvolvimento cognitivo no
ambiente de ensino e aprendizagem e esclarece que as relações existentes
entre os dois termos são as noções centrais para toda a análise do conheci-
mento, a confusão desses dois termos implica uma perda de compreensão
no contexto de aprendizagem matemática no papel exercido pelos dife-
rentes registros que ele mobiliza em função dos objetos matemáticos a
representar. Afirma ainda que o conhecimento nasce quando não empre-
gamos as representações do objeto no lugar do objeto e:

Na matemática a especificidade das representações consiste em


que elas são relativas a um sistema particular de signos, à lingua-
gem, à escrita algébrica ou aos gráficos cartesianos e elas podem
ser convertidas em representações equivalentes num outro sistema
semiótico, podendo tomar significações diferentes pelo sujeito que
as utiliza. (DUVAL, 2003, p. 17).

Evidenciando a aprendizagem de matemática, Duval (2009, p. 21)


explica:

Na matemática, diferentemente dos outros domínios de conheci-


mento científico, os objetos não são jamais acessíveis perceptiva-
mente ou instrumentalmente (microscópio, telescópio, aparelhos
de medida etc.). O acesso aos objetos matemáticos passa necessa-
riamente por representações semióticas.

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

É possível percebermos que o processo de apropriação do conheci-


mento requer o uso de múltiplos sistemas de representação e expressão
além da linguagem natural ou linguagem gráfica, ou seja, vários sistemas
de escrituras algébricas e lógicas contendo estados de linguagem paralelos
à linguagem natural para expressar relações e operações, representações
em perspectiva, diagramas cartesianos, diagramas de rede, diagramas etc.
E no pensamento matemático há, de um lado, a apreensão dos objetos
matemáticos que podem ser apenas uma apreensão conceitual e, de outro,
só por meio de representações semióticas é que uma atividade sobre obje-
tos matemáticos é possível (DUVAL, 1993, p. 38). Portanto, é enganosa
a ideia de que todos os registros de representações de um mesmo objeto
tenham igual conteúdo ou que se deixem perceber uns nos outros (DU-
VAL, 2003, p. 31). Sendo assim, as representações semióticas são pro-
duções constituídas pelo emprego de signos pertencentes a um sistema
de representação, os quais têm suas dificuldades próprias de significado e
funcionamento (DUVAL, 2003, p. 37).
Na finalidade de validar um sistema semiótico como registro de re-
presentação, Duval (2003) nos apresenta três atividades cognitivas ligadas
à semiose: a formação identificável; o tratamento; e a conversão. Elas nos
permitem reconhecer as representações como representações num re-
gistro determinado. A representação identificável (desenho de uma for-
ma geométrica, expressão de uma fórmula, entre outros) dependente do
conteúdo a representar e deve respeitar certas regras, é a atividade que
permite representar determinado conhecimento por meio do signo, que
são próprios do sistema semiótico. O tratamento é uma transformação de
representação interna a um registro, ou seja, um mesmo sistema mobiliza
apenas um só registro de representação, não resulta em mudança de regis-
tro (figuras, gráficos, escrituras simbólicas, língua natural, entre outros),
onde devemos considerar a transformação da representação. O cálculo é
o tratamento típico dos registros simbólicos. Na conversão, é necessário à
coordenação pelo sujeito da transformação de uma dada representação em
outra, em outro sistema semiótico, de modo a conservar a totalidade ou
parte da representação inicial. Isto é a transformação das representações
que consiste na troca dos registros de partida e de chegada, conservando
o objeto (passar da escrita algébrica para o registro gráfico). Significa que
“duas representações de um mesmo objeto, produzidas em dois registros

471
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

diferentes, não têm de forma alguma o mesmo conteúdo” (DUVAL,


2003, p. 23), mas representam o mesmo objeto.
Duval (2003) propõe que, na conversão das representações, de um
sistema semiótico a outro, haverá uma operação cognitiva que pode ser
descrita como uma mudança de forma. Possibilita, assim, uma diversidade
das formas de representação para um mesmo conteúdo representado, po-
dendo ocorrer por razões de economia de tratamento e colocando tanto a
questão do papel da semiósis no funcionamento do pensamento quanto das
condições de uma diferenciação entre representante e representado. Isso
não ocorre na operação de tratamento, pois ele dá importância na forma,
como se ela fosse responsável pela descrição de uma informação. E no que
diz respeito à forma, tanto desenhar um gráfico de uma equação ou passar
de um enunciado de uma relação à escrita literal desta relação será equiva-
lente a encontrar a forma pela qual um conhecimento é representado. Esta
é uma distinção decisiva para toda análise do funcionamento cognitivo da
compreensão e a atividade de conversão não deve ser considerada como
uma simples codificação. A atividade de conversão exige uma apreensão
global e qualitativa que não é possibilitada pela atividade de codificação.
É esta habilidade que torna possível relacionar os valores escalares (coefi-
cientes positivos ou negativos, maior, menor ou igual a 1) de uma função
apresentada em linguagem algébrica com os pontos de interseção com
os eixos ou com a inclinação, no caso de uma reta representada no plano
cartesiano.
Quando esta relação for estabelecida, significa que as variáveis cog-
nitivas específicas do funcionamento de cada um dos registros estão sen-
do articuladas. Isso significa que ambos os registros de representação são
compreendidos no que diz respeito às unidades de significado. Os diversos
registros de representação de um mesmo objeto matemático não têm o
mesmo conteúdo.
Vergnaud (1990) ressalta a necessidade do estudo das representações
assinalando duas razões. A primeira é a que se experimentam represen-
tações como imagens internas, gestos e palavras. Já a segunda, é a que
as palavras ou símbolos que utilizamos para a comunicação não se re-
ferem diretamente à realidade, mas às entidades representadas: objetos,
propriedades, relações, processos, entre outras. Outra apresentação das
representações está em dois planos: primeiro, o dos significantes das re-

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

presentações simbólicas, tais como, linguagem natural, gestos, desenhos,


esquemas, tabelas, álgebras; e o segundo é o plano dos significados, as
invariantes operatórios, que se explicita no estabelecimento de inferências
de regras de ação, de predições etc.
Esta teoria cognitiva proposta pelo pesquisador francês Gérard Verg-
naud está baseada nos princípios da teoria de Jean Piaget (1896-1980).
Para Vergnaud (1996), a teoria do domínio conceitual é considerada uma
cognitivista neopiagetiana, que permite o estudo do desenvolvimento e da
aprendizagem das competências complexas, nomeadamente daquelas que
se revelam das ciências e das técnicas. A pesquisa de Piaget independe do
conteúdo de seu conhecimento, que ele denomina “complexidade lógica
geral”. Como Vergnaud (1996) atua em ambiente escolar, tendo como
referência o conteúdo do conhecimento e a análise conceitual do domínio
do conhecimento, sua teoria fornece um estudo do processo de aprendi-
zagem de conceitos que vão muito além do campo da matemática, o que
a torna uma teoria não específica com foco na matemática. A Teoria dos
Campos Conceituais (TCC) faz uso de várias situações para o desenvolvi-
mento do ensino da matemática, em que distintas representações semió-
ticas podem ser promovidas e mais de um conceito pode estar envolvido.
Vergnaud (1990) ressalta a necessidade do estudo das representações
assinalando duas razões. A primeira é a que se experimentam representa-
ções como imagens internas, gestos e palavras. Já a segunda, é a que as pa-
lavras ou símbolos que utilizamos para a comunicação não se referem dire-
tamente à realidade, mas a entidades representadas: objetos, propriedades,
relações, processos, entre outras. Outra apresentação das representações
está em dois planos: primeiro, o plano dos significantes das representações
simbólicas, tais como linguagem natural, gestos, desenhos, esquemas, ta-
belas, álgebras; e o segundo é o plano dos significados, as invariantes ope-
ratórios, que se explicita no estabelecimento de inferências de regras de
ação, de predições etc.
A TCC foi desenvolvida numa tentativa de construir uma teoria ope-
ratória da representação. O conceito de representação é primordial para
analisar a formação do conhecimento operatório, os processos de apren-
dizagem e a transmissão de conhecimento, tornando a representação um
objeto de estudo da psicologia. Há também a funcionalidade da represen-
tação presente no seu papel operatório, isto é, na formação da experiência

473
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

em seu conjunto, seja ela social individual, sistematicamente organizada


ou aberta, discursiva ou não discursiva.
O desenvolvimento cognitivo é influenciado pelo conteúdo do ensi-
no, de modo que investiga o sujeito durante o desenvolvimento de uma
situação de ensino. Para TCC, o ponto fundamental da cognição é o
processo de conceitualização, atividade psicológica interna ao sujeito que
não pode ser reduzida ao modelo do processamento de informação. Com
relação às atividades cognitivas complexas, às aprendizagens científicas e
técnicas desta teoria, propõe-se a compreender os problemas de desenvol-
vimento específicos no interior de um mesmo campo de conhecimento,
pois analisa a relação entre os conceitos, o conhecimento específico e as
invariantes operatórias (conceito-em-ação e teorema-em-ação). Assim
sendo, a TCC trata do desenvolvimento cognitivo, cujo campo conceitual
é um conjunto vasto de situações que necessita de um conjunto de esque-
mas, de conceitualizações e representações simbólicas para enfrentá-las.
No que diz respeito à didática da matemática, a TCC procura investigar
o sujeito em situação que repousa a significação das ações do sujeito, ou
seja, é por meio das situações que o saber se torna operatório e, por isso,
significativo. Outra condição é relacionar o crescimento do sujeito com as
tarefas que ele é levado a resolver, tendo como cerne a conceitualização,
um processo longo e que requer uma diversidade de situações.
Enfim, os conceitos de campo conceitual, situações, esquemas, inva-
riantes operatórios e formas de linguagem são fundamentais para a com-
preensão dessa teoria, e a TCC proposta por Vergnaud (1990, p. 133):

É uma teoria cognitivista que visa fornecer um quadro coerente


e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e
da aprendizagem de competências complexas, notadamente as que
revelam das ciências e das técnicas.

De acordo com Vergnaud (1990), o conhecimento está organizado


em campos conceituais e o domínio dele por parte do aluno vai aconte-
cendo gradativamente, sendo um processo evolutivo que busca relacio-
nar a experiência com a aprendizagem. Segundo o autor (VERGNAUD,
1990), campo conceitual é um conjunto informal e heterogêneo de pro-
blemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações

4 74
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente, entrelaçados


durante o processo de aquisição. Um conceito não se forma dentro de um
só tipo de situação, o que sugere a necessidade de se diversificarem as ati-
vidades de ensino, em um movimento que permita ao sujeito aplicar um
dado conceito em diversas situações e que faça a integração entre as partes
e o todo. Uma situação não se analisa com um só conceito, o que implica
a necessidade de uma visão integradora do conhecimento. Ter atividades
didáticas que permitam uma visão generalizante do conhecimento e que
pode vir a contribuir para uma melhor apropriação pelos estudantes.
Acreditamos que Vergnaud (1990) amplia a compreensão sobre cam-
po conceitual para poder abarcar a complexidade do sujeito em ação, ou
seja, o sujeito em face às situações. Um conjunto de conceitos e situações
que coloca a perspectiva nos conceitos ou nas situações. As situações são
partes integrantes dos conceitos, uma vez que funcionam como um ce-
nário onde a ação se desenvolve. Esse cenário dá o contexto necessário
para as ações e suscita, no sujeito, o estabelecimento de relações entre os
conceitos que são tidos como pertinentes para uma dada ação. Assim, é
impossível que se tenha uma ação sem o contexto que lhe sustente.
Na TCC, o desenvolvimento cognitivo está sujeito à situação e a
conceitualização a ser realizada pelo sujeito, e segundo Vergnaud (1990,
p. 52):

O saber se forma a partir de problemas para resolver, quer dizer,


de situações para dominar. Por problema é preciso entender, no
sentido amplo que lhe atribui o psicólogo, toda situação na qual é
preciso descobrir relações, desenvolver atividades de exploração,
de hipótese e de verificação, para produzir uma solução.

Sendo assim, a cognição está ligada às situações e torna-se necessário


relacionar desenvolvimento do sujeito com as tarefas que tem que resol-
ver, isto é, o processo de desenvolvimento cognitivo dependente de uma
diversidade de situações a serem enfrentadas pelo sujeito para a construção
de conceitos. A formação de um campo conceitual requer do aluno o do-
mínio de diversos conceitos de natureza diferentes. Assim, um conceito
não pode ser apreendido em uma única situação, por poder ter um con-
junto de situações distintas que o evocam, ou seja, é através de várias situa-

475
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

ções-problemas que um conceito adquire significado e sentido para o alu-


no. Não podemos deixar de mencionar que, no campo da Matemática, há
conceitos que são apresentados pelos seus mais variados símbolos e repre-
sentações. Dessa forma, um conceito está em constante aprimoramento,
e é compreendido e aprimorado pelos sujeitos no decorrer da experiência
escolar, e em função das diferentes situações que lhes são propostas.
Para Vergnaud (1990), com relação ao conceito numa abordagem psi-
cológica e didática, deve ser compreendido como um conjunto constituí-
do de três subconjuntos, C = (S, I, R):

• S é o conjunto das situações que dão sentido ao conceito (a refe-


rência);
• I é o conjunto dos invariantes operatórios, conceitos-em-ação e
teoremas-em-ação que intervêm nos esquemas de tratamento das
situações (o significado); e
• R é o conjunto das representações linguísticas e simbólicas que
permitem a representação do conceito e de suas propriedades, das
situações às quais ele se aplica e dos procedimentos de resolução
destas situações (o significante).

Então, podemos dizer que a construção de um conceito se dá a partir


da relação entre esses três subconjuntos, ou seja, para compreender um
conceito, o aluno precisa de situações-problemas em que este conceito
esteja inserido e tenha esquemas que lhe permite buscar soluções (signifi-
cado) das diferentes formas de representação (significante). De uma forma
geral, não existe bijeção entre significantes e significados, nem entre inva-
riantes e situações.
Sabemos que um campo conceitual é, inicialmente, um conjunto de
situações, cujo domínio requer o domínio de vários conceitos de nature-
zas distintas. As situações é que são responsáveis pelo sentido atribuído ao
conceito, mas o sentido não está nas situações em si mesmas, assim como
não está nas palavras e nem nos símbolos. No entanto, o campo conceitual
faz a ligação entre o conceito e as situações que dão sentido ao conceito,
e dele ao de esquema, pois são os esquemas utilizados pelo sujeito que
dão sentido as situações, e por fim o conceito de esquema nos induzirá ao
conceito de invariante operatório.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos dos psicólogos franceses cognitivistas, Duval e Vergnaud,


se destacam na teoria de aprendizagem da matemática. Vergnaud (1990),
por exemplo, define elementos essenciais para a formação dos concei-
tos matemáticos, é necessário situações de aprendizagem com contextos
significativos. Já Duval (2003) discute um dos elementos da tríade apre-
sentada por Vergnaud – as representações –, ressaltando ainda que, para
apreender um conceito matemático, é necessário mais que a articulação
de diferentes representações semiótica. Nessas teorias, encontramos sus-
tentação para responder às questões levantadas.
Considerando que este estudo desenvolveu uma breve reflexão acerca
dessas duas teorias, é de suma importância apresentar trabalhos que dis-
cutem essas teorias em didática da matemática, pois reforçam nossa ideia.
Compreender os conceitos dos RRS e a TCC, a partir desse cenário,
empreende-se uma discussão teórica sobre a noção delas na natureza das
tarefas matemáticas e a possibilidade de articular esses elementos teóricos
no âmbito de questões educativas nas aulas de matemática.
Dessa forma, entender e compreender as representações semióticas e
a congruência semântica, mais precisamente o trânsito entre as mais di-
versas representações possíveis de um mesmo objeto matemático em es-
tudo, é um desafio que deve assumir papel de relevância no ensino e na
aprendizagem.

REFERÊNCIAS

COLOMBO, J. A. A.; FLORES, C. R.; MORETTI, M. T. Represen-


tações do número racional na formação de professores que ensinam
matemática. REREMAT, p. 41-48, 2008.

DUVAL, R. Registro de representação semiótica e o funcionamento cog-


nitivo da compreensão em matemática. In: MACHADO, Silvia D.
A. (Org.). Aprendizagem em matemática: registros de repre-
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______. Semiósis e pensamento humano: registros semióticos e


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477
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

PIAGET, J. La formation du symbole chez l’enfant. Neuchatel. De-


lachaux&Niestlé, 1896/1946.

VALE, I; PIMENTEL, T.; BARBOSA, A. Ensinar matemática com re-


solução de problemas. Quadrante – revista de investigação em
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VERGNAUD, G. La théorie des champs conceptuels. Recherches en


Didactique des Mathématiques, v. 10, n. 23, 1990.

VERGNAUD, G. O que aprender? In: BITTAR, M.; MUNIR, A. C.


(Orgs). A aprendizagem matemática na perspectiva da Teoria
dos Campos Conceituais. Curitiba: Editora CVR, 2009.

VYGOTSKI, L. S. Thought and language. Trad. Hanfmann &Vakar.


Cambridge: MIT Press, 1962/1934.

478
AS RELAÇÕES HISTÓRICAS,
FILOSÓFICAS E SIMBÓLICAS ENTRE
OS OBJETOS DE CONSTRUÇÃO
DOS POVOS ANTIGOS COM A
MAÇONARIA
Walfrido Monteiro Júnior74

INTRODUÇÃO

A arquitetura nos moldes dos povos antigos é considerada a arte mais


antiga do ser humano; não serviu apenas de objetivo para se ter um sim-
ples abrigo, uma morada, mas foi em diversas sociedades como se perce-
be, a arte de se construir e projetar a beleza, a novidade e a ostentação,
vencendo e superando os próprios limites dos construtores. Com o passar
do tempo, cada cidade ou território foi criando sua própria técnica, suas
próprias ferramentas, regras e segredos, e no pensamento do arquiteto,
sua obra sempre poderá ser elevada a um nível além do que ele próprio
conseguiu enxergar.
Ele constrói para fora de si o mundo em que vive e para dentro de si
o mundo que quer viver. A maçonaria é uma ordem que foi buscar ele-

74 Graduado em Letras (UNIB), graduado em Filosofia (UNIMES), especialização em Gestão


Escolar (FALC), especialização em Arqueologia (UNISA), mestrado em processo: Educação
Universitária (UNR) e doutorado em processo: Ciência da Educação Superior (UNR); cursos
de extensão: Práticas de Leitura e Escrita Acadêmica (USP), Escrita Científica, professor Dr.
Valtencir Zucolotto (USP), Ciências Políticas (USP).

479
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

mentos dessas culturas e que remete desde os construtores do Egito que


dispunham de técnicas de engenharia, arquitetura, matemática, astrologia
e astronomia que fascinam até hoje os estudiosos mais renomados da egip-
tologia.
Segundo Isaias (2017), o arquiteto mais respeitado do antigo Egito foi
Imhotep, no período do faraó Djoser. Ele imaginou um templo em forma
de escadarias que se eleva até o céu, simbolizando a passagem do mundo
carnal para o mundo celestial, não a mesma encontrada no platô de Saq-
qarah, à esquerda da capital de Mênfis, mas uma que fosse digna para um
faraó. Imhotep teve que formar os melhores arquitetos e artesãos para que
pudessem realizar o sonho pessoal desse magnífico construtor, portanto,
os usos das técnicas são considerados quase que sagrados e não poderiam
ser passadas para qualquer pessoa; os trabalhadores também eram dividi-
dos pelas suas funções e suas habilidades.
A maçonaria irá se inspirar e simbolizar todas as ações dos construto-
res ou pedreiros, só que em uma ação não mais para construir templos ou
moradias, mas como uma forma de entender o ser humano como um ser
em construção, em busca de um nível elevado de sabedoria, autocontrole
e amor, devendo ser um autoconstrutor de si mesmo. Tal ação não acon-
tece do dia para noite, portanto terá que passar por provas e níveis para
que aqueles que estão a um nível acima possam perceber se realmente está
preparado para conseguir um próximo grau.
Nesta pesquisa deu-se mais importância aos construtores da Idade
Média, já que eles foram os responsáveis por muitos dos códigos e regras
que são mantidos nos rituais maçônicos. Entenderemos, portanto a rela-
ção dos objetos usados pelos mestres de construções em suas ordens ou
guildas medievais e o usos desses mesmos objetos usados, só que de uma
forma simbólica, pelos maçons.
De acordo com Dias (2016), são duas as influências mais significativas
para a maçonaria no período medieval, a Ordem dos Construtores Livres
e a ordens militares como a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, a Ordem
dos Cavaleiros da Cruz de Malta e a mais importante, a Ordem dos Tem-
plários, comunidade religiosa e militar fundada em 1118 e perseguida pela
Igreja Católica em 1307 por Felipe IV, o Belo, com a anuência do Papa
Gregório V e o assassinato do padrinho do filho do rei, Jacques de Molay.

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Em se tratando das ordens dos militares, essas foram as principais for-


ças bélicas da época medieval: ora eram militares, ora eram religiosos e
nessa mistura nasceram os rituais, os toques secretos e as juras de fide-
lidade entre os membros da ordem. É essa a relação que será proposta, a
Maçonaria especulativa tem a sua história e buscou na Antiguidade suas
maiores estruturas: a construção, a beleza, a evolução, a liturgia e a arqui-
tetura simbólica de transformação individual e social.

1. DEFINIÇÕES

No Egito nasceram as mais belas construções já vistas pelo ser huma-


no, a pirâmide de Djoser, em degraus, com 60 metros de altura, localizada
em Sacara, sendo a primeira construída dessa forma; Queóps, Quéfren e
Miquerinos localizadas na planície de Gizé; as mastabas, os túmulos esca-
vados nas rochas, as esfinges e os obeliscos. Todos concretizam o avanço
tanto da arquitetura quanto do sonho do homem de realizar aquilo que é
considerado impossível.
Os mágicos templos são em forma de triângulo, forma geométrica
que sempre teve como simbologia o sagrado. De acordo com Figueiredo
(2006), o triângulo representa o símbolo do poder e do homem livre, com
isso a maçonaria especulativa se utilizou dessa forma para simbolizar o
respeito a essa cultura e também aos construtores que a elas tanto se de-
dicaram. O triângulo ganha outros significados, já que é formado por três
lados e o número três, que segundo Castro (2008), sempre esteve presente
em diversas culturas como um número sagrado, uma relação entre o ho-
mem e Deus.
Seguindo o mesmo conceito, conforme Castro (2008), para os hin-
dus a manifestação divina é trina: Brahma, Vishnu e Shiva; para os persas,
representava um número que trazia um caráter mágico; no cristianismo
temos a santa trindade – pai, filho e espírito santo. São três os profetas que
visitam Jesus, e portanto, são três os presentes dados, cada um com a sua
simbologia; são três vezes que Pedro negou Jesus, são três os dias entre a
morte e a ressurreição, e Cristo morre com trinta e três anos; o tempo é
dividido por três momentos, passado, presente e futuro, tripla é a vida –
nascimento, maturidade e morte.

481
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

E para a maçonaria não seria diferente, Deus, o esquadro e o com-


passo, são três as colunas da loja maçônica – que remetem as construções
gregas – jônica, dórica e coríntia, que simbolizam, a sabedoria, a força e a
beleza, são três os graus simbólicos – aprendiz, companheiro e mestre, são
três os segredos do primeiro grau – o sinal, o toque e a palavra, são Três as
pancadas maçônicas à Porta do Templo, significando as Três palavras da
Escritura: Bate e ela se abrirá (a Porta do Templo); Procura e acharás (a
Verdade); Pede e receberás (a Luz).
Sobre a definição da maçonaria para aqueles que são membros ou que
não vazem parte da ordem, Figueiredo (2006), define que essa institui-
ção nasce com os construtores antigos, como os egípcios, permeia até as
guildas ou corporações de ofício na Idade Média, grupos de construtores
filiados com regras de guardarem os segredos das técnicas de construção.
Portanto, de acordo com Palou (1998), os maçons medievais eram traba-
lhadores livres que de certa forma operavam, isto é, trabalhavam de fato
nas construções e faziam parte das famosas guildas, que seriam grêmios.
Cada grupo de trabalhadores era dividido por um grau de sabedoria e pro-
fissionalismo, que seriam separados em aprendiz, companheiro e mestre;
cada grupo desses possuía um conhecimento especializado e um conjunto
de regras e segredos a guardar.
Os aprendizes tinham um toque e uma palavra que só eles conhe-
ciam, não poderiam passar esses conhecimentos por escrito e de forma
nenhuma um grupo poderia revelar ao outro tal conhecimento; o mestre
era responsável pelo avanço e aperfeiçoamento dos companheiros e dos
aprendizes, e para mudar de um grau para o outro teriam que passar por
provas e rituais.
Assim, o segredo era mantido dentro das guildas e dentro de cada ní-
vel de trabalhadores. A maçonaria especulativa, isto é, não mais formada
por trabalhadores de construções, apenas mantém as regras, os ritos e os
segredos que eram utilizados pela maçonaria operativa. Hoje são utilizadas
as ferramentas maçônicas apenas como um símbolos de elevação, evo-
lução e entendimento da arquitetura e construção do próprio ser, como
veremos a seguir:
Ainda sobre o entendimento sobre a maçonaria operativa e especula-
tiva, para Palou (1998), a passagem dessa maçonaria (maçonaria: tradução
do inglês para o português – homens livres) formada apenas por constru-

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tores, se deu por conta da incorporação na ordem por outros profissionais


também livres, ocorrências no século XVIII. Nnesse sentido, para Arnout
(2017), o termo “maçonaria operativa” passou a ser compreendido por
maçonaria especulativa, ou seja, possui os símbolos, as histórias, as lendas
e os objetos de construção como alegorias. A ordem não possui mais o in-
tuito de cuidar de construtores de prédios, castelos, mas visa à construção
de seres humanos melhores para a sociedade.

2. METODOLOGIA

A partir da busca nas principais bases de dados, como Google Acadê-


mico e Scielo, utilizando os descritores “maçonaria”, “objetos simbólicos
da maçonaria”, “maçonaria simbólica”, é possível afirmar que são poucos
os resultados encontrados, considerando artigos científicos, dissertações
de mestrado e teses, em uma margem de publicações de cinco anos e defi-
nindo como trabalhos acadêmicos em várias línguas estrangeiras. Pôde-se
encontrar, utilizando os descritores mencionados, pelo Google Acadêmi-
co no dia 5 de abril de 2021, às 18h44: para “maçonaria: 9.900 assuntos
diversos, o próximo passo foi realizar uma nova busca com o descritor:
“objetos simbólicos na maçonaria”, resultando em 5.300 trabalhos, mui-
tos não acadêmicos.
Foram selecionados apenas três materiais relevantes com o tema: “ob-
jetos simbólicos na maçonaria”, três artigos. Já na base de dados Scielo no
dia posterior, às 22h12, foi empregado o descritor “objetos simbólicos na
maçonaria”, e o resultado apresentado foram 20 trabalhos acadêmicos,
mas na sua grande maioria os assuntos não correspondiam ao estudo rea-
lizado.
Nesta pesquisa, duas lojas foram visitadas para a realização das en-
trevistas da observação exploratória e do registro de dados: a primeira no
Brasil, em São Paulo – Loja Fé, Equilíbrio e Luz, número 270, localizada
em Interlagos sob a jurisdição da Grande Loja Maçônica do Estado de São
Paulo. A pesquisa durou seis meses, no ano 2016. Foi realizado o acordo
de não exposição dos livros internos, que pertencem aos iniciados, divi-
didos em aprendiz, companheiro e mestre. A segunda loja visitada foi a
Gran Logia del Valle del México, localizada na rua Sadi Carnot 75, San
Rafael, Cuauhtémoc, 06470 Ciudad de México, em 2014. O objetivo foi

483
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

comparar a maçonaria realizada no Brasil e no México, sendo que as duas


pertencem ao mesmo rito maçônico: rito escocês antigo e aceito.
Ressalta-se que, para se visitar uma loja maçônica, é necessária a au-
torização para a pesquisa, pois os que não são membros não podem acom-
panhar os rituais ou reuniões nas lojas, é proibida também a observação
dos livros pertencentes aos iniciados, termo destinado aos que pertencem
à loja; no entanto, esses espaços são abertos para o público em geral nas
reuniões chamadas de “lojas brancas”.
O objetivo desta investigação, além de dar voz aos membros das lojas,
dar seus testemunhos e expor seus conhecimentos simbólicos e ritualísticos,
sua vivência como maçons, é compreender a relação dos objetos de constru-
ção com a ritualística maçônica a partir de sua filosofia e simbologia.
Nota-se a escassez de materiais confiáveis, pois muitos são tendencio-
sos, com o intuito de relacionar a ordem com práticas religiosas demonía-
cas, orgias ou a vastidão de livros que atribuem à maçonaria ao controle do
mundo ou que é próxima da feitiçaria, bruxaria e similares.
Além da observação, cinco maçons foram entrevistados visando com-
preender, a partir da observação e do posicionamento dos membros, até
que ponto o imaginário popular ou os ataques das religiões neopente-
costais são verídicos, principalmente em relação aos objetos usados nas
reuniões ou rituais. Para a entrevista, três membros foram escolhidos no
Brasil e dois no México, e a observação inicial foi de muito conforto ao
explanarem sobre a ordem. Destaca-se que as entrevistas foram realizadas
dentro das lojas. No Brasil, pode-se observar partes da reunião e depois
foram apresentadas as perguntas;, já na loja no México, foi possível parti-
cipar e observar toda a reunião.
Sobre o questionamento acerca dos objetos utilizados nos rituais e
reuniões da maçonaria, todos os membros responderam que tudo o que
ocorre dentro de uma loja maçônica é simbólico, ou seja, os objetos uti-
lizados são os mesmos que os construtores da Antiguidade usavam para
construir as pirâmides ou os castelos e igrejas. Contudo, em todos os ri-
tuais e reuniões, o intuito é dar valores morais, comportamentais a esses
objetos, para que o iniciado passe pelos três graus: aprendiz, companheiro
e mestre, e com os símbolos desses objetos, incorpore os conceitos e que
faça uma autoconstrução para ser um profissional, um pai, um marido e
um cidadão melhor.

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As respostas dos entrevistados estão de acordo com Figueiredo


(2006) e Arnaut (2017), pois a loja (nome dado ao templo em que ocor-
rem os encontros dos membros) possui vários objetos que remetem à
Antiguidade; nas paredes são perceptíveis os símbolos dos zodíacos,
colunas gregas próximas da porta de entrada e objetos de construção.
No entanto, cabe ressaltar que os membros pertencem a todo tipo de
profissões: engenheiros, advogados, arquitetos, policiais, professores,
médicos, empresários etc.
Outro dado importante é que no centro da loja está presente a Bíblia
sagrada e sobre isso, foi indagado sobre os possíveis boatos realizados pelo
imaginário popular ou religioso acerca dos rituais que não são divulgados
para os profanos (termo dado às pessoas que não são da ordem) que pode-
riam incluir referências aos demônios, a Samael (nome do diabo) ou até a
possibilidade de orgias no templo. Todos os membros informaram que é
normal essa dúvida por parte dos não iniciados, principalmente no Méxi-
co, pois somente os membros podem participar das reuniões, o que causa
os famosos boatos, tanto para difamar o grupo, como para mexer com a
imaginação das pessoas, pois tudo o que ocorre na maçonaria é a portas
fechadas. Um dos membros disse que pertence a uma igreja evangélica e
que jamais poderá dizer na sua religião que também é maçom, pois poderá
ser expulso da comunidade religiosa.
Sobre a verdadeira função do maçom, Arnout (2017, p. 13) define:

A sua influência manifestase apenas indiretamente, através da ação


individual e do exemplo dos seus filiados. E sendo a Ordem Ma-
çónica um espaço de diálogo fraterno entre pessoas de todas as
ideologias democráticas, pode e deve continuar a desempenhar,
por esta via, um papel importante no aperfeiçoamento das insti-
tuições, insuflandolhe os valores morais que são o ágio e timbre de
um verdadeiro maçon.

Com a citação acima e com as observações desta pesquisa, não se


notou nenhuma presença de objetos satânicos, demoníacos dentro da loja,
apenas objetos de construção e simbologias antigas que também remetem
ao período de construção. Esses objetos serão analisados na próxima parte
deste artigo.

485
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

3. OS OBJETOS MAÇÔNICOS E SUA SIMBOLOGIA

Será iniciada nesta seção a análise do principal símbolo maçônico,


que é de conhecimento popular, e que também remete ao símbolo do
curso de Arquitetura. Nota-se, portanto, a relação entre os conhecimen-
tos de construção civil adquiridos por séculos e a ordem hoje, que remete
esses objetos como códigos de conduta.75

A imagem acima possui cinco importantes informações: o lema da


Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o compasso,
o esquadro, objetos de construção usados na Antiguidade e nos tempos
atuais, o G no centro e por fim a folha de acácia. De acordo com Arnaut
(2017) e Figueiredo (2006), a letra G no centro do símbolo representa a
Gnose (conhecimento) ou a inicial do termo G.A.D.U, pois segundo Fi-
gueiredo (2006), todo iniciado deve acreditar em um ser superior.
Seguindo o pensamento deste autor, a maçonaria não privilegia ne-
nhuma religião, apenas a necessidade de crença em um ser construtor.
Portanto, o significado de GADU é Grande Arquiteto do Universo, com
isso, é possível encontrar vários membros que acreditam em Deus ou deu-
ses. Esse é um código de respeito para que nenhum membro defenda a
superioridade de sua crença, todos se referem a Deus como GADU. Di-
ferentemente da crença popular, do senso comum ou dos livros e revistas
que consideram esse termo como o nome de um demônio seguido pelos
maçons, percebe-se que a maçonaria é formada por um conjunto de sim-
bologias, signos, lendas que devem ser interpretadas como analogias para
as condutas morais e étnicas.

75 Imagem retirada do livro Introdução à maçonaria, de autoria de António Arnaut (2017).


Imprensa da Universidade de Coimbra.

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Sobre os demais objetos, será usado o estudo de Arnaut (2017), em


consonância com as teorias de Figueiredo (2006) e observações e dados
teóricos colhidos a partir desta investigação. Apresentamos a lista dos ob-
jetos utilizados na maçonaria e suas respectivas simbologias (ARNAUT,
2017, p. 43-45):

Avental — símbolo do trabalho maçónico. Os aprendizes e com-


panheiros usam avental branco sem qualquer ornamento. Os mes-
tres também o usam bordado a vermelho ou azul conforme o rito,
com as letras M.B. da mesma cor da banda. Cinzel — símbolo
da força e da tenacidade, do discernimento, dos conhecimentos
adquiridos; é inseparável do malhete.

Colunas — símbolos dos limites do mundo criado, da vida e da


morte, do elemento masculino e do elemento feminino, do ativo e
do passivo. Todas as Lojas têm à entrada duas colunas, com as letras
J e B, encimadas por três romãs.

Compasso — Representa a justiça e a exatidão. Símbolo do espí-


rito, do pensamento nas diversas formas de raciocínio, e também
do relativo (círculo) dependente do ponto inicial (absoluto). Os
círculos traçados com o compasso representam as Lojas.

Esfera — símbolo da universalidade. Esfinge — símbolo egípcio.


Emblema do segredo maçónico.

Espada — símbolo do Verbo, isto é, do pensamento ativo transmi-


tido pelo iniciado. Esquadro — resultado da união da linha vertical
com a linha horizontal, é o símbolo da retidão e também da ação
do Homem sobre a matéria e sobre si mesmo.

Estrela flamejante — derivada do pentagrama, é o canon do nú-


mero de ouro ou proporção dourada (AB/AC = AC/CB), ou seja,
o símbolo da natureza e do homem que nela está inscrito. Tem no
centro um G, cujo significado adiante se indica.

Fio de prumo — símbolo da profundidade do conhecimento e da


sua retidão. Significa ainda a elevação do progresso social. Janelas
— símbolos das três portas do Templo de Salomão colocadas a
oriente, sul e ocidente.

487
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

G — Significa: Gnose, conhecimento, e também Deus (God),


Geometria e Grande Arquiteto do Universo.

Loja — oficina ou templo, sala retangular. Deriva do germânico


Laub (folhagem, abrigo de folhagem) e do sânscrito Loka (locali-
dade, mundo) e do grego logos (discurso). Loja é, assim, o lugar
discreto onde se reúnem e discursam os maçons. A Loja deve ser
formada, pelo menos, por sete mestres. Costuma dizer-se que três
mestres a dirigem, cinco a iluminam e sete a tornam justa e perfeita
(ver Templo).

Todas as descrições realizadas por Arnaut (2017) conferem com as ex-


plicações recebidas na realização desta pesquisa. Ressalta-se que a maço-
naria possui duas ordens paramaçônicas: os Demalays, formada por jovens
que são iniciados a partir dos 12 anos, que aprendem as mesmas simbolo-
gias e princípios de valorização dos valores morais e éticos; e as Filhas de
Jó, formada somente por meninas.
Tanto a maçonaria quanto as duas ordens paramaçônicas devem reali-
zar ações de caridade, seja em creches, organizações não governamentais.
Essas lojas possuem instituições próprias para auxiliar a sociedade.

CONCLUSÃO

Nenhuma instituição comandada pelo ser humano é perfeita, ou seja,


é possível encontrarmos erros nos comportamentos do indivíduo ou por
desconhecimento das regras ou por escolha. Entretanto, os dados colhidos
na presente investigação revelam que a maçonaria é uma instituição com
normas, regras, preceitos voltados à autoconstrução; “ser livre e de bons
costumes”, frase sempre proferida pelos membros da ordem, significa não
viver uma vida condicionada à escravidão moral e ética.
Qualquer instituição pode seguir essas normas e códigos morais, a
Igreja católica, evangélica, umbanda, candomblé, no entanto, essa ordem,
em particular, utiliza simbologias da antiguidade associadas à construção
civil.
Também não foi observada nenhuma prática ilícita, ou religiosa con-
trária ao Cristianismo, como foi descrito, e em todas as lojas é possível
visualizar os livros sagrados do Islamismo, Judaísmo e Cristianismo. Con-

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sidera-se também essa ordem como um agrupamento de homens que


buscam a Filosofia, a História, a Sabedoria antiga para obter conhecimen-
to para enfrentar as adversidades.
Esta pesquisa é relevante, pois servirá como inspiração para outras
investigações, principalmente pelo fato de que não se pautou apenas em
livros produzidos por maçons, ou em livros religiosos com tendência a
difamar sem conhecer, mas na observação, vivência e análise sem viés reli-
gioso ou ideológico. Outro ponto importante a destacar é que atualmente
as lojas são abertas para o público em geral, para estudiosos, curiosos e
pretendentes a se iniciarem na instituição.
Por fim, é uma instituição como qualquer outra, com fins de ajudar
o próximo, buscar a evolução intrapessoal e interpessoal, onde cada mem-
bro decide o que fazer com esses conhecimentos.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Pensamento, 2006.

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samento, 2006.

______. Grau do companheiro e seus mistérios – 2º grau. São Paulo:


Pensamento, 2003.

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história. Portugal: Hugin, 2001.

AMBELAIN, Robert. A antiga Franco Maçonaria (cerimônias e ri-


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ANES, José Manuel. Maçonaria regular – Maçonaria Universal.


Portugal: Hugin, 2003

ARÃO, Manuel. A legenda e a história da Maçonaria. São Paulo:


Madras, 2004.

ARNAUT, António. Introdução à Maçonaria. Coimbra: imprensa da


universidade de Coimbra, 2017. Disponível em: https://digitalis-dsp.
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489
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

CASTRO, Boanerges B. de. O Simbolismo dos números na Maço-


naria. Londrina: Ed Maçônica A Trolha, 2008.

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ISAIA, G. C. Materiais de Construção Civil e Princípios de Ciência


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PALOU, Jean. A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática. São


Paulo: Pensamento, 1998.

VAROLI FILHO, Theobaldo. Curso de Maçonaria Simbólica. 1º


Tomo (Aprendiz). São Paulo: “A Gazeta Maçônica”, 1976.

490
RESUMOS

491
ANALISANDO AS JUVENTUDES
DE PORTO ALEGRE-RS E SUAS
PERCEPÇÕES SOBRE A PANDEMIA
DA COVID-19
Victor Hugo Nedel Oliveira76
Andreia Mendes dos Santos77

INTRODUÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As juventudes contemporâneas, enquanto campo de pesquisa, vêm


ganhando cada vez mais espaço no meio acadêmico (PAIS et al., 2017), a
partir de investigações que visam conhecer tais sujeitos, analisar suas rela-
ções com os mais variados elementos do cotidiano e, ainda, potencializar
suas vozes. O entendimento de que não existe uma única forma de ser e
estar jovem no mundo contemporâneo abre espaço para a compreensão
de que são as culturas juvenis (FEIXA, 1998) que devem ganhar especial
mirada analítica. Nesse sentido, verificar que a condição juvenil pode se
manifestar em múltiplas situações (ABRAMO, 1997) forma parte da ro-
tina daqueles que se dedicam à pesquisa nesse campo.

76 Doutor e Pós-Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio


Grande do Sul. Licenciado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Professor Adjunto e Pesquisador do Departamento de Humanidades da UFRGS.
77 Psicóloga, Mestre e Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

493
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

A chegada da pandemia da Covid-19 já é denominada como a maior


crise sanitária do último século. Foi na virada do ano de 2019 para 2020
que o mundo tomou conhecimento de uma nova variante do coronavírus
e, em muito pouco tempo, as rotinas da humanidade sofreram, compul-
soriamente, diversas interrupções, adaptações e modificações.
Cabe destacar, inicialmente, que há um tensionamento na utilização
da expressão “distanciamento social”, uma vez que as relações sociais con-
tinuaram ocorrendo, em especial pelas redes sociais e novas tecnologias.
Propôs-se, então, que o termo o qual estaria mais próximo à realidade
vivida seria o “distanciamento corporal” (OLIVEIRA, 2020a), uma vez
que os corpos é que estavam afastados. Tal discussão tende a gerar maior
número de debates acadêmicos. O distanciamento corporal afetou a gran-
de parte das pessoas, nos mais variados contextos e realidades possíveis, o
que, de certo, não excluiu as juventudes contemporâneas (OLIVEIRA,
2020b) e todas as relações presenciais vivenciadas por esses sujeitos foram,
de alguma maneira, interrompidas.

METODOLOGIA

É nesse contexto que surgiu a possibilidade de realização de estudos


de pós-doutorado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
da PUCRS, com o projeto intitulado “Juventudes contemporâneas e a
pandemia da Covid-19: novas constituições de ser jovem”, cujo principal
objetivo foi analisar as novas produções de sociabilidade juvenil a partir
das mudanças impostas pela pandemia da Covid-19, tendo como recorte
espacial a cidade de Porto Alegre-RS; como recorte temporal, o segundo
semestre de 2020; como sujeitos, os jovens entre 15 e 29 anos; e como
instrumento de coleta de dados, um questionário autoaplicável, via plata-
forma Google Forms, com questões que visaram descobrir as percepções
dos jovens sobre a pandemia da Covid-19.
Em cumprimento as normativas éticas, os sujeitos tiveram de forne-
cer seu consentimento e seu assentimento, além de serem informados dos
riscos e benefícios da investigação, bem como que poderiam deixar de res-
ponder qualquer questão ou abandonar o questionário a qualquer tempo e
por qualquer motivo. O questionário obteve 306 respostas válidas, o que,
em uma análise estatística comparativa com os dados de jovens da cidade

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de Porto Alegre, garantiu 97% de confiabilidade das respostas, com uma


margem de erro de 5%, considerada a confiança do instrumento de coleta
de dados da investigação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foi possível verificar, em relação à caracterização da amostra da inves-


tigação, que o perfil geral foi composto, em sua maioria, em relação ao gê-
nero, por mulheres (71%, n = 193); em relação à etnia, brancas (80%, n =
217); em relação à idade, entre os 18 e 24 anos (57%, n = 174); em relação
à ocupação, apenas estudam (54%, n = 165). Ainda, 40% (n = 122) dos
jovens que participaram do estudo afirmaram que tiveram conhecimento
da pesquisa através das redes sociais; 36% (n = 110) através de amigos; e
24% (n = 74) através de outros meios.
Em tempos de pandemia e distanciamento corporal, o uso da internet
e das tecnologias digitais passou a ganhar maior destaque não apenas no
cotidiano dos sujeitos, mas também no campo investigativo. Da amostra
de pesquisa, em relação ao acesso à rede mundial de computadores, 91%
(n = 278) dos jovens que participaram do estudo afirmaram que utilizam
banda larga em suas residências e, em relação ao tipo de aparelho de maior
acesso, 81% (n = 248) afirmaram ser o smartphone, seguidos de 19% (n =
58) que afirmaram ser o computador.
É de fundamental destaque, portanto, que a análise e compreensão do
perfil de determinada investigação está diretamente vinculada aos resulta-
dos que serão encontrados nas etapas analíticas, na medida em que múl-
tiplos determinantes formaram o corpus da pesquisa, em especial aque-
las organizadas em metodologia de questionário de amplo acesso e com
amostra considerável, como é o caso do presente estudo.
Os jovens que participaram da investigação foram questionados, den-
tre vários tópicos, sobre como a chegada da pandemia da Covid-19 os
afetou e, nesse sentido, 84,6% (n = 260) afirmaram que suas rotinas mu-
daram muito; 14,4% (n = 43) mudou um pouco; e apenas 1% (n = 3)
afirmou que sua rotina praticamente não mudou. Os dados evidenciam,
portanto, o alto impacto de mudanças que a chegada da pandemia trouxe
no cotidiano dos jovens de Porto Alegre, sendo os âmbitos de maior mu-
dança a questão da ansiedade (35%, n = 107), seguida das mudanças nos

495
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

estudos ou no trabalho (34%, n = 104) e na rotina da casa (15,7%, n = 49).


A partir desse contexto, restou fundamental destacar dois pontos elemen-
tares nas análises sobre tais impactos na vida dos sujeitos: o primeiro diz
respeito ao entendimento do que é ser jovem, na concepção dos sujeitos e
o segundo, por sua vez, nas transformações que a pandemia trouxe nessas
vivências juvenis.
É possível verificar que as percepções dos sujeitos da pesquisa sobre
o que é ser jovem estão vinculadas, de modo geral, a uma fase da vida
em que dois elementos centrais se destacam: as aprendizagens e as desco-
bertas, essas últimas a partir das falas que recorrentemente encontramos
como “aproveitar intensamente” o período.
E ainda, perceberam modificações em relação às questões familiares,
como já discutido anteriormente. A afirmação de que o contato social
foi, de algum modo, interrompido, também encontra amparo na resposta
que os sujeitos apresentaram à seguinte questão: “em relação à chegada
da pandemia da Covid-19, pode afirmar que, sobre suas relações sociais”,
na medida em que 92,2% (n = 282) afirmaram não verem seus amigos
presencialmente e os demais 7,8% (n = 24) que afirmaram seguir vendo os
amigos de modo presencial.
Se os dois elementos que mais caracterizam os jovens, pelos próprios
sujeitos da pesquisa, dizem respeito às aprendizagens – que, em uma leitu-
ra das questões escolares, foram transformadas para o modo digital, quan-
do houve tal modificação – e ao “aproveitar a vida” – que foi, de certo
grau, interrompido com o distanciamento corporal – fica evidente que
as principais transformações apresentadas com a chegada da pandemia da
Covid-19 impactaram de modo amplo, direto e profundo na vida e nos
múltiplos cotidianos dos jovens que participaram da investigação.

CONCLUSÕES

Jovens que apontam o período da vida pelo qual vivem como um


momento de aprendizagens reconhecem, a seu modo, que o aprender
constitui-se de elemento-chave para a compreensão dos mais variados
determinantes da vida cotidiana. Ainda, a juventude como um período
de descobertas, ou, em outras palavras, de “viver intensamente”, aponta,
igualmente, à aderência ao campo da adolescência, o qual investiga as re-

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lações dos sujeitos com seus corpos, seus conflitos internos e suas questões
emocionais. Nesse sentido, como apontado, restou manifesto que a pan-
demia, de fato, trouxe modificações na vida dos jovens sujeitos investiga-
dos, ficando o espaço aberto para novas e futuras investigações.
Ser jovem contemporâneo em tempos de pandemia não reduziu as
demandas sociais, culturais, economias e outras tantas que já havia, mas
intensificou as questões que já existiam e trouxe outras tantas novas a se-
rem postas. Os jovens contemporâneos nos trazem muitas questões em
tempos de pandemia, resta saber o que faremos com elas...

REFERÊNCIAS

ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da


juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo,
n. 5, 1997. Disponível em: http://www.clam.org.br/bibliotecadigi-
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20 abr. 2021.

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Ariel, 1998.

OLIVEIRA, Victor Hugo Nedel. O papel da Geografia diante da pande-


mia da Covid-19. Boletim da Conjuntura, v. 3, n. 7, 2020a. Dispo-
nível em: https://revista.ufrr.br/boca/article/download/Nedel/3024
Acesso em: 20 abr. 2021.

OLIVEIRA, Victor Hugo Nedel. Juventudes, escola e cidade na pan-


demia da Covid-19. Boletim da Conjuntura, v. 4, n. 10, 2020b.
Disponível em: https://revista.ufrr.br/boca/article/view/OliveiraNe-
del/3140 Acesso em: 20 abr. 2021.

PAIS, José Machado; et al. Juventudes contemporâneas, cotidiano e in-


quietações de pesquisadores em Educação – uma entrevista com
José Machado Pais. Educar em Revista, n. 64, 2017. Disponí-
vel em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0104-40602017000200301&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso
em: 20 abr. 2021.

497
O CARÁTER EDUCATIVO E
INTERDISCIPLINAR DA AVALIAÇÃO
E DA REABILITAÇÃO EM
NEUROPSICOLOGIA
Ivone Laurentino dos Santos78

INTRODUÇÃO

A Neuropsicologia, desde sua origem, é muito mais experimental do


que psicométrica, com tarefas e paradigmas empíricos que conduzem a in-
terpretação de processos subjacentes ao desempenho, preservados ou defici-
tários. Atualmente, saberes psicométricos têm sido considerados em estudos
neuropsicológicos, mas o cerne dessa área de conhecimento continua sendo
mais experimental e interpretativo, a partir da aplicação de modelos teóricos e
cognitivo – linguísticos de processamento das informações (HAASE, 2012).
A definição de neuropsicologia sofreu muitas alterações ao longo da
história, até chegar ao conceito mais atual, que indica esta ciência, como
aquela que estuda a expressão comportamental, emocional e social das
disfunções cerebrais, os déficits em funções superiores produzidos por
alterações cerebrais, as inter- relações entre cérebro e comportamento,
cérebro e funções cognitivas (LURIA, 1981) e, de forma mais ampla, as
relações entre cérebro e comportamento humano.

78 Professora aposentada de Filosofia, Sociologia e História da Secretaria de Estado e Educa-


ção do Distrito Federal. Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília e Douto-
ra em Bioética pela Universidade de Brasília.

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Na prática, uma intervenção em Neuropsicologia deve contemplar tan-


to o processo de avaliação, quanto de reabilitação neuropsicológica, especial-
mente nos atendimentos aos pacientes com distúrbios neurológicos e/ou neu-
ropsiquiátricos, do desenvolvimento ou adquiridos. Este estudo teórico tem
como escopo a reflexão sobre características muito pontuais da avaliação e
reabilitação em neuropsicologia, na perspectiva de demonstrar o caráter emi-
nentemente educativo e interdisciplinar da atuação do neuropsicólogo.

METODOLOGIA: REVISÃO CRÍTICA DE LITERATURA.

DISCUSSÃO

A neuropsicologia é definida pelo dicionário Merriam-Webster


(2019) como uma ciência que investiga a integração das observações psi-
cológicas do comportamento e da mente com as observações neurológi-
cas do cérebro e do sistema nervoso. Nesse caso, tal área de saber pode
ser entendida como um campo da psicologia que examina as relações
entre as estruturas e sistemas cerebrais e o funcionamento cognitivo e
comportamental do sujeito. Não se trata, portanto, de uma área das mais
simples, ao contrário, o neuropsicólogo tem pela frente a árdua missão
de compreender as conexões neurais dos pacientes e de como estas im-
pactam em seus comportamentos.
Essa tarefa, por si só, já evidencia o caráter multi e interdisciplinar da
neuropsicologia, visto que o funcionamento cognitivo e comportamental
de todo e qualquer sujeito é indissociável de fatores fisiológicos e ambien-
tais, que também devem ser levados em conta, numa possível reabilitação.
Para Hasse et al. (2012, p. 3), “entre as funções neuropsicológicas estão
atenção, percepção, orientação, orientação autopsíquica, temporal e espa-
cial, linguagem oral e escrita, memória, aprendizagem, funções motoras,
praxias, raciocínio, cálculos e funções executivas”.
Evidentemente que, antes de ser conduzido a reabilitação, todo
e qualquer paciente deve passar primeiro por um processo de avaliação
de um neuropsicólogo cognitivo, que, de preferência, faça parte de uma
equipe multiprofissional que o ampare na busca de um diagnóstico sólido
e preciso (FERRARI, 2020; GIL, 2002). A atuação em equipes multi e
interdisciplinares, permitirá ao neuropsicólogo, não somente avaliar com

499
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

precisão, como conduzir técnicas, estratégias e atividades para estimulação


das funções psíquicas e/ou cognitivas.
A reabilitação neuropsicológica atua na assistência e tratamento dos
pacientes com disfunções neuropsicológicas, que sofreram traumas ce-
rebrais, com tumores, AVCs/AVEs e/ou problemas no desenvolvimen-
to, provocados por suas condições neurológicas. A avaliação do paciente
neuropsicológico deve ser sempre ecológica ou funcional, possibilitando a
compreensão da inter-relação entre os comportamentos apresentados pe-
los pacientes e as demandas ambientais que perpassam as suas vidas dentro
e fora do consultório(FERRARI, 2020).
Assim, a reabilitação neuropsicológica pode ser compreendida como
um processo que deve se realizar a partir de um planejamento conectado
com todos os profissionais envolvidos, no sentido de implementar uma
intervenção multi e interdisciplinar elaborada para um tratamento eficaz,
que necessariamente envolverá o paciente, a família e todas as suas redes
de apoio. Na prática, cada profissional em questão deve encaminhar para
outro especialista da área a fim – no momento que achar conveniente – sem
perder o timming do tratamento. Assim, atendimentos diferentes podem
ocorrer simultaneamente e até nos mesmos espaços, fazendo avaliações, in-
tervenções, devolutivas e planejamentos em conjunto. Isoladamente, cada
profissional pode reforçar e tirar dúvidas próprias ou relativas ao conheci-
mento gerado pela interação com os demais. Enfim, juntos ou separados, a
perspectiva da equipe profissional deve ser de construir um raciocínio clíni-
co integrado (MALLOY-DINIZ et al., 2018; FERRARI, 2020).
Formular e pensar estratégias que contemplem o paciente nos seus mais
variados espaços de convivência é considerá-lo como um ser social, que, ao
ser “devolvido” a sua comunidade, precisa dar conta de se relacionar com o
máximo possível de autonomia e funcionalidade. Quando nos deparamos,
por exemplo, frente a frente com pessoas – especialmente aquelas em de-
senvolvimento, como as crianças e adolescentes – que sofrem por conta de
transtornos que dificultam inclusive as suas capacidades mentais, a depender
do grau, exigindo um maior esforço na execução das suas atividades, deve-
-se desenvolver um trabalho em parceria com os seus respectivos ambientes
educativos (MALLOY-DINIZ et al., 2018; FERRARI, 2020).
Nesse caso, a expectativa é que a equipe multiprofissional atue junto
aos ambientes educativos, para que estes possam, a todo momento, desen-

500
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

volver recursos pedagógicos, no sentido de garantir que os reparos sejam


eficazes, de modo que questões de saúde, que são evitáveis e/ou contor-
náveis, não venham a se tornar imobilidades e barreiras intransponíveis
para os desenvolvimentos dos pacientes em processo de reabilitação neu-
ropsicológica. É necessário, portanto, propor que as intervenções peda-
gógicas contemplem as necessidades efetivas das pessoas com disfunções
psiconeurológicas, de modo a, no mínimo, diminuir os danos que cer-
tos transtornos ou anomalias neurológicas possam provocar, garantindo
maior estabilidade nos seus funcionamentos motores, psíquicos e cogniti-
vos (MALLOY-DINIZ et al., 2018; FERRARI, 2020).
Todo o processo de investigação, avaliação e intervenção junto a todo
e qualquer paciente, passa por fazer com que os familiares tenham que se
ajustar mediante o que o diagnóstico venha a “pedir”. De modo geral, os
familiares são pilares indispensáveis, tanto na avaliação, quanto na reabili-
tação dos pacientes e na neuropsicologia não é diferente.
Nessa perspectiva, os familiares devem ser incluídos durante todo o
processo, visto que são os responsáveis oficiais; além disso, as intervenções
neuropsicológicas, a depender do quadro de saúde do paciente, tendem
a se estender para além dos espaços clínicos e hospitalares (FERRARI,
2020). Espera-se dos familiares, além da resiliência frente as demandas
trazidas, que ajam no sentido pensar instrumentos, com a ajuda da equi-
pe multi e interdisciplinar, proporcionando ensinamentos, intervenções e
afins, de modo que sejam sempre partícipes na equipe geral, como inter-
ventores oficiais no meio familiar (GIL, 2002).
Dito de outro modo, uma questão fundamental na recuperação de
pacientes neuropsicológicos, é a necessidade de uma parceria entre a
equipe profissional multi e interdisciplinar, junto a família (FERRA-
RI,2020), a fim de que todos os atores do processo possam contribuir
para que não faltem o devido acolhimento e a escuta necessária. Os
pacientes em processo de avaliação e/ou reabilitação neuropsicológica
precisam, então, de um acompanhamento com uma equipe geral e in-
terdisciplinar, cuja atuação tenha como foco a conscientização do qua-
dro clínico em análise, de modo que todos os envolvidos possam fazer
ajustes e adaptações em casa, na escola(se for o caso) e demais ambientes
que envolvam a rotina do paciente, no sentido de viabilizar práticas e
atividades que ajudem no exercício das alterações psíquicas e cognitivas
percebidas no decorrer da avaliação.

501
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressalta-se a necessidade de se respeitar o momento e o desenvolvi-


mento de cada paciente, ajustando-se as intervenções – que devem ter sem-
pre um caráter educativo –, para que se torne, cada vez menor, o impacto
das dificuldades neuropsicológicas identificadas, na sua vida acadêmica e
no trabalho (se for o caso), relacionamento afetivo e social, procurando e
exercendo meios de atividades e afins, para o não aumento ou piora dos
seus quadros de saúde. O foco de todo o processo de investigação clínica e
também durante a reabilitação, deve ser na busca constante da autonomia
e vida digna para o paciente e seus familiares. Não custa lembrar que os
pacientes não precisam dar conta de atender as expectativas, muitas vezes
ansiosas, dos outros, por melhores que sejam as intenções desses outros.
Os pacientes neuropsicológicos devem sempre ser vistos como seres hu-
manos singulares no mundo, que carecem de uma atenção especializada
sim, mas isso de modo algum exclui o afeto, a compreensão e aceitação
de suas condições. Os pacientes não devem ser reduzidos aos sintomas e
anomalias que se alojaram em seus corpos; eles são muito mais do que isso.
Então, menos cobranças, mais cuidados e mais educação(orientação); essa
parece ser uma combinação importante para o tratamento de qualquer
problema neuropsicológico que venha a acometer pessoas, das mais varia-
das idades.

REFERÊNCIAS

FERRARI, C. (Organizadora). Neurorreabilitação – uma ciên-


cia interdisciplinar. Neurodesenvolvendo. Ebook. Publicado em
2020. Disponível em: https://www.neurodesenvolvendo.com.br/
download

GIL, R. Neuropsicologia. São Paulo: Santos, 2002

LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: EDUSP,


1981.

HAASE, V. G. et al. Neuropsicologia como ciência interdisciplinar:


consenso da comunidade brasileira de pesquisadores/clínicos
em Neuropsicologia. Neuropsicologia Latino-americana, Calle,

502
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

v. 4, n. 4, p. 1-8, 2012. Acesso em: 25 abr. 2021. Disponível em:


https://www.neuropsicolatina.org/index.php/Neuropsicologia_La-
tinoamericana/article/view/125

MALLOY-DINIZ et al. (Orgs.). Neuropsicologia: aplicações clíni-


cas (2 ed.). Porto Alegre: Artmed, 2018.

NEUROPSICOLOGIA. Dicionário on-line Merriam-Webster.


Disponível em: http://www.merriam-webster.com. Publicado em
2019. Acesso em: 25 abr. 2021.

503
DA (IN)EFETIVAÇÃO DO DIREITO À
EDUCAÇÃO DURANTE A PANDEMIA
DE COVID-19 PELA UTILIZAÇÃO DE
TECNOLOGIAS NO BRASIL
Rafaela Matiola Schmidt79

INTRODUÇÃO

A pandemia em decorrência da Covid-19 impôs ao mundo inteiro


tomar medidas críticas pelos governos federais. A atenção é voltada prin-
cipalmente aos desafios impostos aos sistemas de saúde, no entanto, os
sistemas de educação também foram seriamente afetados, pois em cerca
de três semanas aproximadamente 1,4 bilhão de estudantes deixaram de
frequentar a escola em mais de 156 países (WORLD BANK GROUP
EDUCATION, 2020, p. 1).
Sendo assim, o tema da pesquisa aborda a utilização de tecnologias
e a efetivação – ou não – do Direito à Educação durante a pandemia da
Covid-19 no Brasil. Como justificativa para seu desenvolvimento, tem-se
que a educação é a base de toda a sociedade. Com o surgimento da Co-
vid-19 e da pandemia, as escolas precisaram fechar e permaneceram as-
sim por quase um ano. Logo, os efeitos decorrentes da Covid-19 ainda se
encontram em ebulição. Por esta razão, o tema abordado possui extrema
importância no contexto atual, bem como inova ao analisar a (in)efetiva-

79 Graduanda em Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em Santa Catarina.


Acadêmica do 9º período.

504
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

ção do direito à educação sob a ótica da utilização de tecnologias como


“saída” durante a pandemia e fechamento das escolas no Brasil.
Da mesma forma, a temática é relevante política, social e economi-
camente, pois, além do que já foi mencionado, trata-se de um tema que
reflete diretamente na sociedade, conforme será abordado mais adiante.
Por fim, o tema contribui para o debate científico, uma vez que trata a
respeito de um problema atual e histórico do século XXI.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 ga-


rantiu o direito à educação como um direito humano. Em seu artigo 26
dispõe, entre outras coisas, que toda pessoa tem direito à educação, que
deve objetivar a “plena expansão da personalidade humana e ao reforço
dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer
a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os
grupos raciais ou religiosos”, assim como o desenvolvimento das ativida-
des das Nações Unidas para manter a paz (DECLARAÇÃO UNIVER-
SAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, n.p.).
Da mesma forma, o artigo 6º da Constituição da República Fede-
rativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) garante a educação como um direi-
to social. O artigo 205 da Carta Magna complementa explicando ser a
educação um “direito de todos e dever do Estado e da família”, devendo
ser promovida em conjunto com a sociedade com a finalidade do pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo ao exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, n.p.).
Além disso, dentre os princípios elencados no artigo 206 da
CRFB/88 para o oferecimento do ensino, destacam-se, para discussão
do tema proposto, a igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola (inciso I); gestão democrática do ensino público, na forma da
lei (inciso VI); garantia de padrão de qualidade (inciso VII); e garantia
do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida (inciso IX)
(BRASIL, 1988, n.p.).
Portanto, ante a fundamentação teórica, a pesquisa busca analisar se
a utilização de tecnologias tem se mostrado suficiente para assegurar o
direito humano e constitucional à Educação durante a pandemia de Co-

505
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

vid-19 no Brasil, bem como ressaltar os prejuízos na hipótese de inefetivi-


dade desta garantia aos direta e indiretamente atingidos.

METODOLOGIA

A fim de seguir seus objetivos, este trabalho empregou o método in-


dutivo de pesquisa através de um embasamento teórico fundamentado em
pesquisas bibliográficas e documentais. Assim, foi realizado o estudo, com
ênfase nos reflexos e conexões com as demais áreas da Ciência do Direito,
especificamente do Direito Constitucional, Direito Internacional e dos
Direitos Humanos, especificamente quanto ao direito humano e consti-
tucional à educação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A educação é indispensável, uma vez que perpetua a cultura e os ele-


mentos que identificam e definem valores de uma sociedade. Dessa forma,
logicamente, deve-se aproximar da fraternidade, pois o agir em conjunto
impõe à sociedade um modo de cumprimento dos objetivos fundamen-
tais, bem como consiste em uma importante ferramenta para desconstruir
um dos maiores problemas do desenvolvimento humano e social: a pobre-
za (JUNQUEIRA; PINTO, 2020, p. 371).
Pode-se dizer que a educação brasileira tem se arrastado durante a
pandemia de Covid-19, se encontra frágil e sem efetiva reivindicação po-
pular, possibilitando seu retrocesso e perda à geração do presente. Ade-
mais, a desigualdade entre a educação pública e privada aumenta e os di-
reitos humanos assegurados como públicos e subjetivos na Carta Magna
de 1988 se tornam criticamente ameaçados aos mais vulneráveis. Isso por-
que, ainda que a implementação do ensino remoto seja um desafio tam-
bém às escolas particulares, tem-se que a tecnologia é uma constante na
maioria dos lares de alunos destas redes de ensino. No entanto, esta reali-
dade não é uma unanimidade em diversas instituições públicas brasileiras
(JUNQUEIRA; PINTO, 2020, p. 372-373).
Diversas lacunas surgiram sem a perspectiva de serem sanadas. Tam-
bém, os indivíduos inseridos no processo educativo precisaram se adaptar
durante a pandemia, bem como superar uma série de desafios e desigual-

506
C E L S O G A B AT Z , M A R I A A PA R E C I D A D E B A R R O S,
PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

dades (JUNQUEIRA; PINTO, 2020, p. 375 e 379-380).Ademais, es-


tudos já apontam que o fechamento das escolas durante a pandemia no
Brasil pode deixar 70% das crianças sem ler corretamente, se estender por
quinze anos e ser sentido no Produto Interno Bruto (PIB), no aprendiza-
do e produtividade do trabalho e no aumento da desigualdade social (DW,
2021, n.p.).
Portanto, diante dos resultados obtidos com a pesquisa, pôde-se veri-
ficar que a utilização de tecnologias não efetivou integralmente o direito à
educação durante a pandemia de covid-19 no Brasil em razão de diversos
fatores, tais como a pobreza, a falta de acesso à internet ou aos meios que
possibilitam o ensino remoto (celulares, computadores etc.) por parte de
alunos e professores, a falta de preparo e infraestrutura de escolas (princi-
palmente as públicas) etc.

CONCLUSÕES

Conclui-se que a grande quantidade de escolas fechadas demonstrou


a distribuição desigual de tecnologia necessária para facilitar a educação
remota digital, assim como a dificuldade de assegurar um sistema efetivo
e seguro para o uso de tecnologias para o aprendizado. Em que pese os
esforços governamentais para implementar políticas públicas para prover a
educação remota, nem todas as crianças em idade escolar tiveram/têm as
ferramentas necessárias para dar continuidade ao seu aprendizado em casa
(UNICEF, 2020, p. 5). Tudo isso gera consequências graves em todas as
searas da nação, acentua ainda mais os problemas que precisam ser enfren-
tados e dificulta o desenvolvimento do país.
Pode-se dizer que o fechamento das escolas (totais ou parciais) signi-
fica que o aprendizado on-line continuará a ser essencial no futuro próxi-
mo, inclusive inaugurando um novo modo de educação às escolas para o
futuro. Sendo assim, as políticas públicas devem se concentrar na moder-
nização da infraestrutura e dos métodos de entrega usados pelos sistemas
de educação e na produção de recursos de aprendizagem remota acessíveis
e seguros com base no currículo nacional, uma vez que a democratiza-
ção do acesso seguro ao aprendizado remoto a todos em idade escolar é a
chave para promover a qualidade da educação durante e após a pandemia
(UNICEF, 2020, p. 12).

507
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 22 mar. 2021.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.


Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_
translations/por.pdf. Acesso em: 22 mar. 2021.

DW. Fechamento de escolas pode deixar 70% das crianças sem


ler corretamente. 17 mar. 2021. Disponível em: https://www.dw.
com/pt-br/fechamento-de-escolas-pode-deixar-70-das-crian%-
C3%A7as-sem-ler-corretamente/a-56908252. Acesso em: 20 mar.
2021.

JUNQUEIRA, Michelle Asato; PINTO, Felipe Chiarello de Souza.


Educação em tempos de pandemia: a integração da liberdade, igual-
dade e fraternidade para a efetivação dos direitos fundamentais. In:
PILAU SOBRINHO, Lito Lanes; CALGARO, Cleide; ROCHA,
Leonel Severo (Org.). Covid-19 e seus paradoxos [recurso ele-
trônico]. Itajaí/SC: UNIVALI, 2020. Disponível em: https://www.
univali.br/vida-no-campus/editora-univali/e-books/Documents/ec-
js/E-book%202020%20COVID-19%20E%20SEUS%20PARA-
DOXOS.pdf. Acesso em: 06 mar. 2021.

UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND – UNICEF. Covid-19:


Are children able to continue learning during school clo-
sures? A global analysis of the potential reach of remote learning
policies using data from 100 countries. UNICEF, New York, 2020.
Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/10006/file/re-
mote-learning-factsheet.pdf. Acesso em: 13 mar. 2021.

WORLD BANK GROUP EDUCATION. Políticas educacionais


na pandemia da Covid-19: o que o Brasil pode aprender com o
resto do mundo? World Bank Group Education, 2020. Disponível
em: https://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayr-
tonsenna/hub-socioemocional/politicas-educacionais-na-pan-
demia-do-covid-19.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.
508
SETEMBRO AMARELO EM TEMPOS
DE PANDEMIA: UMA INTERVENÇÃO
DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
COM ALUNOS DO CAMPO
Nívea Eulália Guimarães dos Santos80

INTRODUÇÃO

No Brasil, desde 2015, foi instituído o Setembro Amarelo numa cam-


panha conjunta entre o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conse-
lho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP), aproveitando a data estabelecida pela Organização Mundial da
Saúde para o dia mundial de prevenção do suicídio, em 10 de setembro. A
campanha visa promover o debate sobre a depressão e suicídio com ênfase
na a discussão sobre o autocuidado como forma de prevenção discutindo
o assunto para desmistificar os tabus que envolvem a depressão e outros
transtornos mentais.
As escolas, comumente, por intermédio dos professores, têm detecta-
do alunos com perfis melancólicos desencadeados por problemas no seio
familiar, dasadaptação ao grupo, bullying, sexualidade, doença ou morte
de entes queridos, dentre outros, como os de cunho socioeconômico. A
escola que não detém profissionais especializados para essa observação/in-

80 Pedagoga (UNEB), Especialista em Gestão Escolar (FAZAG), Especialista em Estudos Lin-


guísticos e Literários (UFBA), Coordenadora Pedagógica da rede estadual de ensino, Tutora
do Programa Formação pela Escola (FNDE).

509
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

terpretação muitas vezes se depara com situações em que as intervenções


precisam ser feitas de forma preventiva.
O Ministério da Saúde afirma que no Brasil cerca de 16,3 milhões
de pessoas com mais de 18 anos sofrem com depressão. Analisando essas
situações e os números estatísticos, e percebendo o agravamento das situa-
ções no momento de pandemia, com a suspensão das aulas e o isolamento
social, o Colégio Estadual do Campo Hermínio Manoel de Jesus, através
da sua coordenação pedagógica, desenvolveu uma sequência didática que
é o objeto de análise do presente resumo. Debruça-se sobre o questiona-
mento: “Como proporcionar uma reflexão sobre a questão da depressão
e suicídio no ambiente campesino em tempos de pandemia?”. Mediante
a problemática apresentada, esre trabalho se configura como uma aborda-
gem qualitativa subsidiada pelas ações desenvolvidas no mês de agosto e
setembro de 2020.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Os dados estatísticos mostram que os casos de depressão no Brasil


atingem milhões de pessoas, o que faz do país o líder da América Latina
em casos registrados da doença. Várias situações são consideradas como
desencadeadoras do quadro e algumas delas têm o cerne no contexto edu-
cacional.
Considerando os registros das famílias quanto a alunos que apresen-
tam quadro depressivo, outros que foram diagnosticados com o transtorno
mental ou ainda de alunos que tentaram contra a própria vida com o uso
de substâncias tóxicas, fez-se necessário que a escola destacasse a temática
para discussão e reflexão dos alunos, principalmente quando as atividades
educacionais foram suspensas por conta do momento pandêmico.
Destacando a importância da escola de valorizar os laços afetivos, in-
terpessoais, dialógicos buscando transcender a mera transmissão de co-
nhecimentos e pautados na relação afetiva, surge a proposta da ação com
ressalvas ao papel da escola numa perspectiva freiriana:

[...] é preciso que a escola progressista, democrática, alegre, capaz,


repense toda essa questão das relações entre o corpo consciente e
o mundo. Que reveja a questão da compreensão do mundo, en-

510
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

quanto produzindo-se historicamente no mundo mesmo e tam-


bém sendo produzida pelos corpos conscientes em suas interações
com ele. Creio que desta compreensão resultará uma nova maneira
de entender o que é ensinar o que é aprender o que é conhecer [...]
(FREIRE, 1998, p. 49-50).

O caminho escolhido para motivar a reflexão, e a partir dela, a produ-


ção foi a arte que é um importante canal de expressão da subjetividade do
homem, portanto a mediação pela arte proporciona a manifestação mais
direta das emoções, sem passar por necessidade de avaliações e permitindo
um caminho de transformações subjetivas (REIS, 2016). Para um trans-
torno como a depressão que na maioria das vezes surge de forma silencio-
sa, a discussão preliminar e preventiva torna-se imperativa e faz da escola
também uma protagonista para moderar tais discussões principalmente
com alunos da zona rural que muitas vezes residem distantes de outros
núcleos familiares e/ou outros grupos sociais. Para muitos desses alunos,
a escola é o principal local para a construção de relações interpessoais fora
da sua rede familiar.
E foi pela proposta da criação artística, que os alunos discutiram sobre
o Setembro Amarelo e foram motivados a produzir fotomontagem que,
segundo o Dicionário Unesp do português contemporâneo (2011), é uma técnica
de reunir duas ou mais imagens podendo fazer uso de textos para fazer a
composição da montagem.

METODOLOGIA

A proposta surgiu com base nos relatos dos alunos que verbalizaram
ter vencido uma depressão e também com base nos relatos de famílias que
se mostraram preocupadas com seus filhos. Inicialmente foi proposta uma
ação que seria desenvolvida pelo Grêmio Estudantil da escola, todavia a
ação foi sendo ampliada para outros alunos. Temos a dificuldade, porque
toda a orientação foi passada pela rede social WhatsApp e a maioria dos
alunos não têm acesso constante a internet com o agravante que em toda
a zona rural não há acesso ao sinal de telefonia.
A atividade consistiu em três momentos: pesquisar sobre o objetivo do
Setembro Amarelo e sua origem; tirar uma fotografia em qualquer espaço

511
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

da sua vivência usando um item amarelo e produzir um pequeno texto de


motivação sobre a temática. Em cada etapa, o aluno mediava os resultados
com a coordenadora que era quem fazia a complementação das discussões e
registro das inferências dos alunos. Com o resultado dessas ações, os alunos
eram motivados a fazer suas montagens seguindo os passos descritos:

• Primeiro, com o uso do aplicativo Color Pop Effects, colocar a foto


tirada em preto e branco e com o uso do efeito Collor destacava o
elemento em amarelo escolhido para ressaltar a cor. Dentre os ele-
mentos, teve tiaras, fitas, flores, blusas, instrumentos de trabalho,
dentre outros. O resultado era uma imagem em preto e branco
com um destaque amarelo em maior evidência.
• Segundo, após a correção do texto produzido, eles fizeram a
montagem da parte verbal usando o aplicativo Canva montando
um card.
• Terceiro passo foi a divulgação nas redes sociais da escola (Insta-
gram e Facebook) e nos grupos do WhatsApp das turmas “levan-
tando” a hashtag #Setembro_Amarelo_no_Hermínio.

Após as publicações, motivamos os demais alunos a manifestar suas emo-


ções e vivências com base nas sensações construídas em contato com os cards.
Durante todo mês em parceria com os professores e outros profissionais con-
vidados, também foram promovidas lives no Instagram que trouxeram outras
discussões complementares com temas que focavam na valorização e no cui-
dado consigo e com o outro: Agência histórica e a valorização da aprendiza-
gem no campo (com uma arteducadora e escritora); Benefício de um estilo de
vida saudável (com uma nutricionista); e O papel político cidadão na tomada
de posicionamento (com uma letróloga e uma psicóloga).
Usamos todo o mês de setembro divulgando as produções, levantan-
do a hashtag citada e promovendo discussões e depoimentos, ora na rede
Instagram, ora nos grupos de WhatsApp.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Por meio da proposta, percebemos o envolvimento dos alunos que teve


acesso a intervenção da coordenação pedagógica, se debruçando para rea-

512
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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

lizar as pesquisas e escolher como e onde fariam seus registros fotográfi-


cos. Compreendemos que muitos escolheram locais que representavam sua
ambiência, sua identidade e emoções (em casa, no campo, na lavoura, no
trabalho) demonstrando um pertencimento com o que queriam mostrar.
Os textos produzidos trouxeram em sua maioria a reflexão das pes-
quisas e um imperativo motivacional para mudanças de comportamento,
como no exemplo: “Não julgue, conheça. Não fale, escute. Não afaste,
abrace.”, da aluna Evânia Santos (3ª série, Ensino Médio); ou “Viver é a
melhor opção, plante flores e floresça a alma, diga sim à Vida!”, da aluna
Bianca Mercês (1ª série, Ensino Médio).
A promoção das lives por meio do Instagram ou da plataforma do
Google Meet permitiu ficarem gravadas e divulgadas no canal do You-
Tube da escola, oportunizando o acesso dos alunos de forma assíncrona
para aqueles que não têm acesso constante à internet, ampliando assim o
alcance das discussões e reflexões.
A proposta ainda foi escolhida para ser apresentada na 3ª temporada
do Painel de Monitoramento promovido pela Secretaria de Educação da
Bahia, sendo escolhida dentro das propostas das escolas dos 15 municí-
pios que compõem o Núcleo Territorial de Educação – NTE 06 – pu-
blicizando as ações e compartilhando os resultados das mesmas. Também
registramos um aumento de manifestações dos alunos que informaram
estar vencendo ou que haviam vencido a depressão, oportunizando-nos
um diálogo mais próximo com esses alunos para uma escutatória mais
sensível, promovendo uma interação maior com esses alunos e destacando
a relevância da proposta.

Card produzido pela aluna Evânia Santos Card produzido pela aluna Bianca Mercês

513
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

CONCLUSÕES

A depressão e suicídio têm registrado aumento de número de casos


em todo o mundo, não sendo diferente no Brasil onde tiveram aumento
de mais de 30% nos últimos anos. Levar essas discussões, campanhas e
escutas para o ambiente escolar faz parte da função social da escola e é
emergente.
O uso da arte revelou-se bastante efetivo para discussões que deman-
dam trabalhar com as relações e interações intrapessoais e interpessoais,
mostrando-se um caminho para a expressão de algo tão íntimo e subjetivo.
Espera-se que a proposta contribua para a mobilização da promoção
de ações mais efetivas com envolvimento das famílias e outros órgãos e
profissionais: é preciso levar o debate para todos os lugares e desmistifi-
car que a depressão e o suicídio são doenças “urbanas” e que não afetam
crianças, jovens ou adultos no campo.

REFERÊNCIAS

BORBA, Francisco S. et al. Dicionário Unesp do português con-


temporâneo. Curitiba: Piá, 2011.

BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde divulga resulta-


dos preliminares de pesquisa sobre saúde mental na pande-
mia. Brasília, 2020.

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensi-
nar. 9ª ed. São Paulo: Olho d’água, 1998a.

REIS, Alice Casanova. Arteterapia: a arte como instrumento do tra-


balho do psicólogo. Disponível em <https://psibr.com.br/leituras/
psicologia-clinica/arteterapia-a-arte-como-instrumento-no-traba-
lho-do-psicologo > Acesso em: 08 maio 2021.

514
DA PRÁTICA ANTISSINDICAL POR
ATOS LEGISLATIVOS DE CHEFES DO
PODER EXECUTIVO: HARD CASE
ESTADO DO PARANÁ
Andréa Arruda Vaz81
Sandra Mara De Oliveira Dias82
Tais Martins83
Valquíria Gil Tisque84

O Decreto nº 3808/2020, do Estado do Paraná, impõe o recadastra-


mento para que o recolhimento das contribuições sindicais seja realiza-
do por meio de desconto em folha de pagamento, sob pena de não mais
constar na folha o referido desconto. Tal previsão, com prazo exíguo, qual
seja, dois meses, conforme consta do segundo decreto, está em total vio-
lação ao artigo 8º., inciso IV da Constituição Federal de 1988, que ver-
sa: “IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de

81 Doutoranda em Direitos Fundamentais e Democracia pela UniBrasil, Professora, Advo-


gada e pesquisadora.
82 Doutoranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelo UniBrasil, juíza do Trabalho
TRT9 – Paraná.
83 Doutoranda em Direitos Fundamentais e Democracia na Unibrasil.
84 Bacharel em Direito pela UNIFACEAR. Pedagoga pela FACIBRA. Escrivã da Polícia Civil do
Estado do Paraná. Secretária Geral do SINCLAPOL – Sindicato das Classes Policiais Civis do
Estado do Paraná. Presidente da ASSEPEP – Associação dos Escrivães de Polícia do Estado
do Paraná

515
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema


confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da
contribuição prevista em lei”.
O decreto em questão impõe a aniquilação das atividades sindicais,
com a exigência de recadastramento e mais, comparecimento pessoal no
Departamento de recursos humanos para realizar a entrega das vias im-
pressas visando o desconto em folha de pagamento do valor da contribui-
ção mensal associativa. Nessa linha, fica evidente que o normativo estabe-
lecido pelos decretos viola os seguintes artigos da Constituição de 1988:
Inciso XVII do art. 5º. da CF/1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] e inciso
XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a
de caráter paramilitar.

Se a Liberdade é plena, não poderia sofrer interferências a ponto de o


Governador do Estado ditar o modus operandi de procedimentos adminis-
trativos e internos do sindicato, de modo a aniquilar as atividades sindicais.
Ademais, se o Governador impõe procedimentos que inviabilizam ou
aniquilam as atividades sindicais, está o governador a violar diretamente os
princípios de égide constitucional. Não se vislumbra em momento algum,
o interesse da coletividade no decreto governamental. Ademais, a própria
constituição impede que o Estado interfira nas atividades sindicais, sob
pena de retornarmos ao Estado medieval do sindicalismo no Brasil, ou
seja, quando o Estado e o empresariado eram quem ditavam as regras para
existência de sindicatos.
No caso em tela, um dos preceitos basilares do direito coletivo e da
democracia é a manutenção da autonomia e liberdade de atuação dos sin-
dicatos. Estes devem agir de forma livre, sem imposições e sem qualquer
intervenção, sob pena de violação direta aos princípios da autonomia e
liberdade sindical.
Tais princípios são necessários, pois “os sindicatos exercem um
importantíssimo papel no bojo do Direito do Trabalho no tocante

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às relações coletivas de trabalho, eis que são sujeitos dessas relações”


(ANDRADE, 2020).
Agora, numa atitude inconstitucional, visivelmente com a inten-
ção de aniquilar as atividades sindicais no Brasil, o Estado retirar a
autonomia e passar a legislar, ainda que inadequadamente ditando
regras internas e procedimentos a serem tomados pelo sindicato, se
está diante do sistema totalitário e antidemocrático dos tempos me-
dievais, em que o sindicato era gerido pelo Estado. A sociedade e os
sindicatos não podem aceitar ou mesmo suportar, e ao Poder Judiciá-
rio cabe uma resposta à altura:

Afinal, certas opções administrativas podem, sob o argumento


inicial de concretização dos direitos fundamentais, em verdade,
ocultar meras pretensões eleitorais do governante ou mesmo o in-
tuito de beneficiar ou prejudicar determinadas pessoas, a bem de
determinados interesses particulares, estranhos à administração.
(FILHO, 2020).

No caso em tela, a implementação dos mencionados decretos pelo


Estado, inviabilizará de plano e de forma imediata as atividades sindicais,
gerando inclusive o risco de desaparecimento do sindicato da categoria,
perecendo os trabalhadores à mercê do Estado. E sim, tendo o último
repasse, não havendo uma medida urgente, e em meio a uma pandemia
mundial causada pelo vírus Covid-19, os trabalhadores precisam mais do
que nunca dos sindicatos de classe.
Nesse mesmo viés, a Constituição de 1988 no artigo 8º, caput e inciso
I, apresentam a liberdade para livre associação profissional ou sindical:

É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação


de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas
ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização
sindical.

Ora, a Constituição de 1988 determina de modo fundamental e im-


perativo que o Estado não pode intervir no sindicato, pertencendo a este a

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

total liberdade e autonomia para fazer a gestão sindical, inclusive quanto as


contribuições, que devem também por meio de imposição constitucional,
serem descontadas em folha de pagamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não pode o governador do Estado intervir diretamente na vida dos


filiados aos sindicatos e exigir diretamente aos mesmos documentos e
confirmações, vez que a Constituição da República assim veda. Uma vez
autorizada livremente pelo servidor o desconto, ela se torna um desconto
obrigatório. Ademais, a facultatividade está na escolha pelo servidor, após
livremente se filiar; e ao Estado é obrigatório promover o desconto em fo-
lha de pagamento das contribuições sindicais. E mais, na dúvida, questio-
nar diretamente a entidade sindical, jamais interferir na relação sindicato
e associado.
Tal intervenção pode ser compreendida como prática antissindical;
ademais, aos trabalhadores, seja da iniciática pública ou privada, é asse-
gurado o direito à associação para fins sindicais, não podendo o Estado,
por meio do Legislativo ou Executivo, promover medidas que restrinjam
ou criem embaraços ao exercício da Liberdade Sindical. Tal atuação pode
configurar a prática de ato antissindical, inclusive com violação de normas
internas e internacionais, pelo país ratificadas.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Lívia Dias. O Papel dos Sindicatos frente ao Direito


Coletivo do Trabalho. Disponível em: https://livandrade.jusbrasil.
com.br/artigos/377176968/o-papel-dos-sindicatos-frente-ao-direi-
to-coletivo-do-trabalho. Acesso em: 26 dez. 2020.

FILHO, Salomão Ismail. Uma definição de interesse público e a


priorização de direitos fundamentais. Disponível em: https://
www.conjur.com.br/2016-mar-28/mp-debate-interesse-publico-
-priorizacao-direitos-fundamentais. Acesso em: 26 dez. 2020.

FORTES, Martins. O Espírito da Leis. São Paulo: Editora Limitada,


2ª ed. 2000.

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PAT R I C I A D A R O C H A M A R Q U E S N U N E S B A L I S T I E R I ( O R G S. )

SINESP, Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público


Municipal de São Paulo. A reforma sindical pode destruir os
sindicatos, principal instrumento de luta dos trabalhadores.
Disponível em: https://www.sinesp.org.br/noticias/aconteceu-no-
-sinesp/8828-reforma-sindical-pode-destruir-os-sindicatos-princi-
pal-instrumento-de-organizacao-e-luta-dos-trabalhadores. Acesso
em: 26 dez. 2020.

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ÉTICA, MORAL Y JUSTICIA CRIMINAL
DESDE LA “OPERAÇÃO LAVA
JATO”: LAS CONDUCTAS Y SUS
INFLUENCIAS EN LA POLÍTICA, EN LA
DEMOCRACIA Y EN LA CIUDADANÍA
Nerlito Rui Gomes Sampaio Neves Junior85

INTRODUCCIÓN

La “Operação Lava Jato”, fue el mayor intento de combate a la corrup-


ción y lavado de dinero de iniciativa brasileña. En marzo de 2014, la Fis-
calía Nacional y la Policía Federal iniciaron el operativo para desarticular
este complejo esquema, involucrando cuatro organizaciones criminales,
que funcionaba a partir de pagamento de propinas para facilitar negocia-
ciones ignominiosas con grupos empresariales y la adjudicación de con-
trataciones públicas para la construcción de grandes obras nacionales y en
otros países de América y África.
La escalada criminal tenía como modus operandi la sobrefacturación
y desvío de dinero de los cofres del gobierno federal por empresas que ha-
cían parte del cartel, entre ellas la pública Petrobras, principal petrolera de

85 Doctorando en Estado de Derecho y Gobernanza Global, Universidad de Salamanca.


Maestría en Teología por la Escola Superior de Teologia, São Leopoldo – RS. Postgrado en
Problemas actuales de los Derechos fundamentales, Universidad Carlos III, Madrid. Gradua-
ción en derecho en Centro Universitário, Vila Velha-ES.

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Brasil. Los operadores financieros tenían la tarea de transferir valores a los


altos ejecutivos de estatales, políticos, partidos políticos y agentes públicos
que también participaban del esquema.
Sin embargo, como el esquema revelado por la “Lava Jato” golpeó
la estructura social brasileña, aún no es posible saber si las conductas
(éticas, morales, delictivas) de los principales involucrados en el opera-
tivo en cuestión están poniendo en riesgo la justicia criminal y el modo
de actuación de las políticas criminales, la democracia y la ciudadanía
brasileña y, por supuesto, la paz social. La investigación que se propone
tiene el objetivo de ser una forma de rellenar ese vacío relativo a estas
cuestiones.

MARCO TEORICO

En los meses de marzo a diciembre de 2019, se desarrollaron algu-


nas pesquisas en las bases de datos de la Scielo, de Google, de la Teses &
Dissertações de CAPES en Brasil, de la Biblioteca de la Universidad de
Salamanca, aparte de Revistas Científicas. Fue adoptado como descripto-
res las palabras siguientes: conductas éticas, jurídicas, criminales, políticas,
democracia, ciudadanía y “Lava Jato”. De las informaciones obtenidas de
las bases de datos han sido seleccionados 28 (veinte ocho) artículos, 06
(seis) Trabajos Finales de Master y 09 (nueve) Tesis Doctorales, utilizan-
do como criterio de inclusión los trabajos que tenían en el contexto, las
conductas éticas, jurídicas y políticas y, aún, la democracia y la ciudada-
nía. Importante destacar aquí tres investigaciones presentadas en la Uni-
versidad de Salamanca, dos de ellas teniendo como profesor coordinador
el Dr. Pedro Tomás Nevado-Batalla Moreno: (i) Corrupción Pública y
Privada Cuatro Aspectos: ética en el servicio público, contratos, finan-
ciación electoral y control, de 2013, de autoría del doctorando Salomão
Antônio Ribas Júnior; (ii) Contratos Públicos y Corrupción: una visión
sistémica del modelo brasileño, presentada en 2016 por José Aparecido da
Cruz y coordenada por el Profesor Doctor Manuel Alcántara Sáes: (iii)
Da Moral Privada à Ética Pública: a nova elite parlamentar evangélica na
América Latina, de autoría del doctorando Helerson da Silva, presentada
en 2017. Estas investigaciones discuten cuestiones directamente conec-
tadas al comportamiento humano, temática central de la propuesta aquí

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

presentada, pero, los referidos trabajos y tesis transitan fuera del eje que se
pretende, en el propuesto trabajo, investigar desde la “Lava Jato”.
Aún dentro del planteamiento investigativo, existen algunos estu-
dios e investigaciones que abarcan la “Lava Jato”, todavía, al menos en
los trabajos encontrados el objeto central transita fuera de la temática
suscitada en la investigación propuesta. Los estudios conocidos sirven
como balizas para el inicio de la investigación y confirman su viabili-
dad. Lo que se presenta es la confirmación de instrumentos válidos de
pesquisas para colecta de documentos e informaciones, utilizados en
áreas afines del derecho.
Al reconocer lo que se busca investigar y los abordajes perquiridos,
trabajar comportamientos (éticos, morales y criminales), corrupción,
gobernanza, justicia y política criminal (bajo el punto de vista del Derecho
Penal del Enemigo) y, aún, virtudes humanas, se puede utilizar como fun-
damento teórico ideas de autores como Immanuel Kant, Friedrich Hegel,
Günther Jakobs, Jürgen Habermas, John Rawls, Michael Sandel, etcétera.

METODOLOGÍA

Serán adecuados al tema y acordados con el Tutor y se utilizará, caso


necesite, paquete estadístico SPSS y el método de análisis será fundamen-
tado en los teóricos cuya revisión estará profundizada en cada uno de los
aspectos tratados durante la investigación. El establecimiento de variables
y elaboración de instrumentos (levantamientos de datos e informaciones)
hace parte de la revisión de la literatura.
La colecta de datos referentes a la temática propuesta (datos cuan-
titativos) será hecha en las ciudades de Curitiba-PR (sede de la “Lava
Jato”), Rio de Janeiro-RJ (sede de la Petrobras) y Brasilia-DF (sede
política de Brasil). Para ello, será fundamental la ayuda directa de un
profesor, doctor, que orientará mi investigación en Brasil, organizará
los trabajos y hará toda la aproximación con los órganos y personas
públicas que ya trabajaran o que aún trabajan en la “Lava Jato”. A parte
de eso, será hecho un protocolo específico de colecta de datos que será
presentado, al tiempo oportuno, al profesor director de la Tesis. Todos
estos dispendios durante la investigación los pagará el investigador, con
sus propios recursos.

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RESULTADOS Y DISCUSIÓN

En la sociedad científica, incluso en la Universidad de Salamanca, dó-


nde imparte la investigación, es posible encontrar ideas acerca de ética, mo-
ral y corrupción que de alguna manera se alinean a las ideas propuestas. A
pesar de la existencia de algunos estudios, aún no hay respuestas en cuanto
a los aspectos de los comportamientos éticos, jurídicos-criminales y políti-
cos, originarios de la “Lava Jato”, que hipotéticamente contribuyeron (o no)
para la degradación de los valores morales y de las costumbres en la sociedad
brasileña, incluso posibilitando entrar en ruta de colisión con los conceptos
de justicia criminal, de política, de democracia y de ciudadanía.
Considerando que estos comportamientos humanos en las socieda-
des, sobre todo la brasileña, pueden viciar los conceptos presentados, es
posible vislumbrar que tal vacío podrá ser rellenado y, de hecho, las virtu-
des procedentes de los rectos, de las normas jurídicas, de la gobernanza,
de la integridad y de la religión, por ejemplo, pueden servir como herra-
mientas de cooperación para el cambio de actitudes o posturas culturales
humanas y gubernamentales más éticas, íntegras y transparentes, en el
sentido de retrillar los referidos conceptos, justificando la importancia de
la realización de la investigación.

CONCLUSIONES

Bajo los aspectos políticos, jurídico-criminales, éticos y morales, se


descortinaran conductas de corrupción practicadas por los principales ac-
tores involucrados en la “Lava Jato”, sobre todo los altos empresarios del
sector privado, agentes del Estado y empresas del sector público, especial-
mente la Petrobras, razón por la cual, en el periodo de 2014 a 2020, es
posible haber cambiado el modo de actuación de la justicia, la política, la
democracia y la ciudadanía, poniendo en peligro la gobernanza y el estado
de derecho en Brasil.

REFERENCIAS

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Polícia Federal.


Disponible en: <http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato>, acceso
en 21 nov. 2019.
523
TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

______. Ministério Público Federal. Disponible en: http://www.mpf.


mp.br/grandes-casos/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/parana/
resultado, acceso en 20 nov. 2019.

HABERMAS, Jüngen. Direito e Democracia: entre facticidade


e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo Martins Fontes, 2016.

ZENKNER, Marcelo Barbosa de Castro. Integridade governamen-


tal e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção
à corrupção no Brasil e em Portugal. Belo Horizonte: Fórum,
2019. p. 58-59.

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TEMAS ESPECIAIS DE EDUCAÇÃO

Celso Gabatz, Maria Aparecida de Barros,


Patricia da Rocha Marques Nunes Balistieri (orgs.)

Tipografias utilizadas:
Família Museo Sans (títulos e subtítulos)
Bergamo Std (corpo de texto)
Papel: Offset 75 g/m2
Impresso na gráfica Trio Studio
Setembro de 2021

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