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FACIBRA - FACULDADE DE CIÊNCIAS DE WENCESLAU BRAZ

INSTITUTO DE APOIO SUPERIOR DO NORTE


PÓS-GRADUAÇÃO EM LIBRAS COM DOCÊNCIA DO ENSINO
SUPERIOR

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS):


REFLEXÕES PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO DO ENSINO BÁSICO

Keze de Souza ALVES1


Nayane Soares QUEIRÓZ2
Silvete de Jesus Reis da COSTA3
Orientadora: Francisca Keila de Freitas Amoedo4
NOTA:9.0
RESUMO
O presente artigo tem como como objetivo principal apresentar uma revisão literária sobre a formação do professor
de Libras, o qual fundamenta-se nas obras de Carvalho (2004), Miranda (2016), Santos (2015), entre outros. É
fato, pois, que a Educação é direito de todos e dever do Estado e da família, com o apoio de toda a sociedade.
Entende-se assim que a participação do professor-intérprete é fundamental para o processo de inclusão dos alunos
surdos, mas tal processo não se resume apenas ao trabalho desse profissional. Nesse trabalho, dividido em três
etapa, traz-se um resgate do histórico da Língua Brasileira de Sinais, assim como discute-se, à luz dos teóricos,
como o profissional de Libras pode trabalhar no contexto escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Libras, Inclusão, Formação Docente.

ABSTRACT
The main objective of this article is to present a literary review on the formation of the teachers of Brazilian Sign
Language, which is based on the works of Carvalho (2004), Miranda (2016), Santos (2015), among others. It is a
fact, therefore, Education is the right of all and the duty of the State and the family, with the support of the whole
society. Thus, it is understood that the participation of these teachers is fundamental to the process of inclusion of
deaf students, but this process is not limited to the work of this professional. In this work, divided into three stages,
a review of the history of the Brazilian Sign Language is brought up, as well as discussing, in the light of theorists,
how the Libras professional can work in the school context.
KEYWORDS: Brazilian Sign Language, Inclusion, Teacher Education.

1
Licenciada em Geografia. Pós-graduanda em Libras com Docência no Ensino Superior. E-mail:
kezealvesalmeida@gmail.com
2
Licenciada em Letras; Mestra em Ciências da Educação. Pós-graduanda em Libras com Docência no Ensino
Superior. E-mail: nayanequeiroz46@gmail.com
3
Licenciada em Letras. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura. Pós-graduanda em Libras com Docência
no Ensino Superior. E-mail: silvete.vitoria71@gmail.com
4
Professora Doutoranda de Pós-graduação em Educação Em Ciências e Matemática através da REAMEC Rede
Amazônica de Educação em Ciências Matemática. Mestre do programa de Pós-Graduação em Educação e Ciências
na Amazônia, Graduada em Pedagogia, especialização em Psicopedagogia, Educação Inclusiva e Libras.
Professora da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: keilamoedo@hotmail.com
Considerações Iniciais
A temática abordada neste artigo surge de inquietações durante nossa formação
pedagógica e continuada a respeito do processo de inclusão de alunos surdos nas escolas
consideradas regulares. Dessa forma, o presente artigo objetiva discorrer sobre a formação e os
desafios que o professor de Libras terá no contexto da escola regular, analisando a sua
formação, pontuando os principais desafios concernentes a essa área, bem como indicar passos
de como esta participação pode ser feita para otimizar o processo ensino-aprendizagem dos
alunos com esta condição.
Justificamos assim a pesquisa por entender-se que incluir alunos surdos na escola
requer mais do que o apoio do profissional de Libras, já que formação dos demais professores
para lidar com as especificidades da comunidade surda é algo de extrema significação para que
a aprendizagem dos alunos com esta condição se consolide, tornando-se um desafio constante
a todos os envolvidos.
Além disso, consideramos que a motivação principal para a composição deste estudo,
apesar dos desafios encontrados no contexto da pandemia, é incentivar o professorado que
deseja formar-se nessa área a buscar constante aperfeiçoamento, de modo que possam tornar-
se participantes ativos no processo de inclusão de alunos surdos em sala de aula, dada a
relevância de seu fazer profissional.

Procedimentos Metodológicos
Sobre a pesquisa delineada no presente estudo, trata-se de um artigo de revisão literária,
fundamentado em estudos de autores que já abordaram o tema da formação do professor de
Libras.
A princípio, pretendíamos apresentar um estudo de caso com entrevistas pelo Google
Meet com professores de Libras que atuam na rede pública de ensino. No entanto, devido a
contratempos e à impossibilidade de execução do plano inicial, optamos pela pesquisa
bibliográfica.
Constituindo-se em uma pesquisa de caráter qualitativo que, de acordo com Bogdan &
Biklen (1994), visa refletir um diálogo entre as experiências do pesquisador e as atitudes dos
sujeitos da pesquisa, o presente estudo foi desenvolvido através de estudos bibliográfico, bem
como materiais disponíveis em internet a respeito da temática da formação de professores de
Libras.
Diretrizes Legais e Históricas do Ensino de Libras
Conforme o que prediz a Constituição de 1988, em seu artigo 255, a Educação é direito
de todos e dever do Estado e da família, com o apoio de toda a sociedade. No que compete à
escola pública, em qualquer esfera, esta deve promover o ensino e a permanência de toda a
população que dela necessite, sem distinção de qualquer espécie, promovendo o respeito à
diversidade e as especificidades, dentre as quais podemos englobar o aluno surdo e a Língua
Brasileira de Sinais (doravante Libras).
Quando nos atemos ao ensino-aprendizagem de alunos surdos dentro da perspectiva da
escola pública, consideramos importante a presença e a participação de um profissional cujo
trabalho tem como base a interação entre surdos e ouvintes em sala de aula: o professor de
Libras. Para Miranda et. al. (2016), o trabalho do professor-intérprete (como é assim conhecido
tal profissional) é imprescindível para que os alunos surdos possam não somente interagir, mas
aprender a Língua Portuguesa na vertente escrita.
Afinal de contas, o que defina o que é surdez? O Decreto nº 5.626/2005 prediz que a
pessoa surda é aquela que, por não possuir a capacidade de ouvir, compreende e interage com
o mundo por meio da visão. O decreto estabelece, em seu artigo 1º, que a surdez é a “perda
bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas
frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz” (BRASIL, 2005).
A Educação é um direito de todos, porém, tal direto foi alcançado a partir de muitas
discussões que, por sua vez, geraram leis que endossam e defendem a inclusão de alunos surdos
em sala de aulas regulares. A Lei 10.436/2005, também conhecida como a “Lei de Libras”,
capítulo III, artigos 4º e 5º, outorga que a formação dos professores dessa área é diferenciada,
dependendo do nível em que esteja atuando.
Professores de Libras que atuam na Educação Infantil e Ensino Fundamental I (1º ao 5º
ano), segundo o artigo 5º, devem ter formação em Pedagogia ou Normal Superior. Já os
professores que atuam com Libras no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e Ensino Médio
devem possuir formação em Letras (Língua Portuguesa e/ou Libras). Em ambos os casos, os
docentes devem ter cursos de proficiência na área, já que, para atuarem no contexto do
bilinguismo, devem possuir conhecimentos linguísticos e pedagógicos de ambas as línguas.
Professores formados em outras licenciaturas podem atuar como intérpretes de Libras?
Essa mesma Lei supracitada não possui nenhum artigo, inciso ou parágrafo que os proíba.
Entretanto, o artigo 7º preconiza que, no caso em que não haja professores com graduação na
área, a pós-graduação em Libras é aceita, desde que seja complementar a um curso de
Licenciatura, tanto em Pedagogia quanto em outras áreas (BRASIL, 2005).
No que se refere à presença da Libras na formação de professores, o artigo 3º do Decreto
nº 5.626/2005 elucida que essa língua deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória
nos cursos de formação de professores em todas as licenciaturas e nos cursos de
Fonoaudiologia, em todas as universidades, sejam públicas ou privadas.
Com todo esse suporte legal em mão, espera-se que os professores tenham uma base de
como saber lidar com o alunado surdo. Santos (2015), na contramão do que prediz a Lei de
Libras, suscita que, caso haja a falta de um professor-intérprete em sala de aula, muitos
docentes, senão a maioria, não saberão lidar com alunos surdos, já que não possuem
formação/capacitação para atender a esse público.
É importante que os alunos surdos, assim como quaisquer outros alunos, em qualquer
contexto, tenham oportunidades em sua vida escolar. Porém, para que a inclusão seja de fato
concretizada para os alunos com essa condição, é importante que haja não somente a presença
de professores-intérpretes, mas também uma prática pedagógica com planejamento
contextualizado, uma vez que, se não houver planejamento e diálogo entre os docentes, o
aprendizado dos alunos será prejudicado. Por isso, o planejamento executado coletivamente
torna-se necessário para que haja um bom resultado em qualquer contexto de sala de aula.
Agora, no que se refere ao aprendizado de alunos surdos, como este pode ser
consolidado? É o que discutiremos no próximo tópico.

Histórico da Educação Inclusiva e do Ensino de Libras no Brasil


Segundo Ong (1998), os primeiros indícios de língua escrita datam do século VI a.C.,
mais precisamente na região da Suméria. Agora, no que se refere à língua de sinais, ainda não
se tem um registro fidedigno de quando se iniciou sua utilização. Além das pinturas rupestres,
o mais antigo registro que se conhece a respeito do tema da língua de sinais foi escrito por
Sócrates, onde o filósofo grego indagou com seu discípulo sobre a maneira como o ser humano
se comunicaria caso não houvesse linguagem oral.
Todas as línguas possuem uma estrutura própria, sendo que esta estrutura se modifica
ao decorrer do tempo, dos contatos com outros grupos humanos, bem como o avanço da
tecnologia influencia tal processo. Isso não é diferente com as diferentes línguas de sinais, mas,
quando se trata de comunicação ágil, os surdos levam vantagem, pois conseguem interagir mais
rapidamente com surdos de países diferentes.
A concepção de mundo de cada sociedade influencia todas as modalidades linguísticas.
No entanto, nem sempre a comunicação gestual, ou mesmo a língua de sinais, foi valorizada
pelas sociedades. Carvalho (2004) suscita que, na Antiguidade Clássica, os surdos eram
considerados loucos, pois, nessa época, possuir surdez era sinal de demência, não um problema
congênito. Já no século VII da nossa era, houve relatos de que um bispo inglês ensinou um
surdo a falar perfeitas, porém as técnicas empregadas até hoje são tidas como um grande
mistério.
Durante a Idade Média, todo conhecimento científico era vetado pela Igreja Católica,
pois eram considerados como transgressão à vontade e à ordem divina. Entretanto, já na Idade
Moderna, surgem os primeiros teóricos que abordam a educação e a linguagem para surdos,
dentre os quais podemos destacar Samuel Heineck (1729-1790), Michel de L’Épée (1712-1789)
e Thomas Braidwood (1715-1806). Tais pensadores foram importantes à elaboração de
sistemas e políticas educacionais no mundo inteiro, pois seus trabalhos destinados ao ensino
para surdos foram usados em diversas nações.
No Brasil Colônia, não havia qualquer indício da presença de pessoas com surdez. O
mesmo ocorre no contexto das políticas educacionais, já que, até a chegada da família real
portuguesa às terras brasileiras, a educação era totalmente elitista para os filhos dos grandes
donos de terras, ou catequética para os indígenas. Os escravos negros não eram educados
formalmente.
Segundo Mazzota (2001), só se iniciou, no Brasil, um estudo de um modelo para a
concepção de educação inclusiva, a partir da chegada da família real portuguesa. Consigo, os
monarcas trouxeram bibliotecas e implantaram colégios e faculdades. Inspirados por
experiências bem-sucedidas que foram realizadas na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá,
outorgou-se em 12 de setembro de 1854, mediante o Decreto Imperial nº 1.428, de D. Pedro II,
o início do atendimento escolar aos indivíduos com deficiência na fundação que hoje é
conhecida como Instituto Benjamin Constant. Anos mais tarde, em 1857, foi criado o Instituto
de Surdos-Mudos, hoje chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos.
Já no Brasil República, houve a implantação de várias constituições: em 1934, em 1937
e em 1946, todas durante a Era Vargas. As três constituições desse período garantiam o direito
à educação de todos os brasileiros, porém tal acesso ainda era precário.
Até 1950, de acordo com estimativas históricas, havia somente quarenta
estabelecimentos educacionais responsáveis pela prestação de serviços e atendimento escolar a
alunos com deficiência, só que tal situação veio mudar a partir da década de 1960, pois foi nessa
década que fundações como a APAE a Sociedade Pestalozzi foram fundadas. A criação desses
órgãos fez com que criassem a Lei nº 4.024, da LDB, que delimita os parâmetros que garantem
aos alunos com necessidades especiais o direito pleno e constitucional à educação.
No próximo tópico, trataremos um pouco mais sobre as filosofias e vertentes
pedagógicas que endossaram o processo ensino-aprendizagem para as pessoas surdas, pois cada
uma permite o entendimento de como o ato pedagógico era concebido na época em que
ocorreram.

Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo: vertentes do ensino para surdos


Ao decorrer da história, várias correntes influenciaram a maneira como o ensino para
surdos foi concebido. Têm-se proposto várias abordagens, metodologias e formas para que o
aluno surdo pudesse aprender e desenvolver conhecimento. Cada uma das vertentes que
apresentaremos aqui possui pensadores e períodos históricos diferenciados, e começaremos
pelo Oralismo.
Para Goldfeld (2002), o oralismo é a vertente de ensino que considera a pessoa surda
como portador de uma doença cujo principal sintoma, que é a surdez, impede de “comunicar-
se perfeitamente”. Nessa vertente, a língua falada é algo que “falta” à comunidade surda, é o
que impede o indivíduo surdo de adquirir conhecimento. E, para tentar suprir esse “algo que
falta”, há uma série de fatores e abordagens que foram estipulados incluir a pessoa surda à
comunidade ouvinte.
O autor elucida que é somente através do uso de próteses auditivas e estimulação do
aparelho fonador, que a criança poderá desenvolver suas habilidades cognitivas. Nessa vertente,
o aprendizado da língua falada, por meio de exercícios de articulação das palavras e leitura
labial, é um passo fundamental para que a pessoa surda minimize sua “deficiência”.
Para os oralistas, a metodologia de ensino para surdos era constituída da simples
associação palavra-significado a partir de movimentos bocais e imagens a eles associadas. Tal
metodologia se tornou um grande problema para o processo ensino-aprendizagem dos alunos
surdos, sobretudo na alfabetização, pois, para que esse processo seja consolidado, é necessária
a construção de sentidos, o que não ocorreu no oralismo.
Vygotsky (1987, p. 6) afirma que “uma palavra sem significado é um som vazio, não
faz mais parte da fala humana”. Assim sendo, a filosofia oralista fracassou no seu ideal de
incluir a pessoa surda na comunidade ouvinte, pois a simples reprodução de sons sem qualquer
adequação cognitiva não se constitui como ferramenta de aquisição de linguagem.
De acordo com Sausurre (1969), a linguagem divide-se em duas modalidades: a verbal
e a não verbal. Independente de qual seja a modalidade, a capacidade possui três elementos:
significante, significado e referente. Se um dos elementos faltar, não haverá sentido construído.
A filosofia oralista preocupava-se apenas com a reprodução da fala, não com a
construção de sentidos. Havia, inclusive, a proibição do uso da língua de sinais nos processos
oralistas, já que a linguagem oral era a premissa de todo o conhecimento. Por isso, fracassou,
porque o que era para ser um instrumento de inclusão, tornou-se um elemento de exclusão, pois
os oralistas acreditavam que os surdos jamais seriam capazes de aprender, o que representou
uma privação linguística e cultural para a comunidade surda.
Ciccone (1990), por sua vez, elucida que surgiu uma segunda vertente de ensino para
surdos, devido ao fracasso oralista: trata-se da Comunicação Total. Como o próprio nome já
sugere, dentro dessa filosofia, houve uma incorporação de métodos auditivos, orais e manuais
para que os déficits de comunicação ocasionados pela vertente anterior fossem “sanados”.
A corrente da Comunicação Total defendia o uso de qualquer forma verbal ou gestual
para transmitir vocabulário, linguagem e sentidos entre ouvintes e surdos. Os defensores dessa
corrente utilizavam uma mistura de língua oral com sinais extraídos da língua gestual, porém a
estrutura da língua oral era privilegiada.
Dentro da vertente da Comunicação Total, seus defensores não utilizavam nem língua
oral, nem de sinais, nem se constituiu numa nova modalidade de língua, pois não havia
parâmetros para os sinais, nem para o uso da língua falada. O professor com tal metodologia
usava os critérios que mais pudessem ser convenientes.
Apesar da desorganização nos parâmetros, além de ser apenas uma mistura entre língua
oral e língua de sinais, na Comunicação Total, houve alguns avanços significativos se
comparada ao Oralismo. A permissão do uso da língua de sinais, pelo menos entre os alunos
surdos, foi um ponto positivo para essa vertente. No entanto, o privilégio pela estrutura
gramatical da língua oral foi o ponto fraco dessa corrente, já que os sinais serviam somente de
base para as palavras da língua oral.
Vygotsky (1987, p. 63) salienta que “o crescimento intelectual da criança depende de
seu domínio dos meios sociais, do pensamento e da linguagem”. Portanto, mesmo com o uso
dos sinais, a comunicação entre surdos e ouvintes ainda era limitada, o que não favorecia em
nada o domínio do pensamento e da linguagem como um todo, assim comprometendo a
aquisição de conhecimento.
A terceira e última vertente que vamos apresentar é o Bilinguismo. Grosso modo, trata-
se da “utilização regular de duas línguas por um indivíduo ou uma realidade, como resultado
de um contato linguístico” (HOUAISS, 2012). Esse conceito pode ser aplicado tanto no ensino-
aprendizagem de idiomas estrangeiros, como Português/Inglês, Português/Espanhol, etc., como
no ensino-aprendizagem Português/Libras, porque, mesmo em se tratando de duas línguas
faladas no Brasil, são línguas com estruturas diferenciadas.
Os defensores da educação bilíngue para surdos pautam-se nos pressupostos da
Linguística Aplicada à Educação, considerando que Português, em sua modalidade escrita, é a
segunda língua da comunidade surda, enquanto a Libras é a primeira e à qual este indivíduo
será precocemente exposto.
Nessa modalidade de ensino, nenhuma das línguas é privilegiada, porém possuem
contextos de uso. Moura (2000) prediz que o bilinguismo na educação para surdos ganhou força
no contexto do multiculturalismo, na luta da comunidade surda pelo direito à cultura e à plena
comunicação, saindo da clandestinidade e tomando as salas de aula, tendo William Stokoe
(1960) como principal precursor, por estudar a estrutura linguística da Língua Americana de
Sinais (ASL, em inglês).
Os estudos de Stokoe foram importantes para que as línguas de sinais do mundo inteiro
ganhassem o status que têm hoje. Antes de seus estudos, eram consideradas somente como um
conjunto de sinais, mas o linguista estadunidense concluiu que, assim como as línguas orais, as
línguas de sinais possuem características próprias, variações e se transformam ao decorrer do
tempo e do ambiente. Além disso, provou que os sinais também são capazes de expressar
pensamentos complexos, contrariando o pensamento da época.
Libras é considerada, no Bilinguismo, a importante via de acesso do surdo ao seu
desenvolvimento cognitivo, e, como tal, propicia não apenas a comunicação surdo-surdo, mas
sim desempenha a função de suporte ao pensamento e de estimulador de desenvolvimento
social. Para os bilinguistas, os surdos formam uma comunidade com cultura e língua próprias,
possuindo, assim, formas peculiares de pensar e agir que devem ser respeitadas.
Os bilinguistas dividem-se em dois grupos: os que defendem que a pessoa surda deve
adquirir a língua falada e a de sinais o mais precocemente possível, para que possa ser
alfabetizada; o segundo grupo defende que, ao indivíduo surdo, deve ser oferecido,
primeiramente, a língua de sinais para, então, serem alfabetizados, descartando qualquer uso da
língua falada.
Quadros (2007), ao abordar o bilinguismo no Brasil, salienta que essa última vertente é
a que ganhou força na sala de aula, pois considera a Libras como a primeira língua do aluno
surdo. A fala, caso seja da vontade do aluno e de seus responsáveis, pode ser trabalhada, mas
fora do ambiente escolar, com o apoio de profissionais especializados, já que, quando o assunto
é aquisição da linguagem, as crianças surdas não adquirem a língua de sinais da mesma forma
que as crianças ouvintes.
Tanto Moura quanto Quadros coincidem no argumento de que a Libras possui, para o
surdo, todos os requisitos que o Português possui para os ouvintes. É através da visão, da
linguagem corporal, das expressões faciais, que o surdo amplia seu conhecimento de mundo;
logo, deve ser utilizada para ampliar a aprendizagem e a aquisição da língua escrita.
O bilinguismo, enquanto vertente filosófica para o ensino-aprendizagem de surdos,
defende que a Libras deve ser utilizada de modo central em todas as aulas, e o trabalho com o
Português deve ocorrer na modalidade escrita, já que esta língua propicia aos seus usuários as
mesmas oportunidades de desenvolvimento intelectual que os ouvintes. Entretanto, de nada
adianta a inserção da Libras na escola se não houver prática docente e planejamento conjunto
entre professores titulares e professores-intérpretes.
Sendo assim, a preocupação do Bilinguismo é respeitar a autonomia das Línguas de
Sinais por meio da organização de um plano educacional que respeite a experiência psicossocial
e linguística dos alunos surdos. A introdução da Libras no currículo escolar é um indício de
respeito a essa diferença, caracterizando de fato uma escola inclusiva para esse alunado, porém,
nem todas as escolas oferecem tal disciplina em seus currículos.

A formação do professor de Libras: considerações importantes


Paulo Freire (1987), em sua obra “Pedagogia do Oprimido”, nos afirma que “ninguém
educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em
comunhão, mediatizados pelo mundo”. Em outras palavras, é com a partilha, com a empatia e
com a igualdade que o conhecimento é construído em qualquer aspecto.
Tomando este pensamento para a formação do professor de Libras, é a partir da presença
desse profissional que o processo de inclusão de alunos surdos é promovido, pois é o elo que
une surdos e ouvintes, considerando as especificidades de cada grupo.
O ensino de Língua Portuguesa para a comunidade surda deve ser diferenciado desde
sua gênese, já que estes não possuem a experiência visuoespacial que os ouvintes têm, sendo
possível somente o aprendizado da modalidade escrita da língua nacional. Dessa maneira, é
importante que se tenha em mente que, para que o alunado surdo possa evoluir no processo de
aquisição da escrita, a imagem é representativa.
Outra questão a ser levantada são as variações linguísticas, presentes nas línguas orais
e gestuais. Tais manifestações necessitam ser respeitadas, pois são traços de evolução. Quando
trabalhada em um contexto bilíngue, a Libras é um meio facilitador não somente à aquisição da
escrita, mas também a qualquer aspecto do conhecimento.
Suas diferenças e características devem ser tomadas em conta, já que, para o surdo, a
vertente escrita da Língua Portuguesa ocorre da mesma forma que as línguas estrangeiras são
aprendidas por ouvintes brasileiros, ou seja, considerando um ambiente artificial e propício à
garantia de melhor aprendizagem e assimilação.
Vygotsky (1987) assevera que aprender é uma atividade humana e diversificada, já que
os demais animais não aprendem, mas agem por instinto. Dessa maneira, existem inúmeras
formas de aprender e vários modos de definir o real significado do termo “aprendizagem”. O
entendimento desse termo contribui para se escolher quais metodologias são mais adequadas
para que os alunos desenvolvam suas múltiplas capacidades, não importando se estes sejam
estes surdos ou ouvintes.
Se o aluno surdo não conseguir aprender a modalidade escrita da Língua Portuguesa, o
aprendizado das outras disciplinas estará comprometido, dado o fato de que é a língua nacional,
por onde o conhecimento é mostrado aos alunos. Acerca desse aprendizado, deve ocorrer em
ambiente bilíngue Libras/Português escrito, utilizando-se metodologias que envolvam ambas
as línguas em situações distintas do cotidiano, sendo que a escola e a família desses alunos
possuem grande importância para a efetivação de um aprendizado concreto.
Moura (2000), em seus estudos acerca da educação de surdos no contexto bilíngue, tem
alertado para o fato de que é importante o uso da Libras em todas as interações educacionais,
em todas as disciplinas, para haver aprendizado significativo por parte do alunado surdo,
constituindo-se num processo que levará em conta que a língua de sinais é o símbolo de
identidade cultural e linguística desses alunos.
Assim, a formação do professor de Libras só pode ministrada por alguém (surdo ou
ouvinte) fluente nessa língua. E, quando falamos em fluência, não há como ser fluente sem
conhecer a cultura que envolve essa língua. É pertinente ressaltar que não é somente de fluência
e epistemologia que se faz a prática docente, pois, de acordo com Freire (1987), a habilidade
para atuar como um educador, ou seja, saber ensinar, é necessária.
O professor de Libras, nesse contexto, deve fazer uso da melhor maneira de envolver o
alunado surdo, além de possuir o diálogo direto com os professores titulares, pois, para que a
aprendizagem possa ser significativa, todos os atores do ambiente escolar necessitam sentir-se
envolvidos, participar das atividades propostas e ser capaz decidir responsabilidades para o
futuro.
Para que isso ocorra efetivamente, os professores de Libras e professores titulares devem
manter diálogo constante, planejamento conjunto e reflexão sobre sua práxis pedagógica,
direcionando-a segundo a realidade das salas de aula, cabendo a eles, bem como à escola como
um todo, o interesse pela aprendizagem discente, sejam surdos ou ouvintes, já que, segundo
Possenti (1996, p. 21), “a única opção de uma escola comprometida com a qualidade de ensino
está entre ensinar e deixar aprender... Qualquer outra implica em conformar-se com o fracasso,
ou, pior, em atribuí-lo exclusivamente aos alunos”.
Para que seja extinta a ideia de fracasso escolar, é preciso existir um sistema diário de
comunicação entre escola e família, uma vez que, de acordo com a LDB, os familiares também
devem participar do processo educacional, tal como vimos anteriormente. O trabalho de
orientação familiar, no contexto da educação de pessoas surdas, favorece o conhecimento de
questões relacionadas ao intercâmbio de experiências entre familiares, professores e a
comunicação em Libras. Tais intercâmbios são reforçados pelo pensamento freiriano de que
não aprendemos sozinhos.
Nesse sentido, os pais ouvintes que têm filhos surdos devem estabelecer contatos
contínuos com membros da comunidade surda, a fim de aprenderem a Libras (ao menos o
básico) para evitarem o isolamento linguístico e social de seus filhos. Propomos, para isso, a
organização dos espaços escolares, de reuniões, de palestras e oficinas de Libras, contando com
a presença de pessoas surdas, a fim de trocarem experiências com toda a comunidade escolar.
O ensino tradicionalista, ou seja, que é fundamentado em processos mnemônicos de
regras, em nada contribui para o aprendizado. É claro que, para que conheçamos como usar
determinada operação matemática ou mesmo como se constrói determinado texto, é preciso
conhecermos as estruturas, mas também suas devidas aplicações.
No contexto do aprendizado de pessoas surdas, o trabalho com interação, exploração de
aspecto visuo gestuais, materiais concretos e protagonismo na construção do conhecimento são
pontos importantes para que o ensino defasado, com demasiada ênfase a nomenclaturas e
regras, seja superado.
Portanto, é necessária a articulação do ensino adequada às questões socioculturais do
ambiente escolar em questão. O reconhecimento da necessidade de aperfeiçoar-se, a fim de
aprender a lidar com as eventuais dificuldades enfrentadas no dia a dia da sala de aula, é
fundamental para que o professor de Libras possa auxiliar os alunos surdos nos desafios de se
adquirir conhecimento, tornando o aprendizado eficaz e inclusivo.
Propomos que a escola, assim como a rede de ensino da qual é pertencente, ofereça mais
subsídios para os profissionais de Libras e professores titulares, das diversas áreas do
conhecimento, saibam como trabalhar com alunos surdos, a fim de superar os desafios inerentes
à Educação Inclusiva
Em acréscimo, faz-se necessário que o professor titular reveja a sua metodologia de
ensino, uma vez que necessita de estratégias diferentes e mecanismos apropriados para
melhorar o ensino-aprendizagem de alunos surdos e ouvintes, possibilitando assim o melhor
rendimento e envolvimento no ambiente escolar.
É fato evidente que, para se construir realmente um ensino não excludente ao alunado
surdo, é indispensável que o espaço escolar e seus profissionais possam ser devidamente
capacitado para lidar com pessoas dessa comunidade, partindo sempre da premissa que o
ambiente escolar é fator de influência na vida de seus alunos, não somente em espaço
acadêmico, mas sim como cidadãos itinerantes de uma sociedade mais justa, construindo um
campo de comunicação e de interação amplos em que surdos e ouvintes tenham lugares de
destaque na escolarização dos alunos surdos, de modo a promover sua emancipação social e
intelectual.

Considerações finais
Sabemos, pois, que, graças às constantes lutas e debates, a Educação Inclusiva se firmou
como política, sendo ela presente em legislações de nível federal, estadual e municipal.
Hoje, para que estejamos comprometidos com um fazer educacional de qualidade, o
governo e os sistemas escolares devem oferecer uma educação que atenda às necessidades
coletivas e individuais de todas as crianças, jovens e adultos, fundamentada no direito à
educação que todos possuem, independente da condição socioeconômica, cultural ou de
desenvolvimento.
Os sistemas de ensino, em todas as esferas, devem matricular todos os alunos, sem
qualquer restrição, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando-lhes as condições necessárias para uma
aprendizagem de qualidade. E, para que realmente aconteça a inclusão e não somente a
integração, é preciso que todos estejam envolvidos no processo, sem esquecer que há obstáculos
a serem superados todos os dias.
Quando o professor tem o real compromisso com o aprendizado de seus alunos, este
observa as dificuldades que são mais frequentes no cotidiano escolar. No caso dos alunos
surdos, suas maiores dificuldades de comunicação são amenizadas com a presença de
professores de Libras no ambiente, pois é este profissional que serve como elo entre o alunado
e os demais participantes da escola.
É mais do que comprovado que as pessoas surdas são inteligentes, criativos e
autônomas, porém, falam outra língua – uma língua de base visuo gestual. Desta forma, a
comunicação com os alunos surdos, dentro do contexto de sala de aula, não é tão fácil quanto
muitos professores pensam. Faz-se necessária a formação docente capacitada para poder
desenvolver um bom trabalho e despertar neste alunado o interesse pelo crescimento intelectual.
Para atender as necessidades dos alunos surdos, é preciso que a escola e os professores
titulares não esperem apenas que o professor de Libras resolva tudo, mas que reestruture seu
projeto, seu currículo, metodologia de ensino e avaliação, criando um fazer educativo para a
diversidade, oferecendo aos alunos maiores chances de aprendizagem, ou seja, promovendo a
acessibilidade.
A inclusão é um processo complexo, que precisa ser mais discutido pelos atores
envolvidos. Portanto, a escola precisa fazer uma inclusão responsável, não apenas para
obedecer a uma lei. A ideia de esperar que a escola fique pronta para receber as crianças com
deficiência deve ser refutada, pois a escola não pode mais fechar as suas portas para diversas
formas de ser e de aprender.

REFERÊNCIAS

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_______. Lei nº 10.436, de 24 de Abril de 2002. Brasília: Congresso Nacional.
_______. Decreto nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Brasília: Congresso Nacional.
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