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Desafios na didatização da literatura em língua de sinais no

ensino de Libras

Conceição de Maria Costa Saúde1


Fabíola Gomes dos Santos2
Sonale Sintia Araújo de Santana Agra3

RESUMO
Durante a formação estudantil é comum ter contato com a literatura, seja na escola ou na academia, sendo assim,
podemos indagar se há uma abordagem literária no ensino de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para os cursos de
licenciatura e como é realizada. Isto posto, este estudo investiga a presença da literatura em língua de sinais,
produções em Libras e as abordagens mais comuns feitas por docentes de Libras nos referidos cursos superiores no
estado da Paraíba. Propomos discussões acerca do material literário disponível em língua de sinais e as possíveis
aplicações à prática docente, contemplando suas três vertentes: tradução, adaptação e produção.
Metodologicamente, a pesquisa está dividida em três etapas, iniciando com a revisão bibliográfica, concomitantemente
à investigação qualitativa, realizada com docentes de universidades paraibanas via questionário online (Google
Forms), acerca da presença e abordagem de literatura em língua de sinais nas aulas de Libras. A segunda, refere-se
à análise dos dados coletados e a terceira uma proposta didática explorando a literatura sinalizada no ensino de
Libras. Neste sentido, objetivamos contribuir com a didatização das aulas de Libras, disponibilizando produções
literárias existentes categorizadas por gêneros literários, para a partir delas sugerir alternativas metodológicas, a fim
de trabalhar a cultura e a identidade surda mediante o ensino da literatura. Para o desenvolvimento da fundamentação
teórica revisaremos Sutton-Spence (2021), Nichols (2016), Peixoto (2016), entre outros teóricos, desta forma
refletimos acerca da relevância de explorar a literatura em língua de sinais no ensino-aprendizagem de Libras. Este
trabalho demonstra-se significativo, considerando a escassez de informação sobre a literatura sinalizada associada
ao ensino de Libras.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura em língua de sinais; Ensino de Libras; Proposta didática; Produções literárias.

1 Introdução

A trajetória da história dos surdos, ao longo dos tempos, testifica que os mesmos foram
impedidos de utilizar sua própria língua, em meados dos anos 80 com o chamado Congresso de
Milão, que excluiu qualquer forma de uso de línguas de sinais em instituições que aportavam
surdos. No entanto, com a oficialização da Lei de Libras 10.436/2002, os surdos tiveram a língua
reconhecida como expressão linguística natural. Em seguida, o Decreto 5626/2005 garantiu a

1 Mestre em Ciências da Educação e Multidisciplinaridade pela Universidade Gama Filho (UGF), professora assistente
II da Universidade Federal de Campina Grande UFCG. E-mail: conceicao.saude@ufcg.edu.org
2 Bacharel em Ciências Contábeis pelo Instituto de Ensino Superior da Paraíba (IESP). E-mail:

fabiola.gomes2@gmail.com
3 Graduada em Letras- Espanhol na Universidade Estadual da Paraíba e graduanda em Letras-Libras na Universidade

Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: nalesintia@gmail.com


inserção da disciplina Libras como obrigatória nos cursos de fonoaudiologia, magistério e
licenciaturas.
Tendo em vista a falta de diretrizes oficiais que direcionem os conteúdos a ser
contemplados na disciplina, surgiu a necessidade de apontar um caminho plausível para que os
docentes de Libras possam explorar a literatura em língua de sinais, objetivando desenvolver no
aluno habilidades receptoras da língua meta e da literatura, além de competências de produção
na comunicação e reflexivas no tocante à literatura. Pois, sabemos que ao longo da vida, os
discentes, em algum momento, tiveram contato com a literatura e no que se refere ao ensino de
Libras nos cursos superiores de licenciatura, se faz necessário explorar a literatura sinalizada,
sendo traduzida, adaptada ou produzida em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
O presente artigo busca averiguar se a literatura nos cursos de licenciatura é trabalhada,
quais as dificuldades encontradas em explorar seus elementos do ponto de vista dos docentes
dos cursos superiores da Paraíba, faz um levantamento das obras disponíveis e as categoriza por
gêneros literários, discute sobre a relevância de explorar essas obras no ensino de Libras e deixa
um legado para os profissionais que lecionam Libras nos cursos superiores de licenciatura, uma
vez que encontrar materiais que apontam um caminho possível para unir abordagens da literatura
sinalizada ao ensino de Libras, para isso apresentaremos uma proposta didática para trabalhar
literatura em língua de sinais nas aulas de Libras como segunda língua - L2.

2 Ensino de Libras nos cursos de licenciatura de universidades públicas

Quando fazemos um panorama geral a respeito da Língua Brasileira de Sinais, podemos


observar que no ensino, enquanto disciplina obrigatória, é algo recente no Brasil. Em 2002, através
da Lei 10.436, houve o reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação e expressão
dos sujeitos surdos, até então essa língua era utilizada apenas dentro da comunidade surda. O
Art. 1o esclarece que “é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados”.
A disciplina de Libras passou a ser obrigatória em virtude do decreto 5.626 que
regulamenta a referida lei e determina que alguns cursos de graduação a ministrem e, em outros,
ela se constitui como disciplina optativa. Podemos verificar no Artigo 4º da lei 10463/2002 que:
O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus
níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como
parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme
legislação vigente. (Brasil, 2002)

Nos cursos de licenciatura, o ensino de Libras é obrigatório, tendo em vista a necessidade


de os profissionais licenciados terem conhecimento básico dessa língua para exercer suas
profissões de forma efetiva, principalmente no atual contexto de inclusão social dos surdos, onde
o número é cada vez mais crescente.
Além dessa determinação, o Decreto delineou como deve se dar a formação dos docentes
para o ensino da disciplina e viabilizou a criação de cursos de graduação para a formação de
professores surdos e ouvintes a fim de atuarem na educação básica e no ensino superior.
Possibilitando, assim, a criação do curso de licenciatura plena em Letras Libras, iniciado, em 2006,
na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (semi-presencial), em 2010, na Universidade
Federal da Paraíba – UFPB (EAD-Ensino a Distância) e, em 2017, na Universidade Federal de
Campina Grande – UFCG (Presencial).
Esse breve histórico se faz relevante para demonstrar o quão recente é o ensino da Libras.
Antes da formação da primeira turma de licenciatura em Letras Libras, eram habilitados para
lecionar a disciplina os profissionais com formação em licenciatura que possuíssem proficiência
em Libras (Prolibras). Criado pelo Ministério da Educação (MEC), o Prolibras era um programa
nacional que realizava exames para obtenção de dois tipos de certificados: "Certificado de
Proficiência no Uso e no Ensino da Libras" e "Certificado de Proficiência em Tradução e
Interpretação da Libras/Língua Portuguesa". A certificação poderia ser considerada um título que
provava a competência para o ensino ou interpretação e tradução da Libras.
Como citado no Art. 20. do Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005: "Nos próximos
dez anos, a partir da publicação deste Decreto, o Ministério da Educação ou instituições de ensino
superior por ele credenciadas para essa finalidade promoverão, anualmente, exame nacional de
proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa". Tal medida também é
citada no Art. 1. da Portaria Normativa MEC 20/2010: "Os exames de proficiência em Libras -
Prolibras serão realizados, anualmente, nos Estados e no Distrito Federal, até 2015."
Este período de dez anos, contados a partir de 22 de dezembro de 2005, foi necessário
para que houvesse tempo para o funcionamento e popularização de cursos de graduação ou pós-
graduação em Letras Libras e, consequentemente, a formação de intérpretes e professores
qualificados com nível de ensino superior. O período definido por lei para realização do exame de
proficiência foi iniciado em 2006 e finalizado em 2016, portanto não há mais Prolibras. Essa medida
foi tomada até que se formasse os primeiros profissionais licenciados e bacharelados em Letras
Libras.
Tendo visto esta trajetória desde a criação dos cursos de licenciatura em Letras Libras,
até a obrigatoriedade da disciplina de Libras nos cursos de licenciatura, podemos nos indagar
como seria o processo de didatização desta disciplina, uma vez o decreto não determina uma
diretriz específica para que os cursos sigam. Portanto, os conteúdos da disciplina ficam à critério
do docente que a ministrará. Diante deste fato, nos questionamos se na didatização do ensino de
Libras, há lugar para a língua de sinais, no ensino de Libras, uma vez que é parte da cultura surda.
Para isso, faremos uma explanação sobre o que é e quais vertentes conta a literatura em Libras

3 Literatura em Língua de Sinais e suas vertentes

Uma produção literária é construída de modo a proporcionar ao leitor/receptor uma


experiência de identificação (ou não) com personagens e emoções das mais diversas. Esses
elementos são contagiantes, entretanto as produções existentes, em sua maioria, são construídas
dentro da cultura oralista, limitando a identificação da pessoa surda, pois sua cultura é construída
dentro de uma língua visual/gestual.
Segundo Sutton-Spence (2021), as pessoas tendem a pensar que a literatura não faz
parte do cotidiano, sendo uma arte estética e escrita. Todavia, esta definição puramente leitora e
escrita exclui “muitos exemplos de uso da língua estética” (SUTTON-SPENCE, 2021, p. 25). No
que se refere à literatura surda, produzida em Libras, há poucos casos descritos, a maioria das
produções são sinalizadas, configurando-se literatura em Libras locadas nas categorias de
tradução, adaptação e produção surda. Porém, “o importante na literatura é o uso da linguagem
com o principal objetivo de proporcionar prazer, de maneira que a sua estrutura se destaque”
(SUTTON-SPENCE, 2021, p. 25). Além de propiciar prazer ao recepcioná-la, a literatura sinalizada
transcende a simples comunicação, é uma forma de expressão cultural, capaz de influenciar o
povo surdo e legitimar a Libras como sua língua natural.
Peixoto (2016) divide a literatura entre Literatura em língua de sinais, “criada por ouvintes
traduzida para a LIBRAS, que diferente das obras adaptadas não sofrem alterações nos enredos,
pois são fiéis ao texto original da obra.” e Literatura surda, sendo obras “criadas e adaptadas por
surdos [...] com elementos identitários e culturais do Povo Surdo” (PEIXOTO, 2016. p. 141).
Em concordância com a autora mencionada, utilizaremos o termo literatura em Libras para
nos referir à literatura sinalizada. Esta, se divide em três vertentes, a primeira é a tradução, que
se refere a uma obra literária escrita em uma língua oral-auditiva e traduzida para a Libras.
Tratando-se de tradução, Nichols (2016) esclarece que seu objetivo é “o acesso à literatura na
própria língua do sujeito surdo, [permitindo conhecer] as histórias da literatura convencional,
através da Libras, das expressões bem claras, do uso de classificador e dos sinais dos
personagens da história”.
Como exemplo temos fábulas, contos, poemas entre outros gêneros literários, porém os
mencionados são mais frequentemente buscados, por configurarem-se como gêneros curtos. A
fim de categorizá-los, citaremos algumas obras de tradução, posteriormente adaptação e por fim,
produção literária surda. Referente à tradução temos os Quadros 1, 2 e 3 abaixo com alguns
exemplos e os respectivos endereços eletrônicos.

Quadro 1:Tradução de fabulas.


Fábulas Endereços eletrônicos
A cigarra e a formiga https://www.youtube.com/watch?v=q9tx-7UaXB8&t=35s
A raposa e as uvas https://www.youtube.com/watch?v=CJHFbyKTYFk
O leão e o ratinho https://www.youtube.com/watch?v=Zlcw-CQAaVg
A lebre e a tartaruga https://www.youtube.com/watch?v=7GGP10_T7p0
Dois viajantes e o urso https://www.youtube.com/watch?v=CYV-3afMJBc
O corvo e a raposa https://www.youtube.com/watch?v=GlkH7Vq6Bzc
Dois burrinhos https://www.youtube.com/watch?v=k_SwdNnzfQE
O sabiá e o urubu https://www.youtube.com/watch?v=TZot88-xFwU
O ratinho, o gato e o galo https://www.youtube.com/watch?v=FFr7OmryiQU
O cavalo e o burro youtube.com/watch?v=IaNUelnqfbY
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.

Quadro 2:Tradução de poemas.


Poemas Endereços eletrônicos
O sonho – Clarice Lispector https://www.youtube.com/watch?v=sg5szOJn43I
Todas as manhãs – Conceição https://www.youtube.com/watch?v=yOh-uU-BlEk
Evaristo
O amor em paz - Vinicius de https://www.youtube.com/watch?v=6eacHY-QWl0
Morais
As borboletas – Vinicius de https://www.youtube.com/watch?v=-uzhLnJITWw
Morais
O menestrel – Willian https://www.youtube.com/watch?v=7XEA20EczmY
Shakespeare
Laço de fita – Castro Alves https://www.youtube.com/watch?v=T1g6Uqjnodo
Me gritaram negra – Vitória https://www.youtube.com/watch?v=ocbq9JMNE5Q&t=88s
Santa Cruz
Direito das crianças – Ruth https://www.youtube.com/watch?v=2pZptX5tFE0
Rocha
Se ame, seja amor- Bráulio https://www.youtube.com/watch?v=hcLGlYkCGu0&t=17s
Bessa
Canção do exílio – Gonçalves youtube.com/watch?v=I2C7fOg8Fpg&t=20s
Dias
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.

Quadro 3:Tradução de contos.


Contos Endereço eletrônico
Rapunzel https://www.youtube.com/watch?v=7q1kF5N1gHs&t=107s
Patinho feio https://www.youtube.com/watch?v=Am9rpdE8sWI
A bela e a fera https://www.youtube.com/watch?v=q1cjAFsfF34
O amigo https://www.youtube.com/watch?v=F1IfgxTqrJg
Cinderela https://www.youtube.com/watch?v=As0vKQI4Hgo
As doze princesas dançarinas https://www.youtube.com/watch?v=4ziBIATB5gs
O lobo e os sete cabritinhos https://www.youtube.com/watch?v=-
kj9jti9fuI&list=PLam8tvaGekmayOljiB-wYg1T7Sw39H-St
Alice no país das maravilhas https://www.youtube.com/watch?v=mihOOaUJEHg
Pinóquio https://www.youtube.com/watch?v=0Cq0YSilzFQ
Rosa branca e rosa vermelha https://www.youtube.com/watch?v=bdQudfWfLg4
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.

A segunda vertente da literatura em Libras é a adaptação que consiste em um recontar de


obras das línguas faladas para a língua de sinais, incorporando elementos pertencentes à cultura
e a identidade surda.

Tais produções são adaptações [...] em vários gêneros literários, para que os
surdos tenham acesso à literatura, aos valores de ser surdo e à tradição
cultural dos contadores das histórias. Desse modo, ocorre a circulação e o
consumo das marcas identitárias, das mãos literárias e da cultura surda.
(MOURÃO, 2016. p. 16)

Sendo assim, exporemos alguns exemplos de obras adaptadas da cultura ouvinte para a
cultura surda no quadro 4, especificamente contos e fábulas, pois as obras adaptadas se centram
em histórias narradas em sua maioria, contos.

Quadro 4: Adaptação de contos e fabulas.


Contos e fábulas Endereço Eletrônico
Cinderela surda https://www.youtube.com/watch?v=AE2aos08PjY&t=4s
Mula sem cabeça https://www.youtube.com/watch?v=3TaLh8k-j_E
Patinho Surdo https://www.youtube.com/watch?v=oWB8aZjcSTU&t=317s
Boto cor de rosa surdo https://www.youtube.com/watch?v=Zh5DSHfeocw
Rapunzel surda https://www.youtube.com/watch?v=tNRwA8v0AiM
A árvore Surda https://www.youtube.com/watch?v=FQdRkZ3fdCY
A lenda de kauane, uma guerreira https://www.youtube.com/watch?v=5IFg2YFEinU
surda
A sereiazinha surda https://www.youtube.com/watch?v=OlfcQUCZBCI
A árvore https://www.youtube.com/watch?v=4UBwn9242gA
A cigarra surda e as formigas https://www.youtube.com/watch?v=qvmmWJc1sD8
Chapeuzinho vermelho surda https://www.youtube.com/watch?v=mnZi_CMFKMc
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.

Como podemos perceber comparando os quadros 1, 2, 3 e 4, encontramos as adaptações


em menor número em relação às traduções, pois elegemos apenas dez de cada gênero e existem
várias outras traduções disponíveis. As adaptações, por sua vez, são reduzidas, exigindo maior
tempo na sua busca. Logo, identificamos a necessidade de estimular a comunidade surda para
promover o surgimento de novas adaptações.
A terceira e última vertente da literatura sinalizada se configura como Literatura Surda,
assim como a literatura negra é feita por pessoas negras e a literatura feminina é feita por
mulheres, a Literatura surda é criada em Libras, por sujeitos surdos, sendo uma produção livre.
Sutton-Spence (2021, p. 40) teoriza os critérios para que uma literatura sinalizada seja
considerada literatura surda, a saber: (i) ser feita por surdos, (ii) ter objetivo principal de atingir um
público surdo, (iii) tratar de assuntos da experiência de ser surdo, (iv) ser produzida em Libras.
Segundo a autora, não há obrigatoriedade de a obra contemplar os quatro critérios
simultaneamente.
A Libras utilizada nas produções surdas, embora existam muitas obras que retratam a
vida cotidiana dos surdos, sua identidade e cultura, não se configura como uma linguagem
cotidianamente comum, é profunda, podemos dizer que é um mergulho no imenso oceano cultural
e identitário da pessoa surda. Os poetas surdos utilizam características estéticas próprias da
língua de sinais, como o VV (vernáculo visual), a performance, incorporação, a expressão corporal
acentuada, classificadores da língua entre outros.

A literatura em Libras é verbal, embora as línguas de sinais sejam gestuais-


visuais-espaciais e a literatura surda tenha o objetivo de criar imagens claras
para o público. Existe um continuum de linguagem com a intenção de criar
imagens visuais em forma de gestos. Os gestos vão além de uma língua de
sinais para criar literatura visual sinalizada, que não é a língua, mas derivada
da estrutura visual desta; essa é uma técnica chamada Vernáculo Visual ou
VV (SUTTON-SPENCE 2021, p. 43).

Isto posto, podemos inferir que a Literatura Surda é parte integrante e indiscutível da
cultura e identidade surda, que transmite valores e temáticas culturais e identitárias do povo surdo
“como a resistência à opressão pela sociedade dos ouvintes, os problemas de educação dos
surdos, as alegrias de conhecer a Libras, a experiência visual do mundo dos surdos e os sucessos
da comunidade surda” (SUTTON- SPENCE, 2021, p. 27). Como exemplo temos o poema Para
sempre surdo, baseado na vida do autor surdo Rodrigo Custódio. Contudo, existem obras literárias
com temas diferentes à vida do surdo, como no poema O estranho do mar. No quadro 5 abaixo,
apresentamos obras literárias surdas para que conheçam algumas produções surdas.

Quadro 5: Produções surdas de contos e narrativas.


Poemas e narrativas Endereço eletrônicos
Mundos – Lívia vilas boas https://www.youtube.com/watch?v=her93sHy7L0
O estranho do Mar – Renata https://www.youtube.com/watch?v=FpkgT9RvMNo&t=2s
Freitas
Para sempre surdo – Rodrigo https://www.youtube.com/watch?v=M3-YzIzkPxU&t=7s
Custódio
A dor do silêncio – Renata Freitas https://www.youtube.com/watch?v=fOVBoN_3ILA
Orgulho Surdo – Mariana Ayelen https://www.youtube.com/watch?v=LHPf5AzxO74&t=2s
O Mudinho – Edinho Santos https://www.youtube.com/watch?v=bl4-k4YqkCw&t=52s
Negro Surdo https://www.youtube.com/watch?v=_iPayPxh-h8&t=2s
O caminho https://www.youtube.com/watch?v=2w4AQQ6vOIA
Negrinho do Pastoreio 201812_FLN_Literatura_Lenda_Negrinho-do-
Pastoreio_RogerPrestes (ufsc.br)
A águia e o coelho https://www.youtube.com/watch?v=HlyVoLI0qsQ
Eu X Rato https://youtu.be/UmsAxQB5NQA
Escudo protetor contra o rei vírus https://www.youtube.com/watch?v=5aJZwJJJ6f4
Surdos aventureiros https://www.youtube.com/watch?v=IkoEFjMBJUo
Jaguadarte facebook_jabberwocky_aulio_10_novembro_2015 (ufsc.br)
Folclore surdo: a árvore https://www.youtube.com/watch?v=4UBwn9242gA&t=123s
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2021.

4 Há lugar para a Literatura em Língua de sinais nas disciplinas de Libras dos cursos
superiores de licenciatura?

Tratando-se do ensino de Libras como L2, a literatura em Libras é um fator facilitador na


aprendizagem efetiva dos discentes, pois evidencia a cultura e identidade do povo surdo, “mantém
em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo” (ECO, 2003. p. 10). Então
“trabalhar a literatura pode ser considerada uma forma excepcionalmente produtiva no tocante ao
desenvolvimento sociocultural e comunicativo do discente” (AGRA et al, 2020. p. 577), trazendo:

Atributos favoráveis no ensino-aprendizagem, pois permite uma atualização no


processo de aprendizagem do aluno, trazendo aspectos comunicativos,
reflexivos, críticos, culturais, linguísticos, sociais etc. da língua enriquecendo-
os e tornando-a mais atrativa e comunicativa. (SANTANA; ALBUQUERQUE
2016, p.150)

Dentro deste contexto e compreendendo a relevância da literatura em Libras como


estratégia para vencer os desafios na didatização da Libras, as autoras aplicaram uma pesquisa
através de formulário no google forms com 13 professores de Libras do ensino superior na Paraíba
com o objetivo de identificar se a literatura sinalizada é explorada na prática docente e como é
feita.
O resultado geral da pesquisa traz informações relevantes e mostra o quão é necessário
debater sobre o tema. No primeiro ponto observado, verificamos que apesar da maioria dos
professores entenderem que é relevante a possibilidade de explorar a literatura em língua de sinais
nas aulas de Libras (83,3%), menos da metade dos pesquisados de fato a exploram em suas aulas
(41,7%).
Não foi possível determinar a causa da discrepância entre saber a importância da
exploração da literatura em Libras para o desenvolvimento de habilidades e competências dos
discentes e explorá-la. Como vimos, as traduções são encontradas com maior frequência, se
comparada a adaptação, associado a isto, temos o fato de que os professores muitas das vezes
sentem dificuldades em levar a literatura de forma compreensível à sala de aula, pois ainda que
evidenciem na pesquisa que a literatura legitima a Libras como artefato cultural e identitário e que
a utilização da literatura contribui no desenvolvimento de compreensão da língua e comunicação,
há uma certa resistência em leva-la a sala de aula.
Dos que afirmaram explorar a literatura em língua de sinais, identificamos que os gêneros
preferidos para uso em sala de aula são Contos e Fábulas, em contrapartida o Romance e o
Poema foram apontados como gêneros que não seriam levados para ministração das aulas de
Libras. O interesse pelos contos e fábulas ratificam a quantidade de adaptações disponíveis. É
possível que as narrativas se mostrem mais interessantes no processo de tradução.
Quando questionado sobre o porquê é relevante explorar a literatura em Libras, em sua
maioria, os professores enfatizaram a questão da cultura surda e valorização da Libras. Esse
pensamento está alinhado com a Lei de Diretrizes e bases da educação nacional (LDB), art. 43,
inciso IV, ao explicitar que a educação superior tem por finalidade promover a divulgação de
conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e
comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação.
Para os pesquisados, a utilização da literatura sinalizada pode contribuir no
desenvolvimento compreensão da língua e comunicação. Em concordância aos conhecimentos
culturais no ensino-aprendizagem de uma segunda língua, a literatura faz parte da cultura e
identidade de um povo, da sociedade, portanto é um bem coletivo e ainda que a língua não tenha
limites e seja livre para ir como, quando e onde quiser percebemos que contribui significativamente
nos processos de aquisição da língua. E a sua prática também nos mantém exercendo a língua
coletivamente.

A Literatura é um exemplo cultural inegável de qualquer língua, seja ela oral,


visual ou em sinais. [...] O contato literário nos possibilita adentrar em um
mundo no qual podemos desfrutar positivamente para o ensino-aprendizagem
como pessoa, estudante e professor. (AGRA et al, 2020. p. 577-578).

Diante dos fatos expostos quanto a pesquisa relacionada à literatura em Língua de sinais
nas aulas de Libras, podemos perceber que os docentes tem consciência da relevância da
literatura ser trabalhada nas aulas e podemos inferir que há lugar para a Literatura em língua de
sinais nas aulas de Libras, porém há dificuldades em traçar estratégias de como explorar essa
literatura evidenciando seus aspectos reflexivos, críticos e como mostra cultural do povo surdo,
sendo assim proporemos um caminho didático que facilite e esclareça a exploração da literatura
em língua de sinais nas aulas de Libras no tópico seguinte.

5 Proposta didática para trabalhar literatura surda nas aulas de Libras

Tendo em vista que a maioria dos docentes pesquisados evidenciaram a relevância de


trabalhar a literatura nas aulas de Libras, devido os benefícios que o contato literário traz para os
discentes e consideram como um fator motivador para a aprendizagem e desenvolvimento
estudantil, indicaremos um dos caminhos possíveis para trabalhar o gênero literário que os
pesquisados apontaram como o que não levariam às aulas: O poema.
Desenvolvemos a proposta de forma lúdica e gamificada para o uso nas aulas remotas,
considerando o período que estamos vivenciando em virtude da Covid-19. O poema escolhido foi
“As borboletas” de Vinicius de Moraes, pertencente à vertente de tradução, disponibilizado
gratuitamente no Youtube, canal de uma das autoras, acesse o vídeo apontando a câmera do seu
celular para a figura 1 referente ao QR-Code ou pelo 4link.

Fig 1. Qr-code do vídeo do traduzido.

Fonte: https://br.qr-code-generator.com/

Esta proposta objetiva trabalhar os conteúdos ensináveis: Cores, Adjetivos e Expressões


Faciais. Apresentar as cores em Língua de Sinais aos discentes para que conheçam os
respectivos sinais, as subcategorias entre as cores (primárias, secundárias, tons, sensações, etc)
assim como relacioná-las aos adjetivos e sentimentos que cada cor pode transmitir de acordo com
o contexto do poema em questão, identificando no próprio vídeo por meio da correlação existente
entre eles a partir do desenvolvimento da percepção visual. O poema também auxilia na
compreensão e execução das expressões faciais correspondentes, possibilitando ao discente se
expressar na língua meta de forma criativa, mediante atividades que propiciem a autonomia em
Libras, incluindo o conteúdo, às expressões faciais, o léxico e a reflexão sobre diversidade que o
poema traz, direcionando a realidade entre surdos e ouvintes.
Para a metodologia, sugerimos uma chuva de ideias sobre o tema, a fim de verificar o
conhecimento prévio dos alunos, com base em palavras-chave relacionadas ao gênero literário a
ser aplicado. Este primeiro momento se trata de uma conversação informal para que os discentes
se sintam cômodos em interagir e expor o que já conhecem. Em seguida, recomenda-se
apresentar aos alunos a obra escolhida e apresentar os recortes das imagens para que os alunos
respondam quais os sinais correspondentes, por meio da tradução imagética.
Ainda sobre os recortes das imagens, se inicia o processo de interpretação em que o
docente fará perguntas chaves sobre o texto para identificar a compreensão do conteúdo e a da
língua de sinais dos estudantes, trabalhando também o vocabulário apresentado no vídeo e

4 https://youtu.be/-uzhLnJITWw
introduzindo a discussão literária de modo a proporcionar a criticidade e reflexão que a literatura
nos possibilita explorar. Para exemplificar, veja as figuras 2, 3, 4 e 5 a seguir:

Fig 2. Apresentação do poema traduzido. Fig 3. Powerpoint, compreendendo o texto.

Fonte: própria das autoras, 2021. Fonte: própria das autoras, 2021.

Fig 4. Powerpoint, compreendendo os conteúdos. Fig 5. Powerpoint, compreendendo os conteúdos.

Fonte: própria das autoras, 2021. Fonte: própria das autoras, 2021.

Estando familiarizados com os conteúdos, cientes da reflexão trazida e tendo


compartilhado suas opiniões acerca da temática proposta, chegou a hora dos estudantes
expressarem o conhecimento adquirido a partir do gênero e obra apresentada, produzindo uma
sinalização adaptada ou revisada.
Para que se fixe ainda melhor, propomos que se aplique atividades relacionadas ao
poema e se disponibilize para os alunos outras literaturas com temáticas similares para estimular
a intertextualidade e o interesse em conhecer outras obras, impulsionando-o a buscar
conhecimentos para além da sala de aula, desenvolvendo o protagonismo do estudante que se
tornará agente de sua própria aprendizagem. Indicamos que, nesse processo, seja realizada
avaliação qualitativa, ou seja, contínua no decorrer da aula através da participação dos discentes
durante a ministração, também com o desempenho nas atividades escritas e práticas.
Na construção das atividades e ou jogos, indicamos formar no powerpoint, google forms
ou a plataforma wordwall, na qual se encontram inúmeros jogos online e gratuitos para que o
professor formule em um dos formatos disponíveis, a atividade/jogo gamificada, pode ser um
questionário de programa de tv, verdadeiro ou falso, labirinto similar ao pacman, há variados
formatos que o docente poderá escolher, para ilustrar, deixamos as figuras 6, 7, 8 e 9, abaixo para
melhor entendimento do leitor.

Fig 6. Wordwall (abra a caixa). Fig 7. Wordwall (questionário programa de tv)

Fonte: própria das autoras, 2021. Fonte: própria das autoras, 2021.

Fig 8. Wordwall (roda aleatória) Fig 9. Powerpoint (memória)

Fonte: própria das autoras, 2021. Fonte: própria das autoras, 2021.

Os exemplos acima são amostras dos recursos que podem ser utilizados em uma
proposta didática de ensino de literatura em língua de sinais nas aulas de Libras. Há diversos
outros recursos, estando o docente livre para criar atividades interativas que proporcionem ao
discente uma experiência literária imagética e maior absorção do conteúdo, promovendo o
desenvolvimento da percepção visual inerente às línguas de sinais.

Conclusão

No processo de pesquisa da presença da literatura em língua de sinais, nos cursos


superiores de licenciatura da Paraíba, verificamos que a maior parte das produções estão
relacionadas à tradução. Ainda há pouco material disponível na vertente da adaptação e produção
surda.
Essa situação corrobora com o resultado da pesquisa, uma vez que, apesar dos docentes
entenderem que é relevante trabalhar a literatura em Libras nas aulas de Libras, os professores
pesquisados pouco utilizam a literatura sinalizada no ensino de Libras como L2, muitas vezes por
não ser receptor de literatura sinalizada, por não saber como explorá-la, entre outros fatores que
dificultam levar a literatura à sala de aula.
Contudo, através da proposta didática, pudemos evidenciar que a presença da literatura
nas aulas de Libras é um caminho plausível para alavancar o ensino de língua e desenvolver nos
discentes a criticidade e reflexão quanto aos assuntos culturais e identitários concernentes ao
povo surdo. Assim, contribuímos para o ensino de Libras não apenas na Paraíba e nos cursos
superiores, como também na educação básica, uma vez que a proposta é adaptável à realidade
do docente que terá acesso a este artigo.

Referências

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, MARIA PEREIRA FILHA. Proficiência em Libras terá exames até
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