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ANAIS ELETRÔNICOS
17, 18 e 19 de agosto 2022
ISBN 978-85-88523-91-3
Prof. Dr. Marcelo Augusto Turine
Reitor
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COMISSÕES
Logística Científica Secretaria
Linoel Leal Ordóñez Sandra Novais Sousa Marcelo Victor da Rosa
Antônio Carlos do Dayana de Oliveira Arruda Jacira Helena do Valle
Nascimento Osório Jéssica Lima Urbieta Pereira de Assis
Marcelo Correa Pires Átila Maria do N. Corrêa Agna dos Santos
Guilherme Henrique Weverlin Ferreira Brizola Anicésio
Pinheiro Bruna da Conceição
Ana Luiza Benato e Ximenes
Silva Cleide Maria dos
Passos
Arruda
Cristian Lopes Gomes
Isabelle da Cruz
Fernandes
Roselaine Alves Olmo
Tânia Cristina Barreto
de Souza Bello
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Índice
Apresentação 7
ESCAVANDO O OBJETO
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Ana Luiza Benato e Silva
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O PARADOXO DA INCLUSÃO DE SUJEITOS SURDOS NO
ENSINO SUPERIOR
Introdução
Neste texto, realizo uma exposição de falas oriundas de entrevistas realizadas com
acadêmicos surdos da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) campus
cidade universitária. Neste sentido, se faz inportante pontuar que a instituição principia uma
formalização de seu olhar para o atendimento a pessoas com deficiência a partir da criação do
Programa INCLUIR. A existência deste programa, segundo Cleudimara Sanches Sartori Silva
(2013), é um fruto da Portaria nº 3.284/03, conjugada com o decreto nº 5.296/04, que
regulamenta a Lei nº 10.048/00 e a Lei 10.098/00, juntamente com o decreto nº 5.626/05, que
regulamenta a Lei da Língua Brasileira de Sinais.
Na UFMS, o embrião do Programa INCLUIR se instaurou no ano de 2006, quando a
Instituição foi contemplada com recursos para a aquisição de materiais específicos para
acadêmicos com deficiências. Cleudimara Sanches Sartori Silva (2013, p. 94) pontua que, neste
edital de 2006, “[...] a UFMS foi contemplada e não foram solicitados recursos para contratação
de pessoas e, devido aos prazos não cumpridos, a UFMS teve que devolver quase 50% do
recurso recebido”.
Esse formato do Programa INCLUIR, onde docentes ligados à área da Educação Especial
se inscreviam em editais para receberem recursos para promoverem ações de inclusão, esteve
em vigor até 2011 quando, por intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), o Programa passou a ter a finalidade de institucionalizar as
ações de acessibilidade nas Instituições de Ensino Superior (IES) por meio de criação de Núcleos
de Acessibilidade (SANTANA, 2016).
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Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGEdu/UFMS). Integrante do
Grupo de Estudos e de Investigação Acadêmica nos Referenciais Foucaultianos (GEIARF/CNPq).
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Foi institucionalizada, então, na UFMS, uma Divisão que levou o nome de Divisão de
Acessibilidade e Ações Afirmativas (DIAF), hoje denominada Secretaria de Acessibilidade e
Ações Afirmativas (SEAAF) cujo fim é atender o público alvo da Educação Especial.
Nos tópicos seguintes elucido os percursos metodológicos da pesquisa e a divisão
trabalhada nos três distintos períodos institucionais apresentados: período de resistência, de
transição e inclusivo.
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Os nomes utilizados nesta pesquisa são fictícios para proteçao da identidade dos entrevistados.
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tinha o instinto de sobrevivência que eu tenho hoje como cidadão”. Por este motivo, se submeteu
aos procedimentos de sua época, sujeitando-se a situações que hoje “não aceitaria”. A surdez
para o Senhor Antônio ocorreu aos seus 22 anos de idade.
A convivência com os demais acadêmicos durante períodos de trabalho em grupo se
apresentava como um momento hostil. De certa forma, essa hostilidade é apontada pelo
entrevistado devido a suas mais variadas intersecções: “[...] eu usava aquela prótese retro
auricular [...] eu sou calvo, uso óculos [...]eu entrei em um processo de depressão [...] A minha
imagem também nunca foi lá grandes coisas [...] eu era um dos mais velhos da turma [...] fui
discriminado por ser pobre”.
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Por regime de verdade, entende-se a política geral que cria e acolhe a verdade, “isto é, os tipos de discurso que
ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados
para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro”
(FOUCAULT, 2019, p. 52).
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ao posicionamento dos professores, dos colegas de classe e dos próprios sujeitos surdos, cada
qual a partir de suas intersecções. Entretanto, traços ainda comuns entre estes dois períodos
podem ser evidenciados em relação ao posicionamento do sujeito surdo sobre si mesmo: Senhor
Antônio: “[...] eu atribuía a ela [a surdez] a culpa por ter sido assim”. Senhor José: “[...] o que
eu fazia para suprir, ali, a deficiência? Eu que fazia as pesquisas [...]”. Mauro: “[...] dependia
de mim”.
A forma como tais discursos se apresentam aloca seus significados às experiências destes
sujeitos que estão atravessados e marcados pelas relações de poder. De acordo com Louro (2019,
p. 28), “[...] historicamente, os sujeitos tornam-se conscientes de seus corpos na medida em que
há um investimento disciplinar sobre eles”.
Período inclusivo: aplicação das leis inclusivas (2013 aos dias atuais)
Este período é caracterizado pela criação da antiga DIAF, hoje, SEAAF, pela contratação
de profissionais tradutores intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (TILS) e pelas
implantações das políticas de cotas e de permanência. A partir da efetivação destas Políticas
Públicas, percebe-se o ingresso do surdo sinalizante.
Com estas efetivações, Clarice, que entrou no curso de Medicina Veterinária aos 22 anos
de idade, e André, que entrou no curso de Audiovisual aos 20 anos de idade, puderam dar
continuidade a suas vidas acadêmicas no Ensino Superior – ambos surdos sinalizantes.
Existe uma relação de poder entranhada na relação entre acadêmicos surdos e TILS neste
limiar que pode resultar em atritos, caso não seja devidamente equilibrada. Exemplos destes
atritos aparecem neste relato de Clarice: “Alguns dos intérpretes também dizem as suas opiniões
em relação a mim ‘É melhor você ir para outro curso!’ [...] Também dizem: ‘É melhor você ir
para um curso mais leve’. [...] ‘Seria incrível, sensacional, você ir para o curso de Letras-
Libras’”.
Este discurso representa uma destas tensões. Existe, neste trecho, a noção de que aos
surdos caberia se formar em Letras-Libras por ser um curso que utiliza a Língua de Sinais e
poderia ser considerado mais “fácil” do que o curso de Medicina Veterinária, por exemplo,
dando a subentender que todo surdo, por ser surdo, estaria fadado a ser professor de Libras, o
que não se constitui como uma regra.
À guisa de conclusão
As análises acerca da produção dos discursos surdos mostraram que tais sujeitos são
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subjetivados, segundo os períodos em que estão alocados, a uma norma social, seja linguística
ou auditiva, que os fazem julgarem-se negativamente em relação a esta norma, o que revela uma
tensão que, ora se manifesta no próprio sujeito que internaliza esta diferença e procura formas
de encaixar-se à norma, ora no relacional, denunciando a in(ex)clusão em uma tentativa de
alterar as condições sociais em que se encontram.
Como demonstrou Foucault, todo discurso é produto de relações de poder. E no caso do
atendimento aos surdos na UFMS, tais relações de poder se manifestam neste dispositivo
pedagógico que age diretamente na forma de subjetivação destes discentes surdos fazendo-os
verem, narrarem, julgarem e governarem a si mesmos como sujeitos inscritos negativamente e
abaixo da norma institucional. Os entrevistados narraram situações que registram a tensão
gerada pelo esforço de adaptação ao processo de Educação Inclusiva – esforço físico, cognitivo
e emocional. Convivendo com os ouvintes, os discentes surdos se defrontam com a necessidade
de adequar-se à norma, sob o risco de serem considerados inaptos para o aprendizado no Ensino
Superior.
REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2015.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo
educado: pedagogias da sexualidade. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 7-42.
SANTANA, Leila Lima de Souza. Acesso e permanência na educação superior - estratégias e ações
da divisão de acessibilidade e ações afirmativas/ DIAF na UFMS. 2016. 159 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, Campo Grande, 2016.
Disponível em: https://repositorio.ufms.br:8443/jspui/handle/123456789/2840. Acesso em: 26 ago.
2020.
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