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Copyright © Editora CirKula LTDA, 2021.

1° edição - 2021

Revisão e preparação dos originais: Mauro Meirelles


Normatização, Edição e Diagramação: Mauro Meirelles
Capa: Caio Afonso da Silva Brito
Tiragem: 1000 exemplares para distribuição on-line.

Todos os direitos reservados à Editora CirKula LTDA. A reprodução não au-


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LEITURAS FREIREANAS
EM TEMPOS DE
I NCERT E Z A
Memórias, Registros e Anais do XXII Fórum de Estudos:
LEITURAS DE PAULO FREIRE

Allana Cavanhi
Micheli Silveira de Souza
Silvana Ribeiro
Thiago Ingrassia Pereira
(Organização)

2021
CONSELHO EDITORIAL

César Alessandro Sagrillo Figueiredo


José Rogério Lopes
Jussara Reis Prá
Luciana Hoppe
Marcelo Tadvald
Mauro Meirelles

CONSELHO CIENTÍFICO

Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universidade


da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade Cató-
lica Argentina (Buenos Aires).
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e professor do Programa de Pós-Gradua-
ção em Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I - Pan-
théon-Sorbonne, Pós-Doutor pela Ecole de Hautes Etudes en Sciences Socia-
les e Professor Titular de Sociologia da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII e Pro-
fessor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Montreal.
Cíntia Inês Boll (Brasil) - Doutora em Educação e professora no Departa-
mento de Estudos Especializados na Faculdade de Educação da UFRGS.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor Adjun-
to da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor na
Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Associada
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora da Antonio
Meneghetti Faculdade (AMF).
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Titular
da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM).
José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo e Professor Titular II do PPG em Ciências
Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia pela FFLCH-
USP e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor em Sociologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor do Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar Ciências Humanas da UFFS.
Lygia Costa (Brasil) - Pós-doutora pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ
e professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguística e Profes-
sora da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP).
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação, Pós-Doutora
pela UNED/Madrid e Professora Associada da UFRGS.
Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social e Pesquisador do
Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais (LAVIECS/UFRGS).
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) - Doutor em Engenharia e professor do
Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Impactos Ambientais em
Mineração do Unilasalle.
Stefania Capone (França) – Doutora em Etnologia pela Universidade de Paris
X- Nanterre e Professora da Universidade de Paris X-Nanterre.
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação e Professor do Pro-
grama de Pós-Graduação Profissional em Educação da UFFS e do Pós-Gra-
duação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFFS.
Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenagement pela Uni-
versite de Paris XII (Paris-Val-de-Marne), em Science Sociale pela Université
Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e Professora Titular da UFRGS.
Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Programa de Pós-
-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade LaSalle.
Sumário

PARTE 1

REGISTRO DAS ATIVIDADES

41 PREFÁCIO
Cleiva Aguiar de Lima, Maria Elisabete Machado

45 APRESENTAÇÃO
Allana Cavanhi, Micheli Silveira de Souza,
Silvana Ribeiro, Thiago Ingrassia Pereira

51 O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DO XXII FÓRUM DE


ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE NO CONTEXTO
DA PANDEMIA
Thiago Ingrassia Pereira

65 OS CÍRCULOS DIÁLOGICOS E OS PROCESSOS


AUTO(TRANS)FORMATIVOS COM PROFESSORES(AS):
A EXISTÊNCIA E A RESISTÊNCIA DA/NA ESCOLA
Celso Ilgo Henz, Joze Medianeira dos Santos de Andrade

71 CAFÉ COM PAULO FREIRE: PENSANDO FREIRE


E AS CRIANÇAS, A ALEGRIA DE VIVER
E A CURIOSIDADE MENINA
Ana Felícia Guedes Trindade, Inez Helena Muniz Garcia,
Juliana Goelzer, Priscila Bibiano

77 FÓRUM FREIRE NO ERECHIM: MÚSICA


Dilmar Paixão, Júlio César Pires Pereira,
Rafael Branquinho Abdala Norberto, Gabriel Pereira,
Ricardo Albino Rambo, Adelir Paulus

81 PROGRAMAÇÃO GERAL
PARTE 2

RESUMOS EXPANDIDOS, CARTAS PEDAGÓGICAS


E OUTRAS FORMAS DE EXPRESSÃO

CAPÍTULO 1
MEDO E OUSADIA

87 A ATUALIDADE E A IMINÊNCIA DE FREIRE DIANTE DE


MOVIMENTOS DE DESESTRUTURAÇÃO DA DOCÊNCIA
Renata Cecilia Estormovski, Juliâna Venzon

91 A AUTOFORMAÇÃO NA TRANSVERSALIZAÇÃO DO
CURRÍCULO EDUCATIVO E FORMATIVO
Jonas Antônio Bertolassi, Adriana Salete Loss

97 A CIÊNCIA E AS NOVAS GERAÇÕES,


DESAFIOS PARA O ENSINAR
Alessandra Nilles Konzen, Rosemar Ayres dos Santos,
Eliane Gonçalves dos Santos

103 A DEMOCRACIA DE PAULO FREIRE COMO ORGANISMO


DA GESTÃO ESCOLAR
Carmem Lucia Albrecht da Silveira, Sandra Maria Zardo Morescho,
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani

109 A INFLUÊNCIA DO SOCIAL NA (DES)CONSTRUÇÃO


DA CRITICIDADE
Jonas Antônio Bertolassi, Gabriele Marina Bertolassi

115 A PRÁTICA PEDAGÓGICA À LUZ DA “PEDAGOGIA DA


AUTONOMIA” DE PAULO FREIRE
Eliane Maria Fogliarini Moura, Laercio Francisco Sponchiado,
Marilane Maria Wolf Paim
121 A PRESENÇA DO PAULO FREIRE NAS DISSERTAÇÕES DO
PPGED DA UNOESC
Wesley Pereira Katschi, Fernanda dos Santos Paulo

127 AFINIDADES DESCOLONIAIS ENTRE PAULO FREIRE E


CATHERINE WALSH NA PERSPECTIVA DA INTEGRAÇÃO
LATINO-AMERICANA
Marcelly Machado Cruz

133 A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO


SOCIAL E A UTILIZAÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS
Marcia da Rosa Mallmann

139 AOS PROFESSORES E PROFESSORAS DA ESCOLA


DOS MENINOS FELIZES
Flávia Burdzinski de Souza, Roberta Schmith

143 AULAS DE MÚSICA E A PEDAGOGIA CRÍTICA


Estela Kohlrausch, Maria Augusta dos Santos Medeiros,
Mariane Martins Rapôso

149 A EDUCAÇÃO DO CAMPO CONSTRUÍDA COM OS


SUJEITOS DO CAMPO
Rute Elena Alves de Souza, Cristiane Corneli

155 CARTA PEDAGÓGICA A ANA QUIROGA, A PROPÓSITO


DE APROXIMAÇÕES ENTRE O PENSAMENTO DE PAULO
FREIRE E PICHON RIVIERE
Mara Fernanda Chiari Pires

161 CRÔNICA DE DOIS LADOS


Matheus Zimmer
CAPÍTULO 2
PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

165 AGROECOLOGIA E FORMAÇÃO CONTINUADA:


MOSTRANDO SABERES, MUDANDO CONTEXTOS
Silas Cleiton Soligo, Leandro Carlos Ody

169 ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM ESTUDO


SOBRE O PERFIL DOS(AS) ALFABETIZANDOS(AS) DO
MUNICÍPIO DE ERECHIM/RS
Camila Paula Jevinski

175 ANÁLISE DE DISCURSO E O PENSAMENTO


DE PAULO FREIRE
Caroline Leszczynski Nunes Lauermann

179 AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A


ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA NOS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Sandra Fabiane Kleszta, Rosemar Ayes dos Santos

185 DIÁLOGOS DOCENTES, A FORMAÇÃO CONTINUADA


E A PRÁTICA PEDAGÓGICA: REAFIRMANDO AS
POSSIBILIDADES DE PENSAR FREIRIANO
NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Irma Tamanho Sartori, Tanara Terezinha Fogaça Zatti

189 CARLOS RODRIGUES BRANDÃO E PAULO FREIRE


Fernanda dos Santos Paulo

195 DA PALAVRA AO DISCURSO: A COMPREENSÃO


LEITORA EM FREIRE
Andréia Inês Hanel Cerezoli

199 DEBATE DO TEMA AUTOMEDICAÇÃO EM SALA DE AULA


E OS SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA NO
CONTEXTO DO PUPA
Miliane Tonato Mortari, Lucas Carvalho Pacheco
205 CAFÉ COM PAULO FREIRE EM ESTEIO
Daianny Madalena Costa, Márcia Regina da Silva

211 CARTA A LEVANA


Flávio Boleiz Júnior

219 CARTA PEDAGÓGICA EM UMA RODA DE DIÁLOGOS


FREIREANOS: REFLEXÕES SOBRE A AMOROSIDADE
COMO PRINCÍPIO FORMATIVO
Elisama Santos

227 INSERÇÃO DE ESTRANGEIROS NA UFFS A PARTIR


DO ACESSO À EDUCAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA
NO PROGRAMA DE EXTENSÃO “DIVERSIDADE
LINGUÍSTICA: COMPARTILHAR SABERES
PARA QUEBRAR BARREIRAS”
Marcelo Luis Ronsoni, Roselaine de Lima Cordeiro,
Sheila Duarte Marques Bassoli, Stephanie Toussaint

233 A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA PELO USO DE


MÁSCARAS: CONCEPÇÕES EDUCATIVAS DOS
EDUCADORES SOCIAIS DO CENTRO POP RUA
Janaina Dorigo dos Santos, Claudia Alquatti Bisol,
Sandro de Castro Pitano

239 VARAL TEMÁTICO SOBRE CARTAS PEDAGÓGICAS EM


CONEXÃO PARIS-ERECHIM
Ana Lúcia Souza de Freitas, Ana Cristina da Silva Rodrigues,
Ana Felícia Guedes Trindade, Ana Lúcia Castro Brum,
Ancilla Dall’Onder Zatt, Bianca Vergara Gonçalves Teixeira de Mello,
Cleiva Aguiar de Lima, Daiane Leal da Silva,
Daianny Madalena Costa, Elisama de Jesus Gonzaga Santos,
Fernanda dos Santos Paulo, Franciele Vanzella da Silva,
Hedi Luft, Ida Letícia Gautério da Silva, Luciene Rodrigues Silva,
Isabela Camini, Mari Margarete dos Santos Forster,
Maria Elisabete Machado, Micheli Silveira de Sousa,
Nina Rosa Ventimiglia Xavier, Rosane Oliveira Duarte Zimmer,
Sandra Maria de Assis, Sofia Cavedon Nunes,Tanise Dreyer Ramos
CAPÍTULO 3
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: SABERES NECESSÁRIOS
À PRÁTICA EDUCATIVA

245 ENSINO REMOTO EM TEMPOS DE PANDEMIA:


EDUCAÇÃO BANCÁRIA OU LIBERTADORA?
Wylana C. A. Souza, Bruna Eduarda Rocha,
Daniê Regina Mikolaiczik

251 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: APROXIMAÇÃO ENTRE


PRESSUPOSTOS FREIREANOS E O ENFOQUE CIÊNCIA-
TECNOLOGIA-SOCIEDADE
Guilherme Schwan, Rosemar Ayres dos Santos

257 A CONSTRUÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO EM PROL


DE UMA EDUCAÇÃO POPULAR, ESPECÍFICA E
DIFERENCIADA: INSTITUTO INDÍGENA ANGELO
MANHKÁ MIGUEL
Carine Ines Simon

261 EDUCAÇÃO POPULAR COMO PRÁTICA DO


PENSAMENTO DECOLONIAL
Silvana Pires de Matos, Alexandra Carniel

265 EDUCAÇÃO POPULAR E O EMPODERAMENTO


FEMININO: MEDIAÇÃO DE ENCONTROS DE MULHERES
Bruna Laís Ott, Janaína Horn Schimidt

269 EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA: A EDUCAÇÃO


DO EMPODERAMENTO
Maickelly Backes de Castro, Walter Frantz

275 ENSINO DE FILOSOFIA EM UMA ESCOLA DO CAMPO


FRUTO DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA
Michele Barcelos Corrêa
279 ENTRE SITUAÇÕES-LIMITE E ATOS-LIMITE: A CAMINHO
DO INÉDITO-VIÁVEL NA EDUCAÇÃO CTS
Suiane Ewerling da Rosa

283 ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NO ENSINO


DE CIÊNCIAS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Douglas Bassani, Guilherme Bratz Taube, Rosemar Ayres dos Santos

289 DOCÊNCIA EM MOVIMENTO: REFLEXÕES


DE PROFESSORAS
Isadora Alves Roncarelli

295 EDUCAR É UM DESAFIO COTIDIANO


Marissandra Todero

299 ENFRENTAMENTOS E INCERTEZAS DEPOIS


DE SUA AUSÊNCIA
Shirlei Alexandra Fetter, Raquel Karpinski, Carine Marcon,
Allana Cavanhi

303 DIÁLOGOS, REFLEXÕES E APRENDIZAGENS DE GESTÃO,


EM TEMPOS DE PANDEMIA
Jorge Antônio de Oliveira Satt, Ida Leticia G. da Silva

307 UMA CARTA REFLEXIVA: O PENSAMENTO DE


EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA DE FREIRE VIVE NAS
PERSPECTIVAS DO LETRAMENTO CRÍTICO
E DOS NOVOS LETRAMENTOS
Delvânia Aparecida Góes dos Santos

313 AS MÃOS
Francine Gentelini, Aline Gentelini, Emanuele Gentilini
CAPÍTULO 4
PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO: CARTAS PEDAGÓGICAS
E OUTROS ESCRITOS

317 MARCAS DA TRAJETÓRIA DE VIDA DE ESTUDANTES DA


EJA - PROGRAMA AÇÃO INTEGRADA ADULTOS ESTEIO/
RS: CONTRIBUIÇÕES PARA PRÁTICA DOCENTE
Márcia Regina da Silva, José Edimar de Souza

321 MULHERES COMO ENUNCIADORAS


DA CIÊNCIA-TECNOLOGIA
Ana Paula Butzen Hendges, Letícia Barbieri Martins,
Rosemar Ayres dos Santos

325 EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR: OLHARES PARA


ALÉM DA ESCOLA
Vanessa Pescador, Fernanda dos Santos Paulo

331 OS CAMINHOS DA FORMAÇÃO PERMANENTE EM


FREIRE PARA UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA
Sandra Maria Zardo Morescho, Carmem Lucia Albrecht da Silveira,
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani

335 PARA UM ENCONTRO ENTRE PAULO FREIRE E ANTÓNIO


DAMÁSIO: CONSCIÊNCIA E TRANSFORMAÇÃO DO
SUPORTE DA VIDA EM MUNDO HUMANO
E DA VIDA EM EXISTÊNCIA
Diandra Dal Sent Machado

341 PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO INFANTIL: A


POSSIBILIDADE DA ANÁLISE DA BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
SOB A ÓTICA FREIREANA
Camila Chiodi Agostini

347 PAULO FREIRE E ENRIQUE DUSSEL EM DIÁLOGO: POR


UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA
André Luis Castro de Freitas, Luciane Albernaz de Araujo Freitas
353 PAULO FREIRE E O MOVIMENTO DOS SEM-TERRA
Sinval Martins Farina

357 POR ONDE ANDAM AS CARTAS PEDAGÓGICAS?


Micheli Silveira de Souza, Ana Lúcia Souza de Freitas,
Cleiva Aguiar de Lima

365 REALIDADE, RESISTÊNCIA E ESPERANÇA(R)


Ana Maria Baldo

369 RESISTIR É PRECISO: AOS EDUCADOR@S E


COMPANHEIR@S DE LUTA
Ilda Renata da Silva Agliardi, Elisete Enir Bernardi Garcia

373 UMA CARTA AOS EDUCANDOS: A TRANSGRESSÃO


COMO MODO DE ESPERANÇAR NO CAMINHO PARA
UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA
Lucas Antunes Machado, Gabriele Fochezatto Mota,
Camila Pereira Alves

379 PERSPECTIVAS E SONHOS: UM DIÁLOGO COM


ESTUDANTES DA EJA POR MEIO
DE CARTAS PEDAGÓGICAS
Joice Maria de Oliveira

381 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA


E O PROTAGONISMO DISCENTE: CONTA AÍ!
Anderson Dal Pra Dal Vesco, Isadora Canello,
Andréia Inês Hanel Cerezoli
CAPÍTULO 5
POR UMA PEDAGOGIA DA PERGUNTA

385 PAULO FREIRE: A AMOROSIDADE E O


ESTABELECIMENTO DE UMA RELAÇÃO
DIALÓGICA ENTRE PROFESSOR E ALUNOS
Lizandra Andrade Nascimento

389 PEDAGOGIA DO ENCANTAMENTO: CONTRIBUIÇÕES


DE PAULO FREIRE PARA A PRÁXIS DOCENTE NA PÓS-
GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
Marta Zanette, Ivo Dickmann

393 POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E


TRANSFORMADORA: APROXIMAÇÕES
EM PAULO FREIRE
Luciane Albernaz de Araujo Freitas, André Luis Castro de Freitas

397 PRÁTICAS DIALÓGICAS, ENLACE COM A DEMOCRACIA


NA GESTÃO ESCOLAR
Juliane Bonez, Almir Paulo dos Santos

401 ANDARILHAR VIRTUALMENTE EM UM CONTEXTO


ESCOLAR RURAL DE RIO GRANDE (RS)
Sicero Agostinho Miranda

405 REFLEXÃO DOS(AS) EDUCADORES(AS) EM UM


CONTEXTO ESCOLAR RURAL DE RIO GRANDE (RS)
SOBRE AS ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS
NO INÍCIO DA PANDEMIA
Sicero Agostinho Miranda

411 A CATEGORIA TRABALHO PARA PAULO FREIRE:


CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO
PROFISSIONAL EM SAÚDE
Bianca Joana Mattia,Carla Rosane Paz Arruda Teo
415 “OS ESFARRAPADOS DO MUNDO”
Adriana Chiamolera, Gabriela Stang

419 REPENSANDO UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA


A PARTIR DE PAULO FREIRE
Rosane da S. França L. Cavasin

425 ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM TEMPOS DE PANDEMIA:


UMA REFLEXÃO SOBRE A INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
Magali Regina Schumann, Beatris Gattermann

431 ENTRE PRECES E DESABAFOS: UMA CARTA


A PAULO FREIRE
Kátia Vielitz de Almeida, Victória Jantsch Kroth

437 LEITURAS DO MUNDO E DE PAULO FREIRE SOBRE


HUMANIZAÇÃO: UMA CARTA PEDAGÓGICA
PARA MANUELA
Jonas Hendler da Paz, Maria Julieta Abba

443 VOZES DE MULHERES: DIÁLOGOS EM TEMPOS DE


PANDEMIA
Naraina Zerwes Gentil, Débora Medeiros do Amaral,
Lilian da Silva Ney
CAPÍTULO 6
PEDAGOGIA DA ESPERANÇA: UM REENCONTRO
COM A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

447 CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A


HUMANIZAÇÃO E O CUIDADO EM SAÚDE
Franciéli Aline Conte, Isaura Isabel Conte, Johannes Doll

453 ESTUDO DOS COMPONENTES CURRICULARES NO


CURSO DE NUTRIÇÃO ACERCA DAS DISCIPLINAS DE
EDUCAÇÃO E DE AGROECOLOGIA
Franciéli Aline Conte, Daisy Peres Godoy, Johannes Doll

459 PAULO FREIRE E O ASSISTENTE SOCIAL: A LUTA


INCESSANTE PELA LIBERTAÇÃO DOS OPRIMIDOS
Adriana Chiamolera, Gabriela Stang

463 E POR QUE NÃO COMUNICAÇÃO? QUESTIONANDO A


EXTENSÃO A PARTIR DE PAULO FREIRE
Camila Devitte Fontes

467 PAULO FREIRE E O DIREITO À EDUCAÇÃO…


EM TEMPOS DE ENSINO REMOTO
Letícia Rieger Duarte, Mariana Scholze da Silva

471 DIÁLOGO E PROBLEMATIZAÇÃO NO TRABALHO DO/A


COORDENADOR/A PEDAGÓGICO/A NA ESCOLA
Jerônimo Sartori

477 O PENSAMENTO DE PAULO FREIRE E SUA INFLUÊNCIA


NA EDUCAÇÃO DO CAMPO E NA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL CRÍTICA
Gerson Luiz Buczenko, Maria Antônia de Souza

481 CICLO DE ESTUDOS: FORMAÇÃO DOCENTE NA


PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE
Elaine Pires Salomão, Rodrigo Ferronato Beatrici,
Roberto Valmorbida de Aguiar, Morgana Karin Pierozan
487 GESTÃO ESCOLAR: MUITAS MÃOS ENVOLVIDAS
Rosemere Impéres Lira

491 CARTA DE ESPERANÇA: EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS -


REGUE-AS, PARA QUE FLORESÇAS
Louise Löbler

497 AOS QUE EDUCAM EM TEMPOS CRISE:


TECENDO FIOS DE ESPERANÇA
Romário Silva Jorge, Ana Paula Santana Magalhães,
Juscélia Silva Costa, Uelques Batista Santana

501 CARTA À JUVENTUDE: EXISTIR E RESISTIR


João Daniel W. Foschiera, Gabriel Tamanchieviz Argenton,
Grasiele Berticelli, Kariane Vanessa Gaiardo,
Rhuane Cristine Fonseca Salles

507 A PEDAGOGIA DA EDUCAÇÃO POPULAR EM TEMPOS


DE ENSINO REMOTO: UM CONVITE A REEXISTIR A
ESCOLA, A ESPERANÇA E A VIDA
Patrícia Signor, Ivani Soares, Celso Ilgo Henz

511 AS LETRAS DA TERRA


Louise Löbler
CAPÍTULO 7
EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE

515 ALFABETIZAÇÃO COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DA


CIDADANIA: UMA RELEITURA REFLEXIVA ACERCA DOS
LIMITES DA PRÁTICA
Bruno Gabriel Gomes Cardoso

521 A POLÍTICA DO TEMPO:


O FUTURO - UM MAPA EM ABERTO?
Ingrid Zacarelli Brito, Maria Rosa R. Martins de Camargo

525 UMA REFLEXÃO ACERCA DA INSERÇÃO


DOS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES POPULARES
NAS COMUNIDADES
Gabriela Oliveira de Castro

531 AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA OS


PROCESSOS EDUCATIVOS INCLUSIVOS NA ATUAÇÃO
DOCENTE NO ENSINO REGULAR
Monalisa da Silva

537 FORMULAÇÃO DE CURRÍCULO


EM CONCEPÇÕES FREIREANAS?
Paulo Alberto Duarte Junior

541 MEDIAÇÃO E DIDÁTICA NA EJA: A PRODUÇÃO


ACADÊMICA NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS JOVENS
E ADULTAS NO BRASIL
Adriana Regina Sanceverino, Paula Salete Casado Zago

545 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO POPULAR E A EDUCAÇÃO


AMBIENTAL: PRÁTICAS E SABERES EM CONSTRUÇÃO
Fabiane Turella Pedrozo Tomassini, Alíssia Barberini,
Isabel Rosa Gritti
549 EDUCAR PARA O AMOR:
O ENTRELAÇAMENTO FAMÍLIA-ESCOLA
Uelques Batista Santana, Ana Paula Santana Magalhães,
Juscélia Silva Costa, Romário Silva Jorge

553 A ESPERANÇA EM FREIRE NESTES TEMPOS DE


PANDEMIA: CARTA PARA COLEGAS EDUCADORES
Cleiva Aguiar de Lima, Mari Margarete Forster,
Maria Elisabete Machado

559 PAULO FREIRE E AS LICENCIATURAS: CONTRIBUIÇÕES


PARA UMA FORMAÇÃO HUMANIZADORA
Diandra dos Santos de Andrade

563 DESAFIOS E POSSIBILIDADES: RESSIGNIFICAR


A PARTIR DE FREIRE
Isabella Pereira Carrer, Synara Keh, Cíntia Reisdoerfer

569 CAFÉ COM BORDADO: TECENDO A ARTE


DO BEM COMUM
Karine de Oliveira Gomes, Marta Luiza Dias,
Geize Carla Soares Marques

575 (RE)INVENTANDO PAULO FREIRE E AS FORMAS


DE MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS: QUATRO ANOS DE
(R)EXISTÊNCIA DO COLETIVO LINHAS DO HORIZONTE
Karine de Oliveira Gomes, Coletivo Linhas do Horizonte
CAPÍTULO 8
À SOMBRA DESTA MANGUEIRA

579 A PEDAGOGIA CRÍTICA DE PAULO FREIRE


E A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA:
ESTABELECENDO RELAÇÕES
Daniê Regina Mikolaiczik, Bruna Eduarda Rocha,
Wylana C. A. Souza

585 LEITURA(S) À LUZ DE PAULO FREIRE:


REFLEXOS COTIDIANOS
João Paulo Borges da Silveira, Mariana Parise Brandalise Dalsotto

591 PAULO FREIRE, GASTON BACHELARD,


O CONHECIMENTO DE SENSO COMUM E
O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS
Andréa Cantarelli Morales, Amanda Klamer de Almeida,
Francisco Catelli

597 A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A EJA: UMA ANÁLISE DA


CONFIGURAÇÃO DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DOS
CURSOS (PPC) DE LICENCIATURA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DA FRONTEIRA SUL/CAMPUS ERECHIM/RS
Roselaine Iankowski Corrêa da Silva, Adriana Regina Sanceverino

603 A LUTA PELO ENSINO DA HISTÓRIA LOCAL:


UM REENCONTRO COM O PROJETO “ERECHIM: CAMPO
PEQUENO, GRANDES MEMÓRIAS”
Guilherme José Schons

607 O OLHAR HUMANIZADOR PARA A INFÂNCIA:


A TRANSIÇÃO A PARTIR DE FREIRE
Carine Marcon, Raquel Karpinski, Shirlei Fetter, Allana Cavanhi
613 RELATO DE EXPERIÊNCIA: PANCS,
DO MATO PARA O PRATO
Juliana Carobin, Francieli Ribeiro, Paola Potrich, Roseclei Neuhaus,
Zaila S. Zandoná Blau

617 FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: PILARES PARA A


FORMAÇÃO INTEGRAL
Juscélia Silva Costa, Ana Paula Santana Magalhães,
Romário Silva Jorge, Uelques Batista Santana

621 O DESAFIO DE EDUCAR NA PANDEMIA


Eliel Felizardo, Fernanda Zorzi, Eduarda Cassol Festa

627 “COMO ESCOLHER UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO


INFANTIL?”: REFLEXÕES PARA PAIS DE CRIANÇAS
DE 0 A 6 ANOS DE IDADE
Flávia Burdzinski de Souza

633 EDUCAÇÃO, MUDANÇA E ENSINO REMOTO


NA PANDEMIA
Slaine Senra Mattos Amaral, Tatiana Nascimento Severino Queiróz

637 PAULO FREIRE, DIÁLOGO E CULTURA DE PAZ PARA


ESCOLAS EM UM BRASIL PANDÊMICO
Gabriele Albuquerque Silva

643 UMA CANÇÃO PARA O FÓRUM FREIRE


NO ERECHIM: A PRÁXIS ARTÍSTICA COMO
EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA
Rafael Branquinho Abdala Norberto, Dilmar Xavier da Paixão,
Júlio Cesar Pires Pereira, Gabriel Pereira, Ricardo Albino Rambo
CAPÍTULO 9
CARTAS A GUINÉ-BISSAU

647 MESTRADO NA ESCOLA PÚBLICA:


SONHO OU REALIDADE?
Andréa Cantarelli Morales, Sandro de Castro Pitano,
Gabriel Varreira Gasperin

653 O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NUMA


PROPOSTA DE ENSINO BASEADA NOS PRINCÍPIOS DA
EDUCAÇÃO POPULAR
Bárbara Nicola Zandoná. Ivete Terezinha Zandoná,
Vanessa Signori Zandoná

659 PAULO FREIRE E GIRO DECOLONIAL:


APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
Camila Wolpato Loureiro, Cheron Zanini Moretti, Danilo R. Streck

665 A RELAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA DE PAULO


FREIRE COM A PRÁTICA DOCENTE NO AMBIENTE
EDUCACIONAL: IDADE/SÉRIE E AVALIAÇÃO
Grasiele da Conceição de Oliveira

669 POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES DA


ALFABETIZAÇÃO CRÍTICA A PARTIR DA INFÂNCIA
Angela Barbara Rossetto

673 O DIÁLOGO NA PRÁXIS DE COORDENAR


EM UM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO POPULAR
Lucas Carvalho Pacheco

677 EXISTIR, RESISTIR E EDUCAR PARA A EMANCIPAÇÃO:


CONTRIBUIÇÕES CONSCIENTIZADORAS DO GRUPO DE
ESTUDOS, PESQUISAS E ARTES BEM VIVER
Rafael Branquinho Abdala Norberto, Dilmar Xavier da Paixão,
Julio Cesar Pires Pereira, Gabriel Gonçalves Pereira,
Ricardo Albino Rambo
683 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
FORMAÇÃO INTEGRAL E O MUNDO DO TRABALHO
Dayana Debora Kiernieff Pereira Marca, Adriana Regina Sanceverino

689 CARTA-CONVITE ÀS EDUCADORAS


Patricia Oliveira Crespo Nunes

693 PROVOC-AÇÕES E REFLEXÕES SOBRE


CARTAS PEDAGÓGICAS
Letícia Martins dos Santos, Patricia Oliveira Crespo Nunes

697 CARTA-SÍNTESE ÀS EDUCADORAS


Letícia Martins dos Santos

701 CARTA PEDAGÓGICA: REVISITAÇÕES DE UMA


CAMINHADA COMO “EDUCADORA FREIRIANA”
Jussara Cristina Mayer Ceron, Nathalia Sofia Mayer Ceron

707 CARTA AO HABITANTE DO FUTURO


Ana Paula Pinheiro

711 CENOPOESIA: DIÁLOGO, CRIATIVIDADE E VIVÊNCIA EM


PROCESSOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL POPULAR
Êrika Barretto Fernandes Cruvinel, Consuêlo Barreto Fernandes
CAPÍTULO 10
CARTAS A CRISTINA: REFLEXÕES SOBRE
MINHA VIDA E MINHA PRÁXIS

715 EXPERIMENTAÇÃO PROBLEMATIZADORA


COMO FORMA DE INSTIGAR A CURIOSIDADE
DOS ESTUDANTES
Franciele Cremer, Letícia Barbieri Martins, Rosemar Ayres dos Santos

721 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO


DO CONSELHO POLÍTICO NA GESTÃO PÚBLICA DO
MUNICÍPIO DE ITATIBA DO SUL, NA PERSPECTIVA DA
EDUCAÇÃO POPULAR
Adriana Kátia Tozzo

727 PAULO FREIRE E A POLÍTICA EDUCACIONAL:


CONTRIBUIÇÕES PARA A REFORMA EDUCATIVA
PERUANA (1968-1975)
Kildo Adevair dos Santos

731 RESISTÊNCIA PRESENTE! DIÁLOGOS SOBRE EDUCAÇÃO


POPULAR E EMANCIPAÇÃO NOS CURSOS DE
LICENCIATURAS DA UFFS – CAMPUS ERECHIM/RS
Daiane Bornelli de Andrade, Adriana Regina Sanceverino

735 UM OLHAR PARA AS QUESTÕES DE GÊNERO E PAULO


FREIRE NO CONTEXTO DA PANDEMIA
Rosângela Pereira de Oliveira, Shirley Souza

739 A EDUCAÇÃO POPULAR E O POTENCIAL


TRANSFORMADOR EM FREIRE
Solange Todero Von Onçay

743 “EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE”
EM PAULO FREIRE E BELL HOOKS, PARA UMA
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
Gabrielle de Souza Oliveira
749 A REFORMA DA PREVIDÊNCIA DISCUTIDA SOB
CONCEPÇÕES FREIRIANAS COM AS TURMAS DA
EJA DA EMEF NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
César Rolim de Assis Rolim

755 O EXÍLIO PROVOCADO PELA COVID-19:


UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DOCENTE
EM CONTEXTO DE PANDEMIA
Jackeline Pereira Mendes

759 CARTA PEDAGÓGICA METALINGUÍSTICA


Sandra Maria de Assis

765 CARTA PEDAGÓGICA: PAULO FREIRE PRESENTE NO


DIREITO DE AS INFÂNCIAS TEREM
SUAS VOZES ESCUTADAS
Bruno Gabriel Gomes Cardoso

771 NOVOS TEMPOS: OUTROS ESPAÇOS FORMATIVOS


Janaina Amorim Noguez, Sabrina Meirelles Macedo

777 AQUI-AGORA
Adriana Maria Andreis, Cristiano Malagutti Bianchi,
Fernanda Feliciano dos Santos, Gerson Junior Naibo,
Janaina Gaby Trevisan, Patricia Cassol de Oliveira,
Rudimar Rotheman, Sabhrina Lya Pezenatto Piazza Frigeri,
Tayane de Oliveira
CAPÍTULO 11
AÇÃO CULTURAL PARA A LIBERDADE

781 CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE


ÀS METODOLOGIAS ATIVAS
Marcos Sardá Vieira

785 POR UMA PEDAGOGIA DA COMUNICAÇÃO


E UMA EDUCAÇÃO NÃO BANCÁRIA
Joice Maria de Oliveira

791 POTENCIALIDADES DAS APROXIMAÇÕES


ENTRE PAULO FREIRE E JUSTIÇA RESTAURATIVA
Ana Paula Bertuol Rebelatto, Luíza Zelinscki Lemos Pereira,
Thífany Piffer

797 PROVOC-AÇÕES FREIREANAS NA EXPERIÊNCIA


DO PIBID: CONSIDERAÇÕES PARA
A FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA
Catherine Streher De Lellis, Rosane Oliveira Duarte Zimmer

803 O FENÔMENO JUVENILIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE


PESSOAS JOVENS E ADULTAS: QUEM SÃO OS SUJEITOS?
QUAIS SÃO OS MOTIVOS?
Emeline Dias Lódi

809 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E O COMBATE


À VIOLÊNCIA
Daniel Mendonça de Souza, Lúcio Jorge Hammes

813 A PESQUISA COM AS PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO


CONVENCIONAIS NA UFFS ERECHIM:
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO
Rhuane Cristine Fonseca Salles, Naira Estela Roesler Mohr

817 PAULO FREIRE, AS CRIANÇAS E O CHÃO DO MUNDO


Ana Felícia Guedes Trindade, Cristiane dos Santos Alves
821 CARTAS PEDAGÓGICAS: HISTÓRIA,
LEGADO E REINVENÇÃO
Ivo Dickmann

827 CARTA AOS PROFESSORES: DIÁLOGOS SOBRE
A EDUCAÇÃO EM DIAS PANDÊMICOS
Débora Medeiros do Amaral

831 ALFABETIZAÇÃO NA EJA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Cenira Rosa Cechin Skorek

837 REINVENÇÃO DO DIÁLOGO EM TEMPOS PANDÊMICOS


NAS ESCOLAS FAMÍLIA AGRÍCOLAS DA REGIÃO
DO VALE DO RIO PARDO
Marlon Bianchini, Aline Mesquita Corrêa, Roberto Kittel Pohlmann

843 DA GRADUAÇÃO AO DOUTORADO:


PAULO FREIRE E A GESTAÇÃO DE UMA TESE
Solange Aparecida da Silva Brito

849 POESIA: EM FREIRE


Jussara Cristina Mayer Ceron, Nathalia Sofia Mayer Ceron
CAPÍTULO 12
EXTENSÃO OU COMUNICAÇÃO?

853 SOB FOGO CRUZADO:


A SENHORA DA RAZÃO X O HOMEM DE BEM
Marco Mello

859 APRENDIZAGEM DIALÓGICA EM REDE: ESCOLA,


TECNOLOGIAS E PESSOAS ENTRELAÇADOS
PELA BIOLOGIA DO AMOR
Maria de Fátima de Lima das Chagas, Cláudio José de Oliveira,
Lia Raquel Moreira Oliveira, Francisco Milton Mendes Neto

865 ESPERANÇANDO ENTRE FRESTAS: “OLHA, SORA…


REALMENTE, EU NÃO A CONHECIA”
Anália B. M. de Barros

871 MULHERES CAMPONESAS E A POSSIBILIDADE


DE LIBERTAÇÃO
Suziane Miguel Soffa, Catiane Cinelli

875 CIRCUITO DIVERSIFICA DO IFRS – CAMPUS SERTÃO:


SENSIBILIZAÇÃO, INCLUSÃO E DIVERSIDADE
Vanessa Carla Neckel, Naiara Migon, Gabriele Albuquerque da Silva,
Oscar de Souza Santos, Ana Laura Tomasi

879 A ÉTICA DOCENTE PROPOSTA POR PAULO FREIRE


Isaura Welker, Patrícia Martins de Araujo

883 A PERSPECTIVA DIALÓGICA NAS PRÁTICAS


DE GESTÃO ESCOLAR
Almir Paulo dos Santos, Juliane Bonez

889 PAULO FREIRE E SUAS ANDARILHAGENS PELA ÍNDIA


Patrícia Correia de Paula Marcoccia, Balduíno Andreola

895 POR UMA DEMOCRACIA FREIREANA


Fatima A. M. dos Santos, Kerolin Kalinka N. Iung
891 PROFESSORES DO SÉCULO XXI: A PANDEMIA E A
EXAUSTÃO PROFISSIONAL
Nazine de Moura Bittencourt Ribeiro, Lucio Jorge Hammes

907 TUDO QUE NÓS TEMOS É NÓS: RESISTINDO


PARA RE-EXISTIR UNS COM OS OUTROS
PARA O SER MAIS …
Caroline da Silva dos Santos, Melissa Noal da Silveira

913 FÓRUM FREIRE NO ERECHIM: AS MUITAS RAZÕES


PARA UMA CANÇÃO-TEMA
Dilmar Xavier da Paixão, Rafael Branquinho Abdala Norberto,
Julio Cesar Pires Pereira, Gabriel Gonçalves Pereira,
Ricardo Albino Rambo
CAPÍTULO 13
POLÍTICA E EDUCAÇÃO: ENSAIOS

921 EDUCAR COM AMOROSIDADE PARA EXISTIR


E RESISTIR NA DEMOCRACIA
Celso llgo Henz, Marli Almeida de Oliveira

927 VIVÊNCIAS NO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL


E AS EXPERIÊNCIAS DE VIDA
Milena de Melo Darós, George Inácio Viana de Abreu,
Évelin Aparecida Begnini, Gabriele Domeneghini Mercali,
Dilmar Xavier da Paixão

931 JOGADOR DE FUTEBOL:


FORMAÇÃO PROFISSIONAL X FORMAÇÃO CIDADÃ
Guilherme Gritti Pauli, Graciela Regina Gritti Pauli

935 FORMAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA


COVID-19: A POTENCIALIDADE DA ESCRITA DE CARTAS
PEDAGÓGICAS EM UMA DISCIPLINA DE DIDÁTICA
Bárbara C. M. Sicardi Nakayama, Raquel Aparecida Batista,
Solange Aparecida da Silva Brito

939 A IMPORTÂNCIA DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO


NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
DOS ESTUDANTES
Naiara Migon, Daniela F. M. Mores

945 UMA EXPERIÊNCIA DE PEDAGOGIA FREIREANA


NO AMBIENTE DIGITAL
Bruno Belloc Nunes Schlatter

951 A TEORIA EDUCACIONAL DE PAULO FREIRE COMO


FUNDAMENTO DA EDUCAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE
Silvia Mara da Silva
955 EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SINDICAL RURAL:
UM DIÁLOGO COM AS LEITURAS FREIREANAS
Eduarda Thaís dos Santos

959 REFLEXÕES SOBRE A DOCÊNCIA:


UMA OPORTUNIDADE EM MEIO À PANDEMIA
Monique Neckel Bueno

963 CARTA DE UMA FUNCIONÁRIA DE ESCOLA


PARA AS EDUCADORAS
Emanuele Gentilini, Karine Piaia, Paola Potrich, Paula Rebonatto,
Tania P. Tramontina

967 CARTA PEDAGÓGICA: CIRANDAR RODAS


DE FORMAÇÃO
Ida Letícia G. da Silva

973 CARTAS PEDAGÓGICAS COMO


INSTRUMENTO METODOLÓGICO
Cristiane Corneli, Maria Dora Waechter Lima,
Rute Elena Alves de Souza, Jonas Hendler da Paz

977 LEIO, LOGO EXISTO E RESISTO!


Claudia Smuk da Rocha

983 SULEAR E ESPERANÇAR: PAULO FREIRE,


UM TERCEIRO-MUNDISTA LATINOAMERICANO
Eduarda Thaís dos Santos
CAPÍTULO 14
PEDAGOGIA: DIÁLOGO E CONFLITO

989 PEDAGOGIAS FREIREANAS E PEDAGOGIA DA


ALTERNÂNCIA – VEIAS PEDAGÓGICAS
QUE NUTREM A QUESTÃO DA REALIDADE
Luana Bunde, Graziela Rinaldi da Rosa

993 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR


NA PEDAGOGIA FREIREANA
Clenio Vianei Mazzonetto, Fernando Antonio Egert

997 CONTRIBUIÇÕES FORMATIVAS DECORRENTES DA


PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO E DA EDUCAÇÃO COMO
PRÁTICA DE LIBERDADE: UM NOVO POSSÍVEL!
Kesley Carol de Carvalho, Maria Lucia Marocco Maraschin

1001 MULHERES, TRABALHO E ALIMENTAÇÃO NO CAMPO:


AS EXPERIÊNCIAS NOS COLETIVOS DA ESCOLA FAMÍLIA
AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL – EFASC
Cristina Luisa Bencke Vergutz, Everton Luiz Simon,
Bruna Caroline Borges, Suellym Pappim da Silva

1007 EDUCAÇÃO E TRABALHO EM TEMPOS DE COVID-19:


DIÁLOGOS ENTRE FREIRE, SAVIANI E LIPOVETSKY
William Pollnow, Morgana Pereira da Costa

1011 ENCONTROS E DESENCONTROS: O PLANEJAMENTO


E O USO DA TECNOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA
Fernanda Herbertz, Elisete Regina Groff, Delci Cleonice Bender,
William Pollnow

1017 PARQUES ECOLÓGICOS URBANOS COMO


POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES
AMBIENTAIS EM BUSCA DA CONSTRUÇÃO DA
CIDADANIA A PARTIR DE AÇÕES CONCRETAS
COM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Adalberto Freire da Silva
1021 CONSCIÊNCIA E REVOLUÇÃO EM PAULO FREIRE
João Felipe Nascimento Francisco

1027 ESPERANÇA ANDARILHA NAS RUAS


DE UM PORTO NÃO TÃO ALEGRE
Larissa Silva Jorge, Paulina dos Santos Gonçalves

1033 PENSANDO COM PAULO FREIRE:


UMA CONEXÃO AUSTRALIANA
Camila Wolpato Loureiro, Carolina Schenatto da Rosa,
Danilo R. Streck

1039 SENTIR-PENSAR COM FREIRE, HOOKS E SKLIAR:


UMA CARTA SOBRE A EDUCAÇÃO QUE ME ATRAVESSA
Lilian da Silva Ney

1043 CARTA AO PROFESSOR FLÁVIO:


DAS RELAÇÕES COM O SABER À GRATIDÃO
José Mário Regis Silva

1047 CARTA PEDAGÓGICA SOBRE LER (LEITURA,


ENTENDIMENTO, REFLEXÃO) E ESCREVER
CRITICAMENTE
Márcia Adriana Rosmann

1051 GRISALHOS CACHOS


Juliana Campoy Miranda de Souza, Hedi Maria Luft
CAPÍTULO 15
A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER:
EM TRÊS ARTIGOS QUE SE COMPLETAM

1055 PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA (DES) COLONIAL:


REFLEXÕES A PARTIR DE UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
Aline Mesquita Corrêa

1061 EDUCAÇÃO E LIBERTAÇÃO DAS MULHERES: DIÁLOGOS


INSURGENTES ENTRE PAULO FREIRE E BELL HOOKS
Enir Ferreira Lima

1065 PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO HUMANIZADORA


Jaime José Zitkoski, Luis Carlos Trombetta, Sérgio Trombetta

1069 A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PROPOSTA DE FORMAÇÃO


DO MST: A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO TÉCNICO DE
CAPACITAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA-ITERRA
Anelise Mara Jung

1075 PROMOÇÃO DA SAÚDE E PEDAGOGIA DA


ALTERNÂNCIA: PRÁXIS DE AÇÃO DIALÓGICA
NO VALE DO RIO PARDO-RS
Juliano Soares Ávila, Cheron Zanini Moretti,
Marlon Antonio Bianchini, Bruna Caroline Borges

1081 CARTAS PEDAGÓGICAS COMO PROPOSTA


METODOLÓGICA DE PESQUISA
Gabrielle Coelho dos Santos, Ana Cristina da Silva Rodrigues

1085 A CORPOREIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA FREIRIANA


Ana Paula Cavalcanti

1091 A GESTÃO TRANSFORMADORA DE FREIRE FRENTE À


SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO
Bruna Mariane Rocha Nascimento

1095 EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: POR UMA
EDUCAÇÃO BASEADA NA DIALOGICIDADE
Maria Elisabete Fernandes, Danúbia Bianchi,
Mariana Lisboa de Oliveira, Thainá Cristina Guedes

1099 PAULO FREIRE EM TEMPOS DE DISTANCIAMENTO


SOCIAL: AGRADECIMENTO À BONITEZA DE UM CURSO
William Teixeira Alves

1103 CARTA PARA PAULO FREIRE: PEQUENAS REFLEXÕES


SOBRE UM TEMPO TEMPESTUOSO QUE
IMPLORA POR CUIDADOS
Marlova Andréia Bosetti

1109 OLHARES, ESCUTAS E DIÁLOGOS NOS PROCESSOS


FORMATIVOS ENTRE SUJEITOS APRENDENTES
Silvania Regina Pellenz Irgang

1113 AS CRIANÇAS E O CHÃO DO MUNDO: UMA


RESISTÊNCIA NECESSÁRIA E URGENTE
Caroline da Silva dos Santos

1117 A EXPRESSÃO DE PAULO FREIRE EM POÉTICA RIMA


Sidnei Vale
CAPÍTULO 16
PEDAGOGIA DOS SONHOS POSSÍVEIS

1121 DESAFIOS DA CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE NO


PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA ÁFRICA
Mônica Costa Marçal de Moraes

1125 REFLEXÕES FREIRIANAS SOBRE A MEDIAÇÃO


CRÍTICA NAS ARTES VISUAIS
Desirée Kinoshita

1129 PRÁTICAS DIALÓGICAS, ENLACE COM A DEMOCRACIA


NA GESTÃO ESCOLAR
Juliane Bonez, Almir Paulo dos Santos

1133 EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR:


OLHARES PARA ALÉM DA ESCOLA
Vanessa Pescador, Fernanda dos Santos Paulo

1139 UMA CARTA PEDAGÓGICA A PAULO FREIRE
EM MEIO À PANDEMIA COVID-19
Arlete Pierina Calderan, Celso llgo Henz, Marli Almeida de Oliveira

1145 CARTA PEDAGÓGICA: UM DIÁLOGO SOBRE A


ETNOMATEMÁTICA E A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES/AS
Elisama Santos, Maria da Conceição dos Santos França

1151 CARTA A GISLAINE


Bianca Vergara Gonçalves Teixeira de Mello,
Ana Cristina da Silva Rodrigues

1155 FREIRE VIVE NAS PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO


LINGUÍSTICA CRÍTICA
Delvânia Aparecida Góes dos Santos
1161 FREIRE PRESENTE!!!
Adriane Zatti, Beloni Terezinha M. Dal’Mora,
Cátia Regina Kaspary, Karine Piaia

1163 FREIRE E OS ENCANTOS PEDAGÓGICOS


DE SUA AGENDA
Jefferson Luis Machado, Hedi Maria Luft, Walter Frantz,
Liandra Feltraco, Juliana Campoy
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PREFÁCIO
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE
SOB O OLHAR DE DUAS ANDARILHAS

Quem acha que o fórum para,


Lastimo que pense assim,
Com certeza quebra a cara,
Pois seguimos pra Erechim...
Balduíno Andreola1

Queridas leitoras e queridos leitores!



A nossa inspiração para a escrita desta Carta Pedagógica (VIEI-
RA, 2018) de convite à leitura do E-book do XXII Fórum de Estudos:
Leituras de Paulo Freire, foram os versos do Professor Balduíno Antonio
Andreola que nos acompanha ao longo das suas edições. Ele andarilhou
por muitos pagos, passou por cidades, escolas, universidades, centros
de tradição gaúcha, acompanhando a itinerância do evento, desde a
sua primeira edição, em 1999 (FREITAS, LIMA, MACHADO, 2018).
Andarilharam também, ao longo desses anos, estudantes e profes-
soras/es da escola, da universidade, dos institutos federais, estudiosas/os,
pesquisadoras/es e também curiosas/os sobre as ideias de uma importante
referência no Brasil e Patrono da Educação Brasileira: Paulo Freire. Nordes-
tino, cidadão do mundo, que deixou um imenso legado, este ano comple-
taria 100 anos de vida. Sua memória, mais viva do que nunca, nos convida
a celebrar, em diferentes momentos e em diversos países, seu centenário.
Ainda acompanham o Fórum, líderes e militantes de movimen-
tos sociais, indígenas, quilombolas, enfim, sujeitos que, assim como
nós, almejam um mundo melhor. Um mundo mais justo, com mais
humanidade, mais respeito às diversidades, mais equidade, ou seja, me-
nos feio, pois, como afirma Freire,

1 Os versos ao longo desta Carta Pedagógica são do poema de Balduíno Antonio An-
dreola para o XIV Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, ocorrido em 2012 em
Erechim/RS (ANDREOLA, 2020).
41
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

[...] a superação das injustiças que demanda a


transformação das estruturas iníquas da socieda-
de implica o exercício articulado da imaginação
de um mundo menos feio, menos cruel. A imagi-
nação de um mundo com que sonhamos, de um
mundo que ainda não é, de um mundo diferen-
te do que aí está e ao qual precisamos dar forma
(FREIRE, 2000, p. 39).

Assim, é com muito orgulho e emoção que nos sentimos hon-


radas e desafiadas com o convite para fazer o prefácio deste E-book, na
certeza de que nos tornamos melhores depois de fazê-lo. Como estudio-
sas e pesquisadoras do pensamento freireano2, andarilhas com o Fórum,
estreamos a experiência de prefaciar o E-book da sua XXII edição, ex-
traordinariamente na modalidade virtual. Isto muito nos alegra porque
consideramos este evento um tempo/espaço de formação, uma vez que
nos tornamos o que somos na participação continuada neste espaço.
Somos aprendizes neste ambiente de muita amorosidade, rigorosidade
metódica, que nos ensinou, entre tantas categorias freireanas, a cons-
ciência do inacabamento e o desejo de ser mais, com os outros.
O Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, faz parte de nos-
so processo de formação pessoal, acadêmica e profissional. Muito de
nossa constituição enquanto educadoras, se deu tanto acompanhado
a itinerância do Fórum, com apresentação de trabalhos, mediação de
mesas temáticas, quanto na organização de algumas edições do even-
to3. Aspectos que tornam tão importante, quanto desafiadora, a tarefa
de destacar sucintamente, a riqueza deste evento para nossa trajetória.
Como registrar tantas aprendizagens nos encontros, diálogos e reflexões
no ambiente do Fórum? Como explicitar as categorias freireanas viven-
ciadas, aprendidas e anunciadas ao longo de tantos anos?
Questões que se colocam também para o XXII Fórum de Estudos:
Leituras de Paulo Freire que seria realizado no ano passado (2020) pela
2 A grafia empregada prioriza manter inalterado o nome do autor, diferente do que
indicam as normas ortográficas, segundo as quais a grafia correta seria freiriano.
3 Em 2007 e 2017 o IX e o XIX Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire ocorre-
ram em Rio Grande, na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Em 2010, o
XII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, ocorreu em Porto Alegre, na Pontifí-
cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
42
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim/RS e


teve de ser adiado em virtude da Pandemia. Então, o Fórum 2020/21,
de modo Virtual, sob a coordenação de Thiago Ingrassia Pereira e sua
equipe, volta para a UFFS – Erechim, onde esteve de modo presencial,
em maio de 2012.

Nosso Fórum se renova


Suas certezas pondo à prova,
Ao contato das experiências
Que são novas aprendências

Nestes versos, Balduíno, carinhosamente chamado por nós de


Baldô, chama a atenção para a constante renovação do Fórum. Este ano,
em um desafio a mais, ser totalmente virtual, inclusive nos Pré-fóruns.
No atual cenário, como dar conta do importante contato físico entre as
pessoas, os encontros saudosos, as pausas para o cafezinho, as conversas
de corredor, os papos descontraídos, as novidades ao pé do ouvido,
os lançamentos de livros? Ah, e também do famoso baile, no qual as
dimensões estética e cultural se fazem presentes na alegria de comparti-
lhar a mesa, a valsa, os brindes?! Com certeza é um desafio criar outros
inéditos-viáveis4 para tanta boniteza!
Boniteza que se expressa também nesta obra coletiva! Encharcada
de aprendizagens, contém modos de ser, de ler o mundo, de ler a pa-
lavra e nos convida a esperançar outro mundo possível. Nesta edição,
o evento não contempla eixos temáticos, nem artigos completos, mas
mantém a pluralidade de ideias nas modalidades: Carta Pedagógica, Re-
sumo Expandido e Outras Expressões, oferecendo neste E-book diferen-
tes registros. Estes, fundamentais para a continuidade do diálogo crítico
e reflexivo, que contribuem com nossa formação e marcam o Fórum.
Somos inconclusos, nos ensinou Freire e essa inconclusão nos leva a
busca de ser mais, com e para o outro.
Assim, nas páginas que seguem, temos uma diversidade de expe-
riências e de referenciais freireanos na cultura de homens e de mulheres
que, em tempos de Pandemia, ousam, corajosamente, dizer sua palavra
de anúncio e denúncia.
4 Grafado com hífen para manter fidedignamente a Nota 01 da obra Pedagogia da
Esperança (FREIRE, 1992), na qual Ana Maria Araújo Freire explicita o termo.
43
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

E é o que o fórum leva adiante,


É um Freire não repetido,
Como ele havia insistido.

Desejamos uma excelente e profícua leitura!


Forte abraço freireano, encharcado de amorosidade!
Cuidem-se!

Cleiva Aguiar de Lima


Maria Elisabete Machado
Rio Grande, Porto Alegre, outono de 2021.

Referências
ANDREOLA, B. A. Poetizando o Fórum Paulo Freire. In: FREITAS,
A. L. S. Andarilhagens de uma educadora pesquisadora: cartas pe-
dagógicas e outros registros de participação no Fórum de Estudos:
Leituras de Paulo Freire. São Paulo: BT Acadêmica; Porto Alegre:
Poiesies & Poiética Casa Publicadora, 2020. Pp. 351-364.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREITAS, A. L. S.; LIMA, C. A.; MACHADO, M. E. Fórum de Es-
tudos: Leituras de Paulo Freire: um movimento de (trans)formação
permanente no Rio Grande do Sul. In: MORETTI, C. Z.; STRECK,
D. R.; PITANO, S. C. (Orgs.). Paulo Freire no Rio Grande do Sul:
legado e reinvenção. Caxias do Sul, RS: Educs, 2018. Pp. 19-35.
VIEIRA, A. H. Cartas Pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2018. Pp. 75-76.

44
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

APRESENTAÇÃO

A alegria não chega apenas no encontro do achado,


mas faz parte do processo de busca. E ensinar e
aprender não podem dar-se fora da procura, fora
da boniteza e da alegria.

A ideia de percurso contida em uma possível interpretação do tre-


cho acima de Freire em “Pedagogia da Autonomia” (FREIRE, 2005a, p.
142) se reveste de grande significado para o registro e a memória do XXII
Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire. Pela primeira vez o Fórum foi
realizado de forma virtual, ocupando em uma mesma edição o espaço de
dois anos. Esse acontecimento histórico é fruto do contexto de uma situa-
ção grave que se abateu sobre o mundo no ano de 2020. Trata-se da pan-
demia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) que gera a doença covid-19.
No Brasil a gestão da crise sanitária foi desde sempre caótica. O
negacionismo científico, o individualismo e a incompetência do gover-
no federal foram responsáveis diretas pelas mortes de muitas pessoas.
Cerca de um ano após o início da pandemia, nosso país, que tem cerca
de 2,7% da população mundial, concentrava 37% das mortes do mun-
do de covid-19. Esse cenário aprofundou nossa desigualdade social, ex-
pondo nossas fissuras do tecido social.
No mesmo momento de agravamento da crise sanitária, econô-
mica e social, nosso abismo social se agrava no mundo. Segundo da-
dos divulgados1, “no mundo, o salto foi de 660 novos bilionários, com
2.755 compondo a lista. Esse pequeno grupo concentra 13,1 trilhões de
dólares (R$ 73,46 trilhões, aproximadamente) da riqueza global. Isso é
quase dez vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil”. E por falar
em Brasil, “o número de bilionários saltou 44% – de 45, em 2020, para
1 Vide pesquisa da revista Forbes discutida em matéria do jornal Brasil de Fato: ht-
tps://www.brasildefato.com.br/2021/04/06/enquanto-fome-avanca-numero-de-bi-
lionarios-cresce-no-brasil-e-seu-patrimonio-dobra#:~:text=No%20Brasil%2C%20
o%20n%C3%BAmero%20de,A%20subida%20foi%20de%2071%25.
45
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

65, em 2021. Juntos, eles detêm 219,1 bilhões de dólares, aproximada-


mente R$ 1,2 trilhão – quase o PIB do país. No período pandêmico,
essa riqueza quase dobrou; eram 127,1 bilhões de dólares no ano passa-
do. A subida foi de 71%”.
Para além de números, temos rostos, histórias e sofrimentos que
são causados por um sistema social injusto e naturalizado. A desigualda-
de social brasileira tem suas raízes na escravidão negra e na construção
de uma imagem desmoralizante do que é ser brasileiro(a), impactando
na autoestima de nosso povo e na capacidade de organização para en-
frentamento dos nossos desafios. A “elite do atraso”, nos termos de Jessé
Souza (2017), não apenas concentra riquezas, mas reproduz seus privi-
légios de classe e cria uma percepção moral classificatória assentada em
um “racismo primordial”2 que define o que é gente ou não. Essa aversão
ao pobre – aporofobia (CORTINA, 2020) – por parte da elite e de se-
tores da classe média, com desdobramentos em segmentos da própria
classe popular, constrange a democracia e o bem viver.
Foi neste cenário de necropolítica (MBEMBE, 2018) e na dura
vivência diária da tensão entre biofilia e necrofilia, tão bem percebida
e discutida por Freire (2005b), assim como por Zitkoski (2018), que
produzimos a experiência do XXII Fórum. Por isso, nosso respeito e
luto pelas milhares de pessoas mortas e em sofrimento direto por esse
contexto social. E esse luto nos convocou à luta, a tomar o próprio lema
do evento como princípio mobilizador: educar é existir e resistir!
Com a pandemia, o espaço escolar e universitário teve de ser reor-
ganizado. Não é possível o convívio em tempos em que o distancia-
mento social é uma das formas mais eficazes de controle pandêmico. O
chamado “ensino remoto emergencial”, lançando mão de ferramentas
de internet, apareceu como alternativa. Contudo, o acesso à internet é
problemático em nosso país, seja pelo preço cobrado, seja pela qualida-
de do serviço prestado.
Além disso, professoras e professores tiveram uma reinvenção
forçada para o manejo das plataformas e outros recursos de internet.
O trabalho se intensificou, mesmo sem o devido reconhecimento de

2 Para Souza (2020, p. 19): “O que estou chamando de racismo primordial significa a
expressão de uma diferença ontológica entre os seres humanos, da qual a manifestação
racial será uma das variantes possíveis”.
46
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

setores da sociedade que acham que nós, professores(as), ficamos em


casa “recebendo salário sem trabalhar”. Pelo contrário, passamos a tra-
balhar mais, a quase pagar para trabalhar, pois o trabalho em casa nos
fez aumentar planos de internet, investir em equipamentos, aumentar o
consumo de luz e outras questões. Nossa vida privada foi invadida pelas
câmeras, nosso convívio familiar alterado – com maior impacto na vida
laboral das mulheres pela questão dos filhos e da tradicional divisão de
gênero no trabalho doméstico – e nossa saúde física e mental atingida.
Considerando esse cenário, como reinventar o Fórum? Qual o
seu alcance efetivo? Como produzir um evento de educação popular
pela internet? Quais nossos limites? O que poderíamos fazer para se-
guir contribuindo com o percurso de mais de duas décadas do evento?
Talvez tomar o próprio desafio de realização do Fórum na pandemia de
forma crítica seja um exercício freireano. Perceber que o Fórum não é,
mas está sendo, que é histórico e, portanto, tenso, contraditório, vivo.
Este livro é, em certo sentido, uma síntese possível do enfren-
tamento às perguntas que nos acompanharam nessa trajetória de or-
ganização e reorganização do evento. A publicação dos anais do XXII
Fórum em livro é uma tentativa de registrarmos e compartilharmos a
riqueza do momento que fomos produzindo. Aqui estão registrados os
trabalhos enviados pelas pessoas que aceitaram o desafio de dizer a sua
palavra, mesmo que mediadas pela internet.
Quem se debruçar pelas páginas a seguir, vai se deparar com uma
pluralidade de leituras freireanas, mostrando o grande potencial da obra
de nosso autor de referência. A parte I apresenta contribuições que re-
gistram a construção do evento e sua proposta de programação virtual
nos dias 20, 21 e 22 de maio de 2021. A parte II é dividida em dezesseis
capítulos que agrupam os 217 trabalhos aprovados e que deram ori-
gem aos círculos dialógicos virtuais. Considerando a intencionalidade
pedagógica coerente com nossa opção política, aceitamos trabalhos em
diferentes estágios de construção científica, bem como valorizamos o
conteúdo em detrimento da forma. Essa opção justifica a presença nos
anais do evento, aqui publicados, de resumos em formatos diversos, o
que não prejudica a rigorosidade metodológica do evento.
Nossa ideia não foi promover um aprofundamento temático em
cada sala (ainda que reconhecemos a importância acadêmica de “eixos
47
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

temáticos” ou GT’s), mas fomentar o debate plural, a produção de no-


vas sínteses, novas curiosidades, novas relações, diversificando a rede de
contatos. Cada capítulo foi denominado em referência a um livro de
Paulo Freire, tendo como parâmetro a experiência científica do XVII
Fórum, sediado pela UFSM em 2015.
Lembramos que, em “Pedagogia da Indignação: Cartas pedagó-
gicas e outros escritos” (FREIRE, 2000), obra que dá nome ao capítu-
lo 4 da parte II deste livro do XXII Fórum, Ana Maria Araújo Freire
compartilha uma de suas experiências vivenciadas com Paulo Freire,
destacando que Paulo fez um convite para que pudessem assistir pela
televisão a Marcha dos Sem Terra, que aconteceu em 1997 em Brasília
e reuniu diversas pessoas do Brasil todo. Emocionado com aquele mo-
mento, Freire destaca a importância das marchas e da luta pela consoli-
dação democrática do Brasil.
Os resumos expandidos, as Cartas Pedagógicas, as Outras Formas
de Expressão e, acima de tudo, a presença remota de cada um e de cada
uma no XXII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, constitui um
movimento, que desde os diversos lugares do Brasil, vem construindo
esta “marcha”, que agora se caracteriza como uma “marcha on- line”,
que acredita que “este país não pode continuar sendo o de poucos” e
que mesmo assumindo esta configuração de encontro, de rodas de con-
versa, de debates remotos, escuta o convite de Freire: “marchem, gente
de nosso país”. Pois então, marchemos e nos encontremos desde nossas
casas, das escolas, das periferias, das universidades, dos movimentos so-
ciais em um mesmo lugar/espaço, que tem referência na Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim, RS, mas que trans-
borda esta marcha, que sempre foi das ruas, também pelas redes. O
Fórum segue em marcha e se reinventando.

Erechim, Abril de 2021.

Allana Cavanhi
Micheli Silveira de Souza
Silvana Ribeiro
Thiago Ingrassia Pereira

48
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CORTINA, A. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a
democracia. São Paulo: Editora ContraCorrente, 2020.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2005a.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005b.
MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exce-
ção, política da morte. São Paulo: n-1 Edições, 2018.
SOUZA, J. A guerra contra o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2020.
SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Ja-
neiro: LeYa, 2017.
ZITKOSKI, J. J. Biofilia/Necrofilia. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2018, p. 68-69.

49
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DO
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE
NO CONTEXTO DA PANDEMIA

Thiago Ingrassia Pereira1

Quando em maio de 2019, ao final do XXI Fórum na Universi-


dade de Caxias do Sul (UCS), assumimos a responsabilidade de organi-
zar o XXII Fórum em 2020, não imaginávamos os enormes e inéditos
desafios que teríamos pela frente. Saímos da serra gaúcha animados e
animadas com a possibilidade de sediarmos o evento na Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS) em Erechim, norte do Rio Grande do
Sul. Renovávamos, assim, nosso compromisso com o evento que tínha-
mos acolhido no ano de 2012, em sua XIV edição.
Diferente de oito anos atrás, a UFFS poderia acolher melhor ain-
da o Fórum, pois avançou em suas estruturas físicas e diversificou sua
oferta de cursos, sobretudo na pós-graduação. Nossa delegação presente
na UCS era composta por colegas das licenciaturas e dos mestrados, o
que ajuda a consolidar a produção acadêmica com a marca da inclusão
social da nossa universidade.
Projetamos um evento que seguiria certa tradição do Fórum,
mas sempre buscando sua reinvenção, rediscutindo formatos, debates,
formas de compartilhamento de trabalhos, enfim, um jeito de viver o
evento. Minha vivência de 15 anos participando do Fórum me ajuda
na compreensão do seu lugar político e acadêmico. Tenho convicção
de que este não é mais um mero espaço acadêmico, cheio de necessida-
des produtivistas que tornam burocráticas as relações. Pelo contrário,
aprendi pela experiência que o Fórum é um lugar de encontro, de troca
de saberes e de construção de redes que envolvem as pessoas para além
de seus dias de realização a cada ano.
Não tenho a pretensão nesta narrativa de realizar um registro ex-
tenso com ares de relatório do que vivemos na organização da vigésima
1 Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Erechim. Coor-
denador do XXII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire (2020/2021).
51
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

segunda edição do Fórum. Claro, a dimensão do relato estará presente


nestas linhas. Contudo, meu principal objetivo é compartilhar algumas
situações, angústias, receios e alegrias que nos acompanharam na cami-
nhada entre maio de 2019 e maio de 2021.
Era para ter sido até maio de 2020. Estava tudo caminhando para
isso. Estávamos vivendo o evento desde a viagem de retorno da Caxias
de Sul. Rubem Alves, em seu livro “Entre a ciência e a sapiência” (1999)
fala que os jardins primeiro foram ideias na cabeça do jardineiro. De
certa forma, o Fórum de Erechim seria primeiro uma ideia na cabeça
daquelas pessoas que assumiram o compromisso de sediá-lo. E muitas
ideias sobre o evento foram sendo pensadas e compartilhadas. Mesmo
num cenário de intensificação do trabalho docente nas universidades,
assumir esse compromisso é algo gratificante e que produz uma expec-
tativa interessante.
Alguns meses depois do retorno do XXI Fórum, ainda em 2019,
construímos o primeiro esboço da estrutura do evento. Lemos a carta
compromisso, que é um documento que apresenta, em linhas gerais,
os objetivos do Fórum. Fomos ratificando os laços firmados na viagem
a Caxias do Sul e aproximando novas pessoas e instituições. De forma
mais efetiva, a partir de outubro de 2019 passamos a fazer as costuras
que iriam tecendo o evento.
Junto à comissão local que estava se formando, nós temos uma
comissão estadual que é formada por seis docentes de universidades
em atuação no Rio Grande do Sul. Para a nossa edição do evento, era
essa a nominata da comissão estadual: Terciane Ângela Luchese – UCS;
Sandro de Castro Pitano – UCS; Cheron Zanini Moretti – UNISC;
Daianny Madalena Costa – UNISINOS; Lúcio Jorge Hammes – UNI-
PAMPA; Thiago Ingrassia Pereira – UFFS.
Pessoas comprometidas e muito abertas ao diálogo, os e as in-
tegrantes da comissão estadual foram importantes para pensarmos o
evento e, sobretudo, sua reformulação posterior. Ainda em termos
locais, nossas reuniões de novembro e dezembro de 2019 foram mui-
to interessantes, pois reunimos colegas do IFRS, UERGS, 15ª CRE,
CPERS e, claro, da UFFS. Destaca-se a presença de mestrandos(as)
e docentes do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação
(PPGPE) e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciên-
52
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cias Humanas (PPGICH), além de estudantes bolsistas do Programa


de Educação Tutorial (PET), Grupo Práxis/Licenciaturas, modalidade
Conexões de Saberes.
O XXII Fórum passava a sair das ideias e ganhar contornos,
espaços e atividades. A data foi definida: dias 14, 15 e 16 de maio de
2020. De quinta-feira a sábado. O tema do evento foi encaminhado:
“educar é existir e resistir!”. Montamos estratégias de comunicação:
um site e um grupo no Facebook. Fora isso, apostamos na gestão de
trabalhos e inscrições por e-mail criado para esse fim, além do reco-
lhimento da taxa de participação via conta poupança. Sabemos que
as universidades públicas apresentam uma burocracia que torna mais
complicados alguns processos e queríamos apresentar soluções sim-
ples e eficientes. E por falar em eficiência, o registro pelo trabalho de
Allana Cavanhi se impõe, pois, na qualidade de mestranda do PPGI-
CH (Bolsa CAPES), assumiu a secretaria do XXII Fórum com com-
promisso e fôlego incansável.
Pensamos na realização de um Pré-Fórum para o mês de março,
durante o período de submissão de trabalhos. Construímos uma iden-
tidade visual, de autoria de Caio Afonso da Silva Brito, e passamos a
divulgar o evento nos canais virtuais do próprio Fórum, assim como no
site oficial da UFFS. Assim, realizamos no dia 12 de março de 2020,
uma quinta-feira, nosso Pré-Fórum na UFFS Erechim. À tarde, tive-
mos uma oficina sobre os fundamentos do pensamento freireano com
o Prof. Dr. Ivo Dickmann (UNOCHAPECÓ). Já à noite, tivemos uma
palestra dialógica com o Prof. Dr. Danilo Streck (UNISINOS) sobre
o tema “Paulo Freire e as pesquisas em educação”, com mediação da
Profª Me. Carine Marcon (PPGPE). Esta atividade também foi a aula
inaugural 2020.1 do PPGPE.
Ao agendarmos o Pré-Fórum para esta data não poderíamos ima-
ginar que esta seria a última atividade presencial do evento. Exatamente
três dias depois, já no contexto do que viria a se configurar a pandemia
do novo coronavírus, as atividades foram suspensas na UFFS e em boa
parte das instituições educacionais do Brasil. Entrávamos num período
de forte incerteza e apreensão.
Nossa primeira reação foi de cautela. Em primeiro lugar estava
a compreensão da crise sanitária que passamos a viver. Junto a isso, ia
53
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ficando muito evidente que o cenário causaria impactos diversos em


nossa sociabilidade. O Fórum, espaço acadêmico e humano de convi-
vência e de (re)encontros, não poderia seguir seu planejamento inicial.
Assim, no início do mês de abril de 2020, publicamos uma nota que
tratava do adiamento da 22ª edição. Segue na íntegra a nota publicada.

COMUNICADO
SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES

Prezadas(os) educadoras(es):

A coordenação do XXII Fórum de Estudos: Leituras


de Paulo Freire comunica que, devido ao contexto de pan-
demia de COVID-19, as atividades preparatórias ao evento
estão suspensas.
Como sabem, vivemos um momento delicado e de
incerteza sobre a retomada das atividades em todos os se-
tores da sociedade. Estávamos em processo de construção
do Fórum, criando a melhor estrutura possível para bem
receber a cada uma e cada um na UFFS Campus Erechim.
Devido aos cuidados necessários recomendados pe-
las autoridades científicas, teremos que adiar nosso evento
e, como isso, nossos (re)encontros, discussões conceituais,
trocas de experiências e afetos presenciais.
As escolas e muitas universidades se encontram como
as atividades letivas suspensas até o final do mês de abril e
não temos garantia de retorno no mês de maio. Dessa for-
ma, a realização do Fórum prevista entre 14 e 16 de maio
fica impossibilitada.
No momento, não podemos ainda sinalizar com pre-
cisão uma nova data, pois precisamos considerar diversos
fatores de ordem estrutural da UFFS que se encontra com
suas atividades presenciais suspensas, assim como o calen-
dário acadêmico até 12 de abril (com possibilidade de ex-
tensão desse período).
54
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Vamos trabalhar para que, dependendo do contexto


da pandemia e do panorama político e econômico do país,
possamos realizar o Fórum no início de outubro.
Portanto, o período de inscrições de trabalhos e para
participação no evento será mantido aberto para além do
prazo inicial de 5 de abril. As pessoas já inscritas podem
manter sua condição ou, se preferirem, solicitar o reem-
bolso da taxa paga. Para isso, basta enviar um email para o
mesmo endereço (xxiiforumpaulofreire2020@gmail.com)
em que se inscreveu fazendo essa solicitação.
Seguiremos atentos(as) aos acontecimentos relati-
vos à pandemia. Por favor, se cuidem e cuidem das outras
pessoas. Manteremos as informações e notícias sempre
atualizadas em nossos canais de comunicação (Site, Face-
book e Instagram).
É momento de termos a “paciência impaciente” para
enfrentarmos da melhor forma possível os desafios em rela-
ção à gestão da vida coletiva.
Vamos existir e resistir!

Coordenação do XXII Fórum de Estudos:


Leituras de Paulo Freire
Erechim, 02 de abril de 2020.

Como pode ser observado, tentamos mostrar nosso compro-


misso com o constante monitoramento da situação da pandemia, pro-
jetando o evento para outubro. Nossa esperança era de que a situação
pudesse ser contornada. Infelizmente, o quadro só foi se agravando
com o passar do tempo, em muito devido à irresponsabilidade do
Governo Federal que adotou posturas negacionistas e anticientíficas.
Além disso, se criou no país um falso dilema entre a saúde da popula-
ção e a manutenção da economia.
O sistema de saúde ia ficando em situação caótica, o país se atra-
sando na produção/compra de vacinas e o ensino remoto aparecia como
solução emergencial em escolas e universidades. Diante disso, resolve-
mos apostar em ações nas redes sociais. Potencializamos o conteúdo do
55
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

grupo do Facebook, inclusive com depoimentos e vídeos de pessoas liga-


das ao Fórum. Foi muito bonito o colorido dos vídeos de várias pessoas,
tornando menos árida a mediação tecnológica.
No final do mês de abril de 2020, agendamos a realização de uma
atividade ao vivo pelo Facebook do XXII Fórum. Durante cerca de 1h
no ar, conseguimos tratar das questões relativas à organização do even-
to, interagindo com muitas pessoas que se conectaram conosco. Já no
início de maio, colocamos em perspectiva uma nova ação: a “Live com
Freire”, com o objetivo de realizar debates ao vivo pela internet sobre
temas pertinentes ao nosso evento freireano.
A primeira experiência da “Live com Freire” foi no dia 12 de
maio de 2020 e foi organizada a parir do tema “Diálogo e escuta: Paulo
Freire e as infâncias”. Contamos com a presença da Profª. Me. Rachel
Karpinski (FACCAT e Doutoranda UFRGS) que já foi coordenadora
de eventos freireanos no Rio Grande do Sul e é especialista na temáti-
ca das infâncias. Depois de vários problemas técnicos devido à nossa
inexperiência e falta de formação neste quesito, conseguimos realizar a
atividade com grande participação virtual de pessoas.
Perto da data prevista para a realização do Fórum em maio,
muitos depoimentos em vídeo foram postados. Em seguida, promo-
vemos que as memórias do evento em forma de fotos pudessem tomar
conta da nossa rede social. Então, com a generosidade da participação
de algumas pessoas, recordamos momentos importantes das últimas
edições do evento. Mesmo com o adiamento do Fórum, optamos por
manter aberta a possibilidade de envio de trabalhos. Sempre tivemos
em mente que o Fórum, mesmo neste contexto adverso, deveria se
manter vivo, em movimento.
Também realizamos o sorteio de dois livros para as pessoas que
nos seguiam na rede social. Foi mais um momento interessante e que
buscou o envolvimento das pessoas com o evento. Seguimos buscan-
do trazer conteúdos pertinentes à educação popular e à obra de Freire
nos espaços do Fórum.
No dia 30 de julho de 2020, realizamos nova edição do “Live
com Freire”. Tratamos de “Paulo Freire hoje: temas emergentes” e
contamos com a participação da Profª. Camila Wolpato Loureiro,
doutoranda em educação (UNISINOS) e do Prof. Alan Ricardo Cos-
56
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ta, doutorando em letras (UNISC). Ela e ele junto comigo são os


coordenadores(as) da coleção “Paulo Freire hoje” da editora CirKula
de Porto Alegre, que lançou três livros em 2020 – Paulo Freire hoje na
universidade (v.1), Paulo Freire hoje na cibercultura (v.2) e Paulo Freire
hoje em Abya Yala (v.3). A atividade tratou dessa coleção e dos signi-
ficados da reinvenção de Freire em momento de forte ataque conser-
vador ao seu legado.
Ainda realizamos mais duas edições da “Live com Freire”. No dia
2 de setembro de 2020, o tema abordado foi “Freire na agenda da edu-
cação” e recebemos, Allana Cavanhi e eu, para o diálogo ao vivo pelo
canal do Youtube do PPGICH a Profª. Drª. Hedi Maria Luft (UNI-
JUÍ). Foi uma conversa muito agradável e que contou com expressiva
participação pelo chat.
No dia 7 de outubro de 2020, foi a vez de tratarmos do tema
“Cartas pedagógicas: experiências de reinvenção na formação com
educadores(as)”, momento em que Allana e eu recebemos a Profª.
Drª. Ana Lúcia de Souza Freitas (visitante UNIPAMPA) e a Profª.
Bianca Vergara Gonçalves Teixeira, mestranda em educação (UNI-
PAMPA). Dessa vez, utilizamos o canal do PET Práxis da UFFS no
Youtube. Essas experiências foram preparando a construção do canal
próprio do XXII Fórum.
Seguimos postando conteúdos em nossas redes e fomos avaliando
o cenário da pandemia de Covid-19. No dia 10 de dezembro, a comis-
são estadual esteve reunida para tratar da 22ª edição do Fórum. A ava-
liação é que a nossa crise sanitária não iria terminar em breve, de modo
que decidimos pela realização de forma remota do evento. Caberia à
comissão local a proposição de nova programação e de dar conta dos
procedimentos para que o evento ocorresse.
Estávamos diante de um grande desafio: a necessária reinvenção
do Fórum em sua primeira experiência 100% virtual. A seguir, o comu-
nicado publicado no 22 de dezembro na internet.

57
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

COMUNICADO
O DESAFIO DA REINVENÇÃO DO FÓRUM

Prezadas(os) educadoras(es):
A coordenação do XXII Fórum de Estudos: Leitu-
ras de Paulo Freire torna pública as suas posições sobre a
realização do evento. Como sabem, vivemos um contexto
histórico desafiador com a pandemia no novo coronavírus
(COVID-19), com a falta de política de saúde pública no
país, bem como com o quadro de aprofundamento da nos-
sa desigualdade social.
Todos os setores da sociedade estão sofrendo as con-
sequências desse cenário. Na educação, o ensino remoto
emergencial, a abertura precipitada de escolas, a luta por
direitos (como o FUNDEB) e pelo próprio reconhecimen-
to do trabalho de educadoras e educadores estão na agenda.
Depois da realização exitosa do Pré-Fórum em mar-
ço, não nos cabia outra alternativa e adiamos a XXII edição
do Fórum que estava prevista para ser realizada na UFFS
Campus Erechim entre 14 e 16 de maio de 2020. Essa
decisão teve impacto na organização local do evento e nos
levou a reorganizar ações.
Nesse sentido, passamos a utilizar as redes sociais e
espaços de internet como forma de manter o “espírito” do
evento. Mantivemos de forma atualizada os seguintes ca-
nais e atividades:

Site
https://xxiiforumpaulofreire.wixsite.com/uffserechim

Facebook
https://fb.me/e/2TEdVMneE

Instagram
https://www.instagram.com/xxiiforum.paulofreire/

58
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Tentamos produzir algum conteúdo. Criamos a ação


‘Live com Freire”. Realizamos as seguintes lives:

https://www.facebook.com/allana.cavanhi.1/vi -
deos/2773556076247242 (30/07)

https://www.youtube.com/watch?v=czE3L5CDxkc&-
t=1188s (05/08)

https://www.youtube.com/watch?v=qb3isQGS6VU&-
t=982s (02/09)

https://www.youtube.com/watch?v=mwLPvV3d4uU&-
t=394s (07/10)

Utilizamos as páginas no Facebook e Instagram com


a postagem regular de notícias, vídeos e fotos. Nosso esfor-
ço foi no sentido de manter as pessoas próximas, mesmo
distantes, num cenário muito indeterminado.
Ao longo de 2020, alguns eventos universitários fo-
ram realizados de forma remota, com o uso de aplicativos
de internet. Crescia a percepção de que o nosso Fórum es-
taria caminhando nessa direção, tendo em vista a morosi-
dade/inexistência da política de vacinação em nosso país.
Um Fórum de Educação Popular é feito de gente.
Gente que convive, que dialoga, que se (re)encontra, que
fortalece laços, redes e solidariedades. Gente que estuda,
que aprende, que ensina, que confraterniza. Essa dimensão
epidérmica do Fórum Paulo Freire é o nosso maior patri-
mônio. Esperamos o mês de maio a cada ano para estar
junto, estar com.
Como reunir as pessoas em Erechim? Como ter a
segurança necessária em tempos de distanciamento social?
Como administrar um evento em tempos de tanta incerteza?
Aprendemos que “quem espera na pura espera vive
um tempo de espera vã” (trecho da “Canção Óbvia” de
59
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Paulo Freire, escrita em Genève, em março de 1971), e a


nossa espera do XXII Fórum foi e é um tempo de “que-fa-
zer”. Por isso realizamos as ações descritas acima. Por isso
tentamos nos cuidar e cuidar das outras pessoas. Por isso
temos que assumir o desafio histórico de reinventar o Fó-
rum condicionado pelo cuidado com a vida.
Aliás, esse já era um dos pressupostos da organização
desta edição do evento: perceber o Fórum como um espaço
aberto, em movimento, plural e inovador. Assim, depois de
monitorarmos o cenário da pandemia, dialogarmos entre a
Comissão Local e a Comissão Estadual, consideramos que,
em caráter excepcional, a XXII edição do Fórum deve ser
realizada no formato remoto/virtual.
Precisamos seguir a trajetória de reinvenção do Fórum,
dando continuidade a esse espaço de formação e interação.
Dessa forma, o XXII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo
Freire será realizado em maio de 2021 de forma inteiramente
virtual. Será o Fórum do centenário de nascimento de Paulo
Freire, será o Fórum virtual mais presencial do mundo!
Vamos nos conectar em momentos de estudo, com-
partilhamento de pesquisas, dos desafios da docência, da
formação docente, da gestão escolar, da educação superior,
do ensino profissional. Vai mudar o espaço/ambiente, mas
não nossos princípios políticos e pedagógicos, não nosso
compromisso com a educação, com a democracia e com
a justiça socioambiental. A ideia é que a XXIII edição seja
novamente um encontro presencial em toda a estética e a
ética típica desse espaço coletivo.
A nova data e programação serão divulgadas no mês
de janeiro de 2021. Vamos trabalhar para que tenhamos
a melhor experiência possível. Até lá, cuidem-se e cuidem
das outras pessoas.

Coordenação local e estadual do XXII Fórum de Estudos:


Leituras de Paulo Freire
Erechim, 22 de dezembro de 2020.
60
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Passamos a reorganizar o evento, projetando o novo cenário


exigido pelo momento. Já durante os meses de janeiro e fevereiro
de 2021 novas ações foram realizadas. Transferimos as atividades do
grupo do Facebook para uma página, o que nos deu mais recursos
para nossa divulgação. Além disso, criamos a página do Fórum no
Youtube já projetando esse recurso como fundamental para as ações
vindouras do evento.
Um dado curioso da 22ª edição do evento: desde fevereiro de
2020 as inscrições de trabalho poderiam ser feitas pelos procedimen-
tos divulgados pela comissão local. Desde o momento em que foram
abertas passaram a acolher os trabalhos e, mesmo diante da indefinição
da realização do evento, não deixaram de estar disponíveis a quem se
interessava. Mesmo assim, de forma mais sistemática e com divulgação
mais visível, o período final de submissão de trabalhos foi definido entre
10 de fevereiro e 04 de abril de 2021.
Definimos que o número máximo de trabalhos deveria ser, a
princípio, de 150, pois as apresentações iriam ocorrer em salas virtuais
concomitantes na manhã de sexta-feira. Aliás, a nova data do evento foi
definida e passava a ser amplamente divulgada: dias 20, 21 e 22 de maio
de 2021. Passamos a remontar a programação do evento e projetar as
nossas possibilidades e limites na sua realização virtual.
Definimos a realização de dois momentos de diálogo virtuais na
qualidade de um novo Pré-Fórum. Já com transmissão ao vivo pela
página do evento no Youtube as atividades realizadas foram: (1) 25 de
março, 19h, “Por onde andam as cartas pedagógicas?”, com Profª. Drª.
Ana Lúcia Souza de Freitas (visitante UNIPAMPA), Profª Drª. Ana
Cristina Rodrigues (UNIPAMPA), Profª. Drª. Bárbara Sicardi Nakaya-
ma (UFSCar) e Profª. Drª. Isabela Camini (MST), mediação da Profª
Micheli Souza (Mestranda PPGPE/UFFS) e Silvana Ribeiro (Assistente
Social e Mestranda PPGICH/UFFS); (2) 31 de março, 19h, “Leitu-
ras de Freire no centenário: memórias afetivas em ressignificação”, com
Prof. Dr. Balduino Antonio Andreola, Profª. Me. Rachel Karpinski
(FACCAT, Doutoranda UFRGS), Profª. Me. Carine Marcon (egressa
PPGPE/UFFS) e Prof. Me. Luiz Penteado (Rede Municipal de Grama-
do). Em ambos os espaços, a mediação técnica e informações sobre o
Fórum ficaram sob responsabilidade de Allana Cavanhi.
61
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Outro registro importante é que outros grupos também organiza-


ram Pré-Fóruns virtuais: Café com Paulo Freire em Canoas (UNILASAL-
LE, UNISINOS); UCS e UNISINOS; UNISC. Esse envolvimento foi
dando um colorido ao evento, foi fazendo a experiência virtual do Fórum
mais presencial, foi tornando mais próximos(as) quem, neste momento
histórico, precisa ficar distante. Nosso esforço e cuidado sempre caminha-
ram no sentido de não tornar o Fórum um acontecimento burocrático,
um mero cumprimento de agenda. Pelo contrário, nosso compromisso
com o evento nos levou a tomar decisões, por vezes, mais objetivas e
aparentemente não sensíveis, como é o caso de não prorrogarmos o prazo
para envio de trabalhos (depois de mais de um ano aberto).
Nossa comissão local não é extensa e o desafio da distância e dos
contatos somente por internet são muito grandes. Adotamos uma es-
tratégia simples: assumimos que não somos profissionais de internet,
que nossos recursos financeiros não permitiam o investimento em pro-
fissionais nessa área, que os espaços seriam feitos pela parceria e pela
criatividade das pessoas. E assim fomos construindo o Fórum.
Depois do recebimento dos trabalhos no início de abril, passamos
a organizar os anais do evento e a sua publicação em e-book. Fomos
fechando a programação, vendo o suporte das salas dos círculos dialógi-
cos virtuais, a certificação e a continuidade das ações de comunicação.
Nesse sentido, criamos algumas atividades: (1) Lançamento de li-
vros – gravação de vídeos para posterior publicação nas redes do evento;
(2) Diálogos do Fórum – gravação de vídeos com convidados(as) sobre
temas pertinentes aos objetivos do evento; (3) Memória do Fórum –
vídeos com relatos sobre a experiência de organização do evento nos
últimos anos. Mesmo com a criação constante de conteúdo, entendida
como uma forma de movimentar o evento, tínhamos consciência de
que há um cansaço de exposição a telas, de modo que essa preocupação
se refletiu na própria organização do Fórum.
A gravação dos vídeos foram momentos de afetividade que ofer-
taram registros interessantes. A série “Memória do Fórum” foi muito
significativa ao retomar as últimas cinco edições do evento a partir de
uma conversa com as coordenações locais. Os vídeos ajudam a contar
a história do Fórum e podem ser conferidos no canal do YouTube (ht-
tps://www.youtube.com/channel/UC7scJsJEedxhF4N3yDclSAw).
62
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nossa jornada foi longa, cheia de desafios e receios se estávamos


fazendo o melhor. Contudo, nunca faltou compromisso, determinação
e vontade de acertar. O Fórum não pertence a ninguém, é produzi-
do por meio de princípios e de atuação coletiva. A 22ª edição ficará
marcada pela experiência remota em tempos de pandemia. Essa nova
mediação altera os fluxos, os encontros e as possibilidades. Vivemos
essa experiência com o “medo e ousadia” (FREIRE; SHOR, 2003) que
caracterizam a vida de educadoras e educadores.
O legado do XXII Fórum (2020/2021) é a possibilidade do uso
das tecnologias da informação e comunicação como forma de regis-
tros e de memórias do evento. Ficamos com um repositório de ima-
gens e vozes de pessoas que estudam, militam e se reconhecem a partir
de uma forma de fazer educação. Junto ao registro escrito do nosso
e-book e do dossiê “Paulo Freire e a interdisciplinaridade” da Revista
Gavagai do PPGICH/UFFS (2021.1), teremos os vídeos que poderão
ser assistidos em tempos e lugares diversos, aumentando o alcance dos
nossos tradicionais debates presenciais.
Se é verdade que um evento de educação popular carece do en-
contro, dos afetos e de compartilhar momentos e espaços (como a janta
e o baile), também é perceptível que o Fórum virtual foi um momento
de mais visibilidade do evento, chegando a novas pessoas e coletivos
pelo Brasil e até fora dele. Em todo fenômeno histórico há contradições
inerentes à sua constituição, portanto, assumimos este novo formato
não como um modismo qualquer, mas com o espírito aberto à inovação
que foi, sobretudo, uma exigência da pandemia. Realizar o XXII Fórum
numa época em que nossa responsabilidade determinava o distancia-
mento social é quase um cenário impeditivo, pois o evento é exatamen-
te constituído de proximidades, de relações e de redes.
Mesmo nesse contexto virtual tivemos a criação e a gravação de
um clipe com a música temática do XXII Fórum – “Fórum Freire no
Erechim”. Agradeço ao Grupo de Estudos, Pesquisa e Arte Bem Viver
(UFRGS/CNPq) pela parceria que engrandeceu essa edição do evento
com o clipe e com um diálogo sobre música e educação (https://www.
youtube.com/watch?v=dw9cvvzxlv4&t=8s).
O desafio de (re)construção do XXII Fórum foi enfrentado de
modo (auto)crítico e essas linhas que escrevi apenas conseguem retratar
63
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

um pouco do que vivemos na coordenação do XXII Fórum. A experiên-


cia do primeiro Fórum que envolveu dois anos e foi virtual nos ensina
muita coisa e ratifica um pressuposto: o Fórum de Estudos: Leituras de
Paulo é um espaço em que vale a pena estar.

Referências
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São
Paulo: Loyola, 1999.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

64
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

OS CÍRCULOS DIÁLOGICOS E OS PROCESSOS


AUTO(TRANS)FORMATIVOS COM PROFESSORES(AS):
A EXISTÊNCIA E A RESISTÊNCIA DA/NA ESCOLA

Celso Ilgo Henz


celsoufsm@gmail.com
Universidade Federal de Santa Maria

Joze Medianeira dos Santos de Andrade


joze.andrade@ufsm.br
Universidade Federal de Santa Maria

Os Círculos Dialógicos Investigativo-auto(trans)formativos


caracterizam-se como uma proposta epistemológico-política que se
constitui pelo entrelaçamento entre os Círculos de Cultura (FREI-
RE, 2014) e a Pesquisa-formação (JOSSO, 2010), reinvenção que
vem sendo desenvolvida pelo Grupo Dialogus: Educação, Auto(trans)
formação e Humanização com Paulo Freire. A exemplo dos Círcu-
los de Cultura, os Círculos Dialógicos não se caracterizam como um
“método” a ser seguido, mas uma proposta epistemológico-política de
pesquisa e auto(trans)formação com professoras(es) que possibilita a
autonomia e coautoria em suas práxis.
Os Círculos Dialógicos são compostos por oito movimentos:
escuta sensível e olhar aguçado; emersão/imersão das/nas temáticas;
distanciamento/desvelamento da realidade; descoberta do inacabamen-
to; diálogos problematizadores; registro re-criativo; conscientização e
auto(trans)formação que vão se tramando, dialógica e dialeticamente,
durante a realização dos Círculos.
A primeira aproximação de desenvolvimento de pesquisas com
e a partir dos Círculos Dialógicos ocorreu em meados de 2014, com a
pesquisa de uma integrante do grupo Dialogus (RIBEIRO, 20141). Já
em 2015, outros integrantes passaram a assumir os Círculos Dialógi-
1 RIBEIRO, E. T. L. Professores(as) da EJA: Círculo de Diálogos como práxis
pedagógica humanizadora. [Dissertação de Mestrado]. Santa Maria: UFSM, 2014.
65
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cos Investigativo-formativos como proposta epistemológico-política de


pesquisa (FREITAS, 20152; OLIVEIRA, 20153; KAUFMAN, 20154).
Nesse contexto aparece a primeira pesquisa desenvolvida com os Círcu-
los Dialógicos de forma virtual (KAUFMAN, 2015), o que passa a ser
recorrente em outras pesquisas do grupo, acentuando-se nos tempos da
Pandemia COVID-19, a partir de 2020.
O Grupo Dialogus, aos poucos, passou a intensificar suas produ-
ções e estudos, buscando maior aprofundamento sobre o conceito de
auto(trans)formação permanente com professores e os conceitos que
envolvem a proposição dos Círculos Dialógicos, o que impulsionou
a mudança de nomenclatura adotada pelo grupo, mais recentemente,
para Círculos Dialógicos Investigativo-auto(trans)formativos. Atual-
mente, a proposição dos Círculos Dialógicos vem desafiando pesqui-
sadoras(es) de outras instituições a desenvolverem suas pesquisas com
e a partir dos Círculos, o que exige reconhecer o papel de coautoria
das(os) sujeitos envolvidas(os); outras maneiras de ser e fazer pesquisa
começam a ser (re)pensadas e (re)inventadas, desafiando a todas(os) a
criar outros inéditos viáveis (FREIRE, 2014).
O constante desafio tem sido manter a realização dos Círculos
Dialógicos Investigativo-auto(trans)formativos, garantindo os pressu-
postos que os constituem como uma proposta epistemológico-política,
onde cada uma e cada um tenha o direito de dizer a sua palavra (FIORI,
2014), como coautoras(es) da pesquisa. Por isso é que os Círculos Dia-
lógicos não podem ser constituídos por um grande número de pessoas,
a fim de que o direito de diálogo e escuta seja garantido.
Independente da maneira de realização dos Círculos Dialógicos,
seja ela presencial ou virtual, existem premissas básicas que precisam ser
compreendidas, tais como:

2 FREITAS, L. M. Interfaces entre o Ensino Médio regular e a juvenilização na


EJA: diálogos, entrelaçamentos, desafios e possibilidades sobre quefazeres docen-
tes. [Dissertação de Mestrado]. Santa Maria: UFSM, 2015.
3 OLIVEIRA, L. R. Ensinando e aprendendo com projetos temáticos: um desafio
para a formação permanente de educadores da Educação de Jovens e Adultos.
[Dissertação de Mestrado]. Santa Maria: UFSM, 2015.
4 KAUFMAN, N. O. A formação inicial de professores das licenciaturas para
Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio: desafios e possibilidades. [Dis-
sertação de Mestrado]. Santa Maria: UFSM, 2015.
66
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

1ª) Auto(trans)formação permanente com professoras(es) X Forma-


ção Continuada

Os Círculos Dialógicos Investigativo-auto(trans)formativos


estão intimamente correlacionados com a perspectiva da auto(trans)
formação permanente com professoras(es). A perspectiva da formação
permanente envolve, mas também ultrapassa a perspectiva da forma-
ção continuada, uma vez que aquilo que é permanente também pode
mudar; mantém-se, mas se refaz. Uma formação que quanto mais
avança, mais percebe a necessidade de ser retomada, refletida, repen-
sada e, por vezes, a necessidade de retroceder para (re)começar e refa-
zer-se, a partir da constante ação-reflexão-ação da, na e sobre a prática
(ANDRADE, 2019). Assim, nos processos dialético-dialógicos dos
Círculos, a auto(trans)formação vai se  tramando na dinâmica cons-
titutiva interdependente com os outros movimentos: escuta  sensível
e olhar aguçado; emersão-imersão das/nas temáticas; distanciamen-
to-desvelamento   da realidade; descoberta do inacabamento; diálo-
gos problematizadores; registro re-criativo; e  conscientização. Todos
eles vão contribuindo para que o movimento de  auto(trans)formação
aconteça, na mesma trama em que ela também é constitutiva dos de-
mais movimentos.  

2º) Os(as) sujeitos não são meramente participantes, mas coauto-


ras(es) da pesquisa

A pesquisa auto(trans)formativa é sempre feita com e nunca para


as(os) professoras(es), por isso elas(es) são consideradas(os) coauto-
ras(es). Neste tipo de pesquisa, os(as) professores(as) são desafiadas(os)
a assumirem a autoria dos seus processos de (re)construção de  co-
nhecimentos e de auto(trans)formação, visando a transformação de si
e das(os) outras(os), em permanentes processos interformativos e de
coautoria. Neste contexto, o(a) pesquisador(a) assume apenas o papel
de pesquisador(a)-coordenador(a), também em processos de auto(-
trans)formação.

67
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

3º) Os movimentos dos Círculos Dialógicos não apresentam uma


linearidade ou hierarquia pré-estabelecida

A trama dos movimentos que compõem os Círculos Dialógicos


se organiza dialógica e dialeticamente e, por isso, não se pode mencio-
nar a ideia de seguir uma sequência ou ordem pré-estabelecida, uma vez
que “trata-se de uma proposta epistemológico-política eminentemente
dialética e construtiva com vistas à transformação” (HENZ, 2015, p.
19). Nessa dinamicidade é possível que durante os diálogos que vão
sendo tecidos nos Círculos, alguns movimentos não apareçam tão ex-
plicitamente e outros sejam mais evidenciados, desde que suscitados e
problematizados a partir da realidade vivenciada. Embora não exista
uma linearidade, o(a) pesquisador(a)-coordenador(a) tem um impor-
tante papel para que os movimentos aconteçam nos Círculos, sendo
o(a) mediador(a) dos diálogos investigativo-auto(trans)formativos que
vão surgindo no e com o grupo.

4º) As temáticas geradoras emergem sempre a partir dos diálogos


do e com o grupo.

Na realização do primeiro Círculo Dialógico, os elementos proble-


matizadores para os diálogos são, inicialmente, propostos pelo(a) pesqui-
sador(a)-coordenador(a) do encontro, podendo ser por meio de falas, ima-
gens, trechos de filmes, fotos, músicas, enfim, questões problematizadoras
que retratem a realidade e a temática a ser investigada. A escuta sensível e
olhar aguçado, inclusive do(a) pesquisador(a)-coordenador(a), é um dos
primeiros movimentos que, normalmente, vai desencadeando os demais,
sempre de maneira dialética e dialógica no, com e a partir das problemati-
zações do grupo. Nos Círculos Dialógicos seguintes, o(a) pesquisador(a)-
-coordenador(a) tem o desafio de, com os(as) coautores(as), a partir dos
diferentes movimentos dos Círculos, perceber as temáticas geradoras que
forem emergindo durante os diálogos para, posteriormente, serem discu-
tidas, debatidas, aprofundadas no próximo Círculo Dialógico e, assim,
sucessivamente, sempre atento(a) ao foco a que se propõe a pesquisa. O
movimento do registro re-criativo assume a importante função de sistema-
tizar esses diálogos, de onde irão emergir as temáticas geradoras.
68
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

5º) Mesmo em tempos de distanciamento, momentos de sensibili-


zação inicial, acolhimento e escuta sensível são fundamentais para
garantir o diálogo e a dinamicidade dos Círculos.

Neste contexto de distanciamento social se impõe mais um im-


portante desafio: a realização de Círculos Dialógicos Investigativo-au-
to(trans)formativos virtuais. Ainda que os Círculos Dialógicos sejam
realizados por meio de alguma plataforma virtual, momentos de acolhi-
mento, sensibilização, escuta e garantia do direito para que cada um(a)
pronuncie a sua palavra são essenciais quando se trabalha, a partir da
perspectiva dos Círculos. Cada coautor(a) precisa sentir-se acolhido(a),
para não se sentirem meros objetos a serem investigados(as). Jamais uma
palestra, um evento, um encontro ou uma live pode ser confundida
com um Círculo Dialógico, uma vez que o Círculo só acontece quando
se abre espaço para a escuta e o diálogo com os(as) interlocutores(as)-
-coautores(as), de onde irão emergir as temáticas geradoras e a vivência
dos diferentes movimentos. Os Círculos Dialógicos se constituem no
espaço vivo e dinâmico de ouvir-se e dizer-se uns com os(as) outros(as),
em ações-reflexões-ações reconhecedoras do inacabamento humano e
da  possibilidade de movimentos auto-inter-trans-formativos, sejam es-
ses espaços presenciais ou virtuais.
A proposta dos Círculos Dialógicos Investigativo-auto(trans)for-
mativos com professoras e professores é apenas uma das muitas pos-
sibilidades que podem ser (re)pensadas, (re)criadas, (re)inventadas,
reconhecendo o protagonismo dos(as) coautores(as) e do(a) pesquisa-
dor(a)-coordenador(a) da pesquisa, sempre com e a partir da realidade
vivenciada. Assim, reconhecemos os Círculos Dialógicos como uma das
maneiras de existir e resistir na escola, conferindo aos(às) professores(as)
e aos (às) pesquisadores(as)-coordenadores(as) a autoria dos seus pro-
cessos auto(trans)formativos.

Palavras-chave: Círculos Dialógicos. Auto(trans)formação Perma-


nente. Pesquisa

69
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDRADE, J. M. S. Por uma docência institucionária: professo-
res(as) formadores(as) dos cursos de licenciatura do Instituto Fe-
deral Farroupilha e seus processos auto(trans)formativos. [Tese de
Doutorado]. Santa Maria: UFSM, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FIORI, E. M. Prefácio: Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, P.
Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
HENZ, C. I. Círculos Dialógicos Investigativo-formativos e Auto(-
trans)formação Permanente de Professores. In: HENZ, C. I.; TONIO-
LO, J. M. S. A. (Orgs.). Dialogus: círculos dialógicos, humanização
e auto(trans)formação de professores. São Leopoldo: Oikos, 2015.
JOSSO, M.-C. Caminhar para si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.

70
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CAFÉ COM PAULO FREIRE: PENSANDO FREIRE E AS CRIANÇAS,


A ALEGRIA DE VIVER E A CURIOSIDADE MENINA

Ana Felícia Guedes Trindade1


Inez Helena Muniz Garcia2
Juliana Goelzer3
Priscila Bibiano4

No inverno de 2018, em Porto Alegre/RS, nascia o Projeto


“Café com Paulo Freire - para pensar e transformar o mundo”, pelo
determinado compromisso de duas educadoras populares freirianas/
freireanas, como um dos modos de resistir aos processos políticos de
ataques às lutas populares e criminalização dos movimentos sociais e,
em especial, à defesa legítima e imprescindível da imagem e trajetória
de Paulo Freire, em tempos de eleições e pós-eleições presidenciais no
Brasil. Paulo Freire e toda sua obra encontrava-se no centro da des-

1 Doutora em Educação. Educadora das Infâncias e Alfabetizadora da Rede Pública.


Co-fundadora e uma das Curadoras Nacionais do Café com Paulo Freire. Co-criadora
da Madre Tierra. Orientadora Científica do GEP1-Paulo Freire, as crianças e o chão
do mundo – Madre Tierra.
2 Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisa
temas relacionados à educação de jovens e adultos, educação, ensino-aprendizagem,
alfabetização, leitura e literatura. Integra os grupos de pesquisa UFF/RJ/CNP\q:
“Linguagem, cultura e práticas educativas” e Leitura, literatura e saúde: inquietações
no campo da produção do conhecimento”. Organizadora e coordenadora do
Seminário Internacional Diálogos com Paulo Freire/SINTE/RN.
3 Doutora em Educação. Professora na Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo
(UEIIA) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Integrante do Grupo
de Estudos e Pesquisas Dialogus: educação, auto(trans)formação e humanização
com Paulo Freire (UFSM); do Grupo de Pesquisa Estudos sobre Infância: Políticas
Públicas, Currículo, Práticas Pedagógicas e Formação Docente (UEIIA/UFSM); e do
Grupo do GEP1-Paulo Freire, as crianças e o chão do mundo - Madre Tierra.
4 Mestra em Educação. Supervisora pedagógica de educação infantil, na rede
municipal. Curadora local do Café com Paulo Freire - Varginha/MG. Integrante do
Círculo de Estudos e Pesquisas Freireanos – UFU/MG e do GEP Paulo Freire, as
crianças e o chão do mundo – Madre Tierra.
71
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

constituição dos debates e propostas sobre Educação, pelo candidato


à Presidência e seus e suas seguidoras e, nós, estudiosas e estudiosos
da Educação Popular à luz de Freire, sentimo-nos convocadas e con-
vocados a construir um gesto ético justo e um ato político coletivo
de resistência, a partir de nosso chão, como ação local. Desse lugar, o
primeiro Café foi realizado com amigos e amigas, em torno de uma
mesa de café dialogadora e escutadora, onde estudamos as categorias
freirianas/freireanas da Dialogicidade e Amorosidade. Em dois anos, o
Café já estava em mais de vinte cidades, por iniciativas autônomas de
pessoas de outras cidades e estados do Brasil, constituindo coletivos
de estudos e dinamizando-se como um movimento cultural crítico fe-
cundo. Ao agregar outras pessoas desejantes de aprofundar os estudos
freirianos/freireanos, com o propósito de realizar leituras e reflexões
contextualizadas e orientadas por realidades que estão sendo, portanto,
possíveis de serem transformadas, esperanças foram fortalecidas.
As categorias epistemológicas freireanas/freirianas hoje são de-
finidas por uma curadoria cultural-pedagógica nacional, assim como
as decisões são partilhadas em modo coletivo e colaborador. Cate-
gorias como Diálogo, Indignação, Amorosidade e Alegria, Esperan-
ça, Andarilhagem, Conscientização, por exemplo, têm perpassado
outras como Luta, Liberdade, Dignidade, Trabalho, Transformação,
Consciência, Resistência, Rigorosidade Metódica, fluindo como a
própria rede de significações de Paulo Freire, cujos conceitos, campos
ou dimensões nunca existem sozinhos, porém tramados e entrelaça-
dos, diante da complexidade desses estudos e da obra em si mesma,
que pensam algo também muito complexo e interdependente que é
a própria existência humana. Essa reinvenção de tecer e andarilhar
com uma Rede de Cafés feita de leituras e escrituras de mundos,
sob a inspiração da obra profunda de Paulo Freire, têm afirmado o
quanto de resistência criadora existe nos educadores e nas educadoras
populares que acreditam no inédito-viável e que, neste momento his-
tórico, têm sentido necessidade de pensar junto a coletivos esperan-
çosos e transformadores de realidades, produzindo existências mais
criadoras, críticas e transformadoras.
Neste 2021, três anos depois de sua fundação, o Café já con-
figura-se como a Rede de Cafés com Paulo Freire, a qual conta com
72
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

trinta e dois cafés e se organiza em diferentes e alternativos espaços


como livrarias, parques, casas de culturas, universidades, residências
criadoras, feiras de livros, escolas, universidades, atraindo pessoas de
diferentes contextos educativos, formais e não formais, escolares e não
escolares. A agregação tem se dado por múltiplas ferramentas de redes
sociais e redes de amigos presenciais de cada pessoa engajada no Café.
Em tempos de pandemia ocasionada pela COVID 19, os Cafés têm
se desenvolvido em modo virtual e em diferentes plataformas. As Ro-
das de Conversas e/ou Círculos de Cultura constituem a metodologia
utilizada, onde as categorias são aprofundadas por leituras, místicas,
questões levantadas pelo coletivo, sistematizações, relatos de experiên-
cias e partilhas de memórias. O projeto encontra-se, em estado de
sementeiras, em diversos municípios brasileiros, organizando-se como
uma rede de aprendências e ensinâncias coletivas. A disseminação do
projeto conta com o engajamento político comprometido de pessoas
que conhecem ou se alinham com o constructo epistêmico de Paulo
Freire e que passam a se afirmar como curadoras/curadores pedagógi-
co-culturais do Café em suas localidades.
No Centenário do Patrono da Educação Brasileira (1921 –
2021), o Café com Paulo Freire veio compor, a convite, a programa-
ção do XXII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, o que con-
sideramos uma honra e uma alegria cultural. Compor o Fórum com
uma experiência da Rede Café com Paulo Freire afirma, ainda mais, o
nosso lugar de pensadoras e pensadores nessa comunidade educativa,
que se reúne anualmente no Rio Grande do Sul, com o compromisso
de fortalecer os estudos e anunciar a atualidade do pensamento frei-
riano/freireano, colaborando na construção e afirmação de um pen-
samento de Educação Brasileira legítimo, real, original, decolonial e
educando, existindo e resistindo em rede transformadora.
Nessa Primeira participação do Café no Fórum, desejamos
tecer uma tarde de conversações, pensamentos partilhados e estu-
dos sobre as relações de Paulo Freire com as crianças pelo universo
das infâncias, desde as reflexões sobre a própria infância de Freire
contada por ele mesmo quanto pela presença de outras infâncias e
crianças em sua obra, transitando por reflexões peculiares sobre as
infâncias e marcas que ficaram em quem educa e convive com crian-
73
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ças bem pequenas e pequenas, no campo das Escolas das Infâncias


e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, desde esse Brasil profun-
do que habitamos, pertencemos, sentimos e miramos. Para tanto, o
Café no Fórum contou com o diálogo entre quatro mulheres edu-
cadoras e de lutas em Educação Popular, estudiosas e pesquisadoras
que nutrem esse gosto político de estudar e pensar com Paulo Freire
para transformar os dias, a vida, o mundo.
Compreendemos que termos trazido para o Fórum diálogos que
entrelacem Paulo Freire e o universo das infâncias e das crianças foi
um modo de problematizar o existir e o resistir da luta pelas crianças
e pelas infâncias, ressaltando o direito de serem ouvidas em suas sin-
gularidades e em suas formas de estar sendo no mundo. Muitos acredi-
tam e defendem que Paulo Freire em nenhum momento se preocupou
com as crianças e, por isso, nada tem a nos dizer sobre elas; pois aqui
estamos para defender Paulo Freire como alguém que suscita, em nós,
reflexões profundas acerca da educação com as crianças, como alguém
que acredita nas crianças e na capacidade que elas têm de criar, de
transformar, de (re)inventar o nosso mundo.
Em 1990, Freire escreveu, em uma carta a Loris Malaguzzi, que
para fazer desse mundo um lugar mais bonito, é preciso não deixar
morrer a voz dos meninos e das meninas que estão crescendo (FREI-
RE, apud FARIA; SILVA; [s.d.]). Enquanto educadoras e defensoras
das infâncias, acreditamos com Paulo Freire que elas precisam ser ou-
vidas, acolhidas, e que muito temos a aprender com elas para avançar-
mos na construção desse mundo mais bonito.
Para Paulo Freire, a infância vai além de uma etapa cronológica do
desenvolvimento humano; é uma condição da existência humana, que
possibilita uma curiosidade menina, que não deve ser abandonada em
qualquer idade. Que nós, assim como ele, sejamos pessoas que lutam
para repensar a educação, o mundo, a vida, as relações, dialogicamente.
Paulo Freire, no livro Essa escola chamada vida (1986), em que
se encontram seus depoimentos e de Frei Betto ao repórter Ricardo
Kotscho, conta que a partir de 1946, quando começou a trabalhar no
SESI, Serviço Social da Indústria, em que dirigia o Setor de Educação,
que tinha a ver com as escolas primárias para as crianças das famílias
operárias, que foi nessa época que começou a aprender a dialogar com
74
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

as classes trabalhadoras e assim, foi-se fazendo educador. E ele afirma


que foi aprendendo, desde aquela época, a exercer uma prática de que
nunca mais se afastou: a de pensar sempre na prática. Foi aprendendo
a ouvir os pais dos alunos, a ouvir as famílias sobre o que lhes inte-
ressava discutir mais diretamente. Uma pergunta que não quer calar:
Por que Paulo Freire na escola? Porque com ele aprendemos que a
professora, o professor precisa aproveitar o que emerge do cotidiano:
ouvir, acolher e devolver. Paulo Freire e suas insubmissas pedagogias.
Trazer Paulo Freire menino é trazer as experimentações, as vi-
vências típicas de todas e quaisquer crianças. E estas experimenta-
ções foram contadas pelo próprio Freire em muitas de suas obras. Em
Cartas à Cristina (1994), especificamente na terceira carta, o menino
conectivo nos fala de sua vivência do medo, da superação, das des-
cobertas científicas que, a princípio espontâneas, foram nascendo de
sua curiosidade epistemológica – na busca da razão de ser dos fatos.
É Freire menino que nos ensina que desvelar os medos, que entendê-
-los e lutar contra os condicionamentos que eles nos impõem, exige
ousadia, coragem e pesquisa. Sim, como Paulo Freire, muitas vezes
atravessamos a noite abraçadas com o nosso medo, debaixo do lençol.
Mas aquela criança nordestina também nos coloca em marcha. Con-
voca-nos a romper o silêncio amedrontador das “noites escuras”, mui-
tas vezes construídas em nós a partir de “histórias de assombração”. E
ele pergunta: o que nos assombra?
Ainda sobre desvelar os mistérios e anestesiamentos que a noite
escura traz, Paulo, na inocência infantil do menino que foi, nos en-
sina esperança. Mostra-nos que a esperança é aprendida e, algumas
vezes, pode ser atrelada a algo que nos tire da hipnose, da opressão
que o medo causa. No caso dele, a assombração era entrecortada pela
pancada sonora do relógio grande que ficava na sala de jantar. Era o
“afeto mágico”, como diz, ao relógio, que o ajudava a acreditar que
a “manhã” estava por vir. O Café com Paulo Freire é, para nós que o
vivenciamos, como o relógio mágico da infância de Freire. Ele nos faz
mais corajosas e corajosos na luta contra as noites mal-assombradas
que nos habitam, que insistem em nos contar. Ele é uma das formas
de esperançar, capaz de cutucar nossos imaginários e mostrar que não
estamos sozinhas e sozinhos. E, é assim, meninamente, mas ancoradas
75
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e ancorados na potência na obra criadora de Freire, que ousamos en-


frentar os que a ela combatem, aprendendo a dizer as nossas palavras,
ao redor de uma mesa de café dialogante, com pessoas que se biofiliam
à escuta do outro, ao diálogo com a outra, à escuta do outro coração,
vibrando alegria de viver, nesse caso, dentro do espaço inspirador que
é o Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire.

Referências
FARIA, A. L. G.; SILVA, A. A. Por uma nova cultura da infância.
Revista Educação. [s.d]
FREIRE, P.; BETTO, F. Paulo Freire, Frei Betto - Essa escola cha-
mada vida: depoimentos ao repórter Ricardo Kotscho. Rio de Ja-
neiro: Ática, 1986.
FREIRE, P. Cartas à Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1994.

76
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FÓRUM FREIRE NO ERECHIM: MÚSICA

INTR: F C7 F C7 F Bb F G7 C7 Bb F C 7 F – C7 - F

F C7 F Bb F
O Alto Uruguai gaúcho, a Capital da Amizade,
C7
O povo, a Universidade---Federal Fronteira Sul.
Bb F Bb F
Fórum Freire, os saberes, Educação - Existência,
Bb F Bb C7 F F – F# - G -
Educação- Resistência /:de novo, a Fronteira Sul.:/

ESTRIBILHO:
G C G
6 cidades, 3 estados, Fronteira Sul - referência,
D7
Universidade, essência, ao Freire dizendo Sim.
D7 D# C G C G
Volta o Fórum aos estudos, da graduação e da pós,
A7 (D7 D# C) G (Bb A--------- G) D7
/:brado forte, uma só voz, nos campos do Erechim:/

INTR: F C7 F C7 F Bb F G7 C7 Bb F C 7 F – C7 - F
-2-

F C7 F Bb F
“Educar é existir e resistir” de verdade.
C7
Educação-qualidade, a transformação social.
Bb F Bb F
Fórum de Estudos - Leituras: sempre a mesma ousadia
Bb F Bb C7 F F – F# - G
pois, embora a pandemia,/: nasce em edição virtual:/.
77
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESTRIBILHO:
- 3 -

F C7 F Bb F
Criado em 99, o Fórum é itinerante,
C7
reúne gente distante, ideias em comunhão.
Bb F Bb F
O dois mil e vinte e um aproxima pra reunir:
Bb F Bb C7 F F – F# - G
Existir e Resistir,/: em defesa da Educação!:/

Créditos

Letra

Dilmar Paixão
Prof. Dr. em Educação UFRGS

Música

Júlio César Pires Pereira


(Prof. UERGS e UPF, Doutorando em Educação/UFRGS); Acordeon

Rafael Branquinho Abdala Norberto


(Prof. Doutor em Música/UFRGS); Violão Solo

Gabriel Pereira
(Licenciado em Música/UFSM); Acordeon, Violão, Contrabaixo

Ricardo Albino Rambo


(Mestre em Educação/UFRGS) Violão Base

Adelir Paulus
(Graduado em Música/UFSM) Violão

78
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Melodia/Harmonia

Júlio César Pires Pereira


Rafael Branquinho Abdala Norberto
Ricardo Rambo
Gabriel Pereira

Edição

Júlio César Pires Pereira


Gabriel Pereira

Idealização

Grupo de Estudos, Pesquisa e Artes


BEM VIVER - UFRGS/CNPq

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

XXII FÓRUM DE ESTUDOS LEITURAS DE PAULO FREIRE


EDUCAR É EXISTIR E RESISTIR!

PROGRAMAÇÃO GERAL

Quinta-feira, 20 de maio de 2021

19h ABERTURA

19h 30min ESPAÇO DIALÓGICO I

“Os desafios da educação e a atualidade das leituras freireanas”


Profª Nina Rosa Ventimiglia Xavier
(Presidenta na Associação dos Supervisores Educacionais do Rio Gran-
de do Sul - ASSERS)
Profª Márcia Regina da Silva (Rede Municipal de Esteio e Doutoranda
na UNILASALLE)
Profª Eliane Almeida
(Pós-Doutora em Educação Ambiental pela FURG e Presidenta do ins-
tituto APAKANI)

Mediação: Profª Allana Cavanhi (IFSC)

Sexta-feira, 21 de maio de 2021

8h – 12h

CÍRCULOS DIALÓGICOS VIRTUAIS

16 salas concomitantes

Via Google Meet (link a ser enviado para o e-mail da inscrição)

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

14h – 17h

CAFÉ COM PAULO FREIRE

“Pensando Freire e as crianças, a alegria de viver e a curiosidade menina”

Profª Ana Felícia Guedes Trindade


(Co-fundadora e uma das Curadoras Nacionais do Café com Paulo
Freire e Co-criadora da Madre Tierra)

Profª Inez Helena Muniz Garcia


(Organizadora e coordenadora do Seminário Internacional Diálogos
com Paulo Freire/SINTE/RN)

Profª Juliana Goelzer


(Professora na Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo da UFSM)

Profª Priscila Bibiano


(Curadora local do Café com Paulo Freire - Varginha/MG)

19h ESPAÇO DIALÓGICO II

“Educação Popular e Feminismo: um debate necessário”

Profª Rita de Cássia Fraga Machado


(UEA)

Profª Amanda Motta Castro


(FURG)

Mediação:
Profª Micheli Souza
(PPGPE/UFFS)
Assistente Social Silvana Ribeiro
(PPGICH/UFFS)
82
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Sábado, 22 de maio de 2021

8h – 10h

ESPAÇO DIALÓGICO III

Processos Auto(Trans)Formativos de Professores(as): a existência e a re-


sistência da/na escola

Mediação:
Grupo de Estudos e Pesquisas Dialogus: educação, auto(trans)formação
e humanização com Paulo Freire (UFSM)

Salas virtuais concomitantes

10h 30min – 12h 30min

PLENÁRIA FINAL

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CAPÍTULO 1

MEDO E OUSADIA
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A ATUALIDADE E A IMINÊNCIA DE FREIRE DIANTE DE


MOVIMENTOS DE DESESTRUTURAÇÃO DA DOCÊNCIA

Renata Cecilia Estormovski


Instituto Estadual Polivalente – SEDUC RS – UPF
renataestormovski@gmail.com

Juliâna Venzon
Secretaria Municipal de Educação de Camargo – UPF
juliana.venzon@gmail.com

Me movo como educador porque, primeiro, me


movo como gente (FREIRE, 1996).

A intensificação de iniciativas que colaboram com a precariza-


ção do trabalho docente na atualidade anuncia a continuidade de um
processo estrutural nas políticas educacionais brasileiras de fragilização
da educação oferecida pelo Estado. Distintas materializações denotam
como os processos de contratação têm se tornado menos densos, com
a diminuição de concursos que promovam a estabilidade profissional
(considerada negativa por sujeitos vinculados a ideologias liberais), com
a destituição de direitos previstos em planos de carreira de servidores
efetivos e com a contratação temporária sendo a prática mais adotada
em redes públicas. Partindo dessa percepção, objetiva-se, por meio de
uma análise documental, discutir as implicações da docência uberiza-
da, analisando, de forma específica, a contratação docente realizada por
meio do aplicativo Prof-e e sua relação com conceitos freireanos presen-
tes em Pedagogia da Autonomia, obra de 1996.
A educação, em Freire (1996), define-se como uma prática es-
sencialmente humana, o que implica em uma ética pautada na vocação
ontológica de “ser mais”, de ser presença no mundo de maneira única
(e com consciência disso) e que tem significado não somente no estar,
mas na relação com o mundo e com os outros. O reconhecimento da
87
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

singularidade do sujeito, desse modo, constrói-se com a negação da


ideologia fatalista imposta pelo neoliberalismo, que imobiliza as vonta-
des e nega a historicidade e o caráter social do ser. Ao contrário disso,
defende uma presença “que se pensa a si mesma, que se sabe presença,
que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que
sonha” (FREIRE, 1996, p. 11).
Assim, para que o ímpeto de liberdade, de insubmissão e de rup-
tura – crucial para uma educação que se faça revolucionária, na perspec-
tiva de Freire (1996) – se efetive na educação, esta não pode se consti-
tuir como um instrumento de reprodução ou de transferência unilateral
de saberes, mas se concretizar mediante a criação de possibilidades para
que os sujeitos construam o conhecimento (FREIRE, 1996, p. 13) em
uma experiência de ação e de não-objetificação. A tarefa do docente,
nesse sentido, é definida por Freire (1996) como a de estimular a criti-
cidade, a reflexão sobre a realidade concreta e o respeito pelas experiên-
cias sociais dos estudantes, valorizando seus conhecimentos, que são os
saberes das classes populares. É “[...] desafiar o educando com quem se
comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem
sendo comunicado” (FREIRE, 1996, p. 20), é, acima de tudo, dialogar.
Tudo isso a partir da reflexão teorizada do professor sobre sua prática –
na práxis – e de uma perspectiva humanista de educação.
Esses conceitos, basilares à educação popular e, em relação a ela,
aos objetivos e à função social da escola pública, tornam-se fluidos ao
se analisar como se materializam as políticas voltadas à carreira docente.
Com a diminuição constante dos direitos sociais conquistados histori-
camente, a implementação de mecanismos de controle e de avaliação a
partir de métricas de mercado e a adoção de novas modalidades de con-
tratação destituídas de garantias e privadas de vínculo com a comunida-
de efetiva-se a desestruturação da docência para a Educação Básica pú-
blica. Nesse contexto, surge o educador uberizado, referenciado como
sinônimo do trabalhador que atua por hora-aula mediante pagamento
previamente estabelecido, sem garantia de nova contratação, estabilida-
de ou proteção em caso de problemas de saúde ou afins.
Há diferentes formatos que efetivam essa modalidade de contra-
tação (e de percepção da docência). Um deles é ofertado através do apli-

88
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cativo Prof-e1, que se apresenta como uma start-up para a área educacio-
nal e busca ocupar o espaço de aulas vagas com docentes especialistas,
acionados mediante a solicitação feita ao app, atuando preferencialmente
on-line. Argumentando inovar ao conter um problema comum nas insti-
tuições de ensino, destina-se à Educação Básica e Superior, pública e pri-
vada, e, de acordo com seu site, proporciona aulas síncronas e interativas,
garantindo que todos os tempos ou períodos previstos sejam cumpridos
e que haja redução de até 66% do custo de reposição da aula para a insti-
tuição. Além disso, assegura que os professores tenham, ao se vincular ao
Prof-e, lucratividade maior do que com outros formatos de contratação.
Todavia, ao pensar nas implicações da adoção desse formato de
contratação diante dos ideais freireanos, suscitam-se questionamentos.
O primeiro deles remete à significação da presença em Freire, que a
discute em sua dimensão de relação do sujeito com os outros e com
o mundo e que pode ser posta em xeque em um formato que ignora
o contato direto entre os indivíduos e põe uma tela como meio (ou
barreira) para a comunicação. Convém considerar também que o pro-
fessor não conhece os alunos previamente; nem os alunos, o professor,
e que não há garantia de que as partes se verão novamente, dificultan-
do a criação de laços, inibindo o conhecimento de suas especificidades
e impossibilitando discussões que incluam temáticas de sua existência
material e de seu contexto social durante as aulas. A humanização, em
si, não se constitui como um elemento com potencial de ser estimula-
do, já que as experiências dos sujeitos tendem a não serem conhecidas
durante o período curto de relação, o que impacta, ainda, em como se
constitui a práxis docente, considerando-se que a atuação do professor
acontece com alunos diferentes e em distintos locais.
No formato pregado pelo app, ainda, a educação define-se, ao
contrário do que Freire prega, na transferência de saberes de um es-
pecialista para aqueles que não sabem, desprezando seus saberes, suas
curiosidades e suas experiências. Além do mais, enquanto substituto, o
docente uberizado surge para ocupar um espaço vazio, ao mesmo tem-
po em que se torna facilmente substituível (sem garantias salariais, de
previdência ou de seguro-saúde) e personifica o trabalhador necessário
ao sistema capitalista, em que o mais importante é a engrenagem não
1 Disponível em: https://prof-e.net.br/. Acesso em 24 fev. 2010.
89
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

parar de funcionar e o lucro acontecer. Contrariamente, os ideais frei-


reanos expressam que o professor é, acima de tudo, gente (FREIRE,
1996), não apenas um técnico, mas um ser em constante formação, o
que implica compreender sua função, discutir sua atuação e levantar
possibilidades de resistência a manobras como a exposta, que destituem
de historicidade e de humanidade o seu trabalho.
Essas e outras reflexões são passíveis de discussão ao se pensar
em Freire e nas suas contribuições à educação, especificamente quan-
to à contratação uberizada de docentes. Ao realizar os apontamentos
descritos, todavia, não se busca negar a dificuldade causada pela falta
de professores nas redes. Também não se objetiva disparar críticas à
tecnologia, o que Freire também combateu, mas entender que utilizá-la
não pode substituir as relações, a presença, o conhecimento de si, do
mundo e do outro. Além disso, os conceitos problematizados por Freire
são necessários para reforçar que os discentes e, conjuntamente, os do-
centes devem estar implicados em valores plurais, inclusivos, humanos
e sociais, e, mais do que motivados por eles, conscientes de seu papel
não como objetos, mas como sujeitos da própria existência. Em tempos
de aversão e de ataques a ideias progressistas e de intensificação de pres-
crições neoliberais e neoconservadoras, retomar Freire colabora com a
reflexão e com a busca pela construção de projetos formativos engajados
socialmente, críticos, transformadores e revolucionários, afinal “educar
é existir e resistir”, o que não pode ser feito longe do contato, da troca,
do diálogo e da humanização de si e do outro.

Palavras-chave: Precarização do Trabalho Docente. Docência Uberiza-


da. Paulo Freire.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

90
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A AUTOFORMAÇÃO NA TRANSVERSALIZAÇÃO DO
CURRÍCULO EDUCATIVO E FORMATIVO

Jonas Antônio Bertolassi


Universidade Federal da Fronteira Sul
jonasbertolassi@hotmail.com

Adriana Salete Loss


Universidade Federal da Fronteira Sul
adriloss@uffs.edu.br

Frente às atribuições da contemporaneidade, a educação e a


escola, consideradas ampliadoras do conhecimento humano, neces-
sitam passar por um processo de reinvenção, de recriação, a fim de
possibilitarem, primeiramente, a compreensão da heterogeneidade da
cultura, da relação intrínseca entre o homem e a natureza, assim como
a sua função no universo. Percebe-se, como urgente, a transcendência
da escola e de seu currículo, enquanto instituição utilitarista e carte-
siana, para uma instituição condutora da presentificação com o outro
e com o mundo (LOSS, 2013a).
Contribuindo com isso, Freire (2013) elenca que o currículo
escolar contemporâneo encontra-se impregnado de uma crosta de eli-
tismo do passado. Dessa forma, tal ferramenta necessita despir-se dos
ideais cartesianos, focados exclusivamente no conteúdo e no rendimen-
to escolar, com o intuito de tratar da heterogeneidade social e cultural
dos sujeitos e, acima de tudo, considerando as emoções, visto que “[...]
o intelecto não pode funcionar no seu melhor sem a inteligência emo-
cional” (GOLEMAN, 1997, p. 50).
Diante dessas considerações, bem como do conceito de amoro-
sidade teorizado por Freire (1992), no qual ele elenca que a “educação
é um ato de amor”, é que emerge a temática deste trabalho, voltada às
contribuições da Educação Emocional no âmbito escolar. Nesse senti-
do, o objetivo dessa investigação é apresentar os benefícios da inserção
91
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da Educação Emocional no currículo escolar por meio de Oficinas Pe-


dagógicas de Autoformação, utilizando-se dela como potencializadora
no que diz respeito às defasagens afetivo-emocionais desencadeadas pela
sociedade contemporânea.
Para tanto, a fim de atender às especificidades do objeto de estudo
em evidência, a metodologia utilizada enquadrou-se em uma pesqui-
sa bibliográfica, a qual buscou sustentação teórica em autores como:
Cuberes (1989); Damásio (2013); Freire (1992); Goleman (1997); Jos-
so (2004); Loss (2013b; 2017); entre outros. Sendo assim, para uma
melhor compreensão da importância do trabalho com as emoções no
âmbito educacional, serão elencados possíveis benefícios desse novo e
possível ideal pedagógico pela perspectiva de diferentes autores.
Damásio (2013) destaca que é possível educar as emoções, porém
não suprimi-las completamente, visto que elas estão interligadas a todas
as nossas especificidades corporais, já que nosso corpo é emoção, e “[...]
as emoções dizem respeito à vida de um organismo, mais precisamente
ao seu corpo; a finalidade das emoções é ajudar o organismo a manter a
vida” (DAMÁSIO, 2013, p. 73).
Goleman (1997), por sua vez, destaca que se considerarmos as
emoções como parte intrínseca do indivíduo e do processo de ensino
aprendizagem, além de a escola estar potencializando o desenvolvimen-
to intelectual, ela estará também proporcionando que os educandos
passem pelo processo de autoformação, o qual é gerador do autoconhe-
cimento, ou seja, da autoconsciência. Somente por meio do gerencia-
mento das emoções (lidar com as sensações de modo apropriado) é que
nasce a capacidade do autoconhecimento.
Nessa perspectiva, no que diz respeito às Oficinas Pedagógicas de
Autoformação, Cuberes (1989, p. 3) elenca que a “oficina é um tempo
e um espaço para aprendizagem; um processo ativo de transformação
recíproca entre o sujeito e objeto; um caminho com alternativas, com
equilibrações que nos aproximam progressivamente do objeto a conhe-
cer”. Corroborando com essa concepção, Vieira e Volquind (2002, p.
12) argumentam que:

A proposta de oficinas necessita criar um espaço


para vivência, reflexão e a construção do conhe-

92
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cimento. Não é somente um lugar para aprender


fazendo; supõe, principalmente, o pensar, o sentir,
o intercâmbio de ideias, a problematização, o jogo,
a investigação, a descoberta e a cooperação.

Partindo desses aportes teóricos, cabe elencar que as Oficinas Pe-


dagógicas de Autoformação devem ser propostas na perspectiva da troca
de experiências, das narrativas escritas e orais, a fim de que os sujeitos
envolvidos possam aprender um com o outro por meio da escuta e do
diálogo. Essa proposta teórica tem como base a amorosidade e o diá-
logo, elementos que, segundo a teoria de Freire (1992), se constituem
como indispensáveis no processo educativo, visto que “[...] o encontro
amoroso entre os homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronun-
ciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a
humanização de todos” (FREIRE, 1992, p. 43, grifo do autor).
Corroborando, Loss (2017, p. 97) afirma que “o processo auto-
formativo constituído pela dialogicidade dos discursos entre os sujeitos
permite a escuta do que as experiências cotidianas fizeram com o seu
Eu e do que o seu Eu é capaz de influenciar e/ou fazer no Eu do outro”.
Em vista disso, Loss (2013b) sintetiza que o trabalho com oficinas, na
perspectiva pedagógica, contribui na integração de cinco experiências:
o pensar, o sentir, o conhecer, o refletir e o agir.
Diante disso, Josso (2004) destaca que a autoformação deve ser
adotada no currículo e, em especial, pelos educadores, no processo edu-
cativo de formação de indivíduos aprendentes, a fim de possibilitar que
eles ascendam emocionalmente e socialmente e encontrem um lugar
digno, de destaque, na sociedade.
Com base nesse breve levantamento bibliográfico, os resultados
apontam que a inserção da Educação Emocional no currículo, por meio
do desenvolvimento de Oficinas Pedagógicas de Autoformação nos es-
paços educativos, pode refletir positivamente não só no processo de
ensino e aprendizagem, bem como na ascensão social dos indivíduos.
Além disso, como define Freire (1992), quando a relação pedagógica
é consolidada pela amorosidade, pela afetividade e pela dialogicidade,
ela contribui para que o processo educativo desenvolva concepções de
liberdade e de humanização nos educandos.

93
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Dessa forma, diante de tais ideias aqui ponderadas, conclui-se


que a autoformação, como um tema formativo e educativo, deve ser de-
senvolvida de maneira transversalizada ao currículo escolar. Com isso,
seria proporcionado o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos
no processo educativo, conectando-os à sua subjetividade e, consequen-
temente, à intersubjetividade no que diz respeito ao seu semelhante, a
fim de resgatar os valores e os sentimentos que se perderam no labirinto
do capitalismo e da inovação cibernética.

Palavras-chave: Educação Emocional. Oficinas Pedagógicas de Auto-


formação. Currículo.

94
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CUBERES, M. T. G. El taller de los talleres. Buenos Aires: Estrada, 1989.
DAMÁSIO, A. O sentimento de si – Corpo, emoção e consciência.
Lisboa: Temas e Debates - Círculo de Leitores, 2013.
FREIRE, P. Comunicação e Extensão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2013.
GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Lisboa: Temas e Debates -
Círculos de Leitores, 1997.
JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
LOSS, A. S. Ampliação das inteligências intra e interpessoal nos
espaços educativos. Curitiba: Appris, 2013a.
LOSS, A. S. Educar e cuidar: promovendo o sucesso escolar. Curitiba:
Appris, 2013b.
LOSS, A. S. Formação de Professores/Educadores: (Auto)formação
pessoal, social e profissional. (Entrevista com António Nóvoa –
Mar./2015). Curitiba: CRV, 2017.
VIEIRA, E.; VOLQUIND, L. Oficinas de ensino: O quê? Por quê?
Como? Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A CIÊNCIA E AS NOVAS GERAÇÕES, DESAFIOS


PARA O ENSINAR

Alessandra Nilles Konzen


alessandrakonzen2016@gmail.com

Rosemar Ayres dos Santos


roseayres07@gmail.com

Eliane Gonçalves dos Santos


santoselianegoncalves@gmail.com
Universidade Federal da Fronteira Sul

Um dos assuntos mais abordados, mas pouco valorizado por par-


cela da população, é a educação, a qual é um desafio diário dos edu-
cadores, pois “mostra a vida a quem ainda não a viu” (ALVES, 2018),
dando aos estudantes outras formas de interpretar, tanto a vida como os
conteúdos. Sendo assim, educar não pode ser visto como um simples ato
de transmitir valores às pessoas e depositá-los nelas, pois é muito mais
do que isso, porque possui uma motivação muito maior do que essa.
Nesse sentido, aqui relatamos uma experiência de atividade reali-
zada no 1º semestre do ano de 2019, no componente curricular “Práti-
ca de ensino: epistemologia e o ensino de ciências”, no qual abordamos
o tema “Por que ensinar ciências para as novas gerações? Uma questão
central para a formação docente.” Nessa atividade, deveríamos elabo-
rar uma breve síntese sobre essa temática proposta por Chaves (2007).
Considerando que o novo, o diferente, sempre irá nos trazer medo,
receio, dúvida; foi justamente assim que uma das autoras deste relato
sentiu-se ao escrever esta síntese e trabalhar com esta temática, porém,
isso também lhe trouxe aprendizagens sobre o tema em voga.
A escrita deste trabalho tem como objetivo discutir a experiência
vivenciada por uma das autoras ao produzir esta atividade com este
tema tão significativo para nós, por abordar a questão do ensino. Além
97
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do mais, fez com que nós também refletíssemos sobre por que ensinar?
E por que ensinar ciências para as novas gerações?
Por meio deste relato, também observamos como esse assunto é
tratado pelos professores, qual a concepção deles sobre tais questiona-
mentos e sobre o que lecionam e como problematizam o que ensinam
com seus estudantes. Ressaltando, ainda, que “a Ciência está longe de
ser um instrumento perfeito de conhecimento, é apenas o melhor que
temos” (SAGAN, 1996, p. 41). Sendo assim, ressaltamos a importân-
cia de os estudantes terem certos conhecimentos, para que tenham a
capacidade de distinguir a realidade das coisas com a fantasia criada
por algumas pessoas sobre algumas questões e assuntos, como aborda
Sagan (1990, p. 51): “acho que precisamos e merecemos conviver com
cidadãos de inteligência desperta e dotados ao menos de conhecimentos
básicos sobre como funciona o mundo”.
Essa “[...] aprendizagem é um processo transformador da expe-
riência no decorrer do qual se dá a construção do saber” (ALARCÃO,
2010, p. 53). Essa construção do saber só é possível quando a socie-
dade, em si, busca por conhecimento, procura saber e aprender por
meio de pesquisas, porque, segundo Freire (1996), não há ensino sem
pesquisa e pesquisa sem ensino. Também é necessária uma busca por
leituras complementares sobre determinados assuntos, a fim de que o
leitor se torne crítico, por exemplo, de situações em que há a imposição
de situações/produtos – vendedores de telemarketing, operadoras de
telefone ou instaladores de internet – pois, para o “pensar ingênuo, a
meta é agarrar-se a este espaço garantido, ajustando-se a ele, negando a
temporalidade, negar-se a si mesmo” (FREIRE, 2005, p. 53).
Assim, este relato busca identificar, na produção de Chaves
(2007), anteriormente referida, a concepção dos professores acerca das
perguntas: “Por que ensinar?” e “Por que ensinar ciências para as novas
gerações?”, e também sobre a questão do saber científico, da reflexão e
da ciência no geral. Dessa forma, o corpus deste relato estrutura-se de
uma análise dessa produção. A autora obteve o depoimento de cinco
professores acerca da segunda pergunta, um comentário sobre o saber
científico e uma resposta sobre ciência e reflexão.
No decorrer do texto apresentado, a pesquisadora trouxe trechos
de entrevistas dos professores sobre o “Por que ensinar?”, questiona-
98
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mento esse gerado pelos professores em razão das suas experiências vi-
vidas. As respostas que mais recebeu em um tom de obviedade foram,
“Porque está na grade curricular, ora!”, ou “Porque gosto dos assuntos
abordados em Ciências”. A autora, então, resolveu mudar a pergunta,
na busca de uma resposta mais elaborada por parte dos professores en-
trevistados: “Por que ensinar Ciências?”.
Nessa perspectiva, as respostas deles condizem com a concepção
que possuem sobre a mesma e do papel que ela desempenha em nossa so-
ciedade. “Para que o aluno possa entender o mundo que o cerca” e “Para
que os alunos possam compreender melhor a natureza e o mundo em
que vivem”. A autora observou que “tais respostas parecem denunciar a
Ciência concebida como única forma legítima de acesso ao mundo ou no
mínimo a melhor”. Na visão de Chaves (2007), os educadores deveriam
ensinar Ciências não para dar ao estudante conhecimento do mundo ou
melhorar sua forma de conhecê-lo, mas, sim, para acrescentar, adicionar
uma outra forma de interpretá-lo. Essa questão também é argumentada
por Freire (2014), o qual critica “as práticas neoliberais, mecanicistas e
tecnicistas da educação, que privilegiam a formação de indivíduos não
críticos, pouco capazes de interagirem entre si e com o mundo para bus-
car soluções para o enfrentamento dos problemas existentes”.
Já sobre o saber científico, a autora apresenta depoimentos de
estudantes de graduação acerca desse conceito. Esses argumentam que
até certo momento acreditavam que o saber científico e a Ciência eram
verdades absolutas; já outros alertavam que assim como o ser humano
a ciência também comete erros. Em sua análise, ela questiona sobre a
Ciência, e as respostas de alguns professores foi alegar que ela é o único
meio de entender o mundo. Ainda, ressalta a importância de incluir
“a reflexão epistemológica que possibilitará ao professor conquistar sua
autonomia profissional assumindo e definindo o porquê de se ensinar
Ciências para as próximas gerações” (CHAVES, 2007, p. 22). Além dis-
so, “a reflexão é um caminho formativo que pode ampliar as condições
de docência” (GÜLLICH, 2013, p. 67) e ela pode “auxiliar na com-
preensão crítica da realidade e na superação das contradições sociais”
(ALMEIDA; GEHLEN, 2019).
A partir da nossa análise, foi perceptível a surpresa da autora em
relação às respostas dos professores; no entanto, as primeiras respostas
99
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

não foram tão bem elaboradas, mas quando a questão foi modificada,
as respostas foram mais bem desenvolvidas. Porém, ainda assim, não
era o que ela esperava ou o que gostaria de ler, ou seja, os docentes não
responderam o que ela realmente gostaria de saber. Entretanto, as ques-
tões do saber científico e da ciência foram contestadas não só pelos es-
tudantes da graduação como também pela autora. Todos eles ressaltam
que nem tudo que é dito pelas duas questões apontadas anteriormente
é verídico e/ou absoluto.
Em decorrência da nossa análise, foi possível perceber que ape-
sar da importância da educação, do educar e dos impactos que uma
má interpretação de conteúdos e questões do docente pode gerar nos
estudantes, grande parte dos depoimentos dados pelos educadores
não superaram as expectativas e não respondem as perguntas. Sendo
assim, constatamos que alguns possuem concepções equivocadas do
“Por que Ensinar?”.
Entretanto, após um novo questionamento, a autora obteve res-
postas mais estruturadas, com novos pontos de vista acerca da ciência e
reflexões sobre algumas grades curriculares. Essas respostas atingiram as
suas expectativas que concordam com os depoimentos dos estudantes
da graduação, os quais haviam criticado alguns pressupostos referidos
anteriormente. Assim, entendemos que seria bastante construtiva uma
reflexão por parte dos professores sobre sua docência, para, através dis-
so, discutirem questões como “Por que estou ensinando este conteú-
do?” e, dessa forma, buscarem melhorias para sua docência.

Palavras-chave: Ensino de Ciências. Diálogo Problematizador. Refle-


xão Epistemológica.

100
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São
Paulo: Cortez, 2010.
ALMEIDA, E. S.; GEHLEN, S. T. Organização curricular na
perspectiva Freire-CTS: Propósitos e possibilidades para a educação em
ciências. Revista Ensaio, v. 21, 2019.
ALVES, R. Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são
tolas e sem sentido. Revista Pazes, Ago. 2018.
CHAVES, S. N. Por que ensinar ciências para as novas gerações?
Uma questão central para a formação docente. Revista Contexto &
Educação, n. 77, pp. 11-24, 2007.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
GÜLLICH, R. I. C. Investigação-Formação-Ação em Ciências:
um Caminho para Reconstruir a Relação entre Livro Didático, o
Professor e o Ensino. Curitiba: Prismas, 2013.
SAGAN, C. Por que entender de ciência? Revista Super Interessante,
p. 46-51, 1990.

101
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A DEMOCRACIA DE PAULO FREIRE COMO ORGANISMO


DA GESTÃO ESCOLAR

Carmem Lucia Albrecht da Silveira


Universidade de Passo Fundo - UPF
carmem.albrecht@hotmail.com

Sandra Maria Zardo Morescho


Universidade de Passo Fundo - UPF
sandramariazm@gmail.com

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani


Universidade de Passo Fundo - UPF
rosimaresquinsani@upf.br

O estudo em pauta tem o objetivo de apresentar a análise da obra


de Paulo Freire pela visão de Licínio Lima, observando os aspectos da
democratização da administração escolar em tempos de mercantilização
da educação. Compõe um recorte do corpo teórico da tese de doutora-
mento empenhada com a gestão das políticas educacionais. O estudo em
questão ampara-se nas evidências teóricas de Lima (2014), as quais nos
levam a compreender a criticidade de Freire em torno do organismo edu-
cacional, o qual intenta a utopia de renovação da escola e da educação.
Paulo Freire exerceu a função de gestor público, no final da dé-
cada de 1980, quando ocupou o cargo de Secretário de Educação da
maior Secretaria Municipal de Educação do Brasil, inserida no mu-
nicípio de São Paulo e que, na época, era a segunda maior cidade da
América Latina. Num trabalho inovador como gestor da educação,
instalou mudanças na direção da educação municipal voltada à orga-
nização educacional da rede, a qual contava com 700 escolas. Como
responsável por uma vasta obra relativa à educação, mereceu atenção
de diferentes estudiosos e de vários pesquisadores do mundo, entre os
quais se destaca o autor português Licínio Lima, que assim a define:
103
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Construída (e vivida) ao longo de mais de três


décadas, dando testemunho de diferentes tempos
históricos e de variados espaços políticos, geográfi-
cos e culturais, a obra escrita de Freire é demasiado
vasta e multifacetada para se deixar aprisionar em
esquemas reducionistas, em grelha simples de lei-
tura, e principalmente em prescrições metodológi-
cas e tecnicistas (LIMA, 2014, p. 20).

Lima passou a dedicar-se à análise da teoria freireana após o


falecimento de Paulo Freire (1997). Uma das razões que induziu
Lima a interessar-se pelos escritos de Paulo Freire e analisá-los foi
justamente o diferencial do caráter da gestão educacional empreen-
dida enquanto Secretário de Educação, cuja experiência está descrita
no livro “A Educação na cidade”, de Paulo Freire, onde se observa a
“démarche” analítica quanto ao caráter sociológico e organizacional
voltado às “[...] concepções de governação democrática da educa-
ção, de participação e de gestão democrática da escola pública [...]”
(LIMA, 2014, p. 10).
Como administrador público de educação, Freire procurou re-
fletir e agir em torno da democratização da organização e da admi-
nistração da escola, defendendo, no seu projeto educacional, confor-
me Lima (2014, p. 10), “a participação das famílias dos alunos e da
comunidade, tendo em vista a ‘mudança da cara da escola’” pautada
pela prática da participação. Dessa forma, expressou a radicalidade na
democratização da organização escolar. Os ideais freireanos se opõem
ao projeto, dos dias atuais, em que a democratização, a autonomia e
a inserção dos pais na escola é orientada para a responsabilização dos
resultados de monitoramento. Na definição de Lima, tomar conheci-
mento das ideias de Freire quanto aos “seus projetos e suas realizações
em torno da democratização e da autonomia da escola pública” repre-
senta uma força intelectual indispensável. Portanto, a delimitação de
Lima (2014, p. 12) em torno da obra de Freire incide, justamente, nas
“concepções organizacionais e de governação democrática das escolas
[...] e com ele examinar os obstáculos persistentes, e renovados, que se
vêm colocando ao exercício de formas de autonomia, de participação
e decisão democráticas na organização escolar”.
104
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O último século deliberou um quadro de orientações das políti-


cas educacionais que vêm orientando para a despolitização do organis-
mo escolar e das ações administrativas da escola, na grande maioria dos
países, e, com isso, atingindo os sistemas escolares com maior ou menor
intensidade. Conforme Lima (2014, p. 13), essas orientações defendem
a admissão ideológica gerencialista e neocientificista, de raízes empresa-
riais desenhadas pela proposta de “criação de mercados internos no seio
da administração pública, criando fórmulas para a construção de escolas
eficazes, devolvendo responsabilidades e encargos sob a defesa de uma
gestão centrada na escola e de uma autonomia meramente instrumental”
efetivando mecanismos de avaliação e de prestação de contas, baseados
nas variantes de controle oriundas do projeto da Gestão da Qualidade
Total. Dessa forma, a “governação democrática” da escola pública depa-
ra-se com amplas dificuldades quanto ao processo de democratização
e de participação das decisões, pois deixam de ser relevantes diante da
gestão centralizada, identificando-as como inoperantes e passando a
representá-las como “obstáculos a uma gestão escolar mais moderna e
racional, mais eficaz e eficiente”.
A manifestação de critérios ideológicos racionais e de funda-
mentação técnica, destinados a ações políticas e administrativas, com
a função inibidora da educação e da democracia, da pedagogia e da
cidadania democrática, requerem plena análise, o que desponta o inte-
resse de Lima quanto à visão de Freire. O autor (2014, p. 14) destaca
a importância de destinar um “olhar sociológico-organizacional que
revele a natureza política e educativa das práticas organizacionais e ad-
ministrativas escolares, se aliar a reflexão sobre políticas alternativas, a
construção de modelos de governança mais democráticos”, interessados
com a emancipação e com a autonomia dos indivíduos, para os quais
os contributos de Paulo Freire são essenciais. Isso significa focar nos
organismos políticos e administrativos do “sistema escolar e da escola
enquanto organização educativa pública”.
Para que fique mais claro, Lima (2014, p. 15) esclarece o que
seja o conceito de “governação”, cujo termo tem origem no latim “gu-
bernatione”, dando o sentido de “condução, direção, ação ou efeito
de governar”. Genericamente, significa as ações da administração e
do governo, bem como do merecido destaque para o sentido de “pro-
105
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cesso, exercício e ação de governar”. A governação democrática das


escolas toma o caráter de “intervenções democraticamente referen-
ciadas, exercidas por atores educativos e consubstanciados em ações
de (auto)governo [...] enquanto decisões político-administrativas to-
madas a partir de contextos organizacionais e de estruturas de poder
de decisão”, com força de interferir na elaboração dessas estruturas,
exercendo os poderes educativos de forma democrática “no sistema
educativo escolar, na escola, na sala de aula etc.”.
Na análise de Lima, é difícil estudar Freire a partir do critério
organizacional e administrativo da educação, por que isso não está
compreendido como tema básico a ser tratado diretamente na sua
teoria, mas que, apesar disso, não fica independente dela. Nos seus
escritos, não se localiza uma única “reflexão organizacional adminis-
trativa sistemática, nem uma discussão referenciada às teorias e aos
conceitos mais tradicionais, [...] das teorias organizacionais e muito
menos focalizações de tipo gerencialista incompatíveis com a sua defe-
sa da “politicidade da educação” enquanto dimensão transformadora
e libertadora. Mesmo assim, o seu pensar e o seu propor a educação
refletem o empenho com a organização escolar e contemplam a con-
cepção crítica da administração educacional. No entanto, segundo
Lima (2014, p. 23), a teoria de Freire apresenta, na sua amplitude,
“suficientes e expressivas considerações de forma a permitir, identifi-
car e caracterizar elementos estruturantes, de caráter organizacional
e administrativo, das suas concepções e propostas político-pedagógi-
cas”, alimentado pelo desejo utópico de reinventar o mundo e mudar
a cara da escola.
Como bem destaca Lima (2014, p. 25), as críticas de Freire vol-
tam-se “às concepções mecanicistas, racionalistas e burocráticas de or-
ganização e administração” educacional, originadas no seu pensar polí-
tico-pedagógico e firmado pelas experiências de direção e administração
da educação. Tendo Freire como elemento central da sua teoria a crítica
radical às situações de dominação, não se poderia desprezar a dimensão
do organismo escolar em que se revela a continuidade e a reprodução
do poder segregador. Esse deve ser combatido pela renovação das for-
mas do organismo da escola e pela gestão educacional por meio dos
princípios da democracia e da autonomia, da discussão de objetivos,
106
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da liderança e das estratégias de participação. Enfim, esse combate deve


ser feito por meio de uma ação transformadora, indicando a teoria da
democracia como participação, na qual a discussão e o diálogo são apre-
sentados como caminhos para a democracia.

Palavras-chave: Governação. Organização Escolar. Democracia.

Referências
LIMA, L. C. Organização escolar e democracia radical – Paulo Freire
e a governação democrática da escola pública. São Paulo, Cortez, 2014.

107
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A INFLUÊNCIA DO SOCIAL NA (DES)CONSTRUÇÃO


DA CRITICIDADE

Jonas Antônio Bertolassi


Universidade Federal da Fronteira Sul
jonasbertolassi@hotmail.com

Gabriele Marina Bertolassi


Universidade Federal da Fronteira Sul
gabrielebertolassi@hotmail.com

A educação é a ação exercida, pelas gerações adul-


tas, sobre as gerações que não se encontram ain-
da preparadas para a vida social (DURKHEIM,
2010, p. 49).

O termo educação crítica, tema deste trabalho, está relacionado


a estudos direcionados à compreensão de como ocorrem as relações
de poder na sociedade, relacionando-as a fatores sociais, culturais e
econômicos. Essa compreensão é necessária para que a desigualdade
possa ser combatida, a fim de tornar a sociedade e sua principal fonte
de formação social, a escola, mais democráticas e com bases educa-
cionais emancipatórias. Considerando essas especificidades, o objetivo
deste estudo é propor uma breve reflexão de como os aspectos sociais
(hierarquias sociais) presentes na sociedade capitalista influenciam na
(des)construção da criticidade. Sendo assim, a base teórico-metodológi-
ca adotada para fundamentação deste trabalho foi uma pesquisa biblio-
gráfica com autores da área da Sociologia e da Educação.
No que diz respeito à criticidade, Freire (2013) destaca que a
escola deve ser um local que promova o desenvolvimento do senso crí-
tico dos indivíduos e que propicie que os mesmos aprendam a exercer
a cidadania. No entanto, ao mesmo tempo, Florestan Fernandes (1995
apud OLIVEIRA, 2010, p. 47) apresenta que no Brasil:

109
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

[...] o que importa para as elites das classes domi-


nantes é deseducar, não educar. Educar os filhos
das elites e deseducar a massa, mantendo-a fora da
escola ou dentro de uma escola funcional à repro-
dução de mão-de-obra qualificada ou semiqualifi-
cada, de acordo com os vários graus de desenvolvi-
mento econômico.

Nessa perspectiva, Apple (2002) contribui destacando que a escola,


especialmente a pública, é um aparelho de reprodução, na qual os estu-
dantes são tratados como internalizadores passivos de mensagens sociais
pré-fabricadas, para que, dessa forma, saiam aptos a suprir a mão de obra
da indústria. Em vista disso, a cadeia da reprodução precisa com urgência
ser desequilibrada. Nesse sentido, Freire (2013) elenca que o professor
tem uma função social fundamental nesse processo: a de mediador do
conhecimento e sobretudo da criticidade. Em contrapartida, cabe refletir
sobre o trecho da teoria de Paro (2010, p. 2) quando apresenta:

Se se observa uma aula típica de um curso de


doutorado e se compara com uma aula típica do
primeiro ano do ensino fundamental, se percebe
a vigência da mesma forma de relação entre educa-
dor e educandos: o professor explicando um con-
teúdo a um grupo de alunos sentados a sua frente e
confinados numa sala de aula, por um período de
quatro a cinco horas diárias.

Diante dessas considerações, Pimenta (2002) salienta que não


basta o professor ser crítico, ele precisa ser reflexivo, ou seja, refletir
sobre a sua prática constantemente. Desse modo, como apresenta Freire
(2011), a prática não é estática, uma vez que ela se consolida a partir da
bagagem de conhecimentos que o aluno tem, a partir de suas experiên-
cias de vida, fato esse que, na maioria dos casos, não é considerado no
processo de mediação do conhecimento.
No que se refere a isso, Sartori (2013) elenca que a função do
professor não deve ser a de instrutor, como a que o Estado continua im-
pondo, mas, sim, a de um profissional crítico-reflexivo capaz de exercer
a mediação da realidade com o saber.
110
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Oliveira (2010, p. 56) afirma que o dilema educacional não é


responsabilidade apenas do agente educador (o professor), porém é por
meio dos professores que há a possibilidade de “se constituir instituições
de ensino que venham a satisfazer às necessidades escolares da nação,
principalmente dos grupos excluídos do processo civilizatório”.
Nessa mesma ótica, Sartori (2013) elenca que é necessário que
se entenda que a escola não vai mudar a sociedade, mas, sim, são
os indivíduos que passam pela escola que têm o poder de resgatar
e de reconstituir a democraticidade perdida com o advento do ca-
pital. Frente a essa realidade, Bourdieu (2007, p. 50) elenca que
precisamos reconhecer que estamos diante de uma ordem social que
“[...] autoriza as classes sociais mais favorecidas a monopolizarem a
utilização da Instituição escolar, detentora, como diz Max Weber,
do monopólio da manipulação dos bens culturais e dos signos insti-
tucionais da salvação”.
A partir dessa breve reflexão teórica, os resultados apontam que
os fatores sociais têm forte impacto sobre a vida das pessoas na socie-
dade. Tais influências são mais intensas em indivíduos de classes sociais
menos favorecidas e são disseminadas primordialmente pela escola pú-
blica, a qual é moldada pelo Estado e objeto político do capital. Em
outras palavras: a sociedade contemporânea ainda vive à mercê de uma
dominação ideológica comandada por pequenos grupos hierárquicos
de indivíduos que detêm o poder.
Se observarmos com um olhar lógico-quantitativo, os indivíduos
que consolidam a ideologia capitalista são a minoria, porém detêm o
poder de influência sobre os outros. Por que isso ocorre? Essa realidade
nos convida a refletirmos sobre essa questão, se os influenciados são a
maioria, logo deveriam ter vantagens sobre os demais, no entanto, sem
o conhecimento, a criticidade, isso não será possível.
Diante dessa realidade, a título de incentivo, Florestan Fernan-
des, com apoio de educadores e de sociólogos, advoga pela “[...] elabo-
ração de projetos que contribuam para a descoberta de meios adequa-
dos, econômicos e rápidos para uma intervenção racional na estrutura
e no funcionamento do ensino brasileiro” (OLIVEIRA, 2010, p. 36).
Em síntese, analisando essa realidade de maneira crítica, Freire
(2011) destaca que a educação deve ser usada como arma de batalha no
111
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

processo de libertação de um povo. Diante disso, compreende-se que


o professor tem uma importante função social que só se consolida em
equilíbrio com o comprometimento que ele tem com a profissão. Nes-
se viés, formação e prática são singularidades variáveis que caminham
juntas na construção da prática crítico-reflexiva e que podem ser impul-
sionadas ou não na implementação de políticas públicas que valorizem
o trabalho docente e, consequentemente, contribuam para a formação
da criticidade dos educandos.
Portanto, com base na teoria freiriana, conclui-se que é preciso
afastar dos indivíduos (alunos) os fantasmas da alienação, tratando-os
como sujeitos e não como objetos no processo de ensino aprendizagem.
Dessa maneira, eles poderão interferir em sua realidade e não simples-
mente reproduzir algo que lhes é imposto (FREIRE, 2011).

Palavras-chave: Sociedade. Educação. Criticidade.

112
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
APPLE, M. Reprodução, contestação e currículo. In: APPLE, M.
Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. Pp. 19-54.
BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007.
DURKHEIM, É. Coleção educadores (MEC). Recife: Fundação
Joaquim Nabuco: Massangana, 2010.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo: Cortez, 2011.
OLIVEIRA, M. M. Educação: objeto sociológico e dilema social.
In: OLIVEIRA, M. M. Florestan Fernandes. Recife: Global, 2010.
Pp. 35-59.
PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In:
GHEDIN, E.; PIMENTA, S. G. (Orgs.). Professor reflexivo no
Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.
Pp. 17-52.
SARTORI, J. Formação do professor em serviço: da (re)construção
teórica e da ressignificação da prática. Passo Fundo: Ed. Universidade
de Passo Fundo, 2013. Pp. 30-82.

113
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PRÁTICA PEDAGÓGICA À LUZ DA “PEDAGOGIA DA


AUTONOMIA” DE PAULO FREIRE

Eliane Maria Fogliarini Moura


Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
elimoura21@gmail.com

Laercio Francisco Sponchiado


Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
laerciosponchiado@gmail.com

Marilane Maria Wolf Paim


Universidade Federal da Fronteira Sul- UFFS
marilanewp@gmail.com

O estudo, A prática pedagógica à luz da Pedagogia da Autonomia


de Paulo Freire, tem por objetivo refletir/dialogar a partir do livro
Pedagogia da Autonomia em três aspectos. São eles: “Ensinar exige pes-
quisa”; “Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” e “Ensinar exige
respeito à autonomia do ser do educando”. O estudo se dá por meio
da pesquisa bibliográfica e do diálogo entre a Professora/orientadora e
seus orientandos do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissio-
nal em Educação (PPGPE) da Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS) - Campus Erechim.
Com suas reflexões e ensinamentos, Freire influenciou e conti-
nuará influenciando muitos professores ao longo da história, com a
sua capacidade de problematizar, com os seus ensinamentos compro-
metidos com o pensar certo, com a coerência entre o pensar, o sentir
e o agir educativos, com a transformação social, com o seu método
de ensinar. Nesse sentido, podemos considerar que para além de um
método, Freire deixa uma teoria educacional que ensina a perceber a
educação num sentido amplo, considerando a totalidade e a comple-
xidade das dimensões que a constituem, ou seja, compreendendo a
115
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

educação na dimensão política, na dimensão epistemológica e na di-


mensão estética (FREITAS, 2001). Com o compromisso social, ético
e político, ele se dedicou, entre outros tantos afazeres, à educação de
adultos, na qual liderou uma campanha que pretendia alfabetizar 300
trabalhadores num período de 45 dias.
Ler/escrever sobre a vida e a obra de Freire constitui uma tarefa
apaixonante, mas complexa. Complexa pela consistência teórica de sua
obra, apaixonante pela possibilidade de entrar em contato com um in-
telectual excepcional sob vários aspectos. A intenção desse trabalho não
é esgotar tudo o que se possa escrever sobre a trajetória da vida de Paulo
Freire, até porque, pela intensidade e pela densidade de seu trabalho,
essa é uma tarefa impossível. Por isso, priorizamos registrar três aspectos
de sua vida, como forma de contextualizar o educador: seu nascimento,
seu exílio e seu retorno ao Brasil.
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, no dia 19 de setem-
bro de 1921, filho de Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves
Freire. Nascido numa família pobre, recebia ajuda do tio Codoválio, do
Rio de Janeiro, onde era comerciante, que lhes mandava dinheiro para
ajudar no sustento da família (FREIRE, 2001).
Paulo Freire conheceu, já desde pequeno, as agruras da vida. Foi
em Jaboatão (PE) que viveu de perto a realidade da fome e da pobreza,
o “real problema que nos afligiu durante grande parte de minha infân-
cia e adolescência – [foi] o da fome. [...] Fome real, concreta sem data
marcada para partir...” (FREIRE, 2017, p. 65).
Essa vida difícil foi-lhe conferindo responsabilidade e determi-
nação desde os primeiros anos de escolarização até completar seus
estudos. Foi crescendo com enorme preocupação com a justiça e de-
sempenhando suas atividades como professor. Porém, sua vida teria
uma brutal transformação a partir de 1964, quando foi forçado ao
exílio, tendo ido para a Bolívia com o auxílio do próprio embaixador
da Bolívia no Brasil. Após isso, viveu no Chile (1964-1969), nos EUA
(1969) e na Suíça (1970 a 1980). Nesse último período, visitou a
Ásia, a Oceania e a América, enquanto esteve a serviço do Conselho
Missionário das Igrejas.
Após esse período de exílio, Freire retorna ao Brasil em 16 de ju-
nho de 1980, “para integrar-se e entregar-se definitivamente ao seu país
116
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e ao seu povo” (FREIRE, 2017, p. 312-313), tendo desempenhado,


entre outras atividades, a docência na PUC/SP e a experiência como
secretário da Educação do Município de São Paulo.
Ao falarmos de Freire, poderíamos discorrer muito de sua vida
e de suas obras, pois Paulo Freire “viveu, amou e tentou saber. Por
isso mesmo, foi um ser constantemente curioso” (APPLE; NÓVOA,
1998, p. 144). Mas por questões de delimitação e intenção desse re-
sumo, selecionamos a obra Pedagogia da Autonomia – saberes necessá-
rios à prática educativa, publicada em 1996, sendo a última obra de
Paulo Freire em vida. A escolha dessa obra se deve ao fato de trazer
um conjunto de princípios importantes e necessários para a prática
docente. Um livro pequeno no seu tamanho, mas denso nas inúmeras
categorias conceituais discutidas e registradas na obra. Nesse sentido,
entendemos não ser possível comentar, descrever e trazer à discussão
todos os conceitos. Por isso, buscamos delimitar nossa reflexão/nosso
diálogo em três aspectos. São eles: “Ensinar exige pesquisa”; “Ensinar
exige reflexão crítica sobre a prática” e “Ensinar exige respeito à auto-
nomia do ser do educando”.
Para Freire, pesquisar deve ser uma constante na vida do educa-
dor, para que, assim, ele possa melhorar a sua prática pedagógica. Essa
é uma proposta em que não só o educando aprende, mas também o
educador. Através da pesquisa, os educadores adquirem conhecimento,
compreendem e valorizam o que cada educando traz e aprendem a res-
peitar as diferentes ideias e culturas que há no ambiente escolar.
Nesse sentido, ensinar exige determinação às ações pedagógicas e
coragem para buscar coisas novas, pois ser pesquisador é ter a possibi-
lidade de ampliar saberes, oportunizando que os educandos aprendam
sempre mais. Conforme o autor, “não há ensino sem pesquisa e pesqui-
sa sem ensino [...] Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 1996, p. 32).
Na obra em estudo, Freire (1996, p. 22) pontua também sobre
a necessidade de que o “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática”
na perspectiva de que sem a reflexão, a teoria pode se mostrar apenas
como discurso e a prática como uma reprodução “alienada”, sem inda-
gações. Defende a ideia de que a teoria precisa estar articulada à práti-
ca cotidiana do educador, que passa a ser um “modelo influenciador”
117
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de seus educandos, considerando que a formação docente requer uma


prática crítica.
Na perspectiva de Freire, o educador precisa estar sempre vigilan-
te, assumindo o respeito à autonomia do ser do educando. O desrespei-
to a essa questão representa impedir os educandos no desenvolvimento
da sua autonomia, em aprender coisas novas ou em desenvolver as ha-
bilidades e os conhecimentos que fazem parte de sua vida.
Nesse contexto, a prática educativa é um exercício constante em
favor da construção e do desenvolvimento da autonomia de educado-
res e de educandos, não apenas transmitindo saberes, pois, para Freire
(1996, p. 30 e 47), “Ensinar exige respeito aos saberes do educando”.
Além disso, também insiste que “ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua constru-
ção”, entendendo que o conhecimento precisa ser vivido e testemunha-
do pelos profissionais da educação.
Neste estudo, observamos que o educador e a educadora que
buscam ser um(a) profissional que investiga, pesquisa e exercita a sua
capacidade reflexiva, na perspectiva do desenvolvimento da autono-
mia de cada educando(a), precisa perceber, também, a importância
deste em ser seu/sua aliado(a) na busca incessante pelo saber compro-
metido com a vida de cada um(a). Dessa forma, é possível observar,
no cotidiano da sala de aula, as várias oportunidades de ações que exi-
gem do educador ser um agente de mudança, reflexivo e um estudioso
sobre a sua prática.

Palavras-Chaves: Autonomia. Pesquisa. Reflexão Crítica.

118
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
APPLE, M.; NÓVOA, A. Paulo Freire: Política e Pedagogia. Porto/
Portugal: Porto Editora, 1998.
FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: sua vida, sua obra. Educação em
Revista, v. 2, n. 1, pp. 2-13, 2001.
FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. São Paulo: Paz
e Terra, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREITAS, A. L. S. Pedagogia da conscientização: um legado de Paulo
Freire à formação de professores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

119
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PRESENÇA DO PAULO FREIRE NAS DISSERTAÇÕES DO


PPGED DA UNOESC

Wesley Pereira Katschi


Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC/SC
wesley.katschi17@gmail.com

Fernanda dos Santos Paulo


Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC/SC
fernanda.paulo@unoesc.edu.br

Desde os nossos estudos em nível de graduação e de pós-gra-


duação até as nossas escolhas profissionais, um dos nossos referenciais
teóricos é o Paulo Freire. Estudos sobre a presença dele nas univer-
sidades vem sendo realizados, e um deles consta no livro intitulado
como “Paulo Freire no Rio Grande do Sul: Legado e Reinvenção”.1
Nele, há capítulos que apresentam o tipo de presença, seja na univer-
sidade ou fora dela.
Paulo Freire é um autor reconhecido internacionalmente, e nosso
objetivo, neste resumo, é evidenciar a presença desse pensador nas pes-
quisas realizadas, em nível de Mestrado, no Programa de Pós-graduação
em Educação (PPGEd) da Universidade do Oeste de Santa Catarina
(UNOESC). A partir de uma revisão de literatura nas dissertações2, as
quais foram defendidas e publicadas pelos Egressos na biblioteca digi-
tal da Unoesc, foi possível localizar 257 trabalhos, distribuídos em 14
turmas. Desses, 112 alunos citaram Paulo Freire. Alguns fizeram isso
1 MORETTI, Cheron Zanini; STRECK, Danilo Romeu; PITANO, Sandro de Cas-
tro. (Orgs.). Paulo Freire no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção. Caxias do
Sul, RS: Educs, 2018. Destacamos o segundo capítulo: “A presença física de Paulo
Freire em universidades do Rio Grande do Sul” no qual se evidencia a presença do
educador em universidades do Brasil e do mundo. Os autores (Fernanda Paulo e Jaime
Zitkoski) identificam pessoas e instituições que tiveram contato direto com Freire.
2 Em nossa revisão da literatura, apresentamos uma descrição da presença de Paulo
Freire em Dissertações defendidas no PPGEd da UNOESC.
121
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

utilizando mais de um livro. Do total, em mapeamento, constatamos


que 145 egressos não mencionaram o autor.
A proporção de citações ficou bem dividida entre as turmas, sen-
do possível notar uma maior menção do autor nas turmas dos anos de
2005, 2007, 2012 e 2013, conforme o gráfico:

Fonte: Wesley P. Katschi

Analisamos, também, quem foram os(as) professores(as) que orien-


taram dissertações que citam Paulo Freire, para sabermos quem vem tra-
balhando com esse pensador e quais são os livros mais indicados. Do
levantamento realizado, localizamos os seguintes professores(as) pesqui-
sadores(as) do PPGEd: Adelar Heinsfeld, Roque Strieder, Clarice Salete
Traversini, Maria Teresa Ceron Trevisol, Maria Bernardete Mustifaga,
Graciela Ormezzano, Tânia Maria Hetkowiski, Nadir Castilho Delizoi-
cov, Ortenila Sopelsa, Joviles Vitório Trevisol, Sandino Hoff, Leda Schei-
be, Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes, Zenilde Durli, Paulino Eidt,
Marilda Pasqual Schneider, Mônica Gomes Rios, Clênio Lago, Elton
Luiz Nardi, Maurício João Farinon, Luiza Helena Dalpiaz.
Desses professores, os três que mais usaram Paulo Freire foram a
Professora Ortenila Sopelsa, com 20 trabalhos; seguido da Professora
122
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Maria Teresa Ceron Trevisol, com 17 orientações; o Professor Paulino


Eidt com 15 trabalhos e o Professor Roque Strieder com 14 orientados.
Os demais ficaram com uma média de 2 até 7 trabalhos. Não foram
computados os trabalhos defendidos em 2019/2, sendo que 2 deles ti-
veram o Paulo Freire como referência Principal: Caroline Brunoni e
Diego Gonçalves, orientandos da professora Fernanda dos Santos Pau-
lo, ingressante no PPGEd em 2018/2.

Fonte: Wesley P. Katschi

Na sequência, identificamos quais os livros de Paulo Freire foram


utilizados nas dissertações. Verificamos mais de 20 obras, excluindo li-
vros de outros autores que estudam o autor, como Moacir Gadotti,
Carlos Rodrigues Brandão e outros.

123
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Livros Utilizados de Paulo Freire


1. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática Educativa
2. A pedagogia do oprimido
3. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam
4. Educação como prática da liberdade
5. Conscientização: teoria e prática da libertação
6. Medo e ousadia: o cotidiano do professor
7. A educação na cidade
8. Educação e mudança
9. A pedagogia dos sonhos possíveis
10. Pedagogia da indignação
11. Ação cultural para a liberdade
12. Extensão ou comunicação?
13. A Educação na cidade
14. Política e pedagogia
15. Da leitura da palavra à leitura de mundo
16. Medo e ousadia
17. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia
do oprimido
18. À sombra desta mangueira
19. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar
20. Educação e atualidade brasileira
21. Por uma pedagogia da pergunta
22. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis
23. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
processo
24. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra

124
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Fonte: Wesley P. Katschi

Desses livros, o mais citado foi “Pedagogia da Autonomia: saberes


necessários à prática Educativa”, seguido da “A Pedagogia do oprimi-
do”, com 47 citações; após, “A importância do ato de ler: em três artigos
que se completam”. Na sequência, “Educação como prática da liberda-
de” presente 18 vezes nas dissertações; o livro “Educação e mudança”
foi citado 15 vezes, e, por fim, “Política e educação” foi citado 12 vezes.
Os demais livros ficaram numa média de uma a dez utilizações.
Evidenciamos a presença de Paulo Freire em citações que repre-
sentam temáticas como: cidadania, alfabetização, inclusão social, Arte-
-educação, Cultura Popular, Educação de Jovens e Adultos, Tema Ge-
rador, Educação Indígena, Inclusão Digital, Tendências Pedagógicas,
Educação Ambiental, Educação Especial, formação docente, Educação
Superior, Estágio Supervisionado do curso de Pedagogia, Docência na
Educação à Distância, Escola de Período Integral, Educação Infantil e
anos Iniciais, entre outros temas.
Constatamos, de um modo geral, uma ausência do Paulo Frei-
re como teórico da perspectiva crítica, sinalizando sua presença em
citações que contribuem para uma reflexão acerca de determinadas
temáticas. O autor continua presente na revisão bibliográfica e po-

125
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

demos ratificar que permanece sendo um teórico de inspiração para


pesquisas em educação, sobretudo para aquelas que possuem pes-
quisa empírica.
Desejamos que este trabalho contribua para pesquisas con-
cernentes ao tipo de presença de Paulo Freire nas universidades e,
também, contribua, a partir das pesquisas realizadas em Programas
de Pós-Graduação como o nosso, situado no Oeste de Santa Catari-
na: PPGEd/UNOESC, para a atualização e atualidade da referência
de Freire em pesquisas contemporâneas. De igual modo, apresentar
esse estudo, no XXII Fórum Paulo Freire, é uma forma de registrar
a memória da presença de Freire, ainda “viva”, constatada em disser-
tações já defendidas.

Palavras-chave: Paulo Freire. Pós-Graduação. Revisão de Literatura.

126
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AFINIDADES DESCOLONIAIS ENTRE PAULO FREIRE E


CATHERINE WALSH NA PERSPECTIVA DA INTEGRAÇÃO
LATINO-AMERICANA

Marcelly Machado Cruz


Universidade de São Paulo
marcelly@usp.br

A integração, como “movimento social dinâmico que os homens


[e as mulheres] utilizam para juntos, se apoiando uns nos outros, pode-
rem diminuir suas fraquezas e se desenvolverem” (GADOTTI, 1992,
p. 89), reúne a vontade da unidade latino-americana. Uma integração
autêntica, ancorada em condições justas que não reproduzam relações
de poder hierárquicas e desiguais entre as nações. Essa é a utopia latino-
-americana manifestada já em José Martí e Simón Bolívar. Uma utopia
que é, segundo o educador brasileiro Paulo Freire (2016a), o contínuo
movimento dialético entre a denúncia de um presente injusto e o anún-
cio da boniteza de um futuro que se almeja. Para conjecturar essa viabi-
lidade histórica em Nuestra América, entendemos que se faz necessária a
descolonização de nosso ser, poder e saber. Paulo Freire (1921-1997) e
Catherine Walsh (1964-presente), cujas biografias são indissociáveis de
suas práticas políticas e intelectuais, sistematizam proposições rumo à
libertação desde as rachaduras e costuram fios para pensarmos a integra-
ção latino-americana a partir de suas pedagogias que tem nos oprimidos
e nas oprimidas seu agente coletivo de transformação. Com caminhos,
ideias e práticas que se enlaçam e se confundem, Freire e Walsh ampli-
ficam os gritos das insurgências populares e teorizam a partir da e sobre
a condição latino-americana.
Mulher, grietadora, feminista, estadunidense, residente no Equa-
dor desde 1990 e professora universitária, Catherine Walsh usa de seu
privilegiado lugar de fala para desvelar as práticas modernas/coloniais e
pensar descolonialmente uma metodologia, pedagogia e práxis política.
Engajada nas lutas de transformação e de justiça social de seu tempo,
Catherine Walsh posiciona-se como uma intelectual-militante que faz
127
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da educação descolonial seu projeto de vida. Desde a década de 1970,


com a rebeldia de uma jovem questionadora, integra movimentos e co-
letivos de esquerda envolvidos nas pautas de emancipação nos Estados
Unidos e na América Latina. Foi em seu contato, na década de 1980,
com os coletivos e os ativistas porto-riquenhos que aprendeu o sentido
da descolonialidade. Na mesma época, estava educadora popular em
escolas alternativas, lutando por justiça social, política, política racial e
linguística. Entre 1983 e 1985, trabalhou, pensou-lutou e co-ensinou
na Universidade de Massachusetts e em comunidades porto-riquenhas
ao lado de Freire, cuja referência teórico-epistêmica constrói sua práxis
como intelectual-militante. Foi com ele que Walsh (2017c, p. 57, tra-
dução livre) aprendeu que “assumir uma posição crítica, transformado-
ra, também vem do coração”.
Freire foi um homem comprometido radicalmente com o proces-
so de libertação dos oprimidos e das oprimidas. Educador da práxis, ci-
dadão do mundo e menino conectivo, engajou-se em formular uma crí-
tica política sobre os problemas da educação de sua época. Nascido em
Recife, em 1921, a malvadeza das injustiças sociais lhe cercaram desde
sua tenra idade, sendo atravessado pela perversidade do fatalismo neo-
liberal. Essa malvadeza da realidade concreta para com os esfarrapados
do mundo o fez se envolver política e intelectualmente em sua transfor-
mação, resgatando a educação como um ato ético de amor, esperança e
profundo respeito, suleada pela igualdade ontológica. Engajado na po-
tência criativa e crítica de sua práxis, Freire fez, em seus escritos, a defesa
de uma educação democrática, dialógica, problematizadora e libertadora
como um dos pilares de transformação social (FREIRE, 2016b).
Como um “aventureiro responsável” (FREIRE, 2014), Freire
(2016b) entendia que a esperança, enquanto necessidade ontológica,
é indispensável para refazer o mundo a partir dos oprimidos e das
oprimidas. Para esse menino conectivo, a esperança crítica, que con-
sidera a materialidade dos dados concretos, nos mobiliza para a luta
contra as injustiças que enfeiam o mundo. A esperança, segundo ele,
nos move a conjecturar um mundo diferente, no exercício da imagi-
nação (FREIRE, 2016a).
Assim como Freire, Walsh é uma educadora movida por essa es-
perança, que resiste e re-existe na diferença colonial, na qual faz uma
128
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

leitura crítica do mundo, sente e senti-pensa “uma luta encarnada frente


à geopolítica e ao corpo-política do sistema de capitalismo / moder-
nidade / colonial atual” (WALSH, 2017a, p. 19, tradução livre). Essa
preocupação também perpassa os escritos de Freire, nos quais desvela a
violência colonial na desumanização e no silenciamento dos povos do
Sul global. Segundo Freire (2019, p. 86), a expressão atual da tragédia
da invasão colonial “se dá pela dominação econômica, pela invasão cul-
tural, pela dominação de classe, através de um sem número de recursos
e de instrumentos que os poderosos, neoimperialistas, se utilizam”. A
utopia, a vocação em ser mais, como oposição a essa realidade, se faz na
rebeldia daqueles e daquelas que lutam pela liberdade de ser quem são,
como os sem-terra, os indígenas, os favelados e as faveladas, os sem-te-
to, LGBTTQI+, as mulheres e os negros e as negras.
A radicalidade da práxis e o compromisso ético, político e epistê-
mico de Freire e Walsh se manifestam na posicionalidade de seu lócus
de enunciação, ao escrever e pensar desde o Sul global. Propõem-se a
tecer possibilidades outras de conceber uma pedagogia que seja, para
além de crítica, descolonial e libertadora. A propósito disso, Walsh
aprendeu junto a Freire e à rede de pedagogia crítica que formaram com
outros educadores e educadoras que a pedagogia se faz “caminhando,
transformando, pensando” (WALSH, 2017c, p. 57-58, tradução livre).
A pedagogia descolonial é uma pedagogia em movimento.
Inspiramo-nos na potência do pensamento de Paulo Freire e de
Catherine Walsh para investigar como as afinidades descoloniais entre
eles contribuem para a integração latino-americana. O que nos move é
a “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 2014) de analisar e de com-
preender como as temáticas desenvolvidas por Walsh e Freire ampliam
o escopo teórico e prático dos estudos sobre integração latino-america-
na ao (re)pensá-la a partir de uma ótica descolonial, com referência em
uma proposta autêntica que se desenvolva por meio de condições pari-
tárias e horizontais. Metodologicamente, essa investigação se caracteriza
como uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo e comparativo.
Rejeitamos uma integração subordinada, ancorada nos pilares ra-
cistas, patriarcais e classistas da modernidade/colonialidade que aliena
e que imobiliza nossa capacidade de ação e de reflexão. Apostamos no
pensamento descolonial de Catherine Walsh e de Paulo Freire como
129
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

forma de radicalizar criticamente a integração latino-americana, pro-


movendo a justiça social e o bem viver a partir de um paradigma outro.
Por tudo isso, o compromisso radical de Paulo Freire e Catherine Wal-
sh com a libertação dos oprimidos e das oprimidas conduz a nós, po-
vos latino-americanos, nos reconhecermos como sujeitos inconclusos,
inacabados e incompletos e como capazes de transformar a realidade
concreta através da práxis, no mundo e com o mundo – mesmo que
nas rachaduras da modernidade/colonialidade pela pequena esperança
(FREIRE, 2016b; WALSH, 2017b).

Palavras-chave: Integração latino-americana. Paulo Freire. Descolonialidade.

130
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. Organização e participação de Ana Maria Araújo Freire. São
Paulo: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia
do oprimido. Notas de Ana Maria Araújo Freire. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2016a.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016b.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
GADOTTI, M. A integração latino-americana e a educação comunitária
no contexto das relações Norte-Sul. In: GADOTTI, M.; TORRES, C.
A. Estado e educação popular na América Latina. Campinas: Papirus,
1992. Pp. 85-109.
WALSH, C. ¿Interculturalidad y (de)colonialidad? Gritos, grietas
y siembras desde Abya Yala. In: DINIZ, A. G.; PEREIRA, D. A.;
ALVES, L. K. (orgs.). Poéticas e políticas da linguagem em vias de
descolonização. São Carlos: Pedro & João, 2017a. Pp. 19-53.
WALSH, C. Gritos, grietas y siembras de vida: entretejeres de lo
pedagógico y lo decolonial. In: WALSH, C. (Org.). Pedagogías
decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)
vivir. Equador: Abya-Yala, 2017b. Pp. 17-45. Tomo II. Série
Pensamiento Decolonial.
WALSH, C. Pedagogías Decoloniales. In: ALARCÓN, T. G. (Org.).
Convergencias y divergencias: hacia educaciones y desarrollo
“otros”. Bogotá: UNIMINUTO – Corporación Universitaria
Minuto de Dios: CED – Centro de Educación para el Desarrollo,
2017c. Pp. 55-77.

131
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO


SOCIAL E A UTILIZAÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

Marcia da Rosa Mallmann


Professora da Rede Municipal de Canoas/RS
marciamallmann@gmail.com

Queridos(as) colegas

Esta Carta Pedagógica foi escrita com o intuito de compartilhar


toda a angústia sobre a prática pedagógica e refletir sobre ela no mo-
mento em que o(a) professor(a) está se adequando e reformulando e
recriando seu fazer docente com o uso das novas tecnologias em virtude
do isolamento social, devido ao COVID-19, que assola nosso país e o
mundo neste ano de 2020.
Não podemos pensar sobre a educação sem refletir sobre o pró-
prio ser humano. Quando falamos em educação, por si só, temos sua
garantia na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1996, Artigo 2º que
diz: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade
o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Não bastasse ter que se remodelar para conseguir elaborar ativi-
dades que sejam de fácil compreensão para os alunos – uma vez que a
proximidade, o diálogo, as trocas e a afetividade em sala de aula não
são possíveis neste momento – o que mais traz frustração e tristeza é
ter a confirmação de que quando não há meios (e nesse sentido coloco
literalmente a questão econômico-social), a aprendizagem se torna um
obstáculo, um desafio, para crianças menos favorecidas, como afirma
Freire (1993, p. 27):

Estando num lado da rua, ninguém estará em


seguida no outro, a não ser atravessando a rua.
133
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Se estou no lado de cá, não posso chegar ao lado


de lá, partindo de lá, mas de cá. Assim também
ocorre com a compreensão menos rigorosa, me-
nos exata da realidade.

Com relação à citação de Freire, trago o debate acerca da dificul-


dade em “de fato” atingir os educandos menos favorecidos neste atual
momento. Como terá acesso à aprendizagem igualitária uma criança
que sequer tem o alimento para seu dia a dia? Um aluno que, muitas
vezes, tem pais ou responsáveis que possuem uma escolaridade inferior
a ele e, assim, não conseguem auxiliá-lo nas atividades? Um estudante
que não dispõe de espaço “adequado” para seus estudos, computador,
wi-fi, para acessar o Youtube, fazer as pesquisas em sites sugeridos por
alguns professores? A dificuldade persiste, muito embora alguns/algu-
mas professores(as) ainda coloquem o resumo desta pesquisa nas ativi-
dades, lembrando daqueles que não tem como fazê-la.
Muitas, para não dizer praticamente todas, redes de ensino públi-
ca, instalaram plataformas educacionais. Escolas criaram sites, páginas,
grupos de whats para que os(as) alunos(as) acessem as atividades e reali-
zem suas tarefas e, com isso, mantenham uma rotina escolar.
Por mais que as equipes diretivas das escolas públicas, e mui-
tas delas, diga-se de passagem, saibam a real condição das famílias de
seus alunos, e, assim, fazem o impossível para atingir a maioria, muitas
crianças nem sequer conseguirão acessar as atividades, seja pela falta
de computador, celular, internet, pois sabe-se, que em várias famílias,
apenas um membro familiar possui celular que disponha de acesso à
internet. Ao aluno, cabe copiar as atividades à noite, sob a fraca luz para
seus olhos já cansados.
Há muitos(as) professores(as) preocupados(as) com a aprendiza-
gem de seus alunos. Há os(as) que se colocam no lugar daquela criança
a qual não lhe foi permitida ou não lhe coube, neste momento, usu-
fruir, manejar, brincar com “o teclado de um computador”, “a busca no
Google”, ou o “Candy Crush”. E, na hora de planejar a aula, fará um
apanhado, “fechará seus olhos”, tentará “visualizar” sua turma, ou suas
turmas, será possível lembrar de seus alunos? Aquele com o caderno
já usado do ano anterior, o estojo com seus poucos materiais? Assim,

134
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

como diz Freire, (1993, p. 15) “O chão foi meu quadro-negro; gravetos
o meu giz”. Quantas crianças, mesmo em meio às poucas formas de
acesso às mídias, mostram-se interessadas, realizam suas atividades e
quebram paradigmas, superam suas reais condições sociais e se mostram
resistentes e bravas na busca pela aprendizagem? A educação deve ser
para TODOS(AS), o professor deve encontrar meios para que todo alu-
no tenha acesso ao conhecimento e, assim, permita que a criança atinja
seu potencial. O único obstáculo deve ser aquele em que o aluno tenta
superar a si mesmo, questionando e procurando resolver suas tarefas e
vencendo suas próprias dúvidas e seus próprios limites.
E nesse momento, eis a reflexão! Os saberes existem sim, mas
os(as) professores(as), em meio à pressão da supervisão escolar e das
mantenedoras de redes ensino, terão a consciência de parar um mo-
mento, e na hora de planejar aquela vídeo-aula, conseguirão pensar na-
queles que sequer terão a oportunidade de acessá-la sabe-se lá quando?
Ou pior, nem conseguirão acessá-la!
Escrevo esta Carta Pedagógica não como uma crítica aos cole-
gas que estão se esforçando, aprendendo e recriando vídeo-aulas, sendo
Youtubers, mas como desabafo, como uma forma de partilhar toda a
inquietação que meu coração traz sob a ótica da “educação para todos”,
“dói no fundo” [...] saber, sim, que a muitas crianças, não é permitida
a mesma oportunidade que outras têm. Que muitos(as) alunos(as) que
têm condições cognitivas favoráveis de aprender como os(as) de classes
mais abastadas estão sendo excluídos simplesmente pelo fato de sua
condição econômico-social. Será que é isso que queremos? Uma educa-
ção para os ricos e outra educação para os pobres? Esse questionamento
é necessário para rompermos com tendências e discursos que nos levam
à meritocracia e que nos afastam de lutar por uma vida digna e uma
educação de qualidade para todos. Uma Educação Popular que busque
a cidadania, a conscientização e a transformação do indivíduo e do co-
letivo, da sociedade como um todo.
O compromisso social do educador, nesse momento pandêmico,
é ir ao encontro de seu alunado, elaborando, organizando saberes, ativi-
dades que possibilitem a todos os “tipos” de alunos(as) ter acesso ao co-
nhecimento. Permitir seu crescimento intelectual, embora distanciado
de toda a afetividade de seu professor(a), mas que, ao realizar a tarefa,
135
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ele(a) possa perceber a proximidade. A forma como nos expressamos,


como nos dirigimos ao/à aluno(a), independente se a atividade está no
site ou impressa no papel, é uma forma de mostrar afetuosidade e cari-
nho. E muitas vezes um enunciado carinhoso faz toda a diferença.
Ao planejar as atividades para os(as) alunos(as), existe uma decisão
da forma de abordagem de determinado conteúdo, a forma de adentrar
em seus lares, Freire, em Professora Sim, Tia Não, (2001, p. 60) afirma:

A capacidade de decisão da educadora ou do edu-


cador é absolutamente necessária ao seu trabalho
formador. É testemunhando sua habilitação para
decidir que a educadora ensina a difícil virtude da
decisão. Difícil na medida em que decidir é rom-
per para optar. Ninguém decide a não ser por uma
coisa contra a outra, por um ponto contra outro,
por uma pessoa contra outra. Por isso é que toda
opção que se segue à decisão exige uma criteriosa
avaliação no ato de comparar para optar por um
dos possíveis pólos ou pessoas ou posições. É a ava-
liação, com todas as implicações que ela engendra,
que me ajuda finalmente a optar.

Nosso fazer pedagógico requer constante aprimoramento, quer


na sala de aula, quer em nosso lar. Ao sairmos deste momento em
que nos encontramos, teremos a certeza de que não seremos mais os
mesmos! Nem nós, nem nossos(as) alunos(as)! Cada aluno(a) é uma
linda flor que cresce em nosso jardim. Nós educadores temos o de-
ver de regá-las da melhor maneira possível! Devemos fazê-las crescer,
tornar-se lindas, belas flores nesse jardim tão majestoso que se chama
educação. Educação para todos! Educação sem distinguir quem tem
menos dos que tem mais. Educação da reflexão, do aprendizado ver-
dadeiro para a construção do pensamento crítico em busca de vencer
todas as barreiras excludentes.

Abraço Freireano,
A Autora

Palavras-chave: Prática. Recriar. Mídias.


136
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Brasília: DF, 1996.
FREIRE, P. A importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1993.
FREIRE. P. Professora Sim, tia Não. Cartas a quem ousa ensinar.
São Paulo: Olho D›água, 2001.

137
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AOS PROFESSORES E PROFESSORAS DA ESCOLA


DOS MENINOS FELIZES

Flávia Burdzinski de Souza


Universidade Federal da Fronteira Sul campus Erechim/RS
flavinhabdesouza@yahoo.com.br

Roberta Schmith
Universidade Federal da Fronteira Sul campus Erechim/RS
robertaschmith@gmail.com

Olá professoras e professores! Vocês se recordam da história “A


escola dos meninos felizes1”? Pois então, foi inspirada nela que pensamos
em escrever esta carta para vocês, na qual deixaremos registrado um
pouco daquilo que discutimos no nosso minicurso de extensão: “Base
Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil: reflexões e de-
safios”, desenvolvido nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2020, na UFFS
Campus Erechim. A nossa intenção é que o curso venha a contribuir
para a construção de uma escola não somente de meninos felizes, mas
também de professoras e professores felizes.
Para conhecimento de todos, o que nos motivou a realizar o curso
foi uma demanda vinda de vários municípios da região do Alto Uruguai
Gaúcho, que, assim como vocês, têm se preocupado em como desenvol-
ver seus trabalhos a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O minicurso fez parte de uma das ações do Programa de Extensão Semi-
nário Permanente em Educação Infantil, criado no ano de 2018, o qual
tem o objetivo de proporcionar capacitação e qualificação aos profissio-
nais que atuam na Educação Infantil, para que essa etapa seja percebida
a partir de suas especificidades, como espaço e tempo da(s) infância(s).
Vamos relembrar alguns pontos explanados no minicurso, a fim
de que essa carta também seja usada como um meio de comunicação

1 História escrita por Gudrum Pausewang e ilustrada por Inge Steineke.


139
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

para os colegas, os pais e a comunidade escolar onde vocês atuam. Ini-


ciamos a discussão relembrando que a proposta da Educação Infantil
na BNCC deriva das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-
ção Infantil, fixadas pela Resolução CNE/CEB n. 5/2009 e revisadas
pelo Parecer CNE/CEB n. 20/2009. É esse documento que expressa
o caráter epistemológico interacionista da BNCC. Assim, é importan-
te lembrar que as interações e a brincadeira são os eixos norteadores
das práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular, que tem
como centro do planejamento a criança: sujeito histórico, de direitos,
que aprende pelas interações, relações e ações cotidianas que vivencia
por meio da brincadeira, da imaginação, da fantasia, da observação, do
questionamento, da produção de cultura (BRASIL, 2009).
É preciso pensar sobre a imagem de criança que temos observado
nas nossas escolas, pois é ela que nos possibilita desenvolver o trabalho
docente. Temos reconhecido a criança como um sujeito capaz, potente
e criador? Partimos de seus interesses para planejar? Ouvimos o que ela
tem a dizer? Abrimos espaço para o imprevisto e o extraordinário acon-
tecer? Planejamos pensando nas interações e brincadeiras ou limitamos o
cotidiano escolar a atividades pontuais, reprodutoras, planejadas somen-
te pelas ideias “autoritárias” dos adultos distantes do universo infantil?
Estamos garantindo, no cotidiano da jornada escolar, o cumprimento
dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento expressos na BNCC:
conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se? Quem tem
“decorado” e deixado marcas pelas paredes e portas das escolas? Quem
tem dado pistas para a transformação do cotidiano? A quem a proposta
curricular atende?
As questões aqui levantadas não têm como objetivo exigir respos-
tas, mas sim levantar reflexões para que possamos pensar em Pedago-
gias mais acolhedoras e sensíveis às crianças. Para acolher as crianças, é
preciso estar ao lado delas (STACCIOLI, 2013). Estar ao lado é muito
diferente de estar atrás (na supervisão permissiva ou intolerante) ou na
frente (adiantando e antecipando). Estar ao lado é poder acompanhar,
é poder dar as mãos, atuando com respeito. Estar ao lado é escutar com
atenção (afinal os dois ouvidos estão lado a lado, em sintonia), para
assim falar com ela e aprender sobre ela, reconhecendo seu lugar como
sujeito do conhecimento (FREIRE, 2015).
140
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

É estando ao lado das crianças que poderemos (re)construir uma


nova identidade educativa para as crianças de 0 a 5 anos de idade, re-
conhecendo seus saberes e articulando-os com o patrimônio histórico,
cultural, científico e tecnológico da humanidade (BRASIL, 2009). Esse
fato exige ética, comprometimento, respeito, tomada consciente de de-
cisões, bom senso e liberdade e autoridade (FREIRE, 2015).
Ao lado das crianças, é possível reconhecer que os direitos de
aprendizagem e de desenvolvimento são verbos que traduzem com cla-
reza suas linguagens – modos de apropriação sobre o mundo – as quais
devem ser consideradas como pontos de partida para a organização do
trabalho pedagógico com os campos de experiência. No entanto, é pre-
ciso lembrar que os campos de experiência não se desenvolvem de ma-
neira isolada, pontual e fragmentada, mas se relacionam entre si, afinal
são interdisciplinares e intercampos (BRASIL, 2018). Por isso, é incoe-
rente escolher dia, mês ou semana para trabalhar com um campo de
experiência. Essa ação só é possível quando a criança não está no centro
do planejamento, o que consequentemente origina uma prática frag-
mentada. Nesse sentido, é importante pensar que necessitamos seguir as
crianças e não os planos, pois são elas que nos mostram os caminhos, as
questões, os temas que podem ser por elas compartilhados e explorados
no coletivo das creches e pré-escolas, por meio de suas brincadeiras,
investigações e interações (MALAGUZZI, 2001).
Reconhecemos que efetivar essas (e outras) mudanças educati-
vas advindas com essa nova política não é tarefa fácil, principalmente
para quem não teve uma formação ligada aos estudos da infância e da
criança. Porém, mudanças são necessárias para nos reinventarmos como
sujeitos e como profissionais. Nesse sentido, Paulo Freire (2015) afir-
ma que o professor ou a professora precisa estar aberto a possibilidades
de mudança, tendo consciência de que ela é possível. Toda mudança é
difícil, mas não impossível. É por acreditarmos que é possível começar
uma nova e transformadora trajetória educativa na Educação Infantil,
por meio da formação continuada, que lançamos a ideia do curso. Acre-
ditando que os pressupostos de uma Pedagogia da Autonomia podem
ajudar nessa trajetória, é que escrevemos esta carta para vocês.
É ao lado das crianças que conseguiremos compreender que cons-
truir uma escola de meninos e professores e professoras felizes é possível,
141
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

onde “cavalgar sonhos”, “domar monstros”, “fazer mágicas”, “falar a língua


dos animais”, “subir em árvores”, seja mais importante do que decorar
tarefas, se ajustar no tempo, ficar em silêncio e engolir as lições com má
vontade. Se trabalhamos com educação, precisamos nos comprometer
com a formação humana, com o futuro da sociedade, pois nenhuma
educação é apolítica ou desligada de ideologias (FREIRE, 2015).
Finalizamos esta carta pedagógica na esperança de que o minicur-
so possa ter contribuído para refletir sobre as mudanças educativas que
cercam esse novo documento. Salientamos que, enquanto universidade,
estamos sempre abertos ao diálogo e à troca. Nosso endereço, vocês já
conhecem. Nossa porta está sempre aberta. Venha até ela. E se possível,
lembre-se do que a história nos diz “Se você me perguntar: ‘onde fica essa es-
cola?’. Responderei: ‘No vale do Sabiá, a três quilômetros de Pentecostes. Cha-
ma-se ‘Escola dos Meninos Felizes’, e sua porta fica sempre aberta. Vá até lá! E
quando retornar, conte ao seu professor onde esteve, quem sabe ele te escute!”

Com carinho,
Flávia e Roberta

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular. Educação Infantil.


Pedagogia da Autonomia.

Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/CNE, 2018.
BRASIL. Parecer CNE/CEB no 20/2009, de 11 de novembro de 2009.
In: BRASIL. Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil. Brasília: CNE/CEB, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
MALAGUZZI, L. La educacion infantil en Reggio Emilia. Barcelona:
Octaedro, 2001.
STACIOLLI, G. Diário do acolhimento na escola da infância.
Campinas: Autores Associados, 2013.
142
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AULAS DE MÚSICA E A PEDAGOGIA CRÍTICA

Estela Kohlrausch
Universidade Federal do Rio grande do Sul
estela_violista@yahoo.com.br

Maria Augusta dos Santos Medeiros


Espaço Musical Tríade
gutasnakes@bol.com.br

Mariane Martins Rapôso


Instituto Federal Farroupilha Campus Frederico Westphalen
mariane.raposo@iffarroupilha.edu.br

Queridas formandas,

Escrevemos esta carta, nesta fase de conclusão de curso em licen-


ciatura em música na qual se encontram, para compartilhar com vocês
um pouco da nossa experiência pedagógica. No início dos anos 2000,
éramos nós que cursávamos Licenciatura em Música na Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Muito do que vivemos e comparti-
lhamos nesta época foi importante para as escolhas que tomamos. Na
medida em que trilhávamos nossos caminhos e tínhamos contato com a
prática pedagógica, o pensamento freiriano se apresentava como forma
de compreender contextos sociais, práticas diversas, nossa relação com
nossos alunos e as vicissitudes de nossos trabalhos.
A ideia de trazer estes relatos para vocês é de que continuemos
aprendendo durante nossa prática profissional, de que “[...] ensinar en-
sina o ensinante a ensinar” (FREIRE, 1997, p. 19). Para isso, a Guta
inicia contando um pouco da sua trajetória e traz uma experiência mar-
cante na sua atuação:

143
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Desde o final da graduação até os dias atuais, tra-


balho com o ensino particular de instrumentos
por meio do repertório da música popular. Mes-
mo procurando diversos métodos de ensino, cada
aluno se torna um grande desafio, pois suas ex-
periências musicais são individuais, fazendo com
que o experimento e o desenvolvimento por novas
formas de ensino sejam constantes. Cada indiví-
duo busca um objetivo diferente com as aulas de
música e procuro sempre levar isso em considera-
ção para tornar o aprendizado, ao mesmo tempo,
prazeroso e desafiador.

Diversos estilos e gêneros musicais se encontram dentro do re-


pertório de música popular. E um dos gêneros que os alunos mais
pedem é da música gaúcha e nativista. Uma aluna, certa vez, pediu-
-me uma música para tocar. Procurei várias versões e regravações da
música para ensinar da forma mais simplificada possível, uma vez que
ela era aluna iniciante. No dia da aula em que fui ensinar a música
pedida, isso foi desafiador para ela e, ao mesmo tempo, encantador.
A dedicação da aluna me surpreendeu e pude ver a felicidade dela em
crescer tecnicamente e por estar tocando uma música que tanto lhe
encantava. Tocar nosso repertório é o que mais nos move a crescer e
nos desafiar para aprender cada vez mais.
A escolha do repertório e a variedade de possibilidades de apren-
der e fazer música é bastante ampla. Alguns instrumentos estão tra-
dicionalmente ligados a determinados contextos musicais e a certos
repertórios, mas isso é constantemente ressignificado como podemos
perceber no relato da Estela:

Uma atividade que desenvolvo desde o tempo da


graduação é dar aula particular de viola e de violi-
no. Aos poucos, fui conhecendo e experimentando
diferentes métodos de dar aula, mas o que percebo
diariamente é que cada pessoa que busca aprender
é diferente e que a pessoa se encaixar no método é
uma possibilidade, mas não a que eu venho desen-
volvendo nas aulas. A primeira coisa que busco é
conhecer os anseios dessas pessoas e o que as fize-
144
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ram vir até a aula, para poder construir conjunta-


mente esse processo de aprendizagem.

Atualmente, tenho uma aluna, idosa, que é bas-


tante católica. Mesmo eu não sendo, sempre busco
o material que ela propõe – só esta semana, pediu
duas músicas! – e vamos aprendendo o que tem
ali. Surgem algumas coisas mais difíceis do que se
seguíssemos um método determinado, mas a von-
tade de tocar aquela música e conhecer o repertó-
rio motivam-na em sua prática diária e individual
em casa. Afinal, o que a gente quer é tocar o que
a gente gosta, né? O que faz sentido para a gente!

Pensar e repensar a prática, aprender com as novas experiências,


é fundamental para a atividade pedagógica, pois, como nos diz Freire,
“é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à
reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda
com a prática” (FREIRE, 1996, p. 43-44). Essa reflexão faz com que as
aulas de hoje não sejam as mesmas de ontem, nem que nós sejamos as
mesmas professoras de quando iniciamos nossa prática.
A escrita dessas experiências permite a reflexão de suas práticas
a partir da criação de espaços poéticos de construção de si e para si.
Essa construção se dá no sentido do estabelecimento de uma linha de
pensamentos por meio da lembrança e da narrativa de seus percursos
profissionais e dos constructos frente ao outro; neste caso, o aluno. Essa
construção e reconstrução do fazer docente, nos mais variados contex-
tos, permite ao docente elencar seu ser e se fazer docente. Mais ainda,
proporciona o distanciamento do acontecido e, consequentemente, a
reavaliação do ocorrido e a reflexão sobre potencialidades, soluções e
reações que, muitas vezes, não podem ser vistas de forma clara no mo-
mento em que ocorrem.
Segundo Freire (1996, p. 62), “[...] quanto mais pomos em prá-
tica de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de
duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tor-
nar e mais crítico se pode fazer nosso bom senso”. Ora, essas reflexões
podem vir de diversas formas. Entretanto, a escrita de si proporciona
145
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

um ordenamento da prática, podendo levar a professora a alcançar o


bom senso que o autor cita. Esse bom senso pode se representar na
percepção da historicidade do próprio saber. A criação de estratégias
de ensino e aprendizagem perpassa então a compreensão da própria
trajetória a fim de constituir o bom senso em meio a escolhas cons-
cientes e pertinentes a seu contexto educacional. O relato da Mariane
nos traz reflexões sobre a necessidade de criação de estratégias durante
a trajetória profissional:

Em minha experiência profissional, atravessei di-
ferentes contextos educacionais: aulas particulares
de música, trabalho em projetos sociais, escolas de
educação básica da educação infantil até a educa-
ção de jovens e adultos e, por fim, ensino técnico
integrado ao ensino médio e ensino superior. Ao
longo dessas experiências, percebi a importância de
olhar além do que se vê. O bom senso que Freire
me fala aponta para a importância de trabalhar o
conhecimento – afinal, o objetivo de meu trabalho
é desenvolver o conhecimento científico. Entretan-
to, isso me leva também a pensar sobre a importân-
cia de aspectos sociais e afetivos enquanto parte do
processo educativo de meus alunos.

Se de um lado é incontestável a necessidade de um conteú-


do e de um sentido para as aulas e o trabalho docente, por outra
via também é evidente a necessidade de conectar-se com o aluno a
fim de que ele aprenda. Se não é possível que o aluno, no contexto
da educação básica, aprenda somente o que quer – o que também
contribui para sua formação enquanto indivíduo e cidadão – é ine-
gável que o afeto aproxima não só docente e discente, mas alunos
e aprendizados. Assim, em um contexto que considere o professor
não como detentor, mas, sim, como facilitador do conhecimento, e o
aluno não como tábula rasa, mas como sujeito ativo em seu processo
de construção da aprendizagem, o afeto é uma ferramenta chave a
fim de criar ambientes seguros e evitar bloqueios criativos, sociais
e cognitivos (SANTOS; JUNQUEIRA; SILVA, 2016). Dessa feita,
escrever sobre minha prática pedagógica me auxilia na reflexão sobre
146
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

práticas que dão certo ou não e em como buscar meios de tornar meu
trabalho mais efetivo e significativo.
Desejamos que, ao compartilhar nossas experiências distintas, li-
gadas por nossa formação inicial e amizade, possamos auxiliá-las a refle-
tir sobre as possibilidades e acerca dos desafios que a prática pedagógica
nos proporciona.

Com carinho,
Estela, Guta e Mariane.

Palavras-chave: Saberes docentes. Educação. Música.

147
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Professora Sim, Tia Não: cartas a quem ousa ensinar.
São Paulo: Olho d’Água, 1997.
SANTOS, A. O.; JUNQUEIRA, A. M. R.; SILVA, G. N. A Afetividade
no Processo de Ensino e Aprendizagem: diálogos em Wallon e Vygotsky.
Perspectivas Em Psicologia, v. 20, n. 1. Pp. 86-101, 2016.

148
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A EDUCAÇÃO DO CAMPO CONSTRUÍDA


COM OS SUJEITOS DO CAMPO

Rute Elena Alves de Souza


Universidade de Santa Cruz do Sul
rutesouza@mx2.unisc.br.

Cristiane Corneli
Universidade de Santa Cruz do Sul
cristianecorneli@mx2.unisc.br

Queridos professores e gestores da educação do campo, vimos,


por meio desta carta, convidá-los para dialogarmos sobre um tema mui-
to caro no contexto da escola do campo, que é a educação do campo
construída com os sujeitos do campo. É interessante começar nossa
conversa sobre o que é a educação do campo. Para isso, recorremos ao
Dicionário da Educação do Campo:

[...] nomeia um fenômeno da realidade brasilei-


ra atual, protagonizado pelos trabalhadores do
campo e suas organizações, que visa incidir sobre
a política de educação desde os interesses sociais
das comunidades camponesas. Objetivo e sujeitos
a remetem às questões do trabalho, da cultura, do
conhecimento e das lutas sociais dos camponeses
e ao embate (de classe) entre projetos de campo
e entre lógicas de agricultura que têm implicações
no projeto de país e de sociedade e nas concepções
de política pública, de educação e de formação hu-
mana (CALDART, 2012, p. 259).

Meus caros educadores, ao refletirmos sobre a premissa da educa-


ção do campo, que tem como protagonistas os “trabalhadores do campo
e suas organizações”, a pergunta latente é: por que esses sujeitos, em

149
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sua grande maioria, não são chamados a participar da construção do


currículo da escola do campo? É preciso que a organização da escola
seja construída com esses sujeitos, com os seus filhos, e não com uma
educação para eles. Ao construirmos um currículo e, por consequência,
uma escola sem a participação desses sujeitos no processo de ensino-
-aprendizagem estaremos reproduzindo uma educação rural, que, se-
gundo Ribeiro (2012, p. 295),

Trata-se dos camponeses, ou seja, daqueles que re-


sidem e trabalham nas zonas rurais e recebem os
menores rendimentos por seu trabalho. Para estes
sujeitos, quando existe uma escola na área onde vi-
vem, é oferecida uma educação na mesma modali-
dade da que é oferecida às populações que residem
e trabalham nas áreas urbanas, não havendo, de
acordo com os autores, nenhuma tentativa de ade-
quar a escola rural às características dos campone-
ses ou dos seus filhos, quando estes a frequentam.

Essa perspectiva de educação rural é justamente uma educação


que não emancipa, mas, pelo contrário, transforma os sujeitos em ob-
jetos de exploração do sistema capitalista, contribuindo para a manu-
tenção do status quo. O nosso dever, enquanto gestores e professores da
educação do campo, é construir uma educação para a emancipação. E
isso pressupõe pensar e construir dialogicamente. É necessário:

Como educador preciso de ir “lendo” cada vez


melhor a leitura do mundo que os grupos popu-
lares com quem trabalho fazem de seu contexto
imediato e do maior de que o seu é parte. O que
quero dizer é o seguinte: não posso de maneira
alguma, nas minhas relações político-pedagógicas
com os grupos populares, desconsiderar seu saber
de experiência feito. Sua explicação do mundo de
que faz parte a compreensão de sua própria pre-
sença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou
sugerido ou escondido no que chamo “leitura do
mundo” que precede sempre a “leitura da pala-
vra” (FREIRE, 1996, p. 42).

150
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Na premissa da escola do campo ser para os sujeitos que lá vivem,


não é possível se construir uma educação para esses sujeitos sem a parti-
cipação deles no currículo escolar, no qual os seus saberes e a sua voz se
façam presentes. É necessário ter como premissa que:

Não há nada que mais contradiga e comprometa


a emersão popular do que uma educação que não
jogue o educando às experiências do debate e da
análise dos problemas e que não lhe propicie con-
dições de verdadeira participação [...] (FREIRE,
1996, p. 94).

Diante disso, caros colegas educadores, precisamos ter a clareza de


que a educação não deve ser uma “educação desvinculada da vida”. Sabe-
mos que os desafios da democracia no contexto da escola ainda existem.
Nós precisamos ter a convicção de que fomos formados em um contexto
que não permitia a participação. Precisamos ter a clareza de que a educa-
ção do campo é luta, é resistência e foi construída na coletividade. E nós,
enquanto gestores e docentes, devemos ter a consciência de que o campo
é um território de disputas, de embates, de resistência. Existem grupos e
interesses em jogo. Com isso, muitas vezes a escola se torna um instru-
mento que contribui para a legitimação e as perpetuações dos grupos
hegemônicos, principalmente quando ela reproduz a lógica neoliberal de
formar mão de obra de exploração. E a educação do campo é justamente
o oposto dessa lógica que expulsa o trabalhador do campo e o transforma
em um sujeito preso às amarras nefastas do sistema vigente. E é justamen-
te na contramão dessa lógica que precisamos levantar bandeira, construir
uma educação que possibilite a formação de um omnilateral, a qual Fer-
reira Jr. e Bittar, (2008, p. 640) configuram da seguinte forma:

[...] b) a ideia de homem  omnilateral  (na qual


harmoniza «tempo de trabalho» e «tempo livre»).
Para Marx e Engels, não é possível falar de educa-
ção sem referir-se à realidade socioeconômica e à
luta de classes que a caracteriza e sustenta. Desse
modo, a educação perde todo o aspecto idealista
e neutro, bem como rejeita toda reminiscência
romântica anti-industrial. Esse modelo interpre-
151
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tativo introduziu duas propostas consideradas


revolucionárias: a) a referência ao trabalho pro-
dutivo, que se punha em contraste com toda uma
tradição educativa intelectualista e espiritualista;
b) a afirmação de uma constante relação entre
educação e sociedade.

E ao pensar sobre os escritos dos autores citados, não podemos


deixar de explicar o contexto em que estão imbricados tanto a escola
do campo quanto os sujeitos e os educadores. Vivemos em uma região
na qual o contexto econômico é dominante. E quando pensamos em
escola do campo e currículo, não podemos fazer uma análise separa-
da dessa realidade concreta. Uma educação para a liberdade e para a
transformação da realidade desses trabalhadores e trabalhadoras do
campo é necessária, uma educação que tenha significado, que dialogue
com a realidade e que contribua para que esse sujeito não seja excluído
do campo, mas nele permaneça. Todavia, fique como protagonista de
sua existência e não sirva de instrumento de manobra. Esse deve ser o
papel de todos os envolvidos na luta pela educação do campo.
Queridos companheiros e companheiras de luta, nós nos despe-
dimos lembrando que estamos vivendo dias sombrios, mas que deve-
mos reafirmar o nosso papel enquanto educadores de que a educação
do campo nasceu da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras do
campo e assim deve permanecer. E mais do que nunca devemos lem-
brar que a educação do campo é um direito de todos e dever do estado
(BRASIL, 1988, Art. 205).

Desejamos dias melhores a todos!

Palavras-chave: Educação do Campo. Professores e Gestores. Emancipação.

152
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
1988.
CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.; et Al. Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Expressão Popular, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FERREIRA JR., A.; BITTAR, M. A educação na perspectiva marxista:
uma abordagem baseada em Marx e Gramsci. Interface - Comunicação,
Saúde, Educação , n. 26, v. 12, pp. 635-646, 2008.

153
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA A ANA QUIROGA, A PROPÓSITO


DE APROXIMAÇÕES ENTRE O PENSAMENTO
DE PAULO FREIRE E PICHON RIVIERE

Mara Fernanda Chiari Pires


GEPEJA/FE/UNICAMP
mara.pires@gmail.com

São Paulo, março de 2021.

Prezada Professora Ana Quiroga:



Espero que esteja bem, neste momento tão delicado de nossa his-
tória. Pois, tive a oportunidade de conhecê-la quando, nos anos 1980,
por iniciativa da professora do programa de Pós-Graduação em Psicolo-
gia Social da PUCSP, Maria Leonor Cunha Gayotto, a senhora, diretora
da Primeira Escola Particular de Psicologia Social de Buenos Aires, e
Paulo Freire, à época também professor do Programa de Pós-Gradua-
ção da PUCSP, reuniram-se durante um fim de semana, em ato que
também marcaria a fundação do Instituto Pichon Rivière de São Paulo.
Na ocasião, a oportunidade de uma reflexão sobre as obras de Freire
e Pichon-Rivière (GAYOTTO, 1985) tornou clara a proximidade de
visão de mundo, de propostas e de práticas desenvolvidas tanto pelo
educador brasileiro como pelo psicólogo social radicado na Argentina,
ao se voltarem para a condição de marginalidade social imposta aos
adultos analfabetos do nordeste brasileiro (Freire) e ao doente mental
na Argentina (Pichon). Na ocasião, a senhora ressaltou a importância
de se conhecer o tempo histórico e a ordem social de onde emergem
essas teorias e estruturas conceituais que acabam por se constituir como
“forma de resposta de um grupo social aos problemas que surgem das
condições de existência” (QUIROGA, 1985, p. 16). Apresentou-nos as
raízes do pensamento de Pichon. Ele que nasceu em Genebra, Suíça,
em 25 de junho de 1907, mas de família francesa, mudou-se aos quatro
anos com sua família para o Chaco, região ao nordeste da República
155
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Argentina, com forte influência de cultura e tradição indígena guara-


ni. Essas duas culturas, francesa e guarani, constituíram a base de sua
identidade e de um modo de pensar as questões sociais: aberto, em nada
preconceituoso ou etnocêntrico. A partir de então, Pichon buscou uma
forma de entender “o homem concreto em suas condições concretas
de existência” e a criticar um sistema social onde o critério de saúde
legitima um tipo de adaptação passiva e acrítica à realidade. A ordem
social vigente poderia inibir a ação do sujeito como ser cognoscente e
sujeito de ação, transformando-o em um ser passivo e conformado às
normas. Todo o problema da subjetividade passaria a ser visto como
um problema histórico-social e político (QUIROGA, 1985). O ponto
de partida de suas reflexões passa a ser sua indagação sobre os critérios
de saúde e de doença mental. A partir daí, Pichon desenvolveu práticas
terapêuticas que buscavam promover o protagonismo de seus pacien-
tes, ao recuperar suas histórias, culturas e identidades, entendendo essas
práticas como ações educativas, por permitir um olhar mais crítico e
agudo sobre o próprio sujeito e, como consequência, sobre as relações
sociais em que estaria inserido.
Paulo Freire, nascido em setembro de 1921, em Recife, capital do
estado de Pernambuco, também viveu a experiência de mudança, aos 8
anos, para uma região cultural e socialmente distinta daquela em que
passara os primeiros anos. Com a crise econômica que se abateu sobre
muitas famílias em 1929, mudou-se com os seus para uma cidade do
interior de Pernambuco, Jaboatão. Aos 23 anos, cursando a Faculdade
de Direito da Universidade do Recife, casou-se com Elza Oliveira, pro-
fessora primária e diretora de escola, que despertou sua atenção para as
questões da educação, temática que nortearia sua vida daquele momento
em diante. Em 1961, iniciou um trabalho de alfabetização de adultos em
Angicos, Rio Grande do Norte, que foi assumido pelo governo de João
Goulart como proposta pedagógica de alfabetização para todo o terri-
tório brasileiro (GIUBILEI; CAMPOS, 2016). O golpe de 1964 pôs
fim a este trabalho, culminando com a prisão e a saída de Paulo Freire
do Brasil. Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça foram países que lhe
deram abrigo, mas Paulo também esteve em Guiné-Bissau, República
de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola, assessorando projetos de
alfabetização de governos que acabavam de se libertar do jugo colonial.
156
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Prezada Ana, sua explanação naquele encontro dos anos 1980,


evidenciou a todos nós que profundamente nos interessávamos sobre
as questões de educação popular como também da saúde mental, os
pontos de extrema proximidade entre Paulo e Pichon, que derivam da
própria definição por eles atribuída à noção de Sujeito: de sujeito como
sujeito de práxis, sujeito cognoscente, em relação ativa com seu meio
social, em sua historicidade. Para os autores, a vocação do homem é a de
ser sujeito e não objeto. Sujeito de sua história e de sua ação transforma-
dora sobre o mundo. Seu mundo interno, sua vida, sua identidade e seu
mundo externo, o meio social em que vive em seu momento histórico.
Ainda outros aspectos de convergência entre essas teorias envol-
veriam reflexão mais extensa. Mas podemos sinalizar para os principais
pontos de intersecção, como:

- Os grupos operativos de Pichon e os círculos de cultura freireanos,


pois ambos reafirmam a necessidade de uma experiência grupal na tro-
ca e na construção de conhecimento, do caráter social da produção de
conhecimento;

- Um conhecimento que acontece na dialogicidade e na horizontalida-


de, já que nos processos grupais, cada participante é reconhecido como
portador de conhecimento, em que todos ensinam e todos aprendem.
Podemos afirmar que cabe tanto ao círculo de cultura freireano, como
aos grupos operativos, sua afirmação, Profa. Quiroga, de que “na práxis
comum, cada um recupera seu próprio saber e experiência e o saber e
experiência do outro. Na dialética da interação e da tarefa comparti-
lhada, todos e cada um são protagonistas de seu esclarecimento como
sujeitos do conhecer. Todos são filhos de sua própria aprendizagem. É
o diálogo grupal que possibilita a conceitualização, a conquista de um
nível simbólico que integra o plano da experiência, mas também o su-
pera” (QUIROGA, 1985, p. 26).

- A ênfase na importância do desenvolvimento de uma consciência crí-


tica como condição de liberdade. Para Freire, quanto mais os homens
refletirem de maneira crítica sobre sua existência e mais atuarem sobre
ela, mais se apropriarão de suas existências e mais serão homens. Essa
157
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

é também a condição que Pichon reconhece para a garantia de saúde


mental, já que, a seu ver, o sujeito passível de desenvolver transtornos
mentais é aquele que não se interroga sobre sua realidade, mas a assume
estereotipada e mecanicamente.

Em seu livro “Conscientização’’, Paulo Freire afirmava que um


homem faz história na medida em que, captando os temas próprios de
sua época, pode cumprir tarefas concretas que supõe a realização desses
temas. Também faz história quando, ao surgirem os novos temas, ao se
buscarem valores inéditos, o homem sugere uma nova formulação, uma
mudança na maneira de atuar, nas atitudes e nos comportamentos...
Sem qualquer dúvida, Ana, podemos dizer que Paulo Freire e Pichon
Rivière, assim como você, que perpetua esse legado até os dias de hoje,
fizeram e fazem as referências da educação e da saúde mental compro-
metida com as classes populares de nosso tempo.
Com gratidão e um abraço reconhecido, desejo a você a alegria
de ver uma América Latina mais consciente e liberta, Ana Pampliega
de Quiroga.

Mara Fernanda Chiari Pires

Em uma tarde ensolarada de São Paulo,


ansiando pelos novos tempos.

Palavras chaves: Círculo de Cultura. Grupo Operativo. Consciência Crítica.

158
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Conscientização-teoria e prática da libertação, uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo. Ed. Cortez
& Moraes, 1979.
GAYOTTO, M. L. C. Abertura do Seminário. In: GAYOTTO, M. L.
C. (Org.). O Processo Educativo segundo Paulo Freire e Pichon-
Rivière. Petrópolis: Vozes, 1985.
GIUBILEI, S.; CAMPOS, S. A Pedagogia do Oprimido em Debate. In:
SPIGOLON, N. I.; CAMPOS, C. B. G. (Orgs.). Círculos de Cultura,
teorias, práticas e práxis. Curitiba: CRV, 2016.
QUIROGA, A. P. Enrique Pichon-Rivière. In: GAYOTTO, M. L.
C. (Org.). O Processo Educativo Segundo Paulo Freire e Pichon-
Rivière. Petrópolis: Vozes, 1985.

159
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CRÔNICA DE DOIS LADOS

Matheus Zimmer
matheusbzbz2001@gmail.com

Tudo o que escrevo nunca sai como o planejado. As palavras que


eu gostaria que não estivessem aqui, estão. Instantes atrás, excogitei
pensar para o papel um pensamento airoso que colhesse o leitor do
físico e o expusesse no metafísico. Forcejei estender uma pitada de ideia
fantasmagórica que pudesse ficar sublinhada na história como Descar-
tes ficou com seu “Penso, logo existo” e Sócrates com “Só sei que nada
sei”. E o que me escapou foi uma elocução volvida a mim mesma: o
anseio pela criatividade e a indignação fazem do animal um escritor.
Tem dias em que sonho acordada, feito paralisia, em cronicizar
uma crônica, como aquelas da Martha Medeiros – quero ser todas,
menos eu; e há dias em que me amovo do existir, difiro-me da pessoa
que sou e me olvido de onde vim, para que vim e o que neste acervo
inextricável estou fazendo. Basta um livro para que meu corpo fique
e minha alma vá à sei-lá-onde como Guimarães Rosa, no devagar-de-
pressa dos tempos. Basta que os olhos tomem o compasso absoluto
e que eles afrontem o além-do-que-está-ali para que a alma acate o
âmago dela mesma.
O precipício tartárico dos textos fulgura-se aos que não se delei-
tam com a leitura rápida. Tampouco, a existência humana, dentre todas
as existências, aparentemente é a forma mais cruel de existir que se tem
noção. Sabe-se, pois, que se existe, quando se é pego pensando sobre o
próprio pensar. Do contrário, estamos atarefados com a frenética sobre-
vivência consumista.
Porque uma parte de mim quer cair no duro chão que pisou
Martin Heidegger; enquanto a outra quer comprar uma fazenda, ma-
tar um homem, fazer dinheiro com grãos, evitar relações, conhecer
uma mulher e fazê-la partir-se em si mesma pelo tóxico relacionamen-
161
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

to que tivemos. Ora ou outra, penso em ser como um Paulo Honó-


rio: homem solitário, no ermo, introspectivamente arrependido por
frustrar o amor à vida e à morte, perturbado pelo piar (des)agradável,
agudo e reverberante das corujas que divagam soltas por aí circulan-
do o topo do engenho na tarde da noite, enquanto o clarão prata do
luar projeta, na mesa de madeira polida, listras desordenadamente
simétricas e formas pontilhadas que atravessam ao outro-lado da cor-
tina de renda transparente – um vestido que é levemente arrastado a
todo-canto pela brisa do denso mato que exagita na inércia do espa-
ço, neste recinto de emoções, neste sítio de relações entre a natureza,
mulheres e mulheres; o perfume úmido dos orvalhos, das acácias, dos
limões e das laranjas que partem do capão viscoso e brenhoso de co-
bra, lagarto, muriçoca, vagalume, cachorro-do-mato, porco-espinho e
saudade. O andarilho aroma doce, orgânico, podre e vivo que raia das
árvores pesadas à vinhático, embrutecidas de folhas e fios e cipós e o
que mais quiser participar, evocam o tempo em que Madalena brilha-
va tal qual cintila o borboleteio feromônico das hortelãs. No enfim, o
delírio meu lançou-a ao limbo pelas próprias mãos.
Ainda hoje, a observo através da janela da cozinha, sentada à foz
do rio ao lado dos engenhos, espiando o pôr-do-sol que aqui, e somente
aqui, em S. Bernardo, em todos esses cinquenta e tantos anos, entrevi
com a visão latejante e pulsante de se admirar coisa jamais-vista. Agora
estou velha, e o que a fulminou me mata durante as madrugadas esguias
em que não adormeço e presto companhia à solidão, uma adepta ínti-
ma já de tantos e tantos bules – de café – nascidos neste chão terroso.
Vigio minha morte em silêncio enquanto discorro por estas palavras de
poucos propósitos. E, de tudo que um dia tive posse, a falta que anseia
pela goela seca e estridente de minha garganta grita por alguém que já
não lembro quem é. De tudo o mais, o resto...
O resto é silêncio.

162
CAPÍTULO 2

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AGROECOLOGIA E FORMAÇÃO CONTINUADA: MOSTRANDO


SABERES, MUDANDO CONTEXTOS

Silas Cleiton Soligo


Universidade Federal da Fronteira Sul
silas.soligo@yahoo.com

Leandro Carlos Ody


Universidade Federal da Fronteira Sul
leandro.ody@uffs.edu.br

Discutir sobre a ciência, nos dias atuais, evidencia-nos a compreen-


der a complexidade do pensamento humano, que, por sua vez, forma-
-se e transforma-se concomitantemente nas relações existenciais. Essas
podem ou não partir das demandas populacionais e tecem uma matriz
sócio-científica pela qual conduzimos a nossa vida a cada ato vivenciado
habitualmente. Assim, tais processos experienciados ocorrem tanto nos
núcleos familiares, nos meios comunitários diversos, quanto na escola,
que prima pelo desenvolvimento das múltiplas capacidades e habilidades
do indivíduo enquanto cidadão. Tal instituição detém grande importân-
cia não somente na formação enquanto artifício formal, mas também nas
dimensões exclusivas que compõem o homem, como a afetiva, investiga-
tiva, crítica e outras que integram o sujeito na sociedade.
Portanto, manifestar algo sobre a escola, no contexto contempo-
râneo, exige conhecer amplamente a sua constituição, desde sua função
social, sua organização pedagógica, seus espaços e seus ambientes, bem
como suas dificuldades e suas ações promissoras que movimentam a sua
atividade local. De tal forma, é uma manifestação que prima pela valo-
rização da educação, algo expresso num meio de lutas pela garantia dos
direitos do cidadão e que vem sendo suprimido perante as mudanças
ocorridas na época atual.
É nesse panorama que se enquadra a formação continuada, um
processo extremamente valoroso para o educador e para o educando,
165
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pois constitui-se como uma oportunidade de renovar saberes, refletir


sobre a prática pedagógica e, também, possibilitar conhecer e dar voz às
demandas das classes populares quando estamos inseridos nelas.
Esse é o caso da Educação do Campo, a qual tem sido negligen-
ciada principalmente quando presente nos espaços escolares urbanos e
que recebem sujeitos provindos do meio rural. O que sucede é a perpe-
tuação da desvalorização desta população e da educação bancária que os
oprime perante o restante da sociedade.
Com tal característica, a problemática de estudo centraliza-se em:
Como promover o vínculo camponês na área de Ciências Naturais, si-
tuando-o nos momentos de formação continuada ofertados às escolas
públicas do meio urbano do município de Getúlio Vargas – RS? Como
percurso metodológico, adotamos a abordagem qualitativa, oferecendo
algumas possibilidades de materializar a agroecologia nos espaços esco-
lares em investigação. Essa temática faz parte da pesquisa de mestrado:
Formação Continuada e ensino de ciências naturais: um olhar sobre a
educação do campo no município de Getúlio Vargas – RS.
Embasando-se no problema constatado, podemos dizer que a ati-
vidade docente vem constantemente construindo-se, criando oportuni-
dades para que os profissionais reflitam sobre as suas ações e reorientem
seus caminhos. Essa visão aproxima-se do argumento de Freire (2002)
ao afirmar que é possível mudar, assumir-se profissionalmente e indi-
vidualmente perante o mundo, deixando de lado a posição de calar-se
diante da realidade em que vivemos.
Isso posto, afastar-se das condutas retraídas leva em consideração
abrir-se ao processo integrador da aprendizagem, respeitando cada sa-
ber e a constituição do homem enquanto ser ético, inconcluso e cercado
de possibilidades. Além de que, na coalizão de ideias e atitudes, huma-
nizam-se e crescem um com o outro (FREIRE, 1997).
Dessa maneira, a educação deve ser vista como uma prática de
relações que transcendem a essência humana, e está com o mundo,
onde a pluralidade, a criticidade, a autonomia e a democracia estabe-
leçam vozes com as realidades na sua temporalidade e em sua histori-
cidade. Em outras palavras, é uma forma de superarmos alguns fatores
oriundos da opressão e que acomodam significantemente a voz do
cidadão (FREIRE, 1967).
166
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Corroborando com esse cenário, direcionar o debate agroeco-


lógico nas escolas urbanas e na área das Ciências Naturais possibilita
construir o conhecimento unânime, respeitando os diversos saberes, re-
lacionando-os ao meio científico, de modo a potencializar uma apren-
dizagem que contribua para cada um tornar-se sujeito de si mesmo.
Isso ocorre porque a agroecologia não é um modismo temporal, mas,
sim, a construção de um panorama social que imbrica a relação entre
homem/sociedade/ cultura; portanto, a própria educação do e para o
povo (CAPORAL, 2009).
Ao relacionar os argumentos desse enfoque com a problemática
de estudo, propomos duas oficinas como momentos de formação con-
tinuada aos professores da área de Ciências Naturais deste município.
Isso foi feito, porque tais formações representam o encontro de saberes
e a motivação em aprender, colocando cada um e a todos sob novos
rumos acerca da sustentabilidade na atualidade e no futuro.
Na primeira oficina, abordamos a educação como a essência da
vida, distinguindo conceitos pelos quais formamos nossa concepção so-
bre ela. Ligado a isso, debatemos a escola como espaço de aprendizado,
principalmente por meio da correlação entre a educação formal e a in-
formal que movimenta a humanidade.
Na segunda oficina e último momento, trouxemos a importância
das metodologias ativas na compreensão da ciência e a interação com
o saber popular. Unido a isso, retratamos a inserção da agroecologia
neste panorama pedagógico, bem como a possibilidade teórico-prática
de trabalharmos dinamicamente com a horta agroecológica em todas
as escolas municipais, tendo como base as turmas dos anos finais do
ensino fundamental.
Tal estratégia, por menor que seja a sua representação, é uma das
primeiras oportunidades para iniciarmos uma mudança na educação es-
colar, trazendo as demandas comunitárias para efetivamente participar
do processo educativo em uma organização que permita o povo ser autor
da sua própria história. Ou, como afirma Freire (1987), não é no silêncio
que se fazem homens, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Perante esse movimento de compreender a educação, podemos
afirmar que ela é a grande responsável por situar os fatos ocorridos na
temporalidade histórica, assim como esses ocorrem a todo instante, coa-
167
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gindo os indivíduos para que se atualizem continuamente. Isso é o que


acontece com a atividade docente e a escola na época atual, recebendo a
diversidade como pauta de expressão que as compele para a atualização
de conhecimentos, sejam eles científicos e/ou culturais.
A Educação do Campo mantém-se intensa nessa evidência, prin-
cipalmente por representar o legado de Paulo Freire, que é o de opor-
tunizar a liberdade a todos. Assim, contemplar as oportunidades que
retratam as formas de manifestação popular é uma das formas de huma-
nização, a qual pode se estender a toda a sociedade, mudando a maneira
de conceber os acontecimentos do passado, os atuais e os futuros.

Palavras-chave: Formação docente. Ciências naturais. Educação


do Campo.

Referências
CAPORAL, F. R. Extensão rural e agroecologia: temas sobre um
novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Brasília: [s.n.],
2009.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia
do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.

168
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM ESTUDO


SOBRE O PERFIL DOS(AS) ALFABETIZANDOS(AS)
DO MUNICÍPIO DE ERECHIM/RS

Camila Paula Jevinski


Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
cpjevinski@hotmail.com

O presente trabalho apresenta a pesquisa que resultou na disser-


tação do curso de pós-graduação stricto sensu para obtenção do grau de
Mestre Profissional em Educação pela Universidade Federal da Fron-
teira Sul, considerando a temática “Alfabetização de jovens e adultos:
um estudo sobre o perfil dos(as) alfabetizandos(as) do município de
Erechim/RS”.
Diante disso, como pedagoga pesquisadora e identificada com
a pedagogia libertadora de Paulo Freire, acredito que a alfabetização
não é apenas o aprendizado da leitura e da escrita, pois ela se trata de
uma concepção bem mais ampla, na qual os educandos sejam sujeitos
desse processo e não apenas objetos, já que a educação acontece entre o
educador e o educando, num processo em que um necessita do outro
para que o aprendizado aconteça. Enfim, como o próprio Freire nos diz,
através da leitura da palavra é que o sujeito poderá ler melhor o mundo.
Partindo das inquietudes das experiências vivenciadas e bus-
cando avançar intelectualmente, a questão central que orienta esta
pesquisa é: qual o papel do CEJA no enfrentamento do analfabetismo
no município de Erechim/RS, tendo em vista o perfil dos jovens e
adultos alfabetizandos?
No contexto escolar pesquisado, busca-se compreender as apro-
ximações e os distanciamentos do processo de alfabetização dos jovens
e adultos na escola pública, considerando a concepção emancipatória
de Paulo Freire.
Avançando na investigação, é possível observar e analisar como
ocorre o processo de alfabetização de jovens e adultos em sala de aula
e de quem é o protagonismo nesse processo. Diante disso, projetar o
169
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

perfil dos jovens e dos adultos alfabetizandos do município de Ere-


chim é uma ação que contribui para que os professores alfabetizado-
res (que levam em conta o verdadeiro sentido da Educação Popular
e a intencionalidade política dessa profissão) entendam que eles são
sujeitos que estão em busca de uma segunda chance no que nomea-
mos de “educação formal”.
Tendo em vista responder o problema de pesquisa acima des-
crito, define-se como objetivo geral: investigar o papel do Centro de
Educação de Jovens e Adultos (CEJA) no enfrentamento do analfa-
betismo no município de Erechim/RS, tendo em vista o perfil dos
jovens e adultos alfabetizandos.
Em consonância com a problemática desta pesquisa, delimitam-
-se alguns objetivos específicos a serem alcançados no decorrer dela:
diagnosticar o fenômeno do analfabetismo no município de Erechim,
compreendendo o contexto social das turmas de alfabetização de jo-
vens e adultos; verificar de que maneira ocorre a ação pedagógica com
os sujeitos alfabetizandos, observando a atualidade do método Paulo
Freire nas propostas de alfabetização de jovens e adultos; compreender
a relação entre classe popular e analfabetismo; investigar e diagnosti-
car o perfil dos sujeitos que fazem parte das turmas de alfabetização
do Centro de Educação de Jovens e Adultos de Erechim/RS, para que
isso futuramente sirva de subsídio para os professores alfabetizadores
em sua prática pedagógica.
Essa pesquisa seguiu uma proposta caracterizada como qualita-
tiva. O método utilizado será o estudo de caso, sendo que o principal
aspecto dele é a possibilidade de averiguar as relações sociais conforme
ocorrem nas instituições, o que permite uma exploração sistêmica e
contextual durante o processo de análise das várias ações e dos muitos
significados que são construídos. A pesquisa bibliográfica documental
também se faz fundamental por fornecer subsídios teóricos como base
para a compreensão de questões que dizem respeito ao problema pes-
quisado. Para melhor delimitar essa pesquisa, a mesma será realizada
no Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), do
município de Erechim/RS.
A opção por desenvolver a pesquisa nesta instituição deu-se por
ser o único espaço a ofertar turmas para a Alfabetização de Jovens e
170
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Adultos no município de Erechim/RS. A coleta de dados compreende


um período referente ao segundo semestre de 2017. Com base nisso,
a propositura para esta pesquisa é o diagnóstico do perfil dos sujeitos
que fazem parte das turmas de alfabetização do Centro de Educação de
Jovens e Adultos do município de Erechim/RS, para que isso sirva de
aporte para professores alfabetizadores.
De modo geral, o analfabetismo se constitui como uma profunda
injustiça, pois ameaça a ordem econômica de uma sociedade, gerando
graves consequências, como a incapacidade dos analfabetos de tomarem
decisões por si mesmos, ameaçando os princípios democráticos de uma
comunidade social.
Caminhando contra essas intimidações, a alfabetização para Frei-
re é parte do processo pelo qual o sujeito se torna autocrítico a respeito
da natureza historicamente construída de sua própria experiência. Ser
capaz de nomeá-la é parte do que significa ler o mundo e começar a
compreender a natureza política, assim como entender as possibilidades
que caracterizam a sociedade.
Segundo Freire e Macedo (1990, p. 31), “[...] ler a palavra e
aprender como escrever a palavra, de modo que alguém possa lê-la de-
pois, são procedimentos de aprender como ‘escrever’ o mundo”. Tem-se
como pressuposto, então, que a consciência de mundo só se concretiza
quando o alfabetizando se relaciona com ele, ou seja, ela só é gerada
quando o mesmo é tocado e transformado pelo alfabetizando.
A alfabetização e a educação são expressões culturais e, sendo
assim, não há possibilidade de se desenvolver um trabalho fora da
dimensão cultural dos sujeitos. No entanto, na sociedade brasileira,
são determinados alguns padrões especificados pelas classes sociais do-
minantes. Assim, a alfabetização crítica deve dar forma a modos de
culturas diferentes, ou seja, deve explicar a legitimidade de diferentes
linguagens e visões do mundo.
Após a realização das observações e das entrevistas e posterior
análise delas, pôde-se perceber, primeiramente, que todas as práticas da
turma de Alfabetização de Jovens e Adultos do município de Erechim/
RS estão fundamentadas em Paulo Freire, desde os diálogos iniciais rea-
lizados com os alfabetizandos, os quais buscam propor projetos volta-
dos para o interesse e a realidade dos mesmos.
171
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Na análise dos dados, também se elencou algumas categorias para


desenhar o perfil dos(as) alfabetizandos(as) do município de Erechim/
RS. Com base nesse objetivo, destacam-se os aspectos desse perfil.
A primeira característica, a qual foi evidenciada antes mesmo de
iniciar o estudo de caso, foi o alto número de desistências, pois, desde o
início desta pesquisa, dos 11 matriculados, 5 deles já haviam desistido
antes mesmo de frequentar uma única aula.
A próxima característica relevante é a idade, a qual é corres-
pondente a uma faixa etária que determina que, na sua maioria, são
idosos. Em relação ao gênero, não existe uma predominância, pois
há uma igualdade numérica entre alfabetizandos do sexo masculino
e do feminino.
Já no que diz respeito à raça, o que predomina é a raça negra
ou parda, como a maioria se denomina. Logo, pode-se constatar tam-
bém que todos são oriundos das camadas populares, com baixa renda,
provenientes de uma realidade que enfrentou e ainda enfrenta muitas
dificuldades no decorrer de suas vidas.
É aqui que aparece a relação existente entre classe social e analfa-
betismo, uma dominação e um silenciamento sobre os oprimidos que
deixou e ainda deixa muitas marcas nas camadas populares, ou como o
próprio Freire diria, no povo. As motivações que fizeram esses sujeitos
retornarem à escola demonstram outra característica deles, pois agora
eles têm mais tempo livre, característica presente em diversos relatos.
A insegurança é notável no perfil desses alfabetizandos(as), pois
durante toda a vida precisaram buscar ajuda e auxílio para qualquer
tarefa que fossem realizar fora de seu contexto, fato que, muitas vezes,
os privou de desenvolver alguns afazeres, por falta de ajuda, por medo,
ou seja, a falta de autonomia os privou e ainda os priva de muitas coisas.
Os educandos necessitam de assumir a sua própria história e, me-
diados pelos educadores, devem se sentir pertencentes a esse espaço e,
cada vez mais, eles se motivarão a continuar buscando conhecimento
e identificando verdadeiramente as mudanças desse processo em suas
vidas. Esse, também, é um traço do perfil desses sujeitos alfabetizandos,
visto que almejam que o processo de alfabetização seja significativo em
suas vidas, que o universo cultural de cada um desses indivíduos seja o
ponto de partida, a fim de que eles sejam capazes de se reconhecerem.
172
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Substancialmente, esse é o desenho do perfil dos(as) alfabetizan-


dos(as) do município de Erechim/RS, que é muito rico e desafiador
para os educadores alfabetizadores que acreditam na educação crítica
e emancipadora idealizada por Paulo Freire. É fundamental que os
educadores se sintam desafiados a agarrar essa oportunidade de fazer
parte desse processo de Alfabetização de Jovens e Adultos, sentindo-
-se, também, capazes de transformar a vida de muitos sujeitos que es-
tão presentes em nosso cotidiano, educadores esses que são inquietos
e estão dispostos a lutar por mudanças, a buscar transformações e a
dizerem a sua palavra.

Palavras-chave: Alfabetização. Educação Popular. Educação de Jo-


vens e Adultos.

173
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P.; MACEDO, D. Alfabetização: leitura da palavra leitura
de mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

174
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ANÁLISE DE DISCURSO E O PENSAMENTO DE PAULO FREIRE

Caroline Leszczynski Nunes Lauermann


Universidade do Vale do Rio dos Sinos
carollesz@hotmail.com

É possível propor práticas de leitura que sejam capazes de


incentivar a interpretação? A interpretação que busca o que o texto quis
dizer é o suficiente para revelar tudo que o texto pode expressar? De que
maneira podemos perceber os discursos contidos nos textos a que temos
acesso? Esses são alguns dos questionamentos que direcionaram meu
olhar para a Análise de Discurso (AD) e impulsionaram a busca por
confluências entre os pensamentos de Eni Orlandi e de Paulo Freire.
A partir da identificação da convergência entre esses dois auto-
res, foi realizada a seleção de livros na qual foi possível perceber uma
perspectiva de leitura que vai além da pura decodificação das palavras e
que aponta para uma leitura crítica que o contexto histórico e social é
considerado. Porém, é importante mencionar que esse apontamento faz
parte de um estudo que integra uma pesquisa bibliográfica maior, an-
corada nas investigações de um programa de incentivo à leitura em que
utilizo esse referencial teórico na busca por uma abordagem discursiva.
Sendo assim, o conteúdo aqui exposto trata-se de um pequeno recorte
que diz respeito às aproximações entre o legado de Paulo Freire e a AD:
duas importantes bases teóricas que contribuem de forma significativa
na ampliação das abordagens a respeito das leituras.
De acordo com Gill (2002), há várias tradições teóricas de Análi-
se de Discurso, mas todas as perspectivas existentes partilham o enten-
dimento de que a linguagem1 não é “simplesmente um meio neutro de
refletir ou descrever o mundo” (GILL, 2002, p. 244). Assim, a abor-
dagem da AD fornece elementos para pensar a produção de sentidos
1 A linguagem pode ser considerada como um “conjunto sistemático das convenções
necessárias à comunicação” (BARTHES, 2012, p. 21).
175
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

numa relação que se desenvolve entre língua/sujeito/história (ORLAN-


DI, 2003) e acontece tendo em vista que “uma palavra, uma expressão
ou uma proposição não tem um sentido que lhe seria “próprio”, vincu-
lado a sua literalidade” (PÊCHEUX, 1995, p. 61). Desse modo, por ser
circunstancial, o discurso depende do contexto em que está inserido,
não tendo um significado subjacente, inerente.
Pensar na não literalidade da linguagem acaba por remeter a
uma palavra que, por vezes, é utilizada equivocadamente como uma
via de mão única: a interpretação. A maneira como ela é abordada faz
com que se considere certo engessamento e impossibilidade de plura-
lidade de sentidos. Isso não se confirma quando se tem em vista uma
perspectiva discursiva que considera o contexto do momento em que
a interpretação está sendo realizada e as possibilidades de criação de
sentidos do sujeito a partir do que o material interpretado contém de
forma explícita ou implícita.
Considerar essas questões que envolvem a discursividade da lin-
guagem, conduz-nos à compreensão de que a interpretação está pre-
sente mesmo quando a intenção é descrever algo. Ou seja, “não há
descrição sem interpretação” (ORLANDI, 2005, p. 60) e, portanto, o
próprio analista, ao descrever, interpreta. Quando se utiliza uma palavra
em vez de outra para descrever alguma situação, por exemplo, o sujeito
se insere como alguém que está interpretando e analisando diante de
opções teóricas e das ideologias que o acompanham. Isso não quer dizer
que aqueles que negam as influências ideológicas ou afiliações teóricas
não as possuam. Como nos diz Paulo Freire, não existe neutralidade,
visto que defendê-la é igualmente inserir-se na ideologia de um discurso
que, ao se nomear neutro, possui a intenção de considerar impróprias as
posições que diferem da sua.
A linguagem, assim, expressa através da língua2, carrega um di-
zer sobre as coisas e uma estrutura previamente construída que faz a
comunicação entre os seres humanos não ser apenas pautada em uma
relação de emissor versus receptor com transmissão de informações ou
mensagens. No funcionamento da linguagem, a relação entre sujeitos

2 A parte social da linguagem, um sistema de valores de contrato coletivo. Definida


“como sistema partilhado pelos membros de uma comunidade linguística” (CHA-
RAUDEAU; MAINGUENEAU, 2020, p. 169).
176
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e sentidos apresenta uma relação de significação que tem na língua sua


condição de possibilidade (ORLANDI, 2005). Nessas especificações
aqui consideradas, a interpretação e a leitura expõem um ato dialógico
que envolve produção de sentidos.
Contudo, a comunicação humana acontece “por meio de signos
verbais, orais e escritos, mas também por meio de gestos, mímicas, íco-
nes e símbolos” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2020, p. 104).
Então, a linguagem não se limita às palavras ditas ou escritas e os tex-
tos não se referem apenas às linhas escritas em alguma página de livro.
Onde quer que haja algo a significar, existe um texto a ser lido. No livro
“A importância do ato de ler”, Paulo Freire esboça essa percepção ao
se referir às cenas de sua primeira infância. Ele as descreve como seu
primeiro texto, seu pequeno mundo de atividades perceptivas, das suas
primeiras leituras. Isso demonstra a compreensão da leitura como uma
atividade que não se exerce apenas diante das palavras, mas também
diante das imagens e do mundo, que para nossos olhos e percepções é
feito texto, e, portanto, portador de sentidos.
Freire (1989), ao abordar a respeito de uma escrita e reescrita
do mundo que é anterior à leitura e à escrita da palavra, reitera que
a palavra que dizemos flui através da leitura que fazemos do mundo,
sinalizando um movimento dinâmico em que está inscrita a proposta
de alfabetização pela qual Freire se consagrou. O movimento de produ-
zir sentidos (o que ele chamou de leitura crítica) possibilita, através da
leitura da palavra escrita, a continuidade das leituras de mundo, o que
proporciona aos sujeitos alfabetizados uma compreensão diferente do
próprio mundo daquela que possuíam anteriormente.
As bases do pensamento freireano demonstram a busca por uma
educação que pretende ser emancipadora e que, por ser comprometida
com a dialogicidade e com o desenvolvimento da criticidade, considera
os educandos como sujeitos que não apenas estão no mundo, mas com
o mundo (FREIRE, 2014, p. 55). Alunos e alunas, como seres inte-
grados ao mundo, fazendo-se na relação com ele e como seres situados
e datados, revelam seus contornos de historicidade. Esses são apenas
alguns dos conceitos em que se percebe o quão fecundo podem ser as
possibilidades das aproximações teóricas entre Paulo Freire e os funda-
mentos contidos na obra de Orlandi sobre a Análise de Discurso.
177
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

É possível perceber que tanto a leitura discursiva, sob a ótica da


AD, quanto a leitura crítica, sinalizada por Freire, promovem a critici-
dade ao buscarem considerar questões sócio-históricas a partir das quais
os discursos e os sujeitos se constituem.

Palavras-chave: Análise de Discurso. Leitura. Paulo Freire.

Referências
BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2012.
CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise
de Discurso. São Paulo: Contexto, 2020.
FREIRE, P. A importância do ato de ler em três artigos que se
complementam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 2014a.
GILL, R. Análise de discurso. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G.
Pesquisa qualitativa com texto: imagem e som - um manual prático.
Petrópolis: Vozes, 2002.
ORLANDI, E. P. A Análise de discurso em suas diferentes tradições
intelectuais: o Brasil. In: Seminário De Estudos em Análise de
Discurso. 2003; Porto Alegre, Brasil. Anais... Porto Alegre: UFRGS,
2003.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos.
Campinas: Pontes, 2005.

178
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A


ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Sandra Fabiane Kleszta


Universidade Federal Fronteira Sul – Campus Cerro Largo
sandrafabianekleszta@gmail.com

Rosemar Ayes dos Santos


Universidade Federal Fronteira Sul – Campus Cerro Largo
roseayres07@gmail.com

Em tempos de onipresença da Ciência-Tecnologia (CT) na socie-


dade, faz-se necessário o desenvolvimento da Alfabetização Científico-
-Tecnológica (ACT) em sala de aula desde a mais tenra idade. Além de
necessário, torna-se importante conhecer os termos, os conceitos a respei-
to da temática em questão, pois muitos educadores ainda praticam a CT
como dogmática e incontestável. Problematizamos aqui questões relativas
à relevância do ensino por investigação nos Anos Iniciais do Ensino Fun-
damental e qual a sua influência para o desenvolvimento da ACT.
Percebe-se que crianças e/ou educandos de 4 a 10 anos de idade
apresentam grande curiosidade, curiosidade epistemológica, em apren-
der determinados assuntos, sendo que alguns lhes são mais interessan-
tes, mas outros nem tanto. Em sala de aula, é visível e interessante des-
tacar que o que mais lhes chama a atenção, ou desperta essa curiosidade
em querer saber mais, são assuntos que estão relacionados ao contexto
social em que vivem.
Dessa forma, a ACT é uma grande aliada da formação cidadã
dos educandos. Trabalhar a AC em sala de aula objetiva a apropriação
dos conhecimentos científicos por parte dos educandos, assim como
promove mudanças a fim de proporcionar benefícios para as pessoas,
para a sociedade e para o meio ambiente. Para melhor compreender a
temática, trazemos as práticas investigativas, tendo como base teórica
o educador Paulo Freire, o qual irá sustentar e, também, fazer relação
179
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

com a prática docente. Ao usar na sala de aula esse tipo de ensino, o


professor possibilita que os seus educandos desenvolvam atividades de
investigação e desempenhem um papel ativo. A respeito disso, Freire
(2009) evidencia que:

O ensino por investigação constitui uma orienta-


ção didática para o planejamento das aprendiza-
gens científicas dos alunos, reflete o modo como
os cientistas trabalham e fazem ciência, dá ênfase
ao questionamento, à resolução de problemas,
à comunicação e usa processos da investigação
científica como metodologia de ensino […] Inci-
de naquilo que os alunos fazem e não somente na-
quilo que o professor faz ou diz, o que exige uma
mudança de um ensino mais tradicional para um
ensino que promova uma compreensão abran-
gente dos conceitos, o raciocínio crítico e o de-
senvolvimento de competências de resolução de
problemas. Os alunos são envolvidos em tópicos
científicos, colocando uma prioridade na evidên-
cia e na avaliação de explicações alternativas […].
O uso de atividades de investigação pode ajudar
os alunos a aprender ciência, a fazer ciência e so-
bre ciência (FREIRE, 2009, p. 105).

Assim, o ensino por investigação envolve os educandos na escolha


de evidências, permitindo-lhes responder às questões colocadas tendo
por base o conhecimento científico-tecnológico. Nesse sentido, torna-
-se oportuno relatar uma prática de investigação ocorrida em sala de
aula quando a educadora, a qual é, também, uma das autoras do presen-
te resumo, trazia para discussão um texto que tratava de um submarino.
Porém, antes de apresentá-lo, conceituá-lo e discutir acerca dele, ela
problematizou: “como funciona um submarino?”
As respostas foram desde as mais inéditas até as que de fato faziam
sentido. Chama a atenção da autora que a resposta que melhor explica-
va como funciona um submarino veio daquele educando que, durante
as aulas, é questionador, crítico, discorda da professora, porém sabe ar-
gumentar e sustentar seu ponto de vista. O referido educando apresenta
um conhecimento de mundo avançado para a sua idade e uma curiosi-
180
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dade para além dos seus colegas. Outra relação que a autora faz com ele
é que, por se tratar de um assunto que muito lhe interessa, o aluno passa
a estudar, pesquisar e investigar com mais afinco e entusiasmo.
Freire (1978) propõe, nesta perspectiva crítica de conhecer em
oposição à “concepção de educação bancária”, castradora da curiosida-
de dos educandos, uma “concepção problematizadora e libertadora da
educação”, a partir da qual seja “a capacidade de conhecer associada à
curiosidade em torno do objeto”.
Além de verbalizar seu ponto de vista, em outro momento, o
educando desafiado pela professora confeccionou, com material reciclá-
vel, uma simulação, explicando como funciona um submarino, o que
deixou os seus colegas encantados, sendo que alguns, inclusive, nem
sabiam o que era um submarino. Com relação a essa autonomia e ao
protagonismo infantil, Silva (2011) afirma que a investigação é uma
estratégia que permite o protagonismo infantil e que é coerente com a
suposição de que o conhecimento é um processo de construção subjeti-
va e grupal. Diante da prática de ensino por investigação como promo-
tora da ACT, conclui-se que ela seria o processo que possibilitaria aos
indivíduos tomar decisões conscientes sobre situações cotidianas. Dessa
forma, conclui-se que o exercício da “curiosidade epistemológica” exige
uma verdadeira interação dialógica com os envolvidos, pois o diálogo
problematizador é o vínculo que temos com os mesmos. Analisando
tudo isso, Freire (2003) se preocupa com o distanciamento entre práti-
ca educativa e o exercício da “curiosidade epistemológica”. Portanto, a
“curiosidade epistemológica” tem papel significativo no processo ensi-
no-aprendizagem, pois segundo Freire (2003, p. 78):

Não é a curiosidade espontânea que viabiliza a


tomada de distância epistemológica. Essa tarefa
cabe à curiosidade epistemológica – superando a
curiosidade ingênua, ela se faz mais metodicamen-
te rigorosa. Essa rigorosidade metódica é que faz a
passagem do conhecimento do senso comum para
o do conhecimento científico. Não é o conheci-
mento científico que é rigoroso. A rigorosidade
se acha no método de aproximação do objeto. A
rigorosidade nos possibilita maior ou menor exati-

181
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dão no conhecimento produzido ou no achado de


nossa busca epistemológica.

Dessa forma, o papel do professor não é impor valores ou dar a


solução para os problemas sociocientíficos, mas de ajudar o educando a
compreender diferentes valores e alternativas a fim de selecionar, por si
mesmo, o caminho possível a percorrer (Freire, 1992).
Contudo, o papel do professor não está em revelar a realidade
dos educandos, mas de ajudá-los a desvendar a realidade por si só. Isso
seria feito por meio de um processo de decodificação do mundo, como
denomina Freire (1970).
Assim sendo, conclui-se este resumo afirmando que as práticas
investigativas em sala de aula são fundamentais para o desenvolvimento
da AC. Para tanto, o professor deve desenvolver uma prática dialógica
em suas aulas, promovendo debates em que o educando possa tomar
parte com suas próprias ideias.
É importante destacar que modificar a forma como o ensino de
Ciências é trabalhado nas escolas é imprescindível para que as mudan-
ças sejam efetivadas de modo a possibilitar uma ACT. Fazem-se neces-
sárias metodologias que colaborem na construção do conhecimento,
bem como uma postura diferenciada do professor, a qual se reflete em
ações que vão desde o conhecimento do conteúdo a ser ensinado; um
aporte teórico sobre o ensino de Ciências, ACT e CTS; saber escolher,
preparar e avaliar as atividades; pesquisar e usar pesquisas.

Palavras-chave: Curiosidade Epistemológica. ACT. Investigação-Ação.

182
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
FREIRE, P. À Sombra desta Mangueira. São Paulo: Olho d’ Água,
2003.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia
do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970
SILVA, J. S. O Planejamento no Enfoque Emergente: uma
experiência no 1º Ano do Ensino Fundamental de Nove Anos. [Tese
de Doutorado]. Porto Alegre: UFRGS, 2011.

183
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DIÁLOGOS DOCENTES, A FORMAÇÃO CONTINUADA E A


PRÁTICA PEDAGÓGICA: REAFIRMANDO AS POSSIBILIDADES
DE PENSAR FREIRIANO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Irma Tamanho Sartori


Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
tamanhosartoriirma@gmail.com

Tanara Terezinha Fogaça Zatti


Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
tanarazatti@gmail

É cada vez mais vigente entre os(as) profissionais da educação, a


necessidade de pensar e (re)significar a docência para as pessoas jovens,
adultas e idosas com deficiência intelectual nas instituições especializa-
das. No entanto, é preciso lembrar que cada Instituição tem caracterís-
ticas peculiares.
No Centro de Atendimento Educacional Especializado de Ponte
Serrada (CAESP), um dos desafios assumidos pela equipe docente é
o processo de formação continuada que articule a prática pedagógica
direcionada à realidade e ao contexto das pessoas com deficiência inte-
lectual do município. Nesse sentido, o objetivo geral é dialogar sobre
a formação continuada a partir das práticas pedagógicas e da realidade
da instituição especializada. Os objetivos específicos são: apresentar o
movimento e o processo de formação continuada que vem sendo cons-
truído na instituição; apresentar a tentativa de significação em uma
perspectiva freiriana. A sistematização de ações e de intenções, neste
resumo, visam, sobretudo, compreender a reflexão da prática pedagó-
gica como instrumento de aprimoramento, como parte de um fazer
reflexivo e mais rigoroso.
Para iniciarmos a contextualização teórica, nós nos propomos à
reflexão dialógica sobre a educação em suas formas e especificidades.
O termo educação pode ser compreendido em um sentido amplo,
mediante a ideia de processo, que corresponde às diversas aprendiza-
185
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gens, em diferentes ambientes ou grupos sociais e/ou associada à ideia


de escolarização.
Souza (2011) argumenta que a educação está intimamente re-
lacionada à conjuntura política e econômica das sociedades em seus
diferentes momentos históricos, revelando as contradições sociais exis-
tentes e a luta para que a busca pelo direito social à educação não se
distancie do direito humano do acesso ao conhecimento. Streck et Al.
(2014), afirma que há uma exigência de que a educação popular possa
resistir à massificação capitalista, ao controle institucional da educação,
ao pragmatismo exacerbado e ao aligeiramento da formação em nome
da empregabilidade, sem abrir mão das formações possíveis, fora do
ambiente institucional. Argumenta a caracterização do(a) professor(a)
como um(a) profissional que assume uma posição comprometida com
a realização de um humanismo libertador, dialógico, criativo e ético e
com uma necessária e indispensável posição política de educador.
Para Reis (2012, p. 40): “o diálogo que se faz presente é que viabi-
liza a humanização do homem e do mundo. Essa dialogicidade é práxis
que manifesta a prática da liberdade, condição da humanização.” Em-
bora Freire não tenha escritos direcionados especificamente às pessoas
com deficiência, posicionamentos como: “qualquer discriminação é
imoral e lutar contra ela é um dever,” bem como sua luta pela eman-
cipação, participação e autonomia podem ser dialogados e articulados
com o fazer pedagógico direcionado a esse público.
No CAESP, as possibilidades de fazeres e de ações pedagógicas
que se embasam no respeito e na escuta atenta das pessoas com defi-
ciência intelectual têm sido um dos objetivos do trabalho educativo
na instituição. A equipe comprometeu-se com a formação continuada,
com o estudo do Currículo Funcional, por meio da qual aprimoramos
as práticas, proporcionando diferentes oportunidades de escolha, par-
ticipação, independência, autonomia e autogestão. Assim, os textos de
Freire e a perspectiva de pensar politicamente as práticas são dialogadas
nos processos de planejamento e de formação e nas práticas que são
desenvolvidas na instituição.
A deficiência intelectual é uma deficiência caracterizada por li-
mitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no
comportamento adaptativo, que abrange muitas habilidades sociais e
186
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

práticas cotidianas. Essa deficiência se origina antes dos vinte e dois


anos (AAIDD, 2021). Essas características, por vezes, geram e alimen-
tam processos de superproteção, infantilização, incapacidade e discri-
minação pelas próprias famílias, pelos educadores e pela comunidade.
Salientamos que as práticas exigem persistência e diferentes meto-
dologias, que sejam ações conjuntas e com apoio de todos os envolvidos,
num trabalho em equipe e com continuidade por todos (profissionais
e família). A partir da proposição de pequenas mudanças (processos
de escolhas, eleição de representantes-autodefensores, oportunidade de
vivenciar práticas sociais e participação na comunidade), observamos
ganhos em independência e participação, tanto das próprias pessoas
quanto de suas famílias.
O grupo coaduna a ideia de Almeida (2015) que afirma a prática
educativa como compromisso ético, para formação de pessoas críticas,
com discernimento, autoconhecimento, autonomia de criação e recria-
ção do próprio trabalho, considerando sempre as limitações que com-
põem a condição humana, na incompletude do conhecer, do fazer e do
sentir (ALMEIDA, 2015). Transformamos o nosso olhar e, de forma
gradativa, estimulamos as famílias a se tornarem parceiras nos objetivos
do fazer educativo. A participação da família, no início tímida, mas hoje
mais efetiva na instituição, subsidia a continuidade e o aprimoramento
das ações, com o objetivo de uma transformação da realidade vivenciada.
Sonhar com uma sociedade em que as pessoas com deficiência
intelectual possam ter seu espaço, seus direitos e sua autonomia garan-
tidos requer a crença na possibilidade de um “inédito viável”. Nesse
sentido, observa-se um processo de “vir a ser” que não ocorre de forma
pontual, mas que pode ser construído na perspectiva de uma pedagogia
da autonomia, “centrada em experiências estimuladoras, da decisão e da
responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade”
(FREIRE, 1996, p. 67). Assim, compartilhamos experiências e ideias
que nos motivam a buscar embasamento para realizar uma prática pe-
dagógica mais significativa e comprometida com a transformação das
pessoas com deficiência intelectual.

Palavras-chave: Formação Continuada. Prática Pedagógica. Pessoas Jo-


vens, Adultas e Idosas com Deficiência Intelectual.
187
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALMEIDA, M. A. Algumas reflexões sobre a pesquisa-ação e suas
contribuições para a área da educação especial. In: BATISTA, C.
R.; et AL. Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre:
Mediação, 2015. Pp. 173-178.
AMERICAN ASSOCIATION ON INTELLECTUAL AND
DEVELOPMENTAL DISABILITIES (AAIDD). Definition of
intellectual disability. Disponível em: <https://www.aaidd.org/
intellectual-disability/definition>. Acesso em: 1 abr. 2021.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
REIS, P. A contribuição de Paulo Freire no processo de emancipação
do homem. In: LUFT, H. M.; et AL. Freire na Agenda da Educação:
Inclusão e Emancipação - Educação de Jovens e Adultos. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2012. Pp. 39-46.
SOUZA, M. A. Educação de Jovens e Adultos. Curitiba: IBPEX,
2011.
STRECK, D. R; et AL. Educação Popular e Docência. São Paulo:
Cortez, 2014.

188
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARLOS RODRIGUES BRANDÃO E PAULO FREIRE

Fernanda dos Santos Paulo


AEPPA/MEP e PPGEd/UNOESC
fernandaeja@yahoo.com.br

Esse resumo expandido resulta de um projeto de pesquisa inti-


tulado como: “Memória e História da Educação Popular a partir do
levantamento e da catalogação das cartas de Carlos Rodrigues Bran-
dão: contribuições para a pedagogia latino-americana”, financiado
pelo CNPq. A pesquisa está em andamento, e neste trabalho, apre-
sentamos algumas das aproximações entre Carlos Rodrigues Brandão
e Paulo Freire.
Carlos Rodrigues Brandão, um dos intelectuais da Educação Po-
pular, foi colega de Paulo Freire na Universidade Estadual de Campi-
nas (UNICAMP). Naquele contexto, segundo entrevista com Brandão
(2017), havia um projeto de oferta de um curso de Mestrado em Edu-
cação Popular na UNICAMP. Sobre esse projeto, podemos observar
menção a ele, na Carta pessoal de Vanilda Paiva, destinada a Brandão,
na qual Paulo Freire é mencionado: “E Campinas como vai? Agora com
o Paulo Freire aí pode-se pensar mais realisticamente no tal mestrado
em educação popular” (PAIVA, 1980). Sobre as aproximações entre
Paulo Freire e os(as) pioneiros(as) da Educação Popular, Paulo (2018)
apresenta entrevistas, cartas e outros materiais que revelam a continui-
dade da história educacional de nosso país. Conforme Brandão (2017):

É interessante tua pesquisa não só porque vai en-


trevistar educadores que conviveram/trabalharam
com Freire. Mas seria interessante você citar inclu-
sive outras pessoas ligadas ao Paulo. Por exemplo,
o Ernani Maria Fiori que não está mais entre nós,
mas conviveu com Paulo. Eu convivi com Paulo
Freire na UNICAMP e fora da universidade. Fo-
189
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ram encontros, congressos, eventos e viagens. Você


deve conhecer artigos que publiquei de Paulo nos
livros: O educador vida e morte, A questão política
da educação popular e Pesquisa participante.

Nas entrevistas realizadas com Brandão (2015, 2016 e 2017),


outros educadores, além do Paulo Freire, foram mencionados como
parceiros de lutas: Rubem Alves, Marcos Arruda e Miguel Arroyo. Es-
ses nomes são exemplos de representações da Rede de Colaboradores
de lutas e pesquisas de Carlos Rodrigues Brandão. Vejamos a fala de
Brandão (2017):

Convivi com Rubem Alves por mais de quarenta


anos. Convivi com Paulo Freire desde o seu retor-
no ao Brasil até sua morte. Viajamos juntos várias
vezes. A primeira viagem foi para uma conferên-
cia pública realizada em Goiânia no ano de 1989.
Você tem o jornal que te enviei pelo Correio.

Paulo Freire, nas palavras de Brandão, possui significativa impor-


tância na história da Universidade Popular. É Brandão que vem divul-
gando, juntamente com Osmar Fávero, essa história, pouco conhecida
ou estudada na universidade. Em suas palavras:

[...] não podemos esquecer da sua equipe em 1960,


no Nordeste, que elaboraram um “Sistema Paulo
Freire de Educação”, que projetava uma Universi-
dade Popular. Na sua equipe estavam: Jarbas Ma-
ciel, Jomard Muniz de Brito e Aurenice Cardoso
(BRANDÃO, 2017).

Concernente à Universidade Popular, tanto Paulo Freire como


Brandão apresentam desafios, no campo educacional, sobretudo tratando
da articulação entre educação básica e superior através da criação de “um
‘sistema de educação’ que tem em seu andar térreo a alfabetização, e à co-
bertura com a proposta de criação de uma universidade popular” (BRAN-
DÃO, 2014, p. 63). Brandão tem reafirmado a importância de retomar-
mos a Pedagogia do Oprimido e as experiências de Educação Popular dos
anos de 1960. Cita, em entrevista realizada no ano de 2017, o Movimen-
190
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

to de Educação de Base (MEB) e a “equipe nordestina” de Paulo Freire,


recordando que na Revista Estudos Universitários (Revista de Cultura
da Universidade do Recife), há artigos publicados sobre o Sistema Paulo
Freire. Nas suas palavras: “A revista é de 1963. Não foi proposto só um
método de alfabetização. Era um Sistema de Educação, com várias etapas,
chegando uma delas a uma Universidade Popular” (BRANDÃO, 2017).
Alusivo à Educação Popular, de acordo com Brandão e Assumpção:

O lugar estratégico que funda a educação popular


é o dos movimentos e Centros de cultura popular:
movimentos de cultura popular, Centros Populares de
Cultura, movimentos de educação de base, ação po-
pular. [...] o que tornou historicamente possível a
emergência da educação popular foi a conjunção
entre períodos de governos populistas, a produção
acelerada de uma intelectualidade estudantil, uni-
versitária, religiosa e partidariamente militante e a
conquista de espaços de novas formas de organiza-
ção das classes populares (2009, p. 28).

Importante destacar que Carlos Rodrigues Brandão foi citado em


livros de Paulo Freire, tais como: 1) A importância do ato de ler; 2) Pe-
dagogia: diálogo e conflito; 3) Que fazer – Teoria e Prática em Educação
Popular; e 4) Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia
do Oprimido. Paulo Freire é considerado por Brandão como “educador
do ato político”. Igualmente, Brandão é considerado por Freire – o que
pode ser observado em seus livros quando ele o cita – o elo entre os dois,
além de temas de educação em termos gerais, a Educação Popular.
Em uma Carta encaminhada por Brandão à Rosa Maria Torres,
Paulo Freire e a Educação Popular foram citados. No documento,
Brandão fala do CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e In-
formação) relatando uma recente publicação “sobre metodologias do
trabajo com Educación Popular” (BRANDÃO, 1988). Em seguida,
comunica sobre o aceite de Paulo Freire como secretário de Educação
da Prefeitura de São Paulo.
Em outros documentos (cartas), Brandão cita Paulo Freire e seu
trabalho com ele. Enfatizo a escrita de uma carta para Paulo Freire
discorrendo “sobre um livro coordenado por mim com um artigo dele”
191
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

(BRANDÃO, 2017). Nessa carta de 1981, contendo três laudas datilo-


grafadas, Brandão trata dos seguintes assuntos: 1) Ideia de escrever um
livro com o título: O QUE É O MÉTODO PAULO FREIRE; 2) Seu
trabalho como professor e orientador, além de sua equipe de pesquisa;
3) Sobre o Encontro de Supervisores em Goiás; 4) Sobre um novo livro,
sugerindo o título: O Educador – vida e morte, pedindo autorização
para produzir um artigo seu (Educação – o sonho possível). Foram ci-
tados como possíveis autores, além dele: Rubem Alves, Paulo Freire,
Marilena Chauí, Ildeu Moreira Coelho, Miguel Arroyo (e sua equipe);
5) Encaminha o livro, junto com a carta, O QUE É EDUCAÇÃO.
Pede opinião a Freire sobre o livro e comenta sobre uma foto de Freire
que sairia nesse livro, mas foi sugerido que ela saísse no livro de Mi-
guel e Rosiska; 6) Sobre a produção de um livro com o tema: questões
metodológicas de trabalho popular; 7) Sobre encontros para tratar da
memória da educação popular no Brasil; 8) Promover encontros com
o grupo de Angicos (remanescentes do primeiro círculo de cultura); 9)
Cita o MEB e o trabalho de educação popular; e 10) Um convite rece-
bido para ministrar um curso sobre “O Método Paulo Freire”.
Em síntese, os 10 pontos apresentados são elos entre Paulo Freire
e Carlos Rodrigues Brandão. A Educação Popular é o assunto mais re-
corrente. A questão da Universidade tem espaço importante nas cartas,
sobretudo ao tratar de pesquisas participantes, produções de livros e de
artigos, além de palestras e de cursos sobre Educação Popular.
O levantamento e a catalogação das cartas de Carlos Rodrigues
Brandão são fontes valiosas para o registro da Memória e da História
da Educação Popular. Diante do trabalho apresentado, recomenda-se o
livro: Paulo Freire: uma arqueologia bibliográfica, pois nele é possível lo-
calizar a presença de Brandão nas obras de Paulo Freire e de outras refe-
rências citadas por Freire em suas obras. Além disso, sugere-se conhecer
as obras de Brandão, sobretudo os livros: O que é Educação Popular e
Educacción Popular Y processo de conscientización. Esse último foi publi-
cado nos tempos de ditadura no Brasil, cuja autoria é de Brandão, mas
saiu no nome de Julio Barreiro, teólogo uruguaio, já falecido.

Palavras-chave: Paulo Freire. Cartas de Carlos Rodrigues Brandão.


Educação Popular.
192
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, C. R. [Correspondência]. Destinatário: Paulo Freire.
Campinas, Carnaval de 1981. Cartão pessoal.
BRANDÃO, C. R. [Correspondência]. Destinatário: Rosa Maria
Torres. Campinas, 3 deciembre, 1988. Cartão pessoal.
BRANDÃO, C. R. História da Educação Popular no Brasil. Entrevista
concedida a Fernanda dos Santos Paulo. [Tese de Doutoramento]. 2017.
BRANDÃO, C. R. Paulo Freire: a educação, a cultura e a universidade
– memória de uma história há cinquenta anos atrás. EJA em debate,
ano 3, n. 4. 2014.
BRANDÃO, C. R.; ASSUMPÇÃO, R. Cultura rebelde: escritos
sobre a educação popular ontem e agora. São Paulo: Editora e Livraria
Instituto Paulo Freire, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P. A importância do ato de ler em três artigos que se
complementam. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, P.; NOGUEIRA, A. Que fazer – Teoria e Prática em
Educação Popular. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
GADOTTI, M.; FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Pedagogia: diálogo e
conflito. São Paulo: Cortez, 1995.
PAIVA, V. [Correspondência]. Destinatário: Carlos Rodrigues
Brandão. Rio de Janeiro, 14 out. 1980. Cartão pessoal.
PAULO, F. S. Pioneiros e pioneiras da educação popular freiriana e
a universidade. [Tese de Doutorado]. São Leopoldo: Unisinos, 2018.

193
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DA PALAVRA AO DISCURSO: A COMPREENSÃO


LEITORA EM FREIRE

Andréia Inês Hanel Cerezoli


Universidade Federal da Fronteira Sul
hanelandreia@gmail.com

Este trabalho consiste numa abordagem semântica da compreen-


são leitora dos discursos escritos, pautada nas reflexões de Paulo Freire
em duas de suas obras: (1) A importância do ato de ler: em três artigos
que se completam (FREIRE, 1986); e (2) Professora sim, tia não: cartas a
quem ousa ensinar (FREIRE, 1993).
A temática da perspectiva semântica da compreensão leitora é jus-
tificada pela minha atuação docente nas disciplinas de Produção Textual
Acadêmica no ensino superior e, principalmente, pelo viés das pesquisas
que desenvolvo em leitura e semântica argumentativa no projeto guarda-
-chuva: A transposição didática da Semântica Argumentativa como pers-
pectiva enunciativo-discursiva para o ensino de língua, institucionalizado
junto à UFFS–campus Erechim. Já na linha de Freire (1986), o estudioso
questiona a ineficácia da quantidade de leituras sem a devida compreen-
são das mesmas e afirma “[...] raramente um texto se entrega facilmente
à curiosidade do leitor [...]” (FREIRE, 1993, p. 42), o que justifica o
ensino e a pesquisa sobre questões de leitura. Assim, o objetivo do tra-
balho é mostrar o caráter semântico da compreensão leitora do discurso
concebido por Freire, por meio de pesquisa bibliográfica.
Considerando o cenário da pesquisa, entendo a necessidade de
explicitar alguns conceitos centrais. Inicialmente, tomo o termo semân-
tica. Várias teorias agrupam-se em torno da denominação semântica,
porque buscam explicar a constituição do sentido de uma língua natu-
ral. A unidade do objeto, o sentido, é observado a partir de diferentes
pressupostos teóricos e por diferentes métodos. Nessa direção, a análise,
aqui realizada, filia-se à perspectiva da Semântica Estrutural, funda-
mentada em conceitos e distinções introduzidos por Saussure.
195
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Devido aos limites propostos para este trabalho, considero im-


portante salientar que na perspectiva da Semântica Argumentativa,
aqui assumida, interessa-me mostrar que a compreensão leitora de um
discurso escrito não é restrita à identificação de cada uma de suas pala-
vras, pois “[...] entender, tão bem quanto possível, não propriamente o
significado em si de cada uma das palavras que compõem o enunciado,
mas compreender o que elas ganham ou perdem, individualmente, en-
quanto inseridas numa trama de relações”(FREIRE, 1993, p. 9). Cito
um exemplo:

(1) João parou de fumar

O enunciado, adotando um termo ducrotiano, traz duas ideias:


(1) João fumava; e (2) João não fuma mais. No entanto, quando nega-
mos a ideia do enunciado (1)

(2) João não parou de fumar

ele perde, na linguagem freiriana, a ideia João não fuma mais e


passa a indicar a ideia: João fuma atualmente.
Espero ter esclarecido o primeiro conceito norteador desta pes-
quisa, semântica, e sua relação com o pensamento de Freire. Ainda em
relação aos conceitos, assumo uma distinção entre leitura e compreen-
são leitora.
Nos limites deste trabalho, leitura é concebida como “[...] pro-
cesso interativo do sujeito com o discurso escrito, com o propósito de
constituir sentido no que está sendo lido” (AZEVEDO, 2016, p. 75),
ou seja, a leitura é um trabalho do leitor na busca da constituição do
sentido do discurso. Esse conceito pode ser aproximado da compreen-
são freiriana de leitura, uma vez que o estudioso afirma que “Ler é
uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. [...] Ler é
procurar ou buscar criar a compreensão do texto lido [...]” (FREIRE,
1993, p. 29).
Já a compreensão leitora é um dos níveis fundamentais no proces-
so de leitura, sendo composto por habilidades de: (1) decodificação; (2)
compreensão; e (3) interpretação. Para Azevedo (2016), esses níveis são
196
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ordenados e hierarquicamente dispostos, de forma que a incompletude


do primeiro impede a realização do segundo; e assim sucessivamente.
No nível da decodificação, o leitor realiza a decifração do códi-
go escrito, o reconhecimento e a combinação das letras em palavras e
enunciados. No nível da compreensão, duas habilidades são necessárias
ao leitor: (a) analisar e (b) sintetizar. Na compreensão analítica, o leitor
examina cada uma das partes do discurso e as relações entre as partes;
já na compreensão sintética, o leitor recompõe a unidade do discurso,
compreende seu sentido. Na interpretação do discurso, último nível de
leitura, o leitor estabelece relações entre o tema do discurso, os contex-
tos de produção e a recepção do sentido constituído.
Dois apontamentos freirianos respaldam essa hierarquização e
ordenação de níveis no processo de leitura: “A compreensão do que se
está lendo, estudando, não estala assim, de repente como se fosse um
milagre. A compreensão é trabalhada, forjada” (FREIRE, 1993, p. 35)
ou “Infelizmente, de modo geral, o que se vem fazendo nas escolas é
levar os alunos a apassivar-se ao texto. Os exercícios de interpretação da
leitura tendem a ser quase sua cópia oral [...]” (FREIRE, 1993, p. 45).
Enfim, o trabalho com o desenvolvimento de habilidades que
permitam o pleno domínio da leitura é uma das bandeiras freirianas
que encontra fundamentos sólidos na Semântica Argumentativa.

Palavras-chave: Leitura Freiriana. Compreensão Leitora. Semântica


Argumentativa.

197
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
AZEVEDO, T. M. Polifonia linguística: uma proposta de transposição
didática para o ensino da leitura. Letras de Hoje, v. 51, n. 1, pp. 73-81,
2016.
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho d’água, 1993.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo: Cortez Editora, 1986.

198
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DEBATE DO TEMA AUTOMEDICAÇÃO EM SALA DE AULA


E OS SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA NO
CONTEXTO DO PUPA

Miliane Tonato Mortari


Curso de Graduação em Farmácia, UFSM
milianemortari@hotmail.com

Lucas Carvalho Pacheco


Curso de Graduação em Física, UFSM
lucascarvalhopacheco@hotmail.com

A automedicação é quando uma pessoa doente ou seu responsá-


vel tem a iniciativa de utilizar um medicamento sem indicação de um
profissional (médico ou farmacêutico) para tratar ou aliviar os sintomas
de uma doença, geralmente, autodiagnosticada. Trabalhos desenvolvidos
por Galduróz et Al. (2005) mostram que a automedicação é um pro-
blema de saúde pública, e muitas vezes pode causar intoxicações. Com
isso, existe relação da temática com aspectos de ordem individual e so-
cial. Diante disso, convém discutir o tema “Automedicação”, em sala de
aula, no contexto de Educação não-formal do Pré-Universitário Popular
Alternativa (PUPA) como um tema social, presente no cotidiano dos es-
tudantes vinculados ao PUPA e em grande parte da população brasileira.
Foi nesse cenário que desenhamos um projeto de pesquisa de
reorganização curricular relacionando o tema “Automedicação” com o
Ensino de Física, no qual aplicamos um questionário inicial com uma
lista dos medicamentos mais comuns, na população em geral, e com
a opção “outros” para os estudantes colocarem todos aqueles medica-
mentos com os quais realizam a prática da automedicação. A partir
desse questionário, almejamos identificar os 10 medicamentos mais
comuns da prática de automedicação entre os estudantes do Pré-U-
niversitário, e a partir das propriedades farmacodinâmicas, farmaco-
cinéticas e farmacológicas desses medicamentos iremos traçar relações
com conceitos da Ciência Física.
199
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

No início do ano de 2020, aplicamos o questionário inicial nas


turmas do PUPA com a intenção de realizar um “teste” para, no ano
de 2021, implementar definitivamente o projeto de pesquisa, o qual se
encaixou perfeitamente no tempo em que estamos vivendo, a Pandemia
do Novo Coronavírus e, por isso, acrescentamos os medicamentos Hi-
droxicloroquina e Cloroquina.
Neste presente trabalho, almejamos refletir sobre a prática docen-
te no PUPA, em específico com a implementação da 1ª etapa do projeto
de pesquisa citado anteriormente (revisão da literatura e aplicação de
um questionário teste) e relacionar essa prática com alguns dos saberes
necessários à prática educativa, descritos na obra Pedagogia da Autono-
mia de Paulo Freire.
Antes de começarmos a refletir sobre a prática, precisamos conhe-
cer um pouco o contexto em que está sendo aplicado o projeto de pes-
quisa. O PUPA é um programa de extensão da UFSM, criado em 2000,
por iniciativa de alguns estudantes da instituição. O Pré-Universitário
tem dois objetivos principais: a) auxiliar os educandos na conquista de
uma vaga na universidade (pelo ENEM ou vestibular), diminuindo,
assim, a elitização das Universidades Públicas e b) contribuir com a
formação crítica dos educandos, por meio de elaborações e de imple-
mentações de atividades (sejam didáticas ou não) com base no conceito
de Educação Popular.
Durante a aplicação desse questionário, observamos que todos
aqueles saberes necessários para a prática educativa, descritos pelo edu-
cador Paulo Freire na obra “Pedagogia da autonomia: Saberes neces-
sários à prática educativa”, são aplicados durante a implementação do
projeto de pesquisa em sala de aula. Porém, neste trabalho, iremos re-
latar três destes saberes, que se ressaltaram durante a nossa releitura do
livro, são eles: i) Ensinar exige pesquisa; ii) Ensinar exige respeito aos
saberes dos Educandos; e, iii) Ensinar exige risco, aceitação do novo e
rejeição a qualquer forma de discriminação. No saber “Ensinar exige
pesquisa”, Freire abre o tópico dizendo:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensi-


no. Esses que-fazeres se encontram um no corpo
do outro. Enquanto ensino, continuo buscando,

200
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

reprocurando. Ensino porque busco, porque in-


daguei, porque indago e me indago. Pesquiso
para constatar, constatando, intervenho, inter-
vindo, educo e me educo. Pesquiso para conhe-
cer e o que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade (FREIRE, 2015, p. 30).

Durante a aplicação da 1ª etapa do projeto de pesquisa, realiza-


mos inúmeras pesquisas sobre o tema automedicação (com o auxílio
da graduanda do curso de farmácia autora deste trabalho) e de que
forma os educandos iriam receber esse tema. O que agrava a forma
em que esses estudantes recebem o tema é o avanço da pseudociên-
cia e da disseminação de “fake news” nos últimos tempos. Afinal, eles
foram informados pelas redes sociais que a ciência era uma mentira,
que Paulo Freire era o motivo do fracasso da educação brasileira, que
o nazismo era de esquerda e que a Terra era plana (COSTA, 2019).
Com isso, tornou-se mais difícil, porém mais prazeroso, partir do
modelo explicativo dos educandos e chegar ao modelo científico.
Afinal, “Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica
o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação
quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando”
(FREIRE, 2015, p. 31).
Acreditamos que é nosso dever respeitar os saberes dos edu-
candos, ainda mais das classes populares, e a partir dos saberes,
das experiências e das vivências que eles tiveram e construíram, na
prática comunitária, realizarmos uma relação desses saberes com o
ensino dos conteúdos da Física. Essa nossa percepção é problema-
tizada por Freire:

Por que não discutir com os alunos a realidade


concreta a que se deva associar à disciplina cujo
conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a
violência é a constante e a convivência das pessoas
é muito maior com a morte do que com a vida?
Por que não estabelecer uma “intimidade” entre
os saberes curriculares fundamentais aos alunos
e a experiência social que eles têm como indiví-
duos? Por que não discutir as implicações políti-
201
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cas e ideológicas de um tal descaso dos dominan-


tes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe
embutida neste descaso? (FREIRE, 2015, p. 32).

Quando aceitamos ser educadores do PUPA, estamos aceitando


trabalhar com base no conceito de Educação Popular, estamos aceitan-
do estar abertos ao diálogo e a escutar todas as vivências e experiências
que os nossos educandos têm e tiveram até então. Estamos aceitando
trabalhar conscientes do nosso inacabamento e com a convicção de
que a mudança é possível. Enfim, estamos aceitando a tarefa de acei-
tar o novo, correr o risco e rejeitar qualquer forma de discriminação,
como Freire já destaca neste saber:

A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é


transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, toma-
do como paciente de seu pensar, a inteligibilidade
das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coe-
rente do educador que pensa certo é, exercendo
como ser humano a irrecusável prática de inteli-
gir, desafiar o educando com quem se comunica
e a quem comunica, produzir sua compreensão
do que vem sendo comunicado. Não há inteli-
gibilidade que não seja comunicação e interco-
municação que não se funde na dialogicidade. O
pensar certo por isso é dialógico e não polêmico
(FREIRE, 2015, p. 38-39).

Portanto, gostaríamos de refletir um pouco sobre a prática do-


cente em um contexto de educação não-formal em que tivemos a
influência de Paulo Freire no “plano de fundo” do nosso projeto de
pesquisa, colocando em sala de aula alguns dos saberes necessários à
prática educativa, descritos pelo autor, e, além disso, mostrar a difi-
culdade de resistir ao momento político atual, no qual, a cada dia,
aumenta o número de pessoas que confiam e acreditam na educação
tecnicista, antidialógica e não problematizadora. Apesar disso, segui-
mos acreditando em uma educação humanizadora, dialógica e proble-
matizadora, como Paulo Freire nos apresentou em uma palestra em
Caxias do Sul, em 1984: “Tem um monte de coisas que não são neces-

202
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sárias para a gente ser gente, para a gente mudar o mundo” (DALLA
VECCHIA, 2019). Afinal, já passamos por tempos parecidos com
esse e resistimos, pois educar é existir e resistir.

Palavras-chave: Automedicação. Pedagogia da autonomia. PUPA.

203
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
COSTA, D. P. F. Reinventando a esperança em tempos de fake news.
In: PADILHA, P. R.; ABREU, J. Paulo Freire em tempos de fake
news. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2019. Pp. 61-66.
DALLA VECCHIA, M. V. F. O acendedor de esperanças: Paulo
Freire em Caxias do Sul em 1984. Caxias do Sul: EDUCS, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
GALDURÓZ, J. C. F.; et AL. V Levantamento Nacional Sobre o
Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino
Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino nas 27 Capitais
Brasileiras-2004. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações Sobre
Drogas Psicotrópicas, Universidade Federal de São Paulo, 2005.

204
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CAFÉ COM PAULO FREIRE EM ESTEIO

Daianny Madalena Costa


Universidade do Vale do Rio dos Sinos
daiannycosta@hotmail.com

Márcia Regina da Silva


Universidade La Salle, bolsista Capes/Prosuc
maresiasol@outlook.com

No mês de julho de 2019, iniciamos os encontros “Café com


Paulo Freire”, na Casa de Cultura Hip Hop, que tiveram como objetivo
refletir acerca dos principais conceitos da obra do educador brasileiro,
por meio das releituras feitas pelos diversos professores que escrevem
os verbetes do Dicionário Paulo Freire (2018), organizado por Danilo
Streck, Jaime Zitkoski e Euclides Redin. Os encontros aconteceram na
Casa de Cultura Hip Hop, na cidade de Esteio-RS, na primeira terça-
-feira de cada mês (de julho a dezembro), das 18h às 20h. Deles, parti-
ciparam muitos professores e professoras, estudantes de diversas áreas,
psicólogos(as), assistentes sociais, pedagogos(as), entre outros – pessoas
e profissionais interessados na discussão. No Quadro 1, apresentamos
uma síntese dos encontros.
Quadro 1 – Encontros Café com Paulo Freire na Casa de Cultura Hip
Hop
Data do encontro (2019) Verbete
02 de julho ESPERANÇA. STRECK, Danilo Romeu.
In: STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime;
REDIN, Euclides. Dicionário Paulo Freire.
4. ed. rev. e amp. Belo Horizonte: Autêntica,
2018. Pp. 198-199.

205
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

06 de agosto AMOROSIDADE. FERNANDES, Cleoni.


IN: STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime;
REDIN, Euclides. Dicionário Paulo Freire.
4. ed. rev. e amp. Belo Horizonte: Autêntica,
2018. Pp. 39-40.
03 de setembro DIÁLOGO/DIALOGICIDADE. ZITKOSKI,
Jaime.
01 de outubro EXCLUSÃO SOCIAL. OLIVEIRA, Avelino da
Rosa. In: STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime;
REDIN, Euclides. Dicionário Paulo Freire.
4. ed. rev. e amp. Belo Horizonte: Autêntica,
2018. Pp. 207-208.
05 de novembro TEMPO. PASSOS, Luiz Augusto. In: STRECK,
Danilo; ZITKOSKI, Jaime; REDIN, Euclides.
Dicionário Paulo Freire. 4. ed. rev. e amp. Belo
Horizonte: Autêntica, 2018. Pp. 449-451.
03 de dezembro LIBERTAÇÃO. JONES, Lauren Ila. In:
STRECK, Danilo; ZITKOSKI, Jaime; REDIN,
Euclides. Dicionário Paulo Freire. 4. ed. rev.
e amp. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. Pp.
290-291.
Fonte: Os Autores.

Este trabalho se configura pela possibilidade de entrelaçamento


dos textos lidos com a manifestação da cultura Hip Hop, como “al-
ternativa criativa de enfrentamento da precariedade urbana” (BALDO,
2015, p. 114). A autora retoma a história desse movimento, iniciado
nos EUA, e que tinha por lema “paz, amor, união, diversão e respeito,
especialmente no sentido de trocar as lutas e guerrilhas entre as gan-
gues” (BALDO, 114).
Assim, a cultura Hip Hop expressará o repúdio ao capitalismo
que traz, em sua gênese, um pacto elitista e sua violência simbólica, ou
seja, para a sociedade desigual, que tem suas bases nas classes sociais,
geralmente descendente das lógicas do merecimento e não dos privilé-
206
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gios e da expropriação, (SOUZA, 2017) esse movimento se desenvolve


como insurgência a elas.
Nesse sentido, a cultura Hip Hop se faz na perspectiva da edu-
cação defendida, refletida e proposta por Freire (1987, p. 30), pois
“Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto
real, concreto, objetivo, são possibilidade dos homens como seres in-
conclusos e conscientes de sua inconclusão”. Igualmente conscientes
do próprio mundo, do seu contexto, de sua organização, poderão lu-
tar por sua libertação. E foi no espaço da Casa de Cultura Hip Hop
de Esteio que tivemos a grata acolhida e a oportunidade de nos reu-
nirmos para nossos diálogos, nossas reflexões e nossas inquietações a
partir do pensamento freireano.
O primeiro encontro foi marcado por uma noite fria de inver-
no, porém repleta de pessoas que acaloraram os diálogos acerca da
Esperança. Foi mencionado a nossa atual realidade, em que há “muita
teoria e pouca prática”, sinalizando que vivemos pouco a crítica do sa-
ber. Nesse encontro, também se discutiu a importância da autoestima
vinculada à esperança, assim como a importância de nos reconhecer-
mos como gente a fim de sermos um coletivo, recriando o presente-
-amanhã. Nesse sentido, Freire (2011, p. 138) afirma que: “[...] A
libertação dos indivíduos só ganha profunda significação quando se
alcança a transformação da sociedade”.
O segundo encontro seguiu com pertinentes contribuições dos
participantes a respeito da Amorosidade. Nos diálogos, apareceram re-
flexões que pontuaram tais encontros como uma forma de fortaleci-
mento individual e coletivo diante dos tempos difíceis em que vivemos,
destacando que o mundo gira antes e depois da nossa existência. Freire
(2014, p. 115) sinaliza que: “[...] A história não começa de uma forma
escrita, mas com palavras e ações”. Finalizamos esse encontro com uma
atividade corporal, em círculo, coordenada por uma das participantes.
O terceiro encontro foi com um público menor, porém teve ricas
interações no que se refere ao Diálogo/à Dialogicidade. As falas envol-
veram experiências pessoais e profissionais dos participantes, relacio-
nando o ato de dialogar com o outro como uma ponte para outras pos-
sibilidades, inclusive diante de questões até o momento desconhecidas
e também o diálogo como aproximação entre as pessoas.
207
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O quarto encontro foi marcado pela companhia do chimarrão


ao invés do café, e as discussões foram relacionadas à Exclusão So-
cial. Vários participantes manifestaram situações nos seus ambientes
profissionais, assim como no conviver em sociedade, na busca por
vivências mais democráticas. Nesse sentido, ressalta Freire (2013, p.
252-253): “[...] A luta é dos seres humanos pelo ser mais. Pela su-
peração dos obstáculos à real humanização de todos. Pela criação de
condições estruturais que tornem possível o ensaio de uma sociedade
mais democrática [...]”.
O quinto encontro teve a participação de um grupo de estudan-
tes do Curso de Pedagogia, acompanhadas de uma professora. Nesta
noite, foi dialogado acerca do Tempo. Foram externadas ideias diversas
a respeito do tempo e do que temos feito com ele, da valorização des-
te em nosso cotidiano. Refletimos ainda sobre os distintos tempos de
plantar, de esperar, de crescer, de colher. No entanto, o contratempo foi
lembrado como aprendizagem, pois nada é para sempre em nosso viver,
tanto pelo bem quanto pelo mal. Houve indicações, respectivamente,
de documentário e de livro: Educação Proibida; No Tempo do Verde Vale,
de Marina Colasanti.
O sexto e último encontro de 2019 foi muito significativo, pois
dialogamos a respeito da Libertação. No decorrer da atividade, foi men-
cionado, em vários momentos, a importância e a relevância de discutir-
mos assuntos que perpassam nossa existência. Outro aspecto marcante
deste encerramento foi o planejamento de atividades relacionadas ao
ano de 2020, inclusive da participação deste grupo no XXII Fórum
de Leituras: Estudos de Paulo Freire. Há belas expectativas e interesse
na continuidade desta proposta, construindo história juntos. Segundo
Freire (1996, p. 58-59): “[...] Gosto de ser gente porque a História em
que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de
possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na proble-
matização do futuro e recuse sua inexorabilidade”.
Para concluir, neste momento, acreditamos que seguir estes en-
contros de diálogo reflexivo com base no pensamento freireano será
uma pertinente oportunidade de mais pessoas se engajarem, na busca
de um viver e de um conviver em sociedade, transformando-a e trans-
formando-se também.
208
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A proposta, portanto, de experimentar leituras e diálogos a partir


dos verbetes do dicionário Paulo Freire, trouxe a sintonia com a Casa,
na perspectiva de pensar sobre o contexto social, cultural e histórico em
que estamos inseridos e encarar os desafios da luta. Além disso, é rele-
vante fazer isso com tantos outros e outras que igualmente se percebem,
muitas vezes, desanimados e desencorajados. Afinal, não seria esse o
sentido de destruir as possibilidades de um digno e justo viver, arrancá-
-los dos sonhos e dos movimentos para seu fazer? O futuro, como nos
propõe Freire, não está dado, é, portanto, na nossa própria recriação
que fará (FREIRE, 2000). Então, no diálogo e na reflexão, nós nos
recompomos para fazer o futuro.

Palavras-chave: Encontros. Diálogos. Reflexões.

209
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BALDO, M. I. Hip Hop: cultura de resistência e reexistência a partir
do conhecimento. Grau Zero - Revista de Crítica Cultural, v. 3, n. 2,
pp. 101-123, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. [Organização de Ana
Maria Araújo Freire]. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha
práxis. Organização e notas Ana Maria Araújo Freire. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia
do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à lava jato. Rio de Janeiro:
Leya, 2017.

210
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA A LEVANA

Flávio Boleiz Júnior


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
boleiz@alumni.usp.br

Natal, 05 de março de 2020.

Querida Levana,

Como vai você? Há meses que não conseguimos encontrar tempo


para uma conversa daquelas que tanto gostamos, em que falamos acerca
de assuntos ligados à nossa área de atuação. Por isso, resolvi lhe escrever
contando um pouco do que andei pesquisando a respeito da atuação de
Paulo Freire em sua empreitada para ensinar a pensar certo.
Pois bem, Paulo Freire atuou como titular na Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo, no período compreendido entre 1989 e 1991.
Durante sua atuação como secretário, realizou muitas mudanças na edu-
cação paulistana. Dentre elas, transformou o currículo seriado em ciclos
de educação, estabeleceu uma linha direta de diálogos com os educadores
da rede, fundou o MOVA (Movimento de Alfabetização), instituiu uma
parceria com professores da Universidade de São Paulo, da Universidade
de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para
assessoria à Secretaria de Educação. Durante seu mandato, visitou as es-
colas da rede e conversou com seus funcionários em busca de conhecer
e compreender seus anseios e desejos quanto à educação do município.
Em todo seu trabalho, Paulo Freire tomou como imperativa a
ideia de que era preciso pensar certo. Com relação ao trabalho docente,
por exemplo, considerava que “para o educador progressista coerente, o
necessário ensino dos conteúdos estará sempre associado a uma ‘leitura
crítica’ da realidade. Ensina-se a pensar certo através do ensino dos con-
teúdos” (FREIRE, 1991, p. 29).
211
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Pensar certo pode ser entendido de muitas maneiras diferentes.


Por isso, é preciso que procuremos identificar o significado dessa ex-
pressão, de acordo, especificamente, com o pensamento de Freire que,
no próprio excerto acima, já apresenta uma primeira ideia de seu sig-
nificado ao destacar a leitura crítica da realidade como condição para o
ensino dos conteúdos por parte do educador. Mas, afinal de contas, o
que significa leitura crítica da realidade?
Ao auxiliar-nos a desvendar o significado do pensar certo, Paulo
Freire se refere a um paradigma de escola que se busca estabelecer numa
sociedade mais justa e preocupada com a educação de todos. Ao se
referir a uma escola que ensina os alunos a pensar certo, Paulo Freire
afirmou o seguinte:

Queremos uma escola pública popular, mas não po-


pulista e que, rejeitando o elitismo, não tenha raiva
das crianças que comem e que vestem bem. Uma
escola pública realmente competente, que respeite
a forma de estar sendo de seus alunos e alunas, seus
padrões culturais de classe, seus valores, sua sabe-
doria, sua linguagem. Uma escola que não avalie
as possibilidades intelectuais das crianças populares
com instrumentos de aferição aplicados às crianças
cujos condicionamentos de classe lhes dão indiscutí-
vel vantagem sobre aquelas (FREIRE, 1991, p. 42).

Vemos que, para Paulo Freire, ao se referir à Educação, deve-se


respeitar as determinações de classe dos seus educandos. Aqui começa-
mos a compreender com maior precisão o significado de leitura crítica
da realidade. Ao pensar nos educandos, é preciso levar em conta sua
realidade, respeitando-a ao ponto de se pensar formas de avaliação que
não destaquem ou acentuem as diferenças de classe, mas que possibili-
tem aos educandos das classes populares serem avaliados de acordo com
sua realidade, que se coaduna com suas necessidades e seus anseios. Essa
forma de atenção que busca proporcionar justas condições de tratamen-
to aos diferentes educandos relaciona-se diretamente ao que ele chama
de pensar certo.
A escola que ensina a pensar certo é aquela em que “a priorização
da ‘relação dialógica’ no ensino permite o respeito à conduta do aluno,
212
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

a valorização do conhecimento que o educando traz, enfim, um traba-


lho a partir da visão de mundo do educando [...].” (FREIRE, 1991, p.
82). Trata-se de uma Educação em que, efetivamente, “o que se propõe
é que o conhecimento com que se trabalha na escola seja relevante e
significativo para a formação do educando.” (FREIRE, 1991, p. 83).
Essa escola que se busca estabelecer como lugar em que se ensina a pen-
sar certo é aquela “que estimula o aluno a perguntar, a criticar, a criar;
onde se propõe a construção do conhecimento coletivo, articulando o
saber popular e o saber crítico, científico, mediados pelas experiências
no mundo” (FREIRE, 1991, p. 83).
Até aqui, estamos nos deparando com pistas que vão revelan-
do, aos poucos, o significado do pensar certo para Paulo Freire. Em
todo caso, em várias ocasiões, suas referências ao pensar certo nos vão
iluminando na construção do sentido daquilo que chamamos pensar
certo. Faz parte do pensamento freiriano a ideia de que o ser huma-
no é vocacionado a ser mais, em contraposição à desumanização (ser
menos) que a opressão procura lhe impor. Paulo Freire (2002, p. 30)
diz com todas as letras que “a desumanização, que não se verifica ape-
nas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que
de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser
mais” (Grifos no original), portanto distorção da vocação natural das
mulheres e dos homens.
Distorcer o significado das coisas, das palavras e de suas conota-
ções é, obviamente, expressão do pensar errado – em contraposição ao
pensar certo. É armar condições para que se reproduzam mais e mais
situações em que a razão do opressor se sobreponha à realidade de vida
dos oprimidos.
Cotidianamente, os opressores vão agindo argutamente de modo
a fazer com que os oprimidos não se deem conta de sua condição de
opressão. Apoderando-se de palavras, de expressões e até de chistes per-
tencentes originalmente à linguagem das classes populares, personagens
ligados à intelectualidade das classes dominantes invertem, em seus dis-
cursos diretos e indiretos, o sentido historicamente construído pelo
bom senso dos oprimidos.
Uma escola que ensina a pensar certo conscientiza seus educan-
dos para a realização da crítica à opressão. Por meio dos conteúdos,
213
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

das técnicas e das metodologias educacionais, propicia aos alunos a


necessária competência para que percebam quando e o quanto estão
sendo manipulados e levados a pensar em afinidade com o opressor. Os
estudantes de tal escola vão, pouco a pouco, deixando de hospedar o
opressor na medida mesma em que vão construindo conhecimentos em
consonância com sua realidade.
A palavra franqueada aos alunos é parte essencial do processo de
ensino e de aprendizagem de uma educação libertadora. O falar, inicial-
mente tímido e cheio de medo dos estudantes, encontra, numa educa-
ção dialógica, condições para se espraiar e se transformar em ferramenta
para a conscientização da condição humana.
Sabe, Levana, estou cada dia mais encantado com a transforma-
ção que tenho verificado no comportamento dos educandos, desde o
momento em que passei a atuar como educador aberto a escutar o que
eles têm a dizer sobre cada assunto, cada tema que trabalhamos em
sala de aula. Tenho partido de uma leitura prévia de mundo feita pelos
alunos. Inicialmente, suas falas e ponderações eram puro senso comum.
Com o passar das aulas, na medida em que fui problematizando o sen-
so comum e convidando os estudantes a testarem suas hipóteses, suas
ideias e suas visões acerca dos assuntos e dos temas com que trabalha-
mos, os pensamentos e as falas deles foram se transformando e passando
do senso comum ao bom senso. Essa transformação do modo de pensar
dos alunos está cada vez mais nítida e se explicita na forma que usam
para se expressar e no modo como passaram a manifestar seu pensamen-
to, com coerência e criticidade.
Outra coisa que venho percebendo em minhas aulas é que, por
mais teóricos que possam ser os assuntos com que trabalho, na medida
em que abro a discussão para que os educandos encontrem nexos entre
o que estudam e seus fazeres profissionais, mais eles – os educandos –
se interessam pelas aulas e, com maior facilidade, estabelecem relações
entre o que leem, discutem, estudam e o que realizam em seu dia a dia
nas escolas em que atuam como educadores (seja como profissionais, o
que muitos já são, ou como estagiários).
Tenho percebido que quando conseguimos articular os conheci-
mentos com os quais lidamos em aula fazendo uma ligação com a reali-
dade dos educandos, seus fazeres discentes se encharcam de significado,
214
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e os fundamentos da educação com que trabalhamos vão assumindo


lugar preponderante em sua formação individual e coletiva.
Outro aspecto importante do processo de ensino e aprendizagem
que tem muito a ver com o pensar certo diz respeito à rigorosidade ética
com a qual devemos trabalhar nos fazeres docentes. Freire nos alerta so-
bre isso advertindo-nos de que “educadores e educandos não podemos,
na verdade, escapar à rigorosidade ética” (FREIRE, 2006, p. 15), mas
deixa claro que fala “da ética universal do ser humano”. Da ética que
condena o cinismo [...], que condena a exploração da força de trabalho
do ser humano” (FREIRE, 2006, p. 15-16).
Ensinar a pensar certo, levando em consideração o aspecto ético
do processo de ensino e aprendizagem, tem a ver com a assunção, por
parte do educador, de uma coerência direta entre o que diz e o que faz.
Os fazeres docentes têm que transparecer a ética de que se fala em aula.
Os professores ou as professoras precisam encarnar os procedimentos
com base na ética universal do ser humano, de modo que passem a viver
apoiados nos princípios da ética em todos os procedimentos de suas vi-
das. Precisam lutar por uma ética que caminhe junto, pari e passu, com
sua ação educativa e, como afirma Paulo Freire (2006, p. 16), “a melhor
maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vi-
vaz, aos educandos em nossas relações com eles, na maneira como lida-
mos com os conteúdos que ensinamos, no modo como citamos autores
de cuja obra discordamos ou com cuja obra concordamos.”
A coerência entre o que se diz e o que se faz precisa ser uma
constante na vida do educador e da educadora, de modo que mesmo
as contradições a que estamos expostos em nosso cotidiano, seres hu-
manos que somos, nos roube, vez ou outra, a certeza de que pensamos
e agimos certo, pois como afirma o educador pernambucano: “só,
na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é
quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a
pensar certo é não estarmos demasiadamente certos de nossas certe-
zas” (FREIRE, 2006, p. 27-28).
Certa vez, conversando com uma amiga médica, falávamos so-
bre a importância da educação e dos fazeres do educador no processo
educativo. A certa altura da conversa, minha amiga médica citou um
provérbio que eu não conhecia, mas que, de tal maneira coerente, se
215
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

refere aos fazeres do professor e da professora, que nunca mais esqueci.


Diz o provérbio: “Professor, as coisas que você faz produzem tanto ba-
rulho que não consigo escutar uma palavra do que você diz”. Imagine
só, Levana, que susto eu levei a escutar um dito tão precioso e preciso
a respeito de minha profissão! Inicialmente, fiquei sem palavras para
responder ao provérbio. Em seguida, só podendo concordar com ele,
lembrei-me imediatamente dos ensinamentos de Paulo Freire acerca de
ensinar a pensar certo. Parecia, até, que o provérbio tivesse sido produ-
zido pelo próprio Paulo Freire.
Pois são exatamente esses fazeres barulhentos que significam toda
a diferença quando se anseia ensinar a pensar certo. Por isso, é neces-
sário que, professores que somos, também procuremos o tempo todo
pensar certo. Essa tarefa não é fácil, mas é possível e necessária a uma
prática docente ética e coerente.
Quando aborda a questão relativa ao pensar certo do ponto de
vista do professor, Paulo Freire tece um pensamento que problematiza
as relações entre o senso comum e o pensamento rigoroso. Ele consi-
dera que a curiosidade dos educandos traça uma senda que se direcio-
na do pensamento ingênuo para uma curiosidade epistemológica, que
nada mais é do que uma curiosidade crítica imbuída de rigorosidade.
Para Paulo Freire,

pensar certo, em termos críticos, é uma exigência


que os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo
à curiosidade que, tornando-se mais e mais meto-
dicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o
que venho chamando “curiosidade epistemológi-
ca”. A curiosidade ingênua, de que resulta indiscu-
tivelmente um certo saber, não importa que meto-
dicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso
comum. O saber de pura experiência feito. Pensar
certo, do ponto de vista do professor, tanto implica
o respeito ao senso comum no processo de sua ne-
cessária superação quanto o respeito e o estímulo à
capacidade criadora do educando. Implica o com-
promisso da educadora com a consciência crítica
do educando cuja “promoção” da ingenuidade não
se faz automaticamente (FREIRE, 2006, p. 29).
216
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

É preciso que o professor e a professora respeitem os saberes com


que os educandos chegam à escola. Seu papel, pois, é exatamente con-
tribuir para que cada educando transforme seu pensamento ingênuo
em pensamento crítico. Isso é ensinar a pensar certo.
Bem, Levana, eu teria muitas outras coisas para tratar nesta carta,
mas o tempo está curto e, por isso, vou ficando por aqui. Espero ter
colaborado um pouquinho para com nossa reflexão sobre Paulo Freire
e o pensar certo!

Beijos...

Flávio Boleiz

Palavras-chave: Pensar Certo. Diálogo. Ética.

217
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

218
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA EM UMA RODA DE DIÁLOGOS


FREIREANOS: REFLEXÕES SOBRE A AMOROSIDADE
COMO PRINCÍPIO FORMATIVO

Elisama Santos
Universidade Federal da Bahia
elisamajg@gmail.com

Nenhuma realidade é assim porque assim tem de


ser. Está assim porque interesses fortes de quem
tem poder a fazem assim (FREIRE, p. 56, 2000).

Esta Carta Pedagógica emana do meu Inédito-viável ao participar


do XIII Seminário Nacional Diálogos com Paulo Freire: Resistência e
esperança em tempos estranhos. Este evento ocorreu nos dias 22 e 23
de novembro de 2019. Ela tem por objetivo apresentar um breve relato
do evento, colocando as impressões e as reflexões percebidas durante
minha participação, apresentando também minha primeira Carta Peda-
gógica escrita em conjunto com a Profª Ana Freitas sob o título “Carta
Pedagógica: Uma Roda de Diálogo Aprochegante sobre a Gestão da
Escola, Autoavaliação e Indicadores”.
Dedico esta carta à educadora profª Ana Freitas que, com extre-
ma amorosidade, me proporcionou vivenciar o meu inédito-viável, e
aos educadores e educadoras que percebem a amorosidade como ele-
mento necessário à prática da docência.
Esta carta é resultante do meu Gênesis: primeira apresentação de
um trabalho acadêmico, primeira experiência em uma Roda de Diá-
logos, primeira viagem ao Rio Grande do Sul. Ela tem por objetivo
relatar, de modo sucinto, momentos ocorridos no XIII Seminário Na-
cional Diálogos com Paulo Freire: Resistência e esperança em tempos
estranhos, ocorrido nos dias 22 e 23 de novembro de 2019.
Professora Ana Freitas, começo esta carta explicando que utilizo o
constructo inédito viável por um motivo: era para mim impossível tudo
que vivenciei. Freire (STRECK et AL., 2015, p. 278) explica que esta
219
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

“situação limite” que mantém o oprimido estagnado, ou seja, adaptado


dentro de determinada condição de dominação, quando rompidas re-
sultam no “inédito viável”.
A escrita da nossa carta levou-me a estudar Paulo Freire para além
da Educação de Jovens e Adultos. Eu conhecia, de modo superficial, a
história dele em seu projeto de alfabetização em Angicos, mas, a cada
nova conversa contigo, descobria o tamanho da grandiosidade do lega-
do deixado por ele.
Lendo o livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire (1987),
refleti que os determinantes da minha história me conduziram a uma
adaptação daquilo que eu pensava ser minha realidade, mas a amorosi-
dade na prática educativa da professora Rejane (que me convidou para
relatoria); a sua, que além de me orientar na escrita da minha primeira
Carta Pedagógica, ainda se dedicou a escrevê-la comigo; e da professora
Ana Lúcia Conceição, que me acolheu durante o evento, me auxiliaram
na compreensão de que todos(as) somos capazes. E foi assim que meu
“inédito viável” se concretizou.

Imagem 1: Abertura do XIII Seminário Nacional Diálogos com Paulo


Freire.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de acervo pessoal.

220
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Durante a viagem, na leitura do livro Pedagogia da Indignação,


encontrei este trecho que retrata bem este momento:

Uma das primordiais tarefas da pedagogia crítica


radical libertadora [...] é trabalhar contra a força
da ideologia fatalista dominante, que estimula a
imobilidade dos oprimidos e sua acomodação à
realidade injusta, necessária ao movimento dos
dominadores. É defender uma prática docente
em que o ensino rigoroso dos conteúdos jamais
se faça de forma fria, mecânica e mentirosamente
neutra (FREIRE, 2000).

Esse evento foi carregado desta prática rigorosamente metódica,


mas com marcas profundas de amorosidade e de aconchego. Isso era
ilustrado em vários detalhes, quais sejam: o ambiente para os mo-
mentos de pausa onde também ocorreram danças típicas da região;
a abertura com músicas regionais ao vivo, o compartilhamento do
chimarrão durante as palestras (apesar de ser um costume natural no
Sul, soava como um gesto de carinho e respeito mútuo). Tudo isso
favoreceu para que me sentisse acolhida e cercada por conteúdos cul-
turais em todos os aspectos.
Emocionei-me muito aprofundando as reflexões que estava fa-
zendo durante a apresentação de Cordéis pelo Professor Cordelista
Hailton Mangabeira, nordestino de Macaúbas/RN. Após comparti-
lhar sua história e o entrelace com Paulo Freire, ele apresentou um
de seus cordéis: “Eva Viu a Uva”, e lembrei-me da turma de Jovens
e Adultos que acompanhei no estágio curricular. Qual reflexão pode
ser feita sobre a importância dos métodos desenvolvidos por Freire
para a educação?

221
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Imagem 2: Apresentações de música, cordel e dança típica durante a


abertura do evento.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do acervo pessoal.

Percebi o quanto Freire (2000, p. 46) é assertivo ao falar que


necessitamos de uma educação crítica que nos estimule a vivenciar os
riscos ao invés de negá-los. Digo isso porque tive que enfrentar estig-
mas (acreditava que sofreria preconceito por ser negra), e disso resultou
toda essa intensidade de emoções sentidas na observação dos elementos
acima mencionados e que ainda desfruto ao relembrar esse seminário.
Tentarei lhe contar, e aos demais leitores, alguns aspectos que
chamaram minha atenção. O primeiro deles foi a fala do Coordena-
dor Henry Luís. Ele começou seu discurso com um texto bíblico, o
capítulo 3 do livro de Eclesiastes, falando sobre a existência de Tempo
para todas as coisas, partindo então para reflexões sobre os tempos
estranhos que temos severamente vivenciado: amordaçamento de pro-
fessores; perda de direitos trabalhistas; expansão das escolas militariza-
das; a medicalização das crianças. Durante a fala dele, ocorreram ma-
nifestações na plateia, pois havia professores grevistas da rede estadual
que se sentiram representados.
Sabe, Ana, aquelas palavras de Freire (2000) – dizendo que é
necessário reconhecer estar perdendo uma luta para superar esperan-
çosamente, mas não se acovardar – levaram-me a pensar sobre isso,
pois inúmeras vezes tem sido esse o sentimento ao lermos cotidiana-
mente as notícias.
222
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Destaco ainda reflexões feitas durante as palestras, quais sejam:


sobre o desafio dos(as) docentes das escolas lotadas devido às migrações
ocorridas. Como promover uma educação de qualidade em condições
inesperadas, mas sem prejuízo do planejamento anual feito? De que
modo temos avaliado nossos(as) alunos(as)?
Não costumamos questionar o exercício das profissões que tratam
da nossa saúde física, mas comumente assistimos e ouvimos pessoas di-
zendo como acreditam que o(a) professor(a) deve exercer sua profissão,
como se não houvesse uma preparação para ensinar. Nós educadores
nos preparamos por meio do estudo científico, ensinamos com serie-
dade, sempre lutando para que nossos educandos, por meio das nossas
vivências, tornem-se cidadãos(ãs) críticos(as) (FREIRE, 1997).
Isso ficou muito evidente nas apresentações das cartas pedagógi-
cas ocorridas nas Rodas de Diálogos. Assim como na escrita, o modo
de compartilhamento dos textos se deu de modo respeitoso, com uma
liberdade e uma leveza na dinâmica que ainda desconhecia. E tudo isso
foi acrescido de uma rica construção de saberes por meio das trocas de
conhecimento e reflexões diversas que cada um(a) trouxe para a roda.
Apresentei-me compartilhando a nossa Carta Pedagógica “Uma
Roda de Diálogo Aprochegante” sobre a Gestão da Escola, a Autoava-
liação e os Indicadores. Ela foi recebida com surpresa e encantamento
devido a mais um elemento: todos(as) gostaram de receber a carta no
envelope. Isso foi propositadamente feito em um papel de carta, do
mesmo modo como escrevíamos antigamente, e teve sua dobradura no
formato de um convite, porque a Carta Pedagógica tem como caracte-
rística a chamada para a continuidade da escrita.
Assim como pela manhã, as reflexões foram muitas, mas sempre
perpassando pelas dificuldades que nos têm cercado enquanto educa-
dores e em como Paulo Freire (2000) nos inspira a resistirmos esperan-
çosos nestes tempos difíceis, de modo a avançar com amorosidade em
nossa prática educativa.

223
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Imagem 3: Roda de Diálogos mais que aprochegante.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do acervo pessoal.

A minha participação culminou no jantar “bailinho” que compõe


este tão rico evento. A beleza e a riqueza cultural extrapolam os limites
da estrutura do Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Sul,
neste delicioso momento.

Imagem 4: Jantar e baile do evento.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do acervo pessoal.

É impossível sair de um Seminário Freireano com uma “sacola pe-


quena”, uma vez que a bagagem cultural, a riqueza de aprendizagens ali
224
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

construídas não me levou a pagar por excesso de bagagem simplesmen-


te porque conhecimento não se mensura, não se esgota. Ao contrário
disso, ele aumenta a cada revisita que fazemos, por meio das interações
e das novas rodas de diálogos que se formam onde compartilhamos, já
saudosos, as nossas vivências.
Nesse sentido, continuarei participando, escrevendo e deixando
este convite a todos e a todas que lerem esta Carta Pedagógica, para que,
assim como eu, se aprocheguem e permitam vivenciar a rica experiên-
cia de escrever e participar em eventos Freireanos, bem como escrever
cartas pedagógicas.
Desejo um excelente Fórum a todos e a todas, e um abraço
Freireano repleto de esperanças!

Elisama de Jesus Gonzaga Santos

Salvador, 24 de março de 2020.

Palavras-chave: Amorosidade. Inédito-Viável. Rigorosidade Metódica.

225
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho d›Água, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
STRECK, D. R.; RENDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. Dicionário Paulo
Freire. Lima: CEAAL, 2015.

226
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

INSERÇÃO DE ESTRANGEIROS NA UFFS A PARTIR DO ACESSO


À EDUCAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO PROGRAMA DE
EXTENSÃO “DIVERSIDADE LINGUÍSTICA: COMPARTILHAR
SABERES PARA QUEBRAR BARREIRAS”

Marcelo Luis Ronsoni


UFFS, Campus Erechim
marcelo.uffs@uffs.edu.br

Roselaine de Lima Cordeiro


roselainelcordeiro@gmail.com
UFFS, Campus Erechim

Sheila Duarte Marques Bassoli


UFFS, Campus Erechim
sheilabassoli@gmail.com

Stephanie Toussaint
UFFS, Campus Erechim
nivhacreole@gmail.com

Chè Kominote Ayisyen nan Brezil


(Prezada Comunidade Haitiana do Brasil),

É com grande alegria e satisfação que, por meio desta carta peda-
gógica, queremos contar-lhes sobre as ações desenvolvidas no programa
de extensão “Diversidade Linguística: compartilhar saberes para que-
brar barreiras”, aprovado no Edital N° 554/GR/UFFS/2019 - APOIO
A PROGRAMAS DE EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE FEDE-
RAL DA FRONTEIRA SUL (UFFS). Inicialmente, é preciso dizer que
a UFFS possui o “Programa de Acesso à Educação Superior da UFFS
para Estudantes Haitianos (PROHAITI)”, criado em 2013, que tem
como objetivo contribuir com a integração dos imigrantes haitianos à
sociedade local e nacional por meio do acesso aos cursos de graduação
da UFFS. No Campus Erechim, tivemos ingresso de estudantes haitia-
227
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nos em 2018, 2019 e 2020. Atualmente, temos nove (09) acadêmicos


haitianos matriculados nos cursos de Agronomia (Bacharelado); Arqui-
tetura e Urbanismo (Bacharelado); Engenharia Ambiental e Sanitária
(Bacharelado) e Geografia (Licenciatura).
Em Erechim-RS, os estrangeiros dividem-se em duas principais
nacionalidades: haitianos e senegaleses. Importante destacar a Lei nº
13.445, de 24 de maio de 2017, também conhecida como Lei de Mi-
gração, que institui definições básicas, bem como garante os direitos e
especifica os deveres dos migrantes. Em seu art. 3°, inciso XI, essa lei
tem como princípio e diretriz o “acesso igualitário e livre do migrante
a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação,
assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancá-
rio e seguridade social” (BRASIL, 2017). Entretanto, embora com a
promulgação dessa lei, levantamentos informais apontavam que cerca
de 60% dos imigrantes estavam desempregados no município de Ere-
chim, alguns inclusive em situação de subalimentação. Diante desse
cenário, desenhou-se uma rede de apoio composta por oito (08) enti-
dades, sendo elas, educacionais, filantrópicas e políticas, a fim de me-
lhor direcionar as demandas que surgiam dentro do grupo de estran-
geiros. Dentro dessa rede, a UFFS - Campus Erechim colabora com a
oferta de vagas públicas e gratuitas em seus cursos de graduação. Essa
presença dos estudantes haitianos na Universidade faz-nos lembrar de
Freire (1967, p. 41 e 42),

A integração ao seu contexto, resultante de estar


não apenas nele, mas com ele, e não a simples
adaptação, acomodação ou ajustamento, compor-
tamento próprio da esfera dos contatos, ou sinto-
ma de sua desumanização, implica em que, tanto
a visão de si mesmo, como a do mundo, não pode
absolutizar-se, fazendo-o sentir-se um ser desgarra-
do e suspenso ou levando-o a julgar o seu mundo
algo sobre que apenas se acha. A sua integração o
enraíza. Faz dele, na feliz expressão de Marcel, um
ser ‘situado e datado’.

Ao encontro disso, vislumbrando essa integração dos estudan-


tes haitianos ao espaço acadêmico, no início de 2019, um grupo de
228
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

servidores técnico-administrativos em educação da UFFS - Campus


Erechim elaborou um programa de extensão, intitulado “Diversidade
Linguística: compartilhar saberes para quebrar barreiras”, que visava
potencializar a presença dos estudantes haitianos no campus, inserin-
do-os de forma mais abrangente na comunidade acadêmica. Nessa
direção, nosso olhar voltou-se para a diversidade de línguas faladas
pelos estudantes haitianos e o contato diário desses acadêmicos com
a língua portuguesa, de modo que um dos objetivos do programa foi
permitir uma interação, como forma de valorização da diversidade
cultural, que pudesse quebrar barreiras, por exemplo, a comunicativa,
afinal “Expressar-se, expressando o mundo, implica o comunicar-se.
A partir da intersubjetividade originária, poderíamos dizer que a pa-
lavra, mais que instrumento, é origem da comunicação – a palavra é
essencialmente diálogo” (FREIRE, 1987, n. p.).
Destacamos que a primeira ação planejada foi desenvolver ati-
vidades comemorativas ao dia da Bandeira do Haiti, celebrado em
17 de maio. A partir do sucesso e da receptividade dessa atividade,
encorajamo-nos, junto com esse grupo de estudantes haitianos, em
propor cursos de línguas estrangeiras no campus, línguas estas faladas
pelos nossos acadêmicos haitianos. Iniciamos os cursos com as línguas
francesa, inglesa, espanhola e creole haitiano. Todos os cursos foram
ofertados prioritariamente pelos estudantes haitianos, com algum
apoio de outros acadêmicos e servidores que tinham conhecimento
das referidas línguas. As aulas das primeiras turmas ocorreram no pe-
ríodo de setembro a dezembro de 2019, com a certificação de trinta e
quatro (34) alunos. Além disso, outra ação a ser destacada, realizada
no mês de outubro desse mesmo ano, na IX Semana do Diversa, foi o
momento de imersão na cultura haitiana, com a atividade “A história
do Haiti narrada pelos estudantes haitianos”.
Observamos, nesse período de execução do programa de extensão,
um espaço de interação entre servidores e estudantes e o estímulo do con-
tato dos estudantes haitianos com a comunidade acadêmica, permitindo
que eles se sentissem mais familiarizados com o espaço universitário e
integrados a ele por meio do ensino e da aprendizagem de saberes linguís-
ticos e culturais. Isso foi feito no sentido de que “Quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, n. p.).
229
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Além disso, considerando a perspectiva a partir da qual “Saber que ensi-


nar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, n. p.).
Assim, diante de toda a troca sociocultural que o programa con-
seguiu construir, bem como os relatos orais que chegaram até a equipe
que estava coordenando as ações, observamos a influência positiva que
os encontros culturais e linguísticos têm para o processo inclusivo des-
ses acadêmicos na Universidade. O local de nascimento não pode ser
um fator limitante para o acesso à educação de qualidade, ao trabalho
digno e a outros aspectos fundamentais que são garantidos na Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal de
1988. Além disso, entendemos que os direitos humanos não podem ser
tratados como privilégios para poucos. A Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos deve atravessar fronteiras e permear todas as camadas
da sociedade, independente de cor, gênero, idioma, religião, sexualida-
de, nacionalidade, ou qualquer outra condição.
Despedimo-nos com as palavras de Stephanie Toussaint, estu-
dante haitiana do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da UFFS
– Campus Erechim, integrante do programa de extensão: “Mèsi UFFS
pou esperyans sa” (UFFS, obrigada pela experiência)!

Nossos cordiais cumprimentos à Comunidade Haitiana do Brasil!



Atenciosamente,

MEMBROS DA EQUIPE DO PROGRAMA DE EXTEN-


SÃO “DIVERSIDADE LINGUÍSTICA: COMPARTILHAR SABE-
RES PARA QUEBRAR BARREIRAS”, UFFS – Campus Erechim.

Palavras-chave: Interação Cultural. Experiência. Imersão Cultural.

230
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a lei de
migração. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 154, n.
99, p. 1, 25 Maio 2017.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. E-book.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
E-book.

231
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA PELO USO DE MÁSCARAS:


CONCEPÇÕES EDUCATIVAS DOS EDUCADORES
SOCIAIS DO CENTRO POP RUA

Janaina Dorigo dos Santos


Universidade de Caxias do Sul
jdsantos@ucs.br

Claudia Alquatti Bisol


Universidade de Caxias do Sul
cabisol@ucs.br

Sandro de Castro Pitano


Universidade de Caxias do Sul
scpitano@ucs.br

A nós, educadores sociais do Centro Pop Rua,

Mesmo antes do nosso horário de início de trabalho, lá estão eles,


a população em situação de rua, algumas vezes aglomerados em frente
ao serviço, aguardando a hora de entrar. Alguns com máscara, outros
não. Esse “outros não” nos faz refletir sobre a relevância do Centro Pop
Rua como espaço de construção de cidadania. Essa crença, em primeiro
lugar, porque o Centro Pop Rua é referência para muitos que se dire-
cionam ali como porta de entrada aos direitos básicos e, consequen-
temente, às demais políticas públicas. “Às demais políticas públicas”
não é frase pronta. Muitos construíram um vínculo, ao longo de muito
tempo de idas e vindas ao serviço. Vínculo esse que faz com que, nos
momentos em que estão mais frágeis e necessitam de cuidados, bus-
quem o Centro Pop, que os acolhe e ativa a rede intersetorial de atenção
a essa população.  
Caros colegas, o intuito não é escrever esta carta para explicar para
nós mesmos quais são os fluxos do Centro Pop Rua e as possibilidades
de encaminhamentos. O objetivo é um convite para que possamos re-
233
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

fletir sobre nossas práticas educativas na (re)construção de cidadania


para essa população, enquanto “educadores que se ocupam do social”
(SANTOS, 2019, p. 5). Sendo assim, vamos a cena: após cada um dos
que aguardavam passar pela porta de entrada, é-nos perceptível que os
que antes estavam aglomerados, se obrigam a se afastar e, se porventura,
o nariz que, em frente ao serviço, estava para fora da máscara passa a
não estar mais. Os que não tinham máscaras passam a tê-las, pois lhes é
oferecido uma. Obviamente, o uso da máscara é constantemente refor-
çado com a voz ativa e mecanicista dos educadores sociais que circulam
pelo serviço: “Fica de máscara”, ou “põe a máscara”, ou ainda “olha o
que tá escrito no cartaz”. Nesse sentido, poderíamos até imaginar que
pelo menos em algum lugar eles começaram a usar a máscara e assim re-
forçar um pensamento da importância do Centro Pop Rua! Mas vamos
lá, né? Que educação podemos nominar essa, que somente quando a
população em situação de rua entra no Centro Pop Rua coloca a más-
cara, pois assim pode ter acesso aos serviços, mas, quando sai, a retira?
O movimento em escrever esta carta para nós, pesquisadores,
diz também do lugar da educadora social, que ao mesmo tempo é
educadora e investigadora. A nossa pesquisa busca investigar quais
são as concepções educativas que emergem e/ou sustentam as relações
entres os trabalhadores e os usuários nas práticas de cuidados de saúde
mental na política pública de saúde mental. Ao pesquisar sobre as
concepções educativas nas relações entres os trabalhadores e os usuá-
rios de outra política pública, no caso, da política de saúde mental,
não há como não refletir sobre as concepções educativas que emergem
e/ou sustentam as práticas das relações entre nós, educadores sociais,
e a população em situação de rua.
Por esse caminho, quando pensamos sobre a população que, para
acessar o serviço, fica em fila e coloca sua máscara, Paulo Freire (1983)
escreveu sobre a educação como domesticação, na medida em que tem
um sentido estritamente mecanicista. Será que podemos dizer que re-
produzimos essa educação que Freire aponta quando nós, algumas ve-
zes, como “educadores-engrenagens” ficamos apenas repetindo: “ergue
essa máscara”, “gente, tem que ter distanciamento na fila”?
Não temos por intuito colocar mais peso em nossas costas, pois
sabemos que passamos por um período nada fácil e, às vezes (quase o
234
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tempo todo – o que estes tempos estão fazendo conosco?), nós nos questio-
namos sobre qual o nosso lugar de educador frente à desesperança que
nos abate, frente ao medo que nos acompanha. Para esses questiona-
mentos, novamente Freire (1996, p. 73) nos disse que a “desesperança
não é maneira de estar sendo natural do ser humano, mas distorção
da esperança”. Isso nos faz passar a entender que a desesperança nega
o movimento constante de busca de sermos mais. A população em si-
tuação de rua em seus movimentos e andanças também faz suas buscas
e, no seu tempo, vai até o serviço, porque algo que os levou até lá somos
nós que os estamos aguardando.
Podemos promover ações emancipatórias, nesse fio de esperança
que move este público ao adentrar o serviço, possibilitando não somen-
te uma passagem mecanicista de colocar a máscara e desaglomerar para
ter “direito ao acesso aos seus direitos’’. Uma frase estranha, para um
momento estranho em que temos que, enquanto trabalhadores da polí-
tica pública, refletir sobre não repercutir a desigualdade em um equipa-
mento que deveria dar acesso a direitos e a combatê-la. Mas este é um
fio de conversa que poderemos puxar em outro momento, pode ser em
outra carta, quem sabe?      
O que queremos escrever aqui é que cabe a nós, educadores so-
ciais, pensarmos juntos sobre a concepção educativa que está ou não
presente nas relações que estabelecemos com a população que atende-
mos. Diante da sombra da desesperança, podemos nos movimentar por
esse pensamento, estando impregnados pela esperança e pela alegria que
não se imobiliza, apesar de, às vezes, termos a sensação de que o serviço
ficou minúsculo, em termos de equipe, e distante da população, em
termos de chegar até eles. Precisamos ficar com os pés na realidade, na
concretude, na ordem do possível. E na ordem do possível, o que nos
cabe é construir uma relação junto com sujeitos que adentram o serviço
e lembrá-los que também estão em uma pandemia. Por que lembrá-los? 
Vivemos em um país tão desigual, de ordem econômica, racial e
de gênero, que poderíamos acreditar, olhando para a fila diária do Cen-
tro Pop Rua, que muitas pessoas ainda não conseguiram compreender
que estão em uma pandemia mundial. “Ao não perceber a realidade
como totalidade, na qual se encontram as partes em processo de in-
teração, se perde o homem na visão ‘focalista’ da mesma. A percepção
235
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

parcializada da realidade rouba ao homem a possibilidade de uma ação


autêntica sobre ela” (FREIRE, 1983, p. 34). 
De fato, muitos não vão conseguir perceber se não foram educa-
dos para perceberem. Além da garantia de direitos, parte da construção
da cidadania, podemos, por meio do diálogo entre educadores e sujeitos
atendidos, possibilitar e aprofundar a significação dessa realidade, fa-
zendo uma leitura do mundo. Isso precisa ser feito, pois, mediados por
essa realidade, temos a possibilidade de construir uma relação impreg-
nada por uma concepção educativa que considere essa população nesta
realidade pandêmica, que considere o não saber e o saber que possuem
e que considere o nosso não saber e o nosso saber também. Para chegar
a essa educação que considera saberes e a incompletude do não saber,
temos a necessidade de conversar, de ter trocas, de ter diálogos, proble-
matizando essa realidade (FREIRE, 2018).
Finalizamos esta carta fazendo uma ressalva: não intentamos ter
respostas sendo nós, seres históricos que carregamos na nossa bagagem
o “educador social de rua”, que, como Freire (1989) escreveu, era com-
prometido com o público que atendia, solidário e um eterno pasmo
pedagógico pela perplexidade de não ter respostas frente aos desafios
da realidade, aprendendo com o público que atendia. Assim, sendo so-
lidários e comprometidos com a população em situação de rua, que
possamos propor a retomada da sua humanização sempre que não se
perceberem no contexto de pandemia, pela dialogicidade, pela convi-
vência participativa e questionadora.
Que isso seja feito com afetuosos olhares que, sobre a máscara,
dizem: juntos, por esta, vamos passar...

Palavras-chave: Educação Social. Diálogo. População em Situação


de Rua.

236
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
FREIRE, P. Educadores de rua: uma abordagem crítica. Bogotá:
UNICEF, 1989.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
SANTOS, K. Paulo Freire e a educação social: inspirações emergentes
à prática emancipadora. Quaderns d’Animació i Educació Social, v.
1, pp. 1-9, 2019.

237
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

VARAL TEMÁTICO SOBRE CARTAS PEDAGÓGICAS


EM CONEXÃO PARIS-ERECHIM

Fonte: acervo pessoal.

Ana Lúcia Souza de Freitas, 0311anafreitas@gmail.com. Coauto-


rias: Ana Cristina da Silva Rodrigues, Unipampa, Jaguarão/RS, pro-
fanacrisrodrigues@gmail.com; Ana Felícia Guedes Trindade, Por-
to Alegre/RS, POIESIS, escidada@hotmail.com; Ana Lúcia Castro
Brum, UFRGS, Porto Alegre/RS, analubrum@hotmail.com; Ancilla
Dall’Onder Zatt, FSG, Bento Gonçalves/RS, ancila@italnet.com;
Bianca Vergara Gonçalves Teixeira de Mello, Unipampa, Jaguarão/
RS, professorabiancav@gmail.com; Cleiva Aguiar de Lima, IFRS, Rio
Grande/RS, cleiva.lima@riogrande.ifrs.edu.br; Daiane Leal da Silva,
EMEF Prof. João de Oliveira Martins, Rio Grande/RS, daiane_ks-
sino@hotmail.com; Daianny Madalena Costa, UNISINOS, Porto
Alegre/RS, daiannycosta@hotmail.com; Elisama de Jesus Gonzaga
239
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Santos, UFBA, Salvador/BA, elisamajg@gmail.com; Fernanda dos


Santos Paulo, UNOESC, Joaçaba/SC, fernanda.paulo@unoesc.edu.
br; Franciele Vanzella da Silva, EMEF Nancy Ferreira Pansera, Ca-
noas/RS, francielevanzelladasilva@gmail.com; Hedi Luft, UNIJUÍ,
Santa Rosa/RS, hedim@terra.com.br; Ida Letícia Gautério da Silva,
EMEF Prof. João de Oliveira Martins, Rio Grande/RS, idaquimica@
gmail.com; Luciene Rodrigues Silva, Coletivo Leitoras de Paulo Frei-
re na França, Paris/Fr prof.lucienersilva@gmail.com; Isabela Camini,
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, RS, isacamini@ya-
hoo.com.br; Mari Margarete dos Santos Forster, UNISINOS, Por-
to Alegre/RS, mari.forster@gmail.com; Maria Elisabete Machado,
EMEF José Loureiro da Silva, Viamão/RS, mmelisabete@yahoo.com.
br; Micheli Silveira de Sousa, EMEF Nancy Ferreira Pansera, Ca-
noas/RS, micheli.souza@acad.pucrs.br; Nina Rosa Ventimiglia Xa-
vier, ASSERS/AOERGS, Porto Alegre/RS, ninaventimiglia@gmail.
com; Rosane Oliveira Duarte Zimmer, PUCRS, Porto Alegre/RS, ro-
sane.zimmer@pucrs.br; Sandra Maria de Assis, Colégio Loyola, Belo
Horizonte/MG, sandra.assis@loyola.g12.br; Sofia Cavedon Nunes,
FLACSO, Porto Alegre/RS, sofia.cavedon@gmail.com;Tanise Dreyer
Ramos, Association Sol do Sul, Paris/Fr, taniseramos@yahoo.fr.

O trabalho inspira-se na boniteza (REDIN, 2018) da obra de


Berthe Morisot (1841-1895) – uma presença feminina do movimento
impressionista na França – para anunciar o que estamos propondo:
um Varal Temático sobre Cartas Pedagógicas (FREIRE, 2000; VIEI-
RA, 2018). A pintura intitulada Blanchisseuse (1881) – Lavadeira –
retrata o trabalho de uma camponesa estendendo roupas no varal. Por
meio desta obra artística, enfatizamos a beleza do gesto de estender –
no sentido literal e metafórico – apresentando uma releitura do termo
varal ao atribuir-lhe a função de suporte para visibilizar a escrita auto-
ral de mulheres, elaboradas em forma de Cartas Pedagógicas. Temos
como objetivo compartilhar experiências relacionadas a diversos con-
textos de ensino, de formação em espaços não escolares e de pesquisa
em diferentes níveis de formação. Propomos a disponibilização dos
textos para leitura, em suporte virtual, a fim de fomentar o diálogo
sobre a diversidade das produções reunidas. Entre outras, algumas es-
240
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

critas na França que motivaram a conexão Paris-Erechim: duas cartas


de boas-vindas em atividades de formação sobre Cartas Pedagógicas
em 2019 – uma oficina de pesquisa, em agosto, na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), e um Ateliê de Cartas Pedagógi-
cas em novembro, organizado com o Comitê de Educação do Grupo
Mulheres do Brasil, em uma Associação de bairro (16 ème) em Paris/
Fr – uma Carte Pédagogique, relatando a experiência do “Papo(tage)
Franco-brésilien”, realizado em fevereiro de 2020 com a Associação
Sol do Sul (14 ème) e uma Carta Pedagógica elaborada pelo Coletivo
Leitoras de Paulo Freire na França, com o objetivo de convidar para o
II Picnic com Paulo Freire, a realizar-se no Jardim Marielle Franco, em
Paris/Fr, neste ano do centenário de seu nascimento. Tomando como
ponto de partida os significados atribuídos à escrita de Cartas Peda-
gógicas em contextos tão distintos, propomos o diálogo sobre: Quais
as diferentes finalidades empregadas às Cartas Pedagógicas? Quais as
dificuldades encontradas e quais as ações de mediação pedagógica rea-
lizadas para desencadear e apoiar o processo de escrita? Qual o rigor
compatível com a escrita de uma Carta Pedagógica, sem descaracteri-
zar a amorosidade que a constitui? Os referidos questionamentos re-
sultam da investigação em processo sobre as Cartas Pedagógicas como
instrumento metodológico de formação (FREITAS, 2019; 2020),
bem como das andarilhagens que se expandem, apresentando novos
desafios: a internacionalização da experiência, o emprego de recursos
digitais e a produção bi(multi)língues.

Palavras-chave: Cartas Pedagógicas. Varal Temático. Legado de


Paulo Freire.

241
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREITAS, A. L. S. Carta sobre Cartas Pedagógicas: experiência e
reinvenção do legado de Paulo Freire. In: DICKMANN, I. (Org.).
Diálogo Freiriano. Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2019. Pp. 55-64.
FREITAS, A. L. S. Andarilhagens de uma educadora pesquisadora:
Cartas Pedagógicas e outros registros de participação no Fórum de
Estudos Leituras de Paulo Freire. 1. ed. São Paulo: BT Acadêmica;
Porto Alegre: Poisesis & Poiética Casa Publicadora, 2020.
REDIN, E. Boniteza. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J.
(Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2018. Pp. 71-73.
VIEIRA, A. H. Cartas Pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2018. Pp. 75-76.

242
CAPÍTULO 3

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA:
SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ENSINO REMOTO EM TEMPOS DE PANDEMIA: EDUCAÇÃO


BANCÁRIA OU LIBERTADORA?

Wylana C. A. Souza
Universidade de Passo Fundo
187733@upf.br

Bruna Eduarda Rocha


Universidade de Passo Fundo
187728@upf.br

Daniê Regina Mikolaiczik


Universidade de Passo Fundo
187729@upf.br

Paulo Freire em sua reputada obra “A Pedagogia do Oprimi-


do”, escrita em 1974, estabelece uma profunda crítica diante do
modelo de educação que não valoriza a individualidade dos edu-
candos, incentivando-os e levando-os a serem seres passivos, não
atuantes, vulneráveis à dominação e cada vez mais distantes do de-
senvolvimento crítico e criativo. Uma educação que constrói, por-
tanto, um falso saber, somado a um falso ensinar. Uma relação rasa
com a aprendizagem que, em nome da “preservação da cultura e do
conhecimento”, acaba por não construir nem conhecimento nem
cultura verdadeiros (FREIRE, 1987).
Em contrapartida a isso, Freire apresenta a educação libertado-
ra, com base na tese da criatividade e da criticidade, da liberdade de
expressão, em que o educando experiencia, de fato, o poder criador
que, em uma educação pautada na opressão, não se faz possível. Inte-
grantes da educação libertadora, educador e educando constroem jun-
tos o processo de aprendizagem, em que este é o sujeito da sua própria
educação, não somente um “depositário” passivo de conteúdo, pois:
 
245
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

[...] a educação libertadora, problematizadora, já


não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou
de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e
valores aos educandos, meros pacientes, à maneira   
da educação “bancária”, mas um ato cognoscente.
Como situação gnosiológica, em que o objeto cog-
noscível, em lugar de ser o término do ato cognos-
cente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos
cognoscentes, educador, de um lado, educandos,
de outro, a educação problematizadora coloca,
desde logo, a exigência da superação da contradi-
ção educador- educandos. Sem esta, não é possível
a relação dialógica, indispensável à cognoscibilida-
de dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo
objeto cognoscível (FREIRE).

Para que a educação seja realmente libertadora, deve, primeira-


mente, acolher e respeitar o educando em sua individualidade, pautan-
do-se unicamente no crescimento real e efetivo, voltada para a práxis
do sujeito. Para que essa educação possa se efetivar, é imprescindível
estar, antes de mais nada, atuando no mundo real do educando, o que
implica conhecê-lo a valer além da sala de aula, considerando que ele
não vem sozinho para a escola. Os alunos não são indivíduos abstratos
que competem em condições de igualdade no ambiente escolar, mas
atores socialmente constituídos que trazem, em larga medida incor-
porada, uma bagagem social, cultural e economicamente diferenciada
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 18), que certamente influencia
no seu processo de aprendizagem. 
Com base na teoria de Freire (1987), objetivamos compreender
de que modo o nosso cenário educacional atual (imposto pelo vírus
Sars-CoV-2, o qual causa a Covid-19) vem corroborando para reafir-
mar uma educação verdadeiramente libertadora, centrada no desenvol-
vimento real do educando, ou o que se estabelece neste momento é uma
educação bancária e que pouco contribui para o desenvolvimento do
educando em sua totalidade.
O fato é que estamos entregues aos impactos de uma pandemia
que foi anunciada em março de 2020, impondo o distanciamento social
que ainda perdura, demandando drásticas mudanças que atingiram todos
246
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

os setores e, consequentemente, a educação, a qual precisou ser reinven-


tada, adaptada para atender às necessidades que o período apresentava e,
desde então, oscilamos até o presente momento entre ensino remoto e
ensino híbrido. Vale ressaltar que, na falta de diretrizes “verdadeiramente
orientadoras” dos órgãos competentes para auxiliar na escolha do método
que melhor atendesse e suprisse as necessidades educativas do momento,
pautados na aprendizagem dos alunos, grande parte dos estados brasilei-
ros optaram pelo ensino no qual ter uma boa internet é indispensável.
A escolha por um ensino que dê preferência ao uso da internet no
atual contexto brasileiro é algo complexo, sendo que 28% dos domicílios
não a possuem, o que equivale a 20 milhões de unidades residenciais sem
conexão com a rede1, fator que limita, ou até mesmo, impossibilita o
acesso às aulas virtuais, as quais são disponibilizadas por grande parte das
escolas públicas. Ainda há outro agravante, além da falta de acesso à inter-
net, vivemos em uma nação que ocupa o 9º lugar no ranking dos países
mais desiguais2, onde 53 milhões de pessoas vivem na pobreza, haven-
do déficit de moradia, um dos direitos fundamentais resguardados pela
Constituição Federal, em seu Art. 6, ultrapassando 7,7 milhões. Além
disso, é importante pontuar que um em cada quatro domicílios brasi-
leiros não possui sequer água encanada, 11,4 milhões de pessoas moram
em favelas e, junto com esses dados, encontram-se os bairros onde vivem
cerca de 24 milhões de moradores em situações precárias3.
Como pensar em uma educação libertadora, neste cenário, des-
vinculada das condições individuais dos estudantes (habitação, alimen-
tação, saneamento, entre outras), sobretudo se estiver atrelada ao uso da
internet? É comprovado que grande parte da população não tem acesso
a ela, pois isso demanda a disponibilidade de um capital superior ao que
ampla parcela dos alunos das escolas públicas possui, e, ainda, diante
de um grupo que não sabe se será possível realizar uma única refeição
no decorrer do dia. Assim, o contexto de aprendizagem é algo quase
improvável. Freire (1987, p. 34) pontua que: 
1 Dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da sociedade da
Informação – CETIC.BR – site sob auspícios da UNESCO, em pesquisa realizada
entre outubro de 2019 a março de 2020.
2 Dados IBGE 2020.
3 Dados do Censo Dados do Censo. Não foram disponibilizadas novas pesquisas, per-
manecendo no site os dados provavelmente desatualizados referentes ao ano de 2010.
247
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancá-


ria” da educação, os homens sejam vistos como
seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais
se exercitam os educandos no arquivamento dos
depósitos que lhes são feitos, tanto menos desen-
volverão em si a consciência crítica de que resul-
taria a sua inserção no mundo, como transforma-
dores dele. Como sujeitos.

Contudo, é isto o que vivenciamos: uma educação focada no


ajustamento irreal, em uma adaptação constante que aprisiona o pro-
cesso cognitivo, limitando o desenvolvimento, distanciando o aluno da
inserção em um pensamento crítico, que é o principal formador de
atitudes transformadoras dos sujeitos e do mundo e, com isso, aproxi-
mando-o de uma educação bancária, que não oportuniza, tampouco
respeita o processo de ensino de forma igualitária, privilegiando alguns
ao mesmo tempo em que exclui e oprime outros. Muitos alunos ficarão
à margem da aprendizagem, reafirmando o papel da escola enquanto
instituição a serviço da reprodução e da legitimação das desigualdades
já existentes (BOURDIEU, 1988), mas que são tratadas mediante uma
equidade formal preestabelecida. Embora saibamos da impossibilidade
do retorno presencial, não se pode construir uma educação libertadora
frente ao que vivenciamos, hoje, no setor educacional público brasilei-
ro. Paulo Freire pontua que uma educação libertadora se faz diante da
igualdade de aprendizagem, mas não diante de uma educação que acaba
ampliando as possibilidades de fracasso e potencializando a discrepân-
cia do desempenho, da aprendizagem e do crescimento dos estudantes.
Posto isso, ousamos afirmar que estamos, sim, distanciando-nos
da educação libertadora, daquela que, como dito antes, foca na práxis
do sujeito, que visa verdadeiramente o ato cognoscente, a cognoscibili-
dade dos sujeitos cognoscentes (FREIRE, 1987). Para ser libertadora, é
primordial que a educação atenda a todos os educandos de forma igua-
litária, dando-lhes acesso às oportunidades. Entretanto, não é isso o que
vivenciamos em 2020 e que ainda perdura no início de 2021.

Palavras-chave: Paulo Freire. Ensino Remoto. Educação Libertadora.

248
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1988.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
NOGUEIRA, C. M. M; NOGUEIRA, M. A. A sociologia da educa-
ção de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação & Socieda-
de, ano XXIII, n. 78, pp. 15-36, 2002.

249
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: APROXIMAÇÃO ENTRE


PRESSUPOSTOS FREIREANOS E O ENFOQUE
CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE

Guilherme Schwan
Universidade Federal da Fronteira Sul
guilhermeschwan@gmail.com

Rosemar Ayres dos Santos


Universidade Federal da Fronteira Sul
roseayres07@gmail.com

Configurações curriculares alicerçados aos pressupostos do edu-


cador Paulo Freire e ao enfoque da Ciência-Tecnologia-Sociedade
(CTS) delineiam-se ao movimento do Pensamento Latino-Americano
em Ciência-Tecnologia-Sociedade (PLACTS), que, na contemporanei-
dade, toma contornos educacionais, sendo duas práticas complementa-
res, enquanto PLACTS traz aprofundamentos da Ciência-Tecnologia
(CT), Freire atua em aspectos educacionais. Nesse sentido, investiga-
mos de que maneira a articulação entre os pressupostos de Freire e o
enfoque CTS estão sendo desenvolvidos no Ensino de Ciências. Obje-
tivamos, com isso, apresentar sinalizações/reflexões acerca de pesquisas
que utilizam aproximações Freire-CTS na Educação em Ciências (EC).
Diferentemente do movimento CTS, o PLACTS (DAGNINO,
2006) não repercutiu, inicialmente, no âmbito educacional, porém,
contemporaneamente, alguns educadores brasileiros, como Auler e
Delizoicov (2015) e Santos (2016) estão desenvolvendo pesquisas li-
gadas à Educação nesse viés, construindo aproximações de referências
ligadas ao educador Paulo Freire, almejando uma maior participação
social em processos decisórios de temas/problemas, condicionados
pelo uso da CT na superação da cultura do silêncio e na promoção de
uma maior percepção de mundo em que o ser humano deixa de ser
objeto histórico e passa a ser sujeito ativo e crítico, problematizando
os atuais rumos dados ao desenvolvimento científico-tecnológico e
251
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

constituindo novas sinalizações ao mesmo, rompendo, assim, com seu


silêncio e sua submissão.
Nesse âmbito, essa é uma pesquisa qualitativa, de cunho biblio-
gráfico que, metodologicamente, seguiu a Análise Textual Discursiva
(ATD) (MORAES; GALIAZZI, 2006), estruturada em 3 etapas: Uni-
tarização; Categorização; Comunicação. Na definição e delimitação do
corpus de análise, realizamos o levantamento dos principais trabalhos
do repositório do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tec-
nologia (IBICT), até o dia 16/12/2019, estabelecendo os termos de
busca: Freire, CTS, Ensino de Ciências. Com isso, obtemos um total
de 38 pesquisas (29 dissertações e 9 teses). Porém, como o critério de
seleção se deteve em aproximações entre o educador Paulo Freire, o
enfoque CTS e PLACTS na educação, em uma nova seleção, restaram
21 pesquisas (17 dissertações e 4 teses), as quais identificamos como
P1 a P211, emergindo, no processo de categorização, quatro categorias,
porém, devido à amplitude da pesquisa, optamos por limitar a análise a
duas categorias neste trabalho.
“Diálogos na estruturação curricular sob aproximação freire –
CTS”. Esta primeira categoria, dimensionada pela aproximação de
Freire e CTS, se estabelece em configurações curriculares “em torno de
temas, de problemas reais e contemporâneos” (SANTOS, 2016, p. 66).
Isso é feito na busca de maior participação e democratização em deci-
sões de temas/problemas sociais que envolvam ciência-tecnologia, par-
tindo de uma leitura crítica da realidade na busca do que Freire (2005)
denomina de “temas geradores”, sugerindo, assim, a dinamização do
processo educacional por meio da “Investigação Temática” (FREIRE,
2005). A referida aproximação que, na análise das pesquisas, em um
de seus pontos, se estabelece na estruturação curricular envolta por te-
mas/problemas que “pensada a partir de temas em consonância com
as demandas sociais possibilita discutir novos caminhos para uma Po-
lítica-Científica-Tecnológica (PCT), de modo que as problemáticas de
determinada localidade direcionem esses rumos” (FONSECA, 2019,
p. 30). A estruturação curricular pensada a partir de temas advém da
crítica que é feita ao currículo tradicional como definições a priori, em
1 As pesquisas citadas, no presente trabalho, foram: P1 (FORGIARINI, 2007), P2
(STRIDER, 2008), P4 (LOPES, 2013), P5 (LYRA, 2013), P19 (FONSECA, 2019).
252
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que “os conteúdos e as atividades abordadas nas escolas brasileiras são


indicadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Trata-se de temas
pré-estabelecidos a serem cumpridos num determinado período do ca-
lendário escolar” (LOPES, 2013, p. 105), consequentemente são con-
teúdos sem conexão com a realidade dos estudantes. Desse modo, con-
figurações curriculares pautadas por temas, presentes na aproximação
FREIRE/CTS, contrariam a lógica tradicional de ensino, pois “[...] a
formação de educandos capazes de atuar de forma consciente e transfor-
madora na sociedade em que vivem rompe com a linearidade do ensino
e preocupa-se com uma contextualização do conteúdo à realidade do
educando” (LYRA, 2013 p. 49).
Nas pesquisas analisadas, os autores destacam que, além de tra-
tar da formação de estudantes, é imprescindível tratar da formação de
professores e seu planejamento curricular, ressaltando “a necessidade de
aprofundar discussões sobre a perspectiva temática em processos forma-
tivos de professores, bem como a organização de currículos sensíveis a
questões relevantes do contexto” (FONSECA, 2019, p. 31).
“Divergências e desafios entre abordagens Freire-CTS”. Nesta
última categoria, são apontadas algumas divergências entre as referi-
das abordagens. Freire, a partir da educação libertadora, aponta uma
maneira em que o “[...] educando pudesse tomar consciência da sua
situação existencial e pudesse agir sobre ela para transformá-la em dire-
ção à construção de uma sociedade mais justa e igualitária” (SANTOS,
2008, p. 117). Já o movimento CTS, com surgimento em países de
Primeiro Mundo, centrava-se muito mais nos impactos tecnológicos na
sociedade e, sobretudo, em suas consequências ambientais [...]” (SAN-
TOS, 2008, p. 118). Divergência, também, apontada em relação ao
estudo de temas. “Na perspectiva de Freire, os temas de aprendizagem
surgem com uma efetiva participação da comunidade escolar, enquan-
to nos encaminhamentos dados pelo enfoque CTS, essa dinâmica está
ausente, sendo definida pelo professor” (FORGIARINI, 2013, p. 110).
No mesmo sentido, quanto à abrangência dos temas, Strider destaca
que “[...] as ideias freireanas caminham no sentido de manter o foco na
realidade local, a perspectiva curricular CTS tende a escolher temas de
alcance mais global e geral, sem se ater muito a contextos específicos”
(STRIDER, 2013, p. 35). Portanto, a aproximação desses referenciais
253
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

na área de ensino em ciências se explica pelas ideias freireanas contri-


buírem na aplicação da perspectiva do movimento CTS, que, no campo
educacional, é atrelado principalmente ao PLACTS.
O PLACTS, apesar de certo modo ser um movimento que faz
crítica ao movimento CTS originado em países capitalistas do norte e
por sua transmissão linear da CT, busca, no campo educacional, uma
aproximação ao referencial de Paulo Freire, que, sob este enfoque, obje-
tiva um pensar sobre temas locais, que apontem temas/problemas, para
ir adiante em novos rumos apoiados em uma percepção crítica, demo-
crática e uma maior percepção de mundo, frente aos desafios da CT.

Palavras-chave: Paulo Freire. CTS/PLACTS. Ensino de Ciências.

254
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
AULER, D.; DELIZOICOV, D. Investigação de temas CTS no con-
texto do pensamento latino-americano. Linhas Críticas, v. 21, n. 45,
pp. 275-296, 2015.
DAGNINO, R. Mais além da participação pública na ciência: buscan-
do uma reorientação dos estudos sobre ciência, tecnologia e sociedade
em ibero-américa. CTS+I, n. 7, pp. 1-15, 2006.
LOPES, G. Z. L. O referencial teórico de Paulo Freire no ensino de
ciências e na educação CTS: um estudo bibliométrico e epistemoló-
gico. [Tese de Doutorado]. São Carlos: UFSCar, 2013.
LYRA, D. G. G. Os três momentos pedagógicos no ensino de ciências
na educação de jovens e adultos da rede pública de Goiânia, Goiás: o
caso da dengue. [Dissertação de Mestrado]. Goiânia: UFG, 2013.
MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise Textual Discursiva de Múlti-
plas Faces. Ciência & Educação, v. 12, n. 1, pp. 117-128, 2006.
FONSECA, E. M. Abordagem de temas no ensino de ciências: refle-
xões para processos formativos de professores. [Dissertação de Mes-
trado]. Bagé: Unipampa, 2019.
FORGIARINI, M. S. Abordagem de temas polêmicos no currículo
da EJA: o caso do “florestamento” no RS. [Dissertação de Mestrado].
Santa Maria: UFSM, 2007.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005.
SANTOS, R. A. Busca de uma participação social para além da ava-
liação de impactos da Ciência-Tecnologia na sociedade: sinaliza-
ções de práticas educativas CTS. [Tese de Doutorado]. Santa Maria:
UFSM, 2016.
SANTOS, W. L. P. Educação Científica Humanística em Uma Perspec-
tiva Freireana: Resgatando a Função do Ensino de CTS. Alexandria, v.
1, n. 1, pp. 109-131, 2008.
STRIDER, R. B. Abordagem CTS e Ensino Médio: Espaços de Arti-
culação. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: USP, 2008.
255
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A CONSTRUÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO EM PROL DE UMA


EDUCAÇÃO POPULAR, ESPECÍFICA E DIFERENCIADA:
INSTITUTO INDÍGENA ANGELO MANHKÁ MIGUEL

Carine Ines Simon


Universidade Federal da Fronteira Sul
carinesimon6@gmail.com

Falar sobre educação no Brasil, ou até mesmo no mundo, impli-


ca em falar da filosofia de Paulo Freire (1921-1997), ora pela trajetó-
ria, ora pelas conquistas, mas principalmente pela vasta contribuição
para a pedagogia, pois segue sendo um dos pilares da educação liber-
tadora e popular.
Segundo a visão de Freire (1987), a educação deve ser concreti-
zada com o povo, com a classe dos oprimidos, ou seja, com as classes
populares, pois, segundo ele, isso gera uma educação libertadora, pro-
movendo novas concepções nas relações sociais. Freire nos presenteou
com a contribuição de uma proposta de educação para todos os brasi-
leiros, uma “educação popular”, a qual implica no olhar crítico, o que,
segundo o pensador, facilita o desenvolvimento da comunidade na qual
o educando está inserido, pois estimula o diálogo e a participação co-
munitária, usa como estratégia o saber da comunidade como matéria-
-prima para o ensino. Assim, a concepção de Freire vai além do respeito
e da compreensão da cultura do outro, é necessário que “[...] não se
pretenda impor ao outro uma forma de ser de minha cultura, que tem
outros cursos, mas também o meu respeito não me impõe negar ao ou-
tro o que a curiosidade do outro e o que ele quer saber mais daquilo que
sua cultura propõe” (FREIRE, 2014, p. 104). Dessa forma, valorizam-
-se todos os sujeitos sociais nesse processo, reconhecendo a importância
do saber popular e do saber científico, orientado por anseios humanos
de liberdade, de igualdade e de justiça.
Em busca de constituir espaços escolares com aspectos cada vez
mais próximos às exigências e às necessidades das comunidades em que
estão inseridos, o estudo traz uma breve análise de uma escola Indí-
257
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gena, Instituto Estadual Indígena Angelo Manhká Miguel, que forma


professores indígenas Kaingangs. Mesmo havendo grandes avanços em
termos de respeito e de incentivo à cultura indígena e uma educação es-
colar mais adequada que possa atender às reais necessidades de cada co-
munidade, atualmente, no Brasil, poucas instituições investem na for-
mação de professores com uma perspectiva indígena, pois são poucos
os cursos desenvolvidos em que há interação com a cultura indígena,
com práticas voltadas às necessidades e às particularidades desse povo.
Aponta-se esse cenário como uma questão preocupante, pois resulta em
professores sem formação adequada para trabalhar em escolas indíge-
nas, o que gera uma continuidade da escola em seu papel histórico de
“branqueamento” dos povos indígenas.
Este estudo propõe-se a relatar, ainda que brevemente, minha ex-
periência como docente (2017-2020) no Instituto Estadual Indígena
Angelo Manhká Miguel, localizado na Terra Indígena Inhacorá, no mu-
nicípio de São Valério do Sul-RS. Objetiva-se, com isso, compreender
como o educandário se organiza e como esse espaço de aprendizagem e
de conhecimento pode contribuir para uma educação escolar Kaingang
específica e diferenciada, com base nas concepções da educação popular.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, focada nas obras e nas
concepções de educação popular de Paulo Freire (1987; 1997; 2014),
além de documentos específicos da Instituição pesquisada, como o
regimento e o plano de estudo. Essa pesquisa é fruto de debates cons-
tantes entre a autora e o grupo de docentes do Instituto, que recorrem
a frequentes momentos de reflexão e partilhas a respeito de suas prá-
ticas pedagógicas.
O Instituto Estadual Indígena Angelo Manhká Miguel é um edu-
candário construído por meio de uma mobilização partida da própria
comunidade ao se deparar com as necessidades educacionais de seus
filhos, que completavam o ensino fundamental dentro da comunidade,
com o uso da língua materna e com a maioria de seus professores Kain-
gangs, mas que se deparavam com o Ensino Médio em uma escola na
cidade próxima, sem vínculo nenhum com a cultura indígena.
O instituto iniciou suas atividades em 2014, após cerca de dez
anos de lutas. Atende exclusivamente alunos Kaingangs, com oferta de
Ensino Médio e Curso de Magistério bilíngue. A organização foi pen-
258
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sada por membros da liderança da comunidade, professores indígenas


e membros da 21ª CRE juntamente com a SEDUC, com objetivo de
organizar um espaço de formação que atendesse às demandas em nível
estadual em relação à educação escolar Kaingang. Para sua execução,
além de organizar ementas específicas, foram também realizados ajustes
nas instalações e na construção de um internato para que alunos de ou-
tras comunidades Kaingangs do Rio Grande do Sul pudessem realizar o
curso e permanecer na escola durante esse período de estudos.
A metodologia do Instituto visa contemplar a “pedagogia Kain-
gang”, a qual respeita e valoriza os conhecimentos tradicionais, assim
como a reafirmação dos valores culturais (Plano de Estudos do Ins-
tituto, p. 3). Indispensável destacar que é perceptível, no regimento
e nos planos de ensino, o cuidado com a valorização da língua ma-
terna, da cultura e dos processos próprios de ensino e de aprendiza-
gem, garantindo à escola o direito de trabalhar em uma perspectiva de
educação popular seguida por Paulo Freire: específica, diferenciada,
intercultural e bilíngue. Nessa perspectiva, o Instituto concretiza com
seus professores o rompimento de aspectos colonizadores, ainda mui-
to presentes nas escolas indígenas.
O curso de magistério bilíngue se organiza por meio da peda-
gogia da alternância. Os alunos permanecem na escola por 15 dias,
com aulas em período integral, e os outros 15 dias nas suas comuni-
dades, onde seguem em contato com sua cultura e dinâmica diária.
Nesse período tempo-comunidade, costumam realizar pesquisas, rodas
de conversas, documentários com pessoas da sua comunidade, concre-
tizando, assim, o vínculo com a comunidade e com seus conhecimentos
próprios, como sua cosmologia, sua linguagem e seu modo próprio de
aprendizagem. Vale ressaltar que os conhecimentos científicos também
são adotados, porém eles partem da realidade do povo Kaingang.
Essa metodologia difere-se daquelas aplicadas em outros cursos de
magistério não específicos para indígenas, o que se torna um grande de-
safio para o grupo de docentes, os quais não tiveram acesso à formação
específica para trabalhar com uma proposta pedagógica diferenciada.
Um dos aspectos mais positivos do Instituto aconteceu na sua origem,
pois ele foi pensado e construído a partir do desejo de indígenas da pró-
pria comunidade em que está inserido. Esses esperam do educandário
259
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

a formação de futuras gerações de professores Kaingangs que possam


também impactar na educação básica dentro das comunidades indíge-
nas. Com seu pouco tempo de atuação, ainda é difícil destacar sua real
importância para a escolarização indígena, porém já se pode afirmar sua
importância na luta de uma verdadeira escolarização Kaingang.
Ainda há muito a ser construído, pois a equipe docente se reor-
ganiza e repensa suas práticas a cada ano. Juntos, também organizam
seus próprios espaços de formação para atender às demandas e para que
o processo de formação se efetive de acordo com os pressupostos legais
e com os objetivos do Instituto, que é o de se efetivar, no contexto da
educação popular, reconhecendo as condições de vida de seus alunos e
atuando a partir da realidade de cada um.

Palavras-chave: Educação Popular. Educação Escolar Indígena. For-


mação de Professores Kaingangs.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da tolerância. São Paulo: UNESP, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

260
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO POPULAR COMO PRÁTICA


DO PENSAMENTO DECOLONIAL

Silvana Pires de Matos


Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNIOESTE-Francisco Beltrão
sil26pires@gmail.com

Alexandra Carniel
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNIOESTE-Francisco Beltrão
carnielalexandra@gmail.com

Este trabalho deriva de leituras e de discussões teóricas realizadas


na disciplina Educação e Direitos Humanos: perspectivas decoloniais,
ofertada pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas, da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – Erechim.
Considerando a relevância do tema, o presente texto consiste em uma
revisão bibliográfica, apontando como a Educação Popular, a partir de
Paulo Freire, pode ser entendida enquanto uma forma de resistência ao
colonialismo. Assim, objetivamos relacionar a Educação Popular com
a perspectiva decolonial. Para isso, é utilizado como referencial teórico
Freire (1987), Freire e Nogueira (1993), Gohn (2006) e Paludo (2005);
e no que diz respeito à perspectiva decolonial, temos por base a produ-
ção de Aníbal Quijano (2005).
A Educação Popular pode ser entendida como educação não-
-formal, ou seja, que não segue processos escolares e legislações, mas
que nasce nas organizações populares. Para Conceição Paludo (2005), a
Educação Popular é um fenômeno latino-americano, firmado nas práti-
cas educativas singulares que entram em disputa com outras concepções
de educação, havendo estreita relação com a história dos Movimentos
Sociais, engajada no objetivo de promover o protagonismo e o empode-
ramento das classes populares, objetivando mudanças sociais.
261
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

No Brasil, o principal teórico foi o Professor Paulo Freire, que


questionava o poder dominante e lutava pela transformação da socie-
dade a partir da educação. Ele defendia que os sujeitos com consciência
sobre sua realidade percebem as dificuldades, as desigualdades, a reali-
dade econômica, política e social, as injustiças e as opressões que vivem,
por isso lutava contra todas as formas de opressão, buscando a liberta-
ção. Freire trouxe importantes contribuições para a educação, apresen-
tando uma concepção de educação popular emancipadora, que para
ele é “[...] como o esforço de mobilização, organização e capacitação
das classes populares; capacitação técnica e científica [...]” (FREIRE,
NOGUEIRA, 1993, p. 20).
Entendemos que a Educação Popular constitui uma identidade
com base na cultura popular, na vida cotidiana e nas experiências for-
madas a partir das relações sociais. A sua concepção libertadora, de-
fendida por Paulo Freire, compreende uma educação fundamentada
nas relações afetivas e sociais. Assim, reconhecer a diversidade cultu-
ral, como apropriar-se de conhecimentos historicamente construídos,
é uma forma de incorporar conhecimentos sobre os espaços em que se
está incluído. A Educação Popular valoriza os saberes que precedem o
espaço escolar, ou seja, o conhecimento que vem da família e da comu-
nidade, o qual é compartilhado socialmente, recriando sua cultura e seu
modo de vida, estando engajado com experiências culturais, sociais, po-
líticas e pedagógicas que extrapolam o espaço escolar, assegurando a for-
mação baseada nos princípios de emancipação, liberdade e autonomia.
Em vista disso, Gohn (2006) contribui apontando que a Edu-
cação Popular, enquanto educação não-formal, tem como finalidade
buscar por alternativas pedagógicas que se identificam com a cultura, o
modo de vida e a necessidades dos grupos sociais, isto é, que há alterna-
tivas educacionais não-formais, porém com base política e pedagógica
que contemplam as classes populares, com objetivos educativos, ações
estruturadas e institucionalizadas no âmbito do grupo social. Paludo
(2005) escreve que a Educação Popular, realizada pelos Movimentos
Sociais, se caracteriza como um espaço de luta pelo direito à educação
para todas as classes populares.
Portanto, a Educação Popular é um instrumento de enfrenta-
mento e de luta pelos interesses e objetivos sociais, ou seja, a partir da
262
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

educação, o sujeito tem conhecimento sobre sua realidade, possibilitan-


do, com isso, reivindicar seus direitos (FREIRE, 1987).
Sob essa perspectiva, é proposta a discussão de colonialidade abor-
dada por Aníbal Quijano (2005, p. 117). Esse autor compreende que a
América Latina, historicamente, foi constituída como “[...] espaço/tempo
de um padrão de poder de vocação mundial e, desse modo e por isso,
como a primeira identidade da modernidade”. A Colonialidade do Saber,
ou seja, o saber eurocêntrico, sempre foi tomado como padrão e susten-
tou os saberes e os conhecimentos latinos, ou seja, sempre prevaleceram
os saberes dos colonizadores em detrimento dos colonizados, resultando
no silenciamento dos povos e das classes subalternas. Diante dessa reali-
dade, Silva e Silva (2016, p. 10) afirmam que “construir saberes outros é
despertar a consciência dos humanos para a intervenção e o protagonis-
mo pessoal e coletivo em meio às emergências das realidades sócio-exis-
tenciais que nos interpelam e clamam por justiça e igualdade de direitos”.
Sob essa ótica, o pesquisador Mota Neto (2015) expõe que a Edu-
cação Popular, enquanto uma ação pautada na perspectiva transforma-
dora, questiona o caráter supressor da modernidade/colonialidade. Ele
busca, na literatura Freiriana, contribuições ao pensamento decolonial,
posto que Paulo Freire pensava a educação como forma de resistência
em relação à opressão vivida pelas classes populares. Mota Neto (2015)
partiu do entendimento de que a Educação Popular é uma prática de
pensamento decolonial, que tem a pretensão de superar qualquer forma
de dominação que é praticada pela modernidade/colonialidade contra
grupos e classes subalternas.
Em vista disso, a Educação Popular, efetuada pelos Movimentos
Sociais, tende a criar uma proposta pedagógica baseada na perspectiva
decolonial, de resistência, luta e construção política que dê voz aos que
foram historicamente silenciados e oprimidos.
À guisa de fechamento deste trabalho, permanecem questionamen-
tos a serem levados adiante, sendo relevante pensarmos as relações entre
Educação Popular e perspectiva decolonial, extrapolar o próprio enten-
dimento de Educação Popular enquanto prática educativa não-formal.
Portanto, a Educação Popular, em um viés decolonial, possibilita
problematizações acerca da realidade excludente e opressora que vive-
mos, fomentando estudos e discussões relacionados ao campo pedagó-
263
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gico e político. Acima de tudo, é a partir da história dos sujeitos postos


à margem da sociedade que se constrói e se reconstrói um percurso
desafiador e permeado por lutas e conflitos, que edificam caminhos de
resistência, esperanças e conquistas.

Palavras-chave: Educação Popular. Decolonial. Libertação.

Referências
FREIRE, P.; NOGUEIRA, A. Que fazer: Teoria e prática em Educa-
ção Popular. Petrópolis: Vozes, 1993.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
GOHN, M. G. Educação não formal na pedagogia social. Anais do I
Congresso Internacional de Pedagogia Social. São Paulo, 2006.
MOTA NETO. J. C. Educação popular e pensamento decolonial
latino-americano em Paulo Freire e Orlando Fals Borda. [Tese de
Doutorado]. Belém: UFPA, 2015.
PALUDO, C. Educação Popular e Movimentos Sociais. 2005. Dis-
ponível em: https://rest.formacontrolesocial.org.br/materials/concei-
cao-paludo.pdf. Acesso em: 21 out. 2019.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América La-
tina. In: LANDER, E.; CASTRO-GÓMES, S. A colonialidade do
saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
Buenos Aires: CLACSO, 2005. Pp. 117-142.
SILVA, W. F.; SILVA, E. F. Educação Popular e saberes outros: um olhar
sobre a prática educativa por meio das lentes dos estudos pós-coloniais.
III Congresso Nacional de Educação. 2016.

264
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO POPULAR E O EMPODERAMENTO FEMININO:


MEDIAÇÃO DE ENCONTROS DE MULHERES

Bruna Laís Ott


bruna-ott@hotmail.com,

Janaína Horn Schimidt


SETREM – Faculdade Três de Maio
janaina_horn@hotmail.com

Ainda que, nos últimos anos, os debates acerca do feminino ve-


nham crescendo, discutir os papéis da mulher na sociedade continua
sendo um desafio a ser superado, sob diversos olhares, principalmente
no que diz respeito à concepção histórico-cultural de padrões de beleza
e de comportamento.
Esta pesquisa é resultado do meu Trabalho de Conclusão de
Curso de Licenciatura em Pedagogia (Setrem), no qual me dediquei
a compreender a contribuição da Educação Popular para a mediação
dos encontros do Espaço Mulher da EMEF1 Bem Viver Caúna, a fim
de garantir a formação da criticidade/do empoderamento das mulheres
integrantes desse grupo. A provocação para a realização desta pesquisa
surgiu durante as vivências no grupo2, partindo da indagação: Como
a mediação dos encontros pode contribuir para o desenvolvimento de
pensamentos críticos e transformadores das mulheres?
A EMEF Bem Viver Caúna é uma escola integral e do campo,
localizada no município de Três de Maio, RS. Foi criada no ano de
2018 e busca desenvolver uma educação em que a aprendizagem acon-
tece na prática, a partir do contexto real dos estudantes, de modo que
possam realizar experiências a partir das vivências no campo. Com o
intuito de aproximar escola, família e comunidade, ainda em 2018,
1 Escola Municipal de Ensino Fundamental.
2 Destaco que a provocação para a realização desta pesquisa surgiu a partir de minha
convivência nesse espaço atuando como auxiliar de Educação Infantil.
265
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

foi criado o Espaço Mulher ‒ grupo de mulheres de toda a comuni-


dade escolar que realiza diversas atividades relacionadas à culinária, às
artes, à integração, entre outras.
Nas experiências vivenciadas no Espaço Mulher, sentimos a ne-
cessidade de fortalecer as ações do grupo, bem como discutir assuntos
relacionados ao papel feminino na sociedade contemporânea, descons-
truindo preconceitos e repensando caminhos para a emancipação dessas
mulheres. Nesse contexto, surgiu a proposta de pesquisa.
Dessa forma, a investigação estimulou a pesquisa de campo, de
natureza qualitativa, e de procedimentos metodológicos de pesquisa
participativa. Estive inserida no grupo como participante, fazendo in-
tervenções, indagações e contribuições no e com o grupo, por meio das
rodas de conversa. Os sujeitos envolvidos foram o grupo de mulheres
que compõem o Espaço Mulher3.
Para fundamentar as análises e para pensarmos a realidade num
movimento de transformação e emancipação, nós nos apoiamos em
Freire, a partir de sua proposta de educação libertadora.4 Em suas obras,
o autor defende o diálogo, a amorosidade e a prática social enquanto
instrumentos de libertação dos sujeitos. A liberdade proposta está no
sentido de empoderamento, isto é, quando o indivíduo se reconhece
como sujeito do mundo e como protagonista do seu viver.

O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos


a libertação dos homens, não podemos começar
por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação
autêntica, que é a humanização em processo, não é
uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma
palavra a mais, oca, mistificante. É práxis, que im-
plica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo
para transformá-lo (FREIRE, 1987, p. 67).

3 Os demais sujeitos que compõem a comunidade escolar da EMEF Bem Viver Caú-
na estão excluídos desta pesquisa.
4 A educação libertadora, em oposição à educação bancária, é “fundamentalmente,
uma situação na qual tanto os professores como os alunos devem ser os que aprendem;
devem ser os sujeitos cognitivos, apesar de serem diferentes [...] Este é, para mim, o
principal teste da educação libertadora: que tanto os professores como os alunos sejam
agentes críticos do ato de conhecer” (FREIRE; SHOR, 1986, p. 46).
266
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Freire (1987) acreditava que a educação deve ser instrumento de


libertação, levando o homem a uma nova postura diante dos problemas
de seu tempo e de seu espaço, assumindo-se protagonista da sua exis-
tência. E é nesse interesse de emancipação e empoderamento que surge
a Educação do Campo, tendo como luta uma educação que dialoga
com os povos rurais, buscando a garantia de seus direitos, valorizando
a diversidade, os saberes, os sabores e as tradições de cada comunidade,
fortalecendo a cultura local e construindo aprendizagens a partir de
cada realidade.
Os grupos de mulheres surgem, dentro das comunidades, para
discutir assuntos acerca dos papéis que elas desempenham na sociedade.
Durante as reuniões do grupo Espaço Mulher, percebi a necessidade
de ampliar os espaços de debate a respeito das questões do cotidiano
feminino. Por meio da realização das rodas de conversa, dos diálogos
e das produções referentes a situações do contexto feminino, propus às
participantes do grupo reelaborar e repensar suas vivências. Além disso,
ouvir relatos e histórias de outras mulheres gerou um ambiente de ajuda
mútua e de sensibilização no grupo.
Por meio das discussões e dos diálogos gerados pelo grupo, foi
necessário fazer uso da mediação, ou seja, intervir nas conversas, com o
intuito de gerar mais debates, reflexões e buscas por maneiras de superar
os problemas percebidos durante o diálogo. As rodas de conversa prio-
rizaram o protagonismo das participantes, pois, ali, por meio dos temas
abordados, elas iam criando as discussões, trocando ideias e refletindo
criticamente sobre as questões que surgiam.
Ao longo dos encontros, foi possível criar uma relação de troca de
saberes, ideias e experiências na perspectiva de não somente conhecer as
participantes, mas de, com elas, buscar possíveis soluções para os proble-
mas encontrados no dia a dia feminino. Durante os encontros, percebi
que, inicialmente, as participantes tinham uma certa resistência em expor
seus pensamentos e suas histórias. Era necessário disponibilizar um mo-
mento para elas falarem, pois estavam acostumadas a apenas ouvir. Por
isso, eu dizia: “Agora é a vez de vocês”. Logo, conforme elas iam falando,
eu as questionava, e elas contavam mais e me surpreendiam com suas vi-
sões de mundo, suas histórias e suas ideias. Assim, íamos juntas pensando
sobre os temas abordados, nos transformando. De acordo com Streck
267
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

et Al. (2018), é por meio dos diálogos que podemos olhar o mundo e a
nossa existência em sociedade como processo, algo em construção, como
realidade inacabada e em constante transformação.
Por meio dessas relações, podemos criar possibilidades de acabar
com os pensamentos e as ações machistas que estão enraizados em nossa
sociedade, pois, muitas vezes, isso é praticado de forma inconsciente,
por isso é necessário ampliar essas discussões. E este é o papel do gru-
po Espaço Mulher: refletir a respeito das questões contemporâneas que
permeiam o feminino, na busca de repensar as relações individuais, fa-
miliares e em comunidade, com o intuito de criar uma sociedade mais
justa e equitativa.
Por fim, por meio da reflexão acerca da identidade, dos sonhos,
do “eu’’ de cada uma, foi possível, por intermédio das rodas de conversa,
pensar o mundo que queremos para as mulheres e quais ações no nosso
dia a dia podem ir melhorando o nosso viver, ampliando a nossa capa-
cidade de dialogar com o outro, além de se pensarem alternativas para a
construção de um mundo melhor.

Palavras-chave: Educação Popular. Mulheres. Paulo Freire.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Pau-
lo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

268
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA: A EDUCAÇÃO


DO EMPODERAMENTO

Maickelly Backes de Castro


UNIJUÍ – Campus Ijuí
maai_backes@hotmail.com

Walter Frantz
UNIJUÍ – Campus Ijuí
wfrantz@unijui.edu.br

A instituição escolar assumiu, no decorrer da história, diferentes


concepções e práticas pedagógicas e, em cada momento, atribuía-se fun-
ções distintas ao educador, ao educando e à própria escola, para molda-
rem-se às expectativas e aos modelos da sociedade vigente. A imposição
de um tipo de educação que produz e reproduz a lógica liberal pautada
pela submissão graduada, pelos interesses mercantis e pela passividade,
ainda hoje, é uma realidade muito presente nas escolas brasileiras. Para
Freire, a educação (formal) pública requer uma profunda transformação
estrutural para poder cumprir com sua função social de caráter público,
que é de atender demandas emergentes das classes menos favorecidas.
Entretanto, isso não é uma tarefa fácil. Enraizada na sociedade
capitalista de classe, a educação tradicional sobrevive até hoje em algu-
mas escolas públicas brasileiras, com seus conteúdos e seus métodos, de
modo a atender aos interesses da classe dominante.
Dentre os clássicos brasileiros que contribuíram para a educação
pública, meu trabalho é desenvolvido a partir do pensamento de Paulo
Freire, o qual acredita que a escola, em especial a escola pública, é uma
instituição/um espaço fundamental para o desenvolvimento do pensar
e do agir criticamente, criando ações essenciais para a construção de
uma sociedade menos excludente e mais democrática.
Partindo desse pressuposto, a presente pesquisa teve como objetivo
destacar a educação popular como possibilidade de prática libertadora e
269
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de empoderamento na perspectiva de Paulo Freire, enquanto clássico de


referência para a educação, tendo como horizonte a busca de qualidade
de vida da população por meio do processo educativo, bem como carac-
terizar as contribuições desta prática de ensino nas escolas públicas.
Metodologicamente, a investigação constituiu-se a partir de uma
pesquisa bibliográfica, quantitativa de caráter explicativa e analítica. A
investigação proposta visa compreender e sistematizar, a partir das lei-
turas, argumentos que possam contribuir para a construção de novas
perspectivas para a educação que se constitui nas escolas públicas.
No contexto da universalização da oferta da escola pública para as
classes populares, sabemos do grande avanço que obtivemos no início
deste século, que se refere à ampliação do ensino para todos de forma
gratuita, enquanto um direito de qualquer cidadão. Entretanto, a histó-
ria da educação brasileira destaca que a escola tem sido uma instituição
que tem dificuldade para acolher esta parte da população.
Quando se fala em garantir educação para a população, isso não
se trata apenas de construir escolas e formar o estudo obrigatório. Nem
mesmo a gratuidade da escola é suficiente quando se trata do acesso
ao conhecimento de forma equitativa para todos(as) reconhecendo as
diferenças, as desigualdades de condições em que cada um se encontra
em sua individualidade.
O educador salienta que as debilidades do povo, historicamente
alimentadas pelas ações e pelos interesses dos privilegiados, impedem as
evoluções necessárias em nossa nação. Por isso, o intelectual aponta a
educação popular como alternativa para a superação da desorganização
da vida social, cultural e econômica. A educação, enquanto direito uni-
versal, necessita ser colocada a serviço dos interesses do povo em geral.
Partindo dessas premissas e sustentando a ideia de que a Educa-
ção Popular nasce como crítica ao sistema capitalista e no contexto edu-
cacional contra um regime de educação tradicional vigente, Brandão
destaca alguns princípios desse tipo de educação quando afirma que é:

1)[...] uma nova teoria não apenas de educação, mas


das relações que, considerando-a a partir da cultura,
estabelecem novas articulações entre a sua prática e
um trabalho político progressivamente popular das
trocas entre o homem e a sociedade, e de condições
270
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de transformação das estruturas opressoras desta


pelo trabalho libertador daquele; 2) pretende fun-
dar não apenas um novo método de trabalho “com
o povo” através da educação, mas toda uma nova
educação libertadora, através do trabalho do/com o
povo sobre ela, este é o sentido em que a educação
popular projeta transformar todo o sistema de edu-
cação em todos os seus níveis, como uma educação
popular; 3) define a educação como instrumento
político de conscientização e politização, através
da construção de um novo saber, ao invés de ser
apenas um meio de transferência seletiva, a sujeitos
e grupos populares, de um “saber dominante” de
efeito “ajustador” à ordem vigente – este é o sentido
em que ela se propõe como uma ampla ação cultu-
ral para a liberdade [...] (s/a, p. 23).

A educação popular vem da vertente das concepções de educação


libertadora, a qual surge em torno das ideias de Paulo Freire, enquanto
uma corrente pedagógica e um movimento educativo, que atua como
prática social que realiza a leitura do contexto social e problematiza
as realidades injustas e, por isso, se articula fortemente com as lutas
travadas nos movimentos populares. Portanto, esse tipo de educação
pretende construir uma nova hegemonia do saber, o saber das classes
populares, o qual empodera os sujeitos que estão às margens da socie-
dade, contra os moldes da ordem vigente.

A Educação Popular acompanha, apoia e inspi-


ra ações de transformação social. Nela, o proces-
so educativo se dá na ação de mudar padrões de
conduta, modos de vida, atitudes e reações sociais.
Portanto, se a realidade social é ponto de partida
do processo educativo, esta volta a ela para trans-
formá-la (WERTHEIN, 1985, p. 22).

Para uma escola que assume a concepção teórico-prática de cunho


popular, é indispensável que esteja fundamentada em princípios básicos
e essenciais, como a construção do conhecimento a partir do diálogo e
da problematização, a integração do conhecimento sistematizado com
271
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

os conhecimentos populares. São linhas orientadoras que permitem aos


sujeitos serem os protagonistas da sua construção histórica, social e cul-
tural. Assim, a educação popular, enquanto movimento político-peda-
gógico, desacomoda e provoca uma revolução cultural, fundamentada
em nova ordem global, um novo olhar sobre o mundo e uma nova
perspectiva de relação social.

Você, eu, um sem-número de educadores sabemos


todos que a educação não é a chave das transfor-
mações do mundo, mas sabemos também que as
mudanças do mundo são um que fazer educativo
em si mesmas. Sabemos que a educação não pode
tudo, mas pode alguma coisa. Sua força reside exa-
tamente na sua fraqueza. Cabe a nós pôr sua força à
serviço de nossos sonhos (FREIRE, 1991, p. 126).

Nesta perspectiva, compreender a educação como mediação para


a transformação social, pressupõe ver o homem não como mero reserva-
tório, depósito de conteúdo, mas enquanto sujeito construtor da própria
história e, em consequência disso, capaz de problematizar suas relações
com o outro e com o mundo. Quanto mais os homens forem capazes de
refletir sua realidade, maiores condições terão de agir sobre ela, compro-
metendo-se em mudá-la, pelo fato de sentirem-se inseridos e partícipes
do processo de construção histórica. Conforme Freire (2003, p. 45):

[...] é preciso que a educação esteja - em seu


conteúdo, em seus programas e em seus méto-
dos - adaptada ao fim que se persegue: permitir
ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como
pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os
outros homens relações de reciprocidade, fazer a
cultura e a história [...] uma educação que liberte,
que não adapte, domestique ou subjugue.

Essa visão revolucionária de educação assume tal postura por não


se tratar apenas de transformar os sujeitos de forma isolada, mas busca
transformar todo o sistema de ensino, suas práticas pedagógicas, suas
metodologias, seus princípios regentes.

272
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A escola democrática não lida com o aluno “ideal”, mas com o alu-
no “real”, o qual é proveniente de diversas realidades sociais e, por causa
disso, enfrenta diversas situações conflituosas. Democratizar a educação
consiste também em acolher essas diferenças e desigualdades e transfor-
má-las em possibilidades de construção de saberes e de poderes compar-
tilhados. No entanto, a democratização da escola não necessariamente
significa uma democratização no acesso ao conhecimento, pois, na maio-
ria das vezes, a escola não se encontra preparada para acolher esse novo
público e garantir um acesso de qualidade ao conhecimento.
A pedagogia proposta pela Educação Popular busca ainda hoje
pautar-se pela crítica ao formalismo da escola tradicional, constituindo-
-se como espaço e tempo de inovação e de transformação pedagógica no
viés da teoria e da prática educativa. A presença da Educação Popular
sempre representou uma inquietação das classes dominantes, haja vista
seu caráter transformador. Trata-se de um tipo de educação que objetiva
um empoderamento daqueles que o sistema educacional elitista histori-
camente empurrou para a margem da sociedade.
A equidade e a igualdade de oportunidades são princípios fun-
dantes da perspectiva do campo popular. Por isso, num contexto de
economia liberal capitalista pautada na competitividade predatória, a
educação popular transformadora apresenta-se como teoria e prática
que contempla os interesses de todos que buscam construir uma socie-
dade com menos desigualdades.

Palavras-chave: Paulo Freire. Educação Popular. Escola.

273
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, C. R. O que é educação Popular. Disponível em: <http://
www.aedmoodle.ufpa.br/pluginfile.php/183720/mod_resource/con-
tent/1/O%20que%20%C3%A9%20educa%C3%A7%C3%A3o%20
popular.pdf >. Acesso em: 12 jun. 2018.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
WERTHEIN, J. (Org.). Educação de Adultos na América Latina.
São Paulo: Papirus, 1985.

274
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ENSINO DE FILOSOFIA EM UMA ESCOLA DO CAMPO FRUTO


DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA

Michele Barcelos Corrêa


Universidade Federal de Pelotas
eng.pro.michele@gmail.com

Este trabalho é resultado de observações da importância do Ensi-


no de Filosofia no Ensino Médio da E.E.E.M. 15 de Junho desenvolvi-
das nas disciplinas de Estágio I e II, da graduação em Licenciatura em
Filosofia, da Universidade Federal de Pelotas, Polo UAB Hulha Negra.
O objetivo do estudo consiste em abordar a importância e as contribui-
ções do ensino de Filosofia à educação no/do campo que busca ofer-
tar ensinamentos relacionados ao dia a dia dos alunos e das alunas, de
maneira que os conhecimentos adquiridos na escola possam auxiliá-los
na vida no campo para o processo de formação de suas cidadanias. A
escolha da escola para o desenvolvimento das observações se deve ao
contexto de ameaça de fechamento de escolas em áreas rurais por parte
do governo do Estado do Rio Grande do Sul, fazendo-se preciso evi-
denciar a qualidade e a importância da educação do campo como forma
de resistência na defesa da educação pública e de qualidade para todos
e todas, especialmente o povo campesino. Para tanto, será apresenta-
do o resgate histórico da presença do ensino de Filosofia na educação
brasileira e a importância do seu ensino no Ensino Médio. A hipótese
levantada é de que o Ensino de Filosofia contribui para a formação de
indivíduos emancipados indo ao encontro da proposta educacional da
educação no/do campo, a qual tem por base as contribuições do educa-
dor brasileiro Paulo Freire e forte influência do processo pedagógico do
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
Para bem compreender a interligação entre Ensino de Filosofia e
Educação do/no campo, é preciso um olhar atencioso para a localiza-
ção desta escola e seu contexto econômico e sociocultural. A E.E.E.M.
15 de Junho localiza-se na zona rural, no Assentamento de Reforma
275
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Agrária Conquista da Fronteira, em Hulha Negra, município da Região


da Campanha Gaúcha, e atende alunos e alunas oriundos de outros
15 assentamentos próximos dela. A maioria das famílias residentes nos
assentamentos possuem escolaridade apenas nas séries iniciais, cerca de
50% não tem o 6º ano do Ensino Fundamental, 40% possui Ensino
Fundamental Incompleto e, aproximadamente, 10% têm formação no
ensino superior. Muitos filhos e filhas dos assentados, após concluírem
o ensino Médio na escola, deixam de morar na região, em busca de tra-
balho e/ou sustentação para a vida com empregos nas cidades vizinhas
ou em outras áreas de produção agrícola.
A justificativa para a realização do trabalho, a partir das observações
realizadas nesta escola, vem fundamentada na observação do ensino de
Filosofia como parte importante para que a escola alcance seus objetivos
educacionais. Isso precisa ser feito tendo em vista que a educação deve ser
voltada para a construção de conhecimentos e para a troca de saberes, im-
plicando em concepções educativas, culturais, econômicas e ambientais
para a vivência no/do campo, de maneira a permitir tudo isso aos jovens
de famílias estabelecidas e oriundas de áreas de assentamentos da reforma
agrária. Desse modo, os processos educativos se desenvolvem visando a
emancipação dos alunos e das alunas como sujeitos, contribuindo para
a formação humana dos jovens estudantes de forma a empoderá-los de
consciência crítica e autonomia, elementos necessários na luta para con-
quistar direitos humanos, sociais, civis, políticos e ambientais.
Segundo Santos e Knaben (2015), percebe-se que para pensar o
campo brasileiro com sua diversidade, é necessário refletir qual educa-
ção está sendo oferecida no meio rural e qual a concepção de educação
está presente nessa oferta. Para tanto, deve-se considerar a educação
do/no campo com um olhar atento aos objetivos da educação, dando
ênfase ao papel da educação para as comunidades campesinas no que
tange às suas necessidades e realidades. Assim, se faz necessário escla-
recer que a Educação do/no Campo tem pouco mais de uma década,
tendo surgido a partir da luta dos movimentos sociais dos camponeses
(Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, Movimento dos Pequenos
Agricultores e Sindicatos Rurais, entre outros), juntamente com a luta
pela Reforma Agrária, da qual esses camponeses participam para garan-
tir uma melhor qualidade de vida.
276
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A urgência da discussão acerca do ensino de Filosofia no contexto


educacional brasileiro contemporâneo faz ressurgir um debate amplo e
que está longe de chegar a um consenso. O que ensinar? Como ensinar?
Para quem ensinar? Essas são interrogações que emergem no contexto
dessas discussões e que têm reflexo direto nos estudantes do Ensino Mé-
dio brasileiro. Ao olhar para a história do ensino de Filosofia no Brasil,
fica explícito que o mesmo nem sempre recebeu a devida importância
no conjunto das disciplinas a serem ensinadas, passando por momen-
tos de total exclusão do currículo do Ensino Básico. Isso ocorreu, por
muitas vezes, ter sido vista com desconfiança por agentes públicos que
viam nela um mal a ser extirpado, afinal a Filosofia leva os indivíduos a
refletir, a pensar, a criticar, sendo, por isso, tachada de uma ameaça a ser
contida (SILVEIRA, 2015).
Para Bittencourt (2015), em uma sociedade de orientação ideo-
lógica tecnocrática e moralmente conservadora como a brasileira, a
presença da atividade filosófica, exercida com dignidade profissional e
compromisso intelectual, moral e ético, sempre causa desconforto e in-
cômodo indo de encontro às classes e aos grupos reacionários, os quais
são expressões das contradições estruturais existentes na organização so-
cial. Para o autor, a Filosofia tem o papel cáustico de dissolver as bases
não refletidas presentes em nosso modo de viver e em nossas manifesta-
ções sociais, culturais e políticas.
O trabalho de observação do ensino de filosofia na Escola se de-
monstrou enriquecedor por permitir a experiência de observação das
relações entre educadores e educandos a partir do desenvolvimento de
uma pertença ao grupo escolar e à comunidade em que estão inseridos,
sendo entendido como pertença à ação consciente de reconhecer-se
como integrante de uma comunidade, de maneira que esse sentimento
os motivem a firmarem seus ideais, recriarem formas de convivência e
de valores de geração a geração, sendo esses os sentimentos fundamen-
tais na formação da identidade com o campo, a educação e a cidadania.
Segundo Freire (2018), o formando, desde o início de sua expe-
riência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção
do saber se convence definitivamente de que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a
sua construção. Assim, quem ensina aprende ao ensinar e quem apren-
277
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de ensina ao aprender. Esse foi meu objetivo ao escolher a escola 15


de Junho, aprender a ensinar e aprender ensinando. Nesse contexto de
descaso e de ataques à educação, estar em sala de aula é um ato de resis-
tência, que exige uma teoria ajuizada pela prática que objetiva construir
saberes que permitam o desenvolvimento integral de alunos e de alunas,
para que possam exercer seu papel social de cidadãos e cidadãs de uma
sociedade democrática.
O ensino da Filosofia, dentro da estrutura escolar do/no campo,
permite capacitar adolescentes e jovens para o diálogo, para o deba-
te de ideias, garante a oportunidades de que esses estudantes possam
desenvolver seus próprios pensamentos e não apenas reproduzir ideias
sem um discernimento crítico. Trata-se de não permitir que esses jovens
permaneçam absorvidos pelo senso comum, mas possam aprofundar
uma consciência crítica da realidade na qual estão inseridos, podendo
vir a se tornarem agentes de transformação social, indo ao encontro da
proposta educacional da educação no/do campo, correspondendo às
contribuições de Paulo Freire e à forte influência do processo pedagógi-
co do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).

Palavras-chave: Ensino de Filosofia. Ensino Médio. Educação do Campo.

Referências
BITTENCOURT, R. N. Pela Afirmação da Importância da Filosofia
no Ensino Médio Brasileiro. Revista Espaço Acadêmico, n. 171, pp.
26-37, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
SANTOS, J. F. A.; KNABEN, A. A Importância da Educação no Ce-
nário da Educação do Campo: Um Estudo de Revisão. Repositório
Digital Institucional Universidade Federal do Paraná. Paraná, 2015.
Disponível em: http://hdl.handle.net/1884/383994.
SILVEIRA, T. C. Ensino de Filosofia no Ensino Médio: uma análise
do Livro Iniciação à Filosofia de Marilena Chauí. Caderno do PET
Filosofia, v. 6, n. 11, pp. 75-92, 2015.
278
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ENTRE SITUAÇÕES-LIMITE E ATOS-LIMITE: A CAMINHO


DO INÉDITO-VIÁVEL NA EDUCAÇÃO CTS

Suiane Ewerling da Rosa


Universidade Federal do Oeste da Bahia
suiane.rosa@ufob.edu.br

Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), como movimento social


amplo, tem, em sua gênese, questionamentos sobre a neutralidade da
atividade científico-tecnológica e, associado a isso, almeja a superação
da tecnocracia (AULER, 2002). Desse modo, dentre outros objetivos,
o movimento, assim como a sua repercussão para o âmbito educacional,
busca a formação de sujeitos participativos em decisões relacionadas à
ciência e à tecnologia. Apesar de isso estar explícito desde a sua origem, há
uma série de lacunas que permeiam esse propósito, a exemplo dos estudos
identificados em Rosa (2019). Diante disso, da complexidade deste tema
e das dificuldades associadas à sua efetiva implementação, problematiza-
mos: como os estudos de Paulo Freire, que têm como pressuposto orien-
tador a constituição de uma cultura de participação, podem contribuir
para a construção dessa cultura na educação CTS? Motivado por esse
questionamento, este trabalho, de natureza teórica, tem como objetivo
propor discussões crítico-reflexivas de como as categorias freireanas (si-
tuações-limite, atos-limite e inédito-viável) podem sinalizar/problematizar
indicativos para a constituição de uma cultura de participação em temas
sociais de ciência e tecnologia. Para tanto, foi realizado um estudo dos
pressupostos freireanos, buscando articulá-los aos da educação CTS.
Processos democráticos e participativos são, por essência, temas
complexos e polissêmicos, pois assumem diferentes significados a de-
pender da fundamentação e dos propósitos adotados. Para nós, apoia-
dos em pressupostos freireanos, a construção de uma sociedade demo-
crática e participativa constitui-se em uma ação cultural pautada por
processos de libertação e transformação, tendo como forma de ação a
conscientização, vista como consciência crítica, de ação-reflexão e in-
279
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tervenção no mundo (FREIRE, 1981). Desse modo, o que defendemos


na educação CTS é a construção de uma sociedade participativa orien-
tada por esses processos. No entanto, a constituição de uma cultura de
participação em temas sociais relacionados à ciência e tecnologia é algo
inédito, pouco conhecido e vivido no contexto latino-americano; por-
tanto, caracteriza-se como um inédito-viável. Essa categoria, segundo
Paulo Freire (2014), envolve a concretização de sonhos, a constituição
de possibilidades, a potencialidade de transformar a realidade a partir
do enfrentamento de freios e de obstáculos que se interpõem na vida
dos sujeitos (situações-limite). Logo, a busca pelo inédito-viável perpassa
por “uma formação permanente, crítica e coletiva, que reflita sobre o
caráter opressivo das situações-limite e construa, na prática e em sua
reflexão, as condições teóricas e sociais que viabilizem a proposição de
inéditos-viáveis democratizados e democratizantes” (FREITAS, 2001,
p. 102). E, sendo o processo de democratização um resultado de luta
política e ideológica, oriunda de um trabalho coletivo, o inédito não
significa ser exclusivo, mas um desejo, uma conquista coletiva e com-
partilhada, sendo, assim, viável e realizável (FREITAS, 2001). Por isso,
uma cultura de participação constitui um inédito-viável desejado/alme-
jado por um coletivo orientado por pressupostos democráticos.
Conforme exposto, a busca pelo inédito-viável perpassa a superação
de situações- limite. A nosso ver, com base em Auler (2002), na educação
CTS, as situações-limite estão associadas a compreensões mitificadas sobre
ciência e tecnologia, as quais são sustentadas e verbalizadas no contexto
sócio-educacional. Nesse sentido, o autor destaca que para uma leitura
crítica da realidade, há a necessidade da problematização e da superação
de construções históricas (mitificadas) realizadas sobre a atividade cien-
tífico-tecnológica consideradas pouco consistentes. Essas construções,
vinculadas e que realimentam a suposta neutralidade, como a neutrali-
dade/superioridade do modelo de decisões tecnocráticas, perspectiva sal-
vacionista/redentora atribuída à ciência e tecnologia e o determinismo
científico-tecnológico, caso sejam sustentadas e reforçadas levam-nos à
passividade/manutenção social. Logo, quando repercutidas nos contextos
sócio-educacionais, essas compreensões contribuem para inibir/limitar/
silenciar uma leitura crítica sobre temas sociais de ciência e tecnologia,
dificultando a constituição de processos democráticos. Portanto, podem
280
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ser consideradas situações-limite. Além delas, os aspectos socioculturais


vividos e a ausência/limitação de espaços, processos formativos e práticas
educativas e curriculares também podem ser considerados situações-limi-
te, e, portanto, desafios e obstáculos a serem superados.
Seguindo essa perspectiva, a busca pelo inédito-viável na educação
CTS perpassa, em um primeiro momento, pela denúncia, problematiza-
ção e superação das diferentes situações-limite. Porém, acreditamos que
a busca por transformações e atuações sobre a realidade vivida requer
ir além do desvelamento e da problematização delas para o anúncio de
possibilidades, viabilidades, caminhos que viabilizem a sua construção,
ou seja, atos-limite. Se as situações-limite geram passividade e manutenção,
os atos-limite são vistos como estratégias, ações de combate, construções
que possibilitam agir/enfrentar os obstáculos. Os atos-limite “se dirigem,
então, à superação e à negação do dado, da aceitação dócil e passiva do
que está aí, implicando dessa forma uma postura decidida frente ao mun-
do” (FREIRE, 2014, p. 278). Assim, para nós, a constituição de uma
cultura de participação na educação CTS (inédito-viável) se dá a partir da
visibilidade/problematização de situações, obstáculos que limitam a sua
construção (situações-limite) e da elaboração de estratégias, de caminhos
possíveis que sinalizem o seu alcance (atos-limite) (ROSA, 2019).
Nesse sentido, as “ações de combate” associam-se, dentre outras
dimensões, a ações, estratégias e experiências vividas que sinalizam a
construção de processos democráticos e participativos em temas sociais
de ciência e tecnologia. Oriundo de estudos realizados sobre a educação
CTS e processos democráticos, identificamos três elementos (atos-limi-
te): valor, conhecimento e engajamento social, os quais, articulados en-
tre si, constituem estratégias que implicam/influenciam a nossa forma
de ver e intervir sobre a realidade vivida (ROSA, 2019). Os valores, por
exemplo, sustentados e manifestados nos contextos sócio-educacionais,
têm potencial de influenciar as opções/decisões individuais e coletivas
dos sujeitos. O conhecimento possibilita fundamentar, argumentar e
direcionar decisões. Já o engajamento social constrói e potencializa for-
mas de mobilização e de intervenção. Ou seja, a forma como conce-
bemos e repercutimos os valores, como fundamentamos e usamos o
conhecimento e o modo como nos engajamos socialmente constituem
atos-limite que possibilitam buscar/construir o inédito-viável. No en-
281
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tanto, os elementos, caso sejam manifestados e articulados sob uma


perspectiva não crítica, podem dificultar processos de transformação e
democratização, aproximando-se de processos tecnocráticos. Nessa, os
elementos situam-se como possíveis situações-limite.
Enfim, a busca por processos democráticos e participativos na
educação CTS constitui-se em um compromisso, tendo em vista seus
pressupostos e propósitos. Diferentes práticas educativas têm buscado
realizar ações nessa perspectiva, mesmo que em menor número (ROSA,
2019). Acreditamos que situar e dar visibilidade para situações-limite
e atos-limite constitui-se em um ponto de partida, um caminho. No
entanto, é necessário ir além. Precisamos, em busca do inédito-viável,
transformá-las em práxis sócio-educacional. Assim, exercitar práticas
educativas e curriculares no Ensino de Ciências, em consonância com
propósitos transformadores e democráticos, constitui-se em uma tarefa
a ser construída. Portanto, acreditamos que as discussões realizadas nes-
te trabalho podem sinalizar caminhos para orientar práticas educativas
preocupadas com a constituição de uma cultura de participação.

Palavras-chave: Educação CTS. Paulo Freire. Cultura de Participação.

Referências
AULER, D. Interações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade no Con-
texto da Formação de Professores de Ciências. [Tese de Doutorado].
Florianópolis: UFSC, 2002.
FREITAS, A. L. S. Pedagogia da Conscientização: um legado de
Paulo Freire à formação de professores. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2001.
FREIRE, P. Ação Cultural para a Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1981.
FREIRE, A. M. A. (Org.). Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Pau-
lo: UNESP, 2014.
ROSA, S. E. Educação CTS: contribuições para a constituição de
culturas de participação. [Tese de Doutorado]. Brasília: UnB, 2019.
282
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NO ENSINO


DE CIÊNCIAS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Douglas Bassani
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
douglas.bassani@estudante.uffs.edu.br

Guilherme Bratz Taube


Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
guibratz21@gmail.com

Rosemar Ayres dos Santos


Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
roseayres07@gmail.com

O estágio curricular supervisionado é uma etapa fundamental


na formação docente por ser um componente curricular (CR) que
oportuniza espaço e orientação para que o futuro professor possa en-
trar na sala de aula e construir vivências formativas e novas experiên-
cias a partir da práxis. Nessa linha de raciocínio, Pimenta e Lima
(2006, p. 7) apontam que “o estágio tem de ser teórico-prático, ou
seja, que a teoria é indissociável da prática”.
As autoras citam que, no estágio como ação investigativa, de-
vem estar envolvidas a reflexão e a intervenção na vida escolar, dos
professores, dos estudantes e da sociedade. Assim, o educador, como
um intermediário da aprendizagem, precisa refletir sobre os conteú-
dos que ensina e acerca da forma como são ensinados. A reflexão da
própria prática é necessária, considerando que o docente deve estar
em constante atualização para sentir-se preparado para enfrentar os
desafios da sala de aula (ALARCÃO, 2005). Essa reflexão ainda é um
desafio para muitos professores, mas nos possibilita compreender as
dificuldades e as limitações presentes nessa profissão, repensando o
ensino por meio da nossa prática.
283
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Assim, neste relato, apresentamos uma discussão reflexiva acerca


do desafio e das perspectivas ao realizar o Estágio Curricular Supervisio-
nado de Ciências no Ensino Fundamental, CR obrigatório, no curso de
Física/Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul. O desafio
foi introduzir os conceitos científicos de Física para os 7º e 9º anos do
Ensino Fundamental (EF). Relatamos, aqui, uma atividade proposta
para a turma do 7º ano. A Física costuma ser assustadora para os estu-
dantes mesmo antes de iniciarem as aulas. O pavor de muitos pelos CRs
pode ter origem em diversos fatores, como, por exemplo, a desvaloriza-
ção ou a falta de tempo do professor. Com isso, buscamos referência na
BNCC juntamente com a professora supervisora para trabalhar termo-
dinâmica no 7º ano, no qual os seus conceitos raramente são trabalha-
dos. Buscando demonstrar para os estudantes, em sala de aula, o que era
vivido em seu cotidiano a partir da Física, pensamos que, ao visualizar
isso, poderiam dar-se conta da Física presente em seu dia a dia.
Portanto, já durante o planejamento, existia este questionamento:
qual seria a melhor forma de introduzir os conceitos de Física para as tur-
mas que, a princípio, não tinham conhecimento sobre o que era Física,
de forma que desmistificássemos a ideia inicial dos estudantes a respeito
dela? Segundo expressam Bonadiman e Nonenmbacher (2007, p. 197):

[...] muitas das dificuldades enfrentadas pelo pro-


fessor de Física em sala de aula, principalmente as
relacionadas com a questão do gostar e do apren-
der, a nosso ver podem ser contornadas por ele
mesmo, com o auxílio de uma metodologia ade-
quada de ensino.

Para tanto, como professores em formação inicial, buscando nos


encontrarmos como professores de Ciências, uma abordagem adotada,
para introduzir o tema, foi a de observar as concepções iniciais dos estu-
dantes sobre a Física. E, nesse contexto, o professor necessita ter desejo
em lecionar e essa realidade se concretizará se esse estudante buscar um
comprometimento com sua prática. Conforme Freire (1992, p. 70-71),
“Partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando
em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se
de um ponto a outro e não ficar, permanecer.” Com isso, o planejamen-
284
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

to sofreu constantes mudanças ao longo do período do estágio, pois


quanto mais as turmas eram conhecidas pelos professores estagiários,
mais havia a troca entre eles e os estudantes. Isso se deu por agora eles
estarem inseridos dentro do ambiente escolar, conhecerem a turma, en-
tenderem quais metodologias se adequam a ela, estarem sempre refle-
tindo o seu papel como professores e as suas práticas em sala de aula.
Ainda durante o planejamento, pensando na importância da par-
ticipação dos estudantes nas aulas, uma das atividades feitas com a tur-
ma do 7º ano foi propor que cada estudante respondesse às seguintes
questões “Como você se avalia como estudante?”, “Como avaliam o
Professor?”. Com isso, foi possível conseguir ter uma noção básica, ain-
da inicial, mas que auxiliou sobre a sensação e concepção deles acerca
da disciplina e como abordar os conteúdos seguintes de forma a prender
a atenção deles. Dando continuidade à aula, buscamos trazer exemplos
de como eles deveriam ser sinceros consigo mesmos e tentar buscar uma
mudança como estudante de Ciências/Física, destacando suas compe-
tências, possibilidades e explicitando os porquês de estudá-la e sua im-
portância, pois, conforme Freire e Shor (1986, p. 15),

[...] a motivação tem que estar dentro do próprio


ato de estudar, dentro do reconhecimento, pelo es-
tudante, da importância que o conhecimento tem
para ele. [...] O currículo padrão lida com a moti-
vação como se esta fosse externa ao ato de estudar.

Ao mesmo tempo, também, passamos por um processo de re-


formulação, observando a prática por meio de um olhar dado pelos
estudantes. É importante destacar a importância de um professor ser
pesquisador de sua própria prática, pois, a partir de suas escritas, ele tem
a possibilidade de visualizar o que precisa mudar, o que é preciso ser
feito em determinada turma, quais metodologias deram certo e quais
mudanças precisam ser feitas. Isso ocorre, pois, neste contexto, critica-
mente, é a partir da “prática de hoje ou de ontem que se pode melho-
rar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 39). O professor reflexivo é
fundamental, pois ele é capaz de examinar suas práticas, identificar seus
problemas e formular hipóteses. Nem sempre uma prática sai como
planejado em sala de aula, em razão de depender de vários fatores, mas
285
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

esse é um motivo a mais para continuar melhorando. Nesse sentido, “o


papel do professor e da professora é ajudar o aluno e a aluna a descobri-
rem que dentro das dificuldades há um momento de prazer, de alegria”
(FREIRE; HORTON, 2003, p. 52), por isso é importante utilizar o
diálogo com os estudantes para conhecer a turma.
Com relação às explicações dadas pelos estudantes, o que mais
apareceu foi que eram bons estudantes, pois copiavam. Em relação ao
professor, a maioria apenas escreveu que gostaram, outros se expressa-
ram de forma coesa e com algumas críticas construtivas, as quais serão
apresentadas nas falas transcritas dos estudantes. Ressaltamos a escrita de
um estudante, A1, que se auto avaliou, descrevendo-se com sinceridade.
Com isso, buscamos que eles refletissem sobre si mesmo conforme se
percebe pela fala (transcrita) da estudante A1 “Não sou a melhor aluna
do mundo, mas acho que sou boa nas aulas como aluna, pois eu gosto de
ciências e eu tenho dificuldades [...], mas eu acho que aprendo rápido”.
Com essa questão retratada, percebe-se o quão interessante e im-
portante é possibilitar meios de expressão aos estudantes, instigando que
eles representem, por meio de alguma linguagem, suas compreensões. O
estudante A2 descreveu sobre o professor estagiário, escrevendo os pontos
positivos e os negativos, momento em que foi possível perceber pontos
semelhantes com as demais escritas, buscando, desta forma, manter e
aperfeiçoar os pontos positivos e tentar melhorar em relação aos pon-
tos considerados negativos do ponto de vista deles. Assim, A2 apontou
que gostou “bastante da aula, só não gostava quando você ia nas mesas
da gente quando estávamos fazendo trabalho, pois me distraía, foi bem
divertida suas aulas, espero que venha ser de novo nosso professor […]”
Nesse viés, o ato de “[...] ensinar ciências é procurar que nossos
alunos e alunas se transformem, com o ensino que fazemos, em homens
e mulheres mais críticos” (CHASSOT, 2011, p. 56), pois quando aden-
tramos na sala de aula, enquanto professores, sabemos muito pouco
sobre os estudantes, não sabemos quem são ou o que esperam da escola,
como aprendem e como podem vir a ter prazer na aprendizagem que
vamos dialogar neste espaço (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAM-
BUCO, 2002). Portanto, precisamos conhecer mais nossos estudantes
e tentar compreender um pouco do que pensam. É preciso fazer uma
reflexão em relação a estar em sala de aula, fazer parte de um ambiente
286
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

escolar, conhecer o mundo deles, de sentir como é ser professor. Além


disso, podemos salientar que aprendemos mais do que ensinamos;
aprendemos, neste estágio, um pouquinho do que é ser professor.

Palavras-chave: Ensino de Física. Problematizações. Processo de For-


mação de Professores.

287
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São
Paulo: Cortez, 2005.
BONADIMAN, H.; NONENMBACHER, S. E. B. O gostar e o
aprender no ensino de física: uma proposta metodológica. Caderno
Brasileiro do Ensino de Física, v. 24, n. 2, pp. 194-223, 2007.
CHASSOT, A. Alfabetização Científica: questões e desafios para a
educação. Ijuí: Unijuí: 2011.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. En-
sino de Ciências: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
FREIRE, P.; HORTON, M. O caminho se faz caminhando: conver-
sas sobre educação e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003.
PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência: diferentes con-
cepções. Revista Poíesis, v. 3, n. 3 e 4, pp. 5-24, 2006.

288
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DOCÊNCIA EM MOVIMENTO: REFLEXÕES


DE PROFESSORAS

Isadora Alves Roncarelli


Universidade de Caxias do Sul
isadoraroncarelli@hotmail.com

Caxias do Sul, 15 de março de 2020.

Estimados/as companheiros/as de luta!

Escrevo esta carta com entusiasmo e alegria por poder dividir


algumas das reflexões, descobertas, e também incertezas, construídas
a partir da pesquisa de mestrado que concluí no último ano. Inspirada
pelas palavras de Freire, e disposta a escutar professoras da rede pública
de ensino, mergulhei nos emaranhados do fazer docente de dez profes-
soras da rede pública municipal e estadual da cidade de Caxias do Sul.
Intitulada Docência em movimento, entrecruzamentos de percursos de vida
e percursos docentes: o que acontece com as professoras?, minha pesquisa
teve como principal objetivo analisar os níveis de satisfação de docentes
dos anos iniciais do Ensino Fundamental ao longo de suas carreiras e
trajetórias de vida, de modo a perceber o quanto essa satisfação exerce
influências na dimensão pedagógica da atuação docente.
Para atender a esse objetivo, aprofundei meus estudos sobre do-
cência, ancorada especialmente na obra Pedagogia da Autonomia, de
Freire, autor que serviu como principal alicerce para as discussões pro-
postas em minha pesquisa. A partir de um mergulho na obra, teci ar-
ticulações com outras produções do autor e apresentei o conceito de
docência em movimento, ao qual me detenho nesta carta, a fim de
contextualizar minha pesquisa e refletir sobre o principal conceito abor-
dado em minha Dissertação de Mestrado.
A docência é atravessada por diversos fatores que a movimentam,
seja aqueles relacionados aos acontecimentos em nível macro, em um
289
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

contexto mais amplo da educação, seja aqueles no nível micro, que se


materializam no cotidiano e nas experiências profissionais e pessoais
dos/das docentes. As mudanças nas políticas públicas e as transforma-
ções históricas e sociais são exemplos de mudanças no nível macro que
podem influenciar as práticas dos/das professores/as. Já os percursos
de formação inicial ou continuada, bem como acontecimentos da vida
pessoal, como o nascimento de um/uma filho/a, são situações no nível
micro que podem modificar a prática dos/das docentes.
Para que a docência em movimento se materialize, a reflexão é
fundamental. É por meio do processo de ação-reflexão-ação que o/a
professor/a irá transformar suas práticas e, dessa forma, movimentar
a docência por meio das modificações em seu fazer cotidiano. Freire
(2017, p. 40) comenta que “[...] na formação permanente dos profes-
sores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática.
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática”, quando o/a professor/a reflete critica-
mente sobre sua prática, evoca as teorias pedagógicas e os saberes que
possui, a fim de pensar uma nova ação, movimentando constante-
mente seu fazer docente.
Esse movimento foi constante nas trajetórias docentes das pro-
fessoras participantes da pesquisa. Muitos foram os relatos de situa-
ções que as fizeram refletir e modificar suas ações. Algumas professoras
relembraram, em suas narrativas, mudanças nas políticas educacionais
que as fizeram ressignificar sua prática pedagógica. A professora Olga,
com mais de vinte anos de experiência na rede municipal, conta que:

Um dos grandes marcos foi lá no início da minha


vida profissional, que a gente chegava, assim, sem-
pre na sala de aula e a gente tinha grandes pro-
blemas com fome. Eu lembro, quando a gente ia
pros [sic] cursos, o que era colocado nos cursos é
a questão de que as crianças não aprendiam por-
que as crianças tinham muita fome, que as crianças
não aprendiam porque elas sentiam muito frio, e
eu percebi, assim, que ao longo desses anos todos
tudo isso foi sumindo, sabe? De repente, a gente
não viu mais as crianças chegarem na sala de aula
famintas, com muita fome, como era uma vez. Cla-
290
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ro que acontece um caso, dois, [...] mas um grande


marco da minha vida foi essa questão da fome das
crianças, né? Do frio... (informação verbal).

As políticas públicas estão vinculadas à mudança narrada pela


professora, visto que, nos últimos anos, alguns programas sociais pas-
saram a fazer parte do dia a dia das famílias menos favorecidas econo-
micamente, como o Bolsa Família1 e o Programa Nacional de Alimen-
tação Escolar (PNAE)2. Este último, conforme Peixinho (2013), sofreu
inúmeras modificações ao longo dos anos e passou a ser um importante
instrumento de ensino e de aprendizagem a respeito da questão nu-
tricional nas escolas. Cabe destacar que as políticas públicas são uma
importante ferramenta de combate à fome, mas que nem sempre são
suficientes para tal, já que, muitas vezes, não alcançam todos os neces-
sitados, já que o PNAE, mesmo sendo uma política relativamente con-
solidada, ainda não está presente em todas as escolas públicas do Brasil,
excluindo, portanto, uma parte da população pobre.
A questão central da discussão que apresento aqui é que, para
Olga, suas ações como docente modificaram após a consolidação dessa
política, já que a preocupação com a fome das crianças diminuiu, po-
dendo assim dar mais ênfase às questões de aprendizagem. Esse olhar
reflexivo de Olga frente às transformações vividas evidencia os saberes
docentes da reflexão e da criticidade, os quais são defendidos por Freire
(2017) como essenciais à prática educativa e que são fundamentais para
que a docência em movimento se evidencie.
Além disso, aspectos como mudanças na gestão das escolas, o en-
frentamento de desafios com “turmas difíceis”, a sobrecarga e a pressão
vividas na docência, as experiências de formação inicial e permanente,
além de aspectos relacionados à vida pessoal das professoras, estiveram

1 A Lei nº 10.836/04 discorre a respeito da criação do Programa Bolsa Família e encon-


tra-se disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2004/
Lei/L10.836.htm>.
2 O PNAE foi criado em 1955, passando por diversas modificações ao longo dos
anos. A Lei nº 11.947/09 passou a garantir o repasse de recursos para as instituições
de ensino, atingindo toda a Educação Básica, visando uma alimentação saudável e
nutritiva nas escolas. A Lei pode ser acessada em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm>.
291
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

bastante presentes em suas narrativas, evidenciando transformações vi-


vidas na docência a partir das relações estabelecidas com esses aconte-
cimentos. A reflexão sobre esses aspectos é que permitiu às professoras
ressignificarem seus fazeres e constituírem, ao longo dos anos, sua iden-
tidade docente, conforme afirma a professora Rafaela:

Eu lembro que quando eu me formei, eu tinha


uma preocupação muito grande porque eu pensa-
va que eu não sabia o suficiente pra ser professora,
[...] mas já acabou? Já tô preparada? Eu tinha essa
inquietação muito grande, e aí tem um pensamen-
to do Paulo Freire que diz que a gente se constitui
professor, eu acho que essa frase é muito verdadei-
ra, muito consistente, porque eu acho isso maravi-
lhoso inclusive, a gente ter a oportunidade de cada
dia se constituir um professor um pouco melhor,
um pouco diferente, um pouco mais completo [...]
(Rafaela, município, 2015).

A narrativa de Rafaela corrobora a ideia de Freire (2000, p. 58)


de que “ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às qua-
tro horas da tarde. Ninguém nasce educador. A gente se faz educador,
a gente se forma como educador, permanentemente, na prática e na
reflexão sobre a prática”, e é isso que faz com que a docência em movi-
mento aconteça. Esse constante estar sendo docente, que reflete, reage e
se constitui a cada fazer.
Muito ainda teria para ser dito nesta carta, queridos/as compa-
nheiros/as de luta, porém, despeço-me para que possamos nos encon-
trar em breve e refletir em conjunto. O exercício de constituir-se pro-
fessor/a, a cada dia, perpassa pela formação permanente, que também
depende de momentos de diálogo e reflexão com os pares. Por isso,
espero ansiosa pelo nosso encontro em Erechim, até breve!

Com desejo de novas reflexões,

Isadora

Palavras-chave: Docência em Movimento. Ação-Reflexão-Ação. Estar sendo.


292
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2017.
FREIRE, P. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2000.
PEIXINHO, A. M. L. A trajetória do Programa Nacional de Alimenta-
ção Escolar no período de 2003-2010: relato do gestor nacional. Ciên-
cia & Saúde Coletiva, v.18, n. 4, pp. 909-916, 2013.

293
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAR É UM DESAFIO COTIDIANO

Marissandra Todero
Universidade Federal da Fronteira Sul/ Campus Erechim
marissandrat@gmail.com

Outono de 2020.

Caros(as) amigos(as) freireanos(as)!

Escrevo esta carta em minha casa, estando com a minha família,


enquanto as primeiras folhas do outono começam a amarelar e a deixar
as sobras: gramas e calçadas cheias de folhas que caem com o início da
nova estação.
Estamos vivendo uma quarentena motivada por um novo vírus
chamado COVID-19, que tem causado milhares de mortes nos dife-
rentes continentes. Esse momento histórico tem gerado incerteza, an-
gústia e medo, pois a saúde da população de nosso país está ameaçada.
Diante desse contexto, não podemos perder a humanidade para com os
demais e nem a esperança de que em breve tenhamos a diminuição de
mortes, por meio do distanciamento social e da ciência.
Nesse momento, também estou me preparando para me reunir
com outros educadores no XXII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo
Freire. Entre os dias 14 e 16 de maio de 2020, o Campus Erechim, da
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, estará aberto ao diálogo,
à problematização e à reflexão partindo do tema: “Educar é existir e
resistir!” Portanto, eu me propus a participar deste momento de parti-
lha, de troca e de encontro, trazendo a este fórum um pouco da minha
vivência enquanto educadora, que vive sua prática pedagógica por meio
da proposta freireana.
Gostaria de, nesta carta, contar para vocês um pouco do meu
trabalho e do meu cotidiano em sala de aula na Escola Municipal de
295
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ensino Fundamental Alberto Rossetto, em Quatro Irmãos/RS. Pensan-


do nisso, escolhi o seguinte tema para esta carta pedagógica: “Educar é
um desafio cotidiano”.
Faz alguns anos que atuo na educação deste município, realizan-
do o sonho de ser educadora, mais precisamente 13, e já perpassei nas
diferentes turmas, da educação infantil ao ensino fundamental, do ciclo
da alfabetização até o 5º ano. Nessa caminhada, enfrentei muitos desa-
fios, realizando sonhos e constituindo-me educadora na práxis.
Neste ano, estou trabalhando com uma turma de 5º ano, com 22
crianças, e considerada uma turma desafiadora. Ela é assim caracteriza-
da por causa da indisciplina, da agitação, das dificuldades de relaciona-
mento entre as crianças e pelo pouco comprometimento delas com o
processo de aprendizagem e de construção do conhecimento.
Diante dessa realidade, num primeiro momento, senti aquele frio
na barriga que surge a cada ano que se inicia. Posteriormente, procurei
diagnosticar, em meio à prática, as dificuldades e as possíveis ativida-
des que poderia realizar com essa turma, visando ao seu melhoramento
no relacionamento interpessoal, na construção do conhecimento, bem
como na disciplina e nas vivências de experiências significativas no que
diz respeito ao silêncio, ao estudo e à calma.
Nesse processo educativo, precisamos constituir e desenvolver,
com segurança, nosso trabalho, tornando nossa prática um espaço de
respeito mútuo entre o educador e os educandos. Também é preciso
valorizar os saberes trazidos pelas crianças e do mundo que as rodeia,
a fim de problematizá-los e transformá-los, mas sem deixar de lado a
autoridade docente necessária para que possamos construir novos co-
nhecimentos.
Para isso, Freire (1987) nos diz que: “os homens são seres do que
fazer, e seu fazer é ação e reflexão. É práxis.” Assim, podemos dizer que,
com o passar do tempo, buscamos novas aprendizagens, experiências
vivenciadas que foram fundamentais para o amadurecimento e qualifi-
cação enquanto profissional e ser humano também.
Freireanos, Ivo Dickmann1 nos provocou à reflexão diversas vezes
em relação ao nosso fazer pedagógico em nossos espaços de trabalho,
nos questionando: O que eu faço? Como faço? Que mundo queremos?
1 Em sua fala durante o Pré-fórum, realizado em 12 de março de 2020, na UFFS.
296
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Como é nossa relação com os alunos? Onde é nossa luta? Ele nos per-
guntou tudo isso, sem, no entanto, deixar de nos lembrar que o que fa-
zemos precisa ser bem feito e que não podemos deixar isso para depois,
pois somos produtores de vida.
Sua fala, amigos, foi um tanto impulsionadora à problematização
do nosso fazer pedagógico cotidiano. Para Freire (1996), educar é um
ato de amor, um ato político, ato de coragem, de alegria e esperan-
ça, de conhecimento, de respeito aos saberes, de escuta, de diálogo, de
compreensão da importância da educação como forma de intervenção
no mundo, de pesquisa, criticidade... E nós, em meio aos desafios do
cotidiano, estamos refletindo sobre nossa prática?
A educação escolar nos desafia cotidianamente quando, ao en-
trarmos na sala de aula, ficamos pensando: Que desafios fazem parte
do meu dia a dia? Qual é o nosso papel neste espaço educativo? Como
tratamos e estimulamos os educandos para a aprendizagem que tenha
sentido na sua vida?
Nesse sentido, Freire (1996) nos diz que, em sua tarefa docente, o
educador tem um papel muito importante. Tarefa essa que não se limita
em apenas ensinar conteúdos, mas também em refletir, em ensinar a pen-
sar sobre o contexto social em que a escola está inserida, problematizando,
de forma crítica, os desafios enfrentados pela comunidade em que vive.
Na obra: Pedagogia da autonomia, Freire (1996, p. 52) destaca
que o educador precisa “saber que ensinar não é transferir conhecimen-
to, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção”, e completa: “aprender para nós é construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aven-
tura do espírito” (FREIRE, 1996, p. 77). Assim, enquanto educado-
res comprometidos com essa realidade, no dia a dia da sala de aula,
devemos procurar a constituição de sujeitos conscientes de seu papel,
capazes de questionar, de interferir no mundo, de lutar contra qualquer
injustiça social.
Mesmo não estando em sala de aula nos últimos dias, em função
do cuidado e da proteção da saúde de todos, nosso trabalho, neste espaço
educativo, precisa ser pensado e refletido constantemente. Precisamos en-
frentar os desafios que surgem nesta caminhada, observando o contexto
dos educandos, a maneira como fazemos e o mundo que queremos.
297
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Então, meus amigos, encerro esta carta com este pensamento:


“Educar é um desafio cotidiano”, afirmando o nosso comprometimento
enquanto educadores e a importância do trabalho que estamos realizan-
do, buscando bases teóricas em Freire para conduzir nossa “práxis”, com
coragem, alegria, esperança e amorosidade.

Com carinho,

Mari

Palavras-chave: Escola. Práxis. Educadora.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

298
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ENFRENTAMENTOS E INCERTEZAS
DEPOIS DE SUA AUSÊNCIA

Shirlei Alexandra Fetter


UNILASALLE
fettershirlei@gmail.com

Raquel Karpinski
UFRGS
raquelk@faccat.br

Carine Marcon
UFFS
carii.marcon@gmail.com

Allana Cavanhi
UFFS
allanacavanhi@gmail.com

Março de 2020.

Ao mestre na eternidade, nossas saudações!

Estimado professor Paulo Freire, in memoriam, depois de sua


partida, estamos nos deparando com dificuldades crescentes. As estra-
nhezas nos cercam cotidianamente, uma vez que os estudantes têm fre-
quentado escolas cuja infraestrutura apresentada não é adequada para o
aprendizado, o que é considerado um dos fatores que contribuem para
o desestímulo de frequentar tais instituições.
Durante esses anos de sua ausência, a escola tem sido bastan-
te negligenciada, muitas não possuem salas de leitura, bibliotecas ou
acesso à internet. Tudo isso dificulta o desenvolvimento das tecno-
logias educacionais e o incentivo ao uso delas, o que poderia ser um
299
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

grande aliado dos professores e dos alunos. Outro ponto importante é


a formação dos professores, pois uma parte significativa leciona disci-
plinas sem ter a formação adequada.
Depois de sua partida, podemos classificar os desafios da educação
brasileira, no geral, em internos e externos. Os externos são desafios so-
cioeconômicos, ligados principalmente à desigualdade de oportunidades,
de aprendizagem e de acesso ao ambiente escolar. Os desafios internos
dizem respeito à  estrutura do sistema educacional em si: as esferas, os
programas, os agentes e os repasses financeiros. Inúmeros são os desafios
e, dessa forma, nós, professoras em constante formação, buscamos, por
meio de nossa prática, colaborar com soluções à educação permanente.
Para corroborar, buscamos sustentação através de suas palavras:

A educação é permanente não porque certa li-


nha ideológica ou certa posição política ou certo
interesse econômico o exijam. A educação é per-
manente na razão, de um lado, da finitude do ser
humano, de outro, da consciência que ele tem de
sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da
história, ter incorporado à sua natureza não apenas
saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, sa-
ber que podia saber mais. A educação e a formação
permanente se fundam (FREIRE, 1993, p. 22-23).

Saudoso mestre, por acreditarmos na educação – que é direito de


todos – escolhemos trabalhar não só com formações e acessórios, de norte
a sul do país, mas também com a realidade da sala de aula da educação
pública brasileira. Fazemos isso por acreditarmos que temos oportuni-
zado a todos os estudantes a crença de que precisamos sonhar. Por isso,
nós nos propomos a transformar o conhecimento, o homem e o próprio
mundo, por meio dos atos de conhecer e de imaginar, os quais funda-
mentam nossa prática pedagógica. Entendemos com isso que: “A vontade
de quem não sabe sonhar é cega e limitada. Sem os devaneios da vonta-
de, a vontade não é verdadeiramente uma força humana, é uma bruta-
lidade” (BACHELARD, 2001, p. 75). Atualmente, frente à desafiadora
realidade em que nos encontramos, desperta-nos especial preocupação a
“desordem” generalizada, instaurada na gestão do Ministério da Educa-

300
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ção e Cultura. Tal preocupação tem se sobressaído diante de uma gestão


marcada pela inexperiência de pessoas em cargos-chave e decisivos do Mi-
nistério. Nós, enquanto brasileiras e profissionais da educação, chegamos
ao limite em face de tamanho descaso, por acreditarmos que a educação
é capaz de alçar o desenvolvimento, com o qual continuamos sonhando.
“Como educadoras e educadores somos políticos, fazemos política ao fa-
zer educação. E se sonhamos com a democracia, que lutemos, dia e noite,
por uma escola em que fale aos e com os educandos para que, ouvindo-os
possamos ser por eles ouvidos também” (FREIRE, 2011, p. 92).
Despedimo-nos em meio à saudade e deixamos registrada a con-
vicção de que nos encontramos em constantes buscas, com possibilida-
des inovadoras e com iniciativas que partem de seu legado, que, ainda
que sejam exceções, existem e dão bons resultados. Trabalhamos lado a
lado com a formação de professores e de gestores escolares, em parcerias
com secretarias de educação e governos municipais, por uma aprendi-
zagem humana e cooperativa que forma para a vida.
Buscamos, em suas palavras, acreditar e profetizar que a vida hu-
mana só tem sentido a partir da busca incessante da libertação de tudo
aquilo que nos desumaniza e nos proíbe de ser mais humanos, dignos
e livres em nosso ser existencialmente situado. Entendemos, conforme
teus ensinamentos, que a racionalidade dialógica que articula a propos-
ta epistemológica, política, antropológica e ética se constituiu na busca
de um sentido para a vida humana em sociedade. Por tais razões, bus-
camos exercer o ato educativo, amoroso e esperançoso, sem que o medo
nos impeça de lutar. Esperança e luta complementam-se na busca de
um mundo mais belo, humanizado e acolhedor para todos, pois nossa
passagem pelo mundo só tem sentido se nos gentificarmos em processos
educativos ou em espaços-tempo mais humanizados.

Saudades eternas do mestre, Professoras: Shirlei Alexandra Fetter,


Raquel Karpinski, Carine Marcon e Allana Cavanhi

Erechim/RS, Maio de 2020.

Palavras-chave: Educação. Enfrentamentos. Docência. Humanidade.


Amorosidade.
301
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BACHELARD, G. A Terra e os Devaneios da Vontade: Martins Fon-
tes, São Paulo, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à educa-
ção do futuro. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Política e educação. Indaiatuba: Villa das Letras, 1993.

302
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DIÁLOGOS, REFLEXÕES E APRENDIZAGENS DE GESTÃO,


EM TEMPOS DE PANDEMIA

Jorge Antônio de Oliveira Satt


Prefeitura Municipal do Rio Grande
jorginhosatt@yahoo.com.br

Ida Leticia G. da Silva


Universidade Federal do Rio Grande
idaquimica@gmail.com

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia causada pelo CO-


VID-19, que se espalhou por todo o planeta. Essa pandemia provocou
o distanciamento social entre as pessoas e obrigou o fechamento das es-
colas em todo o território nacional. Dentro desse contexto, desde 17 de
março do ano passado, estamos com as portas fechadas para as ativida-
des letivas presenciais, desenvolvendo, neste período pandêmico, ativi-
dades de ensino no formato não presencial, mediadas pelas tecnologias
digitais. É surpreendente quando pensamos que, há mais de um ano,
não temos interações presenciais com os nossos estudantes, bem como
com a nossa comunidade. A escola precisou ressignificar seus sentidos,
seu trabalho, sua organização e seu planejamento, de forma a atender às
necessidades emergentes impostas pela pandemia.
Nesta escrita narrativa-reflexiva, buscamos relatar a experiência
vivenciada pela escola João de Oliveira Martins, na qual estamos atuan-
do como diretor e vice-diretora e, com isso, imersos nas práticas e nos
tensionamentos da gestão escolar. Esse texto foi pensado como uma
conversa dialógica e problematizadora, como tentativa de compreender,
por meio de uma experiência individual, o contexto social que envolve
importantes debates no campo da educação, no caso, as ações peda-
gógicas de ensino, desenvolvidas pela escola, numa situação extrema
de pandemia, que alterou significativamente as relações de trabalho e
os processos de ensinar e aprender. Este texto representa um convite à
303
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

conversa, que segundo Larrosa (2003, p. 212) “[...] não é algo que se
faça, mas algo que se entra e ao entrar nela, pode-se ir aonde não havia
previsto [...] e essa é a maravilha da conversa [...].
Para melhor contextualização desta narrativa, é importante des-
crevermos a escola na qual são potencializadas nossas reflexões de ser
e estar gestores escolares em tempos de pandemia. Como a pandemia
alterou/modificou/transformou as nossas práticas?
A EMEF Prof. João de Oliveira Martins é uma escola de periferia,
situada na zona oeste da cidade do Rio Grande/RS, região de grande
vulnerabilidade social, que convive com diversos problemas, como os ele-
vados índices de pobreza, drogadição, violência, desemprego, fome, baixa
escolaridade, entre outros. Dentro desse contexto, as práticas pedagógicas
precisam ser dialogadas, construídas reflexivamente, comprometidas com
a transformação desta realidade, constituindo-se em ações concretas de
ruptura com a exclusão econômica, cultural, social e educacional, às quais
estão submetidas essas populações. Tem sido um trabalho árduo, de mui-
ta conversa, reuniões, planejamentos e projetos de intervenção.
Nesse momento histórico de agravamento da pandemia do CO-
VID-19, de manutenção da suspensão das aulas presenciais, escrever
sobre a experiência vivida, no âmbito da gestão escolar, se faz urgente
e necessário como possibilidade de analisarmos criticamente a função
social da escola e dos seus dirigentes, numa situação de precarização da
educação básica, marcada pela falta de políticas públicas que reverbe-
rem em investimentos na qualificação dos seus espaços, na melhoria da
sua infraestrutura, na ampliação do acesso aos recursos tecnológicos e
na formação continuada de seus profissionais.
Durante este tempo de pandemia, a gestão precisou (re)pensar a
sua forma de dialogar com a comunidade escolar e acompanhar as ati-
vidades pedagógicas realizadas pelos estudantes e construídas pelos pro-
fessores. Uma das primeiras ações de gestão, neste período adverso, de
reconstrução do ser professor e do ser e estar diretor e vice-diretora foi
organizar espaços-tempos formativos com a equipe diretiva (Coordena-
ção, Orientação, Sala de Recursos) e os demais docentes, por meio de
reuniões virtuais. Desde as primeiras semanas de pandemia, mantivemos
contato com a equipe docente da escola. Realizamos também encontros
virtuais com as famílias e com os representantes do CPM (Círculo de
304
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Pais e Mestres). Nesses encontros, fomos apresentando e construindo,


junto com a comunidade, a proposta de trabalho a ser implantada neste
formato não presencial. Com o intuito de alcançar um maior número
de famílias, a escola realizou algumas lives, que foram transmitidas pelo
Facebook da escola, rede social bastante acessível para a maioria da comu-
nidade escolar. Um dos grandes desafios deste tempo de distanciamento
social foi manter a parceria entre escola e comunidade. Para contornar os
obstáculos impostos pela pandemia, que exige conhecimento e acessos
tecnológicos, a gestão construiu estratégias de comunicação a partir de
ligações telefônicas e envio de mensagens às famílias.
Esses momentos de escuta foram essenciais para desenvolvermos
e planejarmos as estratégias a serem adotadas ou implantadas. Após es-
sas primeiras reuniões, começamos os estudos sobre a construção de
planejamentos de conteúdos voltados ao ensino não presencial, tendo,
como principal ferramenta de comunicação e interação, o WhatsApp. A
escolha desse recurso se deu após pesquisa realizada junto à comunida-
de, pelo Facebook, acerca das possibilidades de acesso e conhecimento
das famílias sobre as tecnologias digitais.
A construção dos planejamentos de ensino e aprendizagem, via
WhatsApp, exigiu da equipe um período de intensa formação, com
estudo, pesquisa, diálogos e reflexões sobre os objetivos, as temáticas e
os conhecimentos que seriam desenvolvidos nesta nova forma de ensi-
nar e aprender. Foi um percurso marcado pela inquietude, por muitas
dúvidas, por superações históricas e paradigmáticas e pela consolidação
de um trabalho coletivo e colaborativo, na perspectiva de uma escola
que se comunica e interage de forma não presencial, mas ciente de seu
compromisso com o conhecimento socialmente referenciado.
No decorrer do ano letivo de 2020, foram realizadas diversas reu-
niões virtuais de acompanhamento e de avaliação dos planejamentos, mas
também para dialogar sobre como se daria a resolução dessas atividades
por parte dos estudantes, de maneira a identificarmos suas dificuldades e
pensarmos em possibilidades de intervenção pedagógica. Com esse moni-
toramento, foi possível mapear quais os estudantes não possuíam acesso à
internet, e, a partir disso, a escola disponibilizou os conteúdos por meio
de material impresso, entregue semanalmente às famílias, seguindo rigo-
rosos protocolos de prevenção ao contágio pela COVID-19. Com essa
305
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ação, objetivamos que o ensino não presencial não agrave ainda mais a
situação de vulnerabilidade de muitos estudantes, nem se torne mais um
processo de exclusão dos processos de ensino e aprendizagem.
Nesse movimento de reinvenção das práticas pedagógicas e de
gestão escolar em tempos de pandemia, idealizamos e realizamos uma
mostra virtual de trabalhos, valorizando o potencial criativo e criador
dos nossos estudantes. Essa atividade representou uma oportunidade
para dar visibilidade às ações desenvolvidas pela escola e também para
demonstrar a parceria estabelecida com as famílias, que colaboraram
com as propostas de ensino promovidas pela Instituição.
Passado mais de um ano de pandemia, com as escolas ainda fe-
chadas, a equipe escolar está avaliando sistematicamente as ações desen-
volvidas até aqui, com vistas à qualificação deste processo, tendo como
premissa que “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem
que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 2002, p. 43-44).

Palavras-chave: Gestão Escolar. Reflexão. Esperançar.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
LARROSA, J. Epílogo: A arte da conversa. In: SKLIAR, C. Pedagogia
(improvável) da diferença: esse outro não estivesse aí? Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.

306
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UMA CARTA REFLEXIVA: O PENSAMENTO DE EDUCAÇÃO


EMANCIPATÓRIA DE FREIRE VIVE NAS PERSPECTIVAS DO
LETRAMENTO CRÍTICO E DOS NOVOS LETRAMENTOS

Delvânia Aparecida Góes dos Santos


Universidade Federal de Mato Grosso (PPGE-UFMT)
Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)
delvaniagoes@gmail.com

Cuiabá, Abril de 2021.

Estimados colegas professoras e professores, que esta carta lhes


encontre bem nestes dolorosos e restritivos tempos de pandemia. Es-
tas linhas são dedicadas a compartilhar algumas releituras da obra
Freire, por meio das perspectivas teóricas do Letramento Crítico (LC)
e dos Novos Letramentos (NLS), pois, nelas, o pensamento Freireano
pulsa e impulsiona.
Bem, é sabido que as mudanças sociais resultantes das políticas
neoliberais e dos processos globalizantes têm sido motivo de inquieta-
ção entre acadêmicos e profissionais da educação. Diante da crescente
concentração de renda, do aumento exponencial da pobreza e, conse-
quentemente, da exclusão social, as discussões em torno da educação
crítica voltaram a ser pauta em diversos países no final do século XX.
De acordo com estudiosos e pesquisadores da área da Educação e da
Linguística Aplicada, a busca por novas epistemologias e metodologias
emancipatórias tornou-se crucial para o enfrentamento dos desafios so-
ciais mediante a complexidade da sociedade contemporânea.
A partir das discussões feitas por Paulo Freire (2019; 1996), prin-
cipalmente em A Pedagogia do Oprimido, o mundo acadêmico passou a
ponderar a importância de uma educação emancipatória na luta contra
a injustiça social. Inspirados pelas ideias revolucionárias do educador
brasileiro, estudiosos de vários países se reúnem e revisitam os pensa-
mentos de Freire, com o propósito de recontextualizá-los e de repensar
o que seria uma educação crítica em nossos dias (MENEZES DE SOU-
307
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ZA, 2011). É sob essas premissas que as perspectivas do Letramento


Crítico/Novos Letramentos despontam no cenário internacional.
Segundo Luke e Dooley (2009), o Letramento Crítico refere-se
“ao uso de textos para análise e transformação das relações de poder nas
esferas culturais, sociais e políticas” da sociedade. Entretanto, o sentido
de “texto”, aqui, não está circunscrito ao texto em si, mas entendido
como discurso. Por “texto”, compreende-se interpretação cultural, pers-
pectiva social, posicionamento político, palavra no mundo. Portanto,
trata-se de um elemento ideológico e gerador de efeitos de sentido.
De acordo com essa concepção, podemos entender que as pers-
pectivas do Letramento Crítico encorajam as pedagogias de enfrenta-
mento, de resistência e de transformação, porque buscam, por meio
de uma epistemologia da suspeita e do exercício da criticidade, tornar
visíveis as diferentes perspectivas sociais, comumente em conflito, bem
como promover o diálogo entre elas – sem, no entanto, ter por in-
tencionalidade o apagamento do dissenso das interpretações sociais em
confronto. Ao contrário disso, as práticas de LC buscam evidenciar os
diferentes sentidos em jogo, para, então, discutir suas implicações.
Em síntese, podemos dizer que as perspectivas do letramento crí-
tico, com base nas ideias de Freire, mantêm viva a proposta de diálogo/
dialogicidade, de engajamento e de compromisso com a luta política
diante das injustiças sociais e a qualquer tipo de opressão. Ambas as
propostas têm como base os princípios da democracia, da equidade de
poder e da liberdade.
Podemos dizer, ainda, que as perspectivas do Letramento Crí-
tico se constituem como uma proposta de ressignificação de olhares
e de ampliação do repertório interpretativo de mundo, uma vez que
considera as práticas sociais a partir de diferentes perspectivas culturais,
instigando o estranhamento, a reflexão e o posicionamento político dos
sujeitos – reivindica a construção e fortalecimento de agências –, en-
corajando os atores sociais a adentrar no território de disputa de senti-
dos para criar resistência, fazer enfrentamentos e participar ativamente
da/na negociação das agendas e das políticas sociais, exercendo, desse
modo, seus direitos enquanto cidadãos em um cenário democrático.
As perspectivas do Letramento Crítico, tanto quanto as da Pe-
dagogia Crítica de Freire, reconhecem abertamente a dimensão políti-
308
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ca do pensamento humano, por isso elas não a dissociam das condições


de existência e das ações humanas – não descarnam o espírito humano,
desvinculando-o do corpo social. Nesse sentido, é importante apontar a
concepção de Luke e Dooley (2009) de que “o processo de letramento
crítico, enquanto uma habilidade humana, traduz-se em uma disposição
em direção à liberdade, à emancipação”. Como isso pode não ser político?
Monte-Mór (2013, p. 11) também contribui para nossa com-
preensão da natureza política do ser humano ao apontar que “a constru-
ção humana de significados se dá no espaço social e busca a percepção
crítica de modo a interpretar eventos ou fatos recorrentes nesta socieda-
de”. Desse modo, segundo a autora, “o sujeito passa a ocupar a posição
de autor de tais significados, resultando na formação da cidadania ativa
ou engajada”. Portanto, o Letramento Crítico dialoga com a Pedagogia
Crítica quando aquele reivindica a construção de perspectivas sociais
emancipatórias ao advogar que os alunos sejam educados para pensar
criticamente e para questionar seu próprio status quo.
Gostaria de falar também sobre as aproximações entre o conceito
de Novos Letramentos, do teórico britânico Brian Street (2003) e o pen-
samento Freireano no que tange aos conceitos de letramento autônomo
e ideológico e o de educação emancipatória. Segundo Street (2003) os
estudos de Novos Letramentos consideram a natureza do letramento,
focando não apenas na aquisição de habilidades, como método domi-
nante, mas pensando o que significaria o letramento como uma prática
social”. Por “prática social”, Luke e Dooley (2009) referem-se às práti-
cas capazes de promover o pensamento crítico do aluno, em sala de aula
ou fora dela, encorajando-o a desenvolver sua capacidade de intervir em
sua própria história, aprendendo a ler mais do que está escrito em um
texto, aprendendo a “ler” também sua própria história de vida.
Street (2003) identificou e teorizou sobre dois modelos gerais
de letramento – o letramento autônomo e o letramento ideológico.
Segundo Street (2003), o “modelo autônomo” – o tradicional, o clás-
sico, o canônico – simplesmente impõe o pensamento ocidental a
outras culturas, naturalizando-o, como se a homogeneização social
e cultural fosse o destino adequado para todos os seres humanos do
planeta, sem dar brechas aos questionamentos, às perspectivas ou às
particularidades de um povo, de um grupo social ou do próprio in-
309
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

divíduo (STREET, 2003). Por sua vez, o “modelo ideológico” de le-


tramento reconhece as dissonâncias e as diferenças como parte dos
processos humanos e sociais – não as nega, não presume que apenas
por adquirir determinado nível de letramento o cidadão estará, auto-
maticamente, transformando suas condições sociais.
O modelo ideológico oferece uma visão de letramento cultu-
ralmente sensível, por considerar as diferenças de um contexto para
outro, por entender que o letramento não é simplesmente uma com-
petência neutra ou técnica (STREET, 2003). O “modelo ideológico”
de letramento defende a compreensão do contexto histórico-social no
qual o sujeito-aprendiz se encontra, bem como a condição social de
seus grupos de pertença. Em outras palavras, no modelo ideológico de
letramento, é fundamental que o sujeito entenda o porquê de seu status
social e o quê o impede de superar tal condição. Isso implica que, uma
vez consciente de seu lugar social no mundo, o sujeito-aprendiz pode-
rá ter condições de construir conhecimento emancipatório, de assumir
um posicionamento social mais assertivo.
Penso que esse breve apanhado conceitual, revisitando as ideias
profícuas de Freire, as quais foram reinterpretadas e disseminadas por
duas perspectivas teóricas que alcançaram destaque no campo da Edu-
cação, em vários países dos continentes europeu, africano, norte-ame-
ricano, sul-americano e Oceania, foi um desejo profundo de voltar a
sonhar, de resgatar um pouco de alento e de força neste momento histó-
rico no qual nos conscientizar, esperançar e pensar em novos caminhos
é o que nos permite existir.

Saudações Freireanas,

Delvânia

Palavras-chave: Educação. Emancipação. Letramentos.

310
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
LUKE, A.; DOOLEY, K. Critical literacy and second language lear-
ning. Queensland: Routledge, 2009.
MENEZES DE SOUZA, L. M. T. Para uma redefinição de letramento
crítico: conflito e produção de significação. In: MACIEL, R. F.; ARAÚ-
JO, V. A. (Orgs.). Formação de Professores de Línguas: ampliando
perspectivas. Jundiaí: Paco, 2011. Pp. 1-25.
MONTE-MÓR, W. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões prelimi-
nares. In: ROCHA, C. H.; MACIEL, R. F. (Orgs.). Língua estran-
geira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas:
Pontes, 2013. Pp. 31-59.
STREET, B. V. “What’s” “New’’ in Literacy Studies? Critical approach
to literacy in theory and practice. Current Issues in Corporative Edu-
cation, v. 5, n. 2, 2003.

311
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AS MÃOS

Francine Gentelini
fra.fg.fra@gmail.com

Aline Gentelini
aligentelini@gmail.com

Emanuele Gentilini
manu.gentilini@hotmail.com
Escola Estadual de Educação Básica Antônio João Zandoná

A poesia aborda a magia e o encantamento da infância e suas


descobertas. Tem o objetivo de retratar a esperança, a amorosidade, a
utopia, a curiosidade que pertencem naturalmente às crianças e que
são muito citadas pelo nosso querido Paulo Freire em muitas de suas
obras (FREIRE, 1998; 1989). Essas qualidades, inerentes à criança pe-
quena, devem ser também, qualidades do professor, uma vez que nos
remetem à pedagogia da pergunta que, ao invés da pedagogia da respos-
ta, permite que ensinemos aos nossos alunos conhecer e transformar o
mundo e não apenas a reproduzir o que nele já está posto. O texto foi
construído em diferentes momentos de observação de brincadeiras e de
atividades dirigidas realizadas pelas crianças na escola e em expedições
fora dela. Foca na utilização das mãos por parte das crianças, mãos essas
que criam, que constroem, que inventam, que acariciam, ou seja, mãos
como as de Paulo Freire.

Palavras-chave: Criança. Descoberta. Mãos.

313
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências

FREIRE, P. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1998.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-


pletam. São Paulo: Cortez, 1989.

As mãos

Mãos que tocam,


Mãos que sentem,
Mãos que ajudam,
Mãos que não se desgrudam.

Ah! As mãos!
Quantas descobertas elas podem proporcionar
Àqueles pequeninos
Que delas ousam se utilizar!

Criar, inventar,
Explorar, sonhar.
Tudo passa por elas
Em tudo elas podem colaborar.

Nas mãos das crianças está o novo,


O diferente, a magia, o encantamento.
Está o impossível, que se torna possível
A cada tentativa, a cada nova criação.

E ver essa magia toda


Para alguns pode ser difícil
Mas, na verdade, não requer esforço não.
Basta olhar as crianças
Com os olhos do coração.

314
CAPÍTULO 4

PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO:
CARTAS PEDAGÓGICAS E OUTROS ESCRITOS
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MARCAS DA TRAJETÓRIA DE VIDA DE ESTUDANTES DA EJA -


PROGRAMA AÇÃO INTEGRADA ADULTOS ESTEIO/RS:
CONTRIBUIÇÕES PARA PRÁTICA DOCENTE

Márcia Regina da Silva


Universidade La Salle – UNILASSALE
maresiasol@outlook.com

José Edimar de Souza


Universidade de Caxias do Sul – UCS
jesouza1@ucs.br

A proposta discute resultados de pesquisa desenvolvida com in-


tegrantes de uma turma da EJA (Educação de Jovens e Adultos), per-
tencente ao Programa “Ação Integrada Adultos’’ de uma escola da rede
municipal de ensino de Esteio/RS. O objetivo do trabalho é analisar nar-
rativas de vida desses estudantes, sobretudo o modo como as relações de
contexto e as marcas da trajetória de vida se ligam às práticas docentes no
ambiente escolar. Essa modalidade de ensino possui características espe-
cíficas, público diferenciado de alunos , que por estarem na vida adulta,
agregam outras atividades e responsabilidades, não somente relacionadas
aos estudos. Para ingresso neste Programa, era necessário ter o 6º ano do
Ensino Fundamental completo e idade acima de 23 anos, com o objetivo
de conclusão do Ensino Fundamental em um ano letivo.
A história de vida permite captar o modo como cada sujeito se
transforma e o modo como se mobiliza, articula e trama sua trajetória,
como se desvelam seus valores, suas crenças e identidades, tornando pos-
sível o diálogo em seus contextos de atuação (SOUZA, 2019). Para co-
nhecer um pouco das histórias de vida dos alunos da EJA e, a partir de
então, estabelecer um paralelo a respeito da prática docente, foi realizado
um acordo prévio com os entrevistados, esclarecendo sobre como seriam
feitas as entrevistas, deixando-os cientes do processo e seguros quanto ao
entendimento de que as vivências compartilhadas seriam analisadas com
muita seriedade. Ao todo, trazemos cinco relatos das entrevistas realizadas
317
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

na escola com horários previamente agendados. Foram utilizados nomes


fictícios escolhidos por eles. No “dizer da sua palavra”, como argumenta
Freire (1996), na possibilidade de escuta desses sujeitos, de contribuir
para que se percebam protagonistas da sua história, que construam sua
consciência de si, trazemos alguns excertos das entrevistas.
Para JC, de 61 anos, um dos entrevistados, não havia condições
para que ele estudasse, por isso a evasão na idade escolar. O seu retorno
à vida escolar foi por incentivo de sua esposa, que inclusive realizou sua
matrícula. Quanto às aprendizagens, JC afirmou melhora na sua autoes-
tima, valorizando mais os estudos e tendo autonomia para retomar as
atividades em casa. Adriano, de 49 anos, na infância, passou rapidamente
pela escola, pois vivia em situação de pobreza, com uma família numero-
sa, de oito irmãos. Afirmou que muitas vezes o principal estímulo que ti-
nha para ir à escola era a merenda. Quanto às aprendizagens construídas,
Adriano destacou a convivência com os outros, as amizades e as coisas que
aprendeu com cada pessoa que conheceu, demonstrando valorização de
sua história de vida, de sua autoestima e de sua autoconfiança.
A terceira entrevistada é Flor do Campo, mulher de 55 anos. Ini-
ciou seus estudos na adolescência e, pelos seus problemas de saúde, a sua
mãe considerava desnecessária sua frequência à escola. Afastada há mais
de 25 anos da escola, quando reiniciaram as aulas, solicitou uma rampa
de acesso para deslocar-se com sua cadeira. Refletindo suas aprendiza-
gens, afirmou que levará experiência e perseverança, além das interações
vividas com os colegas. A quarta entrevistada é Betão, mulher com 41
anos de idade. Ela perdeu a mãe na infância e foi residir com sua avó,
que tinha um filho adotivo. Quanto ao retorno à vida escolar, decidiu-se
por exigência dos empregadores, que solicitaram a conclusão do ensino
fundamental. Betão salientou que preferia o ambiente de trabalho ao am-
biente escolar, tendo certa resistência à convivência no ambiente escolar.
A quinta entrevistada é Pink, mulher de 32 anos, que interrompeu seus
estudos por gravidez na adolescência. Venceu a insegurança e a timidez
e idealizou seguir nos estudos futuramente, inclusive no ensino superior.
Analisando os entrevistados, explicitam-se muitas características
da história de vida escolar desses alunos, tais como: momentos de difi-
culdades, rupturas, encorajamento para retornar, alegria em voltar aos
estudos e, ainda, a iniciativa de exigir uma rampa de acesso na escola,
318
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

a fim de facilitar seu deslocamento, na condição de cadeirante. Enten-


demos que esses são aspectos indispensáveis para planejar e construir
situações de aprendizagem e ressignificar as práticas docentes. Nesse
contexto, muitas vezes os alunos não entendem exatamente o porquê de
terem que frequentar as aulas. Com isso, o professor necessita interro-
gar-se constantemente, na intenção de atingir determinado aluno com
sutileza, a fim de que a escuta sensível de seus alunos e o conhecimento
sobre o contexto, sobre a história de vida deles, possam contribuir para
significar as práticas e qualificar o processo formativo dos seus alunos.
A educação tem um papel fundamental na vida em sociedade, ou
seja, transformar pessoas, de acordo com sua história de vida, abrindo
perspectivas de futuro, mas, ao mesmo tempo, agindo e construindo o
presente. Tanto alunos como professores são atingidos nesse processo.
Freire (2011, p. 128) destaca que: “Através de sua permanente ação
transformadora da realidade objetiva, os homens, simultaneamente,
criam a história e se fazem seres histórico-sociais”. Nesse sentido, é fun-
damental que o educador perceba o quanto seus alunos adultos neces-
sitam interpretar o seu mundo para se sentirem pertencentes a um con-
texto maior, a fim de motivarem-se a seguir nos estudos, estabelecendo
relações diretamente vinculadas às suas vivências cotidianas. O educa-
dor necessita estar atento às demandas trazidas pelos alunos, para que,
por meio do diálogo e da reflexão, possa interpretar, de acordo com os
seus pontos de vista, a realidade, bem como o conteúdo que está sendo
trabalhado. Esse olhar, para o conhecimento de mundo e para o conhe-
cimento sistemático, o educador adquire tanto nas formações continua-
das que participa, quanto na práxis diária da sua atuação docente.
José Carlos Barreto e Vera Barreto (1995, p. 75) afirmam que: “A
formação é uma prática de conhecimento e todo conhecimento nasce
com uma pergunta. A pergunta é o primeiro passo do conhecimento.
As perguntas surgem na ação, em sua grande maioria [...]”. Essa pers-
pectiva mencionada pelos autores supõe uma formação com base na
pergunta e na ação, tanto por parte do professor como por parte do
aluno. Como avançar no conhecimento de si, do outro e do mundo
senão formulando perguntas, problematizando-as, dialogando, refle-
tindo, desacomodando conhecimentos anteriores para agregar novos,
estabelecendo relações entre eles?
319
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

É fundamental o educador planejar uma intervenção didática


para transformar a diversidade em ponto de estímulo, para que o aluno
consiga explicar alguns fatos, analisá-los e compreendê-los. Muitos jo-
vens e adultos que não foram à escola têm uma noção de mundo muito
grande, que advém de seu conhecimento do cotidiano. Dessa forma,
tentam utilizá-lo como suporte para compreender o conhecimento sis-
temático, mas, na maioria das vezes, não encontram uma orientação
devida por parte do professor, o que, geralmente, leva ao desestímulo e
à desistência por parte do aluno. Em síntese, o professor carrega consigo
a responsabilidade de lidar com distintos sentimentos no espaço escolar,
e sendo um ser humano que também compartilha seus sentimentos na
docência, precisa lidar com a insegurança em suas ações e a superação
dela para avançar encorajado e comprometido com os seus propósitos.
Freire (2013, p. 177) destaca que: “[...] O futuro não é o que tem que
ser, mas o que façamos com ele e do presente”. O caminho que edu-
cando e educador atravessam juntos deixa marcas na história de vida de
ambos, as quais levarão com eles nas próximas vivências.

Palavras-chave: Trajetórias Escolares. Histórias de Vida. Formação de


Professores.

Referências
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha
práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
BARRETO, J. C.; BARRETO, V. A formação dos alfabetizadores. GA-
DOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (Org.). Educação de Jovens e Adultos:
teoria, prática e proposta. São Paulo: Cortez, 1995. Pp. 79-87.
SOUZA, J. E. Educar: perspectivas e construções. São Leopoldo:
Oikos, 2019.

320
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MULHERES COMO ENUNCIADORAS DA CIÊNCIA-TECNOLOGIA

Ana Paula Butzen Hendges


abhendges@gmail.com

Letícia Barbieri Martins


leticiabmartins25@gmail.com

Rosemar Ayres dos Santos


Universidade Federal da Fronteira Sul
roseayres07@gmail.com

Ainda nas primeiras décadas do século XX, a ciência estava defi-


nida como carreira imprópria para a mulher, da mesma maneira que, na
segunda metade daquele século, ainda se dizia quais eram as profissões
para os homens e quais eram para as mulheres. Mas será que, inseri-
dos no terceiro milênio, não continuamos, de certo modo, demarcando
quais as carreiras dos homens e quais das mulheres? (CHASSOT, 2004).
Em tempos de retrocesso às garantias democráticas brasileiras, no
que tange, inclusive, às conquistas das mulheres, é importante discutir
acerca da história de exclusão vivenciada por elas. Mesmo estando inseri-
das numa sociedade da informação e do conhecimento, possuem dificul-
dade em conquistar posições de destaque nas diferentes áreas da sociedade
e continuam a sofrer com as desigualdades e com as violências moral, psi-
cológica, sexual e física. Desse modo, com vista nas opressões históricas e
atuais (por vezes silenciosas) sofridas, buscamos discutir sobre as mulheres
na Ciência-Tecnologia (CT), apontando para a necessidade de abordar,
em sala de aula, de forma dialógico-problematizadora, as contribuições
femininas nessa área. Para tanto, o trabalho é de cunho qualitativo (LÜ-
DKE; ANDRÉ, 2013), no qual realizamos o estudo mediante pesquisa
bibliográfica (GIL, 2008), estabelecendo um diálogo com as concepções
apresentadas na obra Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire.
321
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Cabe mencionar aqui a repercussão negativa dessa obra acerca do


machismo na linguagem, conforme levantado pelo movimento feminista
dos Estados Unidos após a tradução de Pedagogia do Oprimido ao inglês.
As mulheres acusavam Freire de se apropriar da palavra “homens” em
várias passagens do livro, não incluindo assim as “mulheres” (ANDREO-
LA, 2016). Quanto a isso, ele tentava justificar a si mesmo, dizendo:
“Quando falo homem, a mulher está incluída”, porém, depois de se dar
conta dessa “mentira ideológica”, passa a se perguntar: “E por que os ho-
mens não se acham incluídos quando dizemos: ‘As mulheres estão deci-
didas a mudar o mundo?’” (FREIRE, 1992, p. 67). Por fim, aceitando as
críticas construtivas, no livro Pedagogia da esperança, ele relata que passou
a adotar o recurso gramático-pedagógico para chamar a atenção do públi-
co para essa linguagem machista (ANDREOLA, 2016).
Nas ciências, especificamente no ramo das Exatas e da Terra, as
mulheres têm uma menor participação, visto que são levadas a acreditar
que não possuem o potencial necessário para serem eficientes no traba-
lho (SILVA; RIBEIRO, 2014) em razão de características “femininas”,
como a delicadeza, o zelo e a afetividade; essas, opostas às masculinas,
marcadas pelo senso de disputa, racionalidade, objetividade e força.
Além do mais, não parece um despropósito afirmar que o fato de as
mulheres serem as principais responsáveis pelos cuidados com seus fi-
lhos as tirou/tira por muito tempo de suas pesquisas, o que, em certas
áreas, pode ter consequências críticas (CHASSOT, 2004).
Com o intuito de fazer-nos posicionar frente a tais (e outras)
questões de gênero, a temática “mulheres e CT” é um campo que ne-
cessita destaque nos meios de ensino e que possibilita, através da Edu-
cação Problematizadora de Paulo Freire, desconstruir a visão da CT
puramente masculina e iniciar um caminhar para uma sociedade mais
justa, digna, liberal, democrática e para os, hoje, oprimidos. Assim, te-
remos muito mais “cantos de liberdade” como o de Malala e seu sonho
de igualdade, em defesa do direito de educação das meninas.
Destacamos, portanto, a importância de abordar, nas escolas,
acerca das dificuldades vivenciadas por cientistas, que abarca todo o
contexto histórico-cultural de discriminação da mulher no qual a CT é
fundada e que permite uma reflexão crítica acerca de questões de gênero
e do papel dela na sociedade científica atual, desconstruindo a visão de
322
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que ela não pode fazer CT, que os cuidados com o lar e com a família
são preferencialmente responsabilidade dela, que a área das exatas é de
domínio masculino, dentre tantos outros estereótipos construídos ao
longo da história da CT e da sociedade.
Entretanto, é fato que, nas escolas, local em que a construção e o de-
senvolvimento do conhecimento produzido pela humanidade é essencial e
que necessita ser recriado de forma justa, inclusiva, ética e solidária (PADI-
LHA et AL., 2019), pouco se discute acerca das contribuições de mulheres
para a CT, visto que o livro didático, o qual se apresenta, significativamente,
como suporte teórico-metodológico para as aulas dos professores, pouco
ou nada aborda sobre esse assunto, o que pode remeter aos estudantes o
seguinte pensamento: meninas são capazes de produzir CT? Sabemos que
sim. Porém, em outros tempos, as mulheres foram excluídas da CT pe-
los denominados opressores, seres desumanizados, nas palavras de Freire
(1987) e, por algum motivo, suas contribuições ainda são pouco estudadas
e valorizadas. Além disso, nos dias atuais, a sociedade impõe muitas respon-
sabilidades e obrigações à mulher, principalmente no que tange à família, e
isso influencia em suas escolhas e vida profissional, o que pode justificar a
reduzida participação das mulheres em alguns ramos científicos.
Portanto, cabe a nós, professoras e professores, assumindo o perfil
de educadores-educandos, dialógicos, problematizadores, desvincular-
-nos da Educação Bancária e sermos críticos e reflexivos perante nossas
práxis, na luta pela humanização e pela libertação do sujeito, mediante
uma metodologia questionadora da realidade do estudante, uso de temá-
ticas geradoras, realistas, contextualizadas e diversificadas do currículo e
do mundo, fundamentada na criatividade, reflexão, conscientização e no
diálogo (PADILHA et AL., 2019), este último tendo o amor, a humil-
dade e a fé nos homens como critério para Ser Mais (FREIRE, 1987).
Por isso, é preciso questionar e lutar contra o machismo, o fascismo, a
homofobia, o racismo, a lgbtfobia, os preconceitos de classe, em favor de
uma educação pública crítica, problematizadora e não opressora. E como
já dizia Freire (1987, p. 29): “ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.

Palavras-chave: Mulheres Cientistas. Ciência-Tecnologia. Pedagogia


do Oprimido.
323
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDREOLA, B. Paulo Freire e a condição da mulher. Roteiro, n. 3, v.
41, pp. 609-628, 2016.
CHASSOT, A. A Ciência é masculina? É, sim senhora! Contexto e
Educação, ano 19, n. 71/72, pp. 9-28, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. A Pesquisa em educação: abor-
dagens qualitativas. Rio de Janeiro: E.P.U., 2013.
PADILHA, P. R.; et AL. (Org.). 50 olhares sobre os 50 anos da peda-
gogia do oprimido. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2019.
SILVA, F. F.; RIBEIRO, P. R. C. Trajetórias de mulheres na ciência:
“ser cientista” e “ser mulher”. Ciência & Educação, n. 2, v. 20, pp.
449-466, 2014.

324
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR: OLHARES PARA ALÉM DA ESCOLA

Vanessa Pescador
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
vanessaddr@yahoo.com.br

Fernanda dos Santos Paulo


Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
fernandaeja@yahoo.com.br

A educação não escolar é um campo a ser compreendido e pesquisa-


do no contexto brasileiro. Alguns autores são pontuais para qualificarem
a educação não escolar e sua relevância nos debates relacionados aos espa-
ços não escolares. Afonso (2001) apresenta a importância de compreender
os espaços não escolares como um segmento da educação escolar, sendo
que os mesmos sempre existiram, de forma formalizada ou informal. Em
concordância com o autor, pude verificar, na prática, sendo professora de
Dança em Programas Socioeducativos, que esses espaços efetivamente
desenvolvem atividades educacionais, encontrando-se nas comunidades,
alguns vinculados à Assistência Social; outros, às secretarias de Esporte
e Cultura dos Municípios, entre outros. Porém, percebe-se uma falta de
estrutura para qualificar essas ações, já que as atividades, muitas vezes, são
realizadas em casas alugadas, associações, ginásios e espaços comunitários.
O desafio de repensar esses espaços não escolares como uma conti-
nuidade da educação se faz necessário, compreendendo que, nos Progra-
mas Socioeducativos, existem pedagogias que sustentam a educação não
escolar na instituição. Paulo (2020) defende que na educação não escolar
Institucionalizada pode haver pedagogias críticas ou acríticas e que se faz
necessário conhecer os projetos educacionais nesses espaços. Muitos des-
ses espaços não são visibilizados e ainda estão distantes da escola.
Segundo Gadotti (2012), a educação não formal chega muitas
vezes onde o estado não chega, principalmente nas comunidades, por
325
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

intermédio de ONGs e outros grupos da sociedade civil que se orga-


nizam para realizar ações expressivas educacionais, culturais e sociais.
Gadotti (2012, p. 22) considera que a educação não formal “trata-se de
um paradigma teórico nascido no calor das lutas populares que passou
por vários momentos epistemológicos e organizativos, visando não só
a construção de saberes, mas também ao fortalecimento das organiza-
ções populares”. Entendemos que o conceito de educação não escolar
não é o mesmo de educação não formal. A educação não escolar vem
apresentando concepções como educação social ou de educação popu-
lar, cujas concepções merecem aprofundamento. Esses espaços estão se
multiplicando e se fortalecendo, iniciado após a política de parceria
público-privada (PAULO, 2020).
Gohn (2006) ressalta que a educação é organizada como edu-
cação formal (que acontece nos espaços escolares), educação informal
(entende-se como de forma natural e cotidiana) e educação não formal
(onde existe uma intenção de criar espaços para desenvolver atividades
fora da escola). A autora traz, resumidamente, os objetivos da educação
não formal, sendo: Educação para a cidadania, justiça social; para di-
reitos, liberdade, igualdade; para a democracia, contra a descriminação;
para o exercício da cultura e das manifestações das diferentes culturas.
Se analisarmos atentamente esses objetivos, veremos que eles estão nos
projetos de educação, seja na escola ou fora dela. Isto é, a educação não
escolar institucionalizada foi compreendida por não formal nos anos de
1960 a 1980. Como vimos, as atividades não escolares visam atender
às problemáticas e às necessidades sociais. Isso ocorre, ou deveria acon-
tecer, tanto no espaço da escola como fora dela. Gadotti (2007, p. 27)
destaca a necessidade de se “educar para a paz, para os direitos huma-
nos, para a justiça social e para a diversidade cultural, contra o sexismo
e o racismo”, em todos os espaços educativos.
Por meio dos estudos de Paulo (2020), entendo que o termo edu-
cação não escolar não é necessariamente educação não formal ou in-
formal, pois ela pode ser formalizada ou informal. Para Paulo e Tessaro
(2020, p. 92) “a definição de educação não escolar tem que ser descrita
em seu tempo e espaço, já que a maioria dos nossos estudos aconte-
ce em contextos não escolares institucionalizados”. Elas enfatizam que
esses espaços possuem regras institucionais, horários, planejamento e
326
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

outras normativas, compreendendo a educação não escolar como uma


modalidade de educação e não como uma nova área. Conforme Paulo
(2020, p. 29), “devido a essas características de avançada formalização,
[...] denomina esse tipo de educação de não escolar institucionaliza-
da”. Bruno (2014) reflete sobre os termos educação formal, não formal
e informal como uma trilogia; a autora analisa a realidade portuguesa,
e tal afirmação, de certa forma, pode se aplicar à realidade brasileira,
que também percebe essas três dimensões como lacunas da educação.
Bruno (2014, p. 22) enfatiza que “a amplitude dos processos educativos
abrange práticas, actores, modelos e lógicas de acção diversas. Da diver-
sidade emerge a hibridez que ultrapassa a conceptualização da educação
a partir da trilogia”. Afonso (2001) sustenta que:

Por essa razão, a justificação da educação não-es-


colar não pode ser construída contra a escola, nem
servir a quaisquer estratégias de destruição dos
sistemas públicos de ensino, como parecem pre-
tender alguns dos arautos da ideologia neoliberal.
Nesse sentido, é importante salientar que o campo
da educação não-escolar (informal e não formal)
sempre coexistiu com o campo da educação esco-
lar, sendo mesmo possível imaginar sinergias pe-
dagógicas muito produtivas e constatar experiên-
cias com intersecções e complementaridades várias
(AFONSO, 2001, p. 31).

A educação não escolar precisa ser compreendida como um bra-


ço da educação formal. Segundo Gadotti (2007, p. 26), “educar para
outros mundos possíveis é fazer da educação, tanto formal, quanto não-
-formal um espaço de formação crítica”. O legado de Paulo Freire, ten-
do como propósito uma educação para todos, transdisciplinar, emanci-
patória e humanizada, promoveu mudanças significativas na educação
da América Latina. Ele acreditava numa educação que pudesse atingir a
todas as classes, com democratização e qualidade social; pois, conforme
Freire (1991, p. 35) , é preciso “Mudar a cara da escola”, com ampla
participação e engajamento de todos nós na luta por uma escola compe-
tente, séria e alegre. Freire (1991) preocupa-se com a prática educativa
política e democrática. Educar para a humanização com práticas edu-
327
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cativas intencionalizadas, nos diferentes contextos educativos, é uma


defesa que a pedagogia socialista vem fazendo. A luta por garantir a
educação, em diferentes contextos, como um direito social para todos,
é necessária, urgente e requer pautas na área da educação. Sabemos que
esse objetivo não é uma tarefa fácil , mas é preciso, como argumenta
Gadotti (2012, p. 12), “politizar mais nosso argumento e polemizar
menos, ver primeiro o que nos une, valorizar mais a luta do que a dis-
puta”. A educação vai para além dos espaços escolares e, nesse anseio de
qualificar o tema educação não escolar, se faz necessário aprofundar esse
contexto para que seja compreendido como um segmento da educação
e não com dualidade.

Palavras-chave: Educação Não-Escolar. Educação Popular. Educação


Não-Escolar Institucionalizada.

328
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
AFONSO, A. J. Os lugares da educação. In: SIMSON, O. R. M.; PARK,
M. B.; FERNANDES, R. S. (Orgs.). Educação não formal: cenários da
criação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. Pp. 29-37.
BRUNO, A. Educação formal, não formal e informal: da trilogia aos
cruzamentos, dos hibridismos a outros contributos. Revista Portugue-
sa Medi@ções. v. 2, n. 2, pp. 10-25, 2014.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
GADOTTI, M. Paulo Freire e a educação popular. Proposta, ano 31,
n. 113, pp. 21-27, 2007.
GADOTTI, M. Educação Popular, Educação Social, Educação Co-
munitária: conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa co-
mum. Revista Diálogos, v. 18, n. 2, pp. 10-32, 2012.
GOHN, M. G. Educação não-formal, participação da sociedade civil e
estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: Avaliação e Política Pública
em Educação, v. 14, n. 50, pp. 27-38, 2006.
PAULO, F. S. Concepções de educação: espaços, práticas, meto-
dologias e trabalhadores da educação não escolar. Curitiba: In-
terSaberes, 2020.
PAULO, F. S.; TESSARO, M. Semelhanças e diferenças entre as con-
cepções de educação social, educação popular e educação social. Revis-
ta Debates em Educação, v. 12, n. 2, pp. 77-97, 2020.

329
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

OS CAMINHOS DA FORMAÇÃO PERMANENTE EM FREIRE


PARA UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA

Sandra Maria Zardo Morescho


Universidade de Passo Fundo ‒ UPF
sandramariazm@gmail.com

Carmem Lucia Albrecht da Silveira


Universidade de Passo Fundo ‒ UPF
carmem.albrecht@hotmail.com

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani


Universidade de Passo Fundo ‒ UPF
rosimaresquinsani@upf.br

O presente trabalho apresenta como tema a formação perma-


nente dos educadores e educadoras que desempenham o seu papel
na educação. O texto resultou de pesquisa de referencial teórico, que
contemplou as obras de Paulo Freire (1979, 1996, 1999, 2002, 2014),
tendo como objetivo reconhecer a relevância da formação permanente
para a docência, que pode se reverter em ações pautadas em práticas
libertadoras, que conscientizem para a defesa do direito de livre acesso à
educação pública e de qualidade para todos. Ao refletir sobre os saberes
docentes, considera-se que esses podem ser decorrentes dos seguintes
processos: da formação inicial do professor, adquiridos ao exercer a prá-
tica pedagógica, bem como serem desenvolvidos a partir da formação
continuada ou formação permanente, ação desejável ao longo da car-
reira de educadores e educadoras que atuam na formação dos sujeitos.
Para tanto, a docência requer uma formação constante dos professores e
professoras, a qual se torna possível a partir do contato

[...] com novos conhecimentos, trocas de experiên-


cias, momentos de reflexão sobre sua ação, seja in-
331
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dividual ou coletiva. É desejável que essas atividades


estejam voltadas não apenas ao fazer prático da sala
de aula, mas também a assegurar o empoderamento
do professor, que contribuirá para a formação de ou-
tros sujeitos (ZARDO MORESCHO, 2017, p. 77).

Entretanto, atualmente, a educação brasileira encontra-se envolvida


por um momento sombrio, com discursos tendenciosos que desvirtuam
os sistemas de ensino e, como consequência disso, o trabalho realizado
na escola é diretamente comprometido. Nesse contexto, muitas vezes, há
argumentos que depreciam o educando que frequenta esse espaço e a sua
realidade, que desprezam a importância dos docentes, que marginalizam
as diversidades presentes nos espaços escolares, que apresentam inúmeras
receitas para a solução dos problemas da educação e que ignoram a es-
trutura frágil que, por muitos anos, contribuiu para as vulnerabilidades
que hoje existem no ensino, responsabilizando, assim, os professores e as
professoras pelos baixos índices de desempenho na educação pública.
Abordar Paulo Freire nesse momento da história, portanto, se
faz extremamente necessário, tanto para a necessidade de retomar o
sentido da educação para que seja libertadora, bem como para poten-
cializar a importância de uma formação permanente, que intensifi-
que a visão crítica e a postura reflexiva dos educadores e educadoras.
Uma formação fundamentada numa educação libertadora inaugura
caminhos combativos contra a dominação, evitando as máculas pro-
venientes dos respingos de um domínio que condena as condições de
equidade, para além do acesso a uma educação pública e de qualidade,
tão enfatizada na contemporaneidade.
Entretanto, reconhecer a necessidade de uma formação perma-
nente, reflexiva e crítica, advém da consciência da condição de inaca-
bamento do sujeito, a qual, para Freire (1996), ocorre entre homens e
mulheres que se reconhecem num processo de construção permanente.
O ato de reconhecimento da condição de incompletude manifesta-se
por meio da reflexão do sujeito, em que “o homem pode refletir sobre
si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa reali-
dade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta
auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em
constante busca” (FREIRE, 1979, p. 27).
332
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para Freire (1999), as mudanças necessárias para a escola deman-


dam, incondicionalmente, a formação permanente em que o trabalho
desenvolvido por educadores e educadoras, bem como seus resultados,
sejam o reflexo de uma formação constante, permitindo o movimento
da reflexão sobre a prática pedagógica e para novas possibilidades dire-
cionadas à docência. Num processo de formação permanente, educa-
dores e educadoras realizam uma reflexão constante sobre seus saberes
e suas experiências, os quais serão desenvolvidos no processo de inter-
venção com o educando, qualificando-se como profissional, sistemati-
zando suas experiências, utilizando-se do universo do patrimônio cul-
tural, ampliando seu comprometimento com os outros seres humanos
e, como consequência disso, com a educação escolar (FREIRE, 1979).
Nesse viés, destaca-se que para a formação permanente, o diálogo
seja tomado como base e direcionado à prática do ensinar e do apren-
der de educadores e educadoras, permitindo que esses falem de suas
estranhezas, necessidades e dificuldades, realizando a reflexão sobre essa
prática (FREIRE, 1999). Portanto, torna-se possível a troca de saberes e
de experiências entre os docentes, a qual é uma ação imprescindível nos
processos de formação constante, possibilitando assim que se tornem
seres da práxis (FREIRE, 1979).
Considerando a formação permanente como a ação para que o do-
cente reflita sobre a sua prática e sobre os seus saberes, relacionando-os
à realidade em que se insere e identificando as transformações necessá-
rias nessa realidade, é importante enfatizar que para a ocorrência dessas
mudanças, a ação do coletivo, associada ao diálogo, se constitui numa
importante alternativa. Cabe destacar que é desejável que a ação dialó-
gica ocorra numa relação de horizontalidade, envolvida pelo amor, pela
humanidade, pela esperança, pela fé, pela confiança, promovendo a co-
municação. Desse modo, a educação torna-se um caminho para a mu-
dança da realidade da qual educadores, educandos e escolas fazem parte,
desenvolvendo, assim, uma educação libertadora (FREIRE, 1979).
Nos dias atuais, aceitar passivamente as ameaças que perpassam a
educação não é o papel de uma educação libertadora. A educação para a
libertação tem a missão de esclarecer o sujeito de que ele é o responsável
pelas mudanças diante da tomada de consciência do próprio contexto
(FREIRE, 1979), em que, por meio do diálogo com outros homens e
333
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mulheres, refletir acerca de sua realidade e da tomada de consciência


“é o que inaugura o diálogo da educação como prática de liberdade”
(FREIRE, 2014, p. 121). Nesse sentido, é primordial que o educa-
dor progressista e coerente faça a leitura crítica da realidade (FREIRE,
1999) para contextualizá-la nos conceitos a serem mediados no proces-
so de ensino e aprendizagem, instigando o educando à compreensão do
lugar onde ele vive e se organiza.
Sendo a educação um ato de amor e, como consequência, um
ato de coragem, Freire (2002) afirma ser necessário que educadores e
educadoras levantem sua bandeira em defesa de uma educação liberta-
dora, inclusiva, de qualidade e de livre acesso para todos. A coragem,
nos dias atuais, se faz necessária para combater os equívocos, a censura,
os constrangimentos e os contingenciamentos, as críticas destrutivas e
os deméritos que vêm se tornando rotineiros, especialmente aqueles di-
recionados à educação pública.

Palavras-chave: Paulo Freire. Formação Permanente. Educação


Libertadora.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2002.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1999.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
ZARDO MORESCHO, S. M. Formação continuada de professores:
a percepção do orientador de estudo sobre o PNEM na GERED de
Chapecó – SC. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Comunitária
da Região de Chapecó, 2017.

334
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PARA UM ENCONTRO ENTRE PAULO FREIRE E ANTÓNIO


DAMÁSIO: CONSCIÊNCIA E TRANSFORMAÇÃO DO SUPORTE
DA VIDA EM MUNDO HUMANO E DA VIDA EM EXISTÊNCIA

Diandra Dal Sent Machado


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
diandra_mac@hotmail.com

O objetivo deste trabalho é o de promover um encontro entre o


educador brasileiro Paulo Freire e o neurocientista português António
Damásio, mais especificamente, entre os temas da transformação do
suporte da vida em mundo humano e da vida em existência, em Freire,
e do surgimento da consciência na espécie humana, em Damásio.
Freire (2010, p. 18) afirma que, “[…] mais do que um ser no
mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mun-
do e com os outros […]. Presença que se pensa a si mesma, que se
sabe presença, que intervém, que transforma”. O ser humano não está
no mundo simplesmente. Ele tem consciência de que está no mundo,
e tem consciência de que tem consciência. Olhar para a questão da
consciência é fundamental para, com Freire, pensarmos a vida humana
se fazendo existência e a transformação do suporte da vida em mundo
humano. O tema da consciência também ocupa espaço de destaque nas
elaborações de Damásio, para quem a consciência surgiu em determi-
nado momento da evolução da espécie humana (DAMÁSIO, 2011).
“Não há sinal de consciência na sopa primordial nem em bacté-
rias, em organismos unicelulares ou multicelulares simples, em fungos
ou plantas, todos eles organismos interessantes que apresentam elabo-
rados mecanismos de regulação da vida, precisamente os mecanismos
cujo trabalho a consciência viria a aprimorar tempos depois” (DAMÁ-
SIO, 2011, p. 346-347). Do ponto de vista evolutivo, o surgimento
da consciência não foi gratuito. Ele teve por intuito auxiliar os seres
humanos a saberem de si e do seu entorno e, assim, a disporem de me-
lhores condições de sobreviver às intempéries que pudessem surgir nas
relações com o meio. Conforme Damásio (DAMÁSIO, 2011, p. 347),
335
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

“[n]a ausência de neurônios o comportamento é limitado e a mente não


é possível; inexistindo mente, não há consciência propriamente dita,
apenas precursores da consciência.”. O desenvolvimento da consciência
– como conquista filogenética, isto é, como conquista da espécie que,
na ontogênese, portanto, para cada membro da espécie, coloca-se como
possibilidade – tanto passou a auxiliar os seres humanos a lidarem de
melhores modos com as demandas do meio quanto permitiu a ultrapas-
sagem dessas demandas. “O surgimento da consciência humana está as-
sociado a mudanças evolucionárias no cérebro, no comportamento e na
mente que, por fim, levaram à criação da cultura, uma novidade radical
no curso da história natural” (DAMÁSIO, 2011, p. 349). Mais ainda:
“O aparecimento dos neurônios, com sua decorrente diversificação do
comportamento e abertura do caminho para o nascimento das men-
tes, constitui um evento fundamental nessa grandiosa trajetória. Mas o
advento de cérebros conscientes, por fim capazes de refletir a respeito
de si mesmos, é o evento fundamental seguinte. Ele abriu o caminho
para uma reação de rebeldia, ainda que imperfeita, contra os ditames
de uma natureza indiferente.” (DAMÁSIO, 2011, p. 349-350). Obser-
ve-se que “[...] o corpo não é um mero espectador, um suporte para o
sistema nervoso [...]” (DAMÁSIO, 2018, p. 81). É com o corpo que
o surgimento da consciência se realiza, abrindo para o ser humano o
horizonte de superar o momento/estado em que sua tarefa é exclusiva-
mente a da busca pela manutenção da vida enquanto organismo. Ainda
que cada ser humano, como membro da espécie, precise executar uma
luta diária pela manutenção da sua vida enquanto organismo, junto
dessa luta diária e como conquista evolutiva, somos capazes de não nos
contentarmos com a manutenção da vida em sentido estrito. Aqui cabe
destacar o caráter transformador da ação humana, com sua ampliação
pelo auxílio da consciência.
Dito isso, e como ponto importante no que diz respeito ao cará-
ter transformador da ação humana e de sua ampliação pela consciência,
em Freire, há distinção entre os conceitos de adaptação e de inserção.
Freire (2010, p. 54) pontua: “O fato de me perceber no mundo, com o
mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que
não é a de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no
mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere.”.
336
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Adaptação é modificação do organismo em função de demandas do


meio; modificação orientada pelo imperativo de se manter vivo. Isso
acontece, por exemplo, com as plantas, conforme mencionado por Da-
másio (2011). O ser humano, naquilo que vai construindo como exis-
tência, pode e deseja mais do que se modificar para permanecer vivo,
tornando-se capaz de ultrapassar aquilo que lhe é imposto de fora para
dentro. “O corpo consciente e curioso que estamos sendo se veio tornan-
do capaz de compreender, de inteligir o mundo, de nele intervir téc-
nica, ética, estética, científica e politicamente.”, salienta Freire (2015,
p. 16). Por meio da ação, e da ação combinada à reflexão autorizada
pela atividade da consciência, o ser humano é capaz de ultrapassar a
simples adaptação, entrando no terreno da inserção. “A capacidade de
aprender, não apenas para nos adaptar mas sobretudo para transformar
a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade
a um nível distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do
cultivo das plantas” (FREIRE, 2010, p. 68-67).
Em Freire, a adaptação é apenas um momento da inserção no
mundo. A adaptação é ao mundo, e a inserção é no mundo. Pela inser-
ção, podemos modificar a realidade, e não apenas nos submetermos a
ela, modificando-nos sem modificá-la. Em sua última entrevista, Freire
(1997) afirma: “Toda realidade está aí submetida à nossa possibilidade
de intervenção nela”. Para tanto, mais do que adaptação, trata-se de
inserção no mundo. O surgimento da consciência permitiu que, como
espécie, pudéssemos nos transformar em humanidade. Somente como
seres conscientes podemos romper com a mera adaptação ao entorno
e efetivarmos nossa inserção nele. Desse modo, existir é muito mais do
que estar e buscar permanecer vivo. Damásio não utiliza o termo inser-
ção como o faz Freire, mas também destaca o valor da consciência para
a modificação da vida do ser humano, como espécie e como membro da
espécie – em termos mais freirianos, como humanidade e como pessoa.
A modificação do entorno pela ação humana, e, notadamente,
pela ação consciente, permitiu aquilo que Freire denominou como pas-
sagem do suporte da vida ao mundo humano. Nas palavras de Freire
(2010, p. 51): “O suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existência,
na proporção que o corpo humano vira corpo consciente, captador,
apreendedor, transformador”. Em Damásio, essa passagem é igualmen-
337
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

te engatilhada pelo surgimento da consciência. Damásio fala do ser hu-


mano em termos de corpo, e de corpo consciente. “Nosso organismo
contém um corpo, um sistema nervoso e uma mente que é derivada de
ambos” (DAMÁSIO, 2018, p. 83). Conforme Damásio, todo organis-
mo tem certo tipo de fechamento e certo grau de abertura, e apenas
assim é capaz de se adaptar, sendo a adaptação a condição mais básica
dos organismos. O ser humano é primeiramente um organismo, con-
cordam Damásio e Freire, e, como vimos, ele não é capaz apenas de
adaptação. Contudo, a capacidade para ultrapassar a adaptação e para
se inserir no mundo se deve também ao seu grau de abertura, que pos-
sibilita sua constituição em novos patamares de si, inclusive como ser
consciente e, mais que isso, como ser consciente da própria consciência.
Para Freire, o que diferencia o ser humano de outros seres não é seu
inacabamento – a abertura de que fala Damásio –, mas justamente a
consciência desse inacabamento. Ser consciente do inacabamento ou
dos graus de abertura é o que permite, em última instância, empreender
ações e ultrapassar aquilo que se está sendo. Em Freire, essa ultrapassa-
gem não se dá no sentido de alcançar um estado de conclusão do ser, de
acabamento, mas como busca constante por se aprimorar enquanto ser,
como busca permanente pelo ser mais que se encontra no horizonte da
espécie e dos indivíduos (FREIRE, 2015, p. 15).
A ação do ser humano no mundo encontra espaço para a efetivação
do novo porque ele não apenas vive, mas existe, e, enquanto existên-
cia, pode se reconstruir para além da adaptação e reconstruir sua própria
ação em outros patamares mais elaborados. A capacidade de inserção no
mundo é o que faz dos seres humanos seres construtores de mundo e de
si mesmos como seres que fazem o mundo e que se fazem no mundo e
com o mundo. Em consonância com o exposto até aqui, podemos dizer
que, a partir de áreas de conhecimento distintas, Freire e Damásio se
aproximam quanto ao papel crucial da consciência e da ação consciente
dos seres humanos na prospecção e na efetivação de outro ser humano e
de outro mundo possível, para além daquilo que estão sendo e de qual-
quer determinação, seja uma determinação de uma natureza indiferente
(DAMÁSIO, 2011), seja uma determinação histórica (FREIRE, 2015).

Palavras-chave: Paulo Freire. António Damásio. Consciência.


338
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
DAMÁSIO, A. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011.
DAMÁSIO, A. A estranha ordem das coisas: as origens biológicas
dos sentimentos e da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P. Última entrevista. (PUC São Paulo, São Paulo, 17/4/97).
Disponível em: http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/bitstream/
handle/7891/1424/FPF_OPF_07_064.pdf.

339
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO INFANTIL: A POSSIBILIDADE


DA ANÁLISE DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR PARA
A EDUCAÇÃO INFANTIL SOB A ÓTICA FREIREANA

Camila Chiodi Agostini


Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
camila.chiodi.agostini@gmail.com

Cumpre referir que as pesquisas em torno da Educação Infantil


e de uma pedagogia da infância têm despontado no cenário nacional
nos últimos anos em conjunto com o surgimento e fortalecimento da
legislação sobre o tema. O currículo próprio para a Educação Infantil,
baseado, em sua maioria, na brincadeira, na interação, nos jogos, na ex-
perimentação infantil e no aprender e se desenvolver dentro do mundo
que nos cerca de forma muito lúdica, demonstra o caminho seguido
por essas construções legais, na medida em que reconhecem os direitos
e as especificidades das crianças, mas, principalmente, as leva em con-
sideração nos seus desejos e nas suas vontades e inspirações enquanto
sujeitos a serem respeitados.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento
mais recente dessa gama de currículos que contribui para a criação de
uma pedagogia para infância. Promulgada em dezembro de 2018, o
documento passou, desde o ano de 2015 até sua homologação final, por
três versões, as quais foram objeto de construção coletiva de especialis-
tas e sociedade civil, por meio de consulta pública. No entanto, embora
esse documento tenha aspecto inovador em relação à participação pú-
blica, com sua versão final e início de implementação, surgem dúvidas
quanto à sua aplicabilidade, forma de organização e condução, mas,
principalmente, quanto aos conceitos de infância e de pedagogia infan-
til que carrega em seu bojo, levando-nos a questionar, se, efetivamente,
há respeito às peculiaridades das crianças.
Nesse cenário, questiona-se a possibilidade de aproximação dos
conceitos freireanos para análise da BNCC para o currículo da Educa-
ção Infantil. A pedagogia de Paulo Freire presta auxílio para pensar o ser
341
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

humano e as crianças como seres históricos e produtores de cultura, “[...]


seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber que não sabem. De
saber melhor o que já sabem, de saber o que ainda não sabem” (FREIRE,
2000, p. 40). Embora ele seja conhecido mundialmente pela sua pedago-
gia de alfabetização de adultos, seus ensinamentos perpassam a educação
como um todo, sendo uma referência obrigatória aos educadores e a vá-
rios grupos distintos. Seus conceitos reorganizam concepções de contex-
tos sociais e políticos, de forma a criar uma espécie de “consciência crítica,
que nos põe em guarda contra a despolitização do pensamento educativo
e da reflexão pedagógica” (NÓVOA, 1998, p. 167-187).
Assim, a presente pesquisa propõe proceder a análise da BNCC,
suas peculiaridades, seus efeitos e sua aplicação, entre outros, sob a ótica
freireana. Objetiva, ainda, atentar se o documento respeita as peculia-
ridades infantis, procurando conhecer que tipo de criança o mesmo
almeja formar, tendo por base os conceitos de liberdade e diálogo, ca-
racterísticos da obra de Paulo Freire. Para isso, partindo-se do referen-
cial teórico freireano, será feita uma análise da BNCC para a infância,
de forma a investigar a aproximação desses conceitos na construção,
no dimensionamento e na aplicação do currículo disposto pela Base. A
formatação inicial da pesquisa será a bibliográfica, podendo ser amplia-
da para pesquisa de campo, para observação dos conceitos na prática
cotidiana da Educação Infantil.
Para isso, é preciso ter em mente que o currículo é “o resultado de
uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes,
seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”
(SILVA, 2015, p. 15). É fato que esse, necessariamente, “escolhe” os ti-
pos de conhecimentos e modos de ser desejáveis para aquele submetido
em sua lógica, sendo que, ao fim e ao cabo, as teorias curriculares tor-
nam-se permeadas de questões sobre subjetividade e identidade, prin-
cipalmente no que se refere à sua formação. Diante dessa constatação,
é fato que, para a infância, esse tipo de análise permeia um universo
mais complexo, já que estamos tratando de formação de indivíduos que
possuem suas especificidades e que são dotados de direitos, mas que tais
aspectos nem sempre são reconhecidos.
Dessa forma, problematizar o currículo da Educação Infantil na
BNCC, por intermédio dos moldes freireanos, significa conferir à edu-
342
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cação dos infantes uma dimensão problematizadora, retirando o aspec-


to do assistencialismo da educação, o qual pode apresentar um caráter
de dominação, inibindo “a criatividade, tolhe a intencionalidade da
consciência e nega aos educandos a sua vocação ontológica e histórica
de ser mais” (ANGELO, 2006). Da mesma forma que, ao sustentar a
possibilidade de análise sob essa ótica, a Educação Infantil é vista como
uma educação libertadora, fundamentada na criatividade, “estimulan-
do a reflexão e a ação verdadeira dos educandos e educandas sobre suas
próprias realidades” (ANGELO, 2006). Outrossim, seria a possibilida-
de da aplicação da educação dialógica ensinada por Freire ao pequenos,
que “parte da compreensão que os alunos têm de suas experiências diá-
rias”, sendo que a descrição sobre as experiências da vida diária possibi-
lita “começar a partir do concreto, do senso comum, para chegar a uma
compreensão rigorosa da realidade” (FREIRE, 2008, p. 131).
Nesse sentido, o diálogo, tão caro na obra de Paulo Freire, tor-
na-se essencial, “a partir de uma abordagem baseada em ouvir em vez
de falar, em que a dúvida e a fascinação são fatores bem-vindos, junto à
investigação, [...] na qual a importância do inesperado e do imprevisto
é reconhecida” (FINCO et AL., 2015, p. 243). Por esse motivo, anali-
sar os objetivos da Base e sua aplicabilidade no mundo infantil, apro-
ximando-se de Freire, torna-se algo tão essencial quanto viável. Para
um currículo infantil que respeite a individualidade e as peculiaridades
infantis, o trabalho com as crianças deve ser criativo, crítico e vivo, in-
tensificando um conceito de pedagogia da infância que “é relacional, ou
seja, o conhecimento é produzido na interação entre a criança e o mun-
do, entre os adultos e as crianças, entre as crianças e as outras crianças.
É uma pedagogia que reivindica estar aberta para a complexidade que é
conhecer e conhecer-se” (FOCHI, 2016, p. 1).
É nesse sentido que Barbosa e Richter (2015, p. 196) afirmam
que o currículo de Educação Infantil e da Base devem estar realmente
inseridos na vida das crianças e de suas famílias, em suas práticas so-
ciais, culturais, baseando-se no diálogo e no reconhecimento da criança
como um sujeito dotado de direitos, “ou seja, é um currículo situado
que encaminha para a experiência não na perspectiva do seu resultado,
mas naquelas que contenham referências para novas experiências, para
a busca do sentido e do significado”, esse currículo deverá considerar,
343
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ainda “a dinâmica da sensibilidade do corpo, a observação, a constitui-


ção de relações de pertencimento, a imaginação, a ludicidade, a alegria,
a beleza, o raciocínio, o cuidado consigo e com o mundo”.
Assim, considera-se viável o aprofundamento da pesquisa ora pre-
tendida, consoante a análise da BNCC dentro dos fundamentos frei-
reanos, demonstrando a possibilidade desse diálogo e buscando com-
preender, com essa abordagem, a sistemática do currículo da Educação
Infantil nesse novo contexto legal, além do seu potencial para utilização
pelos profissionais de educação, nesse momento de incertezas diante da
implementação do documento.

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular. Educação Infantil.


Paulo Freire.

344
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANGELO, A. A pedagogia de Paulo Freire nos quatro cantos da educa-
ção da infância. In: I CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDA-
GOGIA SOCIAL, 2006.
BARBOSA, M. C. S.; RICHTER, S. R. S. Campos de Experiência:
uma possibilidade para interrogar o currículo. In: FINCO, D.; BAR-
BOSA, M. C.; FARIA, A. L. G. Campos de Experiência na esco-
la da infância: contribuições italianas para inventar um currículo
de educação infantil brasileiro. Campinas: Edições Leitura Crítica,
2015. Pp.185-198.
FREIRE, P. Medo e ousadia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
FINCO, D.; BARBOSA, M. C.; FARIA, A. L. G. Campos de Expe-
riência na escola da infância: contribuições italianas para inventar
um currículo de educação infantil brasileiro. Campinas: Edições Lei-
tura Crítica, 2015.
FOCHI, P. S. A didática dos campos de experiência. Revista Pátio,
Edição 49, outubro de 2016. Texto on-line.
NÓVOA, A. Paulo Freire (1921-1997): a “inteireza” de um pedagogo
utópico. In: APPLE, M.; NÓVOA, A. (Org.). Paulo Freire: política e
pedagogia. Porto: Porto, 1998.
SILVA, T. T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias
do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

345
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E ENRIQUE DUSSEL EM DIÁLOGO:


POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA

André Luis Castro de Freitas


Universidade Federal do Rio Grande - FURG
dmtalcf@furg.br

Luciane Albernaz de Araujo Freitas


Instituto Federal Sul-rio-grandense – IFSUL
lucianel1968@gmail.com

A expansão do modo de produção capitalista está atrelada a um


crescimento econômico ilimitado o qual exerce pressão sobre a utiliza-
ção dos recursos naturais e sobre a capacidade de suporte à vida. Nesse
contexto, a natureza é transformada pelos seres humanos por meio de
suas atividades; e esses, no momento em que não possuem uma organi-
zação racional, exploram os recursos naturais até a sua exaustão, desen-
cadeando, a partir disso, diversas catástrofes.
A partir dessa compreensão, o sistema em curso faz com que os
seres humanos ignorem os nexos ecológicos, não percebendo, ainda, a ne-
cessidade de reformulação das relações entre a dinâmica socioeconômica
e os fenômenos naturais. Inserido nessa discussão, Leff (2000) reflete que
a crise no modelo civilizatório “[...] não só se manifesta na destruição do
meio físico e biológico, mas também na degradação da qualidade de vida,
tanto no âmbito rural como no urbano” (LEFF, 2000, p. 41).
Contudo, acredita-se que não basta rever somente as ligações en-
tre os seres humanos e a natureza, mas se faz necessário constituir um
novo olhar para as relações entre os sujeitos, relações essas prejudicadas
no momento em que refletem atitudes e comportamentos irracionais,
pois a dominação destrutiva torna-se a base delas, tendo sua origem em
vínculos de poder historicamente constituídos.
Aproximando-se do campo da educação ambiental, a intenciona-
lidade do texto aqui proposto, fundamentado a partir de uma pesquisa
347
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

qualitativa, de base bibliográfica, é problematizar a partir dos pressu-


postos de Paulo Freire e Enrique Dussel as categorias diálogo, alteridade
e situações-limite, no que implique mediar e gerar ações transformado-
ras no e com o mundo, refletindo sobre as práticas dessas ações.
Os seres humanos envolvidos na relação educativa devem iden-
tificar e discernir as semelhanças e as diferenças presentes no contexto
vivido. Nessas condições, o diálogo freireano, a partir de sua dimensão
ontológica, permite que a partilha entre os sujeitos ganhe centralidade,
redefinindo o quadro do poder entre aqueles envolvidos. Freire, com o
foco na educação popular, pelo diálogo, toma, como ponto de partida,
o quadro antropológico-cultural, o qual está intimamente ligado à vida
daqueles que participam da relação educativa. Nessas condições, o uni-
verso temático, o mundo da cultura dos sujeitos envolvidos, permite a
construção do universo vocabular.
A partir dessas ideias, na relação dialógica, a compreensão do
mundo para a sua transformação ganha centralidade, mas, ao mesmo
tempo, compreende-se o alerta da proposta freireana quanto à existên-
cia de um quadro perverso do poder, instituído na luta de classes, tor-
nando necessário que se fundamente as relações educativas partindo,
sempre, do mundo da vida das pessoas.
No que pese o mundo da vida, para Dussel, o reconhecimento
da alteridade, da diferença, é condição constituinte do próprio Eu e do
Outro, os quais se constituem na relação, na intersubjetividade, tal que
o Eu somente existe a partir do Outro, fazendo com que a relação edu-
cativa, nesse contexto, torne-se um compromisso existencial.
Dussel afirma a necessidade de considerar a palavra do Outro
como semelhante, conservando a distinção metafísica que se apoia nele
como Outro, não como idêntico ou unívoco, mas respeitando a analo-
gia da revelação. Assim, a história da libertação humana se faz a partir
de resultados relativos, mas nunca finais, de tal maneira que, para o
autor, o caminho é ouvir a voz do pobre, a voz do povo, comprometen-
do-se com a “[...] humildade e mansidão na aprendizagem pedagógica
do caminho de que a palavra do outro, como mestra, vai traçando cada
dia” (DUSSEL, 1986, p. 209).
O ser humano como Outro é aquele que representa o centro do
seu próprio mundo, e mesmo como dominado ou oprimido, pode dizer
348
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

o inesperado, o inédito, a palavra que representa a experiência pessoal-co-


letiva em seu mundo. Enquanto Outro, é um ser livre; porém, enquanto
parte de um sistema, torna-se funcional em relação a uma estrutura.
Freire remete-nos ao contexto de aceitar a palavra do Outro,
compreendendo que como premissa está a ação de saber escutar, o ato
de ouvir, com disponibilidade permanente do sujeito que ouve a fala
do Outro. Para Freire (2003), o ato de ouvir está associado ao exercício
da humildade, o qual revela da mesma maneira os limites do saber e da
ignorância do Eu.
Tal situação irá garantir a convivência com o direito às diferenças,
sem que se exclua o debate, ou seja, o diálogo sobre as diferenças. Apro-
ximando essa ideia ao que é afirmado por Dussel, as diferenças estão, jus-
tamente, nos contextos vividos pelos seres humanos, em sua cultura, tal
que a experiência dialógica se torna uma experiência individual-coletiva.
O diálogo sobre as diferenças abre caminhos ao relato de visões
distintas de mundo, aportando os fragmentos referentes à cultura desses
sujeitos, promovendo, assim, a partilha a qual irá exercitar a reflexão. É
nessa partilha que as determinantes históricas tornam-se percebidas, de
tal modo que os seres humanos envolvidos e envolvendo as situações-
-limites passam a instaurar respostas autênticas aos desafios suscitados.
Essa reflexão a respeito das situações-limites, a qual não pode se res-
tringir às individualidades, mas a um coletivo, faz com que a percepção
da realidade sociocultural avance na superação tanto do conhecimento
abstrato isolado das partes como do conhecimento dedutivo dessa.
Assim, a relação educativa, em favor de uma educação ambien-
tal crítica, deve proporcionar a “[...] desmitologização da realidade”
(FREIRE, 2011, p. 77), em que o sujeito poderá tomar distância da
realidade em que se encontra, para constituir o movimento de inserção
crítica nela mesma, resultando na ação sobre essa realidade constituída.
Para além de resultar uma forma de linguagem, o processo busca desve-
lar as relações dos seres humanos com e no mundo, como modo de ação
política, pela consciência de si.
A problematização das situações-limite promove o exercício sobre
o pensar acerca dos diferentes existenciais, possibilitando que os sujeitos
se aproximem de sua nova construção, singularizando o processo do
qual extraem o problema.
349
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Os pressupostos definidos nas obras de Freire (1980, 2002,


2004) e Dussel (1974, 1977) remetem à reflexão sobre a necessidade
de valorização da identidade cultural dos seres humanos, identidade
essa a qual anuncia a leitura de mundo exercida por esses sujeitos,
não raro, subsumida aos modos de produção e consumo impostos
pelo modelo civilizatório. De maneira resumida, refletiu-se sobre as
seguintes ideias força:

• Diálogo – exige uma escuta da prática, de tal maneira que a


relação dialógica possa priorizar a vocação ontológica do ser
humano, vocação de ser sujeito, promovendo a compreensão
do contexto e dos saberes dos envolvidos na relação;

• Alteridade – define como premissa a necessidade de ouvir o


Outro, pois o diálogo deve promover ao sujeito o deixar to-
mar-se pelas razões do Outro;

• Situação-limite – assume, na relação dialógica, o debate de


temas desafiadores, de tal modo que os seres humanos, pelo
diálogo crítico, devem envolver e serem envolvidos pelas si-
tuações-limites, recuperando, assim, a vocação ontológica do
ser mais.

Por fim, partindo dos pressupostos aqui explicitados, reflete-se


que as obras de Paulo Freire e Enrique Dussel, ao serem aproximadas do
campo da educação ambiental crítica, representam marcos conceituais
capazes de oferecer sustentação à formação dos seres humanos; forma-
ção essa imbricada à transformação social.

Palavras-chave: Diálogo. Alteridade. Situações-Limite.

350
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
DUSSEL, E. Filosofia da libertação: filosofia na América Latina. São
Paulo: Loyola, 1977.
DUSSEL, E. Método para uma filosofia da libertação. São Paulo:
Loyola, 1974.
LEFF, H. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, de-
mocracia participativa e desenvolvimento sustentável. Blumenau:
Edifurb, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez &
Moraes, 1980.

351
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E O MOVIMENTO DOS SEM-TERRA

Sinval Martins Farina

Em 1986, estive em Encruzilhada Natalino, região norte do es-


tado do RS, conhecida por ser um marco do MST neste estado. Des-
de adolescente, assistia, nos jornais nacionais, que havia mobilização,
algum tipo de protesto, mas, naquela época, eu não entendia o que
acontecia sobre lutas sociais, política etc.
Naquela viagem, eu já pertencia ao movimento estudantil da
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e, por ali, fui convidado,
juntamente com outras lideranças de outros movimentos sociais de Pe-
lotas, para participar de um evento que aconteceria naquele domingo
de inverno em Encruzilhada Natalino. Paulo Freire estivera ali poucos
instantes antes de chegarmos, depois de uma longa viagem pelas estra-
das que ligam o sul ao norte do RS.
Naquele momento, estava a atriz Lucélia Santos numa espécie de
palco discursando sobre o sonho de transformação social e a importân-
cia do MST nessa luta. Pela tarde, depois de visitarmos as barracas de
lona das famílias acampadas, houve uma celebração com a caminhada,
num espírito religioso cristão imbricado com o de luta política e social.
No meu caso, que há pouco abandonara a Igreja Católica, não era no-
vidade ou causa de alguma rejeição o referido espírito cristão. Pelo con-
trário, aquela fé que eu guardava em breve história recente parecia cana-
lizar-se para aglutinar também as dimensões do histórico, do político e
da luta social. Naquela época, aquela experiência articulou-se em mim
também por alguma leitura e compreensão da Teologia da Libertação.
No verbete Movimentos Sociais/Movimento Popular, da obra Di-
cionário Paulo Freire, Medeiros, Zitkoski e Streck (2010) comentam sobre
o espírito com que Paulo Freire não só escreveu a segunda carta na obra
Pedagogia da Indignação, mas relacionou-se com os movimentos sociais
durante sua vida. “É isso minha gente, gente do povo, gente brasileira.
353
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Esse Brasil é de todos e todas nós. Vamos em frente, na luta sem violência,
na resistência consciente, com determinação tomá-la para construirmos,
solidariamente, o país de todos e de todas os/as que aqui nasceram ou a
eles se juntaram para engrandecê-lo” (FREIRE, 2000, p. 30). 
Essas mesmas palavras de Freire foram testemunhadas por Ana
Maria Araújo Freire diante das imagens televisivas da chegada da Mar-
cha Nacional dos Sem-terra em Brasília, em 17 de abril de 1997. Se-
gundo a autora, esposa de Freire, ele ficou em pé caminhando de um
lado para outro da sala e tinha os “pêlos do corpo eriçados, poros aber-
tos e suor quente” (FREIRE, 2000, p. 29). 
Um dos aspectos interessantes a ser destacado da segunda carta de
Freire na obra Pedagogia da Indignação aparece quando Freire, ao remeter
o assunto sobre a utopia, do sonho, do projeto de mudar o mundo, colo-
ca que existem também os contra-sonhos isto é, as articulações e os mo-
vimentos contrários à transformação. Seria uma ingenuidade não reco-
nhecer a existência da reação aos sonhos de justiça e transformação social.
A natureza contraditória da realidade tem a ver com certas “pre-
senças”, relacionadas à gestação de ideologias, preconceitos, interesses
de grupos e de classes “que perduram no clima cultural que caracteriza
a atualidade concreta” (FREIRE, 2000, p. 26). E, por falar em atuali-
dade, como não concordar com Freire, trazendo, para o hoje da con-
juntura do Brasil, que os sonhos aos quais se debruçam os progressistas
e as progressistas têm seus avanços, seus recuos, suas marchas, às vezes,
demoradas. Tudo isso implica luta.
Luta que, em determinados momentos, na vida dos sem terra, che-
ga às vias de fato. Tive a oportunidade de participar, como um dos repre-
sentantes do CPERS Sindicato, do Congresso Nacional do MST, o qual
ocorreu em Brasília, no ano de 1991. Depois de uma das atividades do
congresso, quando íamos de ônibus até o local da alimentação, um dos
participantes do movimento partilhou comigo a experiência de ter feito,
juntamente com seus companheiros, uma espécie de barricada ou de trin-
cheira para se defenderem das balas disparadas pelas armas dos partidários
de proprietários rurais da região onde seu grupo lutava por terra. De fato,
o MST tinha como lema naquela época “ocupar, resistir, produzir”. 
Quando Freire afirma que “[...] é tão atual o ímpeto de rebeldia
contra a agressiva injustiça que caracteriza a posse da terra entre nós,
354
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de maneira eloquente encarnado pelo Movimento dos Trabalhadores


Sem-Terra quanto à reação indecorosa dos latifundistas, muito mais
amparados, obviamente, por uma legislação a serviço preponderante-
mente dos seus interesses, a qualquer reforma agrária, por mais tímida
que seja” (FREIRE, 2000, p. 26), ele está confrontando interesses an-
tagônicos e posicionando-se, sem neutralidade, a favor dos oprimidos e
das oprimidas. O autor, ainda nessa carta, afirma que a dificuldade da
realização, da concretização de uma reforma agrária também se deve ao
passado colonial e escravocrata brasileiro, o qual gerou um conservado-
rismo e um imobilismo nesse sentido. 
Outro ponto importante da segunda carta é a questão da despro-
blematização do futuro. Há que se contextualizar o debate intelectual
e político que ocorria no ocidente nos anos 1990, pois havia quem de-
fendesse o fim da história, especialmente a partir da queda do muro de
Berlim, ocorrida em 1989. Paulo Freire afirma que essa desproblemati-
zação do futuro, “numa compreensão mecanicista da história, de direita
ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária
do sonho, da utopia, da esperança” (FREIRE, 2000, p. 27). É que nessa
perspectiva mecanicista, o futuro já é sabido e, por isso, prescinde de es-
perança. A desproblematização do futuro é uma ruptura com a natureza
humana porque essa se constitui social e historicamente. 
Mais adiante, Freire vai enfatizar que o MST é “tão ético e peda-
gógico quanto cheio de boniteza” (FREIRE, 2000, p. 28) e que este não
começou há 10, 15 ou 20 anos, de modo tal que suas raízes mais remo-
tas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, nas Ligas
Camponesas que foram esmagadas pela ditadura militar. Se os sem-terra
acreditassem na morte da história, da utopia, do sonho, no desapareci-
mento das classes sociais, no fatalismo neoliberal, nos discursos que falam
na política de resultados, teriam ido para suas casas, negando-se a si mes-
mos e, com isso, a reforma agrária seria mais uma vez arquivada.
Encerrando a sua parte nessa segunda carta, uma vez que Ana Ma-
ria Araújo Freire a conclui, Paulo Freire afirma que os sem-terra estão
determinados a ajudar na democratização deste país. E que bom seria
para a consolidação da democracia que outras marchas seguissem à sua.
Freire dá exemplos de movimentos ou de setores sociais que poderiam
protagonizar essas outras marchas: os desempregados, os injustiçados, os
355
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que protestam contra a impunidade, os que clamam contra a violência,


contra a mentira e o desrespeito à coisa pública; a marcha dos sem-teto,
dos sem-escola, dos sem-hospital, dos renegados; “A marcha esperançosa
dos que sabem que mudar é possível” (FREIRE, 2000, p. 29).
Para concluir este breve texto, ainda é interessante o que trazem
Medeiros, Zitkoski e Streck (2010) sobre o tema dos conflitos que são
inerentes à vida dos movimentos sociais. Paulo Freire afirma que eles
são “a parteira da consciência” (FREIRE, 2000, p. 275). A ideia de mo-
vimento está presente na etimologia da educação, num movimento de
dentro para fora e vice-versa. Essa educação forjada na luta social deixa
marcas na consciência e até no corpo, pois é capaz de “eriçar” os pelos
quando renovada ao ver/estar em meio ao povo lutando por democracia
e justiça socioambiental.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Unesp, 2000.
MEDEIROS, L. B.; ZITKOSKI, J. J.; STRECK, D. Movimentos So-
ciais/Movimento Popular. In: STRECK, D. et AL. (Org.). Dicionário
Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

356
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POR ONDE ANDAM AS CARTAS PEDAGÓGICAS?

Micheli Silveira de Souza


Universidade Federal Fronteira Sul
micheli.souza@acad.pucrs.br

Ana Lúcia Souza de Freitas


Universidade Federal do Pampa
0311anafreitas@gmail.com

Cleiva Aguiar de Lima


cleiva.lima@riogrande.ifrs.edu.br

Prezados curiosos/as e/ou apreciadores/as de Cartas Pedagógicas

Escrevemos com a intenção de chegar a todo e qualquer curioso/a


e/ou apreciador/a de Cartas Pedagógicas com o objetivo de contribuir
para o conhecimento do processo de reinvenção deste legado freireano
que se realiza em eventos no Rio Grande do Sul (RS). O Grupo de
Pesquisa Formação de Professores e de Gestores e Práticas Pedagógicas
(FPGPP), do qual fazemos parte, tem se proposto a estudar, pesquisar,
escrever, ler, analisar e pensar sobre Cartas Pedagógicas. Essa modali-
dade de escrita tão querida por Freire (VIEIRA, 2018) merece nossa
atenção devido ao seu grande potencial e às possibilidades de ser um
instrumento de memória da história, de abertura de reflexão e de ques-
tionamentos. É o caso, por exemplo, da obra Professora sim, tia não:
cartas a quem ousa ensinar (FREIRE, 1993), na qual o autor escreve
ensaios em forma de carta, buscando estabelecer maior proximidade
com seus leitores e leitoras.
Tomando como referência os resultados da pesquisa Práticas de Ges-
tão da escola: saberes, tensionamentos e possibilidades, destacamos o poten-
cial das Cartas Pedagógicas como tema de investigação que merece ser
357
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

continuado. Atualmente, nós nos dedicamos a um estudo mais amplo


(FREITAS, 2019) que inclui, entre seus objetivos, analisar a presença des-
sa modalidade de escrita em Anais de eventos acadêmicos. Neste trabalho,
apresentamos o estudo dos Anais do XII Seminário Nacional Diálogos
com Paulo Freire, evento realizado na Faculdades Integradas de Taquara
(FACCAT), em novembro de 2018 (KARPINSKI; FETTER, 2019).
O primeiro passo da análise realizada foi a localização das Cartas
Pedagógicas nos Anais do evento. Este procedimento foi bastante tra-
balhoso, porque a organização, feita em ordem alfabética, apresentou
um sumário sem distinção das modalidades de trabalho. Também se
revelou como uma grata surpresa: o quão rico e quantas possibilidades
se abrem a partir da leitura de Anais! O registro dos trabalhos de uma
edição de um evento pode ser orientador de outras produções, servindo
de referência para analisar os aspectos técnicos e o sentido da autoria.
Do ponto de vista quantitativo, identificamos um total de 81 traba-
lhos, dos quais 14 foram escritos na modalidade de Cartas Pedagógicas.
Dada a dificuldade de localização, consideramos relevante compartilhar
o Quadro 1, resultante desta etapa do trabalho.

358
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Quadro 1: A presença das Cartas Pedagógicas nos Anais do XII Semi-


nário Nacional Diálogos com Paulo Freire (2018)
CARTA TÍTULO p. INSTITUIÇÃO
PEDAGÓGICA

01 CARTA PEDAGÓGICA: PAU- 52-53 GP FPGPP -


LO FREIRE NA PRÁTICA MPGE
Unisinos
02 ENSINAR EXIGE LIBERDADE 58-60 S/ identificação
E AUTORIDADE
03 RODAS DE DIÁLOGO E 61-64 GP FPGPP -
LEITURAS DE CORA CORA- MPGE
LINA: COMPREENDENDO A Unisinos
IMPORTÂNCIA DO ATO DE
LER
04 A CARTA PEDAGÓGICA 179-182 UERJ - FFP
COMO INSTRUMENTO DE
FORMAÇÃO DOCENTE DO
PROFESSOR INICIANTE
05 CARTA PEDAGÓGICA: CON- 241-244 GP FPGPP -
VITE À CRIATIVIDADE E À MPGE
IMAGINAÇÃO ATRAVÉS DA Unisinos
LEITURA E DA ESCRITA
06 O CARTEIRO CHEGOU: A 259-262 EMEF Nancy
OUSADIA DE ENSINAR E Pansera - Ca-
APRENDER COM CARTAS E noas
POESIAS
07 ESCOLA COMO ESPAÇO PRI- 274-276 GP FPGPP -
VILEGIADO DE FORMAÇÃO MPGE
Unisinos
08 DIALOGANDO COM PAULO 310-313 UFSM
FREIRE ENTRE DORES E
FLORES: A ARTE DE VIVER E
DE ESPERANÇAR
09 TRILHAS EDUCATIVAS 344-347 UCS

10 A DIALETICIDADE: CONDI- 391-393 FACCAT


ÇÃO PARA MATERIALIZAR O SME Igrejinha
BOM SENSO. UMA EXPERI-
ÊNCIA DA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE IGREJINHA,
RS

359
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDA- TÍTULO p. INSTITUI-


GÓGICA ÇÃO
11 CARTA PEDAGÓGICA: UM 433-435 GP FPGPP -
CONVITE AO REGISTRO MPGE
CRÍTICO-REFLEXIVO Unisinos
12 CARTA-CONVITE A (RE)IN- 440-443 UFSM
VENTAR PAULO FREIRE EM
TEMPOS DE DESESPERAN-
ÇA: PORQUE SER EDUCA-
DOR É ACREDITAR QUE É
POSSÍVEL
13 CARTA PEDAGÓGICA TER- 469-472 GP FPGPP -
RITORIALIDADE ESCOLAR: MPGE
LEITURAS E INOVAÇÕES Unisinos
“ANALISANDO OS SABERES E
DESAFIOS DA ESCOLA CON-
TEMPORÂNEA”
14 CARTA PEDAGÓGICA REFLE- 488-491 UFRGS
XÕES SOBRE O QUE APREN-
DI – ATÉ O MOMENTO –
COM O OS ENSINAMENTOS
DE FREIRE
Fonte: elaborado pelas autoras.

Inicialmente, a quantidade de Cartas Pedagógicas encontradas


nos pareceu pequena, considerando o número de trabalhos desta mo-
dalidade de escrita publicados nos “Anais do XX Fórum de Estudos:
Leituras de Paulo Freire’’, evento realizado em maio do mesmo ano
(PAULO et AL., 2018). Após a impressão inicial, ao compararmos
percentualmente as publicações referentes aos dois eventos, concluímos
que houve um crescimento em relação à presença das Cartas Pedagógicas
entre o primeiro e o segundo, conforme apresenta o Quadro 2.

360
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Quadro 2: Presença das Cartas Pedagógicas em Anais de eventos frei-


reanos no RS em 2018
EVENTO LOCAL E DATA TOTAL DE TOTAL DE % DE
TRABA- CARTAS CARTAS
LHOS PEDAGÓ- PEDAGÓ-
GICAS GICAS
XX Fórum de Unisinos,
Estudos: Leituras São Leopoldo 252 34 13,49%
de Paulo Freire 03 a 05 de maio
XII Sem. Nac. FACCAT,
Diálogos com Taquara 81 14 17,28%
Paulo Freire 23 e 24 de novembro
Fonte: elaborado pelas autoras.

No que se refere à análise preliminar dos aspectos qualitativos,


constatamos que estas produções escritas não apresentam uma padro-
nização. Concluímos que a inscrição de Cartas Pedagógicas em eventos
acadêmicos é uma proposição inovadora, em construção. Com a escrita
desta Carta Pedagógica, pretendemos convidá-los/as a pensar que a ca-
racterização dessa modalidade de escrita precisa considerar os elementos
básicos de um texto do gênero carta e, ao mesmo tempo, apresentar um
conteúdo e uma finalidade pedagógicos.
Reinventadas como modalidade de trabalho para inscrição de
trabalhos em eventos acadêmicos, pensamos ser importante consi-
derar os seguintes elementos: título, nome e instituição dos autores,
palavras-chave e resumo, destinatário, citações, saudação final, data,
referências, podendo incluir também epígrafe e elementos visuais (es-
téticos). Também sugerimos escrever a expressão Carta Pedagógica no
título, com o emprego de letras maiúsculas, a fim de atribuir maior
visibilidade a este legado freireano.
Por fim, é importante dizer que ao escrevermos esta Carta Peda-
gógica não temos a intenção de apresentar uma prescrição, um passo
a passo a ser seguido. Nossa intenção é formativa, apresentando o que
consideramos que pode servir de orientação inicial aos remetentes que
queiram trilhar diferentes caminhos possíveis para escrever uma Carta
Pedagógica, exercendo sua autoria. Afinal, vale lembrar, Freire nunca
quis ser copiado. Em suas palavras: “[...] não tenho nem quero seguido-
361
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

res! Quero recriadores curiosos sobre o que criei, com minha curiosida-
de epistemológica! ” (FREIRE apud FREIRE, N., 1998, p. 46).
Com essa compreensão, tomamos como ponto de partida as
Cartas Pedagógicas de Paulo Freire e estamos trilhando um caminho
de descobertas e de possibilidades de reinvenção. Assim, por meio da
nossa escrita, convidamos curiosos/as e/ou apreciadores/as de Cartas
Pedagógicas a continuar esse diálogo, e tantos outros possíveis, en-
viando-nos suas Cartas Pedagógicas por e-mail, compartilhando sua
experiência e reflexão a partir desta leitura. Com isso, esperamos des-
cobrir por onde andam as Cartas Pedagógicas, para além dos Anais de
eventos que consultamos.

Um abraço freireano,

As autoras Micheli, Ana Freitas e Cleiva.


Porto Alegre-Paris-Rio Grande, Verão-Inverno de 2020.

Palavras-chave: Cartas Pedagógicas. Anais de Eventos. Paulo Freire.

362
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, A. M. A. Nita e Paulo: crônicas de amor. São Paulo: Olho
D’Água, 1998.
FREIRE, P. Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar.
São Paulo: Olho D’Água, 1993.
FREITAS, A. L. S. Carta sobre Cartas Pedagógicas: experiência e rein-
venção do legado de Paulo Freire. In: DICKMANN, I. (Org.). Diálogo
Freiriano. Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2019. Pp. 55-64.
KARPINSKI, R.; FETTER, S. A. (Orgs.). Educação, amorosidade e
utopia: diálogos com Paulo Freire. In: XII Seminário Diálogos com
Paulo Freire: uma pedagogia do amor e do coração, para reconstruir
e superar obstáculos. Taquara, RS, 2019. Anais [...]. Taquara: FAC-
CAT, 2019.
PAULO, F. S. et AL. (Org.). Anais do XX Fórum de Estudos: leituras
de Paulo Freire. Legado e presença de Freire no Rio Grande do Sul.
[recurso eletrônico]. São Leopoldo: Casa Leiria, 2018.
VIEIRA, A. Cartas Pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZIT-
KOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2018. Pp. 75-76.

363
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

REALIDADE, RESISTÊNCIA E ESPERANÇA(R)

Ana Maria Baldo


Universidade do Estado do Rio Grande do Sul
ana-baldo@uergs.edu.br

Querido Paulo, estive relendo a tua “Educação como prática


da liberdade”1, repensando aquele período de transição que tu bem
descreveste e o período sombrio da Ditadura Civil-Militar neste país,
período esse que te levou para o exílio e te distanciou de tua terra e
de teu povo que tanto amavas. Esse período, considero eu, foi o pior
de nossa história recente (se bem que os anos de 2018 a 2020 estão
se mostrando também difíceis e temerários para quem acredita e luta
por uma educação crítica e libertadora como a que tu propuseste tão
insistentemente em tuas obras e da qual nos deste exemplo com teus
círculos de cultura).
Nesse período, tudo que tu defendeste foi considerado como cri-
minoso e taxado de subversivo. Durante a Ditadura Civil-Militar, nossa
educação foi marcada pelo controle e pelo disciplinamento, desde a
escolha política das direções das escolas até a construção e a arquitetura
dos prédios escolares; tudo foi moldado para que pudéssemos (professo-
res e gestores) controlar e ao mesmo tempo sermos controlados. Imagi-
no a tua dor ao perceber que a autonomia que defendeste era esmagada,
pisoteada e escamoteada em nossas escolas. Mas, os tempos difíceis pas-
saram; reconquistamos a democracia e nos empolgamos com a ideia da
volta das liberdades e da reativação da esperança e dos sonhos. Não mais
oprimidos, não mais opressores, acreditávamos todos. Conquistamos a
reabertura e estávamos prontos para mudar o mundo.
Anos se passaram depois que restabelecemos a democracia e fes-
tejamos a nossa Constituição Cidadã. Eles se passaram, e o que pode-

1 FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2020.
365
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mos perceber é que nosso sistema educacional, em pleno século XXI,


não conseguiu se desvencilhar de todos os aspectos que dominaram a
educação durante os governos militares. Muito restou da organização
dos espaços e do tempo da e na escola, muito restou das relações pré-
-estabelecidas de comportamentos esperados pelos educandos e pelos
educadores, dos tipos de relações que se construíram entre equipes dire-
tivas e docentes, entre estes e a comunidade escolar. Essas características
perpassaram o tempo e permanecem arraigadas em nossas escolas. Os
resquícios desse modelo educacional são tão profundos para nossa so-
ciedade, até os dias de hoje, que permanecemos com uma educação e
uma estrutura pedagógica que impede nossos sistemas de ensino de se
desenvolverem de forma realmente democrática, dificultam a participa-
ção política, criam uma cultura de massa, impelem os indivíduos para
o consumo, torna-os individualistas e egoístas, criam um desinteresse
pela política e por suas consequências.
Infelizmente, meu caro Paulo, segue predominando um modelo
tecnicista de educação, baseado no “professor detentor do saber” e que
tem como papel transmitir, de forma bancária2, usando uma expres-
são tua, o conhecimento, e educandos que necessitam aprender para
ingressar no mercado de trabalho e realizar com maestria suas tarefas
práticas e aumentar a produtividade (do opressor). Ainda hoje, não
conseguimos atingir uma educação que forme educandos que saibam
a importância da política, da participação social, da sua capacidade
de transformação da sociedade e do sistema, mesmo que alguns de
nós resistamos e sigamos tentando alterar essa situação. Ainda hoje,
justamente porque os educandos de ontem são os pais dos educan-
dos de hoje, são os proletários que pisam o chão da fábrica, vemos
que a população não quer falar sobre política, não discute os projetos
em disputa em nossa sociedade, se esquiva de seu papel de sujeito e
prefere o posto de submisso e obediente. Tanto falaste sobre o medo
da liberdade que apavora o oprimido, talvez esse seja um dos mais
perversos exemplos.
Nessa mesma linha de pensamento, percebemos que tinhas razão
quando dizias que não concretizando tuas ideias de educação autônoma
e libertária, o sonho do oprimido seria o de ser opressor. Tristemente,
2 FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2019.
366
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Paulo, educamos nossos educandos ainda para querer apenas alterar sua
posição no sistema e na sociedade e não para alterar a sociedade em si
e derrubar um sistema notadamente excludente e injusto. Ainda hoje,
usamos uma educação bancária que serve apenas para manutenção da
sociedade tal qual a conhecemos; não os educamos para a democracia,
não os educamos para a liberdade, não os educamos para a autonomia;
nós os educamos para obedecer o professor, o chefe, os mais velhos, os
mais ricos...
Não os educamos para questionar e muito menos para buscar
por si mesmos o conhecimento e para que aumentem seus horizontes
culturais. Não os educamos para construir, para refletir. Nós os ensina-
mos a obedecer, a ser cidadãos de bem e jamais questionarem, seja as
injustiças, seja a situação em que vivem. Nós os educamos para possuir
e não para ser; incutimos neles a necessidade de estudarem para ter
bons empregos e bons salários, mas não para serem cidadãos críticos e
determinados a mudar aquilo que não está correto. A mídia, as redes
sociais, tudo induz nossos educandos a serem consumidores exaltados e
cidadãos passivos. Sabemos, por meio de teus ensinamentos e de tantos
outros que também sonharam e sonham uma educação para a liberta-
ção, que a escola deveria ser o local de contraponto, o local onde nós os
ensinássemos a ver as suas capacidades e potencialidades para além de
um posto de trabalho que possam ocupar posteriormente. Mas falha-
mos, meu amigo Paulo, seguimos repetindo o ciclo vicioso da hierar-
quia e da submissão, salvo raras exceções.
Não quero, de forma alguma, te deixar desesperançoso, Paulo. Até
porque tu mesmo ensinaste que não podemos esperar na pura espera,
que o tempo de espera é tempo de que fazer3, que a esperança não tem
a ver com simples espera, mas, sim, com o esperançar. E assim, cheios
do teu entusiasmo e da tua expectativa, crendo que o mundo não é mas
está sendo, seguimos firmes. E movidos pelos teus ensinamentos, cremos
que “é mudando o presente que a gente fabrica o futuro: por isso, então
a história é possibilidade e não determinação” (FREIRE, 1991, p. 90).
E me declaro, assim como o senhor, uma esperançosa, não por teimosia,
“[...] mas por imperativo existencial e histórico” (FREIRE, 2002, p. 10).
3 FREIRE, P. Pedagogia da indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo: Paz e Terra, 2019.
367
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Com as mais sinceras saudações militantes de uma educadora da


Rede Pública de Ensino, confiante e esperançosa no amanhã.

Ana Maria Baldo.
Palavras-chave: Educação. Ditadura Civil-Militar. Esperança.

Referências
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 2020.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: Cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2019.

368
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

RESISTIR É PRECISO:
AOS EDUCADOR@S E COMPANHEIR@S DE LUTA

Ilda Renata da Silva Agliardi


UERGS
itrenata@hotmail.com

Elisete Enir Bernardi Garcia


UFRGS
elisete.bernardi@gmail.com

Nós, Ilda e Elisete, escrevemos esta carta, assumindo uma atitude


de humildade epistemológica para apresentar a nossa pesquisa e tam-
bém para fazer um desabafo reflexivo. Nossa pesquisa envolve Freire e
outros autores do referencial crítico. Não tem como fugir desse campo,
pois nossas leituras e trajetórias de pesquisas estão impregnadas dele.
Iremos pesquisar uma escola estadual no município de Três Cachoeiras,
de Educação Integral, que está caminhando para uma reestruturação
curricular, tentando romper com modelos tradicionais de ensino. Para
metodologia, escolhemos, inspiradas em Paulo Freire, utilizar cartas pe-
dagógicas para dialogar com os professores, os estudantes e a comuni-
dade pertencentes ao lócus da pesquisa. Escrevemos esta carta, então,
para que vocês nos conheçam um pouco mais, saibam de onde falamos
e com quem dialogamos, quais discursos nos regem e quais caminhos
que pretendemos seguir.
Esses escritos são um desabafo esperançoso, uma tentativa de
expor um sentimento que pensamos não ser só nosso. Partem de um
sentimento que emerge nesse momento político que atravessamos e que
acreditamos ser também de quem luta contra retrocessos e censuras.
Escrevemos uma carta porque essa ação, mesmo estando em desuso,
ainda é um modo de nos comunicarmos, ainda que em um contexto
globalizado, tecnológico, regido pelo imediatismo. Enviar ou escrever
uma carta envolve uma questão de posição, de como me coloco no
369
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mundo, de consideração e de afeto. Se escrevemos a vocês é porque


@s consideramos como companheir@s e colegas nesta luta e jornada.
A afetividade, para Freire (1996), é algo que envolve todo o ser, sendo
basilar para o conhecimento
Pensamos como a amorosidade vivida por Freire permeia sua fala,
seu fazer, seus escritos. A amorosidade nos move, nos faz humanos.
Portanto, para Freire, a educação envolve afetividade, amorosidade, diá-
logo. Ser educador é ser humano de forma integral, inteira. As emoções
são parte do nosso ser, da nossa concepção, da nossa criticidade face ao
mundo, ao outro.
A sociedade é tensionada por diferentes ideologias de compreen-
são, sendo que a educação é parte constituinte. Nossas vidas são per-
meadas pelos tensionamentos vividos e, por isso, buscamos suporte
teórico para compreender as mudanças e os giros que a vida dá. Pau-
lo Freire é sempre atual. O que foi escrito por Freire nas décadas de
1970/1980/1990 cabe muito bem em nosso atual contexto.
Acreditamos que os escritos de Freire são importantíssimos e
que precisam ser estudados, lidos e relidos por todos, pois ele foi um
educador inserido na educação brasileira e que nos deixa um legado
de denúncia e de anúncio da educação. Seu legado teórico nos leva a
compreender a atualidade dos seus escritos, por exemplo, da Pedagogia
do oprimido. Por sua atualidade nos escritos, é que uma parte da popula-
ção busca repreender seu legado. Freire assusta principalmente porque
mostra que a educação é um ato político que exige o posicionamento
de qual lado estamos na história, pois não existe neutralidade histórica.
Ao nos depararmos com um governo que desmantela políticas
de ordem, essenciais para educação e saúde, que são direitos funda-
mentais dos cidadãos, percebemos o quanto isso é trágico. Não ter
política para ser analisada já é uma forma de discurso deste governo.
O que marca este atual contexto é o discurso vazio de propostas, de
deboche e de ódio ao que for de esquerda. São ditas coisas tão absur-
das que nunca se pensou que pudessem ser ditas por um presidente,
de uma república de dimensões continentais e tão rica em diversidade
e beleza, mas ao mesmo tempo tão desigual em se tratando de direitos
fundamentais. Olhar para o contexto atual entristece! Reconhecer que
retrocedemos é desanimador. Nesse momento de tristeza e de indig-
370
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nação pela atual situação de nosso país, Freire se faz presente e nos
fortalece na esperança.
Estar estudando e trabalhando em uma universidade pública é
ter esperança. Esperança que não é do esperar, mas, sim, do esperançar,
como nos ensinou Freire. Ser professor é ter esperança. Isso é o que
percebemos na escola da nossa pesquisa. Esperança de uma educação
de qualidade, diferente, mesmo em meio às adversidades impostas pelo
Estado, que há mais de 50 meses parcela os salários dos professores.
Esperança de que as coisas vão mudar, esperança na educação como
possibilidade de transformação e esperança na humanidade. Neste mo-
mento, algumas certezas existem: a certeza de nossa posição, a certeza
de nossa profissão, a certeza de que, através da educação, realidades
podem ser transformadas; e a certeza de que nada é definitivo, para
sempre.... Afinal, como diria Freire, nos formamos e transformamos a
todo instante, somos seres inacabados.
Lutar é preciso, pois acreditamos, como Freire (1996) nos ensi-
nou, que a educação é um ato político e, nesse ato, não existe neutrali-
dade. Nossa luta não é com armas, mas, sim, com livros. Nossa luta é
pelo diálogo, pelo respeito, pela comunhão uns com os outros em uma
relação de igualdade e, sobretudo, de afeto. O povo é sujeito de seu
pensar. Homens e mulheres são seres de práxis, ação, reflexão e transfor-
mação. Então, não podemos nos alienar e sucumbir a discursos que nos
são impostos de todos os lados e que nos atravessam de diversas formas.
Somos sujeitos do nosso tempo, na integralidade de nossos se-
res. Somos humanos, homens, mulheres. Somos o que somos, edu-
cadores, e o que nos cabe é a luta, numa batalha por direitos, pela
educação. Uma batalha que é de todos, mas que nem todos estão
conscientes disso por inúmeros fatores, inclusive pela quantidade de
discursos que nos interpelam.
Freire, em sua generosidade profunda, tentou, em seus escritos,
nos alertar dos interesses que nos rodeiam. Tentou nos desalienar, nos
libertar de nossas amarras servis. Buscou, com seu discurso, nos fazer
cidadãos conscientes, emancipados; sujeitos críticos, pensantes e não
apenas adestrados ou capacitados para exercer uma tarefa e para serem
mão de obra a serviço do capital. Eni Orlandi (2016, p. 72) também
nos fala que “[...] a educação só alcança seus objetivos sócio-políticos,
371
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

históricos, em relação aos sujeitos sociais, pela formação”. Os discursos


da classe dominante servem para mostrar “nossos lugares”, mas nós,
enquanto educadores críticos, sujeitos inseridos no mundo histórico e
social, temos a tarefa de romper com essas lógicas por meio da tomada
de consciência, pois o conhecimento é libertador.
O que fica destas linhas? Mesmo em um momento de incertezas
para onde iremos, é preciso considerar que não estamos sós. Talvez nos
falte organização, colaboração e união; mas acreditamos que tempos
melhores virão! Enquanto isso, é necessário pensar, refletir e se infor-
mar, para que realmente nossa prática seja ferramenta de transformação.
“Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo,
de outro, negar a quem sonha o direito de sonhar. Lido com gente e não
com coisas” (FREIRE, 1996, p. 144). Não temos grandes pretensões;
escrevemos para desabafar e para esperançar, no desejo de que esta carta
inspire e seja uma fagulha de esperança, cheia de afeto, nos corações dos
que sabem e que ousam sonhar.

Com Afeto,
Ilda Renata da Silva Agliardi
Elisete Enir Bernardi Garcia
Janeiro de 2020.

Ps: Carta pedagógica escrita anteriormente à pandemia de Covid-19.

Palavras-chave: Educação. Esperança. Luta.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
ORLANDI, E. P. Educação e sociedade: O discurso pedagógico entre
o conhecimento e a informação. Revista ALED, v. 16, n. 2, pp. 68-
80, 2016.

372
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UMA CARTA AOS EDUCANDOS: A TRANSGRESSÃO COMO


MODO DE ESPERANÇAR NO CAMINHO PARA
UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA

Lucas Antunes Machado


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
lucas.machado@outlook.com.br

Gabriele Fochezatto Mota


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
gabrielefochezatto@gmail.com

Camila Pereira Alves


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
psicamilalves@gmail.com

Porto Alegre-se, abril de 2021.

Estimados(as) Estudantes, esperamos que esta carta lhes encon-


tre bem. Sabemos que tem sido difícil para vocês, afinal “são tempos
difíceis para os sonhadores’’, já dizia a protagonista da obra o Fantástico
destino de Amélie Poulain. Tempos pandêmicos tendem a ser ainda pio-
res para quem sonha com um mundo mais justo, igualitário e solidário,
não é mesmo? Nós também temos sentido dificuldade em dar asas à
nossa imaginação e, muitas vezes, faltam-nos forças para lutar como
gostaríamos. O que nos sustentava era a presença em sala de aula, a
companhia de vocês e os bons encontros que a vitalidade das nossas
relações produziam. Mesmo agora, com as experiências de um Ensino
Remoto Emergencial (ERE), que tem nos inundado com telas, links e
distâncias muito maiores do que a produzida pela esfera digital e pre-
sencial, ainda procuramos encontrar maneiras de significar e potencia-
lizar nossos encontros, mesmo que em uma sala de aula virtual.
Nos últimos tempos, percebemos que a desesperança tem au-
mentado entre vocês, e a sensação de impotência diante dos tempos
373
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em que vivemos tem sido constantemente assumida entre estudantes,


que atravessam, nessa pandemia, os percursos de aprendizagem locali-
zados nos ensinos técnico e superior. Por isso, decidimos lhes escrever
esta carta a seis mãos (um professor de psicologia da Educação Básica,
uma aluna de graduação em Psicologia e uma psicóloga-educadora e
pesquisadora), pois precisamos lhes dizer que podemos esperançar e
que é possível seguir sonhando com a outra margem deste caudaloso
rio que agora precisamos atravessar. Também vemos possibilidades de
transgredir as fronteiras de um ensino predominantemente tradicional
e enciclopédico por uma outra forma de ensinar e aprender que leve em
consideração nossas condições mentais, corporais e espirituais.
Cada vez mais, o apagamento das experiências é incentivado em
sala de aula pelas políticas vigentes. Tudo isso, associado à pandemia
causada pelo novo coronavírus (COVID-19 ou SARS-CoV-2), tem
contribuído com o desengajamento e o desesperançar dos alunos brasi-
leiros, que já não veem mais motivos para seguir estudando conteúdos
que não só não condizem com sua realidade/experiência de vida, mas
também ignoram completamente a situação pandêmica, tornando qua-
se impossível avistar um futuro de realizações profissionais, pessoais e
sociais. Sendo assim, nossa carta hoje vai para estes, que embora estejam
cansados e desamparados, possam voltar a enxergar a educação como
um caminho para a liberdade. Para isso, decidimos abordar a intertex-
tualidade entre os escritos e conceitos freireanos e a obra da pensadora
e escritora feminista bell hooks1.
Acreditamos que a maioria de vocês faz parte de uma geração que
não encontrou Paulo Freire em vida e sim em seu legado. Este é o ano
de seu centenário, e hoje encontramos facilmente suas obras nas mídias
1 bell hooks é um pseudônimo utilizado pela escritora, educadora e ativista feminista
Gloria Jean Watkins em homenagem à sua bisavó materna, Bell Blair Hooks. O nome
acadêmico escrito em letras minúsculas é, segundo a própria escritora, uma opção
política a fim de demarcar seu estilo de escrita decolonial e interseccional em que o
enfoque se dá para o conteúdo de seus escritos e não para sua pessoa acadêmica. bell
hooks escreveu mais de 30 livros e se tornou mundialmente conhecida, ainda assim
continua sofrendo críticas sobre não ser “acadêmica o suficiente”. O encontro com a
obra de Paulo Freire lhe tocou profundamente por solucionar muitos de seus ques-
tionamentos e lhe ajudou a criar uma linguagem própria para o seu trabalho. bell, no
livro Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade (2017) cria a defini-
ção de “Pedagogia engajada”, da qual voltaremos a falar ainda nessa carta.
374
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

digitais, bem diferente dos tempos de ditadura em que levamos cinco


anos para que a publicação da importante e decisiva obra Pedagogia
do Oprimido fosse feita no nosso país. Mas sabemos também que esse
acesso facilitado à informação não necessariamente produz uma relação
engajada com o conhecimento e, no Brasil em que vivemos, assolapa-
dos pelos discursos de ódio e fake news, também tem sido comum en-
contrarmos, na rede, ataques e informações falsas sobre o patrono da
educação brasileira. Isso se deve a vários fatores, mas o que gostaríamos
de destacar aqui é que Paulo Freire, acima de tudo educador, traz, em
suas palavras, a experiência encarnada da luta por um sistema diferente
desse que produz incessantemente nossa letargia e sensação de impotên-
cia. Ler Paulo Freire é um convite à ação! Ler seus textos é um convite
a esperançar; e é por isso que vocês já devem ter ouvido algum ataque
contra ele realizado pelas classes dominantes, porque alguém que nos
educa para a esperança é alguém que se torna alvo de um sistema que
nos quer alienados e desesperançosos com a vida.
As pedagogias de Paulo inspiraram a escritora, professora e fe-
minista norte-americana, bell hooks. Em sua obra Ensinando a trans-
gredir: a educação como prática de liberdade (que indicamos fortemente
que façam a leitura!), ela nos conta sobre sua experiência educacional
como estudante no período do apartheid e como professora nos EUA.
A escritora e educadora nos relata a experiência de vivenciar uma escola
somente para negros em sua Educação Básica e o restante de sua expe-
riência acadêmica em instituições de Ensino Superior majoritariamente
brancas, nas quais não havia discussões sobre raça ou classes sociais e
nem problematizações sobre as políticas de dominação e de opressão de
classe, raça e gênero, tão próprias da colonização imperialista.
Nesse sentido, nossas experiências nos remetem aos ensinamentos
trazidos por Paulo Freire e bell hooks enquanto educadores e educan-
dos, e vice e versa, pois sabemos que a prática de ensino se desenrola por
meio de uma relação de trocas em que ensinantes e ensinados aprendem
e ensinam em cooperação (FREIRE, 2016). Isso tem nos mostrado que,
nesse contexto de pandemia, a aula tradicional não tem tido a mesma
vitalidade no contexto das aulas online – na verdade, acreditamos que
essa forma de condução das aulas já demonstrava sinais de enfraqueci-
mento há tempos, e a pandemia só reforçou a urgência de mudanças
375
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em nossos modos de ensinar e aprender. Não raro, ouvimos relatos de


cansaço físico e mental frente à quantidade exorbitante de textos, livros,
vídeos e, sobretudo, trabalhos e atividades avaliativas cobradas pelos
professores desde o início das aulas online. Exigências essas advindas
das secretarias de educação que remontam a um processo burocrático
de vigilância e esquadrinhamento das mentes e dos corpos dos educa-
dores explicitado por bell hooks (2017, p. 29) em “o eu desapareceria
no momento em que os professores entravam em sala, deixando em
seu lugar somente a mente objetiva – livre de experiências e parciali-
dades”. Ademais, vocês também nos relatam sobre a falta de diálogo,
compreensão e empatia por parte de nós, professores e educadores, com
a situação de vocês. Por concordarmos com esses relatos, é que entende-
mos que vocês “querem um conhecimento significativo” e não esperam
que seus professores lhes ofereçam “informações sem tratar também da
ligação entre o que estão aprendendo e sua experiência global de vida”
(HOOKS, 2017, p. 32-33).
A educação bancária ou tradicional ainda privilegia os conteúdos
decorados, não levando em consideração outros aspectos da aprendiza-
gem. Essa situação leva boa parte dos alunos a um sentimento de deses-
perança, pois compreendem que seus esforços de engajamento corporal
não são considerados como aprendizagem significativa para a escola.
Alunos desmotivados desmotivam os professores criando, dessa forma,
um ciclo vicioso que comprova novamente a importância da proximi-
dade entre educador e educando e uma educação que pense de maneira
integradora sobre ambos.
Além de descolonizar a educação brasileira para que tenhamos
uma educação libertária, convidamos vocês a tomar posse do seu conhe-
cimento, porque a esperança que defendemos com Freire (1992) é aquela
que se ancora na prática, que é verbo e ação e não uma espera passiva e
conformada pelo invisível de um futuro não sonhado. Isto é, na prática,
traçar, por vontade própria, caminhos transgressores aos propostos em
sala, como, por exemplo, se aprofundar no estudo de autores que foram
somente apresentados de maneira concisa no currículo e levantar a voz
quando a educação que estiver sendo articulada não for condizente com
as demandas trazidas pelas experiências que constituem vocês e os seus
colegas como estudantes, apresentando propostas de mudança que solu-
376
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cionem esses descompassos. Todos podem aprender, e essa é a utopia da


educação! No entanto, nem todos aprendem da mesma maneira e, por
isso, é preciso que isso seja exposto e dito com veemência. É preciso que o
diferente deixe de ser visto como “não acadêmico o suficiente”, é preciso
que as multiplicidades do educar sejam reconhecidas.
É na diferença dos sonhos múltiplos que as nossas possibilidades
de imaginar um futuro mais democrático podem aflorar novamente.
Assim, queremos fazer um combinado com vocês! Vamos esperançar
em ação, tendo a teoria como lar e cura (HOOKS, 2017) e a prática do
nosso cotidiano escolar como condição de fazer novas histórias. Vamos
juntas/juntos/juntes!, nos encontraremos em breve, abraSUS!

Palavras-chave: Esperançar. Transgredir. Educar.

377
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática de
liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
ONU. Policy Brief: Education during COVID-19 and beyond,
2020. Disponível em: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/sg_
policy_brief_covid19_and_education_august_2020.pdf.

378
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PERSPECTIVAS E SONHOS: UM DIÁLOGO COM ESTUDANTES


DA EJA POR MEIO DE CARTAS PEDAGÓGICAS

Joice Maria de Oliveira


Universidade do Oeste de Santa Catarina
joicemariadeoliveira@gmail.com

Anita Garibaldi, 03 de março de 2021.

Querido(a) aluno(a) da EJA,

Sou professora de Língua Portuguesa, sou mestranda em educação


do PPGed da Universidade do Oeste de Santa Catarina, a UNOESC,
de Joaçaba.
Estou realizando uma pesquisa a respeito da vida escolar dos estu-
dantes da Educação de Jovens e Adultos, a EJA, e gostaria de conhecer
um pouco sobre você e sobre sua vida escolar, por meio de um trabalho
com as Cartas pedagógicas.

Para que uma carta tenha cunho pedagógico essa


necessita interagir, comunicar, provocar um diálo-
go pedagógico. As cartas pedagógicas podem ainda
levar quem as escreve a rememorar experiências vivi-
das ou expressar uma ideologia, mas é fundamental
que a prática de escrita das cartas pedagógicas, se-
jam, como defende Paulo Freire, “um ato encharca-
do de amorosidade e esperança” (CAMINI, 2012).

De acordo com Freire (2019, p. 62):

A transformação do mundo necessita tanto do


sonho quanto a indispensável autenticidade deste
depende da lealdade de quem sonha às condições
históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimen-
to tecnológico, científico do contexto do sonhador.
379
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua rea-


lização não se verifica facilmente sem obstáculos.
Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas
às vezes demoradas. Implica luta.

Sendo assim, por meio de resposta a esta “Carta Pedagógica” que


estou enviando-lhe, peço, se possível, que me conte um pouco sobre
você, apresente-se com seu nome, sua idade, a cidade onde nasceu e
como foi sua experiência na escola desde quando iniciou seus estudos,
os desafios enfrentados para poder estudar, relatando experiências que
você lembra de seu tempo de estudante, bem como que você possa con-
tar-me os motivos pelos quais você não conseguiu concluir seus estudos
na escola regular e quais são seus objetivos ao retomar seus estudos agora
por meio da EJA e, ainda, o que a escola ou o conhecimento significam
para você, o que você deseja alcançar com a conclusão de seus estudos
e o que mais achar interessante compartilhar de sua trajetória escolar,
uma vez que, como diz Freire (2019, p. 77): “Se a educação sozinha não
transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Desde já, agradeço a sua contribuição e desejo que você tenha
muito sucesso em sua vida escolar, profissional e pessoal.

Um grande abraço,
Prof. Joice Maria de Oliveira

Palavras-chave: Educação e Objetivos. Diálogo. Estudantes da EJA.


Abandono Escolar.

Referências
CAMINI, I. Cartas Pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e
se comunicam. Porto Alegre: ESTEF, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2019.

380
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA E O


PROTAGONISMO DISCENTE: CONTA AÍ!

Anderson Dal Pra Dal Vesco


UFFS
anderson.dalvesco@gmail.com

Isadora Canello
UFFS
isacanello3@gmail.com

Andréia Inês Hanel Cerezoli


UFFS
andreia.cerezoli@uffs.edu.br

Este trabalho  tem como objetivo documentar o protagonismo


discente no evento Conta aí! Oficina de contação de histórias, o qual foi
realizado pela Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Erechim,
contemplado na categoria extensão universitária, um dos três pilares da
atuação acadêmica, a saber: ensino, pesquisa e extensão. Esse evento
ocorreu de forma totalmente virtual.
Conta aí! Oficina de contação de histórias, evento com o objetivo
de sensibilizar para a prática da contação de histórias pode ser justifica-
do por Paulo Freire (1989, p. 69) ao afirmar que “[...] contar [histórias],
estimulando e desafiando a capacidade de fazer, de pensar, de saber e
de criar [...]”.
Enfim, Conta aí! Oficina de contação de histórias, um evento da
UFFS em tempos de trabalho remoto, projetou o potencial de uma
instituição de ensino jovem a comunidades que ainda não a conheciam.
Esse fato só foi possível pelo envolvimento dos discentes na organiza-
ção e na divulgação do evento. Durante planejamento e divulgação, os
discentes colaboradores criaram páginas do evento nas redes sociais que
permitiram a repercussão para além dos canais oficiais da instituição.
381
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para que ecoasse em diferentes frentes, houve planejamento associando


e desenvolvendo conhecimentos logísticos, tecnológicos, textuais etc. E,
nesse processo de reinvenção e atuação discente, é possível concretizar a
ideia de Freire (1989, p. 79) “[...] ninguém trabalhará para estudar nem
estudará para trabalhar, porque todos estudarão ao trabalhar.”.

Palavras-chave: Extensão Universitária. Protagonismo Discente. Con-


tação de Histórias.

Referências
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
pletam. São Paulo: Cortez Editora, 1989.

382
CAPÍTULO 5

POR UMA PEDAGOGIA DA PERGUNTA


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE: A AMOROSIDADE E O ESTABELECIMENTO DE


UMA RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE PROFESSOR E ALUNOS

Lizandra Andrade Nascimento


Docente na ETE Cruzeiro do Sul e na URI-SLG
lizandra_a_nascimento@yahoo.com.br

O presente estudo busca, na obra de Paulo Freire, elementos para


pensar uma educação comprometida com o mundo. Desse modo, o
conceito de amorosidade adquire centralidade, pois implica reconhecer
o amor como elemento central na relação pedagógica. Na Pedagogia do
Oprimido, Freire (1987, p. 79-80) corrobora a relação entre amorosida-
de e o diálogo, posto que não é possível a pronúncia do mundo1, que é
um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. O diálogo
fundamentado no amor é tarefa de sujeitos que se relacionam a partir de
verdadeira abertura à partilha e à assunção conjunta de compromissos.
O ato de amor está em comprometer-se. Esse compromisso, porque é
amoroso, é dialógico. O estudo dos conteúdos, em sala de aula, consti-
tui-se como momento singular de reflexão e de diálogo, em que professor
e estudantes apropriam-se da realidade do mundo, debatem sobre ela e,
juntos, verificam quais aspectos necessitam ser transformados e quais, por
corresponderem aos ideais de humanização, merecem ser preservados.
Quando Freire (1987, p. 80) afirma que: “se não amo o mundo,
se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo”,
reforça a centralidade do amor ao mundo, pois este é o elemento que
coloca os homens em relação, como palco de ações e palavras, onde esses
1 A pronúncia do mundo tem, para Freire, o sentido de expressão de pontos de vista
sobre o mundo, pelos indivíduos, a partir de sua inserção crítica neste espaço, por
meio da palavra, que, neste contexto, é também ação. A pronúncia do mundo impli-
ca no diálogo e na transformação do mundo. No dizer de Freire (1987, p. 79): Se é
dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o transformam, o
diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto
homens. [...] A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos,
não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens.
385
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

interagem, e, por tal razão, deve ser constantemente motivo de reflexão e


de debate, numa perspectiva de adequação às experiências humanas.
A relação homem-mundo também é explicada por Freire (1994,
p. 28-29) nos seguintes termos: “[...] minha terra envolve meu sonho
de liberdade [...] a educação precisa tanto da formação técnica, científi-
ca e profissional quanto do sonho e da utopia”. A escola, ao possibilitar
a inserção na cultura, permite aos indivíduos encontrar seu lugar de
pertencimento ao mundo. Poder designar o mundo de “minha terra’’
é encontrar um lugar de existência, reconhecendo-se como sujeito em
interação com os outros e corresponsável por dar a ele – o mundo –
continuidade. A preocupação em dialogar sobre o mundo e torná-lo
acolhedor ao coletivo somente pode ocorrer em ambiente de camara-
dagem e de humildade, posto que, nessa esfera, não devem as opiniões
sobrepor-se umas às outras, ou serem expostas com arrogância. Pelo
contrário, como refere Freire (1987, p. 81-82), neste lugar de encontro,
não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que,
em comunhão, buscam saber mais. Então, é desde a sala de aula que se
aprende a acolher a opinião do outro para ampliar, progressivamente, a
sua compreensão do mundo. [...] Se a fé nos homens é um dado a priori
do diálogo, a confiança se instaura com ele. A confiança vai fazendo os
sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo.
Os sujeitos – professor e educandos – tornam-se companheiros
na situação gnosiológica, em que incidem seu ato cognoscente sobre
o objeto cognoscível que os mediatiza, na partilha e na pronúncia do
mundo. O professor testemunha, diante dos alunos, suas percepções e
seus ideais com relação ao mundo, habilitando-os a também refletirem
e opinarem sobre esse espaço no qual se desenrola a vida. O diálogo
estabelecido no processo de ensino e aprendizagem mobiliza o pensar,
definido por Freire, como pensar verdadeiro, crítico e que não aceita a
dicotomia mundo-homens. O pensar crítico supera o pensar ingênuo, a
partir da exposição do pensar dos demais, nas situações dialógicas, apro-
fundando e ampliando as percepções pela consideração das múltiplas
formas de entendimento.
Importa, pois, que os conteúdos programáticos da educação se-
jam elementos mobilizadores do pensamento e que permitam aos estu-
dantes a imersão na realidade do mundo em que se situam. Esses são,
386
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

conforme Freire, a devolução organizada, sistematizada e acrescentada


ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestrutu-
rada (FREIRE, 1987, p. 84). Mais do que aplicabilidade prática, é pre-
ciso que os conteúdos tenham sentido para os estudantes, propiciando
uma maior compreensão das relações homens-mundo. Por isso, o autor
sugere os temas geradores enquanto propostas pedagógicas centradas
em temas significativos para a comunidade.
O ensino de conteúdos científicos e culturais volta-se à habilitação
dos educandos a assumirem a autoria também no conhecimento do ob-
jeto, participando ativamente neste momento de boniteza singular: o da
afirmação do educando como sujeito de conhecimento (FREIRE, 1996,
p. 124-125). Pelo exemplo do professor que organiza e propõe situações
de aprendizagem e demonstra a relevância do saber, os estudantes assu-
mem a posição de sujeitos que conhecem, e como tal passam a utilizar os
conhecimentos construídos para expandir seus campos de visão.
Os conteúdos precisam ser estudados como pontos para reflexão
e diálogo, uma vez que a educação caracteriza-se pela comunicação ati-
va, supera a mera transferência de saber, por significar um encontro de
interlocutores que buscam os significados das experiências, dos acon-
tecimentos e dos elementos culturais que partilham. Por essa razão, de
acordo com Freire (1977, p. 70), a comunicação estabelecida em sala de
aula decorre da coparticipação no ato de compreender a significação do
significado. Essa é uma comunicação que se faz criticamente, relacio-
nando-se com a capacidade humana de transformar o mundo e realizar
a sua vocação para ser mais.
Freire define a educação como um processo de constante liberta-
ção do homem, que não aceita o homem isolado do mundo, tampouco
o mundo sem o homem. A pluralidade e o mundo adquirem significa-
do fundamental, pois a educação coloca em relação os homens, no plu-
ral, e o mundo. Nas palavras do autor: “se o quê fazer educativo, como
qualquer outro quê fazer dos homens, não pode dar-se a não ser ‘dentro’
do mundo humano, que é histórico-cultural, as relações homem-mun-
do devem constituir o ponto de partida de nossas reflexões sobre aquele
quê fazer” (FREIRE, 1977, p. 76).
Tendo em vista a centralidade das relações homem-mundo na
educação, é preciso que o estudo dos conteúdos tenha relação com o
387
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mundo, propiciando aos estudantes o olhar aprofundado sobre os acon-


tecimentos e as experiências humanas. Aprender a ler, a escrever, a rea-
lizar cálculos, estudar História, Biologia, Química, enfim, conhecer e
assimilar os conceitos das distintas áreas do conhecimento tem sentido
à medida que permite às crianças e aos jovens entender o mundo e nele
se situar, aprofundando seus modos de pensar e de compreender. O
processo formativo volta-se, portanto, não à reprodução, mas ao desen-
volvimento da visão crítica e da capacidade de transformação.
Freire (2008, p. 47-48) afirma que as relações travadas pelo ho-
mem no mundo e com o mundo (pessoais, impessoais, corpóreas, e
incorpóreas) apresentam uma ordem tal de características que as dis-
tinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera animal.
[...] Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz
ser o ente de relações que é. Por isso, a amorosidade colabora para o
estabelecimento de uma relação dialógica entre educador e educandos,
e, consequentemente, para o estabelecimento da pertença ao mundo.

Palavras-chave: Paulo Freire. Amorosidade. Diálogo. Professor. Alunos.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

388
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PEDAGOGIA DO ENCANTAMENTO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO


FREIRE PARA A PRÁXIS DOCENTE NA PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

Marta Zanette
PPGE-Unochapecó
martinhazanette@hotmail.com

Ivo Dickmann
PPGE-Unochapecó
educador.ivo@unochapeco.edu.br

A presente pesquisa tem como tema as contribuições de Paulo


Freire para a práxis docente na pós-graduação stricto sensu em educação,
especialmente ligadas ao trabalho desenvolvido por ele na Unicamp e
na PUC-SP, nos anos de 1980 até 1997 (FREIRE, A., 2006; SAUL,
2016). Propõe-se como problema que, a partir das experiências de Frei-
re como professor e orientador na pós-graduação, podemos extrair delas
contribuições para uma práxis dos docentes identificada com a pedago-
gia freiriana hoje, constituindo-se como uma abordagem diferenciada
no fazer da pós-graduação stricto sensu, como desdobramento da relação
educador-educando no que diz respeito à relação orientador-orientan-
do em dissertações e teses.
Para tanto, tem-se, como objetivo geral, investigar a práxis de
Paulo Freire como professor e orientador na pós-graduação stricto sensu
em educação como fundamento teórico-prático para a docência no En-
sino Superior; desdobrando-se nos seguintes objetivos específicos: a) lo-
calizar, na biografia de Paulo Freire, a sua experiência e trajetória como
professor e orientador no ensino superior; b) analisar o conteúdo das
entrevistas dos orientandos de Paulo Freire; c) explicitar, nos discursos
dos orientandos de Paulo Freire, contribuições para a práxis docente no
Ensino Superior hoje.
Para alcançar esses objetivos, a metodologia que está sendo uti-
lizada para levantar os dados é a entrevista semiestruturada aplicada a
389
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

quatro orientandos de Freire na pós-graduação, na Unicamp e na PUC-


-SP: Adriano Nogueira (mestrado), Maria Oly Pey (doutorado), Adriano
Nogueira (doutorado), Mário Sérgio Cortella (doutorado), Antônio Lino
Rodrigues de Sá (mestrado). Tendo em vista que os sujeitos da pesqui-
sa estão espalhados por três estados do Brasil (MS, SP, SC) em três re-
giões diferentes, utilizamos recursos da internet para fazer as entrevistas
(Hangout do Google) e e-mails para aprofundar pontos que julgamos ne-
cessários esclarecer. Utilizamos a análise de conteúdo (BARDIN, 2009;
FRANCO, 2005) para extrair das falas dos ex-orientandos subsídios para
a construção de uma práxis referenciada na pedagogia freiriana no traba-
lho de orientação da pós-graduação stricto sensu em educação.
A abordagem teórica da pesquisa está intimamente ligada à his-
tória de vida de Freire e de seus orientandos, haja vista que dialogamos
com as bases epistêmico-metodológicas freirianas, a saber: o marxismo
não-ortodoxo, presente na Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2011) até
a Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2018), em que há uma leitura
atualizada e crítica do materialismo histórico-dialético, o hegelianismo
da dialética senhor-escravo traduzido para uma compreensão da educa-
ção, das relações humanas e de seu papel na sociedade (WOHLFART,
2013; CENCI, 2003; KOJÈVE, 2002), a intencionalidade da consciên-
cia a partir dos estudos fenomenológicos de Husserl (BRUTSCHER,
2005; ZITKOSKI, 1994) e o existencialismo humanista cristão de Jas-
per (1997), Marcel (1955) e Sartre (2014). No quadro a seguir, apre-
sentamos um resumo dos temas, das categorias e das subcategorias que
resultaram das entrevistas com os sujeitos:

390
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

TEMA CATEGORIA SUBCATEGORIA


- Realidade (conhecimento)
Educar pelo
exemplo a partir - Mudança/transformação
Epistemológica
da autoridade do - Testemunho/encantamento
conhecimento.
- Discurso /prática
Relação orientador-
orientando - Dialogicidade
profundamente
Metodológica - Conscientização
dialógica na
construção do - Política
conhecimento
Presença amorosa e - Amorosidade
com rigor científico
Estética - Rigorosidade Científica
em sala de aula e nas
orientações. - Acolhida
Fonte: Elaborado pelos autores.

Dessa análise preliminar, concluiu-se que são três as principais


contribuições de Paulo Freire para a práxis docente: 1) Educar pelo
exemplo a partir da autoridade do conhecimento como dimensão epis-
temológica da práxis docente na pós-graduação, tendo a realidade como
ponto de partida para a construção de conhecimentos pertinentes em
vista da transformação do mundo e da sociedade, feita a partir de uma
perspectiva do encantamento dos estudantes pelo professor a partir de
seu testemunho e de sua postura pedagógica amorosa, encurtando a
distância entre o discurso e a prática; 2) relação orientador-orientan-
do profundamente dialógica (como marca essencial e horizontal dessa
relação) na construção do conhecimento das dissertações e teses, com
dimensão metodológica da práxis docente, em vista da conscientização
política de ambos; 3) presença amorosa e com rigorosidade científica,
em sala de aula e nas orientações, como dimensão estética da práxis do-
cente, potencializando a acolhida ao projeto e à pessoa do orientando
como atitude político-pedagógica humanizadora do orientador.

Palavras-chave: Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Relação


Orientador-Orientando. Paulo Freire.
391
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.
BRUTSCHER, V. J. Educação e conhecimento em Paulo Freire. Pas-
so Fundo: IFIBE; Instituto Paulo Freire, 2005.
CENCI, A. V. Reconhecimento e intersubjetividade: elementos para uma
antropologia filosófica a partir de Hegel. In: DALBOSCO, C. A. (Org.).
Filosofia prática e pedagogia. Passo Fundo: UPF, 2003. Pp. 122-136.
FRANCO, M. L P. B. Análise do conteúdo. Brasília: Plano, 2003.
FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Indaiatuba:
Villa das Letras, 2006.
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FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cul-
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KOJÈVE, A. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro: Contra-
ponto, EDUERJ, 2002.
MARCEL, G. Los hombres contra lo humano. Buenos Aires: Ha-
chette, 1955.
SAUL, A. M. Paulo Freire. São Paulo: EDUC, 2016.
SARTRE, J.-P. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis: Vo-
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WOHLFART, J. A. Fundamentos dialéticos da Pedagogia do Opri-
mido. Passo Fundo: IFIBE, 2013.
ZITKOSKI, J. J. O método fenomenológico de Husserl. Porto Ale-
gre: PUC, 1994.

392
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E


TRANSFORMADORA: APROXIMAÇÕES EM PAULO FREIRE

Luciane Albernaz de Araujo Freitas


Instituto Federal Sul-rio-grandense – IFSUL
lucianel1968@gmail.com

André Luis Castro de Freitas


Universidade Federal do Rio Grande - FURG
dmtalcf@furg.br

O enfrentamento dos problemas socioambientais, pelos quais


passa a sociedade contemporânea, não se limita a questões referentes,
exclusivamente, ao meio-ambiente, de modo que não se trata de uma
dificuldade de caráter cultural ou comportamental, mas de uma crise no
modelo civilizatório, estando associada à lógica de produção capitalista.
Refletir na superação da crise socioambiental é promover o pen-
sar para além de mudanças de caráter apenas conjuntural, pois essas não
abalam os mecanismos de reprodução social, mantendo inalteradas as
relações de poder. Principiando por essa premissa, acredita-se que o pa-
pel da educação ambiental crítica – a qual deverá partir de uma situação
concreta, ou seja, do esgotamento das condições materiais do planeta
e das decorrências disso, tendo como base ontológica e gnosiológica o
materialismo histórico e dialético – é propor o entendimento da “[...]
educação não como o único meio para a transformação, mas como um
dos meios sem o qual não há mudança” (LOUREIRO, 2006, p. 58).
Dessa forma, compreender a educação ambiental crítica em sua
amplitude e complexidade permite fazer de seus pressupostos balizado-
res a construção de uma educação e, sobretudo, de uma prática pedagó-
gica que esteja em sintonia com os anseios de contribuir com o processo
contra-hegemônico.
Por outro lado, Layrargues (2018) afirma que, na contempo-
raneidade, a educação ambiental foi atravessada pelo signo do antie-
393
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cologismo no qual foi consolidado um conservadorismo pedagógico,


tornando essa educação hegemonicamente reprodutivista, implicada,
de maneira generalizada, com os valores de sociabilidade do capital,
omitindo, por sua vez, o quadro histórico-crítico que contribui para os
esclarecimentos sobre as contradições da sociedade capitalista.
Para o mesmo autor, o antiecologismo representa o retorno da pre-
valência econômica em nome de um ajuste com vistas a reequilibrar a re-
lação entre a economia e a ecologia. Assim, a narrativa do antiecologismo
se baseia nos excessos cometidos na era ambiental “[...] pelo ecologismo
ter sido excessivamente rigoroso com a criação de todo um aparato políti-
co-institucional de proteção ambiental, que não mais deveria inviabilizar
o crescimento econômico” (LAYRARGUES, 2018, p. 33).
Assim, a educação ambiental foi modificada para contribuir com
o processo de estabelecimento de um padrão normal a ser cumprido em
favor de uma identidade pacificada e controlada, um modo de compor-
tamento ecologista desejável e moderado, desqualificando, ao final, o
pensamento crítico.
Os problemas dissertados até aqui representam o que se pode-
ria chamar de situações-limite da dimensão socioambiental. Para Freire
(2004), as situações-limite se apresentam como determinantes histó-
ricas, e no momento em que, na ação, se instaura a percepção crítica,
irá “[...] se desenvolver um clima de esperança e confiança que leva os
homens a se empenharem na superação das situações-limite (FREIRE,
2004, p. 91, grifo do autor).
A partir dessa discussão, reflete-se que há a necessidade de ques-
tionar: Em que medida é possível a criação de novos encaminhamentos
para os seres humanos, no que implique as relações desses no e com o
mundo? Deve-se levar em consideração que a educação ambiental passa
por um momento em que se faz presente a dicotomia entre a ação de
preservar, inserida em uma educação que anuncia boas práticas indivi-
duais, e a ação de transformar a realidade, presente em uma educação
que denuncia a insustentabilidade.
Nesse contexto, aproximam-se as relações educativas propostas
por Paulo Freire, autor esse que parte do princípio de que a educação
é um caminho para que os seres humanos formem uma consciência
crítica diante dos problemas da realidade e possam agir no sentido de
394
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

transformá-la. Nesse caso, o papel do educador é promover a apreensão


da realidade em partilha com os educandos, estando aberto a um per-
manente aprender e ensinar.
Com o foco no campo da educação ambiental, a intencionalidade
do resumo aqui proposto, fundamentado a partir de uma pesquisa qua-
litativa, de base bibliográfica, é problematizar, a partir dos pressupostos
de Paulo Freire, ações transformadoras no e com o mundo, refletindo
sobre as práticas dessas ações.
Na obra de Paulo Freire, pela relação dialógica, a subjetividade
se converte em subjetividade humana no momento em que denota a
importância ao ser humano e o diálogo não se constitui fundamentado
na razão pura, mas na possibilidade de ouvir o Outro. O mesmo autor
reflete sobre a criação de espaços para o exercício da ação de aproximar e
de conhecer os sujeitos, proporcionando uma atmosfera de intimidade
entre eles, de modo tal que, nessa relação, todo o ser humano se consti-
tui com o Outro, com identidade, e não como desconhecido.
Dessa maneira, reflete-se sobre a importância do acatamento e
do respeito em relação ao Outro como princípios fundantes de uma
relação. Freire (2014), na obra Pedagogia da indignação, acrescenta que
além de reverenciar a vida humana, deve-se, também, reverenciar a vida
“[...] vegetal e animal, o cuidado com as coisas, o gosto da boniteza, dos
sentimentos” (FREIRE, 2014, p. 77).
Dessa forma, ele resume a necessidade de que os seres humanos
lutem pelos princípios éticos fundamentais, como o respeito à vida hu-
mana, aos animais e ao ambiente, de modo tal que conclama todos ao
desenvolvimento da capacidade de amar o mundo.
Para Andreola (2010), Paulo Freire relaciona a categoria mundo
à natureza, à cultura, à história, à existência, à consciência, ao trabalho,
à ação transformadora, à palavra e à práxis, conceitos por meio dos
quais ele explica “[...] a relação dialética: leitura do mundo – leitura
da palavra, fundamento de toda a alfabetização e de toda a educação”
(ANDREOLA, 2010, p. 283). Segundo o mesmo autor, para o ser hu-
mano, o mundo significa o contexto de sua existência, transformando
esse contexto por sua ação.
Nessa esteira, Freire reflete que a ecologia ganha uma importância
fundamental e que deve estar presente nas práticas educativas críticas
395
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e libertadoras, pois ela remete à ação de problematizar as relações dos


seres vivos entre si e, ainda, desses com o meio.
Mesmo que Freire utilize o conceito ecologia, conforme Delizoi-
cov e Delizoicov (2014), a proposta freiriana está alinhada a um esti-
lo de pensamento crítico-transformador em que a concepção de meio
ambiente diz respeito a um dado lugar em que os elementos naturais e
sociais constituem relações e estão em interação. Tais relações implicam
em processos culturais, sociais e históricos de transformação do meio.
Por outro lado, segundo os mesmos autores, o estilo de pensa-
mento ecológico é o estudo da natureza, da fauna e da flora; ou seja,
da natureza e dos elementos que a cercam. Tal concepção de estudar
as relações dos seres com o mundo e no mundo implica em analisar os
aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.

Palavras-chave: Antiecologismo. Diálogo. Transformação Social.

Referências
ANDREOLA, B. Mundo. In: STRECK, D.; REDIM, E.; ZITKOS-
KI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. Pp. 282-283.
DELIZOICOV, D.; DELIZOICOV, N. C. Educação ambiental na
escola. In: LOUREIRO, C. F. B; TORRES, J. R. (Orgs.). Educação
ambiental: dialogando com Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2014.
Pp. 81-115.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
LAYRARGUES, P. P. Subserviência ao capital: educação ambiental sob
o signo do antiecologismo. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 13,
n. 1, pp. 28-47, 2018.
LOUREIRO, C. F. B. Trajetória e fundamentos da educação am-
biental. São Paulo: Cortez, 2006.

396
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PRÁTICAS DIALÓGICAS, ENLACE COM A DEMOCRACIA


NA GESTÃO ESCOLAR

Juliane Bonez

Almir Paulo dos Santos


Universidade Federal da Fronteira Sul
juliane-bonez@educar.rs.gov.br

A dialogicidade não pode ser entendida como ins-


trumento usado pelo educador, às vezes, em coe-
rência com sua opção política. A dialogicidade é
uma exigência da natureza humana e também
um reclamo da opção democrática do educador
(FREIRE, 1987).

Encontrar, conversar, ter liberdade de expressão, educação dialógi-


ca são descrições de relações entre as pessoas. Dialógico está relacionado
a característica do que é diálogo, dialogal, daquilo que se efetua por meio
do diálogo, de uma interação comunicativa, da conversa. “O dialógico é,
portanto, uma condição necessária da historicidade e uma característica
ontológica da vida social” (PEREIRA et AL., 2019, p. 15).
O conceito de dialogicidade compreende a relação entre as pes-
soas. A gestão escolar, nesta mesma linha, abarca a relação das pessoas
que, no coletivo, buscam construir uma trajetória educacional permea-
da por pensamentos e ações delineadas ao seu tempo e espaço. “É ex-
tremamente danoso uma sociedade sem o diálogo, sem a troca de expe-
riência” (FREIRE, 1987, p. 56). Neste sentido este trabalho traz como
tema a gestão escolar e objetiva discutir a concepção de diálogo a partir
de Freire e suas relações com o processo de gestão escolar propiciando
um ambiente democrático.
O ato educativo desenvolvido pelo gestor (a) é um compromisso
social de transformação e de libertação. Suas práticas, são problematiza-
doras e buscam caracterizar o seu perfil frente a humanização e o caráter
397
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de suas ações. O conceito de diálogo em Freire (1987) reflete a relação


com a gestão escolar democrática na perspectiva da construção de al-
ternativas, no planejamento e execução coletivos e na colaboração para
resolver e enfrentar as problemáticas vivenciadas diariamente. Freire é
um referencial para pensar práticas de gestão democráticas e dialógicas.
Pautado na concepção de educação voltada a liberdade de homens e de
mulheres, o autor propõe que cada um de nós compreenda onde está,
de onde fala, qual a sua realidade, porque escolheu aquela profissão,
sobre o seu modo de pensar e enxergar o mundo. Essa é a condição
mínima para libertar-se.

O diálogo é este encontro dos homens, imediati-


zados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se es-
gotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão
por que não é possível o diálogo entre os que que-
rem a pronúncia do mundo e os que não querem;
entre os que negam aos demais o direito de dizer
a palavra e os que se acham negados deste direito
(FREIRE, 1987, p. 91).

O espaço da escola pública agrega em suas relações, humanos me-


diatizados por diferentes mundos. Isto é, um coletivo estruturado por
pessoas que carregam consigo as relações de seu mundo: seus costumes,
suas culturas, suas vivências. É um lugar de referência para a formação
para crianças, para jovens e para adultos. Se a organização deste espaço
se constituir a partir de práticas democráticas, pode possibilitar a cada
um que ali fizer parte, a possiblidade de pronúncia de seu mundo. A
palavra traz em si a arte do diálogo. Permite a expressão para além das
leituras de mundo. Neste contexto, conversar com pais, professores,
funcionários e alunos é fundamental para o êxito da gestão.
O diálogo pode ser uma estratégia, democrática, da organização do
gestor. A habilidade de conversar, de articular, de coordenar, de propor,
é uma competência fundamental no cargo de gestão. Esse processo, se
caracteriza pelo coletivo em todas as ações. Sejam elas do envolvimento
de um determinado grupo ou de toda a comunidade escolar. É a partici-
pação no contexto descentralizado da escola. Ainda que a gestão escolar,
no âmbito da escola pública, esteja legalmente assegurada, possui variável
398
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de aplicação concreta conforme a realidade escolar onde acontece. Para


Lima (2018) a democratização da gestão escolar perpassa por questões
de constituição de estrutura social, política e econômica da sociedade. O
autor agrega que é mais do que uma dificuldade de implementação é uma
“impossibilidade uma vez que a gestão democrática estaria associada a um
ideal normativo impraticável e inapropriado em termos de eficiência e de
eficácia, de competitividade e de qualidade” (LIMA, 2018, p. 2).
Neste foco da escola, sua forma de organização e gestão, rele-
vando conceitos como democratização e diálogo e seus opostos, vale
abordar que a democratização da educação não é uma questão apenas
educativa ou técnica-pedagógica. É, também, um processo político e
cultural “O domínio técnico é tão importante para o profissional quan-
to a compreensão política o é para o cidadão. Não é possível separá-los”
(FREIRE, 2000, p. 7). Aposta na escola como uma práxis que possa
orientar ações visando a superação dessas contradições, restabelecendo,
nas relações do ser humano como um ser inacabado e em processo de
humanização. Porém pode acabar com a esperança
É na interação, na participação na escola que se criam novas pos-
sibilidades. Ao prenunciarem-se diante da organização escolar, as pes-
soas expressam seu entendimento sobre as coisas, aprendem a interagir
com respeito uma vez que, a opinião de um pode ser diferente do outro.
O gestor precisa ser visionário, enxergar para além do julgamento im-
posto pela sociedade. Muitas vezes, contrapondo interesses de seu pró-
prio quadro funcional, para defender o ideal da escola como um todo.
Somos seres únicos e como tais, não há necessidade de julgamentos.
‘’Não há saber mais, nem saber menos, há saberes diferentes’’ (FREIRE,
1987, p. 68). Coordenar os diferentes saberes é, também, um exercício
da democracia do gestor(a) dentro do espaço escolar.
São transformações que, a sua velocidade, comprometem a vida
de todos os humanos, do ambiente, das relações, gerando impactos que
produzem mudanças de hábito e de valores. No cenário de globaliza-
ção, a cada dia é mais importante as práticas educativas que primem pela
igualdade de oportunidades, construindo relações com cidadãos que se-
jam plenos. Por isso urge pensar a educação como uma imposição a estes
desafios, inaugurar caminhos possíveis e traçar estratégias principalmen-
te, para conscientizar sobre o lugar onde a escola está nesta organização.
399
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Contrapondo a estrutura está o diálogo e a democracia. Se o sistema en-


quadra, a prática tem possibilidade de reinventar. “O sujeito que se abre
ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em
que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em
permanente movimento na História. [...]” (FREIRE, 2001, p. 136).
Finalizando, compreendemos que os conceitos de diálogo e suas
relações com a gestão escolar a partir da premissa de que a gestão escolar
é uma prática educativa, experienciada por aqueles e aquelas que coor-
denam as atividades em espaços institucionais. Ou seja, é um exercício
na busca constante pela autonomia, pelo envolvimento de estudantes,
de professores/as, de servidores/as, de gestores/as e de pais “desenvol-
vendo a prática do diálogo permanente entre liderança e povo, conso-
lida a participação deste, no poder” (FREIRE, 1987 p. 99-100). Divi-
de responsabilidades, transmite saberes, ressignificando os existentes,
aprendendo, ensinando e intervindo naquele meio.

Palavras-chave: Diálogo. Democracia. Gestão Escolar.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
FREIRE, P. À Sombra desta Mangueira. São Paulo: Olho d´Água, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
LIMA, C. L. Por que é tão difícil democratizar a gestão da escola públi-
ca? Educar em Revista, v. 34, n. 68, pp. 15-28, 2018.
PEREIRA, J. R.; ALCANTARA, V. C.; ANDRADE, L. S. Comunica-
ção que constitui e transforma os sujeitos: agir comunicativo em Jürgen
Habermas, ação dialógica em Paulo Freire e os estudos organizacionais.
Cadernos EBAPE.BR, v. 17, n. 1, pp. 12-24, 2019.

400
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ANDARILHAR VIRTUALMENTE EM UM CONTEXTO ESCOLAR


RURAL DE RIO GRANDE (RS)

Sicero Agostinho Miranda


FURG e Prefeitura Municipal de Rio Grande
siceromiranda@gmail.com

Desde o início da suspensão das aulas na Rede Municipal de Rio


Grande (RS), o sentimento de andarilhar tem sido presente. Andarilha-
mos, no sentido freiriano da construção, encharcados de experiências e
de vivências no processo de humanização. Procuramos “ser mais” a partir
dos movimentos de buscar estar com o outro, reconhecendo-o como le-
gítimo outro (MATURANA, 2009). Para Freire (2005), o “Ser Mais” é
um sujeito que nunca é, mas que está sendo, cuja concepção não se situa
no sentido pejorativo ou negativo, mas sim comparado com o que ocorre
com a própria história que está em constante mudança, sem esquecer que
somos marcados por culturas passadas de geração em geração.
Acredito na pedagogia de Freire, uma pedagogia do movimen-
to. Nesse viés da andarilhagem, Carlos Rodrigues Brandão (2008, p.
40) expressou bem essa “vocação coerentemente errante e andarilha” da
vida e do pensamento freiriano. Segundo Brandão,

[...] várias razões que nos fazem pendular entre o


“estar aqui” e o “partir”, “ir para”: Há os que se
deslocam porque querem [os viajantes, os turistas],
os que se deslocam porque crêem [os peregrinos,
romeiros], os que se deslocam porque precisam [os
migrantes da fome, os exilados] e há os que se des-
locam porque devem [os engajados - para usar uma
expressão cara aos dos anos 1960 - os comprometi-
dos com o outro, com uma causa].

Não discutirei a universalização da Educação, até porque, na mi-


nha leitura, ainda é uma Inédito Viável, mas pretendo corroborar com a
401
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

discussão do acesso a ela em meio a essa pandemia do novo coronavírus


(Covid-19). Também não tenho pretensões de trazer nenhuma solução, até
porque, neste momento, não passaria de uma mera especulação, mas relata-
rei minhas experiências na gestão de uma escola municipal de Rio Grande.
Neste contexto de vivência, a EMEF Cristóvão Pereira de Abreu,
vulgo Cristóvão, está localizada na Ilha da Torotama, aproximadamente
a 68 km da Secretaria de Município da Educação (SMEd), às margens
da Laguna dos Patos, com acesso fluvial e terrestre, pertence ao distrito
de Povo Novo, município de Rio Grande (RS). A principal atividade
da comunidade é a pesca. Em consequência da localização geográfica,
a comunidade fica muito isolada da cidade, fazendo com que a escola
seja um importante elo de acesso à informação e à experiência entre o
município e a localidade. Uma Escola do Campo que atende a 107 edu-
candos(as) em dois turnos, e oferece Educação Infantil, Anos Iniciais e
Anos Finais do Ensino Fundamental.
Não realizamos EaD, pois não temos uma estrutura capaz de dar
conta da modalidade e muito menos suprimos as especificidades exigi-
das por ela. Também não fazemos Educação Domiciliar, pois não orien-
tamos os pais e/ou responsáveis ou quem acompanha nossos estudantes
em casa a desenvolver um processo de escolarização. Ressaltamos que
qualquer experiência relatada, por mais exitosa que seja, jamais substi-
tuirá as vivências cotidianas da escola e as rotinas construídas, enchar-
cadas de saberes, sabores e emoções.
O que estamos fazendo, após orientações da equipe pedagógica
da Secretaria de Município da Educação (SMEd), é encontrar uma for-
ma de estar próximo aos(às) nossos(as) educandos(as), estabelecendo
uma rotina de tempo e de ações, com atividades que os mantenham
focados nos estudos. Essas estratégias, em constantes adaptações e rein-
venções, vislumbram reforçar alguns conceitos, ou pré-requisitos, para
futuros estudos, de forma lúdica, valorizando-se os saberes locais.
Estamos trabalhando com atividades de interação, mediadas por
tecnologias digitais, desde o primeiro momento em que as aulas fo-
ram suspensas, segundo orientações registradas no Decreto Municipal
17054/2020, de 23 de março de 2019, e decretos posteriores que am-
pliam a suspensão. Entendemos a necessidade de “estar com”, pois, para
o nosso coletivo, a escola não se resume apenas às paredes, ela não pre-
402
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cisa estar em endereço fixo. Precisamos tornar o Cristóvão ainda mais


andarilho, estar na casa dos(as) educando(as) A, B, C, D etc.
Nossas ações estão voltadas à ontologia do Ser, na perspectiva frei-
riana, na qual entendemos o homem como um Ser que está em perma-
nente processo de crescimento, que procura se aprimorar continuamen-
te, buscando sempre novas aprendizagens, na luta pela humanização.
Essa andarilhagem virtual foi tendo, ou está tendo, seus desdobramen-
tos todo o tempo. Ganhou forma, ações, reflexões e novas ações.
O primeiro passo foi realizar um estudo do contexto local, par-
tindo-se da Leitura de Mundo (estudo da realidade). Nesse processo dia-
lógico, surgiu a definição de qual ferramenta seria utilizada: Facebook,
Instagram ou WhatsApp. Posteriormente, definimos o Facebook como
estratégia de divulgação de informações para comunidade em geral. A
interação com estudantes e suas famílias ficou apenas entre grupos no
WhatsApp (ferramenta já utilizada por todos). Além da definição, des-
cobrimos que 91 dos 107 estudantes, ou seja, 85% tinham acesso à
internet. Destes, a grande maioria, aproximadamente 80%, tem acesso
residencial e 20% dispõe da internet móvel em seus celulares. Para um
contexto rural, esses dados nos chamaram muito a atenção e possibili-
taram repensar outras estratégias.
O segundo passo foi a construção das atividades pelos(as) profes-
sores(as), o que se apresentou com um grande desafio, um pouco pela
resistência ao uso das tecnologias e outro pela dificuldade do distancia-
mento físico, como estabelecer as relações, principalmente, a participação
da família. Foi unânime, entre os(as) educadores(as), que nossas ações
teriam que ir ao encontro de despertar uma nova forma de relação desses
saberes com as experiências vividas. Alguns relataram suas dificuldades,
tanto de acesso como de utilização das ferramentas digitais. Cabe ressaltar
a dinâmica, o auxílio e o incentivo entre os(as) educadores(as).
O terceiro momento foi marcado pelas expectativas em relação aos
retornos dos estudantes e de suas famílias, diante das ações propostas. Assim
que os(as) professores(as) perceberam a interação e a aceitação das famílias
pelas atividades propostas, isso gerou neles(as) mais motivação em seguir
com as ações, bem como buscar outros recursos a serem ofertados aos(às)
estudantes. Outro fator constatado é que os(as) educandos(as) sem acesso à
internet foram auxiliados por outras famílias que residem próximo a eles(as).
403
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Reflexões Finais

Diante de todas essas peculiaridades, novas vivências e experiên-


cias, temos a certeza de estar realizando atividades que auxiliam as fa-
mílias nas rotinas diárias em meio ao isolamento social. Assim, a escola
cumpre o seu papel social, sempre próxima de sua comunidade escolar,
em alguns momentos desenvolvendo atividades, em outros orientando
e informando sobre serviços públicos e até mesmo sobre os cuidados
para o enfrentamento à pandemia.
Cabe salientar que nossas famílias, em uma comunidade de pes-
cadores, estão sendo exemplos para muitos outros contextos, pois, na
escola Cristóvão, as ações tiveram resultados positivos, porque os pais
e/ou responsáveis estão juntos com seus filhos, participando das estra-
tégias pedagógicas, acompanhando e motivando os(as) educandos(as).
Concluindo, retomo o título desta escrita e assumo que, inicial-
mente, era “um contexto escolar em constante reinvenção”, mas, após
uma provocação, em um espaço também virtual, sobre o reinventar a
escola, fica a indagação: tem como reinventar a escola em um mundo
que será outro? Com isso, “numa escola deste mundo novo, temos que só
trazer as coisas boas, como em uma mudança em que nos desfazemos do que
não importa” (GALIAZZI, 2020 – Conversa via WhatsApp), precisare-
mos inventar outra escola?

Palavras-chave: Pandemia. Humanização. Coletividade.

Referências
BRANDÃO, C. R. Andarilhagem. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZIT-
KOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

404
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

REFLEXÃO DOS(AS) EDUCADORES(AS) EM UM CONTEXTO


ESCOLAR RURAL DE RIO GRANDE (RS) SOBRE AS
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS NO INÍCIO DA PANDEMIA

Sicero Agostinho Miranda


FURG e Prefeitura Municipal de Rio Grande
siceromiranda@gmail.com

Desde o início do cancelamento das aulas na Rede Municipal de


Rio Grande (RS), procuramos “Ser Mais” a partir dos movimentos de
buscar estar com o outro, reconhecendo-o como legítimo outro (MA-
TURANA, 2009). Para Freire (2005), o “Ser Mais” é um sujeito que
nunca é, mas que está sendo, cuja concepção não se situa no sentido
pejorativo ou negativo, mas sim comparado com o que ocorre com a
própria história que está em constante mudança.
As reflexões apresentadas são a partir das vivências na EMEF
Cristóvão Pereira de Abreu, que está localizada na Ilha da Torotama,
município de Rio Grande (RS). A principal atividade da comunidade é
a pesca. Em consequência da localização geográfica, a comunidade fica
muito isolada da cidade, fazendo com que a escola seja um importante
elo de acesso à informação e à experiência entre o município e a locali-
dade. Ela é uma Escola do Campo que atende a 107 educandos(as) em
dois turnos, e oferece Educação Infantil, Anos Iniciais e Anos Finais do
Ensino Fundamental.
Estamos trabalhando com atividades de interação, mediadas
por tecnologias digitais, desde o primeiro momento em que as aulas
foram suspensas, segundo orientações registradas no Decreto Munici-
pal 17054/2020, de 23 de março de 2019, e decretos posteriores que
ampliam a suspensão. Entendemos a necessidade de “estar com”, pois,
para o nosso coletivo, a escola não se resume apenas às paredes, ela não
precisa estar em endereço fixo. Nossas ações estão voltadas à ontologia
do Ser, na perspectiva freireana, por meio da qual entendemos o ho-
mem como um Ser que está em permanente processo de crescimen-
to, que procura se aprimorar continuamente, buscando sempre novas
405
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

aprendizagens, na luta pela humanização. O primeiro passo foi realizar


um estudo do contexto local, partindo-se da Leitura de Mundo (estudo
da realidade). Nesse processo dialógico, surgiu a definição de qual fer-
ramenta seria utilizada: Facebook, Instagram ou WhatsApp. O segundo
passo foi a construção das atividades pelos(as) professores(as), o que se
apresentou como um grande desafio, um pouco pela resistência ao uso
das tecnologias e outro pela dificuldade do distanciamento físico, como
estabelecer as relações, principalmente, a participação da família. Segue
um diálogo em um grupo de WhatsApp da escola:

Educ. A: Alguns livros não conseguem carregar.


Educ. C: Minha internet nem abri
Educ. D: Não carrega
Educ. B: Aperta bem no meio da atividade para
aparecer fazer download.
Educ. B: Clica no fazer download e vai salvar na
tua pasta de arquivo do celular
Educ. A: Meu celular trava de vez em quando!
(Grupo de WhatsApp - 24/03/2020).

Cabe ressaltar a dinâmica, o auxílio e o incentivo entre os(as)


educadores(as). Na sequência, apresento uma conversa entre duas edu-
cadoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da escola, na ocasião
da construção de algumas atividades com a utilização do recurso audio-
visual, o vídeo:

Educ. C: Eu não consigo gravar vídeo!!!Eu não


consigo ficar sem rir!!
Educ. C: Mas vou me esforçar kkk
Educ. E: Pede para ela (filha da professora) te gravar!!
Educ. E: É melhor outra pessoa gravando!!
Educ. C: Vamos virar youtubers
Educ. E: Vamos treinar no espelho Educ. C!!!
Educ. C: Chega na hora não vai kkk
(Grupo de whatsapp- 03/04/2020).

O terceiro momento foi marcado pelas expectativas em relação


aos retornos dos estudantes e de suas famílias, diante das ações propos-
tas. O diálogo a seguir mostra que os(as) educadores(as), ao propor as
406
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

atividades, ainda tinham algumas dúvidas em relação à participação e à


insegurança sobre os retornos das atividades.

Educ. E: Sim, se eu conseguir alcançar um aluno


de cada turma, já estarei contente.
Educ. B: Sim, já combinei. Mando às atividades às
8 h e terão todo dia para realizar.
Educ. E: Vai ser perda de tempo!!
Educ. A: Podem copiar no caderno se não houver
possibilidade de imprimir.
(Grupo de WhatsApp - 23/03/2020).

Os(as) professores(as) perceberam a interação e a aceitação das


famílias pelas atividades propostas, o que gerou mais motivação em seguir
com as ações, bem como buscar outros recursos a serem ofertados aos(às)
estudantes. Outro fator constatado é que os(as) educandos(as) sem acesso
à internet foram auxiliados por outras famílias que residem próximo.

Educ. E: Que capricho.


Educ. C: Olha Educ. E nossas alunas realizando
as atividades!!
Educ. E: Para Aluna A e B fica bem complicado pq
o Tio A que está levando o celular para ela.
Educ. E: Ainda bem que tem o suporte dele.
Educ. E: Agora ele me explicou, ele passa as ativi-
dades para vizinha delas, a vizinha repassa para elas.
Educ. E: Que legal ver as duas irmãs estudando
juntinhas.🥰
Educ. B: Muito emocionante e gratificante ver
nossos alunos estudando e se esforçando!!!
Educ. E: É muito bom ver as mães interessadas e
caprichosas!!!
Educ. E: Não imaginávamos que seria tão positivo
Educ. E: Pelos menos nisso uma notícia boa
Educ. E: Que estamos propondo algo e eles estão
realizando
(Grupo de WhatsApp - 08/04/2020).

Após encontrarmos a melhor forma de interação com os estu-


dantes e com as famílias, bem como a aceitação e o interesse pelas ati-
407
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

vidades propostas, passamos a buscar outras estratégias de atividades


que fossem ao encontro das necessidades dos(as) educandos(as), em um
constante processo de ação-reflexão-ação. Nesse momento, procuramos
explorar outros recursos digitais, nos quais foi possível construir espaços
formativos, reuniões, entre outros, que contribuíram para repensar as
estratégias e construir novas possibilidades pedagógicas. Esses processos
formativos estavam pautados na constituição do Ser Mais, por entender
esses sujeitos e suas interações nesses espaços como algo singular. Diante
disso, precisamos ter um olhar sensível e, antes de tudo, pressupor um
eu, indivíduo, que precisa ser respeitado e ser avistado como um ser
humano social e político, com suas vivências e experiências.
Por ser uma estratégia nova, por todas as resistências que temos
quanto à utilização das tecnologias digitais, observamos que, em alguns
momentos, os(as) educadores(as) demonstraram preocupações com a
interação e os tempos das rotinas dos(as) estudantes. É possível iden-
tificar essa inquietação na discussão realizada no grupo das professoras
dos Anos Iniciais:

Educ. D: Os meus respondem em dias alternados,


parece que até combinam.
Educ. A: Pois é, estranho, os mesmos são sempre os
mesmos que respondem, normalmente à tardinha.
Educ. E: O quinto ano é tranquilo, fazem tudo e
respondem, mas o terceiro ano oscila, uns somem,
outros aparecem.
Educ. F: Gurias acho normal tudo isso, tudo isso
é diferente para todos nós. A gente também passa
por isso, tudo novo, diferente para todos nós. Cabe
a nós propor as atividades, incentivar, dar suporte e
motivar a participação.
Educ. A: Entendo, sei disso, mas fico o dia inteiro na
expectativa de receber algo, uma solicitação de ajuda.
Educ. F: Já tentaram estabelecer com eles horários
de estudos?
Educ. A: Sim, mas o problema é que dependemos
dos pais, eles estão na lida do camarão e a maioria
só pode à noite, ou à tardinha.
Educ. F: Importante respeitarmos isso.
(Grupo de WhatsApp - 17/04/2020).
408
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Reflexões Finais

Diante de todas essas peculiaridades, novas vivências e experiên-


cias, temos a certeza de estar realizando atividades que auxiliam as fa-
mílias nas rotinas diárias em meio ao isolamento social. Assim, a escola
cumpre o seu papel social, sempre próxima da sua comunidade escolar,
em alguns momentos desenvolvendo atividades, em outros orientando
e informando sobre serviços públicos e até mesmo sobre os cuidados
para o enfrentamento à pandemia. Vislumbra-se, aqui, que essas ações
nos ajudem a repensar os currículos, os espaços e os tempos escolares.
Que possamos refletir sobre as convivências dentro do ambiente escolar,
principalmente após a pandemia, na qual passaremos por mudanças e
adaptações. Também necessitamos de um olhar atento às tecnologias
digitais aliadas aos processos pedagógicos, mas ainda avistamos fragili-
dades dentro da formação inicial e continuada dos(as) educadores(as).

Palavras-chave: Pandemia. Humanização. Coletividade.

409
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

410
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A CATEGORIA TRABALHO PARA PAULO FREIRE:


CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO
PROFISSIONAL EM SAÚDE

Bianca Joana Mattia


biancajm@unochapeco.edu.br
Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó

Carla Rosane Paz Arruda Teo


Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó
carlateo@unochapeco.edu.br

Torna-se imprescindível, aqui, para iniciar, situar o contexto des-


te trabalho, que consiste no processo de reorientação do modelo assis-
tencial em curso no Brasil. As mudanças no Sistema de Saúde no país,
a partir da Constituição Federal de 1988, e com a criação do Sistema
Único de Saúde (SUS), em 1990, requerem novas formas de gerir e
de cuidar, emergindo, daí, a necessidade de reorientar a formação dos
profissionais de saúde. É diante do exposto que esse trabalho procura,
no diálogo com a Pedagogia da Libertação de Paulo Freire, fundamentos
teóricos que subsidiem a formação profissional para um modelo de saú-
de coerente com o movimento de consolidação do SUS.
Com base no panorama apresentado, é necessário compreender
que o conhecimento na área da saúde está situado em um contexto
social. Os futuros profissionais precisam reconhecer a historicidade
dos fenômenos. É preciso conhecer a realidade e as multiplicidades
de sentidos existentes, compreender que existem processos sociais que
os condicionam, mas não os determinam, para que, então, possam
passar da contemplação para a transformação do mundo por meio da
práxis. Portanto, é preciso que a formação dos profissionais de saúde
passe por uma mudança não somente de modelos e práticas, mas de
paradigma. Assim, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a catego-
ria “trabalho” em Paulo Freire e suas contribuições para a formação
profissional em saúde.
411
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O referencial teórico-metodológico escolhido para lidar com o


objeto de investigação é o materialismo histórico-dialético. A opção rea-
lizada foi por considerarmos que esse referencial nos permite lidar com
o fenômeno em sua complexidade. O materialismo histórico-dialético
estuda as características da vida em sociedade, evolução histórica e prá-
tica social, no desenvolvimento da humanidade. Propõe ao homem a
possibilidade de conhecer o mundo e, assim, a história, e afirma que
o conhecimento é relativo em um determinado tempo e época. Por
sua vez, baseia-se na interpretação dialética do mundo, oferece uma
concepção científica da realidade, enriquecida pela prática social, mos-
trando como a matéria se transforma e como realiza-se a passagem de
formas inferiores a superiores (TRIVIÑOS, 2017).
Para cumprir com o propósito deste trabalho, foi necessário fazer
uma imersão nas obras do autor em questão, motivo pelo qual conside-
ramos fundamental selecionar algumas, para que pudéssemos estudá-las
com aprofundamento. Dessa forma, compõem o universo deste estu-
do as seguintes obras: Educação como Prática da Liberdade (FREIRE,
2018), Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2015b), Pedagogia da Autono-
mia (FREIRE, 2016) e Pedagogia da Esperança (FREIRE, 2015a).
É possível observar, em Paulo Freire, ao longo de sua trajetória in-
telectual e conforme foi produzindo suas obras, a influência de diferen-
tes autores que formam o arcabouço teórico-epistemológico do autor.
Dickmann e Dickman (2020) nos mostram, de forma sistematizada,
as diferentes fases de Paulo Freire ao longo de sua trajetória. Durante o
exílio, especificamente na obra Pedagogia do Oprimido, Marx esteve pre-
sente nas obras de Freire, constituindo forte influência na Pedagogia do
Oprimido. Foi no materialismo histórico-dialético que Freire encontrou
suporte para tratar tanto das relações de produção quanto das relações
entre opressor e oprimido, bem como para falar da categoria trabalho.
Nesse sentido, é possível constatar que o conceito de trabalho em
Paulo Freire está intimamente relacionado ao conceito de cultura e de
transformação. O homem é um ser que está em relação com o mundo.
Ele se apresenta como um ser criador e recriador e, por meio do trabalho,
tem a possibilidade de transformar a realidade. A fim de suprir suas neces-
sidades humanas básicas, o homem se relaciona com o mundo, ou com a
natureza, e faz dele objeto de seu conhecimento. Desse modo, o homem
412
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

humaniza o mundo. É necessário afirmar que essa transformação, porém,


somente terá sentido se contribuir para a humanização também do pró-
prio homem, em direção à sua libertação (FREIRE, 2018).
Sendo assim, a natureza, tomada pelo homem por meio do tra-
balho, quando transformada, se coloca a serviço de suas necessidades
e, assim, ele cria cultura. Nesse sentido, depois que o homem toma a
natureza como seu objeto de transformação e a modifica por meio do
seu trabalho, os elementos já não são mais natureza, mas cultura. Ao
encontro disso, ao transferir para as gerações futuras não somente o uso
dos produtos de seu trabalho, mas também “a incipiente tecnologia de
sua fabricação” (FREIRE, 2018, p. 166), o homem faz educação.
Tendo isso em consideração, a categoria trabalho em Freire se ali-
nha às perspectivas que consideram o trabalho em seu significado ontoló-
gico e pode ser compreendido como “práxis humana material e não ma-
terial” (FISCHER, 2016, p. 401). É categoria fundamental na condição
ontológica do ser humano como um ser que transforma o mundo natural
em mundo cultural. Esse ser é um ser de práxis, de ação e de reflexão. As-
sim, o trabalho, em Paulo Freire, é assumido como princípio educativo,
que possibilita a formação de seres humanos (FISCHER, 2016).
Nesse sentido, na obra de Freire, a categoria trabalho possui dimen-
são ontológica, ou seja, como condição para o processo de humanização
(FISCHER, 2016). Do ponto de vista ontológico, ao trabalhar, agir,
transformar a natureza pela sua ação, o homem também se transforma,
pois ele tem a possibilidade de antecipar a finalidade da ação, de ter cons-
ciência, por isso, o trabalho é teleológico e se constitui como princípio
educativo, na existência da diretividade dessa ação. O trabalho, portanto,
possibilita ao homem transformar a natureza, mas, possibilita, acima de
tudo, que o homem se transforme, se humanize, crie cultura e história.
Dessa forma, o conjunto de saberes historicamente elaborado pelos seres
humanos, também chamado de cultura, é fruto do trabalho do homem.
Do ponto de vista histórico, o trabalho pode ser opressor quando
toma forma de trabalho alienado e produtor de mais-valia. Portanto,
a análise crítica marxista do modo de produção capitalista inclui, nas
obras de Freire, a categoria classe social, que pauta e aprofunda o po-
sicionamento do autor sobre o papel político da educação, em uma
sociedade de classes (FISCHER, 2016).
413
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Portanto, considerando que, conforme Paulo Freire, na perspec-


tiva ontológica, o trabalho deve possibilitar ao homem chegar à sua má-
xima capacidade de Ser Mais humano, o trabalho deve ser considerado
princípio educativo. Nesse sentido, deve ser tomado como fundamento
teórico, em uma proposta de formação de profissionais de saúde, que
seja comprometida com a consolidação do Sistema Único de Saúde
(SUS), possibilitando aos homens se objetivarem, criarem humanida-
de, se transformarem e transformarem a sua realidade, por meio dele.

Palavras-chave: Formação Profissional. Saúde. Educação.

Referências
DICKMANN, I.; DICKMANN I. Paulo Freire: método e didática.
Chapecó: Livrologia, 2020.
FISCHER, M. C. B. Trabalho. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZI-
TKOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2016. Pp. 401-403.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015a.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015b.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2017.

414
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

“OS ESFARRAPADOS DO MUNDO”

Adriana Chiamolera
Prefeitura Municipal de Herval d’Oeste
assistenteadrianachiamolera@gmail.com

Gabriela Stang
Prefeitura Municipal de Herval d’Oeste
gabrielastangsso@gmail.com

Querido Mestre Paulo Freire,

Inicio esta carta com sua ilustre reflexão: “aos esfarrapados do


mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo com eles lutam” (FREIRE, 2015).
Venho lhe contar as situações que assolam a população brasileira
em tempos sombrios de acirrada desigualdade social. Vivenciamos mo-
mentos de demasiada tristeza, incontáveis mortes, famílias desoladas e
um vírus denominado COVID-19 que, em nível mundial, disseminou
o caos e o medo, movimentou o capitalismo funerário e o adoecimento
mental populacional.
A necessidade de lhe contar sobre nós, os milhões de esfarrapa-
dos do mundo, deu-se como um grito de socorro diante das injustiças
vivenciadas dia após dia, em que a sobrevivência se torna a única moti-
vação para o existir, onde “num país como o Brasil, manter a esperança
viva é, em si, um ato revolucionário” (FREIRE, 1997).
Nós, os esquecidos, os excluídos, reafirmamos suas colocações e
identificamos a necessidade de apreender e de reapreender que a liberda-
de vem com a práxis de sua busca, com as inquietações frente ao que está
posto, com o exercício do pensamento crítico. A premissa pela vocação
da busca da humanização, mesmo já pensada, escrita e reescrita, parece
escura aos olhos da sociedade, pois a individualidade impera diante do
415
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sistema econômico capitalista, e o que era para ser humano se estende


em bolsões de pobreza e miséria, e, com isso, o desumano é naturalizado.
Se nós, os oprimidos, soubéssemos identificar nossa condição,
por meio da tomada de consciência de classe, entenderíamos que, para
recuperar a nossa humanidade, bem como aqueles que não se reconhe-
cem, mas tomam o papel de opressor, deveríamos libertar a nós e aos
opressores por meio da restauração da humanidade. Freire, em sua obra
Pedagogia do Oprimido (1978) traz a seguinte colocação: “Pedagogia
que faça da opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos,
de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua liberdade,
em que esta pedagogia se fará e refará”.
Estamos conformados diante da atual ordem societária, naturaliza-
mos as desigualdades e as violências, onde está a busca pela libertação? Os
dados do IBGE apontam para aproximadamente 13,5 milhões de pessoas
em condições de extrema pobreza, sendo que 73% dessa população são
pretos e pardos (IBGE, 2019).
A educação é uma das principais ferramentas para o conhecimento e
a busca pela humanização, não é mesmo, Freire? Todavia, no Brasil, segun-
do os dados do IBGE, o abandono escolar na passagem do ensino funda-
mental para ensino médio de adolescentes entre 16 a 19 anos é de 18,0%.
Os que abandonam motivados pela necessidade de trabalhar são 39,1%;
por falta de interesse, 29,2%. Para as mulheres, os motivos são ampliados
pela gravidez (23,8%) e pelos afazeres domésticos (11,5%) (IBGE, 2020).
E agora, Freire? Quando nos apropriamos da Constituição Fede-
ral de 1988 que explana a respeito das condições básicas do ser humano,
identificamos a falta ou a inexistência de tudo: de moradia, educação,
saúde, alimentação, entre outros tantos direitos violados. Como garan-
tir o lazer em tempos de capitalismo neoliberal? Cobrimos os olhos da
justiça, e também os nossos, quando não lutamos pela libertação, bem
como quando somos omissos em relação às opressões contra terceiros.
Como bem você fala, Freire (1978, p. 30), “a desumanização,
mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado,
mas resultado de uma “ordem” injusta que gera violência dos opressores
e esta, o ser menos”.
Estamos anestesiados diante das injustiças, da violência, da mi-
séria e da opressão. Convivemos diariamente com a insegurança e a
416
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

incerteza de conviver humanamente. O ser é ofuscado pelo ter, dando


plateia ao holocausto da desigualdade social. Eis que me pergunto: se os
oprimidos soubessem a força que possuem, a liberdade não seria utopia,
mas, sim, condição óbvia para viver em sociedade.
Eu me coloco numa enfadonha missão de repetir o que já foi dito,
afirmado e reafirmado por outros humanos tomados pela consciência de
classe e pelo movimento de libertação. A fachada está posta, e a ilusão de
direito garantido também. Atualmente, a fome é gritante, o trabalho é
precarizado e insalubre, a moradia, na sua maioria, é de difícil habitabili-
dade, a saúde está em colapso, e nós, o povo brasileiro, aos farrapos.
E por fim, Freire, gostaria de estar contando que a humanidade
foi restaurada e não há oprimidos e nem mesmo opressores, mas apenas
posso lhe dizer que temos fé e buscamos por uma nova ordem societá-
ria, pois a atual se apresenta em cuidados paliativos, com a humanidade
sucumbindo. Gratas pela oportunidade de compartilhar os anseios e as
angústias vivenciadas cotidianamente, admiramos suas obras e temos
gratidão por compartilhar tantos ensinamentos.

Atenciosamente,

Adriana Chiamolera e Gabriela Stang.

Palavras-chave: Desigualdades Sociais. Humanização. Libertação.

417
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: DF, 1998.
IBGE. Agência de Notícias: Síntese de Indicadores Sociais. 2019.
Disponível em: https://bityli.com/jLdzd
IBGE. Agência de Notícias: Estatísticas Sociais, 2020. Disponível em:
https://bityli.com/Nqfk2. A
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a peda-
gogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

418
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

REPENSANDO UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA


A PARTIR DE PAULO FREIRE

Rosane da S. França L. Cavasin


Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia
rosane.cavasin@ifc.edu.br

Escrevo aos colegas professores, pertencentes à rede municipal


de ensino do Município de Concórdia, SC, com os quais tive a opor-
tunidade de conviver como colega de trabalho, de lutas por melhores
condições de trabalho e também como parceira na construção de uma
proposta pedagógica pautada na perspectiva freiriana. Como colega, fui
uma iniciante no trabalho com a Educação Infantil no nível das cre-
ches. Nosso município realizou um concurso no qual as vagas tinham
por objetivo ter as primeiras professoras com graduação em Pedagogia,
atuando nos Centros de Educação Infantil–CMEIS. Isso era algo novo,
desejado, porém algo a ser construído, porque, naquele momento, che-
guei eu, com uma bagagem teórica, mas sem nenhuma prática nesse
ambiente. Muitas reflexões e adaptações para mim foram necessárias.
Naquele momento, é que surgiu a colega para as lutas; afinal, eu queria
ser tratada como professora que era, independentemente do nível que
eu atuava, mas, na prática, não era isso que acontecia. Ser professora na
educação infantil era não ter os mesmos direitos.
Durante todos esses momentos, sempre me guiei por leituras de
diferentes autores, mas parecia que precisava de algo mais e, por isso,
fui em busca de aperfeiçoamento em um programa de mestrado. Isso
foi um marco na minha trajetória como professora, pois recebi um con-
vite para trabalhar junto com a secretaria de educação, justamente com
formação para a educação infantil. Lembro-me da alegria que senti, na
perspectiva que poderia talvez tentar fazer algo para mudar as coisas. E
foi por isso que aceitei o desafio, pois além de estudar, teria que traba-
lhar, e esse trabalho envolvia algo que era a construção de uma proposta
pedagógica para toda rede, a qual era pautada em redes temáticas, uma
419
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

organização curricular com base em temas geradores que são construí-


dos por meio de um processo chamado de “investigação temática”.
A temática na perspectiva freiriana é balizada nas concepções de
Educação Progressista Libertadora do educador Paulo Freire (1996,
2005), na qual é papel da escola formar a consciência política do aluno
por meio da problematização da realidade, das relações sociais do ho-
mem com a natureza e com outros homens, visando sua atuação e sua
transformação social.
Foram horas de leitura e de estudos. Recordo-me principalmente
do livro Pedagogia do Oprimido, por que ele era a base para o entendi-
mento da questão do tema gerador. Houve várias discussões com as co-
legas da secretaria da qual fazia parte. Nós éramos um grupo de quatro
formadoras, assim chamadas, pertencentes ao Grupo de Formação, cria-
do com o seguinte objetivo: implementar uma proposta pedagógica em
toda rede, a qual deveria estar pautada nos princípios freirianos. Com
isso, conceitos como a autonomia, a dialogicidade, os temas geradores,
passaram a fazer parte do nosso vocabulário cotidiano. Para termos um
maior entendimento, foi buscada uma formação com professores que
eram referências, naquele momento, sobre Práticas utilizando a teoria
freiriana. Além disso, estudamos alguns municípios que tinham uma
prática efetiva com as ideias de Freire.
Elaborou-se uma proposta pedagógica para toda a rede, envol-
vendo formação continuada para cada espaço, mensalmente, podendo
fechar a escola e os CMEIS. Nesse momento, todo corpo escolar po-
deria estudar e elaborar suas diretrizes, visando construir sua proposta
pedagógica. Essa, por sua vez, foi sistematizada em cinco etapas (le-
vantamento preliminar, codificação, círculo de investigação temática,
redução temática e trabalho em sala de aula) por Delizoicov, Angotti e
Pernambuco (2011). Foram momentos de discussão e de leitura entre
a escola e o formador, que era o responsável. Estudaram-se os livros
de Freire, principalmente as obras Pedagogia do Oprimido e Pedagogia
da Autonomia. Após isso, foram realizadas pesquisas, reuniões de pais,
de professores, para, juntos, chegarmos a uma temática central que
iria nortear o trabalho do ano. Chamávamos isso de “rede temática da
escola”. Dela, eram desmembrados todos os demais planejamentos e
conteúdos, ações que seriam necessárias para alcançar aquele objetivo
420
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

traçado. Afinal, para Freire (2005, p. 114), “investigar o tema gerador é


investigar, repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é inves-
tigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis.”
Esse momento foi muito desafiador, pois havia dúvidas e incer-
tezas se daria certo, se poderíamos usar as ideias desse autor para toda
uma rede. Porém, o que nos mantinha firmes na proposta era a certe-
za de que estávamos construindo algo diferente, junto com o coletivo,
com os pares, que todos estavam tendo vez e voz. E acreditávamos que
era isso que a teoria de Freire dizia, que poderíamos aprender uns com
os outros, construir e respeitar os diferentes saberes que tínhamos na
rede de ensino. Entretanto, isso não era fácil, pois muitos questiona-
mentos surgiam por parte das escolas, se aquilo daria certo, ou se seria
apenas mais uma experiência; por parte dos professores, questionavam
como fariam seu planejamento em sala de aula.
Adotamos, para o planejamento diário, a questão de utilizar os
“Três Momentos Pedagógicos” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PER-
NAMBUCO, 2011), os quais encontramos na literatura que se pau-
tava em Freire. Eles eram: 1) Problematização Inicial, que passamos a
chamar de Estudo da Realidade; 2) Organização do Conhecimento e
3) Aplicação do Conhecimento. Em nosso entender, isso fazia todo o
sentido; afinal, partir da realidade do aluno, da comunidade, era algo
que concordávamos que seria o ideal numa educação democrática, já
que não haveria mal-entendidos, que geralmente ocorre em relação a
isso, pois iríamos partir da realidade, para entendê-la e poder agir nela
e sobre ela e não para permanecer nela e aceitá-la. Nesse momento, o
professor concentra-se mais em questionar e problematizar esse conhe-
cimento, fomentar discussões e lançar dúvidas sobre o assunto do que
em responder ou fornecer explicações. O objetivo deste momento é
propiciar um distanciamento crítico do aluno ao se deparar com inter-
pretações das situações propostas pelo professor.
E a questão de organizar o conhecimento era o momento no qual
fazíamos tudo o que seria necessário para ter o entendimento da ques-
tão, da problemática, ou seja, era o momento do conteúdo, da discus-
são, da elaboração, da escrita, da produção dos saberes, da pesquisa,
dos exercícios. E a aplicação do conhecimento era o momento em que
se tinha como ação a verificação do que foi apresentado, se ocorreu a
421
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

aprendizagem, de propor algo, de retomada, de ação práticas, de ver


se tinha sido entendido o assunto abordado. É neste momento que os
alunos são instigados a empregar seus conhecimentos, e em que eles
poderão articular a conceituação científica com situações reais.
Enfim, recordo-me de que não foi fácil incorporar essa forma de
ver a organização da aula, mas, com o tempo, passei a utilizar isso para
organizar tudo, até mesmo os encontros com a escola, bem como as
reuniões. Afinal, esse momento de estudo da realidade seria justamente
o que faço para introduzir o assunto, para dar voz aos alunos, para saber
o que já conhecem sobre o que vai ser tratado, é a mensagem inicial,
é o questionamento inicial. Posteriormente, sim, tinha o assunto pro-
priamente a ser tratado. E para finalizar, era muito melhor ter o retorno
com uma palavra, uma ação traçada a ser efetivada, um combinado.
A vida teve algumas mudanças, e passei num concurso na rede
federal, por isso deixei de fazer parte desse grupo, mas o que percebi
é que, na minha prática, algo havia mudado. Eu havia incorporado os
conceitos freirianos, e , na minha sala de aula, sempre há a presença
do diálogo, do respeito pelo meu aluno como sujeito, do uso dos três
momentos pedagógicos para planejar minhas aulas. Era algo presente
mesmo em outro espaço educativo. E a certeza de que aquela forma de
construção da proposta pedagógica da escola, coletivamente, era a ideal,
permaneceu. Nesse momento de aprendizagem constante, pois somos
aprendizes nesta vida, estou podendo participar de discussões que en-
volvem a teoria de Freire e parece-me que mesmo diante de tantas di-
ficuldades, de tantos questionamentos, essa foi uma experiência muito
boa. Foi gratificante ter essa oportunidade de vivenciar os conceitos na
realidade, no coletivo. Penso em como sabia pouco diante da grandeza
de obras que se tem e me foram apresentadas por uma professora do
programa de doutorado, a qual admiro por todo conhecimento que
partilha conosco sobre esse grande homem que é Paulo Freire.

Saudades de todos, sua eterna colega,

Rosane da S. França L. Cavasin.

]Palavras-chave: Educação Infantil. Planejamento. Formação.


422
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. P.; PERNAMBUCO, M. M. C. A.
Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2011.

423
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM TEMPOS DE PANDEMIA:


UMA REFLEXÃO SOBRE A INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

Magali Regina Schumann


Instituto Federal Farroupilha - Campus Santo Augusto
magali.2018018205@aluno.iffar.edu.br

Beatris Gattermann
Instituto Federal Farroupilha
beatris.gattermann@iffarroupilha.edu.br

Instigadas pela possibilidade de escrita de uma carta pedagógica


para comunicar e refletir sobre a experiência do estágio supervisionado
em meio à pandemia de coronavírus, bem como estabelecer um diálogo
com o Patrono da Educação brasileira, Paulo Freire, nós nos desafiamos
a compor esta carta pedagógica endereçada a todos os licenciandos. A
experiência do estágio decorre do fato de eu ser acadêmica do Curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas (LCBio) do Instituto Federal Far-
roupilha Campus Santo Augusto, (IFFar Campus SA) – RS, e no ano de
2020, em meio à pandemia do novo coronavírus (COVID- 19), com as
aulas sendo desenvolvidas em formato remoto, encontrou-se o desafio
de realizar os primeiros estágios supervisionados (I e II). 
Aprendemos, por meio dos estudos do campo da Didática, que as
cartas pedagógicas são um legado de Paulo Freire à formação de educa-
dores, bem como um instrumento de (trans)formação docente. Sobre
as cartas pedagógicas, Ana Freire afirma que Paulo Freire escreveu “[...]
ensaios na forma de cartas, em que, sem negar as qualidades dos ensaios
tradicionais, optou por esta forma menos habitual por acreditar que os
textos assim redigidos são mais comunicadores” (FREIRE, A., 1994, p.
239). Ao encontro disso, Vieira (2010, p. 65) pontua que [...] referir-se
às cartas pedagógicas implica referir-se ao diálogo, um diálogo que as-
sume o caráter de rigor, na medida em que registra de modo ordenado a
reflexão e o pensamento; um diálogo que exercita a amorosidade.
425
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Com esse entendimento, nós nos colocamos no desafio de refletir


sobre a prática do estágio supervisionado. Segundo Freire (1996, p. 39)
“[...] o importante é que a reflexão seja um instrumento dinamizador
entre teoria e prática”. Nesse sentido, não basta pensar e refletir sobre a
prática, é preciso que tal reflexão provoque a transformação da ação do
educador. Nesse processo de reflexão e de diálogo, é preciso dizer que
as atividades letivas do ano de 2020 iniciaram com aulas presenciais. E
confesso que, como licencianda, estava muito empolgada com a possi-
bilidade de realização do primeiro estágio.
Para situar, o estágio I é um momento de interação com a escola,
de observação da turma com a qual será desenvolvido, posteriormente,
o estágio II, que é de regência. Com isso, envolvi-me com estudos, lei-
turas, planejamentos, estratégias de observação, imaginando o que iria
vivenciar em sala de aula, as relações que seriam possíveis de observar, as
atividades desenvolvidas pelo professor regente, entre outras. O primei-
ro contato com a escola havia sido realizado. Estava tudo organizado, e
as expectativas eram grandes.
Em meados do mês de março, o primeiro caso de COVID-19 foi
confirmado no Brasil. Logo o vírus se alastrou pelo país, resultando no
fechamento, inicialmente por 15 dias, de escolas e de estabelecimentos
de diferentes ramos. Todos estavam esperando as orientações das au-
toridades para voltar à rotina, porém, a orientação foi pela suspensão
das aulas presenciais por tempo indeterminado. Mas, e as escolas? E os
estágios? Essas dúvidas ainda não tinham respostas. 
Em 16 de Junho de 2020, foi publicada, pelo Ministério da Edu-
cação, a Portaria 544, na qual constava que as aulas presenciais seriam
substituídas por aulas remotas, orientava para a utilização de meios digi-
tais enquanto o país estiver em situação de pandemia. Desse modo, com
inúmeros desafios, as aulas foram retomadas de modo online. Os estágios
foram autorizados, sob a condição de que ocorressem por meios virtuais.
E agora? Com tudo planejado e organizado, o cenário mudou!
Em um primeiro momento, o sentimento de insegurança tomou es-
paço, e a dúvida de seguir ou não com o estágio estava posta.  Porém,
com a possibilidade de contribuir neste momento difícil da educação,
de estar aberto para aprender e vivenciar outras possibilidades, e assu-
mindo a condição de que educadores são eternos aprendizes, como nos
426
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ensina Paulo Freire, decidimos tomar o desafio do estágio como uma


experiência de aprendizagem. 
O estágio foi realizado com o oitavo ano do ensino fundamental,
em uma escola localizada na área rural do município de Santo Augusto
– RS. Grande parte dos alunos reside na zona rural, alguns com dificul-
dades de acesso à internet. Para estes, a alternativa que a escola encon-
trou foi disponibilizar as atividades e orientações de forma impressa, re-
tiradas semanalmente na escola pelos alunos ou pelos seus responsáveis.
Já para aqueles com acesso à internet, as aulas aconteceram de forma
online, por meio da plataforma Google Meet.
Na interação com os alunos, no meu primeiro estágio de regência
como licencianda de Ciências Biológicas, mesmo de forma virtual, logo
entendi o que Freire diz quando menciona que: “Não há docência sem
discência” (FREIRE, 1996, p. 11). Eu só era possível neste lugar de
estagiária porque os alunos estavam ali, e eu tinha para quem ensinar e
também com quem aprender, pois “quem forma se forma e reforma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE,
1996, p. 25). Destaco que esta reflexão contribuiu significativamente
no processo de minha iniciação à docência. Ela me levou a reafirmar a
concordância com a expressão de que “quem ensina aprende ao ensinar,
e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 25). E assim,
nesse processo dialógico, além de aprender a ensinar, também aprende-
mos com quem ensinamos. 
Embora o distanciamento social tenha se tornado uma barreira
para a interação entre alunos e educadores, as Tecnologias da Informa-
ção e Comunicação (TICs) amenizam a situação,  possibilitando ou-
tras formas de interação entre os envolvidos no processo de ensinar e
aprender. Desse modo, auxiliando nesse processo, Freire (1997, p. 55)
nos diz que: “A relação professor-aluno é fundamental no que tange ao
processo de ensino e aprendizagem, os diálogos, as interações, as trocas
têm relação direta com o aprender”. É possível afirmar, a partir da expe-
riência do estágio, que as interações são diferentes no formato remoto,
não sendo espontâneas como nas aulas presenciais. 
Mesmo diante das dificuldades, é perceptível que alunos e pro-
fessores vêm se dedicando para criar possibilidades para as aprendiza-
gens, indo ao encontro do que afirma Freire (1996, p. 47) que “ensi-
427
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua


produção ou a sua construção”. No estágio de observação, foi possível
identificar que os educadores buscam criar possibilidades para a cons-
trução do conhecimento, mediado pelas tecnologias. E foi acreditan-
do nessa perspectiva que desenvolvi o estágio de docência.
Como estagiária, posso dizer que foi uma experiência ímpar no
processo de iniciação à docência. Nessa curiosidade que me instiga,
busquei considerar cada aula, observada ou ministrada, como uma
oportunidade de aprendizagem, isso, pois, tenho clareza do meu esta-
do de constante aprendiz e que ensinar exige ter “[...] consciência do
inacabamento” (FREIRE, 1996, p. 55).  Com isso, eu me permiti vi-
venciar a experiência de estágio supervisionado em meio à pandemia,
pois tenho convicção de que: “[...] ninguém começa a ser educador
numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce edu-
cador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente
se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão
sobre a prática” (FREIRE, 1991, p. 58).
E ao final desta etapa, torna-se ainda mais evidente que nada
substitui a escola, as aulas presenciais, os professores, a interação entre
os sujeitos, a comunicação presencial. Após a pandemia não seremos
mais os mesmos, a escola não será mais a mesma, como será? Não sa-
bemos. Entretanto, como acadêmica e estagiária, posso dizer que estou
participando deste processo de transformação. E como tão bem nos
ensina Paulo Freire, aprendi que mesmo em situações difíceis, o senti-
mento de esperança precisa se fazer presente.

Abraços esperançosos!

Palavras-chave: Paulo Freire. Estágio Supervisionado. Aulas Remotas.

428
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, A. M. A. Notas; introdução. In: FREIRE, P. Cartas à Cristi-
na. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. Pp. 237-242.
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho d’Água, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1996. 
FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
VIEIRA, A. Cartas pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZIT-
KOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2010. Pp. 65-66.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ENTRE PRECES E DESABAFOS: UMA CARTA A PAULO FREIRE

Kátia Vielitz de Almeida


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
kva.ufrgs@gmail.com

Victória Jantsch Kroth


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
victoriajkroth@gmail.com

Entre Venâncio Aires e Viamão, entre os dias 2 e 4 de abril de 2021.

Querido tio Paulo,

É imensa a saudade que sentimos de ti agora. Nem nos teus


piores pesadelos, tu poderia imaginar o que está nos acontecendo, e é
difícil sonhar um futuro num momento de tanta incerteza. Procura-
mos refúgio em ti, nas tuas cartas, nos teus escritos, caçando pistas do
que fazer, de como esperançar em meio ao caos.
Não seria justo escrever para ti sem te contextualizar, anali-
sando criticamente os acontecimentos, afinal, muita coisa aconteceu
desde a tua partida, mas já adiantamos que o cenário não é muito
animador. Hoje é 2 de abril, um dia depois da ditadura militar no
Brasil completar 57 anos. Neste momento, estamos sendo atravessa-
dos por outro número, tristemente importante: 325.000, 325 mil,
trezentos e vinte e cinco mil!
Chegamos a 325 mil pessoas mortas pelo coronavírus; 325 mil
vidas foram interrompidas. Estamos, há mais de um ano, vivendo
uma pandemia de um vírus que se espalhou por todo o planeta e
segue nos afetando diariamente, modificando totalmente o mundo
como conhecíamos até então. A situação agora é de guerra: há hospi-
tais lotados, há esgotamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos
431
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

profissionais, há pessoas morrendo por falta de leitos, medicamentos


e equipamentos. Tu nos acalenta e aconselha lembrando:

A experiência do luto, que resulta da morte, só é váli-


da quando se expressa através da luta pela vida. Viver
o luto com maturidade é assumir a tensão entre a
desesperação provocada pela perda e a esperança na
reinvenção de nós mesmos. Ninguém que sofre per-
da substantiva continua a ser o mesmo. A reinvenção
é uma exigência da vida (FREIRE, 2003, p. 107).

Tu continua fazendo revolução por aqui, os reacionários tremem


de medo ao ouvir teu nome. Como presidente, temos um homem que
te detesta, te difama, é irresponsável e autoritário. O único traço verda-
deiro de sua personalidade é o da perversão, é um legítimo genocida.
Em meio a uma pandemia, ele declara: “É só uma gripezinha”, incen-
tiva tratamentos comprovadamente ineficazes e perigosos e dificulta a
compra das vacinas, criando desconfiança na população, fazendo cam-
panha contra a ciência. “E daí?” ele rebate, quando questionado sobre o
número crescente de brasileiros mortos.
Como isso aconteceu? Como chegamos neste ponto? Foram
muitos fatores, mas alguns dos mais desestabilizadores aconteceram
em 2016, quando começamos a estudar na faculdade de Pedagogia
da UFRGS. Nossa jovem democracia levou um golpe, promovido
e incentivado pelas elites brasileiras. A presidenta Dilma sofreu um
processo de impeachment no seu segundo mandato; o ex-presidente
Lula foi preso, condenado num processo da Lava-Jato, que prometia
limpar a corrupção do país. O juiz que condenou o Lula depois vi-
rou ministro da justiça do governo Bolsonaro, nosso atual presidente.
Mesmo assim, muitas pessoas parecem cegas, negando os fatos, fugin-
do da realidade… é tão difícil de encarar a verdade que há quem acre-
dite, inclusive, que a terra é plana! Não contentes com esse absurdo,
também desejam a volta da ditadura militar! Como tu bem disse, no
livro Cartas a Cristina: “O Estado esfacela-se à nossa vista. A impuni-
dade é um dos sintomas e uma das causas” (FREIRE, 2003, p. 158).
A história é longa, Paulo, cheia de detalhes sórdidos, mas o que
importa é que o mundo segue girando, dando suas voltas, e apesar dos
432
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tempos sinistros, sabemos que ele é redondo e por isso seguimos ca-
çando brechas para resistir. A justiça e a verdade hão de reinar sempre,
e cada um terá que carregar o fardo da marca que deixará na história.
Há menos de um mês, o processo contra o Lula foi anulado e o juiz
do caso foi condenado suspeito. Seguimos lutando por mais doses de
vacina e de esperança.
No estado de gravidade em que estamos, com a taxa de mortes
flutuando numa média superior a dois mil por dia, o meio mais eficaz
para conter o avanço da pandemia é o isolamento social. Ano passado,
por volta do dia 15 de março de 2020, entramos em quarentena e tudo
parou, o medo tomou conta. Escolas, universidades, restaurantes, ba-
res, lojas, indústrias, fábricas, tudo fechou, e fomos nos adaptando de
acordo com o novo contexto. Alguns conseguiram continuar em traba-
lho remoto, fazendo reuniões virtuais; a educação passou a ser online.
Quando pensaríamos que as aulas seriam assim: pelas telas, sem o con-
tato, sem o olho no olho? Agora é olho na tela. Esse olho na tela acabou
escancarando ainda mais as desigualdades sociais: e quem não tem tela,
nem internet? E quem nem está em isolamento? Quem parou? Quem
pode parar? Quem não pode parar? Todos aconselham: “Fique em casa!
Lave as mãos.” E quem não tem casa? E quem não tem saneamento básico?
E quem não tem o que comer?
E assim a distância entre quem tem e quem não tem aumenta
ainda mais. Depois de um ano nesse regime, já estamos exaustos, e se no
começo o medo era de ser contaminado pelo vírus, hoje, os medos são
outros. Muita gente desempregada acaba se expondo nas ruas em busca
de trabalho. Máscara e álcool gel passaram a ser armamento e escudo; e
a guerra é contra a fome. Para alguns, parece inconcebível ficar em casa
no meio de uma crise sanitária e econômica, mas isso só parece tão im-
possível porque não existe a garantia de apoio e de proteção do Estado,
que nega o dever de garantir os direitos básicos de todo o cidadão.
Testemunhamos uma necropolítica cada vez mais feroz. A prin-
cipal preocupação é com a retomada da economia, independente de
quantas vidas isso possa custar. Mesmo neste cenário de calamidade
pública, o discurso da meritocracia segue funcionando a todo vapor.
Grandes parcelas da população tem se posicionado contra o lockdown.
E ainda ouvimos por aí: “Quem quer corre atrás!”. Mas e quem não
433
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pode correr? Quem tem as portas fechadas por questões como raça,
gênero e classe social? Saímos de pontos diferentes para essa corrida.
Perceber a diversidade dos pontos de partida é fundamental. O
primeiro passo para a transformação, pessoal e social, é pensar criti-
camente sobre quem somos, nossa identidade, onde estamos, o que
fazemos, os lugares que ocupamos. A tomada de consciência é um
passo fundamental para a transformação, mas não o único. É preci-
so consciência, ação e reflexão juntas. Outra grande referência - bell
hooks - já nos disse:

Repetidamente Freire tem de lembrar aos leitores


que ele nunca falou da conscientização como um
fim em si, mas sempre na medida em que se soma
a uma práxis significativa. Gosto quando ele fala
da necessidade de tornar real na prática o que já
sabemos na consciência (HOOKS, 2011, p. 68).

E por falar em tornar real a consciência, voltemos à realidade:


muitas escolas lutando para seguirem abertas – ou reabrirem – em meio
ao pior momento da pandemia. E com isso, cabe a nós, pedagogas, per-
guntar: por que e para que abrir as escolas justamente agora? Para além
das consequências para o desenvolvimento das crianças, é preciso pensar
nas professoras enquanto seres humanos que estão se colocando em risco.
Lutar por manter as escolas fechadas tem uma implicação ética e política
que será decisiva neste contexto pelo qual estamos atravessando, porque
enquanto sujeitos históricos temos o poder de mudar o rumo desta crise
e o direito de resistir ao projeto de manutenção deste sistema doentio que
se preocupa mais com o lucro do que com a saúde pública.
Enquanto pedagogas que transitam por outros espaços além da es-
cola, principalmente de saúde, e têm experiência em equipes multiprofis-
sionais, também questionamos: e se a escola construísse canais de diálogo
com os serviços de saúde pública, assistência social e com o setor cultural?
O trabalho interdisciplinar e multiprofissional possibilita novos olhares,
tanto sobre o que nos é comum quanto sobre o que nos diferencia. Acre-
ditamos que, assim, o trabalho poderia ser mais efetivo para reconhecer
as demandas específicas de cada território e atendê-las, e, com isso, forta-
lecer as redes que trabalham na garantia de direitos sociais.
434
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Entre incertezas, questionamentos e lutas, nesse tempo de caos


pandêmico, seguimos lutando, indignadas e defendendo uma educação
para a liberdade e emancipação. Entretanto, antes de tudo, defendendo
a vida! Em cada luta, vamos, assim como bell hooks (2011), construin-
do nossa identidade na resistência! E fazemos isso de mãos dadas, enco-
rajadas por saber que outras e outros resistem há muito mais tempo do
que nós. Nós nos emocionamos ao ler e saber que você, Paulo, e bell,
são nossos ancestrais nessa luta e que ainda seguimos juntes nela!
Sabemos que vocês se encontraram em vida e pensamos muito
em como seria um encontro nosso, com vocês, tomando um suco na
nossa lancheria preferida. Sonhemos com esse encontro, e, enquanto ele
não chega, seguimos nos encontrando nas lutas!

Um abraço cheio de gratidão e admiração, de duas pedagogas


rebeldes em busca de serem radicalmente revolucionárias.

Palavras-chave: Conscientização. Indignação. Denúncia.

435
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre a minha vida e minha
práxis. São Paulo: Unesp, 2003.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática de
liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

436
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

LEITURAS DO MUNDO E DE PAULO FREIRE SOBRE


HUMANIZAÇÃO: UMA CARTA PEDAGÓGICA PARA MANUELA

Jonas Hendler da Paz


jh.dapaz@gmail.com

Maria Julieta Abba


Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos
julietaa@unisinos.br

Picada Café, 02 de abril de 2021.

Às crianças que lutam para viver, lutam para dizer a sua palavra,
denunciam a dura realidade e anunciam a esperança em sua luta
cotidiana.
Aos jovens, adultos e velhos que lutam pelo reconhecimento das
crianças como seres humanos, seres que, na sua vocação ontológica de
ser mais, fazem a história:

Nós não temos uma casa grande, nossos pais não


tem carro bonito, nossa mãe não tem a mão lisa,
nossos pais têm o rosto queimado pelo sol e a mão
calejada de tanto trabalhar, nós andamos de pés no
chão, mas mesmo assim nos orgulhamos por ser-
mos organizados; por nossos pais não serem covar-
des; por nossas mães estarem juntas na luta e por
nós, crianças, nos sentirmos filhos da terra, sem
medo de dizer: somos Trabalhadores Sem Terra e
queremos garantir nosso futuro, queremos garantir
o futuro de nosso país (Manifesto dos Sem Terri-
nha ao Povo Brasileiro, São Paulo, 1996).

Hoje, se comemora o Dia Internacional do Livro Infantil. E


ontem fez 57 anos do golpe civil-militar de 1964 no Brasil, que não

437
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

se comemora, contudo deve ser lembrado para que NUNCA MAIS!


aconteça. Nele, as crianças e os adolescentes também foram visados e
vigiados, vítimas da violência do Estado, sendo até sequestrados, presos,
torturados, mortos e/ou usados na tortura contra seus pais1.
Foi um tempo violento que também fez Paulo Freire e sua família
sofrerem por lutar pelos sonhos de um outro mundo, um mundo onde
as pessoas pudessem se compreender capazes de lutar por sua história,
pela transformação da realidade, pela liberdade.
Nascemos na América Latina, numa década que ainda se encontra-
va atravessada pela ditadura, no Brasil e na Argentina. E as marcas dela
continuaram mesmo depois de seu fim. Marcas na educação, por meio
das perspectivas disciplinares e dos currículos com conteúdos marcados
pela impronta militar. Marcas nas mentiras e nos silenciamentos que pro-
curaram apagar a verdade e difundir, para a população, um suposto avan-
ço e nacionalismo. Entretanto, no fundo, o capital internacional pôde
instalar as bases para o neoliberalismo e a globalização capitalista.
Talvez a compreensão das causas que levaram à eleição de um
presidente “sem coração” e responsável por uma política genocida no
Brasil, em meio a uma pandemia global, e que, por isso, somente hoje,
tivemos mais de 70 mil novos casos e aproximadamente 3 mil mortes2,
só possam ser pensadas se considerarmos também esse terrível período
de nossa história e seus efeitos.
Contamos isso porque nossa filha, que tem o nome inspirado na
revolucionária latino-americana Manuela Sáenz, veio ao mundo neste
contexto, em plena pandemia, em maio de 2020. É ela quem nos inspira
a pensar esta carta pedagógica e seu objetivo: refletir sobre a humanização
e a desumanização no tempo presente. Freire, no texto “Liberdade cultu-
ral na América Latina”, ao pensar o homem (e a mulher) e suas ações no e
com o mundo contrapondo aos animais, salienta que o homem:

[...] é consciente de sua atividade e do mundo no


qual ele vive. Ele age em função da realização de

1 Mais informações sobre como as crianças foram atingidas pela ditadura pode se
consultar em “Direitos à memória e à verdade: história de meninas e meninos marca-
dos pela ditadura” (Brasil, 2009) e “Identidad, Despojo y Restitución” (HERRERA;
TENEMBAUM, 2007), sobre o caso na Argentina.
2 Fonte: El País, ver Brasil (2021).
438
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

objetivos que ele propõe a si mesmo e a outros.


Pelo fato de ter o lócus de decisão dentro de si, nas
suas relações com o mundo, ele é capaz de “sepa-
rar-se” do mundo e ao “separar-se” ele é capaz de
permanecer nele. O homem, diferente do animal,
não apenas vive, mas existe, e sua existência é his-
tórica. Se a vida do animal é vivida num ambien-
te-suporte atemporal, pesado e opaco, a existência
humana ocorre em um mundo que ele constante-
mente recria (FREIRE, 2010, p. 336).

Freire vai expressando uma compreensão sobre o homem e a mu-


lher como seres conscientes, históricos e culturais, que são capazes de
transformar, significar e comunicar o mundo onde vivem e sua ação
nele. Ou seja, a sua consciência , que na relação dialética com o mundo,
ao trabalhar, ao agir sobre o mundo, os transforma, os significa, os hu-
maniza e constrói a história e a cultura, também os faz homem e mulher
e os diferencia do animal.
Contudo, a palavra humanização tem virado uma espécie de moda,
sobretudo na área da saúde, e maior visibilidade no que se refere ao parto.
Porém, na materialidade dos fatos, sua radicalidade pode ser vinculada à
mercantilização da saúde e da vida. A imagem vendida pode ser descri-
ta como se fosse um pincel que, ao tocar uma superfície, transformasse
completamente a materialidade. Quando decidimos ter a Manuela, a pri-
meira palavra que apareceu nas buscas que realizamos para a escolha de
obstetra, hospital, etc. foi: “Parto Humanizado’’. E aí vieram as primeiras
perguntas: Por que se coloca esse adjetivo? Todos os partos não deveriam
ser humanizados? Por que a área da saúde, um direito humano, que de-
veria prezar pela vida e pela promoção da saúde, tem que ser humanizada
desde o acolhimento aos demais procedimentos?
O ser humano, desde muito cedo, está em diálogo com o mundo,
na história da mãe e do pai que se constituíram enquanto sujeitos de
ação no mundo, desde embrião, quando os sentimentos da mãe e as
suas experiências, seu desejo, vão ajudar a definir as possibilidades da
gravidez se efetivar com a fixação na parede uterina. E continuarão no
seu desenvolvimento, em seu nascimento e ao longo da vida. O nasci-
mento, aprender a respirar, ouvir, enxergar, mamar, comunicar. É um
439
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

esforço constante, mas que, também, na interação com o mundo, vai


aprendendo a admirá-lo, significá-lo, compreendê-lo. Assim, possibilita
a tomada de consciência no mundo em que vive e também na consciên-
cia de si e de seus desejos e, por meio de sua ação, vai construindo, num
processo dialógico com o mundo, a cultura e a história.
Entretanto, em um mundo onde a saúde pública é cada vez mais
mercantilizada e atacada, onde o ser humano é explorado e oprimido ao
desejo do capital, onde o médico, influenciado por uma ciência positi-
vista em relação com a mercantilização, violenta e desrespeita a mulher,
o pai e a criança, realizando cesárias para sua conveniência e criando
situações completamente antiéticas sem o respeito e o consentimento
consciente dos pacientes. Isso para citar algumas situações contra as
quais lutamos para que não ocorressem com a Manuela.
Os desafios são diários, desde encontrar uma literatura infantil
que não difunda o patriarcalismo, o machismo, o preconceito racial, a
LGBTfobia e outros, até criar a Manuela em um sentido mais amplo
de família e de sociedade. Isso é devido ao contexto de pandemia que
exacerbou o individualismo e, por conta disso, fomos obrigados a nos
isolar e evitar o contato físico com as pessoas, mas inspirados na luta da-
queles que, como os Sem Terrinha, vem lutando por um outro mundo
possível, plantando de maneira a respeitar e cultivar a terra, a água e os
sujeitos que vivem e que viverão. Lutar por terra, por teto, pelos direitos
humanos e contra políticas necrófilas. Há esperança! Ela é construída
na luta contra a opressão! Essa esperança move a humanidade e amplia
sua possibilidade de construção e de alargamento.

Palavras-chave: Humanização-Desumanização. Criança. Maternida-


de-Paternidade.

440
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL TEVE 2.922 NOVOS ÓBITOS PELO NOVO CORONA-
VÍRUS NESTA SEXTA-FEIRA. In: EL PAÍS, Brasil, Notícias sobre co-
vid-19, São Paulo/Brasília. Disponível em: https://brasil.elpais.com/bra-
sil/2021-04-02/noticias-sobre-covid-19-e-a-crise-politica-ao-vivo.html.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos
Humanos. Direito à Memória e à Verdade: histórias de meninas e
meninos marcados pela ditadura. Brasília: Secretaria Especial dos Di-
reitos Humanos, 2009.
FREIRE, P. Liberdade cultural na América Latina. Tradução de Dani-
lo Romeu Streck. In: STRECK, D. R. (Org.). Fontes da Pedagogia
latino-americana: uma antologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
Pp. 333-345.

441
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

VOZES DE MULHERES: DIÁLOGOS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Naraina Zerwes Gentil


Universidade Federal do Rio Grande
narainagentil@furg.br

Débora Medeiros do Amaral


Universidade Federal do Rio Grande
deboraamaral@furg.br

Lilian da Silva Ney


Universidade Federal do Rio Grande
liliansney@gmail.com

Nossa proposta envolve música e poesia, as quais são com-


partilhadas em uma tela virtual, na modalidade vídeo, que são os
encontros que esses dias de Pandemia, provocada pela COVID-19,
nos permite. Assim, nosso objetivo é compartilhar poesias que res-
soam vozes de mulheres, em suas trajetórias de luta e resistência, de
transformação e de empoderamento feminino. Apresentaremos três
poesias acompanhadas de músicas que dialogam com histórias de
mulheres. As poesias são de autoria de Lilian da Silva Ney, mulher,
mãe, feminista, educadora e poeta. As músicas serão apresentadas
por Débora Amaral, que é uma brincante musical. A tradutora in-
térprete de sinais Naraina Zerwes Gentil fará a comunicação ges-
tual-visual, que compreende a Língua Brasileira de Sinais, Libras,
língua materna da comunidade surda, rompendo com os preceitos
da língua dominante, como única possível. Assumir esse compro-
misso é defender uma postura ética e política de se pensar com e
não para o outro. Chamamos para a conversa, para a partilha, para
a escuta atenta, compreendendo essas expressões e linguagens como
potentes estratégias de lutas e desejos por um mundo mais equita-
443
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tivo, rompendo com processos colonialistas e de opressão, tão pre-


sentes em nossos cotidianos. Assim, como em um círculo de cultura
freiriano (FREIRE, 2020), abriremos o diálogo que ecoará de forma
atemporal, presente nas redes sociais, promovendo e provocando
outras práxis pedagógicas em diálogo com nossas vozes.

Palavras-chave: Educação. Cultura. Mulheres Empoderadas.

Referências
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 2020.

444
CAPÍTULO 6

PEDAGOGIA DA ESPERANÇA: UM REENCONTRO


COM A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A HUMANIZAÇÃO


E O CUIDADO EM SAÚDE

Franciéli Aline Conte


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
francieli.conte@ufrgs.br

Isaura Isabel Conte


Universidade Federal de Rondônia
isaura.conte@unir.br

Johannes Doll
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
johannes.ufrgs@gmail.com

Paulo Freire foi e tem sido um dos maiores referenciais do campo


educacional brasileiro e mundial quando se trata da discussão da huma-
nização e do cuidado para com o ser humano, o qual é tratado sempre
como inacabado e com capacidade de aprender sempre. Neste debate,
podemos citar ao menos as obras Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da
Autonomia. Desse modo, ainda que Freire não as tenha escrito direta-
mente voltadas à área da saúde, estudos do campo de educação popular
e saúde, ou educação popular em saúde, autores e autoras dessa temá-
tica interdisciplinar o utilizam como sendo um dos seus principais teó-
ricos. Este texto, ainda que um breve ensaio, vai nessa mesma direção.
A ciência tem evoluído muito ao longo das últimas décadas, in-
clusive com a criação de diversos campos do saber, que, por sua vez,
foram sendo separados e enquadrados em especialidades. O campo da
saúde, por exemplo, no imaginário social, ainda é centrado na figura
do médico e no modelo biomédico, baseado principalmente em pres-
crições, preocupado com os órgãos doentes, favorecendo um modelo
de assistência tecnicista e fragmentado, baseado no avanço tecnológico
e nas especializações excessivas (RONZANI, RIBEIRO, 2003), com
447
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pouca escuta e diálogo precário. Essa tem sido uma realidade por mui-
tas décadas, e apesar de, nos últimos 20 anos, o sistema de saúde pública
no Brasil ter sido repensado, ainda há grandes desafio, entre eles:

Deficiência na formação dos profissionais de saúde,


ainda muito centrada em práticas curativas e hos-
pitalares, com consequente dificuldade de desen-
volvimento de práticas mais integrais e resolutivas
de cuidado, incluindo a capacidade de trabalhar
em equipe, implementar atividades de promoção e
prevenção em saúde e ter uma postura mais ética e
cuidadora dos usuários do SUS (REIS; ARAÚJO;
CECÍLIO, 2011, p. 14).

As questões mencionadas são alguns dos problemas enfrentados


na atualidade, e apesar da ciência e da tecnologia estarem evoluindo
tecnicamente de uma forma gigantesca, o investimento em uma forma-
ção humanizante, com relação aos profissionais da saúde, ainda possui
lacunas. Mediante essa afirmação, este ensaio visa problematizar a for-
mação na área da saúde e, para tanto, tomamos, como foco, a formação
dos profissionais da área da saúde e os estudos freirianos.
Assim, partimos também de críticas de ambos os lados: Freire,
por parte de sectaristas e positivistas, é acusado de ser “um romântico”
da educação ou um educador-político-ideológico, mas ele mesmo ad-
mite o cunho político e a não neutralidade das suas escritas e dos seus
pensamentos. De outro lado, colocamos o status médico e a medicina
como uma ciência maior e pouco acessível aos filhos e às filhas da classe
trabalhadora empobrecida.
Trazendo Freire (1987) para esse diálogo, de pronto, suas concep-
ções são de denúncia das elites que se apropriam de bens (materiais e
imateriais) para “serem mais” em detrimento do “ser menos” das gentes,
em relação às quais demonstram nojo e repulsa. Segundo Freire, esse
fosso social e cultural produzido (pelas elites) leva à desumanização,
tanto de si – como classe opressora – como dos pobres, que são negados
e jogados à própria sorte, tidos, então, como não dignos de participa-
rem do acesso aos bens e serviços, inclusive o acesso a direitos funda-
mentais, garantidos em Lei, para todos os seres humanos.

448
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A partir desse ponto de vista, percebe-se a dicotomia humaniza-


ção versus desumanização. E é aí que Freire defende que é preciso um
olhar cuidadoso para aqueles que têm sua humanidade roubada. Ainda
nessa mesma dimensão, Freire é enfático em descrever as elites como
violentas e inauguradoras do ódio, conforme suas descrições em Peda-
gogia do Oprimido. Em contrapartida, em Pedagogia da Autonomia, de-
fende a ética que leva em consideração a negação à que os pobres foram
submetidos. Diante dessa negação histórica no Brasil, que foi formado
com profundas desigualdades entre classes e entre raças/etnias, além de
gêneros, para a população e os povos que não têm condições de pagar
por atendimento médico, foi criado o sistema Único de Saúde (SUS),
referendado na Constituição Federal de 1988.
O SUS é a maior política de inclusão social do Brasil e do Mun-
do, atendendo a mais de dois milhões de internações/ano; cerca de 15
mil transplantes de órgãos; 170 milhões de consultas, entre outras as-
sistências. Compreender essas questões mostra que precisamos, além
de apoiar o Sistema Único, trabalhar em uma perspectiva solidária,
aprender novas metodologias que olhem atentamente para as classes
populares e os setores discriminados (como o grupo LGBT), que são,
em grande maioria, totalmente dependentes do SUS. Mesmo assim, o
SUS é uma política e, nesse momento, está sendo sucateada por parte
do governo federal com a diminuição de recursos, de estrutura e de
profissionais, sendo insuficiente para garantir o acesso a ele para as pes-
soas em vulnerabilidade social. Entretanto, ainda é uma ferramenta ex-
tremamente importante e precisa ser potencializada, motivo pelo qual
os profissionais que atendem nesse Sistema não podem ter uma lógica
como a das elites.
A formação da área da saúde já tem sido problematizada por mui-
tos(as) autores(as), entre elas Pulga Daron (2009, p. 7), que menciona
ser necessário “pensar a saúde a partir da dinâmica complexa da vida” e
de modo centrado na vida e no cuidado com os sujeitos a partir do aco-
lhimento, afeto, respeito às diferenças. Essas práticas “são construtoras
de um novo jeito de fazer saúde, de cuidar da vida e do ambiente”. Para
que seja possível trabalhar em tal perspectiva, os profissionais devem ser
formados e orientados sob a ética de educação e de formação defendida
por Freire, chamada de educação crítica, ou educação libertadora.
449
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para Lopes e Tocantins (2012, p. 241), a educação crítica possibi-


lita aos sujeitos “pensar, agir e questionar criticamente e intervir criati-
vamente na realidade social”. Ainda na visão das autoras, é a “formação
crítica de saberes e práticas que poderá contribuir para a integridade da
humanidade na perspectiva de uma melhor qualidade de vida, o que
reforça a necessidade da educação crítica no campo da Promoção da
Saúde”, que só terá valor, sob o ponto de vista da educação, segundo as
autoras, se o trabalho de ensino-aprendizagem for ressignificado para o
contexto em que vivem os indivíduos.
Conforme podemos perceber, várias áreas do conhecimento con-
seguem dialogar e trazer reflexões importantes à sociedade a partir de
Freire, pois ele defende uma educação humanizadora e problematizado-
ra, que leva a pensar sobre o que está ocorrendo na sociedade em deter-
minado momento. Nesse sentido, humanização e cuidado são tomados
em seus sentidos profundos – não tendo como ser raso – pois, desde
uma perspectiva freiriana, os “demitidos do mundo” são levados a per-
ceber o que os fez estar em tal condição e que, ao necessitarem do SUS,
precisam entender que esse Sistema não pode ser migalha e nem mesmo
um favor. O cuidado e a humanização defendidos por Freire vão na
direção de qualquer usuário do SUS ser tratado de forma humanizada,
simplesmente porque é gente e, desse modo, não pode haver distinção
entre A ou B, ou prevalecer a ideia de que o governo, independente-
mente de esfera e de seus secretários e profissionais, “me concede algo”.
O SUS é público, portanto, pago pelo povo, que merece respeito e o
melhor tratamento possível.

Palavras-chave: Educação. Saúde. Humanização do Cuidado.

450
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
LOPES, R.; TOCANTINS, F. R. Promoção da saúde e a educação crí-
tica. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 16, n. 40, pp.
235-46, 2012.
PULGA DARON, V. L. A dimensão educativa da luta por saúde no
movimento de mulheres camponesas e os desafios político-pedagógicos
para a educação popular em saúde. Caderno Cedes, v. 29, n. 79, pp.
387-399, 2009.
REIS, D. O.; ARAÚJO, E. C.; CECÍLIO, L. C. O. Políticas públicas de
saúde: Sistema Único de Saúde-UNA-SUS. São Paulo: UNIFESP, 2011.
RONZANI, T. M.; RIBEIRO, M. S. Identidade e formação profissio-
nal dos médicos. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 27, n. 3,
pp. 229-236, 2003.

451
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESTUDO DOS COMPONENTES CURRICULARES NO CURSO DE


NUTRIÇÃO ACERCA DAS DISCIPLINAS DE EDUCAÇÃO
E DE AGROECOLOGIA

Franciéli Aline Conte


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
francieliconte@yahoo.com.br

Daisy Peres Godoy


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
daisy.godoy@UFRGS.br

Johannes Doll
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
johannes.ufrgs@gmail.com

Os cursos da saúde nascem dentro dos hospitais e, por conse-


quência, são oriundos de um modelo de ensino biomédico e prescriti-
vo, centrado no cuidado médico e preocupado com os órgãos doentes,
favorecendo um modelo de assistência técnica e ensino fragmentado,
baseado no avanço tecnológico e nas especializações excessivas (RON-
ZANI, RIBEIRO, 2003). Apesar da sua função primordial, as especia-
lizações centram os conhecimentos em um sentido único e olham-nos
sob a ótica racional da ciência, deixando de lado a subjetividade, os
sentimentos, o acolhimento, a escuta.
As técnicas, os métodos e os conhecimentos científicos seguem pres-
crições, tratamentos e protocolos, que apesar de importantes, não deixam
espaço para o trabalho de prevenção, para os saberes milenares sobre ali-
mentos e chás medicinais, ou mesmo outros saberes. A ciência predomina
de tal forma que, nas áreas de humanidades, pouco há espaço nas discipli-
nas curriculares, ou mesmo outros campos, como a Agroecologia.
Elencar disciplinas humanizantes na área da saúde certamente não
é algo fácil, tendo em vista a complexidade e as distinções de ambas as
áreas, bem como as barreiras para compreender e trabalhar, de modo ar-
453
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ticulado e aprofundado (transdisciplinar), a área da educação dentro do


campo da saúde, cujo currículo valoriza dados estatísticos, estudos quan-
titativos e pesquisas clínico-biológicas. Apesar desses desafios, existe um
movimento para mudar esse cenário que, por sua vez, é ainda confuso e
conflituoso, tendo em vista que, por muito tempo, trabalhou-se a edu-
cação de modo instrumentalizado e vertical, em que se realizava a trans-
missão de conhecimentos técnicos à população leiga (FALKENBERG
et AL., 2014). Contudo, a educação na saúde consiste na “produção e
sistematização de conhecimentos relativos à formação e ao desenvolvi-
mento para a atuação em saúde, envolvendo práticas de ensino, diretrizes
didáticas e orientação curricular” (BRASIL, 2009, p. 22).
Na saúde, o trabalho de Educação Alimentar e Nutricional, por
exemplo, é um campo transdisciplinar, multissetorial e multiprofissio-
nal que trabalha, ou pelo menos deveria trabalhar e se apropriar de
conhecimentos mínimos a respeito da Educação e da Agroecologia.
A Agroecologia é uma ciência que é fruto da união dos conhe-
cimentos científicos e dos conhecimentos de povos tradicionais (CAL-
DART et AL., 2012). Esse conceito está ligado desde o modo de pro-
dução até as questões relativas à educação alimentar e ambiental. Sendo
assim, é de suma importância que essas disciplinas que abordam alguns
conceitos de Agroecologia estejam incluídas no componente curricular
dos cursos de saúde no Brasil. Nesse sentido, este estudo teve por objetivo
avaliar os componentes curriculares do curso de Nutrição das principais
universidades federais do Brasil em relação à presença ou à abordagem de
matérias e/ou de autores da área da Educação e da Agroecologia.
Foi realizada a avaliação de 21 universidades, estando entre elas:
UFRGS, UFSCPA, UFSM, UNIPAMPA, UFPEL, UFSC, UFPR,
UNIFESP, UFRJ, UFMT, UFMG, UFBA, UNB, UFS, UFT, UFPI,
UFPE, UFAC, UFRN, UFES e UFMA. A escolha das universidades
ocorreu por intermédio da relação das principais universidades Federais
do Brasil que possuem curso de Nutrição. Os cursos foram avaliados
quanto ao fornecimento de matérias que envolvessem a disciplina de
Educação Alimentar (EA) ou Educação Nutricional (EN) ou Educação
Alimentar e Nutricional (EAN), bem como a respeito de matérias que
possuíssem relação com Educação e Agroecologia, sendo avaliado o nú-
mero de horas investido, se eram obrigatórias ou eletivas a presença ou
454
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

não de autores da área da educação nas bibliografias da Ementa ou do


Plano Curricular quando necessário. Em alguns cursos, não foi possível
ter acesso à Ementa ou a informações complementares sobre as discipli-
nas, em especial, entre as eletivas.
Pode ser verificado que entre as universidades que fornecem a
matéria de EAN ou EN ou EA, isso tem sido uma obrigatoriedade em
todos os cursos de nutrição, contudo, matérias específicas de Agroe-
cologia não foram encontradas nos cursos das universidades avaliadas.
Quanto ao número de horas investidas nas disciplinas que envolvem
EAN, elas variam entre 30 e 105 horas, com destaque para a UFPR
e UFPI (75 horas), UFBA (85 horas), UFCSPA e UFES (90 horas) e
UFRN (105 horas).
Dentre todas as disciplinas envolvendo EAN, nove delas se preo-
cuparam em trazer aspectos da área da Educação. Em seis disciplinas,
foram utilizadas obras das pesquisadoras Franco e Boog, que abordam,
em seu aporte teórico, as premissas e as metodologias de Paulo Freire.
Entretanto, em quatro das disciplinas de EAN e em três disciplinas
envolvendo educação e saúde, não foi trazido nenhum autor da área
da Educação. Além disso, 17 das disciplinas não disponibilizaram as
bibliografias das matérias em suas ementas ou em seu Projeto Pedagó-
gico (PP). Entre todos os cursos avaliados, apenas três deles utilizaram,
de modo mais amplo, obras de autores da Educação: UFRN, UNB
e UFPE. Observou-se, ainda, que, embora em pequeno número, os
professores têm trabalhado com diversos autores da educação, entre eles
Álvaro Vieira Pinto, Carlos Brandão, Lev Vygotsky, Oscar Jara, Rosile-
ne H. Tavares, Paulo Freire e suas diversas obras.
A análise dos componentes do currículo do curso de nutrição
possibilitou-nos enxergar que, em alguns cursos e matérias, houve a
menção a questões pedagógicas e da educação, trazendo, com isso, pers-
pectivas metodológicas humanizadoras; contudo, por vezes, não foram
identificadas bibliografias da área da Educação nas referências. Nessa
perspectiva, Franco e Boog (2007), ao realizarem uma pesquisa com
professores do curso de nutrição, analisaram criticamente “as diversas
concepções que professores da disciplina educação nutricional têm de
atividade prática e como entendem a relação teoria-prática”. Franco e
Boog (2007) perceberam “incoerência entre teoria e prática”, visto que
455
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

algumas docentes consideravam que as atividades práticas eram sufi-


cientes para a formação dos alunos. Elas ainda observaram que os do-
centes não buscavam fundamentação teórica nas áreas humanas e so-
ciais, o que implica em uma relação desarticulada entre teoria e prática.
Freire (2003) sempre defendeu uma escola viva, com alunos ati-
vos e, principalmente, uma educação descentralizada, pautada na reali-
dade cultural e local, também diversificada e na qual deve existir o sen-
tido do trabalho coletivo, de equipe, que prepara para a solidariedade
(FREIRE, 2003). Nesse sentido, devemos pensar também a educação
nas universidades, nos cursos da saúde e da agronomia, bem como re-
pensar o trabalho que fazemos enquanto profissionais diante dos grupos
que, mais frequentemente, são realizados em um sentido vertical, em
que o(a) nutricionista fala e os “pacientes” escutam.
Para além dessa problemática, não podemos deixar de mencionar
a importância dos conhecimentos Agroecológicos que diretamente estão
ligados à saúde e à educação, que têm sido, aos poucos, dizimados pelas
grandes tecnologias e pelos pacotes tecnológicos, perdendo-se hábitos,
como a troca e o resgate de sementes tradicionais. A segurança e a sobe-
rania alimentar estão se tornando cada vez mais restritas, dificultando a
educação nutricional diversa e local. Sendo assim, analisando os currícu-
los das universidades, observou-se que existem disciplinas que podem vir
a discutir alguns conceitos sobre Agroecologia, tanto de forma obrigatória
como eletiva, porém esse tema ainda é bem incipiente nos cursos.
Entre os cursos avaliados, destaca-se que dentre as 21 universi-
dades federais avaliadas nos cursos de Nutrição, nove trabalham com
autores da área da educação, como bibliografia básica e/ou comple-
mentar. Pôde ser visto que o curso de Nutrição tem possibilitado a
abertura para o estudo, mesmo que de forma eletiva, de disciplinas
que envolvem metodologia qualitativa, pedagogia, educação popular
e disciplinas da área social, o que pode promover a ampliação das
visões de mundo e de ensino, além de favorecer uma atuação com
condutas menos ou não prescritivas.

Palavras-chave: Currículo. Educação. Nutrição. Agroecologia.

456
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Glossário temático: gestão do
trabalho e da educação na saúde. Brasília: Editora do Ministério da
Saúde, 2009.
CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOT-
TO, G. Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão
Popular, 2012.
FALKENBERG, M. B.; et AL. Educação em saúde e educação na saú-
de: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 19, n. 3, pp. 847-852, 2014.

FRANCO, A. C.; BOOG, M. C. F. Relação teoria-prática no ensino de


educação nutricional. Revista de Nutrição, v. 20, n. 6, pp. 643-655, 2007.
FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. 3. ed. São Paulo:
Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.
RONZANI, T. M.; RIBEIRO, M. S. Identidade e formação profissio-
nal dos médicos. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 27, n. 3,
pp. 229-236, 2003.

457
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E O ASSISTENTE SOCIAL: A LUTA INCESSANTE


PELA LIBERTAÇÃO DOS OPRIMIDOS

Adriana Chiamolera
Prefeitura Municipal de Herval d’Oeste
assistenteadrianachiamolera@gmail.com

Gabriela Stang
Prefeitura Municipal de Herval d’Oeste
gabrielastangsso@gmail.com

Poucos são os autores que conseguem uma reflexão tão marcante


e profunda como Paulo Freire, nas suas diversas teorias, uma comple-
mentando a outra. O pensamento freireano apontou a conscientização
como o aprofundamento da tomada de consciência crítica, um processo
permanente e intencional que nasce da práxis (ação com reflexão). E
essa tal conscientização é o ponto chave para transformar a ordem in-
justa, além de ser o caminho da prática da libertação.
Contudo, trabalhar uma postura conscientizadora não é tão sim-
ples quanto parece, uma vez que nem sempre é possível desvelar as ver-
dades ocultas, ou melhor dizendo, ter uma rigorosa compreensão da
realidade. Isso significa dizer que a tomada de consciência é uma ação
do homem sobre o mundo, e “não há conscientização se, de sua prática,
não resulta a ação consciente dos oprimidos, como classe social explo-
rada na luta por sua libertação” (FREIRE, 1982a, p. 109).
Ao se posicionar a favor na luta da classe trabalhadora, os assistentes
sociais assumem um posicionamento crítico na defesa do direito de cidada-
nia e das garantias aos direitos civis e políticos dos oprimidos. E como prin-
cípio fundamental da profissão se impõe a “opção por um projeto profissio-
nal vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem
dominação-exploração de classe, etnia e gênero” (CFESS, 2012, p. 129).
Contudo, bem sabemos que com as elites no poder, os opressores
fazem calar a voz do povo, porém, quando os oprimidos, por meio da
459
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

práxis, buscam sua libertação, deixam de ser uma sociedade silenciada.


Quando a cultura do silêncio se rompe, percebem-se grandes mudanças
estruturais tanto na sociedade brasileira quanto no mundo. Assistimos
notáveis acontecimentos no Brasil, como nos afirma Freire, de momen-
tos em que os silenciados tomam consciência e conquistam o direito da
palavra, atuando na realidade contra os opressores. Exemplos disso fo-
ram o período da Era Vargas, posteriormente com Jânio Quadros, bem
como na época da ditadura militar, tempos marcantes, de profundas
transformações na história política e estrutural do país.
Períodos em que os assistentes sociais tem progressiva incorporação,
nos espaços de trabalho, e começam a reconhecer seu papel enquanto pro-
fissionais de luta, buscando respostas em defesa da classe dos oprimidos,
num processo de ruptura teórica e prática com a tradição profissional,
desenvolvida até então. A ruptura da alienação por parte dos profissionais,
a partir da atuação consciente, do pensamento crítico reflexivo, que pôde
contribuir nessa correlação de forças entre oprimidos e opressores.
A sociedade dos oprimidos é uma sociedade silenciada, pois sua
voz não é autêntica, mas um eco da sociedade dos opressores. Paulo nos
lembra que essa sociedade dos silenciados, mesmo em fase de transição
para a luta em busca de mudanças, convive com uma massa da popu-
lação que continuará silenciada. Isso acontece porque nem sempre os
oprimidos terão consciência da realidade opressiva, assim como não te-
rão a percepção de que são “pisados pelos opressores” (FREIRE, 2001,
p. 69). Com isso, continuarão alienados, não conseguindo superar e/ou
enxergar essa relação de dependência.
Essa cultura do silêncio faz parte de um conjunto maior, que é o
resultado das relações estruturais que existem entre os dominados e os
dominadores. E o objeto de trabalho do assistente social é um objeto
de luta formado pelas relações de força, de poder e de saber para a con-
quista da classe dos dominados de lugares, recursos, normas e espaços
ocupados pelos dominadores.
Nesse contexto, Paulo Freire, em seu pensamento, expõe que
acreditar que “a classe trabalhadora é demasiadamente inculta e inca-
paz, necessitando, por isso, de ser libertada de cima para baixo, não
tem realmente nada a ver com libertação, nem democracia” (FREIRE,
1982b, p. 30). Aponta que “os oprimidos que podem libertar os seus
460
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

opressores, libertando-se a si mesmos” (FREIRE, 2001, p. 69). E essa


“contradição não será resolvida senão pela aparição de um homem
novo: nem o opressor, nem o oprimido, mas um homem em fase de
libertação” (FREIRE, 2001, p. 69). A superação dessa relação contra-
ditória, entre oprimidos e opressores, só é possível pela ação-reflexão
dos homens, que assumem seu papel de sujeitos que fazem e refazem o
mundo. Ela está baseada na consciência crítica da realidade, na qual o
oprimido assume uma posição epistemológica em relação ao opressor.
O desafio que se impõe é o de tomar posse da realidade, num pro-
cesso de conscientização, a partir do olhar crítico sobre as relações sociais,
num compromisso histórico de assumir uma posição de sujeito diante do
mundo e dos antagonismos postos à sociedade. Essa é uma trajetória árdua
e cansativa, mas que pode desvelar uma realidade nunca antes vista. E à
medida que vai se revelando esse novo real é que a concepção de libertação
vai tomando forma e chegando à sua finalidade, que é o instante em que os
oprimidos são plenamente humanos. Dado esse contexto, é preciso com-
preender que “não há outro caminho para a humanização (a sua própria e
a dos outros) a não ser uma autêntica transformação da estrutura desuma-
nizante” (FREIRE, 2001, p. 87), por meio da práxis humana.
O assistente social, diante dessa perspectiva, tem buscado con-
tribuir efetivamente nos enfrentamentos aos desafios cotidianos que o
cenário contemporâneo nos aponta enquanto profissão. É imprescin-
dível munir-se da leitura atenta e crítica da realidade, pois, somente
assim, é possível formular um projeto de intervenção profissional diante
dos nossos compromissos éticos, técnicos e políticos. O assistente so-
cial é chamado para recriar os processos de trabalho. Para isso, torna-se
fundamental e necessário recuperar a nossa capacidade de sonhar, de
projetar o que queremos com nossa ação profissional. Nesse sentido,
Iamamoto faz uma brilhante colocação: “o momento que vivemos é
um momento pleno de desafios. É preciso resistir e sonhar. É necessário
alimentar sonhos e concretizá-los dia a dia no horizonte de novos tem-
pos” (IAMAMOTO, 2008, p. 120). E, nesses novos tempos, é preciso
escolher a direção e como vamos trilhar esse caminho em busca da tão
sonhada libertação dos oprimidos.

Palavras-chave: Conscientização; Assistente Social; Libertação.


461
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CFESS. Código de Ética do/a assistente social - comentado. São
Paulo: Cortez, 2012.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Pau-
lo: Centauro, 2001.
FREIRE, P. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982a.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
pletam. São Paulo: Cortez, 1982b.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: tra-
balho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2008.

462
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

E POR QUE NÃO COMUNICAÇÃO? QUESTIONANDO A


EXTENSÃO A PARTIR DE PAULO FREIRE

Camila Devitte Fontes


Universidade Franciscana
camiladfontes.8@gmail.com

O presente trabalho foi desenvolvido a partir da leitura do li-


vro Extensão ou Comunicação?, escrito por Paulo Freire. A partir disso,
buscou-se questionar o conceito de extensão à luz da obra e, para além
de reivindicar o termo Comunicação, também procurou-se ratificar a
importância do pensamento freiriano para a prática educacional. Nesse
sentido, este trabalho também dialoga com outros autores, principal-
mente aqueles amparados por uma abordagem teórica marxista, tais
como Demerval Saviani (1989) e Ricardo Antunes (2000).
Estamos vivenciando mais uma crise a nível mundial, e não dife-
rente de outros momentos históricos, convivemos com crises estrutu-
rais. Isso ocorre porque o próprio cerne do capitalismo eventualmente
promove crises na sua própria lógica e em seu próprio sistema. Aliado a
isso, no ano de 2020 e começo do ano de 2021, a crise está acentuada
pela pandemia do Coronavírus em um (des)governo de Jair Bolsona-
ro. Sendo assim, a realidade concreta é de total desamparo e falta de
assistência do Estado. Por sua vez, o ensino, em suas diferentes formas,
continua sendo ferozmente atacado e se impõe para nós a exigência
necessária de forças que se oponham, se organizem e reivindiquem um
mundo a partir de uma perspectiva revolucionária.
Paulo Freire foi um educador brasileiro que publicou diversas
obras e, a partir delas, buscou colocar a educação como motor funda-
mental para que os seres humanos, esses agentes de toda e qualquer mu-
dança, pudessem alterar significativamente o nosso mundo. De acordo
com Paulo Freire (1983), o aprendizado apenas ocorre quando acontece
a apropriação do conhecimento por parte do sujeito, que o reinventa a
partir de sua realidade concreta. Nesse sentido, o Freire (1983) vai além
463
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ao dizer que não se aprende sem se conscientizar com a contradição da


sua forma de estar no mundo. Sendo assim, Paulo Freire está salientado
que o conhecimento científico, técnico ou experiencial deve ser pro-
blematizado “em sua indiscutível reação com a realidade concreta na
qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-
-la, transformá-la” (FREIRE, 1983, p. 34). Partindo disso, o processo
de aprendizagem está relacionado com sua própria existência, ou seja,
com o trabalho concreto (ANTUNES, 2000) – entendido aqui como
categoria fundante do ser social e não a noção de trabalho estranhado
dentro do sistema capitalista com suas ofertas de trabalho em troca de
salário – e com a produção de nossa própria existência. É nessa pers-
pectiva que Saviani (1989) vai ao encontro do pensamento freiriano no
livro “Sobre a concepção de politecnia”, ao escrever que precisamos nos
desenvolver com formas e conteúdos cuja validade se ampara na nossa
própria existência. Portanto, para educar, é necessário falar sobre aquilo
que se vive, sobre aquilo que fala sobre a própria existência. Consequen-
temente, e somente assim, poderemos utilizar a educação para mudar
significativamente o mundo.
Nesse sentido, Freire (1983), na obra supracitada, problematiza
o termo Extensão a partir do enredo sobre um técnico e um camponês
em um processo de desenvolvimento de uma nova sociedade agrária.
Para isso, o autor questiona o campo associativo de significação da pa-
lavra Extensão, pois não a encontra associada a ações educativas. Sendo
assim, a tese de Paulo Freire é que a teoria extensionista é antidialógica e
é inconciliável com a dialogicidade, pois, para Freire, a extensão é com-
preendida como “ir até ao local”, reduzindo os seres humanos a objetos
de ação do invasor cultural. Portanto, muitas vezes, o discurso e a lógica
por trás da extensão se ampara na suposição de uma visão de mundo
melhor. Segundo o autor, na extensão, o que ocorre é a absolutização da
ignorância dos outros e a relativização da sua própria ignorância, isto é,
a sua própria alienação. A exemplo do livro de Paulo Freire, o camponês
tem sua autonomia negada e, assim, o trabalho dele passa a ser limitado
às técnicas, sem que haja a compreensão de que elas não existem sem
os seres humanos, e que esses, por sua vez, estão em um contexto e
em uma realidade que lhe são próprias. O que deveria ser libertação
acaba por se tornar domesticação, assistencialismo. É nesse sentido que
464
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

o autor brasileiro (FREIRE, 1983) afirma que quem diz fazer exten-
são, mas se ampara na dialogicidade, de fato não faz extensão, mas sim
uma comunicação. A proposta de comunicação se ampara na teoria
de reconhecer, conhecer e, a partir disso, reinventar, problematizando
criticamente a realidade e atuando sobre ela por meio da defesa de uma
educação que aconteça pela comunicação e pela reciprocidade, na opo-
sição de uma educação pela via de mão única. É importante também
salientar a distinção entre modernização e desenvolvimento realizada
por Paulo Freire na obra Extensão ou Comunicação (1983). Para o autor,
nem toda modernização é desenvolvimento. Nesse sentido, enquanto a
modernização não possui como centro de decisão a área transformada;
no desenvolvimento, o ponto de decisão se encontra no ser que se trans-
forma. Portanto, Paulo Freire chama a atenção de todos e os convida a
repensarem o termo Extensão, propondo que “todos possam saber que
pouco sabem e assim possam igualmente saber mais” (FREIRE, 1983,
p. 15). Dessa forma, a obra dele nos apresenta uma infinidade de ques-
tionamentos, como, por exemplo, o que é a extensão, o que é realmente
a sua proposta e o que devemos fazer com a extensão. A proposta do
termo Comunicação vai para além do termo em si, adentrando na prá-
xis humana e na necessidade de modificar a realidade.

Palavras-chave: Educação. Extensão. Comunicação.

465
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses
e a Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez/UNI-
CAMP, 2000.
FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
SAVIANI, D. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIO-
CRUZ, 1989.

466
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E O DIREITO À EDUCAÇÃO…


EM TEMPOS DE ENSINO REMOTO

Letícia Rieger Duarte


URI – Santo Ângelo e Rede pública de ensino
leticiarduarte@gmail.com

Mariana Scholze da Silva


Rede pública de ensino
maryscholzes@gmail.com

O seguinte estudo parte do tema atual do Ensino Remoto e o


direito à educação por parte de todos. Busca, em meio às reflexões desse
contexto, conhecer a ideia educativa de Paulo Freire; identificar os desa-
fios que surgiram na escola com o ensino remoto em meio à pandemia
do COVID-19; e compreender as possibilidades humanas presentes no
ensino remoto emergente. Para isso, o estudo teve caráter qualitativo e
bibliográfico, caracterizando a educação por meio da pesquisa em livros
e o ensino remoto a partir de artigos atuais.
Muitos são os desafios educacionais enfrentados na contempo-
raneidade e, em tempos de isolamento social em virtude da pandemia,
eles se ampliam e, por causa disso, nós nos questionamos a respeito do
papel da escola em encontrar novos meios de praticar uma educação
crítica libertadora. Onde encontrar Freire em meio à prática pedagógica
fora da escola e longe dos educandos?
Toda a práxis pedagógica proposta por Freire visa uma educação
transformadora a partir não só da instrumentalização e da formação
acadêmica, mas de uma educação que proporcione aos educandos um
pensar crítico, baseado na problematização da realidade. A educação,
assim, é um ato político, pois pode contribuir para a manutenção da
realidade vigente ou conduzir para uma mudança.
O educador que não busca atualizar sua prática levando em consi-
deração a realidade dos educandos e o contexto em que se vive acaba por
467
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

reproduzir um modelo que não traz mais resultados no mundo em que


vivemos, o que acaba por desvalorizar sua prática pedagógica. No entanto,
na medida em que não compactua com uma educação bancária, a qual
apenas deposita conhecimento e visa somente manter a ordem das coisas,
o educador vive e trabalha em uma perspectiva de educação libertadora,
porque conduz o educando a ser mais. Segundo Freire (1979, p. 33-34),

Para ser válida, toda educação, toda ação educa-


tiva deve necessariamente estar precedida de uma
reflexão sobre o homem e de uma análise do meio
de vida concreto do homem concreto a quem que-
remos educar (ou melhor dito: a quem queremos
ajudar a educar-se).

Educar, na perspectiva freireana, é partir da realidade do educando,


de sua cultura e de sua forma de ver e estar no mundo e, então, propor
metodologias para que o educando aproprie-se do mundo e, partindo do
seu contexto, compreenda conceitos, relacione-os e seja capaz de dizer
a sua palavra. Há uma construção do conhecimento entre educadores e
educandos mediatizados pelo mundo. É um encontro que se dá pelo diálo-
go, pelo compartilhamento de saberes, pela valorização do conhecimento.
A realidade que educadores e educandos encontram neste perío-
do de pandemia é uma transformação da relação entre os sujeitos, dos
meios pelos quais o conhecimento é construído. Diante do atual cenário
que atingiu todo o globo, a escola, como a conhecemos, foi desativada
devido à grande circulação de pessoas nesses locais. Professores e estu-
dantes precisaram ficar em suas casas em nome de proteger a sua saúde e
a saúde de sua família, não disseminando ou contraindo o COVID-19.
É nesse contexto que as escolas precisam se reestruturar a fim de
atender seus objetivos e chegar a todos os estudantes a fim de promover
aprendizagens. Muitos foram os desafios, já que foi necessária a intermedia-
ção digital e muitos professores, alunos e familiares não estavam habituados
com meios tecnológicos digitais em seu cotidiano. Houve muita resistência,
sofrimento (processo esse que faz parte da mudança) e adoecimento (por
parte daqueles que continuaram e continuam resistentes).
No entanto, nas palavras do próprio Paulo Freire, “[...] a transfor-
mação radical e profunda da educação, como sistema, só se dá – e mes-
468
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mo assim não de forma automática e mecânica – quando a sociedade é


transformada radicalmente também” (FREIRE, 1981, p. 146).
Há tempos, eram esperadas mudanças radicais na educação. A
escola sempre foi extremamente criticada por quem a estuda por per-
manecer igual, enquanto estrutura, ao longo de muitos anos. De re-
pente, por um impulso inegavelmente trágico (por ser uma pandemia),
descobrimos que a escola nunca foi o prédio, nunca foram as classes
enfileiradas ou o quadro negro e o giz.
O processo educativo escolar, por meio de seus profissionais de
educação, resiste e a escola se reinventa. As atividades escolares passa-
ram a ser desenvolvidas de diferentes formas a fim de que os estudantes
continuassem construindo conhecimentos e não ficassem inertes diante
da realidade, sem a possibilidade de ser mais.
Professores, pais e alunos aprenderam a usar ferramentas digitais
que jamais sonharam existir e, com isso, transformaram a escola tam-
bém em um ambiente virtual.

No entanto, na maioria dos casos, estas tecnologias


foram e estão sendo utilizadas numa perspetiva me-
ramente instrumental, reduzindo as metodologias e
as práticas a um ensino apenas transmissivo. É, pois,
urgente e necessário transitar deste ensino remoto de
emergência, importante numa primeira fase, para
uma educação digital em rede de qualidade (MO-
REIRA, HENRIQUES, BARROS, 2020, p. 352).

A tecnologia é um instrumento que deve servir ao processo edu-


cativo e contribuir para que professor e aluno promovam um encontro
dialógico, capaz de produzir aprendizagens significativas. Não importa
inovar no formato, sair do prédio, das salas de aula, das fileiras e passar
a ter uma metodologia tradicional no ambiente virtual.
Uma aula deve gerar encontro entre seres que estão dispostos a
trocar conhecimentos, a aprender juntos, a construir momentos de possi-
bilidades de intervenção nos modos de existência. Paulo Freire afirma que
“mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença
no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE, 2004, p. 18),
daí que, para construir aprendizagens significativas, não é possível ficar
469
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

indiferente à totalidade humana, que é cada estudante por trás de uma câ-
mera, de um texto ou de um AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem).
A educação freireana vive na resistência de educadores que, em
meio a tantos desafios, se aventuram em metodologias inovadoras para
encantar o aluno e, com isso, mantê-lo presente na distância. A educação
freireana vive no uso da internet para ser presença, mas também vive em
cada professor e professora que organiza as aulas para entregar aos estu-
dantes que não têm acesso à internet; vive em cada um que vai até a casa
dos estudantes que não veem importância em ir até a escola; vive quando
um professor ou funcionário doa um celular, uma tela e muitos outros
aparelhos para que todos acessem o que está sendo oferecido.
Em tempos de ensino remoto, cabe aquela Pedagogia dos sonhos
possíveis de Paulo Freire, porque de fato são possíveis para quem se
move enquanto sonha, que afirma que “[...] eu não deveria ser professor
se eu não estivesse absolutamente certo de que mudar é difícil, mas é
possível” (FREIRE, 2001, p. 166). Na busca esperançosa pela qualida-
de da educação, que a mudança seja sempre possível.

Palavras-chave: Educação Freireana. Ensino Remoto. Mudança.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1981.
FREIRE, P. Conscientização: Teoria e prática da libertação: Uma in-
trodução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 1979.
MOREIRA, J. A. M.; HENRIQUES, S.; BARROS, D. Transitando de
um ensino remoto emergencial para uma educação digital em rede, em
tempos de pandemia. Dialogia, n. 34, pp. 351-364, 2020.

470
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DIÁLOGO E PROBLEMATIZAÇÃO NO TRABALHO DO/A


COORDENADOR/A PEDAGÓGICO/A NA ESCOLA

Jerônimo Sartori
UFFS – Campus Erechim
jetori55@yahoo.com.br

Para iniciar a abordagem crítico-reflexiva acerca dos princípios frei-


reanos: diálogo e problematização em seu enlaçamento com o trabalho
do/a coordenador/a pedagógico/a na escola, é fundamental compreender
a relevância da ação coordenadora que se entrecruza diretamente com
a docência – com os docentes. O destaque para algumas incumbências
do/a profissional coordenador/a faz-se necessário para inferir alguns vín-
culos, que o diálogo e a problematização podem oferecer, para que a ação
coordenadora seja pautada na perspectiva da gestão democrática. Para
tanto, trago como objetivo para este estudo “estabelecer possíveis vínculos
dos princípios freireanos diálogo e problematização com a dinamização
do trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a na escola”.
Esse estudo situa-se em uma abordagem qualitativa, tendo como
procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica embasada em pro-
duções que orientam a reflexão acerca do objetivo indicado. Sendo assim,
para dar conta deste propósito, parto dos estudos de Libâneo (2013),
Souza e Placco (2013) e Gouveia e Placco (2013), por tratarem de aspec-
tos inerentes à ação coordenadora, e, para discutir “diálogo” e “problema-
tização”, valho-me dos estudos de Freire (1987, 1996 e 2001).
O trabalho tocante à coordenação pedagógica na escola ainda tem
marcas de uma prática desenvolvida com base no “controle” e na “fisca-
lização” da atuação docente. Todavia, oriento-me em Libâneo (2013),
o qual recomenda que o trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a seja
efetivado pelo viés interativo e colaborativo, ou seja, em estreita rela-
ção entre coordenador/a e coordenados/as, em vista da qualificação dos
processos de ensino e de aprendizagem. Embasado nisso, tomo Libâneo
(2013) para realçar algumas das principais incumbências do/a coorde-
471
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nador/a pedagógico/a: acompanhar, monitorar e (re)elaborar o projeto


político-pedagógico da escola; assessorar os docentes na elaboração do
planejamento e no desenvolvimento da prática pedagógica; formular e
dinamizar propostas de formação continuada de professores na escola;
acompanhar e avaliar, junto com os docentes, as atividades curriculares;
produzir e selecionar, em conjunto com seus pares, indicativos para a
avaliação da aprendizagem e institucional; entre outras.
Todo o estudo requer recortes, seja por limitações teórico-concei-
tuais ou por razões de espaço-tempo. Nesta elaboração, dedico esforço em
pensar, articular e sistematizar algumas indicações que podem subsidiar o
trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a no tocante à dinamização da
formação de seus pares no “chão” da escola. Souza e Placco (2013) refe-
rem que a formação deve ser planejada e desenvolvida, problematizando
e dialogando com/sobre as dificuldades encontradas no percurso da do-
cência. Embasadas nisso, Souza e Placco entendem “[...] como formação
centrada na escola aquela que parte de suas demandas, [...] de todas as
relações que profissionais e alunos estabelecem entre si, [...] com os siste-
mas de ensino, com as políticas públicas, com a literatura, com as famílias
e a comunidade” (SOUZA, PLACCO, 2013, p. 26).
A formação balizada na ideia colaborativa e solidária não ocorre
sem os tensionamentos inevitáveis em espaços nos quais as ações são
pautadas pelo diálogo e pela problematização. Pensar a ação coordena-
dora, nesse viés, requer que se estabeleça um itinerário para coordenar
os processos pedagógicos, tendo como base o diálogo acerca das situa-
ções-problema, que se entrecruzam no ambiente escolar, para produzir
debates e consensos que possam qualificar o trabalho do/a coordena-
dor/a e dos docentes na escola. A despeito disso, encontro, em Freire
(1987, p. 78), que a palavra, para não ser oca, necessita ultrapassar o
nível da denúncia, ou seja, anunciar formas autênticas para nutrir “[...]
o trabalho, que é práxis, é transformador do mundo, dizer a palavra não
é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens”.
O diálogo, para Freire (1987, p. 78), é tão caro por constituir-se
no “[...] encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pro-
nunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”. Desse modo,
a busca da melhoria da atuação na escola e em sala de aula não é fruto
de práticas isoladas e descontextualizadas, mas de ações planejadas e
472
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

desenvolvidas coletivamente, com a parceria e a integração dos diferen-


tes atores que constituem o espaço educativo (GOUVEIA, PLACCO,
2013). Assim, é essencial que o diálogo balizado na relação homem-
-mundo seja aberto e franco, para operar na complexidade que se mes-
cla ao mundo, considerando que “existir é, assim, um modo de vida que
é próprio ao ser capaz de transformar, de produzir, de decidir, de criar,
de recriar, de comunicar-se” (FREIRE, 2001, p. 78).
Se o ato de existir traz consigo as possibilidades de criar e recriar, a
problematização, na perspectiva freireana, apresenta-se como uma ma-
neira de desvelar os problemas reais do/no contexto em que os sujeitos
se encontram inseridos, para analisá-los criticamente e articulá-los com
os propósitos da formação cidadã. Entendo, desse modo, que o binô-
mio diálogo e problematização proporciona a ampliação da visão crítica
de mundo, que precisa ser lida no contexto, não somente no texto.
Na perspectiva de Freire (1996), infiro que, ao desenvolver a ação
coordenadora na escola, o/a coordenador/a deve ter claro, em seu hori-
zonte, que o ser humano é inconcluso, sendo que o/a coordenador/a e
coordenados/as estão nessa condição e com capacidade para aprender.
Aprender não para adaptar-se a uma realidade, mas para nela intervir e
transformar, redimensionando a sua própria educabilidade. Os percursos
formativos se dão na relação sujeito-sujeito e, conforme Freire (1996),
quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender.
Entretanto, resta o questionamento: ensinar e aprender o quê?
Nos atos de ensinar e aprender estão inclusos alguns insumos: obje-
tos-conteúdos, métodos, técnicas, materiais didáticos e, também, os
sonhos, os ideais, as utopias. Assim, a educação, como ato político,
contribui “[...] positivamente para que o educando vá sendo o artífice
de sua formação com a ajuda do educador” (FREIRE, 1996, p. 70). A
isso associa-se a imprescindibilidade de cuidar e de zelar pela formação
continuada de docentes na escola, no sentido de que a mesma se torne
promotora de mudanças, que faça enfrentamento: às barreiras interve-
nientes na docência; às reações de oposição à mudança; e ao modo de
pensar diferente (SOUZA, PLACCO, 2013).
Ao ter a escola como locus da formação continuada, os/as coorde-
nadores/as necessitam entender os professores “[...] como profissionais
e não alunos, isto é, profissionais com uma responsabilidade social defi-
473
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nida por sua profissão, que é ensinar” (GOUVEIA, PLACCO, 2013, p.


73). Se as formações de docentes em serviço orientarem-se pela pedago-
gia freireana, é fundamental que se encharque da concepção de educa-
ção libertadora, que visa à autonomia, à emancipação e à humanização
do sujeito. Para isso, a prática problematizadora e dialógica indica que
toda a “[...] ação deve estar infundida da profunda crença nos homens.
Crença no seu poder criador” (FREIRE, 1987, p. 62).
De acordo com o objetivo deste estudo, aponto que o diálogo
e a problematização, enquanto princípios pedagógicos, são caros nos
espaços em que se estabelecem relações interpessoais, especialmente na
escola. O diálogo, por sua vez, deve ser tomado pelo/a coordenador/a
como “[...] uma relação horizontal em que a confiança de um pólo no
outro é consequência óbvia” (FREIRE, 1987, p. 81, grifo do autor),
pois o diálogo que é amoroso e humilde constrói relações de confiança.
A problematização da realidade vivenciada envolve o ato de pensar dos
envolvidos, mas um “pensar que não se dá fora dos homens, nem num
homem só, nem no vazio, mas nos homens e entre os homens, e sempre
referido à realidade” (FREIRE, 1987, p. 101).

Palavras-chave: Coordenador/a Pedagógico/a. Diálogo. Problematização.

474
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. São
Paulo: Paz e Terra, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GOUVEIA, B.; PLACCO, V. M. N. S. A formação permanente, o pa-
pel do coordenador pedagógico e a rede colaborativa. In: ALMEIDA,
L. R.; PLACCO, V. M. N. S. (Orgs.). O coordenador pedagógico e
a formação centrada na escola. São Paulo: Loyola, 2013. Pp. 69-80.
SOUZA, V. L. T.; PLACCO, V. M. N. S. Entraves da formação cen-
trada na escola: possibilidades de superação pela parceria da gestão na
formação. In: ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. S. (Orgs.). O
coordenador pedagógico e a formação centrada na escola. São Pau-
lo: Loyola, 2013. Pp. 25-44.

475
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O PENSAMENTO DE PAULO FREIRE E SUA INFLUÊNCIA


NA EDUCAÇÃO DO CAMPO E NA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL CRÍTICA

Gerson Luiz Buczenko


Universidade Tuiuti do Paraná
buczenko@uol.com.br

Maria Antônia de Souza


Universidade Tuitui do Paraná
masouza@uol.com.br

O presente resumo parte de uma pesquisa maior, tendo como


objetivo geral analisar a influência do pensamento de Paulo Freire na
Educação do Campo e na Educação Ambiental em sua perspectiva crí-
tica. Como objetivos específicos, foram delineados: avaliar a presença
das ideias de Paulo Freire na Educação do Campo e analisar a presença
do pensamento de Paulo Freire na Educação Ambiental em sua pers-
pectiva crítica. A metodologia utilizada para o presente trabalho se deu
por meio de uma pesquisa qualitativa e exploratória. A coleta de dados
ocorreu por meio de pesquisa bibliográfica. A indagação que moveu
a pesquisa foi estabelecida da seguinte forma: o pensamento de Paulo
Freire está presente nas abordagens de Educação Ambiental na perspec-
tiva crítica e na Educação do Campo na atualidade? Entre os autores
que contribuíram para a presente pesquisa estão Souza (2018), Maia
(2015), Paludo (2012), entre outros.
A Educação do Campo, segundo Souza (2018), está comprome-
tida em valorizar as culturas do campo, com as lutas para que todo o
povo tenha acesso à alfabetização, em formar os Educadores e as Educa-
doras do Campo, produzir uma proposta de Educação Básica do campo
e envolver as comunidades nesse processo, sendo, assim, uma Educação
que emerge pensada e executada a partir da realidade dos povos do cam-
po. Ela se conecta aos princípios da Educação Popular, que é anterior
à Educação do Campo, conforme concebida atualmente. A Educação
477
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Popular, por sua vez, possui raízes mais profundas e imbricadas com a
triste realidade brasileira no que se refere à Educação, principalmente
àquela voltada para as populações mais carentes, considerando ainda
os vergonhosos índices de analfabetismo no Brasil na década de 1960 e
que perduram até os dias de hoje.
Segundo Paludo (2012), as bases da educação popular são as ex-
periências trazidas pela história de enfrentamentos do capital pelos tra-
balhadores no contexto europeu.

As experiências de cunho socialista do Leste Euro-


peu, o pensamento pedagógico socialista, as lutas
pela independência na América Latina, a teoria de
Paulo Freire, a teologia da libertação, as elabora-
ções do novo sindicalismo e dos Centros de Edu-
cação e Promoção Popular. Enfim, são as múltiplas
experiências concretas ocorridas no continente
latino-americano e o avanço obtido pelas ciências
humanas e sociais na formulação teórica para o
entendimento da sociedade latino-americana (PA-
LUDO, 2012, p. 283).

Dessa forma, a Educação Popular se firma no cenário político


educacional, influenciado, inclusive, o direito relativo à educação pre-
sente na Carta Magna, constituindo, assim, um novo marco para se
pensar a educação no Brasil. Clarifica-se a relação entre educação e po-
lítica, educação e classes sociais, educação e acesso ao conhecimento,
educação e cultura popular, educação e posicionamento ético e entre
educação e projeto de sociedade, desnudando a não neutralidade da
educação (PALUDO, 2012). É Importante, ainda, resgatar que, no ano
de 2012, a Deputada Luiza Erundina apresentou um projeto para va-
lorizar a memória e o legado de Paulo Freire para a educação no país,
tornando-o o Patrono da Educação brasileira. O projeto de Lei, após
tramitação (Lei nº 12.612/12), foi sancionado pela Presidente Dilma
Rousseff em 13 de abril de 2012, oficializando o título de Paulo Freire.
Em relação à Educação Ambiental em sua perspectiva crítica,
Maia (2015) afirma que a Educação Ambiental crítica vem a eviden-
ciar que a educação, de uma forma geral, não pode ser instrumento
ideológico a serviço de interesses majoritários ou hegemônicos, tendo
478
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que se estabelecer um processo contra-hegemônico da realidade social


e, com ela, questionar a relação ser humano-natureza. Nessa concepção,
o ideal que está presente é de constituir sujeitos históricos, comprome-
tidos com a construção social, diferentemente da que ocorre dentro do
padrão hegemônico que se dá de forma injusta e excludente. Assim,
concebendo todo o processo de construção de uma Educação Ambien-
tal crítica, emancipatória e transformadora da realidade ora vivida, res-
ta-nos questionar em que momento há convergências desse processo
com o pensamento de Paulo Freire? Torres, Ferrari e Maestrelli (2014)
apontam que o desenvolvimento da dinâmica da abordagem temática
Freireana remete à práxis e à busca de temas geradores, que sintetizam
as situações significativas vividas pelos sujeitos escolares, permitindo
a efetivação dos principais atributos de uma Educação Ambiental em
uma perspectiva crítico-transformadora.
Segundo Dickmann e Carneiro (2012), o pensamento e as ideias
de Paulo Freire também contribuem para a Educação Ambiental en-
quanto concepção de ser humano, sendo, assim, formadora de uma éti-
ca de responsabilidade das pessoas entre “si e no uso dos bens naturais
renováveis e não renováveis, em prol da sustentabilidade no mundo:
um outro mundo possível, onde as relações e ações se pautem pela bus-
ca permanente do equilíbrio ecológico dinâmico para a vida com qua-
lidade. Assim, a Educação Ambiental terá sentido na medida em que
desenvolva a liberdade humana para optar, decidir e agir de acordo com
os princípios e valores cidadãos de respeito, honestidade, justiça, pru-
dência e solidariedade para com a realidade-mundo” (DICKMANN;
CARNEIRO, 2012, p. 93).
Dessa forma, a Educação Ambiental, em sua perspectiva crítica,
defende a emancipação e a transformação social e se conecta com a
Educação do Campo, que se nutre na perspectiva da Educação Popular,
da qual o pensamento de Paulo Freire é uma das principais matrizes.
Caminhando juntas, ousam perspectivar um futuro de igualdade e de
solidariedade para todos, como sonhava também Paulo Freire, nos en-
sinando ainda a esperançar por dias melhores.

Palavras-chave: Educação Popular. Educação do Campo. Educação


Ambiental.
479
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Lei nº 12.612 de 13 de Abril de 2012. Declara o educador
Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12612.htm.
DICKMANN, I.; CARNEIRO, D. Paulo Freire e Educação ambiental:
contribuições a partir da obra Pedagogia da Autonomia. Revista de
Educação Pública, v. 21, n. 45, pp. 87-102, 2012.
MAIA, J. S. S. Educação ambiental crítica e formação de professo-
res. Curitiba: Appris, 2015.
PALUDO, C. Educação Popular. In: CALDART, R. et AL. (Orgs.). Di-
cionário da educação do campo. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
SOUZA, M. A. (Org.). Escola pública, educação do campo e projeto
político-pedagógico. Curitiba: UTP, 2018.
TORRES, J. R.; FERRARI, N.; MAESTRELLI, S. R. P. Educação
Ambiental crítico-transformadora no contexto escolar: teoria e prática
freireana. In: LOUREIRO, C. F. B.; TORRES, J. R. Educação Am-
biental: dialogando com Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2014.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CICLO DE ESTUDOS: FORMAÇÃO DOCENTE


NA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE

Elaine Pires Salomão


IFRS/Campus Sertão
elaine.salomao@sertao.ifrs.edu.br

Rodrigo Ferronato Beatrici


IFRS/Campus Sertão
rodrigo.beatrici@sertao.ifrs.edu.br

Roberto Valmorbida de Aguiar


IFRS/Campus Sertão; PPG Botânica UFRGS
roberto.aguiar@sertao.ifrs.edu.br

Morgana Karin Pierozan


Centro Universitário UNIDEAU – Getúlio Vargas – RS
mkpierozan@yahoo.com.br

Considerando a atuação em uma instituição de educação profis-


sional e tecnológica, como é o caso do Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), é necessário o en-
volvimento e a apropriação dos profissionais da educação sobre os temas
relacionados ao processo de ensino-aprendizagem e da educação de forma
geral, construindo o pertencimento do profissional da educação com o
seu fazer pedagógico. Nesse sentido, o presente texto apresenta um breve
relato sobre o processo de formação continuada dos professores do IFRS
– Campus Sertão, inter-relacionando-o com o legado de Paulo Freire.
Inicialmente, convém considerar que o planejamento de um pro-
cesso de formação docente deve estar em sintonia com os objetivos ins-
titucionais. Uma das finalidades basilares quando da criação dos Insti-
tutos Federais (IFs) foi “[...] derrubar as barreiras entre o ensino técnico
e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da
481
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

emancipação humana [...]” (PACHECO, 2010, p. 14). Por sua vez,


uma das concepções de educação referendadas no Projeto de Desen-
volvimento Institucional (PDI) do IFRS é que esta instituição “[...] en-
tende a educação como um processo complexo e dialético, uma prática
contra-hegemônica que envolve a transformação humana na direção do
seu desenvolvimento pleno” (PDI, 2018, p. 126).
Esses elementos constituem o plano de fundo da experiência de-
senvolvida. Para Freire (2013, p. 202), “[...] não há prática educativa
que não se direcione para um certo objetivo, que não envolva um certo
sonho, uma certa utopia. A diretividade da prática educativa explica a
sua politicidade [...], a impossibilidade de ser um que fazer ‘assexua-
do’ ou neutro.” Nessa perspectiva, em outra obra, para Freire (1996,
p. 110-111): “Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só
uma ou só a outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas
desmascaradora da ideologia dominante.”
A formação continuada dos docentes do IFRS/Campus Sertão,
em relato, foi planejada e coordenada pela equipe da Diretoria de En-
sino e abrange o período de janeiro de 2016 a fevereiro de 2020. A
formação ocorreu por meio da aprovação de projetos de ensino, tendo
também, na sua equipe de execução, em todos os anos, a participação
de estudantes, isto é, discentes contribuindo no planejamento e execu-
ção da formação docente. Por sua vez, o objetivo central da formação
foi propiciar aos docentes a reflexão crítica sobre o seu fazer educativo,
ou seja, estabelecer uma relação profunda das teorias da educação com a
realidade escolar. Essa finalidade está imbricada no pensamento de Pau-
lo Freire, pois para ele “[...] na formação permanente dos professores, o
momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensan-
do criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a
próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 43-44).
Os temas das formações, em sua grande maioria, foram suge-
ridos pelos docentes e técnico-administrativos em educação, a partir
de consultas realizadas previamente. A seguir, alguns temas/atividades,
agrupadas por dimensões, que hoje, ao olhar o que foi desenvolvido no
período em questão, permitem-nos essa leitura e junção. De antemão,
é preciso esclarecer que não foram listadas todas as atividades desenvol-
vidas, bem como as dimensões não estão agrupadas por importância.
482
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A primeira dimensão agrupa temas referentes às políticas de


ações afirmativas. Alguns temas trabalhados: implementação da pro-
gressão parcial, recuperação paralela na Educação Básica e recupera-
ção no Ensino Superior, preconceito linguístico, como trabalhar com
os estudantes portadores de alguma necessidade especial, direitos
humanos na educação, as atribuições e as ações da subcomissão de
permanência e êxito acadêmico, diversidade e inclusão, atribuições e
ações dos núcleos de ações afirmativas.
A segunda dimensão refere-se a temas relacionados ao ensinar
e aprender. Entre as atividades trabalhadas: aprendizagem e metodo-
logias ativas, criatividade no processo de aprendizagem, gamificação,
uso de tecnologias em sala de aula, aprendizagem baseada em times,
como o cérebro aprende, educação e mídias digitais, aprendizagem
baseada em problemas, inteligências múltiplas, rádio como metodo-
logia ativa de aprendizagem.
A dimensão três trata dos procedimentos administrativos-peda-
gógicos da prática docente, na qual foram desenvolvidas as atividades
de elaboração de planos de ensino, planos de aula e preenchimento
de diário de classe, dentre outras ações. A quarta dimensão refere-se
à saúde dos trabalhadores da educação, na qual foram tratados tópi-
cos como a saúde vocal do professor, aspectos psicológicos da saúde
coletiva na escola, primeiros socorros, relacionamento interpessoal e
mediação de conflitos. Por fim, a quinta dimensão trata da identida-
de dos Institutos Federais (IFs). Nesse ponto, foram desenvolvidos
assuntos relacionados à origem legal, às normas e às diretrizes dos
Institutos Federais e do IFRS, especialmente do Campus Sertão.
As atividades foram desenvolvidas em diferentes metodologias,
contemplando palestras, oficinas, relatos e discussões de dissertações e
teses elaboradas pelos servidores do Campus Sertão, além de atividades
artísticas. Também, nos anos de 2019 e 2020, algumas atividades de
formação correspondentes à abertura do ano letivo foram realizadas em
conjunto com o Campus Ibirubá do IFRS. Outro aspecto a destacar foi
o desenvolvimento, em 2019, da primeira edição do evento Ciclo de
Estudos, na qual os docentes do Campus Sertão puderam submeter e
apresentar resumos que tratavam de questões do seu fazer pedagógico,
ampliando as possibilidades de diálogo sobre a práxis de educação.
483
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A avaliação das atividades efetuadas pelos participantes, em sua


grande maioria, foi positiva, afirmando a importância e a necessidade
desses espaços e tempos de formação, considerando que auxiliam os
docentes, num processo gradual, a introduzir novos paradigmas no seu
fazer educativo. Paulo Freire, ao abordar a formação permanente, con-
sidera que um dos saberes fundamentais é que “mudar é difícil, mas é
possível” (2020, p. 181).
Neste breve relato, foram apresentados alguns elementos da for-
mação continuada dos docentes do Campus Sertão do IFRS, o qual foi
planejado em consonância com o projeto do IFRS. Por fim, traz-se ao
texto um trecho de uma das obras de Paulo Freire o qual traduz um
pensamento que estava bastante imbricado nas atividades que foram
desenvolvidas: “O que não é porém possível é sequer pensar em trans-
formar o mundo sem sonho, sem utopia, sem projeto. [...] Os sonhos
são projetos pelos quais se luta” (FREIRE, 2016, p. 61-62).

Palavras-chave: Formação Continuada. Educação Profissional. Educa-


ção Libertadora.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da tolerância. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha
práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Sul. Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do Instituto
Federal do RS – PDI – 2019 – 2023. 2018. Disponível em: https://
ifrs.edu.br/wp-content/uploads/2019/01/Resolucao_084_18_Apro-
va_PDI_2019_2023_Completa.pdf>.
PACHECO, E. Os Institutos Federais: uma revolução na educação
profissional e tecnológica. Natal: IFRN, 2010.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

GESTÃO ESCOLAR: MUITAS MÃOS ENVOLVIDAS

Rosemere Impéres Lira


Escola Santo Afonso Rodriguez, Teresina/Piauí
diretoria@esar.org.br

Teresina, 24 de novembro de 2020.

Querida Professora Ana Lúcia,

É com muita alegria que encaminho esta carta para partilhar


com você algumas inquietações que fazem parte do meu cotidiano
enquanto Gestora Geral de uma Escola de Educação Básica da Rede
Jesuíta de Educação.
No âmbito pessoal, a educação sempre esteve presente no meu
horizonte. Concluir a educação básica; em seguida, o ensino superior;
fazer pós-graduação latu sensu e, depois, a tão sonhada pós-graduação
strictu sensu me deixa realizada, “em parte”. No caminho percorrido
durante a minha formação, várias reflexões e provocações me ajuda-
ram a amadurecer alguns pensamentos verdes que tenho em relação à
minha vida pessoal e profissional.
Na minha trajetória profissional, em diferentes espaços educa-
cionais, professora dos anos iniciais e do ensino superior, coordena-
dora pedagógica e, atualmente, diretora geral, tenho vivenciado a an-
gústia de alunos, famílias e professores, com relação à dificuldade que
a escola tem sentido em assumir o seu verdadeiro papel, que é garantir
a aprendizagem de seus estudantes.
Assumir a direção da Escola Santo Afonso Rodriguez (ESAR),
situada na cidade de Teresina, Capital do estado do Piauí, no mês
de fevereiro de 2017, tem me levado à reflexão de que estabelecer
objetivos claros em busca de uma educação de qualidade deve ser o
cerne da minha gestão. E para tanto, é necessário que eu assuma o
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

forte compromisso com toda a comunidade educativa no sentido de


fortalecer cada vez mais a qualidade da prática desenvolvida em todos
os espaços da ESAR.
Minha prática, como diretora, tem evidenciado que, no mo-
vimento interno experienciado pela comunidade educativa, a neces-
sidade de fortalecer a qualidade do trabalho desenvolvido na escola,
com base na mediação da gestão, é um anseio de todos. Afinal, os
registros que faço do cotidiano da escola evidenciam uma rotina in-
tensa que pede o olhar cuidadoso em relação à gestão sobre a vida
dos alunos, a relação alunos-docentes, a formação docente, a relação
coordenação pedagógica-docentes, os recursos, a relação com as fa-
mílias, os planejamentos, o calendário, os projetos, a acolhida aos
estagiários, os editais de concessão de bolsas, a busca por parcerias,
além das questões básicas na estrutura física, pois “como ensinar e
aprender com alegria numa escola cheia de poças d’água, com fiação
ameaçadoramente desnuda, com a fossa entupida, inventando enjoo
e náusea?” (FREIRE, 1991, p. 33).
Acredito, então, que a qualidade da educação oferecida pela es-
cola e de que forma essa qualidade pode ser potencializada pela ação
da gestão apontam para uma reflexão sobre a necessidade do desenvol-
vimento de práticas gestoras que articulem toda a comunidade escolar
para a construção de um ambiente de constantes aprendizados. Toda a
comunidade da educação precisa ser sempre provocada para rever suas
práticas, afinal, a cada dia, os estudantes exigem mais de todos nós.
Assim, temos sentido a necessidade de que a Escola favoreça o
desenvolvimento de um processo de educação continuada para todos
os nossos colaboradores. Nessa perspectiva, imaginamos que estaremos
garantindo a reflexão sobre a prática no nosso próprio local de trabalho,
bem como a possibilidade de nos organizarmos coletivamente para a
efetiva superação das dificuldades presentes no interior da nossa Escola.
Nesse sentido, desde 2017, estamos organizando a Escola a partir
de duas “frentes” formativas: pedagógica e administrativa. Elas estão
organizadas para que favoreçamos uma formação continuada em todos
os setores da escola.
Essa perspectiva nos levou, enquanto gestora da escola, a buscar par-
cerias com pessoas ou instituições que pudessem nos ajudar no desenvolvi-
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mento deste projeto de formação continuada em nossa escola, porque acre-


ditamos que sonhos somente são realizados se trabalharmos em parceria.
Sendo assim, no ano de 2018, acolhemos o projeto Universi-
dade e escola: um diálogo necessário à constituição do professor pesqui-
sador apresentado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
na Psicologia Sócio-Histórica (NEPSH), da Universidade Federal do
Piauí. O projeto visa desenvolver ações formativas colaborativas na
escola de educação básica que favoreçam o desenvolvimento pessoal
e profissional de professores que atuam na escola, a constituição da
identidade de discentes do curso de Pedagogia e o desenvolvimento
de pesquisa e formação de pós-graduandos em educação. No desen-
volvimento do projeto, participaram discentes da graduação em Pe-
dagogia da UFPI, discentes do curso de Pós-graduação em Educação
da UFPI, docentes pesquisadores da UFPI e professores de Educa-
ção Básica da Escola Santo Afonso Rodriguez. Os encontros entre os
partícipes do projeto ocorreram, na Escola Santo Afonso Rodriguez,
conforme calendário organizado para esse fim, envolvendo momen-
tos de estudo e oficinas pedagógicas. Desde o início dos encontros,
vislumbramos que, ao final do projeto, pudéssemos registrar nossas
experiências. E assim temos feito. Cada um(a) que participou desses
momentos de formação está fazendo seus registros de forma a mate-
rializarmos nossos aprendizados.
Minha querida, já quase finalizando esta carta, e na certeza de que
ainda temos muito a fazer, digo a você: entendo ser a gestão um tem-
po histórico, um tempo de possibilidades e de sonhos que não podem
ser enterrados em meio a tantas dificuldades. Enfim, encerro dizendo
a você: é nesse ponto que me encontro hoje, “inquieta, curiosa, e pa-
cientemente impaciente” (FREIRE, 1996, p. 35), vislumbrando uma
educação que possa garantir uma aprendizagem integral, formando ho-
mens e mulheres conscientes, competentes, comprometidos e compas-
sivos no mundo em que vivem (PEC, 2016).
Aproveito o momento para apimentar a leitura desta carta e tra-
go a seguinte provocação: diante da certeza de que a transformação da
realidade, por meio da educação, é resultante de ações empreendidas
num tempo e num espaço em que a gestão se efetiva, qual é o caminho
que devemos seguir, como gestores, com o fim de ampliarmos o diálogo
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

com toda a comunidade educativa no sentido de perceber seus anseios


para, a partir deles, qualificar a nossa prática?

Com votos de boas reflexões.


Carinhosamente,
Rosemere.

Palavras-chave: Gestão Escolar. Formação. Professor Pesquisador.

Referências
FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
REDE JESUÍTA DE EDUCAÇÃO (RJE). Projeto Educativo Co-
mum – PEC. Edições Loyola, 2016.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA DE ESPERANÇA: EXPERIÊNCIAS


EDUCATIVAS - REGUE-AS, PARA QUE FLORESÇAS

Louise Löbler
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)
louiselobler@gmail.com

Santa Maria, RS, 20 de março de 2021.

Großmutter Selida1,

Que esta carta te encontre bem, te encontre feliz, te encontre em paz.


Te peço desculpa pela demora em escrever-te. Sei que demorei
muitos anos até conseguir refletir e encontrar as palavras, as quais agora
são mais fáceis de escrever do que naquela época quando podia lhe falar.
Te escrevo para agradecer, para dizer que sinto saudade. Queria te
contar que sou professora, que consegui me formar, que sou mãe, que
até estou fazendo mestrado.
Veja só, quantas coisas, né? Quanto tempo passou, desde que não
nos falamos mais.
Foram muitas conquistas coletivas, que são minhas e tuas, e tam-
bém do Povo que luta para que não sejam mais aceitas violações dos
direitos ou injustiças contra qualquer pessoa.
Aprendi contigo muita coisa, mais do que imaginas.
E resolvi te escrever, porque hoje é teu aniversário. E também
porque, hoje, com lágrimas misturadas de saudade e de alegria por ter
convivido contigo, posso te dizer que me ensinaste muita coisa que a
escola formal não consegue ensinar.

1Avó (tradução da autora), Selida Manzke Löbler, nascida em 13/04/1942, filha de


imigrantes alemães, viveu às margens do Rio Jacuí, na região da Colônia de Imigração
Alemã Santo Ângelo, na comunidade de Arroio da Sétima, alagada pela UHE Dona
Francisca em 2001, faleceu em 13/12/2013.
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Sei que a senhora não estudou muito, pois teve que largar a esco-
la para trabalhar na roça e cuidar da casa. Casou cedo, teve seis filhos.
Cuidou a vida toda de todos, sempre.
Por meio das tuas mãos calejadas pela enxada e da tua escrita
com linhas imprecisas, aprendi que a educação pode ser construída em
espaços não escolares. A senhora me educou pra vida quando estávamos
tirando leite, colhendo feijão ou milho, irrigando as hortaliças, lavando
roupa do arroio.
A senhora me ensinou a cuidar da terra com amor e esperança,
afinal, “a gente cultiva a terra; e a terra cultiva a gente”, como canta o
Povo. Como nos ensina Freire, quando reflete sobre a educação “[...] ao
saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultural.
A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento
que eles vão criando do mundo” (FREIRE, 1992, p. 44).
Agora, continuo no MAB (Movimento dos Atingidos por Bar-
ragens), mas de um outro jeito, de uma forma mais sensível. Foi pela
luta no MAB, que juntas aprendemos o que é ter indignação diante das
injustiças dentro da nossa própria família. Lembro-me da nossa última
visita à casa dos pais da senhora na Comunidade Arroio da Sétima, ala-
gada pela construção da UHE Dona Francisca... lembro até hoje, nos
detalhes, nas palavras, nas histórias que ia nos contando a cada cômodo
da casa em que entrávamos. A despedida do lugar das suas raízes e da
sua história causada pelo dito “desenvolvimento” não foi alegre ou fácil.
O progresso não pediu licença.
Foi por essa indignação e esperança que vi nos olhos da senhora
naquele dia que, mais tarde, entendi que o contribuir para a Luta atra-
vés do MAB seria a nossa condição para dias melhores, uma vez que “a
quem cabe realmente lutar por sua libertação juntamente com os que
com eles em verdade se solidarizam, precisam ganhar a consciência crí-
tica da opressão, na práxis desta busca” (FREIRE, 1987, p. 24).
E foi nesse dia a dia do Movimento, nessa práxis coletiva e desafia-
dora, que fomos enfrentando alguns monstros e aprendendo que somos
fortes, que podemos fazer nossas escolhas. Enfim: que podemos sonhar!
Imagino o seu sorriso de felicidade ao ler estas letras, ao saber que
depois de tanto tempo deu certo! Deu certo! A Luta educa e nos deu e
continua dando condições para vivermos melhor.
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A senhora pode acompanhar o início disso tudo, já que viu as


primeiras imersões nesse novo processo de libertação da consciência, os
quais posso considerar dois momentos, iguais aqueles que Freire fala em
seus livros, sendo “O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o
mundo da opressão e vão comprometendo-se, [...] o segundo, em que,
transformada a realidade opressora, [...] em processo de permanente
libertação” (FREIRE, 1987, p. 41).
E seguimos juntas nesse processo de libertação; eu daqui, e a se-
nhora daí. Somos uma só, somos parte do Povo em luta que nos ensina
a ter mais coragem e persistência, sem perder a esperança, a confiarmos
uns nos outros, a respeitar e sentir amor ao próximo.
E a senhora lembra quando entrei na Universidade?
Minha formatura foi muito bonita, foi uma pena que a senhora
não pôde ir.
Usávamos chapéus de palha, em vez de capelos. Aqueles chapéus
iguais ao que a senhora usava para ir na roça. Mesmo a senhora não es-
tando em casa, deixei o meu da formatura em cima da sua mesa da sala,
para ti, como lembrança.
Como símbolo da nossa vida camponesa, que não foi fácil, mas
comida nunca nos faltou. Foi ali, no dia a dia da chuva e do sol, que
aprendemos juntas que a educação e os estudos nos possibilitam que
plantemos várias sementinhas em outras pessoas, para que reflitam suas
realidades e, a partir disso, possam se libertar das amarras dos pensa-
mentos e das ações opressoras e, desse modo, construam as suas liberda-
des e a transformação dessa sociedade injusta.
E assim, aos poucos, fui perdendo o medo. Lembra? Já tinha
viajado muito longe e sozinha, já tinha até andado de avião. O senti-
mento de ser capaz de fazer as coisas em minha vida devo à senhora,
o acreditar em mim mesma, mesmo sendo mulher camponesa, foi e
é um fator decisivo em minha construção de vida. Se faz necessário
refletirmos e lutarmos para que, em nossas histórias, sejamos nós as
protagonistas, afinal, “terminaram por ter no sonho também um mo-
tor da história. Não há mudança sem sonho como não há sonho sem
esperança” (FREIRE, 1992, p. 47).
E continuo sonhando, aqui, inspirada pelo nosso tempo vivi-
do juntas, mas também inspirada pela Luta. Um tempo depois, não
493
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

lembro se já tinha lhe contado, quando conheci o Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra e reconheci que também sou Sem
Terra, e que Freire nos ensina, nas suas escritas em livros, que o Mo-
vimento ensina na sua realidade, na luta, na mobilização, no acam-
pamento, na escola do campo, na escola itinerante, nas marchas, que
é essa a realidade, que é esse o ponto de partida para qualquer que
seja a transformação do sujeito.
Com isso, sempre procurei buscar a compreensão e, mais do
que isso, conhecer a história, a nossa história, aquela que é conta-
da por nós; não pelos outros. A escola me ensinou muito, mas a
convivência com o Povo me ensinou coisas que, dentro das paredes
da escola, não eram possíveis de serem ensinadas, até mesmo pela
melhor professora.
Aprender a caminhar de chinelo durante um dia de chuva sem
respingar barro até por cima da cabeça é uma das maiores conquistas
da vida de uma criança. Chegar à escola, lavar os pés na torneira que
havia do lado de fora e colocar os calçados limpos fazia-me pensar
que apesar de ter caminhado a pé por uns quatro quilômetros, ainda
assim me sentia privilegiada. Digo isso, porque a senhora e meu avô
não conseguiram terminar nem sequer o Ensino Fundamental e sa-
biam ler, escrever e fazer contas básicas. Entretanto, eu olhava para os
lados e via muitas crianças que estudavam comigo e que só vinham à
aula porque dependiam da merenda para se alimentarem. Essa era a
condição delas. Já eu; eu ia por prazer!
A senhora lembra de quando eu chegava da escola? Eu não parava
de falar, contando todos os acontecidos das aulas e sobre quais as frutas
que tinha apanhado no caminho ou os passarinhos que tinha visto.
Foram momentos fundamentais para a minha construção crítica
de percepções e consciência com e para o mundo.
E foi graças à senhora que, hoje, uso essas lentes da indignação
diante das injustiças do mundo, que busca pela esperança por dias me-
lhores, no amor ao Povo, na educação como ferramenta para nossa liber-
tação. E rego-as constantemente com a práxis pedagógica e libertadora.
Que as sementes jogadas ao vento encontrem a terra e frutifi-
quem. Iguais àquelas que a senhora semeava, eu as lanço no seu quintal
cheio de flores.
494
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Que os ventos te levem meus abraços apertados,

Danke schön, lieb dich für immer2.

De sua neta, Ise.

Palavras-chave: Experiência. Educação. Paulo Freire.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra, 1987.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

2 Obrigada, te amo para sempre (tradução da autora).


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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AOS QUE EDUCAM EM TEMPOS CRISE:


TECENDO FIOS DE ESPERANÇA

Romário Silva Jorge


Centro Educacional Professora Alzira Alves Carneiro – CE-
PAAC
rom.mario080694@gmail.com

Ana Paula Santana Magalhães


Escola Municipal Teotônio Marques – EMTM
anapaulasm1@hotmail.com

Juscélia Silva Costa


Grupo Escolar Raulindo Cardoso Pimenta – GERCP
jusceliacosta9@gmail.com

Uelques Batista Santana


Colégio Municipal do Distrito do Murici – CMDM
welquessantana@yahoo.com.br

Caríssimos/as educadores/as

Quem lhes fala é um professor que, assim como vocês, tem sen-
tido os efeitos de um emaranhado de ações restritivas que dão forma a
uma verdadeira crise no campo da Educação, embora muitos/as de nós
não tenhamos clareza de onde elas vêm, quem as determina e como
elas repercutem na prática. Sem a pretensão de gerar pânico, venho,
por meio desta carta, tecer fios de esperança e relembrar que, tomados/
as pelos pensamentos freirianos, precisamos transformar tal realidade.
Antes, quero situá-los/as melhor quanto a esse engenhoso amálgama
que tem nos afetado diretamente.
A história da Educação nos mostra que o espaço escolar e a
atuação docente sempre foram permeados pela resistência. A exem-
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

plo disso, podemos citar a luta pela escola pública, encabeçada por
Anísio Teixeira e seus companheiros de geração, bem como a garra
daqueles/as que integram os movimentos sociais, buscando processos
educativos permanentes e contextualizados com a vivência de todos os
povos, tal como prevê a nossa Constituição Cidadã. Mesmo em mo-
mentos em que a voz popular foi cerceada – na ditadura militar, por
exemplo, quando as escolas eram intencionalmente utilizadas como
aparelhos ideológicos e disciplinadores do Estado –, ainda assim, é
visível o caráter libertador que flui da Educação (RIBEIRO, 2018),
quer seja pela percepção da ausência de liberdade, quer seja pelo grito
dos sujeitos que esperançam dias melhores.
Essa necessidade de lutar e de resistir não ficou no passado. No-
vos tempos, novos desafios. Hoje, temos presenciado uma série de
investidas que projetam como horizonte a desumanização e o des-
monte da escola pública. Dentre eles, podemos mencionar a tentativa
de perpetrar o modelo hegemônico do neoliberalismo, pautado em
interesses econômicos e ideológicos das empresas privadas. Não por
acaso, muitos dos documentos oficiais da Educação brasileira – a di-
zer, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – incutem o ideário
de que é preciso formar os/as estudantes para o mercado de trabalho
(BRASIL, 2017), para a competição, garantindo a manutenção do
sistema que engendra o capitalismo.
Outro fator preocupante são as restrições à atuação docente, devi-
do a movimentos como o “escola sem partido”, merecidamente chama-
do de lei da mordaça, visto que este nega o princípio da autonomia di-
dática anteposto nas normas de funcionamento do ensino e, a reboque,
oculta as contradições e os conflitos que alicerçam nossa sociedade. Isso
sem contar acerca da onda de desvalorização da profissão docente, na
ampliação da jornada de trabalho e no pagamento de salários ultradefa-
sados, condições essas que desestimulam e ampliam as proporções desse
leque de fatores contrários à Educação com qualidade social.
Embora pareçam isoladas, essas ilustrações compõem um proje-
to maior que gera “cidadãos de papel”, extremamente passivos e úteis
aos interesses de quem articula os mecanismos de poder (DIMENS-
TEIN, 2004). Como reflexo disso, não conseguimos explorar os “co-
nhecimentos disponíveis tendo como critério e finalidade a busca da
498
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

verdade” (SAVIANI, 2018, p. 44), o que, como já nos alertava Freire


(1987), tende a reforçar comportamentos prescritivos, definidos por
opressores. Ora, esses e outros ataques são, nada mais, nada menos,
que uma investida contra a própria soberania nacional. Nesse sentido,
urge mobilizar educadores/as para a construção de “uma escola que
esteja disposta a contrariar destinos” (KRAWCZYK, 2018, p. 10),
formando sujeitos ávidos pela leitura do mundo e por transformá-lo
visceralmente (FREIRE, 1992).
Eu sei que, somado às desigualdades educacionais escancaradas
pela pandemia da Covid-19, desde o início do ano 2020 até o presente
ano, 2021, todo esse cenário se torna desesperador e nos faz questionar:
será que tanto esforço para educar vale a pena? Qual o papel da Educa-
ção em meio à uma sociedade temerosa e sem muitas perspectivas? Ins-
pirado nas sábias palavras de Freire (1994), parto dessas indagações para
reavivar a esperança de que professores/as e alunos/as podem, juntos/as,
aprender, ensinar e resistir aos obstáculos. Por fazer parte da natureza
humana, a capacidade de esperançar é, igualmente, uma das energias
vitais para a docência. Cabe salientar que, ainda segundo Freire (1992;
1994), o sentido de esperança aqui apregoado não se restringe à espera
em si mesma, mas à predisposição para sonhar e para delinear estraté-
gias a fim de alcançar esses sonhos.
Ademais, devo lembrá-los/as de que a crise, seja ela de qual ordem
for, possui um sentido positivo, quando a vemos como desafio potencial
a ser superado. A desistência e a acomodação não são (e nunca foram!) as
melhores opções para quem escolhe a docência como profissão. Por isso,
peço, encarecidamente, que resistam (e motivem seus alunos a, de igual
modo, resistirem) a todo discurso que exalte o silêncio ou situe a impossi-
bilidade de mudança como uma sina. Creio que esse é um dos mais belos
pensamentos freirianos e, sobre ele, incide o desejo de esperançar. Afinal,
como descreveu Krawczyk (2018), no que pese à Educação e à escola
pública, vivemos tempos difíceis mas não impossíveis.

Tanque Novo, outono de 2021.

Palavras-chave: Educação. Tempos de Crise. Esperança.

499
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricu-
lar. Brasília: MEC, 2017.
DIMENSTEIN, G. O cidadão de papel: A infância, a adolescência e
os Direitos Humanos no Brasil. Ática, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
KRAWCZYK, N. Escola Pública: tempos difíceis mas não impossí-
veis. Campinas: FE/UNICAMP; Uberlândia: Navegando, 2018.
RIBEIRO, R. J. Escola Pública no Brasil: Como enfrentar os tempos
difíceis. In: KRAWCZYK, N. (Org.). Escola Pública: Tempos difíceis
mas não impossíveis. Campinas, SP: FE/UNICAMP; Uberlândia,
MG: Navegando, 2018. Pp. 97-106.
SAVIANI, D. A crise política e o papel da educação na resistência ao
golpe de 2016 no Brasil. In: KRAWCZYK, N.; LOMBARDI, J. C.
(Org.). O golpe de 2016 e a educação no Brasil. Uberlândia: Nave-
gando Publicações, 2018. Pp. 227-245.

500
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA À JUVENTUDE: EXISTIR E RESISTIR

João Daniel W. Foschiera


Universidade Federal da Fronteira Sul
joao@capa.org.br

Gabriel Tamanchieviz Argenton

Grasiele Berticelli

Kariane Vanessa Gaiardo

Rhuane Cristine Fonseca Salles

Erechim, 4 de março de 2021.

Cara juventude,

Certos de que não há na resistência uma idade que nos limite


a contribuir e a agir, dedicamos a você a escrita desta carta. Somos
um grupo de cinco jovens que, unidos pela Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS) e pelo Movimento Estudantil, nos encontramos
atuando hoje em entidades que se somam numa grande articulação,
chamada “Movimento em Defesa da Democracia, Educação Pública
e Direitos Sociais” (MDDEPDS). Este é construído por organizações
que sempre lutaram ao lado do povo, como sugere o próprio nome
do movimento, sendo ele composto por 29 entidades atuantes na re-
gião do Alto Uruguai Gaúcho, entre instituições públicas de ensino,
entidades religiosas e sindicais, movimentos sociais, cooperativas e so-
ciedade civil organizada. Aqui as citamos: UERGS, IFRS, UFFS (do-
centes, discentes e técnicos administrativos), Cresol, Creral, Cecafes,
Cooperfamília, Cooperativa Nossa Terra, Agricoop, Atapers, Sutraf-
501
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

-AU, CUT, Sindicato dos Municipários, Sindicato da Alimentação,


Sindicato dos Comerciários, Sindicato dos Metalúrgicos, CPERS,
MAB, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Pastorais Sociais
da Diocese de Erechim, Pastoral da Criança, Pastoral da Juventude,
Cáritas, Levante Popular da Juventude, FEAB, Obra Santa Marta,
CAPA, JPT e UJS. Iniciamos em um cenário de pandemia e descaso
por parte do nosso chefe de estado com ações de solidariedade, pala-
vra esta já empregada e evidenciada por Paulo Freire (2018, p. 55),
embasados em um trecho em que o autor afirma que num pensa-
mento dialético, ação e mundo, e mundo e ação, estão intimamente
solidários. A partir do MDDEPDS, consolidaram-se ações de arre-
cadação de itens de higiene (álcool, sabão e máscaras) e alimentos,
os quais são produzidos pela agricultura familiar regional, para que
houvesse contribuição em suas atividades de produção, bem como
beneficiando comunidades indígenas e famílias urbanas carentes na
região do Alto Uruguai. Quanto à juventude, nós nos dispusemos a
montar as cestas na medida em que os produtos fossem chegando, nos
atentando aos protocolos de saúde durante o processo. O grupo rece-
beu apoio dos professores e das professoras do Curso Interdisciplinar
Licenciatura em Educação do Campo, da UFFS campus Erechim, que
realizaram a confecção de máscaras, além da Universidade Estadual
do Rio Grande do Sul (UERGS), que contribuiu com a produção de
sabão artesanal, assim como do Instituto Federal (IFRS), com cestas
básicas e álcool, por meio de projeto de extensão. Também contamos
com o recurso econômico recebido por meio de arrecadação solidária
na conta bancária da Obra Santa Marta, com o qual realizou-se a
compra de alimentos da agricultura familiar regional, com os quais
foram montadas as cestas básicas.
Como grupo de juventude que somos, nós nos dispusemos a
contribuir com as ações coletivas, partindo do entendimento de Freire
(2018, p. 32) em que “Ninguém chega a parte alguma só, muito me-
nos ao exílio”. Por meio desta escrita, queremos lhes passar algo que
observamos enquanto jovens que, ao estarmos organizados coletiva-
mente, podemos interferir na realidade, atuando ativamente e cons-
truindo alternativas em conjunto. Segundo Freire (1998), o homem
pode dominar, humanizar e impulsionar sua realidade devido ao fato
502
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de estar diretamente relacionado a ela, construindo ações e decidindo,


assim, sua realidade. Ora, enquanto escrevemos estas palavras, temos
consciência dos dados da pandemia da Covid-19 nos dias de hoje
no Brasil, porém, quando iniciamos as atividades de solidariedade,
o vírus ainda era novidade; mas a fome já se apresentava na socieda-
de. Aos poucos, queridos/as companheiros/as da juventude, com a
desinformação se instalando em meio ao povo, o boletim diário de
mortes passou a crescer. Chegamos ao momento presente e seguimos
escrevendo com um profundo sentimento de pesar, memorando as ví-
timas e as famílias enlutadas e lhes trazendo o cortante número de, em
média, 2.800 óbitos diários de brasileiros/as. Por vezes, o cenário tem
nos feito desesperançar e, neste momento, nós nos dirigimos a vocês,
nova juventude, com a citação de Freire (1988, p. 33): “Do alvoroço
da alma faz parte também a dor da ruptura do sonho, da utopia. A
ameaça da perda da esperança”. Citação que, neste momento, nos dá
alerta e alento para enfrentar os dias mais amargos. Segundo Freire
(1988, p. 32), “A esperança de produzir o objeto é tão fundamental
ao operário quão indispensável é a esperança de refazer o mundo na
luta dos oprimidos e das oprimidas”. Com isso, nós nos colocamos
a pensar e compartilhamos essa sensação e reflexão com vocês, caros
colegas da juventude, de que ao chegar à beira dos cânions gaúchos
localizados no extremo Nordeste do Rio Grande do Sul, junto à di-
visa com Santa Catarina, onde os campos de cima da serra terminam
abruptamente, em desníveis que chegam a quase 1.000 metros de al-
tura, é possível observar sensações do vento no rosto, bem como cons-
truir uma ideia da dimensão da altura apenas de admirar. Porém, para
perceber tamanha magnitude, não é necessário se jogar de lá de cima,
pois já nos sentimos à beira dos cânions ao observar o desenrolar de
uma crise social sem precedentes e não encontramos, no atual Chefe
de Estado, uma representação competente. Nosso sentimento é de
profunda indignação diante dos ataques aos setores democráticos que
o mesmo vem incitando, além de instaurar perseguição aos movimen-
tos sociais, como as organizações integrantes deste conjunto ao qual
nos somamos, as quais atuam em defesa da comida no prato do povo,
lutando por saúde, pão, vacina e educação. Das ações do desgoverno,
além da troca constante de ministros da saúde, contamos com a falta
503
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de investimento em setores que pesquisam vacinas, sem contar a reali-


dade catastrófica de cadastramento para receber auxílios emergenciais.
Tendo em vista a dificuldade de acesso à informação pelas populações
empobrecidas, o MDDEPDS realizou mutirões para ajudar no cadas-
tramento das famílias e, nas ocasiões, também entregamos máscaras
novamente confeccionadas pelas docentes da Educação do Campo
da UFFS Erechim. Neste segundo momento da pandemia, com os
auxílios tendo cessado em dezembro de 2020, cá estamos nós, no
mês de abril de 2021, e nenhuma ação vinda do Governo Federal
fora concretizada até o momento. Consideramos importante que o
povo brasileiro tome consciência de suas escolhas, de seu voto, pois,
conforme alertado por Freire (1996), há uma ideologia fatalista que
sustenta o discurso do neoliberalismo, com feição de pós-moderno,
e tal ideologia fatalista nos demonstra, com seu discurso, que nada
podemos fazer para mudar a presente realidade. Com isso, convida-
mos você, jovem, a compreender os dizeres de Freire (2018, p. 120)
entendendo que “[...] nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa
visão do mundo, ou tentar impô-lo a ele, mas dialogar com ele sobre
a sua e a nossa”.
Portanto, como sugere Freire (2000, p. 61) “Luta contra o des-
respeito à coisa pública, contra a mentira, contra a falta de escrúpulo.
E tudo isso, com momentos apenas de desencanto, mas sem jamais
perder a segurança”. Este grupo convida a você, juventude, a se atentar
a esta citação de Freire (2000, p. 61): “Não importa em que sociedade
estejamos e a que sociedade pertençamos, urge lutar com esperança e
denodo”. Assim, nos despedimos, certos de que em breve poderemos
nos ver pessoalmente, com segurança e afeto, e lhes convidamos a
seguir existindo e resistindo!

Recebam nossos abraços fraternais.

Palavras-chave: Solidariedade. Juventude. Organização Social.

504
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

505
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PEDAGOGIA DA EDUCAÇÃO POPULAR EM TEMPOS DE


ENSINO REMOTO: UM CONVITE A REEXISTIR A ESCOLA, A
ESPERANÇA E A VIDA

Patrícia Signor

Ivani Soares

Celso Ilgo Henz


Universidade Federal de Santa Maria
psignor89@gmail.com

Aos educadores das escolas públicas gaúchas,

Estimados marinheiros do ensino remoto, há mais de um ano,


enfrentamos tempestades e mares revoltos, tentando não naufragar.
Para manter o barco da educação no rumo e não deixar nossos estudan-
tes afundarem, seguramos fortemente as velas. São tempos difíceis para
os navegantes que sonham com a liberdade, com a autonomia, com a
igualdade e com a justiça. As temidas propostas de desmantelamento
da escola pública, contra as quais lutamos há anos, vieram na forma
de ensino domiciliar, invadiram as residências dos educadores e dos
estudantes como alternativas de manutenção do direito à educação das
crianças e dos jovens.
A pandemia avassaladora da COVID-19 ceifou, em um ano, mais
de 317 mil vidas e é a maior tragédia do nosso tempo. A educação, em
meio à incerteza, à angústia, ao medo, se viu obrigada a adotar estratégias
para continuar chegando aos estudantes. Sem ter sequer um tempo para
ser pensada de maneira minimamente humanizada, a educação passou a
usar metodologias dos modelos a distância, tais como as tarefas dirigidas
e o ensino remoto. Questionamo-nos: em um país vergonhosamente
desigual como o Brasil, é possível garantir que todas as residências te-
nham acesso à internet e possuam computadores ou aparelhos celulares?
É possível garantir aprendizagens sem acompanhamento?
507
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A pedagogia da educação popular, marcada pela crítica à educa-


ção bancária – esta que está ligada ao depósito de conteúdos, à vertica-
lização das relações professor-aluno, que está deslocada da realidade dos
estudantes, que tanto contribuiu para a exclusão das classes populares
– parece ser ressignificada nas condições que acentuam as desigualdades
causadas pelo ensino remoto. Sem suporte, sem capacitação, no atual
contexto político-social-educacional, não sabemos o que esperar do fu-
turo de nossas escolas. Por isso, meu convite a vocês é justamente este:
não esperemos! Esperancemos!
Ninguém estava preparado para educar, trabalhar, conviver em
meio a uma pandemia. Contudo, não são os bons ventos que precisam
de marujos experientes e corajosos, já que é nas tempestades que temos
de nos fortalecer, unir ideais e (re)construir uma escola para superar os
obstáculos que a sociedade do medo e do despreparo nos impõe. Freire,
em Pedagogia do Oprimido, diz que o que diferencia os seres huma-
nos dos outros animais é que todas as espécies se adaptam às situações
impostas; mas só os humanos são capazes de transformar sua realidade.
Entretanto, como afirma Freire, na obra Medo e Ousadia, “o educador
libertador tem que estar atento para o fato de que a transformação não
é só uma questão de métodos e técnicas (FREIRE; SHOR, 2011).
Por esta razão, se somos oposição ao sistema que oprime, se de-
fendemos uma educação que liberta, se queremos uma escola que seja
para todas e todos e que ensine a questionar, a pensar e a humanizar,
precisamos, neste momento, talvez mais do que em outros, nos levantar
e lutar. Sabemos que somos seres inconclusos e em constante caminhar,
por isso não sejamos como estrangeiros que chegam e impõem rumos.
Ao contrário, que possamos constituirmo-nos sujeitos de relações, sa-
beres e experiências, juntamente com aquelas e aqueles que conosco
caminham. Entrelaçar experiências e saberes é recriar possibilidades e
atuar com comprometimento em diferentes contextos.
Nossa inquietação ao escrever-lhes reside em uma dúvida: é possí-
vel construir uma escola, uma pedagogia, uma educação dialógica e par-
ticipativa em meio a um contexto de ensino remoto? Falar em educação
popular, no contexto do distanciamento social, soa quase como uma
incoerência, pela perspectiva de que a opção por uma educação po-
pular pressupõe diálogo, encontro, compartilhamento de experiências
508
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que constroem aprendizagens. O enorme desafio é pensar a pedagogia


freireana sob os princípios da educação popular em contextos de dis-
tanciamento social, ensino remoto, pandemia e tantas realidades sociais
famigeradas. Entretanto, sabemos que é justamente nesses contextos
que ela se faz mais necessária. A pandemia desmascarou e acentuou as
desigualdades brutais e desumanizadoras no Brasil, e uma das poucas
certezas que restam é que esse não é o momento de a educação abando-
nar quem mais precisa dela: os coletivos populares.
A educação popular, pela sua historicidade, brota como esperança
em comunidades à margem dos locais de destaque e prestígio social.
Brota nas populações negras, quilombolas, ribeirinhas, indígenas, nos
movimentos sem-terra, nos coletivos feministas, LGBTQIA+ e no povo
pobre, marginalizado, que formam a maioria da população brasileira.
Por essa razão, em um contexto de saúde pública que fragiliza ainda mais
essa parcela da população que não tem acesso a quase nada, que tem a
vida ameaçada diariamente, a educação popular se faz necessária como
uma pulsão de vida, como resistência ao afogamento do sentido existen-
cial pelo esmagamento por parte de políticas neoliberais e pelas necro-
políticas, as quais negam a existência e a importância de todas as vidas.
É na acolhida, no afeto positivo, na produção de sentidos para
a vida e para a educação, que a perspectiva popular oferece apoio. No
modo de ser humano, de importar-se, na troca de saberes e, em especial,
na escuta que a vivência da educação popular é fundamento de trans-
formação e libertação, é que se reconhece cada mulher e cada homem
dentro das suas singularidades e especificidades nos diferentes tempos
e lugares. Em contextos de distanciamento físico, a possibilidade de re-
inventar e ressignificar encontros é capaz de apoiar e sustentar a vida. A
oportunidade de fortalecer vínculos, ainda que de modo virtual, é uma
reinvenção do potencial das culturas e vivências populares nos contex-
tos mais fragilizados.
É com o outro que é possível pensar a viabilidade de novos ca-
minhos. Vivenciar os desafios do distanciamento e acreditar em inédi-
tos-viáveis é utilizar as ferramentas e as condições disponíveis para que
seja possível sustentar a utopia do encontro que fortalece, do olhar que
acolhe e reconhece, da escuta comprometida e amorosa, da palavra que
emancipa, do engajamento que impulsiona os passos para direções de
509
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

vida com maior dignidade e boniteza em todos os sentidos e dimensões.


Onde houver coletivos populares fortalecidos, podem surgir iniciativas
de inclusão quanto ao acesso às tecnologias, a fim de aproximar um nú-
mero maior de pessoas que, mesmo distanciadas fisicamente, sejam ca-
pazes de construir diálogos problematizadores acerca do contexto atual
e da promoção da dignidade e da libertação.
As práxis político-pedagógicas da educação popular sempre in-
tentam ser vivências de ensino-aprendizagem em prol dos silenciados e
invisibilizados, impedidos de serem sujeitos da própria história. Partin-
do das diferentes realidades de cada grupo social, por meio do diálogo
crítico-reflexivo, vai-se gerando a tomada de consciência sobre os dife-
rentes condicionamentos, mas também sobre a possibilidade de trans-
formar a realidade e a si mesmos, como seres inacabados. Para além da
resistência, emerge a conscientização e a esperança, desafiando o com-
promisso com a transformação por uma outra vida e por um outro
mundo possível, no qual todas e todos sejam escutados, reconhecidos e
possam dizer a sua palavra. Esperamos estar ao lado de vocês nesta luta!
E vocês, estarão conosco neste desafio?

Com afeto e esperança!

Patrícia Signor, Ivani Soares e Celso Ilgo Henz.

Palavras-chave: Educação Popular. Distanciamento Social. Escola Pública.

Referências
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor.
São Paulo: Paz e Terra, 2011.

510
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AS LETRAS DA TERRA

Louise Löbler
UERGS/Movimento dos Atingidos por Barragens
louiselobler@gmail.com

Os olhares, registrados na Exposição fotográfica “As Letras da


Terra”, vão ao encontro de uma experiência da autora, na oportunidade
de visitar a Escola Itinerante Herdeiros da Luta de Porecatu, em uma
área da Reforma Agrária, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, no município de Londrina – Paraná, em 2018.
Ao escrever as letras, na terra, com o dedinho indicador, se apren-
de que é dali que se vive, em um enamoramento da terra com a edu-
cação, regada de esperança por aquelas mãozinhas sujas de barro que
insistem em escrever e desenhar no chão, mesmo sabendo que o vento
apagará os seus criativos rabiscos. Expressam, pelas cores e pelos traços,
o sentimento de que há esperança nas letras moldadas com barro, em
continuar a plantar as sementes na terra e em acreditar que, como diz
Freire, “A educação não muda o mundo, a educação muda as pessoas, e
as pessoas que mudam o mundo”.
Acreditar que uma educação sensível à realidade dos educandos
é aquela que consegue incidir em seus aprendizados e nas transforma-
ções de consciência e de serem sujeitos. Ela pode ocorrer quando, por
exemplo, durante a alfabetização, aprendem que o “T” é de terra”, o
“C” é de camponesa” e o “P” é de produção”; refletindo, com isso, a
inserção na realidade daquele coletivo para educar no início de sua
vida estudantil, diferentemente de outras escolas em que se ensina a
alfabetização com palavras distantes da realidade daqueles sujeitos,
como, por exemplo, “C” de carro, “T” de tigre, “P” de prédio.
Freire nos inspira a compreender que a educação é feita em
movimento, em coletivo, em que “ninguém se educa sozinho”, pois
somos parte de um todo, somos sujeitos em constantes aprendizados
511
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e transformações, capazes de transformar a realidade por meio da edu-


cação e da ação.

Palavras-chave: Educação. Educação do Campo. MST.

512
CAPÍTULO 7

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ALFABETIZAÇÃO COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DA


CIDADANIA: UMA RELEITURA REFLEXIVA ACERCA DOS
LIMITES DA PRÁTICA

Bruno Gabriel Gomes Cardoso


Uniasselvi – Polo Alvorada.
IFRS – Campus Alvorada
edu.humanistaformativo@gmail.com

O presente artigo tem como objetivo mostrar uma visão reflexiva


acerca do posicionamento crítico que Freire nos traz, a partir do livro
Política e Educação (FREIRE, 1987). Esse documento norteador para
reflexão, por meio da revisão bibliográfica, serve como base para repen-
sar o posicionamento da prática do educador que se diz progressista.
Essa pesquisa de campo educacional incluirá uma reflexão acerca
do capítulo sexto, “Alfabetização como elemento de formação da cida-
dania”, do livro supracitado, a fim de se construir uma reflexão crítica
e interativa sobre a prática da alfabetização como formadora. Segundo
Freire, é preciso “[...] indagar em torno dos limites da alfabetização
como prática capaz de gerar nos alfabetizandos a assunção da cidadania
ou não” (FREIRE, 1993, p. 25).
É necessário, então, que o educador se reconheça e comprometa-
-se com uma política educacional, com nítido entendimento de resis-
tência das classes populares para buscar o seu espaço, partindo de uma
alfabetização indagativa, uma pedagogia da intervenção humanista,
sendo um ato operacional da alfabetização progressista a partir de Freire
Quando falamos de alfabetização, ou pensamos nela, nossa pri-
meira lembrança vai automaticamente à infância, quando somos inse-
ridos no mundo das letras, das rodas de cantos, nas leituras etc. Paulo
Freire (2000) sempre nos sustentou no seu esperançar que não pode ser
em vão, pois precisamos ainda trabalhar muito!
O que proponho a questionar é exatamente sobre a alfabeti-
zação como formadora; formadora de mundos, de pessoas, de uma
sociedade necessitada de uma alfabetização mais popular. Nós nos
515
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

prendemos na palavra cidadania, pois falamos da pessoa cidadão/ci-


dadã como aquele que goza de direitos, ou, melhor, que se espera que
tenha direitos. Não podemos deixar de fora também que o “cidadão”
é responsável por garantir e exercer esse direito; o direito de VIVER,
o direito de SER, de PERTENCER, de se FORMAR e de construir
pontes de equidade e de igualdade.
A alfabetização, por si só, não forma um cidadão/uma pessoa;
mas, sem ela, muito menos se faz. Para que uma alfabetização seja
formadora, é necessário o reconhecimento de sua prática, os limites
que compõem o contexto histórico e, principalmente, a luta de clas-
ses, que é o ato político de constante questionamento, para não se
estagnar, engessar ou neutralizar a educação, a prática e ação transfor-
madora e formadora.

Limites no cotidiano

Quando a alfabetização entra no cenário de formação da ci-


dadania, além da sala de aula, é necessário o comprometimento do
diálogo com as múltiplas formas de saberes no âmbito de construção
e potencialidade de alfabetização que a própria propõe. De uma linha
devaneada dos saberes (saberes diferentes), podemos compreender
que essa formação é dependente da situação social e histórica que va-
mos vivendo, nos cenários políticos e nas construções dessas políticas-
-sociais que surgem da necessidade de resistir como classes populares.
Freire nos fala que:

[...] uma mesma compreensão da prática educa-


tiva, uma mesma metodologia de trabalho não
operam necessariamente de formas idênticas em
contextos diferentes. A intervenção é histórica, é
cultural, é política. É por isso que insisto tanto em
que as experiências não podem ser transplantadas
mas reinventadas (FREIRE, 1993, p. 26).

Podemos aprofundar, ainda, a ideia de que os limites de nosso


cotidiano estão ligados à falta de compreensão, que as ações práticas do
educador não podem se deter em um único modelo de contexto e de
516
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

experiências. O conteúdo programático pode ser até o mesmo, porém


não deve ser “transplantado”, como uma verdade absoluta, acreditando
que todos o conceberão da mesma forma, mas necessita de uma revisão,
de um reinventar a roda e trazer um novo conceito.
Nos processos de ser educador progressista, como aquele que não
se prende a uma verticalidade e/ou a uma neutralidade, é preciso ser
muito crítico de sua própria ação, pois isso tem a ver com os conflitos
entre a teoria e a prática, porque é necessário se atualizar constantemen-
te e construir uma forte relação com o seu posicionamento político,
deixando claro o ponto de vista do seu “ser educador”.
Freire tem um olhar poético e cuidadoso quando fala de ontolo-
gia, que, para ele, é a busca singular do humano em “SER”. Quando
lemos sobre a luta de classes populares, percebemos o seu movimento
ontológico, buscando a sua significação de “ser” e de “existir”. Para
que isso ocorra, é necessário ter que resistir e fazer com que as classes
dominantes percebam a importância do outro “ser” e de ter “voz”! A
falta de percepção dos grupos populares é o resultado da exclusão da
pluralidade, esta que, por sua vez, enriquece os meios de uma educa-
ção progressista.
Desse modo, exige-se que uma prática educativa se dê em um
contexto de tempo e de espaço, respeitando a singularidade. Toda a prá-
tica é submetida a certos limites. A preocupação com a individualidade
de cada ser, sobre quem são, como estão, o que fazem, isso é bagagem,
é o olhar para a identidade individual da educação, é formar cidadãos e,
assim, ela se faz, de modo político, participando e contribuindo, porém
jamais deve ser encontrada em estado neutro.
É fundamental, então, que a claridade política dos educadores
com relação ao seu próprio projeto estabeleça, no universo educacional,
para quem pratica e o tipo de sociedade que quer construir e na qual
quer participar. O educador é alguém que, junto com o educando, faz a
leitura do mundo, e, dessa forma, é preciso que se pronuncie e proble-
matize. A escola não é um lugar neutro e, por isso, é preciso reconhecer
as diversas lutas e os diversos conflitos de classes: as lutas pela ocupação
de espaços, pela escola pública e de qualidade, por salários e condições
dignas para o exercício da profissão é algo imprescindível. O papel do
educador progressista é, ainda que em escolas burguesas, clarear a reali-
517
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dade enevoada pela ideologia dominante e desvelar o mundo de opres-


são no qual estamos inseridos.
Os obstáculos a serem vencidos pelos educadores progressistas
estão na distância entre discurso e prática (se dizer progressista, porém
agir com autoritarismo); na recusa em interferir como organizador; na
divisão entre prática e teoria (só vale a prática popular ou só a teoria
da academia), na não familiarização com as linguagens populares e,
ainda, quando o interesse maior do educador está em que os edu-
candos aprendam o que ele quer ensinar, sem se importar com seus
saberes, sendo autoritário.
Devemos, portanto, fazer da alfabetização um ato político, mas
saber que não só dela depende o indivíduo para ser cidadão.

Considerações finais

Freire deixa-nos bem claro que os limites da educação estão li-


gados aos conflitos sociais e históricos e que os educadores progressis-
tas e as classes populares precisam resistir pela permanência no espaço,
pela constante alfabetização e pela prática justa, de clareza fiel às suas
políticas. É necessário fazer política e ter esse comprometimento, pois
isso fortalece a prática do educador progressista/humanista/liberta-
dor. Isso pode soar estranho, mas falar humanista é observar que uma
ação sua ressignifica vidas, reintegra a moralidade daquele que é, ou
que já foi, marginalizado.
A preocupação com os limites já é um grande ato, uma ação sig-
nificativa do reconhecer-se. Para tanto, é preciso que exista uma propos-
ta progressista que considere as diversas linguagens, expressões e modos
de ser. É essencial, para proporcionar ações transformadoras, o contato
íntegro da política na intervenção do educador, pois ele reconhece nele/
nela as narrativas históricas e abre a fazer essa leitura de mundo, porém
com um olhar mais humanizado. O contato também com as pluralida-
des culturais das classes enriquece esses espaços, problematiza a forma
burguesa de atuar e, principalmente, reflete a forma de ver as coisas, a
forma que forma e que é subjetiva a cada saber. Não nos basta saber
só teoricamente derrubar o pau, ou saber, na prática, como derruba;
é necessário estar junto, fazer parte e partilhar a derrubada do pau. O
518
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ato de alfabetização é constante, pois nós nos relacionamos com a alfa-


betização que opera para libertação de todos os povos e sabemos que o
indagar e o enxergar os limites não podem se acomodar, pois é preciso
estar sempre em profunda revolução.

Palavras-chave: Alfabetização. Limites da Prática. Educador Progressista.

Referências
FREIRE, P. Canção Óbvia (Genève, 1971). In: FREIRE, P. Pedagogia
da Indignação. São Paulo: UNESP, 2000.

519
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A POLÍTICA DO TEMPO: O FUTURO – UM MAPA EM ABERTO?

Ingrid Zacarelli Brito


UNESP- Rio Claro
Ingrid.z.brito@unesp.br

Maria Rosa R. Martins de Camargo


UNESP – Rio Claro
mrosamc@rc.unesp.br

Este trabalho é sobre a relação entre o tempo e a política no ato de


educar. A ideia surge em dois momentos distintos e complementares:
primeiro, ao pensar na relação entre a obra de Paulo Freire e o tempo,
e, depois, ao problematizar as questões do tempo e da educação, tendo
em vista a obra Pedagogia do Oprimido. Interessa-nos, nessa obra, a pro-
blemática do tempo desdobrada por Freire na construção da teoria da
ação antidialógica frente à teoria dialógica da ação, a questão da huma-
nização problematizada num tempo próprio do ser, do qual ele tenha
consciência. Para Freire, “qualquer tempo vivido precisa a-presentear-se
como tempo próprio e singular” (PASSOS, 2008, p. 390).
A problemática do tempo, segundo Sevalho (2018), é ainda pou-
co explorada na obra de Paulo Freire. Escolhemos, impingidos pelo
momento histórico educacional, mapear a questão do futuro explorada
por Freire, tendo em vista sua proposta de educação problematizadora
como “futuridade revolucionária”. Isso será feito com o objetivo de pro-
vocar-se a respeito da e na relação mais direta com as posições políticas
sectaristas da esquerda e a de nós educadores nas práticas de resistência
e de re-existência pelo direito de “ser mais”.
A ideia de mapear vem da opção metodológica pela cartografia.
Segundo Oliveira e Paraíso (2012, p. 167) citando Deleuze e Guatarri,
a cartografia é “a arte de construir um mapa sempre inacabado, aberto,
composto de diferentes linhas, ‘conectável, desmontável, reversível, sus-
521
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cetível de receber modificações constantemente’”. Trata-se, portanto,


de um terreno inventivo, o qual se põe como desafio na construção de
mapas em aberto, enquanto sentidos possíveis.
Muitas questões nos provocam ao nos propormos a ler Pedagogia
do Oprimido: o que é o futuro? O que é a revolução? O que é o futuro
numa revolução ou uma revolução de ou do futuro? Isso porque, talvez,
a “domesticação” do tempo levantada por Freire (2019) remeta a uma
ideia de futuro que, como hipótese, não vá além de ideias sectaristas
que freiam, segundo ele, o processo de emancipação dos homens. Freire
opõem a sectarização à radicalização, enquanto a primeira é castradora,
mítica e, por isso, alienante e irracional, a segunda é criadora e liber-
tadora pela criticidade que a alimenta (FREIRE, 2019). O problema
é que posições sectaristas, afirma Freire (2019, p. 34), transformam a
“realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada”; não
seria o mesmo que predizer o futuro como algo já dado?
A chave aberta por Freire para pensar o futuro está, se assim a
reconhecemos, na redução do tempo como objeto de comando de uma
classe opressora que pretende “’domesticar’ o tempo e, assim, os ho-
mens” (FREIRE, 2019, p. 35). Freire desenvolve ideias de que se esteri-
liza o tempo em “departamentos estanques [...] como se fossem seções
fechadas e intercomunicáveis do tempo, que ficassem petrificadas e nas
quais os homens estivessem enclausurados” (FREIRE, 2019, p. 128). É
dessa “domesticação” do homem no e pelo tempo que se deriva o que
Freire (2019, p. 36) chama de um presente “bem comportado”, o hoje,
como algo dado e imutável, ligado ao passado, e um futuro que, na
melhor das hipóteses, repete o presente “domesticado”.
É assim que o sectário de direita fecha-se em um “‘círculo de
segurança’”, do qual, não pode sair, e estabelece sua verdade (FREIRE,
2019). Essa sua “verdade”, que pode ser a sua “verdade” sobre a vida
dos homens, não deixa de ser também a sua “verdade” sobre o próprio
tempo. Enquanto o sectário de direita constrói uma hipótese de futuro
“esperando a manutenção do presente”, o homem de esquerda, ao sec-
tarizar-se, “transforma o futuro em algo pré-estabelecido, uma espécie
de fado, de sina ou de destino irremediáveis” (FREIRE, 2019, p. 35-
36). Isso ocorre porque ele, segundo Freire (2019, p. 36), “se equivo-
ca totalmente na sua interpretação ‘dialética’ da realidade, da história,
522
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

deixando-se cair em posições fundamentalmente fatalistas”. Com isso,


acaba por ter uma visão do tempo também fechada e reduzida a um
outro “círculo de segurança”, que estabelece, se não as mesmas verda-
des, aquelas muito próximas das criadas pelo sectário de direita. Tanto
um quanto o outro, acredita Freire, desenvolvem ações negadoras da
liberdade (FREIRE, 2019). E no caso do homem de esquerda, isso é, na
visão de Freire, “a negação de si mesmo” (FREIRE, 2019, p. 36).
A questão do tempo parece-nos intrínseca à proposta de Freire
de uma educação para a liberdade. Entende-se que o homem, para ser
livre, teria que problematizar o tempo, um tempo seu. Nas palavras de
Freire (2019, p. 170), as massas populares têm que “’admirar’ o mundo,
denunciá-lo, questioná-lo, [e] transformá-lo”; para que o futuro seja,
daí sim, como Freire acredita, uma construção dos homens que, na luta
por construí-lo, correm os riscos desta própria construção e não temem
estes riscos (FREIRE, 2019). Trata-se de “homens lutando e aprenden-
do, uns com os outros, a edificar este futuro, que ainda não está dado,
como se fosse destino” (FREIRE, 2019, p. 36).
Talvez o que há de mais caro, de mais precioso no livro, esteja
nessa ideia de que não há como problematizar o futuro sem problemati-
zar a historicidade e o inacabamento do homem e da realidade, ou seja,
sem problematizar o tempo.
O intrigante, em Freire, é que o futuro, enquanto “construção dos
homens” faça-se na revolução desde que a chegada ao poder não defina o
cenário dela. A questão parece estar num jogo temporal, dinâmico ou es-
tático, entre um antes e um depois, no qual a chegada ao poder “é apenas
um momento, por mais decisivo que seja” (FREIRE, 2019, p. 183). En-
tendendo a revolução como processo, Freire afirma o “caráter pedagógico
da revolução, como revolução cultural”. Freire diz estar convencido de que
uma revolução autêntica se faz com o diálogo com as massas e que negar
esse diálogo é, no fundo, temer a liberdade. “O diálogo é o encontro dos
homens para Ser Mais” (FREIRE, 2019, p. 114). Podemos dizer, assim,
que o diálogo nos põe em movimento e nos possibilita a construção, em
uma revolução, de relações não absolutistas entre um antes e um depois.
Do mesmo modo que não se pode esperar do opressor um que-
fazer dialógico “problematizante dos homens-mundo ou dos homens
em sua relação com o mundo e com os homens” (FREIRE, 2019, p.
523
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

170), já não se pode esperar outra postura, que não essa, de uma li-
derança revolucionária. Paulo Freire enfatiza que “não há história sem
homens, como não há uma história para os homens, mas uma história
de homens que, feita por eles, também os faz” (FREIRE, 2019, p. 175).
A questão, assim, segundo Freire, não está em fazer a revolução para as
massas, mas sim fazer uma revolução com elas.
Entende-se que a educação dialógica seria revolucionária como
possibilidade de construção de um futuro outro. E não se pode negar
os riscos dessa construção. Talvez derive daí o discurso, combatido por
Freire (2019, p. 182), de que o “processo dialógico” demandaria tempo
e de que primeiro deveria se fazer a revolução por “comunicados” e de-
pois se desenvolver um “amplo esforço educativo”. O argumento usado,
segundo Freire (2019), é de que não seria possível uma educação liber-
tadora antes da chegada ao poder, posicionamento com o qual discorda,
já que, para ele, fazer a revolução é dialogar com as massas.
Esses são alguns contornos de um mapa em construção, de um
traçado cartográfico a ser, e vem sendo, expandido. A abertura à obra de
Paulo Freire é intrigante porque desvela o homem enquanto ser incon-
cluso e inacabado, na sua relação com o tempo histórico, o seu e aquele
em que está inserido.

Palavras-chave: Tempo em Questão. Política em Evidência. Educação


em Movimento.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
OLIVEIRA, T. R. M.; PARAÍSO, M. A. Mapas, dança, desenhos: a
cartografia como método de pesquisa em educação. Pro-Posições, v.
23, n. 3, pp. 159-178, 2012.
PASSOS, L. A. Tempo. In: STRECK, D. R.; REDIN, E. ; ZITKOSKI,
J. J.    (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2008. Pp. 390-391.
SEVALHO, G. Ensaio sobre a ideia de tempo em Paulo Freire: a presença
da duração bergsoniana. Pro-Posições, n. 1, v. 29, pp. 172-191, 2018.
524
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UMA REFLEXÃO ACERCA DA INSERÇÃO


DOS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES POPULARES
NAS COMUNIDADES

Gabriela Oliveira de Castro


IFSUL
gabiolicastro@gmail.com

As universidades públicas federais e estaduais e os institutos fe-


derais estão presentes na grande maioria das capitais do nosso país.
No entanto, o ingresso e a permanência dos estudantes universitários
ainda se configuram desafios a serem enfrentados e mitigados pelos
projetos e movimentos sociais, no que se refere à preparação ao ingres-
so; e pelas próprias instituições de ensino superior, no que se refere à
permanência estudantil.
A maioria dos bairros periféricos das grandes capitais carece de
políticas públicas, tais como saneamento básico, acesso à água tratada,
atendimento médico em Unidades Básicas de Saúde etc. A abordagem
da política social da educação, neste resumo, é em relação à democrati-
zação do acesso ao ensino superior gratuito. As políticas sociais são po-
líticas públicas que se destinam principalmente às pessoas com menor
renda e objetivam a eliminação da pobreza, a redução da desigualdade
social e a redistribuição de riqueza e de renda. Esses objetivos são um
tanto utópicos e inverossímeis num país capitalista como o Brasil, onde
o status quo das elites é mantido através dos pleitos eleitorais.
O avanço das políticas públicas, a partir dos anos 2000, com a
ascensão de um governo progressista, a partir de 2003, possibilitou a
inserção de jovens e adultos de setores vulneráveis na educação supe-
rior, tanto pública quanto privada, do país. Essa inserção foi possível
por meio da democratização do acesso ao ensino superior tanto por
intermédio do fortalecimento do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), utilizado por algumas universidades para o ingresso, quanto
pela implementação do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e do Pro-
grama Universidade para Todos (PROUNI). A partir do governo Lula,
525
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que tomou posse como presidente do país em 2003, observa-se uma ex-
pansão nas políticas de inclusão e de permanência de jovens com baixo
poder aquisitivo, conforme Behring (2009, p. 19) explica:

As políticas sociais são concessões/conquistas mais


ou menos elásticas, a depender da correlação de
forças na luta política entre os interesses das classes
sociais e seus segmentos envolvidos na questão. No
período de expansão, a margem de negociação se
amplia; na recessão, ela se restringe.

A lógica da sociedade patriarcal, branca e elitista baseia-se nas


ideias liberais de que as “minorias” não estão prontas para se autogo-
vernarem. Eles utilizam desse subterfúgio para perpetuar o poder, a
dominação e o medo. Como movimentos sociais, os cursinhos pré-ves-
tibulares fomentam a reflexão de que é possível intervir na realidade e
transformá-la. A educação é uma das formas de intervenção no mun-
do. Por meio da preparação para os certames, das reflexões realizadas
durante essa preparação e, depois, durante a graduação, o estudante
consciente refletirá em como utilizar todo o conhecimento e experiên-
cia adquiridos para auxiliar no desenvolvimento de sua comunidade. A
importância da percepção de se sentir parte do processo e desenhar sua
própria história é citada por Paulo Freire (1978, p. 22):

Numa perspectiva revolucionária, pelo contrário,


impõe-se que os alfabetizandos percebam ou apro-
fundem a percepção de que o fundamental mes-
mo é fazer história e por ela serem feitos e refeitos
e não ler estórias alienantes. Correndo o risco de
parecer esquematicamente simétrico, diria que, no
primeiro caso, os educandos jamais são chamados
a pensar, criticamente, os condicionamentos de seu
próprio pensamento; a refletir sobre a razão de ser
de sua própria situação, a fazer uma nova “leitura”
da realidade que lhes é apresentada como algo que
é e a que devem simplesmente melhor adaptar-se
pensamento-linguagem, absurdamente desligado
da objetividade os mecanismos de introjeção da
ideologia dominante, jamais discutidos.
526
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Na perspectiva de uma oportunidade de cursar o ensino superior,


muitos jovens e adultos têm a consciência de que não estavam prepa-
rados para enfrentar o ENEM, o vestibular ou mesmo os bancos das
universidades públicas e privadas. A falta de preparo se dava por, resu-
midamente, três fatores: o primeiro se caracterizava por terem cursado
um curso supletivo, que era a nomenclatura utilizada para a atual Edu-
cação de Jovens e Adultos (EJA); o segundo, pela ausência de uma boa
base de formação nos ensinos fundamental e médio; o terceiro, e não
menos importante, pela sua formação ou completude do ensino médio
ter ocorrido há alguns anos.
Nesse contexto de maiores chances de ingressar em uma univer-
sidade e, muitas vezes, de representar e conquistar, para a família, o
primeiro diploma universitário de muitas gerações, jovens e adultos de
setores vulneráveis sentem a necessidade de se preparar para o ingresso
e a permanência na vida acadêmica. Esse acesso e essa permanência se
encontram intimamente relacionados à questão social, suas múltiplas
desigualdades e disparidades, pois, segundo Iamamoto (2018, p. 210),

A “questão social” condensa múltiplas desigualda-


des mediadas por disparidades nas relações de gê-
nero, características étnico-raciais, relações com o
meio ambiente e formações regionais, colocando
em causa amplos segmentos da sociedade civil no
acesso aos bens da civilização.

Um fragmento do livro Pedagogia do Oprimido nos remete a um


ideário de humanização preconizado por Paulo Freire (1987, p. 54):
“Para alcançar a meta da humanização, que não se consegue sem o desa-
parecimento da opressão desumanizante, é imprescindível a superação
das situações limites em que os homens se acham quase coisificados”.
Todo o ideal da construção coletiva de um curso popular pré-vestibular
tem o foco em um espaço construtivo e libertador para o debate acerca
dos conhecimentos de mundo e da vida, em busca de uma democrati-
zação dos saberes e do acesso à informação em todos os níveis de ensino.
A construção coletiva de uma identidade comunitária, um dos
pressupostos para o desenvolvimento e unidade de um curso Pré-Ves-
tibular Popular, pressupõe, além de conhecimentos voltados aos cer-
527
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tames, conhecimentos acerca de políticas públicas, direitos e deveres,


direitos humanos, cidadania, enfim pautas voltadas à discussão de ques-
tões sociais e humanitárias. Os cursos pré-vestibulares populares tam-
bém cumprem a função social da escola, contribuindo para a ampliação
de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes,
assegurando-lhes formação com reflexão para o exercício da cidadania,
além de fornecer-lhes meios, diretrizes e motivação para seguir com
estudos posteriores. Os estudantes precisam ter plena consciência de
seus direitos e deveres como cidadãos para que sejam capazes de exercer
sua cidadania, lutar pelos seus direitos e ter consciência de seus deveres.
Entende-se que os cursos pré-vestibulares populares podem de-
sempenhar um papel motivador fundamental dentro das comunidades,
avivando o interesse dos jovens e dos adultos na continuidade dos estu-
dos e na perspectiva de melhorarem o local onde vivem. Porém, muitas
vezes, falta-lhes conhecimento acerca das políticas públicas vigentes,
do conhecimento mais profundo das disciplinas para os certames, bem
como o entendimento das várias formas de ingresso que as leis de co-
tas propiciam. Nesse cenário, a inserção do curso pré-vestibular popu-
lar como um coletivo, um movimento social, deve focar no pensar, no
construir, no desenvolver, no mudar, enfim, no esperançar. Paulo Freire
(FREIRE apud CORTELLA, 2005) escreveu que:

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo


esperançar; porque tem gente que tem esperança
do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não
é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, es-
perançar é ir atrás, esperançar é construir, esperan-
çar é não desistir! Esperançar é levar adiante, espe-
rançar é juntar-se com outros para fazer de outro
modo [...]

Em última análise, pode-se pensar o esperançar como uma forma


de se ver a construção e a formação dos cursos pré-vestibulares popula-
res engajados não somente na vertente mais técnica e pedagógica, mas
também na vertente social e humanitária.

Palavras-chave: Pré-Vestibular Popular. Estudante. Curso.


528
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BEHRING, E. R. Política Social no Contexto da Crise Capitalista. In:
Serviço Social: Direitos Sociais e Competências. Brasília: CFESS/
ABEPSS, 2009.
CORTELLA, M. S. Recusar a destruição da convivência digna! (valores
inadiáveis). In: PASSETTI, E.; OLIVEIRA, S. (Orgs.). A tolerância e
o intempestivo. Cotia: Ateliê Editorial, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
Processo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
IAMAMOTO, M. V. Marxismo e Serviço Social: uma aproximação.
Revista Libertas, v. 18, n. 2, pp. 204-226, 2018.

529
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA OS PROCESSOS


EDUCATIVOS INCLUSIVOS NA ATUAÇÃO DOCENTE
NO ENSINO REGULAR

Monalisa da Silva
UERGS
monalisaprofe@gmail.com
monalisa-silva@uergs.edu.br

Esta pesquisa teve como aporte as obras de Paulo Freire, num


estudo realizado durante a disciplina “Práticas Freireanas”, a qual cursei
como aluna especial no Mestrado Profissional em Educação da Uergs. A
intenção deste trabalho é analisar sobre “As contribuições de Paulo Frei-
re para os processos educativos inclusivos na atuação docente no ensino
regular”. O objetivo é favorecer a efetivação da inclusão escolar, insti-
gando possíveis mudanças na atuação dos professores em sala de aula
com alunos com necessidades educacionais especiais do ensino regular.

Metodologia

Destacamos a necessidade de uma análise mais profunda acerca


da atuação e da formação de professores, os quais atuam nas salas de
aula do ensino regular com alunos com necessidades educacionais espe-
ciais nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
Abad e Monclús comentam que não é possível propor uma refor-
ma educacional sem pensar na formação dos professores responsáveis pela
condução desta nova proposta. É unânime a constatação de que os pro-
fessores não estão preparados para incluir alunos com NEE (Necessidades
Educacionais Especiais), pois seus cursos de graduação não os preparam
para isso e as poucas oportunidades de formação continuada também não
(ABAD; MONCLÚS, 1998 apud VITALIANO, 2010, p. 51).
Nesse sentido, com o propósito de favorecer as discussões referen-
tes ao tema, ressaltamos que:

531
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Quando falamos da formação inicial dos profes-


sores dos cursos de licenciaturas, entendemos que
estes devem ser preparados de modo a compreen-
der e assumir o processo de inclusão de alunos com
NEE, sobretudo na ocasião do planejamento e da
execução de suas atividades didáticas, com aten-
ção à organização da sala de aula, aos materiais
didáticos, à sequência e ao ritmo de exigência de
realização das atividades, de modo a contemplar as
diferenças apresentadas pelos alunos presentes em
sala de aula, bem como interagir com os alunos
com NEE, de modo a orientar seu processo de
aprendizagem e promover sua socialização com os
colegas de turma (VITALIANO, 2010, p. 54).

Os cursos de licenciatura precisam oferecer subsídios para uma


formação que qualifique cada vez mais os professores para atuarem,
concedendo os processos educativos inclusivos em sala de aula, pois
segundo Freire (2014, p. 30-31),

Não há ensino sem pesquisa e nem pesquisa sem


ensino. Esses quefazeres se encontram um no cor-
po do outro. Enquanto ensino, continuo buscan-
do, reprocurando. Ensino porque busco, porque
indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso
para constatar, constatando, intervenho, inter-
vindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer
o que ainda não conheço e comunicar ou anun-
ciar a novidade. Os professores precisam estar em
constante aperfeiçoamento, pesquisando, apren-
dendo, para estarem capacitados a trabalharem
com todos os alunos.

Freire (2014, p. 37) completa seu pensamento dizendo que: “Faz


parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer
forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de
gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a
democracia”.
Novamente Freire nos presenteia com essa máxima. Isso, infeliz-
mente, acontece com os alunos com NEE que sofrem discriminação e
532
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

preconceito, o qual causa, muitas vezes, diferentes angústias e sofrimen-


tos. Sobre isso, Freire (2014, p. 63):

Ao pensar sobre o dever que tenho, como profes-


sor, de respeitar a dignidade do educando, sua au-
tonomia, sua identidade em processo, devo pensar
também, como já salientei, em como ter uma prá-
tica educativa em que aquele respeito, que sei dever
ter ao educando, se realize em lugar de ser negado.
Isto exige de mim uma reflexão crítica permanente
sobre minha prática através da qual vou fazendo a
avaliação do meu próprio fazer com os educandos.

Freire defende uma educação libertária na qual o educador e o


educando tornam-se seres críticos e criativos no processo de aprendiza-
gem. O professor deve oportunizar aos alunos a participação ativa nas
aulas, reforçando que eles são sujeitos críticos.

Por isso é que, na formação permanente dos pro-


fessores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
prática de hoje ou de ontem que se pode melho-
rar a próxima prática. O professor, quando reflete
sobre sua prática, pode aprimorá-la. Outra questão
importante é a mudança de olhar por parte dos pro-
fessores. E aqui me refiro ao olhar humano, pois se
não mudarmos o pensamento diante da realidade
que temos em nossas escolas, não mudaremos nos-
sos atos, nossos gestos (FREIRE, 2014, p. 40).

Freire (2014, p. 44) alerta-nos que: “Este saber, o da importância
desses gestos que se multiplicam diariamente nas tramas do espaço es-
colar, é algo sobre o que teríamos de refletir seriamente”.
Portanto, os professores devem refletir sobre suas atitudes no co-
tidiano escolar, principalmente as atitudes com os alunos com NEE. E,

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a


representar na vida de um aluno um simples gesto
do professor [...] (FREIRE, 2014, p. 43).

533
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Em muitos momentos, para diversos alunos, um gesto do profes-


sor pode mudar o seu dia e, quem sabe, a sua vida, por isso é tão impor-
tante que os professores estejam preparados para atuarem com amor e
carinho com os alunos com NEE. Freire (2014, p. 141) diz:

Lido com gente e não com coisas. E porque lido


com gente, não posso, por mais que inclusive me
dê prazer, entregar-me à reflexão teórica e crítica
em torno da própria prática docente e discente,
recusar a minha atenção dedicada e amorosa à pro-
blemática mais pessoal deste aluno ou aluna.

Freire, sabiamente, brinda-nos com suas reflexões preciosas, trazen-


do-nos a importância de sabermos que lidamos com gente e que, desse
modo, precisamos atuar com olhar amoroso, o que é essencial nas relações
humanas. Tendo isso em vista, o aluno com NEE necessita de uma aten-
ção mais afetuosa que favoreça sua aprendizagem, pois a afetividade é uma
grande aliada na efetivação da inclusão. Freire (2019, p. 124) coloca que:

Acontece, porém, que a amorosidade de que falo,


o sonho pelo qual brigo e para cuja realização me
preparo permanentemente, exigem, por tudo o de
que já falei, que eu invente em mim, na minha
experiência social, outra qualidade: a coragem de
lutar ao lado da coragem de amar.

Ainda sobre a afetividade, Freire (2019, p. 127) afirma que “A


coragem de lutar aliada a coragem de amar, que vem sendo nosso com-
bustível na caminhada por uma educação para todos, para que de fato
a inclusão escolar aconteça. A educação é um ato de amor, por isto, um
ato de coragem”. Seguramente, a educação é um ato de amor e também
de coragem, por isso nós, educadores, não podemos deixar de lutar por
uma educação para todos.

Conclusão

Ainda temos um longo caminho a trilhar para as escolas se torna-


rem inclusivas. Na perspectiva da formação docente, elencamos as con-
534
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tribuições de Paulo Freire que nos trazem uma visão importante sobre
professores reflexivos e acerca de uma educação para todos. São diversas
as mudanças que precisam ser realizadas, desde práticas pedagógicas, ade-
quações de materiais, análises e adaptações de planejamentos e de currí-
culos, utilização de novas metodologias, modificações nas grades curricu-
lares de licenciaturas, além de uma formação que prepare os professores
para atuarem com alunos com NEE. Salientamos, ainda, a importância
do olhar, dos gestos e das atitudes de todos os profissionais que trabalham
nas escolas. Que essa seja uma profissão exercida com amor.

Palavras-chave: Inclusão Escolar. Atuação Docente. Formação Docente.

535
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Editora
Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P. Professora, sim; Tia, não: Cartas a quem ousa ensinar. 29.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
VITALIANO, C. R. (Org.). Formação de professores para a inclu-
são de alunos com necessidades educacionais especiais. Londrina:
EDUEL, 2010.

536
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FORMULAÇÃO DE CURRÍCULO
EM CONCEPÇÕES FREIREANAS?

Paulo Alberto Duarte Junior


Universidade Federal da Fronteira Sul
pauloalberto847@gmail.com

O presente resumo tem como tema o “currículo”, ao buscar, em


Paulo Freire, elementos que embasem discussões para a elaboração e a
formulação de currículos com concepções freireanas, tendo as ideias do
autor como aspectos teórico-metodológicos para pensar sobre o currí-
culo. O objetivo, em suma, é analisar, esboçar as ideias, os conceitos,
para pensar sobre o currículo em Freire e observar conceitos centrais
em Paulo Freire para (re)pensar não só o autor, como também as suas
influências. Por isso, vamos revisar, brevemente, a literatura em revistas
acadêmicas e principalmente em livros de Freire para ajudar a entender
sua percepção de currículo e seus conceitos centrais.
Com o arcabouço teórico da pedagogia progressista freireana, va-
mos analisar esse tema do currículo, ao ter em vista a relevância de se
debruçar na égide atual, na qual a democracia é atacada constantemente
e na qual existe uma guinada para o neofascismo. Pensar em Freire é
dialogar por uma educação crítica, é valorizar a educação, melhorar a
vida das pessoas, é pensar nos direitos humanos. E o currículo é dis-
putado num contexto de reformas educacionais no país, como a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), Escola Sem Partido, Brasil Pa-
ralelo, os quais visam o desdém pela democracia. Pronunciar sobre esses
dois últimos projetos já é elemento importante para repensar sobre o
currículo e a escolarização.
Freire foi um educador brasileiro alinhado à perspectiva huma-
nista e à teoria e à pedagogia crítica. Suas lentes teóricas dialogam com
o marxismo, a fenomenologia, o existencialismo, o cristianismo, entre
outras vertentes. Sua trajetória de vida condiz com sua luta por uma
educação que ajude a pensar e problematizar a realidade, desde a sua
537
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

própria. Conforme Saul (2016, p. 13), “A vida e a obra de Paulo Freire


revelam a sua indignação contra as injustiças sociais que negam a hu-
manização. Desde os seus primeiros escritos, esse tema esteve presente,
engendrando a utopia de sua proposta político-pedagógico”.
O entendimento sobre currículo, na obra de Freire, pode ser en-
contrado durante quase toda sua obra, sendo a mais famosa a Pedagogia
do Oprimido (1987); no entanto, sua caracterização de currículo pode
ser contemplada no livro sobre sua passagem na gestão como secretário
de educação na cidade de São Paulo: A educação na cidade (2005).
O currículo, na concepção de Freire, é entendido como uma luta
contra uma perspectiva tradicional (educação bancária) em prol de uma
educação libertadora que respeite e parta da realidade das pessoas. Freire
nos indica sobre seu entendimento sobre currículo:

Não reduzimos, por isso mesmo, sua compreensão,


a do currículo explícito, a uma pura relação de con-
teúdos programáticos. Na verdade, a compreensão
do currículo abarca a vida mesma da escola, o que
nela se faz ou não se faz, as relações entre todos e
todas que fazem a escola. Abarca a força da ideolo-
gia e sua representação não só enquanto idéias, mas
como prática concreta (FREIRE, 2005, p. 123).

Freire elabora um currículo no qual o poder, o saber, a cultura


não podem ser prescritos sem saber a realidade concreta das pessoas. É
preciso saber a bagagem cultural, e ainda ter como horizonte uma edu-
cação crítica, emancipatória, dialógica, pois os currículos tradicionais
impõem uma visão de mundo, um jeito de ser.

O currículo padrão, o currículo de transferência é


uma forma mecânica e autoritária de pensar sobre
como organizar um programa, que implica, acima
de tudo, numa tremenda falta de confiança na cria-
tividade dos estudantes e na capacidade dos pro-
fessores! Porque, em última análise, quando certos
centros de poder estabelecem o que deve ser feito
em classe, sua maneira autoritária nega o exercício
da criatividade entre professores e estudantes. O
centro, acima de tudo, está comandando e mani-
538
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pulando, à distância, as atividades dos educadores


e dos educandos (FREIRE, 2008, p. 97).

Educar, em Freire, está ligado a uma posição política, sem neu-
tralidade; educar é conscientizar as pessoas a enxergarem as barreiras,
físicas ou não, sempre a buscar o inédito-viável na ação-reflexão-ação,
na busca em entender outras interpretações da realidade ao não natura-
lizá-las; o diálogo, como forma de ouvir e de falar, de dizer a sua palavra,
para além de um conceito é aporte metodológico; sempre a partir da
realidade das pessoas, mas nunca ficar somente nelas. Em Freire, educar
está ligado à política e à educação na busca pela transformação social.
A concepção de currículo, em Paulo Freire (1987), é atrelada à
teoria da ação dialógica, pois essa seria o cerne em seu entendimento para
a superação da educação bancária. Esse conceito é entendido ao ver o
estudante ser um ser vazio de conhecimento e que deve ser preenchido e
adaptado à sociedade em que vive. Nesse tipo de educação, sua curiosi-
dade é castrada, ele é silenciado e vive como ser de adaptação à realidade.
Podemos compreender a concepção de currículo em Paulo Freire,
seja dentro ou fora da escola, ela articula a teoria e a prática, se posi-
ciona de forma política, no intuito crítico-transformador. Sua base de
pensar um currículo não é por imposição, mas, sim, pela base fundante
do diálogo percebido em sua vida e obra (DUARTE JUNIOR, 2019).
Uma das pessoas que trabalhou com Freire e pesquisa seu pensa-
mento, principalmente na Cátedra Paulo Freire na Pontifícia Universi-
dade Católica em São Paulo, é Ana Maria Saul (2008, p. 120), a qual
salienta sobre essa perspectiva de currículo em Freire:

Somente nessa perspectiva os professores podem


exercer o direito de pensar, fazer e experienciar cur-
rículo decidindo qual é o currículo que interessa,
em resposta às questões: Currículo para quê? Cur-
rículo para quem? Currículo a favor de quem? Sem
utilizar explicitamente o termo “currículo” desde
os seus primeiros escritos, Paulo Freire já se deti-
nha na análise das dimensões fundamentais imbri-
cadas nesse conceito. Por isso, uma compreensão
aprofundada do significado e a consequente práti-
ca do currículo, na perspectiva freireana, requerem
539
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

um estudo da epistemologia e da dimensão políti-


co-pedagógica de sua obra.

Com isso, a proposta de Freire está atrelada a uma educação


libertadora. Alguns conceitos, como práxis, libertação, e sua visão hu-
manista são bases para ir contra uma visão antidialógica, opressora,
bancária. O diálogo é conceito muito fértil para pensar o teórico e o
metodológico do pensar freireano ao abordar o currículo no ponto de
vista crítico-emancipatório.

Palavras-chave: Pedagogia Crítica. Educação. Diálogo.

Referências
DUARTE JUNIOR, P. A. A todos que fazem educação conosco em
São Paulo” democratização e educação popular: a gestão Paulo Frei-
re (1989-1991) frente à secretaria municipal de educação. [Mono-
grafia de Especialização]. Erechim: UFFS, 2019.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 2008.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
SAUL, A. M. Paulo Freire na atualidade: legado e reinvenção. Revista
e-curriculum, v. 14, n. 1, pp. 9-34, 2016.
SAUL, A. M. Currículo. In: STRECK, D.; et AL. (Orgs.). Dicionário
Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. Pp. 120-121.

540
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MEDIAÇÃO E DIDÁTICA NA EJA: A PRODUÇÃO ACADÊMICA NA


EDUCAÇÃO DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS NO BRASIL

Adriana Regina Sanceverino


Universidade Federal da Fronteira Sul
adrianarsanceverino@gmail.com

Paula Salete Casado Zago


Universidade Federal da Fronteira Sul
pauladzago@gmail.com

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de en-


sino e tem como compromisso político a formação de sujeitos jovens,
adultos e idosos, especialmente das camadas populares, historicamente
excluídas e discriminadas em nossa sociedade, inclusive dos processos
educativos. Nesse sentido, o estudo que se apresenta é parte de uma pes-
quisa em andamento, aprovada sob o edital nº 270/GR/UFFS/2020,
do projeto guarda-chuva da Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS) Campus Erechim.
A investigação toma, como objetivo geral, elaborar e apresen-
tar uma genealogia e cartografia conceitual, analítica e interpretativa
sobre os temas Mediação e Didática na EJA, situando as abordagens
teórico-metodológicas e o aprofundamento dos principais autores(as)
e conceitos que referenciam tais investigações. Para tal, foi necessário
inventariar, sistematizar e analisar as produções científicas brasileiras
publicadas em periódicos avaliados pelo Sistema Qualis, da Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Assim,
foram estabelecidos alguns critérios para a seleção e para a leitura do
material que iriam compor “o corpus da pesquisa” de Estado do Conhe-
cimento (FERNANDES; D’ÁVILA, 2015/2016, p. 184).
Nesse sentido, foram selecionadas para análise apenas publi-
cações em cujos títulos, resumos ou palavras-chave explicitassem os
descritores “mediação didática” e que estivessem relacionados, direta-
541
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mente, ao campo de estudo da Educação de Jovens e Adultos (EJA).


Num primeiro momento, foram encontradas, no portal da CAPES,
um total de 392 publicações, entre nacionais e internacionais. Poste-
riormente, realizou-se uma nova busca a fim de refinar ainda mais este
resultado, assim, utilizou-se como refinamentos: tipo de documento
(artigos) e idioma (português), reduzindo-se a um total de 226 arti-
gos. Diante dos fatos, fez-se então uma leitura criteriosa dos títulos e
dos resumos desses artigos.
No entanto, cabe ressaltar que nem todos os resumos davam conta
de caracterizar as pesquisas. Nesse viés, em alguns casos, foi necessário,
também, uma leitura, ora flutuante, ora mais detida desses trabalhos,
a fim de melhor compreendê-los. Consequentemente, após essa etapa,
o corpus de análise do Estado de Conhecimento reduziu-se a um total
de 17 artigos que dialogavam (in)diretamente sobre o objeto de estudo.
Contudo, cabe destacar que dos 17 artigos, cinco tinham como
objeto principal de estudo a mediação e a didática na EJA, ou seja,
apresentavam no título e no corpo do texto esses conceitos; ainda, oito
desses artigos não traziam no título, mas revelavam no resumo estes
objetos de estudo e, por fim, quatro artigos que não traziam no título,
nem no texto este objeto de estudo, porém nas entrelinhas do trabalho
traziam alguns conceitos, tais como aprendizagem, sequência didática,
mediação instrumental, entre outros.
Assim, foram somente analisados os 13 artigos que dialogam, de
alguma forma, com o objeto de estudo: a mediação e a didática na EJA.
Foi possível perceber, então, que a maioria desses artigos foram publi-
cados no ano de 2014 (três artigos), seguido dos anos de 2016, 2018 e
2020, com dois artigos publicados em cada ano. Ao mesmo tempo, foi
possível constatar também que a maioria dos(as) autores(as) são ligados
a universidades localizadas na região Nordeste do país, mais especifica-
mente nos estados da Paraíba (PB), Alagoas (AL) e Rio Grande do Norte
(RN). Além disso, a maioria dos estudos são de universidades federais,
com destaque para a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universi-
dade Federal de Minas Gerais (UFMG), seguido dos Institutos Federais.
Quanto aos objetos de estudos desses artigos, pode-se mencionar: leitura
e escrita na EJA; aprendizagem significativa e interdisciplinaridade; do-
cência compartilhada; mapa conceitual na EJA, entre outros.
542
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Diante desses primeiros achados, verifica-se que as categorias


Mediação e Didática, apesar de serem amplamente propaladas e in-
corporadas nesses artigos, não são tratadas de forma detida e explícita
como temática de pesquisa, ou seja, não se constituem em um espaço de
discussão privilegiado. Desse modo, evidencia-se a necessidade de que
se ocorram mais estudos nessas temáticas e o aprofundamento do de-
bate sobre esses temas. Assim como Freire (1975), expressa-se a crítica
à pedagogia bancária, que se caracteriza uma pedagogia do antidiálogo.
Acredita-se que é preciso, sim, estabelecer a dialogicidade como funda-
mento e caminho para a prática pedagógica na EJA.
São essas experiências de diálogo em sala de aula que possibilitam
aos (às) alunos(as) “a preparação para a captação do mundo, para que
eles compreendam a realidade que os cerca e possam intervir nela, su-
perando assim a situação de meros espectadores” (FREIRE 1975, apud
SANCEVERINO, 2016, p. 459). Nessa perspectiva, o diálogo torna-se
não apenas um método, mas, sim, um instrumento para a libertação.
Entende-se também que os sujeitos da EJA não podem ser vistos como
alunos evadidos, reprovados, defasados, com problemas de aprendiza-
gem. As trajetórias sociais e escolares truncadas não significam sua pa-
ralisação nos processos de formação mental, ética, indenitária, cultural,
social e política (ARROYO, 2005).
Assim, quando estes retornam à escola, carregam inúmeras
aprendizagens oriundas dos múltiplos espaços formadores que fre-
quentam e, por esse motivo, devem ser considerados como sujeitos
potentes e como protagonistas de sua aprendizagem. Diante de tudo
isso, reafirma-se a importância do presente estudo, uma vez que, por
meio dele, pretende-se contribuir para a construção de um conheci-
mento mais fecundo e coletivo nesse campo investigativo e, ainda,
constituir um corpus que possa sistematizar a visibilidade de produ-
ções, situando os fundamentos teórico-metodológicos do campo da
Educação de pessoas Jovens e Adultas.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Mediação. Didática.

543
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ARROYO, M. G. Educação de jovens e adultos: um campo de direitos
e de responsabilidade pública. In: SOARES, L.; GIOVANETTI, M.
A. G. C.; GOMES, N. L. (Orgs.). Diálogos na educação de jovens e
adultos. Belo horizonte: Autêntica, 2005. Pp. 19- 50.
SANCEVERINO, A. R. Medicação pedagógica na educação de jovens
e adultos: exigência existencial e política do diálogo como fundamento
da prática. Revista Brasileira de Educação, n. 65, vol. 21, pp. 455-
476, 2016.

544
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO POPULAR E A EDUCAÇÃO


AMBIENTAL: PRÁTICAS E SABERES EM CONSTRUÇÃO

Fabiane Turella Pedrozo Tomassini


UFFS
fa.pedrozo@hotmail.com

Alíssia Barberini
UFFS
alissia.b@hotmail.com

Isabel Rosa Gritti


UFFS
isabel.gritti@gmail.com

Este resumo reflete sobre a questão ambiental, amplamente disse-


minada na atualidade com o fito de entender melhor os pressupostos da
Educação Ambiental e a Educação Popular, tendo como objetivo situar
a Educação Ambiental (EA) em relação a Educação Popular (EP). Orga-
nizado por meio de pesquisa de natureza bibliográfica, o texto se insere
no debate da educação popular e discute como a questão ambiental está
sendo conduzida atualmente. O que nos motivou o presente estudo foi a
necessidade de desmistificar o discurso ambiental capitalista e introduzir
um discurso ambiental de uma educação alternativa, crítica e popular.
Para fins dessa reflexão busca-se interpretar o saber que percorre
por meio das teias de relações estabelecidas entre sujeitos sociais en-
fatizando a Educação Popular e a Educação Ambiental. Ao abordar a
concepção de  Educação  Popular faz-se necessário recorrer aos estudos
de  Freire (2005), Brandão (2006) que indicam diferentes caminhos
para se interpretar o sentido de Educação Popular herdado de muitas
lutas dos movimentos sociais.
Do ponto de vista de Brandão (2006) a Educação Popular é o saber
da comunidade que possibilita a consideração do conhecimento que vem
545
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do povo, vai para o povo e é realizada com o povo, em entrelace com


a formação emancipadora de uma consciência social, política e cultural
em que os sujeitos estão. Para Paulo Freire (2005) a educação popular
é a pedagogia do oprimido e uma pedagogia da libertação. A primeira,
possibilita que o oprimido vá desvelando o mundo da opressão, compro-
metendo-se com a sua transformação, a segunda, passa a ser a pedagogia
de um processo permanente de libertação, a partir de quando que é su-
perada a pedagogia do oprimido. Em outras palavras, a educação formal
desenvolve em nós a nossa inteligência e a Educação popular, a sabedoria.
Nessa perspectiva, a EA tem um papel decisivo no sentido de
contribuir para ampliar a consciência críticas dos indivíduos em sua
atuação coletiva de um saber ambiental, Loureiro (2013) afirma que
EA além de problematizar fatos cotidianos do indivíduo, estabelece um
processo emancipatório, frisando a importância de uma EA crítica e re-
flexiva, estabelecendo assim, uma importante relação entre a EA e a EP.
O diálogo entre a Educação Ambiental e a Educação Popular,
no contexto do cenário atual da educação e devido ao crescimento da
globalização, do consumo e da má distribuição de renda vive-se hoje
uma crise ambiental, econômica e social. São motivos que aumentam
a necessidade de transformar nossos pensamentos, nossas práticas e ati-
tudes. Seguindo as premissas da educação popular, que se aporta na
problematização da realidade, na transformação e libertação dos opri-
midos, a práxis da educação ambiental busca por meio da construção
de metodologias participativa utilizadas em espaços de discussões, afim
de promover coletivamente uma nova consciência socioambiental, per-
mitindo que o sujeito seja protagonista da sua própria história e que
se reconheçam como parte fundamental da natureza (LIMA, 2009).
Ou seja, precisa-se trabalhar a conscientização ambiental individual e
coletiva, buscando a sustentabilidade e melhores condições para a res-
tauração dos recursos naturais e do meio ambiente.
Após a revisita à história da Educação Ambiental, a partir de Freire
(2001) embora, não apareça de forma explícita em seus textos, mas que
alguns pesquisadores (as) já elencaram a partir de análises e releituras da
pedagogia Freireana, ao cuidado, preocupação e a responsabilidade que
Freire mantinha com a temática socioambiental. A Educação Ambiental
Freireana é aquela que ações cotidianas sejam capazes de promover trans-
546
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

formações políticas, econômicas e sociais. Para Freire (2001) a conscien-


tização ambiental está sempre em desenvolvimento. Freire incidi num
diálogo que reivindica pela identidade dos sujeitos, em vista de um mun-
do socialmente sustentável que pretende reconstruir uma relação fraterna
entre ser humano e mundo, entre a cultura e a natureza.

Considerações finais

Nesse processo de construção de saber, de leitura problematiza-


dora, compreensão da realidade e enfrentamento dos diferentes desafios
surgidos no cotidiano marcado pelos avanços científicos-tecnológicos
e a globalização que marcaram a contemporaneidade, se faz necessário
uma reavaliação das concepções de sociedade e meio ambiente. Dian-
te das leituras feitas sobre educação popular, pode-se dizer que o que
define a educação popular é a prática política entendida e assumida na
prática educativa.
Entende-se também que a Educação Ambiental pode ser cons-
truída por diferentes pedagogias. Neste sentido, Paulo Freire e os de-
mais autores e autoras em que dialogamos anunciam possibilidades de
trabalho a partir de um processo dialógico, fundamentado no desve-
lamento da realidade vivida e no compromisso com a emancipação e
transformação dos sujeitos e das condições de reprodução da existência
material da coletividade envolvida. Freire é base fundante para uma
educação participativa e crítico-transformadora, tendo em vista sua re-
flexão epistemológica, ética, política e pedagógica que contribua para
uma Educação Ambiental como uma dimensão educativa crítica.
Assim, a análise empreendida sugere a compreensão que a Edu-
cação Popular oferece uma gama de aportes com sabedoria educativa. A
EA, por sua vez, carrega uma coletânea de temas geradores contemporâ-
neos que impactam nossos refletir e favorecem a resolução de problemas
e o aumento da capacidade decisória, ao mesmo tempo em que abre o
leque de cuidados e afetos possíveis, pois todos estamos ligados a um
mesmo ciclo sistêmico da vida na terra.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Educação Popular. Educação


Ambiental Popular.
547
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, C. R. O que é educação popular. São Paulo: Abril Cul-
tural: Brasiliense, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e pratica da libertação - uma in-
trodução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001.
LIMA, G. F. C. Educação Ambiental Crítica: do Socioambientalismo
às Sociedades Sustentáveis. Revista Educação e Pesquisa, v. 35, n. 1,
2009.
LOUREIRO, C. F. B; LAYRARGUES, P. P. Ecologia política, justa e
educação ambiental crítica: perspectivas de aliança contra-hegemônica.
Trabalho, Educação e Saúde, v. 11, n. 1, pp. 53-71, 2013.

548
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAR PARA O AMOR:


O ENTRELAÇAMENTO FAMÍLIA-ESCOLA

Uelques Batista Santana


Colégio Municipal do Distrito do Murici – CMDM
welquessantana@yahoo.com.br

Ana Paula Santana Magalhães


Escola Municipal Teotônio Marques – EMTM
anapaulasm1@hotmail.com

Juscélia Silva Costa


Grupo Escolar Raulindo Cardoso Pimenta – GERCP
jusceliacosta9@gmail.com

Romário Silva Jorge


Centro Educacional Professora Alzira Alves Carneiro – CEPAAC
rom.mario080694@gmail.com

Queridos pais e educadores,

Escrevo esta carta em meio a uma das maiores pandemias que


o mundo já vivenciou: a COVID-19. Calamidades, instabilidade
política e econômica em vários países, hospitais superlotados e famí-
lias enlutadas formam um cenário digno das superproduções holly-
woodianas. Neste período, nota-se que a busca pela compreensão,
pelo amor e pela empatia flui espontaneamente dos seres humani-
zados, enquanto a intolerância, a falta de respeito, o desamor e a
indiferença são fatores notáveis entre aqueles que só querem tirar
proveito da situação. Embora esteja sendo um período difícil, este
será lembrado como um ciclo de resiliência e, portanto, de cresci-
mento sócio-emocional.
549
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para adentrar na problemática que me instigou a escrever esta


carta, preciso, antes, relatar uma situação vivenciada em minha infân-
cia: lembro-me do meu primeiro dia de aula, era o aluno mais novo da
turma, pois, minha mãe fazia questão que eu estudasse o quanto antes,
visto que, até então, ela só tinha cursado a sexta série, enquanto meu
pai teve apenas alguns meses de passagem pela escola. Eram seis horas
de uma segunda-feira de março, do ano de 1993. Um mix de emoções
tomava conta de mim, seria o meu primeiro dia de aula, não por opção,
mas por imposição de minha mãe, que vislumbrava ser eu um sujeito
avesso aos estudos. Mas, naquele dia, nada me livraria da “triste sina”
de entrar em uma sala de aula. Na noite anterior, a tensão tomou conta
de mim, entre os cochilos, assustava-me com o medo de que já fosse de
manhã, porém, como uma inocente criança, logo adormeci. Na manhã
seguinte, ainda anestesiado pelo sono, tamanha foi minha alegria ao me
deparar com uma bolsa de pano jeans que minha mãe mandou a costu-
reira da comunidade confeccionar e estava ali pendurada no “torno” de
madeira da sala – outras crianças utilizavam sacos de arroz reciclados.
Toda essa insistência de minha mãe para que eu estudasse gerou bons
frutos, pois fui me destacando entre os poucos bons alunos da sala.
Mas, nem tudo foram flores. Os alunos mais velhos – muitos deles,
com o dobro da minha idade – começaram a sentir ciúmes e foi aí que o
bullying, termo até então desconhecido, começou a acontecer de diver-
sas formas: agressões, apelidos, exclusão, ou seja, violência física e psico-
lógica. Eram atos constantes quando a professora não estava por perto.
Dessa experiência, extraio a sabedoria de que a escola tem o papel
social de educar para a convivência harmoniosa, corresponsabilizando-se
pela formação de cidadãos críticos e conscientes. Claro que, sem ema-
nar amor e tolerância por parte da família, esse desenvolvimento ficará
comprometido e o ambiente escolar se tornará angustiante e hostil. Para
o educador Paulo Freire (1996), no momento em que a educação não é
libertadora, o sonho de quem já foi ou é oprimido é se tornar opressor,
desenvolvendo um ciclo vicioso de violência, no qual a escola é o plano
de fundo e palco, muitas vezes, de negligência em relação às vítimas.
Retomando minha história, consegui romper com esse ciclo, gra-
ças às orientações de minha família que, com amor, me aconselhava a
não levar adiante os meus planos de vingança contra os meus algozes.
550
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Todavia, sabemos que nem sempre acontece assim. Pelo contrário, mui-
tas vezes, a violência sofrida em casa acaba sendo refletida na escola.
Freire (1996) já falava em uma “cultura da paz” sobrepujando o
valor da educação ao expor as injustiças, estimulando a colaboração, a
convivência com o diferente, a tolerância. Com isso, buscava mostrar
a necessidade de as escolas trabalharem o assunto dentro e fora de seus
muros, combatendo a violência entre os alunos e, em alguns casos, tam-
bém dos professores para com os estudantes, mediante uso errôneo da
autoridade docente. Há, porém, outro agente muito importante nessa
luta: a família – ela que, como falei, foi a que me fez desistir da retalia-
ção aos meus opressores.
A partir de minha história, percebemos a importância não só da
família, como também da escola, visto que elas possuem um mesmo
propósito: desenvolver um cidadão que saiba conviver em sociedade,
respeitando seu semelhante, assumindo compromissos com o bem co-
mum. Uma das melhores maneiras de instigar esses ideais é engendrar
uma educação com qualidade social, pautada no diálogo, na interação
e na partilha, tal como apregoava Paulo Freire (1996). Sendo assim,
reitero a necessidade e a importância de pais e educadores instigarem,
em nossas crianças, a empatia e o amor, elementos fundantes para a
instauração de uma cultura de paz.

Tanque Novo, outono de 2021.

Palavras-chave: Educar para o amor; Família; Escola.

551
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
docente. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

552
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A ESPERANÇA EM FREIRE NESTES TEMPOS DE PANDEMIA:


CARTA PARA COLEGAS EDUCADORES

Cleiva Aguiar de Lima

Mari Margarete Forster

Maria Elisabete Machado


cleivacti@gmail.com

Mamoeiro, 1925, Tarsila do Amaral


http://tarsiladoamaral.com.br/obra/pau-bra-
sil-1924-1928/

Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e


esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e se
luto com esperança, espero (FREIRE, 1981, p. 97).

Prezados colegas,

Vivemos tempos difíceis! Como falar de esperança em tempos de


pandemia? Sem negar a desesperança, como esperançar? É esse o desa-
fio a que nos propomos e, por isso, convidamos colegas educadores a
pensar juntos conosco. De imediato, lembramos que Freire, ao escrever,
em 1992, A pedagogia da esperança, foi questionado por um professor
universitário, seu amigo, que espantado indagou: “Mas como, Paulo,
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

uma Pedagogia da Esperança no bojo de uma tal sem-vergonhice como


a que nos asfixia hoje, no Brasil?” Imaginem a atualidade desta pergun-
ta! Como a responderíamos?
Em situações-limite, como as vividas hoje, encontramos inúme-
ras razões para desesperanças e esperanças. A dramaticidade do momen-
to aguça as desigualdades, as desvelam e nos assustam e, muitas vezes,
nos imobilizam. A desvalorização da educação e dos educadores, que é
histórica, e esta crise pandêmica, em que a irresponsabilidade de gover-
nantes mata, asfixia, expõe feridas não curadas, nos faz, inúmeras vezes,
recuar. Como não desesperançar?
Freire, de novo, vem nos ajudar, ao reconhecer a desesperança
como algo concreto, apontando suas razões históricas, econômicas e
sociais. Entretanto, nos alerta: “[...] não entendo a existência humana
e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho”
(FREIRE, 2008, p. 10). A esperança e o sonho referidos pelo autor
não são ingênuos, não têm o poder de transformar a realidade, como
afirma: “Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só,
não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da
esperança crítica, como o peixe precisa da água despoluída” (FREIRE,
2008, p. 10). Como desvelar possibilidades para a esperança crítica
em tempos de pandemia?
A pandemia, na qual estamos vivendo, nos coloca em alerta má-
ximo! Somos reféns de uma partícula errante, formada por um “estojo”
de proteína, que contém no seu interior uma porção de RNA (ácido
ribonucléico). Esse material genético, muito menos estável do que o
conhecido DNA, é capaz de sofrer mudanças, as quais podem tornar
o vírus muito mais perigoso e contagioso. Então, o que os cientistas
chamavam em 2020 de “novo coronavírus” (SARS-CoV-2), já apresen-
ta inúmeras variantes, sendo a variante P1 a que está causando todo o
agravamento da situação atual.
Uma pandemia é assim chamada por atingir grandes áreas, nesse
caso, o planeta inteiro sofre com a COVID-19, que surgiu na China,
no final de 2019 e se espalhou rapidamente pelo mundo. Qual o remé-
dio para esta doença? Como evitá-la? Como erradicar uma criatura in-
visível com tal poder destrutivo? Ainda não temos respostas para todas
essas perguntas, mas há algo que se possa fazer: seguir as orientações da
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda cuidados de


higiene, distanciamento controlado e, como modo de prevenir formas
graves, a vacinação em massa.
Diante disso, qual o papel da esperança que Freire nos apre-
senta? Uma esperança do verbo esperançar, não de pura espera vã!
Considerando a Educação como um dos setores mais afetados por
toda esta crise sanitária que estamos vivendo, a esperança também
está nas mãos dos educadores que lutam pelo direito à vida de toda
a comunidade escolar. Com palavras de ordem: “escolas fechadas, vi-
das preservadas!”, exercem seu papel político-pedagógico em nome
da saúde coletiva, visto as precárias condições de muitas escolas, que
não dispõem do mínimo para receber estudantes, professores e fun-
cionários com segurança. Assim, buscam, por diversos meios, enviar
tarefas impressas, fazer aulas síncronas e assíncronas, usar grupos de
WhatsApp, não abandonar seu ofício de educar, informar e zelar pela
saúde física e mental de todos e de todas.
Nesta pandemia, a escola se transferiu para dentro das casas dos
estudantes, e isso expôs muitas fragilidades ao colocar os professores
no contexto familiar. O deslocamento da aula para outros espaços
mostrou a realidade de toda a comunidade escolar, visibilizando as
vulnerabilidades sociais a que ela está submetida. Sem dúvida, isso
também gerou muito desgaste por parte dos professores, os quais tive-
ram seu espaço de atuação ampliado, incluindo a jornada de trabalho.
Se, antes, o professor estava dentro de uma sala de aula, na maioria
das vezes, e ali era seu domínio, agora seu trabalho pode ser visto por
todos os membros da família.
Por outro lado, o acompanhamento das rotinas escolares apro-
ximou tanto a escola da família, quanto a família da escola e trouxe
uma maior valorização do papel do professor. Além disso, evidenciou-se
que a tecnologia não supera o fazer docente, pois minimiza as relações
sociais, que são tão importantes para o desenvolvimento pessoal e aca-
dêmico dos estudantes.
Diante disso, a esperança do retorno ao ensino presencial nos
convida a pensar em como será esta travessia. Com a leitura crítica
do mundo que este período proporcionou, precisamos estar atentos a
novas e urgentes demandas. A volta às aulas, tão desejada, passa por
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

entregar a Educação para quem sempre esteve à sua frente e, muitas


vezes, foi pouco escutado. Qual a necessária formação docente em
tempos pandêmicos? Qual a infraestrutura, as novas tecnologias, os
espaços e tempos para o estudo remoto e o ensino híbrido? Investi-
mentos de diversas ordens e na formação permanente de professores,
sob outra perspectiva, tornam-se necessários, haja vista a importância
de considerar o “inédito viável” (FREIRE, 2010), porém sem descui-
dar a dimensão sócio-emocional na pós-pandemia.
As demandas atuais e futuras envolvem saberes, já considera-
dos por Freire (1996, p. 35), imprescindíveis ao processo de ensinar,
dos quais destacamos “ensinar exige riscos e aceitação do novo e
rejeição a qualquer forma de discriminação”. Também “ensinar exi-
ge reflexão crítica sobre a prática” (p. 38), bem como, “humildade,
tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores” (p. 66).
Diante disso, entendemos que a tarefa não é fácil, porém, imbuí-
dos da esperança freireana, destacamos que é possível buscar um
mundo mais bonito em que o diálogo, o apoio mútuo, a partilha e
o compromisso com o “ser mais” (ZITKOSKI, 2010) nos ajudem a
esperançar com e para o outro.
Ao término desta carta, com o desejo que reponham a humani-
zação em tempos de desumanização, convidamos a continuar pensan-
do e concretizando ações que respondam tantas indagações, quanto
as que seguem:

Que fazer, enquanto educadores, trabalhando num


contexto assim? Há mesmo o que fazer? Como fa-
zer o que fazer? Que precisamos nós, os chama-
dos educadores, saber para viabilizar até mesmo
os nossos primeiros encontros com mulheres, ho-
mens e crianças cuja humanidade vem sendo nega-
da e traída, cuja existência vem sendo esmagada?
(FREIRE, 1996, p. 74).

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Fonte: OVO CÓSMICO, s/d, Vladimir Kush.


Disponível em: https://images.app.goo.gl/eubDp-
wARfgrWCnfb9

Aguardamos suas reações ao escrito.


Um abraço freireano!
Cleiva, Mari e Bete
Porto Alegre, Rio Grande, outono de 2021.

Palavras-chave: Esperança. Pandemia. Freire.

Referências
FREIRE, A. M. A. Inédito viável. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZI-
TKOSKI, J. J. (Org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2010. Pp. 223-226.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1981.
ZITKOSKI, J. J. Ser mais. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI,
J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. Pp. 369-371.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E AS LICENCIATURAS: CONTRIBUIÇÕES PARA


UMA FORMAÇÃO HUMANIZADORA

Diandra dos Santos de Andrade


Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
diandra.andrade@hotmail.com

Aos estudiosos e estudiosas da obra de Freire,

É com imensa alegria que compartilho com vocês alguns re-


sultados de minha dissertação de mestrado, intitulada “A presença
de Paulo Freire nos cursos de licenciatura de uma universidade do
Vale do Sinos: contribuições para uma formação humanizadora”, sob
orientação do Professor Dr. Danilo Romeu Streck e sob co-orienta-
ção da Professora Dra. Maria Julietta Abba. Em tempos tão difíceis,
creio que devemos compartilhar estudos e aprendizados, sobretudo
alegrias e vitórias.
Inicio esta carta dizendo que a formação docente sempre foi
minha temática de estudo, tanto na iniciação científica, na escrita de
meu trabalho de conclusão de curso em Letras/Português quanto na
pesquisa desenvolvida ao longo do mestrado em Educação, concluí-
da recentemente. Confesso que Paulo Freire nem sempre foi minha
referência principal; contudo, nos últimos tempos, ele se apresentou
como um referencial indispensável para meus estudos sobre uma for-
mação docente mais justa, igualitária, solidária e bonita. Além disso,
hoje, acredito que é impossível pensar em docência sem Freire.
A pesquisa, de cunho qualitativo, buscou responder à seguinte
pergunta: de que forma o pensamento de Paulo Freire se materializa
em cursos de formação docente de uma universidade privada do Vale
do Sinos, e que contribuições ele oferece à humanização dos sujeitos?
Essa inquietação surgiu após eu realizar a leitura do livro Paulo Freire
no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção, organizado pelo Professor
Danilo Streck, pela Professora Cheron Moretti e pelo Professor San-
559
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dro Pitano, lançado em 2018, na 20ª edição do Fórum de Estudos.


Nesse livro, há uma série de pesquisas realizadas por pesquisadores/
as, estudantes, profissionais da educação e militantes de movimentos
sociais. Elas apresentam a passagem de Freire pelo estado, seja em pa-
lestras, formações, aulas e eventos, bem como a presença de sua obra
na pós-graduação, em dissertações e teses. Durante a leitura, percebi
que não havia uma pesquisa que investigasse a presença de Paulo Frei-
re nos currículos dos cursos de licenciatura. Foi a partir dessa lacuna
que iniciei minha pesquisa de mestrado.
Ao longo desses dois anos de estudo, além de analisar as ementas
das atividades acadêmicas compartilhadas entre os cursos de licenciatu-
ra oferecidos pela instituição, realizei entrevistas com onze docentes que
coordenam o eixo de formação docente ou ministram as disciplinas. As
entrevistas tinham como objetivo geral compreender quais são as con-
tribuições de Freire para uma formação humanizadora.
Dito isso, apresento a vocês algumas contribuições destacadas
pelos/as professores/as durante as entrevistas. Primeiro: a abertura ao
diálogo e à escuta. Muitos docentes afirmaram que a partir de Freire
é possível promover reflexões a respeito da capacidade que temos (ou
devemos ter) de dialogar e de aprender uns/umas com os/as outros/as.
Nesse sentido, para o autor

Testemunhar a abertura aos outros, a disponibi-


lidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes
necessários à prática educativa. Viver a abertura
respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acor-
do com o momento, tomar a própria prática de
abertura ao outro como objeto da reflexão crítica
deveria fazer parte da aventura docente (FREIRE,
2019, p. 132-133).

Em segundo, os/as docentes afirmaram que a obra de Freire con-


tribui para que os licenciandos e as licenciandas tenham consciência
de seu inacabamento e, diante dessa percepção, estejam em busca de
constante (trans)formação. Nesse sentido, o autor apresenta-se como
um importante referencial para discussões a respeito da docência, sob a
perspectiva da formação permanente.
560
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

[...] o homem se sabe inacabado e por isso se edu-


ca. Não haveria educação se o homem fosse um
ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou? De
onde venho? Onde posso estar? O homem pode
refletir sobre si mesmo e colocar-se num determi-
nado momento, numa certa realidade: é um ser
na busca constante de ser mais e, como pode fazer
esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser
inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a
raiz da educação (FREIRE, 1979, p. 27).

Além disso, os/as docentes destacaram as contribuições de


Freire para a valorização dos diferentes saberes e das variadas cul-
turas. Segundo eles/elas, a obra de Freire fomenta o respeito aos
diversos conhecimentos, sejam eles científicos ou populares. Não se
trata de uma justaposição de culturas, mas de uma “[...] liberdade
conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no res-
peito uma a outra” (FREIRE, 1997, p. 79). Dessa forma, a partir de
uma perspectiva intercultural, a formação docente cria espaços de
participação, reconhecendo, apresentando, integrando e valorizan-
do histórias e identidades.
Por fim, outra contribuição destacada pelos professores/as das
disciplinas compartilhadas é que, a partir de Freire, é possível que
os licenciandos e as licenciandas reflitam sobre a impossibilidade de
neutralidade na educação. Para os docentes, toda a obra do autor é
marcada por uma ampla discussão a respeito da educação como um
ato político, que compreende que todos/as são (ou serão) ativos na
história e, por isso, são movidos por convicções, sonhos, projetos etc.
Sendo assim, a busca pela neutralidade e a negação de que educação e
política andam juntas causam a desumanização e a coisificação dos su-
jeitos. E essa rejeição pelo diálogo entre elas – tão necessária no atual
contexto – nada mais é do que o resultado da ideologia neoliberal, que
fomenta uma educação excludente, injusta e preconceituosa.
Encerro esta carta afirmando que as contribuições apresentadas
aqui reforçam a atemporalidade e o legado da obra de Freire na for-
mação docente. Além disso, evidenciam a importância de espaços de
discussão, de compartilhamento e de reinvenção, como o Fórum de
561
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Estudos: Leituras de Paulo Freire. Precisamos continuar estudando,


relendo, reinventando e dialogando com os livros de Freire. Precisa-
mos resistir e ter esperança de dias melhores! Ele com certeza estaria
fazendo o mesmo.

Com carinho,
Diandra dos Santos de Andrade
Sapucaia do Sul, 24 de março de 2021.

Palavras-chave: Formação Docente. Humanização. Universidade.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
E-book.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DESAFIOS E POSSIBILIDADES:
RESSIGNIFICAR A PARTIR DE FREIRE

Isabella Pereira Carrer


UEM
isabellacarrer93@gmail.com

Synara Keh
ULBRA
sykehl@hotmail.com

Cíntia Reisdoerfer
UNISINOS
cintiarhr1@gmail.com

Ao Patrono da Educação, Professor Paulo Freire1,

Professor, temos tanto para lhe contar. Muitas coisas mudaram


a partir de março de 2020. Estamos enfrentando uma pandemia mun-
dial, causada por um vírus denominado COVID-19, que, creia, co-
meçou na China e ligeiramente acometeu o mundo inteiro. O planeta
parou: lockdown, inúmeras mortes, distanciamento social; e a principal
saída é a espera da vacina. Essa foi, e está sendo, a nossa rotina desde
então. Tudo muito incerto e muito fragilizado.
A humanidade enfrenta diversos desafios. E a educação, que
nós professores(as) tanto amamos viver e fazer, tem sido fortemente
transformada. Sentimos medo, mas, ao mesmo tempo, vivemos os
seus ensinamentos: “Medo e ousadia”. Assim, seguimos ressignifi-
cando nossas práticas educacionais. A cada dia, recebemos parece-
res e orientações diferentes. Nossos contextos escolares mudaram de
forma significativa.
1 Escrito mobilizado/orientado pela professora KARPINSKI, Raquel (UFRGS/
PUFV/FACCAT)/karpinskiraquelk@gmail.com
563
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Assim, mais do que nunca, sabemos e entendemos a importância


da escola para e na sociedade; pois ela é um espaço importante para
cidadãos, tão significativo que, por vezes, não é possível “literalmente
caber” em quinze minutos diários, dentro dos contextos familiares –
claro, entendemos que todas as demandas mudaram e que, de fato, esse
papel é nosso: professoras e professores. Contudo, ao mesmo tempo
que tem sido desafiador, aponta-nos novas possibilidades para quebrar
paradigmas, os quais, por vezes, ainda repetimos em nossas escolas –
com nossos(as) estudantes. Sua obra, professor – Pedagogia da Autono-
mia –, segue tão atual nas escolas, encorajando-nos, em nossa prática
docente, a estimular e incentivar nossos(as) estudantes a terem autono-
mia – a educação que se define como prática da liberdade.
A pandemia fomentou e acelerou esse pensamento para nós e para
os(as) estudantes, pois muitas transformações sociais estão acontecendo
na escola: há mais de um ano, estamos trabalhando de modo remoto, e
a tecnologia é a ferramenta que tem possibilitado nossa prática docente.
No início deste ano, 2021, havia a expectativa de trabalharmos
de forma híbrida, mas isso só foi possível por apenas três semanas, e em
poucas localidades. Devido ao aumento de contaminação, de mortes e
do surgimento de uma nova variante do vírus, as aulas tiveram que ser
retomadas de maneira remota. Estamos em meio ao caos, contudo, pro-
fessor, nosso processo está indo ao encontro de suas palavras: “Ninguém
caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho ca-
minhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar”
(FREIRE, 1992, p. 155).
O principal desafio tem sido incluir, pois como inserir todos(as)
nesse contexto desafiador? Como trabalhar por meio das tecnologias,
sabendo que vivemos em um país tão desigual em oportunidades e pos-
sibilidades? Precisamos que nossas políticas públicas aconteçam de fato
e, diante disso, entendemos sua fala: a política sempre vem antes da
pedagogia/educação.
É consenso de todos e de todas que estamos vivendo um momen-
to de transição: de uma sociedade analógica para uma sociedade digital.
A escola, e seu corpo docente, precisa incluir, em sua prática pedagó-
gica, as ferramentas tecnológicas capazes de estimular os(as) estudantes
por meio de experiências inovadoras. A escola, como grande centro do
564
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

saber, tem a função social de organizar os processos de aprendizagem,


promovendo o desenvolvimento das competências necessárias para que
os(as) participantes se tornem cidadãos(ãs) plenos e integrais, para, as-
sim, constituírem uma sociedade melhor.
Desenvolver um processo de aprendizagem diferenciado que vise
transformar o(a) estudante em protagonista ativo, sujeito de sua pró-
pria trajetória, contribuirá muito para que ele(a) possa ter sucesso no
mundo/mercado globalizado do século XXI. Para isso, as metodologias
ativas se apresentam como uma estratégia potencializadora do ensino
e da aprendizagem; pois essas metodologias, aliadas ao uso de tecnolo-
gias, promovem ações de aprendizagem muito mais ricas e significativas
para os(as) estudantes; porque elas valorizam os diferentes saberes e res-
peitam a diversidade. Assim, conforme os seus ensinamentos, professor,
podemos produzir conhecimento reflexivo, significativo e ético.
Contudo, a desigualdade social é um fato que desencadeia em
nós inúmeras preocupações. Nossas crianças estão em seus contextos fa-
miliares, onde convivem com diversas singularidades e – não raro – en-
frentam divergências que podem impactar negativamente no processo
de ensino-aprendizagem. Ademais, os índices de violência cresceram de
forma avassaladora, como, por exemplo, o feminicídio. O desrespeito
pela vida é assustador. Em momentos diversos, professor, lembramo-
-nos do seu escrito no livro Pedagogia da esperança:

[...] veja, doutor, a diferença. O senhor chega em


casa cansado. A cabeça até que pode doer no traba-
lho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses
tipos de fala que o senhor fez agora. Isso tudo cansa
também. Mas – continuou – uma coisa é chegar
em casa, mesmo cansado, e encontrar as crianças
tomadas banho, vestidinhas, limpas, bem comidas,
sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos,
com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente
tendo que acordar às quatro da manhã do outro
dia pra começar tudo de novo, na dor, na tristeza,
na falta de esperança. Se a gente bate nos filhos e
até sai dos limites não é porque a gente não ame
eles não. É porque a dureza da vida não deixa mui-
to pra escolher (FREIRE, 1992, p. 13-14).
565
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Um número significativo de nossos(as) estudantes não têm


acesso aos meios digitais/tecnológicos devido à falta de equidade.
Em virtude disso, percebemos a não participação dos mesmos em
momentos pensados por nós professores(as). Sabemos que temos que
dar conta das demandas, mas nem sempre isso é possível. Há docu-
mentos orientadores (legislações), mas o que direcionam, por vezes,
só é efetivamente realizado nos espaços escolares, como a própria
equidade. Sob essa perspectiva, seguimos, porque acreditamos na
educação como viés transformador, inclusivo e humanizador, para
todas e todos. Avançamos pautados e motivados por suas palavras,
professor Paulo Freire. Seus escritos nos mobilizam e nos ensinam o
significado de esperançar.

Esperançar se fez verbo na práxis e obra de Pau-


lo Freire. [...] E esperança do verbo esperar não é
esperança, é espera. Esperançar é se levantar, espe-
rançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar
é não desistir! Esperançar é levar adiante, espe-
rançar é juntar-se com outros para fazer de outro
modo[...] (FREIRE, 1992, p. 10).

Em Pedagogia da Esperança, o senhor se refere a essa obra de


forma encantadora, revelando tê-la escrito com raiva e amor, senti-
mentos sem os quais não há esperança; defende a tolerância e alerta
que esta não pode ser confunda com a convivência; também aponta
a radicalidade da pós-modernidade progressista e a recusa conserva-
dora neoliberal. Assim, percebemos e compartilhamos a sua preocu-
pação com o contexto da educação brasileira, na qual o senhor des-
taca a urgência da democratização da escola pública e da formação
permanente dos(as) educadores(as), tudo isso de maneira inclusiva.
Sentimos o quanto é importante o processo da educação, inerente
à formação permanente e continuada docente; pois tudo o que es-
tamos vivenciando tem exigido de nós – professoras e professores –
um processo de reconfiguração e de reconstrução por meio tanto do
medo quanto da ousadia.
Desse modo, confrontamo-nos com o fato de sermos seres hu-
manos inacabados e aprendemos – diante da necessidade constante
566
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de mudanças – a todo momento; principalmente pautados por uma


questão tão cruel que tem ceifado tantas vidas: a pandemia. Diante
disso, estamos lutando na certeza de estar fazendo o nosso melhor en-
quanto educadores(as). Não tem sido uma tarefa simples; pois, como
já mencionamos, a desigualdade social é gritante. Ademais, percebe-
mos o quão desafiador tem sido, aos contextos familiares, atender as
crianças/os estudantes; reforçando, assim, mais do que nunca, a im-
portância do espaço escolar/pedagógico, de ser e estar, como meio de
ação e equidade para todos e todas. Assim seguiremos nossos dias:
com o que tem nos provocado e nos mantido no sentido do espe-
rançar, advindo dos seus escritos, na certeza do inacabado e na busca
constante pelo inédito viável. Nessa caótica transição, a tecnologia
passa a fazer parte, o tempo todo, das nossas vidas – é um meio que,
por vezes, aproxima e também distancia.
Contudo, acreditamos que ela faz parte de um processo a ser
entendido por nós – professoras e professores – como ferramenta
que contribui para o processo de ensino e aprendizagem, ou seja,
a tecnologia é um meio, não um fim para a busca pelo saber. A
esperança é um imperativo existencial e histórico. A desesperança
é imobilizadora da ação, faz crer no fatalismo de que não é possível
mudar ou recriar o mundo. Mas, à esperança, é preciso juntar a
consciência e a ação crítica, porque a “[...] esperança é necessária,
mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta
fraqueja e titubeia” (FREIRE, 1992, p. 5). Por isso, essa palavra, e
todo o seu significado, precisa estar alicerçada a uma práxis: “En-
quanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para
tornar-se concretude histórica” (FREIRE, 1992, p. 5).
E assim, estimado professor, seguimos sonhando e planejando,
firmes no propósito de encantar, todos e todas, por meio da Educa-
ção; pois é esta ânsia de saber e ensinar que mobiliza docentes e dis-
centes a descobrirem novas experiências e novos saberes significativos
para cada singularidade e, dessa maneira, torna-se possível romper
barreiras e quebrar paradigmas, para, de fato, promover a transfor-
mação da sociedade na busca de uma educação humanizadora. Desse
modo, entendemos que a luta capaz de provocar a ruptura das amar-
ras responsáveis por reduzir a educação a um fim de ordem econômi-
567
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ca, política, social e ideológica só será genuína e vitoriosa se estiver


atrelada a um movimento coletivo, ou seja: a educação é necessária
e libertadora para todos e todas, por isso não pode ser privilégio de
alguns ou algumas.

Palavras-chave: Esperançar. Medo. Ousadia.


Referências
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CAFÉ COM BORDADO:


TECENDO A ARTE DO BEM COMUM

Karine de Oliveira Gomes


UFV-CRP
karine.gomes@ufv.br

Marta Luiza Dias


Instituto René Rachou (Fiocruz Minas)
martaluizadias@gmail.com

Geize Carla Soares Marques


P. M. de Patos de Minas
geizecallas@yahoo.com.br

Querido amigo Paulo Freire,

Queremos lhe contar de uma experiência que teve como fonte


de inspiração duas das mais belas expressões já anunciadas: “leitura de
mundo” e “aprender a dizer a sua palavra”. A materialização dessas duas
expressões tornou-se a chave para a possibilidade de transformação. Fa-
laremos aqui do Café com Bordado, sua história e seus encontros de
encantamentos, afetos e partilhas.
O Projeto surgiu no final de 2018, como uma alternativa me-
todológica de participação social e educação ambiental, durante a im-
plantação de ações de recuperação e proteção de nascentes em Pindaí-
bas, comunidade rural do município de Patos de Minas, Minas Gerais.
O público-participante da ação era, sobretudo, senhoras donas de casa
que, de acordo com a cultura local, haviam cumprido seu papel como
mulher na sociedade: nasceram, cresceram, foram educadas para serem
boas esposas, se casaram, tiveram seus filhos, que se desenvolveram e,
num ciclo quase natural, saíram de casa para estudar, trabalhar e terem
suas próprias famílias.
569
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Pesquisamos Programas e Políticas Públicas voltadas a essas mu-


lheres para servirem de referência para alguma ação a ser construída
com elas. No entanto, nossas pesquisas não retornaram com resultados
que pudessem nos ajudar naquele momento. Seriam essas senhoras do-
nas de casas invisíveis à sociedade? Como poderíamos construir algo
que dialogasse com suas realidades e desejos de existência?
Pareceu-nos que elas desejavam e precisavam de um espaço para
falar muito mais de suas memórias e histórias de vida do que sobre
educação ambiental e proteção de nascentes. Elas ansiavam dizer “a sua
palavra” e sentir que suas experiências de vida fossem ouvidas, acolhidas
e respeitadas. Percebemos que sentiam muito prazer em coisas simples
do cotidiano que viviam, como cozinhar e fazer trabalhos manuais.
Amigo Paulo, nossos conhecimentos sobre leitura de mundo com
os sujeitos da aprendizagem foram essenciais para nos conectar com
o desejo de fala e de pronúncia daquelas mulheres. Partindo da rea-
lidade concreta daquela comunidade e com recursos financeiros que
permitiam somente a realização de reuniões temáticas sobre educação
ambiental e para a divulgação das ações de proteção de nascentes, nós
nos deparamos com as seguintes inquietações: como poderíamos de-
senvolver outras ações concebidas a partir da “leitura de mundo” e do
desejo daquelas mulheres de “dizer a própria palavra”? Como construir
situações concretas para a pronúncia da “palavramundo”? Nossa utopia
era de que aquelas mulheres, ao pronunciarem suas “palavramundo”,
ganhariam (re)significação enquanto mulheres (FREIRE, 2011a).
Num processo de “ad-miração” com aquela realidade, recorremos
à história de lutas da América Latina, em que as mulheres, essencial-
mente, têm usado a experiência com o bordado como uma possibi-
lidade de pronúncia, de resistência às injustiças, às desigualdades e à
violação dos direitos humanos. Sendo assim, o bordado livre passou
a ser uma estratégia de denúncia e anúncio por vários grupos como as
Arpilleras do Chile, Movimento das Mulheres Atingidas por Barragens,
Coletivo Linhas do Horizonte, dentre outros.
Por conseguinte, inspiradas nessas experiências e na Educação
Popular, como uma prática política e pedagógica para a pronúncia, cria-
mos o Café com Bordado. O Projeto conta com recursos financeiros da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição que,
570
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

desde seu início, tem apoiado ações de educação popular no país. Além
da CNBB, o que assegura a continuidade do Projeto são as contraparti-
das em serviço das instituições parceiras.
O Café com Bordado é um grande Círculo de Cultura em praça
pública, território de partilha e pulsação da vida comunitária! Lá, mon-
tamos uma mesa com 8 metros de comprimento, forrada com uma
toalha branca de 12 metros de extensão, que vai sendo bordada durante
os encontros. Sobre a mesa, servimos café, suco, chá, bolos e quitan-
das caseiras. E ao redor da mesa, as participantes cantam, partilham o
alimento, as linhas, as agulhas e registram, por meio do bordado, seus
sonhos, suas memórias, experiências, alegrias, seus conflitos e suas an-
gústias. Elas bordam suas pronúncias, suas “palavramundos”. Habitual-
mente, os bordados são inspirados por dinâmicas variadas, como rodas
de conversas, contação de histórias, jogos, metodologias da estética do
oprimido, poesias e cantos.
Você não imagina quantos momentos de partilha vivenciamos
em torno daquela grande roda de mulheres, de bordados e de histórias!
Nós nos libertamos do medo de falar, cantar, dançar e sorrir em público.
Quando desenhamos o Projeto, tínhamos aquela arrogância iluminista
de pensar que estaríamos ajudando aquelas mulheres a se libertarem dos
vários tipos de opressão a que estão sujeitas. O que não sabíamos é que
também estaríamos nos libertando, conjuntamente, de nossas práticas
opressivas, frequentemente impostas por nós mesmas.
Compreendemos que a opressora que habita em nós vai sendo
nutrida constantemente pela cultura machista, pelas imposições sociais
e pelas obrigações que nos são impostas. Percebemos, então, que era ne-
cessário acolher nossos limites e potencialidades, como mulheres, mães,
amantes, profissionais e donas de casa para nos libertar da opressora que
há em nós. E, assim, vivenciamos coletivamente a nossa (re)significação
enquanto mulheres. Quem diria que aprenderíamos isso de forma tão
sólida com aquelas mulheres, simples donas de casa! Aprendemos mais
com elas do que com as teóricas feministas.
Além disso, ao serem encorajadas a “dizer suas palavras” e a “ter
consciência de si mesmas”, reforçou-se o “sujeito de direito” que havia
em cada uma, dando concretude à expressão da dignidade humana e,
consequentemente, fornecendo-lhes elementos para o enfrentamento das
571
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

violências cotidianas. Com efeito, pelas linhas do bordado, as mulheres


puderam marcar sua presença na História, se expressar e se empoderar,
relembrando o passado, refletindo o presente e (re)construindo o futuro.
É importante destacar que muitos dos problemas sociais presentes
naquela comunidade começaram a ser contornados a partir da convivên-
cia solidária e cooperativa que a participação no projeto foi construindo.
E assim como a água adapta o seu curso para desviar dos obstáculos no
seu caminho, aprendemos que bordar é inscrever com linhas as nossas fa-
las, os nossos sonhos, as nossas imagens, ideias e resistências, sendo, tam-
bém, uma oportunidade para contornar as dificuldades. Nesse contexto,
a palavra (trans)bordada ganha significados, sentidos, dimensão política,
sendo, acima de tudo, um processo de autoconhecimento, autotransfor-
mação e, consequentemente, de conscientização.
Fomos construindo conhecimentos sobre bordados e descobri-
mos que sua força vai além de preencher espaços vazios no tecido. O ato
de bordar nos conecta ao “sentido da beleza, da vontade de personificar,
de deixar marcas, de fazer compartilhar bonitezas” (DUMONT, 2019,
p. 7). E sobre “deixar marcas”, aprendemos com você que como seres
de histórias, devemos deixar nossas “marcas de sujeito e não pegadas de
puro objeto” (FREIRE, 2000, p. 119). Aprendemos com você a peda-
gogia de compartilhar bonitezas.
No Café com Bordado, bordamos para deixar nossas marcas e
compartilhar bonitezas. Podemos dizer que, de forma “co-laborativa”
fomos construindo nossa práxis (FREIRE, 2011a) sobre a atividade de
bordar. Não fomos à comunidade para testar nossas hipóteses e teorias
sobre trabalhos de participação social com bordados, pois aprendemos
com você que as comunidades não podem ser um laboratório de testa-
gem de nossas hipóteses e teorias. Pelo contrário, fomos às teorias para
refletir nossas práticas, formular hipóteses, construir e reconstruir novas
aprendizagens. E, assim, o Café com Bordado passou a ser um espaço
de pesquisa e prática pedagógica, um espaço para sonhar bonitezas e
esperançar por um futuro mais amoroso.
Lamentavelmente, tivemos que adaptar as atividades do projeto
com a chegada da pandemia de COVID-19, em março de 2020. E,
logo após a divulgação das recomendações sanitárias de segurança pela
Organização Mundial de Saúde, suspendemos os encontros presenciais
572
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e optamos por distribuir kits individuais para que as mulheres pudes-


sem bordar em suas casas. Ao mesmo tempo, criamos um grupo no
WhatsApp para viabilizarmos a comunicação e preservarmos a intera-
ção entre as participantes. Porém, mesmo nos esforçando para manter
os vínculos, faz muita falta arrumar a mesa para os encontros, sentir o
cheiro do café, partilhar os pontos e trocar abraços calorosos.
Apesar disso, como você nos ensinou, Paulo, fizemos o que era
possível, buscando aplicar o “viável histórico” para criarmos as condi-
ções necessárias para realizar o “inédito viável”. E assim nos despedimos:

Agora, juntos novamente, vamos dar um passo em


frente na procura de saber mais, sem esquecer nun-
ca que é praticando que se aprende. Vamos conhe-
cer melhor o que já conhecemos e conhecer outras
coisas que ainda não conhecemos. Todos nós sa-
bemos alguma coisa. Todos nós ignoramos algu-
ma coisa. Por isso aprendemos sempre. A busca de
conhecer mais continua na luta que continua. A
vitória é nossa (FREIRE, 2011b, p. 69).

Com ad-miração e amorosidade,

Karine, Marta e Geize.

Palavras-chave: Bordado. Partilha. Educação Popular.

573
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
DUMONT, M. Ebook Matizes Dumont: Des (a) fios do bordado
contemporâneo. 2019.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra, 2011a.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
plementam. São Paulo: Cortez, 2011b.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: carta pedagógica e outros es-
critos. São Paulo: UNESP, 2000.

574
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

(RE)INVENTANDO PAULO FREIRE E AS FORMAS DE


MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS: QUATRO ANOS
DE (R)EXISTÊNCIA DO COLETIVO LINHAS DO HORIZONTE

Karine de Oliveira Gomes


UFV-CRP
karine.gomes@ufv.br

Coletivo Linhas do Horizonte


lh@linhasdohorizonte.com.br

Paulo Freire anunciou que “a educação, qualquer que seja o ní-


vel em que se dê, se fará tão mais verdadeira quanto mais estimule o
desenvolvimento desta necessidade radical dos seres humanos, a de sua
expressividade” (FREIRE, 1977). Também destacou, em várias de suas
obras, que a educação é um ato fundamentalmente político.
E foi com o propósito de reagir aos ataques contra a democracia
brasileira que o coletivo Linhas do Horizonte foi criado em 2016, ins-
pirado em Paulo Freire e no poder da educação como alavanca das mu-
danças sociais. Somos um grupo de resistência cujo principal objetivo é
se manifestar contrariamente a qualquer tipo de opressão e exploração
que impeça as pessoas de alcançarem o seu direito de ser mais!
Há 4 anos, atuamos de forma engajada, combinando cooperação
e criatividade para contextualizar e dialogar sobre os acontecimentos
políticos da atualidade, com a utopia e o compromisso histórico de dia-
letizar denúncia e anúncio. Isso porque acreditamos, veementemente,
que a educação é previsora do esperançar e é capaz de instigar o pensa-
mento crítico, de desvelar a realidade, desmistificar o sistema de forças
e anunciar tanto o viável histórico quanto o inédito viável.
(Re)inventando a prática de Paulo Freire, usamos o bordado de
caráter panfletário e político como recurso pedagógico para promover
mobilização social e garantir às pessoas o direito de dizerem a sua pa-
lavra, pois “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra,
no trabalho, na ação-reflexão. Existir, humanamente, é pronunciar o
575
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta pro-


blematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”
(FREIRE, 2011).
Já colaboramos com diversos eventos; e este trabalho, em espe-
cial, apresenta algumas peças bordadas para a 24ª Semana Paulo Freire,
promovida em 2020, pelo Fórum Político Inter-religioso de BH e Co-
letivo Paulo Freire de BH.

Palavras-chave: Política. Cultura. Participação da Comunidade.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra, 2011.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.
Link para acesso ao vídeo: https://youtu.be/bJRy40taKIs

576
CAPÍTULO 8

À SOMBRA DESTA MANGUEIRA


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PEDAGOGIA CRÍTICA DE PAULO FREIRE E A ALFABETIZAÇÃO


CIENTÍFICA: ESTABELECENDO RELAÇÕES

Daniê Regina Mikolaiczik


Universidade de Passo Fundo
187729@upf.br

Bruna Eduarda Rocha


Universidade de Passo Fundo
187728@upf.br

Wylana C. A. Souza
Universidade de Passo Fundo
187733@upf.br

O legado de Paulo Freire para a educação, não somente a bra-


sileira, é indiscutível. Embora movimentos1 que busquem ceifar a au-
tonomia docente tentem, recentemente, destituí-lo como patrono da
educação nacional, este ainda se mantém, e sua obra chega a educadores
e educadoras que buscam uma ação pedagógica diferente.
Freire (2016, p. 119) propõe a educação libertadora, crítica e pro-
blematizadora como superação da educação bancária, ou seja, a cons-
trução de uma prática que não sirva mais ao propósito de alienar, mas,
sim, ao propósito de agir e refletir sobre o mundo para transformá-lo.
A proposta de Freire serve como fio condutor para outras corren-
tes teórico-metodológicas, como é o caso da alfabetização científica, que
propõe uma compreensão ativa dos conceitos científicos que ampare a
tomada consciente de decisões (SASSERON, 2015).
Diante do já exposto, este resumo objetiva estabelecer relações
entre a pedagogia crítica de Freire e a alfabetização científica. Para isso,
apresentamos o propósito metodológico das duas correntes. A revisão

1 Destaca-se o Movimento Escola sem Partido.


579
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

teórica baseia-se especialmente na obra Pedagogia do Oprimido, escri-


ta por Freire em 1968, enquanto encontrava-se exilado no Chile. Na
apresentação da alfabetização científica, destacam-se autores como Lo-
renzetti e Delizoicov (2001) e Sasseron (2015).
Freire propõe reflexões importantes para que possamos pensar a
educação como prática de liberdade e de superação da educação bancá-
ria. O autor considera que a “[...] educação libertadora, problematiza-
dora, já não pode ser um ato de narrar, ou de transferir, ou de transmitir
conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da
educação ‘bancária’, mas um ato cognoscente” (FREIRE, 2016, p. 119).
Na pedagogia libertadora de Freire, se supera a contradição edu-
cador e educando, pois ambos se fazem sujeitos do processo educativo
simultaneamente. O educador defende como proposta metodológica
“[...] será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo
o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo
programático da educação” (FREIRE, 2016, p. 146).
O conteúdo de estudo surge, dessa forma, na realidade mediatiza-
dora, que exige além de uma resposta científica, mas uma resposta no ní-
vel da ação (FREIRE, 2016). Os temas de estudo, na metodologia freirea-
na, surgem no universo temático do povo, são temas que nascem de uma
situação-limite que impõe um desafio àquela época. Para que isso ocorra,
é importante considerar que, na investigação da temática de estudo,

A questão fundamental, nesse caso, está em que,


faltando aos homens uma compreensão crítica da
totalidade em que estão, captando-a em pedaços
nos quais não reconhecem a interação constituin-
te da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E
não o podem porque, para conhecê-la, seria ne-
cessário partir do ponto inverso. Isto é, lhes seria
indispensável ter antes a visão totalizadora do con-
texto para, em seguida, separarem ou isolarem os
elementos ou as parcialidades do contexto, através
de cuja cisão voltariam com mais claridade à tota-
lidade analisada (FREIRE, 2016).

Os temas geradores surgem na relação homem-mundo e são par-


tes de um contexto mais amplo, revisitado continuamente por uma me-
580
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

todologia dialética. O autor propõe a organização de círculos de cultura


que ultrapassam os espaços formais de educação, pois reúnem, nas pa-
lavras do educador, homens do povo, educadores, entre outros sujeitos
pertinentes ao debate que se agregam para elaboração de programas de
estudo com o povo e não para o povo (FREIRE, 2016).
Então qual seria a relação da pedagogia crítica de Freire com a
alfabetização científica?
O termo alfabetização científica surge, pela primeira vez, nos es-
tudos do americano Paul Hard, em 1958 (SASSERON, CARVALHO,
2016) e chega no Brasil no final dos anos 1990, com diferentes termi-
nologias, como letramento científico, enculturação científica e, por fim,
influenciado pelas teorias de Paulo Freire, se difunde a alfabetização
científica. Sasseron (2015, p. 56) define que:

Pode-se afirmar que a Alfabetização Científica, ao


fim, revela-se como a capacidade construída para
a análise e a avaliação de situações que permitam
ou culminem com a tomada de decisões e o posi-
cionamento. Sob essa perspectiva, a Alfabetização
Científica é vista como processo e, por isso, como
contínua. Ela não se encerra no tempo e não se
encerra em si mesma: assim como a própria ciên-
cia, a Alfabetização Científica deve estar sempre
em construção, englobando novos conhecimentos
pela análise e em decorrência de novas situações;
de mesmo modo, são essas situações e esses no-
vos conhecimentos que impactam os processos de
construção de entendimento e de tomada de deci-
sões e posicionamentos e que evidenciam as rela-
ções entre as ciências, a sociedade [...].

O processo de alfabetização científica envolve, conforme cita a


autora, a aprendizagem por investigação, método que está presente na
pedagogia libertadora de Freire, quando se parte de um tema gerador,
sobre o qual ainda se sabe pouco, e se busca novos conhecimentos na
investigação ativa.
Percebe-se que, pela definição de Sasseron (2015), alfabetizar
cientificamente vai muito além da memorização de conceitos científicos,
581
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

infelizmente ainda tão presentes nas rotinas escolares. Nessa perspectiva


de ensino, o educando desenvolve autonomia para a tomada consciente
de decisões nas distintas áreas do conhecimento, logo, é nesse aspecto
que podemos relacionar o alfabetizar cientificamente com uma prática
pedagógica crítica que tenha no diálogo um de seus alicerces.
Lorenzetti e Delizoicov (2001) contribuem para que possamos
avançar na compreensão do conceito. Os autores trazem, para o debate,
a dimensão social, portanto, a preocupação da alfabetização científica
é também um ensino que mostre ao educando seu papel enquanto in-
divíduo que vive num coletivo. Para além de verbalizar com frequência
sobre a empatia, o educador pode mostrar como os conteúdos escolares
podem contribuir para um mundo diferente, mais humanizado.
O surgimento dos temas de estudo na alfabetização científica
lembra a proposta freireana:

Assim, a “alfabetização científica prática” está re-


lacionada com as necessidades humanas mais bá-
sicas, como alimentação, saúde e habitação. Uma
pessoa com conhecimentos mínimos sobre estes
assuntos pode tomar suas decisões de forma cons-
ciente, mudando seus hábitos, preservando a sua
saúde e exigindo condições dignas para a sua vida
e a dos demais seres humanos (LORENZETTI;
DELIZOICOV, 2001, p. 48).

Conclui-se, com a escrita deste resumo expandido, que o pensa-


mento de Paulo Freire ainda se mantém vivo em diferentes correntes
teórico-metodológicas. A vida e a obra do patrono da educação brasi-
leira ecoam naqueles que buscam e creem na educação como meio de
superação da opressão e da alienação. O levantamento do conceito de
alfabetização científica mostrou que a proposta em questão objetiva o
estudo de situações cotidianas para um agir mais consciente, preocupa-
do com um mundo mais humanizado.

Palavras-chave: Paulo Freire; Alfabetização Científica; Pedagogia Crítica.

582
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no
contexto das séries iniciais. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciên-
cias, v. 3, n. 1, pp. 45-61, 2001.
SASSERON, L. H. Alfabetização científica, ensino por investigação e
argumentação: relações entre ciências da natureza e escola. Ensaio Pes-
quisa em Educação em Ciências, v. 17, n. spe, pp. 49-67, 2015.
SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Alfabetização científica:
uma revisão bibliográfica. Investigações em ensino de ciências, v. 16,
n. 1, pp. 59-77, 2016.

583
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

LEITURA(S) À LUZ DE PAULO FREIRE: REFLEXOS COTIDIANOS

João Paulo Borges da Silveira


Universidade de Caxias do Sul (UCS)
jpbsilveira@ucs.br

Mariana Parise Brandalise Dalsotto


Universidade de Caxias do Sul (UCS)
mpbrandalise@ucs.br

O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a media-


ção da leitura a partir do pensamento freireano. Tomamos por base
estudos anteriores no campo da Educação, da escola e da leitura, ten-
do como base o pensamento sobre a vida e a obra de Paulo Freire,
bem como nossa trajetória enquanto pesquisador(a) e educador(a).
A proposta não é esgotar todas as possibilidades de análise, mas, sim,
compreender como a leitura e a sua mediação, em diferentes espaços
educativos, podem contribuir para o desenvolvimento humano e a au-
tonomia dos educandos(as). Compreendemos que a leitura da palavra
contribui para a leitura de mundo, mas substancialmente o contrário
também é válido. A leitura de mundo, na verdade, precede a leitura
da palavra, pois refere-se à compreensão de mundo que construímos
pessoalmente, no contato com o mundo e com os outros.
Nesse sentido, conforme o Método Paulo Freire, como ficaram
conhecidas as práticas de alfabetização do educador nos idos da dé-
cada de 1960, partindo das experiências dos educandos – sua leitura
de mundo – é que se desenvolve a leitura da palavra, a alfabetização.
O estímulo e o incentivo à leitura é ou deveria ser primeiramen-
te realizado em casa, antes do ingresso na escola e da alfabetização em
si, afinal não lemos apenas letras e palavras, mas também as imagens
presentes em livros, vídeos ou propagandas, por exemplo. Porém, sa-
bemos que essa não é a realidade de muitas famílias, de norte a sul, em
585
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

um país ainda com elevados índices de analfabetos e de baixa procura


pela leitura.
Conforme o IBGE, em 2019, 6,6% dos jovens com 15 anos
ou mais são considerados analfabetos, índice que atinge 18,0% con-
siderando pessoas com 60 anos ou mais. Na escola, nem sempre en-
contramos um ambiente favorável, acolhedor e com recursos, bem
como professores(as) e outros profissionais para estimular cada turma
e criança à leitura. No contexto da sala de aula, muitas vezes, “Os
alunos leem [...] porque são obrigados a ler algum texto, cujo rela-
cionamento com o contexto eles não conseguem perceber” (FREIRE,
HORTON, 2011, p. 53), não tomando para si a leitura e a sua im-
portância, pois não veem ou não compreendem como ela pode con-
tribuir para transformar suas vidas.
A leitura deve ser um compromisso social de todos os educadores,
independentemente se atuantes em instituições de educação formal ou,
mesmo, em outros espaços educativos, considerados não formais, como
ONGs, associações, bibliotecas etc. Cabe aos mediadores de leitura
proporcionar acesso a materiais de leitura, mas, sobretudo, apresentar e
contextualizar obras, textos e autores, permitindo que cada leitor esco-
lha as suas leituras, que façam ou tragam significados para si, a partir de
sua realidade e de seus interesses pessoais.
A partir da leitura de mundo e da palavra, não apenas daquela es-
crita, os leitores podem realizar a sua (re)leitura crítica de mundo (FREI-
RE, 1985), contribuindo para o processo de conscientização acerca de
seus lugares no mundo, enquanto cidadãos, assim como para a huma-
nização e para a busca pela libertação de todos(as). Enquanto ato edu-
cativo, “A leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto
que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me
vou tornando também sujeito.” (FREIRE, 2002, p. 30). A leitura deve
ser encarada como um processo crítico, no qual o leitor não apenas lê e
interpreta, mas reescreve o lido, ao repensar o pensado (FREIRE, 2015).
Ao aprender a ler, o indivíduo aperfeiçoa a sua compreensão do mundo
ao seu redor, produzindo novos conhecimentos que permitem, assim, a
ação de libertação perante a realidade que o oprime.
A leitura abre as portas para o mundo, seja a leitura da decodi-
ficação dos códigos, seja a leitura crítica do mundo, do contexto, dos
586
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

direitos e dos deveres enquanto cidadãos. Se, há algumas décadas, uma


das lutas sociais era pelo acesso à educação, hoje a bandeira é por uma
educação de qualidade, que liberte e proporcione autonomia aos edu-
candos, que não apenas refira-se à escolarização, mas a uma educação
ampla, abrangente e realizada com amor e sem as amarras da opressão
que voltam a nos assombrar.
Saber ler nos permite acesso ao mundo, que é letrado e exige a lei-
tura, não apenas das letras, para acesso a diversos contextos e situações
sociais. A pandemia de COVID-19 é um tema que contribui para que
possamos refletir sobre a importância da leitura e do acesso à educação,
inclusive por meio da mediação da leitura. Ser proficiente na leitura e
na interpretação do mundo favorece a leitura dos ditos, dos não ditos,
das verdades e das não verdades de cada informação que nos chega. O
uso de máscara, por exemplo, nesse período que exige isolamento social
para combater a proliferação do vírus, será que é novidade para alguém?
E quem não a utiliza, por que não o faz? Este é um exemplo da impor-
tância da leitura do contexto e da realidade, para o entendimento do
combate entre ciência e fake news.
Podemos também citar o uso das tecnologias, especialmente nes-
te momento que estamos mais em casa e mais conectados. Para quem
não é um nativo digital, como utilizar as ferramentas? Quem ensina,
aprende e, portanto, media o uso dessas ferramentas? Que usos pode-
mos fazer delas? E, claro, não podemos deixar de interrogar quem de
fato tem acesso a elas, já que a pandemia acentua a presença de milhares
de brasileiros na linha da pobreza.
Ainda sobre a pandemia e os abismos sociais que se escancaram
diante de nossos olhos, por mais que muitas vezes a mídia e/ou o
governo tentem mascarar, temos diferentes realidades nos ambientes
escolares. Agora estamos observando as diferenças entre estudantes da
escola pública e da escola privada, ainda impactados pelos números da
pandemia. Diante disso, mais uma questão que nos aflige: quais serão
as reverberações, no futuro, relativas a essas diferenças? Um estudante
ter que subir em uma árvore para ter sinal de internet ou caminhar
quilômetros a fio para buscar materiais na escola não deve ser encara-
do como protagonismo e empenho dos educandos, mas, sim, com a
dor de ver nossas crianças e nossos adolescentes com oportunidades
587
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tão diferentes, uma vez que o capital aponta o dedo entre quem tem
oportunidades no hoje e provavelmente quem terá boas ou más opor-
tunidades no futuro.
A falta de oportunidades, ou a diferença entre elas, o descaso com
os riscos da pandemia, as fake News e a desinformação, entre outros fa-
tores que poderíamos citar, são reflexos do projeto de educação nacional
que temos, ou seriam da falta de um projeto? São reflexos de décadas
de descaso com a educação, não necessariamente realizados em todos os
momentos da história brasileira ou em todas as regiões. Mas, observan-
do no macro, a educação no país, por vezes, é encarada como despesa
que apenas precisa ser cumprida no orçamento.
Mediante o exposto, o pensamento freireano contribui direta-
mente em nossas reflexões provocando-nos sobre o sentido e a impor-
tância de ler o mundo, além de ler a palavra (ou para além do que ela
diretivamente diz). A leitura nos abre caminhos para a autonomia inte-
lectual, para o senso crítico, para um possível processo de emancipação
e de conscientização da condição antropológica e histórica que cada
sujeito ocupa numa sociedade. Mobilizar a capacidade de reflexão e o
reconhecimento da condição histórica individual e coletiva, das relações
entre a sociedade e o Estado, bem como das manipulações de mídias
com a proliferação de notícias falsas, coloca a leitura como central para
a cidadania e para uma existência digna, pois “sonhos são projetos pelos
quais se luta” (Freire, 2014, p. 62). Nesse sentido, a leitura de mundo,
bem como a leitura da palavra, realizadas conforme os pressupostos frei-
reanos aqui expostos, abrem possibilidades de sonhos e de projetos de
lutas para alcançá-los.

Palavras-chave: Leitura. Mediação Pedagógica. Hábito de Leitura.

588
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P.; HORTON, M. O caminho se faz caminhando: conver-
sas sobre educação e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
plementam. São Paulo: Cortez, 1985.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacio-
nal por Amostra de Domicílios Contínua. 2019.

589
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE, GASTON BACHELARD, O CONHECIMENTO DE


SENSO COMUM E O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS

Andréa Cantarelli Morales


acmorale@ucs.br

Amanda Klamer de Almeida


akalmeida@ucs.br

Francisco Catelli
fcatelli@ucs.br
Universidade de Caxias do Sul

As relações existentes entre conhecimento de senso comum e o


conhecimento científico já fazem parte de pesquisas nas áreas da filo-
sofia e da educação há décadas (RESENDE, CASTRO, PINHEIRO,
2010; ALVIM, FERREIRA, 2007). Porém, em se tratando de ensino
de ciências e de matemática, o conhecimento de senso comum não
se aproxima dos conhecimentos apresentados em aula, pois verifica-se
mais acentuadamente a elaboração de explicações matemáticas de na-
tureza mais abstrata e que escapam ao entendimento daquele conheci-
mento que estamos classificando de conhecimento do senso comum.
Outra forma de conhecimento está voltada muitas vezes ao que
os estudantes costumam denominar de “conhecimento prático”, que
seria aquele conhecimento que realmente (na percepção deles) interessa
na vida profissional. As observações lá realizadas são tomadas na for-
ma literal, com pouco, ou eventualmente, nenhum esforço por parte
dos estudantes no sentido de confrontar as observações experimentais
realizadas com as teorias que as implicam. Essa afirmação pode ser ob-
servada em Arruda e Laburú (1998) que relatam várias pesquisas que
apresentam uma grande quantidade de estudantes acreditando que o
conhecimento científico é mais um processo de observar fenômenos do
que propriamente um processo de construção de teorias.
591
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nesse contexto, buscou-se identificar como os pensamentos de


Paulo Freire e Gaston Bachelard podem contribuir na perspectiva de
reorganização do conhecimento de senso comum para o conhecimento
científico e, ao mesmo tempo, buscar identificar como essas perspecti-
vas podem contribuir nessa reorganização.
A presente pesquisa teórica visa observar a relação entre o conhe-
cimento de senso comum e o conhecimento científico no ensino de
ciências, sobre os olhares de Paulo Freire e Gaston Bachelard. Busca-se,
com ela, identificar, perante esse olhar, orientações que possam ser iden-
tificadas para a reorganização dos conhecimentos.
Focando, em especial, no ensino de ciências, na qual há ativi-
dades práticas relacionadas, não podemos considerar o estudante sem
conhecimento, pois o mesmo carrega consigo suas concepções de vida,
principalmente voltadas ao conhecimento de senso comum. No âm-
bito da ciência e de sua produção, Bachelard (1996) destaca que os
cientistas, em diferentes ocasiões e contextos, acabam por confrontar-se
com obstáculos na busca do novo conhecimento científico, são os por
ele denominados “obstáculos epistemológicos”. Bachelard não conside-
ra o conhecimento científico como um refinamento do conhecimento
de senso comum, mas, sim, que o conhecimento científico deve rom-
per com os conhecimentos equivocados, muitas vezes emanados desse
mesmo senso comum, construindo um novo conhecimento que vai se
formando à medida que são superados os obstáculos epistemológicos.
Bachelard (1996) preconiza que somente haverá avanço na ciên-
cia se o cientista realmente conseguir libertar-se de noções equivocadas,
emanadas de seu senso comum. O processo de aprendizagem, por certo,
não é o mesmo processo envolvido na aprendizagem, mas a necessária cri-
ticidade que permite passar do conhecimento de senso comum para um
conhecimento reconhecido como científico, o que deverá permitir a des-
construção do conhecimento anterior, o qual é baseado no senso comum.
Paulo Freire refina a ideia de ruptura epistemológica apresentada
por Bachelard, ressaltando aspectos que recolocam o senso comum, em
especial a curiosidade que pode lhe ser inerente, no início mesmo de
um processo de fabricação do conhecimento. Ele propõe a superação
do pensamento ingênuo, o qual passa a ser mais crítico à medida que a
curiosidade vai obtendo respostas (FREIRE, 1996).
592
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para ele, as conquistas de conhecimentos fundam a passagem da


ingenuidade para a criticidade, fazendo da conscientização um processo
permanente de transição mediada (também) pelos conteúdos e progra-
mas e pelas metodologias inerentes ao currículo. Assim, a consciên-
cia transitaria entre estágios diferentes e complementares do processo
gnosiológico – no qual educadores e educandos (e pais, coordenadores,
diretores, comunidade escolar, técnicos) estariam, todos, conhecendo/
aprendendo, vivendo/amando/emocionando... e construindo cotidiana
e progressivamente sua consciência crítica (SCOCUGLIA, 2005).
Segundo Freire, (1959, p. 8) “o homem é um ser de relações que
estando no mundo é capaz de ir além, de projetar-se, de discernir, de
conhecer [...] e de perceber a dimensão temporal da existência como ser
histórico e criador de cultura”. Com isso, o autor destaca a necessidade
de práticas pedagógicas voltadas ao interesse dos seus alunos, inseridas no
cotidiano de cada um. Considerando uma continuidade nesse foco, Frei-
re considera a passagem do conhecimento de senso comum para o conhe-
cimento científico como um processo libertador e não apenas como, di-
gamos, mais uma mera “técnica” de aprendizado, pois o que está em jogo
é o estudante apropriar-se (ou não) desse modus operandi, essencialmente
crítico, que lhe faculta essa – sutil e preciosa – passagem do conhecimen-
to de senso comum para o assim denominado conhecimento científico.
Mais do que o acesso, por vezes irrefletido, ao conhecimento científico, a
forma de passar a ele partindo do conhecimento de senso comum é que,
de fato, liberta. Freire, inclusive, nos aponta esse caminho.
Paulo Freire prioriza uma Educação que liberta. Levando essa
premissa para o campo do conhecimento científico veiculado nas esco-
las, é possível argumentar que um ensino tecnológico voltado somente
à formação de mão de obra, que deixa de destacar o refinamento im-
plícito no conhecimento científico, contém um “potencial libertador”
muito menor, talvez mesmo nulo. E isso ocorre em especial porque
esses refinamentos nascem invariavelmente de uma visão crítica mais
acurada dos dados disponíveis.
Porém, o que foi dito acima não autoriza a desqualificação su-
mária da importância do conhecimento de senso comum, como uma
leitura apressada de Bachelard poderia sugerir. Se, por um lado, ele não
permite o acesso “automático” e natural ao conhecimento científico;
593
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

por outro lado, sim, o senso comum pode ser o ponto de partida, a
motivação que leva o estudante crítico a procurar ter acesso a formas
mais elaboradas de conhecimento. Freire resgata esse papel seminal do
conhecimento de senso comum, papel esse que não foi ignorado por
Bachelard, ao ver nele uma (dentre muitas outras possíveis) forma de ra-
cionalidade. Entretanto, é de Freire a ênfase, fundamental, na libertação
intelectual experimentada pelo estudante que vive o processo inteiro
que leva à passagem do conhecimento de senso comum para o conhe-
cimento científico.
Então, ao ler Bachelard e depois Freire, podemos considerar que
o conhecimento científico nasce no senso comum, no cotidiano, na
curiosidade natural que temos ao experimentar os fenômenos do dia a
dia, pois é aí seu ponto de partida. Entretanto, os refinamentos, as con-
tra-intuições que levam a formas elaboradas de pensamento científico
nascem do pensamento crítico voltado aos objetos e eventos de senso
comum, aliados a avaliações criteriosas da historicidade dos conheci-
mentos científicos. Nesse processo, a emergência de um pensamento
crítico essencialmente fértil e criador é essencial, tanto na perspectiva de
Gaston Bachelard, quanto na perspectiva de Paulo Freire. Desse modo,
estão aí, latentes, as possibilidades para fundamentar um ensino e uma
aprendizagem de fato libertadores.

Palavras-chave: Paulo Freire. Gaston Bachelard. Senso comum.

594
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALVIM, N. A. T.; FERREIRA, M. A. Perspectiva problematizadora da
educação popular em saúde e enfermagem. Texto e Contexto Enfer-
magem, Florianópolis, 2007, 16 (abril-junho).
ARRUDA, S. M.; LABURÚ, C. E. Considerações sobre a função do
experimento no ensino de ciências. In: NARDI, R. (Org.). Questões
atuais no ensino de ciências. São Paulo: Escrituras Editoras, 1998.
BACHELARD, G. Formação do espírito científico: contribuição
para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contrapon-
to, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996.
FREIRE, P. Educação e atualidade brasileira. Recife: Universidade do
Recife, Mimeo, 1959.
RESENDE, D. R.; CASTRO, R. A.; PINHEIRO, P. C. O saber po-
pular nas aulas de química: relato de experiência envolvendo a produ-
ção do vinho de laranja e sua interpretação no ensino médio. Química
Nova Escola, v. 32, n. 3, 2010.
SCOCUGLIA, A. C. As Reflexões Curriculares de Paulo Freire. Revis-
ta Lusófona de Educação, v. 1, n. 6, pp. 81-92, 2005.

595
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A EJA: UMA ANÁLISE DA


CONFIGURAÇÃO DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DOS CURSOS
(PPC) DE LICENCIATURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA
FRONTEIRA SUL/CAMPUS ERECHIM/RS

Roselaine Iankowski Corrêa da Silva


Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
roseicsilva@gmail.com

Adriana Regina Sanceverino


Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
adrianarsanceverino@gmail.com

O presente estudo constitui o projeto de pesquisa de mestrado


vinculado ao Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação
(PPGPE) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus
Erechim/RS. O foco de investigação está na formação dos futuros pro-
fessores advindos dos cursos de licenciaturas, nos quais investigamos
Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) e buscamos avaliar como se
dá a formação docente inicial para atender ao público da Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
Com base nos conhecimentos adquiridos por meio da realização
da disciplina isolada de “Fundamentos da Educação de Jovens e Adul-
tos” do PPGPE e das leituras de pesquisas e de estudos sobre a temática
da formação docente e da reformulação na legislação, que incluiu a
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na educação básica,
sabendo-se das dificuldades pelas quais passam professores e estudantes
dentro do atual cenário político e econômico, marcado por retrocessos,
falta de investimentos e da quase inexistência de formação (inicial ou
continuada) específica para esta modalidade de ensino, acredita-se ser
de suma importância aprofundar estudos e analisar como os cursos de
graduação em licenciaturas da UFFS/Erechim abordam essa modalida-
de de ensino na formação dos seus licenciandos.
Conforme Arroyo (2017, p. 10), é necessário um olhar mais aten-
to aos jovens e aos adultos trabalhadores que buscam sua humanização
597
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em seus itinerários do trabalho para a EJA, numa luta por uma “so-
brevivência desumana”. Aqui entra a formação do educador, pois o
professor precisa estar preparado para contribuir com esse itinerário,
oportunizar aos jovens e aos adultos uma educação na qual eles também
sejam os construtores do conhecimento, trazendo suas experiências de
vida para serem compartilhadas, discutidas e reconstruídas a partir do
conhecimento sistematizado, dos currículos escolares, para os quais os
sistemas delegam como único. Arroyo (2017, p. 135) critica os conhe-
cimentos curriculares e enfatiza que “essa concepção de conhecimento
produz os destinatários à EJA”.
Nesse sentido, reforça o autor que “trabalhar esses processos de
humanização-desumanização que os jovens-adultos-adolescentes-crian-
ças levam à EJA e às escolas passou a ser a função de significado políti-
co-pedagógico na formação de seus profissionais”. Necessita-se, pois, ter
consciência de que o processo de formação inicial precisa atender às prer-
rogativas de uma educação que transforme a vida desses indivíduos histo-
ricamente segregados. De acordo com Paulo Freire (1996, p. 52), no livro
Pedagogia da autonomia, o autor se refere à formação docente, enfatizan-
do que é preciso “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Nessa perspectiva, ele reforça que não se deve apenas aprender como se
dá esta prática, mas que ela precisa “ser constantemente testemunhado[a],
vivido[a]” por alunos e professores (FREIRE, 1996, p. 52).
Quanto à importância do papel do professor, Sanceverino (2016,
p. 457) reforça que o mesmo “não se reduz a ser um mero repassador
de conhecimentos, mas sim a um mediador, instigador e problema-
tizador”. Não se pretende entrar na seara do conceito mediador, mas
essa citação está diretamente relacionada às perspectivas de um “redi-
mensionamento das práticas desenvolvidas nas instituições educacio-
nais” (SANCEVERINO, 2016, p. 457), objetivo final desta proposta
de pesquisa.
Cabe às universidades uma parcela dessa responsabilidade no
atendimento das demandas da sociedade, a fim de promover o desen-
volvimento e a inclusão social. Atuando para uma formação docente
com qualidade, a instituição estará preparando e qualificando os futu-
ros profissionais para atuar nas escolas com turmas de Jovens e Adultos.
598
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Isso reverbera positivamente no processo de ensino e aprendizagem,


pois colabora no enfrentamento do desgaste que essas instituições vêm
sofrendo historicamente, pois a EJA exige profissionais que saibam lidar
com o conjunto de desafios e a complexidade existente neste contexto,
os quais refletem diretamente nas ações (didáticas e pedagógicas) dos
professores em sala de aula e na escola como um todo. Sendo assim,
para reforçar a intenção da pesquisa nos cursos de licenciatura, ampara-
-se, aqui, em um dos princípios constantes do Projeto Pedagógico Ins-
titucional, no qual se menciona a responsabilidade da instituição para
com a qualidade da formação de professores, conforme segue:

3. Atendimento às diretrizes da Política Nacio-


nal de Formação de Professores do Ministério da
Educação, estabelecidas pelo Decreto nº 6.755,
de 29 de janeiro de 2009, cujo principal objetivo é
coordenar os esforços de todos os entes federados
no sentido de assegurar a formação de docentes
para a educação básica em número suficiente e
com qualidade adequada (UFFS, 2009).

Dessa forma, formulou-se a seguinte questão para a pesquisa:


como se dá a configuração do atendimento às particularidades para e da
Educação de Pessoas Jovens e Adultas (EJA) na formação de professo-
res(as) dos cursos de licenciaturas ofertados na Universidade Federal da
Fronteira Sul/Campus Erechim/RS?
Assim sendo, é importante investigar, no âmbito das licenciaturas,
como aparece a EJA e suas especificidades nos Projetos Pedagógicos dos
Cursos (PPC) de formação inicial, saber quais aspectos são ressaltados,
que teorias e metodologias são debatidas como instrumento para a quali-
ficação profissional dos novos docentes e das suas futuras práticas profis-
sionais, tanto nos estágios como após a graduação. Também importa pes-
quisar quais conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais fazem
parte do currículo e como são desenvolvidos, pois são imprescindíveis na
influência positiva para o desenvolvimento no campo social. 
O aporte teórico desta investigação sustenta-se em autores, como
Freire (1987, 1992, 1996, 2000), Arroyo (2017), Sanceverino (2016),
entre outros. Metodologicamente, a pesquisa é de cunho qualitativo
599
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

(MINAYO, 1994; GATTI, ANDRÉ, 2008; LÜDKE, ANDRÉ, 1986),


do tipo exploratória e descritiva (GIL, 2008; GIL, 2002) do fenômeno
de estudo. Para a análise dos dados, usar-se-á a análise de conteúdo
(BARDIN, 2011; BAUER, GASKELL, 2008). O locus de investigação
será a Universidade Federal da Fronteira Sul/Campus Erechim-RS. Os
sujeitos da investigação serão os coordenadores dos cursos (seis), alunos
matriculados (três) e alunos egressos (três).
O objetivo, nesta pesquisa, portanto, será o de investigar e com-
preender a configuração do atendimento às particularidades para a Edu-
cação de Pessoas Jovens e Adultas (EJA) na formação de professores nos
cursos de licenciatura ofertados. No caminho para alcançar a resposta,
estão os objetivos específicos, quais sejam: mapear estudos e pesquisas
existentes na bibliografia referenciada para o aprofundamento dos con-
ceitos teóricos sobre a formação de professores para a modalidade EJA;
mapear e analisar documentos legais e as propostas das matrizes curri-
culares, particularmente no que se refere ao atendimento da formação
de professores para a EJA; identificar, nas matrizes curriculares das li-
cenciaturas investigadas, os elementos constitutivos do campo da EJA,
sob o enfoque da educação popular, apontados nos princípios basilares
da constituição desta instituição; avaliar e analisar como se dá a forma-
ção dos futuros profissionais, tendo em vista a complexidade existente
entre o público estudante desta modalidade, e, por último, apresentar
o estudo e os resultados alcançados aos gestores e coordenadores dos
cursos de licenciaturas/UFFS-Erechim/RS.
A pesquisa encontra-se em fase inicial, mas, a partir dos resulta-
dos encontrados, pretende-se contribuir com o caráter político-educa-
cional da IES investigada, voltado à formação docente sob a concepção
de qualidade da educação, para que se promova, no conjunto das polí-
ticas públicas, o enfrentamento para a reformulação e para as melhorias
na modalidade da Educação de Pessoas Jovens e Adultas, impactando
no processo de ensino e aprendizagem nas escolas.

Palavras-chave: Ensino Superior. Licenciaturas. Educação de Jovens


e Adultos.

600
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ARROYO, M. G. Passageiros da Noite - Do Trabalho para a EJA:
Itinerários pelo direito a uma vida justa. Petrópolis: Vozes, 2017.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa Qualitativa com Texto,
Imagem e Som: um Manual Prático. Petrópolis: Vozes, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança – um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
LÜDKE; M.; ANDRÉ; M. E. D. A. Pesquisa em educação: aborda-
gens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MINAYO, M. C. (Org.). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criativi-
dade. Petrópolis: Vozes, 1994.
SANCEVERINO, A. R. Mediação pedagógica na educação de jovens e
adultos: exigência existencial e política do diálogo como fundamento da
prática. Revista Brasileira de Educação, n. 65, v. 21, pp. 455-475, 2016.
UFFS. Projeto Pedagógico Institucional. Chapecó: UFFS, 2009.

601
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A LUTA PELO ENSINO DA HISTÓRIA LOCAL: UM REENCONTRO


COM O PROJETO “ERECHIM: CAMPO PEQUENO,
GRANDES MEMÓRIAS”

Guilherme José Schons


Universidade Federal da Fronteira Sul
guilherme.schons@estudante.uffs.edu.br

Se, à luz do patrono da educação brasileira, existir é estar no e com


o mundo (FREIRE, 2001, p. 48), poderíamos considerar que uma prá-
xis pedagógica identificada com as condições da realidade dos oprimidos
pode conduzi-los a um processo de libertação que os humanize. Nes-
se sentido, interessa-nos esperançar uma História – enquanto ciência,
campo de ensino e prática de luta – que tenha como tópico de diálogo
o contexto mais próximo aos(às) educadores(as) e aos(às) educandos(as).
Com essa linha de pensamento, Daniele Vichnowski, Gabriela
Trez Copetti, Maria Eduarda Varela Heerdt, Marina Letícia Zamadei e
este que vos escreve desenvolvemos, de 2017 a 2019, sob a orientação
das professoras Núria Cristina Nehring, Marilene Pavan e Geny Sale-
te Menegon Cieslak, o projeto “Erechim: Campo Pequeno, Grandes
Memórias” no âmbito do Colégio Estadual Professor Mantovani (Ere-
chim/RS). Aqui, proponho-me a refletir sobre a proposta no intuito de
compreender sua dimensão, potencialidade e, sobretudo, possibilidades
de aplicação a partir da obra de Paulo Freire.
Desde seu princípio, a iniciativa pretendeu intervir na realidade
por meio de atividades de pesquisa, extensão, cultura e ensino. Isto é, o
objetivo da ação era estabelecer a História de Erechim como tópico de
debate entre discentes e docentes para, assim, promover o interesse pela
temática dentro e, também, fora da escola. Com isso, queríamos sanar o
desconhecimento do passado local por parte da comunidade, problema
que havíamos identificado. Desse modo, o ensino de História cumpri-
ria seu papel de crítica social, uma vez que ele “precisa estar compro-
missado com reflexões capazes de municiar os sujeitos a se pensarem
e repensarem seu espaço e, assim, mudá-lo” (MATOS, 2017, p. 213).
603
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Eis uma questão importante: a prática nos fez perceber que pre-
servar e transformar podem não ser conceitos contraditórios. Nós nos
propúnhamos a organizar, por exemplo, uma campanha pela conserva-
ção do patrimônio histórico material e imaterial da cidade. Entretanto,
como defender algo que, em grande parte, é influenciado pelo positi-
vismo de Comte e sua racista “tese do branqueamento”? Aprendemos
que, se por um lado, cabe à História registrar modos de vida – e, sendo
assim, o cuidado com monumentos e estátuas é importante –, “são si-
tuações locais que abrem perspectivas, porém, para a análise de proble-
mas [...]” (FREIRE, 2001, p. 122, grifo meu).
Nessa óptica, em um estudo que parta de uma variedade de fontes,
em boas condições de exame, podemos enxergar injustiças e desigualda-
des e nos instrumentalizarmos para a luta contra essa situação. É a partir
do conhecimento que nos emancipamos e que construímos outro mundo
possível – visão que é produto de um amadurecimento do projeto, o qual
nos permitiu assimilar que “Perfilamos a cidade e por ela somos perfila-
dos. Sua tarefa educativa se realiza também através do tratamento de sua
memória, que não apenas guarda, mas reproduz, estende, comunica-se às
gerações que chegam” (SIMON, BLANCH, 2015, p. 131-132).
Para além das nossas pretensões de modificar Erechim, somos
pessoas diferentes das que éramos quando do início do projeto, pois
nos tornamos indivíduos mais conscientes e críticos. Ao longo desses
anos, trabalhamos com diferentes concepções e métodos. Fotografias,
famílias, educação infantil, fomento à cidadania e palestra sobre a dita-
dura civil-militar em Erechim foram momentos em que progredimos
perante o contato com nossos parceiros de ação. Pudemos sentir que,
de fato, “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa
a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo
mundo” (FREIRE, 1994, p. 79).
Não obstante, aprendemos que “[...] o regional emerge do local
tal qual o nacional surge do regional e o continental do nacional como
o mundial emerge do continental” (FREIRE, 2011, p. 121). Por meio
dessa análise, enxergamos que as sociabilidades sobre as quais estávamos
nos debruçando formam uma rede de significados que tem sua origem
no espaço mais propício às sociedades. Dessa maneira, discutir a cidade
de Erechim, tendo em vista o seu passado, constituiu mecanismo para
604
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

acessarmos conhecimentos relativos a outras camadas da nossa estrutura


social, a qual, diante dessa iniciativa, estava sendo questionada e desna-
turalizada – o que nos capacita a erigir realidades outras.
Isso porque, para Freire, “Partir do ‘saber de experiência feito’
para superá-lo não é ficar nele” (FREIRE, 2011, p. 98, grifos do autor).
Ou seja, a concretude próxima ao educando é um ponto de início, ja-
mais a finalidade. Nessa lógica, podemos aplicar ao ensino da História
local uma pedagogia da partida contida na lógica freiriana. Com isso,
é-nos permitido usufruir de fatos que marcam nossas vidas individuais
(plenificadas, então, como existências) para explorar conjunturas que
impactam maiores contingentes sociais.
Destarte, o Outro ganha alteridade, sentido e respeito. Se a His-
tória nos é comum, ela reafirma nossa humanidade. Nesse exercício,
conseguimos, inclusive, enxergar nosso opressor para nos libertarmos e,
por conseguinte, libertá-lo a partir do diálogo, do conhecimento como
troca, da valorização da capacidade de todos os envolvidos no ensino
e na aprendizagem questionarem; perguntarem. Portanto, o ensino da
História local embasado em orientações freirianas tem a possibilidade
de fomentar, por meio da comunidade escolar, uma perspectiva críti-
ca, “[...] no sentido de compreender o porquê das coisas” (CASSOL,
2019), que provoque alterações na ordem vigente.
Por tal quadro, a práxis que descobrimos com o projeto “Ere-
chim: Campo Pequeno, Grandes Memórias” pode causar incômodo ao
poder econômico e, assim sendo, reações. Na atualidade, tentativas de
cerceamento à liberdade docente – através do linchamento, da perse-
guição e de projetos de lei que pretendem uma escola com mordaça
– revelam que a elite não pretende aceitar modelos de ensino que não
o bancário. Medidas já em vigor punem nossas escolas: PEC da Morte
(Emenda Constitucional 95), versão final da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) e reforma do Ensino Médio são marcos de uma
educação golpeada pelo conservadorismo sectário.
“O problema fundamental, de natureza política e tocado por tin-
tas ideológicas, é saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e
de que estará o seu ensino, contra quem, a favor de quê, contra o quê”
(FREIRE, 2011, p. 152). Em vista disso, é possível perceber que nosso
currículo é controlado; e a História é utilizada em prol de orientações
605
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de caráter financeiro. Aqui, ataques e falta de investimentos (no sentido


de carência de políticas públicas de fomento à pesquisa do passado lo-
cal) têm sua razão revelada; desmascarada.
Tal panorama demanda dos envolvidos no ensino/na aprendi-
zagem – como aconteceu na execução de “Erechim: Campo Pequeno,
Grandes Memórias” – uma postura de permanente resistência. Man-
tendo-nos firmes e fortes, poderemos superar essas situações-limite e
construir o inédito viável no qual haverá espaço para a comunhão das
nossas existências a partir de um ensino da História local crítico, popu-
lar e de matriz freireana.

Palavras-chave: História Crítica. Educação. Emancipação.

Referências
CASSOL, E. Ernesto Cassol: entrevista [jun. 2019]. Entrevistadores:
Daniele Vichnowski; Guilherme José Schons; Maria Eduarda Varela
Heerdt e Marina Letícia Zamadei. Erechim, 2019. 2 arquivos .mp4 (2
h.). Entrevista concedida ao projeto Erechim: Campo Pequeno, Gran-
des Memórias.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
MATOS, J. S. Ensino de História e aprendizagem histórica: diálogos
com Paulo Freire. Revista do PPGEA/FURG-RS, Edição especial XIX
Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, pp. 212-224, jun. 2017.
SIMON, C. B.; BLANCH, J. P. Paulo Freire, ensino, história e os desa-
fios da contemporaneidade. Diálogos, v. 19, n. 1, pp. 117-142, 2015.

606
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O OLHAR HUMANIZADOR PARA A INFÂNCIA:


A TRANSIÇÃO A PARTIR DE FREIRE

Carine Marcon
UFFS
carii.marcon@gmail.com

Raquel Karpinski
UFRGS
karpinskiraquelk@gmail.com

Shirlei Fetter
LA SALLE
fettershirlei@gmail.com

Allana Cavanhi
UFFS
allanacavanhi@gmail.com

Primeiras palavras

Refletir acerca da pedagogia, pelo viés de Paulo Freire, na Edu-


cação Infantil, é um desafio aos que buscam reinventar os estudos
pautados nesse autor. Isso se explica, porque a pedagogia freireana
valoriza os saberes das culturas populares em sua dimensão gnosio-
lógica, da prática humana no e com mundo, do ser aprendente e
inconcluso; e as crianças, de modo espontâneo, são precursoras das
suas culturas populares.
Ao buscar um olhar humanizador acerca da infância e dos pro-
cessos educacionais, entende-se que esta etapa do desenvolvimento
humano é potente, criativa e cultural. Dessa forma, necessita de uma
abordagem coerente, concisa, subjetiva e rigorosa, que valorize toda
potencialidade humana que existe na infância e nas culturas infantis.
607
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nesse sentido, conduzimos reflexões acerca da transição da Educação


Infantil para o Ensino Fundamental.
Assim, o debate se construiu a partir de dois pontos que ajudam a
reinventar a pedagogia freireana no enfrentamento dos desafios na Edu-
cação Básica. Para isso, buscamos articular um diálogo entre a pedago-
gia humana – de ação amorosa e rigorosa – nos espaços de educação
formal e as legislações como aparato dessa prática.

Cultura popular, as crianças e as infâncias: o protagonismo do ser


e estar no mundo

Antes de tudo – de ser estudante, por exemplo – a criança já é


uma cidadã, portanto, um ser de direitos. Nesse sentido, ela é observada
a partir de um grupo etário, pois pertence a uma categoria, a da(s) in-
fância(s). Partindo-se dessa compreensão, basta um olhar singular a essa
etapa geracional que encontramos o brincar e o cuidar como direitos
garantidos na legislação. No entanto, no social, podemos dizer que nem
todas as crianças têm infâncias, isso porque o conceito de infância está
subsidiado por questões de ordem econômica e cultural.
Desse modo, perceber, compreender e escutar as crianças en-
quanto participantes concretos é o que nos permite olhar para as infân-
cias como um processo recheado de historicidades que, sim, se alteram
ao longo do tempo. Problematizamos isso porque, por muito tempo, a
criança foi vista como um adulto em miniatura, o que hoje nos exige
um processo de (des)construção por meio do aceitar, respeitar e escutar.
De acordo com Freire (1996, p. 120), “aceitar e respeitar a diferença é
uma dessas virtudes sem o que a escuta não se pode dar”.
Portanto, perceber a infância, as culturas infantis e suas peculiari-
dades na educação formal, requer um olhar humanizador. Ao encontro
disso, a pedagogia freireana contribui por estar situada na reinvenção
dos espaços escolares que contemplem um diálogo significativo entre
autoridade, liberdade e autonomia (FREIRE, 1996). Isso significa que
a prática educativa provoca “[...]processos, técnicas, fins, expectativas,
desejos, frustrações, a tensão permanente entre a prática e a teoria, entre
liberdade e autoridade[...]” (FREIRE, 1994, p. 109).
608
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ao refletirmos a respeito da ideia de geração – crianças para o fu-


turo – levantamos as discussões acerca da relação prática e teórica como
princípio fundamental para pensar a socialização das crianças a partir da
educação formal, pois entendemos o ambiente escolar como um espaço
de convivência que nos torna humanos e nos oferece condições de pro-
duzir culturas. Por isso, respeitar e escutar as crianças é essencial para o
protagonismo na infância, garantindo, assim, o seu direito de participar
nesse processo de ser e estar no mundo.

Leis e práticas pedagógicas: um processo de transição humanizada

Ao olharmos o ambiente escolar como um espaço pedagógico


humanizador e produtor de culturas, é inevitável não tratarmos dos
aspectos legais que conduzem esse processo de escuta e respeito às crian-
ças e às infâncias. Neste texto, as nossas reflexões trazem a transição da
Educação Infantil para o Ensino Fundamental como um processo que
exige cuidado, amor e atenção, tanto dos(as) educadores(as), quanto
dos(as) gestores(as) educacionais.
Isso porque o processo de transição representa a ruptura daquilo
que já era familiar para aquilo que é desconhecido. Tal situação acaba
gerando uma grande preocupação “no que não é feito” na Educação
Infantil, para que o processo de travessia do 1º Ano do Ensino Funda-
mental seja humanizado.
Na LDBEN (1996), encontramos que: “A Educação Infantil, pri-
meira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psi-
cológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade” (Art. 29, Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013). Pre-
cisamente, no artigo 31, inciso I diz: “[...] sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental”. Na Resolução 345 do
RCG (p. 8), artigo 9, inciso 1º, encontramos pontos importantes refe-
rentes à transição entre as etapas de ensino. No artigo 10, do mesmo do-
cumento (p. 8), é reforçado que o Ensino Fundamental dá continuidade
aos objetivos definidos para a formação básica das crianças na Educação
Infantil. Isto é, ele trata da sequência, como um processo contínuo, na-
tural e sem cortes duros ou traumáticos para as crianças/os/as estudantes.
609
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ainda, a legislação, RCG (2018), traz o Ensino Fundamental


como a continuidade da formação das crianças, prolongando o processo
educativo durante os anos iniciais e completando-os nos anos finais, ao
ampliar e intensificar as oportunidades de aprendizagem gradativamen-
te. Assim, fica claro que essa etapa dá continuidade ao trabalho peda-
gógico da Educação Infantil, ou seja, as brincadeiras e as aprendizagens
significativas prevalecem e precisam fazer parte desse processo.
A articulação entre o Ensino Fundamental e a Educação Infantil
é essencial para garantir a qualidade e a equidade na Educação Básica.
Por isso, há a importância da formação permanente dos(as) educado-
res(as) para instrumentalizar e qualificar nossas práticas. Ao encontro
disso, podemos elencar fatores relevantes ao processo citado acima, mas
que não dialogam com a proposta colocada em vigor no dia 18 de fe-
vereiro de 2020, o Tempo de Aprender, ao passo que tal medida não
dialoga com a Legislação Vigente, BNCC (2018).
Esse contexto está na contramão do trabalho pedagógico humani-
zado que respeita as culturas e o protagonismo, os interesses e as apren-
dizagens significativas das crianças/dos/das estudantes. De acordo com a
BNCC, esse processo de transição requer muito cuidado para que

[...]haja equilíbrio entre as mudanças introduzidas,


garantindo integração e continuidade dos proces-
sos de aprendizagens das crianças, respeitando
suas singularidades e as diferentes relações que elas
estabelecem com os conhecimentos, assim como
a natureza das mediações de cada etapa (BNCC,
2018, p. 53).

Para isso, como educadores(as), precisamos observar os contextos


familiares a partir de um olhar humanitário que defenda o cuidado
para com o mundo; que respeite as culturas, os saberes e os tempos de
infância das crianças. De acordo com Freire:

O bom professor é o que consegue, enquanto fala,


trazer o aluno até a intimidade do movimento do
seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não
uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dor-
mem. Cansam porque acompanham as idas e vindas
610
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas


dúvidas, suas incertezas (FREIRE, 1996, p. 96).

Portanto, a prática pedagógica humanizada requer o conheci-


mento das teorias da infância, do desenvolvimento infantil e das nor-
mativas da educação, bem como da capacidade de compreensão das
múltiplas linguagens da criança e do diálogo com elas. De acordo com
Freire (1996), esses conhecimentos envolvem, em sua totalidade: men-
te, corpo, sentimentos, emoções, sensibilidade, amorosidade, eticidade,
cidadania, lazer, socialização, cultura, entre outros.
Encaminhamos esse tópico pontuando que a prática exige o co-
nhecimento sobre como investigar e identificar as necessidades e os in-
teresses das crianças por meio do acolhimento e da escuta. E é por isso
que o(a) educador(a) infantil também precisa saber brincar, disponibi-
lizar a sua afetividade e o seu corpo nas rotinas com as crianças, com-
partilhando confiança por meio das suas práticas (KARPINSKI, 2019).

Algumas considerações

Dessa maneira, reconhecemos que a educação tem um compro-


misso com a formação e o desenvolvimento humano global, em suas
dimensões intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica.
Sabemos também que ser criança não necessariamente significa ter in-
fância(s), visto que isso envolve questões econômicas e culturais.
Além disso, precisamos compreender a integralidade desse pro-
cesso – da pedagogia humanitária até o aparato legislativo. Isso porque
dialogar e compreender as legislações vigentes nos permite construir
um processo de transição leve, sem cortes e acolhedor, que escuta e res-
peita as crianças em suas singularidades.

Palavras-chave: Infância. Práticas Pedagógicas. Humanização.

611
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2 de 22 de dezembro de 2017. Base
nacional comum curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação. Se-
cretaria da Educação Básica, 2018.
BRASIL. LDB. Leis de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394. Brasília,
1996.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
KARPINSKI, R. O desenvolvimento integral na Educação Infantil:
Direitos e Brincadeiras. In: SICREDI. Programa a União Faz a Vida
(PUFV)/Educação Infantil. Contribuições Teóricas e Práticas Peda-
gógicas. Porto Alegre: Fundação SICREDI, 2019.
RIO GRANDE DO SUL. Referencial Curricular Gaúcho: Educação
Infantil, v. 1. Secretaria de Estado da Educação: Porto Alegre, 2018.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

RELATO DE EXPERIÊNCIA: PANCS, DO MATO PARA O PRATO

Juliana Carobin

Francieli Ribeiro

Paola Potrich

Roseclei Neuhaus

Zaila S. Zandoná Blau


Escola Estadual de Educação Básica Antônio João Zandoná
escolazandona@gmail.com

Na Escola Estadual de Educação Básica Antônio João Zando-


ná, o processo de construção da proposta metodológica é pautado
em Paulo Freire, possibilitando olhar para a realidade do educando,
reconhecendo-o como sujeito histórico. Desde seu início, no ano de
2001, a Feira de Iniciação à Pesquisa ocorre anualmente até o ano de
2019, mas, por ocasião da pandemia, não foi realizada em 2020. A
Feira contribui no processo de construção e de reflexão acerca da fun-
ção social da escola, voltada, dessa forma, para a autonomia e a eman-
cipação dos sujeitos, ocorrendo, nela, a práxis educativa. Este trabalho
refere-se a uma apresentação na XIV Feira de Iniciação à Pesquisa da
Escola Zandoná, no ano de 2019.
Essa atividade foi desenvolvida e socializada pela EJA (Educa-
ção de Jovens e Adultos), turma multisseriada e caracterizada por mu-
lheres que, em sua maioria, estão aposentadas, mas que retornaram
ao estudo a fim de realizar o sonho de poder ler e escrever, direito
esse interrompido na infância devido a diversas circunstâncias, como:
distância da escola, ajudar a família a criar os irmãos mais novos, tra-
balhar na lavoura.
613
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para Freire (1981), a aprendizagem da leitura e da escrita as-


sume significado à medida que o educando, simultaneamente com
o domínio do mecanismo da formação vocabular, vai percebendo o
sentido da linguagem.
Nesse contexto, assim como Freire, por meio do processo de desen-
volvimento crítico da leitura do mundo, busca-se problematizar a realida-
de. Por meio do diálogo e da troca de saberes e de experiências, procura-se
desenvolver a tomada de consciência e a emancipação humana, vencendo
o analfabetismo político. A pesquisa, assim como é apresentada no resu-
mo em anexo, baseou-se nos conhecimentos das alunas sobre as plantas
que possuíam em suas casas, aprofundando-se, por meio de leituras, ví-
deos e observação, no conhecimento sobre as PANCs (Plantas Alimen-
tícias Não Convencionais) no pátio da escola, catalogação e descrição de
suas utilidades. Também foram feitas práticas culinárias para ensinar a
aplicabilidade dessas plantas na alimentação diária.
Por fim, buscou-se incentivar a compreender a importância das
PANCs como alimentos orgânicos e seu benefício. Foram percebidos,
também, a emoção do aprendizado, o cultivo dessas plantas e que a
propagação de PANCs é de suma importância para a agricultura orgâ-
nica, pois promove a sustentabilidade para o meio ambiente, além do
respeito pela natureza e por sua conservação.

614
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Fonte: Arquivo da escola das alunas apresentando a pesquisa.

Posto isto, endossamos a fala de Ricardo Rossato (2005) “A cida-


dania atual implica um protagonismo. Ser cidadão é ter direito de dizer
a palavra sobre a sua vida, sobre o mundo e definir o seu lugar no mun-
do.” E é assim que a boniteza se faz e que nosso esperançar se transfor-
ma em práxis humanizadora, libertadora, empoderadora e resiliente.

Palavras-chave: Pesquisa. Conhecimento. Protagonismo.

615
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de
Janeiro. Paz e Terra, 1981.
ROSSATO, R. Século XXI: saberes em construção. Universidade de
Passo Fundo, 2005.

616
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: PILARES PARA A


FORMAÇÃO INTEGRAL

Juscélia Silva Costa


Grupo Escolar Raulindo Cardoso Pimenta – GERCP
E-mail: jusceliacosta9@gmail.com

Ana Paula Santana Magalhães


Escola Municipal Teotônio Marques – EMTM
E-mail: anapaulasm1@hotmail.com

Romário Silva Jorge


Centro Educacional Professora Alzira Alves Carneiro – CEPAAC
E-mail: rom.mario080694@gmail.com

Uelques Batista Santana


Colégio Municipal do Distrito do Murici – CMDM
E-mail: welquessantana@yahoo.com.br

Queridos colegas educadores,

Há tempos, observamos que a sociedade precisa evoluir, e o cená-


rio atual tem nos mostrado a necessidade de um olhar mais sensível para
dentro de nós e para os outros, especificamente, para com as crianças.
Como defende Moretto (2014, p. 91), “O aluno aprende à medida que
se engaja no processo, que responde aos incentivos do professor”. Sendo
assim, devemos estar atentos à realidade de muitas crianças que estão
ao nosso redor em situação de vulnerabilidade, por motivos diversos.
Para iniciar essa (escre)vivência, quero retomar uma experiência
que tive quando atuei como Conselheira Tutelar, em 2011, no Municí-
pio de Botuporã (BA). Desde aquele tempo, pude observar que muitos
dos conflitos familiares que chegavam até mim estavam relacionados à
intolerância e à ausência de diálogo.
617
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Não foram poucos os casos que acompanhei e nos quais intervi.


Houve casos em que as crianças foram vítimas de alienação parental,
violência física e/ou psicológica, negligência quanto aos cuidados bá-
sicos com a saúde, a educação, a alimentação, além de outras situações
extremas de violação de direitos. Além disso, notei que a maioria dos
conflitos que chegavam ali eram, justamente, nas famílias que não ti-
nham a presença paterna – ou essa existia apenas como figurante, seja
por ser usuário de drogas, seja mesmo por conduta passiva.
Tal experiência despertou em mim o seguinte questionamento:
que tipo de cidadãos essas crianças seriam quando se tornassem adultas?
Permaneci por algum tempo com esta inquietação, e, então, busquei
compreender melhor sobre essa situação, construindo a hipótese de que
a relação família-educação-sociedade seria a chave para o problema.
Desse modo, resolvi buscar informações para, de alguma forma,
tentar compreender melhor o contexto supracitado. Optei pelo curso
de Pedagogia por acreditar que ele me daria condições para intervir
naquela realidade ou, pelo menos, problematizá-la, a exemplo do que
defende o educador Paulo Freire (1996).
Atualmente, a minha inquietude, enquanto profissional da edu-
cação, tem se concentrado na busca constante pela compreensão do
estudante enquanto sujeito de direitos. Esse entendimento só vai ser
possível se, por meio da sensibilidade, o professor se atentar às compe-
tências sócio-emocionais do seu aluno e o auxiliar a desenvolvê-las.
Entretanto, vocês, queridos professores, devem estar se pergun-
tando: como planejar percursos formativos que englobam não somente
o desenvolvimento da aprendizagem, mas que vão além disso, preven-
do o domínio de competências que o prepare para dar conta dessas
questões? E mais: como fazê-lo em um tempo tão adverso como o que
estamos vivendo, permeado pela pandemia do COVID-19?
Sem dúvidas, o cenário pandêmico chegou para nos despertar e
fazer acelerar nossas percepções e ações enquanto profissionais da edu-
cação e, também, seres humanos, chamados a dar sua contribuição
para a formação de cidadãos tolerantes e reflexivos. Sobre isso, Freire
(1996) defende que a educação é um ato amoroso – ainda mais em
um contexto em que o distanciamento social tem sido um dos princi-
pais desafios para a prática pedagógica. Entretanto, este tempo difícil
618
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tem um ponto positivo: aproximou as famílias; e é justamente por aí


que vamos desenrolar a questão.
A partir deste cenário, fomos instigados a adotar o ensino re-
moto. Esse formato exige maior responsabilidade por parte do aluno
e dos seus familiares no cumprimento das atividades remotas. Diante
dessa situação, temos percebido que os alunos dos anos finais do Ensi-
no Fundamental e os alunos do Ensino Médio, mesmo com algumas
dificuldades, conseguem realizar as propostas, muitas vezes, sozinhos.
Entretanto, tenho observado que os alunos da Educação Infantil e dos
anos iniciais do Ensino Fundamental precisam assiduamente do acom-
panhamento de seus pais e familiares, tanto quanto da água para beber.
Foi justamente o atual cenário que favoreceu e, em algumas si-
tuações, tornou obrigatória uma maior aproximação das crianças com a
família para a realização das propostas escolares. Por outro lado, sei que
essa aproximação tem gerado uma série de agravos, dentre eles, o cres-
cente número de violência e de abusos domésticos, além da desmotiva-
ção de várias crianças em relação à aprendizagem. Faz-se necessário que
nós, educadores, busquemos compreender essa problemática e intervir
pedagogicamente, por meio do diálogo, o que exigirá um envolvimento
com o social (FREIRE, 1996).
Cabe aos profissionais da educação elaborar as atividades que per-
meiam a execução de todos os direitos necessários de aprendizagem,
além de abranger as competências socioemocionais, as quais são im-
prescindíveis para uma formação integral do cidadão para a vida em
sociedade. Como cita Felício (2012, p. 5), a educação integral

[...] deve ser capaz de responder a uma multipli-


cidade de exigências, ao mesmo tempo em que
deve objetivar a construção de relações na direção
do aperfeiçoamento humano, o que comporta na
oferta de possibilidades para que o indivíduo possa
evoluir, plenamente, em todas as suas dimensões
(cognitiva, corpórea, social, cultural, psicológica,
afetiva, econômica, ética, estética, entre outras).

Para oportunizar essa educação transformadora, tão defendida


por Freire (1992), devemos estar atentos a, por exemplo, avaliar não so-
619
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mente as atividades escritas, mas perceber que, a partir daquelas linhas,


para além das respostas e expressões, existem crianças, adultos, famílias
por trás de tudo aquilo, sendo elas presentes ou não, que merecem aten-
ção e olhares desconstruídos sobre todo e qualquer preconceito que o
momento ou a sociedade lhes impõe.
Por tudo isso, não tenhamos medo, queridos colegas, quanto a
mudar nossas ações, nossos métodos e recursos didático-pedagógicos.
Essa nova realidade nos dará a possibilidade de nos transformar como
profissionais, mas, além de tudo, como seres humanos. Saibam que o
ato de amar é o melhor caminho para conseguirmos mudar os rumos
da educação e, consequentemente, contribuir para a instauração de es-
paços de paz no seio familiar e em nossa sociedade.

Tanque Novo, 25 de março de 2021.

Palavras-chave: Educação. Família. Sociedade.

Referências
FELÍCIO, H. M. S. Análise curricular da escola de tempo integral na
perspectiva da educação integral. Revista e-Curriculum, v. 8, n. 1, pp.
1-18, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
docente. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
MORETTO, V. P. Prova: um momento privilegiado de estudos, não
um acerto de contas. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.

620
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O DESAFIO DE EDUCAR NA PANDEMIA

Eliel Felizardo
IFRS – Bento Gonçalves
eliel.felizardo@gmail.com

Fernanda Zorzi
IFRS – Bento Gonçalves
fernanda.zorzi@bento.ifrs.edu.br

Eduarda Cassol Festa


IFRS – Bento Gonçalves
eduardacassol@hotmail.com
 
Saudações freireanas.
 
Estimado Paulo Freire, escrevemos-te com o coração apertado e
temeroso, em razão do rumo que a educação brasileira tem tomado nos
últimos tempos. Não bastasse a angústia provocada pela pandemia do
coronavírus, estamos vivendo momentos difíceis relacionados a cortes
de investimento na saúde e na educação, processados por medidas ab-
surdas e arbitrárias, totalmente contrárias a tudo que nos ensinaste, por
parte do governo federal. Seria uma grande quimera tê-lo conosco para
construirmos juntos alternativas de denúncia e resistência às barbáries a
que estamos sendo submetidos. No que tange à educação escolar, gos-
taríamos de garantir as aprendizagens necessárias para que os nossos
educandos pudessem passar por esses ares sombrios e de perseguição
aos serviços públicos com a compreensão das ações do governo e o que
significam essas perdas a curto e a longo prazos.
Estamos, querido Paulo, enfrentando uma doença devastadora,
pois chegamos, em março, ao triste número de 300 mil mortos. A pés-
sima gestão da pandemia, no caso do nosso país, intensificou as misé-
621
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

rias enfrentadas pelo povo brasileiro, as quais aumentaram ainda mais a


exclusão social, cultural e econômica da população. As diversas formas
de violência e desumanização, vividas no contexto atual, nos fazem lem-
brar da tua referência acerca do homem marginalizado como “excluído
do sistema social” (FREIRE, 2001, p. 74).   
Essas condições, ou a falta delas, deixaram educadores e educan-
dos amedrontados, e é nesse cenário que se tem que pensar em ensinar
e aprender. Os docentes, agora, se veem obrigados a reinventar, no seu
modo, por meio de uma tela de computador, em meio aos desafios,
sem, muitas vezes, obter retornos das aprendizagens de seus educan-
dos, e se sentindo incapazes de contribuir para a transformação social.
Como tu mesmo disseste:

Se, na verdade, não estou no mundo para simples-


mente a ele me adaptar, mas para transformá-lo;
se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou
projeto de mundo, devo usar toda possibilidade
que tenha para não apenas falar de minha utopia,
mas para participar de práticas com ela coerente
(FREIRE, 2000, p. 33).

Em Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos


(2000, p. 66), fizeste um destaque importante para o momento histó-
rico atual: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda”. Ao discutir a ideia de educador como
problematizador, em Pedagogia da autonomia (1997, p. 52), nos mos-
traste a importância de o educador “saber que ensinar não é transferir
conhecimentos, mas criar as possibilidades para a própria produção ou
a sua construção”, e, em Pedagogia e conflito (GADOTTI, FREIRE,
GUIMARÃES, 1985), nos mostraste o quanto o professor problemati-
zador pode fazer do objeto do conhecimento uma mediação da relação
entre educador e educando, na perspectiva da conquista, da libertação,
conscientização e humanização.  
Feitas essas considerações, queremos te contar uma atividade que
nós, alunos do curso de Licenciatura em Matemática, realizamos, a par-
tir da proposta do Componente Curricular Estágio Supervisionado nas
Modalidades de Ensino. Propusemos uma formação continuada para
622
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

as professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de uma escola


pública da Serra Gaúcha. Essa ação ocorreu no Primeiro Ciclo das Ati-
vidades Pedagógicas Não Presenciais, no Campus Bento Gonçalves do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul, no período de setembro de 2020 a janeiro de 2021. 
Nossa intenção foi contribuir com as professoras, no sentido de
pensar sobre o ensino da Matemática no contexto da pandemia, a par-
tir da perspectiva de uma aprendizagem contextualizada e lúdica, com
ênfase na compreensão das habilidades propostas na Base Nacional Co-
mum Curricular. Inspirados em ti, partimos para a viagem:

[...] a prática de velejar coloca a necessidade de sabe-


res fundantes como o do domínio do barco, das par-
tes que o compõem e da função de cada uma delas,
como o conhecimento dos ventos, de sua força, de
sua direção, os ventos e as velas, a posição das velas, o
papel do motor e da combinação entre motor e velas.
Na prática de velejar, se confirmam, se modificam ou
se ampliam esses saberes (FREIRE, 2010, p. 22).

A oficina, intitulada “O Diabo da Matemática”, com carga horá-


ria de 20 horas, ocorreu em 4 encontros síncronos, via Google Meet, e a
outra parte através de atividades assíncronas e confecção de jogos. Todas
as propostas foram organizadas em um site, que está disponível no link:
https://sites.google.com/view/odiabodamatemtica/home.
Sinceramente, amigo, cada encontro dedicado para o planeja-
mento da prática nos trouxe à mente alguns saberes necessários à prática
docente, os quais, do nosso ponto de vista, estão sufocados e precisam
ser reavivados neste contexto tão conturbado: (a) ensinar exige alegria e
esperança (FREIRE, 1997, p. 80); (b) ensinar exige corporeificação das
palavras pelo exemplo (FREIRE, 1997, p. 38); (c) ensinar exige bom
senso (FREIRE, 1997, p. 67).
Quando falamos em alegria e esperança, percebemos que, nesses
últimos tempos, a esperança é o que nos dá ânimo de seguir na cami-
nhada da educação, pois os educadores assumem o papel de proporcio-
nar situações que amenizem todas as mazelas causadas pela pandemia
e, por meio de jogos e interações, por meio das tecnologias, construam
623
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

momentos de alegria, e, juntos, docentes, discentes e famílias, apren-


dam, produzam conhecimento, na direção de  resistir e transpor os obs-
táculos que nos são impostos (FREIRE, 1997).
Infelizmente, a frase que costumávamos ouvir de professores, “eu
finjo que ensino e eles fingem que aprendem”, se tornou, de fato, mais fre-
quente.  Muitos de nossos colegas estão desmotivados e desesperançados
em relação às políticas públicas praticadas (ou não praticadas), especial-
mente porque estão “matando” o teu exemplo, sufocando a tua fala, me-
nosprezando a tua pedagogia, desvalorizando a importância da ciência e da
própria vida. Estamos preocupados, mas esperançosos, já que entendemos
que, se nos mantivermos no nosso propósito de luta contra as barbáries ao
ideal de educação, por ti, conseguiremos romper com a prática opressora
da educação bancária, contando com o bom senso, característico da tua
caminhada, porque esses tempos nos mostraram a importância de olhar,
escutar, ter empatia e enxergar a diversidade que envolvem a vida dos nos-
sos educandos. Muitos alunos perderam entes queridos, outros perderam
seu sustento, levando a condições de miséria e até situações de abuso e
violência, e nós, enquanto educadores, exigindo que eles entendam e en-
treguem atividades que para eles não fazem nenhum sentido. 
Estimado amigo, perdão pelo desabafo, mas contamos com a
tua habitual amorosidade e fazemos uso das palavras do teu amigo de
longa data, Balduíno Andreola, para te agradecer e dizer que as tuas
palavras são acalento e nos dão ânimo para continuar: “Teu olhar con-
tinuará nos desafiando, para dizer-nos que a luta não acabou, até que o
sonho coletivo ceda lugar à realidade nova de uma terra sem exclusões,
onde não se tenha vergonha de proferir a palavra amor” (ANDREOLA,
1997, p. 47)  Amor pela escola, pela educação e pelo trabalho que os
professores realizam: é isso que nos move neste momento. Somos muito
gratos, porque tua vida e tua obra nos incentivam a não desistir e a lutar
sempre, pois: “O sonho é sonho porque, realisticamente ancorado no
presente concreto, aponta o futuro, que só se constitui na e pela trans-
formação do presente” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 71). 

De seus amigos, Eliel, Eduarda e Fernanda!

Palavras-chave: Educação Brasileira. Ressignificado. Esperança.


624
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDREOLA, B. Contribuição de Ernani Maria Fiori para a pedagogia
política da libertação. Cadernos de Educação, ano 6, n. 9, pp. 41-72,
1997.
FREIRE, P. Conscientização – teoria e prática da libertação: uma in-
trodução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessário à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985. 
GADOTTI, M.; FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Pedagogia: diálogo e
conflito. São Paulo: Cortez, 1985. 

625
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

“COMO ESCOLHER UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL?” :


REFLEXÕES PARA PAIS DE CRIANÇAS
DE 0 A 6 ANOS DE IDADE

Flávia Burdzinski de Souza


Universidade Federal da Fronteira Sul - Erechim/RS
flavinhabdesouza@yahoo.com.br

Olá, amigos e amigas.

Meu objetivo é registrar, nesta carta, algumas reflexões que venho


tecendo com vocês, e pelas redes sociais, principalmente em relação às
dúvidas que me chegam: “Flávia, como escolher uma escola de Educação
Infantil? O que observar?”

a) Quando vocês visitam uma escola, o que observam nas paredes? De-
coração pronta, construída pelos adultos, ou as marcas das crianças? Es-
sas marcas expressam as investigações das crianças ou são “trabalhinhos
em série”, naquele estilo das folhas mimeografadas que ganhávamos
quando crianças? Pois se a resposta for “decoração pronta” e “trabalhi-
nhos”, saibam que essa escola talvez pouco colabore com a construção
de um mundo mais humano, emancipado e crítico, já que sua “pele
pedagógica” (paredes e marcas) mostram perspectivas tradicionais de
transmissão do conhecimento, de imposições de um currículo adul-
tocêntrico. Ser colorida e ter personagens da mídia nas paredes não é
sinônimo de alegria e qualidade. Isso se chama aculturação, ou seja,
adaptar-se às imposições culturais de outros, eleitas por outros. Des-
de quando construímos essa ideia de que quanto mais cores melhor?
Quanto mais plástico e E.V.A. melhor? Nas palavras de Paulo Freire
(1975), isso tudo representa uma concepção bancária da educação, que
prioriza a memorização, o arquivamento de saberes que são doados pe-
los “sábios” (professores) aos que nada sabem (as crianças). Foi nessa
concepção que fomos educados, fomos formados (e literalmente colo-
cados na “forma”). Aprendemos que o produto final é mais importante
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que o processo; que a produtividade é o que importa. Porém, desse


modo, não estamos colaborando com o desenvolvimento sustentável,
mas, sim, com a manutenção de uma “sociedade opressora”, mantendo
uma ideia errônea de que se aprende pela via do registro em folha A4, da
cópia, do silêncio, da obediência, do “ativismo” (FREIRE, 1975). Cadê
a autoria e o envolvimento das crianças no processo? Vocês sabiam que
não é função da Educação Infantil preparar para o ensino fundamental?
Então, vamos parar de querer exigir cópia de letras, pintura de desenhos,
bolinhas de papel, preenchimento de linhas e pontilhados, controle de
corpos em mesas e cadeiras, apresentações infantis “enfadonhas”, datas
comemorativas, etc. Tudo isso exemplifica atividades vazias de sentido,
reprodutoras e que descumprem a legislação atual da Educação Infantil.
Por isso, eu preciso dizer: a criança não é um vir a ser, ela já é sujeito e
não merece ser assujeitada (SARMENTO, 2004)! Respeite-a!

b) Vocês observam que a professora conhece as crianças, sabe sobre


seu desenvolvimento e tem consciência do seu trabalho? Os projetos,
os temas de investigação, partem do interesse da escola e da professora
ou das crianças? Vocês podem estar se perguntando: Desde quando os
temas partem das crianças? Desde que passamos a considerá-las nas
legislações e normativas educacionais como sujeitos históricos e de di-
reitos. Para isso, basta ler a Constituição Federal de 1988; o Estatuto
da Criança e do Adolescente de 1990; as Diretrizes Curriculares Na-
cionais para a Educação Infantil (DCNEI) de 2009; e a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) de 2018. Aliás, vocês sabem se a escola
respeita o que propõem essas legislações? E vocês? Sabiam que as DC-
NEI e a BNCC pontuam que a criança é o centro do planejamento?
Se ela é o centro, por que ainda há escolas que ficam criando projetos
para elas executarem, como operárias de uma fábrica? Ser sujeito é ter
lugar no mundo, é atuar sobre o mundo como transformador dele,
é participar como autor de sua história, pois: “Só existe saber na in-
venção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente,
que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros”
(FREIRE, 1975, p. 38). Desenvolver um planejamento educativo que
considere a criança e seus desejos, suas indagações sobre o mundo,
que se efetive por uma Pedagogia da Pergunta e não uma pedago-
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gia da resposta é reconhecer que a origem do conhecimento está nas


perguntas, na consciência do inacabado (FREIRE, 1996; FREIRE;
FAUNDEZ, 1985). Uma Pedagogia da Pergunta, na Educação In-
fantil, pode movimentar um currículo mais sensível e acolhedor, já
que as crianças podem fornecer as pistas para o desenvolvimento da
Pedagogia da Infância: pedagogias que acreditam nas crianças e na
sua capacidade de aprender, que pensam o que fazer a partir do que
escutam das crianças, pois compreendem que essa organização curri-
cular forma sujeitos ativos, curiosos, desacomodados e emancipados
(SOUZA; VARGAS; RODRIGUES, 2018). Por isso, pergunto: Que
formação vocês desejam para seu/sua filho/filha? Querem um sujeito
capaz de pensar e atuar no mundo com empatia e consciência? Ou de-
sejam a formação de um “hospedeiro do opressor”, como diria Paulo
Freire (1975, p. 8)?

c) Vocês sabiam que há um número de crianças por turma e uma me-


tragem por sala que deve ser respeitada? Vocês sabiam que para cada
agrupamento de 6 a 8 crianças de 0 a 2 anos, de 15 crianças de 3 anos,
e de 20 crianças de 4 a 6 anos, precisa ter no mínimo um profissio-
nal responsável? Quantos desafios com esse expressivo quantitativo de
crianças por adulto, não é mesmo? Avisem, por favor, todos aqueles que
sempre acham que dá para abrir mais uma vaga: a escola não é depósito!
Avisem também que a vaga é um direito da criança e não da família
trabalhadora. Parem de julgar as mães que trabalham 24 horas por dia
dentro de seus lares e são criticadas por colocar os filhos na escola, já
que “não trabalham fora”. A história da Educação Infantil mostra isso,
e, resumidamente, você pode conhecer isso lendo o Parecer CNE/CEB
nº 20/2009 que revisa as DCNEI (BRASIL, 2009).

d) E, por falar no Parecer CNE/CEB nº 20/2009, vocês sabiam que


essa normativa da Educação Infantil, junto com a BNCC, pontua que
brincar e interagir são eixos norteadores do currículo? Tomando isso
como premissa, brincar deveria ser levado muito a sério na Educação
Infantil, não é mesmo? Brincar é o trabalho da criança. Brincar leva
a criança a descobrir e se apropriar do mundo. Brincar é aprender. É
a linguagem vital da infância! Mas, brincar é diferente de fazer um
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

jogo que finge que é brincadeira; é diferente de virar uma caixa com
peças de montar sobre o chão e deixar as crianças ali por horas, num
vazio de sentido que muitos confundem com “brincar livre”. Por isso,
observem: o brincar é levado a sério pela escola? Interagir vai muito
mais além do que ter giz e papel para registros. Interagir com o outro,
com seus pares, com crianças de idades diferentes, com adultos, com
espaços e materiais (diversificados, seguros, adequados e atraentes),
com a natureza, com áreas verdes, com terra, areia, água, animais, en-
fim, interagir também é basilar na aprendizagem. As crianças precisam
de espaço para “BECPEC”: brincar, explorar, conviver, participar, ex-
pressar e conhecer-se! BECPEC é uma sigla mnemônica que criei para
memorizar os Direitos de Aprendizagem propostos pela Base Nacio-
nal Comum Curricular (BRASIL, 2018). Então, observem: A escola
garante BECPEC? Como, com o quê e por quanto tempo as crianças
brincam e interagem nas escolas? Vocês observam a importância des-
ses momentos? Eduquem seus olhares para reconhecer a brincadeira
e a interação como fontes de aprendizagem! Afinal, seu/sua filho/filha
nunca mais terá 1, 2, 3, 4, 5 ou 6 anos, não é mesmo? Infelizmente,
não dá para apertar “reset” e voltar à infância, né? Não apressem as
crianças! Tenham o tempo como amigo.

e) Outra dica que dou é observar como a escola planeja e organiza os


momentos de sono, higiene, cuidados pessoais e alimentação. O re-
feitório convida a alimentar-se? O que as crianças comem? Como o
alimento é oferecido? Como é a sala do sono? Os pertences pessoais das
crianças têm espaço e são respeitados? Como a escola organiza o tempo
para as crianças cuidarem de si? Os banheiros são em número suficien-
te? Como organizam a lavagem das mãos, por exemplo? Que cheiros e
sensações compõem a escola? Tudo isso compõe as relações de cuidado
e educação, que, na escola de Educação Infantil, são processos indisso-
ciáveis para pensar o acolhimento das crianças (BRASIL, 2009, 2018).

f ) Por fim, vocês sabiam que o Ministério da Educação tem uma parte
do seu site com dicas do que observar na escola do seu filho?
Acesse: http://portal.mec.gov.br/dia-a-dia-do-seu-filho/educacao-in-
fantil e confira.
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Se o mundo evoluiu, por que a educação não pode? Vou (ten-


tar) deixar mais claro: se vocês têm um exame cardiológico para fazer,
preferem realizar em uma máquina fabricada em 1940 ou em 2021?
Acreditando que a resposta seja 2021, pergunto: Por que as crianças de
2021 precisam fazer uso de uma máquina escolar com metodologias fa-
bricadas em 1940? Vocês, como famílias, podem ajudar nessa mudança,
pois acredito que um filho é uma revolução gigantesca de aprendizado,
amor e escolhas a serem feitas. Façam boas escolhas!

Com carinho,
Professora, Pedagoga, amiga e mãe Flávia.

Palavras-chave: Educação Infantil. Pedagogia da Infância. Pedagogia


do Oprimido.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/CNE,
2018.
BRASIL. Parecer CNE/CEB nº 20/2009, de 11 de novembro de 2009.
Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação In-
fantil. Brasília: CNE/CEB, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SARMENTO, M. J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª
modernidade. In: SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B. (Orgs.).
Crianças e miúdos: perspectivas sócio-pedagógicas da infância e
educação. Porto: Asa, 2004.
SOUZA, F. B.; VARGAS, G.; RODRIGUES, J. B. M. Paulo Freire e a
Pedagogia da Pergunta na educação das crianças pequenas. In: PAULO,
F. S.; et AL. (Orgs.). XX Fórum de estudos leituras de Paulo Freire:
legado e presença de Freire no Rio Grande do Sul. Anais [...]. São Leo-
poldo: Casa Leiria, 2018. Pp. 2.339-2.351.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO, MUDANÇA E ENSINO REMOTO NA PANDEMIA

Slaine Senra Mattos Amaral

Tatiana Nascimento Severino Queiróz


Centro Universitário Newton Paiva/Belo Horizonte/MG
slainesenra@gmail.com

A você, que vivencia o ensino remoto na pandemia:

Não há educação sem amor. O amor implica luta


contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os
seres inacabados não pode educar (FREIRE).

Olá. Tomamos a liberdade de escrever esta humilde carta com


a intencionalidade de que esta escrita traga alento aos corações edu-
cadores, sofridos com o novo normal. No entanto, antes iremos nos
apresentar. Somos estudantes e integrantes do Grupo de Estudos e
Pesquisas Paulo Freire (GEPPF) do Centro Universitário Newton Pai-
va. Trazemos em nós a ânsia por uma educação crítica, dialógica e
libertadora, seja ela presencial ou não, buscando nos referenciar nas
pesquisas e no legado de Paulo Freire, nosso mestre. 
Enfrentamos um período de mudanças ocasionadas pela pan-
demia da COVID-19. Destacamos as mudanças na educação, com
o ensino remoto emergencial. Vemos, a todo instante, a forma avas-
saladora do avanço da pandemia: tantas vidas têm sido perdidas,
tantas famílias estão se despedindo de seus entes queridos sem ao
menos ter a oportunidade de vê-los pela última vez. O desemprego,
o medo, a fome, a miséria, a falta de esperança, o desespero têm sido
constantes na vida de milhares de brasileiros que acabaram ficando à
margem, devido ao descaso governamental, que vem se preocupan-
do apenas com cifras, e não com vidas. Vivemos momentos de dores
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e angústias, e aqueles mais miseráveis são os que estão pagando o


preço por uma vida injusta.
Como já dizia o nosso grande mestre, no livro “Educação como prá-
tica da liberdade”, em 1964, “as elites estão distanciadas do povo. Super-
postas a realidade. O povo está ‘imerso’ no processo, inexistente enquanto
capaz de decidir e a quem correspondia a tarefa de quase não ter tarefa. De
estar sempre sob” (FREIRE, 2020, p. 46). Como poderia Paulo Freire, na-
quele tempo, dizer coisas que são tão atuais, tão modernas, porém em outro
contexto? Podemos observar que, de lá para cá, poucas coisas mudaram –
ou quase nada mudou. Com base nesse pensamento, façamos uma reflexão
sobre como está a educação em tempos de pandemia. 
Sabemos que o ensino remoto trouxe vários desafios para todos,
pais, estudantes, professores e escola. Ninguém estava preparado para o
que iria enfrentar, e nem sequer sabiam o que teriam que enfrentar. A
pandemia alterou drasticamente a rotina e a vida de todas essas pessoas,
obrigando-as a se adaptarem ao novo formato das aulas. Além disso, têm-
-se agravado cada vez mais as desigualdades sociais, reforçando, assim,
a atualidade do pensamento freiriano. Já que grande parte do alunado
brasileiro não tem acesso à tecnologia ou à internet banda larga 3G/4G
em casa, ficando impossibilitados dos estudos remotos, além da evasão
e do abandono escolar, que quase dobraram no ano de 2020 (passando
de 2%, em 2019, para 3,8%, conforme estudo divulgado pelo Unicef1),
também há a situação daqueles alunos que não receberam nenhum tipo
de atividade escolar no ano de 2020. 
As mudanças vivenciadas no cenário de pandemia vêm acompanha-
das dos sentidos de “inédito viável” e “situações limites”, abordados por
Freire em “Pedagogia do oprimido’’ (2018). Trata-se da transformação da
realidade provocada pelas “situações limites”, que são situações que levam
às transformações, as quais iniciam todas as possibilidades, conduzindo à
ação e provocando o inédito viável. “Desta forma, os homens não chegam a
transcender as ‘situações-limites’ e a descobrir ou a divisar, mais além delas e
em relação com elas, o inédito viável” (FREIRE, 2018, p. 130). 
Uma situação constatada é a de que a maioria dos professores
não está familiarizada com a tecnologia. As dificuldades constantes com
computadores e equipamentos são reais. O ensino remoto exige mais
1 Ver: Torres (2021).
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

trabalho do que antes, proporcionando uma jornada de trabalho ainda


maior do que o período letivo normal. Há ansiedade e desespero, pois
precisam preparar aulas online e não conseguem atender a todos os alu-
nos, uma vez que não há contato presencial e muitos não têm acesso às
aulas e não realizam as atividades propostas. 
Por experiência em acompanhar o ensino remoto, percebemos
essas dificuldades e atribuições extras aos discentes. Nesse sentido, que-
remos convidar ao diálogo acerca do potencial que se inscreve no con-
texto. Em “Educação e mudança”, Freire faz um convite de “ad-mirar”,
olhando de dentro, referindo-se, no primeiro momento, a uma frase,
para então entendê-la, reconhecê-la. Façamos aqui uma analogia com o
ensino remoto, o olhar para dentro da tela, enxergando o estudante que
está do outro lado, conversando com a “tela” como se fossem os olhos
do educando. É difícil, mas é um exercício que pode ser treinado no
espelho. Será o trabalhador social fazendo o seu papel? Freire está convi-
dando à ação, à mudança, a ser mais, e ser mais consciente, olhando para
dentro do sistema. Ainda que o sistema seja imposto por algo inusitado,
o “trabalhador social” tem o papel de mudança, da transformação:

É necessário, porém, que o trabalhador social


se preocupe com algo já enfatizado nestas
considerações: que a estrutura social é obra dos
homens e que, se assim for, a sua transformação
será também obra dos homens. Isto significa que
a sua tarefa fundamental é a de serem sujeitos e
não objetos de transformação. Tarefa que lhes
exige, durante sua ação sobre a realidade, um
aprofundamento da sua tomada de consciência da
realidade, objeto de atas contraditórios daqueles
que pretendem mantê-la como está e dos que
pretendem transformá-la (FREIRE, 1979, p. 26).
 
Dessa forma, podemos observar que a crise da pandemia elevou
o patamar de comprometimento, envolvendo também o compromisso
parental, que se faz tão presente e de grande importância no processo
educacional. Obviamente, os pais sempre tiveram relevância na educa-
ção escolar dos filhos; entretanto, com o novo normal, os pais passaram
a atuar também como “trabalhadores sociais”. 
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Cabe apresentar, aqui, que a pandemia agravou bastante as desi-


gualdades presentes no Brasil, e que, infelizmente, muitos pais precisam
se arriscar para colocar a comida dentro de casa, deixando seus filhos
sozinhos, tendo que buscar o próprio estudo; alguns, sem ter o contato
necessário com a escola, acabam se distanciando, não há um diálogo,
não há um encontro, há apenas a experiência presente da angústia. A
utopia de um país justo e igualitário está ficando cada vez mais distante,
assim como a imunização da população contra o COVID-19. 
Obviamente que os limites tecnológicos, os limites do ensino não
presencial e inúmeros outros limites impostos pelo momento atual não
podem se estender àqueles que se comprometem. Estamos em confina-
mento, com a preocupação com os avanços da pandemia, com o cres-
cente número de vidas ceifadas pela COVID-19. Ainda vivenciaremos
as restrições desse confinamento e do ensino remoto por algum tempo,
mas “a primeira condição para que um ser possa assumir um ato com-
prometido está em ser capaz de agir e refletir” (FREIRE, 1979, p. 7):
agir reflexivamente para a conscientização de que ensinar é preciso, e,
mais do que nunca, o ensinar, hoje, representa expansão dos limites da
sala de aula, o que fazer se faz necessário. No que tange ao ensino não
presencial, as parcerias também se fazem necessárias, entre professores,
educadores, pais, estudantes. Nesse sentido, Freire nos coloca a “tentar
a conscientização dos indivíduos com quem se trabalha, enquanto com
eles também se conscientiza” (1979, p. 34), assim se fazendo o papel do
trabalhador social que enfrenta a mudança ainda em processo. 
 
Palavras-chave: Ensino Remoto. Comprometimento. Mudança.
Referências
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 2020.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
TORRES, M. Cultura do fracasso escolar afeta milhões de estudantes e
desigualdade se agrava na pandemia..., Unicef, jan. 2021.
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE, DIÁLOGO E CULTURA DE PAZ PARA ESCOLAS


EM UM BRASIL PANDÊMICO

Gabriele Albuquerque Silva


IFRS Campus Sertão
gabriele.silva@sertao.ifrs.edu.br

Prezado professor Paulo Freire,

Escrevo-lhe esta carta sob condições muito peculiares. São quase


24 anos que separam minha redação de seu suspiro final neste mundo,
em 1997 – quando eu era apenas uma criança de 9 anos incompletos.
No entanto, apesar deste detalhe, mesmo assim, escrever-lhe me parece
fazer um profundo sentido, como modo de tecer ideias e sentimentos
que brotam diante de tempos sombrios e incertos.
Estamos no ano de 2021, e talvez a realidade que enfrentamos
hoje seja bastante distinta da que o senhor e outros que ousaram es-
perançar em sua geração sonharam para o Brasil. Enfrentamos uma
pandemia terrível, que tem gerado o colapso do sistema de saúde, o
agravamento da injustiça social e um saldo de mais de 330 mil mortos
até o momento, resultado de uma necropolítica desumanizadora. Nesse
contexto, as escolas também são duramente impactadas pela necessi-
dade do distanciamento social e do desenvolvimento de uma educação
remota de maneira abrupta – ou, infelizmente, em alguns contextos
vemos até mesmo professores e estudantes sendo enviados para encon-
tros presenciais sem ainda terem o acesso à vacinação, caminhando para
uma guerra vulneráveis, sem armadura.
Como psicóloga escolar – ou psicóloga-educadora, como tam-
bém vejo sentido em me apresentar – me sinto profundamente ins-
tigada a olhar para a escola como um organismo de relações vivas e
pulsantes, cheia de potencial para a transformação cidadã, mas também
podendo ser marcada por relações de violência e alienação. Sua obra,
com certeza, foi uma das que me proporcionou tal visão. Desenvolvi
637
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

minha dissertação de mestrado neste sentido, tentando entender um


pouco mais acerca da conflitividade violenta ou não-violenta na insti-
tuição educacional onde atuo (SILVA, 2017). Olhar para a riqueza das
relações que se estabelecem no ambiente escolar, pensando em modos
de proporcionar uma convivência compassiva e tolerante à diversidade,
é algo que me motiva enquanto educadora.
Como, no entanto, podemos repensar essas relações a partir de
eventos tão traumáticos de isolamento, de desigualdade de condições
materiais de acesso à educação remota, discordâncias sobre as decisões
a serem tomadas para conter os danos já causados ao processo peda-
gógico, lidar com as incertezas e lutos, entre tantos outros desafios? O
que podemos fazer como um processo de reconstrução e de promoção
de um diálogo genuíno? Mais do que nunca, sua mensagem sobre
a relevância de uma pedagogia voltada para a autonomia e para a
transformação social que nos resgata a dignidade se faz necessária para
repensarmos a escola.
Diante de tal cenário, também me pareceu interessante aproxi-
mar, neste texto, alguns dos conceitos que encontramos em sua obra
com as abordagens de cultivo de cultura de paz na convivência escolar
que têm ganhado espaço nos últimos anos, tais como a comunicação
não-violenta (CNV) e as práticas restaurativas. Ao desenvolver minha
pesquisa no mestrado (SILVA, 2017), já havia entendido que havia
pontos de convergência muito significativos entre tais abordagens e a
obra freireana. Quero dar mais alguns passos nesta direção, apontando
como a herança deixada pelo senhor pode nos ajudar a enfrentar um
momento tão desafiador, enriquecendo nossas práticas dialógicas.
Conflitos fazem parte de nossa natureza, pois, enquanto seres
marcados pela diversidade, tal conflitividade nos acompanha no am-
biente escolar. No entanto, representam o choque de diferentes pers-
pectivas e necessidades, representando uma ruptura na estabilidade
da vida humana e, por isso, também podem ser geradores de medo.
Quando um sentimento tão forte não é adequadamente visto, acolhido
e trabalhado por meio do diálogo, o mais provável é que ele seja mani-
festado sob a forma da violência, com efeitos destrutivos em todos os
níveis (ROSENBERG, 2006; MULLER, 2017). Como lidaremos com
os conflitos que se constituem a partir da crise atual?
638
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Pensar ativamente nas relações escolares é um processo funda-


mental para a educação, na medida em que a escola pública se constitui
enquanto um espaço-tempo de encontro. Não qualquer encontro, mas
um encontro dialógico, profundo e transformador. Estamos distancia-
dos, sendo que muitos de nós apresentam posicionamentos altamente
polarizados, os quais são alimentados pela circulação de notícias falsas e
ideologias antidialógicas perigosas que agravaram a pandemia. “Como
posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, e a vejo sempre no outro,
nunca em mim?” (FREIRE, 2011, p. 111). O senhor escreveu que o
diálogo partia, essencialmente, do amor. O resgate do amor precisa se
fazer urgente, e temos algumas perspectivas interessantes para estabele-
cer este espaço para o amor no fazer educativo.
A comunicação não-violenta (CNV) é uma perspectiva comu-
nicativa que, nos últimos anos, tem ganhado cada vez mais espaço no
campo da convivência escolar. Desenvolvida pelo psicólogo e educador
estadunidense Marshall B. Rosenberg (2006), tendo como base a filo-
sofia da não-violência, a CNV procura fomentar o diálogo com base na
responsabilidade, na autenticidade e na empatia, sem deixar de forma
alguma de denunciar as situações de opressão e de violência. Rosenberg
afirma ter lido o seu livro, a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2011),
e ter sido profundamente impactado, a partir da centralidade colocada
no processo do diálogo, na crítica à manipulação das massas oprimidas,
na relevância do entendimento da realidade contextual da vida das pes-
soas e na promoção de relações democráticas por meio de uma aborda-
gem colaborativa de construção popular.
De forma similar e complementar à CNV, as práticas restaurati-
vas buscam, por intermédio de práticas dialógicas, estabelecer as esco-
las enquanto espaços democráticos. As práticas restaurativas procuram
potencializar culturas educacionais que enfatizam o engajamento so-
cial ao invés do controle social (ou, em termos freireanos, a promoção
de uma educação libertadora no lugar da educação bancária). Evans e
Vaandering (2018) citam o senhor, professor Paulo Freire, como um
autor essencial que abordou o papel-chave do engajamento relacional
nos processos educacionais. Os círculos restaurativos (BOYES-WAT-
SON; PRANIS, 2015, MULLET; AMSTUTZ, 2012) e as práticas de
mediação (MULLER, 2006) apresentam caminhos possíveis a serem
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

adaptados por cada comunidade escolar conforme sua realidade, pauta-


dos essencialmente na prática dialógica e amorosa. A voz de todos tem
um espaço de escuta, de validação e de atenção. Ao mesmo tempo, ao
abordar a construção de um olhar restaurativo também sobre a discipli-
na, os autores destacam a importância da construção de um espaço de
liberdade não pautado na licenciosidade, mas, sim, em uma autoridade
não-autoritária (bem como o senhor também abordou de forma pro-
funda em seus livros).
A pandemia agravou e evidenciou os processos antidialógicos gra-
ves que, em seu tempo, já estavam presentes na sociedade brasileira,
professor. No entanto, o senhor já apontava caminhos possíveis para
esperançarmos coletivamente, o que hoje tem o potencial de gerar no-
vos frutos mesmo em tempos áridos.
Que sua obra siga nos inspirando em nossa construção de tempos
melhores para a nação brasileira.

Um abraço grato, que viaje pelas fronteiras do tempo,


para encontrá-lo.

Palavras-chave: Educação. Pandemia. Cultura de Paz.

640
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BOYES-WATSON, C.; PRANIS, K. Círculos em movimento: cons-
truindo uma comunidade escolar restaurativa. SAINT PAUL (EUA):
Living Justice Press; BOSTON (EUA): Center for Restorative Justice,
Suffolk University, 2015.
EVANS, K.; VAANDERING, D. Justiça restaurativa na educação:
promover responsabilidade, cura e esperança nas escolas. São Paulo:
Palas Athena, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
MULLER, J.-M. Não-violência na educação. São Paulo: Pallas Athe-
na Editora, 2006.
MULLET, J. H.; AMSTUTZ, L. S. Disciplina restaurativa para esco-
las. São Paulo: Palas Athena, 2012.
ROSENBERG, M. B. Comunicação Não-violenta. São Paulo: Edito-
ra Ágora, 2006.
SILVA, G. A. Políticas educacionais, conflitividade e convivên-
cia escolar entre adolescentes: intervenções político-pedagógicas
no IFRS-Campus Sertão. [Dissertação de Mestrado]. Passo Fundo:
UPF, 2017.

641
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UMA CANÇÃO PARA O FÓRUM FREIRE NO ERECHIM: A PRÁXIS


ARTÍSTICA COMO EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA

Rafael Branquinho Abdala Norberto


rbanviolao@gmail.com

Dilmar Xavier da Paixão

Júlio Cesar Pires Pereira

Gabriel Pereira

Ricardo Albino Rambo

O município de Erechim, na região do Alto Uruguai do Rio


Grande do Sul, é cognominado como “A Capital da Amizade”,
uma das sedes da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e,
mais uma vez, do Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire. Re-
gistrar o evento, motivar participações e marcar a temática “Edu-
car é existir e resistir!” é o objetivo central deste trabalho inscrito
como “Outras Expressões’’.
A canção sintetizada nesta publicação propõe a práxis artística
como educação transformadora. No ato de criação, aliamos “sotaques
musicais”1 como a vanera e o cururu, parte da vivência dos autores.
Recorda-se de Freire (2020) e das diretrizes da conscientização, da im-
portância da criação e do diálogo como práxis educadora. O diálogo
não comunica verticalmente, mas, sim, estabelece uma comunicação
horizontal fundada na relação de dois sujeitos, assim como se expande
e alcança seu ápice entre e intra-sujeitos. Dessa forma, a comunicação
e a criação são bases para o desenvolvimento de um “método [pedagó-
gico] ativo, dialógico, crítico e criticista” que evidencia uma “relação
1 Categoria empregada por mestres da cultura popular em diferentes contextos e re-
giões brasileiros.
643
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de ‘empatia’ na procura de algo” = “amoroso, humilde, crítico, espe-


rançoso, confiante, criador” (FREIRE, 2020, p. 93-95).

Palavras-chave: Práxis Artística. Educação Transformadora. Fórum Freire.


Referência
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020.

644
CAPÍTULO 9

CARTAS A GUINÉ-BISSAU
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MESTRADO NA ESCOLA PÚBLICA: SONHO OU REALIDADE?

Andréa Cantarelli Morales


acmorale@ucs.br

Sandro de Castro Pitano


Universidade de Caxias do Sul
scpitano@ucs.br

Gabriel Varreira Gasperin


Universidade de Passo Fundo
gvgasperin@ucs.br

Conforme apontado por Barbosa Filho e Pessôa (2011), profes-


sores da rede pública do Rio Grande do Sul possuem salários inferiores
aos demais profissionais da mesma categoria (formação). Desse modo,
estima-se que um percentual pequeno de professores cheguem a fazer
mestrado ou mesmo doutorado. Nessa situação, surge um questiona-
mento: quais mudanças o mestrado poderia fazer na concepção educa-
tiva de professores da educação básica?
Este trabalho surgiu de um desdobramento de uma tese de dou-
toramento, em que foram realizadas entrevistas com professoras da
rede pública de educação sobre as motivações para a escolha da pro-
fissão docente. Em algumas entrevistas, surgiram questões voltadas a
outros contextos, que não os propriamente trabalhados na tese. As-
sim, esta pesquisa se trata de um estudo qualitativo, com análise dos
dados segundo Bardin (1977). Nesse âmbito, o autor afirma que, a
partir de uma primeira leitura, podem surgir intuições que convêm
que sejam formuladas como hipóteses. Desse modo, pode-se com-
preender as narrativas e percepções das entrevistadas, levando-nos a
refletir sobre as questões aprofundadas com a fundamentação teórica,
e, a cada momento, repensadas.
647
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Definida a grande categoria de análise como sendo a modificação


da concepção de educação durante/após a realização do mestrado, utili-
zou-se Paulo Freire (1996) como referencial teórico para análise dessas
modificações. Considera-se que o conhecimento é um elemento essen-
cial para o desenvolvimento da autonomia e da liberdade, julgando que
a mudança não é somente daquele que estuda, mas também daqueles
que estão sob a tutela desse professor-estudante.
A abordagem dos estudos de Paulo Freire torna-se relevante, à
medida que o autor afirma em sua obra “Pedagogia da Autonomia”
(1996) que ensinar exige pesquisa, mas pensamos que aprender tam-
bém exige pesquisa. Isso significa que o estudante ou o docente é um ser
em construção, e faz isso por meio das relações sociais e das pesquisas
que desenvolvem na academia. Por meio da pesquisa, produz-se conhe-
cimento e, portanto, se desenvolve um processo formativo.
Trazer uma leitura freireana para a pós-graduação é desafiador,
principalmente no que diz respeito à figura do pesquisador. Por essa
razão, não se trata aqui de apenas entender os estudantes como uma
figura pesquisadora, mas como ele se constrói a partir do momento que
inicia no mestrado. O conceito do ser em construção parte da leitura
de Paulo Freire, e percebemos que esse ser se constrói a partir das suas
relações sociais no ambiente em que está inserido e vai além, envolven-
do muitos aspectos. Entretanto, em relação aos estudantes de pós-gra-
duação e, neste caso, às mestrandas, podemos entender que, ao serem
inseridas nas escolas públicas, trazem consigo as suas experiências com
o processo de estudo e as experiências com as suas respectivas alunas.
Essas questões entram nas análises de categorias que são fundamentais
para entendermos as relações propostas pelas entrevistadas.
Durante a análise da categoria, surgiram subcategorias como: o
processo reflexivo do professor-estudante e as mudanças de concepções
que surgiram nos estudantes da educação básica. A entrevistada “A”,
que é professora de matemática em uma pequena cidade da Serra Gaú-
cha, destaca em sua narrativa:

Depois eu entrei então no mestrado que veio para


transformar minha profissão. Eu diria que eu sou
uma pessoa antes e depois do mestrado. Sem som-

648
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

bra de dúvidas, ele fez toda a diferença na minha


vida, na minha vida profissional, na minha carrei-
ra, e eu acho que... Nossa, só tenho a agradecer,
porque foi aí que eu consegui, assim, de repente eu
acho que, um pouquinho de maturidade também,
estando um pouquinho mais madura para isso,
para esse novo conhecimento, para essa transfor-
mação que o mestrado em Ciências e Matemática
me proporcionou (ENTREVISTADA “A”, 2021).

Já a entrevistada “B”, professora de biologia em uma escola rural


no município de Caxias do Sul, apresenta:

Eu gostei muito do mestrado, nossa, as disci-


plinas ali abriram meu olhar. Que a gente tem
um olhar sobre a educação, depois a gente tem
outro, bem diferente de tudo aquilo que a gente
aprende, ali a gente quer colocar lá, na prática, os
professores também são muito legais, são amigos
da gente, um pessoal muito legal. Se eu tivesse
oportunidade de estudar de novo biologia, faria
de novo biologia, mas com a cabeça que eu tenho
hoje (ENTREVISTADA “B”, 2021).

A entrevistada “C”, professora de química em escola urbana no


município de Caxias do Sul, anuncia:

Fiz a minha pós em supervisão escolar, foi ali em


2014, e acabei o meu curso em 2018. E eu fiz
todo ele voltado para ensino híbrido, sem nem ter
noção que eu ia cair nessa (pandemia) agora. Me
apaixonei pelo ensino híbrido, eu fazia, botava
isso na prática em sala de aula, fazia minhas aulas
invertidas, fazia rotação, fazia coisas muito legais,
que funcionavam, adorei, me apaixonei. Quando
eu botei na prática, aí eu vi que funcionava (EN-
TREVISTADA “C”, 2021).

Nas narrativas, observam-se as mudanças ocorridas através da


educação, pois, conforme Freire (1963), o que faz do ser humano um

649
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ser de liberdade são as próprias relações; é através delas que ele vai trans-
formando o seu mundo. Só há integração na proporção em que o indi-
víduo se relaciona, pois sem as relações há a passividade, a acomodação
e, consequentemente, a falta de liberdade.
No que se refere à subcategoria voltada às concepções dos estu-
dantes da educação básica, salientamos que as narrativas foram realiza-
das com professoras que participaram de um projeto com o objetivo de
incentivar meninas na área das ciências exatas, porém, essas professoras
e as escolas em que trabalham foram escolhidas por já terem feito ou
por estarem fazendo mestrado. Reflexões voltadas ao empoderamento
feminino podem ser vislumbradas na fala da entrevistada “A”:

Eu tive uma grande oportunidade de estar partici-


pando do projeto. De fato o projeto fez uma gran-
de diferença pra mim, para o conhecimento que eu
tenho, para os campos que isso me abriu, para os
prêmios que a gente recebeu, para esses alunos en-
xergarem uma visão de mundo que talvez eles não
teriam e sim, para essas meninas, este projeto foi
algo que não é possível mensurar, porque: elas eram
desassistidas, numa comunidade com vulnerabili-
dade social, alunas que a gente sabe, né Andrea,
que a gente já conversou sobre isso em algum ou-
tro momento, que tinham passado por questões de
assédio, assédio moral, abuso, tentativas de abusos
sexuais, então, eram meninas que de fato, assim,
sabe, não tinham uma projeção, uma prospecção
de futuro. O projeto veio para mostrar para elas
que elas podem qualquer coisa, que elas podem,
assim, o que elas quiserem, e o poder da mulher,
ele é muito maior, muito maior, e que a gente pode
de fato (ENTREVISTADA “A”, 2021).

Do mesmo modo, a entrevistada “B” também apresenta suas per-


cepções, como podemos perceber no excerto a seguir:

Nós tivemos um bate-papo com uma cientista.


Foi um bate-papo que nós tivemos durante o
projeto, com cientistas. E aí as alunas, quando

650
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

estiveram lá e viram ela colocando, que ela era


uma menina do campo, ela tinha o mesmo perfil
das minhas estudantes, elas ficaram assim... tipo
assim (expressão de espanto), se encheram de po-
der. Elas disseram: “Bah, mas ela tá ali, ela é uma
pessoa importante hoje, nessa área da astronomia,
que geralmente a gente vê homem, não mulheres,
eu também posso ser, né”. Então eu achei esse ba-
te-papo com ela, assim, foi que mudou totalmen-
te a visão das meninas perante a visão das ciên-
cias, principalmente astronomia, que não tem
muitas mulheres nesta área, elas gostaram muito
(ENTREVISTADA “B”, 2021).

Analisando essa subcategoria, destacamos que, com a educação,


inicia-se também a transformação dos valores, porque na educação,
conforme Freire (1963), também são trabalhados valores éticos, com-
portamentais e morais. E com o diálogo, é possível transformar o ser
humano, através das suas relações, tornando-o mais reflexivo, a ponto
de se questionar sobre as formas de condução usadas com ele, deixan-
do de ser sujeito passivo para tornar-se um sujeito ativo no processo.
Essa transformação pode ser percebida através das atividades realiza-
das pelo projeto.
Por fim, conclui-se o que Paulo Freire afirmava: somos seres
construtivos e seres das práxis. Entende-se que a ação das mestrandas
vai além da pesquisa desenvolvida. Ela perpassa pelas relações com os
docentes, pelas relações com outros discentes, pelos projetos desenvol-
vidos para a comunidade, fora da academia, e a outras atividades que
envolvam a prática construtiva. Inferimos que são relevantes os concei-
tos de Paulo Freire nos estudos que a pós-graduação proporciona, sendo
uma base teórica e metodológica para o ensino e o aprendizado como
forma de existência e resistência.

Palavras-chave: Formação Docente. Escola Pública. Educação para Liberdade.

651
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BARBOSA FILHO, F. H.; PESSÔA, S. A. A carreira de professor esta-
dual no Brasil: os casos de São Paulo e Rio Grande do Sul. Revista de
Administração Pública, v. 4, n. 45, pp. 965-1.011, 2011.
BARDIN, L. Análise de conteúdos. Lisboa: Edições 70, 1977.
ENTREVISTADA “A”. Entrevista oral sobre os processos formati-
vos. Caxias do Sul, 16 fev. 2021. Entrevista concedida a Andréa Can-
tarelli Morales.
ENTREVISTADA “B”. Entrevista oral sobre os processos formati-
vos. Caxias do Sul, 26 fev. 2021. Entrevista concedida a Andréa Can-
tarelli Morales.
ENTREVISTADA “C”. Entrevista oral sobre os processos formati-
vos. Caxias do Sul, 12 fev. 2021. Entrevista concedida a Andréa Can-
tarelli Morales.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Conscientização e alfabetização: uma nova visão do proces-
so. Revista Estudos Universitários, n. 4, pp. 1-15, 1963.

652
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NUMA


PROPOSTA DE ENSINO BASEADA NOS PRINCÍPIOS DA
EDUCAÇÃO POPULAR

 Bárbara Nicola Zandoná


barbaranicola.projetos@gmail.com

Ivete Terezinha Zandoná


iveteterezinhazandona@gmail.com

Vanessa Signori Zandoná


va.signori@gmail.com
Escola Estadual de Educação Básica Antônio João Zandoná

  No emaranhado de escolas brasileiras, espalham-se várias pro-


postas metodológicas que necessitam do olhar mais atento e aguçado do
coordenador pedagógico; no entanto, essa função nem sempre existiu
na escola e, ainda, para muitos, resume-se em um papel meramente bu-
rocrático. Nesse sentido, o presente trabalho tem o objetivo de analisar
o papel e a importância do coordenador pedagógico numa escola do
interior norte gaúcho, que ousa em sua proposta metodológica, baseada
nos princípios educacionais da Educação Popular, nos Temas Geradores
e na Pesquisa Participante, que tem sua base no planejamento, no traba-
lho coletivo e, principalmente, na atuação de seus profissionais.
O trabalho aqui proposto partiu de uma análise feita por três
colegas que participaram de um curso sobre Gestão Escolar e decidi-
ram pesquisar a importância do coordenador numa proposta escolar
baseada nos princípios freireanos. A partir disso, realizou-se também a
aplicação de questionário com as colegas professoras, nos momentos de
formação, sobre o papel do coordenador na escola. Salienta-se que este
foi realizado no ano de 2019, por isso foram possíveis o contato e as
formações presenciais. 
Há aproximadamente 20 anos, a referida escola, a partir de ques-
tionamentos da comunidade escolar sobre o sentido dos conteúdos, deu
653
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

início à reflexão sobre o currículo, numa perspectiva crítica, à proble-


matização da educação bancária, e iniciou-se um movimento contínuo
da proposta baseada nos temas geradores e pesquisa participante. Essa
escolha se deu por acreditar que a escola não é uma instituição isola-
da da comunidade, encontra-se inserida e é grande responsável pela
informação e, mais ainda, pela formação das pessoas. Por ela, perpas-
sam conhecimentos populares trazidos por aqueles e aquelas que dela
se aproximam e que a constituem, por isso a opção pela pesquisa da
realidade, pois enquanto prática educativa, valoriza esses saberes. Além
da mudança conceitual em relação aos conteúdos socialmente cons-
truídos, uma questão importante da Pedagogia de Freire foi pautada:
uma proposta de Educação Libertadora, em que os conteúdos, além de
“brotarem da realidade”, possibilitassem a problematização do entorno
em nível micro e macroestrutural. Como dizia Freire, “Não basta saber
que Eva viu a uva, é preciso compreender qual a posição que Eva ocupa
em seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra
com seu trabalho”.
A pesquisa da realidade oportuniza o conhecimento das linhas
e entrelinhas da comunidade da qual fazemos parte, impulsionando
o questionamento sobre a mesma. É possível obter uma fotografia do
seu dia a dia, compreendê-la melhor, saber com maiores detalhes sua
constituição, detectando os problemas existentes, a situação em que
se encontram os verdadeiros interesses da população, o pensar que
lhe parece mais significativo e preocupante, o resgate da identidade
e o histórico dos que viveram e vivem no local, valorizando as expe-
riências dos moradores, na tentativa de superar o definhamento dos
que historicamente ainda estão marginalizados. Nas palavras de Frei-
re, ensinar exige a convicção de que a mudança é possível, e que, ao
analisar a realidade vivida, constata-se não para se adaptar a ela, mas
para mudar, para intervir na realidade vivida, negando a neutralidade
e a ingenuidade (FREIRE, 2011).
Nessa perspectiva, surge um novo olhar sobre a organização cur-
ricular, especialmente no que tange aos conteúdos escolares. Estes sur-
gem do aproveitamento do que anteriormente foi pesquisado, possibi-
litando, assim, assegurar os interesses e as expectativas da comunidade
escolar em relação à função da escola.
654
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A referida prática favorece a criação de um ambiente de inda-


gações, questionamentos, discussões, debates, trocas de informações e
proposições. A pessoa é reconhecida como sujeito, pois há a valorização
do seu pensar através de sua linguagem de senso comum. E, a partir
disso, é possibilitada a construção do conhecimento nas intervenções
pedagógicas, numa ótica menos fragmentada, linear, descontextualiza-
da e impositiva, numa perspectiva dialética.
Nesse sentido, essa opção deixa em evidência o trabalho do coor-
denador pedagógico, tendo em vista serem atividades essenciais, pois
vão além do trabalho burocrático e têm papel fundamental na prática
pedagógica e na mediação do trabalho dos educadores.
Na escola pesquisada, semanalmente são realizados espaços de
formação e estudo que visam contribuir com o crescimento, o apro-
fundamento metodológico e a capacitação do docente para o trabalho
em sala de aula. Têm por finalidade propiciar o estudo, a discussão e a
qualificação frente aos desafios cotidianos da escola, no seu processo de
construção pedagógica que é feita a partir do diálogo. Sobre isso, Freire,
no livro Pedagogia do oprimido, nos diz que:

[...] em verdade, não seria possível à educação


problematizadora, que rompe com os esquemas
verticais característicos da educação bancária, rea-
lizar-se como prática da liberdade, sem superar
a contradição entre o educador e os educandos.
Como também não lhe seria possível fazê-lo fora
do diálogo.

Nesses encontros, são elaboradas pautas semanais pensadas


através de um planejamento de ações, sempre voltadas para o cerne
da proposta, além de leituras e estudos sobre temas atuais voltados à
educação e à sociedade. Nesse sentido, é necessário que voltemos à
práxis pedagógica, ação-reflexão-ação. Percebe-se, nesse sentido, a im-
portância do registro para o bom andamento da proposta, pois, como
destaca Freire, “a práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo
para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor oprimido” (1997). Além disso, destaca-se também a impor-
tância de um trabalho coletivo, reuniões com a equipe diretiva, troca
655
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de experiências, mas, principalmente, diálogo para discutir problemas


e encontrar soluções. 
Com o intuito de saber o entendimento das colegas educadoras da
escola sobre o papel do coordenador e de seu trabalho na escola, realizou-
-se um questionário. Nessa pesquisa, constatou-se que 100% consideram
a coordenação indispensável para a proposta pedagógica da escola. Den-
tre as justificativas da importância desse trabalho, destacam-se:

P. A:1 “Fundamental! A proposta da Escola fundamenta-se nos princípios


da Educação Popular. Tem como metodologia a Pesquisa Participante e
os Temas Geradores e, por isso, requer o planejamento coletivo. Basea-
da na Gestão democrática, tendo como organização curricular as áreas
do conhecimento e a interdisciplinaridade exige formações continuadas
semanais para leitura, sistematização, planejamento das falas, avaliações
(de todas as atividades e espaços), e isso sinaliza a necessidade de haver o
coordenador pedagógico. Articular a proposta, mediar, orientar o planeja-
mento, oportunizar formações que sustentem a proposta (emancipatória,
humanizadora e problematizadora), auxiliar para que haja ensino apren-
dizagem de qualidade social. Garantir a elaboração e a concretização dos
documentos: PPP, Regimento... Garantir a participação da comunidade
escolar tanto na partilha de responsabilidade como na tomada de decisões
são as principais atribuições do coordenador.” 

P. B: “Em resumo, a coordenação pedagógica exerce um papel essen-


cial no chão da nossa escola. Toda a organização do trabalho, estudos,
aprofundamentos teóricos e práticos desenvolvidos dentro da proposta
da escola, no sentido da defesa da educação pública de qualidade, passa
por uma coordenação que busca, cobra e defende os princípios que nor-
teiam e dão significado à Escola Zandoná. É o trabalho voltado aos do-
centes, mediando, propondo um trabalho significativo na sala de aula”.

Ao finalizar o trabalho, reforça-se a importância do coordenador


pedagógico e de seu papel na escola, em especial quando esta se propõe
a trabalhar num viés contra-hegemônico.  Todo o trabalho construído
1 O nome dos profissionais foi mantido em sigilo, em seu lugar usou-se a letra P de
professor e as letras do alfabeto, em sequência, a partir da primeira.
656
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

não poderia ser concretizado sem que houvesse formações continuadas


semanais para leitura, sistematização, planejamento das falas, avaliações
(de todas as atividades e espaços). Além de tudo isso, percebe-se que,
nesses planejamentos semanais da escola, o coordenador pedagógico
tem papel fundamental, pois precisa estar à frente dos colegas profes-
sores e “puxá-los”, incentivá-los e ajudá-los para que a proposta da es-
cola não se perca, ou seja, em outras palavras, o coordenador conduz o
caminho da proposta metodológica, ficando, assim, com uma enorme
responsabilidade dentro da escola. 

Palavras-chave: Coordenador Pedagógico. Papel. Educação Popular.

657
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências 
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
docente. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

658
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E GIRO DECOLONIAL:


APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

Camila Wolpato Loureiro


Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
camilawolpato.l@gmail.com

Cheron Zanini Moretti


cheron.moretti@gmail.com
Universidade de Santa Cruz - UNISC

Danilo R. Streck
Universidade de Caxias do Sul - UCS
streckdr@gmail.com

Não há colonizador que possa realmente castrar


culturalmente um povo, a não ser por genocí-
dio. O processo colonial traz em si mesmo uma
ação contrária incrível e dialética. Ou seja, não
há intervenção colonial que não provoque uma
reação por parte do povo colonizado.

[...]. Precisamos descolonizar as nossas mentes


porque, se não o fizermos, nosso pensamento
estará em conflito com o novo contexto que
evoluiu a partir da luta pela liberdade. [...].

As pessoas caminham sem ter mais de se cur-


var. Agora, caminham eretos, olhando para
cima. Há uma pedagogia do caminhar nesse
novo comportamento, de caminhar livremente
(FREIRE; MACEDO, 1990, p. 118-124).

Este breve texto objetiva apresentar algumas aproximações de


pesquisas realizadas pelas autoras e pelo autor acerca da epistemologia
659
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

proposta por Paulo Freire e os Estudos Decoloniais. A relevância desse


tipo de análise se dá em sua originalidade, uma vez que os estudos so-
bre as pedagogias decoloniais, Paulo Freire e decolonialidade ainda são
muito incipientes no Brasil1.
Entendemos que a obra de Paulo Freire pode ser estruturada
em períodos, a depender dos critérios e objetivos utilizados por cada
pesquisador ou pesquisadora. Nós optamos por ter, como referência,
aquelas que entendemos ser as três principais obras publicadas no exí-
lio: Educação como prática da liberdade (1967), Pedagogia do oprimido
(1970) e Cartas a Guiné Bissau (1978). Identificamos nessas obras uma
crítica direta ao processo histórico da colonização aos países terceiro-
-mundistas – termo usado por Freire –, bem como as suas heranças
tanto de dominação como de libertação. Então, nossa pesquisa se trata
de uma análise de cunho bibliográfico, que se vale da perspectiva dos
Estudos Decoloniais2, uma vez que possibilita a compreensão da dialéti-
ca entre anúncio e denúncia presente na epistemologia de Paulo Freire.
Para Streck e Moretti (2013), a América Latina não se manteve
inerte frente à Modernidade/Colonialidade; ao contrário, foi capaz de
produzir um pensamento emancipador radical como resposta, através
de teorias-práticas como: a teoria da dependência, a teologia da liberta-
ção, a filosofia da libertação e a pedagogia do oprimido. É nesse contex-
to que interpretamos Freire como um dos precursores da epistemologia
1 Em levantamento da produção científica sobre “educação popular” e “de(s)colonia-
lidade”, apresentada na 39ª Reunião da Anped, pelos pesquisadores Cheron Zanini
Moretti (UNISC), João Colares da Mota Neto (UEPA) e Reinaldo Matias Fleuri
(UFSC), no Grupo de Trabalho 6, aponta-se que, até aquele momento, 5 dissertações
e 2 teses relacionavam Paulo Freire e decolonialidade. Ainda, destacava-se que 12 dis-
sertações relacionavam Paulo Freire e colonialidade, assim como outras 8 teses. Uma
busca semelhante apontou que, até outubro de 2019, pelo menos 133 artigos cien-
tíficos haviam sido publicados, em português, em periódicos qualificados, com peer
review, e listados no Catálogo de Periódicos da Capes, relacionando algum aspecto do
pensamento freiriano ao pensamento decolonial.
2 Através dos Estudos Decoloniais, podemos perceber que a colonialidade é parte
constitutiva da modernidade, daí a necessidade do uso do termo conjunto “Moder-
nidade/Colonialidade”. Nessa ótica, os mitos civilizatórios do progresso e da razão
moderna, estão alicerçados em uma pretensa universalidade que (re)produz diferentes
formas de violências nos espaços colonizados (DUSSEL, 2005). A partir dessa lógica é
estabelecido uma superioridade dos conhecimentos científicos da sociedade moderna,
sobre todos os outros tipos conhecimentos e formas de conhecer (LANDER, 2005).
660
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

decolonial, ou seja, aquela que está embebida de denúncia da desuma-


nização e do anúncio da humanização. Assim como aquela que ques-
tiona tanto a cultura do silêncio quanto a invasão cultural, e propõe a
síntese cultural como superação dos interesses antagônicos da estrutura
social que impedem a libertação de homens e de mulheres de sua cons-
ciência ingênua. Como já referimos em outros momentos de reflexões,
a vinculação entre a radicalidade de Freire e do Grupo Modernidade/
Colonialidade não pode ser vista como “acidente histórico”, uma vez
que foi necessário um giro epistêmico para a compreensão do mundo
sob as nossas lentes.
Assim, a pesquisa que realizamos versa acerca da compreensão
da atualidade e a importância da epistemologia produzida por Paulo
Freire. Como sabemos, para o autor, não há denúncia sem anúncio/
não há anúncio sem denúncia, já que essa conjunção demonstra que
falando/interpretando (de) como está sendo a realidade, ela passa a ser
denunciada para anunciar um mundo melhor (FREIRE, 2000). A par-
tir dessa premissa, buscamos em dois grandes grupos de conceitos o que
chamamos de dimensões de denúncia e dimensões de anúncio.
Nas três obras estudadas, encontram-se presentes o movimento
dinâmico entre tais dimensões, nas quais identificamos conceitos como:
opressor/oprimido; desumanização/humanização; e cultura do silêncio/
diálogo; além de: conscientização/colonização das mentes; esperança/
desesperança e libertação/domesticação.
Em Pedagogia do oprimido (1970), Freire apresenta a compreensão
de oprimidos/opressores enquanto classes sociais antagônicas e em cons-
tante luta. Para o autor, violência e opressão andam lado a lado, no pro-
cesso que desumaniza tanto dominador, quanto dominado: o primeiro,
por excesso de poder; e o segundo, pela falta dele – assim, transformam-se
em “quase-coisas”. O que nos leva a entender que, para Freire, a desu-
manização não é destino pré-determinado, mas fato concreto na história
dos/as sujeitos/as negados/as de sua vocação ontológica de “ser mais”, pas-
sando pela cultura do silêncio, uma vez que, na epistemologia freiriana, a
linguística é instrumento utilizado para justificar ideologicamente o pro-
cesso de morte das formas de pensar e expressar-se pelo/a colonizado/a.
Vale lembrar que a cultura do silêncio diz respeito à impossibi-
lidade de pensar e agir a partir de suas próprias formas de enunciar o
661
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mundo em que se está inserido. Então, viver (e não somente existir) é


poder pronunciar e transformar o (seu) mundo (LOUREIRO, 2020).
No livro-relatório Cartas a Guiné Bissau (1978), Freire explicita a ne-
cessidade da formação do homem e da mulher novo/a, se libertando do
colonialismo e recusando o neo-colonialismo: “E neste esforço de re-
-criação da sociedade a reconquista pelo Povo de sua Palavra é um dado
fundamental” (FREIRE, 1978, p. 161, grifo nosso).
Já em Educação como prática da liberdade (1967), Freire debatia
sobre as dimensões da consciência, sendo a consciência transitiva crí-
tica, caracterizada pelo pensamento autônomo, que leva o sujeito ao
engajamento político para a transformação das situações opressivas. É
a partir do seu reconhecimento do/no e com o mundo que o sujeito
passa a buscar a transformação de sua situação de opressão. Essa ação
na práxis só é possível por meio da esperança de fazer melhor a própria
existência humana. Segundo o autor, a esperança é parte da vocação on-
tológica por “ser mais” e, como se dá na luta concreta, carrega consigo
os inéditos-viáveis, isto é, aquilo ainda não experimentado, mas passível
de ser conquistado.
Portanto, as dimensões de denúncia e anúncio analisadas no tex-
to nos fornecem elementos para entendermos que, na epistemologia
freiriana, a pedagogia dos/as oprimidos/as é instrumento para a sua des-
coberta crítica e decolonial da presença dos/as opressores/as nos corpos
e mentes dos/as oprimidos/as. Como aponta Mota Neto (2015), essa
relação marca a obra de Paulo Freire como um testemunho crítico da
Modernidade/Colonialidade. Por isso, interpretamos que Freire reco-
nhece que uma pedagogia libertadora perpassa pela promoção da liber-
tação da própria pedagogia (STRECK, 2001).
Em que consiste essa libertação da pedagogia? Apontamos três
lugares onde pode ser identificada essa libertação. Em primeiro lugar, é
uma libertação para pensar a partir das práticas concretas que produzem
a opressão, mas que paradoxalmente também contêm os germens dos
inéditos viáveis. Em realidades tão diferentes quanto às apontadas nos
livros selecionados para esta reflexão, é sempre a partir da prática que
se reconstrói uma pedagogia descolonizada. Em segundo lugar, trata-se
para pensar e elaborar uma pedagogia do Outro, daquele que não é
apenas distinto, mas que se situa às margens do sistema. É a pedagogia
662
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do oprimido e não uma pedagogia para o oprimido. Ainda, é uma li-


bertação para uma nova rigorosidade. A crítica de que o pensamento de
Freire é metodologicamente “fraco” não leva em conta que sua teoriza-
ção busca transcender alguns parâmetros, tais como o enclausuramento
em disciplinas ou o apego a teorias como “fatos” a- históricos.

Palavras-chave: Paulo Freire. Decolonialidade. Pedagogias Decoloniais.

663
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
DUSSEL, E. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER,
E. (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências so-
ciais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO,
2005. Pp. 24-32.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
FREIRE, P.; MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura
da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
FREIRE, P. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, P. Pedagogía del oprimido. Montevideo: Tierra Nueva, 1970.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e
ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLA-
CSO, 2005. (Colección Sur Sur).
LOUREIRO, C. Paulo Freire, autor de práxis decolonial? [Disserta-
ção de Mestrado]. Erechim: UFFS, 2020.
STRECK, D. Pedagogia no encontro de tempos: ensaios inspirados
em Paulo Freire. Petrópolis: Vozes, 2001.

664
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A RELAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA DE PAULO


FREIRE COM A PRÁTICA DOCENTE NO AMBIENTE
EDUCACIONAL: IDADE/SÉRIE E AVALIAÇÃO

Grasiele da Conceição de Oliveira


Universidade Federal da Fronteira Sul
grasieleoliveira216@gmail.com

Este trabalho tem por objetivo discutir possíveis aproximações


da obra de Paulo Freire, “Pedagogia da Autonomia”, com os moldes
avaliativos presentes nas escolas. Diferentes autores discutem aspectos
a serem adotados dentro do contexto educacional, e Paulo Freire é
um dos que têm ampla contribuição para a melhoria da qualidade do
ensino, na aprendizagem, relações dentro do ambiente escolar, entre
outros tantos propósitos. Por essa razão, este trabalho busca destacar a
importância e a relação do livro “Pedagogia da Autonomia”, de Paulo
Freire, com as práticas educacionais na escola que envolvem idade/sé-
rie e avaliação, em especial no ensino fundamental, diante da vivência
e da experiência docente.
Atualmente, em nossa sociedade, encontramos um número sig-
nificativo de alunos em defasagem escolar idade/série, sendo que a edu-
cação, enquanto prática social constitui-se em direito do cidadão, não
só pela garantia de escola, mas também de um ensino que atenda, qua-
litativamente, à população em idade escolar. A prática educacional dos
educadores precisa passar por permanente reflexão para que possa ter
maior aproximação entre teoria e prática, o conhecimento e a realidade.
Sobre isso, Freire (2010) fala que a relação entre teoria e prática se tor-
na uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir
virando blábláblá e a prática, “ativismo”, ou seja, ambas precisam estar
interligadas desde a formação docente e permanecer por toda sua vida
profissional dentro da educação. Tendo em vista essa realidade busca-se
organizar ações educativas abertas e adaptáveis, ao mesmo tempo, bus-
cando superação de obstáculos e complementando as diferentes realida-
des encontradas nas escolas públicas.
665
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Essas intervenções dedicam-se a contribuir para que os gestores,


professores e profissionais da educação se desafiem a realizar atividades
estruturadas, embasadas em relações colaborativas e cooperativas, para
que a elaboração e a execução das atividades didático/pedagógicas tenha
um bom resultado num planejamento pedagógico integrado entre as
divergentes áreas do conhecimento. Contudo, sobre esse conceito, o
trabalho na idade/série não pode se caracterizar por contínua simples
repetição dos conteúdos que não foram compreendidos, mas um traba-
lho diversificado, com a utilização de novas metodologias.
Mantendo a democracia do diálogo e da noção de que somos
inacabados, na relação entre educador e educando, presentes na obra
de Paulo Freire, constituindo-se metodologias essenciais para se pen-
sar na avaliação da aprendizagem como meios de auxiliar o educador
que tem como objetivo fazer da educação uma prática emancipatória
para seus alunos e para a sociedade, possibilitando ao aluno apreender
conhecimentos suficientes que lhe proporcione avançar para os anos
seguintes, identifica-se um problema presenciado no ambiente escolar,
em que é preciso recuperar a trajetória de alunos em situação de defasa-
gem idade/série, buscando alternativas pedagógicas fundamentadas em
aprendizagens significativas, garantindo a construção de competências e
a estimulação de habilidades fortalecendo a autoestima do estudante e o
raciocínio lógico. Nesse sentido, podemos refletir sobre a prática avalia-
tiva no contexto escolar, no qual a avaliação da aprendizagem, na visão
freiriana, deve proporcionar a consciência crítica por meio do diálogo
livre, permanente e democrático (sem autoritarismo ou excessos de po-
der) entre professor e aprendiz. Percebe-se que a avaliação tem sido, de
forma geral, uma das grandes disparidades dos estudantes, especialmen-
te quando ela visa à hierarquização dos que sabem e dos que não sabem,
considerando apto apenas o educando que corresponder às expectativas
de pensamento e respostas esperadas pelo docente.
O professor deve considerar a avaliação também como uma for-
ma de analisar sua prática e, assim, saber o que é necessário mudar. Per-
cebendo o que os educandos aprenderam, o docente avalia o que precisa
retomar, e isso precisa ser feito diariamente. É um trabalho árduo, mas
de extrema necessidade, pois é a partir daí que ocorrerão as valorosas
mudanças no ensino brasileiro, em especial, aquelas direcionadas às ca-
666
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

madas populares dentro do sistema público de educação. Segundo Frei-


re “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática” (1996, p. 43). Esse é o verdadeiro raciocí-
nio correto, pois, é reconstruindo as práticas de ensinar que educadores
passarão a entender o verdadeiro sentido da avaliação.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamen-
tal (Parecer CNE/CEB nº 4/98) ressaltam os artigos 23 e 24 da Lei nº
9.394, que flexibiliza a forma de organização da educação básica e a
classificação dos alunos mediante avaliação feita pela escola. De acor-
do com o parecer nº 545/2015, é essencial que a escola, na sua práti-
ca, atenda ao princípio constitucional do direito a todos de aprender,
ou seja, o direito a uma educação com qualidade social, que reconheça
as diferenças entre os alunos e utilize metodologia diversificada para
promoção da equidade.
Em virtude dos fatos mencionados, não devemos rotular os alu-
nos entre os bons, os que dão trabalho e os que parecem que não têm
jeito. Recuperar a trajetória de alunos em situação de defasagem ida-
de/série é de extrema importância, e isso nos faz pensar nossas práticas
como educadores, pois aprendizagem se faz por vários meios, sendo o
professor mediador das construções de aprendizagem. Para esclarecer
melhor esses fatos considerados no cotidiano escolar, Freire (2010)
destaca que é preciso “estabelecer uma intimidade entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles
têm como indivíduos” (FREIRE, 2010, p. 30). Avaliar a aprendiza-
gem significa determinar as competências adquiridas que envolvem o
comportamento humano.
E nesta tentativa de dialogar a obra de Paulo Freire com avaliação,
fica perceptível a necessidade da pesquisa, da leitura e do diálogo para
começarmos a descobrir imensas contribuições que ainda são tão pou-
co exploradas e investigadas no campo da avaliação pelos educadores.
Diante disso, aproximar o pensamento freiriano da avaliação é uma
responsabilidade com o crescimento permanente, e depende da partici-
pação e do envolvimento de todos.

Palavras-chave: Avaliação. Idade/Série. Ação Docente.

667
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº
9394 de 20 de dezembro de 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer
nº 545 de 10 de julho de 2015. Diretrizes Curriculares Gerais para
a Educação Básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio no Sistema Estadual. Fls. 28 e 29.

668
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES DA ALFABETIZAÇÃO


CRÍTICA A PARTIR DA INFÂNCIA

Angela Barbara Rossetto1


Universidade Federal Fronteira Sul
angelabarbararossetto@gmail.com

A alfabetização é um campo do conhecimento que voltou a ocu-


par lugar de destaque no cenário educacional brasileiro. A Secretaria de
Alfabetização do Ministério da Educação (MEC) propõe uma “nova” Po-
lítica Nacional de Alfabetização (PNA) que contradiz o que há décadas
pesquisadores brasileiros têm pesquisado. A atual PNA nega a concepção
de alfabetização na perspectiva do letramento e traz à tona a ideia de
alfabetizar com ênfase em um único método, o método fônico. Além
disso, substitui a concepção de letramento pelo conceito de literacia que,
dependendo da abordagem, podem se assemelhar ou não. Não se preten-
de aqui fazer uma análise da PNA, mas pontuar questões que interferem
e que contribuem com a promoção de uma alfabetização de qualidade.
Diante desse contexto de retrocessos no campo da alfabetização,
mais do que nunca, se faz necessário pensar e discutir a alfabetização numa
perspectiva de emancipação e de cidadania, assim como Freire concebeu.
O problema do analfabetismo continua sendo alarmante. Ainda são altos
os índices de pessoas que não se apropriaram do sistema de escrita alfa-
bética. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
em 2018, havia 11 milhões de pessoas analfabetas no Brasil. Sendo assim,
é urgente e necessário contribuir, por meio da pesquisa, com o debate,
produzindo conhecimentos e apontando caminhos que possibilitem a
efetivação de uma alfabetização plena e qualidade social.
Nesta perspectiva, busca-se aqui apresentar o projeto de pesquisa
a ser desenvolvido no Curso do Mestrado Profissional em Educação
– Campus Erechim, da Universidade Federal Fronteira Sul. Como pes-
1 Mestranda no Mestrado Profissional em Educação (UFFS), Professora da rede mu-
nicipal e estadual de Barra Funda – RS.
669
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

quisa, concebe-se um percurso que possibilita a produção do conheci-


mento científico. Por meio dela, o(a) educador(a)/pesquisador(a) pode
compreender a realidade e intervir na prática educativa em que está
inserido(a). É com base na teoria e na reflexão sobre a prática que se
constrói um perfil de professor pesquisador e de professora pesquisa-
dora. Por isso, os desdobramentos deste estudo partem do princípio de
que o ato de pesquisar é intrínseco à ação docente.
O projeto tem como tema de pesquisa a alfabetização crítica.
Como objetivo geral, pretende-se investigar e discutir as possibilida-
des e as contribuições da alfabetização crítica a partir da infância. A
base teórica trará as contribuições de Freire e suas possíveis articula-
ções com outros autores contemporâneos, como Soares e Moraes. A
alfabetização, para Freire (2017, p. 20), é compreendida como uma
ação política cuja leitura da palavra implica na leitura da “palavra-
mundo”. Propõe uma alfabetização emancipadora que valoriza a pró-
pria história, a realidade e o contexto onde estão inseridos os educan-
dos. Defende uma alfabetização em que a apropriação dos códigos e
culturas dominantes não sufoque a formação da consciência e a sub-
jetividade dos estudantes.
Para desenvolver o projeto de pesquisa aqui exposto, pretende-
-se utilizar as seguintes metodogologias: pesquisa bibliográfica, pesqui-
sa documental e pesquisa de campo. Além disso, será construída uma
pesquisa de Estado do Conhecimento. Para análise dos dados, a opção
será pela Análise de Conteúdo, de Bardin. Por fim, considerando que se
trata de um Mestrado Profissional, haverá a criação de um produto, o
qual terá o objetivo de intervir na realidade pesquisada.
A pesquisa sobre a alfabetização crítica a partir da infância possui
relevância social e acadêmica, pois são recentes as abordagens que tra-
zem a criança como foco de pesquisa e praticamente inexistem estudos
em que o objeto de estudo seja a criança e a alfabetização crítica. Hoje,
mais do que nunca, se torna necessário fazer emergir a realidade a partir
das culturas infantis e do olhar das crianças. Historicamente, elas são
sujeitos excluídos e, muitas vezes, desconsiderados nos processos edu-
cativos, visto que a centralidade ainda está no adulto. Somado a isso, é
possível ressaltar que há uma certa resistência em relação a um trabalho
pedagógico voltado para as crianças com ênfase em Freire, pois eviden-
670
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cia-se ainda um certo predomínio da visão romântica da infância e da


concepção de criança como um ser inocente e ingênuo.
Consideram-se, na elaboração deste, projeto aspectos elucida-
dos por Freire. O educador pernambucano não desenvolveu uma
metodologia de alfabetização crítica voltada para crianças, sua me-
todologia estava voltada para adultos. No entanto, há indicativos em
suas obras sobre a memória atenta e detalhada de sua própria infância.
Além disso, outra questão pertinente que merece destaque é que o
autor sempre afirmou que queria ser reinventado, e esta é uma pos-
sibilidade de reinvenção. Por isso, concebe-se que a alfabetização é
uma tarefa séria que exige comprometimento e engajamento político
e social. A aprendizagem da leitura e da escrita na infância exige do
educador conhecimento sobre a importância de conceber a alfabetiza-
ção ao longo da vida em uma concepção de educação humanizadora,
que supere a visão ingênua da alfabetização apenas como uma técnica
mecânica de decodificação e codificação.
Diante do exposto, é preciso considerar que o projeto de pesquisa
apresentado ainda não foi desenvolvido e, desse modo, não há possí-
veis conclusões do estudo. No entanto, pode-se trazer algumas breves
considerações em relação à alfabetização em Paulo Freire. Alfabetizar,
na perspectiva freiriana, não é somente uma questão de apropriar-se de
uma metodologia para preparar aulas ou realizar um fazer pedagógico
nessa lógica. É muito mais que isto: é assumir-se como um sujeito his-
tórico, defensor da vida, um ser político, consciente e transformador da
realidade, porque a prática pedagógica deve e precisa estar articulada à
postura ética e política.

Palavras-chave: Alfabetização. Paulo Freire. Infância.

Referência
FREIRE, P. A importância do ato de ler em três artigos que se com-
plementam. São Paulo: Cortez, 2017.

671
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O DIÁLOGO NA PRÁXIS DE COORDENAR EM UM CONTEXTO


DE EDUCAÇÃO POPULAR

Lucas Carvalho Pacheco1


Universidade Federal de Santa Maria
lucascarvalhopacheco@hotmail.com

Nas últimas décadas do século XX, notou-se uma elitização do aces-


so à universidade pública. Com isso, aumentou a dificuldade de acesso às
instituições de Ensino Superior, por parte das camadas populares (GO-
MES, 2017). Diante desse contexto, estudantes da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) criaram, no ano de 2000, o Pré-Universitário
Popular Alternativa (PUPA). O PUPA é um espaço de Educação Popular
e não formal, sendo um programa de extensão da UFSM, ou seja, é finan-
ciado pela própria instituição. O Pré-Universitário tem como objetivos: i)
auxiliar estudantes de camadas populares que almejam acessar o Ensino
Superior e ii) contribuir para a formação crítica do educando.
Com este presente trabalho, almejo relatar a práxis de um licen-
ciando na coordenação pedagógica da Equipe de Física do PUPA nos
anos de 2019 e 2020, período em que o diálogo baseou todas as ações,
planos e estratégias pedagógicas.
Para tal, ressalto a relevância da leitura e do conhecimento das
obras do educador Paulo Freire, para observar o quanto é importante o
diálogo, pois nos constitui como seres humanos e permite estabelecer
relações. O diálogo abarca a natureza humana, faz parte do progresso
histórico da humanidade, é um momento em que os humanos se en-
contram para refletir sobre a sua realidade, o que fazem e como fazem
(FREIRE, SHOR, 1986). Dessa forma, Freire (2015, p. 109) utiliza o
diálogo como forma de socialização entre os indivíduos, buscando pro-
mover mudanças nas formas de ser, pensar e agir, destacando:
1 Licenciando em Física pela Universidade Federal de Santa Maria, Educador e Coor-
denador pedagógico do PUPA, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação
em Ciências em Diálogo (GEPECiD).
673
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se


ele é o encontro em que se solidarizam o refletir
e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a
ser transformado e humanizado, não pode redu-
zir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito
no outro, nem tão pouco tornar-se simples troca
de ideias a serem consumidas pelos permutantes
(FREIRE, 2015, p. 109).

No contexto de Educação Popular, o diálogo ocupa um dos


papéis centrais, pois é por meio dele que se desafia “o grupo popular
a pensar a sua história social como experiência igual de seus mem-
bros” e se revela a “necessidade de superar certos saberes, desnuda-
dos” (FREIRE, 2011, p. 49).
Partindo das premissas colocadas, e a partir das ações, reflexões
e discussões do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação em Ciências
em Diálogo (GEPECiD), grupo do qual o autor deste trabalho faz
parte e no qual foi construída grande parte dos seus conhecimentos
acadêmicos-científicos na área da Educação, foram construídas estra-
tégias e planos pedagógicos de maneira coletiva e dialógica entre os
educadores de Física do PUPA. Essas construções foram realizadas a
partir de referenciais discutidos no grupo, como os referenciais que
são embasados nas teorias e concepções de Paulo Freire.
Diante disso, quando assumi a coordenação pedagógica da
Equipe de Física do PUPA, em janeiro de 2019, busquei uma mudan-
ça da perspectiva tradicional do Ensino de Física (para a qual não há
espaço no PUPA) para a perspectiva de Educação Popular, de Paulo
Freire. A partir de experiências anteriores, observei que existia pouco
diálogo entre os educadores da equipe, o que limitava, muitas vezes,
a elaboração de aulas na perspectiva almejada, haja vista que muitos
educadores são oriundos dos cursos de Engenharia da UFSM. Em
2018, por exemplo, quando fui apenas educador no programa, não
aconteceu nenhuma reunião pedagógica da equipe.
Após assumir a coordenação pedagógica, iniciei uma série de re-
uniões pedagógicas visando melhorar o diálogo e compartilhar expe-
riências entre os educadores. Tais reuniões propiciaram um ambiente
dialógico que resultou na união dos educadores em prol da melhoria
674
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do processo de ensino-aprendizagem de Física no PUPA. Além disso,


os anos em que estive à frente da coordenação pedagógica foram atí-
picos: em 2019, ocorreu uma crise interna no programa, por conta de
denúncias externas sobre os materiais didáticos elaborados por outras
equipes do programa. E, em 2020, pela pandemia de COVID-19,
devido à qual a UFSM suspendeu as atividades administrativas e pe-
dagógicas presenciais. Com isso, os educadores do Pré-Universitário
tiveram que adaptar-se ao ensino remoto.
O diálogo entre os educadores e a abertura que foi oferecida
aos educadores da equipe por parte da coordenação pedagógica fo-
ram imprescindíveis para atravessar esses dois anos, marcados por
obstáculos. Com muito diálogo, ocorreram construções coletivas
inovadoras na equipe (o que até mesmo serviu de referência para
outras equipes no PUPA) tais como, por exemplo: plano de Rees-
truturação da Apostila de Física (PRAF); plano de Ação Emergencial
(PAE); plano de Divulgação e Comunicação (PDC); definição dos
dez Objetivos da Equipe de Física para 2020/2021; e a criação das
Diretrizes da Equipe de Física.
O PRAF reorganizou e reestruturou a apostila de Física, trans-
formando a antiga, marcada pela organização e abordagem “tradicio-
nal” dos conteúdos conceituais, em uma apostila marcada pela proble-
matização de questões cotidianas da cidade de Santa Maria/RS, a qual
potencializou e favoreceu aulas interdisciplinares, dialógicas e críticas.
O PAE buscou a produção conjunta de materiais complementares
pelos educadores, como podcasts, com temas referentes ao contexto
do educando, quando se utilizava do ensino remoto para ministrar
as aulas. Tais planos e os outros citados foram construídos a partir
do diálogo entre todos os educadores da equipe de Física do PUPA.
Além de tudo isso, os planos, ações e estratégias da equipe de Física
favoreceram e incentivaram o diálogo entre os próprios estudantes, a
partir da troca de experiências entre eles, visto que são oriundos de
diversas regiões do município. Além disso, potencializou-se o diálogo
entre educador e educando.
Ressalto, neste trabalho, a relevância do trabalho coletivo que
foi construído a partir do diálogo. E, ainda, podemos observar a partir
da práxis da coordenação pedagógica, uma “cadeia” de ações dialógi-
675
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cas, a qual, a partir do diálogo Coordenação-Educadores, motivou o


diálogo Educador-Educador, Educador-Educando e Educando-Edu-
cando. Portanto, “o diálogo é este encontro dos homens, mediatiza-
dos pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na
relação eu-tu” (FREIRE, 2015, p. 109).

Palavras-chave: Diálogo. Coordenação Pedagógica. PUPA.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: cotidiano do professor. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
GOMES, T. F. Pré-Universitário Popular Alternativa: formação ini-
cial para a docência entre a educação formal e não formal. [Disserta-
ção de Mestrado]. Erechim: UFFS, 2017.

676
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EXISTIR, RESISTIR E EDUCAR PARA A EMANCIPAÇÃO:


CONTRIBUIÇÕES CONSCIENTIZADORAS DO GRUPO DE
ESTUDOS, PESQUISAS E ARTES BEM VIVER

Rafael Branquinho Abdala Norberto


rbanviolao@gmail.com

Dilmar Xavier da Paixão


dilmarpaixao@yahoo.com.br

Julio Cesar Pires Pereira


juliopires190@gmail.com

Gabriel Gonçalves Pereira


opereiragabriel@gmail.com

Ricardo Albino Rambo


rarambo@hotmail.com

Formado na sala 701 da FACED/UFRGS em março de 2014,


o Grupo de Estudos, Pesquisas e Artes BEM VIVER1 vem atuando
nos segmentos de ensino, artístico-cultural e “outras linguagens” ao
combinar reflexões e ações (práxis) amparadas em perspectivas inter
e transdisciplinares. Assim como em outras oportunidades, quando
participamos de edições passadas do Fórum de Estudos: Leituras de
Paulo Freire e do Seminário Nacional Diálogos com Paulo Freire,
através da práxis performática/performativa em forma de poesia/mú-
sica e do texto acadêmico escrito, objetivamos, nesta oportunidade,
introduzir a proposta epistêmica do grupo e, por fim, evidenciar sua
práxis através da poesia/música nos eventos freireanos, como forma de
homenagear a tradição do fórum e esta edição em especial, inovadora
no desafio de ser inteiramente virtual.
1 Endereço para acessar o espelho do grupo no Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil (Lattes/CNPQ): dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5365788808850391.
677
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Com este relato de experiência, pretendemos estimular docentes,


lideranças comunitárias, movimentos sociais e estudantes a buscarem al-
ternativas que eduquem as pessoas para a emancipação, conscientização e
libertação, com autoconsciência das pessoas, todas elas e, principalmente,
aquelas em situações de vulnerabilidade, marginalização social, oprimi-
dos nos múltiplos formatos da violência e da exclusão. Marcar presença,
existir, resistir e educar para a emancipação são objetivos motivadores
para as contribuições levadas aos diversos eventos com olhares da peda-
gogia freireana. Também, o objetivo de potencializar a temática geral do
evento em dialogicidade com a proposta do próprio grupo.
Somos um coletivo com atuação em diferentes campos, como os
da educação, artes/música, etnomusicologia, literatura, saúde, filosofia,
teologia, entre outros. No entanto, apesar de termos herdado o modelo
universitário disciplinar – mesmo considerando alguns avanços em dire-
ção à interdisciplinaridade –, temos nos esforçado para romper com essa
lógica, bem como com dualismos do tipo educação formal/não formal,
erudita/popular, tecnicista/reflexiva, entre outros, que acabam por refor-
çar as estruturas hegemônicas ainda predominantes. Para além dos muros
universitários, compreendemos que os saberes e, consequentemente, a
“produção de conhecimento”,2 se dão em todas as instâncias da vida.
Procuramos, por isso, não separar o conhecimento acadêmico do
conhecimento implícito na práxis performativa das artes e da literatura
(no caso em tela: a composição), a nosso ver, erroneamente reconheci-
das pelo elemento puramente técnico necessário ao ato performático.
Propomos unir textos acadêmicos à práxis artística e à política do Bem
Viver (ACOSTA, 2016; GUDYNAS, 2016; SOLÓN, 2016), princi-
palmente, estimular um alinhamento à ecologia de saberes (SANTOS,
2018) e à “afirmação das epistemologias do Sul” (SANTOS, 2019).
Neste sentido, temos contribuído para esse debate/práxis em diferen-
tes oportunidades (PAIXÃO et AL., 2016; PAIXÃO; NORBERTO;
2 Estamos empregando esta expressão propositalmente entre aspas objetivando des-
construir a lógica de “produção de conhecimento” mercadológica inserida nas uni-
versidades pela “nova razão do mundo” (DARDOT; LAVAL, 2016) e “psicopolítica”
(HAN, 2018) neoliberais, que vem se apoderando dessas instituições – como parte de
seu projeto de dominação, opressão e poder –, já “fraturadas” (DIAS SOBRINHO,
2015) pela “concepção ‘bancária’ da educação” (FREIRE, 2019). Reconhecendo esta
tendência vigente, nós a problematizamos.
678
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

RAMBO, 2017). Na maioria delas, o mote de inspiração das poesias/


músicas, bem como dos textos escritos, é a pedagogia crítica freirea-
na, entre outras propostas da práxis de “educação como prática da li-
berdade”, como, por exemplo, a pedagogia transgressora de bell hooks
(2017), diretamente inspirada na obra de Paulo Freire e no feminismo
negro norte-americano.
Freire tem sido presença na trajetória profissional docente dos
integrantes do Grupo BEM VIVER. A partir do depoimento do pro-
fessor Moacir Gadotti, durante formação no Instituto Paulo Freire-
-Brasil, nasceu um poema musicado para o X Seminário Nacional
Diálogos com Paulo Freire. Afirmou Gadotti (apud PAIXÃO et AL.,
2016, p. 1): “O legado de Freire nos deu RAÍZES ético-políticas para
fundamentar nossas práticas; deram-nos ASAS, uma teoria para ir
além dele, e muitos SONHOS, a utopia de uma sociedade de iguais”.
Tal ensinamento motivou para que se escrevesse e musicasse Paulo
Freire: Raízes, Asas e Sonhos, destacado como um dos exemplos de
práxis citado acima (PAIXÃO et AL., 2016):

Se o saber academicista exige tanto e oprime.


A educação, que reprime, não pode ser educação.
Liberdade e vocação a todos para serem felizes.
Brotam firmes, as raízes freireanas.
É a reação!

.............................................................................

RAÍZES firmes mantêm a planta rija e forte,


que não se abate ao vento norte e dá frutos todo
tempo.
As ASAS produzem ventos e enfrentam tempestades,
voam p’ras felicidades que toda a vida merece.
Dos SONHOS, a gente não esquece, lembra-nos
o seu talento.

Os quefazeres do povo são ações e movimentos,


raízes, aprofundamentos, asas para pensar o ser
e os sonhos para vencer, qual Freire texto e poesia,
bem como, você dizia: “aprendendo a aprender”.

679
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

RAÍZES, ASAS e SONHOS na sociedade de iguais.


Éticas, políticas, geniais: RAÍZES da utopia, que,
aos SONHOS da teoria, previa evolução.
Deu-nos ASAS ao cidadão.
Paulo Freire, o seu legado para sempre será lembra-
do bradando E M A N C I P A Ç Ã O.

Palavras-chave: Práxis. Artes e Bem Viver. Educação Libertadora/


Emancipatória.

680
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ACOSTA, A. Bem viver: uma oportunidade para imaginar outros
mundos. São Paulo: Autonomia Literária: Elefante, 2016.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a
sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
DIAS SOBRINHO, J. Universidade fraturada: reflexões sobre conheci-
mento e responsabilidade social. Avaliação, v. 20, n. 3, pp. 581-601, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
GUDYNAS, E. Bem Viver. In: D’ALISA, G.; DEMARIA, F.; KALLIS,
G. (Orgs.). Decrescimento: vocabulário para um novo mundo. Porto
Alegre: Tomo Editorial, 2016. Pp. 260-264.
HAN, B.-C. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de
poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da
liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
PAIXÃO, D. X.; Et AL. Paulo Freire: Raízes, Asas e Sonhos. In: X Se-
minário Nacional Diálogos com Paulo Freire: Democracia, sujeitos co-
letivos e a Pedagogia da Esperança, 10, 2016, Porto Alegre. Anais [...].
PAIXÃO, D. X.; NORBERTO, R. B. A.; RAMBO, R. A. Paulo Freire:
raízes, asas e sonhos. In: ZITKOSKI, J. J.; HAMMES, L. J.; KAR-
PINSKI, R. (Orgs.). A formação de professores na contemporanei-
dade: perspectivas interdisciplinares. Lajeado: Ed. da Univates, 2017.
Pp. 250-256.
SANTOS, B. S. A gramática do tempo: para uma nova cultura polí-
tica. São Paulo: Cortez, 2018.
SANTOS, B. S. O fim do império cognitivo: a afirmação das episte-
mologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
SOLÓN, P. ¿Es posible el Vivir Bien?: reflexiones a quema ropa so-
bre alternativas sistémicas. La Paz: Fundación Solón, 2016.
681
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:


FORMAÇÃO INTEGRAL E O MUNDO DO TRABALHO

Dayana Debora Kiernieff Pereira Marca


Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Erechim/RS
dayana.kiernieff@gmail.com.br

Adriana Regina Sanceverino


Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Erechim/RS
adrianarsanceverino@gmail.com

O presente trabalho é parte integrante da pesquisa de mestrado


do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação da Universi-
dade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Erechim/RS, e apresenta
como eixo de análise a formação integral dos sujeitos da educação de
jovens e adultos para o mundo do trabalho, ano final do ensino funda-
mental, das escolas municipais da cidade de Erechim/RS. A investiga-
ção problematiza e busca compreender se, e em quais aspectos, a Edu-
cação de Jovens e Adultos de nível fundamental, das escolas municipais
da cidade de Erechim, RS, tem sido capaz de promover uma formação
integral e humana desses sujeitos para o mundo do trabalho.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, delimitam-se os se-
guintes objetivos específicos: mapear a literatura concernente ao ob-
jeto de pesquisa; analisar como a educação de jovens e adultos tem
contribuído para uma formação integral e humana dos sujeitos da
EJA, ano final do ensino fundamental, em diálogo com o contexto
do mundo do trabalho; desenvolver a análise da pesquisa de campo
junto a uma amostragem de cinco alunos de uma turma de Educa-
ção de Jovens e Adultos e um(a) coordenador(a) pedagógico(a) de
uma escola municipal de Erechim; promover a socialização de um
diagnóstico e o apontamento de ações para ainda mais melhorias,
produzidos a partir das análises realizadas junto à escola e aos sujeitos
envolvidos na pesquisa de campo.
683
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Alguns autores, pesquisadores no campo da EJA, são essenciais


para a fundamentação desta investigação, são eles: Freire (1992, 2000,
2013), Arroyo (2006, 2013), Ciavatta e Ramos (2011), Sanceverino
(2016), Ventura (2012), Moll et Al. (2010), entre outros. Na busca
pelo entendimento de quem são os sujeitos da EJA, infere-se que esses
sujeitos são oriundos de forças sociais significativas e relevantes que
não podem ser ignoradas, pois suas lutas contribuíram para a cons-
trução da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),
isto é, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996),
conforme reflexões a respeito da configuração da EJA, apresentadas
no Currículo do Território Catarinense (SANTA CATARINA, 2019).
Esse documento explicita a importância do reconhecimento desses
sujeitos como seres culturais e sociais, pois, segundo Arroyo (2006, p.
221), apesar de serem provenientes de diferentes realidades de “classe,
raça, etnia, gênero, território, campo, cidade, periferia”, expressam
desejos, anseios e saberes. Tais apontamentos dialogam com Freire
(1992, p. 44), que afirma que tanto crianças, como jovens e adultos
trazem com eles “compreensão de mundo, nas mais variadas dimen-
sões de sua prática social de que fazem parte”.
É relevante destacar que o trabalho sempre esteve ligado às ne-
cessidades e aos desejos desses sujeitos. Não obstante, ao ler as afirma-
ções de Ciavatta e Ramos (2011, p. 19) de que “o trabalho sempre foi
uma atividade separada da atividade da escola - o primeiro, próprio do
mundo do fazer e da servidão; a segunda, própria do mundo do saber”,
depreende-se que o trabalho foi e continua sendo um grande fator de
afastamento de jovens e adultos da formação escolar. Conforme aponta
Jaqueline Ventura (2012, p. 76): “Eles apresentam em comum nas suas
histórias de vida o fato de que estão hoje cursando a EJA porque as
condições socioeconômicas nas quais se encontravam na infância e na
adolescência os impediram de estudar.”
Sob essa lógica, convém acrescentar que as consequências das re-
lações impostas pela sociedade do capitalismo passam pelo distancia-
mento do homem (de si próprio), pois, como asseveram Marx e Engels
(2001, p. 113), “quanto mais civilizado o produto, mais desumano o
trabalhador, quanto mais poderoso o trabalho, mais o trabalhador di-
minui em inteligência e se torna escravo da natureza”. Por isso, Freire
684
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

(2013, p. 42) destaca que é preciso primeiro conscientizar, para então


poder libertar, nesse processo educativo dos sujeitos da EJA:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará


preparado para entender o significado terrível de
uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor
que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que
eles, para ir compreendendo a necessidade da liber-
tação? Libertação a que não chegarão pelo acaso,
mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento
e reconhecimento da necessidade de lutar por ela
(FREIRE, 2013, p. 42).

Nessa conjuntura, é fundamental que os educandos se tornem


capazes de dominar o produto do trabalho e, ao mesmo tempo, impri-
mir sobre esse o seu domínio e não o contrário (MOLL et AL., 2010).
A escola é o ambiente de criação de possibilidades para esses educandos
no mundo do trabalho, pois estão inter-relacionados. Em conformida-
de com o Fórum de EJA do Brasil (2010), cada vez mais têm se tornado
relevantes “relações com o mundo do trabalho, com os saberes produzi-
dos nas práticas sociais cotidianas, e o envolvimento de todos com esse
mundo e seus saberes formais”.
As relações de ética devem ser abordadas e se voltarem à supera-
ção do preconceito a da discriminação, ressaltando propostas de uma
educação inclusiva, com concepções de democracia, como aponta San-
ceverino (2016, p. 459), “[...] para estabelecer a dialogicidade como
fundamento e caminho para a prática pedagógica na Educação de Pes-
soas Jovens, Adultas e Idosas é necessário que o (a) professor (a) intro-
duza uma cultura do diálogo em sala de aula”. De modo complementar,
Arroyo (ARROYO, 2013, p. 209) esclarece que há necessidade de uma
proposta pedagógica formadora, com o “objetivo de garantir sua forma-
ção plena integral”.
Metodologicamente, a investigação se caracteriza como explora-
tória (GIL, 2002) e descritiva (GIL, 2008), uma vez que se pretende
explorar e descrever o fenômeno a ser estudado, buscando responder à
problemática de pesquisa. A análise dos dados será por meio da análise
de conteúdo (BARDIN, 2016). O locus de investigação será uma es-
685
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cola municipal da cidade de Erechim/RS, sendo os sujeitos da pesquisa


cinco alunos de EJA, do ensino fundamental, ano final, e um(a) coor-
denador(a) pedagógico(a) da mesma instituição.
Portanto, o estudo a respeito da formação das juventudes e a re-
lação dessas com o mundo do trabalho contribuirá para a produção e
para análise de dados, que servirão como base para a discussão a respeito
dos eixos estruturantes dos projetos pedagógicos que se voltam à mo-
dalidade de ensino denominada EJA, abrindo-se a possibilidade de um
trabalho contextualizado, considerando algumas de suas principais de-
mandas, a luta contra a desigualdade social e a busca por oportunidades
para a melhoria da condição de vida própria, ou seja, trata-se do “sonho
pela humanização” apontado por Freire (1992, p. 51) que perpassa pela
luta e pelo desejo de rompimento de vários grilhões “(...) que nos estão
condenando à desumanização. O sonho é assim uma exigência ou uma
condição que se vem fazendo permanente na história que fazemos e que
nos faz e re-faz”, possibilitando uma formação integral para a emanci-
pação social alicerçada nos propósitos de uma educação humanizada.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Formação Integral. Trabalho.

686
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ARROYO, M. G. Os coletivos empobrecidos repolitizam os currículos.
In: SACRISTÁN, J. G. Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto
Alegre: Penso, 2013.
ARROYO, M. G. Educação de jovens e adultos: um campo de direitos e de
responsabilidade pública. In: GIOVANETTI, M. A.; Et AL. (Orgs.). Diá-
logos na Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.
CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Ensino Médio e Educação Profissional
no Brasil: dualidade e fragmentação. Revista Retratos da Escola, Bra-
sília, v. 5, n. 8, pp. 27-41, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FÓRUNS DE EJA DO BRASIL. Relatório Síntese do IV Encontro
Nacional de Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte, 2010.
GIL, A. C. Método e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Petrópo-
lis: Vozes, 2001.
MOLL, J.; Et AL. Educação profissional e tecnológica no Brasil contem-
porâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010.
SANTA CATARINA. Governo do Estado. Secretaria de Estado da
Educação. Currículo base da educação infantil e do ensino funda-
mental do território catarinense. Estado de Santa Catarina, Secreta-
ria de Estado da Educação. Florianópolis, 2019.

687
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

SANCEVERINO, A. R. Mediação pedagógica na educação de jovens e


adultos: exigência existencial e política do diálogo como fundamento da
prática. Revista Brasileira de Educação, v. 21, n. 65, pp. 455-475, 2016.
VENTURA, J. A EJA e os desafios da formação docente nas licencia-
turas. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, v. 21,
n. 37, pp. 71-82, 2012.

688
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA-CONVITE ÀS EDUCADORAS

Patricia Oliveira Crespo Nunes


Universidade Federal do Pampa - Unipampa
patty.poc@gmail.com

Jaguarão, 25 de outubro de 2020.

Olá, queridas colegas!

Não há saber mais ou saber menos: há saberes dife-


rentes (FREIRE, 1987, p. 68).

Tudo bem com vocês? Venho, através desta carta pedagógica, trazer
uma análise metodológica realizada a partir das cartas trocadas com algu-
mas de vocês, professoras de pré 3 do nosso município. Primeiramente,
gostaria de agradecer a contribuição de cada uma e dizer que, se a edu-
cação infantil deste município é vista com respeito, é graças a cada uma
de vocês também, pois é visível a dedicação de cada uma ao seu trabalho.
Através das cartas, foi notável que as educadoras reconhecem a
importância de trabalhar com o letramento na educação infantil, tra-
zendo reflexões sobre o cotidiano e exemplificando as atividades reali-
zadas no dia a dia. As professoras participantes da pesquisa relataram
reconhecer que não é somente na escola que se desenvolve o letramento
– que a influência familiar também conta.
Além disso, houve um relato de uma professora que esteve por
muito tempo como alfabetizadora: “A conclusão a que eu cheguei é que
devemos trabalhar o letramento na Educação Infantil, porque é a sequên-
cia no processo aprendizagem no primeiro ano”, deixando claro que a
educação é um processo contínuo e que cada passo dado é relevante.
Algo bastante recorrente nas falas é a percepção sobre a importância
do letramento na educação infantil, como no excerto que destaco a seguir:
689
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O letramento torna-se indispensável na primeira


etapa da educação, pois conforme Magda Soares
(1998) “... já o indivíduo letrado, indivíduo que
vive em estado letrado, é não só aquele que sabe ler
e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura
e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde
adequadamente às demandas sociais de leitura e
escrita” (professora participante da pesquisa).

A criança letrada é aquela que consegue se adaptar ao ambiente


escolar, que consegue ir ao mercado e se localizar, que faz a leitura a
partir de imagens, que interpreta uma história ouvida, que sabe guiar-se
nos sinais de trânsito ou que sabe que, em um hospital, a imagem de
uma pessoa com o dedo em frente à boca pede silêncio.
Nessa etapa de ensino, o professor que percebe o letramento
como parte fundamental e, principalmente, reconhece que este deve ser
trabalhado de forma leve, tem um papel relevante no processo, como
menciona outra educadora:

[...] as práticas de letramento na educação infantil


devem ser de forma lúdica e prazerosa. Nesse espaço,
as atividades lúdicas são de suma importância para
o processo, pois através das brincadeiras as crianças
realizam atividades indispensáveis para o seu desen-
volvimento (professora participante da pesquisa).

Enquanto educadoras, sabemos que toda a atividade da edu-


cação infantil é proposta a partir de um objetivo, e, baseadas nisso,
realizamos nossa avaliação. Sobre a avaliação, uma das professoras
participantes relatou:

O meu sistema de avaliação do pré 3 é diário, atra-


vés do registro em tabelas e anotações individuais,
não é de todos no mesmo dia (não tem como!),
mas observo quem consegue, ou não atinge o obje-
tivo, algo relevante, mudança de comportamento,
falas positivas, negativas, se progrediu ou regrediu,
sempre procurando focar alunos diferentes em
cada dia (professora participante da pesquisa).

690
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Uma das professoras relatou também: “Tenho 20 alunos, por isso


é impossível avaliar a todos num só dia, vou fazendo os meus registros
todos os dias para, no final do bimestre, fazer o meu relatório.” Assim,
percebemos a importância do registro. Além disso, algo que não pode-
mos esquecer sobre a avaliação é que, quando avaliamos, não devemos
avaliar somente as crianças, mas também a nós mesmas:

[...] realizo avaliações através de observações, com


objetivos selecionados por mim, para cada ativida-
de proposta. Alguns desses objetivos são: Os alunos
conseguem realizar a interpretação de histórias?
Conseguem contar uma história através da obser-
vação de imagens? Compreendem a sequência da
história? E assim em diante. [...] Caso o aluno não
atinja o objetivo, realizo novamente as atividades
e vou dando mais atenção, para perceber as difi-
culdades e também realizar a avaliação da minha
prática (professora participante da pesquisa).

Dessa forma, venho aqui convidá-las a participar da minha in-


tervenção. A minha proposta é realizar rodas de diálogos virtuais sobre
as temáticas Leitura não convencional e Avaliação na Educação Infantil,
tendo como propósito elaborarmos juntas um instrumento avaliativo
para as aprendizagens relacionadas ao letramento. A partir da análise
documental, notei que, apesar da imensidão de atividades realizadas
diariamente sobre letramento, essas não aparecem claramente nos pa-
receres, por exemplo. Tenho também dificuldade de explanar quais as
aprendizagens que já foram adquiridas pelas crianças, a partir de algu-
mas atividades, e de identificar o que ainda precisa ser trabalhado de
forma individual, com cada uma delas.
Assim, proponho que, se tivermos uma proposta avaliativa, a fim
de estabelecer o que foi alcançado e o que ainda precisa avançar em re-
lação ao uso social e educacional do letramento, teremos como articular
melhor não só nossas atividades, mas também as avaliações, tanto das
nossas ações quanto das aprendizagens estabelecidas pelas crianças.
Nesse sentido, antecipo aqui um convite para vocês participa-
rem das minhas intervenções, que, devido à pandemia, foram adiadas
– mas, assim que passar o processo eleitoral, e a proposta for amadu-
691
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

recida, enviarei um novo convite, trazendo a programação construída


junto com a minha orientadora, para discutirmos em grupo e repla-
nejá-la, se necessário.
Por fim, gostaria de agradecer a disponibilidade de cada uma de
vocês, principalmente às educadoras que estiveram envolvidas desde o
início. A Educação Infantil ainda é uma etapa de ensino pouco reco-
nhecida no âmbito educacional, mas tenho certeza de que, juntos, po-
demos mostrar a sua qualidade e o seu potencial.

Grata pela atenção de todas, um carinhoso abraço!

Patricia Crespo.

Palavras-chave: Professoras; Educação Infantil; Intervenções.

Referência
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

692
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PROVOC-AÇÕES E REFLEXÕES SOBRE


CARTAS PEDAGÓGICAS

Letícia Martins dos Santos


Unipampa/Jaguarão
lemartinsunipampa@gmail.com

Patricia Oliveira Crespo Nunes


Unipampa/Jaguarão
patty.poc@gmail.com

Jaguarão, 16 de outubro de 2020.

Queridos colegas e professores da disciplina de Leitura Dirigida


sobre Cartas Pedagógicas:

Contudo, a prática nos ensina muito. Aprendi que


há um poder intrínseco nesta forma de escrever. Pela
sua simplicidade, as pessoas se dispõem mais facil-
mente e se desafiam a colocar em texto suas refle-
xões, suas ideias (DICKMANN, 2020, p. 37-38).

Boa tarde, querido grupo, é com imensa alegria e muita amorosi-


dade que buscamos dar início ao diálogo sobre Cartas Pedagógicas para
o nosso encontro da disciplina de “Leitura Dirigida sobre Cartas Peda-
gógicas como Instrumento Metodológico” para explanar as reflexões e
aprendizagens que construímos ao longo dos encontros.
A Carta Pedagógica é um gênero discursivo intitulado pelo gran-
de mestre Paulo Freire, a qual era “uma das formas de comunicação
que tanto gostava de utilizar” (NITA, 2000, p. 8), haja vista, que ele
adorava se expressar através de seus registros. Assim, a carta pedagógica
possui uma ação dialógica sobre a temática que o autor ou a autora quer
provocar em quem a recebe.

693
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A partir disso, Ivanio Dickmann (2020, p. 41) nos provoca ao


promover a seguinte questão: “Qual a diferença de uma carta pedagógi-
ca para outras cartas em geral? A resposta é que a Carta Pedagógica tem
dois elementos que uma missiva convencional não tem, a saber: deseja
produzir conhecimento e tem uma postura política.”
Com isso, a intencionalidade da Carta Pedagógica vai mais além
do que apenas um meio de comunicação, pois, assim como Paulo e
Dickmann apontam (2020, p. 25), “as Cartas Pedagógicas, mais que
ferramenta de comunicação, são um convite a uma pedagogia engajada
ética e politicamente”. De igual modo, Freitas (2019, p. 61) apresenta
dois critérios próprios que constituem essa modalidade de escrita, pois:

Sendo uma carta, deve apresentar os elementos pró-


prios deste gênero de escrita: data, destinatário, reme-
tente, saudação inicial e final, além de empregar a pri-
meira pessoa, com a intenção de comunicar-se, com
diferentes finalidades. Por ser pedagógica, a escrita
apresenta com clareza a finalidade que se propõe.

Como já foi dito anteriormente, as cartas podem ter diferentes


finalidades, porém diante da intenção de refletir sobre a “práxis” esse gê-
nero (trans)formou-se em nosso instrumento metodológico de pesqui-
sa, pois conforme Vieira (2008, p. 71) “referir-se as cartas pedagógicas
implica referir-se ao diálogo, um diálogo que assume o caráter do rigor,
na medida em que registra de modo ordenado a reflexão e o pensamen-
to; um diálogo que exercita a amorosidade”.
Ivanio Dickmann (2020, p.48) salienta que “as cartas pedagógi-
cas estão encharcadas dessa máxima freireana, pois são incentivadoras
da produção de conhecimento com base no cotidiano de quem escreve”.
Deste modo, as Cartas Pedagógicas carregam um enorme poten-
cial para serem utilizadas enquanto instrumento de pesquisa, pois atra-
vés dela pode-se estabelecer um diálogo aberto, porém carregado com
conceitos, conhecimento, seriedade e emoção, sempre tento em vista
qual é o destinatário que se deseja alcançar. A carta pedagógica permite
a explanação do posicionamento pessoal assim como proporciona um
questionamento desafiador ao seu leitor que poderá expor de forma
igualitária a sua opinião através da resposta ao seu remetente.
694
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Certamente a escrita de cada carta, gera uma emoção de acordo


com o grau de relação que se tem com a pessoa a qual ela é destinada,
quanto maior o vínculo, mais forte é a emoção. No início da carta,
utiliza-se uma história de vida, como disse Dickmann (2020), então é
impossível não se emocionar ao remeter a alguma lembrança que já se
obteve com aquele ao qual se comunica, ainda mais quando essa relação
de troca de cartas é estabelecida em uma cidade pequena, no interior,
onde os laços comumente já foram estabelecidos.
Para tanto, algo que torna as cartas um instrumento de pesquisa
ainda mais eficaz, é o fato da pessoa não ter como fugir do processo,
pois diferente de uma entrevista, a carta carrega todos os dados impres-
cindíveis, além disso, ela permite que a pessoa, leia, releia e formule de
forma tranquila o seu posicionamento e assim permite uma reflexão
para a execução do diálogo.
As Cartas Pedagógicas enquanto recurso metodológico necessitam
passar ainda pelo processo de análise textual, que exige tanto compro-
metimento quanto a escrita da carta, que demanda um alto nível de res-
ponsabilidade com a análise de cada carta recebida. Com isso, as cartas
pedagógicas promovem uma intencionalidade instigante e desafiadora
convidando as professoras da rede municipal ao diálogo que traz rigor
com amorosidade. Paulatinamente, Freitas (2019, p. 61) suscita que

Além disso, é importante levar em conta que uma


Carta Pedagógica tem como intencionalidade pro-
mover o diálogo e incentivar a escrita. Para tanto,
apresentação de questionamentos para suscitar a
reflexão e a sugestão de encaminhamentos pode ser
uma boa alternativa para a promoção do diálogo.

Assim sendo, “a carta, como um instrumento que exige pensar


sobre o que alguém diz e pede resposta, constitui o exercício do diálogo
por meio escrito” (VIEIRA, 2008, p. 71), pois ao enviar uma carta pe-
dagógica ansiamos por uma resposta para que a “boniteza” do processo
aconteça estabelecendo novas vivencias dialógicas permeadas de amo-
rosidade e rigorosidade.
Por fim, não poderíamos deixar de mencionar, que a boniteza
deste processo, tornou-se ainda mais significativa, pois trouxemos nele
695
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

as características dos nossos encontros da Leitura Dirigida, na qual a


distância jamais foi um impasse e nos permitiu perceber que a proxi-
midade se dá independente dos KM que nos separam. Trazendo assim,
efetivamente a percepção do alcance de onde uma carta pode chegar.
Este grupo demonstrou na prática que as Cartas Pedagógicas são
meios não só de comunicação, mas também de conhecimento, pois
trouxe a leveza da emoção junto a rigorosidade da troca de informa-
ções. Os nossos encontros virtuais nos tiraram da zona de conforto,
nos apresentaram o novo e nos encantaram através da provoc-ações da
diversidade de saberes presentes nas obras de Paulo Freire.
Não podemos concluir, sem antes agradecer a cada um de vocês
que contribuíram não só com a nossa pesquisa, mas também com o
nosso crescimento profissional e principalmente com o nosso desen-
volvimento pessoal, certamente não estamos saindo daqui da mesma
forma que chegamos.

Com carinho, um fraterno abraço,

Letícia Martins e Patricia Crespo.

Palavras-chave: Cartas Pedagógicas. Diálogo. Instrumento Metodológico.

Referências
DICKMANN, I. As dez características de uma carta pedagógica. In:
Cartas pedagógicas: tópicos epistêmico-metodológicos na educa-
ção popular. In: PAULO, F. S.; DICKMANN, I. (Orgs.). Chapecó:
Livrologia, 2020.
DICKMANN I. (Org.). Diálogo Freiriano – Cartas, Relatos e Arti-
gos / 1.ed. Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2019.
VIEIRA, A. H. Cartas Pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2018, Pp. 75-76.

696
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA-SÍNTESE ÀS EDUCADORAS

Letícia Martins dos Santos


Unipampa/Jaguarão
lemartinsunipampa@gmail.com

A gente se faz educador, a gente se forma como


educador, permanentemente na prática e na refle-
xão sobre a prática (FREIRE, 2000, p. 58).

Olá, queridas colegas!

Como vocês estão? Venho através desta Carta Pedagógica apre-


sentar uma análise textual, ou seja, é a síntese criada a partir das três
categorias de análise que instituí, a partir das trocas das cartas pedagó-
gicas, na qual nos transformamos em remetente/destinatário.
Contudo, antes de descrever as minhas compreensões acerca do
retorno das cartas, eu gostaria de agradecer a contribuição de cada uma
e evidenciar a admiração que tenho pelo trabalho de extrema qualidade
que vocês realizam na educação infantil do nosso município.
Através das cartas, foi possível perceber que vocês sabem da im-
portância do letramento na educação infantil, e que as políticas curri-
culares contribuem, sim, para potencializar as práticas de letramento
dentro das salas de aula da primeira etapa da educação básica.
Diante disso, gostaria de elencar, primeiramente, que as respostas
das cartas superaram a perspectiva de escolarização precoce na educa-
ção infantil; ou seja, vocês não trabalham a leitura e a escrita por meio
de numerosos exercícios de prontidão e memorizações “das associações
som-grafia para ser alfabetizada” (BRANDÃO; LEAL, 2011, p. 16).
Diante disso, é nítido que vocês compreendem que o letramento é a
vivência das funções sociais que a leitura e a escrita exercem, sem neces-
sariamente saber ler e escrever convencionalmente.
697
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para melhor contextualizar, coloco a seguir um dos excertos de


uma das cartas, na qual uma das educadoras pontua como envolve seus
alunos nas práticas sociais da leitura e da escrita.

Realizar atividades de leitura tais como: a hora do


conto, sacola da leitura ou o contador de histórias.
Procuro realizar também a apresentação de dife-
rentes gêneros textuais, como jornal, revista, histó-
ria em quadrinhos, fôlder, receitas (tanto a leitura
quanto a escrita) além de recursos como jogos, ca-
lendários e chamadinha.

Outro elemento que se destacou nas cartas foi o processo de cons-


trução da política curricular local, que se deu de maneira colaborativa
e democrática, enxergando o currículo enquanto práxis, priorizando
a construção do conhecimento, bem como os saberes e a cultura dos
educandos. Com isso, para melhor empreender esse contexto, coloco o
excerto de uma das cartas.

Agora também temos o DOM, um documento


que contou com a participação dos professores,
trazendo experiências. Esse documento ajuda a
trazer a realidade regional para nossas aulas.

Além disso, foi ressaltada, nas cartas, a importância de construir


um documento que foi idealizado e discutido “a várias mãos” por edu-
cadores que vivem o chão da escola, o que consequentemente contribui
para a “materialização do currículo” de maneira efetiva.
Algo que também é bastante recorrente nas falas é a percepção
das professoras sobre a importância da brincadeira e da ludicidade para
a aprendizagem dos alunos, principalmente em relação às práticas de
leitura e de escrita. A ludicidade ganha dimensão a partir das práticas
pedagógicas elencadas por vocês nas cartas, mostrando que houve apro-
ximações com as políticas nacionais e locais voltadas para a educação
infantil, referente às concepções, estruturas e princípios.
Dessa forma, fica evidente que vocês corresponderam de maneira
positiva às questões empreendidas na pesquisa e, por conta disso, gosta-
ria de convidá-las a participar da minha intervenção, que será realizada
698
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em conjunto com minha colega Patricia, a partir de rodas de diálogos


virtuais sobre as temáticas que desenvolvemos. Nossa intenção não é a
de “impor” conhecimentos acerca do letramento, diante das perspecti-
vas da Política Curricular e da Avaliação, mas de discutir, aprofundar e
ressignificar as nossas aprendizagens junto com vocês.
Para tanto, esses encontros ocorrerão semanalmente, e visam
construir coletivamente elementos que contribuam para a melhora na
qualidade de ensino na rede municipal, diante da perspectiva das prá-
ticas sociais da leitura e da escrita, pois as professoras também se torna-
rão pesquisadoras, tendo espaço para recriar as suas práticas, através da
reflexão sobre elas, ressignificando suas vivências, baseadas no registro
reflexivo e no diálogo.
Portanto, deixo aqui o meu convite para vocês participarem des-
ses encontros, pois, através das respostas das cartas, percebemos que
todas são muito empenhadas e preocupadas com o momento do pla-
nejamento, dedicando-se ao tratar da escolha das atividades e com a
aprendizagem das crianças. E, a partir dos encontros virtuais, seria uma
oportunidade para que vocês, professoras de Educação Infantil, pudes-
sem refletir e compartilhar coletivamente os impactos das políticas cur-
riculares ao avaliar as suas práxis.
Por fim, gostaria de agradecer a disponibilidade de cada uma de
vocês que estiveram conosco desde o início das trocas de cartas, e pedir
a colaboração das que possam estar envolvidas a partir deste momento.
A Educação Infantil ainda é uma etapa de ensino pouco reconhecida,
porém, tenho certeza de que, juntas, poderemos mudar essa perspectiva.

Gratidão, Gurias... Um abraço carinhoso!

Letícia Martins dos Santos.

Palavras-chave: Letramento; Educação Infantil; Políticas Curriculares.

699
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, A. C. P.; LEAL, T. F. Alfabetizar e letrar na Educação
Infantil: o que isso significa? In: BRANDÃO, A. C. P.; ROSA, E. C.
S. (Org.). Ler e escrever na Educação Infantil: Discutindo práticas
pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2000.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA: REVISITAÇÕES DE UMA CAMINHADA


COMO “EDUCADORA FREIRIANA”

Jussara Cristina Mayer Ceron

Nathalia Sofia Mayer Ceron

Sorriso, 3 de abril de 2021.

Prezados educadores, defensores da “Educação Humanizadora”,

[...] uma carta só terá cunho pedagógico se seu


conteúdo conseguir interagir com o ser humano,
comunicar o humano de si para o humano do ou-
tro, provocando este diálogo pedagógico. Sendo
um pouco mais incisivo nesta reflexão, diríamos
que uma Carta Pedagógica necessariamente precisa
estar grávida de pedagogia. Portar, sangue, carne e
osso pedagógico (CAMINI, 2012, p. 35)

Imagino que vocês, assim como eu, em alguma situação cotidiana,


marcada pelos extravios de um tempo incerto, de um tempo pandêmico,
de um tempo em que a vida está em jogo, buscam forças e formas para se
manterem ativos e com vivacidade em todas as dimensões da existência.
Alguns buscam forças nas experiências produzidas no caminho, enquan-
to caminhantes. Outros nas experiências partilhadas por caminhantes que
cruzam seus caminhos. Muitos, através da pesquisa, da formação e da busca
incessante por conhecer novas possibilidades para tornar a vida significativa.
Tem aqueles que fazem um mix de tentativas e tem também aque-
les que optam por desacreditar, em meio a tantas dificuldades, dilemas e
situações que enfrentam. Todo caminhante constrói seu caminhar de for-
ma singular, mesmo que em meio à pluralidade de expressões e participa-
ções de outros caminhantes. Assim, somos nós, caminhantes educadores.
Não nos constituímos de um dia para a noite e, tampouco, de uma noite
701
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

para o dia. Nós nos compomos na caminhada, no fazer, no refletir sobre o


fazer, na condição de aprendente abraçada, quando escolhemos a arte de
educar e de exercer com profissionalidade o ofício da docência.
Temos vivenciado dias temerosos. Dias assustadores, revoltantes.
Dias que parecem séculos. Dias que fazem dos nossos dias uma corrida.
Nesses dias, e a partir deles, tenho buscado, como educadora vivaz, me
amparar nas experiências produzidas nas três décadas de atuação profis-
sional e, com elas, me fortalecer para, em meio às demandas da cotidia-
neidade, continuar acreditando que é possível transformar a realidade por
meio da educação. Como educadora, participei (de) e liderei movimentos
sociais e educacionais, e com eles aprendi que a pedagogia da esperança
não é a continuidade da pedagogia do oprimido, mas um reencontro de
uma para com a outra e para com as tantas possibilidades de compreender
o nosso papel como sujeitos históricos e sociais, e o despertar para o espí-
rito crítico, ativo e reflexivo, assim como contemplação formativa da aca-
demia quando fui apresentada aos escritos e às memórias de Paulo Freire.
Escritos que se corporificam como setas para avançar nos cami-
nhos, e como bússola político-pedagógica, aproximando o que é pen-
sado do que é almejado, o que é proclamado do que é praticado, como
dito pelo mestre Freire: “A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim
como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une
a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da
realidade” (FREIRE, 1996, p. 25).
Da Pedagogia, enquanto formação acadêmica para a vida, tenho
assumido e prosperado os dias, o trabalho e a vida. Tenho construído
meus percursos embalando minhas ações nas reflexões que trago em
minha memória. Sim! Em minha memória, que agrega experiências do
viver e do transformar a realidade, do mudar os contextos e do fazer do
hoje uma constante aprendizagem, mesmo quando as portas se fecham,
os raios adentram os espaços onde me situo como sujeito que aprende,
o tempo todo, com todos.
Ao pensar em tudo o que temos vivenciado em nosso país, me
reportei ao passado. Àquele passado de mais de trinta anos, no qual
me via menina-moça escolhendo a profissão. Menina-moça sonhadora,
lutadora, ousada e atrevida pedagogicamente. Lembrei-me daquela pes-
soa e senti saudades dela. Senti saudades daquela guria, que, ao mesmo
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tempo em que não conhecia o mundo, não tinha medo de enfrentá-lo.


Daquela professora jovial que fazia percursos costumeiros a pé, nas es-
tradas entre uma vila e outra, e levava o otimismo, entregando o sorriso
e a convicção de que era possível, mesmo em meio à falta de pão, parti-
lhar o que tinha com as pessoas e com a comunidade.
Revisitando as marcas construídas pela professora, nutri-me de
expectativas e senti-me tocada pelo pertencimento por ela produzido
na comunidade rural onde trabalhava, reconhecendo em suas atitu-
des seu grande aliado, mestre e inspirador Paulo Freire, que afirmava
que “[...] o passado não se muda. Compreende-se, recusa-se, aceita-se,
mas não se muda”. E por acreditar nessa potência sobre o fazer, o vi-
ver, o conviver e o construir, a professora foi significando as práticas
pedagógicas nas diferentes realidades, marchando de forma esperan-
çosa, acreditando que mudar é possível.
Com seu acreditar nos postulados do mestre Freire, compreendeu,
com o tempo, que a história é possibilidade e não determinação, e que
fazer história requer humanidades, cuidado ético com a vida, com a co-
letividade, com a comunidade e com a valorização do diferente, do di-
verso, do pluri, do multi, do ser humano em sua essência. Marcada pelas
expressões tocantes de seu mestre, a professora foi construindo imagens
profissionais em diferentes territórios. Passou pela APAE, dedicou-se à
escola do campo, mergulhou nos fazeres da educação das crianças pe-
quenas, e compreendeu que fazer escola plural, diversa e aberta para as
significâncias pedagógicas requer uma gestão democrática e participativa
e, ali, naquela compreensão, fez também um tempo de morada e sentido
para sua existência como gestora de escola e de universidade.
Percorreu a Educação Básica e o Ensino Superior, clamando uma
escola para todos, e, inspirada em Freire, tem assumido autenticamen-
te sua humanidade, seu ser mulher, sua história junto às comunidades
por onde passa. Por isso, abomina e luta contra todas as formas de dis-
criminação que oprimem, que são injustas e que excluem. Alimentada
pelo exemplo de coerência de Freire, de suas crenças político-ideológicas
e ético-pedagógicas, a professora, que em mim habita e que escolheu ser
educadora há mais de trinta anos, hoje reverbera, por meio destas linhas,
a fortaleza que tem em sua formação e em seu trabalho. A fortaleza à qual
se refere é a freireana. Uma fortaleza que evoca a curiosidade humana e a
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

leitura do mundo, anterior à leitura da palavra. Uma curiosidade que toca


o presente pelas janelas do inacabamento de seu ser e da crença de que
mudar é difícil, mas é possível, assim como a luta pelo sonho, pela utopia,
pela esperança de uma realidade melhor para todos. Inspirada em Freire,
compreende que [...] “uma das condições necessárias a pensar certo é não
estarmos demasiado certos de nossas certezas”, e, nesse viés, tem refletido
o atual cenário, a partir das contribuições do autor, quando clarifica, com
base na práxis freireana, os elementos que entrecruzam o cotidiano e,
com eles: a) a “conscientização” na e para a educação escolar; b) a “dialo-
gicidade” como método da (re)construção da educação democrática; c)
a contradição entre “educação libertadora” e “educação bancária”; d) o
antagonismo entre “invasão cultural” e “síntese cultural”; e) a pedagogia
como “prática da liberdade”; f) uma pedagogia do indivíduo e não para o
indivíduo; g) a reflexão sobre a função política e sobre a função social da
escola. Estes e outros tantos elementos são construtos do fazer profissio-
nal que chegam até você, educador(a) e o convidam a continuar com eles,
refletindo a vida, a educação, o trabalho, a comunidade e as experiências
emancipadoras. Inspirada em Freire, continuarei olhando, tocando, re-
visitando e me conectando ao vivido, as experiências produzidas, alme-
jando novas, obviamente. Inspirada em Freire, continuarei defendendo
uma “educação humanizadora”, problematizadora, questionadora. Uma
educação para todos! Uma educação construída coletivamente. Por isso,
escrevi-lhes esta carta, entendendo que “escrever é uma ação recíproca
entre dois impulsos humanos: o formal e o sensível, ou seja, a manifesta-
ção da beleza criada pelas ações integradas entre a razão e a sensibilidade
humana” (SHILLER, 2011, p. 70-73).
Esta escrita, permeada do sentido de ser e estar neste agora, do ter
sido e se constituído com os outros e com o tempo vivido... Uma escri-
ta partilhada e representada por revisitações de uma caminhada como
“Educadora Freireana”, desejante de que cada educador(a), assim como
eu, ouse contar sobre suas convicções e defendê-las por meio dos regis-
tros, das palavras, dos diálogos e da vida em comunidade.

Boas escritas! Muitas partilhas!

Palavras-chave: Educação. Educador. Humanidade.


704
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CAMINI, I. Cartas Pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e
se comunicam. Porto Alegre: ESTEF, 2012.
SCHILLER, F. A educação estética do homem. São Paulo: EPU, 2011.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA AO HABITANTE DO FUTURO

Ana Paula Pinheiro


Universidade de Passo Fundo –PPGEdu –UPF Egressa UFFS
anapaulapinheiro25@gmail.com
86784@upf.br

Saudações, preclaro habitante do futuro.

Escrevo do passado para você. Estamos no mês de março do ano


2021. Resido na parte do globo terrestre que se chama Brasil: é um país
com 26 estados que possuem governadores, e um Distrito Federal, no
qual vive o presidente da nação. Ah, sou uma professora e trabalho na
escola pública, com Educação Básica, e no Ensino Superior, com for-
mação de professores, na rede privada.
Querido habitante do futuro, vivemos tempos sombrios! Infe-
lizmente, é dessa forma que devo iniciar a carta. Gostaria de lhe enviar
boas notícias, e postular que a prática educativo-progressista se efetivou
por aqui, mas creio que a educação, a partir de uma visão humanista,
nunca se fez tão necessária. Questiono-me o tempo todo: como chega-
mos a esta situação? Deve estar a indagar-se sobre a que me refiro! Mas,
peço que não se aflija, pois passarei agora a relatar.
Vivemos uma pandemia no planeta Terra: um vírus intitulado de
SARS-CoV-2, causador da COVID-19, cujo primeiro caso surgiu em
dezembro de 2019, do outro lado do Planeta Terra, na China, mais es-
pecificamente na cidade de Wuhan, que veio se disseminando pelo pla-
neta, causando incontáveis óbitos e a hospitalização de muitas pessoas.
No Brasil, a situação ficou ainda mais grave, pois vivemos uma crise
política; pode-se dizer que o navio está sem um comando, ou seja, não
possuímos uma liderança “responsável” para encarar esta crise. Mas,
por ironia do destino, não sei se posso falar dessa forma, as agruras do
capital foram desveladas, e, como dizia Freire (1996), “[a] malvadez
707
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

neoliberal, [e o] cinismo de sua ideologia fatalista” fica escancarada na


luta de interesses entre alguns empresários (defendidos pelo governo fe-
deral) que desejam continuar tendo lucro em cima da vida das pessoas.
E sabe por quê? O estopim da briga é o isolamento social, imposto pelos
governadores de nossos estados, que estão resistindo aos desmandos do
presidente do país: a proibição do funcionamento do comércio e de
indústrias, devido ao isolamento social, que busca frear a disseminação
do vírus que vem matando milhares de pessoas no planeta Terra.
A situação se apresenta muito difícil, pois o próprio líder da na-
ção é contra as medidas de isolamento social, em prol da economia, e
deseja que todos enfrentem o risco do contágio, desprezando o número
de mortos que chega, até o momento desta escrita, em 2.849.208 no
planeta e, no Brasil, a mais 330 mil, duvidando, pasme amigo(a), até
mesmo da ciência, dos médicos e especialistas; travando uma verdadei-
ra guerra de ideais, que se disseminam como um outro tipo de vírus,
na forma de um discurso de ódio, atacando uma parcela da população
que por aqui vive. Sendo assim, há pessoas que, de forma irracional e
alienada, acabam realizando ações inclusive agressivas para defender os
despautérios do chefe desta nação. Postulava Freire (2015, p. 67): “é a
dualidade existencial dos oprimidos que ‘hospedando’ o opressor, cuja
‘sombra’ eles ‘introjetam’, são eles e ao mesmo tempo são o outro.” As-
sim, estes passam a tratar o mercado, a economia e o capital como algo
de suma relevância, em detrimento do bem maior que um ser humano
possui, que é a sua VIDA. Conforme Freire (1996, p. 7) bem explanou:

Quem observa o faz de um certo ponto de vista,


o que não situa o observador em erro. O erro na
verdade não é ter um certo ponto de vista, mas ab-
solutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de
seu ponto de vista é possível que a razão ética nem
sempre esteja com ele.

Freire (1996) nunca esteve tão certo, meu querido amigo(a) do


futuro, pois a absolutização dessas ideais necrófilas por uma parte da
população está tornando mais difícil o enfrentamento desta situação da
pandemia. Mas, espere! Tenho que relatar como anda a educação por
aqui. Imagine a situação: estamos com escolas fechadas em todo o mun-
708
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do; professores(as) tendo que mudar suas metodologias de trabalho,


pois precisam enviar atividades on-line; as universidades, faculdades,
centros universitários, também passaram a realizar atividades remotas
ou on-line. Nunca se recorreu tanto aos dispositivos para acesso à in-
ternet, aos aplicativos para reuniões on-line como agora. E sabe o que
aconteceu? O descortinar de mais desigualdades, sendo elas: de acesso
à internet; da falta de formação digital de professores(as); a falta de
alfabetização digital dos(as) alunos(as) para usar as mídias e tecnolo-
gias para aprendizagem; a falta de recursos tecnológicos para as escolas,
especialmente da rede pública: plataformas de ensino, professores(as) e
alunos(as) que não possuem tecnologia em suas casas. Uma realidade
que antes até era sabida, mas que, devido ao processo desenfreado de
rotina, se deixava de lado. Agora, ela está descoberta. E eu queria ter um
bom desfecho para apresentar, mas vivemos a incerteza do hoje.
Percebe-se, em meio a tudo isso, que mudanças estão ocorrendo
e que este processo de parada abrupta mexeu com a humanidade das
pessoas. Talvez justamente compreender-se como ser humano que não
é imortal, mas, como Freire (1996) bem explica, “inconcluso” e capaz
de fazer a transformação nos seus espaços. Como é possível perceber, as
notícias não são tão animadoras. Mas, continuamos seguindo na luta
pela educação das pessoas deste país, pois trazemos o legado de um
grande mestre de nossos tempos, chamado Paulo Freire. Em suas obras
e trajetória de vida, além de nos ensinar por seus exemplos, nos deixou
seus escritos que servem não de guia, pois não o são. Servem, sim, de
reforços às nossas ações de luta e de esperança por uma educação que
eduque para ser gente, com amorosidade, com diálogo e com escuta, e
que realmente transforme realidades.
Despeço-me solicitando notícias do futuro e deixo uma pergun-
ta: Conseguimos instaurar a “ética universal do ser humano”? (FREI-
RE, 1996, p. 13).

Palavras-chave: Educação. Pandemia. Vida.

709
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CENOPOESIA: DIÁLOGO, CRIATIVIDADE E VIVÊNCIA EM


PROCESSOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL POPULAR

Êrika Barretto Fernandes Cruvinel


Instituto Federal de Brasília-IFB/Campus Gama
erika.cruvinel@ifb.edu.br

Consuêlo Barreto Fernandes


Instituto Federal de Brasília-IFB/Campus Gama
consuelo.fernandes@ifb.edu.br

O trabalho Cenopoesia: Diálogo, Criatividade e Vivência em


Processos de Educação Ambiental Popular apresenta a experiência
com projeto de extensão desenvolvido pelo Instituto Federal de Brasí-
lia (IFB) e pelos moradores do Núcleo Rural Alagado da Suzana e da
Colônia Agrícola Córrego Crispim (Gama-DF) cujos saberes produ-
zidos estão poeticamente expostos na produção audiovisual (11’54’)
Manifesto Cenopoético Córrego Crispim Vivo, apresentada no V
Festival de Arte e Cultura do IFB (jan. 21). A cenopoesia se propõe
a despertar nos sujeitos habilidades humanas que, ao serem expressas
com pretexto, com significado e vontade de intervir no mundo, se
poetificam. O hibridismo cenopoético mostra-se político e vai ao en-
contro de Canclini (2001): não basta misturar linguagens, é preciso
envolvimento social e participação histórica. A cenopoesia é tecida na
vivência, na realidade social e no diálogo, é problematizadora e eman-
cipadora, é freiriana (DANTAS, 2015).

Apoio financeiro: Edital IFB/PREX nº 35/2021.

Palavras-chave: Cenopoesia. Extensão Popular. Gama-DF.

711
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir
de la modernidade. Argentina: Paidós, 2001.
DANTAS, M. J. Cenopoesia, a arte em todo ser: das especificida-
des artísticas às interseções com a educação popular. [Dissertação de
Mestrado]. João Pessoa: UFPB, 2015.

712
CAPÍTULO 10

CARTAS A CRISTINA: REFLEXÕES SOBRE MINHA


VIDA E MINHA PRÁXIS
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EXPERIMENTAÇÃO PROBLEMATIZADORA COMO FORMA DE


INSTIGAR A CURIOSIDADE DOS ESTUDANTES

Franciele Cremer
cremerfranciele2@gmail.com

Letícia Barbieri Martins


leticiabmartins25@gmail.com

Rosemar Ayres dos Santos


Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo
roseayres07@gmail.com

Muito se tem discutido acerca da experimentação. Sabemos que


ela colabora com a alfabetização científico-tecnológica dos estudantes
que, muitas vezes, se sentem perdidos por causa de conteúdos ditos
difíceis; portanto, principalmente nas disciplinas ditas das Ciências da
Natureza (química, física e biologia), ela pode ser uma aliada no enten-
dimento conceitual, tendo em vista que:

[...] pode ser uma estratégia de ensino que vincule


dinamicamente a Ciência com vivências do aluno,
na perspectiva de que ela deixe de ser desconecta-
da e distante, meros pacotes de conteúdos a serem
reproduzidos, sem inserções/inter-relações efetiva-
mente problematizadoras das formas de ver-lidar
com situações, fatos e fenômenos, nas vivências
de dentro e de fora da escola (SILVA; ZANON,
2000, p. 146).

A experimentação necessita ser utilizada/problematizada com a


teoria para uma maior significação dos conhecimentos, em busca de
práxis freireana (FREIRE, 1987), pois temos que ter em mente que
usar os experimentos em sala de aula, apenas por si só, sem um auxílio
715
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da teoria, não vai fazer diferença para o entendimento do estudante.


Por conta disso, a experimentação e a teorização carecem de andar jun-
tas, uma ajudando a outra na aprendizagem em sala de aula, buscando
aguçar a “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1987) dos estudantes,
considerando-se que:

[...] de uma perspectiva construtivista, não se es-


pera que, por meio do trabalho prático, o aluno
descubra novos conhecimentos. A principal fun-
ção das experiências é, com a ajuda do professor e
a partir das hipóteses e conhecimentos anteriores,
ampliar o conhecimento do aluno sobre os fenô-
menos naturais e fazer com que ele as relacione
com a sua maneira de ver o mundo (CARVALHO
et AL., 1998, p. 52).

Assim, em aula que realizamos em uma escola da rede municipal


de ensino de uma cidade do noroeste gaúcho, trabalhamos com concei-
tos de densidade, separação de misturas e líquidos miscíveis e imiscíveis.
Além dos experimentos, buscamos explicar os conceitos, levando em
conta o cotidiano dos estudantes, pois entendemos que, desse modo,
torna-se mais fácil a aprendizagem, isto é, a construção de conhecimen-
tos pelos estudantes.
Misturas são sistemas formados por duas ou mais substâncias. Te-
mos as misturas homogêneas, que apresentam apenas uma fase como,
por exemplo, o soro fisiológico, o álcool hidratado e o aço. Nesses exem-
plos, nós não podemos enxergar as substâncias separadas; só consegui-
mos enxergá-las com um aspecto uniforme. Por outro lado, existem as
misturas heterogêneas, que apresentam mais de uma fase, a exemplo de
água e óleo, água e areia: são substâncias que não se misturam unifor-
memente e podemos enxergar as duas fases de cada uma delas. Assim,
considerando esses conhecimentos, problematizamos outros conheci-
mentos/conceitos.
Por exemplo: a densidade é a relação entre a massa e o volume de
um material, esteja ele na fase sólida, líquida ou gasosa, que pode ser
dada pela expressão D=M/V. Por exemplo, quando se coloca o óleo na
água, sabemos que eles não se misturam de forma homogênea. Mas,

716
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

por que isso ocorre, porque o óleo fica em cima da água? Isso ocorre
devido a sua densidade, ao fato de ser menos denso do que a água. Mas,
será que a capacidade dessas duas substâncias de se misturar ou não está
relacionada apenas com a densidade?
Tendo esses conceitos bem definidos, trabalhamos com o experi-
mento para o qual utilizamos as indicações:

1. Coloque cerca de 7 cm de água no copo (meio copo de água).


2. Coloque cerca de 1 dedo de óleo vegetal no frasco (ou copo).
3. Adicione uma gota de corante de alimento (anilina) no copo.
4. Jogue sal no topo enquanto conta, devagar, até cinco.

Então, fomos problematizando durante todo o período de reali-


zação da atividade, a fim de que eles interagissem mais com o processo
e também fizessem relações com os conteúdos que eles já tinham tra-
balhado em outras aulas. Também indicamos que eles fizessem o expe-
rimento para que tivessem mais autonomia no procedimento, conside-
rando sempre o que enfatiza Freire:

Em verdade, não seria possível à educação proble-


matizadora, que rompe com os esquemas verticais
característicos da educação bancária, realizar-se
como prática da liberdade, sem superar a contradi-
ção entre o educador e os educandos. Como tam-
bém não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo. É
através deste que se opera a superação de que resulta
um termo novo: não mais educador do educando
do educador, mas educador-educando com edu-
cando-educador. Desta maneira, o educador já não
é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa,
é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa. Ambos, assim, se tornam
sujeitos do processo em que crescem juntos e em
que os “argumentos de autoridade” já não valem.
Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade,
se necessita de estar sendo com as liberdades e não
contra elas (FREIRE, 1987, p. 44).

717
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Então, o diálogo entre o professor e o estudante é importante


para que haja essa construção de conhecimento entre os dois, para
que tenhamos a compreensão de que, ao educar, estamos, também,
nos educando. Além disso, sempre devemos levar em consideração
o que os estudantes já sabem sobre os assuntos, o contexto em que
eles estão inseridos, com suas vivências e experiências até aquele
determinado momento.

Educador e educandos (liderança e massas), co-


-intencionados à realidade, se encontram numa
tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só
de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la,
mas também no de recriar este conhecimento.
Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum,
este saber da realidade, se descobrem como seus
refazedores permanentes. Deste modo, a presença
dos oprimidos na busca de sua libertação, mais
que pseudo-participação, é o que deve ser: enga-
jamento (FREIRE, 1987, p. 36).

Portanto, respeitar a realidade dos estudantes e o contexto no


qual estão inseridos é importante para que o conhecimento se torne
significativo. Tendo isso em mente, para a elaboração da aula, escolhe-
mos um experimento muito simples de ser realizado em sala, mas que
tem um apelo visual muito grande – em outras palavras, o experimento
selecionado, apesar de sua facilidade de realização, também é bonito e
colorido de se olhar, o que objetivou buscar o interesse dos estudantes
para a nossa aula.
Em síntese, ao se trabalhar experimentação na escola, deve-se
levar vários aspectos em consideração, afinal, não é apenas realizar o
experimento: temos que saber o que se espera que o estudante com-
preenda, a partir do que está sendo trabalhado. Espera-se, ademais, que
o estudante fique curioso e faça relações com o que já aprendeu e com o
que já sabe de antemão, por suas próprias vivências. Enfim, dito de ou-
tro modo, é sempre importante partir daquilo que o estudante já sabe,
trazendo uma visão geral que lhe permita fazer correlações para, assim,
ressignificar conceitos já trabalhados até mesmo em outras disciplinas.
Mais importante ainda é propiciar que, a partir desses momentos, ele
718
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

possa relacionar tudo isso ao seu próprio mundo e a seus próprios en-
tendimentos a respeito desse mundo, tornando-se e entendendo-se
como sujeito de sua própria história.

Palavras-chave: Experimentação. Educação Problematizadora. Con-


texto Escolar.

719
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CARVALHO, A. M. P.; Et AL. Ciências no ensino fundamental: o
conhecimento físico. São Paulo: Scipione, 1998.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
SILVA, L. H. A.; ZANON, L. B. A experimentação no ensino de ciên-
cias. In: SCHNETZLER, R. P. (Org.). Ensino de Ciências: funda-
mentos e abordagens. São Paulo: R. Vieira, 2000. Pp. 120-153.

720
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO


CONSELHO POLÍTICO NA GESTÃO PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE
ITATIBA DO SUL, NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR

Adriana Kátia Tozzo


Universidade Federal Fronteira Sul - UFFS / Campus Erechim
adrianatozzo@yahoo.com.br

A educação popular passa a ser discutida no Brasil a partir de


1940, quando os ideais democráticos se expandem pela sociedade bra-
sileira, passando pelos anos de 1950 e 1960, quando surgem as ideias de
Paulo Freire e se discute a Teoria da Educação Libertadora (SAVIANI,
2008), que mais tarde se tornaria o marco dos ideais pedagógicos no
Brasil e no mundo. A partir de 1970, foi base teórica de discussão, nos
movimentos de resistência, a ditadura no Brasil, que levou aos movi-
mentos de retorno à mobilização popular, em 1980, e ao processo de
redemocratização do país.
Dessa forma, esta pesquisa é oriunda do Mestrado Profissio-
nal em Educação, na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS),
campus Erechim, e tem por objetivo compreender a experiência do
Conselho Político, enquanto processo de desenvolvimento da edu-
cação popular, na gestão pública municipal, seguindo uma aborda-
gem qualitativa.
O conceito de educação popular pode ser compreendido em
dois momentos: o primeiro, “enquanto processo geral de recons-
trução do saber social necessário, como educação da comunidade,
e o segundo como trabalho político de luta pelas transformações
sociais, emancipação, democratização e justiça social” (BRANDÃO,
ASSUNÇÃO, 2009, p. 12).
Não como uma didática ou uma tática política, mas como uma
nova prática de conceber a educação. É um olhar para dentro de nós
mesmos, para realizar o exercício da democracia, entendendo que educa-
ção popular engloba a prática educativa e o espaço em que ela se realiza,
construindo autonomias com responsabilidade e desafiando a comuni-
721
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dade a superá-los (FREIRE, 1987): constituir-se como espaço de resis-


tência e oposição à sociedade que se forma, que transcende o tempo e o
espaço, que resgata a participação social das classes populares.
O conselho político da gestão pública do município de Itatiba do
Sul constitui-se em um espaço de diálogo, de construção, a partir da his-
toricidade de cada conselheiro, que se constrói e reconstrói a partir de
suas necessidades e das do grupo que representa. Na concepção de Paulo
Freire, “Que não se faz sozinho, mas na relação com outros seres huma-
nos e com o mundo, na medida em que, agindo sobre ele, o transforma,
o faz melhor ou pior” (FREIRE, 1987, p. 91). Dessa forma, os represen-
tantes da comunidade itatibense, que pertencem ao conselho político,
discutem conceitos de gestão pública, políticas públicas, propondo ações
a nível local. Nesses momentos, aprofundam-se as relações entre o Estado
e a sociedade civil, constituindo-se em um processo de educação popular:
“Mas a construção do novo exige ousadia e criatividade. Exige romper
com práticas e costumes cristalizados” (FREIRE, 1987, p. 92).
Falar em educação popular é falar sobre organização, sociedade,
conflito, ação do homem em um campo impregnado de disputas e de
forças de poder. É falar sobre o processo de exploração do capitalismo
neoliberal, que atua de forma perversa, causando dor e sofrimento hu-
mano. É debater sobre conscientização, compreensão da realidade e a
ação do homem sobre o mundo. É retomar o debate proposto por Paulo
Freire sobre práxis educativa, que parte da realidade social. É compreen-
der o papel fundamental da “dialogicidade”, porque, para Freire, “o
diálogo é o ponto chave da democracia. É entender que ninguém educa
ninguém, ninguém educa a si mesmo; os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo” ( FREIRE, 1987, p. 68).
Isso significa que a educação popular ocorre a partir do reco-
nhecimento das condições de vida do sujeito, atuando a partir de
sua realidade, organizando o cidadão, promovendo a conscientização
popular, gerando inclusão social, além de desenvolver o senso crítico,
e preparando o cidadão para administrar a sua vida e ter maior cons-
ciência sobre temas políticos, por exemplo. A educação popular tem,
como princípio, a participação popular e a solidariedade, apoiando
ações de transformação social, a partir de mudanças nos modos de
vida, conduta e atitudes. De acordo com Werthein, “a educação po-
722
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pular acompanha, apoia e inspira. Portanto, se a realidade social é


ponto de partida do processo educativo, esta volta a ela para transfor-
má-la” (WERTHEIN, 1985, p. 22).
Na perspectiva de Paulo Freire, a educação é feita com o povo,
com oprimidos ou classes populares, e é daí que surge o termo “educa-
ção popular”, porque traz como concepção uma educação libertadora,
que, ao mesmo tempo, é conhecimento, política e ética. Significa a pos-
sibilidade de reacendermos a “chama da esperança”, lembrando que a
esperança é necessária, mas só ela é insuficiente; porém, sem a esperan-
ça, fraquejamos, abandonamos a luta.
Assim, concebe-se o conselho político enquanto um ato liberta-
dor que permite ao cidadão itatibense conhecer a sua realidade e agir
sobre esta. Uma prática política que pode libertar o/a homem/mulher
de sua ignorância social, possibilitando a luta pelos direitos básicos,
tornando-os/as capazes de pensar e analisar o mundo.
O conselho político nasce do propósito do diálogo, enquanto
educa e é educado, tornando-os sujeitos do processo de construção do
conhecimento. O conhecimento se constrói no diálogo, na comunica-
ção, no levantamento de problemas, questionamentos e reflexões sobre
a realidade municipal, na busca da construção de uma sociedade ali-
cerçada na participação, na construção coletiva e na diminuição das
diferenças sociais. A participação no conselho político possibilita, ao
cidadão itatibense, tornar-se um ser social atuante, que tem condição
de opinar, de criticar, que sente a necessidade de conhecer as entranhas
da gestão pública, sua legislação, doutrina e orientações – formando ci-
dadãos inseridos no seu contexto histórico e propulsores da construção
da sociedade. Conforme Freire, “não se pode afirmar que alguém liberta
alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas os homens se libertam
em comunhão” (FREIRE, 1987, p. 130).
Na perspectiva da educação popular compreendida como o
regime alicerçado na soberania popular, justiça social e no respeito
aos direitos humanos, a educação popular reconhece os grupos social-
mente excluídos e, com eles, busca, através da luta, a construção de
um projeto emancipador.
Dessa forma, o conselho político constitui-se e prioriza a forma-
ção dos cidadãos, que passam a atuar no campo e na cidade, nos dife-
723
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

rentes temas, aprimorando os espaços de participação já constituídos no


município, aperfeiçoando as políticas públicas e intensificando a luta
pelos direitos sociais dos cidadãos itatibenses. Esse espaço de construção
move-se pela utopia, o sonho de que é possível construir um governo
alicerçado na educação e na participação.
Assim, a realidade imediata vai sendo inserida na realidade local,
existencial, com relações nas dimensões regionais, nacionais e nas dife-
rentes perspectivas, social, política, econômica, cultural, que se inter-
laçam e possibilitam os processos de transformação social. De acordo
com Brandão, “existem espaços de autonomia, existem estratégias de
originalidade e de afirmação de identidades populares, cuja dinâmica
tem surpreendido aqueles que se dedicaram ao seu estudo mais profun-
do em qualquer uma de suas dimensões” (BRANDÃO, 1995, p. 152).
A educação popular, desenvolvida a partir da organização social
do conselho político da gestão pública do município de Itatiba do Sul,
possibilitou/possibilita o processo de autoaprendizagem e aprendizagem
coletiva adquirida a partir da experiência popular. É uma educação sus-
tentada na formação sobre gestão pública, direitos humanos, cidadania,
exclusão social e luta contra desigualdades. Essa prática desenvolve-se
também no exercício da participação, nas formas colegiadas de gestão,
nos conselhos de representação da sociedade civil.
O conselho político constitui-se em um laboratório de experi-
mentação que busca entender, assimilar e questionar o mundo: possi-
bilita o encontro, estimula a participação e propicia a emancipação hu-
mana, com base no conhecimento, rompendo a lógica de que educação
só se constrói nos bancos escolares, lançando o desafio da construção de
uma sociedade mais justa e humana, reconhecendo as condições de vida
e alicerçada na educação popular.

Palavras-chave: Educação Popular. Conselho Político. Dialogicidade.

724
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, C. R; ASSUNÇÃO, R. (Orgs.). Cultura Rebelde: escri-
tos sobre educação popular ontem e agora. São Paulo: Instituto Paulo
Freire, 2009.
BRANDÃO, C. R. Em campo aberto: escritos sobre a educação e a
cultura popular. São Paulo: Cortez, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas. Campinas: Autores
Associados, 2008.
WERTHEIN, J. (Org.). Educação de adultos na América Latina.
Campinas: Papirus, 1985.

725
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E A POLÍTICA EDUCACIONAL: CONTRIBUIÇÕES


PARA A REFORMA EDUCATIVA PERUANA (1968-1975)

Kildo Adevair dos Santos


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
e-mail: kildoadevair@yahoo.com

O presente trabalho se insere no campo dos estudos sobre educa-


ção e pesquisa na América Latina, no contexto das investigações sobre
as fontes pedagógicas da região.
Considerando as contribuições teóricas e práticas de Paulo Freire,
no que tange às pesquisas sobre gestão e políticas educacionais, cons-
tata-se uma baixa incidência de estudos sobre essas temáticas. Nesse
contexto, os objetivos desta investigação são identificar e analisar as
contribuições do pensamento educativo freiriano para a política edu-
cacional implementada pela Reforma Educativa, durante o Governo
Revolucionário das Forças Armadas, de Juan Velasco Alvarado, no Peru,
entre os anos de 1968 e 1975.
Metodologicamente, o estudo foi desenvolvido por métodos
qualitativos de coleta de dados e técnicas de pesquisa bibliográfica e
documental. Esses aspectos metodológicos nos permitiram analisar os
documentos “Reforma da educação peruana: informe geral” e a “Lei
Geral de Educação de 1972”; assim como os textos do filósofo perua-
no Augusto Salazar Bondy1, voltados para a educação, e os artigos nos
quais esse filósofo comunicou os fundamentos e fins da Reforma, re-
unidos na obra La educación del hombre nuevo: la reforma educativa
peruana (1976). Também foram fontes importantes: o livro ¿Qué es y
cómo funciona la concientización? (1975), trabalho realizado por Paulo

1 Salazar Bondy foi a figura central na Reforma Educativa Peruana, a qual se iniciou
com a integração da Comissão da Reforma, em 1968, presidida por Emílio Barrantes.
Devido ao destacado trabalho como intelectual na Universidade Nacional Maior de
São Marcos e na Comissão da Reforma Educativa, ele chegou à Vice-Presidência, em
1970, e passou a presidi-la a partir do ano de 1971.
727
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Freire e Augusto Salazar Bondy, e a entrevista com Paulo Freire, Ivan


Illich e Salazar Bondy, publicada pela revista peruana Educación (1971).
A Reforma Educativa Peruana se desenvolveu no marco do deno-
minado “Governo Revolucionário das Forças Armadas (1968-1975)”,
liderado pelo General Juan Velasco Alvarado, que tomou o poder em
outubro de 1968, por meio de um golpe de Estado que derrubou o
então Presidente Fernando Belaúnde Terry. Durante os sete anos do
governo de Velasco Alvarado, foram desenvolvidas reformas estruturais
para o país, as quais foram consideradas nacionalistas e populares, entre
elas: reforma agrária; nacionalização das indústrias petrolíferas; nacio-
nalização das empresas mineradoras e de serviços públicos; ampliação
dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras; reforma educativa;
entre outras. Nas palavras de Velasco Alvarado (1973, p. 238), “[…] a
reforma Educacional, a mais complexa, todavia, a mais importante de
todas, constitui uma necessidade essencial de desenvolvimento peruano
e objetivo central de nossa Revolução”.
A Comissão da Reforma foi criada em 1969, liderada por Emi-
lio Barrantes e composta por intelectuais como Augusto Salazar Bon-
dy, Walter Peñaloza, Leopoldo Chiappo, Ricardo Morales, entre ou-
tros. Em articulação com as outras reformas estruturais, pretendeu
reestruturar a sociedade peruana e promover o surgimento da pessoa
livre e plenamente participante que se formaria desde o processo de
ensino-aprendizagem, no marco da pedagogia do “homem novo”,
com base em três princípios fundamentais: 1) a relação com o mundo:
educar para a crítica porque, por meio dela, penetra-se racionalmente
no mundo com a possibilidade de transformá-lo; 2) a relação consigo
mesmo: educar para a criação, estimulando a invenção e desenvol-
vendo os meios de expressão de cada pessoa e, assim, enriquecer a
realidade; 3) a relação com os demais: cada um dos atos educativos
deve preparar para poder vincular-se com os demais membros da co-
munidade (SALAZAR BONDY, 1976).
A partir dos princípios mencionados, surgiu a “conscientização
crítica” como um dos fins educativos fundamentais da Reforma Edu-
cativa, conscientização esta oriunda das contribuições de Paulo Freire e
de sua obra. Pedagogia do oprimido (2019) e A educação como prática de
liberdade (2019) fizeram parte das bases da Reforma Educativa Peruana,
728
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e a influência de Paulo Freire para o desenvolvimento desta serviu como


diretriz de orientação teórica para o movimento emergente de educação
popular (RUIZ ROBLES, 2016).
Salazar Bondy, nos seus esforços em prol da implementação da
Reforma Educativa, contou com a participação pessoal de Paulo Freire,
a partir de 1971, em vários seminários realizados no Peru. O objeti-
vo foi trabalhar na formação dos docentes peruanos, na perspectiva de
uma educação libertadora, tendo como base o conceito de conscienti-
zação e a perspectiva do diálogo, com o propósito de levar o espírito da
Reforma Educativa por todo o país. No “Informe Geral da Reforma”,
a “conscientização” apareceu definida como: “conscientizar é a tarefa
educativa que faz com que o indivíduo tome conhecimento crítico de
sua real situação no contexto socioeconômico, permitindo que ele se
reconheça como uma entidade social responsável que faz parte de um
processo histórico” (MINISTERIO DE EDUCACIÓN, 1970 apud
SALAZAR BONDY, 1976, p. 47).
Embora a Reforma Educativa Peruana não tenha tido tempo para
consolidar-se, devido às mortes de Augusto Salazar Bondy, em 1974, e
de Juan Velasco Alvarado, em 1976, ela influenciou os conteúdos dos
textos escolares e os discursos histórico-sociais que os docentes imple-
mentaram nas escolas, transformando a visão sobre o país. A Reforma
colocou foco nas críticas às injustiças sociais; no domínio dos capitais
estrangeiros; e na exploração dos latifundiários sobre os campesinos.
Os resultados da pesquisa indicaram que as contribuições de Pau-
lo Freire foram fundamentais no processo de construção e implemen-
tação da Reforma Educativa Peruana. O conceito de “conscientização”,
desenvolvido por Paulo Freire, representou uma categoria necessária na
Reforma Educativa, por isso, foi incluído no Informe Geral da Comis-
são dessa Reforma, assim como na Lei Geral de Educação: Decreto-Lei
nº 19.326. O marco teórico da Reforma Educativa inseriu o conceito
de “conscientização” freiriano em um processo revolucionário, ou seja,
na transformação estrutural da sociedade peruana, e apontou que uma
educação que não conscientizasse e não trabalhasse no processo de in-
terconscientização representaria uma educação para a dominação.
Assim, considera-se que a Reforma Educativa Peruana foi um dos
mais importantes projetos de transformação educacional na América
729
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Latina durante o século XX, e os aportes do pensamento educativo de


Paulo Freire estiveram nas bases teóricas dessa Reforma.

Palavras-chave: Paulo Freire. Política Educacional. Reforma Educa-


tiva Peruana.

Referências
EDUCACIÓN. Entrevista: Freire-Illich-Salazar Bondy. Revista Edu-
cación. La revista del maestro peruano, año II, n. 7, 1971.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2019.
FREIRE, P.; SALAZAR BONDY, A. ¿Qué es y cómo funciona la con-
cientización? Perú: Editorial Causachun, 1975.
MINISTERIO DE EDUCACIÓN. Ley General de Educación-De-
creto: Ley nº 19326, Lima, 1972.
MINISTERIO DE EDUCACIÓN. Reforma de la educación perua-
na: informe general. Lima: 1970.
RUIZ ROBLES, J. E. La reforma educativa del gobierno de la fuerza
armada del Perú: 1972-1980. [Tese de Doutorado]. Madrid: Univer-
sidad Complutense de Madrid, 2016.
SALAZAR BONDY, A. La educación del hombre nuevo. Buenos Ai-
res: Editorial Paidós, 1976.
ALVARADO, J. V. La Revolución Peruana. Buenos Aires: Eudeba, 1973.

730
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

RESISTÊNCIA PRESENTE! DIÁLOGOS SOBRE EDUCAÇÃO


POPULAR E EMANCIPAÇÃO NOS CURSOS DE LICENCIATURAS
DA UFFS – CAMPUS ERECHIM/RS

Daiane Bornelli de Andrade


dai.bornelli@gmail.com

Adriana Regina Sanceverino


adrianarsanceverino@gmail.com

Este estudo é um recorte das reflexões desenvolvidas através da


pesquisa do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Fe-
deral da Fronteira Sul – Campus Erechim/RS. Neste texto, objetiva-
-se analisar o debate nos cursos de licenciatura da UFFS – Campus
Erechim/RS sobre educação popular e emancipação. Considerando
que preceitos da educação popular estão presentes nos documentos
oficiais da UFFS – uma universidade pública e popular – torna-se
essencial analisarmos como é compreendido o conceito de emancipa-
ção, sendo esta uma temática intrínseca ao campo da educação popu-
lar. Busca-se, no decorrer deste estudo, dialogar com leituras de Paulo
Freire (1987), com vozes dos sujeitos que vivem sua diversidade no
ambiente universitário: acadêmico(a), egresso(a) e coordenador(a) de
curso – e com autores do campo da educação popular (BRANDÃO,
2002; STRECK et AL., 2014).
Principiando pelo entendimento de que multiculturalismo é um
dos cernes da educação popular e da universidade, versamos sobre essa
diversidade de rostos, vivências e lutas que compartilham um mesmo
espaço físico: a Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Ere-
chim/RS. Desse modo, ao falarmos em educação popular, discorremos
sobre histórias de vida, vivências constantes e/ou interrompidas, subje-
tividades, resistência(s) e esperança na educação, rememorando Freire
(1987, p. 91), quando dialoga com o sentido da esperança e da possibi-
lidade de mudança enquanto se luta para que se alcancem os objetivos:
“movo-me na esperança enquanto luto e se luto com a esperança [...]”.
731
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

De modo geral, é recorrente a associação de “povo” a “popular”,


da mesma forma que “educação para pobre” e “educação de menor
valor” ou, ainda, a associação entre educação popular e educação pú-
blica (STRECK et AL., 2014). Se o popular se refere ao povo, às suas
vontades e às suas culturas, seria plausível ponderar que uma educação
popular seria aquela adequada ao povo, que compreenda e valorize
sua trajetória de vida, sua pluralidade, e que forme, de fato, para a
cidadania e para a emancipação, do mesmo modo que Freire (1987)
categoriza a educação como possibilidade de prática emancipatória,
visto que a democracia só pode ser alcançada quando houver emanci-
pação dos(as) envolvidos(as).
O termo popular encontra na educação movimentos de luta, de re-
sistência e tentativas de emancipação dos excluídos e dos oprimidos. A
universidade torna-se, então, o meio para a dialogicidade entre as dimen-
sões políticas, sociais, epistemológicas e culturais, de modo que o conhe-
cimento e a reflexão entre as diferentes culturas seriam o cerne da resis-
tência do coletivo. A formação da Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS), com a proposta de uma instituição de ensino superior pública e
popular, nasce no bojo dos movimentos sociais e das lutas regionais, cujos
pressupostos filosóficos, políticos e acadêmicos levam em consideração,
dentre outros, os princípios da democracia e da autonomia, da pluralidade
de ideias, equidade nas condições de acesso e permanência, compromisso
com a inclusão, justiça social e combate às desigualdades sociais e regio-
nais, defesa aos direitos humanos e combate ao preconceito (UFFS, 2012).
Os sujeitos que compuseram a análise da pesquisa refletiram so-
bre o conceito de educação popular e emancipação. Considerando que
Brandão (2002) categoriza a educação popular como aquela centrada
na exclusão de camadas sociais que foram historicamente inferiorizadas
e exploradas, além de serem limitadas e tolhidas de uma educação de
qualidade, relacionamos a proposição do autor à voz de um(a) egres-
so(a) de licenciatura da instituição, quando relata que, no seu entendi-
mento, a educação popular é “uma educação [...] [que] nos faz refletir
sobre nossa condição enquanto classe trabalhadora, de lutar pelos nos-
sos direitos de cidadania (E,1 2020).
1 Utilizaremos as letra E para egresso(a), A para acadêmico(a) e C para coordena-
dor(a), acompanhada do ano da realização das entrevistas (2020) para a pesquisa de
732
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Remetendo a reflexão a Freire (1987), consideramos que a educa-


ção popular é uma educação do povo para o povo, comprometida com
transformação dos sujeitos, tornando-os participativos politicamente,
levando as camadas populares a lutarem por dignidade, humanidade,
autonomia e, havendo emancipação, ao caminho da liberdade.
Ao analisarmos que a educação popular é permeada por conceitos
que formam sua base e que necessitam de um olhar atento para que de
fato ocorra, revisitamos Freire (1987, p. 34), que reafirma a necessidade
de uma educação emancipadora, que rompa com as amarras da do-
minação das classes opressoras e de uma educação humanizadora, que
reconheça os sujeitos como seres pertencentes à história e capazes de
transformá-la. Nesse sentido, a emancipação, como temática intrínseca
à educação popular, recebeu um discurso de caráter politizado com rela-
ção às vozes dos sujeitos. Pode-se perceber que a emancipação só poderá
ser alcançada através de uma educação libertadora, que promova nos
sujeitos a conscientização de classe e o reconhecimento de que todos
somos seres históricos e sociais.

Emancipação vem ao encontro do que o Paulo


Freire fala [...] quando o sujeito se emancipa, ele
consegue se libertar [...] consegue ver que não bas-
ta você saber que [...] é oprimido, mas [...] tem
que fazer alguma coisa, para transformar a sua rea-
lidade [...]. Eu transformo a minha vida, a vida das
pessoas com quem eu convivo, eu acho que é isso
se emancipar, é você se libertar (C, 2020).

Em outra fala, as palavras de Freire ganham vida, quando um(a)


acadêmico(a) avalia que a

[emancipação] vem com [a] educação. A educação


emancipadora faz pensar, faz refletir, faz problema-
tizar. [...] Não basta pertencer a uma sociedade, é
preciso transformar essa sociedade e eu acredito
que isso ocorre por meio da educação (A, 2020).

campo da Dissertação de Mestrado para fazer referência à voz dos sujeitos das licen-
ciaturas da UFFS – Campus Erechim. Suas vozes estarão em itálico, sendo destacadas
das demais citações.
733
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ao analisarmos as vozes dos sujeitos, reitera-se que, por meio


da educação, é possível alcançar a emancipação. Entretanto, a educa-
ção, sozinha, não tem o poder de construir uma sociedade emancipada
(MOREIRA, 2017). Ela deve partir de um projeto social, amplo e pro-
fundo, que perpasse desafios individuais e coletivos, partindo da reali-
dade vivida, com análises e reflexões críticas e conscientes do mundo.
Freire (1987) aponta, nesse sentido, para a necessidade de uma peda-
gogia do oprimido tecida a partir de suas vivências, pois, quanto mais
desafiados os sujeitos a analisarem sua realidade de forma crítica, mais
consideram-se parte do processo e comprometem-se, de forma engaja-
da, com a transformação da sociedade.
Por conseguinte, reitera-se a ação fundamental da universidade,
tendo em vista seu papel de promover a formação, com qualidade, de
professores(as) para a educação básica em diferentes áreas do conheci-
mento, e a valorização dos saberes populares para compor o conheci-
mento, em prol de uma educação, de fato, emancipadora.

Palavras-chave: Universidade. Educação Popular. Emancipação.

Referências
BRANDÃO, C. R. A Educação Popular na Escola Cidadã. Petrópo-
lis: Vozes, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MOREIRA, C. E. Emancipação. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte:
Autêntica, 2017. p. 145-147.
STRECK, D. R.; Et AL. Educação Popular e docência. São Paulo:
Cortez, 2014.
UFFS. Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI 2012-2016).
Chapecó: UFFS, 2012.

734
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UM OLHAR PARA AS QUESTÕES DE GÊNERO E PAULO FREIRE


NO CONTEXTO DA PANDEMIA

Rosângela Pereira de Oliveira


esquilo.clio@gmail.com

Shirley Souza
Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT
shirley-hisjor@hotmail.com

Neste texto, o termo gênero está pensado com Joan Scott (1992,
p. 86), como “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas
diferenças percebidas entre os sexos”. Nesse sentido, assumir-se como
feminista é considerar não apenas resistir à submissão política, mas as-
sumir, inclusive, uma perspectiva teórica que nos leva a encarar o sexo
como um modo melhor de conceituar a política, atribuindo significado
aos espaços de reprodução de conhecimento, e está coadunado com
uma postura de insurgência epistêmica (MIGNOLO, 2007). Gênero
é um conceito, e também uma categoria – o destaque aqui dado con-
sidera que as relações de gênero são necessárias em todas as formações
sociais que conhecemos e que são fundamentais para a compreensão
das questões que dizem respeito a, por exemplo: divisão do trabalho,
dominação, política, exploração e ideologia, dentre outras.
Defender gênero como categoria de análise implica pensar a hu-
manidade e trazer sua complexidade para o centro do debate; é assumir
estar submersos em uma cultura colonizadora, patriarcal, caucasiana,
heteronormativa, e bradar a plenos pulmões que seguimos respirando.
Ao pensar a partir da frase Educar é existir e resistir, e agregar o olhar
de gênero direcionado para as questões das mulheres, surge em nossa
mente o conceito de Re-Existir1 com o sentido dado por Walsh (2013)
1 Aprofundamento neste tema pode ser encontrado em Albán Achinte, “Peda-
gogías de la re-existencia, artistas indígenas y afrocolombianos” (443-468). Tam-
bém em “Manifiesto para una estética decolonial” (https://globalstudies.trinity.
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e a pedagogicidade da ideia tramada nesse conceito. Nessa direção,


Quijano (2014) entende que a colonialidade de gênero antecede à de
raça. Pensar, educar e refletir decolonialmente torna-se elemento de (re)
existência, que só se poderá constituir-se, portanto, no coletivo. Con-
trapõe-se a uma relação de dominação, em que “tais identidades foram
associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, como
constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação [...]”
(QUIJANO, 2005, p. 228). Freire (1994) demonstrava suas reflexões
reconhecendo ter tido posturas pouco dialógicas com as questões de
gênero até determinado ponto, inclusive representadas em sua escrita
em Pedagogia do oprimido, embora denunciasse, em suas obras, formas
de exclusão e discriminação contra as mulheres.
Em tempos de pandemia, problemáticas vivenciadas pelas mu-
lheres em seu cotidiano foram evidenciadas: as desigualdades, os riscos,
os vários turnos de trabalho, as inúmeras faces de violências. Insurgem
múltiplas indagações: Se a mulher tem sido, via de regra, a pessoa res-
ponsável pelo cuidado, quem cuida dela quando adoece? Se a mulher
vive em média 10 anos a mais que os homens, em que situação fica
essa idosa? Se a maior parte do universo docente da rede básica é de
mulheres, quem acompanha seus filhos quando ela está atendendo seus
alunos no ensino remoto? Se é em seus lares que as mulheres sofrem
a violência, onde podem se abrigar em tempos de isolamento físico e
distanciamento social?
É, sim, freireanamente, trazer o debate ao coletivo as questões
dessas pessoas “esfarrapadas”, suas vozes, suas dores de corpo e de alma.
Não é reivindicar voz, e sim audiência; é, de fato e de direito, reconhe-
cer as diferenças, e não se posicionar ao lado dos antagônicos.
O Brasil se tornou o epicentro de uma tragédia global, a pande-
mia. Os impactos do COVID-19 se tornam ainda mais cruéis quando
usamos os marcadores de gênero, raça e classe para desnudar a vulnera-
duke.edu/the-argument-as-manifesto-for-decolonial-aesthetics). O número es-
pecial “Arte y decolonialidad” en Calle 14: Revista de Investigación en el Campo
del Arte, vol. 4, no. 5 (julio-diciembre2010), y el “dossier” sobre “decolonial aes-
theSis” en “Periscope” (2013) de la revista Social Text (https://socialtextjournal.
org/periscope_topic/decolonial_aesthesis/). Outras reflexões a respeito: “Outli-
ne of Ten Theses on Coloniality and Decoloniality;  Fundación Frantz Fanon
(http://frantzfanonfoundation-fondationfrantzfanon.com/article2360.html).
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

bilidade na qual essas vítimas se encontram. Com esse cenário em tela,


é fundamental tecer reflexões sobre grupos específicos, como a mulheres
do Sul global, que encarnam jornadas triplas na luta pela sobrevivência
e no quanto são afetadas pela carência de políticas públicas cuja eficiên-
cia deveria sanar as necessidades básicas dos cidadãos. Dados do Minis-
tério da Saúde informam que o primeiro caso de infectado no país foi
notificado no dia 26 de fevereiro de 2020. O paciente havia retornado
de uma viagem à Itália. Na periferia, os relatos são de trabalhadores que,
no contato com aqueles que viajaram, se infectavam e levavam o vírus
para dentro de suas casas. Assim, as pessoas de baixa renda, principal-
mente, moradoras dos bairros periféricos, estavam expostas à doença
porque trabalhavam nas regiões nobres das cidades.
O Brasil é um país em que quase metade dos lares é sustenta-
da por mulheres, entre 2001 e 2009. No entanto, a participação das
mulheres no mercado de trabalho, em 2020, cai vertiginosamente, e a
pandemia é só parte do problema, haja vista a desigualdade de gênero
preceder a crise causada pela COVID-19 – esta, por sua vez, escancarou
as desigualdades nas quais o Brasil está historicamente assentado.

Palavras-chave: Gênero. Paulo Freire. Pandemia.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 46. São Paulo: Paz e Terra, 1980.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Brasil confirma primeiro caso da
doença. Brasília: MS, 2020. Disponível em: https://www.saude.gov.br/
noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-
-coronavirus.
IPEA. Aumenta número de mulheres chefes de família. Disponível
em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_conten-
t&view=article&id=6055.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder eurocentrismo e América Lati-
na. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentris-
mo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Ciudad Autó-
noma de Buenos Aires: CLACSO, 2005.
QUIJANO, A. Cuestiones y horizontes. Antología esencial. De la
dependência histórico-estructural a la Colonialidad/Descoloniali-
dad del poder. Buenos Aires: CLACSO, 2014.
SCOTT, J. História das Mulheres. In: BURKE, P. (Org.). A escrita da
História: novas perspectivas. São Paulo: Ed. da Unesp, 1992. Pp. 67-97.
WALSH, C. (Ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de
resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito, Ecuador: Ediciones Abya-Yala,
2013. Tomo I.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A EDUCAÇÃO POPULAR E O POTENCIAL


TRANSFORMADOR EM FREIRE

Solange Todero Von Onçay


Universidade Federal da Fronteira Sul
solange.oncay@uffs.edu.br

Como importante instrumento teórico-metodológico, o pensa-
mento de Paulo Freire tornou-se um grande impulsionador da Educação
Popular, politizando a dimensão pedagógica e pedagogizando a dimensão
política. Assim, a Educação Popular nutre-se do legado de Freire em seu po-
tencial revolucionário e a serviço da emancipação dos sujeitos envolvidos.
Com o presente escrito, objetiva-se tecer um diálogo com o pen-
samento de Freire, estabelecendo conexões de sua contribuição para
com a Educação Popular. Para isso, parte-se de uma breve conceituação
da Educação Popular, desde a sua re-fundamentação, e, a seguir, aproxi-
ma-se o debate de alguns aspectos do pensamento freiriano.
Os fundamentos teórico-metodológicos da prática educativa da
Educação Popular, segundo Oscar Jara, “se desenvolvem com particular
força a partir da década de setenta do século XX, sob a influência de
Paulo Freire” (2020, p. 21). Comungando com o autor, numa afirma-
ção mais geral, pode-se definir a Educação Popular como: “uma con-
cepção educativa, com fundamentos epistemológicos, éticos, políticos e
pedagógicos que permitem considerá-la como uma prefiguração de um
modelo educativo transformador” (JARA, 2020, p. 21).
Essa mesma perspectiva, trazida como central, está presente em
Freire, na Educação Popular, desde a década de 1980, com a chamada
re-fundamentação. Brandão (1985) define, já naquele período, a Edu-
cação Popular como “uma prática pedagógica, politicamente a serviço
das classes populares”. Isso porque “[...] aos operários, camponeses, la-
vradores sem terra e trabalhadores sem emprego, é atribuída a tarefa
histórica de realização das transformações sociais a que deve servir a
educação” (BRANDÃO, 1985, p. 22). Essa afirmação continua muito
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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

atual e busca uma revitalização, a qual se faz ainda mais pertinente em


nossa sociedade cada vez mais desigual, excludente e opressora.
A concepção, em seu insurgente movimento dialético, torna-se
em si sempre atual. “Uma educação em estado de amorosa guerrilha,
criada e praticada longe dos poderes do capital contra os quais se in-
surge, e dos saberes das instituições que insistem em ignorá-las, seja
porque a temem, seja porque nunca captaram o valor de seu sentido”
(BRANDÃO apud JARA, 2020, p. 15). Nesse viés, Hurtado (1992,
p. 44) define a Educação Popular como “um processo de formação e
capacitação que se dá dentro de uma perspectiva política de classe, que
toma parte ou se vincula à ação organizada do povo, das massas, para
alcançar o objetivo de construir uma sociedade nova, de acordo com
seus interesses”. Temos, assim, a dimensão política, de classe, vinculada
à prática-social, como a re-fundamentação sugere.
Considerando tais fundamentos em sua constituição, a Educação
Popular pode ser entendida como uma concepção pedagógica, com es-
tratégias coerentes com a intencionalidade política e educativa freiriana,
sustentada por uma filosofia da práxis. Concebe o ser humano como
sujeito histórico, inconcluso (Freire), que se constrói pelas relações que
estabelece com outros seres humanos e com o mundo, acreditando que
são passíveis de transformação.
Ao compreender o ser humano, ao mesmo tempo produto e pro-
dutor da história, formado pela sociedade e seu formador, é possível apro-
ximar-se da radicalidade da emancipação humana presente em Freire, e,
nela, a busca interventora trazida pela práxis. “Esta busca leva a surpreen-
der nela duas dimensões: ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma
interação tão radical que, sacrificada ainda que em parte, uma delas se
ressente, imediatamente, da outra. Não há palavra verdadeira que não seja
práxis” (FREIRE, 1987, p. 77). E, sendo existência, porque humana, não
pode ser emudecida, silenciada, ou desatenta frente às relações opressoras
e manipuladoras, as quais insistem em alienar consciências, de modo a
adaptá-las a serviço da manutenção conservadora.
A defesa de Freire para com a não neutralidade da educação im-
plica testemunho, dado pela problematização, reflexão e ação crítica
sobre a realidade práxica. E não há aprendizagem sem práxis, se en-
tendemos que ninguém educa ninguém, mas nos educamos mediati-
740
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

zados pelo mundo. Por isso, somos sujeitos da educação e não objetos.
Portanto, pode o educador comprometido com o povo, deixar que a
existência se nutra de falsas palavras, ideologias moldadas a serviço do
aparato dominante? Assim, Freire afirma, todo o tempo, que existir hu-
manamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo, é transformá-lo a
serviço da libertação e da práxis.
Esse é o ingrediente capaz de produzir o caldo necessário à Edu-
cação Popular, no devir de algo que ainda não é, mas poderá vir a ser;
uma sociedade em vias de transformação. Freire nos leva a essa reflexão.
Ensina-nos a perceber a dimensão mediatizadora que leva à condição do
“ser mais” – expressão utilizada para referir-se à vocação ontológica do
homem/mulher, na capacidade de ir além, transcender, criar a partir da
reflexão sobre a realidade, percebendo-se como criador de novas possibi-
lidades e de atos conscientes. É a condição de perceber-se no mundo de
contradições e, nessa condição, tomar consciência, o que implica trans-
gredir, “ver de fora”, ultrapassando as situações-limite, transformando
as situações opressoras. No sentido dito por Freire do “ad-mirar”, “[...]
apontando para um procedimento de ‘ver de fora’ e ver-se, ao mesmo
tempo, refletido na realidade que admira” (FREIRE, 2006, p. 63).
Em sendo esses também fundamentos da Educação Popular, ten-
do o sujeito em vias emancipatórias como central, ao perceber-se em si
mesmo, na relação com o outro e com o mundo para modificá-lo para
melhor, ou seja transformá-lo, na ação e na reflexão, portanto na práxis,
tem, no pensamento de Freire, o basilar, em termos de seus princípios.
Dentre tantos ensinamentos, Freire nos mostra que, na dimensão
pedagógica, deve estar presente a dimensão do quefazer histórico, a qual
nos conclama à compreensão de nosso tempo histórico, como possibili-
dade e não determinismo, componente de grande potencial para a Edu-
cação Popular. “A melhor maneira de que alguém assuma seu tempo, e
o assuma com lucidez, é entender a história como possibilidade. O ho-
mem e a mulher fazem história a partir de uma circunstância concreta
dada, de uma estrutura que já existe quando a gente chega ao mundo”
(FREIRE, 1995, p. 82). Nesse sentido, entende a história como possi-
bilidade e, ao assiná-la como concreta, remete à raiz latina da cultura de
resistência, da luta pela libertação da opressão, sem a qual é difícil dar
conta de uma educação emancipadora.
741
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ao desvelar a história como possibilidade, fazendo referência à


sua distinção entre vida e existência, retoma o papel da Educação Popu-
lar capaz de confrontar contradições, determinismos, e sobre as situações
limites, gerando outras possibilidades, um novo devir. “Mudar é difícil,
mas é possível” (FREIRE, 2000), e, para isso, o educador apresenta o
inédito viável (1987), recordando que, no mesmo horizonte do quefazer
diante da tensão, do limite, re-cria-se, entre o acontecido e o possível.
Precisamente, Freire, em suas ideias centrais, resgata a inexorabilidade
da mudança, e não há mudança sem sonho, e não há sonhos sem espe-
rança, e não há esperança em uma sociedade de classes sem luta social.
Nesse sentido, compreende-se que o pensamento de Freire emba-
sa e revigora a concepção da Educação Popular, rememorando o papel
da educação e nos convocando à ação comprometida com a transfor-
mação, por isso, vivenciando os princípios da Educação Popular, em
especial quando anuncia a educação como possibilidade histórica, aos
oprimidos, sendo eles elementos-chave para os fundamentos e a prática
educativa libertadora. Viva Paulo Freire!!! Paulo Freire vive em nós!!!

Palavras-chave: Educação Popular. Legado Freiriano. Transformação.

Referências
BRANDÃO, C. R. Lutar com a palavra. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e outros
escritos. UNESP: São Paulo, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987.
HURTADO, C. N. Educar para transformar, transformar para edu-
car: comunicação e educação popular. Petrópolis: Vozes, 1992.
JARA, O. A Educação Popular latino-americana: história e funda-
mentos éticos, políticos e pedagógicos. São Paulo: Ação Educativa:
CEAAL: ENFOC, 2020.

742
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

“EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE”


EM PAULO FREIRE E BELL HOOKS, PARA UMA
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

Gabrielle de Souza Oliveira


Universidade Federal de Santa Maria
gabidesouza.o@hotmail.com

O presente resumo expandido tem como objetivo uma reflexão


inicial acerca do conceito/ideia de “educação como prática de liberda-
de” expresso na obra de Paulo Freire (1967), de mesmo nome, e no
livro “Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade”,
de bell hooks (2017). Além de trazer algumas das colocações dos au-
tores, sobretudo os pontos em que ambos dialogam e se aproximam,
pretendo pensar, a partir deles e tecendo relações – a partir do método
da pesquisa bibliográfica – com o texto “A categoria político-cultural
de Amefricanidade”, de Lélia Gonzalez, o ponto de partida para uma
educação antirracista no Brasil.
Em decorrência do pouco espaço disponível para redação, abor-
daremos aqui um capítulo específico de cada obra, em que os autores
partem de suas experiências pedagógicas propriamente ditas, permitin-
do-me compreender o significado da ideia de “educação como prática
de liberdade” que ambos atribuem a essas vivências empíricas.
Freire e hooks diferem no quesito de onde partem suas vivências
para a formulação de uma educação libertadora. Enquanto bell hooks
formula a “educação como prática de liberdade”, partindo da sua ex-
periência como aluna em escolas segregadas do sul dos Estados Unidos
(“Introdução” de “Ensinando a transgredir: a educação como prática de
liberdade”), Freire formula a categoria/idea a partir de sua experiência
enquanto educador (capítulo “Educação e Conscientização” de “Edu-
cação como Prática de Liberdade”).
Na primeira parte do livro, intitulada “Esclarecimentos”, Freire
já apresenta as linhas gerais do seu entendimento para “educação como
prática de liberdade”:
743
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O esforço educativo que desenvolveu o Autor e que


pretende expor neste ensaio [...] foi todo marcado
pelas condições especiais da sociedade brasileira.
[...] A educação das massas se faz, assim, algo de
absolutamente fundamental entre nós. Educação
que, desvestida da roupagem alienada e alienan-
te, seja uma força de mudança e de libertação.
A opção, por isso, teria de ser também, entre uma
“educação” para a “domesticação”, para a aliena-
ção, e uma educação para a liberdade. “Educação”
para o homem-objeto ou educação para o homem-
-sujeito. Todo o empenho do Autor se fixou na
busca desse homem-sujeito que, necessariamen-
te, implicaria uma sociedade também sujeito
(FREIRE, 1967, p. 35-36, grifo nosso).

No capítulo já referenciado, Freire segue em suas definições:

Há mais de 15 anos vínhamos acumulando ex-


periências no campo da educação de adultos, em
áreas proletárias e subproletárias, urbanas, e rurais
[...] Desde logo, afastáramos qualquer hipótese
de uma alfabetização puramente mecânica. Des-
de logo, pensávamos a alfabetização do homem
brasileiro, em posição de tomada de consciência,
na emersão que fizera no processo de nossa reali-
dade. [...] O que teríamos de fazer [...] era ten-
tar uma educação que fosse capaz de colaborar
com ele na indispensável organização reflexiva
de seu pensamento. [...] Estávamos, assim, ten-
tando uma educação que nos parecia a de que
precisávamos. Identificada com as condições
de nossa realidade. Realmente instrumental,
porque integrada ao nosso tempo e ao nosso es-
paço e levando o homem a refletir sobre sua on-
tológica vocação de ser sujeito (FREIRE, 1967, p.
101-106, grifo nosso).

Portanto, é possível identificar que a noção de “realidade” se colo-
ca como elemento-chave para o entendimento possível de uma educa-
ção para a prática de liberdade, ou seja, uma educação capaz de libertar/
744
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

emancipar os/as oprimidos/as de suas situações de opressão, incentivan-


do-os/as a reconhecer-se como sujeitos no mundo.
Com hooks (2017), temos o processo oposto. Ao invés de primei-
ro ter contato com uma “educação para domesticação” para depois des-
cobrir que a educação pode ser pela liberdade, ela experiencia o inverso:

Foi nas escolas de ensino fundamental, frequen-


tadas apenas por negros, que eu tive a experiência
do aprendizado como revolução. Quase todos os
professores da escola [...] eram mulheres negras.
O compromisso delas era nutrir nosso intelecto
para que pudéssemos nos tornar acadêmicos, pen-
sadores e trabalhadores do setor cultural – negros
que usavam a “cabeça”. Aprendemos desde cedo
que nossa devoção ao estudo, à vida do intelecto,
era um ato contra-hegemônico, um modo funda-
mental de resistir a todas as estratégias brancas de
colonização racista. Embora não definissem nem
formulassem essas práticas em termos teóricos,
minhas professoras praticavam uma pedagogia
revolucionária de resistência, uma pedagogia
profundamente anticolonial (HOOKS, 2017,
p. 10-11, grifo nosso).

Na sequência do texto, a autora narra a mudança brusca que pas-
sou a vivenciar na educação após a integração racial1:

Quando entramos em escolas brancas, racistas e


dessegregadas, deixamos para trás um mundo onde
os professores acreditavam que precisavam de um
compromisso político para educar corretamente as
crianças negras. De repente, passamos a ter aulas
com professores brancos cujas lições reforçavam os
estereótipos racistas. Para as crianças negras, a edu-
cação não tinha a ver com a prática de liberdade.
[...] A escola ainda era um ambiente político [...]

1 Entre os anos de 1877 e 1964 vigoraram nos Estados Unidos as Leis Jim Crow. Estas
tratavam-se de leis que institucionalizavam a existência de instalações separadas para
brancos e para negros no país. A separação acontecia desde em banheiros, bebedouros
e transporte públicos, até nas escolas e demais instituições públicas.
745
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Apesar disso, essa política já não era contra-hege-


mônica. [...] Essa transição das queridas escolas
exclusivamente negras para as escolas brancas
[...] me ensinou a diferença entre a educação
como prática de liberdade e a educação que só
trabalha para reforçar a dominação (HOOKS,
2017, p. 12, grifo nosso).

Para além dessas passagens de ambos os autores, em que apre-


sentam suas compreensões para a ideia que aqui analisamos, julgo im-
portante trazer um trecho em que bell hooks menciona diretamente a
influência que a noção de “educação para liberdade”, formulada por
Freire, passou a exercer na sua própria formação, primeiramente como
aluna e depois como educadora:

Quando entrei na faculdade, o pensamento de


Freire me deu o apoio de que eu precisava para de-
safiar o sistema da “educação bancária”, a aborda-
gem baseada na noção de que tudo o que os alunos
precisam fazer é consumir a informação dada por
um professor e ser capazes de memorizá-la e arma-
zená-la [modelo hegemônico de educação]. Desde
o começo, foi a insistência de Freire na educação
como prática de liberdade que me encorajou a criar
estratégias para o que ele chamava de “conscienti-
zação” em sala de aula. [...] A obra de Freire afirma-
va que a educação só pode ser libertadora quando
todos tomam posse do conhecimento como se este
fosse uma plantação em que todos temos que tra-
balhar (HOOKS, 2017, p. 26).

Encaminhando-me para o fim, cabe destacar a importância e o


diálogo que a educação antirracista possui com a ideia de uma “edu-
cação para a liberdade”, uma vez que a educação antirracista possui
como mote principal o “combate a todas as formas de discriminação
e preconceito racial existentes nos espaços escolares e na sociedade”.
Nesse sentido, de acordo com Luiz Fernandes de Oliveira, “se posi-
cionar, nesta perspectiva, significa rejeitar a neutralidade e o status
quo dominante sobre relações raciais e as desigualdades advindas das
746
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mesmas. E este posicionamento proporciona uma condição militan-


te, ou seja, não produz na prática educativa somente técnicas para
um convívio social, mas uma práxis transformadora da realidade”
(OLIVEIRA, 2018, p. 4-5, grifo nosso).
No entanto, para que a educação antirracista possa ser, de fato,
transformadora e capaz de conscientizar os sujeitos que dela participam,
é preciso que ela esteja, conforme as exposições de Freire e hooks já
demonstraram, ancorada na realidade sobre a qual ela fala. Para tanto,
um dos primeiros e principais desafios de uma educação antirracista é
definir e compreender o racismo existente. Aqui recorremos à definição
de Lélia Gonzalez (1988):

O racismo aberto e racismo disfarçado. O primeiro,


característico das sociedades de origem anglo saxô-
nica, germânica ou holandesa, estabelece que ne-
gra é a pessoa que tenha tido antepassados negros
(“sangue negro nas veias”). De acordo com essa
articulação ideológica, miscigenação é algo impen-
sável (embora o estupro e a exploração sexual da
mulher negra sempre tenha ocorrido), na medida
em que o grupo branco pretende manter a “pureza”
e reafirmar sua “superioridade”. Em consequência,
a única solução, assumida de maneira explícita
como a mais coerente, é a segregação dos grupos
não-brancos. [...] Já no caso das sociedades de
origem latina, temos o racismo disfarçado ou,
como eu o classifico, o racismo por denegação.
Aqui, prevalecem as “teorias ‘da miscigenação,
da assimilação e da “democracia racial”. A cha-
mada América Latina que, na verdade, é muito
mais ameríndia e amefricana do que outra coisa,
apresenta-se como o melhor exemplo de racis-
mo por denegação (GONZALEZ, 1988, p. 72).

Portanto, para uma educação antirracista possível no Brasil, pro-


pomos um diálogo entre as contribuições que Freire e hooks trazem
para o campo da educação, capaz de convertê-la em uma práxis trans-
formadora (a defesa de uma “educação para a liberdade”), e a proposta
epistemológica da categoria metodológica/analítica de “amefricanida-
747
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de”, proposta por Lélia Gonzalez, ainda na década de 1980, a fim de en-
tender (e transformar) a realidade do racismo à brasileira, um racismo
disfarçado, (de)negação.

Palavras-chave: Freire e hooks. Educação como prática de liberdade.


Educação antirracista.

Referências
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
GONZALEZ, L. A categoria político-cultural de Amefricanidade.
Tempo Brasileiro, v. 92, n. 93, pp. 69-82, 1988.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da
liberdade. São Paulo: WMF Martins Flores, 2017.
OLIVEIRA, L. F. Pedagogia decolonial e didática antirracista. II Con-
gresso de Pesquisadores/as Negros/as da Região Sudeste (COPENE
SUDESTE), mar. 2018.

748
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA DISCUTIDA SOB CONCEPÇÕES


FREIRIANAS COM AS TURMAS DA EJA DA
EMEF NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

César Rolim de Assis Rolim


Educador da EMEF Nossa Senhora de Fátima
cdarolim1979@gmail.com

O presente resumo expandido busca apresentar um relato das ati-


vidades na disciplina de História, desenvolvidas a partir de discussões
sobre a importância da luta contra a reforma da previdência, proposta
pelo atual governo federal, no primeiro semestre de 2019. Durante as
atividades, procurou-se discutir a importância das mobilizações sociais
em defesa do direito à previdência social pública, bem como as conse-
quências das perdas sociais decorrentes da aprovação da reforma, entre
as turmas de totalidades finais da EJA da Escola Municipal de Ensino
Fundamental (EMEF) Nossa Senhora de Fátima, localizada no bairro
Bom Jesus, em Porto Alegre.
O território onde se localiza a comunidade do bairro Bom Jesus é
marcado pelo contexto de exclusão social, econômica, étnico-racial e de
gênero, conforme aponta o Censo de 2010 (IBGE, 2010). São fundamen-
tais a existência e a criação de políticas públicas que atendam as necessida-
des da população local, especialmente nas áreas de emprego, renda, saúde e
educação. O tema, portanto, fazia muito sentido às turmas, pois as perdas
de direitos decorridas da aprovação da reforma atingiriam diretamente essa
comunidade, localizada na zona leste de Porto Alegre. Nesse sentido, é
necessário refletir sobre os problemas contemporâneos que atingem os di-
reitos, e resistir a esses ataques. Como lembra Freire (1996), é preciso que
tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro
como problema, fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa re-
signação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação,
mas na rebeldia em face das injustiças, que nos afirmamos.
Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, nota-se o apoio
de considerável parte do parlamento federal à agenda neoliberal que
749
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

envolve a austeridade nos investimentos públicos e as perdas de muitos


direitos sociais. Como lembra Silva (2019), dois elementos, em par-
ticular, são fundamentais para derrubar o frágil projeto do Estado de
Bem-Estar Social no Brasil: a aprovação de uma dura reforma do siste-
ma previdenciário que prejudica as/os mais pobres, e os ataques cruéis
à educação pública, especialmente ao ensino superior. Para entender a
agenda de Bolsonaro e o que seu governo representa, é preciso conside-
rar duas figuras-chave: Paulo Guedes, ainda ministro da Economia, e
Olavo de Carvalho, o guru intelectual do governo.
O Ministério da Educação (MEC) é um dos principais alvos de
ataques por parte do Executivo Federal, como aponta Rolim (2020),
seja a partir do anúncio de cortes de investimentos ou por tentativas de
cerceamento e controle das/os trabalhadoras/es que atuam na área. Em
2019, os ministros, quase sempre indicações de Olavo de Carvalho1,
se preocupavam com temáticas que vinham ao encontro da lógica da
guerra cultural bolsonarista (ROCHA, 2020) que tem, como algumas
de suas estratégias, a negação da realidade e o desprezo pela ciência – o
que se percebeu ainda mais durante a pandemia de COVID-19 e as
milhares de mortes decorrentes de uma gestão catastrófica na área do
Ministério da Saúde2. O governo Bolsonaro opera com características
de políticas econômicas neoliberais e, especialmente durante o período
da pandemia, com a necropolítica que expressa o  poder e a capacidade
de ditar quem pode viver e quem deve morrer (MBEMBE, 2018, p. 5).
Como aponta Safatle (2020), o Estado brasileiro é suicidário, pois não
é apenas o gestor da morte de setores de sua população como também é
o ator contínuo de sua própria catástrofe ou destruição. 
Parte desse processo de desestruturação das políticas públicas, a
reforma da Previdência foi aprovada no Congresso Nacional3, em outu-

1 Sobre a influência e indicações pessoais de Olavo de Carvalho no Ministério da


Educação de Bolsonaro, ver a matéria publicada em abril de 2019 pela Exame. Dispo-
nível em: https://bityli.com/c0MkK. Acesso em: 20 dez. 2020.
2 Gilberto Calil (2021) indica que a política de combate à pandemia se baseia na
intenção de atingir imunidade coletiva, estimulando a contaminação generalizada.
Para atingir esse objetivo, o governo minimizou a gravidade da pandemia, estimulou
comportamentos inadequados e disseminou informações inverídicas.
3 A PEC nº 6/2019 da Presidência da República foi apresentada ao Congresso em fe-
vereiro e tramitou durante oito meses em 2019. Para ver maiores informações sobre o
750
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

bro de 2019, sob um dos argumentos (falaciosos) utilizados pelo gover-


no federal de que vinha para acabar com privilégios. Mas, já em maio
de 2019, Souza (2019) denunciava que esse discurso não se sustentava,
com a apresentação de alguns dados, e desmontava o que ele conside-
rava ser apenas uma máscara, uma farsa, uma mentira montada para
convencer desavisados.
Esse texto de Souza (2019) foi apresentado às turmas para iniciar
o diálogo sobre os argumentos utilizados pelo governo, tendo como
objetivo a premissa freiriana do desvelamento da realidade. Como lem-
bra Freire (1985), a educação de caráter libertador é um processo pelo
qual o educador convida os/as educandos/as a reconhecer e a desvelar
criticamente a realidade. A prática domesticadora tenta conferir uma
falsa consciência às/aos educandas/os, resultando em uma falsa adapta-
ção à realidade delas/es. A educação para o processo de domesticação é
um ato de transferência de conhecimento, enquanto a educação para a
liberdade é um ato de conhecimento e um processo de ação transforma-
dora que poderia ser exercido sobre a realidade.
Durante o período de manifestações populares, especialmente a
greve geral de 14 de junho de 20194, realizamos, durante as aulas de
História, essas discussões. A partir da apresentação de vídeos e maté-
rias de jornais que mostravam a opinião dos gestores sobre os custos
da previdência social pública e a suposta necessidade de reforma da
área, promoveu-se um diálogo com as turmas da EJA. A ideia foi
ressaltar o risco que representava a redução de direitos sociais men-
cionados como gastos pelo neoliberalismo, pois, como lembra Krenak
(2020), os governos neoliberais estão achando que se morressem todas
as pessoas que representam gastos, seria ótimo. Durante as conversas
realizadas com as turmas, surgiram várias dúvidas por parte das/os
estudantes sobre o motivo pelo qual o governo estaria promovendo

que prevê a Emenda Constitucional, consultar a matéria publicada no site do Senado


Federal, em novembro de 2019: https://bit.ly/2PAxmJx. Acesso em: 19 jan. 2021.
4 As ruas responderam com um retumbante “não” à proposta de reforma da Previdên-
cia e aos retrocessos promovidos pelo governo Jair Bolsonaro (PSL). Durante todo o
dia, os atos convocados por 12 centrais sindicais e pelas frentes Brasil Popular e Povo
Sem Medo reuniram milhares de pessoas em 380 cidades de norte a sul do país, de
acordo com a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ver a matéria do Brasil de
Fato: https://bit.ly/2OjEwkO. Acesso em: 15 jan. 2021.
751
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

esse tipo de ação. Algumas e alguns estudantes comentaram que as


pessoas já estavam perdendo direitos há um bom tempo. Disseram
que cortando mais esses, o governo iria piorar a qualidade de vida das
pessoas. Sugeriu-se que fossem apontadas essas ideias surgidas nos ca-
dernos e, depois disso, registrassem esses importantes apontamentos
através de cartazes ou vídeos. A partir desses apontamentos, as turmas
confeccionaram cartazes com frases que gostariam de apresentar aos
gestores. Seguem algumas dessas produções:

Cartazes produzidos por estudantes das totalidades finais da EJA,


durante o mês de junho de 2019.
752
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Estudantes ressaltaram que as pessoas que pudessem deveriam


sair às ruas e manifestar que a previdência pública era fundamental, e
que todos queriam se aposentar. A ideia de ressaltar a importância da
luta pelos direitos vai ao encontro da educação crítica e politizada da
realidade. Como Freire (1984) nos lembra: a educação é libertadora à
medida que tiver como objeto a ação e reflexão consciente e criadora
das classes oprimidas sobre o seu próprio processo de libertação.

Palavras-chave: Reforma da Previdência. Educação Libertadora. Leitura


Crítica da Realidade.

753
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
CALIL, G. G. A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bol-
sonarista. Serviço Social & Sociedade, n. 140, pp. 30-47, 2021.
CENSO 2010. IBGE. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/.
Acesso em: 15 ago. 2020.
FREIRE, P.  Educar para a Paz. In: GADOTTI, M. (Org.). Paulo Frei-
re: Uma biobibliografia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Pp. 52-54.
FREIRE, P. The politics of education: culture, power, and libera-
tion. New York: Bergin & Garvey, 1985.
KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras,
2020.
MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1, 2018.
ROCHA, J. C. C. A guerra cultural bolsonarista - a retórica do ódio.
Goiânia: Caminhos, 2020. 
ROLIM, C. D. A. Estudantes na luta por direitos: a Semana Nacional
da Educação na EJA da EMEF Nossa Senhora de Fátima. Revista da
ATEMPA, n. 2, pp. 58-60, 2020.
SILVA, N. R. Bolsonaro e o novo capítulo do neoliberalismo no
Brasil. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3mhBrhV Acesso em: 20
fev. 2021.
SAFATLE, V. Bem-vindo ao Estado suicidário. São Paulo: N-1, 2020.
SOUZA, P. A. Não existe combate a privilégios na reforma da Pre-
vidência. 2019. Disponível em: https://glo.bo/3rL9obP. Acesso em: 21
fev. 2021.

754
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O EXÍLIO PROVOCADO PELA COVID-19: UMA EXPERIÊNCIA DE


FORMAÇÃO DOCENTE EM CONTEXTO DE PANDEMIA

Jackeline Pereira Mendes


Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
mendesjackeline.ufcg@.com

Casinhas/PE, 29 de março de 2021.

Prezados(as) educadores(as) e colegas em processo de formação:

Aqui encontro-me, mais uma vez, sentada em frente ao computa-


dor, ação que se repete cotidianamente há pouco mais de um ano, inician-
do esta escrita com o propósito de partilhar os desafios e, ao mesmo tem-
po, os processos de resistência que venho experienciando ao longo desse
período pandêmico, juntamente com colegas e professores(as) do curso
de Pedagogia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Indo ao encontro do passado, rememoro como tudo aconteceu
muito rápido. Em uma semana, estávamos em sala de aula, prontos
para iniciar um novo ano letivo. Na semana seguinte, tudo foi sus-
penso. A pandemia nos tirou da universidade, da escola, das praças,
nos tomou a rotina, as pessoas, o toque, o abraço, o estar junto fisi-
camente. Se, por um lado, Freire (1994) destaca os exílios pelo qual
passou, como sendo o primeiro quando saiu do conforto do ventre
de sua mãe, o segundo a mudança para Jaboatão e o terceiro durante
o período militar quando se viu obrigado a deixar o Brasil; por outro
lado, encontro-me contemplada por esse sentimento de exilada, com
os meus próprios exílios quando também fui trazida para este mundo,
quando mudei de cidade e deixei minha família para ingressar em um
curso superior e, agora, em pleno enclausuramento dentro do meu
próprio lar, quando tudo mudou drasticamente devido à pandemia.
A pandemia chegou repentinamente, transformando tudo de maneira
tão agressiva e persistente, como continua fazendo.
755
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Diante desse cenário, estou em minha casa, localizada na peque-


na cidade do agreste pernambucano, Casinhas, em quarentena, e, pela
primeira vez, experienciando o ensino remoto. Estamos diante de um
novo desafio educacional: professores(as) e alunos(as) aprendendo a
como estabelecer relações por meio de salas e chamadas virtuais – pois
o tempo pandêmico nos impôs as tecnologias e plataformas digitais
como únicos meios de comunicação perante o distanciamento social
necessário. Esse novo contexto, tão diferente do habitual (olho no olho
e face a face), que foi substituído por câmeras que, por vezes, perma-
necem desligadas e por microfones que, comumente, permanecem em
constante silenciamento, o que, como consequência, faz com que os(as)
professores(as) sintam-se sozinhos(as).
No entanto, não pretendo ser injusta, pois percebo que alguns
discentes – e até mesmo professores(as) – não têm aparatos tecnológicos
que permitam uma interação virtual de melhor qualidade. Diante da
complexidade do atual contexto, as relações devem ser pensadas e re-
pensadas para que o caráter socializador do processo de ensino-aprendi-
zagem não se perca quando os sujeitos se encontram em distanciamento
corporal uns dos outros, e vulneráveis, sobretudo, emocionalmente.
Penso que, mais do que nunca, precisamos assegurar o compro-
misso democrático com o processo de ensino-aprendizagem, para que
seja possível seguir em frente, resistindo, ousando enfrentar os percalços
dessa nova configuração de ensino. Assim, juntamente com colegas de
curso e professores(as) estamos, desde o final do ano passado, vivencian-
do um constante aprender uns com os outros acerca da utilização das
plataformas digitais e das viáveis adequações feitas para que o processo
de ensino-aprendizagem aconteça da melhor forma, dentro das possi-
bilidades existentes. No entanto, percebo, em mim e em tantos outros
professores, a constante inquietude diante dessa perspectiva de ensino
na qual estamos imersos.
Nesse sentido, acredito que eu, enquanto pedagoga em formação,
preocupada com o meu processo de aprendizagem e comprometida com
a minha trajetória de formação, continuo, todos os dias, a partir de mi-
nhas condições concretas, seguindo como posso, com a certeza de que
não me acostumei com esse modelo atual de educação, com esse distan-
ciamento, com essas perdas, com a saudade dos encontros e risadas que
756
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

davam vida aos corredores da universidade entre uma aula e outra, com
os cafés para acompanhar bons diálogos ou com os grupos de estudo
organizados entre os(as) colegas. Encontro-me integrada, mas não aco-
modada, apoiando-me nas palavras de Freire ao argumentar que:

Portanto, enquanto o animal é essencialmente um


ser da acomodação e do ajustamento, o homem o
é da integração. A sua grande luta vem sendo, atra-
vés dos tempos, a de superar os fatores que o fazem
acomodado ou ajustado. É a luta por sua humani-
zação, ameaçada constantemente pela opressão que
o esmaga, quase sempre até sendo feita — e isso é
o mais doloroso — em nome de sua própria liber-
tação (FREIRE, p. 42).

Nesse construto de integração, a universidade invadiu nossas ca-


sas, e é nessa nova modalidade de ensino que meu processo de forma-
ção docente vem se constituindo. Diante desse contexto, as aulas, os
programas, eventos, cursos e tantas outras atividades acadêmicas de que
participo, mesmo que remotamente, me transformam e reafirmam o
meu desejo por uma educação libertadora, como a defendida por Paulo
Freire. Trata-se de um processo de entrega e dedicação, seja qual for a
modalidade de ensino, tendo em vista que, como salienta Freire (2015),
a prática educativa deve ser entendida enquanto séria e exigente, entre-
laçando educadores e educandos nesse fazer compromissado.
Mesmo em um tempo histórico de grande dificuldade, como o
atual, aponto para a necessidade de continuarmos, meus amigos e mi-
nhas amigas, lutando por uma formação concreta e de qualidade. Con-
tinuar a investir em pesquisas, leituras, ainda que não se equipare ao
presencial, mas dentro das possibilidades existentes; não podemos cair
no imobilismo, ainda mais em um contexto tão complexo como este.
Pensando nisso, participei, no ano de 2020, do minicurso Paulo Freire:
“cartas a quem ousa ensinar”, ministrado pelo Prof. Dr. José Luiz Ferrei-
ra (UFCG/CH/UAEd), além de ter aceitado o convite do professor para
ministrarmos o minicurso “Cartas Freireanas a quem ousa ensinar: do
medo e da coragem de ser professor(a)”, em março deste ano de 2021,
juntamente com a colega de curso, Maria Natânyele Silva de Souza.

757
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para além do que já compartilhei ao longo dessa carta, chego às


vias de conclusão, inundada pelo sentimento de esperança. Por isso,
nessa perspectiva freireana, desejo que esperançar seja um verbo conju-
gado em nossas práticas cotidianas, ao passo que seguimos, dia após dia,
lutando por uma educação mais humanizadora, libertadora e afetiva.
Que os laços construídos presencialmente no dia a dia conservem-se,
principalmente nesse momento em que tanto precisamos desse senti-
mento de coletividade e solidariedade. Ademais, não podemos esquecer
de uma das lições mais importantes que o exílio pode nos ensinar: trata-
-se de refletir “Até que ponto lutamos por criar ou encontrar caminhos
em que, contribuindo de certa forma com algo, escapamos à monoto-
nia de dias sem amanhã” (FREIRE; FAUNDEZ, 1998, p. 18). Diante
disso, precisamos nos manter sempre abertos ao aprendizado, lutando
por uma educação democrática e por nossa constante humanização!

Com esperança e amorosidade,

Jackeline Pereira Mendes1

Palavras-chave: Paulo Freire. Pandemia. Experiências de Formação.

Referências
FREIRE, P. Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha
práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1998.

1 Graduanda do Curso de Pedagogia pela Universidade Federal de Campina Grande/


PB (UFCG), Campus I. Integrante bolsista do Grupo PET (Programa de Educação
Tutorial) da UFCG.
758
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA METALINGUÍSTICA

Sandra Maria de Assis


Colégio Loyola
sandra.assis@loyola.g12.br

Tecendo a manhã

João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã: 


ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos, 


se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(MELO NETO, J. C. A educação pela pedra.


In: Poesias Completas. Rio de Janeiro, Ed. Sabiá,
1968. Pp. 7-47).

759
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Queridos Assessores de Referência Pedagógica do Colégio Loyola:

Gostaria de compartilhar com vocês uma estratégia metodológica


que aprendi em minhas aulas do Mestrado do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação (MPGE), da Unisinos, durante este ano, a qual
achei bastante interessante e que considero capaz de ajudar muito o
aprendizado de nossos alunos.
O primeiro contato que tive com o instrumento foi em agosto,
quando recebi uma Carta Pedagógica de minhas professoras do curso
sobre “Gestão do Ensino Básico”, na qual elas davam boas-vindas aos
alunos e explicavam como seria ministrada a disciplina e como se-
riam as avaliações que iríamos fazer. Confesso que adorei receber essa
missiva, assertiva e carinhosa, e achei interessante o modo como foi
iniciada a disciplina.
Depois, na nossa primeira avaliação da disciplina, as professoras
pediram que as aprendizagens da primeira semana de trabalho fossem
sistematizadas por meio de uma escrita individual de uma Carta Peda-
gógica (VIEIRA, 2010). Para confecção desta, elas disponibilizaram,
na plataforma Moodle, materiais de consulta, entre eles o verbete do
Dicionário Paulo Freire, escrito por Adriano Vieira (2010); um peque-
no vídeo, elaborado pela professora Ana Freitas, falando diretamente
aos estudantes sobre qual o conceito e qual a finalidade da elaboração
de Cartas Pedagógicas no âmbito do ensino; além de vários exempla-
res delas, escritas em diferentes contextos e por diferentes sujeitos,
mostrando-nos a diversidade de formas e estilos de escritas, insti-
gando-nos a escrever com autoria. Então, tivemos o primeiro “Fó-
rum de discussão da turma na disciplina”, em que compartilhamos a
compreensão sobre o sentido da elaboração de uma Carta Pedagógica
como forma de expressão das aprendizagens do primeiro eixo temáti-
co da disciplina. Foi assim durante essa atividade, que compreendi o
que seria esse gênero discursivo.
A expressão “gênero discursivo” refere-se às formas de legitimação
do discurso, aos textos que encontramos na vida diária. Um gênero
apresenta padrões característicos definidos por composições funcionais,
objetivos enunciativos, e estilos concretamente realizados na integra-
ção de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. São entidades
760
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações


diversas, constituindo, em princípio, listagens abertas. São alguns deles:
sermão, romance, bilhete, horóscopo, receita culinária, prescrição mé-
dica, resenha, editorial, ensaio, manifesto, piada, edital, bula, reporta-
gem, notícia, monografia...
Carta é um dos gêneros discursivos. Escrevê-la, há séculos, é uma
forma de comunicação entre diferentes povos, culturas e classes sociais.
Comunicar-se, por meio dela, com diferentes propósitos, como o de
informar grandes descobertas, declarar amor ou saudade, descrever lu-
gares; é uma tradição que acompanha gerações. Sua escrita exige um
tempo de parada para pensar, refletir e narrar algo para alguém. Porém,
com o avanço e a rapidez da tecnologia, a prática de escrevê-la, ende-
reçá-la e postá-la no correio vem sendo deixada de lado por grande
número de pessoas.
Escrever cartas é uma habilidade complexa, pois se pensa primei-
ro e não se escreve automaticamente, continua-se a pensar e repensar
o que se escreve. Além disso, quando se escrevem cartas, sejam elas de
amor, amizade ou política, logicamente, espera-se uma resposta, cons-
tituindo-se, portanto, um exercício de receber e ler, escrever e enviar,
o que, em tempos de comunicação rápida e superficial, ressignifica a
importância da comunicação escrita, do exercício dialógico.
A carta pedagógica é um gênero específico, foi uma denominação
dada por Paulo Freire, uma invenção dele, adotada por ele, que tinha o
hábito constante de manifestar-se por meio da escrita de cartas, “uma
das formas de comunicação que Paulo tanto gostava de utilizar” (FREI-
RE, 2000, p. 9). Um gênero que se destina a compartilhar aprendiza-
gens, a aproximar o autor do leitor, destinado a quem se encontra no
dever de educar e ensinar no espaço da escola, uma instituição vista por
ele como um lugar distante da vida real das pessoas que a frequentam.
O filósofo não gostava de distanciar seu discurso de sua prática,
isto é, uniu, durante sua vida inteira, a teoria e a prática, o ensino e
o aprendizado, o discurso e o exemplo. Como acreditava no diálogo
como exercício rigoroso do pensamento refletido e compartilhado,
viu as Cartas Pedagógicas como instrumento coerente que exige pen-
sar sobre o que alguém diz e pede resposta (VIEIRA, 2010, p. 65), que
estabelece um profundo diálogo, de forma amorosa e respeitosa, com
761
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

o/a leitor/a e com sua própria prática. Foi por meio desse instrumento
que o autor compartilhou temas importantes à prática educativa, de
forma afetiva e aprazível. Sua intenção era oferecer aos leitores uma
visão simplificada na forma de escrita, narrada, apresentada de modo
que fosse possível gerar uma reflexão sobre os aspectos que suscitava.
Segundo Vieira (2010), as cartas pedagógicas são instrumentos que
constituem o exercício do diálogo por meio escrito, diálogo que assu-
me o caráter de rigor na medida em que registra, de modo ordenado,
a reflexão e o pensamento; um diálogo que exercita a amorosidade,
pois só escrevemos cartas para quem, de alguma forma, nos afeta, nos
toca emotivamente, cria vínculos de compromisso (VIEIRA, 2010, p.
65). Portanto, para que sejam consideradas Cartas Pedagógicas, esse
gênero só terá cunho pedagógico se seu conteúdo conseguir interagir
com o ser humano, comunicar o humano de si para o humano do
outro, provocando um diálogo pedagógico.
Depois do fórum de discussão sobre a percepção de todos em rela-
ção ao que é uma Carta Pedagógica, no qual demonstrei a admiração que
tive por esse gênero, escrevi, então, minha primeira. Nela, explicitei, para
os meus colegas do mestrado, o meu objeto de estudo e o meu desejo de
utilizar cartas como uma metodologia de ensino/aprendizagem, porque
a produção delas, com rigor e seriedade, leva o/a leitor/a a depreender o
contexto dos fatos, uma vez que, nelas, estão os detalhes e os pormenores
do que se quer ensinar, além de incentivar a reflexão sobre algum fato que
se deseja passar adiante, e estimular a leitura, a compreensão e a escrita de
uma resposta. As cartas precisam ser escritas, lidas e respondidas, isto é,
promovem ação/reflexão/ação, um círculo cultural. Assim como torna-se
necessário que o galo convoque todos os galos, e que eles possam, dessa
forma, invocar a manhã, trazer a luz e anular a escuridão, como no poe-
ma de João Cabral de Melo Neto. As escritas de cartas aos leitores e suas
respostas geram o conhecimento, uma vez que possuem intencionalidade
pedagógica, além de contribuírem para o prazer de escrever.
Foi então que minha orientadora me propôs um desafio: indicou-
-me duas leituras de dissertações que trabalharam as Cartas Pedagógi-
cas como metodologia e instigou-me a usá-las para coleta de dados de
pesquisa de minha dissertação, pois elas servem, também, como instru-
mento de pesquisa.
762
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Enfim, foi assim que conheci esse gênero discursivo que se propõe
a ser de cunho pedagógico, isto é, educar e ensinar, ser essencialmente
portador de conteúdo, de metodologia popular, de uma intencionali-
dade formativa e informativa, e com o qual pretendo trabalhar, pois o
hábito e o exercício da escrita são necessários, uma vez que se aprende a
escrever, escrevendo e lendo o que se escreveu ou o que o outro escreveu.
Agora, escrevo-lhes minha segunda Carta Pedagógica. Dei nome
a ela de Carta Metalinguística. META, no grego, significa “mudança,
transcendência, posterioridade, reflexão crítica sobre...”; a palavra me-
talinguagem, conforme verbete do dicionário Aurélio, é a “linguagem
utilizada para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de sig-
nificação”. Esta carta, portanto, possui a função metalinguística a qual
se encontra nas produções comunicativas que enfocam o código utili-
zado, ou seja, ela se verifica quando a temática é, em si, a manifestação
da linguagem, quando a obra se volta para si mesma. Escrevi-a para
esclarecer meu relacionamento com este gênero e, ao mesmo tempo,
explicá-lo e produzi-lo.
Despeço-me, acreditando que, assim como Paulo Freire propôs,
nosso diálogo possa continuar. Aguardo resposta sobre o que acharam
desse gênero discursivo e sobre minha intencionalidade de usá-lo como
metodologia de pesquisa, de ensino e de aprendizagem.

Palavras-chave: Carta Pedagógica. Gênero Discursivo. Metalinguagem.

763
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referência
VIEIRA, A. Cartas pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZIT-
KOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2010. Pp. 65-66.

764
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA: PAULO FREIRE PRESENTE NO DIREITO


DE AS INFÂNCIAS TEREM SUAS VOZES ESCUTADAS

Bruno Gabriel Gomes Cardoso


Madre Tierra Comunidade Verde Aprendente
profegabrielgomes@gmail.com

A todas as crianças, às crianças nas barrigas, às crianças de colo, às


crianças que correm na rua, às crianças grandes, às crianças da escola, às
crianças jovens, às crianças adultas, às crianças que vivem na lembrança
viva de ser criança e a todos e todas que guardam, num cantinho de si,
o altar do amor político às crianças, esta Carta Pedagógica.
Ao desejarmos escrever, mencionando as crianças e suas diversi-
dades, pensamos em como colocá-las em um elo, em conexão, pois cada
um e cada uma vivem tempos diferentes, momentos distintos, produ-
zem suas histórias e habitam realidades singulares. Também nos colo-
camos a refletir: quantos e quantas de nós, quando crianças, tivemos
nossas vozes silenciadas, nossos pés proibidos, nossos brincares abrupta-
mente interrompidos? Quando percebemos esse ataque silenciador das
vozes, do brincar e do ser criança violentamente interrompido, fica uma
indignação, uma inquietação: Por quê? Querem que as crianças sejam
autônomas, mas como será possível se elas são feridas na sua liberdade?
Interrogo, do lugar da minha adultez e da minha prática docente,
por exemplo, quando me deparo em meio às brincadeiras das crianças,
e toca a sineta do relógio avisando que é hora de entrar para se reor-
ganizarem na limpeza (higiene corporal), pois está perto do momento
de ir para casa; e, nisso, uma criança interroga e propõe: “Vamos para
casa daqui mesmo, pegamos as mochilas e continuamos a brincar!” Da
minha ação de educador que obedecia o sistema institucional, contra-
punha: “Não podemos! Temos que respeitar as regras.” Regras que são
da Direção da Escola e não construídas no coletivo, não das crianças
e muito menos da consciência de nossa comunidade escolar. Interna-
mente, queria pular sobre esse engessamento curricular, ditador e prin-
765
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cipalmente silenciador, sentindo-me negador do direito de as crianças


serem autônomas. Nas palavras de Freire, isso é um ato causador de
desesperança, pois “A desesperança é também uma forma de silenciar,
de negar o mundo, de fugir dele” (2020, p. 23). Em outras palavras,
fugir de uma escuta sensível e dialética, das necessidades dos pequenos.
E é imprescindível que isso nos incomode, pois precisamos repensar no
ser e no estar com as crianças. A inquietação das estruturas nos faz pro-
vocar, questionar o que é o melhor para os nossos educandos e as nossas
educandas, mas isso só acontece se há diálogo.
Os meses foram passando, os dias foram acontecendo, quando me
deparei com vivência muito parecida, novamente: dessa vez, fui contra
todo o princípio silenciador e propus às crianças a ficarem, a brincarem,
a irem para suas casas como estavam: felizes, e felizes brincando. Pais,
mães e responsáveis chegaram, olharam e ficaram admirando o brincar, as
crianças dizendo e contando o que estavam fazendo. Percebi que quando
se escuta a criança, ela não só vivencia seu querer, mas proporciona uma
narrativa contínua, ou seja, a criança vai brincando, vai convidando a
ficar, vai mudando o pensar do educador, vai surpreendendo a família,
vai contando suas experiências e as partilhas familiares são construídas.
Percebo o quão importante é escutar a criança, respeitar o direito de falar
e de proporcionar a ela a possibilidade de mudar a partir de provocações.
A partir dessa intervenção provocada pela interrogativa da crian-
ça, percebi o quão potente foi reestruturar o meu fazer pedagógico com
coragem e agir sobre ele, com a minha autonomia, através da escuta e
do desejo intencional da criança. Não tinha noção de que transcendia
a criança, pois se estendia até os seus responsáveis. Diversas vezes, nós
temos medo de mudar e seguimos, rispidamente, algumas fórmulas de
sermos educadores ou educadoras para não comprometermos a nossa
autoridade e a nossa “sabedoria” de professores e professoras. Paulo Frei-
re é firme quando diz:

A postura autoritária do educador expressa, nele


ou nela, o medo de arriscar-se, porque, no fundo,
a posição autoritária, que silencia o educando, de-
fende o educador de perguntas e de inquietações
que poderiam ameaçar a segurança científica, com
aspas, do educador (2020, p. 116).
766
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Com isso, muitos e muitas de nós, além de respeitar um siste-


ma, fugimos do querer novo, do querer transformar, do querer ouvir
os pequenos e as pequenas e não conseguir construir uma resposta su-
ficientemente científica, ou que respalde nossas escolhas ou que tenha
relação com a vida viva. Lembro-me da história de Freire que, na sua in-
fância, à sombra de uma mangueira, brincava com sua mãe com galhos
e terra. Essa brincadeira transformou-se em “Alfabetização de Mundo”,
como defende Guedes Trindade (2018), que o ensinou a ler, a escrever
à sombra de uma árvore, desde o chão de sua casa, na pureza de sua
infância, no desejo de seu brincar respeitado e no aceitar de sua mãe.
Freire sempre foi escutado e teve o seu direito de viver a sua infância,
em aprendências, respeitado.
Os anos se passaram e essas aprendências se tornaram conheci-
mentos que ele levou para suas vidas – conjugal, familiar, paterna, ci-
dadã, política –, nas quais permitiu que o valor da escuta, o direito de
ouvir o que as crianças têm a nos falar, se estendesse aos seus filhos e
filhas, e também o que sonhou para as filhas os filhos de todos e todas,
pois é muito além do que aprendizagem moral: é uma aprendência éti-
ca, crítica, transcendente, ou seja, dá o devido valor a quem quer dizer
a sua palavra e se colocar no mundo. Segundo o autor,

Uma das exigências que sempre fizemos, Elza e eu,


a nós mesmos em face de nossas relações com as
filhas e filhos era a de jamais negar-lhes respostas
às suas perguntas. Não importa com quem estivés-
semos, parávamos a conversa para atender à curio-
sidade de um deles ou de uma delas. Só depois
de testemunhar o nosso respeito a seu direito de
perguntar é que chamávamos a atenção necessária
para a presença da pessoa ou das pessoas com quem
falávamos. Creio que, na tenra idade, começamos
a negação autoritária da curiosidade com os “mas
que tanta pergunta, menino”; “cale-se, seu pai está
ocupado”; “vá dormir, deixe a pergunta pra ama-
nhã” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 46-47).

Freire nos atenta para o olhar cuidadoso, um olhar amigo e


amoroso para e com as crianças, que, na sua formação, estão em pro-
767
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cessos de aprendências, lendo o mundo, cheias de curiosidade, experi-


mentando tudo de tudo: as crianças ESTÃO! Quisera nós pudéssemos
resgatar nossas memórias e assistir, nas telas, a nossas dúvidas, nas
milhares de perguntas, nossas curiosidades, e, depois, pararmos frente
ao espelho e respondermos para nós o que não nos foi respondido.
Imaginemos as crianças que, diariamente, são caladas pelo sistema e,
ao invés de terem zelada sua liberdade, são soterradas de moral e sabe-
res adultos. Por isso e com isso, respondamos às perguntas de nossas
crianças internas, das crianças das ruas, das crianças do mundo que
ainda não tiveram o seu direito respeitado de serem ouvidas e respon-
didas. Paulo Freire queria mesmo mudar o mundo, desde sua tenra
idade, assim como surge em uma de suas obras: 

Jamais me senti inclinado, mesmo quando me era


ainda impossível compreender a origem de nossas
dificuldades, a pensar que a vida era assim mes-
mo, que o melhor a fazer diante dos obstáculos
seria simplesmente aceitá-los como eram. Pelo
contrário, em tenra idade, já pensava que o mun-
do teria de ser mudado. Que havia algo errado
no mundo que não podia nem devia continuar
(FREIRE, 2015, p. 41).

Mais uma vez traz à tona e com nitidez o quão necessário é mudar
o mundo. Sem dúvida, Freire nos convida a mudar os micromundos,
começando por nós, pelos nossos cotidianos e pelas realidades próximas,
pois, só assim, provocaremos outras pequenas e necessárias mudanças.
Observemos como Freire, na sua sutileza e criticidade, desde a tenra
idade, já pensava na mudança de nossa sociedade. Desde a sua infância,
na sua pequenez, já conseguia olhar para a sua realidade e pensar em
uma metamorfose: uma mudança necessária mais justa para o mundo.
Quantos de nós não temos esse desejo de Freire em promover uma ação
libertadora, de escuta sensível e de dialética, defendendo os anseios dos
pequenos? Como disse anteriormente, é necessária essa inquietude, esse
conflito pessoal para mudarmos nossa ação.
Caros educadores e caras educadoras, os direitos das crianças es-
tão para além da acessibilidade, da inclusão social e até mesmo de serem

768
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ouvidas, mas sem fazer esse exercício, muito longe estaremos de uma
educação emancipatória, de uma educação dialética e, principalmente,
respeitosa, eticamente falando. Quisera, agora, voltar para nossas salas
de encontros e podermos todos e todas viver isso. Quisera voltar hoje
(agora!) para as nossas salas e fazer tudo diferente: rodas de escutas, con-
tações, debates com as crianças sobre como e qual a brincadeira que va-
mos fazer juntos no pátio ou como podem ser os nossos cotidianos! Não
deixemos as vozes se silenciarem ou nossos ouvidos se ensurdecerem.
Quando acontecer, evoquemos a nossa criança interior sagrada, deixe-
mos que ela fale por meio de nossas memórias, para que nossas ações
sejam de acolhida, de ação, de diálogo. Então, haverá metamorfoses.

Alvorada, 20 de março de 2021.

Palavras-chave: Direitos da Infância, Freire Criança. Voz Escutada.

769
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Partir da infância: diálogo sobre educação. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 2020.
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha
práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GUEDES TRINDADE, A. F. Pedagogia Poiética - As Alfabetizações
de Mundos – Constructo Pedagógico-cultural revolucionário e sensí-
vel com comunidades aprendentes e desejantes de expandir a Potên-
cia Humana. Porto Alegre: Poiesis & Poiéticas Casa Publicadora, 2018.

770
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

NOVOS TEMPOS: OUTROS ESPAÇOS FORMATIVOS

Janaina Amorim Noguez


Universidade Federal do Rio Grande - FURG
janainanoguez@furg.br

Sabrina Meirelles Macedo


Universidade Federal do Rio Grande - FURG
sabrinameirelles@hotmail.com

Rio Grande, 4 de abril de 2021.

Prezados/as Colegas Educadores/as,

Escrevemos esta carta a vós, colegas de profissão, bem como


a toda a sociedade, especialmente a sociedade brasileira, por sermos
filhas desta terra. O motivo deste contato se deve à pertinência de
algumas reflexões sobre o campo da educação, sobretudo envolvendo
as questões do nosso atual momento histórico, o contexto pandêmico
em que vivemos, obviamente nos cinco continentes, mas com desta-
que às questões particulares que envolvem o Brasil.
A pandemia causada pelo novo coronavírus escancarou uma sé-
rie de desigualdades sociais. Se aprofundarmos nossas reflexões, nos
colocaremos a seguinte questão reflexiva: qual o papel da educação em
um contexto de crise?
Entendemos a educação enquanto um processo de humaniza-
ção (PIMENTA, 1996) fundamental para o desenvolvimento huma-
no, em que as interações entre os sujeitos e destes com os ambientes
nos quais se inserem são condições sine qua non para os processos
desenvolvimentais. Nesse sentido, pensar os ambientes de desenvolvi-
mento e as relações ocorridas nesses contextos se apresenta como uma
necessidade, a fim de que nos mobilizemos em busca de processos
771
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

educativos potentes para a constituição de sujeitos críticos, cientes de


seu lugar no mundo e capazes de lidar com a crise socioambiental que
se intensifica.
Como educadoras ambientais, entendemos ser papel da Educa-
ção Ambiental (EA) problematizar as relações sobre as quais se assenta
a nossa sociedade, e sensibilizar crítica e reflexivamente os sujeitos
acerca de nosso pertencimento à natureza, ao mundo, às relações, bus-
cando mobilizar processos educativos capazes de provocar o(s) pen-
sar(es) sobre os nossos modos de ser e estar no e com o mundo.
Refletir acerca do desenvolvimento humano em suas interações
com os ambientes nos parece basilar, a fim de efetivarmos uma educa-
ção problematizadora e ambientalmente transformadora. Já que a rea-
lidade não é dada/determinada, mas construída e ressignificada pelos
homens e mulheres em suas relações com os demais seres, compreen-
der o mundo e desvelar a realidade é condição para sua transformação.
Refletir sobre tais questões nos provocou a busca por estabele-
cer um diálogo com dois intelectuais que, em diferentes contextos,
mas compartilhando do mesmo tempo histórico, se debruçaram em
reflexões potentes sobre a condição humana, e perceberam que o co-
nhecimento científico só faz sentido quando nasce das vivências e tem
o potencial de intervir na realidade. Para “conversar” conosco nesta
carta, convidamos Paulo Freire (1921-1997) e Urie Bronfenbrenner
(1917-2005), para quem os homens e as mulheres são produtores/as
ativos/as de suas próprias histórias, sendo sujeitos históricos, capazes
de intervir no mundo e transformar suas realidades socioambientais.
Para Bronfenbrenner (2011), o ser humano cria o seu ambiente
na medida em que desenvolve suas relações com os demais seres, hu-
manos e não humanos. É nas interações que vivencia em seus contex-
tos que ele se constitui e se desenvolve biopsicossocialmente, de forma
integral, em todas as suas dimensões. Esse processo de mudanças e
permanências se dá ao longo de toda a vida dos sujeitos e se desenvol-
ve de forma coletiva. Quanto mais interações o sujeito estabelece em
diferentes contextos, mais potente é seu desenvolvimento. É a partir
das experiências que os sujeitos atribuem sentidos às suas relações e vi-
vências, e, a partir desse processo de percepção da realidade, orientam
suas vidas e se deslocam no e com o mundo.
772
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Freire (1996) também acreditava na capacidade humana de


conduzir a sua própria vida. Entendia que a condição humana é
coletiva e se dá em relação. Para Freire, é no encontro com o outro,
na partilha de nossas experiências, de forma coletiva, que nos cons-
tituímos, em um permanente processo de interação. Somos seres
biológicos e sociais, condicionados pela cultura, política, economia,
mas não determinados por estas. É o exercício permanente de refle-
tir sobre as nossas condições concretas de vida que permite a com-
preensão da realidade e possibilita a intervenção sobre ela. A edu-
cação transformadora proposta por Freire tem como fundamento o
diálogo, o qual deve ser efetivado entre os sujeitos em suas relações
no e com o mundo.
O diálogo, para Freire (1996), é um processo dialético-pro-
blematizador, a partir do qual os sujeitos podem olhar o mundo e
a vida em sociedade como algo em constante transformação, uma
realidade inacabada. E este requer a participação efetiva dos sujei-
tos, exige que haja reciprocidade em suas relações, atitude essencial
para o desenvolvimento positivo do ser humano, conforme aponta-
va Bronfenbrenner (2011).
Nesse sentido, o contexto educativo apresenta-se como um es-
paço potencializador de aprendizagens, em que educadores/as e edu-
candos/as aprendem e ensinam juntos a questionar, a problematizar a
realidade, a ouvir o outro e dizer a sua palavra, enfim, a serem cons-
trutores de sua própria história, pensando caminhos e alternativas na
construção da própria emancipação e autonomia. Não apenas a escola
se apresenta como espaço potente, mas também outros lugares, como
ONGs, associações de bairro, espaços que congregam pessoas e que
buscam a educação como ferramenta de enfrentamento da realidade e
formação para uma atuação social e política, crítica e consciente.
Tais contextos, permeados pelas diferenças, se tornam potentes
de oportunidades para que diferentes visões de mundo sejam pensa-
das, discutidas, ressignificadas e quem sabe, sejam construídas novas
sociabilidades: oportunidades estas de desvelar as realidades e pensar
de forma coletiva alternativas para superar os desafios, as desigualda-
des sociais, e alcançar o ser mais, individual e coletivo. A transforma-
ção só faz sentido quando liberta o mundo, oprimidos e opressores.
773
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

No contexto atual, e pensando em elementos que possam res-


ponder a nossa questão problematizadora, podemos pensar outro am-
biente de interação entre os sujeitos, no qual o diálogo amoroso tem
sido essencial para a constituição de processos efetivos e significativos
de educação. Os ambientes virtuais e as plataformas digitais, nas quais
estudantes e educadores/as (re)inventam todos os dias maneiras de
estar em relação, educando-se e desenvolvendo-se. Esses ambientes
apresentam desafios, e, infelizmente, sabemos que nem todos têm
acesso a um bom sinal de internet, a um equipamento adequado ou,
ainda, a um cômodo em sua casa, silencioso e apropriado, para um
encontro virtual.
No entanto, essas experiências têm se mostrado também um es-
paço potente para o desenvolvimento de novas habilidades cognitivas,
sociais e afetivas. Têm permitido que, mesmo ausentes fisicamente das
escolas, educadores/as e estudantes mantenham o contato e partilhem
experiências e saberes, continuando, assim, seus processos de desen-
volvimento, ensinando e aprendendo coletivamente. Outras formas
de ser e estar estão sendo constituídas, e estes espaços formativos têm
desempenhado um importante papel na formação, tanto dos estudan-
tes, quanto dos/as educadores/as, gestores/as e até mesmo das famílias
dos/as estudantes e dos/as profissionais, que também são impactadas
pelas atividades, pois compartilham do mesmo ambiente.
Chegando ao fim desta carta, esperamos ter provocado os/as
colegas educadores/as e demais leitores/as a refletir sobre o contexto
atual e a perceber que existem outros espaços educativos sendo cons-
tituídos, e que precisamos pensar com e sobre eles, a fim de desenvol-
ver uma educação significativa e libertadora, conforme preconizavam
nossos autores convidados.

Saúde e um abraço afetuoso a todos/as!

Palavras-chave: Desenvolvimento Humano. Diálogo. Interação.

774
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento huma-
no: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Art-
med, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
PIMENTA, S. G. Formação de professores – saberes da docência e
identidade do professor. Revista Faculdade de Educação, v. 22, n. 2,
pp. 72-89, 1996.

775
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AQUI-AGORA

Adriana Maria Andreis

Cristiano Malagutti Bianchi

Fernanda Feliciano dos Santos

Gerson Junior Naibo

Janaina Gaby Trevisan

Patricia Cassol de Oliveira

Rudimar Rotheman

Sabhrina Lya Pezenatto Piazza Frigeri

Tayane de Oliveira
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
e-mail: gersonjrnaibo@outtlok.com

A arte não possui limites e tampouco fronteiras, é a libertação do


grito territorializado no corpo dos sujeitos que emergem na escuridão
do espaço-tempo pandêmico. Constituída como elemento múltiplo e
dimensional da coletividade, a arte é a expressão da internalidade in-
dividual. Não se mostra uma mera modernização, muito menos uma
antiguidade cabível de esquecimentos, a arte é o primórdio da ancestra-
lidade que se faz atual para transformar os espaços que dela necessitam.
E, antes de mais nada, é geográfica, pois nasce na vida e das questões da
vida, abrindo à experimentação da imaginação criadora, como sugere
Gaston Bachelard, na obra “A poética do espaço”. Nesse complexo cria-
777
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dor, habita o Grupo Cultural Geoartistas - Geografia em Arte, Arte em


Geografia, que desenvolve experimentações de enfrentamentos da ver-
dade única e unilateral colonialista e do caráter informativo-explicativo
de conteúdos e conceitos, que servem enquanto dispositivos à domina-
ção e exploração do outro. Por meio da arte da criação e representação
de cenas e cenários, problematizam-se questões relacionadas ao espaço
geográfico, dimensão do social que é produto e produtor dos lugares
e do mundo. Os participantes do grupo são professores de Geografia
e Pedagogia, que estão em permanente formação e que veem a arte
como meio de exercitar a produção de leituras particulares da realidade,
provocando entendimentos de mundo, por meio de outros pontos de
vista. Isso porque implica percursos de construção da autonomia cria-
tiva, constitutiva do professor-pesquisador, enquanto as possibilidades
emancipatórias compreendidas em uma aula. Assim, nasce essa peça
artística, resultado de criação coletiva, que é organizada e apresentada
pelos seus autores, compreendendo as singularidades de cada um dos
participantes. A peça em questão, devido à instauração da crise sanitária
da COVID-19, é apresentada na forma de vídeo de curta duração. É
intitulada “Aqui-Agora”, e diz respeito a algo em acontecimento em um
determinado lugar geográfico, implicando pressupostos espaço-tem-
porais e dialético-dialógicos, da vida cotidiana, que se realiza sempre
em conexões com a realidade (ANDREIS, 2014). Envolve seções com
provocações por meio de interrogações abertas e gerais, que são respon-
didas de forma hipotética, mas não absoluta, pela corporificação dos
personagens, de forma teatralizada. A peça, em formato de vídeo, é um
convite ao diálogo aberto, como sugere o legado de Paulo Freire, para
ousar experimentar posicionamentos outros.

Palavras-chave: Grupo Cultural Geoartistas. Geografia e Arte. Forma-


ção de Professores.

Referências
ANDREIS, A. M. Cotidiano: uma categoria geográfica para ensinar
e aprender na escola. [Tese de Doutorado]. Ijuí: Universidade Regio-
nal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, 2014.

778
CAPÍTULO 11

AÇÃO CULTURAL PARA A LIBERDADE


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE


ÀS METODOLOGIAS ATIVAS

Marcos Sardá Vieira


Universidade Federal da Fronteira Sul
marcos.vieira@uffs.edu.br

Neste texto, são apresentados os estudos iniciais da pesquisa que


relaciona os ensinamentos de Paulo Freire com o campo de atuações das
metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Na medida em que o co-
nhecimento vem destacando o aprendiz como agente de mudanças so-
cioculturais, é preciso reforçar o papel de instituições e docentes como
base para a interação acadêmica de preparo para a vida e na própria revi-
são da prática pedagógica. Nessa relação, espera-se enfatizar a aplicação
dos fundamentos freirianos como base para os estudos e aplicações de
metodologias ativas, ao buscar a autonomia do/da estudante na relação
com o conhecimento, de maneira mais abrangente aos processos de for-
mação, e não apenas para a consolidação de uma carreira profissional.
Para dar conta desse objetivo, a metodologia deste trabalho qualitativo
é a revisão bibliográfica, para reforçar conceitos e definições dentro do
campo epistemológico da educação voltada ao ensino superior. Em ge-
ral, argumenta-se que uma visão abrangente e extensiva sobre metodo-
logias ativas deve seguir junto com a definição da filosofia freiriana para
a formação da autonomia e da liberdade.
Ainda que não sejam uniformes, sob o ponto de vista teóri-
co-metodológico, as metodologias ativas compartilham a busca por
atitudes proativas de estudantes e aprendizes, diante de seus processos
de aprendizagem e para a obtenção de conhecimento como parte das
atividades acadêmicas e profissionais. Seja no uso de estratégias de
problematização, gamificação, aprendizagem baseada em problemas,
aprendizagem baseada em equipe, inversão de sala de aula, entre ou-
tras, o uso das metodologias ativas desempenha um papel fundamen-
tal para mobilizar o estudante na obtenção de conhecimento, através
781
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da motivação e da criatividade. Ao mesmo tempo, exige da docência


uma postura de abertura ao diálogo, respeito aos saberes do educan-
do, rejeição a qualquer forma de discriminação, rigor metodológico
etc. Contudo, também é importante salientar que os processos me-
todológicos de ensino-aprendizado e comunicação não superam os
desafios do fazer pedagógico, quando não existe interesse pelo conhe-
cimento a ser produzido, tanto pelos discentes quanto por docentes
e instituições – ou mesmo quando os propósitos para a aplicação de
metodologias de aprendizagem visam a outros objetivos que não a for-
mação das pessoas para a autonomia de suas realizações e, ainda, sem
compromisso com a formação de agentes sociais e políticos.
Em geral, as metodologias ativas surgem para ampliar a autono-
mia de estudantes e desafiar o papel de professores/as diante das mu-
danças na organização de estudos em grupo, práticas de exercícios e
avaliações construtivas, e na busca de incentivos para a formação do
conhecimento fora da concepção tradicional de sucesso e de concor-
rência de mercado. Assim, em boa parte dos métodos aplicados de ma-
neira proativa, os/as estudantes contribuem na realização de pesquisas,
debates e apresentação de resultados diante dos temas a serem estuda-
dos. Porém, muitas vezes, professores/as e estudantes não dispõem de
experiências metodológicas suficientes para dar conta dos recursos de
conhecimentos e tecnologias, em atividades tão independentes, quanto
são esperadas pelos princípios das metodologias ativas. Inclusive, em
função da intenção de onde parte a implementação dessas metodologias
ativas, a resposta do grupo pode desencadear mais sintomas de concor-
rência entre os/as integrantes, do que uma resposta colaborativa.
Desse modo, por razões de desvio do senso de responsabilidade
para com o processo de ensino-aprendizado, o fomento às metodolo-
gias ativas deve manter proximidade com valores e epistemologias mais
embasadas por princípios éticos, na busca pela autonomia e liberdade,
através da educação. Afinal, qual seria o limite para a aplicação das me-
todologias ativas, em um contexto crescente de formação e treinamento
mecânico e acrítico, de jovens e adultos, de maneira irrestrita para o
mercado de trabalho? A partir desse questionamento, considera-se im-
portante retomar obras fundamentais como “Pedagogia da autonomia”
e “Educação como prática de liberdade”, de Paulo Freire, para associar
782
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tais teorias e prerrogativas metodológicas, ligadas ao reconhecimento


do repertório cultural, das vivências pregressas e das condicionantes
de vida de estudantes e docentes no processo de inserção aos conteú-
dos educacionais. Ao mesmo tempo, inspirado por autores como John
Dewey, também se relacionam as experiências do aprendizado formal
com o pragmatismo, ao dar sentido à apreensão do conhecimento com
base em experiências práticas e motivadoras para a tal. De certa manei-
ra, essas práticas e esses desafios do fazer pedagógico voltado ao social
também correspondem às referências teóricas das metodologias ativas
focadas na formação das pessoas.
Nesse sentido, a metodologia de Paulo Freire reforça a prática
da educação como campo aberto aos questionamentos críticos de estu-
dantes e professores/as em relação aos conteúdos, às metodologias, suas
aplicações profissionais e suas atuações na sociedade, inclusive, na par-
ticipação política de combate às desigualdades e aos preconceitos. Além
disso, é importante trilhar o caminho de discernimento no contato com
as informações, na produção do conhecimento e na consolidação dos
saberes ligados ao processo de formação ética, como pessoa e como par-
te do coletivo. Só assim para considerarmos a formação de grupos e
indivíduos imunes aos discursos ideológicos de mobilização das massas,
ao reduzirem as atividades coletivas e democráticas ao comando mecâ-
nico da sociedade disciplinar e segmentada.

Palavras-chave: Metodologias Ativas. Paulo Freire. Autonomia.

783
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POR UMA PEDAGOGIA DA COMUNICAÇÃO


E UMA EDUCAÇÃO NÃO BANCÁRIA

Joice Maria de Oliveira


Universidade do Oeste de Santa Catarina
joicemariadeoliveira@gmail.com

“O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo,


sendo sujeito de sua ação” (FREIRE, 2019, p. 50) – essa premissa con-
diz com a defesa de uma educação não bancária, fundamentada por
Freire, na qual a educação não deve ser vertical, ou seja, o professor não
é o detentor do saber absoluto, que ensina a ignorantes. O processo de
ensino-aprendizagem é realizado em conjunto. Aluno e professor são
agentes ativos. Para Freire, “A educação tem caráter permanente. Não
há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. [...]
Não há ignorantes absolutos”
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é dar voz aos estudan-
tes, conhecer seus anseios, suas perspectivas, a fim de refletir acerca da
aprendizagem como um processo de ações interligadas e complementa-
res, que se constroem com base na mediação e no diálogo.

O diálogo tem estímulo e significação [...] É no


diálogo que nos opomos ao antidiálogo tão entra-
nhado em nossa formação histórico-cultural, tão
presente e, ao mesmo tempo, tão antagônico ao
clima da transição. [...] É desamoroso. Não é hu-
milde. Não é esperançoso; autossuficiente. Que-
bra-se a relação de “empatia” entre seus polos, que
caracteriza o diálogo [...] Precisávamos de uma pe-
dagogia da comunicação com a qual pudéssemos
vencer o desamor do antidiálogo.

A pedagogia da comunicação pode se dar de muitas maneiras. O


professor, como mediador, precisa promover atividades que permitam aos
785
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

estudantes se tornarem ativos e participantes em seu processo de educa-


ção. Para Vigotsky (2003, p. 75): “No processo de educação, o professor
deve ser como os trilhos pelos quais avançam livre e independentemente
os vagões, recebendo deles apenas a direção do próprio movimento”.
Dessa forma, propor debates, discussões, produções textuais vi-
sando dar vozes àquilo que os discentes querem lhes dizer é exemplo
de como os docentes podem deixar de ser prisioneiros de um currículo
que leva em conta apenas o conteúdo a ser ensinado, assim, rompendo
as fronteiras artificiais de seu conhecimento e dando importância às
singularidades dos sujeitos, ao conceber a sala de aula como um espaço
de encontro mais entre indivíduos do que entre disciplinas, ou seja, um
espaço de interação.
Nessa perspectiva, apresenta-se, por meio deste, o resultado de
um trabalho desenvolvido com 28 alunos do Ensino Médio, turma de
2021, tendo idades entre 18 e 40 anos, da Educação de Jovens e Adul-
tos, a EJA, de uma escola da Serra Catarinense. O trabalho foi realizado
pela professora de Língua Portuguesa. Por meio deste, foi proposto ou-
vir esses alunos a respeito de sua trajetória escolar, de modo que, através
de uma produção textual, eles contassem sobre os motivos pelos quais
não puderam concluir seus estudos na escola regular, quais os objetivos
e perspectivas de vida eles possuem que os impulsionaram a retomar
seus estudos, e como a escola pode contribuir para isso.

Os jovens e adultos pouco escolarizados trazem


consigo um sentimento de inferioridade, marcas
de fracasso escolar, como resultado de reprovações,
do não-aprender. A não-aprendizagem, em muitos
casos, decorreu de um ato de violência, porque o
aluno não atendeu às expectativas da escola. Mui-
tos foram excluídos da escola pela evasão (outro re-
flexo do poder da escola, do poder social); outros a
deixaram em razão do trabalho infantil precoce, na
luta pela sobrevivência (também vítimas do poder
econômico) (SANTOS, 2003, p. 74).

Vale ressaltar que os colaboradores são oriundos de classes sociais


médias e baixas, e que a maioria estudou em escolas rurais nas primeiras
séries iniciais, e, após, eles precisaram se dirigir às escolas do centro da
786
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cidade para darem continuidade aos seus estudos. Então, a maioria desta-
cou as dificuldades de acesso para chegar à escola, a falta de incentivo de
seus pais para sua permanência nas instituições escolares, também devido
às condições econômicas desfavoráveis que os levaram a trabalhar (em
detrimento dos estudos). Algumas estudantes relatam que abandonaram
a escola para constituir família, umas engravidaram em idade escolar, ou-
tras achavam a escola desinteressante. Todavia, dizem que estavam equi-
vocadas, e que a falta de estudo afetou seus objetivos e projetos de vida.
Em se tratando da violência sofrida na escola, já destacada por
Santos, evidencia-se, em muitos relatos, a ocorrência de bullying, prin-
cipalmente praticado pelos colegas que tinham melhores condições de
vida, ou porque achavam os estudantes inferiores a eles e faziam piadas
da sua condição financeira ou da sua aparência física. Uma violência
psicológica que afetou tanto esses discentes, que eles contam que perde-
ram o ânimo e a motivação para continuar frequentando as aulas.
Por outro lado, a conclusão do Ensino Médio representa a reno-
vação da esperança de proporcionar dias e condições melhores para si e
sua família, bem como a possibilidade de conseguir outros empregos,
além de prosseguir seus estudos, fazendo faculdade ou cursos técnicos.
Desse modo, a prática pedagógica precisa estar pautada em uma
prática educativo-crítica, propiciando condições em que os educandos,
em suas relações uns com os outros e entre todos e o professor ou a pro-
fessora, ensaiem a experiência profunda de assumir-se: assumir-se como
um ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transforma-
dor, criador, realizador de sonhos (FREIRE, 1996, p. 46).
Diante do exposto, é necessário que educadores e gestores escolares
reflitam constantemente sobre sua ação pedagógica, de modo a pautar sua
prática pedagógica na pedagogia dialogada, estabelecendo uma educação
não bancária, que busque fortalecer os vínculos com seus alunos, agentes
do conhecimento, promovendo uma interlocução entre os sujeitos da
aprendizagem e promovendo uma educação que tenha sentido para suas
vidas, para que os discentes possam “ler o mundo antes da palavra”, como
diria Paulo Freire. Se os docentes estão enclausurados e dominados pela
estrutura rígida, acabam se tornando reféns de dispositivos normativos e
de controle, e não se dão conta das problemáticas envolvidas nas concep-
ções de conhecimentos, de ser humano, de vida e de mundo.
787
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ainda, de acordo com Freire (2019, p. 50):

A consciência bancária “pensa que quanto mais se


dá mais se sabe”. Mas a experiência revela que com
este mesmo sistema só se formam indivíduos me-
díocres, porque não há estímulos para a criação.
[...] O professor arquiva conhecimentos porque os
concebe como busca e não busca, porque é desafia-
do pelos seus alunos [...].

Por isso, é preciso oportunizar a consciência crítica da realidade,


por meio da comunicação, potencializando constantes interrogações
acerca das possibilidades de ressignificar o aprendizado, reconhecendo
os alunos como participantes ativos do processo.

Por meio do diálogo, a comunicação apresenta-


-se como um instrumento e uma possibilidade de
construção do conhecimento e de compreensão
dos conteúdos escolares, pois “o diálogo entre as
pessoas, o poder esclarecedor ou argumentativo da
palavra e a aceitação do ponto de vista do outro
são essenciais à negociação, à compreensão, à acei-
tação” (ALARCÃO, 2001, p. 22).

Nesse sentido, Freire (2019, p. 35) destaca a necessidade de os


educandários promoverem uma pedagogia da comunicação, em que
todos tenham papel de protagonistas educacionais, um espaço onde
os professores entendam que “não podemos nos colocar na posição do
ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição
humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem
outro saber relativo”, pois todos já possuem um saber que é relevante,
e o professor deve valorizar esses saberes e aproveitá-los para tornar o
processo de ensino-aprendizagem mais prazeroso e significativo.

Palavras-chave: Pedagogia da Comunicação. Aprendizagem Significa-


tiva. Educação Bancária.

788
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São
Paulo: Cortez, 2011
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SANTOS, M. L. L. Educação de jovens e adultos: marcas da violên-
cia na produção poética. Passo Fundo: UPF, 2003.
VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

789
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POTENCIALIDADES DAS APROXIMAÇÕES ENTRE PAULO


FREIRE E JUSTIÇA RESTAURATIVA

Ana Paula Bertuol Rebelatto


anabrebelatto@gmail.com

Luíza Zelinscki Lemos Pereira


zelinscki@outlook.com

Thífany Piffer
thifanypiffer1@gmail.com
UFFS campus Erechim/RS

Por quem, para quem e com que objetivos os presídios foram


criados? O modelo carcerário vigente na sociedade contemporânea,
em algum momento da história, foi efetivo? Estarão as prisões obsole-
tas, como já indagava Davis (2018)? Há, no debate jurídico, alguma
alternativa à privação da liberdade? De que forma pode-se aproximar
a leitura de mundo de Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira,
dessas problemáticas? Partindo dos questionamentos expostos, o pre-
sente escrito tem como objetivo apresentar as múltiplas contrarieda-
des existentes, em nível de Brasil, no sistema carcerário, assim como
introduzir as discussões acerca das potencialidades e dos limites do
paradigma de Justiça Restaurativa, visando, com isso, proporcionar
relações/aproximações possíveis entre o conceito elencado e as con-
cepções defendidas por Freire. Como base de sustentação desta pes-
quisa bibliográfica de caráter exploratório utiliza-se, principalmente,
Davis (2017), Zehr (2008) e Paulo Freire.
Sendo assim, como já enunciava Davis (2018, p. 16) “A prisão
[...] funciona ideologicamente como um local abstrato no qual os in-
desejáveis são depositados, livrando-nos da responsabilidade de pensar
sobre as verdadeiras questões que afligem essas comunidades [...]”. Ou
seja, a partir de Souza (2018), compreende-se que gênero, classe social,
791
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

raça e sexualidade são marcadores de desigualdade, e esses elementos


não cessam de se reproduzir sobre os corpos encarcerados – os presídios
brasileiros se constituem através de um crivo classicista, racista e ma-
chista. No limite, pode-se questionar: Quem são as pessoas que estão
presas hoje no Brasil? Qual é o perfil de um indivíduo considerado
criminoso? Quais corpos merecem ser punidos?
Dessa forma, levando em consideração o recorte de gênero, se-
gundo dados coletados do blog Mulheres em Prisão,1 compreende-se
que 50% das mulheres brasileiras encarceradas têm apenas o Ensino
Fundamental, 50% têm entre 18 e 29 anos, 68% são negras, 57% são
solteiras. Para além disso, a maior parte delas é mãe e cumpre pena em
regime fechado, não possui antecedentes criminais, possui dificuldade
de acesso a empregos formais. Mais da metade destas mulheres foi presa
por tráfico de drogas. Não há a possibilidade de um outro pensamento
em relação ao encarceramento no Brasil? Afinal, conforme retratado em
matéria assinada pela BCC News Brasil,2 Brasil, Estados Unidos e China
detêm as maiores populações carcerárias do mundo, e nem por isso são
os países mais seguros para se viver.
Sendo assim, o conceito de Justiça Restaurativa perpassa a con-
juntura complexa das estruturas de poder que permeiam a possibili-
dade de lesão de uma vítima (seja em sentido simbólico, psicológico,
material) e a condenação incipiente de seu algoz. Partindo do elemen-
to retributivo da justiça, que prevê a constituição do encarceramento
como finalidade principal do processo de reparação, no qual o Estado é
tomado como ofendido, e não a vítima, compreende-se que o formato
judicial exclui do processo as partes interessadas, baseado na aplicabili-
dade da pena sem caráter dimensional. Ou seja, descaracterizam-se as
relações interseccionais para tratar de forma igualitária aquelas e aqueles
que são, estruturalmente, desiguais, conforme aponta Zehr (2008).
A teoria da Justiça Restaurativa propõe um novo olhar acerca do
sistema judiciário tradicional, a quebra da contínua invisibilização de
que as vítimas são acometidas, assim como a fragmentação do caráter
punitivo e ilusório para as duas partes. É possível aferir processos de

1 MULHERES EM PRISÃO. Disponível em: http://mulheresemprisao.org.br/.


2 LUFKIN, B. O mito por trás das longas penas de prisão. 7 de junho de 2018.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-44285495.
792
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

repercussão midiática em que o réu é tido como protagonista dos casos,


e a vítima é relegada ao silenciamento e ao julgamento. Em todos os
contextos, é indispensável habilitar o dispositivo da inserção social e os
denominadores que punem determinados corpos e promovem o prota-
gonismo de outros. Pensando a hierarquia das relações e a relativização,
na qual a vítima é limitada e deslegitimada na participação dos proces-
sos, a Justiça Restaurativa se encontra com a conceituação freireana de
diálogo, por preconizar as escutas e ampliar as possibilidades do dizer a
sua palavra, através do caráter mediador.
Nesse sistema, sem espaços para o diálogo e propício para que
dúvidas continuem sendo dúvidas, a prerrogativa da individualização
é derradeira: o Estado culpa e pune transgressores/as da lei que, em
perspectiva ampla, são vítimas do próprio Estado; levando em conta
categorias de exclusão, desigualdade e diferença, há aí um choque entre
oprimidas/os. Entendendo a Justiça Restaurativa como o espaço de tro-
cas de experiências, encontros entre as realidades, devolutivas de ques-
tionamentos e compreensão das causas de muitos crimes, cabe, ao en-
torno das falas, a ideia de consenso das práticas da retribuição da lesão,
elencando vítima e algoz como atrizes e atores de sua própria história no
movimento emancipatório. É nítido que não há definição de categorias
de lesão elencadas no processo, as probabilidades da Justiça Restaurativa
trabalham com perspectivas extremas de violência, evidenciando, em
todos os casos, o poder de decisão da vítima, em processo de cura, à
reparação que compense a perda.
A Justiça Restaurativa vem sendo muito utilizada no mundo todo,
sendo reconhecidamente empregada com eficácia em diferentes grupos
sociais; mas, devido à conjuntura, teve como foco principal medidas so-
cioeducativas. No Brasil, já se conhecia a importância do envolvimento
da família e seus efeitos benéficos no processo de acompanhamento desse
grupo, além da articulação da rede de proteção social e multiprofissional,
dando oportunidade de fala e de escuta. Preocupar-se com o diálogo, a
reparação de danos e a assunção de responsabilidade, mesmo sendo pra-
ticada em pequena escala, a Justiça Restaurativa pode abalar as estruturas
da justiça formal, que se provou, ao longo do tempo, um sistema falido,
de alto custo social e econômico, não somente para as pessoas envolvidas
com o ato violento ou o crime, mas para a sociedade como um todo.
793
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A Justiça Restaurativa parte da possibilidade do contato com


a outra pessoa e consigo mesma/o, (re)estabelecendo a dignidade e
o senso de justiça. Para tanto, é preciso que haja adesão consciente,
repensando formas de resolver conflitos e violências com um novo
paradigma. Concatenado a isso, o diálogo é entendido por Freire
(1986) como um momento especial, no qual a humanidade se es-
tabelece diante do reconhecimento da natureza dos sujeitos e de sua
historicidade. O diálogo ocorre quando a palavra e a ação se alinham,
pois “não há palavra sem práxis” (FREIRE, 1999, p. 77), isto é, não se
pode desvincular a ação da reflexão.
Nesse sentido, dentro do viés da Justiça Restaurativa, o diálogo é a
base para uma comunicação não violenta, conforme Rosenberg (2006).
Dessa forma, acredita-se na aproximação entre a sócio-educação e a Jus-
tiça Restaurativa, uma vez que ambas convergem com propostas volta-
das ao processo educativo para a prática de liberdade em conflito com
a lei, dialogando diretamente com a pedagogia freireana. Essa credibili-
dade não é somente analisada teoricamente, como também vivenciada,
a partir de valores restaurativos, como por exemplo, a responsabilização,
o diálogo (interconexão), a participação e a esperança. Paulo Freire, em
seu livro “Política e Educação” (1993), tematiza acerca da responsabili-
dade enquanto pré-requisito ao ato de educar e, mais, para o exercício
de qualquer profissão.

Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Paulo Freire. Sistema Carcerário.

794
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
DAVIS, A. Estarão as prisões obsoletas? Rio de Janeiro: Difel, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, P. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.
ROSENBERG, M. B. Comunicação Não Violenta: técnicas para
aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágo-
ra, 2006.
SOUZA, J. Subcidadania brasileira: para entender o país além do
jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: LeYa, 2018.
VARELLA, D. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
ZEHR, H. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justi-
ça. São Paulo: Palas Athena, 2008.

795
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PROVOC-AÇÕES FREIREANAS NA EXPERIÊNCIA DO PIBID:


CONSIDERAÇÕES PARA A FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

Catherine Streher De Lellis


c.lellis@edu.pucrs.br

Rosane Oliveira Duarte Zimmer


rosane.zimmer@pucrs.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

O estudo que ora compartilhamos tem como preocupação pon-


derar sobre as contribuições dos princípios freireanos para a formação
em Pedagogia, a partir de nossa experiência no Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) no período entre outubro de
2018 e janeiro de 2020, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), reiteradas no relatório final do programa.
A centralidade de nosso estudo pretende responder a seguinte
sentença: De que modos interpretamos a nossa formação no curso de
Pedagogia, após a experiência pibidiana pautada em princípios freirea-
nos, como pesquisa, dodiscência, alegria, estética e interdisciplinarida-
de? Objetivamos, portanto, compreender os prolongamentos dessa ex-
periência na formação de uma futura pedagoga (A) e, de igual modo, na
docente formadora. Para tanto, de acordo com Gil (2007), observamos
que os objetivos metodológicos da pesquisa exploratória nos possibili-
tam uma compreensão mais assertiva sobre o que fizemos, refletindo
sobre a nossa feitura. O tipo de pesquisa reconhecido como estudo de
caso nos pareceu o mais adequado para interpretar a problemática, uma
vez que temos como base os “registros de memória” e o relatório final do
PIBID, organizado pelas autoras, respectivamente uma discente e uma
docente participantes do Programa e do curso de Pedagogia. Nossa base
teórica foi a conceptualização do que nomeamos de princípios freirea-
nos, a partir de categorias emergentes, sustentadas teoricamente a partir
de conceitos expressos no Dicionário Paulo Freire (2010), bem como
797
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

os contidos nas obras “Professora sim, tia não” (2002), “Pedagogia da


autonomia” (2007) e “Pedagogia do oprimido” (2016).
A dodiscência, um dos princípios freireanos, nomeia a eterna
relação de troca de papéis entre docentes e discentes, representando a
percepção de horizontalidade dessa relação. É a partir dela que reco-
nhecemos nossa condição de não apenas educadora e educanda, mas
ensinantes e aprendizes uma da outra (FREIRE, 2002, STRECK et
AL, 2010). Mas, para a condição de dodiscência, é preciso que se cunhe
uma relação reflexiva e de autoria, ora de aprendente e ora de ensinante,
como observamos no registro da A1:

[...] com essa experiência pude evoluir e brigar


comigo mesma para me tornar cada vez melhor,
aprender a planejar aulas melhores, organizar ati-
vidades mais elaboradas, motivar meus alunos a se
engajarem cada vez mais. Consegui estudar a teo-
ria nas aulas e debatê-las nas reuniões para, enfim,
botá-las em prática na escola. Nesse período, pude,
por meio da minha interação com a coordenação,
participar de reuniões e descobrir o mundo da
gestão; isso mudou minha compreensão de como
uma escola realmente funciona. E com inspiração
em Freire, as reuniões institucionais traziam deba-
tes que foram moldando meus ideais.

Para Freire (2007), mesmo o movimento político, moral e gno-


siológico jamais deixou de ser feito com alegria. Na verdade, o autor
estava preocupado com ela e seus impactos na atmosfera do espaço pe-
dagógico. O autor observa, ainda, que há uma relação entre a alegria
necessária à atividade educativa e à esperança de que os alunos possam
aprender, ensinar e encantar, produzir e, juntos, igualmente, resistir aos
obstáculos à nossa alegria, como nos mostra este exemplar:

Participar desse programa foi também descobrir as


frustrações que um professor passa quando uma
aula não dá certo, quando os alunos não se interes-
sam ou até mesmo que, às vezes, é necessário, sim,
elevar a voz para pedir o silêncio. No dia que tentei
implementar o clube de leitura no sexto ano, quase
798
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

saí da sala chorando pela falha que foi aquela aula,


e logo já pensei que preferia os pequenos mesmo,
que estava acostumada. No período seguinte, fiz
outra tentativa, agora no quinto ano, e por mais
que alguns alunos bagunçaram mais, outros vie-
ram me agradecer ao fim da aula, me disseram que
gostaram e queriam saber quando eu viria dar aula
de novo. Meu pensamento anterior foi por água
abaixo, o quinto ano me conquistou com sua par-
ticipação ativa. E mesmo após terminar esse pro-
jeto, até o fim do meu edital, alguns alunos dessa
turma ainda vinham me cumprimentar e pergun-
tar quando eu iria aparecer na sala deles. Hoje em
dia, percebo que essa prática inicial no mundo da
docência não se encontra em um estágio normal,
me dei conta que são etapas diferentes. Apesar de
ambos muito válidos, a experiência de poder pla-
nejar sua atividade e aplicar com supervisão de ou-
tra professora, seja com a ajuda de outro bolsista
ou não, é única. Encontrei uma paixão no trabalho
que realizei com os alunos de inclusão, e apesar
de cansativa, era uma das atividades que mais me
envolvia. Por fim, só tenho a agradecer pela opor-
tunidade de aprender nesse ambiente, com esses
colegas e esses coordenadores (A).

Outra categoria, ou princípio, que nos remeteu aos estudos frei-


reanos foi a estética, uma vez que, em seu relatório final, a discente A
registra que:

Se um dia já estive em dúvida sobre a minha escolha


profissional, hoje não me recordo desse sentimento.
Amparada sempre pela minha coordenadora Kátia,
nas reuniões pude trazer à pauta minhas ideias para
os nossos projetos, e com sua ajuda, dos companhei-
ros bolsistas da equipe Tubino, e das professoras,
pude moldar essas ideias em atividades e práticas
possíveis que, em sua maior parte, deram certo.

A estética, portanto, é uma das condições fundamentais para o


futuro, não apenas da licencianda em pedagoga, mas da formadora
799
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

docente, da Pedagogia, questão vital para quem estará à frente das


classes da educação brasileira, em quaisquer níveis de ensino. A es-
tética, na perspectiva freireana, tem a ver com a compreensão ética.
Assinalava que decência e boniteza estão de mãos dadas. Para o autor,
não seria possível estarmos longe ou fora da ética como uma atitude
de transgressão. Para ele, educar é substantivamente transgressão, uma
vez que pensar demanda profundidade, e não superficialidade, para a
compreensão e interpretação de fatos. Pensar é radicalmente ser coe-
rente (FREIRE, 2007).
Na mesma direção, a interdisciplinaridade, apresentada des-
de a “Pedagogia do oprimido” (FREIRE, 2016), é tarefa do educador
dialógico que, trabalhando em equipe interdisciplinar, desenvolve não
apenas uma narrativa, mas uma atitude coerente. Outrossim, para a
discente, a experiência é discorrida como um achado para a sua profis-
sionalidade de pedagoga, como bem observa:

[...] fui integrante do primeiro núcleo interdisci-


plinar. Em nosso grupo tinha Biologia, Educação
Física, Física, Letras – Inglês, Letras – Português,
Matemática, Pedagogia e a Química, e ter essa mis-
tura de gente, essa troca de conhecimento de di-
versos campos da educação foi lindo. Inicialmente,
muito assustador, mas hoje consigo dizer que só
enriqueceu minhas vivências e minha formação,
desenvolveu meus interesses e, como futura peda-
goga, me deu mil ideias de projetos (A).

Por essa assertiva, podemos nos indagar: qual formação tão mais,
ou igualmente, interdisciplinar, desde a sua base até a sua materialidade,
temos como referência, senão a da Pedagogia? Logo, a experiência com
pares interdisciplinares foi preponderante para a formação da discente,
como bem observou A: “Pelo fim do primeiro ano, já achava que quan-
to mais interdisciplinar, mais atividade fluía”.
As experiências, então analisadas pela bolsista e pela coordenado-
ra (a futura pedagoga e a docente de Pedagogia), exemplificam os prin-
cípios freireanos no cotidiano educacional, constituído no nível básico
e superior. Tanto a Pedagogia como os princípios selecionados trazem,

800
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em si, o ato de educar como a relação social da troca, de teoria e prática,


de ensinar e aprender. Enxergamos, nos registros, a relação não apenas
de dodiscência, mas, simultaneamente, os impactos do programa à sua
prática e à construção de sua identidade docente, pelo viés da alegria, da
estética e da interdisciplinaridade. A “cereja do bolo” é identificar que,
para além da realização profissional, encontra-se, em meio a todas essas
descobertas, muito amor pela educação brasileira e pelo quanto a carrei-
ra docente consegue ser um desafio reconfortante e revigorante. Afinal,
como Freire nos dizia, “não se pode falar em educação sem amor”.

Palavras-chave: PIBID. Pedagogia. Princípios Freireanos.

801
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho D’água. 2002.
STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Org.). Dicionário Paulo
Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

802
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O FENÔMENO JUVENILIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS


JOVENS E ADULTAS: QUEM SÃO OS SUJEITOS?
QUAIS SÃO OS MOTIVOS?

Emeline Dias Lódi


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

A Educação de Pessoas Jovens e Adultas1 (EJA) constitui-se como


um espaço em que diferentes gerações se encontram, interagem e vi-
venciam experiências culturais e sociais diversas. É nessa modalidade da
Educação Básica que, no decorrer dos últimos anos, tem se observado
um aumento considerável de jovens matriculados(as): esse fato tem sido
comumente denominado de fenômeno juvenilização da EJA, e caracte-
riza-se pela presença expressiva de jovens cada vez mais jovens, advin-
dos(as), sobretudo, por meio de um processo migratório do Ensino de
Crianças Adolescentes e Jovens2 (BRUNEL, 2008).
O presente fenômeno é crescente. Jardilino e Araújo (2014, p.
182) enfatizam que “a presença cada vez maior destes jovens na EJA
tem sido identificada em todas as regiões do Brasil e em muitos países
da América Latina [...]”. Isso posto, nota-se que a EJA está passando
por um processo de renovação de seu público, o que evidencia o surgi-
mento de uma nova identidade.
Acerca dessa questão, Arroyo (2018, p. 19) elucida que “talvez a
característica marcante do momento vivido na EJA seja a diversidade
de tentativas de configurar sua especificidade”, e o que há de mais es-

1 Educação de Jovens e Adultos é expressão recorrente nas pesquisas desse campo


investigativo, assim como em documentos legais, contudo, ao longo deste texto, com
o intuito de proporcionar visibilidade às questões de gênero, optou-se pela expressão
Educação de Pessoas Jovens e Adultas, entretanto, manteve-se a sigla EJA.
2 A educação escolar, sob a LDB, é regular em qualquer de seus níveis, etapas e moda-
lidades, sendo assim, neste artigo, o termo “regular” não será utilizado para não refor-
çar qualquer concepção de “irregularidade” da EJA e, por esse motivo, será utilizado
o termo Ensino de Crianças, Adolescentes e Jovens para se referir ao que alguns docu-
mentos legais, bem como algumas produções acadêmicas, chamam de “ensino regu-
lar” em comparação com a Educação de Pessoas Jovens e Adultas (EJA).
803
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

perançoso é o protagonismo das juventudes. Por esse viés, a EJA deve


constituir-se como um espaço e tempo de socialização e sociabilidade,
de formação e intervenção, cuja “[...] finalidade não poderá ser suprir
carências de escolarização, mas garantir direitos específicos de um tem-
po de vida” (ARROYO, 2018, p. 21).
Mediante o cenário de reconfiguração da EJA, em que a presença
de jovens é massiva, torna-se relevante aprofundar as discussões sobre
essa temática. Desse modo, este estudo é fruto de pesquisa de mestrado
apresentada ao Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação,
da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim-
-RS, e objetivou compreender o fenômeno juvenilização na Educação
de Pessoas Jovens e Adultas (EJA) no município de Ponte Serrada-SC,
buscando identificar, mediante análise, os motivos que levam os(as) jo-
vens a evadirem do Ensino de Crianças, Adolescentes e Jovens e/ou a
migrarem para EJA.
Para tanto, elencaram-se como objetivos específicos: caracteri-
zar o perfil dos(as) jovens com idade entre 15 e 24 anos matricula-
dos(as) na EJA do Núcleo Avançado de Ensino Supletivo (NAES) de
Ponte Serrada-SC; identificar os motivos que levaram os(as) jovens a
evadirem do Ensino de Crianças, Adolescentes e Jovens e/ou migra-
rem para a EJA; e analisar os interesses e expectativas dos(as) jovens
em relação à escolarização.
Quanto à metodologia, empregou-se a abordagem quantiqualita-
tiva (MINAYO, 2012) nesta pesquisa de tipo exploratória e descritiva
(TRIVIÑOS, 2013). A apreensão dos dados empíricos se deu por meio
da pesquisa de campo, e para a coleta de dados utilizou-se um questio-
nário que foi aplicado a 55 estudantes, com idade entre 15 e 24 anos,
matriculados(as) no ensino fundamental e médio da EJA do NAES, do
município de Ponte Serrada-SC, e realizou-se entrevista semiestruturada
com uma amostra representativa de 12 estudantes. Os dados foram ana-
lisados seguindo as técnicas de análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
Os resultados da investigação evidenciaram a real existência do
fenômeno juvenilização nessa instituição educacional, haja vista que
75,34% dos(as) estudantes matriculados(as) eram jovens com idade en-
tre 15 e 24 anos. Ademais, ao pesquisar sobre a juvenilização da EJA,
considerou-se importante reconhecer o perfil desses(as) jovens. Em vis-
804
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ta disso, infere-se que os(as) jovens que constituíram a população da


pesquisa são majoritariamente sujeitos do gênero masculino (74,54%,
n = 41); em relação à etnia, a maioria são jovens negros(as) (61,82%,
n = 34); grande parte solteiros(as) (76,36%, n = 42); e não possuem
filhos(as) (81,82%, n = 45). Averiguou-se que parcela expressiva resi-
de na zona urbana (70,90%, n = 39); são trabalhadores(as) que foram
motivados(as) a ingressarem no mercado de trabalho, sobretudo pela
necessidade de ajudar nas despesas da casa (54,55%, n = 30); quanto ao
índice de reprovação, 89,10% (n = 40) já foram retidos(as) em algum
ano/série. Entretanto, esses(as) jovens avaliam de forma positiva a rela-
ção entre trabalho e estudo (61,54%, n = 24) e, por fim, consideram a
EJA um espaço emancipador (96,36%, n = 53).
A respeito dos principais motivos que os(as) levaram a evadirem
do Ensino de Crianças, Adolescentes e Jovens e/ou migrarem para EJA,
constatou-se que são múltiplos. Portanto, afirma-se que o fenômeno
juvenilização na EJA do NAES do município de Ponte Serrada-SC está
relacionado às seguintes motivações: necessidade de trabalhar para con-
tribuir com a subsistência familiar; relações conflituosas vivenciadas na
escola, tais como dificuldades de relacionamento com colegas e profes-
sores(as) e que, muitas vezes, culminaram em expulsões, seguidas de
encaminhamentos pelo Ministério Público e Conselho Tutelar para a
EJA, além de experiências negativas, como a ocorrência de bullying e
preconceitos; dificuldades de aprendizagem ao longo do processo de
escolarização, que resultaram em seguidas reprovações, acarretando a
defasagem entre idade e ano/série; e, ainda, fatos da vida relativos a cir-
cunstâncias inesperadas, como a ocorrência de gravidez, mudança de ci-
dade e problemas de saúde foram algumas das motivações identificadas.
Quanto à análise dos interesses e das expectativas desses(as) jovens
em relação à escolarização, verificou-se que eles(as) nutrem expectativas
positivas em relação à escolarização, e que muitos(as) relacionam o fato
de estarem estudando com a possibilidade de terem um futuro melhor,
ou melhores condições de vida, bem como sinalizaram que pretendem
continuar estudando a fim de ingressarem em uma universidade ou
fazer um curso técnico profissionalizante.
Portanto, o fenômeno juvenilização é uma realidade deste tempo,
representa a nova identidade da EJA, e demanda a produção de espa-
805
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ços escolares culturalmente significativos para atender à multiplicidade


de sujeitos jovens. Assim, torna-se relevante exercitar a pedagogia da
escuta, estabelecer uma relação dialógica e compreensiva com esses(as)
jovens, visto que a escuta assume significativa relevância, pois favorece
a reflexão e possibilita a ressignificação dos espaços educacionais, pois,
em consonância com Freire (2017, p. 117), acredita-se que “escutar é
obviamente algo que vai além da possibilidade auditiva de cada um [...]
significa disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta
para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do ou-
tro”. Destarte, é nesse processo de fala e de escuta que se estabelece uma
relação dialógica, porque “Sem diálogo não há comunicação e sem esta
não há verdadeira educação” (FREIRE, 2015, p. 115).

Palavras-chave: Juvenilização. Juventudes. Educação de Pessoas Jovens


e Adultas.

806
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ARROYO, M. G. Educação de jovens-adultos: um campo de direitos e
de responsabilidade pública. In: SOARES, L.; GIOVANETTI, M. A.;
GOMES, N. L. (Orgs.). Diálogos na educação de jovens e adultos.
Belo Horizonte: Autêntica, 2018. Pp. 19-50.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRUNEL, C. Jovens cada vez mais jovens na Educação de Jovens e
Adultos. Porto Alegre: Mediação, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
docente.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
JARDILINO, J. R. L.; ARAUJO, R. M. B. (Orgs.). Educação de Jo-
vens e Adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014.
MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C.
S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis:
Vozes, 2012. Pp. 9-29.
TRIVINÕS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2013.

807
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E O COMBATE À VIOLÊNCIA

Daniel Mendonça de Souza

Lúcio Jorge Hammes


Instituição Universidade Federal do Pampa
danieljaguarao@gmail.com

Este trabalho tratou-se de uma intervenção pedagógica que teve


por objetivo investigar as possibilidades do estabelecimento de princí-
pios da educação libertadora como estratégia de combate à violência,
em uma escola da rede pública de ensino de Jaguarão, RS. Este estudo
teve como base as concepções de Paulo Freire sobre educação libertado-
ra em oposição à educação bancária. Como procedimentos, adotamos
a análise de documentos da escola, além de observações do cotidiano
escolar, e utilizamos o diálogo com os alunos como forma de superação
do cenário atual. Os participantes da pesquisa foram alunos da Educa-
ção de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental, anos finais.
A análise de dados se deu através da observação das principais
motivações, declaradas pelos discentes, no cotidiano escolar, que aca-
bam gerando violência. Pode-se perceber que a violência física ou ver-
bal entre os pares surge na diferença. O ambiente escolar, por receber
pessoas diferentes, é um lugar onde surgem conflitos entre as pessoas e,
quando não são resolvidos de forma pacífica, acabam gerando violência.
Foram oportunizados cinco encontros para formação com os
discentes, e cada encontro teve duração de uma hora e ocorreu na
própria sala de aula. Após cinco encontros, foi feita uma avaliação na
qual, através do diálogo e da troca de experiências, foi possível verifi-
car as mudanças que poderiam ocorrer.
Nos encontros, foi necessário refletir sobre a relação entre
opressores e oprimidos no âmbito do ambiente escolar. Para Freire
(1983, p. 46): “Enquanto a violência dos opressores faz dos oprimi-
809
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dos homens proibidos de ser, a resposta destes à violência daqueles se


encontra infundida do anseio de busca do direito de ser”. Para Freire
(1967, p. 49), o oprimido “tem o dever de reagir à violência dos que
lhe pretendam impor silêncio”. Ainda segundo o autor, a grande ta-
refa humanista e histórica dos oprimidos é libertar-se a si e aos seus
opressores (FREIRE, 1983, p. 31).
Em Freire, podemos perceber a educação bancária como uma for-
ma de violência institucionalizada. Nesse caso, a escola, através da im-
posição disciplinar e dos depósitos de conteúdos sem problematização
por parte dos alunos, acaba cometendo violência para com estes. Freire
(1959) traz o “antidiálogo” como uma forma de violência. Dessa forma,
para Freire, a escola tradicional é violenta, já que nesses ambientes não
há uma prática de educação dialógica, mas, sim, “verbalista, propedêu-
tica e antidemocrática”.
Por outro lado, a educação libertadora surge como uma forma de
superar essa condição através da relação dialógica:

Enquanto na prática “bancária” da educação, an-


tidialógica por essência, por isto, não comunicati-
va, o educador deposita no educando o conteúdo
programático da educação, que ele mesmo elabora
ou elaboram para ele, na prática problematizadora,
dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais
é “depositado”, se organiza e se constitui na visão
do mundo dos educandos, em que se encontram
seus “temas geradores” (FREIRE, 1983, p. 120).

Na escola, uma grande dificuldade encontrada foi reagir à violên-
cia sem se utilizar de mais violência. Para romper com essa espiral de
violência em que os sujeitos desta intervenção estavam presos, aposta-
mos no trabalho dos conceitos de educação libertadora, que pressupõe
a relação dialógica entre alunos e entre professores e alunos, relação que
só é capaz de ocorrer entre iguais.
Pôde-se perceber que a comunidade decidiu optar pelo diálogo,
em detrimento da opção violenta, pois, através do diálogo e da pro-
blematização dessas questões, foi possível minimizar os impactos da
violência no cotidiano escolar. Ressaltamos a grande importância de

810
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

trabalhar com os conceitos de Freire e da utilização do diálogo nessa


caminhada, porque, através dos estudos de Freire e da prática dialógica,
todos poderão se tornar agentes de transformação de uma cultura da
violência em uma cultura do diálogo.

Palavras-chave: Educação Libertadora. Violência. Diálogo.

811
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
FREIRE, P. Educação e Atualidade Brasileira. [Tese de Concurso –
Cadeira de História e Educação]. Recife: Escola de Belas Artes de Per-
nambuco, 1959.

812
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PESQUISA COM AS PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO


CONVENCIONAIS NA UFFS ERECHIM:
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO

Rhuane Cristine Fonseca Salles


Universidade Federal da Fronteira Sul
E-mail: rhuped@gmail.com

Naira Estela Roesler Mohr


Universidade Federal da Fronteira Sul
E-mail:nairamohr@uffs.edu.br

O presente trabalho tem como objeto de estudo o conhecimento


popular, partindo da utilização das Plantas Alimentícias Não Conven-
cionais (PANCs). Pretende-se, na perspectiva de Paulo Freire, discutir
alguns elementos a partir de falas das discentes da Universidade Federal
da Fronteira Sul (UFFS) de Erechim, que são as participantes da pes-
quisa em questão1.
Objetiva-se compreender como acontece a participação das mu-
lheres, considerando que a temática, embora popular, é pouco abordada
no meio acadêmico. Essa problematização busca também identificar a
relevância de realizar pesquisas sobre temas que possam ter significados
para os participantes, ao mesmo tempo que possam promover o pensar
e agir na sociedade. O que se pretende não é chegar a um esgotamento
da discussão, mas provocar reflexão. Kronbauer define, na obra “Dicio-
nário Paulo Freire” (2010, p. 23): “Ação-reflexão é expressão recorrente
na obra de Freire. Ela designa o binômio da unidade dialética da práxis,
supondo que esta seja o fazer e o saber reflexivo da ação.”
É também na formulação de Freire (2018, p. 140) que encontra-
mos o princípio fundante sobre a questão da escolha do tema, quando

1 A pesquisa intitulada “O conhecimento feminino e a alimentação alternativa: uso


das plantas alimentícias não convencionais (PANCs) por mulheres na região da UFFS
Erechim” foi aprovada pelo Edital nº 381/GR/UFFS/2020, e está sendo desenvolvida
pelas autoras nos anos 2020 e 2021.
813
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

o autor ressalta que: “A investigação da temática, repitamos, envolve a


investigação do próprio pensar do povo. Pensar que não se dá fora dos
homens, nem num homem só, nem no vazio, mas nos homens e entre
os homens, e sempre referido à realidade”.
Considerando isso, nós nos propusemos a revisitar e aprofundar
a discussão do tema, levando em consideração o retorno da comuni-
dade acadêmica feminina da UFFS, através das interações dos ques-
tionários aplicados. Procuramos, com base nas teorias de Paulo Freire,
exercitar uma escuta sensível de interpretação de dados preliminares
da investigação.
A escolha inicial do tema PANC esteve atrelado à perspectiva
de desenvolver práticas na área experimental da horta agroecológica da
UFFS. No entanto, nós nos questionávamos sobre em que medida esse
seria um tema de relevância e interesse dos sujeitos acadêmicos. Tínha-
mos algumas leituras prévias que indicavam relações significativas entre
alimentação, trabalho feminino e produção de conhecimento.
A utilização de alimentos alternativos não é usualmente reforçada
no mercado convencional, pois não possui os atributos de valorização na
lógica capitalista, que prioriza ao máximo a produção de mercadorias. A
temática da alimentação também tem conexão com a luta de algumas
abordagens feministas de combate ao patriarcado. Compactuamos com
a interpretação de que a divisão social do trabalho, incluindo a divisão
sexual, reforçada pelas relações de poder do patriarcado, já ocorria em
outros modos de produção, mas se intensificam no atual. Assim como
afirma Safiotti (2013), é no capitalismo que a segmentação das tarefas
consegue se aperfeiçoar a tal ponto que se torna necessária a promoção
de recursos de exploração de seres humanos e da natureza, bem como a
justificativa para esse processo. No capitalismo, a forma mercadoria pa-
rece ser a única viável, e, como alerta Freire (2018, p. 63): “Nesta ânsia
irrefreada de posse, desenvolvem em si a convicção de que lhes é possí-
vel transformar tudo a seu poder de compra”. Articulada a essa questão
econômica é que se encontra a relação entre mulheres e alimentação.
No decorrer de nosso processo de pesquisa, observamos que mui-
tas provocações e reflexões poderão surgir em torno dessa relação (mu-
lheres e alimentação), principalmente referendadas pelo significativo
interesse demonstrado pelas participantes. Ousamos anunciar que este
814
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

trabalho se aproxima da metodologia de problemas geradores, desen-


volvido por Freire, a quem nos interessa melhor compreender e funda-
mentar para a execução dos próximos passos.
Sobre o objetivo de temas geradores, na “Pedagogia do oprimi-
do”, Freire (2018, p. 121) nos instiga a pensar que é preciso conce-
ber as pessoas não como peças, mas como sujeitos que expressam seu
pensamento-linguagem sobre sua realidade, sua percepção e a visão de
mundo e seu envolvimento com os temas geradores.
Assim, na busca de pensar sobre a produção de temas geradores,
apresentaremos alguns aspectos, embora preliminares, de nossa pesqui-
sa com acadêmicas da UFFS Erechim. Obtivemos, até o momento, 130
interações de acadêmicas, a partir de retorno de um questionário.
O primeiro ponto que nos motiva diz respeito à relevância do
tema, presente em uma das questões que foi assim formulada: “Você
considera importante o conhecimento sobre o uso de PANCs?”. Das
130 respostas, 112 pessoas apresentaram sim como resposta, 17 ale-
garam não ter opinião formada, e apenas 1 resposta foi negativa. Na
mesma perspectiva, outra pergunta estava ligada ao interesse de apro-
fundamento sobre a temática, na qual 97 pessoas afirmaram que, ao
responder o questionário, seu interesse pelo assunto aumentou. Essas
respostas afirmativas nos instigam a propor as próximas estratégias que
corroborem esse interesse. Temos, também, como hipótese, que essa
aproximação entre saberes culturais e populares, quando abordados
no cotidiano da pesquisa, permite um ambiente de dialogicidade. Para
Freire (2018, p. 22), o diálogo não é produto histórico, é, sim, a pró-
pria historicização, sendo ele um movimento que constitui consciência,
possibilitando vencer fronteiras limitadoras, com o objetivo constante
de propiciar um reencontro além de si.
Salientamos, ainda, que, em uma das questões abertas da pesqui-
sa, as participantes apontaram solicitações de processos formativos de
troca de saberes sobre o tema das PANCs. Nessa questão, evidenciamos
pessoas que demonstram conhecimento sobre o tema, e que poderão
contribuir para o aprofundamento teórico das ações futuras, rompendo
com a lógica hegemônica de extensão, em que os sujeitos apenas rece-
bem conhecimentos unilateralmente. Mas a pesquisa também está reve-
lando importantes aspectos sobre as dificuldades alimentares que algu-
815
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mas estudantes estão enfrentando, tendo como principais fatores: falta


do restaurante universitário; situação da pandemia; desemprego; alta
dos preços; falta de auxílio socioeconômico; dentre outros. Certamente,
esse ponto se configura como uma questão reveladora, que precisa ser
mais bem discutida, fundamentada no conceito de práxis. Estimamos
que os estudos freireanos poderão nos orientar para dar prosseguimento
às próximas ações, tanto no âmbito da pesquisa, como da extensão.
Ao observar as obras de Paulo Freire, bem como ao analisar as
respostas obtidas no referido questionário, concluímos que, no meio
popular cotidiano, muitos conhecimentos podem vir a ser trocados,
e que estes também têm potencial para tornar-se objeto de estudo e
pesquisas. Encerramos com os dizeres de Freire (1998, p. 155): “é que
ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o ca-
minho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa
do qual a gente se pôs a caminhar”.

Palavras-chave: Mulheres. Alimentação Alternativa. Tema Gerador.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 66. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
KRONBAUER, G. L. Ação e reflexão. In: STRECK, D. R.; Et AL. Di-
cionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
SAFFIOTTI, H. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade.
São Paulo: Expressão Popular, 2013.

816
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE, AS CRIANÇAS E O CHÃO DO MUNDO

Ana Felícia Guedes Trindade


Madre Tierra - Comunidade Aprendente

Cristiane dos Santos Alves


IFRS - Campus Alvorada/RS
Madre Tierra - Comunidade Aprendente
madretierra.poiesis@gmail.com

Este trabalho tem dois propósitos políticos: discutir as relações


construídas entre Paulo Freire e as Infâncias, durante a produção de sua
obra, e revisitar cartas trocadas entre Paulo Freire e uma criança de 9
anos, a prima Nathercia Lacerda, ao estar exilado no Chile. O primeiro
propósito entrelaça-se com o segundo, em que nós, que acreditamos
tanto na obra freireana, desejamos colaborar no anúncio de que a sua
existência humana e toda a sua obra construída foi pautada por um
cuidado includente de todas as humanidades, inclusive as crianças. O
segundo propósito se atém na revisitação das correspondências trocadas
entre Freire e Nathercia Lacerda, o que evidencia, entre tantos outros,
o seu cuidado com o pensamento infantil e a sua sensibilidade em pro-
duzir diálogos compreensíveis, porém politizados, com uma criança.
Essa é uma das relações mais diretas que desejamos destacar, porém,
em nossas pesquisas, já temos tantos achados que, cada vez mais, para
além da consciência afirmada de que a vastidão da obra freireana está
para todas as pessoas e suas humanidades, desejamos anunciar e firmar,
também com essa experiência vivida, agora em estudo crítico: a obra
freireana pensa as Infâncias.
Esse tecido político desvelador ampara-se em possibilidades e
tensas aberturas cognoscentes de campos que defendem as Infâncias, e
em discussões fecundas com algumas comunidades científicas e escola-
res que debatem a preocupação ou não dos estudos de Paulo Freire com
817
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

as Infâncias. Paulo Freire troca cartas com a sua prima de 9 anos, du-
rante um dos períodos de exílio político que viveu, enquanto estava no
Chile, em época de ditadura militar do Brasil – e essas correspondências
são atravessadas por uma escrita mediadora, com profundo respeito e
amorosidade à Infância daquela criança. Tal acontecimento põe-nos a
pensar sobre as relações estabelecidas entre Paulo Freire, Infâncias, edu-
cadoras e educadores de Infâncias, Escola Infantil, Escola Fundamental
Anos Iniciais, Pedagogia Freireana para as Infâncias.
Muito comum, quando produzimos rodas de conversações so-
bre a práxis Freireana, percebermos o quanto existe de distância entre
educadores de infâncias e os estudos freireanos, e o quanto escutamos,
por muito, que Freire desenvolveu um pensamento pedagógico “para
jovens e adultos e educação em geral, não incluindo, especificamente,
as infâncias”. Essa afirmação, completamente injusta e esvaziada de sen-
tidos, que tomou um lugar de senso comum no Brasil, tem nos levado a
realizar estudos de pesquisa sobre essa questão específica, e, entre outros
grupos de pesquisa do Brasil, também no iniciante grupo de pesquisa
da Madre Tierra – Comunidade Verde Aprendente – denominado Gru-
po de Estudos e Pesquisas Paulo Freire, as Crianças e o Chão do Mundo
(GEP 1), em que temos produzido aprofundamentos dos estudos sobre
a presença de Freire no universo das Infâncias, com 18 pesquisadoras
e pesquisadores. Temos escavado “estreituras” da vida de Freire com as
crianças, em modo livre e autônomo pela e com a Madre Tierra. En-
tre tantas obras que temos lido e analisado sobre Freire e as crianças,
encontramos esta, intitulada “A casa e o mundo lá fora”, de Nathercia
Lacerda, amparada por duas pesquisadoras, Cristina Laclette Porto e
Denise Sampaio Gusmão, publicada pela Editora Zit, em 2016.
O Projeto de Pesquisa-mãe Paulo Freire, as Infâncias e o Chão
do Mundo tem se constituído como um movimento de fundamen-
tações e colaborações com tudo o que já existe sobre esse campo, e
também em esforços concretos de aberturas entre espaços escolares e
não escolares, no sentido de abrir essa discussão com as mais distintas
comunidades. A obra de Nathercia Lacerda, portanto, ocupa um lu-
gar de importância nesse contexto.
Desde a primeira carta, Freire conta curiosidades sobre a natureza
e o lugar em que estava vivendo, o Chile, como um dos “pedaços do
818
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mundo”, explicando a existência de outras culturas, outros lugares, ou-


tras línguas, provocando Nathercia a imaginar como seria viver em outra
geografia, produzindo a travessia de uma geografia da infância desde seu
quintal até a Cordilheira dos Andes, descrevendo os muitos espaços e mo-
dos de lá viver, trazendo a sua criança interior, descrevendo como se sente
em relação ao menino que foi e aconselhando-a sobre “nunca deixar de
ser criança” e nunca se esquecer da menina que vive nela. Respeita o seu
direito de criança; porém, em momento nenhum a infantiliza.
Nas cartas, também é possível analisar a preocupação que Paulo
Freire tem em relação “aos homens que se esqueceram dos meninos que
foram” ressaltando o quanto é importante ter sempre vivas a infância e
as memórias das crianças que fomos. Paulo Freire fala sobre a cidade, a
natureza, os ciclos da vida, as estações do ano, sobre como ele se sente
menino novamente, relata suas vontades, demonstra preocupação para
que Nathercia nunca se esqueça de sua menina, ao mesmo tempo em
que faz nos refletir sobre como estamos nutrindo a nossa criança inte-
rior, instigando-nos a buscá-la sempre, por meio da reflexão sobre as
crianças que fomos e nossas memórias.
Essas menções também nos instigaram a desenvolver mais uma
metodologia de trabalho, na pesquisa: “As arqueologias de si”, em que
as pesquisadoras e os pesquisadores têm escavado as suas infâncias, bus-
cando imagens, lembranças, memórias afetivas, produzindo narrativas
do processo de “meninizar-se” (termo encontrado em diversas obras de
Freire), resgatando e recuperando memórias das crianças que foram,
com o intuito de pensar-se como a criança que habita em si e que existe
em sua linha de tempo, desejante de se encontrar com outras crianças
e de se compreender desde esse lugar, ampliando a compreensão das
crianças do mundo, desenvolvendo a empatia, tentando olhar o mundo
com olhos de criança.
As cartas têm confirmado a disposição de Freire em produzir diá-
logos com as crianças. Nelas, ele menciona sobre a alegria de viver e che-
ga a escrever: “O mundo seria mais bonito se os homens pudessem rir
como as crianças”. Ele escreve sobre a importância do brincar, de como
gente grande se esqueceu de quando era criança e brincava, de como
gente grande, por vezes, fica brava quando as crianças querem brincar,
e diz para Nathercia nunca se esquecer de brincar, porque brincar é tão
819
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

importante quanto estudar. Desde o lugar de pensar as muitas relações


que Freire estabeleceu com o universo das infâncias, o GEP1 também
produz a lindeza de se pensar por dentro dos seus fios de memória,
construindo metodologias sensíveis, empíricas e transformadoras com
as próprias pesquisadoras e os pesquisadores que aprofundam o tema
em evidência. Nesse processo, muitas conversações têm se construído,
muitas emoções têm jorrado, muitas memórias têm aguçado desejos de
reorganizações, muitos elementos como encorajamentos, autonomias,
desbloqueios de escritas, alegrias culturais têm surgido nas “Arqueo-
logias de si” que vão se desenrolando nos entremeios das leituras da
bibliografia do grupo e das buscas individuais, autônomas ou coletivi-
zadas. Tem-se pensado no quanto Nathercia, uma criança do Brasil e no
Brasil em plena ditadura militar, pode ter irrigado a esperança de Freire,
no exílio. Porque as ditaduras, de quaisquer ordens, amordaçam a pala-
vra, o sentir, o corpo, a expressão, as liberdades, o viver, e enquanto não
vão banindo os sonhos, os inéditos possíveis, os pensamentos críticos,
não sossegam. Escrever para uma criança brasileira a habitar o Brasil,
em tempos de soterramentos, pode ter sido, quem sabe, um dos fios do
esperançar em Freire, naquele período tão gris.
Finalizar este resumo com o respeito de quem leu tanta ternura
escrita dedicada a uma criança, vem do mesmo lugar de respeito que
Freire sempre demonstrou pelas suas crianças de casa (seus filhos, suas
filhas) e pelas crianças brasileiras e do mundo inteiro, pensando, para
elas, uma educação que defendesse e defenda as suas vidas com a digni-
dade própria e de legítimo direito das crianças. Esperançemos, no chão
do mundo, todos os dias. Possamos escrever cartas cheias de esperanças
às nossas crianças, assim como Freire escreveu, com tanta boniteza, des-
de o mundo lá de fora, à Nathercia Lacerda.

Palavras-chave: Paulo Freire e as Crianças. Infâncias. Cartas.

Referências
LACERDA, N. A casa e o mundo lá fora: pesquisas de Cristina La-
clette Porto e Denise Sampaio Gusmão. Rio de Janeiro: Zit, 2016.

820
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTAS PEDAGÓGICAS: HISTÓRIA, LEGADO E REINVENÇÃO

Ivo Dickmann
Unochapecó
educador.ivo@unochapeco.edu.br

A produção do conhecimento já passou por diversas fases ao
longo da história da humanidade, e acredito que ainda haverá outras
formas de produzir e registrar os saberes humanos que ainda não fo-
ram criados. Desde a lógica da oralidade, que passava de geração para
geração, os mitos religiosos – tanto o hebraico-cristão como o grego, só
para falar da cultura ocidental – que tentavam superar o senso comum,
a origem da filosofia grega, o modo de pensar teológico do medievo e a
sua superação pelo método cartesiano, até a constituição da ciência mo-
derna, tudo isso se apresenta como uma curta caminhada em direção
à complexidade que é produzir conhecimento que se considere não só
uma parte, mas a totalidade dos saberes – populares e científicos.
Ainda podemos acrescentar aqui outras formas de saber que, na
maioria das vezes, são esquecidas: o saber sensível da arte, o saber prático
da experiência feita, o senso comum que salva muitas vidas... A coexistên-
cia desses diferentes saberes é uma forma de ler o mundo de forma mais
integral, correlacionando os diversos aspectos constitutivos do real.
Nesse movimento de produção de conhecimento, é preciso admi-
tir que nem todas as pessoas desenvolverão o potencial de escrever e re-
gistrar a memória do que é produzido no formato da ciência acadêmica
– que é o artigo científico. É preciso diversificar as formas de produção
de conhecimento para produzir um processo inclusivo e de ensaio para
algo maior, que virá nas etapas seguintes. Assim, creio que vem se cons-
tituindo um campo de pesquisa e produção de conhecimento, de forma
consistente, que é a escrita de Cartas Pedagógicas.
Essas cartas não são algo espontâneo, mas, sim, organizado de
sistematizar e comunicar uma mensagem clara, que inicia no contexto
821
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de vida de quem escreve e chega até a criatividade, no modelo como se


estrutura a carta. Aliás, já temos algumas referências sobre o tema em
livros e em eventos freirianos que aceitam a escrita de cartas, o que já
é um reconhecimento das Cartas Pedagógicas como uma forma váli-
da para publicizar o que se produz (DICKMANN, 2020; FREITAS,
2019; PAULO, DICKMANN, 2020).
Eu tenho me aproximado desse método de escrever via Co-
munidade Freiriana, e, desde o começo, percebi a potencialidade das
Cartas Pedagógicas, sendo que comecei a utilizá-las em processo for-
mativo com educadores, tanto presencial como online, nas aulas de
graduação das licenciaturas e na pós-graduação em Educação, como
trabalhos finais das disciplinas. A novidade é aceita de imediato pelas
turmas, e isso é um indicativo de certa “overdose de cientificismo” que
toma conta da Academia.
Portanto, como estamos num processo de adensamento teórico
e prático sobre as cartas pedagógicas, é preciso que nos debrucemos so-
bre as diferentes formas como as cartas já foram utilizadas ao longo da
história humana, para perceber as aproximações e os distanciamentos
entre o uso, a forma e a função de cada uma delas.
Nesse sentido, temos: a colonização do Brasil nasce de uma carta
escrita por Pero Vaz de Caminha à corte portuguesa; no campo da filo-
sofia, temos as cartas entre Hannah Arendt e Martin Heidegger; as duas
cartas sobre a guerra, entre Freud e Einstein; na educação, temos os li-
vros de Paulo Freire; temos ainda o sucesso cinematográfico de Central
do Brasil; entre tantas outras cartas que sugerem uma forma efetiva e
eficiente de comunicação e de produção de sentido das relações entre
essas pessoas, permitindo compreender melhor a realidade histórica em
que são produzidas. Aliás, Freire foi o autor que tomou as cartas como
um estilo de escrita de suas obras, e é hoje a principal referência para a
produção das Cartas Pedagógicas.
Ao mesmo tempo, não há uma só compreensão do que é uma
Carta Pedagógica, e ela tem um papel diferente conforme o seu autor,
a mensagem que leva em si e a função que cumpre entre o escritor
e o receptor. Na sequência, faço uma elaboração do que seriam essas
identidades e diferenças, para concluir sobre a especificidade delas.
Obviamente, essa caracterização que passa pelo dicionário e pelo uso
822
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sócio-histórico que se faz de cada uma não esgota o entendimento e a


interpretação das Cartas Pedagógicas, e nos permitirá abrir e ampliar o
debate sobre elas, com base em Paulo Freire.

• Correspondência: esse modelo é o mais informal, utilizado


para contar causos, encurtar a distância e matar a saudade,
enviado geralmente pelos Correios e entregue por um tercei-
ro – o carteiro. Demanda um remetente e um destinatário,
não tem uma estrutura interna padrão, é solta, leve, livre,
pode ser escrita à mão e com um português coloquial. É car-
regada de sentimento, e as informações que a compõem são
de ordem aleatória, refletem o espontaneísmo e a falta de
rigorosidade próprios desse tipo de diálogo – a correspon-
dência é uma conversa escrita entre pessoas que se querem
bem. Quem escreve uma correspondência anseia contar algo
importante para alguém que se interessa pela história: há uma
ligação entre remetente e destinatário que estimula a escrita.

• Epístolas: estilo próprio do Novo Testamento e que tem seu


apogeu com o apóstolo Paulo, sempre começa com um “en-
dereço e saudação” e, na sequência, uma orientação teológico-
-cristã, tanto para um grupo de pessoas ou para uma liderança
que tem alguma responsabilidade na organização ou no ensino
na comunidade. Algumas foram escritas na prisão e outras para
comunidades que Paulo nunca visitou, mas que queriam ou-
vi-lo (lê-lo). Tem caráter sapiencial, pois trata da melhor inter-
pretação da vida devota, dá testemunho de vida, ensina a men-
sagem da salvação, conta ou narra feitos dos escolhidos, orienta
o que fazer e auxilia no distanciamento do pecado. As cartas
pastorais, como ficaram conhecidas, aproximam-se de um tes-
tamento onde a herança é a vida eterna, advinda pela salvação
da alma, ao seguir os conselhos e as advertências dos patriarcas.

• Encíclicas: essas são públicas, mas de uma especificidade ain-


da maior, pois só o Papa as escreve, e têm caráter de admoes-
tação, para organizar a doutrina da Igreja. Geram discussão,
823
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

debate, diálogo, mas não são abertas à mudança, visto que


se embasam no carisma da infalibilidade do Bispo de Roma.
As encíclicas são burocráticas; o objetivo dela é circular (sua
origem é em ciclo); chegam a todos como uma orientação de
fé e são, por extensão, uma espécie de revelação divina, pre-
tendendo gerar unidade e evitar desvios de entendimento e
hermenêutica do Evangelho e uma compreensão melhor da
Revelação, em matéria de fé e costumes cristãos. A resposta
para uma encíclica é a prática dos seus ensinamentos na vida
comunitária.

• E-mail: estes são a forma mais comum como nos comuni-


camos oficialmente com as pessoas hoje. As cartas eletrôni-
cas ainda estão na ordem do dia no nosso trabalho cotidia-
no, mesmo com o advento dos aplicativos instantâneos de
mensagem. Na verdade, são cartas digitais, permitem inserir
anexos, compartilhar documentos, podem ser enviadas ao
mesmo tempo para vários destinatários – o que é uma van-
tagem em relação à correspondência – pois permitem iniciar
um diálogo em grupo, com respostas coletivas. Essas cartas
virtuais se consolidaram como a principal maneira como es-
crevemos para os outros nos dias de hoje. Podem conter uma
mensagem corriqueira a um/a amigo/a, ou podem ser usadas
de modo oficial. Hoje, todo mundo tem um “endereço ele-
trônico” para receber uma carta online.

• Cartas Pedagógicas: estas são uma novidade no universo aca-


dêmico, estão em pleno desenvolvimento enquanto campo
de produção de conhecimento pelo ensino, pesquisa e exten-
são; embora, há algum tempo, já se venha falando disso como
possibilidade na Educação Popular. Elas geralmente têm as
seguintes funções: a) uma intencionalidade gnosiológica que
é ensinar algo a alguém, partindo do contexto concreto; b)
uma dimensão metodológica, ao instigar o diálogo intersub-
jetivo; c) uma finalidade epistemológica, que é construir no-
vos conhecimentos na relação dos diferentes saberes; d) uma
824
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

práxis política, que visa intervir e transformar a realidade. Ou


seja, as cartas são substantivamente políticas e adjetivamente
pedagógicas, ao permitir conhecer solidariamente a realidade
para transformá-la coletivamente.

Palavras-chave: Cartas Pedagógicas. Paulo Freire. Identidade na diferença.

825
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
DICKMANN, I. As dez características de uma carta pedagógica. In:
PAULO, F. S.; DICKMANN, I. (Orgs.). Cartas pedagógicas: tópicos
epistêmico-metodológicos na Educação Popular. Chapecó: Livrolo-
gia, 2020. Pp. 37-53.
FREITAS, A. L. S. Carta sobre Cartas Pedagógicas: experiência e rein-
venção do legado de Paulo Freire. In: DICKMANN, I. (Org.). Diálogo
Freiriano. Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2019. Pp. 55-64.
PAULO, F. S.; DICKMANN, I (Orgs.). Cartas pedagógicas: tópi-
cos epistêmico-metodológicos na Educação Popular. Chapecó: Li-
vrologia, 2020.

826
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA AOS PROFESSORES: DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO


EM DIAS PANDÊMICOS

Débora Medeiros do Amaral


Universidade Federal do Rio Grande - FURG
deboraamaral@furg.br

Queridos professores da educação básica, em especial os professo-


res Caiqueiros com quem constituo minha docência:

A capacidade de aprender, não apenas para nos


adaptar, mas sobretudo para transformar a realida-
de, para nela intervir, recriando-a (FREIRE, 1996).

Escrevo esta carta provocada pelos sentimentos que estes dias,


marcados pela COVID-19, vêm provocando em mim. São dias em
que a vida parece ter entrado em colapso total. Dias em que precisa-
mos (ousar) manter viva nossa capacidade de aprender, não para nos
adaptarmos, mas para intervir, recriando! As palavras de Freire são tão
atuais, parecem escritas em dias pandêmicos como estes. Foram muitas
as manhãs em que acordei pensando em vocês, pensando na escola e,
em especial, pensando nas ausências da escola e de vocês, professores, na
vida das crianças, dos adolescentes e dos jovens e adultos. O distancia-
mento físico nos tirou a oportunidade de atentar aos corpos, às formas
de andar e tantas formas de nos contar sobre a vida, sobre as violências,
sobre as exclusões. Momentos do cotidiano escolar que os nossos es-
tudantes vão criando, abrindo fissuras, brechas, provocando conversas
que teimam em nos contar sobre seus mundos, por vezes tão distantes
e tão próximos dos nossos.
Sento em frente ao computador para escrever para vocês, e as
lembranças chegam junto. Quantas experiências partilhadas nessa ousa-
dia que é fazer escola, que é fazer educação. Quantas conversas-diálogo
vivemos para construir nosso Projeto Político Pedagógico! Foram mui-
827
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tos os momentos em que nos perguntamos: “Que mundo queremos?”


Para, a partir dessa pergunta, pensar na construção de uma educação
que nos permitisse colaborar para construção deste mundo desejado.
Ao longo da minha existência humana, sempre fui acompanhada
pelas perguntas. Desde criança, gostava de perguntar: qual teu nome?
Quem tu é? Por que o nome da mesa é mesa? Será que alguém nos ob-
serva e a gente não vê (e olha que não existia Big Brother na época!)? O
que é o amor?...
E o que é desenvolvimento infantil? Será que todas as crianças se
desenvolvem da mesma forma? Quais os sentidos e possibilidades da
escola? Que histórias sobre as escolas vêm sendo contadas por meio dos
programas de pós-graduação? Será que é possível uma ciência prudente,
para uma vida decente (Boaventura Souza)?
E, agora, na escrita desta carta, que faço acompanhada pelas lem-
branças da escola, chego a uma nova pergunta... Para além do mundo
que queremos, quem podemos ser no mundo que temos?
No início da minha formação no curso de Pedagogia, por algu-
mas leitura e ideias, próprias dessa etapa da formação, eu acreditava
que uma revolução aconteceria, algo que mudasse de forma eficaz o
mundo, as relações, as pessoas, resultando na garantia de uma vida justa
e igualitária. Ainda desejo essa vida, para mim, meus amigos e compa-
nheiros de docência, e, em especial, para crianças, adolescentes, jovens
e adultos, estudantes da educação básica, com quem aprendi a ver e
compreender a vida para além das minhas experiências, ou seja, ver
a vida de forma coletiva. Porém, o caminho que percorri e construí
com vocês, professores da educação básica, na partilha dos sentimentos
de impotência que, muitas vezes, compartilhamos ao redor da mesa
grande, nos encontros formativos, com pautas ambientais, humanas,
educativas, enfim, diversas, me mostraram que as revoluções acontecem
no cotidiano da escola. A revolução não é única, não é de um herói, de
uma liderança, de um ser considerado elevado; ela é plural, é feita nos
movimentos diários, nas tomadas de decisão, nos processos de escuta
e nos processos de escrita. Ela é feita pelas crianças que ainda sorriem
e brincam, apesar da miséria e da fome; ela é feita pelos estudantes do
sexto ano, com quatro anos de reprovação e que continuam acordando
cedo nas manhãs frias para estar na escola e ouvir os mesmos saberes
828
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que não conseguem entender; ela é feita pelos professores da educação


básica, que são afrontados dia a dia por nossas formas de fazer ciência e
de dizer o quão erradas são suas práticas. E vocês, educadores e educa-
doras, continuam lá, produzindo saberes, reinventando a escola e sendo
referência de cuidado e educação na vida de uma comunidade inteira.
Partindo das lembranças-memórias que habitam em mim, dos dias
vividos na escola onde atuei como estagiária, professora, coordenadora
pedagógica e diretora, convido os leitores desta carta a pensarem comigo:
quem podemos ser no mundo que temos? Acredito que essa pergunta
pode apresentar outras possibilidades de pensamento e caminhos a serem
trilhados, nos colocando como parte desse mundo, como integrantes e
responsáveis por ele, a partir de um tempo presente, a partir do agora!
Vocês, professores da educação básica, com suas práticas e espe-
ranças, me mostram que há uma tomada de decisão importante, um
compromisso individual com o fazer educativo, que vai para além das
condições que se tem. Esse compromisso de vocês me faz pensar sobre o
mundo, e sobre ser anterior à pergunta do mundo que queremos: pen-
sar quem podemos ser no mundo que temos. Penso que nossas práticas
precisam ter um compromisso maior com o presente – talvez mudando
o presente, possamos ter um futuro outro.
Esses dias pandêmicos, apesar de assustadores e de provocado-
res de ausências, também provocaram presenças. Entre tantas lives que
pude ver e ouvir, lembro com intensidade de uma frase de Boaventura
Souza, quando frisou que somos 0,01% da vida do planeta, e que é
enorme o estrago, a destruição que esse percentual de vida produz. Sim,
essas informações nos levam para o futuro, mas e hoje? O que podemos
fazer hoje? Se esse percentual consegue destruir, não conseguiria respei-
tar, para que o mundo se reorganize?
O esperançar da escola e das práticas docentes me permite espe-
rançar, como nos ensinou Freire, sobre a construção de mundos outros,
que são construídos dia a dia na escola. Penso que, se pudéssemos olhar
para as escolas de educação básica para além das ausências, e, em espe-
cial as públicas, poderíamos aprender muito sobre quem podemos ser
no mundo que temos.
As educadoras e os educadores conseguem ser presença, mesmo
quando o caminho é de ausência. Vi, ouvi, senti e chorei com experiên-
829
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cias construídas por eles na pandemia causada pelo COVID-19. Cho-


rei ao ver a emoção de alguns vendo seus alunos/estudantes/parceiros de
tardes, manhãs e noites. Eu me emocionei ao ver vídeos das crianças da
Educação Infantil recebendo as caixas com materiais e recadinhos de suas
professoras. Transbordei de encantamento ao acompanhar as presenças
que esses profissionais foram construindo nesses dias tão singulares.
Essas experiências, ainda que singelas, me permitem a construção
da pergunta que segue a ecoar: quem podemos ser no mundo que te-
mos? Há muitos caminhos e experiências que precisam ser construídos
e conhecidos, caminhos que possibilitem o desenvolvimento da sensibi-
lidade solidária, por meio de múltiplas vivências e reflexões partilhadas,
caminhos que desnaturalizem desigualdades, violências e qualquer tipo
de opressão.
Enfim, ...

No futuro não se tratará tanto de sobreviver como


de saber viver. Para isso é necessária uma outra
forma de conhecimento, um conhecimento com-
preensivo e íntimo que não nos separe e antes nos
una pessoalmente ao que estudamos (SOUSA
SANTOS, 1988)

Um grande abraço!
Débora Medeiros do Amaral.

Palavras-chave: Educação. Docência. Formação.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SOUSA SANTOS, B. Um discurso sobre as ciências na transição
para uma ciência pós-moderna. Estudos Avançados, v. 2, n. 2, pp.
46-71, 1988.

830
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ALFABETIZAÇÃO NA EJA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Cenira Rosa Cechin Skorek


UFFS - Campus Erechim/RS
ceniracechin@hotmail.com

Caros colegas educadores e pesquisadores:

Em um ano em que ainda estamos vivendo as agruras de uma


pandemia, causadas pelo novo coronavírus (COVID-19)1, gostaria de
falar-lhes sobre minha experiência na pesquisa de Mestrado – Programa
de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE) – da Universida-
de Federal da Fronteira SUL (UFFS). Pensei em relatar brevemente os
pontos relevantes de uma pesquisa que se deu em um ano pandêmico.
Importante mencionar que meu olhar reflete um ponto de vista (não
o único, obviamente) em que observo acontecer aquilo que se vê em
pesquisas de grandes autores(as) sobre o lugar da EJA como direito à
educação, por muitas vezes negado e/ou negligenciado.
Acompanhando o atual desmonte da educação pública brasilei-
ra, e compreendendo a trajetória histórica da EJA no Brasil, que nos
remete a um cenário de luta e reafirmação de direitos, nota-se, ainda, o
preconceito e a improvisação pelos quais essa modalidade da educação
básica passou e ainda passa, especialmente em um ano no qual tivemos
o agravante da COVID-19, que assolou o mundo e, especialmente, o
Brasil, pelo negacionismo da ciência instalado no país e pela ausência de
políticas eficazes contra o vírus.
Os percalços do contexto de pandemia causados pelo COVID-19
na trajetória da pesquisa sobre alfabetização e letramento de pessoas jo-
vens, adultas e idosas, objeto de investigação de Mestrado Profissional
1 A doença do coronavírus (COVID-19) é uma doença infecciosa causada por vírus
recém-descoberto. O vírus que causa a COVID-19 é transmitido, principalmente,
por meio de gotículas geradas quando uma pessoa infectada tosse, espirra ou exala.
831
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de Educação, realizada na cidade de Dois Vizinhos (PR), na turma de


EJA Fase I, constitui pauta central desta carta pedagógica, que revela os
desafios da escolarização de pessoas jovens, adultas e idosas nesse cená-
rio pandêmico. Destacada por Paulo Freire em sua luta pelo direito ao
conhecimento, o autor defende que a alfabetização, enquanto ato de
conhecimento e criação, não pode ser trabalhada como a memorização
mecânica de letras e sílabas (FREIRE, 2003).
Em um ano no qual a pandemia nos isolou e nos manteve distan-
tes, como trabalhar com a EJA Fase I, em que os(as) estudantes são, em
sua grande maioria, adultos(as) e idosos(as), alguns do “grupo de ris-
co”,2 não alfabetizados(as), portanto, com grandes dificuldades de uti-
lizar as tecnologias? Com o intuito de responder a essa questão central,
trago a seguir o relato do percurso metodológico da pesquisa.
Tendo em vista o cenário de um ano de pandemia, muitas mo-
dificações nos próprios termos da pesquisa foram necessárias. A pes-
quisa, a princípio, seria pesquisa-ação (THIOLLENT), no entanto,
ao iniciarmos o ano letivo (fevereiro de 2020), a turma da EJA ainda
não estava constituída e não havia professor(a) contratado(a), visto
que a professora da turma do ano anterior tinha contrato temporário
(PSS). Ao tratar com a Secretaria de Educação, foi realizada a chama-
da pública ao final de fevereiro e início de março. As aulas tiveram
início no mês de março de 2020 e, após uma semana, as escolas foram
fechadas devido à pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Des-
se modo, a pesquisa-ação ficou impossibilitada, haja vista não ser pos-
sível a minha interação presencial, como pesquisadora, com a turma.
No projeto inicial, foram estabelecidas, como instrumentos de coleta
de dados, as observações da prática pedagógica em sala de aula e as en-
trevistas semiestruturadas. No entanto, no decorrer do processo, não
foi possível a realização das observações devido à pandemia. A pes-
quisa precisou ser alterada. Diante das circunstâncias, o percurso me-
todológico precisou ser reconfigurado, e passou-se, então, para uma
pesquisa exploratória e descritiva (GIL, 2007). A partir daí, com os

2 São considerados do grupo de risco para agravamento da COVID-19 os portadores


de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, asma, doença pulmonar obstrutiva
crônica, e indivíduos fumantes (que fazem uso de tabaco, incluindo narguilé), acima
de 60 anos, gestantes, puérperas e crianças menores de cinco anos.
832
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

números de telefones de todos(as) os(as) estudantes matriculados(as),


criou-se um grupo no aplicativo Whatsapp3 para nos relacionarmos.
Após o aprofundamento dos estudos e das leituras acerca dos sujei-
tos da EJA, surgiram outras preocupações metodológicas, o que fez com
que fosse necessário se utilizar de outros instrumentos. Como já havia co-
nhecimento dos sujeitos da pesquisa (estudantes e professora), devido aos
laços que se estreitaram no contato diário, como funcionária da escola,
e os primeiros contatos com a turma para apresentar a pesquisa, empre-
gou-se como instrumento o diário de classe da professora, e as entrevistas
se deram por telefone, tendo em vista as dificuldades dos(as) estudantes
com o uso de outras tecnologias. Durante as vivências com a turma nos
momentos de interação, como funcionária da escola, já se dialogava com
eles(as) e com a professora sobre algumas inquietações da pesquisa.
Como já tinha feito o primeiro contato com a turma e apre-
sentado a pesquisa, dialoguei com a professora da turma, e também
com minha orientadora, sobre quais eram as possibilidades de fazer
as entrevistas diante do cenário da pandemia e da incerteza quanto ao
tempo que ficariam sem o encontro presencial. Tendo em vista que
são estudantes considerados do “grupo de risco”, já que a maioria da
turma são idosos(as), e considerando que são estudantes em processo
de alfabetização, também não seria possível encaminhar as pergun-
tas com o roteiro das entrevistas de forma escrita. Optou-se, então,
com a concordância de todos(as), por fazer as entrevistas pelo áudio
do WhatsApp, pois essa era a forma que todos(as) estavam habitua-
dos(as) a usar. Desse modo, fui incluída, pela professora, em um gru-
po do aplicativo, pois toda a turma estava adicionada e tinha acesso a
ele. Como a professora tem mais familiaridade com os estudantes, ela
explicou no grupo como seria feita a pesquisa e avisou que eu (a pes-
quisadora) faria contato com eles(as) individualmente. Dessa forma,
foram realizadas as entrevistas.
O que quero destacar nessa trajetória da pesquisa são os aspec-
tos que considero importantes e que a pandemia trouxe à tona de for-

3 WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas


de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar
imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer ligações grátis por meio de uma
conexão com a internet.
833
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ma incisiva. O primeiro, é a forma como a pandemia agravou a situa-


ção da EJA, sempre relegada a espaços inferiores e/ou negligenciada
pelo poder público. A pandemia do novo coronavírus vem se somar a
essa desigualdade social que perpassa os sujeitos da EJA, traçando um
quadro que os(as) deixa ainda mais invisibilizados(as). A ausência do
espaço de convivência e seus desdobramentos, como fator de apren-
dizagens e afetividades, especialmente se pensarmos a alfabetização
na perspectiva do letramento, agravou a situação daqueles(as) que,
depois de muitos anos, resolveram buscar a escola para se alfabetizar.
Outro aspecto importante nesse cenário é a necessidade urgente de
os currículos atentarem para a inclusão digital dos(as) estudantes da
EJA. Grande parte desses sujeitos é composta por idosos(as), o que
contribui para as dificuldades com relação à tecnologia e o acesso às
aulas online, pela falta de equipamentos e habilidade em manejá-los,
além da dificuldade de aquisição de internet que dá acesso às aulas,
fazendo com que necessitem da ajuda de terceiros, o que nem sempre
é possível, e que, de certa forma, lhes tira a autonomia, o elemento
essencial que buscam com a alfabetização.
Dessa forma, percebemos que a EJA é muito mais que escolari-
zação; é também lugar de inclusão de jovens, adultos(as) e idosos(as),
espaço de encontros, reencontros e reconhecimento. Trata-se da dimen-
são social da aprendizagem que não tem feito parte do contexto de pan-
demia do novo coronavírus. O que nos leva de volta à questão inicial:
como trabalhar com esse público em meio a uma pandemia? Destaca-se
que a EJA Fase I não tem um “plano B”, isto é, com a pandemia, as
aulas não retornaram, para que pudéssemos preservar vidas; no entanto,
não podemos permitir que seja mais uma vez invisibilizada, deixada de
lado como se não existissem pessoas jovens, adultas e idosas não-alfabe-
tizadas em nosso país.
O que pretendo com essas reflexões, caros colegas educadores(as)
e pesquisadores(as), são indagações a respeito da EJA Fase I em tempos
de pandemia: como pensar em políticas públicas para além de cam-
panhas e projetos? Como ressignificar o currículo da EJA a partir dos
princípios da educação popular? Como realizar uma formação inicial e
continuada para alfabetizadores(as) da EJA?
Por fim, me arrisco a dizer, tal como citado na obra de Paulo e
834
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Dickmann (2020), que Paulo Freire nos pediria para ficarmos juntos,
unidos, e lutarmos por uma sociedade justa, por uma educação pú-
blica e de qualidade, laica e socialmente referenciada de todos(as) e
para todos(as), e, sobretudo, uma educação que não seja neutra, mas
que produza uma consciência crítica, tal como postulou em todas as
suas obras.

Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. EJA.

835
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha
práxis. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
PAULO, F. S.; DICKMANN, I. (Org.). Cartas pedagógicas: tópicos
epistêmico-metodológicos na educação popular. Chapecó: Livro-
logia, 2020.

836
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

REINVENÇÃO DO DIÁLOGO EM TEMPOS PANDÊMICOS NAS


ESCOLAS FAMÍLIA AGRÍCOLAS DA REGIÃO
DO VALE DO RIO PARDO

Marlon Bianchini
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)
marlon@efasol.org

Aline Mesquita Corrêa


Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)
alinemesquitta@yahoo.com.br

Roberto Kittel Pohlmann


Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)
roberto@efasol.org

Vale do Sol, abril de 2021.

Endereçamos esta carta, com amorosidade, a todos aqueles e


aquelas que acreditam em uma educação dialógica e num mundo mais
fraterno. Numa tarde de outono, nós nos desafiamos a pensar numa
escrita que pudesse expressar o modo como a mantença do diálogo tem
sido reinventada nesse contexto de pandemias na Escola Família Agrí-
cola de Vale do Sol (EFASOL) e na Escola Família Agrícola de Santa
Cruz do Sul (EFASC), ambas localizadas no Vale do Rio Pardo.
Aliás, o verbo reinventar tem estado presente na vida de educado-
res e educadoras que, mesmo diante das desumanizações que colocam
em risco o nosso ser mais, não deixaram de acreditar na educação en-
quanto possibilidade emancipatória. Contudo, essa educação encharca-
da de protagonismo histórico, de todos os homens e mulheres demiti-
dos de suas vidas (FREIRE, 1987), está alicerçada no diálogo. Esta ação
é, portanto, a premissa de uma práxis educativa que permite às pessoas
compreenderem, lerem e narrarem o mundo a partir do seu próprio ser/
estar neste mundo.
837
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

É com essa compreensão de que as pessoas precisam estar locali-


zadas em seu tempo histórico, político, social, geográfico e epistemo-
lógico que as EFAS, surgidas na França, em 1935, expandindo-se mais
tarde para outros países, como Itália e Brasil, são tramadas. Isto é, a
partir da demanda de agricultores e agricultoras que lutavam por um
espaço de ensino contextualizado no campo, e que dialogasse com a es-
pecificidade de suas vidas, é que nasce a primeira experiência conhecida
como pedagogia da alternância.
No Brasil, esse modelo pedagógico e epistemológico de ensino
chega em 1968, num período bastante duro de nossa história, afi-
nal, vivíamos em plena ditadura militar. O êxodo rural, a pobreza e
a demanda por uma educação que pudesse considerar a realidade da
agricultura fizeram com que a pedagogia da alternância se constituísse
como uma oportunidade de educação contextualizada para agriculto-
res e agricultoras familiares, camponeses e camponesas e movimentos
sociais do campo.
Nesse contexto de emergência das lutas populares por redemocra-
tização, a pedagogia da alternância encharcou-se ainda mais de diálogo,
compreendendo-o como uma dimensão indissociável da práxis educa-
tiva libertadora, assim como dos instrumentos pedagógicos que a cons-
tituem. Estes últimos, por sua vez, podem ser compreendidos como
elementos centrais para que a pedagogia da alternância aconteça, ou
seja, eles se referem aos caminhos teóricos e metodológicos que orien-
tam a práxis educativa na tríade escola, família e comunidade. Nesse
sentido, cada Escola Família Agrícola, em diálogo com a realidade que
a trama e a torna escola do campo, constrói instrumentos próprios e
reinventa, para o seu contexto, aqueles que fazem parte do movimento
internacional de EFAS.
Nesta carta, propomos a discussão de um dos instrumentos pe-
dagógicos das EFAS, qual seja, a visita às famílias, que consiste em
uma inserção dialógica dos educadores e das educadoras das EFAS
na realidade dos e das estudantes. No contexto da pandemia da CO-
VID-19, a impossibilidade de realizar a visita às famílias se configura
como um desafio para que a práxis educativa constitua-se com dialo-
gicidade, pois, para Freire (1987), o diálogo não cabe à educação ban-
cária, porque esta é antidialógica, contudo, em um projeto pedagó-
838
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gico crítico e emancipatório, o diálogo é uma das categorias centrais.


Conforme Zitkoski (2010), o diálogo é uma força que potencializa
o pensamento crítico e problematizador, para que as pessoas possam
dizer a sua palavra e lutar para fazer o mundo a muitas mãos – pois a
nossa libertação é uma trama coletiva.
Nessa perspectiva, a visita às famílias é um instrumento pedagó-
gico que tem como premissa a interação dialógica entre família e escola,
dentro do meio onde o/a jovem se insere. Ou seja, é um momento
bastante importante, já que permite aos educadores e às educadoras
conhecerem, de forma mais aprofundada, a vida familiar dos educandos
e das educandas. E, para Freire (1995), conhecer o mundo vivido dos
e das estudantes, bem como as práxis sociais com as quais se inserem, é
essencial para que a dodiscência abra caminhos para que homens e mu-
lheres possam pensar e fazer outro mundo possível, a partir da leitura
crítica dos fenômenos sociais.
A riqueza das visitas às famílias está na possibilidade de, em
uma roda, utilizar a troca de conhecimentos como princípio básico.
Este momento, embasado na perspectiva dialógica freireana, rompe
com a compreensão tradicional da extensão do conhecimento, na qual
a visita de um/a educador/a é entendida como um movimento daque-
les/as que vão até a propriedade “levar” a informação para aqueles e
aquelas que “nada” sabem. Na Pedagogia da Alternância, o objetivo
dessas visitas é justamente a partilha de saberes entre a família e a
escola, porque, conforme Freire (1995), todos nós sabemos alguma
coisa, ao mesmo tempo em que ignoramos outra. É quando Paulo
Freire, através da obra “Extensão ou comunicação?”, possibilita que
possamos traçar esse diálogo, de forma que os saberes, dos visitados e
dos visitantes, estejam em comunhão.
As visitas apresentam a oportunidade de “educar e educar-se”, ao
passo em que as famílias se colocam na condição de quem também ensi-
na. De maneira a exemplificar esse movimento de troca, é impossível não
evocar uma cena em particular: Numa visita, sentamo-nos à beira de uma
lavoura na qual a família produzia alimentos. Conversávamos sobre irri-
gação e indagamos a família a respeito da disponibilidade de água na pro-
priedade, que aparentemente era pouca. Eis que o estudante se levantou e
mostrou como encontrar águas subterrâneas. Com o auxílio de uma for-
839
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

quilha de madeira e sob os conselhos do pai e da mãe, que haviam apren-


dido com seus antepassados, o jovem começou a andar pela propriedade,
e a forquilha, “em conversa íntima com a água”, envergou-se e indicou a
localização do fluído da vida. Naquele momento, vivenciávamos, de uma
vez só, uma aula de como encontrar água, com base no saber popular, e o
conceito de ecologia, na perspectiva de Boff (2008, p. 21), ou seja, “essa
relação, inter-relação e diálogo de todas as coisas existentes (viventes ou
não) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial”.
No período da pandemia, durante uma aula online, o mesmo
jovem partilhou essa vivência. Com auxílio da mãe, que segurava o ce-
lular, ele andou pelo quintal de sua propriedade, sob o olhar virtual de
mais 23 jovens. Mais uma vez, a forquilha indicou a existência de algum
recurso hídrico ali. Este foi um dos momentos em que, mesmo afetados
pelo distanciamento social, o diálogo e a troca de saberes foi cultivado e
tomado como um elemento central. Essa vivência exemplifica o movi-
mento das EFAS no sentido de manter uma relação dialógica com os e
as estudantes e suas famílias.
Como vimos, nas EFAs, a proposta pedagógica é epistemológica,
desde seu surgimento, rompendo com a visão tradicional de extensão.
Com base em Paulo Freire, a visita às famílias acontece a partir da co-
municação, pois, sem esta, ainda conforme Freire (2011), não há uma
verdadeira educação, pois é o ato de comunicar-se que produz sentidos
à vida humana e nos permite compreender o fato de sermos sujeitos
inacabados e sociais.
Neste período, dada a impossibilidade de visitar as famílias, tor-
nou-se necessário encontrar outras possibilidades de manter o diálogo
e a comunicação entre as famílias e a escola. Isso é um desafio, porque
o ensino através das aulas virtuais parece, muitas vezes, impossibilitar a
construção do conhecimento de forma dialógica, fazendo com que o/a
docente esteja na condição de emissor do conhecimento. Porém, mes-
mo com os limites tecnológicos, como o acesso à internet nas popula-
ções rurais, a EFASOL e EFASC têm acreditado e atuado intensamente
para que o diálogo aconteça, ainda que pela tela de um computador ou
celular, privilegiando a escuta dos e das estudantes e de suas realidades,
a partilha de saberes, a valorização e o reconhecimento dos saberes das
famílias e das comunidades dos e das discentes.
840
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Mesmo à distância, docentes e discentes continuam a buscar es-


paços e tempos para que estudantes e famílias possam partilhar suas
experiências, desde o “seu” espaço e suas relações com o meio. Para
Freire (1987), o diálogo implica em uma práxis comprometida com a
transformação social por meio da existência de uma relação dialógica
entre homens e mulheres que se comunicam e entendem que os saberes
não podem ser fruto de uma imposição, mas, sim, de uma construção
a partir dos diferentes conhecimentos presentes nas experiências dos
sujeitos envolvidos.
Nesse sentido, foi necessário reinventar o diálogo, considerando
as aulas virtuais e as estratégias voltadas para o protagonismo dos sujei-
tos na construção da educação do campo. As chamadas de vídeo e os
diferentes mecanismos virtuais para a trama das aulas são também as
ferramentas de que dispomos para assegurar o diálogo e a comunicação.
O interessante é que se essa força que nos impulsiona o pensar crítico-
-problematizador é o diálogo (ZITKOSKI, 2010), então ele acontece.
Por vezes, pode ser abalado pelas circunstâncias em que vivemos, mas
qualquer dialogicidade presente é um ato de rebeldia e de esperança na
educação transformadora e humanizadora, para que a barbárie que tem
dizimado vidas, sonhos e futuros não se repita.
Por fim, ressaltamos que, nesta carta, partilhamos um pedaço do
mundo em que vivemos e de onde nos pronunciamos com todos e to-
das que, assim como nós, compreendem que a educação para um outro
mundo possível está pautada no diálogo e na esperança de sermos mais,
uns com os outros e outras. Um abraço fraterno, engajado e esperançoso.

Palavras-chave: Diálogo. Educação do Campo. Escolas. Família Agrícolas.

841
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BOFF, L. Ecologia, mundialização, espiritualidade. Petrópolis: Re-
cord, 2008.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
ZITKOSKI, J. J. Diálogo/Dialogicidade. In: STRECK, D.; REDIN,
E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizon-
te: Autêntica, 2010. Pp. 117-118.

842
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DA GRADUAÇÃO AO DOUTORADO: PAULO FREIRE E A


GESTAÇÃO DE UMA TESE

Solange Aparecida da Silva Brito


Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - Sorocaba
solange.brito@estudante.ufscar.br

Sorocaba, abril de 2021.

Caras pedagogas e pedagogos formados no início do século XXI:

Espero que esta carta os encontre bem, assim como às e aos que
lhes são caras e caros! Considerando o tempo (cronos) que nos separa
de nossa formação inicial, lá se vão mais de 20 anos. Neste momento,
gostaria de começar essa carta por externar como se apresentou em mim
a motivação de lhes escrever. Recentemente, fui instigada a pensar sobre
como me aproximei das obras de Paulo Freire, aquele que é o Patrono
da Educação brasileira. Nos tempos que estamos vivendo, nunca é de-
mais (re)afirmar quem é Paulo Freire, afinal, “Ele sim!”, muito diferente
de muitos que nunca foram, nem nunca serão, referência democrática,
humana ou política, seja no Brasil, quiçá no mundo, como Paulo Freire,
de fato, sim, o é!
Este exercício narrativo me levou ao primeiro ano da graduação
em Pedagogia (1997), na Universidade de Sorocaba (UNISO), que fora
fundada em setembro de 1994. Em 1996, iniciavam-se as atividades
do primeiro programa de pós-graduação stricto sensu, o mestrado em
Educação1. Antes da fundação da UNISO, o curso de Pedagogia era
ofertado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFI), institui-
ção da mesma mantenedora. Ter tido a oportunidade de fazer o curso
com uma das primeiras turmas da universidade permitiu acesso a ativi-
dades de pesquisa e extensão para além do ensino, e é esse o cenário que

1 Fonte: http://uniso.br/uniso/historico
843
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

marca meu encontro com os escritos de Paulo Freire, quando, ainda no


primeiro ano da graduação, na disciplina de Metodologia do Trabalho
Científico2, fui “convidada” a ler “A importância do ato de ler: três arti-
gos que se complementam”.
Na disciplina, estudamos os fundamentos da pesquisa em edu-
cação e aprendemos como fazer um projeto de pesquisa, visto que
escrever e apresentar uma monografia era obrigatório no final do cur-
so. Aquela indicação de leitura era uma das referências para a funda-
mentação teórica do que seria meu projeto de pesquisa, e apresentava
como problema de pesquisa algo muito próximo deste questionamen-
to: “Por que é tão complexo compreender as notas de rodapé dos
textos estudados no curso de Pedagogia?”
Neste momento, enquanto me narro, me dou conta, sem ter a
certeza se esse “dar-se conta” é uma percepção do hoje ou daquele mo-
mento da formação inicial, mas, que com clareza se (re)vela, lá ou aqui,
que a dificuldade não estava nas notas de rodapé, propriamente ditas,
mas sim na minha relação, ou não relação, com a leitura de textos aca-
dêmicos. Filha de retirantes nordestinos, de pais semianalfabetos, fruto
da escola pública, não me recordo, antes da graduação (e olha que cur-
sei o magistério!) de ter tido contato com leituras desse gênero textual e
com a complexidade que ele engendra.
Agora, para a escrita desta carta, (re)li o referido livro, e foi inevi-
tável pensar que as aproximações aos estudos e contribuições de Paulo
Freire (1989) me ensinaram a estar atenta à leitura do mundo, aquela
que precede a leitura da palavra. Fazer uma leitura crítica da realidade
me levou a escrever e apresentar a monografia “A educação sob ótica
da sociedade capitalista neoliberal”. Aquele trabalho, uma de minhas
primeiras produções científicas, trazia, como cerne da discussão, a busca
por compreender a realidade de uma sociedade que apresenta princípios
de uma ideologia denominada neoliberalismo, hoje já vista como pós-
-neoliberalismo. Um paradigma em que o mercado se fixa como centra-

2 Essa disciplina foi ministrada por um professor, que faço a opção por não externar
o nome. Em 1997, ele era doutorando na PUC-SP, orientando do Prof. Paulo Freire.
Em maio, quando Paulo Freire falece, ele ficou tão abalado que se licenciou por um
período. Isso me marcou muito, em especial porque, mais tarde, tomei conhecimento
de que ele não concluíra seu doutoramento.
844
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

lizador das regulações sociais, buscando ação livre e irrestrita, pregando


a necessidade de acabar com intervenções feitas pelo Estado (ANDER-
SON, 1995). Em tempos de neo ou pós-neoliberalismo, a educação
exerce um papel de veículo de reprodução da divisão social em classes,
e, nesse contexto, não se é de admirar que, do lugar de onde venho e de
onde se fixam minhas origens geográficas, sociais e culturais, a leitura de
textos acadêmicos não foi uma vivência a ser priorizada.
Já se vão mais de duas décadas daquele momento da formação
inicial e, nas minhas andarilhagens3 acadêmicas, tenho, cada vez mais,
me interessado pelos meandros da metodologia científica. Fiz o mestra-
do, 13 anos depois da graduação, e o capítulo da dissertação que mais
me deu prazer escrever foi, exatamente, aquele que apresenta o percurso
metodológico da pesquisa. Cheguei a pensar em tê-la (a metodologia
científica) como objeto de pesquisa, quando resolvi ir morar em “dou-
toradolândia”4. No entanto, ao desenhar meu projeto de tese, ventos
inquietantes me levaram para lugares outros, visto que, há aproxima-
damente uma década, venho me debruçando sobre estudos e pesquisas
que têm a formação docente como eixo temático.
Neste momento, encontro-me às voltas com leituras e a organi-
zação de escritos para me lançar à aventura de apresentar um relatório
de pesquisa para a qualificação da tese, planejada para o final de 2021.
Penso que (ousar) querer escrever uma tese, cujo objetivo é conhecer as
marcas das experiências formadoras (JOSSO, 2004) de sujeitos, que as-
sim como eu, representam trajetórias improváveis (PASSEGGI, 2015),
está afetado pelas provocações de Paulo Freire, que nos faz acreditar que
“Não há saber mais, nem saber menos, há saberes diferentes” (FREIRE,
1987, p. 68), e, nesse contexto de saberes, todos eles importam.
Considerando a perspectiva de que para ensinar se exige criti-
cidade, para aprender há que se ter curiosidade epistemológica, e que
é aprendendo que percebemos ser possível ensinar (FREIRE, 1996),
minha proposta de tese, que está sendo gestada desde antes da minha
3 Termo presente nos escritos de Paulo Freire, mas só percebi a potência e singularida-
de dele ao ouvir, em um evento, a Professora Ana Lúcia Souza de Freitas pronunciá-lo.
Eu me permiti usá-lo aqui, mas quero saber mais.
4 Reconheço no doutorado um “lugar” em que habito atualmente, ele se chama “dou-
toradolândia”. Cabe destacar que também já morei em “dissertolândia”, entre os anos
de 2012 e 2013.
845
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

graduação, e que ganha força quando descubro os meandros da meto-


dologia científica, incentivada por um apaixonado pela vida e obra de
Paulo Freire, objetiva (re)velar marcas das experiências formadoras de
sujeitos sob a ótica do autorizar-se a ser autor, ter autoria; autorizar-se
a ser autônomo, ter autonomia; uma tese que passeie pela abordagem
da pesquisa (auto)biográfica (PASSEGGI, 2017) e que proponha uma
“Pedagogia da autoria”, que anuncie “A importância do ato de escrever.”
Por fim, já deixando minhas saudações sinceras de sucesso, fico
compelida a querer saber como as pedagogas e os pedagogos, que me
são contemporâneos de formação, se aproximaram das obras e de Paulo
Freire; como percebem que os escritos e as contribuições do Patrono
da Educação brasileira esbarram e afetam seus percursos e trajetórias
acadêmica e profissional; e, ainda, que/qual tese estaria sendo gestada/
escrita/inscrita desde lá, a graduação. Deixo aqui o convite para que
compartilhem comigo seus saberes e experiências.

Profª Sol Silva Brito


Outono (2021), olhando o sol se pôr...

Palavras-chave: Metodologia Científica. Autoria. Pesquisa (auto)biográfica.

846
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDERSON, P. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, E.; GEN-
TILI, P. (Orgs.). Pós-Neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado
democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. Pp. 9-23.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
pletam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
PASSEGGI, M. C. Trajetórias “improváveis”? Vínculos e mobilidade
social. In: PEREIRA, M. S.; Et AL. Investigação em Educação: diver-
sidade de saberes e práticas. Imprece: Fortaleza, 2015. Pp. 173-206.

847
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POESIA: EM FREIRE

Jussara Cristina Mayer Ceron

Nathalia Sofia Mayer Ceron

Em Freire reconhecemos um pensamento comprometido com a vida


Com o pulsar e o pensar a existência
Um pensamento e uma Pedagogia que defendem a práxis humana
E o retotalizar-se como prática da libertação.

Em Paulo Freire reconhecemos os caminhos da libertação


Onde os sujeitos descobrem-se e conquistam-se
Como sujeitos de história, de leitura de mundo
De criticidade, austeridade, autenticidade e reflexão.

Em Freire e com Freire conhecemos os elementos de uma cultura tecida


E com ela uma nova Pedagogia
Da criação, da construção, da autoria e da autonomia
Uma Pedagogia da participação, das vozes, do apanhar o real
e o concreto, do ser gente.

Com Freire nos deparamos com as Pedagogias permanentes


De dialogação circundante clamando à vida em transformação.
Compreendemos que o amor é a característica fundante do diálogo
E também a força constitutiva que anima a Pedagogia
e o projeto de educação de uma nação.

Em Freire encontramos percursos


Concebidos por muitos como métodos
Por tantos como teoria,
Por outros como Pedagogia e ainda por muitos como Filosofia.

Em Freire temos o exemplo


De um homem revolucionário e um expoente,
um educador humanista e um ideólogo da conscientização
com genuína proposta de transformação.
849
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Em Paulo Freire encontramos e nos encontramos


E à sombra das mangueiras percebemos que é possível
Fazer educação com autonomia,
Com esperança, perseverança e emoção.

Em Freire, com Freire, a partir de Freire


Somos uma outra sociedade em (re)significação.

850
CAPÍTULO 12

EXTENSÃO OU COMUNICAÇÃO?
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

SOB FOGO CRUZADO:


A SENHORA DA RAZÃO X O HOMEM DE BEM

Marco Mello
Rede Municipal de Ensino – Porto Alegre (RS)
marcomello2013@gmail.com

Eles babam e arreganham os dentes... diz a letra da música Pedra-


da, do cantor, compositor, violonista e poeta paraibano Chico César
(2019). Certamente, havemos de concordar! Eles, os fascistas, destilam
um ódio visceral que também os alimenta na sua paranoia e subjeti-
vidade narcísica, que tem aversão ao outro, que não é espelho, na sua
incapacidade de conviver com a diferença, o pluralismo, o pensamento
crítico e com a própria democracia1.
A meta é, na personalidade doentia do fascista, o extermínio fí-
sico, político e cultural da existência de quem afronta o ideário propa-
lado: a restauração da ordem conservadora, o respeito aos valores da
“família tradicional”, o padrão heteronormativo, a primazia da bran-
quitude e, é claro, a manutenção dos privilégios da casa-grande. Daí a
obstinação anticomunista, anti-intelectualista, anticiência e o apreço à
censura e à repressão (STANLEY, 2018).
Não é sem razão, portanto, que o messias instalado em Brasília
teve, como um dos pontos de destaque em sua campanha eleitoral, e
depois em seu governo, o franco apoio à cultura armamentista, com a
flexibilização tanto da posse quanto do porte de armas e munições, as-
sociado à alimentação permanente de discursos de ódio e violência, so-
bretudo em relação aos mais empobrecidos, à população negra, à popu-
lação indígena, mulheres e comunidade LGBTI+. Evidentemente há,
nesse fenômeno, a expressão de uma masculinidade tóxica, dominante,
viril e possessiva, que busca se impor através de comportamentos agres-
sivos e intimidatórios. Essa pulsão, sob o signo da morte, tem raízes
1 Esta é uma versão reduzida de artigo homônimo, publicado na Revista da ATEM-
PA, Porto Alegre-RS, n. 2, dez. 2020.
853
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

profundas em nosso país, assentado em séculos de escravidão, patriarca-


lismo, misoginia, machismo, intolerância religiosa e racismo estrutural
(ALMEIDA, 2019), e perpetua-se na simbiose entre neoliberalismo e
necropolítica, que expressa o poder e a capacidade de ditar quem pode
viver e quem deve morrer (MBEMBE, 2018, p. 5).
Neste texto, socializo e reflito sobre minha prática como educa-
dor que atua com o componente curricular de Filosofia com os educan-
dos das turmas de C20, no 8º ano do Ensino Fundamental, em uma
escola da periferia urbana de Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro. E
trabalho, precisamente, sobre a temática que abre o artigo. Tomo como
referência uma concepção de currículo crítico, historicamente situado e
de caráter dialógico, articulando conhecimentos dos saberes populares
com os conhecimentos sistematizados, aproximando-me da abordagem
temática freiriana dos temas geradores (FREIRE, 1984; SILVA, 2007).
A EMEF Saint Hilaire retomou, nos anos recentes, um dos ideá-
rios que marcou a presença da organização curricular por Ciclos de
Formação, e o planejamento temático a partir de uma pesquisa de reali-
dade coletiva nas comunidades locais (PORTO ALEGRE, 1996). Essa
investigação socioantropológica (BRANDÃO, 2003; MELLO, 2005)
envolveu realização de entrevistas com famílias, aplicação de questioná-
rios para alunos/as, entrevistas através de grupos focais, com corte gera-
cional e etário com alunos/as da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
entrevistas com técnicos de serviços públicos da região, roda de debate
com lideranças comunitárias e pesquisa documental. Os dados coleta-
dos foram socializados, tabulados e analisados coletivamente em forma-
ções internas, e chegou-se até a seleção dos temas geradores e situações
mais significativas da pesquisa socioantropológica, voltada a orientar o
planejamento pedagógico dos educadores.
A partir desse movimento geral da escola, relato aqui o trabalho
desenvolvido com turmas de C20, III Ciclo, ao longo do ano de 2019.
Destaquei como ponto de partida, no planejamento pedagógico, al-
gumas das falas significativas em torno das temáticas da Violência e da
Segurança Pública. Uma delas foi eleita como tema gerador do trabalho:
“Desarmaram o cidadão de bem...”, o que gerou um conjunto de pro-
blematizações. Afinal: Quem é o “homem de bem”? O que distingue o
“bem” do “mal”? O que entendemos por “bem”? O que é esse “desarma-
854
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mento”? Qual a justificativa para o uso de armas pela população? Qual


o papel do Estado em relação à segurança pública? E da sociedade? Que
interesses estão em jogo? Quais as consequências do armamento da po-
pulação e do estímulo do uso da violência para resolução de conflitos?
Ao fazer as problematizações iniciais busquei interpelar as visões de
mundo presentes nas comunidades periféricas, sintonizadas com o dis-
curso oficial tão em voga, de naturalização e erotização da violência, da
necessidade de resolução dos conflitos através da eliminação do outro, da
cultura armamentista que pressupõe que a posse de armas de fogo sig-
nifica redução da criminalidade, associada a uma cruzada contra valores
emancipatórios e a perseguição às minorias e grupos socialmente excluí-
dos, intelectuais, professores e artistas (MELLO, 2020). Ao privilegiar os
eixos temáticos Ética, Filosofia Política e Direitos Humanos desenvolvi o
Programa de forma a estimular o questionamento e a compreensão das
raízes históricas da cultura da intolerância e do ódio, e suas consequên-
cias na vida em sociedade, remetendo à desigualdade econômica, social,
étnico-racial e de gênero, que marca profundamente nosso país (IPEA,
2019) e que assume traços neofascistas sob a ascensão da “nova direita”.
De modo a construir um conjunto de alternativas, trabalhei com o con-
traponto, apresentando o paradigma dos Direitos Humanos (TRINDA-
DE, 2002) e uma visão da cultura da paz e da não violência para resolu-
ção e mediação de conflitos, através de exemplos históricos concretos, na
direção da justiça econômica e social (GUIMARÃES, 2006).
Não é tarefa das mais fáceis combater o populismo de extrema-
-direita e seu discurso de intolerância, ódio e punitivismo, justamente
onde ele se aloja com maior aceitação: no coração do senso comum.
Mas é aí, justamente, que entra o papel do educador e filósofo crítico,
ainda que sob fogo cruzado: ensaiar alternativas de vida, desde o parto
do conhecimento novo, que nasce da dúvida e do questionamento radi-
cal – anunciado desde o nascimento da filosofia ocidental por Sócrates.
Em tempos de obscurantismo, de recusa da palavra, da coerção
como regra, da exclusão como meta perseguida com obstinação, faz-se
cada vez mais pertinente o poder da pergunta, da problematização, da
reflexão crítica coletiva, do pensamento livre, de uma esperança com-
prometida com nossa humanidade em comum. A partir disso, foi pos-
sível reconhecer o brilho nos olhos de nossos jovens estudantes, vindos
855
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do espanto, da admiração, da indignação e da vontade de que a justiça


não se confunda com a vingança crua e bruta; com a lei de talião; com
o feminicídio em nome da honra; o extermínio da população negra das
periferias; os linchamentos sumários; os games como o Fortnite, no qual
“se brinca de matar”; com os crescentes atentados armados em escolas; o
poder paralelo das milícias; os genocídios; com o apagamento da nossa
memória coletiva das atrocidades cometidas durante a ditadura civil-
-militar; dos tristes exemplos históricos das teocracias; do absolutismo,
do fascismo e do nazismo; com a negação dos direitos humanos. Esses
foram, entre outros, alguns dos tópicos desenvolvidos e que compuse-
ram o Programa de Filosofia.
As atividades realizadas foram operacionalizadas com uma gama
bastante diversificada de fontes: excertos de notícias e artigos da grande
imprensa e de jornais e sites alternativos, charges, animações, músicas,
pequenos documentários, histórias em quadrinhos, etc. A partir das
temáticas e das questões geradoras, selecionei os conceitos, a biografia e
extratos de textos de filósofos que foram trazidos para o aprofundamen-
to das discussões (entre eles, Platão, Sócrates, Hobbes, Rousseau, Henry
Thoreau, Hannah Arendt e Jason Stanley). Adquiriu importância sig-
nificativa o uso de recursos atrativos no desenvolvimento das aulas: a
caixa de perguntas filosóficas, dinâmicas circulares, jogos, trabalhos em
grupos, produção textual em diferentes gêneros, trabalhos de pesquisa.
Todas as atividades desenvolvidas tiveram roteiros com proble-
matizações, seja com caráter de investigação e sensibilização inicial, seja
para o aproveitamento dos recursos e subsídios selecionados2. Minha re-
ferência foi, em todas as atividades de planejamento para a sala de aula,
a utilização de três momentos pedagógicos (PERNAMBUCO, 1993),
distintos e articulados: o Estudo da Realidade (ER), a Organização do
Conhecimento (OC) e a Aplicação do Conhecimento (AC). Destaquei
a elaboração de sínteses individuais e/ou coletivas e os posicionamen-
tos em torno de temas considerados polêmicos no contexto atual. Ao
longo da experiência, fiz o rastreamento das produções individuais ou
em grupo, por parte dos estudantes, de modo a acompanhar e avaliar o
processo de ensino-aprendizagem.
2 Uma síntese do trabalho, com larga exemplificação de atividades realizadas com os
estudantes, pode ser acessada no link https://bityli.com/czcEq
856
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Filosofia escolar não é aconselhamento, tampouco autoajuda.


Uma educação filosófica crítica precisa, necessariamente, problematizar
os limites do senso comum e construir alternativas para um novo pata-
mar de compreensão da realidade, estimulando ações transformadoras
a partir do cotidiano, sem arroubos idealistas e dentro das condições
existentes. Portanto, estamos todos e todas convocados/as a acender as
velas, lamparinas, lâmpadas e lanternas juntos à velha senhora da razão!
Finalizo este pequeno texto evocando a atualidade da pedagogia
crítica, de inspiração freiriana, sobretudo em tempos difíceis, como o
que vivemos. Nossa primeira tarefa? Com a referência imprescindível de
Freire, a escuta sensível e densa de nossos educandos e educandas. Suas
falas significativas são temas geradores, prenhes de vida!

Palavras-chave: Currículo; Filosofia; Tema Gerador.

Referências
ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pó-
len, 2019.
BRANDÃO, C. R. A pergunta a várias mãos: a experiência da pes-
quisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003.
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2019. Faixa 12 (5 min 15).
EMEF SAINT’HILAIRE. Projeto Político-Pedagógico. Porto Ale-
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FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
GUIMARÃES, M. R. Aprender a educar para a Paz: Instrumental
para capacitação de educadores em educação para a paz. Goiás:
Rede de Paz: CLAI, 2006.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. FÓ-
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Violência 2019. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-
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857
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exce-


ção e política da morte. São Paulo: N-1, 2018.
MELLO, M. Sob fogo cruzado: A senhora da razão versus o homem de
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MELLO, M. Um papo cabeça com Gramsci: intelectuais orgânicos sob
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tória sem mordaça: intelectuais orgânicos em resistência ativa. Porto
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Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, 2020. Pp. 24-39.
PERNAMBUCO, M. Significações e realidade: conhecimento (a cons-
trução coletiva do programa). In: PONTUSCHKA, N. (Org.). Ousa-
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PORTO ALEGRE. SMED – Secretaria Municipal de Educação. Ciclos
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Pedagógico n. 9. Porto Alegre, 1996.
SILVA, A. G. A busca do tema gerador na práxis da educação popu-
lar. Curitiba: Gráfica Popular, 2007.
STANLEY, J. Como funciona o Fascismo? A política do “nós” e
“eles”. Porto Alegre: L&PM, 2018.
TRINDADE, J. D. L. História social dos direitos humanos. São Pau-
lo: Petrópolis, 2002.

858
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

APRENDIZAGEM DIALÓGICA EM REDE: ESCOLA,


TECNOLOGIAS E PESSOAS ENTRELAÇADOS
PELA BIOLOGIA DO AMOR

Maria de Fátima de Lima das Chagas


Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
fatima2@mx2.unisc.br

Cláudio José de Oliveira


Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
coliveir@unisc.br

Lia Raquel Moreira Oliveira


Universidade do Minho – UMINHO
lia@ie.uminho.pt

Francisco Milton Mendes Neto


Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA
miltonmendes@ufersa.edu.br

O presente resumo expandido tem, como objeto de estudos, re-


fletir o fazer pedagógico com base no diálogo como modo de reflexão e
aprendizagem, ajustando a palavra ao gesto, como nos diz Paulo Freire,
especialmente neste contexto de pandemia que estamos vivendo. Para
Freire, “enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de
que disponho de, abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no iso-
lamento” (FREIRE, 2008, p. 119-120). Para Morin (2011), o diálogo
é um dos três princípios da complexidade. Para esse autor, os três prin-
cípios da complexidade são: o dialógico; o de recursão organizacional;
e o princípio hologrâmico (MORIN, 2011, p. 96). Nessa perspectiva,
apresento esta pesquisa, que está sendo desenvolvida no Doutorado em
Educação, que envolve a formação de professores, considerando o en-
trelaçamento das pessoas com as tecnologias digitais como potência de
aprendizagem em rede.
859
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Como metodologia, a cartografia me ajudou a acompanhar pro-


cessos formativos de professores. A empiria da investigação aconteceu
com 15 professores da educação básica, com a proposição de um curso
de formação continuada, composto por oficinas e rodas de conversas
(círculos dialógicos). A experiência formativa nos reafirmou a impor-
tância de constituir redes no contexto da educação e de nelas estar, a
necessidade de discutir o conceito de tecnologia de forma ampliada, e
de percebê-la como constituinte do devir humano, ou seja, para além
da visão simplificadora de pensar tecnologia como objetos de uso.
Pensando a educação escolar como um lugar de encontro, de diá-
logo, Paulo Freire, em seus importantes estudos e pesquisas sobre educa-
ção, defende que a escola é ou poderá ser um lugar de/para liberdade de
aprender, conscientização e reflexão sobre as realidades/situações vividas
no contexto escolar e nas comunidades, ou seja, a escola pode oportu-
nizar “uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência
e a atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e decide, liberta-o em
lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo” (FREIRE, 2006,
p. 19). Para esse fazer crítico no ambiente escolar, a formação docente
tem uma grande importância. Para Freire (1997, p. 39), “na formação
permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente sobre a prática de hoje
ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.
Freire (2011, p. 231) afirma ainda que “a educação envolve sempre
uma certa teoria do conhecimento posta em prática. E que essa teoria
posta em prática demanda [...] um papel importante do educando”. Esse
papel crítico do educando como “quem conhece também, e não a atitude
passiva de quem apenas recebe o conhecimento que se transfere” (FREI-
RE, 2011, p. 231) tem uma relação direta com a prática pedagógica do
professor. Nesse sentido, Freire (1996, p. 39) destaca que “na formação
permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crí-
tica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de on-
tem que se pode melhorar a próxima prática”. Ainda para o autor, “fora
da busca, fora da práxis”, não podemos existir (FREIRE, 1997, p. 57).
Pensando assim, a pesquisa no Doutorado foi se desenhando de
modo que o diálogo com os professores se tornou o pano de fundo da
investigação. Penso que seguir inventando momentos de conversa com
860
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

professores é o meu jeito de contribuir com a formação continuada de


professores em Mossoró-RN e por onde mais eu for, porque, como Frei-
re (1997, p. 33), acredito que “só existe saber na invenção, na reinven-
ção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem
no mundo, com o mundo e com os outros”. Nesse contexto complexo,
podemos começar a pensar as redes de aprendizagem de professores,
incluindo aquelas que podem acontecer no ambiente digital conectado
à internet, como sendo um possível espaço para incorporar o “e” em
vez do “ou” nas experiências de atualização de si, em uma interação que
Lévy (2009) nomeia de inteligência (reflexão) coletiva.
Nessa busca de unir pessoas, tecnologias, em ações dialógicas,
surgiu, nas oficinas vividas com os professores participantes da pesqui-
sa, a ideia de criar um portal digital para compor uma rede dialógica de
aprendizagem, na qual houvesse espaço para o diálogo, para a apren-
dizagem em rede. Assim, o grande diferencial desse portal digital é a
dialogicidade em devir e a complexificação das docências no fluxo das
conversações. Desse modo, o portal intitulado #EntreNÓSnaRede pro-
põe também entrelaçar o currículo escolar e a (auto)formação de pro-
fessores em momentos de interações dialógicas, respeitando diferenças,
desejos de aprender e de compartilhamento de saberes.

O importante é que a pura diferença não seja razão


de ser decisiva para que se rompa ou nem sequer se
inicie um diálogo através do qual pensares diversos,
sonhos opostos não possam concorrer para o cres-
cimento dos diferentes, para o acrescentamento de
saberes. Saberes do corpo inteiro dos dessemelhan-
tes, saberes resultantes da aproximação metódica,
rigorosa, ao objeto da curiosidade epistemológica
dos sujeitos. Saberes de suas experiências feitos, sa-
beres “molhados” de sentimentos, de emoção, de
medos, de desejos (FREIRE, 2001, p. 50).

Essa importância de manter o diálogo acontecendo foi potencia-


lizada neste período de pandemia, devido à necessidade de isolamento
social e de fechamento das escolas. Nesse portal, que foi desenvolvido
pela Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA) e que já está em
fase de validação, temos a possibilidade de participar dos diálogos ini-
861
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ciados por outros(as) professores(as), como também é possível, sempre


que o(a) usuário(a) achar necessário, iniciar uma nova conversa.
Para esclarecer o que podemos encontrar no portal, temos o se-
guinte organograma, que foi referência para o desenvolvimento do pro-
tótipo inicial e para a programação computacional do referido espaço:

Esta pesquisa (e o desenvolvimento de um espaço dialógico


para professores no ambiente digital) considera os estudos de Freire,
grande educador brasileiro, especialmente quando declara que “[...]
ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2003, p.
47). Além do mais, essa aproximação do diálogo com tecnologias
deste tempo cronológico, especialmente as digitais, pode fortalecer o
fazer pedagógico escolar no contexto atual, de modo que pode con-
tribuir com a presença significativa da escola na vida dos(das) estu-
dantes, através do diálogo vivo, crítico e reflexivo (FREIRE, 1997).
Afinal, “o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo
mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação
eu-tu” (FREIRE, 1997, p. 91).
Dessa maneira, acreditamos que a construção da docência nunca
estará pronta ou definida, mas estará sempre em processo. Para Freire
(1991, p. 35), “a formação permanente dos educadores, o estímulo a
uma prática educativa crítica, provocadora da curiosidade, da pergunta,
862
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do risco intelectual” é o que constitui o ser-viver docente, que se atua-


liza e se perturba em devir.
No Brasil, há um movimento político de descontinuidade das
políticas públicas para a educação. A partir de 2016, houve, no meu
entendimento, um retrocesso ainda maior na elaboração de políticas
públicas e de investimentos orçamentários para valorização das ques-
tões da educação escolar do país. A redução de recursos, de incen-
tivos e de acesso à formação continuada está sendo uma constante.
A desvalorização da ciência é evidente. Isso pode ser constatado de
inúmeras formas, e uma delas é o corte de centenas de bolsas, desde as
de iniciação científica até as de pós-graduação. Perseguição a grandes
nomes da educação brasileira, como Paulo Freire, por exemplo, é algo
que também vem acontecendo.
Por isso, é importante seguirmos pesquisando na perspectiva do
diálogo, da biologia do amor, que é o que fundamenta a humanidade
de cada um de nós. Para Maturana e Rezepka (2008, p. 39), “somos
seres amorosos e ficamos doentes quando se interfere com o amor em
qualquer idade”. Neste modo dialógico de pensar a educação e a forma-
ção de professores, seguimos mantendo a teoria de Paulo Freire viva em
cada pesquisa, em cada ação reflexiva e dialogada no contexto escolar.

Palavras-chave: Educação. Diálogo. Tecnologias Digitais.

863
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
FREIRE, P. Conscientização – teoria e prática da libertação: Uma in-
trodução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2006.
FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez; 1991.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: 34, 2009.
MATURANA, H.; REZEPKA, S. N. Formação e capacitação huma-
na. Petrópolis: Vozes, 2008.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

864
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESPERANÇANDO ENTRE FRESTAS: “OLHA, SORA…


REALMENTE, EU NÃO A CONHECIA”

Anália B. M. de Barros
Prof. RME/POA, Drª em Educação
analiamartins8@gmail.com

A esperança apresentou-se a partir das frestas de uma janela virtual


em tempos de pandemia e de ataques brutais à educação pública, a edu-
cadoras(es) e educandas(os) na atual conjuntura brasileira, em um pe-
ríodo de poucas luzes em nossas vidas1. A esperança, aqui, é compreen-
dida como uma crença no futuro das gentes que estudam e trabalham,
e é compreendida, como nos diz Freire (1983), como um mover-se na
luta por um mundo melhor, por uma educação que seja crítica para que
não percamos o rumo, mesmo em meio ao pandemônio vivido neste
contexto histórico de pandemia.
A espera esperançosa é entendida como o limiar da insatisfação
do homem e da mulher perante a sua condição histórico-social. Ela
anima todo e qualquer movimento social dos oprimidos, pois eles sa-
bem que algo melhor é possível. Como precisa Bloch, “o que é desejado
utopicamente guia todos os movimentos libertários” (2005, p. 18). A
esperança é instrumento objetivo, ajudando a humanidade a superar o
medo das consequências de um possível ato libertador, além de ajudá-la
a superar a atitude niilista de negação do mundo. Praticar a docência
ajudou a esperançar dias melhores.
Em uma fria manhã de julho de 2020, lendo as postagens das(os)
estudantes na plataforma Córtex, deparei-me com um depoimento de
uma jovem, de uma das turmas de 8º ano com as quais trabalhava, res-
pondendo a uma atividade que tratava sobre a fome no Brasil. A tarefa
envolvia uma investigação e a produção de uma minibiografia da vida de
Maria Carolina de Jesus, a partir de sua célebre frase “O Brasil precisa ser
1 Esta é uma versão modificada de artigo homônimo publicado em: Revista da
ATEMPA, n. 2, p. 41-43, dez. 2020.
865
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

governado por alguém que já passou fome”, presente na obra “Quarto de des-
pejo”. A aluna fez a atividade sugerida e postou um bilhete na plataforma:
“Olha, sora... realmente eu não a conhecia, mas agora que eu conheço, vou
até ver se não tem esse livro na internet para eu ler, porque eu achei a história
dela bem interessante e estou muito curiosa para ler”. Vejamos: a aluna fez a
pesquisa, conheceu a autora, ficou curiosa e expressou seu desejo de ler o
livro “Quarto de despejo”. Uma docente não poderia ficar mais contente!
Este é o mote do artigo que aqui se concebe: uma experiência pedagógica
que conseguiu instigar uma curiosidade epistemológica (FREIRE, 1991).
Em 2020 e 2021, as(os) professoras(es) não puderam ir às esco-
las, devido ao isolamento social, fruto da pandemia do coronavírus –
mesmo estando em uma situação menos insegura, no contexto de crise
sanitária, do que os estudantes e suas famílias, porque têm trabalho,
renda e algum lazer. Mas faltava a matéria-prima do trabalho docente:
o contato direto com os estudantes. Compreendo que a educação acon-
tece, fundamentalmente, através das relações sociais que se manifestam
na escola e compreendo, como Freire (1991, p. 32), que as relações
são reflexivas, consequentes, transcendentes e, também, temporais. Sem
elas, a educação fica comprometida, capenga. Assim, pode-se dizer que
a educação é um ato de conhecimento, como recordação do passado e
esperança no futuro que está por vir (BLOCH, 2005).
Quando sugerimos um tema para reflexão, e o educando é capaz
de dialogar com os textos, com a temática, e ainda se colocar de forma
crítica sobre o assunto abordado, compreendo que, em parte, conseguiu-
-se contribuir para sua autonomia pessoal e intelectual. Contribuiu-se,
também, para que esse educando expressasse sua visão de mundo, como
pode-se observar no exemplo a seguir, quando a estudante discorda do
teor da frase de Maria Carolina de Jesus, e diz o porquê: “[...] para ser bem
sincera, eu não concordo com ela, por um simples motivo: todo pobre sonha
em ter muito dinheiro, claro que às vezes isso não é ruim, quando a pessoa
luta para conseguir seu próprio dinheiro TRABALHANDO, mas há outros
que, né... a senhora sabe. Então imagina [...]”. Esse fragmento de texto ex-
pressa a esperança popular de ascender socialmente via trabalho, quando
ela afirma que “todo pobre sonha em ter muito dinheiro” e logo depois des-
taca, em letras maiúsculas, que tudo bem querer ter dinheiro, desde que
isso aconteça através do TRABALHO, afinal, o trabalho dignifica! Será?
866
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

No sistema capitalista, aqueles que produzem a riqueza do país


enriquecem? Freire (2008) entende que uma das nossas tarefas, como
educadores, é ajudar os educandos (as) a entender as coisas do mundo
e conseguir comunicar essa compreensão aos outros. Por isso, os profes-
sores e as professoras democráticos(as) devem intervir no mundo, culti-
vando a curiosidade e a inteligência esperançosa, sem que isso signifique
alimentar esperanças vãs. E é nessa seara que busco me situar.
Este ensaio não se refere ao uso dessa plataforma Córtex, polêmi-
ca e insuficiente.2 Refere-se à esperança que revela a existência de pos-
sibilidades em aberto na realidade concreta na qual estamos inseridos.
A esperança é uma espécie de conhecimento, “o conhecimento do que
ainda-não-é, um conhecimento aberto para o devir futuro” (ALBOR-
NOZ, 2006, p. 75). E, como nos diz Freire (2000, p. 10), “não entendo
a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem espe-
rança e sem sonho”.
O relato desta experiência pedagógica, com ensino remoto, foi
desenvolvido em uma escola de Ensino Fundamental da zona norte de
Porto Alegre. Aquelas atividades que enviamos e não sabemos ao certo
quantos e quais estudantes vão conseguir acessar, pois sabemos o custo
elevado dos planos de telefonia, seja móvel ou fixa. Por experiência, sa-
bemos que os dados não duram muito mais que uma semana, 15 dias,
quando muito. Sabemos, também, que a maioria não possui computa-
dor, muito menos com acesso à internet. Mesmo assim...
Como as escolas e vários colegas professores estão envolvidos em
campanhas para conseguir cestas básicas, roupas, cobertores, compreen-
deu-se que é emergente estudar a fome,3 afinal, o que é mais urgente do
que a fome? Optou-se, a partir das reuniões pedagógicas, por estudar a
2 Na Rede Municipal de Educação de Porto Alegre, desde 18 de março de 2020, o
trabalho com os estudantes tem ocorrido de forma remota. Em junho, a mantenedora
anunciou que as escolas, portanto, os professores, deveriam atender aos estudantes
via plataforma Córtex, um aplicativo de uma empresa privada que era testado em 10
escolas da rede municipal. Também anunciou que os estudantes teriam gratuidade
para utilizar a plataforma, mas tal iniciativa revelou-se ineficaz. Em 2021, as aulas
continuam ocorrendo de forma remota.
3 Sobre o tema da fome, sugiro a leitura do “Caderno Temático a História se move”, n.
3, publicada pelo CPHIS - Coletivo de Professoras e Professores de História da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre: A história se move... Que história é essa? Pande-
mia, fome e segurança alimentar. Porto Alegre, RS, n. 3, ago. 2020. (Ciclo de Debates).
867
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

fome e suas diferentes dimensões. Pretendeu-se problematizar o tema,


de um ponto de vista mais geral, e contribuir com a reflexão sobre o
fenômeno em uma sociedade que produz mais alimentos do que a po-
pulação poderia consumir. Então fica a questão: por que ainda existem
pessoas que não conseguem comer de forma adequada e digna? Ao refletir
sobre a realidade, compreendo que é primordial entendermos a fome
para podermos, enfim, superá-la. A fome é, também, o tema central do
livro “Quarto de despejo”, escrito na década de 1960. Como coincidên-
cias não existem, pode-se concluir que a vida, para a classe trabalhadora,
continua difícil, e que a fome continua atingindo boa parte das pessoas
que moram nas periferias das cidades de nosso país.
Encerro este ensaio dialogando com a interrogação final da es-
tudante. Ela faz uma provocação quando comenta sobre o desejo de
ser rico e os métodos que algumas pessoas utilizam para isso. Ela asso-
cia ser “rica” a não passar fome, ou ela dá a entender que a pessoa pode
ter passado fome e, estando no poder, não se preocupar com os mais
necessitados. Nesse sentido, ela afirma: “Mas há outros, né, que passa-
ram fome… a senhora sabe. Então, imagina, passaram fome, mas...”.
Imagino de quem ela fala: dos que roubam? Dos que são corruptos?
Dos que nascem ricos? Dos políticos? Apostaria na última opção, a
opção mais corriqueira. Nem por isso errada, mas que compõe o ar-
cabouço do homem comum que entende que só quem rouba são os
políticos. Nunca associa a corrupção aos donos do capital. Entendo
que há muito a ser feito…. Essa é a tarefa das(os) educadoras(es) crí-
ticas(os)! É o nosso desafio.

Palavras-chave: Fome. Esperança. Educação.

868
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALBORNOZ, S. Ética e utopia: ensaio sobre Ernst Bloch. Porto Ale-
gre: Movimento; Santa Cruz do Sul: Ed. da UNISC, 2006.
BLOCH, E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed.
UERJ, 2005.
CPHIS - Coletivo de Professoras e Professores de História da Rede Mu-
nicipal de Ensino de Porto Alegre. Que história é essa? Pandemia, Fome
e Segurança alimentar. Cadernos Temáticos: A história se move…,
Porto Alegre, n. 3, ago. 2020. (Ciclo de Debates).
FREIRE, P. Pedagogia do compromisso: América Latina e Educação
Popular. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
FREIRE, P. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
JESUS, C. M. Quarto de despejo. São Paulo: Francisco Alves, 1960.

869
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MULHERES CAMPONESAS E A POSSIBILIDADE


DE LIBERTAÇÃO

Suziane Miguel Soffa


Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
soffa_suzi@hotmail.com

Catiane Cinelli
UFMA/UNOESC
katimmc@gmail.com

O presente resumo expandido se propõe a estudar aspectos pos-


síveis de libertação na vida das mulheres camponesas, relacionando a
leitura de mundo em Paulo Freire (2005), a fim de analisar os com-
portamentos influenciados pelo patriarcado. A pesquisa de campo se
deu para a elaboração do Trabalho de Conclusão do Curso de Li-
cenciatura em Educação do Campo1, objetivando compreender como
tem ocorrido a divisão sexual do trabalho em um grupo de cinco
mulheres pesquisadas no município de Rolim de Moura, RO. Como
objetivos específicos, temos: identificar como são reproduzidos os
comportamentos influenciados pela cultura patriarcal; verificar como
é vivenciada a dupla jornada de trabalho no cotidiano das campo-
nesas; e pontuar as consequências da divisão sexual do trabalho para
essas mulheres. A metodologia utilizada foi pesquisa participante,
com entrevistas semiestruturadas, com cinco mulheres, e observação
participante, com registros no diário de campo. A investigação se deu
na linha 192 Norte, pertencente ao município Rolim de Moura, RO.
Com o relato das mulheres entrevistadas, percebem-se muitas dificul-
dades por elas enfrentadas ao residirem em uma comunidade em que
o patriarcado tem presença forte (SOFFA, 2019).
1 TCC intitulado “A divisão sexual do trabalho como reprodução do patriarcado na
Linha 192 Norte – Rolim De Moura”, aprovado no ano de 2019, na Universidade
Federal de Rondônia, orientado pela Profa. Dra. Catiane Cinelli.
871
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Apesar das dificuldades que enfrentam, elas são persistentes e


lutadoras, são como diz Cora Coralina (apud PULGA et AL., 2018)
“aquela mulher que o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida e
não desistir da luta, recomeçar na derrota, renunciar palavras e pensa-
mentos negativos. Acreditar nos valores humanos e ser otimista”. Essas
camponesas, apesar de não encontrarem uma saída concreta de supera-
ção do patriarcado e da divisão sexual injusta do trabalho, elas vivem se
reinventando, buscando jeitos de terem o mínimo de autonomia sobre
suas vidas (SOFFA, 2019).
Nas palavras de Freire (2005), elas buscam o ser mais, não acei-
tam pacificamente o lugar de menos, procuram saídas para essa situação
de dependência. Por trás da esposa que de tudo abre mão pela família,
existe uma pessoa que quer estudar, ser professora de Educação Física,
ser jornalista, e outra desejando aprender a dirigir carro, querendo ser
livre para ir aonde e quando quiser (SOFFA, 2019). Parafraseando Frei-
re (2005, p. 31), as mulheres se sentem desafiadas pela dramaticidade
da situação vivida, se propõem a si mesmas como problema, “Desco-
brem que pouco sabem de si, de seu ‘posto no cosmos’, e se inquietam
por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber
de si uma das razões dessa procura. [...] Indagam. Respondem, e suas
respostas as levam a novas perguntas”.
A sociedade organizada a partir da dominação masculina, com o
discurso de que a mulher é um ser frágil, faz parte de uma construção
social na qual o patriarcado foi se inserindo lentamente e afirmando
arbitrariamente que “os machos são dominadores por natureza” (MU-
RARO, 1992, p. 61), transformando as relações de dominação em uma
visão de mundo, tornando a opressão e a exploração invisíveis aos nos-
sos olhos. Em síntese, o patriarcado é a supremacia dos homens no
meio familiar, nas relações políticas, econômicas, religiosas e em todo
convívio social (SOFFA, 2019).
Segundo Pateman (1993, p. 167 apud KOLLER, NARVAZ, 2006,
p. 50), o que vivenciamos na atualidade e nos permite ocupar espaços
antes inconcebíveis é “um patriarcado moderno, contratual, que estru-
tura a sociedade civil capitalista. O patriarcado moderno vigente alterou
sua configuração, mas manteve as premissas do pensamento patriarcal
tradicional”. Essa nova configuração, menos grotesca, do patriarcado foi
872
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em função de muita luta por parte das mulheres, que não se intimidaram
com as consequências de seus enfrentamentos (SOFFA, 2019).
Ao longo dos tempos de luta, as mulheres obtiveram muitas con-
quistas, como o direito de ter um trabalho fora de casa. De acordo com
Cinelli (2016), a luta das mulheres se deu no coletivo, conforme afirma
Paulo Freire (1978, 2005), o que ocorre quando as pessoas percebem
sua inconclusão e buscam assumir-se como sujeitos, ou almejam o ser
mais, no sentido do propriamente humano. “Os oprimidos vão desve-
lando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a
sua transformação; [...] transformada a realidade opressora, esta peda-
gogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia” dos seres hu-
manos em processo de permanente libertação (FREIRE, 2005, p. 46).
A alienação das mulheres em relação à importância dos trabalhos
desenvolvidos por elas, tanto no espaço doméstico quanto fora, dificulta
a desconstrução da mulher como coisa, como meiga, recatada e única res-
ponsável pelo lar. A sociedade em geral considera como trabalho apenas
aquilo que gera dinheiro, quando, na verdade, “trabalho é um processo
entre natureza e ser humano, em que este se movimenta para modificar a
natureza com vontade orientada a um fim determinado que fará da maté-
ria natural algo útil para sua vida” (TÁBOAS, 2018 apud SOFFA, 2019).
Segundo Calaça et Al (2018, p. 67), a consciência de que exis-
te algo errado, de que a situação da mulher não é algo natural é um
passo importante para que as mulheres camponesas “possam superar
a condição de subordinação e de invisibilidade do seu trabalho [...].
A superação dessas situações é um caminho que, trilhado de forma
compartilhada com outras mulheres, permite um avanço maior e tem
mais chances de se consolidar”.
Pensamos que este texto se situa, parafraseando Freire (2005, p.
34), na pedagogia do oprimido ou, no caso, da mulher oprimida e da
sua necessidade de libertação. “O grande problema está em como pode-
rão os oprimidos, que ‘hospedam’ o opressor em si, participar da elabo-
ração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação.
Somente na medida em que se descubra hospedeiro do opressor” – em
nosso caso, quando as mulheres se descobrirem como hospedeiras do
opressor, “poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia
libertadora”. Assim, como afirma Cinelli (2016), podem despertar num
873
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

processo; não é um estalo, um momento único dessa percepção, mas é


durante a luta, a formação, a organização e a produção.

Palavras-chave: Libertação. Mulheres Camponesas. Ser Mais.

Referências
CALAÇA, M.; Et AL. Organização das camponesas no nordeste e su-
deste: Produção agroecológica, auto-organização e luta por autonomia.
In: PULGA, V. L.; Et AL. Mulheres camponesas: semeando agroeco-
logia, colhendo saúde e autonomia. Porto Alegre: Redeunida, 2018.
Pp. 53-80.
CINELLI, C. O educativo na experiência do Movimento de Mulhe-
res Camponesas: resistência, enfrentamento e libertação. [Tese de
Doutorado]. Porto Alegre: UFRGS, 2016.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
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KOLLER, S. H.; NARVAZ, M. G. Famílias e patriarcado: da prescri-
ção normativa à subversão criativa. Psicologia & Sociedade, v. 18, n.
1, pp. 49-55, 2006.
MURARO, R. M. A mulher no terceiro milênio: Uma história da
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Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
PULGA, V. L.; Et AL. Mulheres camponesas: semeando agroecolo-
gia, colhendo saúde e autonomia. Porto Alegre: Redeunida, 2018.
Pp. 53-80.
SOFFA, S. M. A Divisão Sexual do Trabalho como Reprodução do
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Conclusão de Curso]. Rolim de Moura: UNIR, 2019.
TÁBOAS, Í. M. É luta! Feminismo camponês e popular e enfrenta-
mento à violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
874
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CIRCUITO DIVERSIFICA DO IFRS – CAMPUS SERTÃO:


SENSIBILIZAÇÃO, INCLUSÃO E DIVERSIDADE

Vanessa Carla Neckel


vanessa.neckel@sertao.ifrs.edu.br
IFRS - Campus Sertão

Naiara Migon
naiara.migon@sertao.ifrs.edu.br
IFRS - Campus Sertão

Gabriele Albuquerque da Silva


gabriele.silva@sertao.ifrs.edu.br
IFRS - Campus Sertão

Oscar de Souza Santos


oscarsantos2407@gmail.com
IFRS - Campus Sertão

Ana Laura Tomasi


anatomasilaura@gmail.com
IFRS - Campus Sertão

Este resumo emerge da experiência com o projeto de ensino inti-


tulado “Eventos de sensibilização: Inclusão e Diversidade” que consiste
em ações de sensibilização voltadas para a comunidade escolar do Insti-
tuto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio Grande do Sul
(IFRS) - Campus Sertão. Com o objetivo de ampliar a conscientização
sobre a inclusão, o reconhecimento e o respeito à diversidade de gênero
e de etnia, o projeto foi resultado da articulação entre coordenadores e
integrantes do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (NEABI),
do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades (NAPNE) e
do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade (NEPGS).
875
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O IFRS tem buscado fortalecer ações que visam à inclusão e à


construção de um espaço pedagógico que reconheça e aceite as diversida-
des. Dentre as ações, encontra-se a de executar (na prática) a Política de
Ações Afirmativas do IFRS, propondo medidas especiais para o acesso, a
permanência e o êxito dos estudantes, em todos os cursos oferecidos pelo
Instituto, prioritariamente para pretos, pardos, indígenas, pessoas com
necessidades educacionais específicas, pessoas em situação de vulnerabi-
lidade socioeconômica e oriundos de escolas públicas (IFRS, 2014). Os
projetos no âmbito da pesquisa, ensino e extensão passam a adquirir um
novo significado com as mudanças que ocorreram no cenário da educa-
ção brasileira, que foram impulsionadas por políticas públicas voltadas à
ampliação da diversidade no acesso ao sistema de ensino nacional.
Apesar de o aumento na diversidade dentro das instituições de
ensino federal ter representado um grande avanço, em termos de inclu-
são, no sistema educacional brasileiro, um conjunto de desafios emergi-
ram desse novo contexto. Para que ocorra inclusão efetiva desses públi-
cos no ensino, é preciso ir além da mera presença desses alunos nas salas
de aula. Nesse contexto, o projeto de ensino “Eventos de Sensibilização:
Inclusão e Diversidade” tornou-se uma das ações da política de ações
afirmativas no IFRS Campus Sertão.
Para alcançar seus objetivos em meio à realidade modificada pela
pandemia da COVID-19, foi necessário adequar a metodologia tradicio-
nal e utilizar os meios virtuais. Nesse contexto, ousamos nos desafiar e dis-
parar voos altos, lançando o 1º Circuito Diversifica Campus Sertão, uma
iniciativa pioneira do projeto de ensino, no formato de um evento online.
Parafraseando Freire, “Se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (2000, p. 67). É nesse
contexto que o evento foi pensado e criado, com objetivo de propor
reflexões e diálogos sobre a diversidade étnica/racial, cultural, das de-
ficiências, gênero e sexualidades no ambiente acadêmico, mas também
no contexto da sociedade.
O Circuito Diversifica foi dividido em dois ciclos de palestras.
O primeiro iniciou-se em 28 de outubro de 2020 e finalizou em 14 de
dezembro de 2020, contando com cinco palestras, com as seguintes te-
máticas e palestrantes: 1) Violência sexual contra criança e adolescente,
com o psicólogo Jean Von Hohendorff; 2) Educação, inclusão e diversi-
876
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dade, com o psicólogo Anderson Schuck; 3) A importância da literatura


de autoras negras brasliseira na luta antirracista, com a professora Gisel-
le Maria; 4) Existe vida após HIV/Aids?, com a ativista Vanessa Cam-
pos; 5) Saúde mental da população LGBT, com o médico Lucas Strauss
Boff. O segundo ciclo do Circuito Diversifica iniciou em 9 de janeiro
de 2021 e finalizou em 19 de março de 2021, contando com seis pales-
tras, com seguintes temas e palestrantes: 1) Mulheres com deficiência:
gênero e sexualidade, com a ativista e estudante de psicologia Mayara
Massa; 2) Porque visibilidade trans?, com Vitória Fidelis, mulher trans,
negra e estudante de Direito, e com Vitor Raphael, homem trans e
estudante de Tecnologia em Redes de Computadores; 3) Mulheres do
campo e movimentos sociais, com Raquel Forchesatto, graduada em
Serviço Social e estudante de História; 4) Estresse de minorias e diversi-
dade sexual e de gênero, com o psicólogo Ícaro Bonamigo; 5) História
do feminismo no Brasil e no mundo, com a professora Patrícia Ketzer;
6) Inclusão e diversidade no trabalho, com a professora Catia Gemelli.
Como palco do evento, foi utilizada a plataforma StreamYard,
transmitindo ao vivo as apresentações para o Youtube, possibilitando a
participação, em tempo real, de todo o público ouvinte, por meio do chat
online, sendo transmitida a fala de um palestrante, um mediador e duas
intérpretes de LIBRAS, a fim de possibilitar o acesso e a inclusão de todos
os participantes. O uso de redes sociais para a divulgação foi de grande
êxito, superando todas as expectativas, sendo que o evento atingiu mais
de 150 inscritos, vindos de diversas regiões brasileiras e estaduais, devido
à facilidade atual de comunicação gerada pelas redes sociais.
O educador popular Paulo Freire deixou uma importante contri-
buição com sua pedagogia humanizadora, com foco em uma educação
transformadora que faça sentido na vida das pessoas, diferente da prática
do depósito criticada pelo autor, quando fala da educação bancária, que
em nada contribui para a emancipação dos cidadãos. O Circuito Diver-
sifica construiu, de forma online, uma rede de afeto, de revolução, de
conhecimento, de encontro, de narrativas, possibilitando um processo de
conscientização pela promoção da justiça social, inclusão e combate aos
preconceitos e discriminações. De acordo com Fernandes (2020, p. 34),
“a conscientização não é só adquirir algum tipo de conhecimento, mas
fazer uso desse conhecimento em seu contexto de vida. É quando o co-
877
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nhecimento faz sentido e cria pontes para maior compreensão, para mais
acesso e para desafiar as inverdades que mantêm as coisas como elas são”.
Os preconceitos às minorias, o maior desafio das ações afirmativas,
se embasam em uma lógica coisificante do ser humano, na qual ele vê
seus direitos mais básicos sendo negados. É o que podemos observar no
racismo, no capacitismo, no machismo e na LGBTfobia, sendo vital a
educação se voltar para práticas humanizadoras: “Para alcançar a meta
da humanização, que não se consegue sem o desaparecimento da opres-
são desumanizante, é imprescindível a superação das ‘situações-limite’ em
que os homens se acham quase coisificados” (FREIRE, 2011, p. 131).
O Circuito Diversifica, ao ser gestado a partir de temas-geradores
que dão voz aos oprimidos e denunciam estruturas de violência institucio-
nal, se constitui enquanto um projeto que acolhe a diferença e promove
o diálogo em direção à humanização, para que se diferencie de uma edu-
cação submissa e alienadora, a qual vê os sujeitos como meros aprendizes
e receptores de conhecimento. O educador Paulo Freire nos orienta que
“ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se liber-
tam em comunhão” e que “educadores e educandos (liderança e massas),
cointencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são
sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas
também no de recriar este conhecimento” (2011, p. 95-101).

Palavras chaves: Sensibilização. Inclusão. Diversidade.

Referências
FERNANDES, S. Se quiser mudar o mundo: um guia político para
quem se importa. São Paulo: Planeta, 2020.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNO-
LOGIA DO RIO GRANDE DO SUL (IFRS). Política de Ação Afir-
mativa do IFRS, 2014.

878
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A ÉTICA DOCENTE PROPOSTA POR PAULO FREIRE

Isaura Welker

Patrícia Martins de Araujo


Universidade Federal da Fronteira Sul
isaurawelker@gmail.com

O presente resumo tem como objetivo refletir sobre a ética do-


cente proposta por Paulo Freire nos livros “Pedagogia da autonomia”
e “Pedagogia do compromisso: América Latina e Educação Popular”.
Ser docente é ser ético, é ter responsabilidade com seus educan-
dos e educandas. A ética proposta por Paulo Freire vai muito além do
espaço da sala de aula. Ela parte da premissa de compreender e respeitar
os seus alunos e alunas na sua totalidade: “A tarefa fundamental de
educadores e educadoras é viver eticamente, praticar a ética diariamente
com as crianças e com os jovens” (FREIRE, 2018, p. 32).
No decorrer do texto, vamos falar de algumas posturas éticas
identificadas nos livros do autor, no que tange ao agir-educativo, pois,
como ele afirma, “é inviável uma vida sem ética” (FREIRE, 2018, p.
274). Uma dessas posturas éticas é respeitar e valorizar a autonomia,
pois, através da autonomia, é possível formar sujeitos participativos e
históricos. Segundo Freire, é dar aos indivíduos a capacidade de decidir
sobre seu próprio destino. Alunos e alunas com autonomia tornam-se
sujeitos participativos da sua própria história, que reconhecem seus di-
reitos e deveres, lutam pelos seus direitos e reconhecem a importância
de viver a escola em sua plenitude.
É importante reconhecer que os alunos e alunas têm muito co-
nhecimento sobre várias coisas, têm experiências, têm opinião, têm
pensamento. Ser um docente ético é dar abertura para o diálogo, é ou-
vir, é aprender junto. Conforme aponta Freire, “A grande tarefa do su-
jeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro,
879
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos


fatos, dos conceitos” (FREIRE, 2019, p. 39).
Ser docente ético é compreender e analisar sociologicamente as
desigualdades sociais, as injustiças e as discriminações sociais, sendo elas
de raça, gênero e de classe. Não é possível ser docente e ser preconcei-
tuoso, como também não é possível ser docente sem lutar para romper
com as discriminações sociais existentes. Viver a educação na sua es-
sência é promover a aceitação das diferenças, recusar qualquer tipo de
descriminação: “A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero
ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a demo-
cracia” (FREIRE, 2019, p. 37).
Um(a) docente que preza pela eticidade, respeita a liberdade
dos(as) educandos(as), mas também reconhece que “Não há liberdade
sem autoridade” (FREIRE, 2018, p. 85). Autoridade não é autoritaris-
mo, “autoridade é um limite”. Autoridade é não se achar superior aos
estudantes, é construir juntos e juntas, compartilhar, trocar conheci-
mentos, mas com um certo limite e respeito.
Ser docente ético é ter amorosidade. E amar é aceitar as diferenças,
é acolher, compreender, dar carinho, atenção, se importar com seus edu-
candos e educandas, e é também fazer a diferença na vida deles e delas.
Ser docente ético não é somente se preocupar com os conteúdos, mesmo
tendo eles uma importância irrefutável. Ser docente ético é pensar e se
preocupar com os seus educandos e educandas em sua totalidade. De que
adianta o(a) professor(a) passar muitos conteúdos no quadro e nem saber
se seus alunos e alunas passam fome, frio, sem saber se eles e elas têm
onde dormir, se têm dinheiro para o transporte, ou se sofrem ou sofreram
algum tipo de violência? A vivência dos educandos importa.
Freire diz que “Temos que educar através do exemplo” (FREIRE,
2018, p. 32), isto é, de nada adianta ensinar português e matemática
e não se preocupar em ensinar pelo exemplo, pois é no exemplo que
mostramos coerência entre o que se diz e o que se faz. Na conduta
ética do(a) professor(a), é possível ensinar muito além de conteúdos
e métodos, é possível educar para a vida: “O testemunho é altamente
pedagógico” (FREIRE, 2018, p. 91).
A ética é inerente à prática docente, pois sem ela não existe amo-
rosidade, compreensão, liberdade, igualdade. Freire (2019) ainda co-
880
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

loca que cumprir amorosamente seu dever não exclui a necessidade de


luta pelos direitos políticos e pelo respeito e pela dignidade sobre o
papel do educador e seu lugar.
À medida que lutamos, estamos ensinando na ação, e é “Justa-
mente na medida em que nos tornamos capazes de intervir, capazes de
mudar o mundo, de transformá-lo, de fazê-lo mais belo ou mais feio,
nos tornamos seres éticos” (FREIRE, 2018, p. 31). Dessa forma, para
Freire (2019), educar significa querer bem eticamente os educandos,
partindo de uma prática que envolva afetividade, alegria, respeito e
vontade de mudança.
Assim, estar aberto(a) a conhecer os estudantes e ter algum tipo
de afetividade por eles é essencial. Porém, nem sempre irá acontecer, e
o que Freire (2019) nos apresenta é que, mesmo que, como educadores,
não tenhamos afeto por todos os estudantes, precisamos entender a im-
portância deles para que nossa prática não se condicione ao “gostar ou
não gostar” deles – e que a consciência sobre ela coloque os educandos
em harmonia com os educadores e torne o espaço de sala de aula mais
alegre e passível de diálogo e construção.
Por fim, entende-se que a educação não pode ser entendida como
algo desprovido de sentimento, de emoção, desejo e sonhos, pois tem
um papel muito importante na sociedade: “A educação não é a platafor-
ma para a transformação, mas a transformação social precisa da educa-
ção” (FREIRE, 2018, p. 265). É nela que podemos criar relações, criar
laços e construir espaços para que cada educando e educanda possa ser
e estar no mundo de forma única e singular, tendo consciência de seu
espaço social e do espaço do outro, podendo mover-se no mundo com
responsabilidade e afetividade.

Palavras-chave: Ética. Paulo Freire. Docência.

881
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia do compromisso: América Latina e Educação
Popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.

882
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PERSPECTIVA DIALÓGICA NAS PRÁTICAS


DE GESTÃO ESCOLAR

Almir Paulo dos Santos


Universidade Federal Fronteira Sul - UFFS
Almir.santos@uffs.edu.br

Juliane Bonez
Universidade Federal da Fronteira Sul
juliane-bonez@educar.rs.gov.br

A discussão sobre gestão escolar na perspectiva dialógica, no cená-


rio das políticas educacionais, apresenta-se como um tema que tem sido
objeto de vários estudos e pesquisas, tanto em nível nacional quanto
em âmbito internacional (FREIRE, 1996; PASSADOR; SALVETTI,
2013; FRANCO, 2014; RIBEIRO; NARDI, 2018). A gestão escolar
carrega, em seu contexto de articulação conceitual, prático e dialógico,
várias perspectivas e concepções e um contexto complexo de disputas
e de ressignificações. Vieira, Vidal e Nogueira (2015) afirmam que a
gestão escolar é um princípio orientador da escola pública brasileira,
mas que convive com políticas públicas direcionadas por um Estado
clientelista e patrimonial, suscitando novos modos de gestão escolar.
Franco (2014), ao apresentar a perspectiva dialógica, na gestão pública
de Paulo Freire frente à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
(1989 - 1991), explicita que a gestão é a integração da teoria com a
prática, a partir do diálogo.
Este trabalho tem como objetivo analisar, descrever e divulgar
experiências dialógicas de práticas de gestão democráticas em muni-
cípios da Associação Municipal do Alto Uruguai (AMAU), no Estado
do Rio Grande do Sul. Para a amostra, consideram-se, apenas, escolas
com índice do IDEB 2019 e 2021 acima de seis. Considerando a dis-
ponibilidade de dados secundários existentes sobre a temática, a análise
ocorrerá em duas etapas. A primeira, quantitativa, avaliando os índices
883
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do próprio IDEB, as leis de sistema municipais de ensino (SME), os


conselhos municipais de educação (CME), os Planos Municipais de
Educação (PME) e os questionários do diretor (Prova Brasil). A partir
dessa análise, serão selecionados três municípios com os índices mais
elevados no IDEB (2019 e 2021) para a análise qualitativa. Nesse per-
curso, os municípios assinarão a declaração de ciência e concordância
para a realização da segunda etapa da pesquisa. Esta será qualitativa e
coletará dados primários que auxiliem na compreensão de práticas de
gestão dialógica e democrática das escolas, a partir de entrevistas semies-
truturadas, já iniciadas, em um município da AMAU. Identificamos os/
as gestores/as como G1- AU; G3 - AU.
Democratizar as práticas de gestão escolar, orientadas pelo diálo-
go, pressupõe estabelecer resistência às determinações que incidem no
cotidiano das relações contraditórias das reformas do Estado e das suas
organizações “[...] composta[s] por desregulação, privatização e comer-
cialização” (LIMA, 2018, p. 18). Essas exigências, associadas à produ-
ção e à competitividade, têm nos revelado dificuldade de democratizar
a gestão, responsabilizando os gestores pela qualidade da educação.
O diálogo, nas práticas de gestão escolar, é essencial para a orga-
nização pedagógica e administrativa, mas, principalmente, para as ações
dos sujeitos escolares que, juntos, não só formulam as ideias ou as ações,
mas são sujeitos presentes em sua concretização. Assim, qualificam-se os
processos de gestão escolar como do ensino-aprendizagem. “O diálogo
deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza históri-
ca dos seres humanos. É parte do nosso progresso histórico, do caminho
para nos tornarmos seres humanos” (FREIRE, SHOR, 1986, p. 64).
São práticas de gestão que se constituem com os sujeitos (professores,
alunos, pais, gestão) que fazem a história a partir do “chão” da escola,
transformando, considerando o diálogo o foco primordial no processo
– o que possibilita uma gestão escolar diferente das proposições admi-
nistrativa e burocrática.
Pereira e Silva (2018) explicitam que a gestão educacional no
Brasil está compreendida como uma necessidade de reproduzir maior
racionalidade à sua gestão, organizada, portanto, num formato flexível
e descentralizada, quanto à administração de recursos, e responsabili-
zando os atores pela qualidade educacional. A gestão escolar assume
884
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

os princípios da administração empresarial, configurada pelos preceitos


da gestão gerencial de ethos privado. Mas, utilizando a proposição dia-
lógica freiriana, o diálogo possibilita tensionar permanentemente uma
gestão administrativa empresarial, para uma construção dialógica de
autonomia e autoridades, que permite aos sujeitos escolares um olhar
para a realidade da sua escola e, a partir dele, que possam constituir
ações necessárias e eficazes para a qualificação da sua educação. Freire
(2005) nos demonstra, em seus escritos, que, para tornar o diálogo um
ato de conhecimento, é necessário que os sujeitos cognoscentes tentem
compreender a realidade, cientificamente, no sentido de descobrir nela
a sua razão de ser, ou seja, o que a faz ser como está sendo. São práticas
de gestão escolar realizadas porque os sujeitos escolares conhecem, com-
preendem e participam das ações e descobrem-se sujeitos do processo, e
veem os resultados serem alcançados.
O diálogo é considerado um convite, uma participação, uma
proposição coletiva e um comprometimento com a realização. Freire
(1996) nos indica que o diálogo consiste no respeito a todos os sujeitos.
Todos se educam coletivamente nas práticas de gestão, como também
nas práticas sociais. O/A gestor/a escolar não se sente sozinho/a, mas
está junto/a com seus professores, alunos, pais. A presença de todos/as
nas práticas de gestão fortalece, traz participação, liberdade de dialogar
e produzir ações coletivas, autênticas, com maior provisão de acertar.
Alguns resultados iniciais deste trabalho de pesquisa nos demons-
tram as práticas de gestão de um município AU-AMAU, onde o/a se-
cretário/a de educação, ao assumir o cargo, organizou a sua equipe, e
todos/as, coletivamente, produziram um plano de ação para a educação
do município. Um dos primeiros passos foi “envolver os colegiados nas
escolas, conjuntamente com a gestão escolar. Não gostamos de interfe-
rir no trabalho da escola, mas de estar junto e constituir a autonomia
do gestor em seu espaço” (G1-AU). Segundo a secretária municipal de
educação do município AU-AMAU, vários projetos são feitos envol-
vendo a todos/as. Um exemplo citado foi o dos alimentos saudáveis. A
gestão escolar trabalhou no projeto conjuntamente com os professores
das séries e até com os pais dos alunos, que foram envolvidos nas ati-
vidades. Aqui, aparece o fator integração, corroborando as indicações
anteriores de que a integração entre gestores, professores e famílias tem
885
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

efeito positivo no rendimento escolar das crianças. “Cada família do/a


aluno/a enviou uma receita saudável para compartilhar uns com os ou-
tros. Eles mandaram para a escola, para compartilhar no dia dos pais”
(G1-AU). Nas palavras da gestora da rede municipal de educação, cada
família se envolveu e fez a sua receita. O projeto deu muito certo, in-
clusive muitas crianças relataram que, em casa, a alimentação também
se tornou mais saudável.
Percebemos, a partir da pesquisa, que as práticas de gestão no mu-
nicípio AU-AMAU têm, como panorama, envolver toda a comunidade
escolar, com gestores, professores/as e famílias fazendo um acompanha-
mento muito próximo das dificuldades e das possíveis alternativas para
que essas dificuldades sejam superadas – tudo isso indicando que há
uma postura coletiva entre as diversas práticas de gestão e o todo. “Os
objetivos de qualquer gestor é fazer com que os índices do município se
elevem em todos os sentidos. E uma das práticas é acompanhar todas
as escolas do município, estar próximo” (G3-AU). Ao mesmo tempo, o
modelo adotado também sugere a divisão das responsabilidades: “Acre-
dito que a criança bem alimentada se motiva mais em vir para a escola.
Envolver as famílias é fazer da escola não é ninguém. A educação sozi-
nha não faz nada, então a gente chama a comunidade, essa é uma das
ações da gestão” (G1-AU). Para finalizar, identificamos que as práticas
de gestão do município apresentam características de diálogo, participa-
ção e coletividade, ou seja, uma perspectiva dialógica de gestão escolar.

Palavras-chave: Dialógica. Gestão Escolar. Experiências Democráticas.

886
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FRANCO, D. S. A gestão de Paulo Freire à frente da Secretaria Muni-
cipal de Educação de São Paulo (1989 – 1991) e suas consequências.
Pro-Posições, v. 25, n. 3, pp. 103-121, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
LIMA, L. C. Por que é tão difícil democratizar a gestão da escola públi-
ca? Educar em Revista, v. 34, n. 68, pp. 15-28, 2018.
PASSADOR, C. S.; SALVETTI, T. S. Gestão escolar democrática e
estudos organizacionais críticos: convergências teóricas. Educação e
Sociedade, v. 34, n. 123, pp. 477-492, 2013.
PEREIRA, S. R.; SILVA, M. A. Políticas educacionais e concepção de
gestão: o que dizem os diretores de escolas de ensino médio do Distrito
Federal. Educar em Revista, v. 34, n. 68, pp. 137-160, 2018.
VIEIRA, S. L.; VIDAL, E. M.; NOGUEIRA, F. F. Gestão da aprendi-
zagem em tempos de Ideb: percepções dos docentes. RBPAE, v. 31, n.
1, pp. 85-106, 2015.

887
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E SUAS ANDARILHAGENS PELA ÍNDIA

Patrícia Correia de Paula Marcoccia


Universidade Estadual de Ponta Grossa
pa.tyleo12@gmail.com

Balduíno Andreola
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
balduinoandreola@yahoo.com.br

No centenário do nascimento de Paulo Freire, em 2021, diversas


universidades do Brasil e de outros países, movimentos sociais, edu-
cadores e educadoras sociais, vinculados ou não às escolas públicas, se
reúnem para celebrar a atualidade do seu pensamento e se inspirar nas
suas experiências e andarilhagens1 pelo mundo. Freire, durante os 16
anos de exílio, percorreu a África, a Ásia, a Austrália, a Nova Zelân-
dia, as ilhas do Pacífico Sul, a América Latina, o Caribe, a América do
Norte, a Europa, enfim, “foi caminhando por esses pedaços de mundo”
(FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 12).
Mário Bueno Ribeiro defendeu, em 2009, sua tese de doutora-
do intitulada: “Andarilhagens pelo mundo: Paulo Freire no Conselho
Mundial de Igrejas”. Como anexo, incluiu fotocópia do “Cronograma
de Viagens” realizadas durante aqueles anos, com o inteiro apoio do
Conselho Mundial, totalizando 150 viagens, para numerosos países, de
todos os continentes. Nenhuma foi viagem de turismo ou de lazer. Esse
fato confirma a expressão de Freire, na entrevista publicada no jornal
“O Pasquim” (1978, p. 10), quando se denominou: “[...] sou, existen-
cialmente, um bicho universal”. E justificou: “Mas só sou porque sou
profundamente recifense, profundamente brasileiro. E por isso comecei
1 Recomenda-se ler o verbete “andarilhagem”, escrito por Carlos Rodrigues Bran-
dão no “Dicionário Paulo Freire” (2010), e o verbete “Ásia”, escrito por Balduíno
Andreola (2010).
889
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

a ser profundamente latino-americano e depois mundial”. E a este cará-


ter de universalidade atribui um único sentido: “Eu sou capaz de querer
bem, enormemente, a qualquer povo”.
De uma fração desses pedaços de mundo que este texto se pro-
põe a esquadrinhar, tem-se, por objetivo, apresentar as andarilhagens de
Freire pela Índia, com ênfase nas experiências voltadas à “Pedagogia do
oprimido” e nas cartas que recebeu dos(as) indianos(as). Para isso, per-
corremos algumas obras de Freire, artigos e entrevistas em que mencio-
na sua ida à Índia. Ademais, consultamos obras de seus interlocutores
sobre essa experiência.
Sobre sua ida à Índia, Paulo Freire, em depoimento à Revista
Lua Nova, revela a sua emoção de quando chegou ao país, permane-
cendo uma semana e cultivando diálogos em conjunto, com um co-
letivo de 25 educadores de diferentes regiões da Índia. Leiamos o que
disse: “Aqueles homens discutindo algumas das sugestões, das propo-
sições que eu faço da pedagogia, alguns com seus turbantes, outros
sem, e em certo momento era como se eu me visse com um turbante
também. No fundo eu era [...] um Paulo Freire reinventado na Índia”
(FREIRE, 1984, p. 2).
Em entrevista ao jornal Pasquim, Paulo menciona o seu encontro
com um grupo de estudantes indianos, com os quais dialogou acerca da
obra “Pedagogia do oprimido”:

Eu chegava à Índia, por exemplo, e encontrava


um grupo de estudantes que me dizia: “olha, nós
conseguimos uma edição do teu livro, mimeogra-
famos, estudamos dois meses e resolvemos ir para a
prática, e é a prática que nós tivemos que queremos
te contar”. Eu então passava duas ou três horas
conversando com esses meninos e eles dizendo, tu
escreveste este livro foi para nós, porque é a mesma
coisa (PASQUIM, 1978, p. 11).

A obra “Pedagogia do oprimido” respondeu profundamente aos


problemas que a Índia enfrentava. A presença de Freire, sua filosofia,
sua pedagogia, impactaram a educação no âmbito escolar e em espa-
ços não formais.

890
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nesse sentido, Andreola (2010, p. 49) comenta a respeito de um


projeto de Educação Popular e Conscientização que foi realizado na Ín-
dia, em uma comunidade de párias, grupo que realiza os trabalhos mais
degradantes, vítima de extrema pobreza. Esse projeto foi desenvolvido
por um grupo de militantes2 cristãos, inspirados por Freire, Marx e
Gandhi, e culminou na organização de um sindicato rural. Essa expe-
riência está descrita na obra de Weid e Poitevin (1978) intitulada, Inde:
les parias de l’espoir.
O Professor Balduíno Andreola (1982) acrescenta alguns detalhes
sobre as experiências na Índia, inspiradas na obra de Freire, e realizadas
nas aldeias dos párias indianos. Nessas aldeias, os jovens militantes bus-
cavam suporte nas ideias-chave de educação libertadora e, a partir dis-
so, preocuparam-se em visitar as comunidades, dialogando para decidir
com a população o trabalho a ser realizado. Quanto à inspiração de
Freire, o professor delimita dois aspectos: o clima total de diálogo com
os membros da comunidade, e o levantamento, com as comunidades,
das palavras-chave, de frases-chave e dos temas geradores. Os militantes
já sabiam que a população não estava interessada, por enquanto, em
alfabetização, mas, sim, em atividades que levassem à mudança social.
Quanto à metodologia, admiravelmente criativa, conseguiam mobilizar
toda a população de cada comunidade, tanto adultos, quanto jovens e
crianças. As sessões eram à noite e continham manifestações artísticas,
como: música, teatro, cantos, jogos, danças e lances humorísticos. Ha-
via a presença de crianças e mulheres. Pais e crianças se educam em con-
junto. Vale ressaltar que todo o trabalho era intercalado por momentos
de avaliação, em reuniões em grupo, e seguido de uma avaliação final.
Na obra “Pedagogia da esperança: um reencontro da pedagogia
do oprimido”, Freire menciona que recebeu cartas da Índia “para dis-
cutir e debater pontos teóricos-práticos dos livros” (FREIRE, 2008, p.
122). Quanto a essas cartas, Andreola faz referência à de Indira Gan-
dhi3, escrita em 16 de maio de 1973. Indira lamenta que “por uma
2 O Professor Andreola ressalta que num dos seus artigos, por um erro de edição,
em lugar de militantes cristãos, saiu “militares cristãos”. Quem lê deve estranhar que
militares se inspirassem em “Marx, Gandhi e Freire”.
3 Indira Gandhi, filha de Jawarla Nehru, foi a primeira mulher a se tornar chefe de
governo na Índia, onde permaneceu por 18 anos. De 1966 a 1977, o primeiro man-
dato, e o segundo, de 1980 a 1984, quando foi assassinada por dois guarda-costas,
891
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

indisposição de saúde, tivesse cancelado uma visita à Índia, expressando


a esperança de ainda encontrar-se com ele, para conhecer melhor suas
ideias em educação, das quais confessa ter apenas uma noção” (AN-
DREOLA, 2010, p. 48 apud GADOTTI, 1996, p. 57). Ela acrescenta:
“Mas isto é suficiente para despertar meu interesse”. Este objetivo en-
trevê um motivo, quando numa frase mais adiante ela escreve: “Nosso
sistema de educação e a estrutura da sociedade desencoraja qualquer
mudança do status quo e apóia apenas o interesse de uma parcela da
população” (GANDHI, 1996). Essa sua preocupação revela-se de acor-
do com seu slogan, ao assumir o governo: “garibi atao”, ou seja: “acabar
com a pobreza”.
Por meio deste breve estudo, constatamos que a viagem de Freire
à Índia desvenda sua interconexão global, ancorada numa filosofia uni-
versalista “[...] com o compromisso com os deslocamentos de corpos
e imaginários em direção ao conhecimento e à ação em outros brasis,
onde o sujeito é o povo e a razão de ser do movimento é o popular”
(BRANDÃO, 2010, p. 42).
A “Pedagogia do oprimido”, na Índia, inspirou muitos educado-
res(as) indianos(as), os quais reforçam a solidez da obra e do seu pensa-
mento. Com base no estudo, consideramos que Paulo Freire (re)inven-
tou uma parte da educação na Índia, e a Índia (re)inventou Paulo Freire
– ambos foram marcados por essas experiências de ensinar e aprender.

Palavras-chave: Paulo Freire. Índia, Andarilhagens.

pertencentes à facção sikhs, cujo radicalismo se opunha às mudanças, lutando inclu-


sive por nova guerra contra o Paquistão, tendo sido motivo do estado de emergência.
Em 1971, ela assinou um tratado com a União Soviética. Em 1975, foi acusada pela
Alta Corte de Allahabad de ter se utilizado de práticas ilegais para se reeleger. A partir
disso, determinou estado de emergência e passou a governar em regime ditatorial
(INFO, 2020).
892
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDREOLA, B. A. Ásia. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOS-
KI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. Pp. 48-49.
ANDREOLA, B. A. Apport de la Pédagogie de Paulo Freire au Dia-
logue Interculturel. Louvain-La-Neuve: Université Catholique de
Louvain, 1982.
BRANDÃO, C. R. Andarilhagens. In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZI-
TKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2010.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
FREIRE, P. Intuição e fantasia para a educação de todos. Lua Nova, v.
1, pp. 1-4, 1984
FREIRE, P. Entrevista com Claudius Ceccon e Miguel Darcy de Oli-
veira, In: Pasquim, n° especial 2, Rio de Janeiro, 1978. Pp. 7-11.
FRERE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GANDHI, I. Carta de Indira Gandhi. In: GADOTTI, M.; Et AL.
Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo, Cortez, Instituto Paulo
Freire, UNESCO, 1996.
GADOTTI, M.; Et AL. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo,
Cortez, Instituto Paulo Freire, UNESCO, 1996.
RIBEIRO, M. B. Andarilhagens pelo Mundo: Paulo Freire no Con-
selho Mundial de Igrejas – CMI. São Leopoldo: EST, 2009.
WEID, D. V. D.; POITEVIN, G. Inde: Les Parias de L’Espoir. Paris:
L’Harmattan, 1978.

893
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

POR UMA DEMOCRACIA FREIREANA

Fatima A. M. dos Santos1


UFFS – Campus Erechim
fatimatsc3@gmail.com

Kerolin Kalinka N. Iung²


UFFS – Campus Erechim
kalinka.iung@gmail.com

O debate em torno do conceito de democracia vem sendo dis-


cutido nos últimos anos de forma exaustiva, entretanto, é importante
ressaltar que esta é uma discussão bastante antiga, surgida desde a Pólis
Grega. Para Dahl (2009), foram os gregos de Atenas que cunharam o
termo demokratia – demos: o povo, e kratos: governar. É interessante
assinalar a ambiguidade da demokratia nesta pólis: a palavra demos, em
geral, refere-se a todo o povo ateniense, mas, em certas ocasiões, signifi-
cava apenas a gente comum ou apenas o pobre.
Muitas vezes, demokratia era utilizada por críticos aristocráticos
como uma espécie de apelido para a ralé de Atenas, como forma de
os aristocratas demonstrarem seu desprezo pelas pessoas comuns que
usurpavam seu controle e domínio sobre o governo. Entretanto, em
quaisquer circunstâncias, a demokratia era aplicada pelos atenienses, e
por outros gregos, no governo de Atenas e no de muitas outras cidades.
Em Freire (1996), percebemos a democracia para além do con-
ceito, percebêmo-la nas ações cotidianas de homens e mulheres, quan-
do podemos exercer a docência com liberdade em sala de aula, por
exemplo, quando olhamos para nossos/as educandos/as de forma igual,
sem arrogância, prepotência ou mesmo submissão, considerando que
somos seres inacabados. A democracia é concebida com a participação,

1 Bolsista FNDE - Programa de Educação Tutorial PET/Práxis - Licenciaturas.


895
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

responsabilidade, decência de quem a faz, coerência entre o que se diz,


o que se escreve e o que se pratica.
A democracia é um conceito extremamente presente na obra e
na vida de Paulo Freire – e, assim como diretamente vinculada a outros
conceitos centrais de suas obras e pensamentos, a democracia está dire-
tamente articulada ao diálogo, à autonomia, À liberdade, pois o autor
entende que, tanto a democracia, quanto os outros conceitos citados
são um processo, e não se constroem de forma individual, mas sim pela
coletividade, através do diálogo e da ação.
Para Freire, a teoria e a prática não se constituem como polos
opostos; pelo contrário, nossas ações são guiadas por teorias que nos
orientam no mundo e, dessa forma, devem estar articuladas na direção
de uma práxis libertadora. Acreditamos também em uma práxis demo-
crática, em que teoria e prática movimentam-se de forma articulada
na construção da democracia plena, igualitária, solidária, esperançosa,
com diminuição das exclusões sociais.
Nos termos da tipologia de Germani (apud WEFFORT, 2003),
a passagem de “democracia com participação limitada” a uma “demo-
cracia com participação ampliada” é um traço complexo do desenvol-
vimento histórico-político de cada país, alicerçado na estrutura social à
base da grande propriedade privada, vinculada às classes dominantes e
também às pressões populares no âmbito do Estado.
É importante analisar as circunstâncias do país e do governo para
compreender a real e a ideal democracias, que estão em disputa. No
entanto, é importante questionar: basta ter democracia para que as li-
berdades essenciais sejam usufruídas por todos os indivíduos, indepen-
dentemente de classe social, gênero, etnia, partido, religião etc.?
Nesse sentido é que consideramos importante a construção do
que estamos chamando de uma “democracia freireana”, uma vez que
esta se difere do simples uso da palavra e nos propõe partirmos para o
campo da ação, da atuação permanentemente democrática, enquanto
educandas/os, educadores/as, sujeitos políticos e históricos. É preciso
que se lute constantemente pela democracia real, uma vez que está a
todo o momento situada em um campo de disputa por aqueles que a
deturpam, por aqueles que acham que democracia é, inclusive, o direi-
to de matar a pauladas quem não tem teto; de jogar ácido nos corpos
896
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

daqueles que não lhes agradam; de envenenar os rios de que populações


inteiras dependem para sobreviver; ou seja, de impor uma violência
tanto física quanto subjetiva aos corpos de quem não se encaixa favora-
velmente na lógica de dominação.
No atual momento da democracia brasileira, em que nos direcio-
namos a caminhos obscuros, nos quais a fraternidade e a solidariedade
não passam de meras palavras sem sentido prático na vida cotidiana, e,
ao mesmo tempo, a individualidade é incentivada, e em que a igualdade
é reservada apenas a uma parcela da população, heterossexual, branca,
masculina e/ou burguesa, refletindo o dito popular de que “uns são
mais iguais que outros”, a liberdade também é direcionada à mino-
ria dominante (GASPARELLO, 2017). Mostra-se, portanto, essencial
buscar a ressignificação do conceito de democracia, buscando também
o vínculo com o diálogo e com a solidariedade, bem como a tolerância
com as diferentes formas de pensar e estar no mundo, dessa forma,
buscando, em luta constante e coletiva, por uma democracia freireana
– pois não há saída individual para problemas coletivos.
Sobre o uso do conceito de democracia, Freire (2004) se manifes-
ta preocupado com a maneira banal com a qual se vem utilizando a de-
mocracia para a justificação de ações truculentas que, inclusive, vão de
encontro aos fundamentos desta. Uso truculento, aqui, não de forma
explícita, mas sutil, burocratizada, difundida, legitimada e hegemoniza-
da pelo poder estatal sobre a população.
De acordo com Konder (2009), no seu livro o “Marxismo na
batalha das ideias”, o campo das ciências demonstra ser mais democrá-
tico do que aqueles que as combatem ou desdenham. Para as ciências,
não existem privilégios eternos na apreensão dos conhecimentos, por-
que estes estão disponíveis da “mesma maneira” a todo mundo. Nos
dizeres do autor, as forças que desfrutam da relutância às ciências são
inerentes aos interesses obscuros, porque buscam manter uma parcela
da humanidade submissa a uma minoria “iluminada”: “As forças dos
preconceitos e da ignorância só é tão grande porque há gente que tira
vantagem deles”.
Sendo assim, podemos compreender por que a educação tem sido
tão deturpada, e hoje ainda mais. Freire (2004) já nos alertava sobre a
politicidade da educação e a importância de esta ser desvalorizada, já
897
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que somente assim a educação deixa de ser isto e passa a ser política, e
sendo assim, torna-se algo sem valor para a sociedade.
Para Weffort (2003), a democracia real tem vários aspectos, no
sentido de que as massas participam, votam, pressionam o poder, con-
firmam ou legitimam. São interesses mobilizados que se confrontam
com os interesses da elite, são formas distintas, mas que, em alguma
medida, são partícipes do grande compromisso social do Estado, e este
faz suas ações como se elas próprias estivessem representando a todos da
sociedade. Ressalta o autor: “todo o poder emana do povo – fiquemos,
pois, sempre com o poder e estaremos sempre com o povo”.
Todavia, é importante ressaltar que somente na democracia se con-
templa a pluralidade de pensamentos e posições político-ideológicas que
se confrontam e divergem. Democracia não se limita apenas ao direito
ao voto: ela amplia a participação da totalidade de todos os membros
de uma sociedade, do campo e da cidade. Percebemos aí um pouco dos
discursos nos quais Freire (2005) trata da educação como algo político.
No seu livro “As artes da palavra”, Konder (2005) se refere aos
inventores do sistema político denominado democracia como os mais
levianos do mundo. A tal da democracia é um sistema no qual todos
os chatos tinham o direito de falar e os outros tinham a obrigação de
ouvi-los e discutir com eles, ou seja, nessa compreensão, a democracia
depende da sua capacidade de dar liberdade aos chatos. Parafraseando
Rosa Luxemburgo, a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa di-
ferente. Poderíamos dizer que a democracia depende de os chatos terem
seus direitos assegurados, divergindo de nós, em uma sociedade na qual
desaprendemos a socializar os conhecimentos e a compartilhar manei-
ras díspares de conceber o mundo e a vida.
Enquanto educadores/as, não se pode perder do horizonte de
nossa práxis o sentido histórico das palavras; por isso, é fundamental
ler um bom livro, participar das aulas sobre o assunto e de uma boa
conversa. Em muitas palavras do nosso cotidiano, democracia, liberda-
de, igualdade, memória, história, pensamento, prática e tantas outras
possuem uma vasta história. Aqui, não se trata apenas da etimologia das
palavras, mas da sua função na organização social, política, econômica
daquela ou dessa sociedade. É nossa tarefa, enquanto cientistas sociais,
geógrafos/as, historiadores/as, pedagogos/as etc., ou seja, educadores/as
898
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

populares, a busca por descortinar os sentidos do mundo humano, para


o conhecimento das coisas deste mundo real – e não apenas dos poetas,
intelectuais, escritores: de todos os humanos, pois esse é o verdadeiro
sentido da democracia.
É assim que Freire (FREIRE, FREIRE, A., 2018) percebia o
mundo: em muitos dos seus livros, ele nos propõe, para além do estí-
mulo à curiosidade, a liberdade para usar essa curiosidade, o direito à
criticidade, e, também, o direito às questões básicas de sobrevivência.
Viver uma democracia, no sentido que nos propõe Freire, requer co-
ragem para questionar a ordem vigente. Afinal, “Quem não questiona
está morto” (FREIRE, FREIRE, A., 2018).

Palavras-chave: Democracia. Liberdade. Política.

899
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BEISIEGEL, C. R. Paulo Freire. Recife: Massangana, 2010.
FREIRE, P.; FREIRE, A. M. A. (Orgs.). Pedagogia do compromis-
so: América Latina e Educação Popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2018.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KONDER, L. O marxismo na batalha das ideias. São Paulo: Expres-
são Popular, 2009.
GASPARELLO, V. M. A pedagogia da democracia de Paulo Freire.
Memorial Virtual Paulo Freire, 2 jan. 2017. Disponível em: http://
acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/4357.
WEFFORT, Francisco Corrêa. Os clássicos da política I. 14. ed. São
Paulo: Ática, 2006.
WEFFORT, F. C. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2003.

900
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PROFESSORES DO SÉCULO XXI: A PANDEMIA


E A EXAUSTÃO PROFISSIONAL

Nazine de Moura Bittencourt Ribeiro


Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
nazineag@hotmail.com

Lucio Jorge Hammes


Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
luciohammes@unipampa

Dedicatória

Dedico esta carta aos colegas professores, que, como eu, mesmo
em tempos difíceis, mantém acesa a chama da esperança, pois “ensinar
exige a convicção de que a mudança é possível” (FREIRE, 1996, p. 76).

Querido mestre Freire:

Permita-me que me apresente: meu nome é Nazine de Moura


Bittencourt Ribeiro. Sou professora de séries iniciais e de Ensino Mé-
dio de uma escola pública no interior do Rio Grande do Sul. Minha
formação acadêmica é Licenciatura Plena em Pedagogia; Pós-Gradua-
ção em Educação Infantil; Especialização em Educação; Pós-Graduação
em Orientação Educacional e Psicopedagogia Clínica e Institucional.
Atualmente faço o curso de mestrado profissional em Educação em
uma universidade pública, e o meu projeto de pesquisa é a relação exis-
tente entre a sobrecarga de trabalho e a saúde dos professores.
Minha relação com a Educação vem desde a minha infância. Fi-
lha de um advogado e de uma professora, eu cresci em meio aos livros
e fui tomando gosto pela leitura de modo geral. Ao ingressar, através de
vestibular, na pedagogia, em fevereiro de 1995, tive os primeiros con-
tatos com as tuas obras, pelas quais me apaixonei irremediavelmente.
901
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Li várias obras, dentre elas, “Pedagogia da autonomia” e “Pedagogia da


esperança”, que considero meus livros de cabeceira.
Que ousadia a minha escrever-te em dias tão nebulosos, mas ao
mesmo tempo tão carentes de diálogo! Porém, a meu ver, não existe
tempo melhor do que este que estamos vivendo para isso, já que es-
tamos há um ano vivendo uma pandemia mundial trazida pela CO-
VID-19, de que o Brasil é, hoje, o epicentro mundial. No momento
em que te escrevo, já contabilizamos mais de 312 mil mortos. Nesse
cenário de pandemia, vários colegas perderam a vida ou desistiram de
viver, estão deprimidos e temem pela sua saúde e a de sua família. Ne-
nhum outro profissional está tão fragilizado quanto o professor gaú-
cho, neste momento. Afinal, são praticamente sete anos sem reajuste
salarial, em que precisamos mensalmente fazer “empréstimos” do nosso
próprio salário, pagando juros ao banco e nos endividando cada vez
mais. Como encontrar motivação e entusiasmo diante dessa realidade?
A pandemia trouxe com ela algumas mudanças, sobretudo, na vida dos
professores, que tiveram que se reinventar para trabalhar, fazendo de
suas casas a sala de aula. Viramos a nossa família de cabeça para bai-
xo, tirando-lhe espaços, para poder atender melhor os nossos alunos.
Precisamos nos adaptar às tecnologias da noite para o dia. Passamos a
utilizar novas metodologias de trabalho, como o computador e o ce-
lular, que substituíram o quadro e o giz. O atual contexto exige novas
conexões para o enfrentamento dos desafios. Além disso, é importante
que se diga que a pandemia acentuou as diferenças já existentes no país,
pois nem todos os alunos dispõem de um celular, de um computador,
ou até mesmo de uma boa internet para conectar-se às aulas. Há casos
em que a mãe trabalha fora e utiliza o celular, só voltando à noite para
casa. Nós, professores, trabalhamos como nunca, nesse cenário adverso;
vivemos conectados, dia e noite, nos grupos de WhatsApp das turmas,
recebendo trabalhos, ou justificativas pela não realização das atividades
enviadas. Aliás, falando em justificativas, estas são as mais variadas, vão
desde a falta de tempo para realização das tarefas, até as questões fami-
liares, como por exemplo: “hoje estou na casa do meu pai, ou da minha
avó”, percebendo-se que um novo tipo de aluno também surgiu com a
pandemia. Não que essas questões não existissem antes: é que agora elas
aparecem com mais frequência, fazendo parte da realidade atual.
902
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nunca fomos tão exigidos como agora: são inúmeras informa-


ções para processarmos diariamente: plataforma digital, sistema hí-
brido, aulas síncronas e assíncronas, aulas remotas devolutivas e não
devolutivas, o Google Classroom, Google Meet, avatar, e outras tantas
para motivar os alunos. Nossa vida se resume a preparar aulas, postar
aulas, retomar dificuldades, corrigir as tarefas enviadas, postar nova-
mente, gravar áudios, fazer videoaulas, postar na plataforma digital e
enviar para os grupos de WhatsApp das turmas, preparar relatórios
para a escola enviar para a coordenadoria de educação. Estamos, de
fato, exaustos, perdemos nossa privacidade, somos expostos nas redes
sociais constantemente.
Por isso, sinto que é tempo de renovar a esperança, fortalecer a
luta pela defesa da valorização da educação – sobretudo, da educação
pública. Na atual conjuntura, as (re)leituras dos teus ensinamentos me
devolvem a esperança.
Mas escrevo também para falar de coisas boas, como os relatos
do isolamento, vivenciados pelos alunos e colegas professores, sobre a
empatia, a amorosidade e a resiliência, indispensáveis para as nossas
práticas tão necessárias neste momento.

Minha esperança é necessária, mas não é suficiente.


Ela, só, não ganha à luta, mas sem ela a luta fraque-
ja e titubeia. Precisamos da esperança crítica como
o peixe necessita da água despoluída. Pensar que
a esperança sozinha transforma o mundo e atuar
movido por tal ingenuidade é um modo excelente
de tombar na desesperança, no pessimismo, no fa-
talismo. Mas, prescindir da esperança na luta para
melhorar o mundo, como se a luta se pudesse re-
duzir a atos calculados apenas, à pura cientificida-
de, é frívola ilusão. Prescindir da esperança que se
funda também na verdade como na qualidade ética
da luta é negar a ela um dos seus suportes funda-
mentais (FREIRE, 1992, p. 10).

Apesar de ter a convicção de que o homem vem criando tecno-


logias desde a descoberta do fogo para sua sobrevivência e subsistên-
cia, e de ter conhecimento de que elas contribuem como ferramentas
903
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em nosso trabalho, os anos de 2020/2021 nos pegaram entristecidos


e resistentes ao “novo”, e essa é uma constatação que faço através de
conversas com os colegas, de encontros e desencontros, de falas e de
observação nos contextos em que atuo e de que participo, nos quais
os educadores revelam seu descontentamento e sua desmotivação para
participar de eventos oferecidos pelo governo do Estado ou mesmo
para dar suas aulas semanais.
Não podemos negar que as tecnologias possuem um poder de
alcance muito amplo, bastando um simples “clic” para termos o mun-
do diante de nossos olhos; mas, tampouco podemos ignorar que essas
mesmas tecnologias não atingem todos os alunos, por várias razões: há
muitos que não possuem uma boa internet, outros nem telefone celular
têm, alguns residem em lugares isolados, como na zona rural, por exem-
plo, sem acesso a internet e, ainda, existe um número de alunos (e de
professores também) que não estavam preparados para esse momento
de grandes transformações, com mudanças de focos, de posturas, de ati-
tudes e de metodologia de trabalho em que precisamos redimensionar
o que havíamos planejado, procurando contextualizar com a realidade
que estamos vivenciando agora.
Apesar de vivermos momentos de incertezas, de desafios e de in-
segurança em relação ao futuro, é necessário sair da zona de conforto e
se reinventar dentro desse cenário atípico que atingiu todo o planeta.
Desde o início do ano passado, grande parte dos estudantes do mundo
inteiro estão fora das salas de aula.
Hoje, a saúde é a maior urgência, e deve ser a prioridade em
todos os aspectos. Precisamos cuidar de nós, da nossa família, dos
nossos alunos e do ambiente em que vivemos, num cenário catastró-
fico que já contabilizou mais de 2,79 milhões de mortos no mundo e,
somente no Brasil, mais de 312 mil pessoas (até o momento em que
encerro esta carta) já perderam a vida para esse vírus, que também
deixa vários tipos de sequelas.
Além de convivermos diariamente com a ansiedade pela incerte-
za do amanhã, nós, professores, também somos acometidos por várias
doenças como: alergias (rinite e sinusite), dores musculares, lesão por es-
forços repetitivos (LER), hipertensão, diabetes e depressão, entre tantas
outras. Há também a chamada “síndrome da desistência”, causada pela
904
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

perda de interesse pelo trabalho e pelas relações que nele ocorrem. Essa
é a mais preocupante de todas, pois é muito triste o educador desistir
daquilo que se preparou para exercer e se envolveu durante toda a sua
vida, é praticamente um caminho sem volta, pois o indivíduo não deseja
mais aquele envolvimento afetivo com as coisas e as pessoas que antes o
motivavam, perdendo inclusive, o sentido de pertencimento à educação.
A desvalorização profissional e financeira da profissão tem cola-
borado para o desânimo, a falta de interesse e de vontade de enfrentar
os enormes desafios que ocorrem no dia a dia de um professor: desde
salas de aula superlotadas de alunos, violência na escola, ausência da
família, até os salários defasados (sete anos sem reajuste salarial), que
não suprem as necessidades básicas dos trabalhadores em educação, são
alguns exemplos. Para ganhar um pouco mais, os professores precisam
enfrentar três turnos de trabalho, ficando extremamente sobrecarrega-
dos, chegando à exaustão física, mental e emocional. Precisamos resga-
tar o nosso papel intelectual e social, recuperar a autonomia e a gestão
democrática da escola, pois hoje somos meros tarefeiros, cumpridores
de tarefas descontextualizadas. Não somos o professor-mínimo. Nós
pensamos, refletimos e podemos mais, muito mais.
Tudo isso, dentro de um cenário de pandemia mundial e fragili-
dade da categoria, que também teme pela sua saúde e a de sua família.
Como encontrar motivação e entusiasmo diante desse ambiente cons-
trangedor? A resposta é só uma: a força virá da luta e do enfrentamen-
to a esses governos perversos. A motivação e o entusiasmo residem na
esperança de que nos falas em teus livros, e, sobretudo, da tua práxis
pedagógica. O desafio é a resistência! Por isso, esta carta, no ano do
teu centenário, tem caráter esperançoso. Ao revisitar tua obra, me
inspiro e me encorajo a continuar lutando pela escola pública, alvo
permanente de ataques desses governos perversos, a quem não inte-
ressa a Educação pública.

Saudações esperançosas!
Nazine Bittencourt Ribeiro.
Arroio Grande, 30 de Março de 2021.

Palavras-chave: Professores. Pandemia. Exaustão.


905
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pe-
dagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

906
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

TUDO QUE NÓS TEMOS É NÓS:


RESISTINDO PARA RE-EXISTIR UNS COM OS OUTROS
PARA O SER MAIS …

Caroline da Silva dos Santos


Universidade Federal de Santa Maria
carolinesantosvalim@gmail.com

Melissa Noal da Silveira


Universidade Federal de Santa Maria
melissa@ufsm.br

Querid@s leitores:

Gostaríamos de compartilhar com vocês esta carta para con-


tar-lhes um pouco do caminho que percorremos, no início deste ano
(2021), a partir do documentário “Amarelo – É tudo pra ontem”, do
cantor e compositor Emicida. Esse documentário nos toca por sua
resistência e, por isso, ficamos imensamente felizes em compartilhar
com você, leitor, essa experiência, que nos anima, que nos toca, que
nos mostra a resistência negra e também a resistência e a existência de
outros movimentos sociais. Emicida diz, no decorrer do documentá-
rio: “Não tem como lutar por liberdade pela metade”. Assim como ele,
acreditamos na luta pela liberdade, na luta para que todos possam ser
gentes, como diria nosso querido Paulo Freire. Você pode se perguntar:
mas, afinal, o que tem a ver Paulo Freire com esse documentário? Pode-
mos dizer que tudo, pois Paulo Freire foi esse cara que também lutou e
acreditou em “Tudo que nós temos é nós”, assim como Emicida canta em
uma das músicas, ao longo do documentário.
Ao assistir ao documentário, e depois de escutar cada música, fo-
mos tocadas, ou, ainda, atravessadas pela ideia de um todo, de que somos
tudo – ou, ainda, de que tudo que nós temos é nós. Então, será que a de-
mocracia está ou deveria estar forjada em nós? Será mesmo que temos ou
queremos processos democráticos emancipatórios, sociais e para todos?
907
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O que seria o todo? Será que o amor pintado em amarelo é uma forma
de democracia? E o amor? E a democracia, o que seria? Não temos todas
as respostas para essas perguntas, mas entendemos que ainda temos um
longo caminho a trilhar, no que diz respeito aos processos democráticos
constituídos em nosso país. Assim, a obra Por uma pedagogia da pergunta
(1985) de Freire e Faundez, se faz presente no sentido de que ler critica-
mente o mundo nos convoca a sempre buscar novas possibilidades, novas
perspectivas para o ser mais... Mais de nós... Mais do que éramos... A
própria auto(trans)formação em movimento, pró-ativa e em constante
movimento: na busca incessante por um mundo menos excludente, me-
nos submisso e, portanto, mais cheio de bonitezas.
Queríamos ter uma bolha de proteção para guardar cada criança,
jovem ou adulto das comunidades periféricas, pois a pseudodemocracia
que estamos vivendo, nestes tempos de necrofilia de todas as formas de
vida, tem nos separado em classes, e as separações estão sendo cruéis com
elas. Seria essa crueldade uma forma imaginária da negação do outro. Ne-
gação esta que nega o humano, a vida, o outro. Estamos aqui escrevendo
esta carta com o grito de vidas negras, periféricas, juventudes que estão
sendo massacradas pela colonização, em nome da ganância pelo capital,
que já está instituído como forma de vida e progresso no planeta. Assim
Giroux nos convida à reflexão:

A crença de Freire na democracia, bem como


sua profunda e permanente fé na capacidade
das pessoas de resistir ao peso das instituições
e ideologias opressoras foram forjadas em um
espírito de luta, temperado tanto pelas som-
brias realidades de sua própria prisão e exílio,
mediadas por um ardente sentido de indignação
quanto pela crença de que a educação e a espe-
rança são as condições da atuação e da política
(GIROUX apud STRECK et AL., 2010, p. 113).

Acolhidas pelas palavras de Freire, temos fé e esperança em nos-
sa capacidade de resistência, porque pertencer à raça humana e viver
é um ato de coragem que faz e se refaz dia a dia. Na maioria das
vezes, resistimos cotidianamente: desde o dia do nascimento até o

908
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dia derradeiro lutamos sem tréguas, seja ao ir para escola, ao ir para


a universidade ou depois, para a pós-graduação – como discentes de
um programa de pós-graduação, nós, as mulheres, seguimos re-exis-
tindo. Não estamos em um exílio fora do país, mas dentro dele, uma
vez que as mordaças teimam em querer nos calar. Somos exilados nas
periferias; muitas das nossas crianças nem sequer conhecem o centro
da cidade, suas lojas, o teatro, e muitas delas nem sequer ouviram falar
na Universidade Federal de nossa cidade. Assim como no documentá-
rio, sentimos que precisamos ocupar espaços, como as universidades,
praças, teatros, espaços que não são pensados democraticamente para
todos. Precisamos colorir tudo em amarelo. Essa seria uma transgres-
são política, social e, principalmente, democrática.
Precisamos sonhar juntos por um mundo mais humano. É pre-
ciso andar em constelações, que, mesmo distantes, se conectam por um
bem querer comum. Um bem querer por si mesmo e pelos outros e,
principalmente, pelo mundo. Somos a potência do mundo, mas ainda
continuamos sendo colonizados. Ailton Krenak (2020), em seu livro “A
vida não é útil”, nos aponta que a recriação do mundo é possível, basta
que cada um de nós queira, mas é preciso que nos comprometamos
com a mudança, que assumamos o nosso papel como agentes de trans-
formação – mesmo que saibamos que as condições não são as perfeitas,
que nunca parece ser o tempo ideal, que as coisas não estão como que-
ríamos para começar a trilhar um novo caminho. Desta forma, aguardar
o momento oportuno é justamente o que a sociedade liberal espera que
aconteça, pois, ao favorecer toda a ordem de desigualdades promove o
imaginário permanente e cruel de crise e dor, não negando que a dor e
a crise estejam a pairar sobre todas as nossas cabeças... Há que se per-
guntar: quem promove a(s) crise(s)? Quem se beneficia da permanente
fome mundial? O que faz com que ainda escravizemos irmãos por sua
cor? Por que ainda estamos na mesma pauta dos anos 1980 em relação à
falta de acesso à escola e a condições menos feias para crianças e adoles-
centes? Com tudo isso, a grande pergunta que fica: será que queremos?
Será que queremos nos mobilizar por uma verdadeira democracia?

Tenho sangrado demais


Tenho chorado pra cachorro

909
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ano passado eu morri


Mas esse ano eu não morro
(BELCHIOR - EMICIDA. Música: Amarelo).

Pensar nessa música e nesse documentário marcou ainda mais o


que já escutávamos sensivelmente sobre a perspectiva democrática no
nosso país, mas, mesmo sangrando e chorando, lutaremos por nossos
direitos, por nossas vidas, por nossos sonhos, por nossas justiças. E
mesmo que, no ano passado, a pandemia tenha nos feito morrer de
várias e funestas formas, queremos em 2021 não morrer mais, e sim
re-existir. Perdemos muitas vidas, perdemos muitos adolescentes e jo-
vens para o des-amor, para o tráfico, e tantas outras formas de exílio,
e quase perdemos a capacidade de sonhar, perdemos... Perdemos...
Perdemos... Mesmo assim, continuaremos a re-existir. Mas temos a
única certeza: a de que a esperança, nós nunca a perdemos porque, se
nós estamos aqui, te convocando e convidando a experienciar outra
forma de ver o mundo, então não nos venceram... Então, estamos na
trincheira com a justa ira, “sonhando com um mundo em que seja
menos difícil amar” (FREIRE, 2005, p. 111).
Então, querido leitor, te convidamos para RE-EXISTIR em
2021...

Palavras-chave: Resistência. Re-existir. Amor.

910
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
EMICIDA. Principia. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/
emicida/principia-part-pastor-henrique-vieira-fabiana-cozza-pastoras-
-do-rosario.html.
EMICIDA. Amarelo. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/
emicida/amarelo-part-majur-e-pabllo-vittar.html.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Pau-
lo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

911
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FÓRUM FREIRE NO ERECHIM:


AS MUITAS RAZÕES PARA UMA CANÇÃO-TEMA

Dilmar Xavier da Paixão1


dilmarpaixao@yahoo.com.br

Rafael Branquinho Abdala Norberto2
rbanviolao@gmail.com

Julio Cesar Pires Pereira3


juliopires190@gmail.com

Gabriel Gonçalves Pereira4


opereiragabriel@gmail.com

Ricardo Albino Rambo5


rarambo@hotmail.com

O Campus Erechim da Universidade Federal da Fronteira Sul


(UFFS), num ato de acolhimento e coragem, sedia a 22ª edição do
Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire. Esse fórum, que retorna

1 Professor DAOP/EE/UFRGS. Poeta da Academia Xucra do Rio Grande. Integrante


da Sociedade Partenon Literário. Doutor em Educação (UFRGS); Mestre em Educa-
ção (UFSM). Líder LERASEQ/NES/BEM VIVER.
2 Pesquisador, Músico/Etnomusicólogo e Educador. Mestre e Doutor em Música (Et-
nomusicologia/Musicologia) pela UFRGS, com período sanduíche na University of
Georgia (GA/EUA); Bacharel em Violão (UEA). Coordenador Substituto do Grupo
de Estudos, Pesquisas e Artes BEM VIVER.
3 Professor Assistente da UERGS e Professor do Curso de Música da UPF. Doutorando
em Educação (UFRGS); Mestre em Educação (UFSM); Graduado em Música/Canto
(UFSM). Possui especialização em Metodologia do Ensino de Artes (UNINTER).
4 Músico e Professor de Música/Acordeon. Licenciado em Música (UFSM).
5 Acordeonista e Líder Comunitário. Técnico em Assuntos Educacionais (UFRGS).
Mestre em Educação (UFRGS); Graduado em Filosofia (FAFIMC). Possui especiali-
zação em MBA – Gestão de Pessoas (AVANTIS).
913
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

a Erechim, é realizado pela primeira vez como uma edição integral-


mente virtual, dado o sistema sindêmico de pandemia estabelecido no
mundo e, em especial, a condição de bandeira preta e/ou vermelha no
sul do Brasil.
A partir da proposta “Educar é existir e resistir!”, muito adequada
e necessária para o tempo de agora, reuniram-se, também virtualmente,
os integrantes do Grupo de Estudos, Pesquisas e Artes BEM VIVER
– UFRGS/CNPq. Por horizonte, os objetivos do Fórum de Estudos e
a importância de, por outras expressões e em linguagens alternativas,
saudar o coletivo de participantes desses eventos freireanos e estimular
novas participações e estudos. O desafio era construir uma composição
criativa que entregasse mensagens freireanas de existência, resistência e
esperança, tanto no texto poético quanto na obra musical. Uma concor-
dância imediata: “Educar é existir e resistir”, de verdade.
A letra desenha, de início, esse cenário de reencontro do Fórum
no Alto Uruguai e neste Campus da UFFS, referência para as cida-
des-sede nos três Estados da fronteira sul. Salienta-se o surgimento do
Fórum, em 1999, para ser uma mobilização itinerante como a existir
e resistir pela educação, que se quer de qualidade, de consciência, de
liberdade e de emancipação para a transformação social verdadeira.
O município de Erechim é considerado a Capital da Amizade,
com forte presença de imigrantes – marco da gente polonesa, por exem-
plo – conferindo pronúncias características: “no Erechim” ou “do Ere-
chim”. O cenário descrito na poesia teve esse cuidado. A composição
musical teve idênticos desafios, porque são residentes no Erechim vários
conjuntos musicais regionalistas do estilo gauchesco dos bailes. Para o
ritmo e arranjos instrumentais, porém, não se queria um vanerão, um
bugio, um chamamé, ou qualquer estilo exclusivo. Assim como definem
mestres da cultura popular de múltiplas regiões brasileiras, há “sotaques
musicais” na canção do XXII Fórum que fazem parte da vivência dos
autores, naturais de diferentes regiões brasileiras, com experiências mu-
sicais dialógicas/intersubjetivas das mais diversas – incluindo a pesquisa
etnomusicológica – entre/com “gente que faz música em determinado
tempo-espaço” (LUCAS, 2013, p. 12).
Respeitando as potencialidades dos grupos que atuam nos bailes
“do Erechim”, nós, enquanto autores-compositores-criadores, pensan-
914
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do a partir de uma proposta de práxis artística dialógica, nos sentimos


inspirados ao, a partir de um compasso binário simples, combinarmos
“sotaques” rítmicos e de arranjo musicais presentes, principalmente, na
vanera gaúcha e no ritmo do cururu. A melodia da canção entoada na
voz de Julio Pereira e a harmonia/ritmo, enfatizada na “gaita” – tam-
bém tocada por Julio –, no baixo, na bateria, na percussão e nos arran-
jos vocais de Gabriel Pereira, são inspiradas na vanera gaúcha, porém,
performatizadas a partir da sugestão feita por Rafael Norberto de um
“sotaque” mais próximo ao ritmo do cururu, muito presente nas modas
de viola caipira e no repertório sertanejo de estados como São Paulo,
Goiás e Minas Gerais. Dessa forma, Rafael, ao gravar o violão base/solo,
fez questão de enfatizar a presença marcante dessa vivência musical. Por
fim, na gravação do vídeo, que será disponibilizado nos canais de divul-
gação oficiais do Fórum, Ricardo Rambo contribuiu com um “sotaque”
próprio – fruto de suas vivências com a cultura popular gaúcha/italiana
– através do violão base que enfatiza, mais uma vez, a pluralidade do
grupo, bem como a flexibilidade desta composição musical, adaptável
para outros ritmos escritos em compasso binário simples, como, por
exemplo, o xote.
Essas razões foram consideradas para criar a canção-tema, apre-
sentada a seguir, através da poesia cifrada, e para facilitar o diálogo fra-
terno, tendo o seu uso liberado para salas de aula, encontros didáticos
e reuniões de comunidades, posto que vincula entre si saberes dos seg-
mentos de ensino, artístico-cultural e linguagens diversas a combinar
reflexões e ações (práxis) amparadas em perspectivas transdisciplinares
e multiprofissionais, como em Freire (2020): educação e mudança re-
querem uma comunicação ativa, dialógica, crítica, criticista, empática,
amorosa, humilde, esperançosa, confiante e criadora.

915
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FÓRUM FREIRE NO ERECHIM


(poesia por Dilmar Paixão; música por Julio Pereira, Rafael
Norberto e Gabriel Pereira)

INTRO: F - C7 - F F - C7 - F Bb F G7 C7 Bb F C7 F Bb –
C7 – F Bb – C7 – F

F C7 F Bb F
O Alto Uruguai gaúcho, a Capital da Amizade,
C7
O povo, a Universidade---Federal Fronteira Sul.
Bb F Bb F
Fórum Freire, os saberes, Educação - Existência,
Bb F Bb C7 F
Educação – Resistência, de novo, a Fronteira Sul.

ESTRIBILHO:

F-F#- G C G
6 cidades, 3 estados, Fronteira Sul – referência,
D7
Universidade, essência, ao Freire dizendo Sim.
D7 C# C G C G
Volta o Fórum aos estudos, da graduação e da pós,
A7 (D7 C# C) (G) (Bb A G) D7
(C7)
/:brado forte, uma só voz, nos campos do Erechim:/

SOLO VIOLÃO: F-C7 - F F-C7 - F Bb F G7 C7 Bb – C7 –


F Bb – C7 – F

F C7 F Bb F
“Educar é existir e resistir” de verdade.
C7
Educação-qualidade, a transformação social.
Bb F Bb F
Fórum de Estudos - Leituras: sempre a mesma ousadia
Bb F Bb C7 F
pois, embora a pandemia, nasce em edição virtual.

916
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESTRIBILHO

F C7 F Bb F
Criado em 99, o Fórum é itinerante,
C7
reúne gente distante, ideias em comunhão.
Bb F Bb F
O dois mil e vinte e um aproxima pra reunir:
Bb F Bb C7 F
Existir e Resistir, em defesa da Educação!

ESTRIBILHO (FIM)

Palavras-chave: Práxis Artística. Paulo Freire. Pluralidade/Dialogicidade.

Referências
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020.
LUCAS, M. E. (Org.). Mixagens em campo: etnomusicologia, per-
formance e diversidade musical. Porto Alegre: Marcavisual, 2013.

917
CAPÍTULO 13

POLÍTICA E EDUCAÇÃO: ENSAIOS


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAR COM AMOROSIDADE PARA EXISTIR


E RESISTIR NA DEMOCRACIA

Celso llgo Henz


UFSM
celsoufsm@gmail.com

Marli Almeida de Oliveira


UFSM

Este trabalho é resultado de alguns anos de pesquisa junto a


processos e grupos de auto(trans)formação inicial e permanente com
professoras/es, priorizando o diálogo amoroso e reflexivo sobre huma-
nização e cidadania na escola, a importância da democracia e da afe-
tividade nos processos de ensino-aprendizagem e na constituição das
professoralidades na/para educação básica e no/para ensino superior,
numa perspectiva democrática e emancipatória. O ponto de partida é
que vivemos em uma sociedade capitalista, cuja estrutura se assenta no
consumismo e na competitividade.
Sem fechar os olhos para a realidade consumista e competitiva
da sociedade atual, intencionamos apontar para a possibilidade de
a escola ser uma ambiência auto(trans)formativa, dialógico-afetiva e
de aprendizagens significativas. Assumindo a pedagogia do diálogo e
da pergunta, vamos aguçando a curiosidade, a capacidade de escutar,
argumentar, buscar a razão de ser dos conhecimentos e saberes, pro-
vocando a abertura para o novo, o diferente, o inédito viável. Mais
ainda: a pedagogia do medo e do silêncio vai dando lugar à pedagogia
do prazer, da alegria e da amorosidade.
A realidade sócio-econômico-cultural em que vivemos nos desafia
duplamente. Por um lado, educar, educando-se, futuras gerações para a
inserção crítica e sobrevivência no mundo do trabalho e nas estruturas so-
ciais vigentes, assentadas prioritariamente no conhecimento, na informa-
ção, na competição e no consumismo do sistema econômico capitalista
921
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

neoliberal. Por outro lado, torna-se extremamente importante, emanci-


pador e desafiador desenvolvermos a capacidade de reflexão crítica como
engajamento consciente na transformação do status quo vigente, para que
todas e todos tenham acesso às condições mínimas para viverem gostando
de ser gentes-cidadãs, para o que se torna fundamental vivenciar a dialo-
gicidade democrática, a reflexão crítica e a afetividade.
Priorizando o diálogo reflexivo, amoroso e cooperativo, fomos
descobrindo o quanto somos, educadores e educandos, condicionados
por este contexto capitalista; e o mesmo se faz presente no cotidiano,
nas nossas práticas educativas e auto(trans)formativas. Junto com as/
os sujeitos acadêmicas/os de cursos de licenciaturas, e professoras e
professores municipais e estaduais, constatamos que é possível uma
outra ambiência pedagógica e epistemológica na escola e na univer-
sidade, começando-se por nelas viver a humanização e a cidadania, a
emancipação, para “ser mais” (FREIRE, 1979) e “gostar de ser gente”
(FREIRE, 1997). Acreditamos na vivência do diálogo problematiza-
dor, afetivo e rigoroso. Sim, a escola pode ser um dos poucos lugares
onde crianças e adolescentes ainda têm a possibilidade de conviver
em uma ambiência dialógico-afetiva, com pessoas que não estejam
totalmente “coisificadas” pela engrenagem da sociedade capitalista,
neoliberal, globalizada.
Urge, pois, resgatar a natureza primeira da escola: gente ajudando
gente a aprender a ser gente, dentro de uma realidade sócio-histórico-
-cultural concreta, servindo-se, para isso, também, dos conhecimentos
sistematizados e acumulados pela humanidade. Em nossas escolas, con-
vivem sujeitos totais que vêm se fazendo como história e pela história,
na trama complexa razão-emoção (HENZ, 2003), corpos conscientes,
genteidades de crianças, adolescentes, jovens e adultos, homens e mu-
lheres que estão buscando Ser Mais em todas as suas dimensões: só-
cio-emocional, cognitiva e epistemológica. As palavras de Freire nos
instigam a sempre olhar e assumir a educação centrada no ser humano,
entendendo-o como um todo em construção:

[...] o ser humano é uma totalidade que recusa ser


dicotomizada. É como uma inteireza que operamos
o mundo enquanto cientistas ou artistas, enquanto

922
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

presenças imaginativas, críticas ou ingênuas. É por


isso também que a educação será tão mais plena
quanto mais esteja sendo um ato de conhecimen-
to, um ato político, um compromisso ético e uma
experiência estética (FREIRE, 1995, p. 117).

Educar-se e educar requer o reconhecimento da condição huma-


na própria e do outro, a escuta da palavra dita e vivida pela qual vi-
mos sendo gente, valorizando e reconhecendo que todas/os somos seres
humanos, cuja feitura vai se dando por processos de reciprocidades e
intersubjetividades afetivas, reflexivas e dialógicas. Somos genteidades
envolvidas em práxis educativas para aprendermos a Ser Mais em todas
as dimensões do humano, buscando interligar o intelectual e o emocio-
nal, o teórico e o prático, o dever e o prazer, o aprender e a alegria, o
individual e o social. Somos a história, o lugar e as pessoas com quem
convivemos (ARROYO, 2001).
Tudo na escola tem sua centralidade nas pessoas que participam
da educação aí desenvolvida; as pessoas estão na escola para nela con-
tinuarem a ensinar-aprender a ser mais gente, na escola e na sociedade.
Enquanto educadoras e educadores, a grande lição que “trabalhamos”
com as/os educandas/os é a nossa “genteidade”, o nosso sentir-pensar-
-agir como mulheres e homens.
Trata-se de não ter medo de se revelar humano como educador,
“gostando de ser gente” (FREIRE, 1997). Sabendo-se condicionada/o,
mas não determinada/o, tomando nas mãos a vida e a história – e den-
tro delas a práxis educativa – como possibilidade de re(des)construções
em nós mesmas/os e na realidade, sempre em diálogo com as/os Ou-
tras/os. Escutando Freire (1997, p. 46):

Uma das tarefas mais importantes da prática edu-


cativo-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e
todos com o professor ou a professora ensaiam a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se
como ser social e histórico, como ser pensante, co-
municante, transformador, criador, realizador de
sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.

923
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nossas escolas não precisarão abrir mão de trabalhar com a (re)cons-


trução de conhecimentos, mas irão descobrindo que os mesmos são carre-
gados de emoções-razões de homens e mulheres que os sistematizaram para
responder a necessidades e problemas, para existir e resistir em diferentes lu-
gares e épocas, ou para concretizar sonhos e dar novos rumos às suas vidas.
A escola como um todo vai se constituindo numa comunidade de
investigação dialógica, afetiva e crítico-reflexiva; um tempo-lugar em que
vão aprendendo a escutar e respeitar as/os colegas, confrontando dialo-
gicamente as concepções de vida, os valores, os saberes e conhecimentos
que vão sendo apresentados; ao serem problematizados por outras/os
que sentem-pensam-agem de forma diferente, aprendem a rever os seus
posicionamentos e/ou aprofundá-los pela reflexão, argumentação, orga-
nização e re-criação do sentir-pensar-agir cooperativo com a/o Outra/o.
Dialogando e refletindo criticamente, os seres humanos se cons-
cientizam. Conscientizando-se, se existenciam e resistem: tomam nas
mãos a constituição do mundo e a sua própria constituição humana e
cidadã, instaurando uma ambiência democrática.
Nas palavras de Freire, o desafio é que todas e todos se empoderem
com voz e responsabilidade social e política, aprendendo democracia pela
participação, pois “Ninguém vive plenamente a democracia nem tam-
pouco ajuda a crescer, primeiro, se é interditado no seu direito de falar, de
ter voz, de fazer o seu discurso crítico” (FREIRE, 1997, p. 88).
Interrompendo este registro re-criativo, ousamos “re-dizer” que
Paulo Reglus Neves Freire não escreveu palavras; suas obras são vivi-
das como existência e resistência amorosa e democrática. Eis porque
com ele, em seus 100 anos (sim, ele segue conosco...), queremos seguir
reinventando sua proposta político-epistemológico-pedagógico-huma-
nizadora. Com ele, seguiremos educando(-nos) como existir e resistir
em nossos tempos-lugares. Viveremos e resistiremos, como educadoras
e educadores, no esperançar das suas últimas palavras em “Pedagogia
do oprimido”: “Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, espera-
mos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens (e
mulheres) e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar”
(FREIRE, 1979, p. 218).

Palavras-chave: Amorosidade. Democracia. Resistência.


924
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ARROYO, M. Ofício de mestre. Imagens e auto-imagens. Petrópolis:
Vozes, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
HENZ, C. I. Razão-emoção crítico-reflexiva: um desafio permanen-
te na capacitação de professores. [Tese de Doutorado]. Porto Alegre:
UFRGS, 2003.

925
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

VIVÊNCIAS NO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL


E AS EXPERIÊNCIAS DE VIDA

Milena de Melo Darós


Ac. Odontologia/UFSC
milenamelodaros@hotmail.com

George Inácio Viana de Abreu


Ac. Enfermagem/UFRGS

Évelin Aparecida Begnini


Ac. Odontologia/IMED

Gabriele Domeneghini Mercali


Doutoranda em Administração/UFRGS

Dilmar Xavier da Paixão


Doutor em Educação/Prof. UFRGS

A população global vem sofrendo as desordens e infelicidades do


acometimento de um vírus desconhecido, que mudaram, significati-
vamente, o modo de agir e pensar das pessoas nos diversos âmbitos da
sociedade brasileira e mundial. As escolas e universidades, além de cur-
sos profissionalizantes, tiveram que se adaptar ao novo cenário existen-
te: aulas síncronas e assíncronas por meio de plataformas da internet,
mudanças na didática dos professores e nos formatos do aprendizado
discente convencional. Essas mudanças decorreram do fenômeno pan-
dêmico, com dois agravantes densos: a surpresa que parou a imensa
maioria das atividades e a lamentável exposição do despreparo de mui-
tos dos segmentos gestores, principalmente aqueles com responsabilida-
des pelas políticas públicas.
Este tema das vivências e experiências de vida que trazemos liga-
-se às questões da emoção e dos sentimentos, com o objetivo de relatar
927
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

situações vividas e outras ainda coexistentes no cotidiano acadêmico do


ensino universitário, para que, à luz da pedagogia problematizadora e
reflexiva de Paulo Freire, possa-se pensar mais, compreender e dialogar
na busca de soluções melhores, denunciando problemas e retrocessos,
anunciando esperanças e pronunciando a necessidade de o ensino ser
descomplicado, menos bancário (tão rígido quanto inflexível). Inde-
pendentemente da nomenclatura e da classificação que se façam, se
ensino remoto, híbrido ou educação a distância, é preciso dar-se rele-
vância, neste atual contexto, ao aprendizado freireano da humanização,
da consciência, da esperança e da emancipação humana com diálogos.
A inquietação dos estudantes levou-os ao encontro da obra de Freire.
Ao que se havia percebido, acumularam-se anotações de queixas
e outros relatos, apontados por colegas, de que o aprendizado não tem
contemplado todas as pessoas nem do mesmo modo. Há diferenças,
em especial, entre a aula presencial e a aula online do ensino remoto
emergencial, e das salas virtuais entre si.
São evidentes, para as partes acostumadas ao modelo físico e pre-
sencial, que precisam ser atendidas novas circunstâncias. Mais do que na
teoria, hoje as pessoas têm desafios na prática da vida e até das suas so-
brevivências. O professor Balduíno Andreola (2021) tem relembrado que
Freire, ainda criança, perdeu seu pai; e essa morte prematura (o pai tinha
36 anos) fez Freire conhecedor da dura geografia da fome, antes mesmo
que conhecesse a geografia dos mapas. Adoecimentos e perdas de vidas
por condições precárias e subumanas de assistência têm essa gravidade.
Pontua-se a sensação de que o uso de certas plataformas virtuais
expõe discente e docente como seres solitários, distanciados, pratica-
mente ao abandono. Como pensar nas interações necessárias ao pro-
cesso educativo diante unicamente do ambiente virtual? Anotaram-se
relatos inusitados de aulas síncronas e modelos passivos do ensino-
-aprendizagem. A docente deixava a sua câmera ligada, solicitava parti-
cipações, porém, ficava sem resposta. Professores em aula síncrona ex-
plicavam o conteúdo, por vezes gravado, e, por não serem apresentadas
dúvidas, encerravam a aula e fechavam a sala. Noutro caso, ao orientar
um trabalho, a professora questionou sobre dúvidas; ela, com a câmera
ligada, e os alunos digitando perguntas via chat. Em dado momento,
a professora expressou que gostaria de “humanizar” suas aulas e, para
928
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tanto, os estudantes não deveriam digitar no bate-papo ou usar o áudio


sem imagem. Para ela, humanizar a aula seria ter “pessoas falando e se
vendo”; não apenas com identificações e ícones virtuais. Sobram ocor-
rências como essas.
Entre as alterações, houve, com muita frequência, retorno de ca-
sos de aulas rasas e meramente expositivas, sendo bem presente o mode-
lo da educação bancária denunciada por Freire (2019). Segundo Freire
(2018), não há docência sem discência; ensinar não é transferir conhe-
cimento e ensinar é uma especificidade humana. Há a necessidade de
o educador desenvolver exemplos que envolvam os educandos, para
melhor entendimento e maior interesse na didática. Com isso, no mo-
mento hodierno, esses ensinamentos freireanos devem ser relembrados
com mais preocupação, já que, em uma sala virtual, o desprendimento
da atenção pode ocorrer mais facilmente, visto que alunos e professores
não estão em único ambiente, restrito ao silêncio para explicações e
troca de ideias e saberes – característica básica da sala de aula.
Sobrepuseram-se questões graves. Todos têm as mesmas condi-
ções técnicas e pacotes de internet? Se as dificuldades digitais atingiram
tão fortemente professores, com nítidos problemas de uso e equipa-
mentos, poder-se-iam esperar estudos e orientações sobre conteúdo e
metodologias ativas e sensíveis? Vê-se que a menção a termos em lin-
guagem moderna, nos planos de ensino e de aula, não significa com-
provar o exercício adequado de tais métodos e práticas. E a situação de
estudantes que trabalham com jornadas longas e em áreas de risco da
pandemia? Em algum momento isso tem sido levado em consideração?
Merece destaque, igualmente, a existência da monitoria e suas
vantagens, quando posicionada como uma ponte acessando discentes e
docentes. Com isso, por vezes, monitores ficaram sem horário para ati-
vidades não acadêmicas. Embora, nas primeiras semanas, isso tenha se
sustentado, o passar do tempo agravou a saúde mental dos estudantes,
muitas vezes defasada por efeitos da pandemia em si ou em familiares.
Em disciplinas sem monitores ou com estes pouco ativos, houve de-
mandas chegadas a professores sem a mediação e a vivência monitorada,
dando causa a negociações complexas e tumultuadas.
Pode-se concluir, mesmo em meio à pandemia, que as aulas re-
motas vieram acompanhadas de desafios e dificuldades para discentes,
929
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

monitores e docentes, todos com óbices para gravar ou participar de


lives, estudar e cumprir tarefas avaliativas. No entanto, a reinvenção, a
criatividade e as reflexões críticas representam novas possibilidades em-
bora em espaços virtuais. Sempre, o processo de aprendizagem melhora
sensivelmente pela comunicação, o diálogo, a humanização e a amoro-
sidade, como recomenda Freire (PAIXÃO, 2017).
Deve ser intrínseco o compromisso com as classes populares e
pessoas em situação de vulnerabilidade. Lutas, reivindicações, diálogos
e provocações fazem parte da educação problematizadora, pedagógica,
política e cidadã. Mudar histórias, emancipar-se e pensar a liberdade
consciente interdependem das intenções, das condições e dos contribu-
tos característicos do ensino.

Palavras-chave: Vivências. Ensino Remoto Emergencial. Freire.

Referências
ANDREOLA, B. A. Pré-Fórum, Leituras de Freire no centenário:
memórias afetivas em ressignificação. UFFS, 31 mar. 2021. 1 vídeo
(1:50min). [Live]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?-
v=a0GkxZQWJJo.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
PAIXÃO, D. X. A poesia no currículo e suas possibilidades como pre-
sença formadora, ressignificada, interdisciplinar, multidimensional e
pluricomunicativa de saberes. In: ZITKOSKI, J. J.; HAMMES, L. J.;
KARPINSKI, R. (Orgs.). A formação de professores na contempo-
raneidade: perspectivas interdisciplinares. Lajeado: Univates, 2017.

930
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

JOGADOR DE FUTEBOL:
FORMAÇÃO PROFISSIONAL X FORMAÇÃO CIDADÃ

Guilherme Gritti Pauli


URI do Alto Uruguai e Missões - Campus Erechim
guilhermegritti@hotmail.com

Graciela Regina Gritti Pauli


Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim
gracielanovembro@gmail.com

O presente texto objetiva mostrar que a formação cidadã, um dos
objetivos formativos da Educação Básica, é negligenciada em um setor
que movimenta grandes somas de dinheiro, o futebol. De acordo com o
estudo “Impacto do futebol brasileiro”, realizado pela consultoria Ernst
Young para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a cadeia do
futebol movimentou, no ano de 2018, R$ 52,9 bilhões, impactando
em 0,72% no valor do PIB nacional.
Consideramos que cidadania (CARVALHO, 2012) é a existên-
cia de direitos civis, políticos e sociais, sendo o direito à educação um
deles. Assim (SANTOS, 2014, p. 56), “o cidadão é multidimensional.
Cada dimensão se articula com as demais na procura de um sentido
para a vida. Isso é o que dele faz o indivíduo em busca do futuro”, por-
que é consciente de sua historicidade.
Os dados obtidos através de uma revisão de literatura em bancos
de dados mostram como tem sido a trajetória formativa dos nossos jo-
vens jogadores de futebol que (SOUZA et AL., 2008, p. 89) “buscam a
inserção nessa concorrida carreira profissional que oferece poucas possi-
bilidades de reconversão, visto que os saberes e experiências no futebol
pouca valia têm para uma posterior entrada no mercado de trabalho
após o insucesso no esporte ou o término da carreira”.
Em estudo realizado no estado do Rio de Janeiro, Melo, Soares
e Rocha (2014) entrevistaram 417 atletas de categorias de base do es-
931
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tado entre 13 e 20 anos. Observaram que, dos atletas entrevistados,


354 (82,7%) frequentavam a escola e 72 (17,3%) não estudavam, por
abandono ou conclusão. No total dos jovens que abandonaram a escola,
65% reprovaram pelo menos uma vez e, no total da amostra, 36,7%
reprovaram pelo menos uma vez na trajetória escolar. Os autores tam-
bém concluíram que quanto maior o investimento do atleta na carreira,
maiores chances de haver menor investimento na escolarização.
Almeida e Souza (2013) realizaram estudos com o objetivo de
analisar o abandono dos estudos em atletas de futebol das categorias
de base na cidade de Belém-PA, Região Norte do país. A amostra foi
composta por 153 jogadores de futebol, do sexo masculino, com idades
entre 14 e 18 anos, atuantes em seis clubes da cidade. Os resultados en-
contrados indicaram que a maioria significativa (86,9%) está matricu-
lada na escola; entretanto, os percentuais de repetência escolar (54,2%),
atraso escolar (71,2%) e defasagem escolar (45,7%) se mostram bastan-
te elevados. Os autores também concluíram que a maioria dos atletas
apresenta dificuldades em conciliar a rotina de treinos e estudos, e que
essa situação se agrava com os atletas mais velhos.
Moro e Berticelli (2019) concluem, a partir de pesquisa realizada
com jogadores em formação, das categorias de base sub-15, sub-17 e sub-
20, e treinadores e profissionais de um clube de futebol que: a educa-
ção para jovens de origem mais humilde se apresenta na forma de escola
clubística (parceria entre escola-clube) e educação de jovens e adultos, e
que, em alguns poucos casos, temos o jogador-universitário, que foge do
padrão consagrado de educação oferecida pelos clubes brasileiros.
No caso das parcerias clube-escola, são de caráter (FREIRE,
1996, p. 90-91) “pragmático, de acomodação ao mundo e não de sua
transformação”, uma vez que até os 17 anos, ou a conclusão do Ensino
Médio, esses jovens precisam estar na escola mas, também, participar
dos treinamentos de futebol – então, a escola faz de conta que forma,
mesmo que a presença desses adolescentes/jovens seja esporádica.
Rocha et Al. (2011), em estudo realizado com 12 atletas entre 15
e 20 anos, de 4 clubes de futebol do Rio de Janeiro, procurou apurar
como esses atletas conciliam a rotina de estudos e treinamentos inten-
sos, e como interpretam o significado da escola em relação à possibilida-
de de uma ocupação no futuro. Diversas justificativas para o afastamen-
932
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

to escolar foram relatadas, entre elas, a incompatibilidade de horários, o


cansaço e até a falta de interesse, Porém, a principal conclusão obtida foi
a de que os entrevistados estavam mais focados na carreira de jogador de
futebol, relegando a escola para segundo plano.
A quase totalidade dos jovens que aspiram à carreira de jogador
de futebol tem sua origem em famílias cujas condições de existência são
precárias, e esses jovens se veem apostando todas as energias no sonho
de serem atletas de sucesso profissional e financeiro. Salientamos que
poucos destes conseguirão seguir a carreira profissional e, dos que segui-
rem, poucos serão os milionários, já que dados da CBF (2018) mostram
que 55% dos atletas profissionais recebem aproximadamente um salário
mínimo. No mundo glamoroso do futebol (FREIRE, 1987), o padrão
de vida da classe superior (parecendo, assim, com o opressor) é uma
realidade para muito poucos.
Com Freire (1996), aprendemos que a educação não pode tudo,
mas é fundamental. Em contrapartida, para a grande maioria dos jovens
que investem na carreira de jogador de futebol, a educação escolar não é
a prioridade, portanto, o desenvolvimento de outras habilidades, além
daquelas que os treinamentos e jogos permitem desenvolver, fica preju-
dicado. A formação se dá para um trabalho e não para o mundo do tra-
balho. É uma formação estreita para um mundo cada vez mais exigente
de habilidades, capacidades e conhecimentos. Nega-se a cada um desses
jovens a possibilidade de (FREIRE, 1987) “ser mais”, de constituir-se
cidadão no seu real significado: o de portador de direitos e capaz de
reclamar mais direitos, inclusive por melhores salários para todos.

Palavras-chave: Jogadores de Futebol. Cidadania. Educação Básica.

933
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ALMEIDA, T. B. J; SOUZA, D. M. Abandono dos estudos: uma
análise dos atletas de futebol em formação nas categorias de base de
Belém/PA. [Trabalho de Conclusão de Curso]. Belém: Universidade do
Estado do Pará, 2013.
ASSESSORIA CBF. Raio X do futebol: Salário dos Jogadores. Dis-
ponível em: https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/raio-x-do-
-futebol-salario-dos-jogadores.
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MELO, L. B. S.; SOARES, A. J. G.; ROCHA, H. P. A. Perfil educa-
cional de atletas em formação no futebol no Estado do Rio de Janeiro.
Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 28, n. 4, pp. 617-
628, 2014.
MORO, E.; BERTICELLI, I. A. Jovens-pobres-jogadores de futebol e
suas possibilidades escolares: uma cartografia da educação escolar dos
jogadores das categorias de base do futebol brasileiro. Revista de Edu-
cação Popular, v. 18, n. 1, pp. 122-139, 2019.
ROCHA, H. P. A.; Et AL. Jovens Esportistas: profissionalização no fu-
tebol e a formação na escola. Motriz, v. 17, n. 2, pp. 252-263, 2011.
SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2014.
SOUZA, C. A. M.; Et AL. Difícil reconversão: futebol, projeto e desti-
no em meninos brasileiros. Horizontes Antropológicos, v. 14, n. 30,
pp. 85-111, 2008.

934
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FORMAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA COVID-19:


A POTENCIALIDADE DA ESCRITA DE CARTAS PEDAGÓGICAS
EM UMA DISCIPLINA DE DIDÁTICA

Bárbara C. M. Sicardi Nakayama


Universidade Federal de São Carlos – UFSCar-Sorocaba
barbara@ufscar.br

Raquel Aparecida Batista


Universidade Federal de São Carlos – UFSCar-Sorocaba
aparecida40raquel@gmail.com

Solange Aparecida da Silva Brito


Universidade Federal de São Carlos – UFSCar-Sorocaba
solange.brito@estudante.ufscar.br

Reinventar a educação diante do cenário da pandemia do CO-


VID-19, no qual o mundo se encontra desde o início de 2020, não
tem sido um desafio mensurável. Ainda não é possível apontar quais
serão os resultados desse período tão longo, em que as atividades edu-
cacionais presenciais tiveram que ceder lugar, em nome da expectativa
de garantir a vida não só de estudantes e professores, mas da sociedade
como um todo. Docentes e discentes, de todo país, têm buscado dispor
de saberes, conhecimentos, metodologias, criatividades e afetos, muitos
dos quais desenvolvidos na urgência, visando enfrentar as incertezas e o
inesperado (MORIN, 2000).
O texto que ora é apresentado trata de partilhar uma investiga-
ção feita sobre os contornos da disciplina de Didática, ministrada de
forma não presencial, em que a escrita de cartas pedagógicas foi um
dos recursos utilizados para a reflexão, participação e avaliação dos estu-
dantes. A referida disciplina foi ofertada para cursos de licenciatura, na
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba, cujo
planejamento se fundamentou em normativas publicadas pelos cole-
giados institucionais que tinham por objetivo oportunizar a retomada
935
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

do calendário acadêmico, então suspenso em virtude dos protocolos


sanitários para a contenção da propagação da pandemia, a partir de
atividades denominadas ENPE – Ensino Não Presencial Emergencial.
Essas atividades foram realizadas “[...] por meios remotos no qual não
se cumprem todos os requisitos necessários para o ensino a distância,
embora seja orientado por muitos elementos dessa modalidade [...]”
(Resolução COG nº 330, de 27 de julho de 2020).
Diante da ementa e dos objetivos delineados para a disciplina, or-
ganizaram-se as aulas e as atividades na perspectiva de viabilizar o apro-
fundamento teórico a partir de debates sobre as práticas educativas, o
estudo de resultados de pesquisas e, ainda, promover a produção de re-
gistros com os participantes, de modo que fosse possível, posteriormente,
analisar questões pedagógicas no contexto da formação e atuação docen-
tes, especialmente considerando os efeitos da pandemia do COVID-19.
Para a organização e acesso aos materiais e atividades, optou-se
pela plataforma Google Sala de Aula. Os materiais foram estruturados
a partir de cinco eixos de discussão: 1. Saberes e fazeres docentes. 2.
Pesquisas na área da Didática. 3. Trabalho Docente: planejamento e
avaliação. 4. Tendências pedagógicas. 5. Profissionalização Docente.
Cada eixo contou com a gravação de videoaula preparada a partir
de um roteiro. Essas videoaulas foram protagonizadas pela professora ti-
tular da turma, com a colaboração de alunos da pós-graduação e convida-
dos externos. Após assistirem às videoaulas e realizarem as atividades pro-
postas, os estudantes tinham a oportunidade de participar de “plantões
síncronos”, ofertados em diferentes dias da semana e horários, visando ao
diálogo sobre suas percepções e as discussões fomentadas, além de ser um
canal de vínculo, aproximação e escuta sensível junto a eles.
A escrita de cartas pedagógicas apareceu como proposta de ativi-
dade do eixo cinco para articular a escrita e os saberes dos estudantes
sobre as especificidades da carreira docente, e partiu do livro “Cartas a
um jovem professor”, de Phellippe Meirieu (2008). A escrita de cartas
foi uma opção epistemopolítica, enquanto gênero que, numa relação
dialógica, expressa de forma peculiar, o pensamento de cada sujeito e
o modo como cada um, com toda sua carga de subjetividade, faz a sua
leitura de mundo. Além de trazerem narrativas do cotidiano vivido, elas
revelam a boniteza do ser sujeito e do ser docente. Mesmo em meio às
936
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

evoluções tecnológicas nos meios de comunicação, as cartas não per-


dem a sua potência, por sua característica dialógica. No contexto da
disciplina de Didática, as cartas tornaram-se pedagógicas pela intenção
de que, a partir da escrita, os estudantes, ao apresentarem suas expe-
riências, revelassem como os temas discutidos sobre carreira docente
afetaram seus percursos formativos.
A atividade convidava à escrita, projetando cada estudante ao ano
de 2040. Ele(a) deveria se ver como um(a) experiente e reconhecido(a)
professor(a). Considerando todo o material disponibilizado na disci-
plina, cada estudante elegeria um destinatário para escrever uma carta,
contando sobre como foram esses anos de trajetória profissional.
Considerando o quantitativo de cartas escritas e os objetivos da
investigação, determinaram-se, a partir de critérios para a definição,
aquelas que comporiam o corpus de análise, as cartas dos estudantes do
curso de pedagogia, pois estas revelaram aproximações com as temáticas
discutidas ao longo da disciplina, tais como: a importância do profes-
sor para a sociedade, a relevância da formação para atuação docente, o
modo como projetaram a carreira docente, focando no Ensino Supe-
rior, o compromisso social e político da docência para transformação
da sociedade. Dentro desse primeiro recorte, e a partir da leitura de
todas as cartas, buscou-se um olhar para os destinatários, por serem,
na sua maioria, mulheres, com foco nas seguintes inquietações: Quem
eram esses destinatários? Que/Quais relações os estudantes (remetentes)
tinham com seus destinatários, que os motivaram a lhes escrever uma
carta? E, ainda, propor uma reflexão sobre que/quais memórias torna-
ram esses destinatários referências aos estudantes.
Nesse contexto, no que se refere aos destinatários, destacaram-se
as mães ou professoras dos estudantes. Essa constatação justificou um
segundo recorte, tomando como objeto de análise as cartas destinadas
às professoras, tendo em vista a temática trabalhada no eixo em que se
deu a proposta de escrita.
Das sete cartas pedagógicas analisadas, destacam-se textos que
revelam a escrita de si, que se caracteriza por um momento reflexivo,
dialógico e que permitiu, especificamente para esses estudantes, reviver
memórias dos professores que tiveram; relacionar essas memórias com
as temáticas abordadas na disciplina de didática; e projetar a carreira
937
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

docente, caracterizando-se como um encontro entre presente, passado


e futuro. Esse movimento reflexivo e formativo reverberou em cartas
carregadas de sentimentos. O conteúdo das cartas aproximou-se de
questões abordadas sobre o que é ser um bom professor, sendo possível
inferir que conseguiram enxergar nessas profissionais tais competências
e habilidades. Outro fator presente em todas as cartas refere-se à rela-
ção de respeito, confiança e afeto demonstrada por esses profissionais.
Desse modo, encontraram-se trechos como “você faz parte da minha
transformação”; “[...] queria que soubesse da influência positiva que foi
para mim”; “[...] com afeto para a Boa professora que é”; “[...] obrigada por
acreditar em mim, enxergar o que nem eu via em mim”. As cartas, ainda,
apresentam a experiência de cada um no percurso formativo no cená-
rio da pandemia do COVID-19, e suas angústias e dilemas da carreira
docente, como questões salariais, valorização profissional, condições de
trabalho – e muita esperança.
Por fim, cabe destacar que, mesmo num cenário de disciplina rea-
lizada totalmente de forma remota, o trabalho com as cartas pedagógi-
cas potencializou reflexões sobre uma educação como meio de transfor-
mação social, inspirando os estudantes a olharem para o cenário atual,
na perspectiva de que perseverem, lutem contra o desmonte da educa-
ção pública e que, sobretudo, acreditem na humanização da educação.

Palavras-chave: Didática. Cartas Pedagógicas. Ensino Remoto.

Referências
MEIRIEU, P. Carta a um jovem professor. Porto Alegre: Artmed, 2006.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São
Paulo: Cortez, 2000.

938
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A IMPORTÂNCIA DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO NO


PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES

Naiara Migon
IFRS – Campus Sertão
naiara.migon@sertao.ifrs.edu.br

Daniela F. M. Mores
IFRS – Campus Erechim
daniela.mores@erechim.ifrs.edu.br

A questão educacional é um dos pontos mais discutidos na atua-


lidade, principalmente pelos problemas nas escolas, tais como: sucatea-
mento de estruturas e equipamentos; ineficiência na gestão; obstáculos
no processo de ensino e aprendizagem; conflitos didático-pedagógicos
e administrativos; evasão; defasagem idade-série; conturbada dinâmica
das relações interpessoais educador x educando, educando x educando,
gestor x educador; entre outros. Com isso, pensando o papel social e
transformador das escolas, o trabalho realizado pelos profissionais da
educação possui relevância, por intervir nessa realidade.
A educação tem um papel importantíssimo na vida das pessoas,
principalmente quando conduzida de forma coerente, ética e observan-
do os sujeitos desse processo. O papel da educação, nessa perspectiva,
possui, como princípio, o ensino de qualidade e a luta política e crítica
para melhorar o ambiente e a realidade dos envolvidos. É esse enten-
dimento que permeia a importância dos profissionais da educação, os
quais jamais devem cruzar os braços diante das desigualdades ou res-
ponsabilizar as vítimas pela sua condição; mas devem, sim, procurar
mecanismos para a superação da alienação e para a transformação social.
É importante considerar que são profissionais da educação todos
os sujeitos que atuam nas escolas, pois direta ou indiretamente con-
tribuem para o processo educativo dos educandos. Dessa forma, este
texto tem como finalidade apontar alguns aspectos a serem considera-
939
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dos quando falamos em educação de qualidade, e como os educadores


podem contribuir na busca por essa qualidade, diante do atual contexto
social, ao mesmo tempo que os estudantes merecem um ensino que faça
a diferença em suas vidas.
Assim, enquanto educadores, para que possamos contribuir para
qualificar a educação, primeiramente devemos ter conhecimento sobre
o que estamos ensinando, levando em consideração a leitura de mun-
do dos educandos e suas experiências históricas e estando dispostos a
aprender com eles, num processo de troca de experiências e de apren-
dizagem mútua, aliado com as inovações que vão surgindo e acabam
influenciando as práticas escolares, e que proporcionam sair da zona de
conforto na qual muitos acabam imersos. Freire (2015, p. 101) dialoga
sobre a importância do conhecimento, mas aponta que tão ou mais
importante que ele são o compromisso ético e a decência do que é en-
sinado, sua preparação científica, com humildade e respeito. E que “tão
importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência entre o
que digo, o que escrevo e o que faço”. E ainda:

Desde o começo do processo, vai ficando cada vez


mais claro que, embora diferentes entre si, quem
forma se forma e reforma ao formar e quem é for-
mado forma-se e forma ao ser formado. É neste
sentido que ensinar não é transferir conhecimen-
tos, conteúdos nem formar é ação pela qual um
sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo
indeciso e acomodado. Não há docência sem dis-
cência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar
das diferenças que os conotam, não se reduzem
à condição de objeto um do outro. Quem ensi-
na aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao
aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a al-
guém (2015, p. 25).

Sobre o conhecimento, Freire (2015, p. 47) ressalta que a forma


pela qual proporcionamos o ensino deve ser significativa e condizente
com sua realidade, a fim de proporcionar de fato a construção do co-
nhecimento e não uma mera transmissão, pois:

940
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Saber que ensinar não é transferir conhecimento,


mas criar as possibilidades para a sua própria pro-
dução ou a sua construção. Quando entro em uma
sala de aula devo estar sendo um ser aberto a inda-
gações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a
suas inibições, um ser crítico e inquiridor, inquieto
em face da tarefa que tenho - a de ensinar e não a
de transferir conhecimento. É preciso insistir: este
saber necessário ao professor - que ensinar não é
transferir conhecimento - não apenas precisa ser
apreendido por ele e pelos educandos nas suas ra-
zões de ser - ontológica, política, ética, epistemoló-
gica, pedagógica, mas também precisa ser constan-
temente testemunhado, vivido.

Para superarmos a mera transmissão de conteúdos, faz-se impor-


tante a formação continuada dos profissionais da educação, pois sabe-
mos que somos sujeitos inacabados, e, como sabiamente nos orientou
Paulo Freire, “é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se
funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se
tornam educáveis na medida em que se reconheceram inacabados [...]”
(2015, p. 57).
Outro aspecto que, se utilizado com responsabilidade, pode con-
tribuir para qualificar a educação é a massificação dos meios de comu-
nicação, que, além de difundir o contato com pessoas de todas as partes
do mundo, facilitou o acesso às informações dos mais diversos temas,
as quais entram e repercutem nas salas de aula, sendo necessário abor-
dar e utilizar essas informações de forma crítica com os estudantes. Os
educadores não podem desconsiderar os mecanismos e as facilidades
que compõem o cotidiano dos estudantes, principalmente no contexto
atual da pandemia, em que, muitas vezes, são a única forma de contato
com eles; ao contrário, devem aproveitar essas informações e tecnolo-
gias para contextualizar, problematizar e orientar, contribuindo para o
processo educativo.
Nesse sentido, para uma educação que faça a diferença para os edu-
candos e para a sociedade, de forma geral, é necessário aproximar o ensino
da realidade dos estudantes, ou seja, é imprescindível sair dos “muros das
escolas”, participando e interagindo com a comunidade e suas realidades,
941
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pois a escola também é aprendente, não é detentora de todo o saber, mas


deve ser reflexiva e crítica de suas ações.
Para que possamos estabelecer essas relações, para além dos “mu-
ros das escolas”, é necessária a promoção da reflexão-ação-reflexão de
nossas técnicas, como orienta Freire, “por isso é que, na formação per-
manente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crí-
tica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática” (2015, p. 40). Caso
contrário, estaremos reproduzindo e apenas transmitindo conhecimen-
tos, ao invés de contribuir para uma educação de qualidade e libertária.
Nesse sentido, Freire (2016, p. 107) problematiza a educação tradi-
cional, ainda bastante presente no cenário educacional brasileiro, ao
compará-la com a educação bancária, na qual os educadores depositam,
enchem de conteúdos os seus alunos. E “quanto mais se exercitem os
educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto
menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua
inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos”.
Por sua vez, a gestão escolar e a educação democrática, enquanto
espaços de participação dos profissionais de educação, dos estudantes e
da comunidade, contribuem para melhorias nas escolas em diferentes
aspectos, influenciando e mediando o processo de ensino e aprendiza-
gem, deixando clara a importância do trabalho coletivo e das escolhas
daí advindas, demonstrando a necessidade de aperfeiçoamento e análise
crítica da atuação.
Nesse viés, devemos também ouvir as indagações de nossos es-
tudantes, para então propor intervenções, já que não somos detento-
res do conhecimento, mas, sim, agentes, buscando e construindo. Por
isso, enquanto profissionais da educação, devemos fazer as mediações
necessárias e estar dispostos a aprender e contribuir nessa caminhada;
caso contrário, seremos meros espectadores no processo educacional.
Assim, fica evidente que é impossível pensar a transformação da
escola, que permita momentos de reflexão e criticidade sobre o pro-
cesso de ensino e aprendizagem, dos quais todos possam participar e
possam contribuir para a construção com suas experiências, sem levar
em consideração o relevante papel desenvolvido pelos profissionais da
educação, tanto os que atuam nas escolas como os que atuam em outros
942
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ambientes educacionais, mas todos com o mesmo objetivo: contribuir


para uma educação de qualidade.
Em contrapartida, é evidente que a sociedade, de modo geral,
precisa valorizar e dar condições para atuação e formação continua-
da dos profissionais de educação, não apenas para o cumprimento de
suas funções, mas pela importância que têm na construção de cidadãos
conscientes e críticos, sujeitos da sociedade em constante mutação.

Palavras-chave: Educação. Profissionais da Educação. Ensino e Aprendizagem.

943
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

944
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UMA EXPERIÊNCIA DE PEDAGOGIA FREIREANA


NO AMBIENTE DIGITAL

Bruno Belloc Nunes Schlatter


EMEF Leocádia Felizardo Prestes
bruno.schlatter@gmail.com

O presente resumo é baseado na dissertação A História que que-


remos: ensino de História, protagonismo e passado prático nas redes sociais
(SCHLATTER, 2020), defendida pelo autor na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, no mês de maio de 2020. A pesquisa foi realiza-
da a partir de uma oficina com os estudantes, ao longo do ano de 2019,
em que eles realizavam postagens regulares em uma página criada na
rede social Facebook, associando o conteúdo estudado nas salas de aula
com questões de suas realidades que os engajassem e levassem a refletir.
O trabalho fundamentou-se fortemente no ideal freireano de uma
pedagogia voltada para a leitura e transformação da realidade. Como di-
zia em “Pedagogia da Autonomia”, “o professor que pensa certo deixa
transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de
estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de,
intervindo no mundo, conhecer o mundo (FREIRE, 2016a, p. 30). Esse
pensamento me acompanhou na formatação e formulação da oficina”.
Ela começou a tomar forma, na verdade, nos anos anteriores à
pesquisa. Em 2017, quando lecionava não a disciplina de História,
mas a de Filosofia, organizei a sua primeira realização com as turmas
da época. Foi criada uma página no Facebook, chamada A cidade que
queremos, em que os estudantes deveriam buscar, através de fotos e tex-
tos, expressar aquilo que gostavam ou desgostavam na cidade em que
viviam, ou aquilo que desejavam que fosse diferente. Expressando seus
anseios sobre a realidade, tinham espaço para refletir a seu respeito e
desenvolver uma visão crítica sobre ela.
Em 2019, com o mestrado profissional já em curso, a mesma
oficina foi ressignificada, tendo em vista a sua associação com as aulas
945
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de História. A partir de conteúdos estudados na disciplina, em debates


e diálogos com os estudantes, foram propostas cinco postagens na pá-
gina, ao longo do ano:

• Partindo de um estudo sobre o movimento abolicionista e a


trajetória do fim da escravidão no país, propus uma reflexão
sobre o racismo estrutural ainda existente na sociedade brasi-
leira. A hashtag utilizada foi a #CidadeSemRacismo.

• Após estudar o imperialismo e neocolonialismo, bem como


as formas de resistência desenvolvidas contra eles, refleti-
mos sobre as que ainda realizamos hoje, com a hashtag
#EuTambémResisto.

• A Primeira Guerra Mundial permitiu que refletíssemos sobre


a presença da violência no mundo contemporâneo, com a
hashtag #PelaPaz.

• Partindo de um estudo da Revolução Russa, propus que os


alunos refletissem sobre quais mudanças gostariam que hou-
vesse na nossa sociedade, assim como sobre o que eles pró-
prios fazem para tornar o seu mundo um lugar melhor, usan-
do a hashtag #MinhaRevolução.

• O último trabalho desenvolveu-se a partir do estudo do na-


zifascismo. Diferentemente dos anteriores, optei por deixar o
tema específico e a hashtag a serem escolhidos em um debate
em aula, com todos os estudantes tendo voz sobre aquilo que
gostariam de dizer. O tema mais presente nas falas e nas es-
colhas dos alunos foi o do preconceito – entendido de forma
ampla, partindo da discriminação aos judeus, realizada pelos
nazistas, podendo ser estendido, de acordo com a escolha dos
estudantes, para questões que se aproximassem mais de suas
realidades. Três possibilidades de hashtag foram escolhidas
pelos alunos: #Consciência (que poderia ser complementada
com algum tema de preferência do aluno, como #Consciên-
946
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ciaNegra ou #ConsciênciaLGBTQIA+), #NazismoÉCrime e


#ContraOPreconceito.

As postagens, em especial a última, foram definidas em diálogo


aberto com os estudantes, buscando entender quais aspectos de cada
conteúdo os engajavam e incitavam mais a refletir e questionar. Com
isso, criou-se um ambiente de confiança mútua, em que eles se sentiam
à vontade para expressar seus anseios e indignações.
O uso da ferramenta digital aperfeiçoou esse ambiente, por ser
um espaço de expressão cotidiana para os jovens. Mesmo alunos que
possuíam dificuldades para se expressar em um contexto mais tradicio-
nal foram progressivamente se sentindo mais à vontade para usá-la, e
para colocar nas postagens seus pensamentos e opiniões. Ilustra bem o
fato de que, nos primeiros trabalhos, muitas postagens eram plagiadas
e copiadas de outros sites na internet, enquanto, nas postagens finais,
todas eram escritas originais dos estudantes.
Talvez o resultado mais significativo do trabalho tenha sido perce-
ber como, deixados para se expressar com liberdade e fazer suas próprias
conexões entre os conteúdos e suas realidades, boa parte dos estudantes
se voltou espontaneamente para questões consideradas “sensíveis.” Temas
como raça, sexualidade e gênero tiveram grande presença entre as pos-
tagens, mesmo quando não especificamente estimulados; e foram, tam-
bém, aqueles que geraram mais engajamento nas redes sociais, chegando
a pessoas de fora da comunidade escolar. Mesmo que haja um esforço de
grupos políticos conservadores para que sejam retirados da sala de aula,
continuam sendo temas que engajam os jovens, sobre os quais eles pen-
sam, refletem e têm anseios de expressão e escuta. Debatê-los e questioná-
-los não diz respeito, assim, a uma tentativa falaciosa de impor ideologias
ou doutrinar educandos; mas, ao contrário, é justamente uma busca de
estabelecer com eles um diálogo que seja enriquecedor, para ambas as
partes, a partir de questões que lhes são espontaneamente importantes.
Isso remete, também, a outro ideal da pedagogia freireana, que
enxerga na rebeldia juvenil um motor para a transformação, um “mo-
mento de despertar”, quando deixamos de naturalizar uma realidade
opressora e passamos a questioná-la (FREIRE, 2016b, p. 67-71). Essa
rebeldia, que se expressa na indignação, foi muito visível nas postagens
947
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

na página, e também nos relatórios finais produzidos pelos estudantes,


que refletiram sobre a oficina realizada. “Esse trabalho me ajudou mui-
to a refletir sobre esse assunto, me fez mudar meu pensamento para
melhor, ver como tem muitas injustiças ainda, que ainda existe o pre-
conceito mesmo depois de anos”, como disse uma aluna; ou “podemos
dizer o que pensamos sobre certos assuntos que normalmente não são
muito discutidos na nossa sociedade”, como destacou outra.
Citando Rodrigo Ratier, num texto também tomado de referên-
cia por esse ideal freireano:

A escola transformadora não suprime a rebeldia e


nem a condena de antemão. Ao contrário, busca
desvelar suas causas, canalizando o rancor destruti-
vo para o questionamento das injustiças e propon-
do ações para sua transformação. A raiva e a rebe-
lião são entendidas como parte do processo para
a formação de indivíduos autônomos, capazes de
crítica e reflexão (RATIER, 2019, p. 156).

A oficina com a rede social se mostrou, na experiência realizada,


como um espaço de expressão muito rico sob essa perspectiva, servindo
de veículo para as indignações dos estudantes.
O uso da História, em específico, para incitar essa expressividade
se mostrou bastante enriquecedor. Conforme o próprio Paulo Freire,
a superação do binômio opressor-oprimido só pode ser feita historica-
mente (2016b); temos, aí, que a aula de História deve ser justamente
um dos receptores principais da sua pedagogia.

Palavras-chave: Ensino de História. Redes Sociais. Indignação.

948
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
A Cidade que Queremos C31. Facebook: HistoriaLeocadia. Disponí-
vel em: <https://www.facebook.com/HistoriaLeocadia>.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016a.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016b.
RATIER, R. Escola e afetos: um elogio da raiva e da revolta. In: CÁS-
SIO, F. (Org.). Educação contra a barbárie: por escolas democráticas
e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019.
SCHLATTER, B. B. N. A história que queremos: ensino de Histó-
ria, protagonismo e passado prático nas redes sociais. [Dissertação
de Mestrado]. Porto Alegre: UFRGS, 2020.

949
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A TEORIA EDUCACIONAL DE PAULO FREIRE COMO


FUNDAMENTO DA EDUCAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE

Silvia Mara da Silva


Universidade Estadual de Maringá (UEM) /Bolsista CAPES
ssilva643@gmail.com

Este resumo expandido apresenta o pensamento do educador


Paulo Freire como embasamento para as práticas da Educação Social
em Saúde. Almeja-se discutir os pressupostos da Educação Social em
Saúde a partir de práticas com crianças em tratamento de câncer em um
projeto de extensão, coordenado por uma docente do Departamento de
Educação de uma universidade pública do interior do Paraná.
O objetivo central proposto é demonstrar que a Educação So-
cial em Saúde adota os fundamentos epistemológicos da teoria educa-
cional de Paulo Freire para articular teoria e prática no atendimento
domiciliar, hospitalar e online de crianças e adolescentes em trata-
mento de câncer. Este estudo trata-se de pesquisa exploratória com
abordagem qualitativa, que adotou a pesquisa bibliográfica como pro-
cedimento metodológico.
Diante da extensão, profundidade e complexidade da vida, obra
e teoria freiriana, apresenta-se, como eixo central, a possibilidade de
humanização advinda de uma prática educativa fundada nos conceitos
de diálogo/dialogicidade, autonomia e leitura do mundo.
Os fundamentos epistemológicos de Paulo Freire recebem duas
denominações distintas, sendo uma “freireano” ou “freireana” e outra,
“freiriano” ou “freiriana”. Neste resumo expandido, faremos uso de
“freiriano”, guiados pela norma gramatical de que radicais e afixos
não podem ser alterados, pois constituem a significação da palavra
(PELOSO, PAULA, 2021). Somente adjetivos que terminam em “e”
tônico podem exibir o sufixo “–eano” e, como o “e” de Freire é átono,
utiliza-se freiriano.
951
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Devido à pandemia da COVID -19, as atividades do projeto de


extensão realizadas com crianças em tratamento de câncer, que antes
eram realizadas presencialmente, foram repensadas para serem desen-
volvidas de forma online. Assim, foram realizados 11 encontros na Pla-
taforma Google Meet, entre os meses de agosto e novembro de 2020.
Nesses encontros, ocorreram trocas e partilhas de conhecimentos, sabe-
res e fazeres no cotidiano dessas crianças durante a pandemia.
Esses encontros também tiveram, como objetivo, conversar sobre
vivências no período da pandemia. Buscou-se relacionar essas vivências
à aprendizagem, à escola, ao afastamento da escola e às tarefas escola-
res realizadas por meio digital. As atividades propostas foram roda de
conversa, contação de história, brincadeiras e jogos. O intuito das ati-
vidades foi promover a dialogicidade, autonomia e leitura do mundo,
buscando reduzir impactos do isolamento social durante a pandemia,
visando também à garantia do acesso à educação em espaços não for-
mais de pessoas em tratamento de saúde.
Nesse projeto de extensão, as atividades foram desenvolvidas na
perspectiva da Educação Social em Saúde, para a qual os sujeitos são
considerados pessoas com histórias de vida, que expressam desejos, sen-
timentos e possuem aptidões para reinventar modos de vida e formas de
organização social. A Educação Social em Saúde concebe suas práticas
em educação pautadas na dialogicidade, visando à autonomia e à cons-
ciência crítica do sujeito, como afirma Freire (1967).
A proposta da Educação Social em Saúde nasce em resposta às
necessidades educativas de pessoas que se encontram em tratamento de
saúde. Constitui-se de uma prática pedagógica que tem como esteio a
Educação Social, a qual reconhece e defende os direitos, a partir de uma
intervenção educativa que atua na vida e no contexto do ser humano
(SOUZA, MULLER, 2009).
Os estudos e as práticas da Educação Social em Saúde estão fun-
damentadas nos pressupostos teóricos e metodológicos da pedagogia de
Paulo Freire, que defende a “pedagogia fundada na ética, no respeito à
dignidade e à própria autonomia do educando” (FREIRE, 2002, p. 7).
Por meio da prática fundada na dialogicidade, as crianças eram
convidadas a apresentarem ao grupo brincadeiras que conheciam, a nar-
rarem seu cotidiano e expressarem como estão vivenciando a pandemia
952
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

distanciadas da escola. O diálogo impulsionou o pensar coletivo em


relação a este momento, e repensar sua construção de modo crítico. No
“Dicionário Paulo Freire”, Zitkoski (2005, p. 206) afirma que é “através
do diálogo que podemos dizer o mundo segundo nosso modo de ver”.
Mediatizados pela pandemia e pelo ambiente virtual, o diálogo
fez nascer o encontro e, nele e a partir dele, a humanização, pois, se-
gundo Freire (2005, p. 91), “o diálogo é este encontro dos homens,
mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, por-
tanto, na relação eu-tu”. Na relação Eu-Tu, está presente a alteridade,
condição fundamental para ocorrer o entrelaçamento da experiência
vivida. A partir dela, podem-se construir relações consigo mesmo e com
o outro (BUBER, 1979).
A prática online de Educação Social em Saúde, fundamentada na
teoria freiriana, abriu a possibilidade de promover a educação humani-
zadora em ambiente virtual, utilizando como prática a dialogicidade, o
respeito às visões de mundo de cada criança e o impulsionamento para
promover sua autonomia, o pensar e o agir criticamente em relação à
realidade. Assim, comprova-se mais uma vez, na prática, que educar é
existir e resistir!

Palavras-chave: Câncer. Educação Humanizadora. Ambiente Virtual.

953
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BUBER, M. Eu e Tu. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedago-
gia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P. A pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
PELOSO, F. C.; PAULA, E. M. A. T. A constituição do ser humano a
partir de diversos contextos e experiências nas infâncias: a complexida-
de das obras de Paulo Freire. Práxis Educativa, v. 16, pp. 1-18, 2021.
SOUZA, C. R. T.; MÜLLER, V. R. Educador Social: conceitos funda-
mentais para sua formação. Anais... IX Congresso Nacional de Educa-
ção-EDUCERE, 2009.

954
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SINDICAL RURAL:


UM DIÁLOGO COM AS LEITURAS FREIREANAS

Eduarda Thaís dos Santos


Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
eduardathaisdosantos@gmail.com

A partilha e a construção solidária do conhecimento são uma


marca da educação popular e dos processos participativos gerados nes-
sa perspectiva. O grupo de pesquisa “Educação Popular, Metodolo-
gias Participativas e Estudos Decoloniais” que integramos, na Univer-
sidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), procura analisar e desenvolver
estudos com essas premissas. Animados em desenvolver um diálogo
com as leituras de Paulo Freire, procuramos, com este trabalho, pro-
blematizar: “quais as possibilidades de aprender participando de lutas
sindicais rurais?”
Temos, por objetivo, analisar os processos educativos e sua im-
portância no sindicalismo rural para a transformação da vida no campo.
Uma justificativa possível seria uma contribuição para o reconhecimen-
to desses processos, nos quais pessoas que talvez não conseguiram se
formar na escola também possam construir conhecimentos e agir sobre
sua realidade, de forma crítica. Quanto a isso, apesar da importância da
educação escolarizada, os espaços não escolares também desenvolvem
aprendizados para a transformação da vida.
Na construção metodológica deste trabalho, vimos a importância
de fazer um diálogo com as leituras de Paulo Freire, portanto, como
fonte de pesquisa, foi feita uma revisão bibliográfica em torno do sin-
dicalismo e educação, através de alguns verbetes apresentados no Dicio-
nário Paulo Freire. Esse dicionário é um importante trabalho de Grupo
de Pesquisa, realizado na Unisinos, em co-labor com 130 pesquisadores
e pesquisadoras de instituições nacionais e estrangeiras, e sua primei-
ra edição é de 2008, e já possui quatro edições ampliadas e revisadas.
Curiosamente, a sua concepção ocorreu nos marcos do “II Fórum de
955
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Estudos: leituras de Paulo Freire”, em 2000, a caminho de Santa Maria,


como explicam Streck, Redin e Zitkoski (2018).
Em 1963, inicia-se o reconhecimento dos direitos trabalhistas
e do processo de sindicalização, que seriam consolidados com a pro-
mulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº 4.214). A partir
da implementação da Constituição de 1988, também conhecida como
Constituição Cidadã, houve pressão por obtenção de direitos, no cam-
po e na cidade, ampliando a formação de sindicatos, dando ênfase nos
sindicatos rurais, até então invisibilizados. A participação dos sindicatos
foi essencial para o exercício de educar na práxis e exercer a cidadania.
Segundo Herbert (2018, p. 77), o verbete “cidadania”, para Freire, é a
participação consciente em favor da emancipação; um ato político que
contribui também na leitura do mundo para além das letras, isto é,
conscientizar-se exercendo o papel de luta e direito no trabalho. Streck
(2003) também cita que Freire acredita que a cidadania é um processo
de aprendizagem, partindo de seus próprios direitos.
É interessante refletirmos que a cidadania é, para além de exer-
cer direitos, tornar-se consciente; um processo crítico de entendimen-
to da e na realidade, que se dá por meio da educação, não necessaria-
mente institucional. Freire acredita que a tomada de consciência exige
empenho para modificar algo: quando a conscientização entende que
é possível modificar algo injusto, gera indignação, o momento mo-
mentâneo de raiva para, assim, agir e transformar. Por meio da luta, os
sujeitos ampliam a consciência, ao dar-se conta do conflito de classe e
da opressão histórica.
“Luta” é algo muito citado nas obras de Paulo Freire, como um
processo de articulação a favor dos oprimidos, associado à pedagogia
libertadora. “A luta ideológica, política, pedagógica e ética vai exigir, de
qualquer um de nós, uma tomada de posição, independentemente da
hora e do lugar em que estejamos, pois, para Freire, não há neutralida-
de” (RIBEIRO, 2018, p. 297).
O conceito de marcha também é presente nas obras de Freire.
As marchas podem ser analisadas numa perspectiva de organização,
movimento social e, neste caso, sindical. É uma forma de luta que se
assume como um ato coletivo. Os sindicatos, com ênfase nos rurais,
marcham em prol de seus direitos e, com isso, a militância constrói,
956
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

dentro desse movimento, um modo de solidariedade e de educação


na participação. 
A participação nos movimentos também promove comunicações
com novos e antigos saberes, além de contribuir com o rompimento
da população excludente: “[...] na perspectiva freireana, a participação
requer diálogo, que por sua vez é o encontro respeitoso de reflexão mú-
tua” (STRECK, PITANO, MORETTI, 2017, p. 15-16). Isso gera a
práxis: “[...] implica a teoria como um conjunto de ideias capazes de
interpretar um dado fenômeno ou um momento histórico, que, num
segundo momento, leva um novo enunciado, em que o sujeito diz a sua
palavra sobre o mundo a agir para transformar esta mesma realidade”
(ROSSATO, 2018, p. 381). 
Observando escritos de Freire, o trabalho é um conceito importan-
te que se comunica com o de classe e a conscientização sobre ela, como o
caso do movimento sindical com a relação oprimido/opressor. De acordo
com Fischer (2018, p. 464), “o trabalho é uma expressão fundamental da
condição ontológica do ser humano como um ser de relação e de trans-
formação do mundo cultural, um ser com práxis, de ação e reflexão”.
Assim, “[...] a condição humana de ser capaz de agir e refletir – de traba-
lhar – não garante, por si só, um entendimento das complexas relações
que fazem a realidade ser o que ela é e orientar o ser humano a agir na
perspectiva de sua humanização” (FISCHER, 2018, p. 464). 
Portanto, entendemos que a função exercida nos movimentos
sindicais rurais apresenta diálogo que promove o trânsito da conscien-
tização individual, ingênua, para a coletiva, crítica. A dimensão edu-
cativa pode ir além da busca de direitos individuais para a consciência
de classe e da solidariedade na luta contra a opressão. É essa união
que faz, na práxis, o processo de ação e reflexão e, nela, muitas trocas.
Entendemos que existem também contradições, mas não podemos
invalidar que esse processo também contribui para a comunicação e
a educação.  Além disso, existem possibilidades abertas de aprender
participando do sindicalismo rural.

Palavras-chave: Cidadania; Luta; Trabalho Rural.

957
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FISCHER, M. C. B. Trabalho. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZI-
TKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2018. Pp. 37-39.
HERBERT, S. P. Cidadania. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZIT-
KOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2018. Pp. 37-39.
RIBEIRO, M. Luta. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI,
J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2018. Pp. 37-39.
ROSSATO, R. Práxis. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOS-
KI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2018. Pp. 37-39.
STRECK, D. R.; PITANO, S. C.; MORETTI, C. Z. Educar pela par-
ticipação, democratizar o poder: o legado freiriano na gestão pública.
Educação em Revista, v. 33, e167880, 2017.
STRECK, D. R; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário
Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.
STRECK, D. R. Educação como um novo contrato social. Petrópo-
lis: Vozes, 2003.

958
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

REFLEXÕES SOBRE A DOCÊNCIA: UMA OPORTUNIDADE EM


MEIO À PANDEMIA

Monique Neckel Bueno


Universidade de Caxias do Sul
mnbueno@ucs.br

Caxias do Sul, 31 de março de 2021.

Prezados colegas professores!

Ao pensar sobre a docência e sobre a escolha que fiz ao decidir ser


professora, sempre a concebo como um processo, como um vir a ser,
como uma construção. Afinal, de acordo com Freire (1991, p. 58):

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-


-feira às quatro da tarde. Ninguém nasce educador
ou marcado para ser educador. A gente se faz edu-
cador, a gente se forma como educador, permanen-
temente, na prática e na reflexão sobre a prática.

A ideia de processo pressupõe responsabilidade, participação,


poder de decisão. Não simpatizo com discursos que retiram de nós o
nosso compromisso por ter feito essa escolha. Não gosto de pensar que
se trata de um dom, um chamamento, uma vocação ou algo do tipo.
Não acredito que alguém nasça predestinado a ser professor. Oposto a
isso, penso que é uma escolha corajosa e revolucionária desde sempre.
E, segundo Freire (2013, p. 52),

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que


a minha passagem pelo mundo não é determina-
da, preestabelecida. Que meu “destino” não é um
dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja res-
ponsabilidade não posso me eximir.

959
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Penso que, assim como em outras profissões, nossa atuação exige


estudo, dedicação e esforço. Ninguém “vira” professor. Nós nos tornamos
professores através da prática aliada ao estudo e, principalmente, através
da reflexão sobre a nossa prática. E este é um dos aspectos da profissão
que muito me atrai. Acreditar que não viro professora, mas, sim, que me
constituo a cada dia me causa uma sensação de liberdade: liberdade para
pensar e agir, depois repensar e agir diferente. É importante esclarecer que
essa liberdade não é sinônimo de leviandade, muito pelo contrário. Além
disso, acreditar que eu me constituo me permite olhar e valorizar cada si-
tuação vivida, tentando extrair sempre algo de bom, algum aprendizado.
Gosto dessa sensação de incompletude! Gosto desse movimento
de ação, reflexão e ação que a prática educativa pressupõe. Gosto de
saber que não sei tudo e lidar bem com isso. Gosto de trabalhar com
aquilo que me desafia e me desacomoda. Gosto de aprender!
Todavia, mesmo reconhecendo que essa escolha me faz feliz e
carrega de sentido os meus dias, não posso desconsiderar que há mo-
mentos difíceis e aspectos que me desagradam. Conforme afirmei ante-
riormente, penso que optar pela docência é uma escolha corajosa e re-
volucionária, sobretudo, nos dias de hoje. É preciso muita coragem para
escolher uma profissão tão desacreditada, desrespeitada e, por vezes, até
difamada. E é um ato bastante revolucionário manter e honrar diaria-
mente essa escolha, mesmo diante de tantas adversidades e desmotiva-
ções. Não há dom que aguente a sobrecarga de 40 horas semanais de
dedicação à escola e aos alunos. Não há vocação que supere as dificul-
dades enfrentadas ao ensinar a quem nem sempre quer aprender, ao tra-
balhar com recursos mínimos, em ambientes nem sempre favoráveis à
aprendizagem. Não há romantismo que sustente essa escolha, diante de
tanta desvalorização salarial e social, de tantas cobranças externas e de
tanta intromissão de quem julga entender do cotidiano escolar melhor
do que quem o faz acontecer. Por isso, repito: é uma escolha.
Contudo, nem mesmo a consciência de todos esses aspectos con-
traproducentes me prepararia para o atípico e completamente inespera-
do cenário educacional que a pandemia causada pela COVID-19 nos
imporia, no ano de 2020.
A princípio, seriam só alguns dias, por um período intitulado
de quarentena, e logo retornaríamos para a escola. Então, assim como
960
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

quem vai fazer uma pausa e retomar, saímos da escola e cá ainda esta-
mos, dentro de nossos lares, que se tornaram uma extensão de nossas
salas de aula. Saímos com a premissa de que bastava cada um fazer a
sua parte e, em breve, a situação melhoraria. Porém, a situação não me-
lhorou. Não bastou cada um fazer a sua parte – e sabemos que muitos
não a fizeram (esta última frase já renderia uma outra carta…). Mas a
questão é que o cenário em que nos encontramos, hoje, após um ano do
início da pandemia, continua bastante desapontador.
Depois de se constatar que não seria tão simples voltar à escola,
e também que isso não aconteceria tão logo, começamos uma corrida
desenfreada para dar conta das demandas que nos foram apresentadas, a
fim de validar o ano letivo de 2020 e oferecer oportunidades de apren-
dizagem aos estudantes, na modalidade a distância.
Vimos o momento de estar cada escola, cada instituição se orga-
nizando e buscando alternativas para driblar as adversidades estabeleci-
das ou evidenciadas pela pandemia; cada professor sofrendo, lutando,
aprendendo, se reinventando e se empenhando ao máximo, em meio
a uma circunstância jamais imaginada: promover a aprendizagem sem
estar junto, sem estar na escola, sem ter os mesmos acessos e condições.
Consequentemente, vieram muitas propostas. A tecnologia se
mostrou generosa, estendendo uma mão amiga, apontando alguns ca-
minhos possíveis. Assim, vieram “Estudos Híbridos”, “Estudos Remo-
tos”, “Aulas não presenciais”, “Aulas online”... Vieram também muitas
lives, reuniões online, muitos cursos e formações. Vieram numerosos e
intensos dias, vieram muitos desafios, muitas dúvidas e muitos questio-
namentos... Vieram pais, famílias e estudantes sentindo falta da escola,
reconhecendo a sua importância e valorizando a presença do professor.
Não foram nem estão sendo dias fáceis. A pandemia acentuou e
explicitou muitas lacunas da educação e da sociedade como um todo.
Não serão os últimos desafios enfrentados por nós, professores, nem as
últimas oportunidades de aprendizado e constituição da nossa docên-
cia, mas será, sem sombra de dúvidas, uma experiência única, uma vez
que todos os professores se depararam com a real necessidade de apren-
der: aprender a planejar suas aulas num contexto diferente, num espaço
e num tempo diferentes, contando com recursos diferentes... Aprender
a ser um professor, uma professora diferente.
961
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Independentemente do lugar e da esfera de atuação e do seu pú-


blico discente, cada professor teve as suas certezas desacomodadas. Cada
professor experimentou novamente a dificuldade, o frio na barriga, a
curiosidade e o prazer de aprender, talvez, relembrando a proximidade
existente entre o ensinar e o aprender. Afinal, um inexiste sem o outro
e vice-versa, como já nos disse Freire (2013).
Como tenho a tendência de enxergar o copo na perspectiva de
meio cheio, penso que, apesar de todas as agruras que a pandemia nos
revelou e nos impôs, ela também foi e continua sendo um momento
significativo de constituição da nossa docência. Antes dela, ninguém foi
sujeitado a refletir sobre como é ser professor, como é ensinar ou como
é aprender sem estar na escola. Possivelmente, mesmo com ela alguns
professores também não reflitam, o que é bastante lamentável. Mas gos-
to de acreditar que não é o caso da maioria, e que cada um vive o seu
processo de acordo com o seu tempo de ser e viver.
E, por falar em acreditar, ouso afirmar que ser professor é sinônimo
de ter esperanças. Às vezes, sinto que vivemos só de esperanças. Por isso,
sigo pensando que ser professor é uma escolha dos fortes, dos que conhe-
cem e, acima de tudo, acreditam na relevância do trabalho do professor
como uma estrutura basilar para a manutenção da vida em sociedade.

Até breve!

Monique.

Palavras-chave: Docência. Ação-Reflexão-Ação. Pandemia.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

962
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA DE UMA FUNCIONÁRIA


DE ESCOLA PARA AS EDUCADORAS

Emanuele Gentilini

Karine Piaia

Paola Potrich

Paula Rebonatto

Tania P. Tramontina
Escola Estadual de Educação Básica Antônio João Zandoná
escolazandona@gmail.com

Queridas professoras:

Em visita à casa de meus pais, há alguns dias, pus-me a pensar e


questionar sobre quão intensos são os impactos daquilo que vivenciamos
na infância, principalmente daquilo sentido durante o período escolar.
Estava eu sentada no sofá da sala, quando minha mãe aproximou-
-se dizendo que tinha algo para me dar, algo que estava prestes a ser jo-
gado fora. Desloquei-me e, ao pegar curiosamente os papéis estendidos
por ela, percebi que se tratava de boletins escolares. Poderiam ser lem-
branças lindas da infância escolar, mas não! Aquela situação me deixou
desconfortável. Naquele instante, quando abri aqueles documentos, já
amarelados pelo passar do tempo, me senti a mesma menina de sete
anos, que, ao pegar o boletim com notas vermelhas, corava imediata-
mente e tentava disfarçar aquela situação embaraçosa. Senti uma dor no
peito, e muitas lembranças foram sendo reconstruídas nesse momento.
Recordo que a professora costumava chamar pelo nome para en-
tregar o boletim, e os colegas queriam ver as notas uns dos outros – e
assim começava a chateação. Pela estrada, no caminho de casa, ficava
963
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pensando em como mostraria aquilo aos meus familiares. Sabia que não
tinha muita habilidade para Matemática. Sempre me fizeram acreditar
nisto: no fracasso.
Me senti muito assustada com aquele misto de pensamentos e
surpresa ao mesmo tempo, ao me dar conta de que aquela situação
ocorrida há mais de 20 anos ainda me causava certo sofrimento. Sofri
por lembrar que os colegas riam de mim, que me chamavam de burra,
que eu não me encaixava em nenhum grupo; nem no das meninas bo-
nitas nem no das inteligentes.
Então, tentando buscar alguma coerência naquilo tudo, passei
a examinar atentamente aquele boletim. Havia algo no canto superior
direito que dizia assim: ‘’O aluno se destaca em...‘’, e não havia nem
uma vírgula sequer; o restante das considerações era marcado com uma
simples simbologia “X” e nada mais. Aparência pessoal também era
quesito de avaliação. Lembro-me de que sempre usava cabelos curtos e
que, com certa frequência, me confundiam com alguns dos meninos.

Esse tipo de avaliação tende a impor à educação “o


conceito de excelência, a valorização dos melhores,
tomado no sentido de serem os mais capazes de
demonstrar competências nos testes, e, por conse-
quência, a identificação dos piores, como sendo os
ineficazes e incompetentes” (SOBRINHO, 2002,
p. 50), o que torna a educação seletiva e excludente
(PIAIA, 2013, p. 73).

Na segunda série, “o calvário” continuou, e as notas vermelhas só


aumentaram – e assim foi durante quase toda a minha vida escolar. Não
quero, aqui, culpabilizar vocês, professores, porque sei que eu tinha (al-
guma ou várias) dificuldades nos cálculos, e que o ensino se baseava no
resultado, na classificação, e assim era.
Remeto-me, então, a essa forma de avaliação, fruto de uma edu-
cação de cunho bancário, sem dialogicidade, dissociada das realidades
de nós, educandos e educandas, de forma vertical, fragmentada, enfati-
zando a memorização, traduzindo, dessa forma, a aprendizagem como
a soma das informações. De acordo com Freire,

964
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Os pressupostos da educação bancária se assentam


na narração alienada e alienante. Ou seja, há a pers-
pectiva de educar para a submissão, para a crença de
uma realidade estática, bem comportada, comparti-
mentada, para a visão de um sujeito acabado, con-
cluso. A educação bancária, nesse sentido, repercute
como anestésico que inibe o poder de criar próprio
dos educandos, camuflando qualquer possibilidade
de refletir acerca das contradições e dos conflitos
emergentes do cotidiano em que se insere a escola, o
aluno. Na perspectiva Freiriana, a educação bancária
tem o propósito de manter a imersão, a reprodução
da consciência ingênua, da acriticidade.

Nesse sentido, vejo e sinto a importância de (re)pensar, a partir


dessa e de muitas outras vivências que se assemelham à minha, o senti-
do da escola, do ensino e da avaliação.
Em outro episódio marcante do tempo da escola, a minha pro-
fessora costumava eleger um desenho por semana para ficar exposto
no mural da sala, mas o meu nunca foi “escolhido”, pois eu não tinha
habilidade com pinturas.
Então, me pego refletindo: será que poderia ter sido diferente?
Será que eu poderia ter desenvolvido essas habilidades? Como? Quem
poderia ter me auxiliado? Sei que tinha e tenho outras habilidades que
não fossem a pintura, porém, nunca tiveram um olhar, um reconheci-
mento que me fizesse crer nisso, para desenvolvê-las. Hoje, posso enten-
der muitas dessas coisas, e muitas delas são reflexos de alguns dilemas e
ciclos pelos quais passei.
E hoje, queridas professoras e colegas, por meio deste relato de
vida, quero lembrá-las do importante papel que vocês têm na vida de
seus educandos, do impacto e da marca que ficam na vida de cada um
e cada uma, refletindo sobre como é possível tornar o ato de ensinar
e aprender significativo e prazeroso, e sobre o quanto vocês podem
contribuir para a autoestima e, consequentemente, para potencializar
o gosto pelo aprender. Piaia (2013) contribui, dizendo que: “A ava-
liação como produção de sentidos, ao contrário disso, é formativa,
democrática, participativa, global, contínua, flexível, global torna-se
um importante instrumento cognitivo, crítico e organizador”.
965
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

E, na inquietude das práticas diárias, por meio da formação cole-


tiva, dos relatos discentes, os professores são constantemente desafiados
à práxis, ou seja, à reflexão do fazer pedagógico, a fim de que a avaliação
seja processual, embasada na curiosidade, na problematização, que seja
reflexo de uma educação problematizadora, ao encontro da formação
crítica e humanizadora. A concepção de avaliação de Freire está articu-
lada “com grande número de saberes, em especial: disponibilidade para
o diálogo, criticidade, respeito aos saberes dos educandos, saber escutar,
humildade, tolerância e convicção de que a mudança é possível” ( p. 58).
Hoje, tenho a oportunidade de trabalhar numa escola em que o
coletivo acredita numa educação humana e libertadora. Tenho aprendi-
do um pouco todos os dias, inclusive a refletir sobre o aprender na in-
fância. Foi principalmente nessa escola que aprendi que posso ser mais,
porque “não há saber mais ou saber menos, mas há saberes diferentes”.
Nesse lugar, não só físico, mas em que me encontro como pessoa, gen-
te, a prática da avaliação se dá no processo, leva em conta os diferentes
saberes. Nessa escola, em que Freire está presente, foi então que, refle-
tindo, revisitando o passado, escrevendo no coletivo, encontrei o alívio
para os tais tormentos de infância.
Encerro com este pedido cheio de esperança: tragam vida e possi-
bilidades aos nossos queridos aprendentes.

Com carinho, de uma ex-aluna, hoje funcionária da escola.

Palavras-chave: Avaliação. Leitura de Mundo. Esperançar.

Referências
PIAIA, K. Política avaliativa do Enem: Pressupostos da qualidade
social da educação? Passo Fundo: UPF, 2013.

966
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA: CIRANDAR RODAS DE FORMAÇÃO

Ida Letícia G. da Silva


Universidade Federal do Rio Grande
idaquimica@gmail.com

Rio Grande, 7 de dezembro de 2019.

Car@s cirandeir@s:

Esta é uma carta que traz o meu relato enquanto professora de


Ciências dos anos finais de uma escola da zona rural de São José do
Norte/RS. Com esta escrita, busco narrar um período relevante na
minha trajetória docente e, a partir dele, (re)pensar e problematizar
minha prática. Penso ser relevante referir, aqui, que este texto tem
como subsídio principal a escrita de um diário, que, como eu mes-
ma escrevo no início, não é uma escrita diária, mas de tudo que, de
alguma forma, mobiliza minha práxis enquanto educadora. Sobre os
diários, Zabalza diz que:

A redação dos diários leva consigo todo um


conjunto de fases sucessivas que facilitam o
estabelecimento de um processo de aprendiza-
gem baseado em uma dupla categoria de fenô-
menos: (a) o processo de se tornar consciente
da própria atuação ao ter de identificar seus
componentes para narrá-los e (b) o processo de
recodificar essa atuação (transformar a ação em
texto), o possibilita a racionalização das prá-
ticas e sua transformação em fenômenos mo-
dificáveis (e, portanto, possíveis de melhorar)
(ZABALZA, 2004, p. 27).

967
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Por isso, pretende-se, com este texto, fazer um entrelaçamento


entre a escrita do diário, a reflexão sobre o mesmo e o diálogo com os
autores que venho buscando para qualificar esta escrita.
Para poder narrar esse capítulo da minha história, preciso retornar
um pouco no tempo, até o meu início na docência. Sou Química licen-
ciada, com habilitação em Ciências, e, menos de um ano após a formatu-
ra, fui nomeada como professora do município de São José do Norte, RS,
sendo encaminhada para a EMEF Dom Frederico Didonet, localizada na
zona rural do município. Concomitantemente com o início no magisté-
rio, inicio o mestrado em Educação Ambiental. Dessa forma, nos pareceu
na época, para mim e para minha orientadora, que compreender esse
início na docência era a melhor proposta para a dissertação.
Sendo assim, a minha dissertação de mestrado é uma narrativa da
minha experiência como professora iniciante, registrada no meu diário
de sala de aula. Foi uma pesquisa intensa: estudar a mim mesma, de
forma narrativa, buscando compreender todos os diferentes aspectos
que envolvem a formação inicial e permanente de professores.
Após a escrita da dissertação, me afastei por algum período dos
processos formativos, do registro da prática e da reflexão sobre esta.
Costumo dizer que passei um tempo apenas “vivendo” a escola, um pe-
ríodo de imersão mesmo na profissão. Hoje, penso no quanto perdi de
aprendizagens por não fazer o registro desse tempo. Penso nessa perda,
pois, como escreve Freire,

Por isso é que, na formação permanente dos pro-


fessores, o momento fundamental é o de reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente
a prática de hoje ou de ontem que se pode me-
lhorar a própria prática. O próprio discurso teó-
rico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de
tal modo concreto que quase se confunda com a
prática (2006, p. 39).

A escrita do meu diário neste ano, dez anos após a escrita da


minha dissertação de mestrado, traz novamente o relato de um (novo)
começo, ou recomeço, na docência. Durante o ano de 2018, fiquei afas-
tada da sala de aula, retornando em 2019 para a mesma escola em que
968
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

iniciei na profissão e onde vivi a maior parte da minha vida profissional.


Quando retornei, vivi momentos semelhantes aos do início: ansiedade,
nervosismo e até certo receio. No entanto, também passei por momen-
tos bem diferentes: de pensar mais sobre o planejamento da minha sala
de aula, fazer novas apostas e pensar em outras possibilidades para o
diálogo com os estudantes.
Percebi, nesse retorno para a sala de aula, que precisava revi-
sitar minha dissertação, perceber o que nela ainda permanece como
aposta, enquanto docente, e o que foi se modificando ao longo des-
ses dez anos. Acredito ser relevante ressaltar que, ao contrário do
início na docência, quando eu era apenas professora de sala de aula,
hoje atuo também como vice-diretora de uma escola grande da peri-
feria de Rio Grande (RS), além de já ter atuado como coordenadora
pedagógica da mesma escola. Todas essas experiências, com certeza,
influenciam na minha prática de sala de aula e trazem outras pers-
pectivas sobre a minha práxis.
Nesse reencontro com a minha dissertação de mestrado, com
o meu diário, me aproximo novamente da pesquisa narrativa, e pen-
so que uma forma de apresentar as escritas do diário, bem como a
problematização a respeito delas, seria por meio de histórias. Dessa
forma, a seguir, trago duas histórias que são as primeiras que emer-
giram do diário.
A primeira história conta o meu retorno à escola, após um pe-
ríodo de afastamento. Ela poderia ter o título: “De volta para casa,
será que algo mudou?” Com essa escrita, busco pensar sobre a expe-
riência de me afastar e de, então, retornar para o papel de docente de
uma turma. Sendo assim, penso ser importante trazer uma escrita do
diário de quando precisei me afastar da sala de aula:

Começo o ano letivo no dia 22/02/19, na tur-
ma do nono ano. São doze (12) alunos que eu
já conhecia. Fizemos uma conversa inicial, con-
tamos algumas histórias sobre o ano que havia
passado e sobre os planos para aquele ano. Logo
após, fizemos a construção de caleidoscópios.
Foi muito interessante, desde a construção até
as imagens formadas. Aproveitei a oportunidade
969
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

para dialogar com eles sobre as escolhas que fa-


zemos ao longo da nossa vida, já que a nossa es-
cola apresenta um grande índice de desistência,
quando os estudantes vão para o ensino médio,
que fica na sede do município. Ao final da aula,
um aluno, Samuel, me disse: “Professora gostei
muito da aula de hoje, as nossas aulas sempre
serão assim, com atividades práticas?” Essa fala
me trouxe um alerta: que precisava pensar mais
sobre o planejamento das minhas aulas; que os
estudantes de hoje precisam cada vez mais de
atividades interativas; que não fiquem somente
na teoria. Essa foi a primeira mudança que per-
cebi: que meus alunos já não eram mais os mes-
mos – e que, portanto, o planejamento também
não poderia ser o mesmo.

Já na segunda história, eu procuro pensar sobre o planeja-


mento em sala de aula e a intitulo como “Os alunos já não são
os mesmos, o planejamento também não”. Como narrei na pri-
meira história, a primeira mudança que percebi, ao retornar a sala
de aula, era que meus estudantes já não eram os mesmos, estavam
mais conectados às mídias, agora com acesso à internet, e exigiam
planejamentos mais dinâmicos. Porém, o que eu não esperava era
que, pela primeira vez, eu tinha, nas minhas salas de aula, dois
estudantes com necessidades educacionais especiais. Estes estudan-
tes precisavam ter planejamento e avaliações diferenciados. Foi,
no início, uma tarefa complicada, porque precisava compreender
quais as potencialidades desses alunos e quais seus limites. No en-
tanto, após algumas tentativas, observações e reflexões, comecei a
compreender como fazer o planejamento para eles. Também pude
compreender que não era mais possível pensar a sala de aula de
uma única forma. Com isso, passei mais a investir em atividades
práticas de pesquisa, construção de modelos e maquetes, desenhos,
entrevistas entre outros.
Finalizo, brevemente, esta escrita, pois, com certeza, outras refle-
xões emergirão da escritura do diário da docência. Nesta escrita, tive a
intenção de dar início à compreensão da minha constituição enquanto
970
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

professora de Ciências em formação, e conto com a contribuição dos


meus colegas cirandeiros para dar continuidade a esta tarefa.

Um abraço
Até a próxima carta.
Ida Letícia G. da Silva.

Palavras-chave: Formação Permanente. Cirandar. Cartas Pedagógicas.

971
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água. 2006.
ZABALZA, M. A. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e
desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.

972
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTAS PEDAGÓGICAS
COMO INSTRUMENTO METODOLÓGICO

Cristiane Corneli
Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC
cristianecorneli@mx2.unisc.br

Maria Dora Waechter Lima


Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC
mariadorawl@gmail.com

Rute Elena Alves de Souza


Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC
rutesouza@mx2.unisc.br

Jonas Hendler da Paz


jh.dapaz@gmail.com

Queridos/as colegas Educadores/as-Pesquisadores/as,

Acolhemos a temática “Cartas pedagógicas como instrumento


metodológico” com o intuito de convocá-los para um diálogo sobre as
possibilidades de incluirmos outros tipos de instrumentos, tanto nos
processos pedagógicos da educação (formal e não formal), quanto nos
processos teóricos e metodológicos de pesquisa, que são promovidos
nas instituições de ensino e outros espaços educativos. Pensamos, antes
de tudo, que o desenvolvimento de metodologias participativas e que
consideram a importância de indagar o mundo, de pesquisar com os
sujeitos, para promover uma leitura crítica e a construção solidária de
conhecimentos (BRANDÃO, 2014) vincula o pesquisar e o ensinar
– sem desconsiderar a dialogicidade de ensinar-aprender. Os proces-
sos de aprendizagem e pesquisa se complementam, sobretudo nas pes-
quisas participantes e nos processos educativos inspirados na educação
973
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

popular e na pedagogia da autonomia. Como aponta Freire (2019),


o ensino não existe sem pesquisa e tampouco a pesquisa existe sem o
ensino – o que consiste em um processo contínuo, que vai ocorrendo
através da indagação e da curiosidade epistemológica, que nos possibi-
litam uma transitividade da consciência paralisada e ingênua para uma
consciência crítica.
As cartas pedagógicas, como instrumentos metodológicos, vincu-
lam o ato de nomear o mundo (registrando as experiências e as leituras e
as reflexões que os sujeitos fazem) ao diálogo. Partindo da lógica de uma
educação libertadora, pautada na criticidade e na produção de curiosi-
dade epistêmica, devemos considerar um ponto muito importante le-
vantado por Freire (2019), que é o diálogo. Para o autor, uma prática
dialógica promove uma educação humanizadora. Nessa trama, através
da dialogicidade, “o sujeito se abre ao mundo e aos outros, inaugura
com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação
e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na histó-
ria” (FREIRE, 2019, p. 133).
Portanto, um dos objetivos é analisarmos a Carta Pedagógica
(CP) como importante ferramenta nesse processo; como forma de diá-
logo em movimento, visto que ela possibilita uma reescrita de compar-
tilhamento, de amplos diálogos, e produz uma prosa mútua entre pes-
quisadores/as, professores/as e estudantes, e os sujeitos que farão parte
de nossas pesquisas. Nesse sentido, essa produção torna-se fonte de um
vigor político que se instaura através da partilha de experiência das vi-
das cotidianas dos destinatários; da decifração dos saberes, tanto dos
estudantes quantos dos pesquisados/as, que podem, por vezes, serem
inviabilizados e nem reconhecidos na relação de ensino-aprendizagem,
tal qual na coleta de informações de pesquisas científicas.
Mediante o exposto, deve-se ter consciência de que toda carta deve
possuir uma intencionalidade, deve intuir um diálogo com o interlocu-
tor (PAULO, DICKMANN, 2012). Dessa forma, Paulo e Dickmann
(2012, p. 40) nos propõem o seguinte questionamento: “Qual a diferen-
ça entre a Carta Pedagógica e outras cartas em geral?”. Como resposta,
temos que a carta pedagógica visa produzir conhecimento e possui uma
postura política. Já a carta geral tem o intuito de promover uma prática
ao receptor e uma nova reflexão ao remetente, não sendo apenas uma
974
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

informação estagnada. O conceito de uma CP, segundo Camini (2012), é


que se deve ter, no ato da escrita, posições política e pedagógica definidas.
Para isso, ela enfatiza alguns passos, sendo eles:

Primeiro passo: escolher um fato, se possível ligado


diretamente à realidade do grupo para o qual se
escreve a carta;
Segundo passo: descrever o fato e mostrá-lo como
reflexo de uma realidade maior, com incidência nas
famílias, na escola, na sociedade;
Terceiro passo: construir a carta coletivamente,
buscando refletir sobre a realidade escolhida, e in-
tencionada a provocar mudanças;
Quarto passo: reler a carta, cuidadosamente, apri-
morando as ideias que não estão bem claras, es-
pecialmente aquelas que não dizem bem o que se
quer dizer (CAMINI, 2012, p. 51).

Vale ressaltar que as formas de respostas podem ser edificadas de


infinitas maneiras, já que a carta não é destinada apenas aos letrados,
pois, se fosse, constituir-se-ia em uma prática excludente. Longe disso,
a CP necessita impulsionar os sujeitos a poderem dizer sua palavra de
forma ampla e livre, visando à promoção da autonomia e da criticidade,
dessa maneira, distinguindo-se de qualquer forma de reprodução ban-
cária, cujo propósito é o de transferir conteúdo, de transmitir conheci-
mentos (FREIRE, 2019). Para tanto, implica, nesse ato, um amplo pro-
cesso de reflexão sobre si – quem escreve – e sobre o mundo, podendo,
ao escrever, colocar-se em uma postura de “autor-reflexão e de reflexão
sobre o seu tempo e espaço” (FREIRE, 1967, p. 36).
Chegando ao fim da escrita da presente carta, nós nos propomos
a desafiar os colegas educadores/as e pesquisadores/as a pensar formas
de incluir a Carta Pedagógica como um instrumento de trabalho pe-
dagógico nas escolas, convocando os estudantes a dizerem sua palavra,
dando-lhes espaço para se posicionarem conforme a sua realidade exis-
tencial. Do mesmo modo, também convocamos os/as pesquisadores/as
a estarem abertos/as a dialogar com companheiros de pesquisa sobre a
introdução de novas formas metodológicas de pesquisar nas universi-
dades. Além disso, fazemos um chamamento para que seja dialogado,
975
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nesses espaços, sobre a possibilidade de amplitude das formas de pes-


quisa que integram a Educação Popular – como é o caso das cartas pe-
dagógicas, que, propondo o diálogo defendido por Freire (2019), rom-
pem a cultura do silêncio devido à possibilidade de homens e mulheres
escreverem sobre sua história de vida, sobre sua realidade e sua cultura,
rompendo, ao mesmo tempo, com a lógica hegemônica muitas vezes
instaurada na esfera científica.

Um fraterno abraço!

Palavras-chave: Cartas Pedagógicas. Metodologia. Diálogo.

Referências
CAMINI, I. Cartas Pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e
se comunicam. Porto Alegre: ESTEF, 2012.
BRANDÃO, C. R. Educação popular e pesquisa participante: um
falar algumas lembranças, alguns silêncios e algumas sugestões. In:
STRECK, D. R.; SOBOTTKA, E. A.; EGGERT, E (Orgs.). Conhe-
cer e transformar: pesquisa-ação e pesquisa participante em diálogo
internacional. Curitiba: CRV, 2014. Pp. 39-73.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2019.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 1967.
PAULO, F. S.; DICKMANN, I. Cartas pedagógicas: tópicos epistêmi-
co-metodológicos na Educação Popular. Chapecó: Livrologia, 2012.

976
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

LEIO, LOGO EXISTO E RESISTO!

Claudia Smuk da Rocha


CEJA Erechim
smukdarocha@gmail.com

Caras/os colegas:

O propósito desta carta é retomar algumas reflexões sobre a leitu-


ra, compreendida como uma das práticas que dão sentido à existência
humana, mas também como uma forma de resistência em nossa so-
ciedade estruturada em classes, marcada por profundas desigualdades.
Traço algumas breves considerações sobre a importância do fomento à
leitura nos processos educacionais formais, como caminho seguro para
a emancipação humana, em especial dos sujeitos de aprendizagem da
hoje chamada Educação de Jovens e Adultos (EJA), a modalidade de
ensino em que sempre atuei e me constituí professora.
Nosso querido Mestre Paulo Freire já nos convidou a refletir, por
meio de inúmeras elaborações teóricas nesse sentido, a partir de suas
experiências com a alfabetização de adultos e a educação popular, des-
tacando a importância do ato de ler, do ponto de vista científico e polí-
tico; não apenas o ato de ler a palavra, o texto, mas também o contex-
to, o mundo (FREIRE, 1989). Contudo, a prática da leitura, tomada
como hábito por estudantes, ainda é um dos grandes desafios enfrenta-
dos pelos/as professores/as da Educação Básica no Brasil, especialmente
na rede pública. Um dos motivos desse fato é que, historicamente, as
classes populares do nosso país tiveram acesso à cultura letrada muito
tardiamente. Como apontou Carvalho (2002), a educação pública uni-
versal e obrigatória, assim como outros direitos sociais, só se estendeu às
classes mais baixas da população após a década de 1930.
Os resultados desse processo histórico excludente se refletem no
campo educacional da atualidade, tal como expressaram os dados de uma
977
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pesquisa chamada “Retratos da leitura no Brasil”, divulgados em 2016. A


partir desse estudo, constatou-se que 44% da população brasileira não lê,
e 30% nunca comprou um livro (RODRIGUES, 2016)1. A importância
do papel da escola na formação de leitores/as se evidenciou em outra
informação da pesquisa, que revelou que, para 67% da população, não
houve uma pessoa que incentivasse à leitura em sua trajetória de vida.
A falta de incentivo à leitura é recorrente principalmente entre os
sujeitos de aprendizagem da EJA. Minha experiência docente, de mais de
uma década trabalhando componentes curriculares da área das Ciências
Humanas, nos anos finais do Ensino Fundamental dessa modalidade,
proporcionou práticas pedagógicas que evidenciaram grandes lacunas em
termos de hábitos de leitura entre as/os estudantes. O público adulto que
procura a EJA, após vários anos afastado da escola, demonstra dificulda-
des de interpretação textual, não apenas por falta de compreensão dos
textos, mas também pelo cansaço, pelos limites de concentração, por ter
que conciliar os estudos com trabalhos exaustivos. No caso das mulheres,
com duplas ou até triplas jornadas de trabalho, além da preocupação com
o provimento da família, de garantir a comida na mesa, há a missão de
educar e cuidar dos filhos. Essa rotina é desgastante para esses sujeitos, e
compromete o tempo disponível para a prática das leituras.
Já para as/os adolescentes, outra parcela do público que compõe
a modalidade de ensino, o grande desafio é que tomem gosto pela lei-
tura, pois a maioria chega à EJA após vivenciar processos traumáticos
de ensino e aprendizagem na escola regular, marcados pela exclusão,
abandono ou evasão escolar e sucessivas reprovações. Na experiência da
maioria dos jovens da EJA, a leitura é sempre associada a uma obrigação
enfadonha, e não a um ato prazeroso e libertador, como deveria ser.
É justamente na superação dessas lacunas que se faz necessário
o papel mediador do/da professor/a da EJA, procurando intervir, no

1 Em 2020, foi publicada a atualização da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”,


apresentando os dados do quadriênio 2015-2019, que revelaram uma queda de mais
de 4,6 milhões de leitores, sendo que, de 2015 para 2019, a porcentagem de leitores
no Brasil caiu de 56% para 52% (TOKARNIA, 2020). Esses resultados eram previsí-
veis, considerando a conjuntura política que se desenhou no cenário brasileiro desde
então, pois, a partir do golpe de Estado de 2016, houve a redução significativa dos
investimentos na Educação (PEC nº 55/2016), e a ascensão de um governo de bases
ideológicas obscurantistas, preconceituosas, revisionistas e negacionistas.
978
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sentido de despertar o interesse pelo conhecimento, demonstrando que


a forma mais apropriada para isso é a prática da leitura crítica. Grande
parte dos/as estudantes chega à escola sem nunca ter tido contato com
um livro; muitas vezes, o primeiro livro que têm em mãos é o livro
didático. Assim, o/a professor/a se torna a grande, talvez a única, refe-
rência do/a estudante em termos intelectuais, o modelo de leitor/a mais
próximo de sua realidade, e a escola, o espaço social por excelência para
seguir esse arquétipo.
Dessa forma, é imprescindível que o/a professor/a assuma o com-
promisso com a premissa freireana de que “ensinar exige a corporeifica-
ção das palavras pelo exemplo” (FREIRE, 2002, p. 38). Isso quer dizer
que não basta apenas ordenar ou sugerir às/aos estudantes que leiam,
mas significa demonstrar como se faz uma leitura crítica, estimular a
curiosidade, ajudar a apreender o contexto dos textos e relacioná-los
com a atual conjuntura e a realidade. Isso implica desenvolver estraté-
gias de leitura com as/os estudantes, respeitando o tempo de cada um e
cada uma, focando na qualidade e interpretação, não na quantidade de
páginas ou obras lidas. Afinal, como observou Freire:

Não se lê criticamente como se fazê-lo fosse a


mesma coisa que comprar mercadoria por ataca-
do. Ler vinte livros, trinta livros. A leitura verda-
deira me compromete de imediato com o texto
que a mim se dá e a que me dou e de cuja com-
preensão fundamental me vou tornando também
sujeito (FREIRE, 2002, p. 30).

Como forma de ampliar as possibilidades desses/as estudantes en-


quanto leitores/as, é imprescindível lhes apresentar materiais adequados a
suas idades e realidades. Assim como Freire apontou ser inadequado tra-
balhar com materiais didáticos infantilizados na alfabetização de adultos,
o Parecer CNE/CEB nº 11/2000, que estabelece as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a EJA, sinaliza que “[...] não se pode ‘infantilizar’ a
EJA no que se refere a métodos, conteúdos e processos” (BRASIL, 2000,
p. 57). Não se deve subestimar a capacidade das/os estudantes pela com-
plexidade da obra, mas, sim, criar estratégias de compreensão, como as
leituras coletivas seguidas de intervenção para explicação e debates.
979
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Outro ponto importante no incentivo da prática de leitura na


EJA é dialogar com os/as estudantes, para que tenham em mente que
ninguém nasce gostando de ler, mas que o gosto pela leitura pode ser
adquirido aos poucos, até se tornar um hábito. Segundo Freire,

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente,


mas gratificante. Ninguém lê ou estuda autentica-
mente se não assume, diante do texto ou do objeto
da curiosidade a forma crítica de ser ou de estar
sendo sujeito da curiosidade, sujeito da leitura, su-
jeito do processo de conhecer em que se acha. Ler
é procurar buscar criar a compreensão do lido; [...]
ensinar a ler é engajar-se numa experiência criativa
em torno da compreensão. Da compreensão e da
comunicação (FREIRE, 2001, p. 261).

À medida que o texto traz à luz acontecimentos que represen-


tam a vida em sociedade, sejam eles reais ou fictícios, o/a leitor/a vai se
identificando com as situações e personagens, estabelecendo relações
com a vida real e a história da humanidade, pois, como enfatizou Freire
(1989), não existe texto fora de um contexto. A partir dessas experiên-
cias, espera-se que o/a estudante seja capaz de superar o senso comum,
partindo para o exercício racional do pensar. Assim, a leitura se torna
um ato que confirma a existência da/o estudante como ser humano e
como cidadã e cidadão. Isso porque, segundo Freire (1989), a prática
da leitura pode ser entendida como a base para a conscientização, o
primeiro passo para desvendar os valores ideológicos que permeiam as
relações sociais. A leitura também é fator fundamental para desenvolver
as habilidades da comunicação, da argumentação, do senso estético,
pois melhora o vocabulário, amplia a visão de mundo, estimula a cria-
tividade, facilitando a aprendizagem.
Ao adotar a postura de facilitador da leitura, o/a professor/a estará
aproximando sua práxis cada vez mais do que Freire chamou de “edu-
cação problematizadora”, uma educação “[...] de caráter autenticamente
reflexivo, [que] implica um constante ato de desvelamento da realida-
de” (FREIRE, 2014, p. 97). Assim, as atividades de leitura devem servir
para que os/as estudantes ampliem seus repertórios culturais, partindo da

980
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

compreensão da “[...] cultura como aquisição sistemática da experiência


humana” (FREIRE, 1967, p. 110). A partir do momento em que se esta-
belecer essa relação entre a apropriação do conhecimento e a consciência
da existência e da condição humana, homens e mulheres, trabalhadores
e trabalhadoras da EJA também estarão praticando atos de resistência,
superando o papel reducionista que o sistema capitalista lhes impôs ao
exercer o direito à Educação e à Cultura, lendo criticamente os textos e
contextos, o cotidiano e o mundo, buscando transformá-los.

Palavras-chave: Leitura. Educação de Jovens e Adultos (EJA). Cons-


cientização.

981
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Resolução CNE/CEB n° 11 de 10 de maio de 2000. Dire-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
Planalto, Brasília: MEC, 2000.
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, P. Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra
(Carta de Paulo Freire aos professores). Estudos Avançados, v. 15, n.
42, pp. 259-268, 2001.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
pletam. São Paulo: Cortez, 1989.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
RODRIGUES, M. F. 44% da população brasileira não lê e 30% nunca
comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura. Estadão. 18
de maio de 2016.
TOKARNIA, M. Brasil perde 4,6 milhões de leitores em quatro anos.
Agência Brasil. 11 de setembro de 2020.

982
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

SULEAR E ESPERANÇAR: PAULO FREIRE, UM TERCEIRO-


MUNDISTA LATINOAMERICANO

Eduarda Thaís dos Santos


Universidade de Santa Cruz do Sul- UNISC
E-mail: eduardathaisdosantos@gmail.com 

A arte acima foi produzida por mim. Trata-se de uma pintura


em aquarela e nanquim. Nela, estão representados alguns elementos
para pensarmos Paulo Freire: a América Latina invertida, inspirada em
983
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Joaquín Torres Garcia, apontando para o Sul; as marchas, neste caso,


a da  agroecologia e dos/das camponeses/as e a esperança nos olhos
de quem ad-mira. Para refletirmos sobre isso, precisamos retomar a
obra “Pedagogia da esperança:  um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido”, pois é nela que identificamos o verbo “sulear”, criado pelo
físico Marcio D’Olne Campos. Em diálogo com Freire, Campos re-
flete sobre o senso comum em torno do termo “nortear” como um
guia, uma orientação de caráter ideológico. “Norte é Primeiro Mun-
do. Norte está em cima, na parte superior, assim Norte deixa ‘escorrer’
o conhecimento que nós do hemisfério Sul ‘engolimos sem conferir
o contexto local’” (FREIRE; 1992, p. 113 apud CAMPOS, 1991, p.
59-61). Com isso, observamos o modo como Freire, inspirado por
Campos, passa a entender o sentido crítico da orientação Norte e da
orientação Sul. Assim, sulear sugere um novo rumo dentro do nosso
contexto de “terceiro-mundista”. Não significa, com isso, estabelecer
algum tipo de superioridade e de introjetar os valores do colonizador,
mas, sim, o de refletirmos que:

[...] criaram-se, assim, condições para a importa-


ção de modelos de fora, do Norte [...]. Para Freire,
era preciso substituir as receitas transplantadas, a
autovalorização, a autodesconfiança e a inferiori-
dade que amortecem o ânimo criador das socieda-
des dependentes (ADAMS, 2018, p. 444).

Dito isso, observamos que Freire tem uma relação e análise


crítica com relação à América Latina, pois existe ainda a vinculação
de dependência do “Sul”, pela exploração e expropriação do “Norte”.
Assim, “Freire sugere que, ao invés de homenagear os invasores”, se
homenageiem “os que lutaram e continuam até hoje lutando contra
as invasões, nas lutas dos conquistados” (ADAMS, STRECK, 2018,
p. 38). É interessante analisar, nessa crítica, que, até hoje, tem-se
uma imagem normalizada de quem são os referentes das conquistas
dos “esfarrapados do mundo”, do oprimido e da oprimida. Dito de
outro modo, mantém-se um vínculo, através de uma história ultra-
passada, e que está presente num fio invisível e estrutural. O povo é
o Sul, também o que vem até o nosso prato, nossos saberes tradicio-
984
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

nais, e isso também é educação e história. Comer, plantar, amar, edu-


car: verbos da luta de quem ainda resiste e não se vende. Precisamos
sulear para esperançar. 

Palavras-chave: América Latina. Esperança. Marcha.

985
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ADAMS, T.; STRECK, D. América Latina. In: STRECK, D. R.; RE-
DIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2018. Pp. 37-39.
ADAMS, TELMO. Sulear. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZIT-
KOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2018. Pp. 444-445.
CAMPOS, M. D’O. A arte de sulcar-se. In: SCHEINER, T. (Org.).
Comunidade pela Educação Ambiental, Manual de Apoio ao Curso
de Extensão Universitária. Rio de Janeiro: Uni-Rio/Tacnet: Cultural,
1991. Pp. 59-61.

986
CAPÍTULO 14

PEDAGOGIA: DIÁLOGO E CONFLITO


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PEDAGOGIAS FREIREANAS E PEDAGOGIA


DA ALTERNÂNCIA – VEIAS PEDAGÓGICAS QUE NUTREM A
QUESTÃO DA REALIDADE

Luana Bunde
Universidade Federal do Rio Grande
bundeluana@gmail.com

Graziela Rinaldi da Rosa


Universidade Federal do Rio Grande
grazirinaldi@furg.com.br

O desvelamento do mundo e de si mesmas, na prá-


xis autêntica, possibilita às massas populares a sua
adesão. [...] os oprimidos, reconhecendo o porquê
e o como de sua “aderência”, exerçam um ato de
adesão à práxis verdadeira de transformação da rea-
lidade injusta (FREIRE, 2014, p. 108).

Através deste texto, iremos dialogar sobre algumas reflexões que


se desenvolvem na pesquisa de conclusão do curso de Licenciatura em
Educação do Campo – ênfase em Ciências Naturais e Ciências Agrá-
rias (LEdoC) da FURG, com o título provisório “Práticas Educativas
Escolares e Comunitárias Desenvolvidas no Tempo Comunidade no
Curso de Licenciatura em Educação do Campo/FURG”, de autoria de
Luana Bunde e orientação de Graziela Rinaldi da Rosa. E refletiremos
sobre as contribuições da Pedagogia Freireana e da Pedagogia da Alter-
nância na discussão sobre a realidade e o processo de transformação da
realidade, no que se refere à Educação do Campo. Consideramos por
realidade tudo aquilo que permeia a vida no campo: questões sociais,
econômicas, culturais, ambientais, históricas, e ainda os preconceitos
raciais, étnicos, gênero e a condição do “ser” camponesa e camponês,
que exercem diferentes forças sobre indivíduos e coletivos do campo.
Este trabalho foi elaborado a partir das experiências no campo
e na LEdoC/FURG. O curso é desenvolvido em alternância (Tempo
989
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Comunidade e Tempo Escola), pautado nos princípios da Pedagogia da


Alternância, formando educadoras e educadores para atuarem no cam-
po, de forma crítica e interdisciplinar, a fim de que se despertem a auto-
nomia e a criticidade dos povos do campo. Buscamos a fundamentação
nas obras de Freire (2014, 1992) e também em autoras/es que tratam de
forma específica a Pedagogia da Alternância, que foram: Nosella (2012)
e Queiroz (2013), e ainda, autoras/es que estão presentes na pesquisa
citada anteriormente: Arroyo (2011, 2014), Pessoti (1978), Gimonet
(2007) e Vergutz (2013).
Partimos do ponto de que o campo não é um lugar homogê-
neo. Sua diversidade transcende as classificações técnicas (agricultora
e agricultor, pescadora e pescador, pecuaristas, comerciantes, assala-
riados etc.) que caracterizam, muitas vezes, os estereótipos pejorativos
que alimentam o preconceito contra os povos do campo. Precisamos,
sim, reconhecer as diferentes formas de trabalho que se manifestam no
campo; mas, também, reconhecer outras especificidades (quilombolas,
pomeranas/os, benzedeiras/os, indígenas etc.), pelo fato de que uma
benzedeira pode ser também uma agricultora, assim como um pome-
rano, um comerciante. E isso implica conhecer e reconhecer culturas,
saberes e fazeres diversos, somados ainda às relações (ser humano - ser
humano / ser humano - mundo), o que reflete diretamente na realidade
de cada um/a e das comunidades.
E é essa realidade heterogênea que precisa estar nos ambien-
tes de aprendizagem formais e informais, assim como afirma Paulo
Freire (2014, p. 79): “Falar da realidade como algo parado, estático,
compartimentado e bem-comportado, quando não falar ou dissertar
sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos edu-
candos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação.”
Buscamos uma educação libertadora, que reconheça essas diversidades
como algo importante para a construção do conhecimento significa-
tivo, visto que “[...] a educação problematizadora, de caráter auten-
ticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da
realidade” (FREIRE, 2014, p. 97).
Na Pedagogia da Alternância, Queiroz sugere a construção de
“centros educativos vivos”, que estejam diretamente ligados à vida,
“mergulhados na realidade” dos povos do campo, e, assim, “contri-
990
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

buindo para transformar essa realidade e a vida” das/os que vivem no


campo (QUEIROZ, 2013, p. 151). Freire nos diz que a busca por
conhecer a realidade de forma crítica não significa que as estruturas de
dominação, provenientes das desigualdades socioeconômicas, irão se
romper ou desaparecer; porém, ao conhecer a realidade, está-se dando
o primeiro passo para a transformação, “desde que se engajem na luta
política pela transformação das condições em que se está a opressão”
(FREIRE, 1992, p. 16).
Desta forma, a Pedagogia da Alternância, para os povos do campo,
se caracteriza como um instrumento de luta e resistência para a transfor-
mação da realidade, a partir de uma perspectiva que aponta para uma
“formação integral, contextualizada, visando o desenvolvimento susten-
tável e solidário das pessoas e do meio” (NOSELLA, 2012, p. 263).
Essas concepções (depois de muita luta coletiva do campo, e de
organizações governamentais que defendem as pautas do campo, sobre-
tudo, a educação do campo) se encontram em experiências concretas,
em se tratando da formação de educadoras e educadores do campo, ou
de monitoras e monitores das Escolas Familiares Agrícolas pioneiras em
adotar a Pedagogia da Alternância, como afirma Nosella:

Como consequência direta destas lutas em prol


de uma Educação do Campo diferenciada, Licen-
ciaturas em Educação do Campo e Especializa-
ções em Pedagogia da Alternância são criadas em
várias universidades do país, financiadas pelo Go-
verno Federal e por alguns Estados, respondendo
às reivindicações por uma capacitação cada vez
mais aprimorada dos educadores do campo (NO-
SELLA, 2012, p. 265).

Essas formações devem preparar educadoras e educadores para,


de acordo com Arroyo (2011, p. 83), “incorporar no currículo do cam-
po os saberes que preparam para a produção e o trabalho, os saberes que
preparam para a emancipação, para a justiça, os saberes que preparam
para a realização plena do ser humano como humano”. Desse modo,
eles se tornarão humanos capazes de compreender a realidade e de co-
meçar a pensar soluções para os problemas individuais e coletivos.

991
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para não concluir, com essas reflexões nos deparamos com


elementos das duas veias pedagógicas que dialogam, com relação à
realidade. Mesmo Paulo Freire não tratando especificamente da Pe-
dagogia da Alternância, ambas as concepções defendem uma educa-
ção contextualizada, a partir da realidade das educandas e dos edu-
candos como algo fundamental para a construção do conhecimento
significativo e com potencial transformador, que vai contribuir para
a valorização do campo, promovendo melhorias para este espaço e
para a educação do campo.

Palavras-chave: Pedagogia da Alternância. Paulo Freire. Educação


do Campo.

Referências

ARROYO, M. G. A educação básica e o movimento social do campo.


In: ARROYO, M. G.; CALDART, R. C.; MOLINA, M. C. Por uma
educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedago-


gia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

QUEIROZ, J. B. P. O estado da arte da Alternância no Brasil. In: BEG-


NAMI, J. B; BURGHGRAVE, T. Pedagogia da Alternância e Susten-
tabilidade. Orizona, GO: UNEFAB, 2013. Pp. 137-165.

NOSELLA, P. Educação no Campo: origens da Pedagogia da Alter-


nância no Brasil. União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do
Brasil. Vitória: EDUFES, 2012.

992
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
NA PEDAGOGIA FREIREANA

Clenio Vianei Mazzonetto


URI do Alto Uruguai e das Missões/URI Missões
E-mail: cleniomazzonetto@yahoo.com.br

Fernando Antonio Egert


Universidade Federal do Paraná/UFPR
E-mail: fae.egert@gmail.com

Esta reflexão tem, como proposta, a problematização educacio-


nal da interdisciplinaridade como possibilidade dialógica, e discutir
a teoria educacional a partir da consciência cartesiana para uma con-
cepção intersubjetiva, coletiva e prático-moral. Como possibilidade
de anunciar e não de apenas denunciar, propomos a interdisciplina-
ridade à luz do diálogo freireano. O resumo pretende-se uma revisão
bibliográfica que parte de estudos de doutoramento, que serão am-
pliados e aprofundados, buscando construir reflexões acerca da inter-
disciplinaridade sob a ótica freireana.
O advento da modernidade teve o seu ápice com Descartes, que
se utilizou do cogito, que remete à autoevidência do sujeito pensante,
estabelecendo a subjetividade como valor primeiro. Esse pensamento é
seguido por Kant, que buscou as soluções dos problemas no horizonte
da autoconsciência absolutizada, em que, na “Crítica da Razão Pura”,
estabelece a primazia do discurso racional sobre a experiência.
Em Hegel, por meio do conceito absoluto, da consciência em si,
impossibilita-se a oposição entre subjetividade e objetividade. O espíri-
to é compreendido como identidade pura, na qual, em um movimento
em si e para si, demonstra que a consciência conheceria o mundo. A
partir do século XIX, com a ampliação das fronteiras do conhecimento,
irrompem os irracionalismos e as novas possibilidades de relação do ser
humano com o mundo. Sobre essa crise, escreve Marques (1993, p.
993
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

56): “Culminando a modernidade numa exasperação da subjetividade,


do individualismo, que teve início na opção do mundo ocidental pelo
dualismo sujeito e objeto e que se acentuou no paradigma cartesiano
da consciência fundadora das ideias claras e distintas”. Essa visão pa-
radigmática se mostrou com vários déficits, devido à forma de pensar
fragmentada ‒ mostrou-se questionada em seu, até então, incontestável
progresso, sendo incapaz de produzir um futuro melhor, tendo em vista
as guerras e a complexidade na construção do conhecimento. Estamos
numa teia intersubjetiva.
É preciso inverter essa lógica educacional cartesiana moderna,
no que se refere ao conhecimento, e também à formação. É preciso
haver outra lógica para que o conhecimento se construa por meio da
dialogicidade. A partir do exposto, vejo a interdisciplinaridade como
possibilidade de romper com os malefícios da especialização, como
também de levar do conhecimento subjetivo para um conhecimento
intersubjetivo, em que tanto o conhecimento quanto a educação pos-
sam ser construídos, na medida em que o sujeito possa ampliar sua
formação com o outro. Ou seja, é preciso romper a lógica objetiva
para dar espaço a uma proposta intersubjetiva, em que o conhecimen-
to ocorra em constante relação com o outro, pois o sujeito se constrói
na relação dialogal de igualdade.
Nessa perspectiva de conhecimento sujeito-sujeito, no reconhe-
cimento do outro como coautor do conhecimento, existe um processo
dialógico, solidário, da palavra. Freire (1982) diz que “Não há palavra
verdadeira que não seja práxis, que transforme o mundo”, pois a pala-
vra se transforma em ativismo, em ação. A importância da palavra se
faz, pois nossas relações verdadeiras se dão através do diálogo. “Não é
no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão” (FREIRE, 1982). A educação tradicional trata o aluno
como objeto robotizado, alienado, ao contrário do que propomos, já
que o conhecimento não acontece por transferência: o conhecimento
precisa ser libertador, consciente, ter participação livre e crítica, em que
se possa estabelecer o verdadeiro sentido da troca.
A interdisciplinaridade possibilita a construção de uma nova
racionalidade, superando a moderna. Na contramão do niilismo de
Nietzsche, Freire propõe o diálogo como construção do conhecimento,
994
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

como relação de intersubjetividade, como possibilidade de autonomia


do sujeito. Para essa nova perspectiva, Zitkoski descreve: “Partindo da
racionalidade crítica e emancipatória, ancorada em base epistemológi-
ca, políticas e éticas e renovadas e inovadoras, será possível às sociedades
contemporâneas construir caminhos de superação dos atuais processos
político-econômico dominantes, que subjuguem os povos do mundo
todo, atrelando-os à vontade onipotente de mais poder e controle do
planeta a partir de uma visão de mundo parcial e necrófila frente ao
futuro da humanidade” (ZITKOSKI, 2000, p. 110).
Em Freire, o diálogo é condição ontológica para que os seres hu-
manos se eduquem em condição de comunhão. Para ele, o diálogo é
fenômeno humano (FREIRE, 2013) que se materializa pela palavra.
Contudo, a palavra é mais do que apenas um meio para que ele se
faça. A palavra impõe-nos elementos constitutivos em duas dimensões:
a ação e a reflexão, solidárias em uma interação radical. Como ele afir-
ma, “não há palavra verdadeira que não seja práxis” (FREIRE, 2013, p.
107), daí dizer que a palavra verdadeira seja “transformar o mundo”.
Para Freire, a educação é intimamente relacionada ao diálogo, “na
medida em que não é (a educação) a transferência de saber, mas um en-
contro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significa-
dos” (FREIRE, 1983, p. 46). Em uma práxis educadora dialógica, como
vivenciou Freire, “o diálogo e a problematização não adormecem nin-
guém. Conscientizam” (FREIRE, 1983, p. 36). Por uma base pedagógica
em que “tanto o educador como o educando, homens igualmente livres e
críticos, aprendem no trabalho comum de uma tomada de consciência da
situação que vivem” (FREIRE, 2014, p. 38). O diálogo propõe a autorre-
flexão, que chega a um profundo estado de tomada de consciência, reti-
rando o homem e a mulher de uma condição de espectadores, figurantes;
vendo-se então inseridos em uma historicidade, da qual participam com
autoria e consciência. “Estar com o mundo resulta de sua abertura à rea-
lidade, que o faz ser o ente de relações que é” (FREIRE, 2014, p. 55).
Conforme Henz (2012), por viverem num mundo multidimensio-
nal e complexo, com uma vida marcada pela simultaneidade entre o par-
ticular e o plural, homens e mulheres começam a sentir a necessidade de
desenvolver uma razão-emoção capaz de dar unidade às diferentes relações,
lógicas e perspectivas da vida e do mundo. As dimensões da humanização
995
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

escapam à razão técnico-científica-instrumentalista, e isso se torna um de-


safio para pensar a educação de modo significativo para si mesmo e para
a realidade. É preciso resgatar, na educação, referências éticas e estéticas,
a razão afetivo-emocional, e, com ela, a imaginação, o encantamento e o
sonho de construir uma educação que ressignifique os sentidos do humano.
Pensamos em uma educação que transforme e que contribua para
pensar perspectivas de mudanças em nível local e global. De acordo com
Boaventura (2010), devemos buscar um “conhecimento prudente para
uma vida decente”, e isso nos torna sujeitos do processo de construção
da aprendizagem. Apostamos em uma educação interdisciplinar dialo-
gal, levando-se em conta a intersubjetividade, trazendo para a constru-
ção do conhecimento o outro, compreendendo que o conhecimento
ocorre de forma coletiva, com respeito ao diferente, e reconhecendo que
este também me constrói. Acreditamos que a partir da construção, de
forma dialética, humanizadora, com o outro, possamos construir uma
sociedade em que a utopia seja uma constante.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Intersubjetividade. Diálogo.

Referências
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e
Terra, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
HENZ, C. I. Dialogando sobre as cinco dimensões para humanizar
a educação. 2012. Disponível em: https://gepffaccat.files.wordpress.
com/2012/10/dialogando-sobre-cinco-dimensc3b5es-para-rehumani-
zar-a-educac3a7c3a3o-celso-ilgo-henz.pdf.
ZITKOSKI, J. J. Horizontes da reformulação em educação popular.
Frederico Westphalen, RS: Uri, 2000.

996
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CONTRIBUIÇÕES FORMATIVAS DECORRENTES DA


PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO E DA EDUCAÇÃO COMO
PRÁTICA DE LIBERDADE: UM NOVO POSSÍVEL!

Kesley Carol de Carvalho


UFFS
kesleycarol2023@gmail.com

Maria Lucia Marocco Maraschin


UFFS
maria.maraschin@uffs.edu.br

Este resumo discute e apresenta algumas contribuições formativas


decorrentes de indicadores reflexivos que perpassam as obras freireanas:
“Pedagogia da indignação”, espreitando a inter-relação com a “Educação
como prática de liberdade”, tendo em vista a necessidade e a capacidade
da indignação, movida pela multiplicidade de movimentos, lutas sociais e
iniciativas ético/políticas que a corroboram e que se fazem necessárias no e
para o campo da educação integral, focada na formação crítica de sujeitos
e na cidadania plena. Nós nos aportamos no educador para esperançar,
ante a complexidade do vivido. A discussão em tela objetiva dar guarida
à importância das relações humanas e de humanização demandadas neste
espaço/contexto e lugar, atentando para a inconformidade que se faz ne-
cessária, diante do que ainda nos move, de modo a buscar novas maneiras
de significar e ressignificar nossas buscas formativas e informativas.
Metodologicamente, trata-se de um exercício de leitura individual
com discussão coletiva, efetivado em seminário temático, mediado pela
professora do componente curricular de Ação Pedagógica de Educação de
Jovens e Adultos, como possibilidade de repensar o processo formativo à
luz das contribuições do autor e as interfaces das indignações por ele apre-
sentadas, como esforços neste campo de interação: a conjuntura vigente.
Partindo do pressuposto de que a educação, em suas diversas in-
terfaces, referencia substancialmente o processo de humanização, e de
que esse, de acordo com Freire, se nutre da incompletude e do inaca-
997
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

bamento, destaca-se a necessidade de reconhecer os múltiplos desafios


postos, tendo em vista assumi-los como possibilidades reais para disse-
minar e mobilizar novos sentidos e significados para o fazer docente.
O fazer preconizado, mediado pelo processo de indignação, se confi-
gura em lutas, organizações e atuações, sinalizadas como constitutivas
de uma identidade pessoal e profissional comprometida e igualmente
transformadora, embora também comprometida com um devir que
não ocorre sem riscos.
Acessar os estudos e escritos de Freire, particularmente as obras
“Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas” (FREIRE, 2000) e
“Educação como prática da liberdade” (FREIRE, 1999), significou am-
pliar o lastro formativo, buscando, no diálogo com a organização fami-
liar, o reencontro com a concepção de disciplina, também eivada de
equívocos inerentes aos princípios da liberdade que norteiam a educa-
ção e suas conexões. O lugar das falas e o momento vivido caracterizam
o humano de um homem que fez de sua vida um constante processo
de humanização e de buscas, marcado por avanços, recuos e recomeços.
As tristezas anunciadas, as conquistas revolucionárias e as motivações
políticas desenharam e redesenharam sua caminhada, ainda real e ne-
cessária. Nos períodos históricos vividos neste país, como brasileiro, há
demonstração da sua não conformidade reiterada, expressa por suas lu-
tas e seus compromissos sociais – vide seu protagonismo na educação de
jovens e adultos, nos diversos movimentos populares, na grande marcha
nacional pela reforma agrária, e em suas reiteradas falas registradas em
livros, ações e incursões, dentre outras. O autor evidencia o valor da
vida e sua indignação perante a morte do indígena pataxó, elevando
as reflexões ante as liberdades ilimitadas de determinados grupos, que,
diante de seu poder econômico e social, coisificam pessoas, protagoni-
zando atrocidades. O desabafo, o apelo efetuado, clama para que situa-
ções dessa natureza não sejam silenciadas – outros aspectos, tais como
a colonização do Brasil, a dizimação de grupos indígenas (mortos na
época e na atualidade, pelos mais diversos e fúteis motivos, partindo de
uma “simples brincadeira” até o fato de aberturas de grandes extensões
de pastos dentro de territórios protegidos), a invasão de terras na busca
de minérios, a usurpação do direito dos povos nativos, dentre outros,
tais como as atuais dizimações pela pandemia do Coronavírus.
998
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

As reflexões e contribuições do autor sinalizam que a capacidade de


indignar-se é uma construção que deriva da busca, do envolvimento, do
comprometimento e da responsabilidade ética, igualmente construídos em
contraposição à massificação, à opressão e ao silenciamento desejados pela
elite dominante neste país. Suas buscas ancoraram-se no/nos lugar/es de
transição, pela participação, pela significação e ressignificação atentas da
história quando cenário de injustiças e de banalização da vida. Seus com-
promissos éticos vão muito além do saber ler e escrever, do alfabetizar e do
letrar-se; ancoram-se na convivência e na troca de experiências, na escuta
atenta à realidade e às necessidades dos sujeitos, tais como as destacadas na
obra “Educação como prática de liberdade”, por meio de exercícios e com-
portamentos críticos geradores de inconformidade, mobilizadores de novas
e constantes buscas, subsidiadas por descobertas e pelo acesso e pela apro-
priação de conhecimentos. Suas exemplificações acerca do debate e do fazer
oposição às injustiças requerem dar voz e vez àqueles excluídos e marginali-
zados, assumindo-os – e assumindo-se como sujeito nesta busca inacabada.
Outros aspectos, tais como a inseparabilidade da educação e da po-
lítica, a busca pela educação livre e conscientizadora, a criticidade como
construção, a responsabilidade social a partir das nossas escolhas, a de-
núncia e a contraposição à ditadura, dentre outras indicações que per-
passam as obras, demandam a aglutinação de esforços éticos, efetuados
por educadores e educandos para juntos aprenderem a problematizar, a
estabelecer relações dialógicas, advogando em favor da liberdade, contra
quaisquer resquícios de opressão – apelo feito pelo autor. A educação
popular, os movimentos sociais, os esforços coletivos em construção tra-
zem novos e atuais sentidos à formação do ser humano, caracterizando-se
como propostas pedagógicas inclusivas, as quais, mesmo que tenuamen-
te, recolocam o sujeito como protagonista, de modo que este compreenda
que é preciso estudar e compreender a história para dela participar. Se a
educação é ferramenta de transformação, a realidade é contexto, espaço,
lugar de ressignificação, de inserção e mudança possível.
Ainda, é meritório destacar a consciência crítica, a democracia,
a comunicação, o diálogo, a educação política e suas inseparabilidades
como influenciadoras nas/das nossas escolhas, uma vez que elas nos cons-
troem e nos (re)constroem cotidianamente, advogando, como nos diz
Freire, em favor da liberdade, contra quaisquer resquícios de opressão que
999
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

insistem em ressurgir. Assim, esse grande compromisso ético, a Educação


em suas múltiplas nuances, se torna a resposta para as situações que vi-
vemos, e das quais, de maneira atemporal, expõe as realidades vividas de
opressão e democracia frágil que se repetem ao longo da história. Há de
se destacar, outrossim, que a educação precisa assumir riscos, uma vez que
a indignação é fruto do pensar, do indagar, do avaliar e do autoavaliar, do
inferir propositivo, subsidiado pela tomada de decisão.
Para isso, acredita-se que é preciso denunciar as perspectivas que
abortam os sonhos, que sufocam a esperança, que silenciam o sofri-
mento humano, legitimando o individualismo, a soberba, a negação
da solidariedade e da coletividade. O compromisso com a curiosidade
epistemológica, com a busca, é possibilidade de intervenção ensinada e
aprendida como promotora do direito à vida, à liberdade. O exposto
evidencia o direito e o dever de se estar no mundo para nele intervir,
comprometendo-se com a sua construção e reconstrução.
Os apelos freireanos presentes nas obras restabelecem a necessi-
dade de atuação com desenvolvimento sistemático de ações coerentes,
mediadas pelas demandas vigentes, situadas entre os desafios circuns-
tanciais e cotidianos que circunscrevem a formação inicial. Temos, se-
gundo Freire, o direito e o dever de mudar o mundo. Em razão disso,
as problematizações continuam: Como podemos e devemos fazer isso?
Como exercermos o direito e o dever de estar no mundo e mudá-lo?
Como nos vemos nesse processo imersos em contradições? Como nossa
indignação subsiste e se materializa? Essas e algumas outras questões
marcam a “Pedagogia da indignação” e a “Educação como prática de
liberdade”, sinalizadas pelo autor.

Palavras-chave: Formação Inicial. Processos e Contextos Formativos.


Protagonismo Docente.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1999.
1000
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

MULHERES, TRABALHO E ALIMENTAÇÃO NO CAMPO:


AS EXPERIÊNCIAS NOS COLETIVOS DA ESCOLA FAMÍLIA
AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL – EFASC

Cristina Luisa Bencke Vergutz


Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
cristina.vergutz@gmail.com

Everton Luiz Simon


Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
evertonsimon@gmail.com

Bruna Caroline Borges


Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
bruna.car.borges@gmail.com

Suellym Pappim da Silva


Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
suellympappim@gmail.com

Este trabalho objetiva apresentar as experiências das mulheres e


alimentação, a partir da teoria da ação dialógica, proposta por Paulo
Freire, associando ao dia a dia dos coletivos de trabalho da Escola Famí-
lia Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC)1. A EFASC é uma escola do
campo que organiza sua proposta política na Pedagogia da Alternância,
atendendo a jovens filhos e filhas de agricultores e agricultoras familia-
res, da região do Vale do Rio Pardo, no estado do Rio Grande do Sul.
A alternância de espaço e tempo é organizada em sessões escolares e
1 Ao propormos pensar e trazer as experiências das mulheres, trabalho e alimentação
dentro do cotidiano dos coletivos de trabalhos da EFASC, partimos das observações
realizadas com o grupo de pesquisa Educação Popular, Metodologias Participativas e
Estudos Decoloniais, através da participação no projeto (Des)colonialidade do ser/po-
der/saber na Pedagogia da Alternância: sistematização de uma experiência. A agricul-
tura é território de relações produtivas e reprodutivas e, por isso, atribui características
próprias para homens e para mulheres em função das relações de poder.
1001
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

sessões familiares e comunitárias. A periodicidade de tempo é de uma


semana em cada sessão, sendo que, ao estarem no tempo e espaço da
sessão escolar, a dinâmica pedagógica se estrutura em diferentes espa-
ços, relacionando educação e trabalho, ou seja, compreendem-se como
espaços de ensinar e aprender a sala de aula, as áreas agrícolas, os dormi-
tórios, a cozinha, o refeitório, as áreas de lazer e esportes etc. Portanto,
espaços em que a dinâmica entre educação e trabalho se amplifica e se
materializa através de coletivos que são auto-organizados pelos/as estu-
dantes. E, ao assumir o trabalho enquanto valor social, executado pela
e com a coletividade, os/as estudantes participam dele para compreen-
der a essência da divisão do trabalho, ou seja, na lógica da aquisição e
compreensão de normas e técnicas, seguindo os caminhos do trabalho
socialmente útil para homens e mulheres (PISTRAK, 2000), o que,
para Freire (1982, 2011, 2018), está na manifestação cultural que se
constitui e transforma o/no mundo pelo “dizer sua palavra”.
Nas propriedades rurais, as mulheres desempenham papéis fun-
damentais, que não se limitam aos domésticos. Elas desempenham tra-
balhos na lavoura, sendo responsáveis por todo o processo de produção
de alimentos, desde os cuidados com as sementes crioulas, à produção
de mudas, cultivo, colheita, beneficiamento e armazenamento da semen-
te e/ou alimento para o consumo familiar. As atividades relacionadas ao
cuidado com os animais domésticos de corte (aves, suínos e bovinos) são
também realizadas por elas. Quanto à produção de alimentos, um con-
junto de saberes, práticas e técnicas é transmitido de geração para geração
através da relação educação e trabalho, configurando a prática reflexiva
do “saber da experiência feito”, proposto por Freire (2011). Esses saberes
e práticas distribuem-se nas mais diversas atividades: o abate de aves ao
corte adequado/indicado para preparo da ave (cortes de primeira para
serem assados, pedaços destinados à sopa, e os pedaços para a galinhada
em momentos especiais); o preparo da vaca para a ordenha, no processa-
mento adequado do leite, na decantação/repouso do leite para a feitura
da nata e na elaboração de queijos; na produção de pães, cucas, bolos e
biscoitos; no preparo e manejo da terra no quintal para o cultivo de legu-
mes, hortaliças e temperos para o consumo da/na família; e a transmissão
de saberes e de conhecimentos sobre o cultivo e a manutenção de chás e
óleos medicinais. Contudo, as atividades e saberes das mulheres não são
1002
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

reconhecidos e, por isso, não são valorizados como sendo trabalho produ-
tivo ou como conhecimento socialmente útil.
Como observado, os trabalhos das mulheres se materializam na ma-
nutenção da vida, ou seja, cabe a elas a execução dos trabalhos do cuidado
e domésticos. Entretanto, o direcionamento e a exaltação da forma de ser,
existir, estar e produzir é androcêntrico, heteressexual, branco e ocidental,
o que torna os trabalhos essenciais para a existência da humanidade por
menores, ou naturalizados como inerentes ao ser mulher. No entanto, são
elas que conhecem, planejam, administram as necessidades da vida dos/
das que as rodeiam. É o que Gebara (2015) identifica como as “episte-
mologias da vida ordinária”, uma vez que as mulheres vão construindo
conhecimentos nas relações de sua existência e nos cuidados com a vida,
ou seja, tudo aquilo que se faz presente na “cotidianidade epistemológica
não reconhecida pela ciência epistemológica” (GEBARA, 2015, p. 34).
A desvalorização desse trabalho se reflete também dentro das ati-
vidades pedagógicas realizadas na EFASC. As observações participantes
apontam uma desigualdade no momento de realização de atividades,
sejam elas “dentro da casa”, por exemplo, nos coletivos de limpeza, ou
“fora da casa”, como no coletivo da salada. Os homens automaticamen-
te se encaminham de forma autônoma para os trabalhos considerados
“pesados”, não necessariamente por terem força para desempenhar esses
trabalhos, mas, sim, por não terem a confiança para realizar atividades
domésticas. Isso mostra como a questão do patriarcado reflete nos co-
nhecimentos que são transmitidos para os homens e para as mulheres
dentro das propriedades, conforme o papel social esperado de acordo
com o gênero. Até mesmo quando os homens participam dos coletivos
de limpeza do espaço de convivência e do preparo da salada, eles espe-
ram que as mulheres tomem a frente e os direcionem para as funções,
porque a mulher é vista como a responsável por esse trabalho. Então,
podemos compreender que o papel das mulheres camponesas não se
limita aos trabalhos domésticos, elas desempenham um papel educacio-
nal, transmitindo saberes e conhecimentos da experiência popular, bem
como garantindo a sobrevivência e a (re)produção da vida. As mulheres
não nascem sabendo esses trabalhos, elas são ensinadas, geralmente, por
outras mulheres, que também aprenderam com mulheres e, assim, há
um processo histórico, de processos, de técnicas e de receitas, transmi-
1003
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tidos através da oralidade e da feitura, num encontro dialógico e peda-


gógico entre gerações.
Trazer para a visibilidade essa reprodução da divisão sexual do
trabalho dentro da EFASC dialoga com o que Freire (2011) chama de
“ad-mirar” o mundo, ou seja, molhado pela realidade, se afasta dela
para “ad-mirá-la” em sua globalidade, tomando distância para aproxi-
mar-se novamente, para criar e recriar conhecimentos. São apontamen-
tos que potencializam a reflexão e a recriação da materialidade da vida
das mulheres dentro da EFASC. Refletir sobre os coletivos de trabalhos
e gênero se apresenta como necessário na sua organização política peda-
gógica, e é coerente com a proposta educacional desta instituição que,
historicamente, se apresenta aberta para pesquisas sobre sua realidade,
se propondo a reinventar o legado metodológico e epistemológico de
Paulo Freire, tanto pelo seu vínculo histórico da relação trabalho e edu-
cação, quanto, principalmente, “pela sua essência pedagógica marcada
pelo diálogo e pela partilha do poder educativo na perspectiva da ho-
rizontalidade”, como identificaram Moretti e Vergutz (2018, p. 153).
Assim, é pelos caminhos de uma ação dialógica que Freire (2011) nos
indica: a co-laboração, a união e a síntese cultural se entrelaçam, no
sentido da dependência de todos e todas entre si e com a natureza,
criando e recriando as ações que dão sentido a esse trabalho, ao processo
de ensinar e aprender no e com os coletivos de trabalho, expressando
os diálogos, partilhas e trocas, presentes na cotidianidade pedagógica
da escola, em que “os sujeitos se encontram para a transformação do
mundo” (FREIRE, 2011, p. 227), em comunhão. Portanto, as expe-
riências das mulheres nos coletivos de trabalho indicam o quanto ações
dialógicas, marcadas pelos encontros entre os sujeitos, homens e mulhe-
res, mediatizados pelos trabalhos cotidianos da EFASC, apresentam-se
como denúncias do mundo para sua transformação, a partir e com o
movimento dialético de permanência e mudança: ou seja, de olhar e
refletir sobre a naturalização dos trabalhos, a partir da divisão sexual,
e buscar a possibilidade de construir ações, nesses coletivos, que sejam
transformadoras de si e do mundo.

Palavras-chave: Divisão Sexual do Trabalho. Saber da Experiência.


Epistemologia da Vida Ordinária.
1004
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
MORETTI, C. Z.; VERGUTZ, C. L. B. Paulo Freire e reinvenção
pedagógica nas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) no Rio Grande do
Sul. In: MORETTI, C. Z.; STRECK, D. R.; PITANO, S. C. (Orgs.).
Paulo Freire no Rio Grande do Sul: legado e reinvenção. Caxias do
Sul: EDUCS, 2018. Pp. 133-156.
PISTRAK, M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Ex-
pressão Popular, 2000.
GEBARA, I. As epistemologias teológicas e suas consequências. In:
NEUENFELDT, E.; BERGESCH, K.; PARLOW, M. (Orgs.). Episte-
mologia, violência e sexualidade: Olhares do II Congresso Latino-
-Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2015.

1005
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO E TRABALHO EM TEMPOS DE COVID-19:


DIÁLOGOS ENTRE FREIRE, SAVIANI E LIPOVETSKY

William Pollnow
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
pollnowwilliam@gmail.com

Morgana Pereira da Costa


Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
morganapcosta@gmail.com

Esperançar e acreditar em uma sociedade que vivencie a interação


social é fundamental. Hoje, sabemos da ansiedade que nos aflige, prin-
cipalmente pelo fato de que estamos experienciando, há mais de um
ano, a pandemia ocasionada pela COVID-19, declarada oficialmente
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020. Sem
dúvidas, é um momento muito delicado, que nos forçou a transformar
o nosso olhar e a nossa prática, tanto para a educação, quanto para o
trabalho, especialmente aos que vivenciam o ambiente escolar. E, em
meio ao medo e à angústia, foi necessária uma articulação conjunta so-
bre como utilizar o ensino remoto para integrar a educação e o trabalho
em um ambiente tão diferenciado e novo para muitos.
Entende-se que esses dois temas merecem atenção, frente à
situação na qual nos encontramos, e os trataremos como o escopo
de discussão nesta produção. O objetivo aqui é retomar alguns con-
ceitos e problematizá-los, trazendo para a discussão e o diálogo três
teóricos fundamentais, sendo eles: Paulo Freire (1967), por meio
de sua obra Educação como Prática da Liberdade; Demerval Savia-
ni (2007), através do seu artigo Trabalho e Educação: fundamentos
históricos e ontológicos; e Gilles Lipovetsky (2004), a partir de sua
obra Os Tempos Hipermodernos, as características da sociedade atual.
Através desse embasamento teórico, fez-se possível colocar foco nos
conceitos de trabalho e de educação e relacioná-los às mudanças
1007
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

contemporâneas nas quais vivemos, compreendendo, assim, o papel


do/da educador/a na sociedade.
Assim, iniciamos refletindo sobre o termo cunhado por Lipovet-
sky (2004), que sugere o conceito de sociedade hipermoderna1. Esse
novo paradigma seria, de certo modo, uma exigência imposta pelo ca-
pitalismo. As relações sociais vêm sofrendo mudanças ao longo das úl-
timas décadas, principalmente por conta da aceleração do tempo. No
final do século XX e início do século XXI, essa mudança fica ainda mais
evidenciada. Se tomarmos o trabalho como exemplo, observamos que
ele exige cada vez menos o saber manual, aquele aprendido de geração
em geração. Hoje, é necessário um saber intelectualizado, indispensável
nas ações de comando das infinitas máquinas que operacionalizam o
sistema capitalista (LIPOVETSKY, 2004). Na sociedade hipermoder-
na, na maioria das situações, a educação não considera o saber coletivo
e despreza, em muitos casos, a sabedoria popular. Essa monocultura do
saber exclui uma riqueza de conhecimentos fundamentais para a vida
coletiva, tornando-se, hoje, motivo de resistência. A sabedoria popu-
lar, conhecimento empírico, é tão relevante para a sociedade quanto
o conhecimento científico, pois ele dá sentido à vida e jamais pode
ser considerado sem valor. Enquanto Freire (1967, p. 93) afirma que
há a necessidade de “uma educação que levasse o homem a uma nova
postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço. A da inti-
midade com eles. A da pesquisa ao invés da mera, perigosa e enfadonha
repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas condições
mesmas de vida”, a educação e o trabalho são motivos de preocupação
na sociedade hipermoderna. Embora Saviani (2007) sustente que ocor-
re uma dicotomia entre trabalho e educação, ele reafirma que a educa-
ção por meio do trabalho não deixou de existir. Ela passa a ocorrer de
forma paralela, assumindo uma dupla identidade. Desse modo, Saviani
(2007, p. 157) refere que “de um lado, continuamos a ter, no caso
do trabalho manual, uma educação que se realiza concomitantemente
ao próprio processo de trabalho. De outro lado, passamos a ter uma
educação de tipo escolar destinada à educação para o trabalho intelec-

1 Segundo Lipovetsky (2004, p. 57) “Na Hipermodernidade, não há escolha, não há


alternativa, senão evoluir, acelerar para não ser ultrapassado pela ‘evolução’: o culto da
modernização técnica prevaleceu sobre a glorificação dos fins e dos ideais.”
1008
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tual”. Posto isso, Lipovetsky (2004 p. 52) ressalta que “no momento em
que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal, e os direitos
humanos, o rótulo de pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado a
capacidade de exprimir o mundo que se anuncia”. Hoje, estamos fada-
dos ao isolamento social, inclusive impedidos de vivenciar a rotina de
trabalho e de troca com os demais.
Assim, evidenciamos que a individualidade, que já se fazia pre-
sente na sociedade hipermoderna, ganha novo apoio com a interrupção
das relações sociais. O trabalho remoto, que tem suas vantagens, tam-
bém aguça a reflexão quanto aos problemas da não convivência com o
coletivo. Há uma preocupação da sociedade hipermoderna de se evi-
tar, segundo Saviani (2007, p. 162), que “os trabalhadores caiam na
passividade intelectual”. Muitas foram as aprendizagens e os desafios
enfrentados na área da educação devido à necessidade de o trabalho
ser realizado na modalidade de ensino remoto. Percebemos o quanto
a socialização, a partilha e a troca são elementos importantes para que
possamos esperançar em um futuro mais digno e equânime. Nessa pers-
pectiva, Freire (1996, p. 12) nos traz, especialmente, a reflexão de que
“foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens
descobriram que era possível ensinar [...]”. Assim, as mudanças impos-
tas e necessárias, emergem da necessidade de um olhar mais valoroso
para o trabalho realizado pelos/as educadores/as e mais compreensivo às
atividades desenvolvidas pelos educandos/as, de modo a contribuir com
a formação humana, direito de todos/as e condição para a democracia.
Embora estejamos vivendo a era da hipermodernidade, sabemos que a
educação ainda se esmera na busca pelas tecnologias como mediação,
principalmente com a abordagem do ensino remoto. Uma das grandes
preocupações é que o distanciamento social e a dificuldade de contato
e interações não tornem o ensino ainda mais distante da realidade dos/
as educandos/as. A preocupação em ofertar atividades é relevante, mas,
além disso, priorizar as habilidades voltadas para a interação social são
ainda mais – entendimento esse que merece uma reflexão, pois sabemos
que a reprodução de atividades e exercícios pode oportunizar apenas
uma educação bancária. É nesse sentido que devemos lutar contra uma
democracia “sob um olhar de direita”, como afirma Saviani (2010, p.
21), pois, para ele, “a democracia que se imagina, por essa via, é uma
1009
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

democracia desvinculada de sua natureza coletiva. Desvinculada de sua


criação cultural de direito [...]”.
Desse modo, educação e trabalho precisam estar alinhados na
tentativa de romper com a alienação imposta pelo capitalismo. Preci-
samos de uma sociedade que valorize os saberes empíricos, mesmo vi-
venciando a hipermodernidade. Desejamos que a educação e o trabalho
possam continuar entrelaçadas, priorizando as relações sociais e resga-
tando a essência do coletivo e da humanização, mesmo experienciando
uma sociedade individualizada.

Palavras-chave: Educação. Trabalho. Sociedade.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
LIPOVETSKY, G. S. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barca-
rolla, 2004.
SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históri-
cos. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, pp. 152-180, 2007.
SAVIANI, D. Educação para o século XXI (Diálogos com Paulo Freire
e Adriano Nogueira). In: SAVIANI, D. Interlocuções pedagógicas:
conversas com Paulo Freire e Adriano Nogueira e 30 entrevistas so-
bre a educação. Campinas: Autores Associados, 2010.

1010
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ENCONTROS E DESENCONTROS: O PLANEJAMENTO E O USO


DA TECNOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Fernanda Herbertz
Faculdade Dom Alberto
nandaherbertz@gmail.com

Elisete Regina Groff


Faculdade Dom Alberto
elisetergw@gmail.com

Delci Cleonice Bender


Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
delcibender.c@gmail.com

William Pollnow
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
pollnowwilliam@gmail.com

Tanto para os professores como para os estudantes, que estão viven-


ciando qualquer das etapas da Educação Básica, os primeiros dias letivos
têm grande relevância para o processo de construção do conhecimento.
É nesse período – não somente nele, mas essencialmente – que os profes-
sores conhecem suas turmas, assim como os estudantes são apresentados
aos professores e colegas; um período complexo, mas também primordial
para ambos. Essa fase é ainda mais desafiadora para docentes, discentes e
famílias, considerando que esse será o primeiro contato que as crianças te-
rão com o ambiente escolar. Porém, com o atual cenário em que vivemos,
provocado pela pandemia de COVID-19, essa aproximação não pôde ser
realizada, prejudicando um dos principais eixos dessa etapa, que são as
interações indispensáveis para o desenvolvimento dos estudantes.
Sabemos que a integração entre família e escola não é tarefa simples,
mas é necessária, conforme reafirmam Polonia e Dessen (2005, p. 310):
1011
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A integração do ambiente escolar e familiar não é


uma tarefa fácil e não deve ser encarada de forma
amadora ou “idealística”. Urge que dados empíri-
cos sejam gerados, permitindo a identificação de
fatores que facilitam ou dificultam esta interação.

São diversos os desencontros impostos durante essa situação pan-


dêmica. Apesar de o ano anterior ter sido de intensas aprendizagens
relacionadas a essa nova realidade na qual vivemos, 2021 não tem sido
diferente. Os docentes, em sua maioria, estão se adaptando a esse novo
cenário, embora se preparassem para um início letivo no sistema hí-
brido; no entanto, devido ao agravamento da situação no estado do
Rio Grande do Sul, assim como em outras partes do Brasil, a situação
exigiu que o retorno permanecesse no sistema remoto. Sendo assim,
esta produção tem por objetivo refletir acerca da importância da prática
docente e a relevância da interação social, possibilitada pelo uso das
tecnologias. Para tal, esta discussão apoia-se na metodologia freireana,
assim como em outros autores que discutem a importância do vínculo e
da interação social, preservando o contato entre professor-aluno.
Sabemos das inúmeras dificuldades enfrentadas pelas instituições
de ensino no Brasil, principalmente por aquelas mais distantes dos cen-
tros urbanos, e que possuem um acesso restrito aos meios digitais, difi-
cultando o planejamento e o contato com os estudantes. Esse problema
pode comprometer diretamente o aprendizado, pois impede que o pro-
fessor conheça seu estudante, não compreendendo o meio em que ele
está inserido. Conhecer o estudante e sua realidade é parte fundamental
para um aprendizado efetivo, segundo Freire (1997, p. 53): “Procurar co-
nhecer a realidade em que vivem nossos alunos é um dever que a prática
educativa nos impõe: sem isso não temos acesso à maneira como pensam,
dificilmente então podemos perceber o que sabem e como sabem”.
Entendemos que, para a construção de conhecimentos significati-
vos, compreender a realidade e as características dos estudantes é essen-
cial. Sendo esses reconhecimentos, muitas vezes, um desafio em tempos
considerados normais, com a atual situação a dificuldade é ainda maior,
pois ficamos impedidos de estabelecer o vínculo e conhecer seu modo
de viver e pensar. É necessário lembrar que a educação pressupõe o
encontro, como afirma Freire (1996). Para ele, não existe docência sem
1012
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

discência, considerando que o ensinar não é uma ação que se constrói


sozinho: é um processo conjunto, realizado pelos sujeitos participantes,
através da troca de saberes, na socialização que esse encontro propicia.
Assim, emerge o questionamento: como promover o encontro e forta-
lecer os vínculos no ensino remoto?
Ao refletirmos sobre os processos educacionais nesse modelo, per-
cebemos que os professores precisam ter grande empenho para não se
restringirem à educação bancária, tão criticada por Freire (2003) e por
todos aqueles educadores que entendem o aprendizado como uma cons-
trução dialógica, em que o estudante é sujeito ativo e não apenas receptor
de conteúdo transmitido. Essa deve ser uma questão de muita reflexão
para o professor. Elaborar o plano ou a estratégia requer cuidados, pois
“A tarefa escolar viralizou como um placebo pedagógico com o intento
de compensar o tempo das aulas presenciais e garantir a aprendizagem de
conteúdos (...)” (BARRETO, FONTANA, 2020, p. 1).
Nesse sentido, ponderamos que os profissionais da educação e
as famílias, em sua grande maioria, estão se esmerando para encontrar
uma forma de fazer uma educação com sentido e significado, apesar das
limitações impostas pelo modelo remoto. Entretanto, há um elemento
que não conseguimos substituir à altura: o contato presencial. Esse con-
tato é fundamental. É indispensável a convivência escolar e,

Acima de tudo, a experiência deve ser social. Sem


a qualidade social, a experiência será pobre e es-
treita. (...) Na boa escola, os alunos compartilham
experiências; juntam-se em uma atividade com
propósito pedagógico; às vezes sentem o choque
entre os propósitos opostos, mas, na maioria das
vezes, compartilham objetivos comuns (KILPA-
TRICK, 2011, p. 106).

Agora, em 2021, a preocupação está voltada para o processo


de ensino-aprendizagem. O foco está no desenvolvimento das habi-
lidades e competências e, de maneira especial, em formar e/ou man-
ter esse vínculo entre os envolvidos. Esse fato requer do docente um
movimento em busca de novos conhecimentos tecnológicos, os quais
permitam uma aproximação entre professor e estudante, mesmo que
1013
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de forma virtual. Sem essa experiência, sem esse encontro em sala de


aula, há uma lacuna no percurso pedagógico. Embora visualizemos
um movimento por parte da classe docente em busca de atualiza-
ção e incorporação das tecnologias em suas práticas, o que também
é indispensável para a elaboração de um bom plano, o vínculo entre
professor-aluno não ocorrerá para muitos estudantes, motivo esse de
extrema preocupação para nós, docentes.
Sem dúvida, as mudanças foram marcantes na vida de todos, e
não podemos deixar de pensar no quanto isso pode ter impactado a vida
de nossos estudantes, tanto no processo de ensino-aprendizado, como
no convívio social. Para nós, professores, também não tem sido fácil,
mas a adaptação faz parte do processo de construção do conhecimento.
Mais do que nunca, precisamos reconhecer a união família-escola e as
possibilidades que surgem mesmo durante o ensino remoto. O impor-
tante é manter esse contato, mesmo que por atividades impressas, sendo
essa a única oportunidade de preservar o vínculo com os estudantes.
Sabemos que, talvez, a atividade remota não atinja o estudante em sua
plenitude e não desenvolva todas as habilidades e competências neces-
sárias, mas vemos como a única opção para este momento.

Palavras-chave: Ensino Remoto. Planejamento. Vínculo.

1014
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BARRETO, S. M. Q.; FONTANA, M. I. Tarefa escolar como prática
pedagógica. In: XIII Reunião Científica da ANPEd-Sul. 2020.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho d’água, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KILPATRICK, W. H. Educação para uma sociedade em transforma-
ção. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
POLONIA, A. C.; DESSEN, M. A. Em busca de uma compreensão
das relações entre família escola. Psicologia escolar e Educação, v. 9,
n. 2, pp. 303-312, 2005.

1015
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PARQUES ECOLÓGICOS URBANOS COMO POSSIBILIDADE


DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES AMBIENTAIS EM BUSCA
DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA A PARTIR DE AÇÕES
CONCRETAS COM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Adalberto Freire da Silva


Prefeitura Municipal de Catuípe - RS
adal.freire@terra.com.br

O presente resumo expandido tem, como objeto de estudo, as


possibilidades de formação de educadores ambientais em um parque
ecológico urbano na cidade de Ijuí, RS, chamado Parque da Pedreira,
trazendo para a discussão a perspectiva de Paulo Freire.
Como professor de Ciências na escola pública, percebi que estava
despreparado para desenvolver atividades relativas à Educação Ambien-
tal (EA), e acredito que a principal deficiência estava na falta de forma-
ção continuada. Isso não é incomum, já que, ao longo da trajetória da
EA no Brasil, a maioria dos professores envolveu-se nas discussões e na
elaboração de propostas pedagógicas tangentes a essa temática, numa
perspectiva cidadã. No entanto, há ainda muita dificuldade para tornar
a EA um processo coletivo e permanente, e, quanto ao tema, muitos
educadores precisam buscar a superação de seus próprios entraves, en-
quanto agentes transformadores da sociedade.
O objetivo principal deste trabalho é abordar a EA numa pers-
pectiva de formação continuada de professores da rede pública muni-
cipal de Ijuí, construindo coletivamente métodos e estratégias pedagó-
gicas, utilizando o Parque da Pedreira como um ambiente natural para
discussões e práticas, visando à transformação social.
A metodologia que utilizo aqui parte, primeiramente, de um res-
gate histórico da construção do Parque da Pedreira, buscando a memória
viva, documentos oficiais do Executivo Municipal, artigos em periódicos
nacionais, além de sítios institucionais. Ou seja, pesquisa bibliográfica,
com base na concepção de Köche (1997), o qual enfatiza que a essa ati-
vidade serve para conhecer e analisar as principais contribuições teóricas
existentes sobre um determinado tema ou problema. Portanto, indo além
1017
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da pesquisa sobre o Parque da Pedreira (do qual tive o privilégio de parti-


cipar de todo o processo de construção e, portanto, reforço a importância
de ali se tornar um espaço de EA), realizei um estudo bibliográfico com
o objetivo de perceber e discutir as concepções empíricas da formação de
Educadores Ambientais em um parque urbano.
Diante disso, acredito que é viável trabalhar a EA utilizando par-
ques urbanos como espaço de envolvimento das pessoas em discussões
e práticas que apontem à transformação da realidade. Indo além disso,
destaco a necessidade de promover um percurso formativo em EA para
os professores, com atividades pedagógicas, em um parque urbano –
e, nesse caso, cito como espaço ideal o Parque da Pedreira. Trabalhar
nessa perspectiva requer que os envolvidos no processo, principalmente
os professores, a compreendam como um ato político voltado para a
transformação social.
Ao trabalhar com a temática da EA, integrada ao Parque da Pe-
dreira, espera-se fomentar a prática de ações ambientais e provocar, de
forma indireta, as pessoas a conhecerem, compreenderem e participa-
rem das atividades de gestão, assumindo postura de protagonistas, na
busca de soluções à problemática ambiental. Ou seja, a EA exige que o
educador proponha técnicas e metodologias de aprendizagens, utilizan-
do instrumentos e recursos de apoio que contribuam para o educando
extrapolar sua capacidade de compreender as teorias científicas, para
além do espaço físico da escola/sala de aula.
Freire (1991) reforça a ideia de que a educação precisa ser aborda-
da de forma a compreender o mundo e a natureza a partir das estruturas
social, política e cultural. Podemos dizer que a EA assume uma função
importante na mediação entre culturas, saberes, comportamentos dife-
renciados e interesses de grupos sociais, para realizar as transformações
necessárias na promoção de um desenvolvimento com maior sustenta-
bilidade. Freire (2007, p. 145) ainda afirma que “é importante nos dias
de hoje projetar sociedades mais sustentáveis, onde os interesses da co-
munidade se sobreponham aos interesses individuais”, por isso, o meio
ambiente deve ser entendido como responsabilidade de todos, e a EA,
praticada de forma coletiva – ou seja, com a participação da sociedade,
nos trará mais chance de encontrar alternativas na solução dos proble-
mas ambientais. Por conta disso, há urgência por um processo contínuo
1018
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

e permanente de formação de educadores ambientais, com o objetivo


de qualificar a prática pedagógica, embasada na conexão da EA com a
realidade concreta dos educandos.
A formação dos educadores comporta tanto a dimensão pessoal
como profissional do sujeito e envolve um processo de desenvolvimento
permanente, no qual entra em jogo uma trama de diferentes fatores, entre
eles, o percurso formativo. Este depende do envolvimento e do com-
promisso não só por parte dos professores, mas também dos gestores e
formadores (DICKMANN, 2017). Entende-se que nenhuma ação for-
mativa se efetiva sem a disponibilidade dos atores envolvidos, por isso,
podemos afirmar que a EA concretizar-se-á no âmbito escolar quando os
professores se assumirem enquanto educadores ambientais e se desafia-
rem a participar de processos formativos individuais e coletivos.
As mudanças comportamentais iniciadas nos últimos 30 anos re-
vigoraram o uso dos parques, ao aglutinar novos significados ao lazer e à
recreação ao ar livre. Dentre as possíveis formas de encontrar o equilíbrio
entre o processo de urbanização contemporâneo e a preservação do meio
ambiente, o parque público ecológico surge com novos contornos cultu-
rais e estéticos, desenhando o perfil, o entorno e as identidades, devendo
ser encarado nos seus diferentes tempos, funções e usos. Nessa perspec-
tiva, abordar a EA, partindo da ideia de que o Parque da Pedreira é um
espaço natural de construção de conhecimentos, significa dar subsídios
para que o indivíduo se construa como sujeito de suas ações individuais e
coletivas. Nesse processo, o professor precisa entender as teorias que estão
presentes na natureza, cuja epistemologia pode afetar sua atuação em sala
de aula, e, dependendo de como essas relações epistemológicas interferem
na prática educativa, pode contribuir para que o estudante construa sua
visão sobre ciências (MATTHEWS, 1994). Vale ressaltar que Freire ex-
plica que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção (FREIRE, 1996).
Então, podemos afirmar que a EA não significa somente enfa-
tizar o conhecimento científico e tecnológico. A Educação Ambiental
precisa também formar cidadãos que sejam capazes de buscar soluções
para os problemas sociais, presentes no seu cotidiano, sem a necessidade
de memorizar conceitos científicos prontos e acabados. Quanto a isso,
faz-se necessário um ensino que desafie os alunos a desenvolverem a ca-
1019
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pacidade de enxergar os fenômenos científicos que acontecem nas mais


variadas situações reais, que se apresentam em constante transformação.
É possível dizer, portanto, que há possibilidades efetivas de o Parque da
Pedreira oferecer condições favoráveis para uma EA que possa provocar
um olhar crítico à cidade. Esse processo seria também uma busca por
envolver diversos atores sociais, através de ações coletivas, no sentido de
proporcionar transformação social. Sem dúvida, esse trabalho, integra-
do àquele espaço, reforçaria o processo de conscientização, através de
um trabalho coletivo, possibilitando, a partir do diálogo, a construção
da autonomia política.

Palavras-chave: Educação Ambiental Crítica. Formação de Educadores


Ambientais. Educação Ambiental em Parques Urbanos.

Referências
DICKMANN, I. Pedagogia da (in)disciplina ambiental: desafios po-
lítico-pedagógicos na formação de educadores ambientais no ensino
superior. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental
– Edição especial XVI Encontro Paranaense de EA, pp. 55-70, 2017.
FREIRE, A. M. Educação para a Sustentabilidade: Implicações para o
currículo escolar e para a formação de professores. Revista Pesquisa em
Educação Ambiental, v. 2, n. 1, pp. 141-154, 2007.
FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
KÖCHE, J. C. Fundamentos de metodologia científica: teoria da
ciência e prática da pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1997.

1020
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CONSCIÊNCIA E REVOLUÇÃO EM PAULO FREIRE

João Felipe Nascimento Francisco


Universidade São Francisco – USF- campus Itatiba/SP
jfcps@terra.com.br

O presente estudo é fruto de término de disciplina de Mestra-


do em Educação, cujo objetivo foi o estudo da obra “Pedagogia do
oprimido”, de Paulo Freire, sob a ótica ampliada de diversos autores e
estudiosos do autor dessa clássica obra, de seus conceitos e métodos.
De suma importância é o referido estudo, ainda mais neste momento
histórico em que detratores de Paulo Freire emergem para culpabili-
zá-lo dos problemas educacionais em nosso país. Neste breve resumo,
o objetivo é trazer à tona como Freire compreende e interliga, em
suas obras, a questão da conscientização do povo para o alcance do
processo revolucionário e os significados desses conceitos, a partir da
leitura da obra citada e de referenciais citados pelo próprio autor que,
notadamente, retorna com grande destaque nacional, tendo em vista
o tortuoso e míope debate acerca de sua obra e de seu modo de pensar
o mundo, a educação, a sociedade e a vida.
Freire (1974) traz em sua obra que “a consciência é essa misteriosa
e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas
para fazê-las presentes, imediatamente presentes”, ou seja, a capacidade
humana de compreender a realidade objetiva que se apresenta e nela con-
seguir verificar o todo do acontecimento, distanciando-se dos problemas
presentes para a análise de uma compreensão social, ampla e realista. To-
davia, essa consciência ou esse despertar consciente, que poderia levar
ao processo de modificação do mundo e promover um processo revolu-
cionário, só ocorre, segundo o autor, com muito diálogo democrático,
debate, compreensão social, econômica, política e cultural.
Importante ainda destacar que Freire compreende que a cons-
ciência humana é sempre aberta para evoluir, compreender e dialogar,
1021
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

por isso, destaca, em sua obra “Educação como prática da liberdade”,


três momentos de consciência humana: o primeiro momento é o da
chamada consciência intransitiva, na qual, para Freire, o humano está
em condição tão imersa na sua realidade que não consegue ou possui,
naquele momento, condições objetivas de compreensão da realidade,
sendo possível comparar esse momento do “consciente humano” ao
lumpesinato, que, na teoria marxista, seria aquele proletariado que,
em condições de miséria, centraliza sua luta e sua consciência apenas
na sua própria sobrevivência física. Evidentemente, tal comparação se
faz de modo linear e sem aprofundamento das duas teorias. Ao supe-
rar a consciência intransitiva, Freire categoriza a consciência transitiva
ingênua, em que o humano consegue perceber as contradições sociais,
porém, atribui essas situações adversas aos poderes imaginários ou di-
vinos, em uma mistura de comodismo realista com uma fé de que a
vida tem de ser dessa forma, uma espécie de “culpabilização divina”
diante do processo histórico diverso que ocorre diantes de seus pró-
prios olhos, uma inércia de atuação, uma consciência tomada pela
resignação da vida e de suas dificuldades quase imutáveis. Ousaria
comparar, novamente, esse momento com a crítica sobre as religiões,
na conhecida frase de que seria a “religião o ópio do povo”. Por fim,
para Freire, o homem e sua consciência sempre estão abertos e infi-
nitos ao avanço do despertar a novos saberes e novos conhecimentos,
e a elevação da consciência social seria alcançada com muito diálogo,
debate e um processo amplo de formar e educar. Esse processo po-
deria elevar o humano para o despertar da consciência crítica que, já
identificando os problemas e as contradições sociais, estaria engajada
social e politicamente para a ação de transformar o mundo e, por
consequência, revolucionar o mundo e a ordem vigente, opressora,
que nele se encontra.
Todavia, essa alteração revolucionária, para Freire, não viria
através da revolução armada, conforme vimos no início do sécu-
lo XX, nos processos revolucionários de tentativa de construção
do socialismo, por exemplo, na Rússia (posterior União Soviéti-
ca), em Cuba, no Vietnã, entre outros processos revolucionários de
luta armada que ocorreram no mundo naquele período histórico.
Freire compreende que só é possível a revolução com a tomada da
1022
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

consciência crítica, conforme apontamos. Consciência e revolução,


para Freire, estão intrinsecamente ligadas, pois a consciência eleva
o homem para a liberdade de pensamento, evitando-se, assim, que
mesmo os processos revolucionários se confundam com uma nova
forma de oprimir, alterando-se assim o detentor da opressão e ini-
ciando um novo modelo de relação opressor e oprimido. Compreen-
do que, para o autor, não basta um levante revolucionário, sem o
alcance real da consciência dos atuais oprimidos e opressores, para
que, de fato, se construa e se constitua uma nova sociedade livre e
consciente; essa elevação da consciência só é possível diante de um
processo revolucionário de debate, diálogo e, obviamente, de uma
educação libertadora, em que teoria e prática se conjugam e se ele-
vam para a busca de um novo ser humano e, consequentemente, um
novo homem. Não por acaso, Freire indica que “a liderança revolu-
cionária não pode ser bancária”, o que significa dizer que a conquista
do processo revolucionário exige a tomada plena de consciência dos
indivíduos para o alcance de uma nova sociedade.
Na obra “Dicionário de Paulo Freire”, Crawford e Mclaren
(2010) nos trazem alguns elementos importantes para compreender
o que seria revolução para Freire, e iniciam consolidando que a força
revolucionária, para ele, não está, necessária ou prioritariamente, na
força física – está, sim, no amor e na esperança de modificar o mundo
através da tomada de consciência, que faria o humano livre e liberto
de suas amarras de consciência para almejar alterar o mundo e a rea-
lidade objetiva, para libertar os homens dos jugos e opressões físicas
que se impõem em determinados momentos históricos. A consciên-
cia, para Freire, se torna papel e condição centrais para a realização
de um processo revolucionário sem amarras e sem possibilidades de
novas opressões, por isso, remete-se à citação (anteriormente trazida)
sobre a necessidade de o líder revolucionário não ser um líder bancá-
rio, pois envolver as massas, para sair de uma consciência intransitiva
em direção de uma consciência crítica, exige a capacidade das lide-
ranças revolucionárias de dialogar humildemente, e de compreender
a realidade de todos para fazê-los também compreenderem a opressão
que estamos vivenciando, para a superação dessa realidade. O conven-
cimento pleno para a mudança social só é possível com a elevação da
1023
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

capacidade de compreensão crítica do mundo, ou seja, a consciência


crítica para compreender e agir, logo, não existe revolução, para Frei-
re, sem reflexão e ação – e só haverá ação com a conscientização de
todos, dialogicamente.
Outro fator determinante para a compreensão e o entendimen-
to da revolução e consciência em Freire está no “amor ao mundo”. É
também o amor ao mundo, à humanidade que fará a reflexão se con-
verter em ação. A necessidade de se mudar a sociedade e o mundo em
que se vive não é apenas uma inspiração individual de melhora econô-
mica, de condições objetivas; é, sim, antes de tudo, um amor para que
um novo mundo floresça, e que os homens e as mulheres tenham, em
sua passagem terrena, uma vida digna, um mundo novo e melhor para
se viver. O amor ao mundo, amor à humanidade e o amor ao próximo
são o viés, inclusive, para que, de modo humilde e fraterno, se dia-
logue com todos de modo igual, e se tenha a capacidade de entender
e compreender as diversas realidades, histórias e entendimentos de
todos os setores sociais que estão oprimidos em suas realidades obje-
tivas locais. Somente com o amor na humanidade e com a convicção
consciente é possível mudar o mundo, e é o que se busca através dos
diálogos e de uma educação transformadora: o alcance da consciência
para a reflexão e a ação revolucionária.
Em apertada síntese, nota-se que os conceitos freireanos e
suas definições são extensos, complexos e todos interligados – a
humildade, o amor ao mundo, a consciência e a conscientização,
o processo revolucionário e a consequente revolução estão todos
dependentes da ação humana, da reflexão e da ação educadora do
homem para o homem. Aqui, por educadora devemos compreender
não somente a chamada educação escolar, seja ela bancária ou não,
mas também a educação para o mundo, a educação consciente, hu-
milde, dialógica e debatedora, nas suas mais diversas formas de ser
realizada e integralizada. Educar, conhecer, compreender, dialogar,
amar o mundo e a humanidade são objetivos e objetos da reflexão
e da ação para a transitoriedade da capacidade de se conscientizar
e modificar as realidades. A esperança de um mundo melhor e a
esperança de transformar a realidade são os combustíveis da huma-
nidade para as novas realizações.
1024
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Por fim, compreendo que, para Freire, a revolução é fruto desse


amor consciente pelo mundo e pela humanidade, acompanhado da
humildade de conhecer e reconhecer, de refletir e de agir, buscando
superar as opressões sociais, culturais, econômicas e políticas, na cons-
trução de um mundo mais justo e igualitário para todos e todas.

Palavras-chave: Consciência. Revolução. Pensamento.

1025
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referência
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.

1026
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ESPERANÇA ANDARILHA NAS RUAS


DE UM PORTO NÃO TÃO ALEGRE

Larissa Silva Jorge


Rede Nacional Criança Não é de Rua
larissasj84@gmail.com

Paulina dos Santos Gonçalves


PPGEDU/UFRGS
paulinasanto@gmail.com

Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro


Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”
(Belchior)1.

Ao estimado Professor Paulo Freire:

Uma carta simboliza o conjunto das coisas pensadas e sentidas,


do tempo dedicado para sistematizar as ideias e os sentimentos, em sin-
tonia com o destinatário. Lembra também os tempos, antes da telefonia
mais acessível e da internet, quando as cartas eram, para quem morava
longe dos seus, um afago em forma de papel. Então, nossa carta é uma
forma de comunicação, todavia, com intenção pedagógica.
Iniciamos dando notícias da rua, das andanças da educação social
de rua, com suas raízes freireanas. Na sequência, provocadas por uma
reflexão tua para educadores de rua, problematizaremos o cotidiano e,
na última parte, compartilharemos contigo achados de nossas práticas
que consideramos relevantes na construção de caminhos de esperança.
Almejamos compartilhar aprendizados: aprendizados das anda-
rilhagens na capital gaúcha, Porto não tão Alegre para as pessoas em
situação de rua. Desse modo, entendemos rua na perspectiva da educa-
ção social de rua (ESR). Esta, entendemos como “uma proposta peda-

1 https://www.letras.mus.br/belchior/344922/ SUJEITO DE SORTE


1027
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

gógica, educadora, política e promotora de direitos, que objetiva cons-


truir e manter vínculo de cuidado” com pessoas em situação de rua e,
para isso, se utiliza de “ferramentas pedagógicas, sociais, institucionais e
conexões estabelecidas no meio comunitário, que apoiem e fortaleçam
a inclusão social deste público”2 (CONANDA, 2017, p. 50).
Por essa razão, as autoras desta missiva somos mulheres, periféri-
cas e negras, participantes de coletivos inspirados em tuas pedagogias e
de outros pensadores em educação popular. Também somos trabalha-
doras das políticas públicas, ativistas, pesquisadoras e, sobretudo, edu-
cadoras que têm seus pés situados nos tempos vividos entre pessoas em
situação de rua.
Frei Beto cunhou a frase: “A cabeça pensa onde os pés pisam”
(2001, p. 23), como princípio epistemológico do teu pensamento, que
tem marcado nossas trajetórias. Falamos contigo imersas em um tempo
desafiador, talvez o mais difícil da humanidade. Em pleno surto de co-
ronavírus e num surto ainda maior de desesperança e ódio, assistimos à
volta dos monstros do ódio, da intolerância, contra os quais lutaste. Hoje,
não temos exército de reserva mas, sim, uma maré humana excluída das
benesses do capital e da tecnologia. Contingentes humanos descartáveis
e enxotáveis andarilhando por cidades, países e continentes. Nós, embe-
bidas na prática cotidiana, escrevemos da rua, como território concreto e
síntese das periferias do mundo. Pensamos em te escrever, por vislumbrar
tuas pegadas nas nossas andanças nas práticas da educação social de rua,
embebida na educação popular. E, assim, seguimos tuas pistas, dialogan-
do com obras tuas e de outros – inspiradores para ti ou inspirados em ti.
Tu indicaste que, na abordagem a crianças, jovens e adultos nas
ruas, faz-se necessário o cuidado para não invadir o mundo deles, se eles
não quiserem, não ultrapassar o espaço vital, que é real, pois “[...] isto
seria um ato de violência”. Dizes que a nós cabe esperar pelo “momen-
to mágico”, em que a pessoa estará desarmada. Ensinaste a necessária
paciência histórica, para esperar o desabrochar desse momento – o mo-
mento em que descobrimos o mistério existencial da criança, do jovem
do ou adulto em situação de rua (FREIRE, 1989, p. 27).

2 Relacionado a crianças e adolescentes pressupõe diálogo com o público atendido,


com o território e com o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adoles-
cente (SGD).
1028
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Professor, tu ainda nos questionas: A favor de quem? A favor do


quê? Contra quem e contra o quê? Assim, a resposta de que estou a
favor deles, do povo da rua, não basta. Não basta, portanto, ser soli-
dárias com eles para juntos transformarmos o mundo. Tu descobriste,
na experiência, que não adianta botar esparadrapo na sociedade que aí
está. Entretanto, há um limite que a história nos impõe, e eu não posso
transformar tudo agora. Por vezes, é preciso aceitar um procedimento
de reforma sem ser reformista, pois reformista seria mudar para não
romper. E, por vezes, as reformas podem empurrar a história, como o
binômio conquista/concessão que se encontra na dinâmica das políti-
cas públicas. Contigo vamos aprendendo, cotidianamente, a estar na
rua como mais que ato humanitário, mas, também, como ato político
e de amor. Dessa maneira, nas práticas diárias, vai se forjando uma
pedagogia “[...] jamais autoritária ou licenciosa, nem reacionária nem
irresponsável” (FREIRE, 1989, p. 31).
Compartilhamos também nossas experiências em campo com
população adulta, partindo sempre do olhar daquele que vive na condi-
ção da desesperança, e aqui descreveremos o desesperançar daqueles em
situação de rua, como definição:

considera-se população em situação de rua o


grupo populacional heterogêneo que possui em
comum a pobreza extrema, os vínculos familia-
res interrompidos ou fragilizados e a inexistência
de moradia convencional regular, e que utiliza os
logradouros públicos e as áreas degradadas como
espaço de moradia e de sustento, de forma tem-
porária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como
moradia provisória (DECRETO Nº 7.053 DE
23 DE DEZEMBRO DE 2009).

Dada a definição nacional, nossas pesquisas, trabalhos e anda-


rilhagens com a população em situação de rua vêm acontecendo na
perspectiva de trabalhar tuas pedagogias, uma delas, a pedagogia da
autonomia, no ato do exercício do bom senso, aquele que, como disseste,
se faz no corpo da curiosidade, da capacidade de indagar, de aferir, pois
quanto mais curiosos somos mais críticos nos tornamos (FREIRE, 1997, p.
1029
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

61). Entendemos criticamente a pandemia, noticiada em jornais e que


descortina a face da miséria, pois já alertavas que “ordem” social injusta
é a fonte geradora de uma “generosidade” que se nutre da morte, do
desalento e da miséria (FREIRE, 1970, p. 20).
Acreditamos, “[...] por exemplo, que é imoral afirmar que a fome,
a miséria a que acham expostos a milhões de brasileiros são uma fatali-
dade e que devo esperar pacientemente que isso mude” (FREIRE, 1997,
p. 62). Ao contrário de esperar, urge o ato de criar possibilidades para
a produção de conhecimento. Diante disso, descrevemos um trecho
do encontro com Luiz (nome fictício) em um projeto em que são
realizadas ações com a população em situação de rua, no município
de Porto Alegre. Em uma dessas ações, em certa altura da conversa,
Luiz diz: “hoje eu sei, se eu soubesse antes, se alguém tivesse me dito
de um jeito que eu entendesse, eu não estaria como estou, mas já que
agora eu sei dos meus direitos, eu não me calarei diante de tudo que
acontece com a gente que vive na rua” (Trecho adaptado de uma con-
versa-atendimento, em janeiro de 2021).
Percebemos que esse balançar entre as necessidades trazidas e o
desconhecimento do outro sobre seus direitos suscita a necessidade de
rever as verdades absolutas, de criar maneiras de acessar o outro, den-
tro de seu universo de singularidades. Seguindo tuas pegadas, apren-
demos que é mais significativo estar com o outro do que falar por
ele, pois falar pelo outro não produz consciência crítica. Vemos isso
acontecer em nossas descobertas, quanto ao simples fato de chamar
o outro pelo nome, sendo ele o oprimido, causa grande estranheza,
ou mesmo no ato de construir estratégias que passam pelo reconhe-
cimento de si enquanto sujeitos de direitos. Frente às experiências,
percebemos que deixar a liberdade vir à tona, é, como o senhor diz,
“parto doloroso”, mas necessário. Vemos que a grandiosidade da mu-
dança de percurso está na resposta legítima do lugar de quem por
muito tempo foi oprimido.
Diante disso, agradecemos o senhor por tanto conhecimento,
percebendo que, frente à dureza de quem vive a rua, tuas obras contri-
buem fortemente para esse existir e resistir em sociedade. E como consi-
deração final, compartilho contigo o relato, testemunhado por uma das
autoras, de uma mulher, mãe de nove, avó de dois, despejada de uma
1030
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ocupação. Ela disse, sorrindo, que a vila, antes chamada de Progresso,


seria Nova Esperança. Poético e trágico: aos despejados do progresso,
resta a nova esperança: na luta, na organização por direitos. E assim va-
mos dialogando contigo, animadas por essa esperança, marca indelével
de tua presença educadora nas ruas desta capital.

Palavras-chave: Educação Popular. Educação Social de Rua. Popula-


ção de Rua.

1031
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BETTO, F. Paulo Freire: a leitura do mundo. In: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Fundamental, Programa de Formação de Profes-
sores Alfabetizadores. Coletânea de textos, módulo 3, Brasília, 2001.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE; SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; CAMPANHA NACIO-
NAL CRIANÇA NÃO É DE RUA (CONANDA; SNDCA/MDH;
CNER). Diretrizes Nacionais para o Atendimento a Crianças e Ado-
lescentes em Situação de Rua. 2017.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Educadores de rua: uma abordagem crítica. Projeto Alter-
nativas de atendimento aos meninos de rua, n. 1. Bogotá: UNICEF/
SAS/FUNABEM, 1989.

1032
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PENSANDO COM PAULO FREIRE:


UMA CONEXÃO AUSTRALIANA

Camila Wolpato Loureiro


Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
camilawolpato.l@gmail.com

Carolina Schenatto da Rosa


carol-510@hotmail.com
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

Danilo R. Streck
Universidade de Caxias do Sul – UCS
streckdr@gmail.com

Carta a Paulo Freire sobre seus diálogos na Austrália

Prezado Paulo:

Esta carta está sendo escrita a seis mãos, e na medida em que avan-
çarmos na conversa, cada um/a de nós vai se identificar. No ano em que
se celebram os 100 anos de seu nascimento (1921-2021), com certeza te-
remos notícias de muitos encontros em suas andarilhagens pelo mundo.
Nós três, Carolina, Camila e Danilo, queremos falar sobre um conjunto
de fitas cassete (K-7) que estamos transcrevendo e que pretendemos tor-
nar acessíveis a mais pessoas que apreciam e estudam a sua obra.
Hoje, no entanto, podemos apenas fazer o anúncio do seu conteú-
do e compartilhar nossa alegria pelo acesso a essas palestras e conversas
com um público da Austrália. Como as fitas são de seu período de tra-
balho no Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas
(ANDREOLA, RIBEIRO, 2005), a partir dos temas tratados não é difí-
cil deduzir que o destinatário eram os educadores com alguma vinculação
teológica/eclesiástica. No momento, isso não parece ser a questão mais
1033
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

relevante, e, quando oportuno, poderemos buscar com o Conselho Mun-


dial de Igrejas mais informações sobre o contexto. Comecemos, então.
Eu sou Danilo e vou contar sobre as fitas e sobre as “andarilhagens”
que elas fizeram. Trata-se de um conjunto de quatro fitas1 com uma vasta
gama de temas, que, a seguir, traduzimos do inglês para o português:

- FITA 1: EDUCAÇÃO. Educação para a libertação; palavras


e temas; desumanização; autoridade & autoritarismo; diálogo
x educação bancária; conscientização (critical awareness); práxis
(ação/reflexão).
- FITA 2: EDUCAÇÃO – TRANSFORMAÇÃO – FÉ CRIS-
TÃ. Motivação educacional: o papel da liderança; violência; luta
de classes & ilusão de neutralidade; a igreja e a libertação dos
oprimidos; cristãos ingênuos e espertos.
- FITA 3: FÉ CRISTÃ – MARXISMO – ALFABETIZAÇÃO.
Cristãos ingênuos e espertos (cont.); teologia da libertação; fé
cristã e marxismo; um processo de educação de adultos.
- FITA 4: UM PROCESSO DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS
(Cont.).

Lembro-me das circunstâncias de encontrar essas fitas, mas não


me lembro bem da data. Pelo visto, eu já tinha terminado o mestrado em
Teologia, na área da Educação, dentro da Teologia Prática, e estava ma-
triculado no doutorado em Educação da Rutgers University. Morava em
Princeton e apreciava muito passar os dias na biblioteca, com um acervo
extenso e variado. Deve ser dito que, naquele tempo, não havia internet,
e a biblioteca, como falou o reitor na recepção aos estudantes internacio-
nais, era o segundo lar. Já havia estudado Pedagogy of the Oppressed (1972)
e Education for Critical Consciousness (1973), que reúne Educação como
prática da liberdade e Extensão ou comunicação?. Também escrevi uma car-
ta a seu departamento, no CMI, que gentilmente me enviou um pacote
com material que ainda guardo. Além disso, participei de um seminário

1 Para os mais novos: Trata-se de fitas magnéticas nas quais se faziam as gravações,
antes da entrada das tecnologias digitais (Anexo 1). As fitas têm a seguinte referência:
Thinking with Paulo Freire, recorded during Paulo Freire’s visit to Australia: for the ACC
Commission on Christian Education. Melbourne: Movie Records, 1974. 4 fitas k7.
1034
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

com seu amigo Richard Shaull, que, segundo soube através de sua cor-
respondência com ele, já usava o seu livro com grupos nas comunidades,
antes de ser publicado, e fez o prefácio para a edição em inglês. Isso para
dizer que sua obra foi uma descoberta de uma “outra” realidade em meu
país e no mundo, pelo que sou muito grato.
Na volta ao Brasil, as fitas passavam de estante em estante, de vez
em quando escutava uma parte e me preocupava com o seu destino,
porque em poucos anos não haverá mais equipamento para reproduzir
esse tipo de gravação. Cheguei a usar uma parte delas em um seminá-
rio de “Topics in Educational Research”, mas, talvez pela qualidade da
gravação, a iniciativa não encontrou eco com os estudantes. Solicitei a
algumas “gerações” de bolsistas que buscassem um lugar onde pudesse
transferir o conteúdo das fitas para um meio digital, mas sem sucesso.
No “XXI Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire”, na Universidade
de Caxias do Sul, compartilhei esse problema com a colega Terciane Lu-
chese, da área de História da Educação, que, com o Prof. André Streck,
fez os encaminhamentos no laboratório da universidade para fazer a
digitalização. Daí para diante, inicia uma outra etapa – que Carolina e
Camila vão compartilhar.
Sabe, professor Paulo, é curioso como o tempo funciona e como
algumas coincidências acabam tendo simbologias significativas. Eu, Ca-
rolina, fui de uma das “gerações” de bolsistas do professor Danilo e ouvi
a respeito dessas fitas muitas vezes. Meu primeiro contato direto com o
material foi na aula de “Topics”, que o professor mencionou, mas con-
fesso que compreendi muito pouco do que ouvi, e a experiência “passou
batida”. Parece-me muito simbólico que meu reencontro com os áudios
e a escrita desta carta se deem na Semana Santa, pois o senhor me ajudou
a ressignificar a Páscoa e a compreender o sentido do renascimento, para
além do coelhinho e do chocolate... Enquanto terminava a transcrição
da primeira fita, ouvia o senhor falando justamente sobre a necessidade
de “fazermos a páscoa”, ou seja, sobre a necessidade de nos permitirmos
morrer e renascer nas mais diferentes dimensões de nosso ser.
Confesso que esse simbolismo da páscoa pode não ter para mim
o mesmo significado que tem para o senhor, pois nossa relação com a
fé cristã é um pouco diferente. Mas, em minha vida como educanda,
tenho aprendido, tanto com o senhor quanto com meu orientador, a
1035
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

“morrer e renascer” muitas vezes. Tenho aprendido sobre a urgência


da mudança, da esperança e, inclusive, sobre a urgência de rever essa
minha relação com a fé. E me parece que é aí que está outro sinal
do quão simbólico e significativo é o reencontro com suas falas no
momento em que vivemos: a necessidade de discutirmos sobre nossa
relação com a fé, sobre a dimensão político-pedagógico da teologia
enquanto “formadora de ‘rebanhos’” ou formadora de um pensamen-
to crítico, que é parte do processo de conscientização – outro tema
presente nessa primeira fita.
Professor Paulo, se o senhor visse o rumo que têm tomado e os
espaços por onde circulam a teologia e a “fé cristã” (claro que não em sua
totalidade) nos últimos tempos... Ouvi-lo falar sobre a necessidade de re-
tomarmos a luta pela “boa fé”, pela teologia real e historicamente engaja-
da parece uma urgência atualíssima. Como não posso me alongar muito,
gostaria de citar um terceiro sinal da atualidade do seu discurso: o senhor
começa a primeira fita justamente falando sobre a diferença entre autori-
dade e autoritarismo – questão que, nos últimos anos, tem se mostrado
bastante importante, tanto no contexto educacional, quanto fora dele.
Transcrever esse material tem sido uma grande provocação para repensar
o tempo presente. Será muito bom poder discutir sobre isso no Fórum, e
espero que possa escrever para o senhor em breve, compartilhando algu-
mas experiências com a transcrição das próximas fitas.
Professor Paulo, eu sou Camila, estudante de doutorado em Edu-
cação da Unisinos e pesquisadora sobre a sua epistemologia em diálogo
com a perspectiva decolonial. Quando o professor Danilo me desafiou
a ouvir e transcrever as suas fitas de entrevistas na Austrália, fiquei mui-
to impactada, por conta da língua inglesa, na qual não me considero
fluente, mas fundamentalmente por conta dos conteúdos profundos e
complexos com os quais me deparei.
Escolhi a Fita 3, intitulada “Fé Cristã – Marxismo – Alfabetização”,
para demonstrar o quanto eu aprendi ao refletir com a sua fala. Nessa
gravação, o senhor argumenta que o processo de libertação de um povo
só é possível a partir da reconquista da sua palavra, ou seja, do poder de
enunciar/nomear o seu mundo. Por isso, o senhor diz que, se olharmos
criticamente para o povo – denominação que o senhor dá para aqueles e
aquelas que não são das classes dominantes –, precisaremos entender que,
1036
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

através do trabalho, essas pessoas também são cultas. Em suas palavras:


“Trabalhando para criar algo, eles estão conhecendo algo.”
Em uma noite, no Chile, um aluno disse: “Agora eu descobri que
eu sou um homem culto”. E o senhor lhe perguntou: “Por que você fez
essa descoberta?”. Então ele olhou para o senhor com um sorriso irôni-
co e disse: “Eu trabalho! E trabalhando, eu mudo o mundo. E mudando
o mundo, eu me torno culto”. Então, o senhor conclui dizendo que,
para sermos cultos (no sentido crítico), não é preciso estar nos meios
formais, uma vez que, na dialética da práxis, trabalho manual e intelec-
tual andam lado a lado. Como já nos falava no livro relatório “Cartas
à Guiné Bissau” (FREIRE, 1978, p. 12): “Um povo que, apresentando
um alto índice de analfabetismo, 90%, do ponto de vista linguístico, é
altamente ‘letrado’ do ponto de vista político, ao contrário de certas ‘co-
munidades’ sofisticadamente letradas, mas grosseiramente ‘analfabetas’
do ponto de vista político.”
Por isso, ao longo desse tempo de diálogo com o senhor, pude me
reconhecer como pesquisadora em formação. Tenho procurado, então,
com rigorosidade e amorosidade, operar para o início do fim da peque-
na burguesia (alguns e algumas a chamam de colonialidade) que habita
em mim (em todos nós), através da capacidade de ouvir, e não somente
escutar, as pessoas.
Enfim, estimado Freire, encerramos nossa carta com a esperança
de estarmos contribuindo, com a publicização dessa sua passagem pela
Austrália, para recompor o vasto legado de sua obra, na certeza de que
ele continuará nos inspirando e desafiando.

Palavras-chave: Paulo Freire; Entrevistas Austrália; Conselho Mundial


de Igrejas.

1037
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDREOLA, B.; RIBEIRO, M. B. Andarilho da esperança: Paulo
Freire no CMI. São Paulo: ASTE, 2005.
FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, P. Education for Critical Consciousness. New York: The
Seabury Press, 1973.
FREIRE, P. Pedagogy of the Oppressed. New York: Herder & Her-
der, 1972.

1038
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

SENTIR-PENSAR COM FREIRE, HOOKS E SKLIAR:


UMA CARTA SOBRE A EDUCAÇÃO QUE ME ATRAVESSA

Lilian da Silva Ney


Universidade Federal do Rio Grande - FURG
liliansney@gmail.com

Querida irmã-amiga-professora-mulher!

Estou (re)aprendendo a transgredir. A bell hooks1 me polinizou


com a sua energia vital, com seu Eros, com sua revolução, com seu
abraço, com sua confrontação, com seu pensamento feminista, com
suas experiências. E eu fiquei pensando em tudo o que conversamos, ela
me contando da sua trajetória, dos seus medos, da sua luta para fazer a
sala de aula dar certo. Ela conversa lindamente com Paulo Freire. Sim,
o nosso querido Paulo Freire.
De repente, estou lá no Pavilhão 4, na FURG, lendo Paulo Freire
(pela primeira vez) e me encantando com sua lucidez. Quem era aque-
le homem que dizia que “ninguém educa ninguém, ninguém educa
a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mun-
do”? Creio que foi a primeira vez que questionei as palavras educar/
homem/mundo. O curso de Pedagogia abria possibilidades para pensar
educação para além daquela que conhecia, das salas de aula em que a
transmissão dos conhecimentos era cobrada com provas, que em nada
contribuíam ou comprovavam a aprendizagem.
A bell me conta que “a educação como prática de liberdade é um jei-
to de ensinar que qualquer um pode aprender” (HOOKS, 2017, p. 25), e
isso só é possível com uma pedagogia engajada, que se importa com o ou-

1 bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, escritora norte-americana nas-


cida em 25 de setembro de 1952. O pseudônimo que ela escolheu para assinar suas
obras é uma homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. O nome é assim mesmo,
grafado em letras minúsculas, e a justificativa vem de uma frase da autora: “O mais
importante em meus livros é a substância e não quem sou eu”.
1039
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tro, que contribui para produzirmos novas formas de resistência. Este livro
dela é ótimo, Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade.
É um livro intenso, com 14 capítulos, em que a bell faz um passeio pelo
pensamento de Freire, por suas próprias memórias, pelas narrativas das
alunas e dos alunos, assumindo um compromisso com a educação como
prática da liberdade, e que me provocou a escrever esta carta, que nos
irmana (a mim e a bell – e agora a vocês, que estão comigo nesta leitura),
que nos torna próximas, que compartilham dos movimentos feministas
que são fundamentais para a construção de saberes de resistência.
Nessa conversa, ela ressignifica o conhecimento escolar, apos-
tando em uma educação que convida a pensar o ato de educar como
uma experiência singular de alteridade, de pensar que nos transforma-
mos com o outro, que nos reinventamos nos cotidianos da escola e da
universidade. Lembrei-me agora do Skliar, de um texto dele sobre a
conversa de abrir brechas no tempo. Que potência têm essas palavras,
se pensarmos na conversa como “um conglomerado de rostos, gestos,
vozes e silêncios” (SKLIAR, 2018, p. 12). Estou lendo esse e outros
textos para o Doutorado em Investigación Narrativa y (Auto)biográfica
en Educación, da Facultad de Artes y Humanidades – Universidad Na-
cional de Rosario, Argentina.
Quando penso nesse “conglomerado”, percebo que não existe um
eu, mas sempre um nós. É um gesto pedagógico, na medida em pensa-
mos juntos e juntas, pautado na “escuta das diferenças”, pensado fora
das relações binárias, posto que essa diferença não está em nós ou no
outro, mas nas relações entre nós (SKLIAR, 2019). É valorizar e legiti-
mar os cotidianos da escola e da universidade como lugares de produ-
ção de conhecimento sempre em movimento, mas não só: é, também,
escutar o que o outro tem a nos dizer, abrir-nos para as conversas sem a
pressa imposta pelos sistemas capitalistas de produção. É compreender
o “mediatizado pelo mundo” de Freire, e tem a ver com estar aberto ao
mundo, de se permitir viver o presente, de se contagiar com o assom-
bro do outro, de se entregar de corpo, alma e (ousaria dizer) desejo aos
acontecimentos que se dão nos encontros.
A bell traz uma questão muito importante ao dizer que “em ne-
nhum lugar há um silêncio tão intenso acerca da realidade das diferenças
de classe quanto nos contextos educacionais” (HOOKS, 2017, p. 235). É
1040
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

esse silêncio que precisamos romper; e a conversa, o diálogo é o caminho


para pensarmos modos outros de se fazer educação, de compreendermos a
tomada de decisões como um ato coletivo, de defendermos a importância
das muitas vozes, dos diferentes e diversos saberes, das partilhas de expe-
riências das trabalhadoras e dos trabalhadores em educação, das crianças,
das e dos estudantes, de seus familiares, da escola básica à universidade.
Contar dessa minha experiência com a bell, com Paulo Freire,
com Skliar, narrativamente contribui para me afirmar como educadora
– mas, não só como educadora: também como mulher, mãe, feminista,
amiga, na perspectiva de que fala Certeau (1994), da narrativa como
expressão das experiências pelos praticantes da vida cotidiana, e que me
trouxeram até essas reflexões. Reflexões que Nilda Alves e Ines Barbo-
sa (2008) e seus estudos com/nos/dos cotidianos têm possibilitado, ao
pensar outros olhares sobre educação, currículo, formação e os conheci-
mentos que são produzidos nesses cotidianos.
Para falar mais intensamente com Paulo Freire, bell escreve um ca-
pítulo que é um diálogo em que ela, Gloria Warkins, conversa com a bell
hooks (sua voz de escritora), escolhendo esse formato, porque ele (Paulo
Freire) provoca nela uma intimidade que não seria possível na forma de
ensaio, e para assim poder partilhar a doçura, a solidariedade sobre a qual
ela fala. A narrativa dela parecia estar me lendo, como disse o poeta gaú-
cho Mario Quintana, ao afirmar que o bom poema é aquele que parece
estar lendo a gente e não a gente a ele. A bell provocou isso em mim.
Tenho pensado e revisitado a obra de Freire. A pandemia causa-
da pela COVID-19, o isolamento social, a adaptação forçada à nova
realidade, os impactos sociais e políticos, as milhares de mortes, o des-
caso do governo no enfrentamento da pandemia, a negação da ciência,
a luta pela preservação do Sistema Único de Saúde (SUS), estados e
municípios agonizando em meio à crise econômica, política e sanitária
e a constante ameaça de privatização do serviço público têm me feito
refletir sobre esse lugar de educadora.
Penso em Paulo Freire e no quanto ele insistia no processo de liberta-
ção, da luta contra o patriarcado, do compromisso político decolonizador,
de pensarmos criticamente sobre quem nós somos, de pensarmos nossa
práxis. Com bell hooks, reafirmo a importância dos estudos feministas, de
raça, gênero e outros lugares de subalternidade que o patriarcado impõe.
1041
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

No centenário do Paulo Freire, refletir sobre e com sua obra é entender


que a mudança é possível, compreendendo a educação não como um ato
unilateral, mas como partilha de saberes, de se possibilitarem estratégias
para que cada uma e cada um construam seus conhecimentos.
Te convido, amiga-irmã-educadora-mulher querida, para pensar-
mos uma educação engajada, da qual somos todas e todos participan-
tes, horizontalmente, que potencialize os sujeitos da prática pedagógica,
como sujeitos ativos, como sujeitos praticantes da vida cotidiana, que
crescem com o coletivo e que têm suas singularidades respeitadas. Te
convido para brincarmos com a palavra “esperançar” e toda a boniteza
e o encantamento que há na vida, nas coisas, na natureza. Te convido…
a desconstruir paradigmas, a reinventar saberes e fazeres, a ressignificar
nossas experiências... enfim, a aprendermos a olhar mais atentas.
Um grande abraço, e que fique bem. Te cuida. Fica em casa. Nos
vemos em breve para um gostoso café e um bate-papo.

Saudades.
Lilian Ney.

Palavras-chave: Educação. Conversa. Cotidianos.

Referências
ALVES, N.; OLIVEIRA, I. B. Pesquisa no/do/com os cotidianos das
escolas sobre redes de saberes. Petrópolis: De Petrus et Alli, 2008.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2008. v.
1. Artes de Fazer.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da
liberdade. São Paulo: Editora WMF, Martins Fontes, 2017.
SKLIAR, C. A escuta das diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2019.
SKLIAR, C. Elogio à conversa: em forma de convite à leitura. In: RI-
BEIRO, T.; SOUZA, R.; SAMPAIO, C. S. (Orgs.). Conversa como
metodologia de pesquisa: por que não? Rio de Janeiro: Ayvu, 2018.
Pp. 11-13).
1042
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA AO PROFESSOR FLÁVIO:


DAS RELAÇÕES COM O SABER À GRATIDÃO

José Mário Regis Silva


Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR
josemario_prof@hotmail.com

Sumaré, início de madrugada de 30 de março de 2021.

Caro Professor Flávio:

Atrevo-me a lhe enviar esta narrativa autobiográfica, sob a minha


perspectiva, em forma de carta. Espelho-me em Freire ao ressaltar:

[...] escrever umas cartas pedagógicas em estilo


leve cuja leitura tanto pudesse interessar jovens
pais e mães quanto, quem sabe, filhos e filhas
adolescentes ou professoras e professores que,
chamados à reflexão pelos desafios em sua práti-
ca docente, encontrassem nelas elementos capa-
zes de ajudá-los na elaboração de suas respostas
(FREIRE, 2000, p. 25).

Enfim, o fim!
Mas, para falar sobre este, preciso me reportar ao começo...
Quando me inscrevi para fazer o curso que o senhor coordena,
jamais imaginei que estaria entrando num mundo que iria me impactar,
de tal forma, a ponto de fazer com que tudo em minha volta, e dentro
de mim, tivesse a necessidade de fazer sentido!
Este curso de pós-graduação, “Escola Pública: Relações com o
saber que afetam histórias de vida e trabalho”, foi deveras provocativo.
Começou quebrando o paradigma de colocar o saber acima do
sujeito, e fez-me constituir sujeito de meus próprios desejos (indivíduo)
e como sujeito social, como bem aponta Charlot:
1043
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

[...] Não há relação com o saber senão de parte de


um sujeito; e o sujeito é desejo; [...] não há desejo
sem objeto de desejo. [...] Essa condição impõe ao
filho do homem que se aproprie do mundo e cons-
trua a si mesmo, se eduque e seja educado (CHAR-
LOT, 2000, p. 47-49).

Mergulhar em minha história docente e intervir numa constru-


ção de saberes significativos e importantes foi um universo de possibili-
dades que se desbravou à minha frente. Universo esse que, muitas vezes,
apresenta-se como intransponível ou dotado de singularidades – que
distanciam e conduzem-nos a distopias ante o conhecimento científico
e à construção de reflexões (que levam a um saber elaborado e pensado
mais exatamente num fim, do que propriamente no processo).
Os estudos me fizeram (re)pensar minhas práticas e conduzir criti-
camente as ações até aqui apresentadas. Além disso, fomentaram discus-
sões e a elaboração de um pensamento sobre as relações na escola e os pro-
cessos que por ela perpassam, bem como sobre construir uma educação
que diminua seu papel de opressor/ditador e se disponha a sair dele, para
assumir a posição de um ambiente que centre seus esforços na construção
de indivíduos que se identifiquem e sintam-se parte desse meio.
Como bem afirma FREIRE (1987): “Daí, a necessidade que se
impõe de superar a situação opressora”. Esse ato implica reconhecer,
criticamente, a “‘razão’ desta situação, para que, através de uma ação
transformadora que incida sobre ela, se instaure uma outra, que possi-
bilite aquela busca do ser mais” (FREIRE, 1987).
Estudar as proposições e provocações de Delory-Momberger e a
construção das escritas autobiográficas e a biografização foi um divisor
de águas para mim. Como bem destacado pela autora:

A prática de histórias de vida em formação fun-


damenta-se sobre a ideia de apropriação que o
indivíduo faz de sua própria história ao realizar
a narrativa de sua vida (DELORY-MOMBER-
GER, 2006, p. 361).

Esse encantamento só foi possível porque a professora auxiliar


do meu grupo, e que futuramente se tornaria a minha orientadora de
1044
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

TCC, Raquel Batista, impregnou, materializou e transbordou de senti-


do tudo o que aqui nos foi ofertado.
Apaixonei-me pela escrita autobiográfica, de forma que meu arti-
go (TCC) foi todo desenvolvido usando como pano de fundo a escrita
autonarrativa, partindo de minha história como professor – e envolven-
do-me com as etapas de construção propostas pelos projetos e relatórios
de intervenção em minha primeira narrativa, proporcionado, principal-
mente, pelas disciplinas de “Relações com o Saber – Fundamentação
Teórica” e “Biografização e Formação”.
Essas duas fundamentaram-me e despertaram-me ao desafio de
construir uma ação-reflexão sobre a minha própria história, marcada
por contextos sociais e históricos que eclodem/emergem no ambiente
escolar, o que permitiu encontrar histórias de vida que se identifi-
cam e vão de encontro a desafios e barreiras, os quais enfrentei para
me constituir como profissional da educação, fomentando, assim, a
construção de uma teia de saberes e relatos que se entrelaçaram e cul-
minaram no artigo “ENTRE RELATOS E CARTAS: BARREIRAS
E DESAFIOS DA DOCÊNCIA MASCULINA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL E SÉRIES INICIAIS”.
Todo esse processo despertou-me e acendeu-me a chama para um
mundo que, para mim, era distante, mas que é de suma importância a
partir de agora: dedicar-me a estudar as escritas autobiográficas e, em
especial, as cartas pedagógicas de Paulo Freire (gênero constitutivo de
meu TCC); também, as questões de gênero na docência masculina nas
etapas da educação supracitadas no título do artigo.
Pode ter certeza de que o senhor conseguiu “criar algumas minho-
cas na cabeça das pessoas”, em especial, na minha.
Sem querer ser redundante com o uso da palavra, inicialmente
citada, mas sendo...
Enfim, só me resta apresentar meu sentimento de gratidão: à
UFSCAR, por me proporcionar experienciar novos saberes; aos autores,
por dividir e contribuir para a construção de debates e reflexões, possi-
bilitando ser sujeito de meu conhecimento; aos professores envolvidos,
por todo o carinho, atenção e sede em transmitir todo seu conhecimen-
to e experiência, em especial, à Raquel Batista (Grupo 4); aos alunos
envolvidos nos debates e nas aulas...
1045
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Como diz Freire (2016, p. 134): “olhar o passado deve ser apenas
um modo de compreender com maior clareza quem eles são e o que são
para poder construir o futuro com mais sabedoria”.

Meu muitíssimo obrigado!

Abraços cordiais e fraternos,

José Mário.

Palavras-chave: Carta Pedagógica. Escrita. Autonarrativa.

Referências
CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
DELORY-MOMBERGER, C. Formação e socialização: os ateliês bio-
gráficos de projeto. Educação e Pesquisa, v. 32, n. 2, pp. 359-371, 2006.
FREIRE, P. Conscientização. São Paulo: Cortez, 2016.
FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

1046
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA SOBRE LER (LEITURA, ENTENDIMENTO,


REFLEXÃO) E ESCREVER CRITICAMENTE

Márcia Adriana Rosmann


IFFar – Campus Santo Augusto
marcia.rosmann@iffarroupilha.edu.br

Santo Augusto, 30 de março de 2021.

Prezados Acadêmicos do Curso de Licenciatura em Computação


do IFFar, Campus Santo Augusto: “ensinar exige pesquisa”!

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.


Esses quefazeres se encontram um no corpo do ou-
tro. Enquanto ensino continuo buscando, repro-
curando. Ensino porque busco, porque indaguei,
porque indago e me indago. Pesquiso para cons-
tatar, constatando, intervenho, intervindo educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Queridos estudantes! Escrevo-lhes esta Carta Pedagógica para ini-


ciarmos um diálogo sobre a importância da pesquisa acadêmico-cientí-
fica. Faz parte da natureza da formação e do trabalho docente a investi-
gação precisa, por meio da pesquisa, a busca incessante, ontológica do
“ser mais”. A comunicação, o anúncio do novo precisa ser realizado de
modo claro e preciso, e a escrita acadêmica formal é fundamental para
isso. Nesse sentido, esta carta sugere a escrita de Cartas Pedagógicas
como gênero de escrita dialógica e de fácil acesso a todos e todas, con-
forme Freire (2000, p. 16):

Fazia algum tempo um propósito me inquietava:


escrever umas Cartas Pedagógicas em estilo leve
cuja leitura tanto pudesse interessar jovens pais
e mães quanto, quem sabe, filhos e filhas adoles-
1047
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

centes ou professoras e professores que, chamados


à reflexão pelos desafios em sua prática docente,
encontrassem nelas elementos capazes de ajudá-los
na elaboração de suas respostas.

A leveza, considerada por Freire nas reflexões teórico-epistemoló-


gica e metodológico-prática (com que se constroem e se compreendem
as Cartas Pedagógicas), é fundamental para o processo da leitura e da
escrita acadêmicas, especialmente na formação e no dia a dia do traba-
lho docente. Vale ressaltar que o rigor da escrita (e consequentemente,
da hermenêutica) deve ser mantido, pois “para todo o sempre ela é uma
escrita, e somente uma escrita; a ruptura com seu autor está consumada;
doravante ela ingressa na única história possível, a de seus leitores, a dos
homens vivos [e mulheres] que ela nutre” (ANDREOLA, 2000, p. 10).
Levez também no sentido do pragmatismo acadêmico que se
instaurou nas universidades e demais instituições que ofertam ensino
superior: por um lado, herança da educação medieval; por outro, a pre-
ponderância dos aspectos quantitativos em detrimento da qualidade da
produção acadêmica (e também da satisfação pessoal e profissional dos
sujeitos), fortemente instituída pelos órgãos reguladores e de fomento à
pesquisa. Quanto a isso, Paulo Freire (2000, p. 20) foi incisivo:

Protegidas do simplismo, da arrogância do cien-


tificismo, as cartas, por um lado, deveriam trans-
parecer, na serenidade e na segurança com que
fossem escritas, a abertura ao diálogo e o gosto da
convivência com o diferente. O que quero dizer é
o seguinte: que, no processo de leitura das cartas,
o leitor ou a leitora pudesse ir percebendo que a
possibilidade do diálogo com o seu autor se acha
nelas mesmas, na maneira curiosa com que o autor
as escreve, aberto à dúvida e à crítica. É possível até
que jamais o leitor nunca venha a ter um encontro
pessoal com o autor. O fundamental é que fiquem
claras a legitimidade e a aceitação de posições di-
ferentes em face do mundo. Aceitação respeitosa.

E o diálogo vai fluir. Vamos falar e ouvir na mesma proporção. Na


reciprocidade das ideias e no respeito às diversidades. Lembro, como se
1048
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

fosse hoje, nos idos de 2012, ao concluirmos o estudo de um artigo de


15 páginas, que um acadêmico, muito jovem, com menos de 18 anos,
me disse com voz firme e convicto da sua consideração, que uma comu-
nicação daquela natureza não precisava de tantas páginas para ser dita. E,
apesar de o autor, com “a melhor das intenções”, ter escrito tanto, alguns
parágrafos simplesmente repetiam a ideia dos anteriores. E concluiu o
acadêmico dizendo que um bom resumo expandido, ou mesmo um resu-
mo simples, “bem caprichado”, comunicaria a temática em questão. Pois
bem, podemos então, além de garantirmos a cientificidade das nossas
pesquisas acadêmicas, ao comunicá-las por meio de Cartas Pedagógicas,
garantir o acesso escrito e hermenêutico aos leitores e leitoras.
Nesse sentido, é importante ressaltar o potencial pedagógico ad-
vindo da leitura e da escrita de Cartas Pedagógicas. Além de convite
ao diálogo reflexivo e crítico, elas se tornam um incentivo, um enco-
rajamento à leitura e à escrita acadêmica! Ambas, a leitura e a escrita
precisam de um sulear e de um problematizar, na perspectiva de buscar
compreender, pesquisar, ler o passado e entender o presente, para pro-
jetar o futuro! Acredito que esses são excelentes motivos e justificam as
cartas na formação e no trabalho docente. São, também, “um esforço
e método pedagógico que proporciona com leveza e profundidade que
cada um e cada uma possam expressar aquilo que pensam, acreditam e
criticam nas nossas práticas cotidianas” (CAMINI, 2012, p. 8-9).
Além disso, as cartas podem enriquecer significativamente os
recursos didáticos, especialmente por educar para a sensibilidade hu-
mana, numa perspectiva de comunicação dialógica, o que supõe fala,
sobretudo escuta, com o outro. Referindo-se às cartas escritas por Freire
(Cartas à Guiné-Bissau, 1978; Cartas à Cristina, 1994; Professora sim,
tia não: cartas a quem ousa ensinar, 2002), Camini (2012, p. 60) afirma
que: “sem dúvida, suas cartas, compiladas nestes livros, ressignificam
a importância da comunicação, de maneira especial, nesses tempos de
comunicação rápida e superficial”.
Cartas Pedagógicas dizem respeito a uma temática, a um espaço
e a um tempo histórico. Denunciam o horror dos opressores em face
dos oprimidos, mas, acima de tudo, anunciam o novo, a novidade, o
esperançar da boa nova! Camini (2012, p. 63-64) questiona:

1049
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Quem, entre nós, se propõe a gastar o seu tem-


po fazendo algo semelhante [escrever cartas], de
forma tão generosa e paciente? Não seria válido,
justo e ético, ocuparmo-nos escrevendo cartas que
venham a ser lidas daqui a dez, vinte ou mais anos,
em outro/novo contexto histórico de nossas lutas
por dignidade humana? Quem sabe!

E continua Camini (2012, p. 65), ainda sobre as cartas de Freire:


“estas cartas têm valor histórico e humano, uma função social rica, pois
se constituem em documentos históricos inéditos para os dias atuais”.
Quero, também, que as Cartas Pedagógicas, que iremos escrever a partir
de agora, possam suscitar o mais amoroso e fraterno diálogo sobre nos-
sos desafios, nossas dúvidas, nossas construções mais significativas. Que
possamos denunciar e anunciar. E que nossas cartas sejam instrumentos
didático-metodológicos para o desenvolvimento de uma educação cada
vez mais inclusiva e de qualidade, prerrogativa do “ser mais”!

Um fraternal abraço freireano,

Márcia A. Rosmann

Palavras-chave: Ensino. Pesquisa. Diálogo.

Referências
ANDREOLA, B. A. Carta-prefácio a Paulo Freire. In: FREIRE, P. Pe-
dagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo: UNESP, 2000.
CAMINI, I. Cartas pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e
se comunicam. São Paulo: Outras Expressões, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.

1050
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

GRISALHOS CACHOS

Juliana Campoy Miranda de Souza


Bolsista PROSUC UNIJUÍ
jcampoy77@gmail.com

Hedi Maria Luft


UNIJUÍ
hedi@unijui.edu.br

O poema “Grisalhos Cachos” é de autoria de Araci Cachoeira


(atriz, poetisa e educadora). O objetivo é homenagear, socializar e pu-
blicizar a obra de Augusto Boal, para divulgar o Teatro do Oprimido,
através de pesquisa documental e de revisão bibliográfica. O método
Teatro do Oprimido tem a mesma linha da Pedagogia do Oprimido de
Freire (1975, p. 30-31), que observa que: “A violência dos opressores
que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a
do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimi-
dos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos”. Para Boal (2013,
p. 13): “O teatro é uma arma. Uma arma muito eficiente. Por isso, é ne-
cessário lutar por ele. Por isso, as classes dominantes permanentemente
tentam apropriar-se do teatro e utilizá-lo como instrumento de domi-
nação. Ao fazê-lo, modificam o próprio conceito do que seja o ‘teatro’.
Mas o teatro pode igualmente ser uma arma de libertação. Para isso, é
necessário criar as formas teatrais correspondentes. É necessário trans-
formar.” O teatro de Boal quebrou a quarta parede, superou a visão de
teatro elitista e colocou espectadores como spect-atores, que participam
ativamente das cenas.

Palavras-chave: Augusto Boal. Teatro do Oprimido. Araci Cachoeira.

1051
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BOAL, A. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2013.
CACHOEIRA, A. Poema de Araci Cachoeira para Augusto
Boal (Grisalhos Cachos). Disponível em: http://augustoboal.com.
br/2014/01/02/poema-de-araci-cachoeira-para-augusto-boal/.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

1052
CAPÍTULO 15

A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER:


EM TRÊS ARTIGOS QUE SE COMPLETAM
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA (DES) COLONIAL:


REFLEXÕES A PARTIR DE UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

Aline Mesquita Corrêa


Universidade de Santa Cruz do Sul
alinemesquitta@yahoo.com.br

A “Pedagogia do oprimido”, publicada em 1968, é uma obra que,


a cada releitura, tem me possibilitado compreender a perspectiva (des)
colonial e anticolonial presente no pensamento pedagógico, epistemo-
lógico e político de Paulo Freire (MOTA NETO, 2015). Acerca disso,
Loureiro (2020) problematiza que o fato de Freire ter tramado uma pe-
dagogia das pessoas oprimidas e não para elas faz dele um questionador
das estruturas de dominação e exploração oriundas da matriz colonial.
Nesse sentido, o presente resumo é um recorte de uma pesquisa
participante (BRANDÃO, 2006) que está sendo comungada com a Es-
cola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC), localizada na Re-
gião do Vale do Rio Pardo, cujo objetivo é: compreender e analisar como/
quais são as tendências (des) coloniais presentes nas práxis e metodologias
da/na pedagogia da alternância da Escola Família Agrícola de Santa Cruz
do Sul e de que forma estas tendências contribuem para a trama de uma pe-
dagogia (des) colonial. E, nesta escrita, venho partilhar algumas reflexões
articuladas ao movimento teórico-metodológico de revisão bibliográfi-
ca da “Pedagogia do oprimido” que inspirou, no projeto de pesquisa,
um subcapítulo intitulado Da pedagogia do oprimido à pedagogia (des)
colonial: (des) colonialidade do poder, do saber e do ser.
Essa compreensão de que a obra de Freire subverte a lógica mo-
nocultural, hegemônica e colonial, vincula-se ao entendimento de que,
desde o momento em que a Europa Ocidental, em 1492, instituiu todas
as demais culturas como subalternas e, em meados do século XVII, elabo-
rou uma perspectiva hegemônica de conhecimento (QUIJANO, 2009;
DUSSEL, 2005), não houve uma aceitação passiva dos povos originários.
Pelo contrário, a luta anticolonial sempre esteve presente nas situações
1055
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

limites do colonial - (des) colonial (STRECK, ADAMS, 2014). Isso, por-


tanto, está imbricado com a existência e com a (re) existência, implicando
na possibilidade de um pensar próprio (FREIRE, 1987).
Assim, aos esfarrapados do mundo é para quem Paulo Freire expres-
sa suas primeiras palavras de uma pedagogia de todos aqueles e aquelas
que, historicamente, têm sido oprimidos e oprimidas. Contudo, essa pe-
dagogia, encharcada de uma práxis libertadora, é a que liberta o sujeito
oprimido e também aquele que o oprime, restaurando em ambos a cons-
cientização e a humanização. “Este é o trágico dilema dos oprimidos, que
a sua pedagogia tem de enfrentar. A libertação, por isto, é um parto. É
um parto doloroso [...] que só é viável na e pela superação da contradição
opressores-oprimidos, que é a libertação de todos” (FREIRE, 1987, p. 23).
Nesse sentido, a “Pedagogia do oprimido” é uma obra que nos
permite identificar aproximações pedagógicas e epistemológicas com a
pedagogia (des) colonial, entendendo-a como uma expressão da Améri-
ca Latina (MOTA NETO, 2015). Em uma passagem da “Pedagogia do
oprimido”, Freire (1987), ao problematizar a educação antidialógica,
discutiu a respeito da conquista em que o dominador se utiliza de meca-
nismos duros e sutis para imprimir sua forma aos sujeitos conquistados,
fazendo com que estes tornem-se hospedeiros de quem os domina.
Certamente, isso nos remete a uma denúncia da colonialidade1,
porque, se somarmos a manipulação e a invasão cultural à conquista,
identificaremos que esses elementos estão presentes nos mecanismos
de dominação e exploração em que o “legado epistemológico do eu-
rocentrismo [...] nos impede de compreender o mundo a partir do
próprio mundo em que vivemos e das epistemes que lhes são próprias”
(PORTO-GONÇALVEZ, 2005, p. 3), impondo-nos padrões de po-
der, de saber e de ser.

1 A colonialidade tem sido discutida desde a década de 1990 pelo grupo Moder-
nidade/Colonialidade, cujos pesquisadores e pesquisadoras propõem uma renovação
teórica, ao tomarem como referência o lado obscuro da colonização e do projeto ci-
vilizatório eurocêntrico da modernidade na América Latina (MIGNOLO, 2017).
Desse modo, conforme Quijano (2009), a colonialidade trata-se da perpetuação do
colonialismo, através da introjeção dos costumes, dos saberes, das práxis, dos modos
de ser e das relações de poder do outro, o colonizador. Isto é, o autor identifica que o
fim do colonialismo não indicou o fim da nossa capacidade de continuarmos olhando
o nosso mundo e a nós mesmos a partir do espelho eurocêntrico (QUIJANO, 2009).
1056
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Portanto, compreendo que a educação bancária, ao se articular a


um dirigismo pedagógico que nega a nossa capacidade de dialogarmos,
de refletirmos, de nos comunicarmos e de dizermos/fazermos o mundo
a partir de nosso ser/estar nele (FREIRE, 1987), se associa à manu-
tenção dessa colonialidade. Assim, essa educação vinculada à ideia de
depósito dos conhecimentos, por parte dos educadores e educadoras
aos educandos e educandas que nada sabem, me permite identificar a
denúncia que a “Pedagogia do oprimido” faz de uma pedagogia colo-
nial, ingênua e descompromissada com a transformação do mundo.
Ao mesmo tempo, conforme Walsh (2017) e Mignolo (2017),
por meio da homogeneização, da violência, da racialização dos povos
e da dominação, a modernidade/colonialidade revela os seus limites
diante da emergência de um novo paradigma. Ou seja, no interior das
estruturas de opressão, existem práxis de luta e resistência daqueles e
daquelas que, juntos e juntas, tramam uma consciência crítica e reivin-
dicam o seu lugar no mundo, enquanto sujeitos históricos e de feituras
(FREIRE, 1987). Esse novo paradigma, por sua vez, pode ser associado
ao que Freire (1987) compreende como a necessidade e a importância
de uma educação que seja feita com todos aqueles e todas aquelas cujo
conhecimento de si próprios como sujeitos encontra-se ofuscado pela
imersão ingênua na realidade opressora.
Desse modo, a partir de Walsh (2017) e Freire (1987), com-
preendo que uma pedagogia (des) colonial implica uma atitude (des)
colonial pautada na libertação de todos e todas, exigindo uma radi-
calidade para rejeitar o modelo colonial imposto pelo eurocentrismo.
E, para Freire (1987), essa exigência radical permite que oprimido
e opressor desvelem o mundo, percebendo os mitos que nutrem a
opressão e compreendendo “a radical exigência da transformação da
situação concreta que gera a opressão” (FREIRE, 1987, p. 24). Ain-
da, para o autor, “[...] a situação de opressão em que se ‘formam’, em
que ‘realizam’ sua existência, os constitui nesta dualidade, na qual se
encontram proibidos de ser” (FREIRE, 1987, p. 27).
Nesse sentido, na “Pedagogia do oprimido”, Freire (1987) traz
elementos teórico-metodológicos e categorias teórico-práticas que se
tramam pelos caminhos os quais Walsh (2017) tem apontado como
pedagogias (des) coloniais. Entre esses elementos e categorias, se con-
1057
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

siderarmos que toda a obra referida é encharcada de uma perspectiva


(des) colonial, destaco: a participação dos sujeitos na construção co-
letiva da existência e na elaboração da libertação; a conscientização
acerca do ser/estar no mundo e com o mundo e de nosso inacabamento;
o diálogo; a comunicação; os círculos de cultura; a educação crítico-
-problematizadora; a radicalidade; o ser mais; a luta pela humanização
e pela desalienação; a superação da opressão com a transformação da
situação opressora; a luta pela superação dos conteúdos que tendem a
petrificar-se, porque não se relacionam com a realidade dos e das estu-
dantes; os temas geradores, isto é, vinculados às dimensões concretas
da vida e da realidade; a dimensão da totalidade em que se engendra a
vida; docentes e discentes enquanto sujeitos do/no processo educati-
vo; a superação da necrofilia para o desenvolvimento da biofilia do co-
nhecimento; a compreensão de que nos educamos mediatizados pelo
mundo; e a denúncia da ação antidialógica, da conquista, da divisão,
da manipulação e da invasão cultural.
Assim, a “Pedagogia do oprimido”, na superação radical de uma
educação bancária e acrítica, se apresenta como uma pedagogia (des)
colonial ao tencionar a violência da matriz colonial e denunciar a
situação daqueles e daquelas que desconhecem a sua vocação ontoló-
gica para o ser mais. Ademais, para Mignolo (2017) “o pensamento
(des) colonial e as opções (des) coloniais (isto é, pensar (des) colonial-
mente) são [...] um inexorável esforço analítico para entender, com
o intuito de superar, a lógica da colonialidade por trás da retórica da
modernidade” (MIGNOLO, 2017, p. 10). E Freire (1987) realiza
esse inexorável esforço ao apontar que uma outra pedagogia, feita com
as pessoas que sonham com um mundo mais bonito, é possível.

Palavras-chave: Paulo Freire. Pedagogia (des) colonial. Pedagogia


do Oprimido.

1058
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, C. R. (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasi-
liense, 2006.
DUSSEL, E. Europa, modernidad y eurocentrismo. In: LANDER, E.
(Coord.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias socia-
les, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LOUREIRO, C. W. Paulo Freire, autor de práxis decolonial? [Dis-
sertação de Mestrado]. Erechim: UFFS, 2020.
MIGNOLO, W. D. La Idea de América Latina. La herida colonial y
la opción decolonial. Barcelona: Gedisa Editorial, 2017.
MOTA NETO, J. C. Educação Popular e Pensamento Decolonial
Latino-Americano em Paulo Freire e Orlando Fals Borda. [Tese de
Doutorado]. Belém: UFPA, 2015.
PORTO-GONÇALVES, C. W. Apresentação. In: LANDER, E.
(Org.). A Colonialidade do saber: Eurocentrismo e Ciências sociais
– Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Lati-
na. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: Eurocentris-
mo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires:
CLACSO, 2009.
STRECK, D. R.; ADAMS, T. Pesquisa Participante, emancipação e
(des) colonialidade. Curitiba: CRV, 2014.
WALSH, C. Pedagogías Decoloniales. Práticas Insurgentes de re-
sistir, (re) existir e (re) vivir. Serie Pensamiento Decolonial. Equador:
Abya-Yala, 2017.

1059
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO E LIBERTAÇÃO DAS MULHERES: DIÁLOGOS


INSURGENTES ENTRE PAULO FREIRE E BELL HOOKS

Enir Ferreira Lima


UNISC/FAP
enirferreira08@gmail.com

O referido trabalho tem como objetivo compreender o processo


de educação e libertação de mulheres docentes, a partir das seguintes
obras: “Educação como prática da liberdade”, de Paulo Freire (1997),
e “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade”,
de bell hooks (2017).
Situar a história de mulheres trabalhadoras da educação no
contexto de lutas e submissão, na sociedade patriarcal, representa um
grande desafio, sobretudo se considerarmos como tarefa da educação a
formação de uma cidadania na perspectiva crítica. Para Freire (2013),
é por meio da educação que ocorre a transformação de homens e mu-
lheres na conquista da liberdade, assim como é por meio das lutas e das
marchas que esses homens e mulheres se reconhecem como gente, ou
seja, na luta diária por direitos, tornando-se sujeitos da própria história.
Pensar sobre o processo de liberdade e libertação de mulheres,
tendo a educação como eixo central, implica pensar em como e onde
tem início essa história. Desse modo, é relevante aproximar as lutas das
mulheres nos movimentos feministas, e contra a exploração pelo capital
e pelo patriarcado. Trazer esse tema para o debate é importante elemen-
to para compreender o movimento de luta pela liberdade, travado ao
longo do processo civilizacional, e a sua persistência no século XXI.
Nessa perspectiva, aproximar a história das mulheres massacradas
e violentadas, dos períodos históricos passados e deste século, às histó-
rias de vida das mulheres trabalhadoras da educação na atualidade se
constitui um movimento desafiador, especialmente quando a proposta
é buscar em Freire e hooks os direcionamentos suleadores dos debates
aqui propostos. Esse movimento pretende destacar a coragem, a resis-
1061
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tência e a insurgência como elemento presente na luta das mulheres, em


contraposição ao estereótipo de mulher mãe e dona de casa, estabeleci-
do pelo patriarcalismo.
Nessa direção, a libertação se configura pelo conhecimento de si e
do espaço que se ocupa no mundo, e o feminismo político representa a
insurgência das mulheres contra o patriarcado, no qual a luta se constitui
em defesa do direito, pelo direito de ter direitos – isso implica libertação e
emancipação das amarras patriarcais. Somente as mulheres que viveram/
vivem as tensões e a invisibilização da opressão podem verbalizar o que
sentem, ao mesmo tempo em que se insurgem de forma engajada nas
lutas. Sobre esse aspecto, Paulo Freire (2013, p. 43) argumenta:

Quem melhor que os oprimidos, se encontrará


preparado para entender o significado terrível de
uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor
que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que
eles, para ir compreendendo a necessidade da liber-
tação? Libertação a que não chegarão pelo acaso,
mas pela práxis da sua busca; pelo conhecimento
e reconhecimento da necessidade de lutar por ela.

Nesse viés, o feminismo se insurge contra a opressão e luta pela


conquista de direitos. Sobre o feminismo, bell hooks (2017) o define
como um movimento complexo, que tem em seu cerne a luta engajada
das mulheres por direitos. Desse modo, chama a atenção para a defi-
nição de que o “[...] feminismo é um movimento para acabar com o
sexismo, exploração sexista e opressão [...]” (HOOKS, 2017, p. 13),
marcando, assim, a luta contra o sexismo e a opressão dele oriunda.
Nessa perspectiva, o patriarcado se configura em um poder natu-
ralizado de grande incidência na vida de mulheres, e é nessa direção que
bell hooks propõe que as mulheres professoras/educadoras assumam a
autoria de uma pedagogia engajada, na qual se apresenta “um jeito de
ensinar que qualquer um pode aprender”. Nessa nova proposta, hooks
defende uma educação para a transformação, na qual, por meio das
insurgências, é possível transgredir as fronteiras das questões raciais, se-
xuais, de classe, de gênero e de tantas outras formas de opressão vividas
pelas mulheres, a fim de conquistar a liberdade.
1062
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Corroborando essa afirmação, Freire argumenta que ser sujeito


da própria história implica o despertar da consciência crítica e, só então,
permite a libertação das amarras da opressão, tornando-se homens e
mulheres de ação que:

Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a.


Vai acrescentando a ela, algo que ele mesmo é o
fazedor. Vai temporalizando os espaços geográfi-
cos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações
do homem com o mundo e do homem com os
homens [sic], desafiado e respondendo ao desafio,
alterando e criando, que não permite a imobilida-
de, a não ser em termos de relativa preponderância,
nem das sociedades nem das culturas. E na medida
em que cria, recria e decide, vão se conformando
às épocas históricas. É também criando, recriando
e participando que o homem deve participar dessas
épocas (FREIRE, 1977, p. 43, grifo nosso).

A educação como prática da liberdade, em Freire, supõe con-


siderar que homens e mulheres estão no mundo, com o mundo, no
movimento constante, onde não cabe ajustamento e acomodação, mas
supõe uma tomada de consciência crítica, incorporando uma visão de
mundo para além da consciência ingênua. Essa nova consciência exige
ação transformadora e liberdade social dos envolvidos.
Para bell hooks (2017), a educação como prática da liberdade
exige ação, atitude de insubordinação e um novo jeito de ensinar e
aprender, no qual a professora compreende o processo de aprendizagem
para além da partilha de informações. É necessário participar do cres-
cimento intelectual e espiritual dos alunos; entretanto, não se trata de
qualquer prática, nem tampouco qualquer professora pode realizar tais
práticas. Para Hooks, é necessário coragem para transgredir as frontei-
ras, abraçar as mudanças, assumindo verdadeiramente a “práxis” como
ação-reflexão, com intenção e finalidade. A autora defende a educação
para a transformação, e que somente por meio das insurgências é pos-
sível transgredir as fronteiras das questões raciais, sexuais, de classe, de
gênero e de tantas outras formas de opressão vividas pelas mulheres, a
fim de conquistar a liberdade.
1063
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A práxis pedagógica consiste em assumir uma marca política, vis-


to que a prática educativa não é neutra, e implica ter consciência da bo-
niteza do ser gente, ser mulher e estar no mundo, construindo histórias
mediadas pela prática social e cultural.
Nesse contexto, e considerando os diálogos provocados por Freire
e hooks, é possível concluir que, mesmo diante das adversidades, do
existir e resistir, muitos passos foram dados na direção da transforma-
ção, e cada vez mais as mulheres têm assumido seu lugar de fala, sua
identidade e sua autoria no mundo, e que a educação tem sido um
caminho importante para essa conquista.
No percurso da evolução da humanidade, as mulheres assumi-
ram muitos papéis no contexto social e cultural das relações sociais, e
todos eles vinculados aos modelos de sociedade vigente. No entanto,
o patriarcado e o capitalismo sempre estiveram na linha de frente da
subalternização e precarização dessas mulheres, fazendo com que acre-
ditassem pouco na sua capacidade intelectual.
Os diálogos e as problematizações provocados por Freire e hooks
apontam na direção da transformação insurgente e na superação desse
pensamento. As mulheres passaram a, cada vez mais, protagonizar es-
paços ocupados por homens, seja nas ciências, nas artes ou na política,
e a educação tem sido o instrumento de insubordinação, potencializa-
dor da luta e da voz das mulheres.

Palavras-chave: Diálogo. Prática Social. Feminismo.

Referências
FREIRE, P. Educação como prática libertadora. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1977.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da
liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.

1064
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO HUMANIZADORA

Jaime José Zitkoski


UFRGS
jaime.jose@ufrgs.br

Luis Carlos Trombetta


FACCAT
trombetta@faccat.br

Sérgio Trombetta
FACCAT
sergiotrombetta@faccat.br

O presente resumo expandido tem como objetivo central refletir


sobre a esperança na humanização do mundo numa perspectiva freirea-
na. A esperança, segundo Freire, é uma dimensão natural e necessária
na trajetória da nossa existência. Sem ela, teríamos o puro determi-
nismo e a aceitação passiva do mundo como algo já dado/pronto. “A
esperança faz parte da natureza humana. Sem ela, não haveria História,
mas puro determinismo. Só há história onde há tempo problematizado
e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da História. O
mundo não é. O mundo está sendo. Não sou apenas objeto da História,
mas seu sujeito igualmente” (FREIRE, 1997, p. 80).
A pedagogia proposta por Freire está na origem da Educação Po-
pular enquanto paradigma latino-americano que traz inúmeras contri-
buições para a pedagogia mundial, com ênfase no diálogo amoroso,
no respeito ao universo cultural do educando e visando sempre ao de-
senvolvimento da consciência crítica e da práxis comprometida com o
engajamento social, na perspectiva da libertação frente às estruturas que
negam a humanidade do humano, impedindo o desenvolvimento de
suas potencialidades como sujeito capaz de história própria.
1065
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Nessa perspectiva, a pedagogia freireana implica dois estágios.


O primeiro estágio é permitir ao oprimido que perceba a condição de
opressão em que se encontra; e o segundo, engajar-se criticamente em
seu processo de transformação. “A prática da liberdade que está na
gênese e constitui a energia, a lei imanente da educação no paradigma
criativo de Paulo Freire, vai ao encontro do oprimido, do ser humano
e da sociedade latino-americana, submetida à dominação, à alienação,
à marginalização. Surge então a educação libertadora, esclarecida e im-
pulsionada por uma filosofia e uma ética, pessoal e social, da libertação.
O Sujeito da educação é o oprimido, e ele há de ter uma educação
libertadora” (JOSAPHAT, 2001, p. 78).
Paulo Freire foi um dos pioneiros em problematizar os desafios con-
cretos que impulsionaram a articulação de lutas organizadas, a partir de
movimentos populares, em direção à transformação das realidades sociais
opressoras. Pela coragem e pela postura coerente de humildade aprendiz
e pela autocrítica, a proposta freireana convergiu para um grande movi-
mento de Práxis Transformadora, que foi emergindo da realidade social
latino-americana e passou a agrupar inúmeros líderes, intelectuais e edu-
cadores do mundo todo.1 Sua pedagogia visava sensibilizar e comprometer
todos os homens e mulheres que aspiram e lutam por uma sociedade e um
mundo verdadeiramente dignos da humanidade, em seu desejo de con-
vivência fraterna. Entre esses movimentos inspirados pela obra de Freire,
podemos citar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e o Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST). É evidente a influência filosófica, an-
tropológica e pedagógica de Freire na criação desses grupos, que tiveram
– e ainda têm – um papel importante na construção de uma sociedade
mais justa, democrática e solidária. “No mundo da ganância e da especu-
lação antropofágica, não há outro caminho a escolher, como imperativo
de nossa vocação humana, senão o da solidariedade com as maiorias dos
condenados à exclusão, para com eles ‘re-aprender a dizer a sua palavra’
(Fiori) e redescobrir as veredas da esperança” (ANDREOLA, 2001, p. 46).
1 Ver, por exemplo, o livro Paulo Freire: Uma Bibliografia, onde estão registrados
os principais momentos da vida de Freire e sua rica trajetória enquanto educador,
intelectual e militante de um projeto de transformação social no mundo todo. Nessa
obra, os intelectuais de renome na pedagogia contemporânea expressam a rede de
solidariedade que Freire teceu no mundo todo, em torno dessa obra coletiva que é a
Educação Popular latino-americana.
1066
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

E, dessa forma, a razão maior de refletirmos a partir de Freire os


novos desafios no campo da Educação Popular reside no fato de que
ele nunca fixou seu modo de pensar e de ler o mundo, pois, da sua obra
toda (que são mais de 25 livros, além de inúmeros textos, palestras e
outras publicações) emerge um grande tema que é a Educação Humani-
zadora, no sentido amplo da palavra. Esta aponta, em seu projeto, para
a libertação da humanidade de todas as formas de opressão, injustiças
e autoritarismo que negam nossa vocação ontológica em sua dinâmica
direcionada para o ser mais. Desde os anos 1960, quando Freire lan-
çou suas primeiras obras mais sistemáticas, expressando sua proposta
de educação, ele buscou rever-se a si mesmo, considerando as críticas
que recebia de seus leitores e estudiosos e, por outro lado, sempre ficou
atento ao dinamismo da realidade que nos desafia a reler constantemen-
te o nosso mundo e rever nossas posições.
Em toda sua trajetória, enquanto educador militante e teórico da
educação, Freire buscou atualizar seu modo de pensar e refletir sobre os
temas que abraçou como plano de trabalho. Portanto, mesmo tratando
de problemáticas comuns em suas diferentes obras, Freire reelaborou
suas ideias, recriando o raciocínio e a forma de abordar os problemas
centrais por ele trabalhados e desafiou-nos com novas intuições sempre
fecundas e originais.
Uma das grandes intuições que Freire submeteu à análise e à re-
flexão crítica, ao longo de sua trajetória enquanto educador e filósofo da
educação, é a problemática da libertação das pessoas, concretamente, em
suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social. Podemos
dizer que toda obra de Freire se constitui em um grande tratado sobre
o ser humano e sua busca pela autonomia, permeada por uma ética hu-
manista que exige radical respeito à pessoa em sua singularidade.
O desafio maior que Paulo Freire lançou, a si mesmo e a quem
compartilha do mesmo sonho e da mesma utopia, é a humanização do
mundo através da ação cultural libertadora.2 Esse desafio, sem sombra
de dúvida, continua hoje mais atual do que há 50 anos, e requer de nós,

2 Ver, por exemplo, o último capítulo da “Pedagogia do oprimido”, que tematiza o


processo dialético de superação da cultura opressora por uma nova cultura humanista
e libertadora, capaz de, a partir dos oprimidos, libertar a todos, tanto aos opressores,
quanto aos oprimidos.
1067
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

seres humanos sujeitos da história, um compromisso ético e político


claramente definido, em favor da transformação da realidade alicerçada
na democracia, na solidariedade e na ética universal do ser humano.
O mundo objetivo, que nos cerca, vem demonstrando ser intrin-
secamente dialético porque, efetivando-se historicamente, nos constitui
e, ao mesmo tempo, é constituído por nós, enquanto sujeitos da práxis
social. Portanto, frente aos problemas que a realidade atual nos apresen-
ta, precisamos impulsionar novos momentos de ação para atingir outros
níveis de humanização do mundo, da sociedade e da cultura.
A humanização do mundo atual exige que repensemos muitos
aspectos da vida em sociedade. Dentre esses vários aspectos, destacamos
a necessidade de repensarmos a educação que praticamos, as relações
humanas na sua cotidianidade prática da economia e da vida privada,
as posturas políticas e as relações sociais delas resultantes, e a produção
do conhecimento científico-técnico que está na base da reprodução dos
sistemas hegemônicos da sociedade.

Palavras-chave: Paulo Freire. Educacão Humanizadora. Desafios.

Referências
ANDREOLA, B. A. Pedagogia do Oprimido: um projeto coletivo. In:
FREIRE, A. M. (Org.). A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire.
São Paulo: Editora UNESP, 2001.
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

1068
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PROPOSTA DE FORMAÇÃO


DO MST: A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO TÉCNICO DE
CAPACITAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA-ITERRA

Anelise Mara Jung


Universidade Federal da Fronteira da Sul-UFFS
anelise.mjung@gmail.com

Este resumo trata-se de um estudo que tem como objetivo re-


lacionar a pedagogia de Paulo Freire e a Educação do Campo, tendo
como contexto o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Re-
forma Agrária (ITERRA) em uma escola do Movimento dos Traba-
lhadores Sem Terra, situada na cidade de Viamão, RS. A pesquisa será
desenvolvida dentro do Programa de Pós-Graduação Profissional em
Educação (PPGE), na linha de pesquisa 2: Pesquisa em Educação Não
Formal: Práticas Político-Sociais.
O objetivo deste trabalho é sintetizar alguns pontos importantes
sobre o currículo do Curso de Licenciatura em História do ITERRA,
considerando sua proposta pedagógica e metodológica, tendo como
parâmetros a Educação do Campo e as ideias de Paulo Freire.
Na perspectiva de Paulo Freire, quando os oprimidos têm cons-
ciência do opressor e das suas práticas opressoras, passam a lutar pela
sua libertação desse sistema – o que não pode ser somente em teoria,
mas também na prática, na ação. Quando essas pessoas são emocio-
nalmente oprimidas, passam a ver o mundo de forma limitada e, nesse
contexto, são dominadas mais facilmente e se tornam dependentes do
opressor. Ao contrário disso, por meio da reflexão e da ação, a liberda-
de é conquistada e se transforma em libertação.
Desta forma, na ideia pedagógica de Freire, a educação é uma
forma de o povo se distanciar do ciclo de opressão. Nesse sentido,
fazendo um paralelo com o currículo escolar e com sua elaboração, é
importante dizer que o currículo é construído com alguma intenção,
o que é expresso nos conteúdos que estão presentes ou não em um
curso ou formação.
1069
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O currículo tem um importante papel na relação entre a escola


e a comunidade, e, por isso, serve também como uma forma de obser-
var a relação da escola com as instituições que compõem a sociedade
(APPLE, 2006). Para se pensar nessas questões, é fundamental pensar:
quais os interesses sociais e ideológicos envolvidos nessa seleção? Como
os conteúdos são selecionados? A quem “pertencem” determinados con-
teúdos? Conforme já dito em outros momentos, o conhecimento não é
aleatório; é selecionado dentro de um conjunto de valores e princípios
que representam certas visões de normalidade, de bem e mal, e da “for-
ma como as pessoas devem agir” (APPLE, 2006).
Nessa perspectiva, o currículo deve estar em consonância com
a formação e com o perfil profissional que se deseja obter. No con-
texto do ITERRA, o currículo escolar assume um caráter de ofertar
uma educação destinada às comunidades do campo, especialmente
àquelas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
O objetivo do instituto é formar educadores para atuar nas escolas do
campo, valorizando os hábitos, os costumes e as questões importantes
do campesinato e da luta pela terra, e ele foi pensado para as escolas
criadas pela reforma agrária.
Conforme Caldart et Al (2012), a educação do campo surge como
uma prática social de constituição histórica, com algumas característi-
cas específicas, que são: luta social dos trabalhadores de campo por uma
educação que lhes faça sentido, não sendo uma educação para o campo,
mas sim do campo, em referência à pedagogia do oprimido; tem um
caráter de luta por políticas públicas mais abrangentes, no contexto do
campo brasileiro; a luta pela terra e a luta por educação andam juntas,
com um mesmo propósito, tendo origem nos movimentos sociais de
camponeses; defende a especificidade do modo de vida das pessoas que
fazem parte do campo; não nasceu como uma teoria educacional, mas
sim como uma luta contra uma hegemonia, pensando na construção de
uma educação emancipadora, com um projeto social, que pensa na for-
mação dos sujeitos; o modelo pedagógico é elaborado a partir de uma
certa realidade, mas não com uma visão míope, e sim com uma visão
dos demais sujeitos que compõem o movimento por uma educação do
campo; os objetos centrais da educação do campo são as escolas, bem
como a formação dos trabalhadores, na apropriação do conhecimento
1070
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que é importante para eles e suas relações sociais; a educação do campo


é vista como uma bandeira dos movimentos sociais camponeses, que
buscam unir a luta pela terra com o acesso à educação pública, lutando
contra a tutela política e pedagógica do Estado; os educadores são vis-
tos como peças fundamentais na formulação de práticas pedagógicas da
Educação do Campo, dessa forma, os educadores do campo defendem
a sua valorização e uma formação específica.
Quando falamos de educação do campo, falamos de uma peda-
gogia do oprimido, que nasce inspirada nas ideias de Paulo Freire, que,
em sua obra, apresenta a ideia de uma educação libertadora. Nesse sen-
tido, ela não pode ser uma pedagogia que tenha como prática a domi-
nação, mas sua prática deve ser, sim, a liberdade, na qual os sujeitos são
protagonistas de sua própria história.

A educação como prática de liberdade, ao contrá-


rio daquela que é prática da dominação, implica a
negação do homem abstrato, isolado, solto, desli-
gado do mundo, assim como também a negação
do mundo como uma realidade ausente dos ho-
mens (FREIRE, 1997).

Para Paulo Freire, o diálogo não é possível sem um profundo


amor aos homens e ao mundo. Sem humildade, não é possível apro-
ximar-se dos homens; e é preciso se aproximar deles. Não há interesses
maiores e nem menores, mas existem homens que se interessam em
aprender uns com os outros.
As ideias freireanas servem de base para a formação da proposta
pedagógica do ITERRA, que foi fundado de acordo com o que o Mo-
vimento dos Trabalhadores Sem Terra tem nas suas concepções sobre
educação. Paulo Freire defende, em suas ideias, uma educação liber-
tadora, voltada aos interesses do educando, e nisso também consiste a
prática pedagógica do MST.
Segundo Caldart (2004), a proposta educativa do MST se or-
ganiza, inicialmente, para uma formação que pense na luta, com base
no que é chamado de rebeldia organizada, e que consiste em ocupar os
latifúndios. Os militantes sabem que a sua vida é feita de luta, mas que
foram educados para a obediência ao patrão, ao sistema. Isso faz parte
1071
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da sua cultura e, dessa forma, nos primeiros acampamentos, era impor-


tante a participação de alguma liderança, de acordo com o ideário, pen-
sando em alguém que organizasse a ocupação. Como protagonistas da
sua história, os sem-terra se veem como responsáveis pela sua trajetória,
e veem que eles mesmos se constituem na luta, na ação e na participação
dentro da organização do movimento. A vida passa a ser o motivo de
luta e de rebeldia contra a opressão do sistema.
Outra dimensão aponta para a consciência de classe. De um lado,
há o grande latifúndio improdutivo e, de outro, pessoas que não têm
terra para plantar, para viver. O latifúndio é a propriedade da burgue-
sia, esta que, por sua vez, conta com o apoio do governo e da polícia. A
habilidade de negociação faz parte do dia a dia dos sem-terra, visto que
estes precisam estar constantemente negociando com autoridades para
garantir o que lhes é de direito, descobrindo os limites entre o que é ou
não é negociável – e, sendo assim, percebem a importância da sua orga-
nização coletiva. Também importa dizer que, para o MST, o poder que
a terra lhes representa é mais do que terra simplesmente. A terra simbo-
liza a vida, a produção, a plantação e os alimentos (CALDART, 2004).
Como parte da pedagogia do movimento, a ocupação da escola
se faz uma prática, é o sentido da educação, assim como as demais prá-
ticas e ações do movimento, que compõem a formação dos sem-terra no
Brasil. Segundo Caldart (2004), a educação no MST pensa no papel da
escola no assentamento ou acampamento. O processo de ocupação passa
por algumas etapas importantes como a mobilização por uma escola que
faça sentido para a vida dos assentados e acampados. Nessas escolas, as
primeiras pessoas que se envolveram foram as mães e as professoras, logo
seguidas por outras lideranças do movimento, e, ali, é onde as crianças
também passam a ser protagonistas desse movimento. Coube ao MST
pensar e organizar a sua ideia pedagógica, conforme a escola que se quer
para o movimento, formando educadores e educadoras nessa perspectiva,
conforme o Setor Educação do Movimento. O MST incorpora a escola
em seu movimento, uma escola específica para os militantes.
A mobilização para formar educadores para atuar no MST parte
das necessidades de se ter profissionais que compreendam como fun-
ciona o movimento e, dessa forma, surge uma preocupação quanto à
formação dos professores, de acordo com essas ideias e esse funciona-
1072
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mento. Desse modo, a educação no movimento foi pensada para ir


além da educação básica, preocupando-se, ainda, com a formação no
ensino superior. “É que esta luta não se justifica apenas em que passem
a ter liberdade para comer, mas “liberdade para criar e construir, para
admirar e aventurar-se” (FREIRE, 1997).
A forma como as escolas do MST procuram por uma educação
emancipadora se relaciona com as ideias de Paulo Freire e com a sua
ideia de uma educação libertadora, na qual os sujeitos se tornam livres
do sistema opressor. Sendo assim, é importante ressaltar que o currículo
do ITERRA prevê uma formação específica, que tem, como um de seus
objetivos, criar o curso de graduação em História para 50 educandos do
campo, das áreas atendidas pela reforma agrária no Sul do Brasil. Como
objetivo específico, o instituto se propõe a formar professores para atuar
nas escolas do campo. Com isso, busca atender às necessidades de profis-
sionais formados para atuar nas escolas da região da fronteira Sul do Bra-
sil, no Ensino Básico, além de formar cidadãos conscientes de seu papel
ativo na sociedade – entendendo o passado para compreender a atualida-
de, enquanto sujeitos da história e de sua transformação (PPC - História).

Palavras-chave: Educação do Campo. MST. ITERRA.

1073
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
APPLE, M. W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,2006.
CALDART, R. S.; Et AL. (Orgs.). Dicionário da Educação do Cam-
po. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.
CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL (UFFS). Pro-
jeto Pedagógico do Curso de Graduação em História-Licenciatura
(Parceria Iterra/Veranópolis-RS) - PPC. Erechim-RS: UFFS, 2013.

1074
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PROMOÇÃO DA SAÚDE E PEDAGOGIA


DA ALTERNÂNCIA: PRÁXIS DE AÇÃO DIALÓGICA
NO VALE DO RIO PARDO-RS

Juliano Soares Ávila

Cheron Zanini Moretti

Marlon Antonio Bianchini

Bruna Caroline Borges


Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)
julianoavila26@gmail.com

O presente resumo propõe estabelecer um diálogo entre a pro-


moção da saúde e a Pedagogia da Alternância no contexto do Vale do
Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, a partir de experiências das Esco-
las Famílias Agrícolas (EFAs) dessa região. Este trabalho se justifica
pela pertinência dos saberes populares presentes nas comunidades,
tanto para a realização da alternância do tempo nas escolas e nas
propriedades rurais, quanto para o processo de saúde-adoecimento.
Assim, como objetivos específicos, buscamos: identificar aspectos da
teoria da ação dialógica presentes na experiência da Escola Família
Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC) e da Escola Família Agrícola
do Vale do Sol (EFASOL); e analisar a relação entre promoção da
saúde e Pedagogia da Alternância presentes nos instrumentos peda-
gógicos das EFAs.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que tem como partici-
pantes os sujeitos da Pedagogia da Alternância da EFASC e da EFA-
SOL, e que apresenta como orientação epistemológica os princípios
da Educação Popular (em saúde) e da Educação do Campo, e meto-
dológica, os da pesquisa participativa. A pesquisa está fundamentada
na discussão da teoria da ação dialógica, proposta por Paulo Freire na
“Pedagogia do oprimido” (FREIRE, 1987).
1075
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A promoção da saúde é entendida como o processo de forma-


ção da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e
saúde, incluindo maior participação nesse processo (OTTAWA, 1986),
portanto, esse conceito traz um avanço para pensar a saúde coletiva, já
que saúde não é mais entendida apenas como a recuperação da saúde,
mas, sim, como a própria vida das pessoas, passando pelo trabalho, a
capacidade de ser e estar no mundo, além de outros setores da vida.
A promoção da saúde está intimamente relacionada com a educação
em saúde, e, neste trabalho, nossa orientação teórico-epistemológica dá
destaque para a educação popular em saúde, que, entre outras coisas,
reafirma a importância do processo coletivo da educação, não como
uma simples prescrição individual.
Esta proposta é mobilizada através da Pedagogia da Alternância
(PA), nascida na França, no ano de 1935, pelos próprios sujeitos do
campo que, a partir da alternância de tempo e espaço, construíram
sua formação, tendo como base um ensino vinculado a sua realidade –
o trabalho na agricultura. A PA não apenas se expandiu naquele país,
como chegou na América Latina e na África. No Brasil, essa pedago-
gia nasce durante o período da ditadura militar, em 1968, em um dos
momentos mais duros de nossa história. As EFAS, no entanto, pas-
saram a dialogar com os/as pequenos/as agricultores/as, camponeses/
as e movimentos sociais, buscando estabelecer novos espaços de espe-
rança para um povo que estava “esquecido” no campo e submetido à
“Revolução Verde”.
No Rio Grande do Sul, elas chegaram apenas em 2009, com a
formação da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul e, em se-
guida, com a Escola Família Agrícola de Vale do Sol, em 2014. De um
modo geral, essas EFAs introduziram a PA com influência freireana, a
começar pela importância do diálogo em rodas, em diferentes momen-
tos do cotidiano escolar, com intencionalidade política e pedagógica,
bem como o trabalho realizado em coletivo, a partir da sua própria
realidade. Com a grande demanda no Vale do Rio Pardo, as EFAs pas-
saram a atuar em comunhão, atendendo os/as agricultores/as familiares
e os/as camponeses/as. A proposta formativa das EFAs tem, como ob-
jetivo, construir uma educação humanizada, crítica e ecologicamente
comprometida com o meio ambiente.
1076
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Logo, os instrumentos pedagógicos atuam como ferramentas,


e são definidos como meios de fazer com que haja ensino e apren-
dizagem contínuos, de modo a dar sentido às experiências da vida
cotidiana no campo (VERGÜTZ, 2013) e à teoria.  Para isso, esses
instrumentos pedagógicos são pensados e criados para atender espe-
cificamente cada uma das demandas formativas. Podemos citar al-
guns deles: caderno de acompanhamento, tutorias, visita às famílias,
estágio de vivências, área experimental e a feira pedagógica. Assim,
quando pautada a discussão de educação popular (em saúde), os dois
últimos instrumentos permitem compreender a relação entre a pro-
moção da saúde e a Pedagogia da Alternância.
Como sabemos, Freire não apenas anuncia a dialogicidade
como essência da educação como prática da liberdade, mas também
denuncia a ação antidialógica da educação, em particular, as suas ca-
racterísticas, a saber: a conquista, a opressão, a manipulação e a in-
vasão cultural (FREIRE, 1998). No entanto, colocamos em foco o
enfrentamento e o processo de superação dessa educação.
A área experimental pode ser definida como um elemento de li-
gação entre o espaço escolar e o meio socioprofissional (propriedade
familiar), assim como um espaço de ensino-aprendizagem (através) e de
produção de alimentos. Esse conhecimento é sistematizado por meio
do Caderno de Campo, elemento importante de “registro”, ou seja, “de
apoio à reflexão sobre a prática” (FREITAS, 2018, p. 412), tanto quan-
to um princípio de teorização da experiência, tarefa política e atitude
crítica no/com o mundo (FREIRE, 1994). Ela se destina à produção de
alimentos para subsistência das famílias, como também para a comer-
cialização na feira pedagógica. Um ponto de relevância nessa discussão
é a relação com os saberes vindos das famílias e das comunidades para
a autonomia dos/das estudantes, tanto financeira quanto em relação à
sua educação e à sua saúde.
Esse conjunto de saberes pode ser contraditório, uma vez que a
área experimental se destina à produção orgânica, através de sementes
crioulas e, na mesma propriedade, a maior parte da produção pode
se realizar com sementes transgênicas. No entanto, a dialogicidade da
PA coloca todos os sujeitos em co-laboração, influenciando-os mu-
tuamente, modificando o meio e construindo elementos de promoção
1077
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

da saúde pela educação, questionando a presença e os interesses do


“pacote agroquímico” na agricultura familiar – e, com isso, a presença
das multinacionais no território, e o crescente adoecimento de agri-
cultores/as na região.
O co-labor se dá entre sujeitos tanto construindo co-respon-
sabilidades quanto possibilitando a participação ampla por meio da
comunicação e não da extensão (FREIRE, 1998). Nesse sentido, tan-
to os saberes tradicionais quanto os saberes científicos se encontram
para o bem comum: famílias, estudantes e escolas se tornam “co-au-
toras da ação da libertação” (FREIRE, 1998). Fica evidenciado o de-
bate em torno da “alimentação sem veneno” que é trazido pelos/as
estudantes, mas também consolidado com os saberes construídos na
escola. Ademais, junto à feira pedagógica, esses saberes passam pelas
comunidades, gerando um debate sobre a qualidade da alimentação
e a importância para sua saúde, além da procura por ervas e preparos
medicinais, o que capacita essas comunidades para a reflexão sobre
saúde e a crítica ao modo de produção agrícola dominante, o do mo-
nocultivo e do veneno na mesa.
Observamos o papel fundamental que as mulheres exercem
através de seu trabalho doméstico e de cuidado, não apenas pela re-
produção social e societal, mas pela preservação da memória e pela
reprodução das sementes crioulas, pelas práticas medicinais e pelos
conhecimentos curativos, dos quais as famílias e as comunidades se
beneficiam. Dessa forma, podemos identificar certa coesão, unidade
entre os sujeitos em torno desses saberes da experiência para a saúde
da coletividade. Esses saberes são valorizados pelas EFAs e problema-
tizados à luz da educação libertadora.
Com isso, percebe-se o potencial da área experimental como
promotora de saúde, não só em caráter individual, mas também co-
munitário, pelo debate em torno da agroecologia como alternativa à
produção transgênica e ao uso de aditivos químicos, que colocam em
risco a qualidade de vida das pessoas.
Por fim, entendemos que, por meio dos instrumentos pedagógi-
cos e as ações culturais inerentes a cada um deles, a promoção da saú-
de e a Pedagogia da Alternância se encontram em um movimento de
“permanência-mudança”, como diria Freire (1998), não como invasão
1078
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cultural, mas na síntese pela libertação dos sujeitos organizados – nes-


se caso, através das mantenedoras das referidas EFAs, na articulação
da defesa da educação do campo e da agroecologia e na emancipação
das mulheres. “Na síntese cultural, não há invasores (...) os atores,
fazendo da realidade objeto de sua análise crítica, jamais dicotomi-
zada da ação, se vão inserindo no processo histórico, como sujeitos”
(FREIRE, 1998, p. 210).

Palavras-chave: Pedagogia do Oprimido. Educação do Campo. Escola


Família Agrícola.

1079
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREITAS, A. L. S. Registro. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZI-
TKOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica,
2018. Pp. 412-413.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
FREIRE, P. Cartas à Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
CARTA DE OTTAWA. In: 1ª Conferência Internacional sobre Pro-
moção da Saúde. Ottawa, Canadá: [s. n.], 1986.
VERGUTZ, C. L. B. Aprendizagens na Pedagogia da Alternância
da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Santa Cruz do Sul:
Reflexão e Ação, 2013.

1080
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTAS PEDAGÓGICAS COMO PROPOSTA


METODOLÓGICA DE PESQUISA

Gabrielle Coelho dos Santos


Universidade Federal do Pampa
gabriellecoelhodossantos@gmail.com

Ana Cristina da Silva Rodrigues


Universidade Federal do Pampa
anacristina@unipampa.edu.br

Este estudo está vinculado ao Mestrado Profissional em Educação


da Universidade Federal do Pampa e apresenta como temática as discus-
sões ocorridas no componente curricular “Leitura Dirigida: Cartas Peda-
gógicas como proposta metodológica”, ofertado no primeiro semestre do
ano de 2020, de forma remota (em função da pandemia de COVID-19).
Apresenta-se como objetivo geral discutir as contribuições das discussões
sobre o instrumento das cartas pedagógicas para as alunas do componen-
te, por meio das cartas elaboradas por elas ao longo do semestre.
Participaram dos 13 encontros, realizados através de salas virtuais:
sete alunas do programa, a professora responsável, dois professores visi-
tantes, além de professores convidados. Cada encontro buscou discutir
um ou mais aspectos referentes à importância e à utilização das cartas
pedagógicas nos diferentes projetos de intervenção das alunas embasa-
dos pelos estudos de Paulo Freire.
Inicialmente, é importante destacar que as cartas, por serem
cartas, precisam estar de acordo com as características desse gênero
textual, buscando sempre o diálogo entre o autor e as diferentes posi-
ções de seus interlocutores. E, por serem pedagógicas, proporcionam
diferentes aprendizagens e reflexões. Para além disso, as cartas tam-
bém se caracterizam pelo seu caráter político, em função de que apre-
sentam posicionamentos e de que nenhuma posição pode ser neutra
ou descontextualizada.
1081
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Freire, ao referir-se sobre o processo de leitura das cartas, salienta


a importância de que “o leitor ou leitora pudesse ir percebendo que
a possibilidade do diálogo com o seu autor se acha nelas mesmas, na
maneira curiosa com que o autor as escreve, aberto à dúvida e à crítica”
(FREIRE, 2000, p. 20).
As cartas proporcionam que o escritor tenha a possibilidade de
imprimir as suas impressões e seus questionamentos, em permanente
diálogo com os interlocutores, sem se distanciar dos posicionamentos
políticos indissociáveis da prática pedagógica. A leitura do mundo é
fundamental para que cada educador possa refletir e intervir com a in-
tenção de promover mudanças em sua realidade na sociedade que o
cerca. De acordo com Freire (2000, p. 21), “a leitura crítica do mundo
é um que-fazer pedagógico-político indicotomizável do que-fazer polí-
tico-pedagógico, isto é, da ação política que envolve a organização dos
grupos e das classes populares para intervir na reinvenção da sociedade.”
As cartas proporcionam que o pesquisador mantenha um diálogo
para além das escritas formais associadas à academia, se relacionando
com práticas de escrita capazes de provocar diferentes sentimentos e
emoções em seus leitores. Freitas (2019, p. 61) sistematiza o formato
pelo qual as cartas se caracterizam:

Sendo uma carta, deve apresentar os elementos


próprios deste gênero de escrita: data, destinatá-
rio, remetente, saudação inicial e final, além de
empregar a primeira pessoa, com a intenção de
comunicar-se, com diferentes finalidades. Por ser
pedagógica, a escrita apresenta com clareza a fina-
lidade que se propõe.

Como proposta final do componente, as alunas deveriam escre-


ver uma carta pedagógica, relatando a sua aproximação com a pro-
posta de escrita de cartas e como estas poderiam ser incorporadas nos
projetos de pesquisa. Nesta escrita são citadas as cartas de três alunas,
identificadas pelas letras A, B e C (com intuito de preservar a identi-
dade das estudantes).
A aluna A retrata, em sua escrita, as aproximações que ocorrem
durante o semestre, afirmando que as cartas “têm sido um incentivo,
1082
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em meio a uma pandemia que nos exige inúmeros cuidados relacio-


nados a nossa saúde e de nossos familiares e que nos impossibilitam
de viver essa experiência presencialmente, todas juntas”. Observa-se
que, para muito além de uma exigência acadêmica para a avaliação das
mestrandas, a experiência de escrita e leitura das cartas potencializou
a aproximação e o reconhecimento das alunas enquanto grupo, além
de promover reflexões sobre suas próprias práticas enquanto educado-
ras e alunas de um programa de pós-graduação. De acordo com Freire
(2020, p. 24), “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência
da reflexão Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá
e a prática, ativismo”.
As alunas B e C realizaram a escrita em dupla, pois compartilha-
vam dos mesmos interesses de pesquisa e de percepções semelhantes.
Em sua carta, relatam as influências dos estudos em suas práticas do-
centes e salientam que “os nossos encontros virtuais nos tiraram da zona
de conforto, nos apresentaram o novo e nos encantaram através de pro-
vocações da diversidade de saberes presentes nas obras de Paulo Freire”.
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, pois
utiliza instrumentos não quantificáveis para análise e reflexão dos con-
textos e dos sujeitos. Sendo assim, “a abordagem da investigação qua-
litativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é
trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos per-
mita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto
de estudo” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p. 49).
O instrumento de coleta de dados foram as cartas pedagógicas
enviadas pelas alunas do componente curricular “Leitura Dirigida: Car-
tas Pedagógicas como proposta metodológica”. De acordo com Viei-
ra (2018, p. 75), “referir-se às cartas pedagógicas implica referir-se ao
diálogo, um diálogo que assume o caráter do rigor, na medida em que
registra de modo ordenado a reflexão e o pensamento; um diálogo que
exercita a amorosidade, pois só escrevemos cartas para quem, de alguma
forma, nos afeta, nos toca emotivamente”.
A análise dos dados tem caráter documental, pois caracteriza-
-se pela análise de documentos que ainda não receberam tratamento
analítico, proporcionando a compreensão das cartas pedagógicas a se-
rem analisadas, tendo o interesse do pesquisador por esses documen-
1083
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

tos justificado pela “compreensão de que como a escolha é definida


por várias pessoas e impele-os para a literatura oficial” (BOGDAN,
BIKLEN, 1994, p. 180).
Por fim, ao realizar o último encontro da disciplina, observou-se,
em diálogo entre os professores e as alunas, a necessidade de continua-
ção dos estudos referentes às cartas pedagógicas, em função do encan-
tamento e da reflexão que foram proporcionados aos integrantes do
grupo. Por isso, no primeiro semestre de 2021 está sendo ofertado o
componente curricular “Leitura Dirigida: Cartas pedagógicas II – ins-
trumento metodológico de ensino, pesquisa, extensão e gestão”.
Além disso, é importante ressaltar que as alunas, em seus projetos
de pesquisa, optaram por utilizar as cartas como instrumento metodo-
lógico no diálogo com professores, famílias de seus alunos e, também,
governantes de seus municípios, demonstrando a potencialidade desse
instrumento nos diferentes espaços e com sujeitos diferentes.

Palavras-chave: Cartas Pedagógicas. Diálogo. Instrumento Metodológico.

Referências
BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em Educa-
ção – uma introdução às teorias e aos métodos. Portugal: Porto, 1994.
FREITAS, A. L. S. Carta. In: DICKMANN, I. (Org.). Diálogo Freiria-
no – Cartas, Relatos e Artigos. Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2019.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
docente. São Paulo: Paz e Terra, 2020.
VIEIRA, A. H. Cartas Pedagógicas. In: STRECK, D.; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte:
Autêntica, 2018. Pp. 75-76.

1084
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A CORPOREIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA FREIRIANA

Ana Paula Cavalcanti


Centro Universitário Newton Paiva
ana.cavalcanti@newtonpaiva.br

Já é sabido que as ideias de Paulo Freire são debatidas há anos na


área de educação, por diversos profissionais da área, no Brasil e, sobre-
tudo, em todo o mundo. Prova disso é o fato de o livro “Pedagogia do
Oprimido” ser uma das obras mais consultadas na área de humanas
nas universidades de língua inglesa. A questão que se coloca é: em
que medida os ideais da educação libertadora são corporeificados na
prática docente?
Esta é a pergunta norteadora da reflexão que se pretende fazer
neste resumo. Os objetivos deste texto são retomar os conceitos basi-
lares de uma prática pedagógica libertadora, crítica e emancipatória, a
partir de obras primárias de Freire (como “Pedagogia do Oprimido”,
“Pedagogia da Autonomia”, “Educação como prática da liberdade”,
Educação e Mudança”), e analisar uma experiência pedagógica viven-
ciada pela autora do texto.
Inicialmente, é importante esclarecer o título deste trabalho, já
adentrando no referencial teórico aqui escolhido. “Ensinar exige a cor-
poreificação das palavras pelo exemplo” é um dos saberes necessários à
prática educativa elencados por Paulo Freire em “Pedagogia da Auto-
nomia” (FREIRE, 1996), considerada a última obra escrita e publicada
pelo educador ainda em vida.
Ao abordar o tema, Paulo Freire (1996) reivindica a conscien-
tização de educadores quanto ao alinhamento entre o que diz e o
que faz: “Pensar certo é fazer certo” (FREIRE, 1996, p. 38). O que
dizer do professor que defende a luta pela autonomia da classe tra-
balhadora, mas, na prática, aceita, passivamente, as injustiças sociais
impostas pelo sistema econômico vigente? – diria Paulo Freire. Para
1085
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

o patrono da educação brasileira, “Não há pensar certo fora de uma


prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo” (FREIRE,
1996, p. 38) que, em outras palavras, significa dizer: praticar aquilo
que se diz. Esta é a tese principal deste texto: corporeificar (imprimir
em seu corpo e suas ações) o discurso que defende. É possível que
muitos que se dizem adeptos da pedagogia libertadora de Freire não
sejam capazes (ou não tenham a coragem) de vivenciar a práxis tão
defendida por ele.
Praticar os ideais freireanos significa romper com a ordem vigen-
te; representa não aceitar as desigualdades; consiste em não aceitar a ul-
trapassada educação bancária, transmissiva e acrítica como ideal peda-
gógico. Transpor didaticamente a pedagogia libertadora é estar disposto
a promover a dialogicidade, a partir de temas geradores e do contexto
que circunscreve o cotidiano dos estudantes.
Naturalmente, tratar desses conceitos tão profundos de Freire,
presentes em suas obras primárias, em um espaço de linhas tão curto
não será suficiente. Entretanto, é possível apontar alguns aspectos da
densa teoria freireana que sustentarão a análise da experiência pedagó-
gica que se pretende descrever mais adiante.
Inicialmente, é importante destacar que a base do pensamento frei-
reano é a democracia. Freire foi, antes de tudo, um democrata que defen-
dia a educação de qualidade para todos e todas. Sendo assim, em uma
educação democrática, o diálogo deve se impor como condição essencial.
Diálogo e dialogicidade se apresentam no capítulo 3 de “Pedago-
gia do oprimido”, no qual Freire defende que é preciso reconquistar o
direito à palavra por aqueles a quem foi negado esse direito. Relacionan-
do diálogo e democracia, o educador assevera que falar em democracia
e silenciar o povo é uma farsa. E para que esse diálogo seja verdadeiro, é
necessário que os sujeitos pensem criticamente.
O diálogo da educação como prática da liberdade, diz Freire
(1982), seria o momento em que se realiza a investigação do universo
temático, do conjunto de temas geradores. Investigar os temas gera-
dores é apurar a atuação dos estudantes sobre a realidade e, é, tam-
bém, possibilitar uma inserção crítica no mundo. Assim, quanto mais
os homens e as mulheres investigam sua temática, mais aprofundam sua
consciência em torno da realidade (FREIRE, 1982).
1086
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Temas geradores foram inicialmente abordados naquela que foi


sua primeira obra, “Educação como prática da liberdade”, publicada em
1967. Freire (2008) defendia um trabalho que promovesse a atuação do
educando não apenas no mundo, mas com o mundo, já que se tratavam
de homens e mulheres capazes de captar dados da realidade, capazes de
saber, uma vez que não há ignorância absoluta nem sabedoria absoluta.
A síntese de sua proposta metodológica pode ser resgata também
em “Educação e mudança”. Nessa obra, Freire (2014) atesta que para
um sujeito ser ativo no processo de democratização é preciso promover
um método de ensino ativo, dialógico, crítico e criticista.
Os pilares fundamentais da pedagogia libertadora de Freire, des-
critos brevemente neste texto, ampararam a prática pedagógica a ser
descrita. Por esse ângulo, propõe-se atingir o segundo objetivo deste
texto, que é analisar a experiência docente de sua autora, a partir dos
conceitos abordados até aqui.
Durante o primeiro semestre do ano de 2019, a pesquisadora que
escreve este texto realizou a observação etnográfica de algumas aulas de
língua portuguesa em turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
em uma escola municipal. Em uma das aulas, a professora regente pro-
pôs o estudo do gênero textual biografia. Entre outras coisas, a educa-
dora pediu aos estudantes a pesquisa sobre a biografia de alguma per-
sonalidade importante, que fosse fonte de admiração deles. A pesquisa
aconteceu nas aulas, especificamente, no laboratório de informática e
na biblioteca da escola.
Nessa sequência de atividades, a pesquisadora aproximou-se de
um estudante que estava investigando, na internet, a biografia do can-
tor Chorão, vocalista da banda Charles Brown Jr. Durante a atividade,
o jovem relatava sua profunda admiração pelo artista. Curiosa, a pes-
quisadora indagou o porquê de Chorão ser a personalidade escolhi-
da, ao que o estudante relatou seu gosto musical pelo rap. Ademais, o
educando salientou que produzia e compunha alguns raps, conseguia
criar rimas e, ainda, que possuía equipamentos, além de aplicativos no
computador, para a produção de canções nesse estilo.
A perspectiva adotada pela pesquisadora ao investigar as preferên-
cias musicais e a realidade do estudante certamente vincula-se à noção
de universo temático defendida por Freire, em “Pedagogia do Opri-
1087
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mido”. O que a pesquisadora tentava fazer com essas intervenções era


promover algo que motivasse o jovem a compreender um conteúdo
(gênero textual biografia), a partir de suas vivências e do saber já cons-
truído por ele até aquele momento.
Diante das informações coletadas, a pesquisadora incentivou o
estudante a apresentar seu trabalho sobre a biografia do cantor Chorão
por meio de um rap composto por ele mesmo. A ideia da pesquisadora
foi aceita com muita empolgação pelo aprendiz, que se comprometeu
em realizar uma apresentação baseada nas rimas de um rap de sua
própria autoria. A apresentação do estudante foi descrita no diário de
campo da estudiosa:

Quando cheguei à sala, o aluno já estava com os


equipamentos preparados para a apresentação. O
jovem apresentou a história de Chorão em forma
de rap: “Chorão e Champignon: mais que respon-
sabilidade. Pelado na bateria e o Marcão na guitar-
ra deixa nego na poeira, deixa nego na saudade”. O
estudante ainda exibiu imagens do cantor Chorão
no projetor multimídia com o meu auxílio.

A vivência descrita pode nos levar a refletir sobre o quanto


é imprescindível fazer da pedagogia libertadora de Freire, mais que
uma retórica, uma práxis cotidiana nas salas de aula. Inegavelmente,
acessar o universo temático dos estudantes, considerando seus sabe-
res já acumulados e colocando-os em um papel ativo no processo de
aprendizagem, parece uma ideia factível para uma educação demo-
crática e de qualidade.

Palavras-chave: Pedagogia Libertadora. Corporeificação das Palavras. EJA.

1088
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2008.
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

1089
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A GESTÃO TRANSFORMADORA DE FREIRE FRENTE À


SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO

Bruna Mariane Rocha Nascimento


Centro Universitário Newton Paiva
brunam13@hotmail.com

Em 1989, Paulo Freire assumiu a Secretaria de Educação da cidade
de São Paulo no governo da então prefeita Luiza Erundina. Seu objetivo
frente à Secretaria de Educação era colocar em prática a teoria que havia
desenvolvido ao longo de sua trajetória enquanto estudioso e pensador da
educação. O professor, em sua gestão, visava transformar a educação, na
maior metrópole brasileira, tornando-a mais democrática, bem como al-
mejava aumentar os direitos daqueles que estavam envolvidos no contex-
to educacional, além de colocar em prática a educação libertadora, temá-
tica tão discutida e defendida pelo educador em suas obras. A trajetória
de Freire, nesse período em que esteve à frente da Secretaria, é relatada na
obra “Direitos Humanos e Educação Libertadora – Gestão Democrática
da Educação Pública na cidade de São Paulo”. A referida obra é organi-
zada por Ana Maria Araújo Freire, Nita Freite e Erasto Fortes Medonça.
Freire, ao assumir a Secretaria, deparou-se com grandes desafios:
falta de estrutura física para que as atividades escolares pudessem ser
realizadas, salários de professores extremamente defasados, alto índice
de evasão, dentre outros problemas por ele apresentados em diversas
entrevistas concedidas no decorrer de sua gestão. Contudo, apesar das
inúmeras dificuldades, Freire decidiu encarar os desafios e optou por
dar início a uma prática que visava, como ele mesmo dizia (e esse ponto
é ressaltado muitas vezes na obra), mudar a cara da escola.
Mudar a cara da escola, para o Freire, estava ligado à observância
de princípios democráticos, como: a questão do diálogo; a necessidade
de uma formação contínua para os professores da rede; a necessidade de
diminuir a evasão escolar; a necessidade de dialogar com a comunidade
e entender as demandas e necessidades dos educandos; mudar currículo;
1091
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

ou seja, criar, de fato, um ambiente realmente democrático e sadio, em


que o espaço escolar fosse, de fato, de todos. Desta forma, com a trans-
formação da escola, seria possível libertar a população que estava presente
na escola pública, dando voz, espaço e valor a essas pessoas que não eram
ouvidas, a população oprimida. Essa ideia é trazida por Nita Freire, na
obra “Direitos Humanos e Educação Libertadora – Gestão Democrática
da Educação Pública na cidade de São Paulo”, com as seguintes palavras:

“Mudar a cara da escola” trazia como substantivi-


dade intrínseca nela mesma os princípios demo-
cráticos do diálogo, da disciplina e da formação
dos educadores e das educadoras como leitmotiv
para possível libertação dessa população opri-
mida que frequentava a escola pública de São
Paulo. Não tinha a intenção apenas de atingir
os objetivos educacionais, válidos e proclamados
(FREIRE, MENDONÇA, 2019, p. 19).

No que concerne ao eixo central da temática da obra, direitos hu-


manos e educação, é importante primeiramente ressaltar um ponto que
Freire julga fundamental para relacionar os dois pontos: a compreensão
da educação como ato político. Quando Paulo Freire expressa em seus
escritos que a educação é política, ele não se refere a ela como propria-
mente partidária; ao tratar sobre esse tema, ele espera que o educador
tenha ciência de que sua prática educativa exige um posicionamento a
favor de alguém, de uma determinada ideia, de um sonho, de um pro-
jeto social, e que esteja ciente de que sua atuação deve ser coerente com
o seu posicionamento político, haja vista que não há prática educativa
neutra. Desta forma, a postura política do educador dirá sobre como ele
entenderá o tema educação em direitos humanos.
O professor que, em sua prática docente, defende a manutenção
da estrutura social existente, em que uma classe domina e subjuga os
direitos dos demais cidadãos, é o que Freire chama de reacionário. Esse
educador é o que pratica uma educação elitista, que não respeita o saber
do educando, que desenvolve a educação bancária, e que defende, em sua
prática pedagógica, que educação e direitos humanos têm relação com a
educação da classe dominante. Esse educador, para Freire, é aquele que

1092
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

impossibilita o desenvolvimento das classes populares, ou seja, não realiza


uma prática que dê aos cidadãos a capacidade de desenvolver sua habi-
lidade de pensar autonomamente, nem mesmo de buscar seu lugar no
mundo e de entender a importância que seus saberes trazem consigo.
Contudo, há o educador que Freire (1989) chama de progressis-
ta. Este educador, que tem uma postura para o desenvolvimento, alme-
ja, em sua prática, contribuir para que homens e mulheres desenvolvam
seus saberes de forma independente, além de que sejam capazes de de-
fender suas ideias, se percebam como cidadãos do mundo e tenham o
direito de construir aquele conhecimento que ainda não existe – ideia
trazida por Freire no Seminário de Educação e Direitos Humanos, no
ano de 1989. Para esse professor, a educação e direitos humanos é aque-
la que permite ao educando compreender e exercer os seus direitos, que
muitas vezes são negados pelas classes dominantes. Portanto, é a partir
do conhecimento que o cidadão será capaz de compreender que tem o
direito de comer, de morar, de viver, de discordar, de sonhar, de comu-
nhão, de falar, dentre vários outros que, muitas vezes, ele desconhece.
Paulo Freire, em seu discurso realizado em uma palestra proferida no
Seminário Educação e Direitos Humanos, fala sobre educação para os
direitos humanos, na perspectiva da justiça, com as seguintes palavras:

A educação para os direitos humanos, na perspecti-


va da justiça, é exatamente aquela educação que des-
perta os dominados para a necessidade da briga, da
organização, da mobilização crítica, justa, democrá-
tica, séria, rigorosa, disciplinada, sem manipulações,
com vistas à reinvenção do mundo, à reinvenção do
poder. A questão colocada não é a de um educador
que se inspira como estímulo à tomada do poder,
mas a tomada do poder que se prolongue na rein-
venção do poder tomado, o que vale dizer que essa
educação tem a ver com uma compreensão diferente
do desenvolvimento, que implica uma participação,
cada vez maior, crescente, crítica, afetiva, dos grupos
populares (FREIRE, MENDONÇA, 2019, p. 41).

Em seu período como secretário de Educação, Paulo Freire bata-


lhou e dedicou-se de forma árdua para que a mentalidade no ambiente
1093
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

escolar fosse transformada. Freire não buscou fazer mudanças apenas es-
truturais na educação de São Paulo, ele foi além: compreendeu a neces-
sidade de uma formação continuada adequada para os professores, para
que houvesse uma prática pedagógica alinhada com o desenvolvimento
da autonomia dos educandos; deu voz a toda a comunidade escolar; al-
terou o currículo da educação; criou núcleo de estudos alfabetização de
jovens e adultos; diminuiu a evasão; ouviu as necessidades dos professo-
res, dos alunos, das cantineiras e de todos que faziam parte da educação.
Paulo Freire, em sua gestão verdadeiramente democrática, visou defender
direitos e concedeu voz e espaço para que eles pudessem se expressar.
A trajetória do notório educador à frente da Secretaria de Edu-
cação de São Paulo encerrou-se há mais de 30 anos, porém, o modelo
de educação que ele sonhou que fosse implantado em todo o país ainda
não aconteceu de maneira efetiva. A desvalorização do professor ain-
da é uma realidade, a formação continuada não acontece na maioria
dos contextos educacionais, a educação bancária ainda está presente no
contexto educacional e a valorização dos direitos e o seu exercício tam-
bém não acontecem.
O patrono da educação brasileira nos ensina que a educação faz-
-se libertando, dialogando, ouvindo e atuando. A prática educativa deve
libertar o educando, a tal ponto que ele seja capaz de entender que não
está sendo respeitado, que está sendo privado de seus direitos, que há
uma estrutura social dominante que deseja que não aconteçam mudan-
ças sociais – haja vista que é mais interessante para seus interesses e para
sua estrutura de dominação que a realidade educacional permaneça a
mesma. A educação, a gestão, a prática precisam contribuir para mudar
esse sujeito e torná-lo autônomo o suficiente para que ele seja capaz de
se libertar, de se educar e de lutar pela sociedade em que acredita.

Palavras-chave: Gestão Democrática. Direitos Humanos. Educação.

Referências
FREIRE, A. M. A.; MENDONÇA, E. F. Direitos humanos e educa-
ção libertadora: gestão democrática da educação pública na cidade
de São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

1094
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA:


POR UMA EDUCAÇÃO BASEADA NA DIALOGICIDADE

Maria Elisabete Fernandes


Universidade de Caxias do Sul
ita.fernades@gmail.com

Danúbia Bianchi
Universidade de Caxias do Sul
danubiamenegat@gmail.com

Mariana Lisboa de Oliveira


Universidade de Caxias do Sul
lisboa.mariana@gmail.com

Thainá Cristina Guedes


Universidade do Vale do Rio dos Sinos
thaaiguedesc@gmail.com

Estimados colegas professores...

A pandemia do COVID-19 tem causado um impacto profundo


em nosso modo de viver e organizar a sociedade. Notórios são os pro-
blemas no sistema de saúde, que beira o colapso diante do grande nú-
mero de infectados e de pacientes à espera de tratamento. A economia
sofre impactos imensuráveis, e a situação de pobreza e miserabilidade
em massa aumenta a cada dia, decorrente do grande número de pessoas
sem possibilidade de desempenhar suas funções profissionais. A educa-
ção padece de modo particular – os impactos podem ser sentidos agora,
mas também haverá graves consequências no futuro.
Nossos olhares voltam-se, em especial, para a rede pública de en-
sino, nosso objeto de trabalho, já que, desde sempre, essa educação, tida
1095
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

como a educação para o povo, é sinônimo de vulnerabilidade e preca-


riedade. A situação de fragilidade das famílias inseridas nesse contexto
influencia diretamente na práxis docente, ultrapassando significativa-
mente a capacidade de administrar uma pedagogia que seja inclusiva e
não segregadora. Libâneo (2013) afirma, com precisão, haver a neces-
sidade de condições básicas de vida para que tenhamos possibilidades
de construir uma educação de qualidade. Essa argumentação se tornou
mais clara e com maior força neste momento de reorganização forçada
de atividades escolares para o modelo remoto.
Segundo a Unesco (2020), desde que a pandemia da COVID-19
foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a realidade
mundial é de cerca de 1,6 bilhão de crianças e jovens fora da escola. No
Brasil, temos cerca de 70% dos estudantes sem nenhum acesso à educa-
ção. Esses dados trazem outras consequências, além daquelas do campo
pedagógico: refletem, também, no aumento significativo de violência
doméstica, trabalho infantil, espaços inadequados para as crianças fica-
rem enquanto seus pais trabalham, muitas vezes sem estrutura alguma
(denominados popularmente como “mães crecheiras”). São desafios que
se apresentam como dados cruéis de uma realidade pandêmica que as
tecnologias digitais não conseguem abarcar.
Nesse sentido, Libâneo (2013, p. 33) já afirmava que “é neces-
sária uma reflexão de conjunto para uma compreensão mais correta
da escola pública”. Nós, educadores, temos uma série de fatores a pro-
blematizar quando pensamos em aulas remotas, e esses vão além de
promover meios de acesso às aulas. Precisamos, como professores que
somos, diante da “situação-limite” (FREIRE, 2015; 2017), decidir não
aceitar o caminho que se percebia inevitável, que era o de uma relação
professor-aluno contraditória, reforçado por uma educação bancária e
a-dialógica. Entendemos que o momento pede a dialética e o exercício
político entre os envolvidos. Vivenciamos, neste momento, o que Freire
nomeia de inédito-viável (FREIRE, 2015; 2017), uma das categorias
estudadas de Pedagogia do Oprimido, que nos provoca a refletir, pois
traz à luz a esperança da transformação, que se dá pelos “corpos cons-
cientes” daqueles envolvidos em um processo histórico. Ainda nesse
sentido, Freire (2017) diz que os homens, por terem “existência histó-
rica”, “são conscientes de si” e, assim, apropriam-se de uma consciência
1096
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de mundo, porque são um “corpo consciente”, vivem uma dialética


entre os condicionamentos e sua liberdade (FREIRE, 2017 p. 125).
Somos, portanto, agentes transformadores da realidade, mas não somos
no individual, somos no coletivo, sempre na relação de dialética, na
interpelação do outro, que é um corpo consciente diante de nós. No
caso, essa interpelação, no sentido freireano, se dá na realidade concreta
da vivência escolar, mesmo que, neste momento inusitado, aconteça
no campo virtual, pois o aluno é visto não somente pelo que sabe, em
termos de conteúdos curriculares, mas, também, nas formas de relação
com o saber. Uma situação-limite não deve ser tomada como se fosse
um obstáculo insuperável, mas como momento em que nós, sujeitos,
a compreendemos, isto é, como: “dimensões desafiadoras dos homens,
que incidem sobre elas através de ações [...] atos limites – aqueles que se
dirigem à superação e a negação do dado, em lugar de implicarem sua
aceitação dócil e passiva” (FREIRE, 2017, p. 125).
Essa realidade que muito tem nos desafiado, e que se apresen-
ta como entrave para a nossa libertação, não pode se resumir a uma
proposta pedagógica com atividades meramente comportamentais, re-
produtivas e bancárias, mas deve se mostrar em um planejamento cons-
truído na dialogicidade permanente consigo e com o outro. Por mais
que esse momento pareça consolidar, a cada dia mais, a individualização
do ser e estar no mundo, precisamos chegar à “consciência máxima
possível” (FREIRE, 2017, p. 149), para conseguirmos visualizar um
novo caminho a partir do coletivo que, dia após dia, apresenta-se como
nossa única alternativa de superação. Atualmente, vemos as escolas rea-
firmando suas funções sociais para além de apenas ensinar os conteúdos
programados. Vemos uma rede de assistência se desenvolvendo dentro
da comunidade escolar, a partir de doações e da busca pela manuten-
ção de vínculo constante, para tentar, ao máximo, não perder nenhum
aluno pelo caminho. Sem dúvidas, a aprendizagem dos conteúdos é
uma preocupação em todo o sistema educacional, mas o apoio social e
humano torna-se imprescindível à conscientização do coletivo, trans-
formando-se em ato político.
Não podemos negar, ou muito menos ignorar, as dificuldades
que o ensino remoto traz para o ensino público. O acesso à educação,
como direito de todos, torna-se praticamente impossível para aqueles
1097
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

que sofrem incessantemente essa pandemia. Porém, nós, professores e


professoras, carregamos em nossa profissão o papel de conscientizar, de
fazer pensar e de mostrar o caminho para a libertação. Dessa forma, não
podemos nos esquecer de que, por mais difícil que seja este momento,
o inédito-viável apresenta quase como o único caminho possível o de
seguirmos juntos, com o coletivo, para concretizar nosso papel como
agentes transformadores e buscar a conscientização – quando a trans-
formação mostra-se cada vez mais necessária.
Paulo Freire reflete sobre a dialogicidade como um ato de amor,
confiança e esperança (FREIRE, 2015). Apenas a partir do amor e da
fé no homem é que se concretiza o diálogo para compreendermos nossa
existência no mundo como um processo, no qual a realidade nunca está
acabada e passa constantemente por transformações. E é nessa transfor-
mação, vivenciada a partir da pandemia, desse momento de luta, dor e
perda, que não podemos deixar de ter esperança. Esperança na busca de
nós, do outro, de ser mais.

Palavras-chave: Escola. Pandemia. Paulo Freire.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 64 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2017.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 2013.
UNESCO. Educação: da interrupção à recuperação. Paris: Unesco,
2020. Disponível em: https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PAULO FREIRE EM TEMPOS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL:


AGRADECIMENTO À BONITEZA DE UM CURSO

William Teixeira Alves


UFRRJ
wyl.alves@gmail.com

Estimado prof. Aristóteles:

Sendo esta a primeira carta pedagógica que ouso escrever, decidi


fazê-la como forma de agradecimento pelas ideias estéticas de Freire
em mim suscitadas durante o curso ministrado por você, em meados
de 2020. Em um ano atípico e sem precedentes, repleto de angústias
e (des)esperanças, surge a oportunidade de falar do esperançar em
Freire e da boniteza do seu legado para as gerações. Não poderia haver
nome mais pertinente para um momento como o que vivemos e se-
guimos vivenciando: PAULO FREIRE EM TEMPOS DE DISTAN-
CIAMENTO SOCIAL.
As obras discutidas nos encontros foram de grande relevância
para reacender a chama do esperançar por tempo melhores, mesmo
em meio a tantas incertezas. Discutir, desabafar e ouvir os colegas de
curso e seus múltiplos olhares acerca da “Pedagogia da indignação”,
“Educação como prática da liberdade”, “Pedagogia do oprimido”,
“Pedagogia da esperança” (e abro estes parênteses para dizer que esta
foi a obra que mais me tocou) e a “Pedagogia da autonomia” foi de
uma boniteza sem igual.
Iniciamos nosso encontro constatando que necessitamos de um
mundo novo (de um novo normal), pois nosso mundo é pautado na
ganância, no lucro e no individualismo. Isso já não nos cabe, precisa-
mos que a sociedade, como um todo, debata a ética, a estética e a po-
lítica, mas sempre mansamente, respeitando as pessoas, como Freire
nos demonstra em “Pedagogia da indignação”. Lembro-me do nosso
segundo encontro, quando expus à turma e ao caro professor um ve-
1099
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

lho costume meu de associar as obras que leio a músicas. Lembra-se


da música que elegi para representar a obra em questão? “Quando o
sol bater na janela do teu quarto”, de Legião Urbana:

[...] A humanidade é desumana


Mas ainda temos chance
O sol nasce pra todos
Só não sabe quem não quer
Quando o sol bater
Na janela do teu quarto
Lembra e vê
Que o caminho é um só
Até bem pouco tempo atrás
Poderíamos mudar o mundo
Quem roubou nossa coragem? [...]
(Legião Urbana)

A eleição da canção se deu porque aponta para a necessidade de


uma consciência democrática, pautada na ética; não a (ética) do mer-
cado, mas a (ética) humana – que se fundamenta em liberdade, autori-
dade, escolha e decisão. A obra discorre claramente sobre esses quatro
fundamentos, nos apontando dois conceitos básicos, necessários para
sua efetivação: o bom testemunho (compromisso com o mundo mais
justo) e o estímulo ao diálogo, ao debate, desde cedo.
Outro momento marcante, se não me engano no nosso terceiro
encontro, foi a sua exposição sobre a curiosidade e a estranheza que
lhe eram causadas pelas palavras BONITEZA e REBELDIA, expos-
tas por Freire. Palavras essas que suscitaram uma reflexão sobre seus
sentidos para além da semântica. Lembro-me bem de que, na ocasião,
o prezado professor apontou que os gestos de rebeldia freireana se re-
petiam até hoje, na luta dos sem-terra, dos sem-escola, dos sem-casa,
dos “favelados”, na luta contra a discriminação racial, de classe e de
sexo (FREIRE, 2000).
Você nos fez compreender ou reafirmar o pensamento de que
era necessário aprender a resistir à exploração, à retirada da liberdade,
à imposição e a qualquer invasão, pois a história/futuro não é algo
acabado, já que as coisas podem ser transformadas, e que ter essa cons-
ciência é fundamental.
1100
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Ao som de “o educador é um político e artista” (FREIRE, 2011,


p. 45), adentramos as discussões posteriores, enfatizando a estética em
Freire, um autor político da educação. Em minhas leituras freireanas,
que foram potencializadas por esse curso (obrigado por isso, professor),
pude observar a constante tríade educação, formação e estética – pois
não é possível entendê-las de forma independente no pensamento do
autor. Para Freire, o ato educativo é a principal estratégia para formar
o ser humano na sua completude e como um modo de interventor no
mundo (FREIRE, 1996).
A educação possui uma profunda marca estética, que se funda-
menta nos processos contemporâneos de subjetivação, em uma ideia de
humanidade, na qual a natureza é inacabada, incompleta, mas conscien-
te de sua limitação, aquilo que nos caracteriza como seres programados
para aprender (FREIRE, 1996), em permanente busca, com perguntas.
A relação que estabelece Freire entre a formação e a estética
nos mostra que os problemas da educação não se resumem ao ensi-
no como transmissão de conhecimento, mas também na criação de
possibilidades para a construção dele e para intervenção no mundo
(FREIRE 2000). O conhecimento se constitui nas relações entre o
homem e o mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na pro-
blematização crítica dessas relações. Nesse sentido, a produção de co-
nhecimento tem uma série de requisitos: exige uma presença curiosa
do sujeito frente ao mundo, requer sua ação transformadora sobre a
realidade, demanda uma busca constante e implica invenção e rein-
venção (FREIRE, 1996).
Com seus ensinamentos, você, professor, lado a lado com Freire,
nos incentiva a assumirmos um compromisso educativo amoroso, ético
e estético.
Eu poderia seguir minha escritura elencando as significativas re-
flexões advindas do curso que você propôs, mas não pretendo me alon-
gar. No entanto, quero deixar registrada minha gratidão eterna a Freire
e a você, por inspirar os seus alunos, orientandos e todos à sua volta a
revisitar os ensinamentos estéticos do renomado Paulo Freire.
Entre debates, reflexões e cursos vários, vamos resistindo aos
tempos sombrios. Pois, como o próprio Fórum a que submeto esta
carta pedagógica afirma: EDUCAR É EXISTIR E RESISTIR, por
1101
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

isso, aqui estamos, professor, existindo e resistindo, buscando a com-


preensão e a internalização do fundamental papel da educação estética
e sua ação libertadora.
Abraços fraternos e esperançosos sempre, caro professor, e que
não sucumbamos aos últimos acontecimentos do atual contexto em
que vivemos.

William Alves

Palavras-chave: Estética. Esperançar. Educação.

Referências
FREIRE, P. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
processo. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LEGIÃO URBANA. Quando o sol bater na janela do teu quarto.
Disponível em: https://www.letras.mus.br/legiao-urbana/22494/.

1102
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PARA PAULO FREIRE:


PEQUENAS REFLEXÕES SOBRE UM TEMPO TEMPESTUOSO
QUE IMPLORA POR CUIDADOS

Marlova Andréia Bosetti


Universidade Federal da Fronteira Sul
bmarlova@gmail.com

Querido Paulo:

Escrevo esta pequena carta como uma maneira de externar e


refletir sobre acontecimentos e incertezas deste momento para, quem
sabe, de algum modo, compartilhando-os, torná-los mais compreensí-
veis e suportáveis; para que possamos recuperar e manter certo fôlego
de vida... Aliás, até mesmo esse fenômeno, aparentemente tão simples
e vital, tem sido um obstáculo em nossos tempos de pandemia de CO-
VID-19, tempos em que seres microscópicos atingem nossos corpos,
nossos familiares, amores, amigos e educandos – evidenciando as gigan-
tescas contradições do capitalismo atual, forçando-nos para o despertar
de novas consciências, posturas e rotinas.
Caro professor, não pretendo soar-lhe desagradável (pessimista
ou fatalista), até porque seus valiosos ensinamentos apontam a história
como construção humana, sujeita a possibilidades. Cientes de nossa
condição de incompletude, e construindo-nos, paulatinamente, como
cidadãos (educadoras e educadores progressistas), não podemos nem
devemos aceitar os fatos como insolúveis, como se fossem anúncios
apocalípticos; antes, devemos desvelar o mundo, resistir às opressões e
ameaças, enfrentar as tensões e construir, no coletivo, os processos de
libertação humana e os inéditos viáveis.
Antes da pandemia, o mundo já vivenciava contextos de profundas
crises, processos de desumanização do humano, de exploração, de opres-
sões. Contudo, aquilo que você, de maneira muito acertada, caracterizou
como “aura necrófila” agora exacerba-se: são milhares de mortes diárias,
mortes essas que poderiam ter sido evitadas por meio do correto empre-
1103
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

go dos avanços da ciência e da técnica, sobretudo os da epidemiologia.


Infelizmente, em vários lugares do mundo e, particularmente, parafra-
seando a ironia de Belchior, neste “lugar comum, junto daqui, chamado
Brazil, [com z] feito de três raças tristes…”, impera o descompromisso, a
irresponsabilidade, a falta da ética humana e do cuidado, sobretudo, dos
políticos para com o povo. Desse modo, está em curso a última expressão
de Belchior na canção “Retórica sentimental”: “Oh! blood moon” (lua de
sangue), aludindo à destruição civilizatória, ao caos.
O caos se materializa não apenas pelo aumento do contágio e
das mortes, pela falta de leitos hospitalares, de profissionais de saúde,
medicamentos e insumos, mas, também, pela volta da insegurança ali-
mentar, da fome, da miséria, da mortalidade infantil, da exclusão digital
de milhões de crianças e jovens impedidos da educação escolar e formal,
mesmo que com todas as limitações do formato on-line. Muitas auto-
ridades políticas (se é que é possível reconhecer alguns nesses termos)
manifestaram atos de desprezo por um conjunto articulado de medidas
(comprovadamente eficazes) de contenção da propagação do vírus. Ma-
nifestam resistências infundadas às propostas de renda mínima emer-
gencial ou permanente, reivindicadas por diversos coletivos sociais e
alguns parlamentares lúcidos, éticos e coerentes com a lógica da vida.
Como bem aponta seu genro, o economista Ladislau Dowbor
(2017), este momento do capitalismo é marcado pela voracidade e glu-
tonaria das grandes corporações, especialmente as instituições financei-
ras, que vivem de especulações globais. Ao acordar, vemos, nos jornais,
tamanhos absurdos: dizem que o capital fictício, a bolsa... ficam tristes...
reagem mal diante de uma possibilidade mínima de políticas sociais e
direitos trabalhistas… Agem a partir de uma lógica cruel e eticamente
insustentável: aumentar capitais fictícios, evadir riquezas nacionais, au-
mentar a dívida pública pela cobrança de juros injustos, forçar a desin-
dustrialização, o desemprego estrutural e radicalizar a miséria humana.
A lógica impostora, bestial, insensível e anti-humana do ideário
neoliberal é também muito bem explicada pelo sociólogo francês Ch-
ristian Laval (2019). Em diversas obras, ele demonstra como o neo-
liberalismo atua de forma sutil na corrosão dos sistemas de proteção
e de direitos sociais, no enfraquecimento das instituições que, na era
industrial, serviam de contrapeso ao poder do capital. O capitalismo
1104
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

atual submete todas as esferas de nossas vidas à lógica do lucro, da com-


petição, do produtivismo, do retorno imediato. O avanço estrondoso
da ciência e da técnica substitui cada vez mais o trabalho vivo, afrouxa
ainda mais a correlação entre diploma e emprego, exige um proletariado
fortemente intelectualizado, ativo, criativo e flexível. O conhecimento
e a educação, que deveriam servir ao bem comum, passam a ser meros
instrumentos dos interesses particulares.
Estamos vivenciando um processo assombroso de recolonização
das mentes através do canto da sereia do neoliberalismo. Muitas pessoas
estão sendo levadas a desacreditar dos serviços públicos de saúde e edu-
cação, estão sendo convencidas a aderir aos enunciados individualistas e
meritocráticos, das promessas do empreendedorismo, do discurso da ino-
vação... Jessé Souza (2017), importante sociólogo brasileiro, sempre nos
alerta para o fato de que a elite brasileira pactuou, com diversas frações
da classe média, constructos midiáticos que minaram o imaginário social,
através da demonização sistemática do Estado, desconsiderando as falhas,
os equívocos e até mesmo a desonestidade presentes no mercado.
Diante disso, a viabilização de um futuro para a humanidade, a rea-
lização de nossa vocação ontológca e histórica pela busca do SER MAIS
exige, como nos alerta Boaventura de Souza Santos (2020), uma viragem
epistemológica, cultural e ideológica que embase alternativas políticas,
econômicas e sociais diversas das que alimentamos até então. Se quiser-
mos sobreviver e, além disso, bem viver, precisamos romper com a nossa
histórica vassalagem ao hipercapitalismo e ao neoliberalismo.
Agora, convido-os a fazerem um pequeno esforço de memória,
lembrando as infinitas vezes em que fomos expostos e provocados à
ideia de que devíamos mobilizar os sistemas educacionais e as nos-
sas iniciativas para que pudéssemos “ser alguém na vida”, segundo os
ditames do self-made man norte-americano (sem levar em conta as
nossas pegadas ecológicas). Agora, em pleno capitalismo financeirista
e de plataformas digitais, as promessas de realização ganham outras
roupagens; em cada canto há anúncios, minuciosa e customizadamen-
te produzidos por experts (traders e coaching financeiros), nos ofere-
cendo facilidades: ganhar muito, com poucos esforços e, o que não
nos dizem, alimentar o poder dos já muito poderosos, sem reverter
nada disso em um bem ou serviço à sociedade.
1105
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Para finalizar, entendo que, possivelmente, uma das saídas de


tudo isso é desacelerar, tentar novos pactos de convivência social e am-
biental, conforme sugerem o economista equatoriano Alberto Acosta
(2016) e o ecologista, líder indígena brasileiro, Ailton Krenak (2019):
precisamos vencer a alienação capitalista, desenvolvimentista e extrati-
vista; resgatar outros tipos de produção da existência humana; superar
o antropocentrismo; constituir coletivamente novo paradigma, a partir
de nossa interdependência com a terra, o respeito aos direitos da natu-
reza e da plurinacionalidade; frear a mercantilização da vida humana e
não humana. O grito pelo cuidado é o grito de superação de respostas
economicistas, patriarcais, autoritárias e racistas. Sem dúvida, essa gui-
nada perpassa por um novo modelo educacional, por novos currículos e
propostas pedagógicas – perpassa pela educação libertadora.
Parafraseando Milton Nascimento: Até aqui o povo não viveu,
apenas aguentou, mas nós queremos viver! O bem viver, cuidando de
todos. “É preciso ter sonho, é preciso ter força… essa estranha mania de
ter fé na vida!”... Na sua aclamada BONITEZA da vida.

Com ternura.

Palavras-chave: Pandemia. Educação. Alternativas.

1106
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros
mundos. São Paulo: Autonomia Literária: Elefante, 2016.
DOWBOR, L. A era do capital improdutivo: por que oito famílias
têm mais riqueza do que a metade da população do mundo? São
Paulo: Autonomia Literária, 2017.
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 2019.
LAVAL, C. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque
ao ensino público. São Paulo: Boitempo, 2019.
SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.
SOUZA. J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janei-
ro: Leya, 2017.

1107
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

OLHARES, ESCUTAS E DIÁLOGOS NOS PROCESSOS


FORMATIVOS ENTRE SUJEITOS APRENDENTES

Silvania Regina Pellenz Irgang


Universidade Federal da Fronteira Sul/Campus Erechim
silvania.irgang@uffs.edu.br

Erechim, 3 de abril de 2021.



Estimados/as orientandos/as!

Escrevo minha primeira Carta Pedagógica a vocês, minhas/meus


orientandas/os de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Esco-
lar, que foram minha maior motivação, nesse tempo de pandemia, para
continuar acreditando que toda dedicação, todo estudo, toda pesquisa
e toda ética têm sido válidas. Definitivamente, “não há docência sem
discência [...]. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 25). Eu, uma professora iniciante no
Ensino Superior, na história da Universidade Federal da Fronteira Sul
– campus Erechim, e vocês, licenciandos/as que acreditaram na potên-
cia de ser professor/a: Um potente encontro formativo de encontros e
desencontros com a profissão docente, de como nos vemos e de qual é
a nossa função social. Para Arroyo (2008, p. 53) “Reaprendemos que
nosso ofício se situa na dinâmica histórica da aprendizagem humana,
do ensinar e aprender a sermos humanos. [...] Descobrimos que nossa
docência é uma humana docência”.
Durante esse tempo, compartilhamos saberes e experiências so-
bre a gestão escolar, a docência, o ensino, a pesquisa e a extensão no
campo da educação. Esse compartilhar nos proporcionou potentes
debates, momentos reflexivos, críticos e solidários. Criamos outras
possibilidades, antes não utilizadas, produzimos e construímos co-
nhecimentos, mesmo vivendo tempos de angústias e de incertezas. Ao
mesmo tempo, revisitamos nossas “certezas”. Por vezes, confundimos
1109
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

as certezas com a pretensão de que serão sempre válidas, no entanto,


atentemos que somos seres históricos, sociais e culturais. Já dizia Pau-
lo Freire: “ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que
antes foi novo e se faz velho e se ‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro
amanhã” (FREIRE, 1996, p. 35). Foi o que vivenciamos nesse tempo
em que realizamos propostas remotas de estágio, em que as incertezas
sobre o que fazer e como ser professor em aulas síncronas online nos
produziam ansiedades. Tivemos que olhar por diferentes perspecti-
vas, não mais por aquelas com que já estávamos acostumados/as e
até mesmo acomodados/as, de certo modo. Para ter novos olhares,
foi preciso saber em que ponto de observação nos colocávamos. Digo
“nós” porque eu também sou sujeito em constante (trans)formação.
Em diferentes momentos, tive que olhar com rigor e sensibilidade,
pois “Decência e boniteza andam de mãos dadas” (FREIRE, 1996, p.
36); tive que ser olhada pelo exemplo daquilo que ensinava, pois “não
é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo
perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando” (FREIRE, 1996,
p. 38); tive que olhar e escutar, pois “o sonho que nos anima é demo-
crático e solidário” (FREIRE, 1996, 126). Lembro nossos encontros
síncronos e o quanto nos perguntávamos: Como olhamos para o ou-
tro? Como nos olhamos? E pela tela do computador, pela plataforma
Webex, nos olhamos e nos escutamos, cada um/a exercendo o direito
de se posicionar.
A vocês, minhas/meus orientandas/os do Estágio em Gestão
Escolar, foi um grande desafio construir um estágio totalmente onli-
ne, sem estarmos presencialmente juntos/as, sem conhecer a vida da
escola, os sorrisos nos corredores, a gestão em ação no cotidiano do
espaço escolar. Porém, a escola não parou, a gestão precisou ser o elo
entre professores/as- famílias-crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Foi a partir de uma roda de conversa online que nos aproximamos dos
desafios atuais da gestão escolar e das demandas dos/as professores/as
frente ao seu trabalho profissional não-presencial. O trabalho colabo-
rativo se evidenciou na gestão das escolas, e isso foi impulsionador,
inclusive para os próprios grupos de estágio – sujeitos distintos que
tiveram a responsabilidade da gestão do próprio grupo, de aprimorar
a capacidade de escuta e das aprendizagens construídas no diálogo.
1110
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Escutar o outro é mais do que simplesmente ouvir o que ele tem a


dizer, segundo Freire (1996, p. 132): “quem tem o que dizer deve as-
sumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que,
quem escuta diga, fale, responda”. Nesse momento, todos éramos
igualmente sujeitos em aprendizagem, de modo que nos constituía-
mos “na prática democrática de escutar” (FREIRE, 1996, p. 135) e
no espaço respeitoso do diálogo, das relações éticas e generosas muito
valiosas para mim, professora formadora.
Atribuir sentido para tudo o que estávamos produzindo só foi
possível pelo diálogo constante, seja pela plataforma webex, seja pela
escrita no grupo de WhatsApp ou nos áudios enviados. Perguntas, su-
gestões, ideias, pesquisas e diferentes possibilidades na realização do
processo e do relatório final foram estabelecidas em uma relação ética e
política entre nós. Para Kimieciki (2013, p. 151), “o diálogo pressupõe
a humildade de reconhecer que não se sabe tudo, de admitir a supera-
ção, de saber ouvir os outros e aceitar sua contribuição [...]”, levando
em consideração a autonomia e a liberdade dos/as licenciandos/as em se
posicionarem, frente aos desafios impostos pela realidade vivida.
O isolamento social, recomendação para a não propagação do
COVID-19, acarretou uma série de angústias a todos/as nós, e isso re-
fletiu em nossos diálogos, quando estar com o grupo de estágio era o
único momento de fala e escuta para muitos/as. Os diálogos não se res-
tringiam às questões acadêmicas. Iniciávamos com um diálogo do ser e
estar no mundo naquele instante, naquela semana e de como cada um/a
estava se sentindo frente às pressões externas e internas demandadas
pelo contexto vivido por cada um/a. Após nos permitirmos esses mi-
nutos, iniciávamos as orientações. O diálogo, na perspectiva freireana,
retrata a perspectiva de uma educação humanizadora, como algo que
faz parte da natureza histórica de cada sujeito.
Caminhamos juntos/as! Fizemos rodas de diálogos pedagógicos
e humanos. Experienciamos a “humana docência” (ARROYO, 2008)
no Ensino Superior. Meu desejo é que o olhar e a escuta tenham sido
sensíveis, mas não de aceitação e acomodação daquilo que vemos e es-
cutamos; ao contrário, que ela tenha provocado a reflexão crítica daqui-
lo que, no diálogo, moveu cada um/a a finalizar o estágio como uma
forma de intervenção no mundo.
1111
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Já andamos, já paramos, mas nunca desistimos. Continuemos


com compromisso ético conosco, com nossos sonhos, com nossas vidas,
com o sentido que cada um/a produz sobre seus trajetos formativos.

Palavras-chave: Olhar. Escutar. Dialogar.

Referências
ARROYO, M. A humana docência. In: ARROYO, M. Ofício de mes-
tre: imagens e auto-imagens. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. Pp. 50-67.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KIMIECIKI, D. Educação e diálogo em Paulo Freire: os desafios da
formação humana. In: ZITKOSKI, J.; MORIGI, V. Experiências
emancipatórias e Educação: a docência e a pesquisa. Porto Alegre:
Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas, 2013. Pp. 145-153.

1112
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

AS CRIANÇAS E O CHÃO DO MUNDO: UMA RESISTÊNCIA


NECESSÁRIA E URGENTE

Caroline da Silva dos Santos


Universidade Federal de Santa Maria
Madre Tierra – Comunidade Aprendente
carolinesantosvalim@gmail.com

Para uma pessoa que não está mais entre nós, mas que nos deixou
um grande legado de luta, resistência e vida, escrevemos essa carta pe-
dagógica – Para o nosso querido Paulo Freire –, com o intuito de contar
um pouco o que estamos buscando, vivendo e aguçando em nossos
processos de estudos, e dizer que toda a sua obra e passagem pela terra
nos deixaram a certeza de que podemos caminhar com os outros e com as
outras, e de que juntos e juntas podemos pisar em chão1 firme, ou ainda,
construir nossas caminhadas no mundo.
Querido Paulo Freire, gostaríamos de contar a você que temos
nos juntado, reunido, em busca de estudar, aprofundar, pesquisar
sobre as crianças, suas infâncias e os seus chãos de mundo, no mun-
do, com o Grupo de Estudos “Paulo Freire, as Crianças e o Chão
do Mundo”2, orientado pela Professora Doutora Ana Felícia Guedes
Trindade. Temos procurado escavar, adubar esse chão de mundo tão
potente, que é o chão das crianças, e, para isso, temos estudado, esca-
vado, pesquisado em suas obras, buscando compreender as infâncias,
as crianças e seus chãos de mundo, as conexões entre a sua obra e as
relações com as crianças e as infâncias.
1 As palavras Chão e Chão do Mundo estão sendo aprofundadas teoricamente, a
partir das leituras das obras de Freire (1996, 2009, 2011, 2012, entre outras) Freire e
Guimarães (2011), Silva e Mafra (2020), Brandão (2014), e também dialogadas no
Grupo de Estudos – Paulo Freire, as Crianças e o Chão do Mundo.
2 Grupo de Estudos – Paulo Freire, as Crianças e o Chão do Mundo: Pedagogia
Brasileira com as Crianças Brasileiras, associado ao Projeto de Estudos da/na/com a
Comunidade Aprendente Madre Tierra. Assume, com potência e intensidade, o lugar
de quem estuda, pesquisa e sonha um mundo melhor para as crianças.
1113
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Precisamos dizer a você que escavar a infância, o chão, o mundo


em suas obras tem sido de grande relevância, pois você descreve o
chão e sua infância com muita potência. Sempre que lemos, estuda-
mos, dialogamos com alguma obra sua, temos a vontade de gritar para
o mundo, e dizer da sua conectividade com a infância e do quanto
traz o chão de mundo como uma potência para e com o nosso trabalho
pedagógico. Aliás, gostaríamos de contar sobre a nossa luta, para dizer
a nossa palavra e, com ela, dizer ao mundo que você não falou ape-
nas de Educação de Jovens e Adultos, apesar de ter feito um trabalho
imensurável sobre essa temática. Temos procurado, com suas leituras,
dizer que você e suas obras nos possibilitam pensar e refletir sobre as
infâncias, sobre as crianças e principalmente sobre o olhar aguçado e a
escuta sensível para com todos os meninos e meninas. E não podemos
esquecer, é claro, da menina e do menino que cada um e cada uma de
nós foi e ainda está sendo.
Quando você traz a seguinte afirmação: “O meu mundo mais
particular, a casa onde nasci, a rua, o bairro, a cidade e o país. O quin-
tal da casa onde aprendi a andar e a falar, onde tive os meus primeiros
sustos, meus primeiros medos” (FREIRE, 2012, p. 39), nos mostra a
potência do seu chão, e, ainda, como podemos fazer do nosso chão
e do chão das crianças uma potência, que nos faz fincar nossas raízes
profundamente, que nos faz olhar atentamente o lugar de onde cada
um de nós fala. Você nos ensinou tanto sobre conhecer o lugar de onde
nossos educandos falam, onde vivem, como vivem, assim, cada vez mais
acreditamos nesse chão de mundo como um lugar vivo, como um lugar
singular, mas também coletivo, lugar de encontro com os outros e as
outras para o ser mais.
Assim pensamos no chão do nosso quintal, como esse espaço tão
potente. Você nos diz: “[...] O primeiro mundo meu, na verdade, foi
o quintal da casa onde nasci, com suas mangueiras, seus cajueiros [...]”
(FREIRE, 2012, p. 40), e, assim como você nos conta, em muitas de
suas obras, articulamos algumas escritas sobre o nosso quintal, sobre os
nossos processos de criança, sobre o chão e o céu, sobre as diversas in-
fâncias, e podemos dizer que voltar ao nosso quintal enquanto crianças
é também voltar ao chão que pisamos, percebendo seus cheiros, sons,
cores, compreendendo que tudo isso nos ficou marcado, nos fazendo
1114
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

lembrar e voltando a nossa infância, e voltar a ela nos leva a compreen-


der quem somos, por quais caminhos andamos, por quantas vezes pre-
cisamos mudar e refazer o caminho.
Ao ler o livro “A história do menino que lia o mundo”, de Car-
los Rodrigues Brandão (2014), percebemos, em cada palavra escri-
ta e vivida por Paulo Freire, seu encontro com sua infância, com as
mangueiras, com o terreiro da sua casa, com seus medos. Ao nos co-
locarmos também em conectividade com as nossas infâncias, fomos
percebendo os processos de encontro com as crianças que fomos e
ainda somos. Por isso, acreditamos que precisamos riscar nossos chãos,
escrever nossas histórias, encantar a nós mesmos e ao mundo com nos-
sas esculturas no chão do mundo.
Aprendemos com a vida que vivemos. A vida nos ensina a apren-
der com os outros e com as outras, e, aprendendo com os outros e com
as outras, vamos trilhando nossos caminhos, e que, ao caminharmos,
ficam rastros e marcas dos nossos processos no mundo e com ele. Que
possamos seguir a riscar o chão e a desenhar o céu, que possamos nos
encontrar com as crianças que somos e, assim, sonhar com um mundo
mais humano.
Querido Paulo Freire, gostaríamos de nos despedir e dizer da
nossa admiração pela sua obra e gratidão pela escavação profunda que
fez em suas obras sobre o seu próprio chão, a sua infância, o que nos
inspira a construir relações com as infâncias de outras crianças e o chão
de outras crianças. Gostaríamos de dizer que continuaremos a estudar,
pesquisar e dialogar sobre as crianças e seus chãos, com muita esperança
em um mundo melhor e mais humano.

Palavras-chave: Crianças. Infâncias. Chão. Mundo.

1115
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRANDÃO, C. R. História do menino que lia o mundo. São Paulo:
Expressão Popular, 2014.
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2012.
FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Partir da infância: diálogos sobre
educação. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2009.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SILVA, M. R. P.; MAFRA, J. F. Paulo Freire e a educação das crian-
ças. São Paulo: BT Acadêmica, 2020.

1116
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

A EXPRESSÃO DE PAULO FREIRE EM POÉTICA RIMA

Sidnei Vale
Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam)
sdnvale@hotmail.com

O trabalho consiste em texto rimado com expressão poética, de


forma lúdica, leve e agradável.
Tem, por objetivo, desmistificar e ressignificar ao público geral a
obra literária e a vida do nobre educador Paulo Freire que, nos últimos
dias, vem sendo injustamente aviltada.
Segue abaixo parte do trabalho, para melhor compreensão por
parte das senhoras avaliadoras e dos senhores avaliadores do XXII Fó-
rum de Estudos: Leituras de Paulo Freire.
Meu caro leitor! Neste momento te peço, por favor, que leias este
texto, mas, ao ler, saibas: é preciso que a leitura seja um ato de amor!
Me vejo, agora, mediatizado pelo mundo, um ser inacabado, e correndo
sigo apressado. Sigo em busca do conhecimento e vou juntando letras,
que podem ser as letras da palavra c-i-m-e-n-t-o que eu usaria para en-
sinar aquele nobre guerreiro, homem nordestino, profissão pedreiro.
Assim fui aprendendo, ainda que em avançada idade, e me vi
envolvido numa prática de liberdade, mas peraí… Ninguém liberta
ninguém! As pessoas se libertam em comunhão, sendo assim, continuo
nesta “escreveção”, e vou falar só um pouquinho, apenas um bocadi-
nho, do homem que transformou a educação. Porque, se ela sozinha
não transforma a sociedade, e desta forma não nos traz a liberdade,
logo, seria em vão.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampou-
co a sociedade muda, e, se não muda, que sentido faz? Continuarei em
minha luta, reconhecendo que o trabalho de educar é duro, difícil e neces-
sário, e sabendo isto me faço professor ciente e consciente de que educar
é um ato de amor – desse modo, em vez de advogado, me fiz educador.
1117
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

E já vou te avisando! Não quero ser neutro, visto que ninguém


nasce feito, e a opressão é domesticadora, sim! Ela se mostra em todo
tempo opressora, destarte, descubro que possuo o dever de não ser neu-
tro – se assim o fosse, seria um defeito, por isso sigo avexado, buscando
um equilíbrio, um mundo utópico, um mundo perfeito.
Ele, o homem de Angicos, soube amar o próximo, amar o seu ir-
mão, aquele irmão necessitado necessitava de transformação, então ele,
sendo homem cristão, progressista, grande humanista, buscador das cau-
sas das dores do oprimido (oprimido por uma educação bancária, que
mata mais do que malária), e aí só tinha um jeito, propor uma educação
libertária! E assim ele, o homem humanista, traria uma grande conquista:
e quem mais ousaria fazer 300 pessoas lerem em apenas 40 dias?
Era a esperança brotando no sertão potiguar. Quem poderia acre-
ditar? Eu acredito e acreditando, sigo educando, às vezes ignorando, às
vezes sabendo, sigo aprendendo, ciente de que não há saber mais ou
saber menos: há saberes diferentes, saberes construídos por gente, e, à
vista disso, percebi que, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às
vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. Sigo olhando
para o futuro incerto, e ai daqueles que pararem com sua capacidade de
sonhar, sonhar em transformar... (segue-se o texto).

Palavras chave: Autonomia. Libertária. Educação.

1118
CAPÍTULO 16

PEDAGOGIA DOS SONHOS POSSÍVEIS


XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

DESAFIOS DA CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE NO


PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA ÁFRICA

Mônica Costa Marçal de Moraes


Centro Universitário Newton Paiva
monica207cmm@gmail.com

O objetivo deste resumo é abordar algumas considerações so-


bre uso do método de alfabetização de Paulo Freire no continente
africano, pontuando os desafios enfrentados com base nesse trabalho
educativo em Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Angola, ressaltan-
do como essa implantação se deu em cada país. Dessa forma, devido
ao trabalho educativo desenvolvido por Paulo Freire no Brasil, reco-
nhecido em todo o mundo, Freire foi convidado a assessorar alguns
países africanos, ajudando na implantação de propostas de educação,
principalmente de alfabetização, no período pós-colonial, na década
de 1970 (FREIRE, GUIMARÃES, 2003).
Após sua transferência para Genebra, ainda no exílio, Paulo Freire
assumiu o cargo de conselheiro educacional do Conselho Mundial das
Igrejas e, junto de outros brasileiros exilados, fundou o Instituto de Ação
Cultural (IDAC), visando prestar serviços educativos, especialmente aos
países do Terceiro Mundo que lutavam por sua independência. Ainda na
década de 1970, Freire e a equipe do IDAC receberam o convite do Mi-
nistro da Educação da Guiné-Bissau, Mário Cabral, para ajudarem a de-
senvolver o programa nacional de alfabetização do país (MESQUIDA,
PEROZA, AKKARI, 2014). Ainda em território africano, Paulo Freire e
seus colaboradores atuaram por meio de um trabalho de educação popu-
lar em São Tomé e Príncipe e em Angola. Seu primeiro contato com os
países africanos se deu na Tanzânia, mas suas relações se intensificaram
mesmo a partir de suas visitas de trabalho à Guiné-Bissau, quando ele
expôs sua relação de identidade com o território africano, chegando a
dizer que a sensação que tinha, ao desembarcar no continente, era de
quem estava voltando e não chegando pela primeira vez, destacando que
1121
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

se sentia “como quem voltava e não como quem chegava” (FREIRE,


1978, p. 13). Sendo assim, é importante destacar que este escrito fará
uma breve síntese do trabalho de Paulo Freire no território africano, pas-
sando pelo trabalho educacional direto de Freire em Guiné-Bissau e São
Tomé e Príncipe, e indireto na Angola, tendo como premissa principal
os diálogos contidos no livro A África ensinando a gente: Angola, Guiné-
-Bissau, São Tomé e Príncipe (2003), uma obra de Paulo Freire e Sérgio
Guimarães; além de buscar amparo em outros textos. Dessa forma, em
todo o seu trabalho em território africano, Paulo Freire e sua equipe pre-
tendiam propor caminhos em que o educando fosse valorizado em suas
práticas docentes (MESQUIDA, PEROZA, AKKARI, 2014).
Desse modo, falando brevemente sobre o projeto desenvolvido
diretamente em Guiné-Bissau, a principal fonte teórico/prática que ser-
viu de base para compreender o processo de independência de Guiné-
-Bissau foi o pensamento de Amílcar Cabral, líder revolucionário nesse
período de independência (PEREIRA, VITTORIA, 2012).
Assim, pode-se destacar que, dentre várias preocupações e desa-
fios em Guiné-Bissau, o mais marcante refere-se à língua utilizada no
processo de ensino/aprendizagem, pois Freire defendia o uso das lín-
guas locais, ao contrário de Amílcar Cabral, que defendia o uso do Por-
tuguês. Sendo assim, essa questão está bem vinculada à descolonização
da África, conforme Mesquida, Peroza e Akkari (2014), em que:

[...] a independência dos países africanos se dá


numa relação direta com os colonizadores num
período curto de tempo para a consolidação da
hegemonia cultural dos colonizadores e sua in-
corporação (por exemplo, a língua) por parte dos
colonizados (MESQUIDA, PEROZA, AKKARI,
2014, p. 98).

Dessa forma, Freire (1985) destacava que o crioulo, como língua


nativa na Guiné-Bissau, seria mais significativo no processo de alfabe-
tização, tendo em vista que era a língua mais usada nas práticas sociais
das pessoas daquele país. Nesse contexto, uma das “[...] principais ques-
tões que desafiaram Freire a reinventar-se com coerência como político-
-pedagogo foi a multiplicidade linguística da população, bem como sua
1122
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

característica predominantemente oral [...]” (MESQUIDA, PEROZA,


AKKARI, 2014, p. 104). Outra questão que dificultava o aprendizado
do crioulo se dava no âmbito financeiro, visto que era necessário di-
nheiro para traduzir para o crioulo os materiais educativos.
Em contrapartida, em São Tomé e Príncipe os resultados foram
mais satisfatórios, pois econômica e socialmente as condições eram me-
lhores que em Guiné Bissau, além de a língua não ser mais um entrave
tão grande, já que ela já tinha uma representação gráfica, o que foi um
determinante para que a campanha de alfabetização no país tivesse re-
sultados melhores, de acordo com Mesquida, Peroza e Akkari (2014).
Enfim, trataremos sobre o processo de alfabetização que ocor-
reu indiretamente em Angola, em que escritor angolano Pepetela afir-
mou, em seu diálogo com Sérgio Guimarães (FREIRE, GUIMARÃES,
2003), que seu primeiro contato com as ideias de Paulo Freire se deu
em 1965, quando ele fez o material de alfabetização, intitulado “A vitó-
ria é certa”. Ele destacou que, no período da ditadura no Brasil, conhe-
ceu alguns brasileiros que estavam exilados na Argélia, e esses deram-lhe
algum material de Paulo Freire sobre alfabetização, e este serviu como
inspiração para o seu manual de alfabetização. Cabe ressaltar ainda que
esse material era uma tentativa de adaptação do método de Paulo Freire,
em que o próprio escritor Pepetela afirmou que, de certa forma, era até
mesmo contrário ao método de Paulo Freire, visto que era um manual
escrito. Ele também destacou que não tinha tempo para improvisações,
como era previsto no método original de Freire, pois os alfabetizadores
tinham pouco conhecimento da língua portuguesa e precisavam de um
livro de apoio. Além disso, ocorreu em Angola uma “salada pedagó-
gica”, visto que o projeto de alfabetização era uma tentativa de unir o
método de Paulo Freire com o método cubano,1 realizado anos antes,
que obteve êxito no processo de alfabetização em Cuba, que seria a jun-
ção dos manuais de alfabetização e videoaulas. Posteriormente, Pepete-
la conheceu Paulo Freire e pôde conversar com ele sobre seu método,
afirmando que quase pediu desculpas a Freire: “Desculpe, nós adulte-
ramos um pouco a sua ideia, mas é assim que ia funcionar” (FREIRE,

1 O “Sim, eu posso!” (“Sí, yo puedo”) é um método de alfabetização em massa, que


foi utilizado para erradicar o analfabetismo em Cuba e consistia em uma metodologia
a partir de videoaulas para alfabetizar jovens e adultos. Cf. ARAÚJO (2020).
1123
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

GUIMARÃES, 2003). Segundo o escritor, Paulo Freire compreendeu


suas razões e até as achou boas. Em vista disso, é importante dizer que
o processo de alfabetização em Angola, assim como em outros países
africanos, encontrou muitos desafios quanto ao pouco conhecimento
dos próprios alfabetizadores em relação à língua.
Portanto, é necessário destacar a importância das contribuições
de Paulo Freire, quanto às suas propostas político-educacionais, no con-
tinente africano, uma vez que o autor levantou questões fundamentais,
entre elas, sua posição democrática em relação aos seus pensamentos so-
bre os projetos de alfabetização realizados em cada país, respeitando as
questões sociais inerentes à realidade de cada país num período pós-co-
lonial, principalmente quanto à língua materna e quanto aos impasses
econômicos que se apresentavam em relação à educação, em um perío-
do em que os países africanos mencionados estavam se reconstruindo
como nação econômica e socialmente independente. Assim, Freire foi
um militante político que acreditava na reorganização política com a
participação e emancipação de todos.

Palavras-chave: Alfabetização. África. Paulo Freire.

Referências
ARAÚJO, J. “Sim, eu posso!”, o método cubano de combate ao
analfabetismo. 2020. Disponível em: http://www.redemacuco.com.br
FREIRE, P. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em
processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. A África ensinando a gente: Angola,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
MESQUIDA, P.; PEROZA, J.; AKKARI, A. A contribuição de Paulo
Freire à educação na África: uma proposta de descolonização da escola.
Educação e Sociedade, v. 35, n. 126, pp. 95-110, 2014.
PEREIRA, A.; VITTORIA, P. A luta pela descolonização e as experiên-
cias de alfabetização na Guiné-Bissau: Amilcar Cabral e Paulo Freire.
Estudos Históricos, v. 25, n. 50, pp. 291-311, 2012.
1124
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

REFLEXÕES FREIRIANAS SOBRE A MEDIAÇÃO


CRÍTICA NAS ARTES VISUAIS

Desirée Kinoshita1
Centro Universitário Newton Paiva
desiree.kinoshita@yahoo.com.br

A intenção deste trabalho é provocar uma reflexão inicial sobre a


importância do discurso crítico na mediação em artes visuais, para que
sejam instigadas outras discussões com fundamentação teórica sustenta-
das pelas obras de Paulo Freire. O termo “mediação” é usado nos serviços
educativos de museus e centros culturais, e o termo “apreciação” é de-
finido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) como
eixo do ensino voltado à interpretação de obras de arte. Porém, ambos os
termos se complementam, considerando que tanto o educador interage
com os visitantes, quanto o educador, em sala de aula, também cumpre
o papel de aproximar as obras de arte dos educandos (VIANNA, 2017).
Essa reflexão tem como objetivo instigar os educadores a com-
preenderem o processo do discurso que eles utilizam para conduzir
a mediação sobre arte. E, logo depois da compreensão, instigá-los a
identificar se o processo é fundamentado na educação bancária2 ou se
prezam pelo espírito investigador dos educandos. A partir dos proce-
dimentos indicados por Freire (1981), para se chegar na concretização
dessa postura crítica, é preciso assumir o estudo crítico como uma ferra-
menta pedagógica de mediação nas artes visuais, que parte do educador
como uma proposta dialógica ao educando.
O discurso museográfico, por sua vez, apresenta objetos e con-
ceitos proporcionando um valor estético; porém, o essencial não é o
conteúdo que foi proporcionado e, sim, o diálogo que se estabelece

1 Bolsista do Grupo de Estudos e Pesquisa Paulo Freire (GEPPF) no Centro Univer-


sitário Newton Paiva, sob orientação da professora Ana Paula Cavalcanti.
2 Sobre “educação bancária”, ver Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, Editora Paz
e Terra, Rio de Janeiro, 1977.
1125
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

entre os visitantes e o espaço, mediante um discurso que parte do edu-


cador. Conforme cada experiência única, é possível descobrir vários
objetivos (ZAVALA, 2004).
Freire (1981) elenca alguns procedimentos indispensáveis para a
realização de um estudo crítico, sendo que o primeiro deles é assumir o
papel de sujeito ativo, e não se deixar domesticar pela palavra do autor
do texto analisado ou da obra de arte escolhida. Essa atitude crítica,
quando incorporada pelo educando, reverbera não só no estudo, mas
em toda sua existência (FREIRE, 1981). O diálogo com as artes visuais
se dá no momento em que esse estudo possibilita ao educando uma
nova forma de recriar ou reescrever seu olhar sobre uma imagem como
forma de representação.
O segundo, por sua vez, diz que o estudo é uma atitude frente
ao mundo, ou seja, é uma atitude realista que considera outros tipos de
relações na própria construção do discurso. São relações internas que
expressam um diálogo com o mundo. Há também a definição de outros
três procedimentos, sendo um deles a relevância da bibliografia para o
tema que se estuda, o diálogo histórico-sociológico presente na media-
ção dialógica e, por último, assumir uma posição humilde perante o
processo de aprendizado (FREIRE, 1981, p. 10).
Dessa maneira, o educador pode se inspirar a criar seu próprio
roteiro didático para que as conversas sobre artes sejam estimuladas e
sustentadas à luz de práticas interativas. Dependendo da estrutura do diá-
logo, este se torna um importante instrumento na percepção das artes,
estabelecendo uma função capaz de guiar os sentidos (VIANNA, 2017).
A partir de reflexões iniciais, é possível notar que a interação entre
o educando e a mediação proposta pelo educador implicam a percepção
de um contexto histórico. Muitas vezes, esse contexto pode ser desco-
nhecido pelo educando. Portanto, faz-se necessária a mediação dialógi-
ca baseada na reconstrução de significados, considerando os conheci-
mentos e as experiências do educando. Partindo do desenvolvimento de
roteiros didáticos que estimulam as múltiplas interpretações das obras
de arte, é possível perceber a ampliação do discurso informativo para
um conhecimento de outras realidades.
Numa visão crítica, a partir da subjetividade do sujeito, espera-
-se que o resultado seja de uma apropriação profunda do conhecimen-
1126
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

to apreendido e não apenas a memorização de um processo mecânico


(FREIRE, 1981). Quando as sensações e a imaginação estão livres den-
tro do processo, o discurso se desloca para outras situações. É nesse
deslocamento que acontece a criação.
Através de uma leitura freireana, é possível criar instrumentos
contra o autoritarismo pedagógico na mediação entre as artes. A dimen-
são subjetiva do sujeito é uma das partes principais na constituição de
um discurso crítico. E, para que isso ocorra, é necessário que o media-
dor se inspire a partir dessas reflexões e sempre busque outros estudos
para que seu discurso se mantenha coerente com a realidade atual. As-
sim, como nos diz Paulo Freire, é preciso ter uma atitude crítica frente
ao mundo (FREIRE, 1981).

Palavras-chave: Mediação crítica. Pedagogia Libertadora. Artes Visuais.

1127
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília, DF:
MEC, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1981.
VIANNA, R. O discurso na mediação em artes visuais. In: MOU-
RÃO, L.; MELO, R. Artes visuais e educação: ensino e formação.
Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2017.
Pp. 103-125.
ZAVALA, L. El paradigma emergente en educación y museos. In: En-
contro Regional da América Latina e Caribe, 3., 2004, São Paulo.
Anais [...] São Paulo: Ceca/Icom, MAB/Faap, 2004. Pp. 77-99.

1128
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

PRÁTICAS DIALÓGICAS, ENLACE COM A DEMOCRACIA


NA GESTÃO ESCOLAR

Juliane Bonez

Almir Paulo dos Santos


Universidade Federal da Fronteira Sul
juliane-bonez@educar.rs.gov.br

A dialogicidade não pode ser entendida como ins-


trumento usado pelo educador, às vezes, em coe-
rência com sua opção política. A dialogicidade é
uma exigência da natureza humana e também
um reclamo da opção democrática do educador
(FREIRE, 1987).

Encontrar, conversar, ter liberdade de expressão, educação dialó-


gica são descrições de relações entre as pessoas. Dialógico está relacio-
nado a característica do que é diálogo, dialogal, daquilo que se efetua
por meio do diálogo, de uma interação comunicativa, da conversa. “O
dialógico é, portanto, uma condição necessária da historicidade e uma
característica ontológica da vida social” (PEREIRA, 2019, p. 15).
O conceito de dialogicidade compreende a relação entre as pes-
soas. A gestão escolar, nessa mesma linha, abarca a relação das pessoas
que, no coletivo, buscam construir uma trajetória educacional permea-
da por pensamentos e ações delineadas ao seu tempo e espaço. “É ex-
tremamente danoso uma sociedade sem o diálogo, sem a troca de expe-
riência” (FREIRE, 1987, p. 56). Nesse sentido, este trabalho traz como
tema a gestão escolar, e objetiva discutir a concepção de diálogo a partir
de Freire e suas relações com o processo de gestão escolar, propiciando
um ambiente democrático. O ato educativo desenvolvido pelo(a) ges-
tor(a) é um compromisso social de transformação e de libertação. Suas
práticas são problematizadoras e buscam caracterizar o seu perfil frente
à humanização e ao caráter de suas ações.
1129
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O conceito de diálogo em Freire (1987) reflete a relação com


a gestão escolar democrática, na perspectiva da construção de alter-
nativas, no planejamento e execução coletivos e na colaboração para
resolver e enfrentar as problemáticas vivenciadas diariamente. Freire é
um referencial para pensar práticas de gestão democráticas e dialógicas.
Pautado na concepção de educação voltada para a liberdade de homens
e de mulheres, o autor propõe que cada um de nós compreenda onde
está, de onde fala, qual a sua realidade, porque escolheu aquela profis-
são, sobre o seu modo de pensar e enxergar o mundo. Essa é a condição
mínima para libertar-se.

O diálogo é este encontro dos homens, imediati-


zados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se es-
gotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão
por que não é possível o diálogo entre os que que-
rem a pronúncia do mundo e os que não querem;
entre os que negam aos demais o direito de dizer
a palavra e os que se acham negados deste direito
(FREIRE, 1987, p. 91).

O espaço da escola pública agrega, em suas relações, humanos


mediatizados por diferentes mundos. Isto é, um coletivo estruturado
por pessoas que carregam consigo as relações de seu mundo: seus costu-
mes, suas culturas, suas vivências. É um lugar de referência para a for-
mação, para crianças, para jovens e para adultos. Se a organização desse
espaço se constituir a partir de práticas democráticas, pode possibilitar,
a cada um que dali fizer parte, a pronúncia de seu mundo. A palavra
traz em si a arte do diálogo e permite a expressão para além das leituras
de mundo. Nesse contexto, conversar com pais, professores, funcioná-
rios e alunos é fundamental para o êxito da gestão.
O diálogo pode ser uma estratégia democrática da organização do
gestor. A habilidade de conversar, de articular, de coordenar, de propor
é uma competência fundamental no cargo de gestão. Esse processo se
caracteriza pelo coletivo em todas as ações, sejam elas do envolvimento
de um determinado grupo ou de toda a comunidade escolar. É a partici-
pação no contexto descentralizado da escola. Ainda que a gestão escolar,
no âmbito da escola pública, esteja legalmente assegurada, possui variável
1130
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de aplicação concreta conforme a realidade escolar na qual acontece. Para


Lima (2018), a democratização da gestão escolar perpassa por questões de
constituição de estrutura social, política e econômica da sociedade. O au-
tor agrega que é mais do que uma dificuldade de implementação, é uma
“impossibilidade uma vez que a gestão democrática estaria associada a um
ideal normativo impraticável e inapropriado em termos de eficiência e de
eficácia, de competitividade e de qualidade” (LIMA, 2018, p. 2).
Nesse foco da escola, sua forma de organização e gestão, rele-
vando conceitos como democratização e diálogo e seus opostos, vale
abordar que a democratização da educação não é uma questão ape-
nas educativa ou técnico-pedagógica. É, também, um processo político
e cultural: “O domínio técnico é tão importante para o profissional
quanto a compreensão política o é para o cidadão. Não é possível se-
pará-los” (FREIRE, 2000, p. 7). O autor aposta na escola como uma
práxis que possa orientar ações visando à superação dessas contradições,
restabelecendo as relações do ser humano, como um ser inacabado e em
processo de humanização.
É na interação, na participação na escola que se criam novas pos-
sibilidades. Ao prenunciarem-se diante da organização escolar, as pes-
soas expressam seu entendimento sobre as coisas e aprendem a interagir
com respeito, uma vez que a opinião de um pode ser diferente da do
outro. O gestor precisa ser visionário, enxergar para além do julgamen-
to imposto pela sociedade, muitas vezes contrapondo interesses de seu
próprio quadro funcional para defender o ideal da escola como um
todo. Somos seres únicos e, como tais, não há necessidade de julga-
mentos. ‹›Não há saber mais, nem saber menos, há saberes diferentes››
(FREIRE, 1987, p. 68). Coordenar os diferentes saberes é, também,
um exercício da democracia do(a) gestor(a) dentro do espaço escolar.
São transformações que, à sua velocidade, comprometem a vida
de todos os humanos, do ambiente, das relações, gerando impactos que
produzem mudanças de hábito e de valores. No cenário de globalização,
a cada dia são mais importantes as práticas educativas que primam pela
igualdade de oportunidades, construindo relações com cidadãos que
sejam plenos. Por isso, urge pensar a educação como uma imposição a
esses desafios, inaugurar caminhos possíveis e traçar estratégias, prin-
cipalmente, para conscientizar sobre o lugar onde a escola está nessa
1131
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

organização. Contrapondo-se à estrutura estão o diálogo e a democra-


cia. Se o sistema enquadra, a prática tem possibilidade de reinventar:
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto
a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosida-
de, como inconclusão em permanente movimento na História. [...]”
(FREIRE, 2001, p. 136).
Finalizando, compreendemos os conceitos de diálogo e suas re-
lações com a gestão escolar, a partir da premissa de que a gestão escolar
é uma prática educativa, experienciada por aqueles e aquelas que coor-
denam as atividades em espaços institucionais. Ou seja, trata-se de um
exercício, na busca constante pela autonomia, pelo envolvimento de
estudantes, de professores/as, de servidores/as, de gestores/as e de pais,
“desenvolvendo a prática do diálogo permanente entre liderança e povo,
consolida a participação deste, no poder” (FREIRE, 1987 p. 99-100).
A partir daí, divide responsabilidades e transmite saberes, ressignifican-
do os existentes, aprendendo, ensinando e intervindo naquele meio.

Palavras-chave: Diálogo. Democracia. Gestão Escolar.

Referências
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
LIMA, C. L. Por que é tão difícil democratizar a gestão da escola públi-
ca? Educar em Revista, v. 34, n. 68, pp. 15-28, 2018.
PEREIRA, J. R.; ALCANTARA, V. C.; ANDRADE, L. S. Comunica-
ção que constitui e transforma os sujeitos: agir comunicativo em Jürgen
Habermas, ação dialógica em Paulo Freire e os estudos organizacionais.
Cadernos EBAPE.BR, v. 17, n. 1, 2019.

1132
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR:


OLHARES PARA ALÉM DA ESCOLA

Vanessa Pescador
Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC
vanessaddr@yahoo.com.br

Fernanda dos Santos Paulo


Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC
fernandaeja@yahoo.com.br

A Educação Não Escolar é um campo a ser compreendido e
pesquisado no contexto brasileiro. Alguns autores são pontuais para
qualificarem a Educação Não Escolar e sua relevância nos debates rela-
cionados aos espaços não escolares. Afonso (2001) apresenta a impor-
tância de compreender os espaços não escolares como um segmento
da educação escolar, sendo que os mesmos sempre existiram, de forma
formalizada ou informal. Em concordância com o autor, pude verificar
na prática, sendo professora de Dança em Programas Socioeducativos,
que esses espaços efetivamente desenvolvem atividades educacionais,
encontrando-se nas comunidades, alguns vinculados à Assistência So-
cial, outros, às secretarias de Esporte e Cultura dos Municípios, entre
outros. Porém, percebe-se uma falta de estrutura para qualificar essas
ações, pois as atividades, muitas vezes, são realizadas em casas alugadas,
associações, ginásios e espaços comunitários.
O desafio de repensar esses espaços não escolares como uma
continuidade da educação se faz necessário, compreendendo que nos
Programas Socioeducativos existem pedagogias que sustentam a Edu-
cação Não Escolar na instituição. Paulo (2020) defende que na Edu-
cação Não Escolar Institucionalizada pode haver pedagogias críticas
ou acríticas, e que se faz necessário conhecer os projetos educacionais
nesses espaços. Muitos desses espaços não são visibilizados e ainda
estão distantes da escola.
1133
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Segundo Gadotti (2012), a educação não formal chega, muitas


vezes, onde o Estado não chega, principalmente nas comunidades,
através de ONGs e outros grupos da sociedade civil que se organi-
zam para realizar ações expressivas educacionais, culturais e sociais.
Gadotti (2012, p. 22) considera que a educação não formal “trata-se
de um paradigma teórico nascido no calor das lutas populares que
passou por vários momentos epistemológicos e organizativos, visando
não só a construção de saberes, mas também ao fortalecimento das
organizações populares”. Entendemos que o conceito de Educação
Não Escolar não é o mesmo de educação não formal. A Educação Não
Escolar vem apresentando concepções como educação social ou edu-
cação popular, concepções estas que merecem aprofundamento. Esses
espaços estão se multiplicando e se fortalecendo, iniciando-se após a
política de parceria público-privada (PAULO, 2020).
Gohn (2006) ressalta que a educação é organizada como edu-
cação formal (que acontece nos espaços escolares), educação informal
(entende-se como de forma natural e cotidiana) e educação não for-
mal (na qual existe uma intenção de criar espaços para desenvolver
atividades fora da escola). A autora traz, resumidamente, os objeti-
vos da educação não formal, sendo eles: Educação para a cidadania,
justiça social, para direitos, liberdade, igualdade, para a democracia,
contra a discriminação, para o exercício da cultura e manifestações
das diferentes culturas. Se analisarmos, esses objetivos estão nos pro-
jetos de educação, seja na escola ou fora dela. Isto é, a Educação Não
Escolar institucionalizada foi compreendida por não formal nos anos
de 1960 a 1980. Como vimos, as atividades não escolares visam aten-
der às problemáticas e necessidades sociais. Isso ocorre, ou deveria
acontecer, tanto no espaço da escola como fora dela. Gadotti (2007,
p. 27) destaca a necessidade de se “educar para a paz, para os direitos
humanos, para a justiça social e para a diversidade cultural, contra o
sexismo e o racismo”, em todos os espaços educativos.
Através dos estudos de Paulo (2020), entendo que o termo Edu-
cação Não Escolar não é necessariamente educação não formal ou in-
formal, já que pode ser formalizada ou informal. Para Paulo e Tessaro
(2020, p. 92) “a definição de educação não escolar tem que ser descrita
em seu tempo e espaço, já que a maioria dos nossos estudos acontece
1134
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

em contextos não escolares institucionalizados”. As autoras enfatizam


que esses espaços possuem regras institucionais, horários, planejamento
e outras normativas, compreendendo a educação não escolar como uma
modalidade de educação, e não como uma nova área. Conforme Paulo
(2020, p. 29), “devido a essas características de avançada formalização,
[...] denomina esse tipo de educação de não escolar institucionaliza-
da”. Bruno (2014) reflete sobre os termos educação formal, não formal
e informal como uma trilogia, quando analisa a realidade portuguesa.
Tal afirmação, de certa forma, pode se aplicar à realidade brasileira,
que também percebe essas três dimensões como lacunas da educação.
Bruno (2014, p. 22) enfatiza que “a amplitude dos processos educativos
abrange práticas, actores, modelos e lógicas de acção diversas. Da diver-
sidade emerge a hibridez que ultrapassa a conceptualização da educação
a partir da trilogia”. Afonso (2001) sustenta que:

Por essa razão, a justificação da educação não-es-


colar não pode ser construída contra a escola, nem
servir a quaisquer estratégias de destruição dos
sistemas públicos de ensino, como parecem pre-
tender alguns dos arautos da ideologia neoliberal.
Nesse sentido, é importante salientar que o campo
da educação não-escolar (informal e não formal)
sempre coexistiu com o campo da educação esco-
lar, sendo mesmo possível imaginar sinergias pe-
dagógicas muito produtivas e constatar experiên-
cias com intersecções e complementaridades várias
(AFONSO, 2001, p. 31).

A Educação Não Escolar precisa ser compreendida como um bra-


ço da educação formal. Segundo Gadotti (2007, p. 26), “educar para
outros mundos possíveis é fazer da educação, tanto formal, quanto não-
-formal um espaço de formação crítica”. O legado de Paulo Freire, ten-
do como propósito uma educação para todos, transdisciplinar, emanci-
patória e humanizada, promoveu mudanças significativas na educação
da América Latina. Acreditava numa educação que pudesse atingir to-
das as classes, com democratização e qualidade social, para, conforme
Freire (1991, p. 35), “Mudar a cara da escola” com ampla participação
e engajamento de todos, ao nos engajarmos na luta por uma escola
1135
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

competente, séria e alegre. Freire (1991) preocupa-se com a prática edu-


cativa, política e democrática. Educar para a humanização com práti-
cas educativas intencionalizadas, nos diferentes contextos educativos, é
uma defesa que a pedagogia socialista vem fazendo. A luta por garantir
a educação, em diferentes contextos, como um direito social para todos
é necessária, urgente, e requer pautas na área da educação. Sabemos que
não é uma tarefa fácil esse objetivo, mas é preciso, como argumenta
Gadotti (2012, p. 12), “politizar mais nosso argumento e polemizar
menos, ver primeiro o que nos une, valorizar mais a luta do que a dis-
puta”. A educação vai para além dos espaços escolares, e, nesse anseio de
qualificar o tema educação não escolar, se faz necessário aprofundar esse
contexto para que seja compreendido como um segmento da educação,
e não como dualidade.

Palavras-chave: Educação Não Escolar. Educação Popular. Educação


Não Escolar institucionalizada.

1136
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
AFONSO, A. J. Os lugares da educação. In: SIMSON, O. R. M.;
PARK, M. B.; FERNANDES, R. S. (Orgs.). Educação não formal:
cenários da criação. Campinas: Editora da Unicamp/Centro de Me-
mória, 2001. Pp. 29-37.
BRUNO, A. Educação formal, não formal e informal: da trilogia aos
cruzamentos, dos hibridismos a outros contributos. Revista Portugue-
sa Medi@ções, v. 2, n. 2, pp. 10-25, 2014.
FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
GADOTTI, M. Paulo Freire e a educação popular. Proposta, ano 31,
n. 113, pp. 21-27, 2007.
GADOTTI, M. Educação Popular, Educação Social, Educação Co-
munitária: conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa co-
mum. Revista Diálogos, v. 18, n. 2, pp. 10-32, 2012.
GOHN, M. G. Educação não-formal, participação da sociedade civil e
estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: Avaliação e Política Pública
em Educação, v. 14, n. 50, pp. 27-38, 2006.
PAULO, F. S.; TESSARO, M. Semelhanças e diferenças entre as con-
cepções de educação social, educação popular e educação social. Revis-
ta Debates em Educação, v. 12, n. 2, pp. 77-97, 2020.
PAULO, F. S. Concepções de educação: espaços, práticas, metodo-
logias e trabalhadores da educação não escolar. Curitiba: InterSa-
beres, 2020.

1137
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

UMA CARTA PEDAGÓGICA A PAULO FREIRE


EM MEIO À PANDEMIA COVID-19

Arlete Pierina Calderan


UFSM
arletepcalderan@hotmail.com

Celso llgo Henz


UFSM

Marli Almeida de Oliveira


UFSM

Aos 27 de março de 2021, sábado, 9 horas, céu nublado na


cidade de Santa Maria, RS, o sol desponta no horizonte. Nossa inten-
ção é escrever uma carta ao senhor, Paulo Freire. Confessamos que a
emoção nos invade ao pensarmos que, se estivesse entre nós, estaria
completando 100 anos de vida. Querido! Deixaste um legado para a
educação, a ser seguido pelos indivíduos que buscam a verdade se-
gundo os ensinamentos de Santo Agostinho, um dos mais grandiosos
filósofos e teólogos, que viveu nos anos 300 d.C. Anunciava que o
primeiro passo na busca da verdade é a humildade, o segundo passo é
a humildade, o terceiro passo é a humildade. E o último passo: a hu-
mildade! Mas qual a compreensão de humildade? Aquela dos oprimi-
dos frente aos “donos do poder”, no sentido de subjugação? Não! Ser
humilde é uma característica dos seres humanos que compreendem
que todos estão no mesmo nível de dignidade, respeito, simplicida-
de e honestidade; que ninguém é melhor ou pior do que ninguém,
como o senhor nos ensinou, Paulo Freire, e vivenciou na sua prática
educativa, que está viva e pulsante na educação de qualidade. Indiví-
duos que sabem assumir as suas responsabilidades, sem arrogância,
prepotência ou presunção, que vivenciam a equidade, tão necessária
entre as pessoas, no contexto histórico-político-social atual, em dese-
1139
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

quilíbrio, que assola a humanidade com a evolução da pandemia de


COVID-19, principalmente no Brasil.
Explicamos: tudo vem à tona em 26 de fevereiro de 2020,
quando foi confirmado o primeiro caso de infecção pelo coronavírus
no Brasil, e, de lá para cá, nossa rotina começa a sofrer alterações e
mudanças radicais, em meio a uma iminente pandemia que poderia
massacrar e matar milhões de pessoas, destruindo milhares de lares
e sonhos. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) declarou, definitivamente, a pandemia, com estimativa
crescente nos números de infectados e vítimas fatais da doença. O
Ministério da Saúde regulamenta critérios de isolamento e quarente-
na. Com o registro da primeira morte no Brasil em virtude da infec-
ção, no dia 17 de março, as medidas foram redobradas, e iniciaram-se
os decretos suspendendo eventos públicos, restringindo o funciona-
mento do comércio, limitando horários e número de trabalhadores,
prevendo multas para recusa ao isolamento e à quarentena, quando
determinados pelas autoridades.
As escolas também cessaram suas atividades e seguem, até
os dias atuais, na incerteza da retomada do ensino presencial. Em
meio a esse cenário desolador e crítico, em que a nação deveria
unir forças e todos lutarem juntos contra esse inimigo invisível,
infelizmente, nossa nação é dividida e influenciada por políticos
que estão no topo de seus cargos, como o caso do presidente da Re-
pública, que se pronuncia em rede aberta de televisão criticando o
isolamento social e tentando dizer que defende a economia brasilei-
ra, sendo que, para isso, os trabalhadores precisam permanecer em
seus postos. O presidente minimiza a doença, chamando-a de “uma
gripezinha”,1 sem ao menos se compadecer das famílias vitimadas,
com os lares dilacerados, nem mesmo apiedar-se dos milhares de
profissionais da saúde trabalhando exaustivamente, os da linha de
frente, sem mencionar, ainda, toda a gama de outros profissionais
expostos diretamente a esse vírus. 

1 No dia 20 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a mi-
nimizar a gravidade da COVID-19, causada pelo novo coronavírus, ao ser indagado
em coletiva sobre seu estado de saúde, e chamou a doença de “gripezinha’”. Disponí-
vel em: https://www.youtube.com/watch?v=352RoCLIy1Q
1140
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O Brasil registrou 3.368 mortes por COVID-19 nas últimas 24


horas e totalizou neste sábado (27), 310.694 óbitos. Isso é alarmante!
Ajude-nos a entender essa discrepância, amado Paulo Freire! O que
fizemos para ter no comando de um país tão grandioso, com pessoas
que lutam, sonham e buscam uma educação mais digna, um presiden-
te sem caráter e que se mostra omisso aos direitos fundamentais dos
cidadãos, como a saúde e a educação?
Ocorre que, não bastasse o ineditismo e a gravidade da enfer-
midade amplamente disseminada, brasileiras e brasileiros precisam
lidar com a instabilidade política num país marcado por extremas
desigualdades de raça, classe, gênero, acesso à saúde, dentre outras.
Na sociedade brasileira, existem posicionamentos que prezam por um
processo antidialogal, seja por modismos, ou por semelhanças e livre
escolha. Há de se prospectar uma nova fase de transição à consciên-
cia do povo, que deverá lutar e se impor ainda mais criticamente do
que antes, pois, somente assim, será possível vislumbrar as mudanças
necessárias e determinar a sobrevivência a esses períodos cambiantes
e transitórios. Seguimos com sua afirmação, Paulo Freire, pois “o que
importa, realmente, ao se ajudar o homem é ajudá-lo a ajudar-se. É
promovê-lo, é fazê-lo agente de sua própria recuperação. É, repita-
mos, pô-lo numa postura conscientemente crítica diante de seus pro-
blemas e dos problemas de sua comunidade” (2002, p. 16). Estamos,
sim, preocupados com o encaminhamento desse período e devemos
cuidar de nosso sistema educacional. A educação será uma das pos-
sibilidades de estabelecermos bons direcionamentos para o rumo do
país, pois ela auxilia na formação da consciência do povo através de
reflexões, diálogos e análises; e, assim, cada indivíduo, ao ocupar seu
devido lugar de sujeito transformador sairá do estado de “seres do-
mesticados”, em que o pensamento e a criticidade haverão se tornado
artefatos esquecidos e inacessíveis. Integrados com seu pensamento e
otimismo crítico, Paulo Freire, em relação ao estado no qual estamos
imersos, praticamos contigo:

[...] Se na imersão era puramente espectador


do processo, na emersão descruza os braços e
renuncia a expectação e exige a ingerência. Já

1141
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

não se satisfaz em assistir. Quer participar. A sua


participação, que implica uma tomada de cons-
ciência apenas e não ainda numa conscientiza-
ção - desenvolvimento da tomada de consciên-
cia - ameaça as elites detentoras de privilégios
(FREIRE, 2002, p. 54).

Considerando a atual situação em que nós, professores, vivemos


atualmente, imersos no trabalho remoto, como consequência da pan-
demia que alterou nossas rotinas, a escola, como um todo, busca su-
perar os desafios que se apresentam. E, claro que, nessa luta, as profes-
soras e os professores são as/os profissionais que estão extremamente
envolvidas/os nesse processo diferente daquele ao qual estavam acos-
tumadas/os, desafiadas/os a se reinventarem e auto(trans)formarem.
E, como sábio que é, pondere, nos esclarecendo que “[...] a educação
não pode tudo, mas pode alguma coisa. Sua força reside exatamente
na sua fraqueza. Cabe a nós pôr sua força a serviço de nossos sonhos”
(FREIRE, 1991, p. 126).
O trabalho remoto na educação que se apresenta como uma
prática permanente, na atualidade, com a utilização intensa dos re-
cursos tecnológicos, já faz parte do nosso cotidiano. Adaptamo-nos
e reaprendemos, sabemos de nosso compromisso e temos clareza de
que a educação pode muito, mas também não é a única que deve
ser responsabilizada por tantas rupturas dos sistemas. Muitos são os
sujeitos sociais e instituições capazes de contribuir com a construção
de novas possibilidades. Boaventura nos alerta sobre a pandemia e a
quarentena: “[...] Esta situação torna-se propícia a que se pense em
alternativas ao modo de viver, de produzir, de consumir e de conviver
[...]. Na ausência de tais alternativas, não será possível evitar a irrup-
ção de novas pandemias” (SANTOS, 2020, p. 29).
Paulo Freire! Ao concluirmos esta Carta, conscientes de que
o cotidiano “normal” foi alterado com marcas que permanecerão
para sempre, temos a certeza de que, se estivesse entre nós, sua voz
se somaria à de milhares de educadores que clamam por justiça, não
somente como participante, mas como líder que é, com milhares
de seguidores na maioria dos países, pessoas que buscam dizer “suas
palavras”, pensar em alternativas ao modo de viver e de conviver, e
1142
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

de sermos mais humildes, segundo Santo Agostinho; resilientes, na


busca do “inédito viável”, da auto(trans)formação. Ah, que sauda-
des, Paulo Freire! Afetuoso abraço!

Arlete Pierina Calderan


Celso Ilgo Henz
Marli Almeida de Oliveira

Palavras-chave: Pandemia Covid-19. Reinvenção na Educação. Au-


to(trans)formação.

1143
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
FREIRE, P. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez;
Instituto Paulo Freire, 2002.
SANTOS, B. S. A cruel Pedagogia do vírus. São Paulo: Boitempo, 2020.

1144
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA PEDAGÓGICA:
UM DIÁLOGO SOBRE A ETNOMATEMÁTICA
E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS

Elisama Santos1
Universidade Federal da Bahia
elisamajg@gmail.com

Maria da Conceição dos Santos França2


Rede pública municipal de São Paulo
condisserta@gmail.com

Aos educadores e às educadoras que compreendem a etnomate-


mática como uma forma de aproximação da cultura em que a criança
está inserida e a matemática escolarizada. Esta carta foi compartilhada
e escrita por duas pessoas que acreditam na interdisciplinaridade e na
multiculturalidade existente na Matemática, entendendo o quanto isso
pode ser potencializado por meio da etnomatemática, e que, por uma
feliz coincidência, se conheceram dentro de um avião.
No voo de conexão Salvador/São Paulo, conheci esta educadora
que, ao me perguntar o motivo da minha viagem, me contou que vol-
tava de uma formação ministrada por ela sobre etnomatemática, em
Salvador, e se dispôs a dialogar comigo, esclarecendo algumas dúvidas
sobre o livro de etnomatemática de D’Ambrósio. 

1Graduada em Pedagogia, Universidade Federal da Bahia. Mestranda em Educação –


PGEDU – UFBA. E-mail: elisamajg@gmail.com. Estudante pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisa em Avaliação Para Aprendizagem-UFBA.
2 Mestre em Educação Matemática - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(Graduada em Pedagogia - Universidade Bandeirante de São Paulo, graduada em 
História - Universidade Bandeirante de São Paulo, graduada em  Sociologia - Fun-
dação Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Professora da rede pública mu-
nicipal de São Paulo - Educação Infantil e Fundamental. Atua com Formação Con-
tinuada de professores, dando ênfase na Educação para as Relações Étnico-raciais,
atuando com jogos africanos, Tecido Africano (Pano da Terra), ensino de Simetria,
geometria e etnomatemática.
1145
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

O acolhimento e a amorosidade com que fui tratada demonstram


muito do que significa ser professor/a, dentro da concepção de educação
como veículo de conhecimento para emancipação do indivíduo (FREIRE,
2000). Ali, as relações docentes-discentes estariam inviabilizadas, dentro de
uma perspectiva de educação pertencente ao ambiente escolarizado. Essa
ruptura para além dos muros da escola é defendida por Freire (2000, p. 36)
ao dizer que “[...] meu papel no mundo não é só o de quem constata o que
ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências”.
Quanto, como educadores/as, necessitamos lutar para que nossos/
as educandos/as obtenham a possibilidade de ter o direito a uma educa-
ção pública, gratuita e de qualidade? Essas reflexões perpassam minha
mente durante o diálogo ilustrado na imagem a seguir, e nas palavras da
Profª Maria Conceição França, que darão continuidade a esta carta.

Fonte: imagem do acervo pessoal das autoras

Assim como a professora Elisama, nasci no estado da Bahia, na re-


gião do recôncavo baiano, e muito cedo tive que vir morar em São  Paulo,
a princípio para realizar o sonho de minha mãe, que sonhava que seus fi-
lhos estudassem. E assim aconteceu. Tornei-me professora. Incrível como
o tempo passa rápido. Em São Paulo, sempre trabalhei em escolas públi-
cas e em regiões periféricas. É muito desafiador lecionar, hoje, nas escolas
deste país: há um grande descaso e desrespeito pela profissão docente. 
É importante que os educadores tenham conhecimentos não só
dos conteúdos e do currículo a serem ensinados, mas de toda a cultura
que perpassa por eles. Os dois autores, ao pensar na etnomatemática,
1146
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

colocam que a nossa cultura está repleta de elementos que podem nos
subsidiar pedagogicamente. Então, mostrei para ela um tabuleiro do
jogo mancala, e expliquei que a formação que ministrara aos professores
do Instituto Federal da Bahia (IFBA) consistiu em abordar pedagogica-
mente o uso desse jogo, pois ele permite o diálogo entre os conhecimen-
tos matemáticos e a cultura africana. Após admirar o tabuleiro, eu pedi
que ela jogasse comigo, e fui contextualizando como havia sido a dinâ-
mica do curso de formação e quais saberes envolviam a prática do jogo. 
Em minha trajetória como educadora, as questões étnicas e ra-
ciais sempre estiveram presentes, e, por ser um interesse constante, de-
senvolvo projeto com o jogo mancala na escola em que leciono. Esse
projeto surge da necessidade de vincular o currículo de matemática com
o que está na Lei n.º 10.6393, que trata de oferecer aos educandos o
entendimento e o respeito aos saberes dos diversos povos africanos. 
Enfim, nosso objetivo, após este relato, é de convidar os educado-
res e as educadoras para dar continuidade a estas reflexões, oriundas de
um encontro casual, mas que se configurou em um momento riquíssi-
mo de aprendizagens. Existem paredes que nos limitem no exercício da
docência? Até que ponto pode-se transcender a sala de aula, trazendo
interfaces entre os saberes escolarizados e as diversas culturas que per-
passam as nossas existências?
Pensamos ser de extrema necessidade pensar, dentro deste contex-
to, sobre a atuação do professor, pois “a má fama da disciplina também
se deve à abordagem superficial e mecânica realizada pela escola. Além
disso, existe o problema da carência de formação específica e conti-
nuada para os docentes” (ANDRÉ, 2009, p. 25). Segundo a autora, a
formação continuada e as práticas reflexivas sobre a atuação dos profes-
sores em sala de aula se configuram numa alternativa para desconstruir
o pré-construído de que a matemática é difícil. 
Consideramos ainda que, historicamente, no Brasil, o processo
de ensino e aprendizagem matemática é marcado por um modelo tradi-
3 A Lei n.º 10.639/03 em seu art. 26-A determina que “Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre Histó-
ria e Cultura Afro-Brasileira”. 6 “Com o tempo o termo Mancala passou a ser usado pe-
los antropólogos para designar uma série de jogos disputados num tabuleiro com várias
concavidades e com o mesmo princípio geral na distribuição das peças”. Disponível em:
A Cor da Cultura - Saberes e Fazeres - Modos de Interagir (2006, p. 69).
1147
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

cional de ensino, pautado em aulas expositivas, definições e exercícios,


em que o aluno demonstra sua aprendizagem mediante a reprodução
de atividades impostas pelo modelo. No entanto, “reprodução de ativi-
dades não significa compreensão e, consequentemente, não permite a
construção de conhecimentos”.
Ainda os convidamos a compartilhar da nossa esperança, pautada
na compreensão freireana de intervenção para promoção de mudanças,
tendo nos cursos de Pedagogia e de Matemática a oferta de compo-
nentes curriculares que abordem as novas tendências educativas para o
ensino de matemática.
Esperamos que, a partir destas reflexões, e dos teóricos que trou-
xemos aqui, sintam-se convidados/as a dar continuidade a esse processo
de reflexão sobre uma educação que aposta em um currículo signifi-
cativo, que valorize os conhecimentos acumulados de todos os povos,
principalmente o nosso povo negro. 
Queremos ainda ressaltar a importância da escolha por fazermos
este relato da nossa experiência no formato de Carta Pedagógica, com
o intuito de pôr em evidência um dos legados de Paulo Freire, que se
apresenta como uma excelente forma de discussão e convite à conti-
nuidade da escrita. Deste modo, convidamos para que respondam a
esta carta, a partir das reflexões feitas por meio da leitura desse nosso
encontro aeroportuário.
Desejamos um Vem Brasil repleto de amorosidade, aprendizagens
significativas e com toda afetuosidade e aconchego que a Bahia tem!

Elisama de Jesus Gonzaga Santos

Salvador, 21 de fevereiro de 2020

Maria Conceição Santos França 


            

São Paulo, 14 de março de 2020.


1148
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
ANDRÉ, N. Matemática: reaprender a aprender e ensinar matemáti-
ca. Campo Mourão, PR: Secretaria de Estado e Educação – SEED, 2009.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-
lações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
-Brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC, 2003.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

1149
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

CARTA A GISLAINE

Bianca Vergara Gonçalves Teixeira de Mello


UNIPAMPA
professorabiancav@gmail.com

Ana Cristina da Silva Rodrigues


UNIPAMPA
anacristina@unipampa.edu.br

Arroio Grande, 31 de maio de 2020.

Prezada colega Gislaine!

Venho, através desta carta Pedagógica, te convidar a um diá-


logo sobre as discussões que tivemos nas intervenções do Mestrado
Profissional, das quais participaste. Gostaria de manter este diálo-
go escrito afirmando nossa relação docente, enquanto colegas de
profissão, na qual convivi com uma professora criativa, dedicada e,
principalmente, humana. Posteriormente, conheci a colega de curso
em nossas viagens, as quais, carinhosamente, chamamos de “quadri-
lha pedagógica”, sempre inundadas de discussões, dúvidas e muito
amor à profissão. Tua companhia e tuas palavras me trouxeram mui-
ta amorosidade, como diz Paulo Freire. Sinto-me grata por fazeres
parte desses trajetos de minha vida.
Das leituras que tenho feito, Paulo Freire, sem dúvida, é a prin-
cipal, pois ele que me instigou à escrita desta carta. Suas palavras,
sempre com intenções provocativas, me cativaram e cativam cada vez
mais. Sinto-me desafiada a refletir nossa profissão docente. Paulo Frei-
re trouxe, à professora que me forjo, o sonho de transformar o mundo
e, para isso, ele afirma que precisamos de um projeto para colocar
essa utopia em prática. E complementa com a trindade DISCURSO-
1151
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

-AÇÃO-UTOPIA, corroborando uma realidade difícil de exercer, na


docência, em nossos dias atuais.

Mas qual utopia?????

Pensando nesse sonho, adentro no que diz respeito à docência na


Educação Infantil. Nada fácil ter um perfil formado e dizer o que é exa-
to. Penso que, pelo contrário, essa docência na Educação Infantil está
sendo construída, dia a dia, em sala de aula ou à sombra da mangueira.
O professor da Educação Infantil hoje, no município de Arroio
Grande, se encontra nessa busca constante de expandir seu desenvolvi-
mento profissional e construir uma docência ética, priorizando a amo-
rosidade e a democracia nas relações humanas.
Talvez esse seja o sonho, tornar nosso fazer pedagógico um meio
para colaborar com o mundo, pois acredito na bondade e na humil-
dade das criaturas, principalmente das crianças. A identidade das pro-
fessoras e dos professores da Educação Infantil nos desvela a esperança
em uma luta diária, na qual resistir não é uma opção, e sim uma cer-
teza. Nossas crianças, Gislaine, não merecem professoras e professores
apáticos, em relações mornas e passivas. Elas merecem professoras e
professores transformadores, críticos e políticos, que inspirem a luta
por um mundo melhor.
Enquanto luta política, não poderia deixar de mencionar o pla-
no de carreira do profissional do magistério. Esse documento deveria
perpassar a Educação Infantil, tal como a rotina da professora e do
professor e as atribuições do cargo. Essas especificidades são deixadas
de lado e se restringem somente aos atributos generalizados do Ensi-
no Fundamental.
Sempre me indago: o que fazer? Como fazer algo que mude essa
situação? Então, Gislaine, gostaria de ouvir os colegas através das cartas:
trocar cartas, iniciando discussões e troca de informações, para que,
mesmo a distância, consigamos expressar a importância e o valor do
cargo de professora e professor da Educação Infantil.
Estamos vivendo uma situação mundial atípica, que acredito
nunca termos pensado em viver: uma pandemia. Isso nos obrigou a
reinventar um formato de aulas, agora on-line, e a sociedade sentiu “na
1152
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

pele” a falta da escola e, mais precisamente, do professor. Mas até que


ponto as aulas on-line na Educação Infantil estão atingindo os objetivos
de desenvolvimento humano?
Gislaine, encerro esta carta com muitas indagações e ansiosa na
espera da tua carta. A distância separa nossas conversas, mas as cartas
pedagógicas nos aproximam na escrita e no pensamento.

É impossível ensinar sem a capacidade forja-


da, inventada, bem-cuidada de amar (FREIRE,
2015, p. 28).

Um beijo no teu coração!!!


Bianca.
Professora Ana Cristina.

Palavras-chave: Educação Infantil. Plano de Carreira. Formação Docente.

1153
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

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XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FREIRE VIVE NAS PERSPECTIVAS


DA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA

Delvânia Aparecida Góes dos Santos


PPGE/UFMT - UFR
delvaniagoes@gmail.com

Às e aos colegas professoras e professores, na luta contra a ig-


norância coletiva que se desnuda neste doloroso e restritivo contexto
de pandemia. Estas linhas são dedicadas a contar-lhes um pouco da
minha experiência com algumas releituras do pensamento de Paulo
Freire nas perspectivas teóricas do Letramento Crítico (LC) e dos
Novos Letramentos (NLS), com os quais tenho refletido sobre os
conflitos entre perspectivas e interpretações culturais e ideológicas,
que configuram e geram impactos em nossas vidas, seja na esfera
individual ou na coletiva.
É sabido que as mudanças no contexto mundial, resultantes
dos processos de globalização, têm sido motivo de inquietação entre
acadêmicos e profissionais da educação. Diante da crescente concen-
tração de renda, do aumento da pobreza e, consequentemente, da
exclusão social, as discussões em torno da educação crítica voltaram a
ser pauta em diversos países, já no final do século XX.
De acordo com estudiosos e pesquisadores das áreas da Educa-
ção e da Linguística Aplicada, a busca por novas epistemologias e me-
todologias críticas ou emancipatórias tornou-se crucial para o enfren-
tamento dos desafios apresentados pela complexidade da sociedade
contemporânea. E é provocada por essa observação pontual, situada
histórica e socialmente, que retomo à leitura das obras de Freire.
A partir das discussões levantadas por Paulo Freire, principal-
mente em A Pedagogia do Oprimido, o mundo acadêmico passou a vis-
lumbrar a importância de uma educação emancipatória na luta contra
a injustiça social. Inspirados pelas ideias revolucionárias do educador
brasileiro, estudiosos de vários países se reúnem e revisitam os pensa-
1155
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

mentos de Freire, com o propósito de recontextualizá-los às realidades


sociais da atualidade e repensar o que seria uma educação crítica em
nossos dias (MENEZES DE SOUZA, 2011).
A perspectiva teórica do Letramento Crítico, ou Critical Lite-
racy, como é originalmente denominado esse movimento acadêmico,
desponta no cenário internacional por volta de 2003, fortemente ins-
pirada nos pensamentos freireanos.
Segundo os australianos Luke e Dooley (2009), o Letramento
Crítico refere-se “ao uso de textos para análise e transformação das
relações de poder nas esferas culturais, sociais e políticas”. Entretan-
to, o sentido de “texto”, de acordo com as perspectivas de LC, não
está circunscrito ou limitado ao texto em si, mas ao sentido de texto
enquanto discurso – ou seja, que é compreendido enquanto interpre-
tação cultural, enquanto perspectiva social, enquanto posicionamento
político – portanto, ideológico e gerador de efeitos de sentidos.
De acordo com essa concepção, podemos entender que as pers-
pectivas do Letramento Crítico encorajam as pedagogias de enfrentamen-
to, de resistência e de transformação, porque buscam, por meio de uma
epistemologia da suspeita e do exercício da criticidade, tornar visíveis as
diferentes perspectivas sociais em conflito e promover o diálogo entre
elas – sem, no entanto, ter, por intencionalidade, o apagamento do
dissenso presente nas interpretações sociais em confronto. Ao contrário,
o Letramento Crítico busca evidenciar os diferentes sentidos em jogo,
para, então, discutir as implicações e os possíveis impactos que as dife-
rentes formas de pensar possam ocasionar socialmente.
Em síntese, podemos dizer que as perspectivas do Letramento
Crítico, baseadas nas ideias de Freire, mantêm viva a proposta de diálo-
go/dialogicidade, de engajamento e de compromisso com a luta política
frente às injustiças sociais e a qualquer tipo de opressão. Ambas as pro-
postas têm, como base, os princípios da democracia e da equidade de
poder entre os diferentes grupos sociais e as diferentes culturas.
Podemos dizer, ainda, que as perspectivas do Letramento Crí-
tico se constituem como uma proposta de ressignificação de olhares
e de ampliação do repertório interpretativo de mundo, uma vez que
consideram as práticas e os eventos de letramento a partir de diferentes
perspectivas culturais. Ao mesmo tempo, instigam o estranhamento,
1156
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

a reflexão e o posicionamento político dos sujeitos envolvidos, com a


intenção de construir e fortalecer uma agência que os permita adentrar
no território de disputa de sentidos de forma crítica, para que, de seu
lócus de fala, possam criar resistência, fazer enfrentamentos e participar
ativamente da negociação dos sentidos em jogo, exercendo seus direitos
enquanto cidadãos e desenvolvendo suas potências humanas.
Desse modo, ressaltamos que a educação linguística, ancorada nos
conceitos do Letramento Crítico, assim como a proposta da Pedagogia
Crítica de Freire – salvaguardadas suas diferenciações teórico-conceituais,
como é próprio das teorias que vão sendo configuradas historicamente –,
têm vínculos políticos explícitos com as ações democráticas, as práticas
sociais inclusivas e a justiça social, por serem fundamentadas em pen-
samentos que não dissociam a dimensão política da ação humana, não
descarnam o espírito humano, desvinculando-o do corpo social.
Esse entendimento é enfatizado por Luke e Dooley (2009), quan-
do que o processo de letramento, enquanto uma habilidade humana,
traduz-se em uma “disposição em direção à liberdade, à igualdade e à
emancipação”. Como isso pode não ser político?
Monte-Mór (2013, p. 11) também contribui com a compreen-
são dessa natureza política do ser humano ao apontar que “a constru-
ção humana de significados se dá no espaço social e busca a percepção
crítica de modo a interpretar eventos ou fatos recorrentes nesta so-
ciedade”. Desse modo, segundo a autora, “o sujeito passa a ocupar a
posição de autor de tais significados, resultando na formação da cida-
dania ativa ou engajada”. A pesquisadora esclarece que, “por meio do
letramento crítico é possível apreender significados e expandir a visão
de mundo do sujeito”, uma vez que os sentidos são construídos social-
mente, podendo “o agente desconstruir e reconstruir os significados”,
estabelecendo, assim, o que ela chama de uma “prática cotidiana dife-
renciada” (MONTE- MÓR, 2013, p. 11).
Em outras palavras, podemos dizer que o Letramento Crítico
(LC) mantém seu diálogo com a Pedagogia Crítica quando se apresenta
enquanto possibilidade de construção de perspectivas sociais mais jus-
tas, menos opressoras, emancipatórias, ao sugerir que os alunos sejam
educados para pensar criticamente e questionar seu próprio status quo,
para se tornarem cidadãos éticos e agentes sociais críticos.
1157
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Prosseguindo no intento declarado no título desta carta, gostaria


de falar agora um pouco sobre as aproximações entre o conceito de
Novos Letramentos, do teórico britânico Brian Street (2003) e o pen-
samento Freireano, referente ao conceito de emancipação e educação
emancipatória. Pois bem.
Street (2003) define como New Literacy Studies (NLS), ou Es-
tudos de Novos Letramentos, “a tradição em considerar a natureza do
letramento, focando não apenas na aquisição de habilidades, como mé-
todo dominante, mas pensar o que significaria o letramento como uma
prática social”. De acordo com Luke e Dooley (2009), é a prática social
que promove o pensamento crítico, por meio das práticas sociais coti-
dianas. Assim, em sala de aula ou fora dela, o aluno pode receber uma
educação que o capacite a intervir em sua própria história, aprendendo
a ler mais do que está escrito em um texto, aprendendo a “ler”, tam-
bém, sua própria história de vida.
Retomando os estudos de Brian Street (2003), este identificou
dois modelos gerais de letramento sobre os quais teorizou – o letra-
mento autônomo e o letramento ideológico. Segundo Street (2003), o
“modelo autônomo” de letramento – o tradicional, o clássico, o canônico
– simplesmente impõe o pensamento ocidental à outras culturas, natu-
ralizando-o, como se a homogeneização social e cultural fosse o destino
adequado para todos os seres humanos do planeta, sem dar brechas aos
questionamentos, às perspectivas ou às particularidades de um povo, de
um grupo social ou do próprio indivíduo (STREET, 2003).
Por sua vez, o “modelo ideológico” de letramento reconhece as dis-
sonâncias e as diferenças como parte dos processos humanos e sociais
– não as nega, não presume que apenas por adquirir determinado nível
de letramento o cidadão estará, automaticamente, transformando suas
condições sociais. O modelo ideológico oferece uma visão de letramen-
to mais culturalmente sensível, por variar de um contexto para outro.
Esse modelo se origina com base em diferentes premissas. A primeira
delas é a de que letramento é uma prática social, e não simplesmente
uma competência neutra ou técnica (STREET, 2003). A outra, é a de
que o “modelo ideológico” defende a compreensão do contexto históri-
co-social no qual o sujeito-aprendiz se encontra, bem como a condição
social de seus grupos de pertença.
1158
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

No “modelo ideológico” de letramento, é fundamental entender o


porquê de seu status social e o que o impede de superar sua condição
social. Uma vez consciente de seu lugar social no mundo, o aprendiz
poderá ter condições de construir conhecimento emancipatório, de as-
sumir um posicionamento social e de exercer uma agência transforma-
dora em prol de sua cidadania.
Penso que fazer esse breve apanhado conceitual, revisitando as
ideias profícuas de Paulo Freire, reinterpretadas e disseminadas por duas
perspectivas teóricas que alcançaram destaque em países dos continen-
tes europeu, africano, norte-americano, sul-americano e da Oceania,
no campo da Educação, foi um desejo profundo de voltar a sonhar, de
encontrar nas ideias de Freire um pouco de alento e força de enfren-
tamento neste momento histórico no qual esperançar, conscientizar e
pensar uma nova educação é o que nos permite existir.

Saudações Freireanas,
Delvânia Góes
Professora e Admiradora da Obra de Paulo Freire

Palavras-chave: Educação Emancipatória. Letramento Crítico. No-


vos Letramentos.

1159
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
LUKE, A.; DOOLEY, K. Critical literacy and second language lear-
ning. Queensland, Autralia: Routledge, 2009.
MENEZES DE SOUZA, L. M. T. Para uma redefinição de letramento
crítico: conflito e produção de significação. In: MACIEL, R. F.; ARAÚ-
JO, V. A. (Orgs.). Formação de Professores de Línguas: ampliando
perspectivas. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
MONTE-MÓR, W. Crítica e Letramentos Críticos: reflexões prelimi-
nares. In: ROCHA, C. H.; MACIEL, R. F. (Orgs.). Língua estran-
geira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas:
Pontes, 2013. Pp. 31-59.
STREET, B. V. “What’s” “New” in Literacy Studies? Critical approach
to literacy in theory and practice. Current issues in Corporative Edu-
cation, v. 5, n. 2, 2003.

1160
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FREIRE PRESENTE!!!

Adriane Zatti
zattiadriane@gmail.com

Beloni Terezinha M. Dal’Mora


belodalmora@gmail.com

Cátia Regina Kaspary


ckaspary@gmail.com

Karine Piaia
karinepiaia@gmail.com
Escola Estadual de Educação Básica Antônio João Zandoná

O presente trabalho, em forma de poesia, foi construído cole-


tivamente pelas educadoras da Escola Antônio João Zandoná, que o
elaboraram: professoras e funcionárias que representam a comunida-
de escolar e que se fazem presentes na história dessa escola e que, por
isso, ecoam nessas linhas as suas vozes. O objetivo é, por meio da arte
da palavra, trazer o legado de Freire, com criatividade, buscando rom-
per com os padrões impositivos que fazem da gramática também uma
forma de opressão, exclusão; por isso, a escolha da poesia concreta,
criativa. Por meio de metáforas, o texto poético traduz a construção
da proposta pedagógica da Escola Antônio João Zandoná, baseada na
pedagogia freireana. O tijolo, a tinta, a colher e os demais substanti-
vos que fazem parte da poesia nos remetem não só à importância do
espaço físico, do trabalho braçal, mas também do trabalho intelec-
tual, feito das contribuições coletivas daqueles/daquelas que fazem
parte dessa escola. Os adjetivos e as ações caracterizam e trazem con-
ceitos importantes, sustentados por Freire. Também sinalizamos para
os desafios constantes, como o ato de educar com posicionamento,
1161
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

isso compreendido não apenas na fala, mas na experiência, vivência


daqueles que nos sustentam pedagogicamente. Em cada tijolo, uma
história, um alicerce para continuarmos acreditando numa escola em
que seja possível a defesa dos marginalizados, numa sociedade em que
a amorosidade, a pesquisa, a problematização, a vida, a esperança, o
diálogo sejam pautas diárias, não prontas, estáticas, mas sempre em
construção por todos e todas que pertencem a esse projeto de homem,
educação e sociedade. Já que escola é movimento, é razão/emoção,
tijolo/gente, livro/conhecimento.
Trazemos nessa arte, a presença espiritual e o legado, também, da
colega Sandra, que trouxe as sementes de Freire e as fez germinar. Hoje,
cabe a nós, funcionárias, professoras, pais e alunos, cultivar.

Palavras-chave: Educação. Homem. Sociedade.

1162
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

FREIRE E OS ENCANTOS PEDAGÓGICOS


DE SUA AGENDA

Jefferson Luis Machado


FEMA
profejeffe@gmail.com

Hedi Maria Luft


UNIJUI
hedi@unijui.edu.br

Walter Frantz
UNIJUI
wfrantz@unijui.edu.br

Liandra Feltraco
UNIJUI
liandra.feltraco@gmail.com

Juliana Campoy
UNIJUI
jcampoy77@gmail.com

Freire e os encantos pedagógicos da sua agenda é uma proposta


de apresentação historiada e teatral, seguida de um círculo de conver-
sa refletida. Tem como objetivo refletir a simplicidade e a boniteza da
obra de Freire para compreender a riqueza dos detalhes de suas atitu-
des. O pensamento freireano é marcado na direção dos processos de
humanização, nesse sentido, iniciaremos pela contação da história que
parte da obra À sombra desta mangueira, culminando na Pedagogia da
Autonomia: Saberes necessários a prática docente, enfocando a esperan-
ça e a libertação numa perspectiva de “ser mais”. A esperança é, para
Freire, “necessidade ontológica”, um “imperativo excepcional e históri-
1163
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

co” (FREIRE apud STRECK, 2010, p. 161), portanto, uma esperança


capaz de construir um mundo que faça emergir o mais profundo da
história de cada um; que nos faça pensar e atuar de forma transfor-
madora na realidade, principalmente, neste momento de pandemia. A
esperança nos estimula à compreensão da dimensão crítica e política da
educação, para que possamos caminhar para processos de libertação.
A libertação é entendida como o meio pelo qual homens e mulheres
lidam de forma crítica com a realidade e descobrem como participar na
transformação do seu mundo para “ser mais”. Portanto, um roteiro de
pequenos gestos que têm a capacidade de mobilizar para práticas peda-
gógicas que anunciam o encanto da agenda freireana.

Palavras-chave: Esperança. Libertação. Ser mais.

1164
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Referências
FREIRE, P. À Sombra desta mangueira. São Paulo: Olho dágua, 1995.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
STRECK, D. Esperança. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

1165
XXII FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE

Aviso importante: Ao comprar um livro você não somente está a adquirir


um produto qualquer. Você também remunera e reconhece o trabalho do
autor e de todos aqueles que, direta ou indiretamente, estão envolvidos na
produção editoral e na comercialização das obras, tais como editores, dia-
gramadores, ilustradores, gráficos, distribuidores e livreiros, entre outros.
Se quiser saber um pouco mais sobre isso, acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=XQkpZA6qFhc

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