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INTRODUÇÃO

Ronice Müller Quadros é professora pós-doutora da Universidade Federal


de Santa Catarina (UFSC), realizando pesquisas em tema como educação de
surdos, Língua Brasileira de Sinais, aquisição de línguas e outros. Em 1997,
publicou o livro “Educação de Surdos: A Aquisição da Linguagem”. Nesta obra,
a autora discute as diversas abordagens que permearam a educação de surdos
no Brasil, desde o oralismo até o bilinguismo. Apresenta a importância das
línguas de sinais enquanto língua natural das pessoas com surdez e discute o
processo de aquisição de primeira língua e segunda língua para este público.
Apresenta várias problemáticas do contexto brasileiro de educação de surdos e
discute contribuições para lidar com tais problemáticas.

ANÁLISE DA OBRA

Conforme afirmado pela autora supracitada (2008, p.21), a educação de


surdos no Brasil tem seus primórdios com a tendência oralista, a qual é
conhecida pela intencionalidade de recuperação ou reabilitação da pessoa com
surdez, a qual é proibida de utilizar qualquer língua de sinais. Sobre esta
proposta, Quadros faz a seguinte crítica:

Levanta-se a seguinte questão: é possiv́ el o surdo adquirir de forma


natural a língua falada, como acontece com a criança que ouve? Os
profissionais que trabalham com surdos não duvidam de que o
processo de aquisição da língua falada pelo surdo jamais ocorre da
mesma forma que acontece com a criança que ouve, porque esse
processo exige um trabalho sistemático e formal. (QUADROS, 2008, p.
22)

Neste sentido, corroboramos com a autora quanto a esta análise da


tendência Oralista: Uma proposta de ensino que, ao propor que alunos com
surdez sejam obrigados a oralizar, desrespeita suas singularidades linguísticas
e pode causar atrasos ao desenvolvimento educacional de pessoas surdas, mas
também às habilidades comunicativas destes sujeitos.
Posteriormente, Quadros (2008, p. 24) apresenta a segunda proposta que
permeou – e permeia – os diversos contextos de educação de surdos no Brasil,
isto é, o bimodalismo, o qual é conhecido por permitir o uso da língua de sinais,
porém para o ensino da língua oral. Por isso, tornou-se comum que educadores
de surdos utilizassem os sinais da Libras na estrutura na Língua Portuguesa,
sistema artificial que ficou conhecido como português sinalizado. Para análise
desta proposta, a autora cita Ferreira Brito (1993):

Ferreira Brito (1993) critica o uso do português sinalizado observando


a impossibilidade de preservar as estruturas das duas línguas ao
mesmo tempo. A autora salienta que expressões faciais e movimentos
com a boca na LIBRAS são impossíveis de serem usados
concomitantemente com a fala (por exemplo, um dos sinais para
LADRÃ O). (QUADROS, 2008, p. 25).

Para melhor do informado acima, apresentamos visualmente o sinal


citado, colaborando para a compreensão de que, em Libras, alguns sinais
necessitam de expressões faciais que impossibilitam a produção de mensagens
em língua oral. No exemplo citado pela autora, a expressão facial depende do
uso da língua, conforme imagem a seguir:

Fonte: <https://br.pinterest.com/pin/400820435561280545/>.
Em seguida, a autora apresenta a terceira tendência em educação de
surdos, a qual é atualmente reconhecida como política educacional para surdos
no Brasil, por meio do Decreto Nº 5.626/05. Neste sentido, o bilinguismo é
conceituado pela autora da seguinte maneira:

O bilingüismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se


́ el à criança duas lin
propõem a tornar acessiv ́ guas no contexto escolar.
Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo mais
adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que
considera a língua de sinais como língua natural e parte desse
pressuposto para o ensino da língua escrita. (QUADROS, 2008, p. 27)

Neste contexto, considerando a acessibilidade à comunicação em duas


línguas, ou seja, a língua de sinais e uma língua escrita, inferimos que, no caso
do Brasil, a criança surda deveria aprender a Libras e a Língua Portuguesa na
modalidade escrita, a qual seria ensinada com base em uma concepção de
segunda língua.
Por meio de relatos, a autora verificou que o bilinguismo possui diversas
variações quanto à forma que será aplicado e destaca-se que o uso de uma
língua de sinais contribui para o desenvolvimento do aluno, bem como para a
aprendizagem de conhecimentos gerais. Deste modo, tendo em vista que a
autora reconhece a importância do acesso às línguas de sinais pela criança
surda, cabe enfatizar que concepções a autora admite sobre as mesmas:

Tais lin ́ guas são naturais internamente e externamente, pois refletem


a capacidade psicobiológica humana para a linguagem e porque
surgiram da mesma forma que as línguas orais — da necessidade
específica e natural dos seres humanos de usarem um sistema
lingüístico para expressarem idéias, sentimentos e ações. As línguas
de sinais são sistemas lingüísticos que passaram de geração em
geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivaram das
línguas orais, mas fluiŕ am de uma necessidade natural de comuni-
cação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o
canal espaço-visual como modalidade lingüis ́ tica. (QUADROS, 2008,
p. 47)

Neste sentido, compreendemos que as línguas de sinais e,


especificamente, a Língua Brasileira de Sinais, são línguas naturais que
permitem aos seus usuários, sejam surdos ou ouvintes, se comunicarem
plenamente, inclusive expressando ideias abstratas, como os sentimentos. Por
utilizarem o canal espaço-visual e não o auditivo-oral, podem apresentar
estruturas linguísticas que em alguma proporção será diferente das línguas
orais.
Tendo em vista a proposta bilíngue para a educação de crianças surdas
e a importância das línguas de sinais, a autora passa a discutir abordagens que
tratam da aquisição da linguagem, sendo três: A comportamentalista, que centra-
se em aspectos observáveis do comportamento; a linguística, que toma a
aquisição da linguagem como processo de perceber regularidades na língua; e
a abordagem interacionista, a qual pode ser dividida pelo enfoque cognitivista e
pelo social.
O enfoque cognitivista considera a aquisição da linguagem como parte do
desenvolvimento cognitivo não-linguístico. Por isso, percebe estruturas internas
como influentes no comportamento. Por outro lado, o enfoque social valoriza a
participação do ambiente em que a criança está inserida durante o processo de
aquisição da linguagem. Assim, as regras gramaticais seriam desenvolvidas
conforme houvesse associações e memorizações dentro de um contexto social.
Nessa perspectiva, Quadros (2008, p. 70) destaca que pesquisas
desenvolvidas recentemente demonstram que o processo de aquisição de uma
língua de sinais ocorre que de forma análoga ao processo de aquisição de uma
língua oral. Porém, cabe destacar que tais pesquisas foram realizadas tendo
como sujeitos crianças surdas filhas de pais surdos, o que corresponde a um
percentual de 5% a 10% das crianças surdas apenas. Desse modo, a autora faz
o questionamento que segue: “[...] como uma criança surda, filha de pais
́ gua) em tempo hábil? As
ouvintes, terá́ a LIBRAS como sua L1 (primeira lin
crianças surdas, filhas de pais surdos, têm acesso à LIBRAS porque as crianças
́ gua que seus pais”. (QUADROS, 2008, p. 80). Após as
usam a mesma lin
discussões sobre aquisição de primeira língua, a autora discute também a
aquisição de segunda língua por pessoas surdas:

A LIBRAS é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural medi-


ante contato com sinalizadores, sem ser ensinada (conforme já foi visto
na seção anterior), conseqüentemente deve ser sua primeira lin
́ gua. A
aquisição dessa língua precisa ser assegurada para realizar um
trabalho sistemático com a L2, considerando a realidade do ensino
formal. A necessidade formal do ensino da língua portuguesa evidencia
que essa língua é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa
surda. (QUADROS, 2008, p. 84)

Por meio deste questionamento, fica evidente que a maioria das crianças
com surdez, as quais fazem partes de famílias de pessoas ouvintes, podem ter
dificuldades de acesso à língua de sinais, visto que não convivem com pessoas
usuárias fluentes desta língua. Tal fator pode acarretar atrasos no processo de
aquisição da linguagem por estes sujeitos, por isso, a autora, nas considerações
finais, destaca a importância da escola para o desenvolvimento linguístico das
crianças surdas:

Sugere-se que a escola ofereça um ambiente com a presença de


pessoas que sejam falantes nativas dessa liń gua, preferentemente
pessoas surdas. Os objetivos desse ambiente são os seguintes:
oportunizar a aquisição da LIBRAS, oferecer modelos bilíngüe e
bicultural à criança e oportunizar o desenvolvimento da cultura
específica da comunidade surda. (QUADROS, 2008, p. 109)

Neste sentido, a escola seria uma possibilidade de desenvolvimento para


as crianças surdas que nasceram em famílias de pessoas ouvintes. Conforme
destacado pela autora, ao ter contato com outras pessoas surdas, a criança não
apenas aprende uma língua, mas tem a possibilidade de conhecer os valores
culturais da comunidade surda, crescendo em uma perspectiva bicultural, na
qual conheceria tanto a cultura surda quanto a cultura ouvinte.

CONCLUSÃO

Desde o início da educação de surdos no Brasil, com o oralismo, onde os


surdos eram proibidos de utilizar a língua de sinais, até o bilinguismo, que
atualmente é reconhecido como política educacional para surdos e mais do que
permitir o uso da Libras, reconhece o valor desta língua, temos diversos avanços.
O próprio direito dos surdos de terem acesso a aquisição de Libras e à
aprendizagem de Língua Portuguesa na modalidade escrita e em uma
perspectiva de segunda língua pode ser considerado um avanço se comparado
a outros períodos históricos, em que predominaram outras abordagens
educacionais, com a citada anteriormente. Porém, há ainda diversos obstáculos
a serem superados e é discutindo a realidade das comunidades surdas
brasileiras que Quadros (2008) apresenta suas contribuições.
Portanto, cabe destacar que a valorização das línguas de sinais enquanto
língua natural das pessoas surdas é importante, pois é por meio desta que os
surdos poderão aprender uma segunda língua a outros componentes do
currículo escolar, desenvolvendo-se plenamente e podendo exercer sua
cidadania.

REFERÊNCIA

QUADROS, R. M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2008.

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