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Aula 02 – O Profissional da Educação Infantil

Professora: Graciele dos Santos

Não faz muito tempo que a Educação Infantil é encarada, pensada e estruturada à
maneira que é hoje. A etapa de ensino, aliás, nem sempre foi tratada com caráter
educacional. Em seus primórdios, ela era muito mais atrelada à questão do cuidado do
que à Educação em si. “As crianças ficavam lá só para serem cuidadas. Não tinha
nenhuma preocupação com o desenvolvimento da infância”, conta Mariana Queiroz
Americano, formadora do Instituto Avisa Lá, sobre as primeiras creches. O importante era
que as mães tivessem um espaço em que seus filhos pequenos pudessem ser
alimentadas, tivessem suas fraldas trocadas e pudessem brincar sob observação adulta
enquanto elas trabalhavam.

Só a partir dos anos 1980 que a visão sobre a Educação Infantil começa a ser
alterada. “Nesse período, as pessoas não querem mais um lugar apenas para que as
crianças sejam cuidadas, guardadas. Elas querem um lugar de relações interpessoais, de
oferta de experiências para as crianças, com diferentes materiais e elementos culturais",
diz Maria Carmen Silveira Barbosa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Estudos em Educação Infantil e Infância.

Apesar desse início de mudança de pensamento, nos anos 1980, as creches ainda
eram, no geral, ligadas aos órgãos de assistência, e não aos órgãos educacionais. Isso
determinava bastante do seu caráter, mais ligado ao cuidado das crianças pequenas. “O
serviço [de oferta de creches, na época] não era considerado como um direito, mas como
concessão”, explica Moysés Kuhlmann Jr., pesquisador na área de Infância, História e
Sociedade na Fundação Carlos Chagas (FCC). O fato dificultava as discussões de
construção de uma concepção de Educação Infantil que estabelecesse diretrizes e tivesse
os professores como referência de profissional dentro desses espaços.

A apropriação da mudança variou em períodos de acordo com as cidades, mas ela


se deu, sobretudo, após a década de 1990. Ainda assim, Mariana Americano conta que
houve muita dificuldade em estabelecer os objetivos específicos para a Educação Infantil.
“A referência que veio, logo de cara, era a referência do Ensino Fundamental. Era como
se na Educação Infantil a gente precisasse preparar as crianças para entrar na escola",
relembra a formadora. "Com isso, ninguém olhou para como essas crianças se
desenvolviam [na primeira infância]. Era um trabalho por habilidades e competências”.

Como a Educação Infantil se tornou o que é hoje

O primeiro grande passo para as mudanças na Educação Infantil foi a Constituição


Federal de 1988, que torna o atendimento em creche e pré-escola a crianças de zero a
seis anos um dever do estado. Outro grande avanço veio em 1996, com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Com ela, a Educação Infantil passou a
integrar a Educação Básica, equiparando a etapa aos Ensinos Fundamental e Médio. Em
2006, a Educação Infantil passa a atender crianças de zero a cinco anos.

Em 2009, a Emenda Constitucional nº 59/2009, torna obrigatória a Educação


Básica dos quatro aos 17 anos. A Educação Infantil, em específico, só vai aparecer
como obrigatória em 2013, quando todas as crianças de quatro e cinco anos passam a,
obrigatoriamente, estarem matriculadas em uma instituição de ensino infantil. Um último e
importante passo nessa trajetória acontece em 2017, quando a Educação Infantil é
incluída na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), integrando-a ainda mais à
Educação Básica.

Apesar de tantas conquistas, Maria Carmen afirma que a Educação Infantil ainda
caminha no sentido da evolução. “Tudo isso é muito novo”, aponta a professora, que
explica que um sistema educacional leva muito tempo para ser consolidado em uma
sociedade – a Constituição Federal, por exemplo, ainda tem pouco mais de 30 anos.

Mas, na prática, como tudo foi se modificando?

Com o passar dos anos e destes marcos, a Educação Infantil foi se alterando,
sobretudo, em dois aspectos. O primeiro está muito ligado aos objetivos próprios dessa
etapa de ensino, que foram sendo definidos durante todo esse período. E o segundo é
relacionado à formação dos profissionais que atuam na Educação Infantil, cujo perfil foi se
profissionalizando para a qualificação mínima de professores com graduação plena em
nível superior.

Hoje, as normas que regem a Educação Infantil já apontam para objetivos


específicos dessa etapa de ensino. Segundo a BNCC, a concepção atual vincula cuidar e
educar. Para Mariana, esses dois aspectos são indissociáveis: “O cuidado faz parte da
Educação. É através do cuidado que a gente vai garantir a segurança afetiva para a
criança, para que ela possa se desenvolver e aprender qualquer outra coisa”.
O que se espera da Educação Infantil é, portanto, que ela estimule o
desenvolvimento das crianças, em processos próprios para a sua idade – e não que
forcem para uma preparação para o Ensino Fundamental. “As crianças podem ter contato
com práticas sociais, de leitura e escrita, mas não é o momento de colocar nenhuma
pessoa sentada, copiando, escrevendo porque, aos quatro anos, há coisas que são mais
importantes”, afirma Maria Carmen.

Formação na Educação Infantil: o que já mudou e o que ainda precisa mudar

No sentido de oferecer condições para que as crianças aprendam, Mariana conta


que uma grande dificuldade é os professores entenderem que eles não precisam ser o
centro da proposta educacional. “É preciso atuar como um observador, observar essa
criança para poder entender suas potencialidades, que desafios ela precisa, o que ela já
sabe”. Apesar desse desafio atual, o profissional desta etapa de ensino já mudou muito
ao longo dos últimos 30 anos.

Segundo dados das Estatísticas da Educação Básica de 2018, do Inep, quase 70%
dos docentes de Educação Infantil já possuem ensino superior. Quando comparado com
as outras etapas, porém, esse é o número mais baixo. No Ensino Fundamental, mais de
82% dos docentes têm curso superior e, no Ensino Médio, esse valor sobre para 94%.
Moysés conta, porém, que alguns municípios “driblam” essas estatísticas. “Especialmente
nas creches, muitos são os municípios que criam um quadro profissional de auxiliares,
que atuam como professoras, driblando os preceitos legais da formação, de modo a pagar
salários mais baixos”.

Apesar do número de docentes com formação superior ter crescido, Ana aponta
para um déficit na formação dos pedagogos. “Você pode dizer: oba, que bom, todo mundo
pedagogo, sabe cuidar de bebê. Não, não é verdade. É muito recente, nos currículos da
Pedagogia, ter conteúdo para zero a três anos, mesmo em universidades públicas",
afirma.

Maria Carmen aponta que essa questão também se deve ao fato do processo todo
ser muito recente. "A formação do professor da Educação Infantil ainda não tem a
qualidade necessária. Como é uma profissão nova, nós ainda estamos discutindo essa
formação, então ainda tem problemas”. Para ela, uma das grandes dificuldades é o
entendimento de que a função de professor infantil é, sim, um trabalho complexo. “É uma
falta de valor que as próprias crianças pequenas têm na nossa cultura. Para criança
pequena, qualquer coisa serve. É uma pena, mas a gente ainda vive em uma cultura que
não valoriza as crianças. O trabalho não é uma brincadeira, não é uma coisa simples”,
afirma a professora da UFRGS.

Para Maria Carmen, há uma desvalorização do docente de Educação Infantil,


inclusive dentre os próprios profissionais da Educação. Ela aponta que isso é decorrente,
inclusive, desse passado ligado à assistência. “Os cuidados de crianças, bem como
outras profissões que envolvem cuidado, sempre foram pouco valorizadas na nossa
sociedade”.

Nesse sentido, ela acredita que a BNCC ajuda bastante porque, com a existência
de um currículo para a Educação Infantil, é preciso que haja um professor – e não
qualquer pessoa apta apenas para lidar com crianças pequenas. “A Base aponta para um
tipo de Educação Infantil de uma criança em ação, que participa, aprende a se conhecer,
a conviver com os outros. Por isso, acho que ela ajuda a pensar qual o papel do professor
na escola de Educação Infantil e a garantir que tenhamos um professor e não qualquer
profissional", afirma.

Para Mariana, a formação continuada é a chave principal para que os profissionais


estejam aptos a lidar com os pequenos. “Eu não acredito na Educação sem um trabalho
de formação. Acho que o tempo inteiro a gente tem que estar refletindo, saber do que
está acontecendo, ir relacionando teoria com a prática e olhar para o próprio trabalho e
ver como isso está acontecendo", opina.

Na maioria dos municípios, porém, essa formação continuada ainda não está
estruturada da forma ideal. “Esse plano de formação continuada é que eu não vejo muito
claro. São poucas e raras as cidades”, afirma Ana Maria.

Valorizar e formar os professores segue sendo o maior desafio da Educação


Infantil brasileira. Para Maria Carmen, para esses desafios serem superados, é preciso
dar à infância seu devido valor, deixando para traz esse caráter unicamente assistencial
que a Educação Infantil já teve um dia. “Precisamos parar de pensar que qualquer coisa
serve, contanto que os pequenos não se machuquem, não se sujem e estejam bem
alimentados. Tem que haver realmente uma proposta educacional que seja muito
importante no desenvolvimento integral da criança”.

Site: https://gestaoescolar.org.br/

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