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KARINA DE ARAÚJO DIAS

ORGANIZADORA

FORMAÇÃO
FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA DE PROFESSORES:
INICIAL E CONTINUADA DE
PROFESSORES
linguagens, culturas e docências

linguagens, culturas e docências


AVALIAÇÃO, PARECER E REVISÃO POR PARES
Os textos que compõem esta obra foram avaliados por membro(s) participante(s) do
Conselho Editorial da Editora BAGAI, bem como revisados por pares e foram indicados
para publicação.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129

F82 Formação inicial e continuada de professores:


1.ed. linguagens, culturas e docências [recurso eletrônico]
organização Karina de Araújo Dias. – 1.ed. –
Curitiba-PR: Editora Bagai, 2021. 121p.
E-book

Bibliografia.
ISBN: 978-65-81368-69-2

1. Educação – Brasil. 2. Pesquisas. 3. Práticas de ensino.


4. Professores – Formação profissional. I. Dias, Karina de Araújo.

03-2021/45 CDD 370.1


Índice para catálogo sistemático:
1. Educação: Práticas de ensino 370.1

https://doi.org/10.37008/978-65-81368-69-2.21.10.21

ISBN 978-65-81368-69-2

9 786581 368692 >

Este livro foi composto pela Editora Bagai.

www.editorabagai.com.br /editorabagai
/editorabagai contato@editorabagai.com.br
KARINA DE ARAÚJO DIAS
organizadora

FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA DE PROFESSORES:
linguagens, culturas e docências
1.ª Edição - Copyright© 2021 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Bagai.

O conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) respectivo(s)


autor(es). As normas ortográficas, questões gramaticais, sistema de citações e referencial
bibliográfico são prerrogativas de cada autor(es).

Editor-Chefe Cleber Bianchessi

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Dr. Carlos Luís Pereira – UFES
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Dr. Ronaldo Ferreira Maganhotto – UNICENTRO
Dra. Rozane Zaionz - SME/SEED
Dra. Sueli da Silva Aquino - FIPAR
Dr. Tiago Tendai Chingore - UNILICUNGO – MOÇAMBIQUE
Dr. Thiago Perez Bernardes de Moraes – UNIANDRADE/UK-ARGENTINA
Dr. Tomás Raúl Gómez Hernández – UCLV e CUM - CUBA
Dr. Willian Douglas Guilherme – UFT
Dr. Yoisell López Bestard- SEDUCRS
SUMÁRIO

PRÁTICAS DE LETRAMENTOS DIGITAIS COM


PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO
INÍCIO DA PANDEMIA DA COVID-19 ..............................9
Jossemar de Matos Theisen | Daiane Winter

CULTURA DIGITAL: REFLEXÕES SOBRE A


INSERÇÃO DA ESCOLANA CULTURA DIGITAL ....21
Elaine Cristina da Silva Martins | Graciela Testoni

A EXPERIÊNCIA AFETIVA DA CRIANÇA COM A


NATUREZA NA PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS
DA EDUCAÇÃO INFANTIL .....................................................35
Zemilda do Carmo Weber do Nascimento dos Santos | Daniela Neto Oliveira Peixer |
Carolina Vanelli de Souza

EDUCAÇÃO DE GÊNERO NAS AULAS DE


EDUCAÇÃO FÍSICA ......................................................................46
Rogério Goulart da Silva

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES/


AS EM GÊNERO, SEXUALIDADE E DIVERSIDADE:
RELATO DE EXPERIÊNCIA EM ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL DE SANTA CATARINA ..................................59
Juliana Lamas Souza

PRÁTICA PEDAGÓGICA E FORMAÇÃO DE


PROFESSORES NA ERA DIGITAL: UMA PESQUISA
NO BANCO DE DADOS DA CAPES....................................80
Valdênia Rodrigues Fernandes Eleotério | Andrew Vinicius Cristaldo da Silva |
Aparecida dos Santos de Sousa | Maria do Carmo Cristaldo | Mateus Felipe Cristaldo de Oliveira |
Rodrigo Silva Bezerra

FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES:


UMA POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO COM AS
FERRAMENTAS CONCEITUAIS CUNHADAS POR
PIERRE BOURDIEU .....................................................................94
Karina de Araújo Dias
FILOSOFIA E CINEMA: REFLEXÕES SOBRE
EDUCAÇÃO, SUBJETIVIDADE E FORMAÇÃO NOS
PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM NO
PROJETO PIBID DE ................................................................... 107
Cláudio Magalhães Batista

SOBRE A ORGANIZADORA ................................................ 119

ÍNDICE REMISSIVO ..................................................................121


APRESENTAÇÃO

Os estudos e pesquisas que se ocupam da temática da formação


docente encontram especial relevância nas três últimas décadas. Isso se
deve, em grande parte, ao avanço das proposituras em torno das transfor-
mações educacionais que se pretendem instituir e que buscam equacionar
problemáticas contemporâneas tais como: analfabetismo, evasão escolar
e baixos índices de aproveitamento escolar, dentre outras questões.
Os reflexos da pandemia da COVID 19 sobre a oferta de edu-
cação escolar demandaram novas pautas formativas e impulsionaram o
desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que pudessem mitigar os
danos ocasionados pelo fechamento das instituições em detrimento da
segurança sanitária. Nesse sentido observamos uma miríade de inicia-
tivas, que se capilarizaram nos quatro cantos do país, buscando ofertar
percursos formativos aos docentes que propiciassem a adequação às suas
necessidades pedagógicas e aos recursos disponíveis em cada realidade
educativa.
No intuito de problematizar essas questões distintos pesquisadores
se debruçaram sobre estes e outros temas, contribuindo para o debate
sobre a formação de professores e seus desafios.
No primeiro capítulo, intitulado “Práticas de letramentos digitais
com professores da educação básica no início da pandemia da Covid-
19”, Theisen e Winter apresentam um relato de práticas de letramento
digital desenvolvido por um grupo de professores que integram a rede
pública estadual no Rio Grande do Sul.
O trabalho empreendido por Martins e Testoni problematiza
a necessidade de fomentar o desenvolvimento de uma cultura digital,
objetivando inovar e reestruturar o trabalho pedagógico com vistas a
atender ao disposto pela nova Base Nacional Comum Curricular.
A pesquisa de Santos, Peixer e Souza preocupou-se em identificar
a percepção dos profissionais da educação acerca de um curso, ofertado
pela Diretoria de Ensino da Educação Infantil da Secretaria de Educação
de um município catarinense.
7
O estudo desenvolvido por Silva focaliza a temática das relações
de gênero e suas diferenciações abordadas por meio da disciplina de
educação física escolar quanto aos seus conteúdos, linguagens e proce-
dimentos adotados pelos docentes.
O capítulo “Formação continuada de professores/as em gênero,
sexualidade e diversidade: relato de experiência em escola pública estadual
de Santa Catarina” apresenta um relato de experiência de um percurso
formativo em gênero, sexualidade e diversidade desenvolvido em uma
escola estadual do município de Palhoça – SC.
A pesquisa “Prática pedagógica e formação de professores na
era digital: uma pesquisa no banco de dados da CAPES” produziu um
levantamento das produções acadêmicas que tiveram, como objetos, a
prática pedagógica, as tecnologias educacionais e a formação de profes-
sores no período compreendido entre 2012 e 2021.
O estudo, desenvolvido por mim, apresenta a temática de pesquisa
e a problemática anunciada em minha tese de doutorado, em articulação
com algumas categorias de análise desenvolvidas por Pierre Bourdieu,
em que compartilho a sua defesa por um sentido político que tangencie
as investigações de cunho sociológico e histórico.
Por fim, o trabalho desenvolvido por Batista apresenta uma reflexão
sobre um projeto desenvolvido pela Universidade do Estado da Bahia,
vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência,
que associa a filosofia e o cinema em suas interfaces com a educação,
subjetividade e formação.
Desejo que a leitura dos trabalhos possa propiciar a reflexão sobre
as problemáticas elegidas pelos pesquisadores com vistas a produzir novos
olhares sobre os distintos percursos formativos em consonância com as
demandas contemporâneas, bem como que possam contribuir para a
educação que desejamos e sonhamos para o nosso país.

Karina de Araújo Dias

8
PRÁTICAS DE LETRAMENTOS DIGITAIS
COM PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
BÁSICA NO INÍCIO DA PANDEMIA
DA COVID-19

Jossemar de Matos Theisen1


Daiane Winter2

INTRODUÇÃO

Atualmente, a sociedade está marcada por uma ampla diver-


sidade cultural e linguística permeada por múltiplas ferramentas de
tecnologias digitais móveis. Com o surgimento do novo Coronavírus
ou COVID-19 as tecnologias passaram a ser essenciais na sociedade de
forma global, interferindo em todos os aspectos possíveis. A educação
precisou adaptar-se ao novo cenário imposto nos diferentes contextos
educacionais, desde a educação básica até a universitária passaram por
processos de ressignificações.
Nesta nova realidade, o papel do professor é fundamental para
desenvolver sua prática pedagógica de acordo com o cenário que exigiu a
inserção das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem.
No entanto, muitos professores não possuem ainda um domínio das
tecnologias digitais e sentiram a necessidade de formações específicas
para conseguirem dar conta das exigências impostas pela pandemia.
Em pleno século XXI a interação e a apropriação das tecnologias
digitais móveis ainda é um dos desafios à educação. Segundo Almeida e
Valente (2011), nas duas últimas décadas, pesquisadores têm destinado
seus estudos às tecnologias na educação, considerando esse um tema
da ciência, por agregar saberes e conhecimentos advindos de diferentes

1
Doutora em Letras/Linguística Aplicada (UCPEL). Pesquisadora Externa (UCPEL
e UMinho/Portugal). Professora formadora (IFSUL).
CV: http://lattes.cnpq.br/9307488724808479
2
Mestre em Letras/Linguística Aplicada (UCPEL). Professora (SEDUCRS e SME
- Pelotas/RS). CV: http://lattes.cnpq.br/7886344308442379

9
Karina de Araújo Dias (org.)

áreas, integrados com as tecnologias. Braga (2007), destaca que desde a


década de 1990, os estudos dos letramentos ampliaram suas pesquisas.
Fez-se necessário compreender as práticas de letramentos e os eventos que
as constituem no contexto digital, além de o impacto dessas na cultura
e na sociedade em geral. Também, a Linguística Aplicada começou a
apresentar um maior interesse em entender como a mediação da tecno-
logia digital afeta a linguagem, as práticas de ensino/aprendizagem em
contextos formais e informais.
Na sociedade contemporânea, as crianças, cada vez mais, chegam
à escola familiarizadas com as tecnologias digitais móveis, já atuantes
em práticas de letramentos digitais. As tecnologias digitais são utiliza-
das naturalmente, e várias práticas de leitura e escrita fazem parte da
rotina dessas crianças. Prensky (2001) denomina essa geração de “nativos
digitais”. As práticas de letramentos digitais já estavam presentes em
quase todos os setores profissionais da nossa sociedade, agora também,
fazem parte da rotina educacional.
Este capítulo traz um relato de práticas de letramentos digitais
ocorridas no ano de 2020, com um grupo de professores, de uma escola
da rede pública estadual, localizada no Sul do Rio Grande do Sul. O
grupo de professores sentiu a necessidade de solicitar formações espe-
cíficas com as tecnologias digitais, especificamente sobre a plataforma
do Google Classroom para ministrar as aulas em modalidade remota.

DESENVOLVIMENTO

O cenário educacional precisou de mudanças muito rápidas em


função da pandemia. Esse contexto trouxe muita insegurança, descon-
tentamentos e até para alguns professores, um pouco de “desespero”
sobre como ministrar suas aulas com as tecnologias digitais. Segundo a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), 70% da população estudantil do mundo foi afetada por este
momento de instabilidade, as aulas foram suspensas e todo o calendário
e planejamento dos vários sistemas de ensino passaram por alterações.

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Formação Inicial e Continuada de Professores

No Brasil, a suspensão das aulas nos estados e municípios, nas redes


pública e privada, na educação básica e no ensino superior ocorreram em
março de 2020. Diante do novo contexto que surgiu, o Ministério da
Educação do Brasil (MEC) autorizou a utilização de aulas online nas
várias modalidades de ensino. Cada estado organizou a dinâmica das
aulas em ensino remoto, algumas instituições realizaram alterações no
calendário das férias, anteciparam as férias de julho, na esperança que
logo tudo normalizasse, no entanto, a pandemia ainda continuava e todas
as instituições tiveram que adaptar-se a uma realidade cheia de incer-
tezas e preocupações sobre o futuro para finalizar o ano letivo de 2020.
Os professores foram sem dúvida os profissionais mais afetados
com a modalidade do ensino remoto, todos tiveram que aprender ou
reaprender como ministrar suas aulas síncronas e assíncronas nas dife-
rentes plataformas disponíveis. Freitas e Almeida (2012) apontam que
é necessária uma revolução na prática pedagógica no uso das tecnolo-
gias digitais, de modo que os alunos sejam capazes de compreender a
realidade, para além dos modelos expositivos de ensino, muito comuns
em sala de aula. Esse cenário, na prática, foi e ainda continua como um
desafio para as escolas, principalmente às escolas públicas, em que seus
alunos são carentes e nem todos têm um computador ou um celular com
acesso à internet para acompanhar seus estudos online.
Os estudos teóricos e práticos sobre os letramentos digitais pas-
saram a fazer parte da rotina dos professores. Segundo Buckingham
(2010), o letramento digital como prática social não é restrito ao domínio
das ferramentas digitais, mas dominar as habilidades de seletividade,
análise e aplicabilidade da informação no processo de aprendizagem.
As práticas de letramentos digitais eram muitas vezes parte constituinte
das práticas sociais dos alunos e dos professores, mas não com intuito
de estudos, ensino e aprendizagem.
Na perspectiva teórica de Buzato (2007), os letramentos digi-
tais são considerados como “redes complexas de letramentos (práticas
sociais) que se apoiam, se entrelaçam, se contestam e se modificam
mútua e continuamente por meio, em virtude e/ou por influência das

11
Karina de Araújo Dias (org.)

TIC”. (BUZATO, 2007, p. 168). Segundo Moita Lopes (2012, p. 209),


a inserção das tecnologias digitais ampliou as possibilidades do uso da
linguagem, destacando que nas práticas sociais de letramentos digitais,
as pessoas se comunicam, compartilham suas vidas nas redes sociais com
pessoas que podem estar fisicamente longe ou até desconhecidas e que
nunca vão encontrar-se pessoalmente. Com a pandemia essa realidade
pode ser percebida no cotidiano das pessoas.
Os letramentos digitais são caracterizados pela inserção dos par-
ticipantes em diferentes comunidades virtuais, nas quais seus membros
têm afinidades sobre o mesmo assunto e participam ativamente para
dividir seus conhecimentos, trocar experiências e, também, aprender.
Segundo Moita Lopes (2012), os membros dessas comunidades estão
aprendendo a viver com modos de agir na construção de conhecimento,
significados, valores e ideologias. Desse modo, surge um novo ethos,
que é definido por ser colaborativo, ou seja, “é construído pela ação de
pessoas participando e agindo nas práticas de letramento em conjunto
na construção de textos e significados, que são, portanto, menos indi-
vidualizados e autorais, uma vez que a autoria é colaborativa, não sendo
dominada por ninguém” (MOITA LOPES, 2012, p. 211). A propagação
da web 2.0 evidencia a consolidação de um novo ethos discursivo que,
além de favorecer a interação, possibilita a criação de outros grupos sociais
e afirmação de identidades. Após essa breve explanação teórica sobre
os letramentos digitais, apresentam-se o desenvolvimento de práticas
de letramentos digitais realizadas com o grupo de professores de uma
escola da rede pública no RS.
A partir da suspensão das aulas na rede estadual no dia 19 de março
de 2020, devido a pandemia do novo coronavírus, as escolas tiveram que
procurar meios frente a nova realidade e desenvolver iniciativas para que
os alunos não ficassem sem as atividades escolares. A escola EEEMQ
(foco da pesquisa desse capítulo) forneceu atividades para seus alunos
dias 18 e 19 de março correspondentes as duas próximas semanas, até
dia 03 de abril (sexta-feira) de 2020. O retorno estava previsto para dia
06 de abril, no entanto, a prorrogação do cancelamento das aulas foi
estendida por tempo indeterminado, até que a disseminação do corona-
12
Formação Inicial e Continuada de Professores

vírus conseguisse diminuir, mas esse fato não ocorreu no ano de 2020
e todo o ano letivo precisou ser na modalidade remota.
A escola EEEMQ entrou em contato com os seus alunos e
organizou grupos de WhatsApp por turma, após a prorrogação das aulas
presenciais. Os professores passaram a atender e enviar as atividades
para os alunos via WhatsApp. Para os alunos sem acesso aos grupos
de WhatsApp, a escola organizou a entrega de material impresso aos
alunos sem acesso à internet, por meio de plantões. No entanto, foi
um período muito incerto e cheio de dúvidas, as postagens nos grupos
de WhatsApp estavam ficando cada vez mais sobrepostas e, esse fato,
ocasionava stress e angústia tanto nos alunos como nos professores.
Então, foi necessário encontrar uma forma mais eficaz de desen-
volver as atividades. A coordenadora pedagógica da escola EEEMQ
tem formação e pesquisa sobre tecnologias digitais na formação de
professores. A coordenadora propôs ao grupo de professores para dar
um curso/treinamento de como criar salas de aulas virtuais, por meio da
plataforma do Google Classroom. A maioria do grupo de professores foi
bem receptiva a ideia da formação porque estavam angustiados com os
diferentes grupos de WhatsApp. Alguns professores tiveram um pouco
de resistência, alegando, dentre outros, problemas como não possuir
conta no Gmail e a falta de familiarização com as tecnologias digitais.
Na reunião pedagógica do dia 13 de abril de 2020 foi apresentado um
cronograma do curso e um tutorial para a realização das salas virtuais.
Após, a explicação de como o curso iria funcionar e a mostra das salas
virtuais, com os recursos disponíveis para serem utilizados nas aulas, a
possibilidade de ministrar aulas ao vivo pelo meet, os professores ficaram
animados e concordaram com a realização da formação.
Todos os encontros foram realizados online pelo sistema de video-
conferências, pelo Google Meet. Segue a programação do curso.
Curso sobre a plataforma Google Classroom
Parte 1 - Introdução - Apresentação do Curso sobre o Google Classroom
1 - Relato de experiências com o Google Classroom pela coor-
denadora pedagógica

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Karina de Araújo Dias (org.)

2. Introdução ao Google Classroom


3. Mostra de vídeos no Youtube com tutoriais sobre o Goo-
gle Classroom
4 - Configuração e opções da plataforma
5 - Dicas de como usar o Google Classroom com seus alunos
Parte 2: Postagens no Mural
1. Criando uma turma e realizando postagens em uma turma no
Google Classroom
2. Reaproveitamento de postagens no Google Classroom
3. Ordenando as postagens no mural do Google Classroom
Parte 3: Atividades
1. Criação e correção de atividades no Google Classroom
2. Como entregar arquivos em uma atividade no Google Classroom
3. Atividades com rubricas no Classroom
4. Atividades do Google Forms
5. Como ver vídeos ou anexos nas Atividades no app no sistema
Android (celular)
6. Organizando aulas e atividade em Tópicos no Google Classroom
Parte 4 - Configurações do Classroom
1. Convidando professores de domínios diferentes no Goo-
gle Classroom
2. Como excluir turmas no Google Classroom
3. Como configurar várias contas do Google no mesmo browser
4. Como gerenciar várias contas no app do Google Classroom
5. Aplicativos do Google Classroom (app) no iOS (iPhone e iPad)
6. Aplicativos do Google Classroom (app) no Android
7. Acessando o Classroom no smartphone via app e navegador.
Quais diferenças?

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Formação Inicial e Continuada de Professores

8. Gerenciando alunos e professores em uma turma auxiliar no


Google Classroom
9. Enviando e-mails pelo Gmail para todos (ou parte dos) alunos
da turma do Google
Classroom
Parte 5 - Ferramentas Google
1. Usando o Google Jamboard como quadro em branco
2. Integrando o Google Calendar com o Classoom
3. Publicando um vídeo no YouTube
4. Utilizando o Google Drive com o Classrooom
5. Google Docs integrado ao Classroom
6. Atribuindo e corrigindo atividades com o Google Forms
7. Agendamento de reuniões com o Google Meet
8. Abertura de aulas pelo Google Meet e gravação das aulas
O curso ocorreu entre os dias 14 de abril até 24 de abril do ano de
2020. As atividades foram intensivas e a maioria dos professores foram
receptivos e queriam aprender logo tudo para conseguirem colocar em
prática. Um colega, criou até uma sala virtual como a sala dos professores,
todos conseguiram interagir na sala. Os encontros foram na sua maioria
de descobertas e aprendizagem de forma bem dinâmica, em que todos
se ajudaram na realização de suas salas virtuais.
Na última semana de abril do ano de 2020, todos os professores
iniciaram as suas publicações em suas salas virtuais e estavam muito
entusiasmados com as suas criações e aprendizagens ocorridas. Um
pequeno grupo ainda sentia insegurança e solicitava dúvidas aos colegas.
Após a criação das salas virtuais pelos professores, todos forneceram
os códigos para que os alunos pudessem ingressar nas salas virtuais.
A coordenadora pedagógica organizou um tutorial para os estudantes
sobre o acesso às salas virtuais, e, este foi enviado pelas vice-diretoras
aos alunos pelos grupos dos WhatsApp.

15
Karina de Araújo Dias (org.)

A primeira atividade postada nas salas virtuais foi sobre um projeto


interdisciplinar realizado durante o mês de abril. Segue um resumo do
projeto realizado com os alunos, o qual também envolveu atividades com
as tecnologias digitais, inserindo os estudantes em diferentes práticas
de letramentos digitais.
Projeto com a comunidade Monsa!!! Eu fiz a minha parte: Ações
solidários em tempos de isolamento social - um olhar sobre a realidade.
Período: 06/04/2020 até 30/04/2020
Público: Alunos do Ensino Médio
Disciplinas: Todas
Turnos: Manhã, tarde e noite
Professores: Todo o grupo de professores da escola, a equipe
diretiva, a orientação e a supervisão escolar.
Contextualização e Justificativa:
De acordo com a percepção dos alunos, dos professores e toda a
equipe diretiva, percebemos esse momento, em especial, como de muita
fragilidade psicológica e de cansaço no cumprimento de atividades
escolares convencionais. Então, planejamos para esta semana algumas
sugestões de atividades para serem desenvolvidas com a comunidade
escolar Monsa. Pensando, nesse, como também, um momento de cresci-
mento humano, onde o Isolamento Social pode nos tornar mais próximos
pelas nossas ações. Esse momento de isolamento nos faz pensar que
precisamos retornar seres humanos melhores, mais solidários e cientes
de que a distância conseguiu nos aproximar, em especial das pessoas
mais importantes, nossas famílias. De acordo com esse contexto seguem
algumas sugestões.
Sugestões de ações práticas a serem desenvolvidas pelos estudantes
com o apoio dos professores:
1. Contar histórias para alguém da família.
2. Ler um conto ou uma crônica para algum familiar.
3. Fazer um penteado ou maquiagem em alguém da família

16
Formação Inicial e Continuada de Professores

4. Fazer exercícios de educação física com alguém da família


5. Montar uma sacolinha com alimentos ou material de higiene
para ajudar
alguém, deixar alimento e/ ou kit na frente da casa.
6. Alimentar ou dar água para os animais de rua.
7. Cozinhar para a família.
8. Preparar um lanche especial para a família.
9. Organizar uma sessão de cinema em casa com a família.
10. Tocar ou cantar uma música para os familiares e vizinhos.
11. Gravar um vídeo com frases de autoestima e enviar para
alguém especial.
12. Fazer um cartão ou carta otimista e deixar na porta dos
seus vizinhos.
Essas e dentre outras ações podem ser desenvolvidas pelos estudan-
tes e suas famílias como atividades de carinho, cuidado e solidariedade
em tempo de isolamento social.
Registro das ações:
1. Escrever um texto relatando a ação realizada com seus familiares
e enviar para o grupo da turma.
2. Enviar áudios, fotos ou vídeos sobre as ações realizadas.
3. Publicação das ações dos estudantes em redes sociais.
O desenvolvimento do projeto foi muito interativo e os alunos
participaram ativamente das atividades e enviaram os registros. As
tecnologias digitais estavam presentes em todas as etapas ocorridas do
projeto interdisciplinar.
A metodologia dos projetos interdisciplinares continuou ocor-
rendo na escola. Durante o mês de maio de 2020 foi desenvolvido um
projeto interdisciplinar sobre o COVID-19. O Projeto teve a seguinte
justificativa: Partindo da afirmação que a escola tem uma função social
e autonomia para planejar e desenvolver projetos interdisciplinares,
destaca-se a necessidade de trabalhar práticas pedagógicas que contex-

17
Karina de Araújo Dias (org.)

tualize o entendimento sobre a COVID-19, assim como informações


com embasamento teórico e científico. Também, este projeto inter-
disciplinar sobre a COVID-19 está relacionado com as competências
gerais da BNCC, desenvolver o pensamento científico, o autocuidado e
a responsabilidade social.
O desenvolvimento dos projetos está relacionado com a Aprendiza-
gem Baseada em Projetos, a qual pode ser considerada como um método
de capacitação ativa, propondo a inclusão de uma atividade prática como
instrumento de ensino. Também, essa metodologia de projetos agrega-se
a este cenário atual de uma sociedade altamente tecnológica. De acordo
com a sociedade contemporânea, os estudantes egressos do ensino médio
devem ser capazes de resolver problemas, ter pensamento crítico, ser
comunicativo e desenvolver ideias de forma colaborativa. Segundo Bender
(2014), a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) que possibilita, o
desenvolvimento das habilidades e competências do século XXI:
A ABP pode ser definida pela utilização de projetos
autênticos e realistas, baseados em uma questão, tarefa
ou problema altamente motivador e envolvente, para
ensinar conteúdos acadêmicos aos alunos no contexto
do trabalho cooperativo para a resolução de problemas.
[…] A investigação dos alunos é profundamente inte-
grada à aprendizagem baseada em projetos, e como eles
têm, em geral, algum poder de escolha em relação ao
projeto do seu grupo e aos métodos a serem usados para
desenvolvê-los, eles tendem a ter uma motivação muito
maior para trabalhar de forma diligente na solução de
problemas (BENDER, 2014, p. 15).

A realização dos dois projetos interdisciplinares no início da pan-


demia foi um processo de ensino e aprendizagem que está relacionado
com a metodologia de ABP e conseguiu unir os estudantes e professores
no desenvolvimento das atividades de forma ativa e colaborativa.

CONSIDERAÇÕES

Este capítulo teve como objetivo apresentar uma breve contextua-


lização de um grupo de professores que atuam em uma escola pública,

18
Formação Inicial e Continuada de Professores

do ensino médio, sobre como buscaram alternativas para desenvolverem


suas aulas no início da pandemia, no ano de 2020. Como resultado, pode
observar que a maioria do grupo foi receptivo à formação pedagógica
proposta pela escola, de criarem as salas de aulas virtuais por meio do
Google Classroom, enquanto, um pequeno grupo apresentou bastante
dificuldades e resistência ao novo.
A pandemia trouxe um aspecto positivo sobre a inserção das
tecnologias digitais na educação. Os professores e alunos de depararam
que o uso das tecnologias era o meio mais apropriado para consegui-
rem ministrar as suas aulas. O corpo docente passou por um processo
de apropriação dos letramentos digitais, mesmo que considerada uma
imposição que a pandemia trouxe, no entanto, o grupo conseguiu superar
as dificuldades sobre os recursos tecnológicos.
A formação dos professores, por serem esses os principais res-
ponsáveis na mediação do conhecimento, é de suma importância a
participação em cursos de formação sobre as tecnologias digitais, uma
vez que estes auxiliam no processo de ensino e aprendizagem. Também,
colaboram para o desenvolvimento intelectual dos envolvidos, seja aluno
ou professor.
Se observamos os professores nos contextos escolares em geral,
podemos ainda perceber que existe muita resistência e insegurança em
relação às ferramentas tecnológicas digitais. É totalmente compreensível o
receio que o novo causa aos profissionais, já que a imposição veio de forma
tão rápida por causa da pandemia. Desse modo, ressalta-se a importância
de cursos de formação dos professores ou formação continuada sobre as
tecnologias digitais. Para Moran (2009) as tecnologias digitais podem
ser utilizadas para uma transformação do ambiente formal de ensino,
levando a produção do conhecimento de forma criativa, interessante e
participativa. O autor também destaca que as tecnologias têm a função
de proporcionar aos seus usuários a aquisição de conhecimentos tecno-
lógicos, para garantir a inserção na sociedade contemporânea.

19
Karina de Araújo Dias (org.)

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. E. B; VALENTE, J. A. Tecnologias Digitais, Linguagens e Currículo:
investigação, construção de conhecimento e produção de narrativas digitais. Currículo
sem Fronteiras, v.12, n.3, p.57-82, 2012.

BENDER, William N. Aprendizagem Baseada em Projetos: Educação diferenciada


para o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2014.

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20
CULTURA DIGITAL: REFLEXÕES
SOBRE A INSERÇÃO DA ESCOLA NA
CULTURA DIGITAL

Elaine Cristina da Silva Martins3


Graciela Testoni4

INTRODUÇÃO

O atual contexto social é permeado por constantes mudanças.


Vive-se em um momento de profundas e intensas transformações. Essas
acontecem em todos os segmentos, inclusive no que se refere ao campo
educacional (MOSÉ, 2014). Percebemos como atuantes na área da edu-
cação que essas modificações no ato de aprender e ensinar estão sendo
influenciadas pelo avanço das tecnologias, pelas relações interpessoais
por ora à distância com o suporte de equipamentos e internet, que ten-
dem a diluir as fronteiras e ampliar as formas de se relacionar seja com
pessoas ou objetos. O que é latente neste movimento de transformação
da sociedade é que os espaços escolares estão se configurando cada vez
mais diferentes espaços de interação social e de aprendizagem que podem
avançar seus muros, usufruir do avanço da tecnologia e diluir fronteiras
de ensino e aprendizagem.
Nesse momento nos reportamos a Freire (2007, p. 23) que já
refletia acerca do processo de ensinar e aprender como um ato humano,
interacional e social indispensável a educação das pessoas: “Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. O autor nos leva
a pensar que o ato de ensinar e aprender não é solitário, pelo contrário,
é interativo, significa movimento, troca e diálogo.
A partir desse viés de ensino e aprendizagem dialético e dialó-
gico suscitado por Freire (2007) compreendemos o contexto escolar e

3
Doutora em Educação (UNIVALI). Funcionária Pública (SME/Itajaí-SC).
CV: http://lattes.cnpq.br/8057519766940849
4
Pós-graduada em Coordenação Pedagógica (UFSC). Funcionária Pública (SME/
Camboriú-SC). CV: http://lattes.cnpq.br/1494796636203350

21
Karina de Araújo Dias (org.)

seus mais diversos atores educacionais como o espaço do subjetivo e


da coletividade, os envolvidos tendem a avançar em seus processos de
refinamentos educacionais na coletividade, de forma contínua e sem
hierarquia de atuação, ou seja, todos ensinam e aprendem, de forma
mediada, produtiva e qualificada. É possível perceber ao longo dos anos
de atuação na Educação Básica que culturalmente professores ensinam
os estudantes, e atualmente a Equipe Gestora tem por função mediar à
formação continuada dos professores. Entendemos que este movimento
de formação continuada mediada pela Equipe Gestora tem muitos desa-
fios, em especial a própria formação para atuar na gestão das unidades
de ensino para posteriormente contribuir e/ou auxiliar os professores a
ampliar seus saberes e inovar suas práticas pedagógicas para sensibilizar
e mobilizar os estudantes a engajarem-se em situações de aprendizagens
que suscite sentido e significação a sua construção pessoal.
Com relação à Equipe Gestora hoje encontrada nas escolas vale
ressaltar que seu trabalho educativo está amparado nas narrativas legais
nacionais, colocamos em destaque a LDB, Lei n. 9.394/96 (BRASIL,
1996) que suscita a gestão democrática como um dos princípios básicos
da educação do país, que tende a (re) configurar o espaço, o tempo, a
estrutura física – administrativa – pedagógica com vistas a participação
de todos. Esta participação sugere ação, sensibilização e mobilização
de sentidos e saberes, para superar os desafios educativos e avançar na
inovação dos processos pedagógicos que ressaltam a aprendizagem.
Esta última frase ressalta as possibilidades de um fazer pedagó-
gico com otimismo, que tende a refletir o compromisso do país com a
educação de qualidade de seus cidadãos, dentre os esforços legais para
fomentar qualidade e equidade educacional para todos está a Base Nacio-
nal Comum Curricular - BNCC (2017) que sugere o desenvolvimento
de competências e habilidades capazes de nortear a formação humana
integral com princípios inovadores de ensino e aprendizagem.
Com a BNCC (2017) homologada há um movimento intenso dos
estados e municípios para atualização e ampliação dos seus documentos
norteadores alinhados às políticas públicas necessárias na tentativa de

22
Formação Inicial e Continuada de Professores

incorporar entre outras competências a Cultura Digital na organização


de práticas pedagógicas inovadoras, com vistas a avançar o atual processo
de ensino e aprendizagem, ainda com traços muito tradicionais de repasse
de conteúdo, com pouco diálogo entre os pares, e debate acerca dos
saberes que a todos envolve quando convivem em um espaço educativo.
Neste sentido este capítulo coloca luz sobre a competência 5 - Cul-
tura Digital, a partir da questão problema: Como a equipe gestora pode
fomentar o desenvolvimento da Cultura Digital entre os professores (as)
dos anos iniciais do Ensino Fundamental? Pretende refletir acerca das
possibilidades que a Equipe Gestora tem e/ou pode construir para mediar
o trabalho pedagógico desenvolvido na escola com foco na inovação e na
reestruturação de seu projeto pedagógico, a fim de mobilizar e articular
as situações cotidianas juntamente com questões pertinentes ao tempo,
espaço e materiais com a finalidade de corroborar qualitativamente com
o processo formativo dos professores.
Entendemos que o desafio da Equipe Gestora está em promover
um movimento significativo e produtivo para engajar os mais diversos
atores educacionais, competências e habilidades a serem desenvolvidas,
por meio de práticas inovadoras que corroborem com uma aprendizagem
significativa a partir da Cultura Digital como competência articuladora,
sensibilizadora e mobilizadora de sentidos, saberes e pensares para
o desenvolvimento integral. Dos envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem desenvolvidos nas escolas.
Nas próximas seções visionamos aproximar as reflexões do artigo
ao contexto dos profissionais da educação, emergindo a Cultura Digital
como uma das competências gerais apontadas pela BNCC que poderá
fomentar não só os currículos, mas as práticas pedagógicas mais ino-
vadoras. Dessa forma, abordaremos de acordo com as narrativas legais
do país a configuração dos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem
como seu público alvo e suas possibilidades de aprendizagem; seguimos
com a constituição da Equipe Gestora, suas atribuições com destaque
a formação em serviço para os profissionais da unidade de ensino, e
por fim nas considerações, serão expostos as contribuições do estudo

23
Karina de Araújo Dias (org.)

na compreensão da escola, seus cenários estruturais e organizacionais,


suas ferramentas e saberes para dilatar seus espaços de transmissão de
conhecimento para mediação, construção e ampliação do desenvolvi-
mento integral de todos os atores envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem ao passo que se insere na Cultura Digital.

NARRATIVAS LEGAIS NACIONAIS: ESTRUTURA


E FUNCIONAMENTO DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL NACIONAL

No Brasil a Educação é organizada a partir da atual Lei de Dire-


trizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 que define dois
grandes níveis de ensino: Educação Básica (etapas: Educação Infantil,
Ensino Fundamental, Ensino Médio) e Ensino Superior (BRASIL, 1996).
Temos ciência que a Constituição Nacional impulsionou as principais
políticas educacionais do país, com vistas à educação dos cidadãos, em
especial o uso da leitura e escrita nas últimas décadas; mesmo que a
princípio tenha perpassado pela obrigatoriedade das matrículas que hoje
correspondem ao público alvo da Educação Básica a partir dos 4 anos
(BRASIL, 1988).
A escolarização formal no país está vinculada a espaços escolares
como, Centros de Educação Infantil e escolas do Ensino Fundamental e
Médio. Vale ressaltar que as unidades de ensino têm grande importância
nesse processo de educação escolar da sociedade brasileira, bem como
sua evolução como emergente e pleno desenvolvimento.
Emergem dessa forma as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
da Educação Básica para orientar pensares e formas de entender suas
etapas, seu público alvo e formas de organização e atuação profissional
para qualificar este nível de ensino como deseja o país para qualidade de
vida de todos. Segundo as Diretrizes a etapa do Ensino Fundamental, é
“[...] direito do cidadão [...]”, assim como afirmam ser garantia mínima a
“[...] formação para a vida pessoal, social e política. ” (BRASIL, 2013, p.
108); logo se entende que o cidadão tem o direito de acesso, permanên-
cia, e desenvolvimento integral, em especial acerca dos conhecimentos

24
Formação Inicial e Continuada de Professores

escolares nesta etapa do processo educativo garantido por lei como direito
de todo cidadão brasileiro.
Colocamos em destaque os princípios norteadores que as escolas
adotarão como orientação para as políticas educativas e ações pedagógi-
cas conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica (BRASIL, 2013): Éticos, Políticos e Estéticos. Esses princípios
emergem ações educativas que reflitam equidade, desenvolvimento
integral de todos, e refinamento dos sentidos e significações que esse
processo educacional no âmbito do Ensino Fundamental.
Este estudo de investigação qualitativa reporta-se aos anos iniciais
do Ensino Fundamental, seus atores e suas possibilidades de inserção
na Cultura Digital de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017). Ainda
guiadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica (BRASIL, 2013) compreendemos que o contexto do Ensino
Fundamental no âmbito das escolas emerge condições de trânsito entre
as mais diversas culturas, e definem que este público, se forma meio a
multiplicidade de infâncias e adolescências; portanto um olhar atento
e práticas pedagógicas inovadoras podem possibilitar o avanço de cada
estudante em interação com os pares nos aspectos físicos, emocionais,
sociais e cognitivos.
Esta trama progressiva conta com dez competências gerais que
são articuladoras de todo o processo que se desdobra para garantir
os direitos de aprendizagem a partir: dos objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento; competências específicas de áreas; unidades temáticas,
que disparam uma série de objetos de conhecimento, que se desdobram
em diversas habilidades correspondentes, ou seja esta composição tendem
a contribuir com um percurso educativo que vislumbra o desenvolvimento
das competências gerais pensadas comoorientadoras do desenvolvimento
humano integral ao longo da Educação Básica, envolvendo a ação dos
diversos atores educacionais da escola.
Colocamos em destaque as possibilidades da gestão democrática
para sensibilizar família, sociedade e profissionais da educação com
vistas a um trabalho qualitativo nos rigores das leis nacionais e sistemas

25
Karina de Araújo Dias (org.)

de ensino. Este movimento da gestão democrática emerge elementos


constitutivos que visam articular um complexoeducacional para qualificar
o ensino público em especial a Educação Básica:
[...] infraestrutura favorável, prática por projetos, res-
peito ao tempo escolar, avaliação planejada, perfil do
professor, perfil e papel da direção escolar, forma-
ção do corpo docente, valorização da leitura, atenção
individual ao estudante, atividades complementares e
parcerias. Mas inclui outros aspectos como interação
com as famílias e a comunidade, valorização docente
e outras medidas, entre as quais a instituição de plano
de carreira, cargos e salários. (BRASIL, 2013, p. 31,
grifos nossos).

Neste sentido colocamos em relevo a partir do perfil e papel da


direção escolar, bem como, a formação do corpo docente como elementos
fundantes para uma gestão democrática qualificar a educação pública,
em especial os anos iniciais do Ensino Fundamental etapa na qual este
capítulo se debruça para refletir as possibilidades de avanço do processo
de ensino e aprendizagem na atualidade. Este movimento de gestão
democrática que se preocupa com a qualificação do ensino concorre
para pensar, planejar, atuar, avaliar e (re) planejar as possibilidades de
avançar em um ciclo virtuoso de trabalho educativo dialético e dialógico
como já se referia Paulo Freire em seus escritos e práticas educacionais.
Para apoiar este movimento democrático, a Equipe Gestora pos-
sui um papel fundamental, no incentivo da implementação de práticas
pedagógicas inovadoras. O foco de atenção da Equipe Gestora no tra-
balho pedagógico da escola é tanto individual quanto coletivo, devendo
voltar-se para a formação continuada dos professores.
Entende-se por formação continuada, um processo contínuo
crítico-reflexivo sobre o saber docente em suas múltiplas deter-
minações, indo além da prática reflexiva e envolvendo o enfoque
político-emancipatório (MARTINS; COELHO, 2011). Um processo
formativo constituindo-se no aperfeiçoamento profissional de cada um
dos professores e ajudar a constituí-los enquanto grupo.

26
Formação Inicial e Continuada de Professores

A formação continuada deve desenvolver uma atitude


investigativa e reflexiva, tendo em vista que a atividade
profissional é um campo de produção de conhecimento,
envolvendo aprendizagens que vão alémda simples apli-
cação do que foi estudado (BRASIL, 2007, p. 2).
Entendemos assim que a formação do corpo docente e da
equipe gestoraimplica diretamente na construção deste processo edu-
cacional que agrega pessoas, possibilita estudos, espaços de práticas e
reflexões ao longo do dia a dia das escolas. Dessa forma este ciclo de
ensino e aprendizagem mobilizados pela gestão escolar emerge
a significativa importância da formação continuada dos gestores e
professores para possibilitar estudos, pensares, pesquisas, práticas e
avaliação para reorientação das práticas acerca do campo de ensino e
aprendizagem por meio daCultura Digital e suas possibilidades de
conhecer, criar conceitos, partilhar experiências, contemplar programas
e projetos inovadores.
A necessidade de uma formação continuada, surge para que os
professores possam, onde estejam inseridos, num movimento de pes-
quisa constante que revele elaboração e reelaboração do conhecimento,
garantindo assim a profissionalização de sua atividade, pois como lembra
Freire, (2007, p. 39), “é pensando criticamente sobre a prática de hoje
e de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Esse processo,
segundo o autor, precisa ser um exercício permanente de reflexão crítica
sobre sua práxis.
De acordo com Vasconcellos (2009), a práxis da Equipe Ges-
tora comporta quatro dimensões: reflexiva, pois auxilia o professor na
compreensão das práticas pedagógicas; é organizativa quando tenta
articular o trabalho dos diversos sujeitos da escola; é também conectiva
possibilitando elos não só entre os professores e a direção, mas de toda a
comunidade escolar; é interventiva quando ajuda a modificar práticas que
impedem a reflexão e é também avaliativa, pois exige que todo processo
ensino aprendizagem seja revisto, visando à melhoria.
Portanto, Equipe Gestora como mediadora da inserção da Cul-
tura Digital na formação continuada dos professores dos anos iniciais,

27
Karina de Araújo Dias (org.)

no intuito de repensar a escola e suas estratégias de ensino propondo


estratégias de inclusão digital. Nessa visão, a Equipe Gestora passa a ser
“aquela que orienta, aprende e ensina, tornando-se parceira no processo
educativo na busca da melhoria do fazer pedagógico e do investimento
frente à potencialidade de toda equipe” (SOARES, 2017, p. 187). Pro-
curando estratégias diferenciadas para poder auxiliar/contribuir com os
professores em suas práticas.

COMPETÊNCIA 5 DA BNCC - CULTURA DIGITAL


E SUAS POSSIBILIDADES DE AMPLIAR A
APRENDIZAGEM

A BNCC é um documento norteador com vistas a progressão do


desenvolvimento do estudante ao longo das várias etapas da educação
básica via planejamentos e práticas pedagógicas com foco nas habilidades,
competências e conteúdos articulados em projetos educativos inovadores,
sensibilizadores e mobilizadores de estudantes em seu percurso acadê-
mico e projeto de vida.
Dentre o complexo destacado na BNCC das dez competências
gerais para educação básica colocamos luz sob a competência 5:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de
informação e comunicação de forma crítica, signifi-
cativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resol-
ver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida
pessoal e coletiva (BNCC, 2017, p. 9 grifos nosso).

A Cultura Digital nos revela para além do seu uso irrefletido no


cotidiano, muitasvezes fora do ambiente escolar. A competência descrita
aponta para compreensão, utilização e criação de forma crítica, ética e
significativa das possibilidades que as tecnologias digitais de informação
e comunicação podem contribuir no processo de ensino e aprendizagem.
Scariotti (2018) em sua pesquisa intitulada Cultura Digital no
Ensino Básico coloca em destaque as possibilidades que a BNCC evoca
acerca da Cultura Digital e o complexo desta competência para o pro-

28
Formação Inicial e Continuada de Professores

cesso de ensino e aprendizagem na Educação Básica. Este processo


perpassa por dimensões e subdimensões que corroboram para o sucesso
da aprendizagem cidadã de todos:
Quadro 1: Dimensões e subdimensões da cultura digital segundo a BNCC
Dimensões Subdimensões
Utilização de ferra- Utilização de ferramentas multimídia
Computação mentas digitais e periféricos para aprender e produzir.
e Programação Produção multimídia Utilização de recursos tecnológicos para
desenhar, desenvolver, publicar,

testar e apresentar produtos para


demonstrar conhecimento e resolver
problemas.
Linguagens de programação Utilização de linguagens de programação
para solucionar problemas.
P e n s a m e n t o Domínio de algoritmos Compreensão e escrita de algoritmos.
computacional Avaliação de
vantagens e desvantagens de diferentes
algoritmos. Utilização de
classes, métodos, funções parâmetros
para dividir e
resolver problemas.
Visualização e análise de Utilização de diferentes repre-
dados sentações e abordagens para visualizar
e analisar dados
Cultura e mundo Mundo digital Compreensão do impacto das tecnolo-
digital gias na vida das pessoas e na sociedade,
incluindo nas relações
sociais, culturais e comerciais.
Uso ético Utilização das tecnologias, mídias e dis-
positivos de comunicação modernos de
forma ética, comparando comportamen-
tos adequados e inadequados.

Fonte: (SCARIOTTI, 2018, p. 9)

Este é um cenário desafiador para as unidades de ensino que


visionam impulsionar a formação integral e tecnológica das novas gera-
ções. Os professores atentos à multiplicidade de ofertas midiáticas e
digitais podem contribuir com o acesso, o uso democrático e o sucesso

29
Karina de Araújo Dias (org.)

do educando em seu processo educativo de forma consciente. Assim


sendo, é possível perceber que há muitas possibilidades de ensino e de
aprendizagem por meio do universo digital, cabe a escola e seus atores
implementar novas formas de promover a aprendizagem, a mediação,
a interação e o compartilhamento de sensações e saberes no contexto
escolar (BNCC, 2017).
De acordo com a BNCC as tecnologias podem influenciar positiva-
mente as habilidades e competências em especial na área das linguagens,
pelas possiblidades de acessar e criar conteúdos digitais, sua publicação
na web, e seu compartilhamento nas mais diversas redes, formatos e
suportes. Neste sentido, a BNCC avança e pensa o estudante como
protagonista e não só como receptor passivo das informações. Sendo
o estudante estimulado a perpassar as diversas informações, interagir
com elas, analisando, construindo críticas éticas e conteúdos expressivos
sobre seus pensamentos e opiniões, ao passo que realce sua realidade e
seus contextos.
Entendemos que a implementação de sucesso da BNCC requer
um esforço global, nas unidades de ensino a gestão escolar atenta a este
movimento de educação integral do sujeito e da importância da Cultura
Digital no processo educacional pode influenciar e impulsionar sentidos,
saberes, pensares e práticas de seus professores ao passo que corroboram
com a democratização de conhecimentos, aprendizagens, e possibilidades
de uma vida acadêmica coesa e repleta de sentidos.
De acordo com o Centro de Inovação para Educação Brasileira
(CIEB)5 instituição sem fins lucrativos que visiona com seus estudos,
pesquisas e criações estimular a cultura de inovação na educação pública
com qualidade e equidade. Entre os atores, espaços, tempos e materiais
pesquisados pelo CIEB colocamos em destaque o Currículo de Refe-
rência em Tecnologia e computação para o estudante, bem como muitos
outros documentos ao professor e suas possibilidades de ensinar com
estilo e inovação.

5
CIEB – Centro de Inovação para Educação Brasileira. Disponível em: <www.cieb.
net.br> Acessado em: 15 set. 2020.

30
Formação Inicial e Continuada de Professores

Um dos documentos discutidos pelo CIEB acerca da formação


do professor intitulado: 12 competências digitais de professores para
uso efetivo de tecnologias na Educação; destaca que estas competências
estão sistematizadas em três áreas, a saber:
Pedagógica: efetivar o uso das tecnologias educacionais
para apoiar as práticas pedagógicas do professor.
Cidadania digital: usar as tecnologias para discutir
avida em sociedade e debater formas de usar a tecnologia
de modo responsável, ético, crítico, seguro e inclusivo.
Desenvolvimento profissional: usar as tecnologias para
garantir a atualização permanente do professor e seu
crescimento profissional. (CIEB, 2020, p. 2).
A área pedagógica desdobra-se em competências como: prática
pedagógica, personalização, avaliação, curadoria e criação. A articulação
destas competências perpassam o acesso, o conhecimento e a incorporação
das tecnologias aos planos de aulas ao passo que o professor promova
experiências de aprendizagens aos estudantes por meio de jogos, soft-
ware educacionais e ambientes de aprendizagem; para além do consumo
irrefletido das tecnologias, um grande passo é articular as tecnologias
e suas possibilidades ao currículo e até mesmo ao projeto pedagógico,
com vistas ao desenvolvimento de projetos educativos e colaborativos
que gerem impacto na comunidade (CIEB, 2020).
O uso responsável, uso crítico, uso seguro e a inclusão são com-
petências que emergem na área da cidadania digital que refletem o uso
estimulado pela área pedagógica com vistas ao diálogo e engajamento
responsável dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem sem
perder de vista o currículo, a especificidades do grupo de estudantes, as
regras de convivência e trabalho da unidade de ensino, ao passo que a
leitura crítica de si, do outro e da cultura digital esteja sob a luz do uso
crítico das tecnologias a partir da curadoria dos documentos, ambientes
e espaços digitais de aprendizagem (CIEB, 2020).
Neste sentido, a área desenvolvimento profissional focaliza o
autodesenvolvimento, autoavaliação, compartilhamento, comunicação.
Competências estas que evocam o uso das tecnologias para ampliar e

31
Karina de Araújo Dias (org.)

dar continuidade a sua formação que implicará no seu desenvolvimento


profissional. Esta competência sugere o engajamento dos professores,
estudos, debates, reflexões, a produção e a partilha acerca dos conteúdos
formativos em especial em grupos virtuais que mobilizam aprendizagens
como: blogs ou sites, por exemplo; com vistas à retomada de seus concei-
tos e práticas de ensino e de aprendizagem. Neste processo de formação
pessoal e profissional o professor desenvolverá a partir das ferramentas
digitais de comunicação a troca de experiências com os mais diversos
grupos por meio de uma comunicação ativa e eficiente.

CONSIDERAÇÕES

Iniciamos este estudo com uma pergunta em mãos: Como a Equipe


Gestora pode fomentar o desenvolvimento da Cultura Digital entre os
professores (as) dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental? Esta pro-
blemática nos direcionou especificamente a mapear a atual configuração
dos anos iniciais do Ensino Fundamental no país, bem como seu público
alvo e suas possibilidades de aprendizagem; identificar a constituição da
Equipe Gestora, suas atribuições com destaque a formação em serviço
para os profissionais da unidade; apresentar a competência 5 da BNCC
– Cultura Digital e suas possibilidades de ampliar a aprendizagem dos
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
De acordo com a malha textual construída a partir das narrativas
legais nacionais e demais aportes teóricos verificamos que há orientações
e diretrizes específicas que tendem a configurar esta etapa de ensino, o
trabalho educativo a ser desenvolvido; bem como a composição da Equipe
Gestora e suas possibilidades de fomentar formações pedagógicas em
serviço para ampliar e inovar as práticas pedagógicas dos professores.
Este estudo exploratório identificou que há um movimento nacio-
nal para ampliar seus documentos norteadores para educação a fim de
qualificar o ensino como projeto educativo de cidadania ativa do país,
em especial quando temos o campo da Cultura Digital sendo debatido,
estudado e incentivado nas escolas para além da digitalização de proces-

32
Formação Inicial e Continuada de Professores

sos, mas como forma de pensar, estudar, pesquisar, criar e compartilhar


conceitos educacionais desde a mais tenra idade escolar.
Atualmente a BNCC (2017) alinhada as demais narrativas legais
do país corrobora para a formação integral dos cidadãos e aponta com-
petências e habilidades que tendem a contribuir com esse processo
formativo integral e para todos. É deste movimento fortalecido agora
pela BNCC (2017) que colocamos em destaque a emergência da gestão
escolar promover formação continuada acerca da Cultura Digital e suas
possibilidades de inovação nas práticas pedagógicas escolares nos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Neste sentido, a Equipe Gestora ao propiciar um percurso forma-
tivo com vistas a utilizar tecnologias digitais de informação e comunica-
ção, estará sensibilizando os professores a inserirem a Cultura Digital nas
práticas pedagógicas, o que favorecerá na formação de seus estudantes
para exercerem o protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
No âmbito da Educação, este capítulo tende a contribuir para
a compreensão da escola, seus cenários estruturais e organizacionais,
suas ferramentas e saberes para dilatar seus espaços de transmissão de
conhecimento para mediação, construção e ampliação do desenvolvi-
mento integral de todos os atores envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem ao passo que se insere na Cultura Digital.

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34
A EXPERIÊNCIA AFETIVA DA CRIANÇA
COM A NATUREZA NA PERCEPÇÃO DE
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Zemilda do Carmo Weber do Nascimento dos Santos6


Daniela Neto Oliveira Peixer7
Carolina Vanelli de Souza8

INTRODUÇÃO

O presente estudo exploratório, conforme já anunciado, parte


da problemática de que é necessário ofertar formação continuada de
qualidade acerca da importância de restabelecer o vínculo afetivo das
crianças com a natureza nos períodos em que elas frequentam as ins-
tituições de educação infantil. Partindo desta problemática, a pesquisa
teve como objetivo identificar as percepções de um grupo de profissionais
(professores e auxiliares de sala) da Educação Infantil que participaram
de um percurso de formação continuada que teve como tema “Crianças
da Natureza” oferecida pela Diretoria de Ensino da Educação Infantil
da Secretaria de Educação de um município catarinense.
Observou-se a necessidade de abordar esse tema levando em conta
a dificuldade eminente dos profissionais da Educação Infantil compreen-
derem o humano como ser integrante da natureza, e que, portanto, as
crianças necessitam deste contato para que possam vivenciar experiências
afetivas com a natureza (SANTOS, 2016; 2018).
Vivemos em um tempo no qual as crianças têm sido superprote-
gidas, colocadas em uma bolha, onde não podem se sujar, machucar-se,
brincar e correr livremente nos espaços externos, com isso os educadores

6
Doutora em Educação - Bolsista Capes (UNIVALI). Professora de Educação
Infantil de Rede Pública de Ensino. CV: http://lattes.cnpq.br/2601360900408557
7
Mestranda em Educação (UDESC). Professora Formadora (SME – Camboriú/SC).
CV: http://lattes.cnpq.br/4951529504826235
8
Especialista em Docência na Educação Infantil (FCV).
CV: http://lattes.cnpq.br/1432198802074625

35
Karina de Araújo Dias (org.)

vão se moldando aos padrões estabelecidos pela sociedade e acabam na


busca por ações imediatistas.
Uma sociedade baseada em ideais capitalistas onde, a praticidade
das coisas arreda o ser humano da relação com natureza, e reproduzi-
mos essas ações quando estamos com nossas crianças, no seio familiar
com uma diversidade de brinquedos prontos e tecnologias que levam
as crianças a ficar horas alienadas a estes materiais que limitam sua
criação imaginativa.
Já os Centros de Educação Infantil (CEIs) passam a reproduzir
práticas pedagógicas instrumentalizadas e escolarizantes, concepções
equivocadas sobre o trabalho com crianças pequenas, preferem os brin-
quedos de plástico e materiais totalmente industrializados.
Os CEIs têm sido reformados e cimentados, e as crianças conhe-
cendo uma grama sintética, tapetes emborrachados, parques de metal
com brita, tudo isso torna-se cada vez mais distantes o contato das
crianças com o ambiente natural, e que deveria fazer parte da vida
humana. (TIRIBA, 2014)
É nessa perspectiva que esse trabalho pretende contribuir com
a discussão acerca de nos reconhecermos como “seres da natureza”,
compreendendo assim a importância de oferecer espaços naturais nas
Creches e Pré-Escolas, bem como, fazer uso dos espaços naturais exis-
tentes no entorno destas instituições. Para que se alcance tal proposição,
a formação continuada é imprescindível, pois é por meio dos encontros
com o “outrem”, com a “outra face”, com novos “personagens concei-
tuais”, que a mudança de paradigma pode se concretizar (DELEUZE
& GUATTARI, 2010).

CONSTITUINDO UMA EXPERIÊNCIA AFETIVA


COM A NATUREZA: UM OLHAR PARA PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS

Diante do crescimento acelerado das cidades, dos altos padrões


de consumo, do progresso das tecnologias, e os novos hábitos da socie-

36
Formação Inicial e Continuada de Professores

dade contemporânea como protagonistas na vida dos seres humanos, a


sociedade está cada dia mais em desconexão com a natureza.
Nessa mesma direção, observa-se que o desenvolvimento de cen-
tros urbanos pode ter consequências negativas para as futuras gerações,
as crianças não têm contato com a natureza, não sabem de onde vem a
água, não tem contato com animais, terra, plantas, tudo isso pode resultar
em adultos que não terão consciência da importância da preservação
ambiental e dos recursos naturais.
Desse modo, se faz necessário pensar práticas pedagógicas que
articulem apropriação da teoria com experiências de aprender e ensi-
nar que potencializam o agir como seres pertencentes à natureza para
desconstruir práticas alicerçadas na racionalização, na escolarização,
baseadas na lógica do capital que constitui a sociedade contemporânea.
Diante de uma cultura que silencia a unidade e valoriza
a dicotomia, afirmamos, desde a primeira infância, a
importância da Educação Ambiental enquanto processo
que religa ser humano e natureza, razão e emoção, corpo
e mente, conhecimento e vida. Afirmamos a necessidade
de uma educação infantil ambiental fundada na ética
do cuidado, respeitadora da diversidade de culturas e
da biodiversidade. Educação Ambiental que é política
(TIRIBA, 2010, p. 02).

Pensar em práticas educativas que promovam a conexão da criança


com a natureza vai além de levar as crianças para visitar um bosque, é
preciso toda uma observação e envolvimento dos educadores que depen-
dem de vários aspectos como infraestrutura, proposta curricular, gestão
escolar, participação da família e formação de professores.
A escola é igualmente atravessada por várias subjetivi-
dades que podem estar em acordo ou em antagonismo
com os ideais ecológicos. A escola, nessa perspectiva,
pode se converter num espaço educador mais ou menos
propício à formação de identidades ecológicas ou pre-
datórias, conforme os valores predominantes naquele
contexto. (CARVALHO, 2013, p. 115).

37
Karina de Araújo Dias (org.)

É importante ressaltar a necessidade de promover encontros


formativos para os educadores nesse processo, e que esses encontros
aconteçam, também em áreas externas, explorando “livremente nos
ambientes naturais, entendidos como aqueles que são constituídos por
todos os seres vivos” (TIRIBA, 2018, p. 74), pois é a partir dos educa-
dores que muitos mitos precisam ser desconstruídos, sentir o próprio
corpo a experiência de estar do lado de fora, em áreas mais naturais.
Atentos a isso, um número significativo de especialistas,
educadores e pais no mundo todo, assim como no Brasil,
vêm se dedicando a entender o que está adoecendo e
tornando as crianças nervosas, agitadas, infelizes e com
dificuldades de aprendizagem e convivência na escola.
Um conjunto consistente de evidências científicas, em
sua maior parte geradas fora do Brasil, sugere que um
dos fatores seja o distanciamento entre as crianças e a
natureza. Isso porque ambientes ricos em natureza,
incluindo as escolas com pátios e áreas verdes, as praças
e parques e os espaços livres e abertos para o brincar,
ajudam na promoção da saúde física e mental e no
desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais,
motoras e emocionais (TIRIBA, 2018, p. 19).

As experiências promovidas através do contato com a natureza,


por mais incompreendidas que sejam pelos adultos, proporcionam às
crianças uma melhor qualidade de vida. Precisamos, segundo (TIRIBA,
2018, p. 190), “desemparedar” para oportunizar desde a vida intraute-
rina, experiências afetivas com a natureza para que as crianças possam
se constituir como seres interligados e em unidade como espécie per-
tencente ao meio natural.

O PERCURSO METODOLÓGICO

Para compor a metodologia deste estudo exploratório, foi eleita


a técnica de questionário, com perguntas fechadas e abertas. O corpus
de dados se constituiu de respondentes que integram o grupo de pro-
fissionais da Educação Infantil do sistema municipal de ensino de um
município catarinense.

38
Formação Inicial e Continuada de Professores

A secretaria de educação por meio da Diretoria Geral e da Dire-


toria de Ensino da Educação Infantil, ofereceu, no início do ano letivo
de 2021, um percurso de formação continuada tendo como tema o eixo
“crianças da natureza”.
Embora ao final do encontro os educadores tenham relatado
percepções bastante significativas sobre as experiências vivenciadas, era
preciso verificar junto aos profissionais como tais experiências haviam
impactado em suas percepções acerca da relação do humano (criança e
adulto educador) com a natureza, partimos então para a elaboração e
aplicação do questionário.
O instrumento de coleta de dados foi elaborado utilizando a
ferramenta do Google Forms, que permite elaborar questionários ou
entrevistas onde os respondentes participam em tempo real, pois as
respostas são coletadas automaticamente e armazenadas no banco de
dados online da própria ferramenta. Para esse trabalho, foram coletados
184 questionários, sendo que as respostas são apresentadas e analisadas
na próxima seção.

A ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

No percurso de análise e tratamento dos dados, inicialmente


analisamos as informações coletadas a partir dos questionários res-
pondidos por um grupo de 184 profissionais de um sistema público
de ensino, incluindo dentre eles professores, auxiliares de sala - nesse
sistema denominados monitores - orientadores, supervisores e gestores.
Quanto à idade dos profissionais, constatou-se que a maior parte
destes profissionais está na faixa etária de 36 a 55 anos. Apenas 1,1%
dos profissionais têm entre 18 e 25 anos. No que tange à formação
acadêmica, a maioria dos profissionais são licenciados em Pedagogia
com especialização, totalizando 84,8%, denotando consonância ao
preconizado no art. 62 da LDB 9394/96.
Quando questionados sobre a percepção acerca da importância de
permitir que as crianças usufruam dos espaços externos, tanto no interior
da instituição, bem como, dos espaços naturais existentes no entorno do

39
Karina de Araújo Dias (org.)

C.E.I, um percentual de 52,2% dos entrevistados responderam que é


imprescindível que as crianças usufruam desses espaços, configurando-se
na maioria das respostas. Cerca de 37,5% dos entrevistados afirmam ser
muito importante, 8,7% considera importante, 0,5% acredita ser relevante
e o mesmo percentual declara ser pouco relevante. Um participante da
pesquisa preferiu não opinar.
A partir das respostas, percebemos que a maioria dos profissionais
entrevistados têm consciência acerca importância de uma Educação
Infantil voltada para a Educação Ambiental, uma vez que as crianças
têm perdido o contato com a natureza, muitas residem em apartamentos
e no período que estão nos Centros de Educação Infantil permanecem
em salas fechadas sem envolvimento algum com a natureza.
Levando em conta este cenário social, torna-se irrefutável, diante
do exposto, a constituição de práticas pedagógicas que oportunizem às
crianças experiências afetivas com a natureza e compreendendo que
tanto elas como nós, somos partes integrantes deste universo, ou seja,
desta natureza (SPINOZA, 2014).
Nesse sentido, concordamos com (PIORSKI, 2016, p. 103),
[...] que o brincar não tem especificidade técnica; está
mais próximo do trabalho do artesão do que do homem
industrial. O material do brincar, do brincar dos res-
tos, especialmente dos restos naturais, traz a matéria
essencial sem os racionalismos do brinquedo pronto,
amiudado à realidade. É a memória do primitivo trato
inventivo com o mundo natural e da exigência de conhe-
cê-lo para habitá-lo.

Ainda na perspectiva do autor a escola, os profissionais e a comu-


nidade têm um papel importante na interação da criança com a natureza,
e esta visão vai para além de disponibilizar materiais ou uma área verde
para as crianças brincarem, a ideia não é de práticas fragmentadas que
compreendem que o brincar e aprender são processos distintos, e sim de
um processo natural de observação, integração e convívio das crianças
com o meio do qual se faz parte integrante como ser vivo.

40
Formação Inicial e Continuada de Professores

Também foi investigado junto aos profissionais que atuam nesses


centros de educação infantil, como eles compreendem o humano na
relação com a natureza?
Verificou-se que 56% dos profissionais reconhecem o ser humano
como parte integrante da natureza, e 43,5%, compreendem o ser humano
como parte integrante do universo, coexistindo em processos de inter-
-relação com tudo o que constitui esse universo.
Esses dados nos levam a refletir sobre o impacto do distanciamento
entre a percepção que o educador tem sobre como se constitui as relações
dos seres humanos com a natureza. Considerando que um percentual
importante dos respondentes ainda tem uma percepção fragmentada,
ou fragilizada acerca deste tema. Esse grupo compreende que sim, o ser
humano faz parte da natureza, porém não na perspectiva spinozana,
onde nós seres humanos somos “modos de extensão” desse universo,
no qual somos afetados e afetamos todos e tudo o que está em contato
direto conosco (SPINOZA, 2014).
Por fim, os entrevistados foram questionados sobre qual a percepção
acerca da escolha dos materiais utilizados pelos professores e auxiliares
de sala no trabalho pedagógico com as crianças. Totalizando a maioria,
44% dos entrevistados acreditam que os profissionais devem pesquisar
se os materiais eleitos são biodegradáveis ou se podem ser reciclados
após o uso com as crianças. Já 37% afirmam que os profissionais devem
priorizar o uso de elementos da natureza e materiais não estruturados
de primeira manufatura. Cerca de 9,2% alegam que os profissionais
devem optar pelos materiais sustentáveis em detrimento dos recicláveis.
Observou-se que 4,9% dos participantes sustentam que pode ser usado
qualquer tipo de material, desde que o profissional faça a reciclagem
posteriormente. E por fim, 4,9% certificam que pode ser usado qualquer
tipo de material.
Diante do exposto percebe-se que muitos profissionais têm difi-
culdade ao selecionar os materiais e a relação destes nas brincadeiras das
crianças, ou seja, qual o significado de cada elemento e a proporção que

41
Karina de Araújo Dias (org.)

pode ter no imaginário da criança, bem como a dificuldade na distinção


de materiais biodegradáveis, recicláveis e sustentáveis.
A análise demonstrou ainda, que os profissionais até o momento
deste estudo, não tem conceitos interiorizados sobre a relevância do
contato das crianças com os elementos da natureza, sobre ser um ser vivo
pertencente ao meio, sobre o real significado de determinados materiais
e elementos naturais para o imaginário da criança, e também sobre suas
práticas diárias para então refletir sobre a prática pedagógica.
Neste sentido, destacamos a importância da formação continuada
como forma de estar pensando e adaptando práticas condizentes a
desconstrução de conceitos equivocados por parte dos profissionais da
educação, destacando a relevância de buscar novos conhecimentos por
meio de pesquisadores que tratam da temática, a necessidade de práticas
pedagógicas pensadas a partir da necessidade do contato com a natureza
para a interiorização da criança como ser pertencente a este meio, con-
siderando que a distância da natureza é prejudicial ao desenvolvimento
das crianças (TIRIBA, 2014; SANTOS, 2018; PIORSKI, 2016).
Concordamos com (PIORSKI, 2016), que as crianças aprendem
pelos sentidos, por meio do contato com o fogo, a terra, o ar e água, e
que os elementos da natureza, tem um significado muito maior que a
preservação do meio ambiente pensando na sustentabilidade das novas
gerações, que esta relação do humano com a natureza é uma força criadora.
O autor traz em seu livro Brinquedos do chão, “[...] que a imaginação da
criança encontra a natureza, ela se potencializa e se torna imaginação
criadora. A natureza tem a força necessária para despertar um campo
simbólico criador na criança ” (PIORSKI, 2016).
Partindo do pressuposto de que os elementos da natureza, desper-
tam nas crianças forças imaginativas e criadoras e que cada um desses
elementos tem uma característica e um significado próprio de um tipo
de brincadeira, percebe-se a necessidade dos profissionais de educação
infantil conhecer mais sobre a importância das crianças brincarem com
os elementos da natureza como espaços de pertencimento.

42
Formação Inicial e Continuada de Professores

Ao concluir as análises, compreende-se que ainda é necessários


processos formativos que possibilitem a constituição de percepções e
concepções por parte dos profissionais educadores da primeira infância,
que concebem o ser humano criança - e também o adulto - como seres
integrantes ou integrados a este grande plano de imanência chamado
natureza, ou universo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os estudos realizados neste trabalho e as informações


coletadas por meio da aplicação de questionários junto aos profissionais
de um sistema público de ensino, pode-se averiguar que estes possuem
conhecimento sobre a relevância da preservação dos recursos naturais
para a sustentabilidade das futuras gerações.
No entanto, ficou evidente que muitos dos educadores ainda apro-
priam-se de conceitos equivocados sobre o uso de materiais recicláveis,
biodegradáveis e sustentáveis, conceitos estes que estão imbricados em
práticas pedagógicas voltadas para uma concepção de preservação do
meio ambiente para a proteção dos recursos naturais.
Concordamos com (SANTOS, 2018), de que os documentos
reguladores e orientadores apontam a preocupação com a temática,
porém há equívocos na concepção expressa sobre a relação da criança
com a natureza.
Estes equívocos, se traduzem na prática em ações e hábitos do
cotidiano nas instituições de educação infantil que não permitem, ou
cerceiam o processo de compreensão dos educadores de reconhecer-se
como seres integrantes ou integrados, modos estendidos do universo,
que coexistem em um sistema de inter-relação com todos e tudo à sua
volta (SPINOZA, 2014; SANTOS, 2018).
Com isso destacamos a importância sobre a formação continuada
para os profissionais da educação infantil acerca das relações que as
crianças estabelecem com a natureza para além da visão de consumo
impregnado em discursos de preservação e sustentabilidade nas políticas
públicas educacionais baseados em um sistema capitalista.

43
Karina de Araújo Dias (org.)

É premente a necessidade de romper paradigmas em nossa socie-


dade contemporânea, de modo que principalmente nas instituições
educacionais, a percepção da importância da relação afetiva do humano
com a natureza seja restabelecida (SANTOS, 2018). Mas não apenas
de um saber genérico sobre essa relação, e sim um saber profundo, que
permita aos educadores e demais profissionais que atuam nas instituições
de educação infantil, compreender, nos moldes filosóficos e científicos,
como esse universo se constitui, bem como, todos os seres e coisas que
aqui coabitam.
Se alcançarmos esse pressuposto, se realmente conseguirmos
romper com o paradigma do pensamento moderno, então finalmente
veremos descortinar uma sociedade onde seres humanos sentem e pen-
sam como uma espécie da natureza, com-vivendo de modo a respeitar
o universo, a terra, os biossistemas e preservando os recursos naturais.
A consciência ambiental em nossa concepção se estende para além da
produção e consumo, ela vislumbra um humano que sente e pensa na e
com a natureza, pulsa com ela, e neste sentido, busca meios para com-
-viver de forma harmoniosa nesse Universo-Natureza, substância única
que tudo condensa e constitui.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Lei n.9.394/96. Brasília, DF: MEC/SEF, 1996.

_________. Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica – Resolução Nº 5, DE


17 DE DEZEMBRO DE 2009. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil.

CARVALHO, I. C. M. O sujeito ecológico: a formação de novas identidades na escola.


In: Pernambuco, Marta; Paiva, Irene. (Org.). Práticas coletivas na escola. 1 ed. Campinas:
Mercado de Letras, 2013, v. 1, p. 115-124.

DELEUZE, G. GUATTARI, F. O que é filosofia?. 3 ed. São Paulo: Editora 34, 2010.

GANDINI, L. HILL, L. CALDWELL, L. SCHWALL, C. O papel do ateliê na


educação infantil: a inspiração de Reggio Emilia. Porto Alegre: Penso, 2012.

PIORSKI, G. Brinquedos do chão: a natureza, o imaginário e o brincar. São Paulo:


Petrópolis, 2016.

44
Formação Inicial e Continuada de Professores

SANTOS. Z. C. W. N. Currículo do Brasil colonial à escola nova: fundamentos e


contribuições para o currículo da infância na contemporaneidade. In: GESSER, V.
VIRIATO, E. O. (orgs). Currículo: histórico, teorias, políticas e práticas. 1. ed. Curitiba,
PR: CRV, 2014. 107-124.

_________. Criança e experiência afetiva com a natureza. 1 ed. Curitiba: Appris, 2018.

SILVA, Aida. M. M. TIRIBA, Léa (Orgs.). Direito ao ambiente como direito à

vida: desafios para a educação em Direitos Humanos. São Paulo: Cortez. 2014.

SPINOZA, B. Ética. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

TIRIBA.L. CRIANÇAS DA NATUREZA. 2010. disponível em: http://portal.mec.gov.


br/docman/dezembro-2010-%20pdf/7161-2-9-artigo-mec-criancas-natureza-lea-tiriba/
file. Acesso em: 23/07/2021.

_________. Educação Infantil como direito e alegria. 1ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo:
Paz e Terra, 2018.

Nota: capítulo apresentado em evento. ALEXANDRINO, T. N. B; PEIXER, D. N. O;


PEIXER, D. N. O; SOUZA, C. V. O currículo proposto nas DCNEIS (2009) na per-
cepção de profissionais da educação infantil. In: EDUCERE – XV Congresso Nacional
de Educação, 2021, Curitiba – PR, “XV Congresso Nacional de Educação – Educação
das Infâncias, que será realizado de De 27 a 30 de setembro de 2021, na PUC PR.

45
EDUCAÇÃO DE GÊNERO NAS AULAS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA

Rogério Goulart da Silva9

INTRODUÇÃO

O presente capítulo analisa experiências investigativas sobre a


temática das relações de gênero no que se refere à diferença sexual10
feminina e masculina. Inicialmente faz-se uma breve introdução sobre
a temática a fim de situar os/as leitores/as no tocante à concepção, de
modo a auxiliar a interpretação tanto dos acontecimentos nas aulas de
Educação Física Escolar, quanto ao conteúdo implícito e explícito, lingua-
gem, procedimentos didático/pedagógicos utilizados pelos/as docentes.
O gênero está relacionado com as lutas dos movimentos feministas
e é um conceito construído social e culturalmente, busca compreender
as relações estabelecidas entre os homens, entre as mulheres e entre
homens e mulheres, os padrões que cada um assume na sociedade e as
relações de poder estabelecidas entre gêneros e intragêneros.
Como categoria analítica o gênero emergiu no fim do século
XX e serviu para a tomada consciência da opressão às mulheres. O
conceito implica que seja pensado de modo plural e que os projetos e
representações sobre mulheres e homens são diversos, pois existem vários
modos de ser homem e vários modos de ser mulher. Visto que uma das
preocupações nos estudos de gênero é evitar as oposições binárias11 fixas
e naturalizadas. Além disso, existem marcadores sociais como etnia,
classe social, nacionalidade, etc., que se inter-relacionam com o gênero
proporcionando uma dinâmica complexa e contraditória.
9
Doutor em Educação (Universidade de Barcelona - Espanha). Professor do Depar-
tamento de Educação Física (UFPR). CV: http://lattes.cnpq.br/1407219893122386
10
“... a diferença sexual é um dado interpretável, um dado sempre em movimento,
sempre em processo de conservação e mudança...” GARRETAS (2015, p.15). Diferença
sexual remete ao simbólico.
11
Desfazer o caráter permanente da oposição binária masculino/feminino. A dico-
tomia marca a superioridade do primeiro elemento sobre o segundo homem/mulher.

46
Formação Inicial e Continuada de Professores

Nesses termos, embora tenha sido questionado o gênero obteve


êxito no ambiente acadêmico, pois as discussões estavam relacionadas
às mulheres, brancas e de classe média, heterossexuais. Contudo Gar-
retas afirma que: “... gênero é uma categoria menos revolucionária do
que o patriarcado e a política sexual” (GARRETAS, 1994, p. 78). O
patriarcado é um tipo hierárquico de sistema de gênero responsável por
relações de sujeição, opressão e violência contra as mulheres enquanto
indivíduos e enquanto grupo, bem como de inferiorização do que é
considerado feminino. Para Machado (2000) o conceito de gênero não
implica deixar de lado o de patriarcado. O patriarcado fixou a noção
das relações hierarquizadas entre feminino e masculino com poderes
desiguais entre os sexos. O autor ressalta que gênero e patriarcado são
conceitos distintos e não opostos. O patriarcado possui um conceito fixo
contendo no seu bojo a dominação masculina. Já o conceito de gênero
remete a relações não fixas entre homens e mulheres. Nesse sentido, as
relações sociosimbólicas são construídas e podem ser transformadas.
Na base da categoria do patriarcado segundo Garretas (1994) exis-
tem dois conceitos e duas instituições para vida e história das mulheres
que é heterossexualidade obrigatória e o contrato sexual que estão ligados
entre si. A política sexual está diretamente ligada à heterossexualidade
obrigatória, heteronormatividade e ao contrato sexual. Isto é, refere-se
às relações de poder que foram estabelecidas e se estabelecem entre
homens e mulheres por razão do sexo. As relações de política sexual12
são prévias ao contrato social nas sociedades patriarcais, são, portanto,
prévias ao surgimento das desigualdades nas relações de produção que
determinam à pertença de classe, a qual supõe as mulheres incorporação
em uma classe social marcada pela subordinação, que é razão de sexo.
O contrato sexual para as mulheres lhes impõe uma perda da soberania
de si e do mundo. Isto não quer dizer, que as relações de política sexual
estão fora do social, tal como o social é entendido na ordem patriarcal. Na
origem e na base das relações de política sexual se situa historicamente o

12
Conceito formulado pelo movimento feminista da segunda metade do século XX.
A obra clássica sobre o tema Sexual Politics de Kate Millett foi publicada em 1969.

47
Karina de Araújo Dias (org.)

cancelamento da genealogia materna, que é de raiz. Este fato é impres-


cindível para entender, interpretar e escrever a história das mulheres.
A diferença sexual13 está relacionada diretamente ao corpo, um
corpo denominado feminino e um corpo designado masculino, ao
nascimento o feminismo chamou de “um fato nu e cru”. Em primeiro
lugar, implica dizer que inevitavelmente nasce-se homem ou mulher. E
isso é uma qualidade que incide na relação das pessoas com o mundo;
há um movimento de intersexos que lutam pela visibilidade, de serem
registradas como sexo indefinido. Em segundo lugar emerge nas relações,
no sentido de reconhecer a diferença dentro da diferença, apontando que
mulher e homem não constituem simples aglomerados; elementos como
cultura, etnia, classe, geração, religião, etc. que devem ser ponderados
e inter-relacionados.
Na análise de gênero o sexo é uma construção social e afirma-se
que ao deslocar o sexo, há uma negação do significante que leva incor-
porado o corpo-sexuado, um corpo que assimila um entrelaçamento de
significados entre o biológico, psicológico e cultural. Pois, a experiência
de viver no corpo-sexuado não pode emudecer nem tampouco pode ser
reduzida a categorias socialmente construídas.
Ao verificar-se a história da educação e como se deu o acesso das
mulheres à escolarização, esta mostra que ocorreu de forma mais morosa
do que para os homens, com o tratamento continuamente desigual. No
início do século XIX, as mulheres brasileiras em sua grande maioria
viviam enclausuradas em antigos preconceitos e imersas numa rígida
indigência cultural. O direito básico de aprender a ler e a escrever era
até então reservado ao sexo masculino. A primeira legislação autori-
zando a abertura de escolas públicas femininas data de 1827, escolas de
primeiras letras. As opções eram uns poucos conventos que guardavam
as meninas para o casamento, raras escolas particulares nas casas das
professoras ou o ensino individualizado, todos se ocupando apenas com
as prendas domésticas.
13
O conceito de diferença sexual foi formulado junto com o patriarcado, política
sexual e, uma vez entendido de modo reducionista da biologia como destino, havia
desconfiança desta concepção.

48
Formação Inicial e Continuada de Professores

Havia escolas, em maior número para meninos, mas também


para meninas; escolas fundadas por congregações e ordens religiosas
femininas ou masculinas; escolas mantidas por leigos, professores para
as classes de meninos e professoras para as meninas. Os professores e
professoras deveriam ser pessoas de moral irrefutável. As tarefas desses
mestres e mestras não eram, contudo, exatamente as mesmas. Ler,
escrever e contar, saber as quatro operações, mais a doutrina cristã, nisso
consistiam os primeiros ensinamentos para ambos os sexos. Mas logo
algumas distinções apareciam: para os meninos, noções de geometria;
para as meninas, bordado e costura.
No século XIX o Brasil tinha um número reduzido de escolas e
as existentes ocupavam espaços improvisados. A oferta de escola que
atendesse os dois sexos ao mesmo tempo demorou a se consolidar. Já
na maior parte do século XX, as taxas de alfabetização e demais níveis
de educação dos homens eram superiores aos das mulheres. Segundo as
abordagens de gênero, as diferenças nos níveis educacionais não decorrem
devido às características biológicas, mas sim das condições históricas e
estruturais da conformação da sociedade.
Com as lutas dos movimentos feministas e sua influência na
educação escolar, pode-se dizer que com sua efervescência no final da
década de 60 e início dos anos 70, emerge a escola mista na aspiração
de igualdade entre homens, mulheres, meninos e meninas. De acordo
com Subirats (1988) a partir do momento em que o modelo masculino
é imposto, a desigualdade é evidente, ou seja, há um debate sobre o
modo de educar os meninos; e no caso das meninas, se estas devem ou
não receber a mesma educação.
No mundo educacional a luta em favor das meninas, adolescentes
e mulheres, ainda que seja possível constatar sua inserção nas escolas,
nas universidades e no mundo do trabalho, sofreu um eco tardio e insu-
ficiente. Apesar da emancipação alcançada, meninas, mulheres, meninos
e homens continuam sendo educadas/os sob os valores de um modelo
androcêntrico, isto é, educam-se meninas com meninos e não há espaço

49
Karina de Araújo Dias (org.)

para a dupla socialização. Tal modelo também atinge negativamente o


sexo masculino.
Disto decorrem, alguns interrogantes ainda vigentes: a escola é
uma instituição que fomenta a igualdade de direitos entre os sexos ou é
um cenário em que a ordem simbólica é masculina?; A escola contribui
à igualdade ou desigualdade sociocultural das mulheres?; Nas interações
em aula quem fala a quem, como, quando, porque, quanto e de que
maneira?; Na escola há equidade de gênero?
Nas referências às escolas tem-se em mente que a escola mista é
um meio imprescindível para que haja coeducação14, mas não é suficiente
para que esta ocorra. Na escola mista a coeducação pode se desenvolver,
mas não sem medidas claramente guiadas pelos professores, com amparo
de políticas públicas que objetivem o fim da desigualdade entre os sexos
e sem a homologação do feminino ao masculino.
A escola é um espaço privilegiado da socialização, mas tem pesos
distintos aos sexos. Hábitos e atitudes de ordem, limpeza, submissão
e expressão são geralmente privilegiados na socialização das meninas,
coincidem com as atitudes requeridas na escola, o que nem sempre
acontece com o processo de socialização dos meninos. Os/as professo-
res/as devem estar atentas/os às suas atitudes e omissões que reforçam
preconceitos de gênero na atenção diferenciada a meninos e meninas:
por exemplo, aceitar atitudes inadequadas dos meninos com argumen-
tos de naturalização “homem é assim mesmo”, e censurar atitudes das
jovens com o argumento de “não fica bem para uma menina”, quando o
correto é chamar a atenção de umas e outros recorrendo ao rol de direitos
e deveres do cidadão e não de estereotipar comportamentos e atitudes.
Tendo presente esse processo cultural, nas diferentes experiências
investigativas realizadas nas escolas com o ensino fundamental e médio,
pergunta-se como os/as professores/as de Educação Física intervêm nos

14
A escola coeducativa considera três aspectos fundamentais para a transformação
das relações de gênero: 1) igualdade de oportunidades 2) a diversidade que valoriza a
identidade de cada um a partir da diferença e, 3) a equidade, que respeita as caracte-
rísticas únicas de alunos e alunas.

50
Formação Inicial e Continuada de Professores

conflitos de gênero presentes nas aulas mistas, aos estereótipos sexuais


e às atitudes sexistas?

DESENVOLVIMENTO

A pesquisa deste tema nas aulas de Educação Física do ensino


fundamental e médio exige entendimento de como a Educação Física foi
historicamente construída. A história da área mostra que as capacidades
e potencialidades femininas não foram integralmente desenvolvidas,
pois existe prioridade de treinamento corporal de ambos os sexos e os
direcionamentos promovem objetivos diferentes. Com isto é possível
dizer que a aula de Educação Física é lugar da educação corporal regrada
nos esportes e tem propagado a igualdade de direitos, mas ocultado a
desigualdade entre os sexos.
Destarte, na observação de campo verificou-se que há resistência
dos/as professores/as e alunos/as em realizar atividades conjuntas na
Educação Física. Muitas vezes a presença das meninas representou des-
conforto para os meninos, geralmente detentores de maior experiência
e, consequentemente, habilidade nas atividades propostas; as meninas,
por sua vez, sentiam-se incomodadas com as críticas dos meninos, sua
referida superioridade física, falta de delicadeza entre outros aspectos.
As diferenças da participação e comportamento de meninos e
meninas nas aulas são vistas apenas como diferenças biológicas, sem
considerar as influências socioculturais a que todos estão sujeitos. Toda-
via, é necessário entender como as meninas e meninos se socializam no
âmbito educativo escolar e fora dele, analisando os aspectos biológicos
conjuntamente com os sociais.
Por estas razões, muitos/as professores/as preferem trabalhar com
a separação dos sexos, e não de turmas, pois na prática esta separação é
evidente tanto em turmas separadas por sexo quanto nas turmas “mistas”
que são reagrupadas conforme o sexo.
A polarização das atividades é acontecimento frequente obser-
vado nas escolas, pois na maioria das vezes meninos jogavam futebol
e meninas, vôlei. Eles praticavam esportes numa quadra, meninas na

51
Karina de Araújo Dias (org.)

outra; ou primeiro jogavam as meninas, depois, meninos. Notou-se


também a preocupação com a separação dos sexos, meninos e meninas
formavam filas separadas com o endosso dos professores em atividade.
Apesar de pautarem as relações de gênero percebeu-se que pouco
se fez para modificar a situação. Um dos motivos é a dificuldade de
reconhecer ações estereotipadas, comodidade de docentes, falta de inte-
resse pelo tema e o pouco caso com relação à necessidade de discutir a
intencionalidade docente nas aulas.
A realidade poderia ser diferente uma vez que meninos e meni-
nas atuam juntos durante o recreio, pois são atividades não dirigidas.
Sobre o tempo e espaço do recreio, verificou-se que meninas e meninos
jogavam futebol juntos. Considerou-se que existe no imaginário docente
preconceito frente às possibilidades/potencialidades de meninos e meni-
nas, reflexo da educação tradicional que educa no juízo paternalista. Tal
atitude excluiu mulheres nos esportes e demais práticas na Educação
Física, presentes na divisão sexual do trabalho que especializa os sexos
em tarefas próprias e específicas.
Quando as aulas de Educação Física são restringidas ao conteúdo
esportivo não cabe frisar que o esporte pertence ao domínio masculino,
ponto central na construção da mascunilidade. Whitson citado por
Flinntoff (1991) afirma que as práticas femininas e masculinas associadas
com o corpo são o centro da construção da masculinidade e feminilidade.
A educação física tem importante papel porque trabalha com atividades
corporais. Segundo Dunning (1992) o desporto continua revestido pelos
valores e estruturas predominantemente patriarcais. O desporto moderno
nasceu como parte de uma transformação “civilizadora” e, apesar desta
representar leve mudança na balança entre os sexos, contribui às expres-
sões simbólicas do machismo; embora o acesso das mulheres ao mundo
esportivo seja recentemente reconhecido, o processo de socialização
distinto em casa e na escola marca a participação feminina no esporte.
Há que reconhecer que o nível de atividade física e desportiva das
mulheres é inferiorizado, tanto no campo esportivo quanto no recreativo.
Nesse sentido, a intervenção docente pode fazer a diferença, pois de

52
Formação Inicial e Continuada de Professores

acordo com Costa & Silva (2002) as aulas de Educação Física na escola
talvez signifiquem, em muitos casos, a única possibilidade das meninas
aprenderem e desenvolverem as atividades físicas e corporais. Assim, se
meninos e meninas, juntos, realizavam atividades no recreio, o mesmo
deveria acontecer nas aulas de Educação Física. Sugeriu-se aos docen-
tes observarem com atenção que tipo de fenômenos relacionais entre
meninos e meninas acontecia nos horários do intervalo, verificando em
que medida sublimava as normas vigentes das concepções pedagógicas.
Entretanto, nos momentos de aula, havia situações contraditórias,
as meninas reclamaram dos meninos dizendo que os mesmos estavam
“...dando bolada na cara, na barriga da gente...” e solicitaram a interven-
ção docente no jogo de futebol. Este respondeu rispidamente: “Quem
mandou vocês jogarem com os meninos, eu mandei vocês jogarem aí?!” Ao
analisar essa situação o docente esclareceu que considerava as meninas
culpadas por invadirem o território masculino e que cada um deve ficar
no seu lugar, ou seja, existe divisão do espaço escolar. É uma concepção
que define os territórios com base darwinista. Em tal situação, ganham
notoriedade as argumentações de origem biológica de agressividade que
se baseiam nos traços instintivos.
A conotação docente, ao enfatizar que os meninos são mais agres-
sivos e as meninas passivas, naturalizando a diferença, contribui para
reforçar estereótipos de feminilidade e masculinidade. Se a agressividade
é um traço instintivo, é também um componente básico tanto da perso-
nalidade masculina como feminina e o modo de expressão dos instintos
é de natureza sociocultural. Ou seja, culturalmente, os meninos crescem
testando sua força física, habilidade e valentia, neste caso o esporte é
um campo masculino de expressão dessas qualidades.
Os/as professores/as participantes nas diferentes pesquisas reali-
zadas nas escolas acreditavam existirem atividades específicas para cada
um dos sexos. Os alunos e as alunas perceberam suas expectativas e os
papéis que deveriam ser desempenhados quanto à questão gênero. Tais
atitudes contribuíram para a consolidação e perpetuação dos estereó-
tipos, e o trabalho integrado entre as meninas tornou-se praticamente

53
Karina de Araújo Dias (org.)

impossível. No cruzamento das fronteiras, as trocas, a solidariedade


e conflitos foram ignorados ou negados. Contudo, urge-se ultrapassar
questões e caracterizações dicotômicas, mas há que reconhecer que
muitas das observações – do senso comum ou proveniente de pesquisas
– se baseiam em concepções ou em teorias que supõem dois universos
opostos: o masculino e o feminino. Porém, existem diferenças entre os
sexos e entre homens e entre mulheres, fatos essenciais para que haja
equidade entre os sexos.
Nas escolas do ensino fundamental e médio as aulas mistas nem
sempre foram coeducativas, muitas vezes não foram nem mesmo mistas,
pois reafirmaram valores e normas do modelo masculino, tais como:
ocupação diferenciada do espaço físico durante as aulas; uso da linguagem
no masculino; desvalorização dos saberes da cultura feminina; assédio
sexual; norma masculina para conteúdos e atenção. A maioria das aulas
de Educação Física não constituiu um lugar destinado à aprendizagem
consistente, pois os conteúdos demonstraram educação dirigida ao
desempenho. Isto é, alguns meninos não tiveram oportunidade de
aprender e as meninas foram, na maioria, excluídas. Assim, meninos
que não tinham habilidade também foram vítimas do modelo imposto.
Há, portanto, que rever métodos, objetivos, conteúdos e procedimentos
didáticos já que alunos e alunas devem aprender em relação.
O educar em relação se remete a Pedagogia da diferença sexual,
pois faz duas perguntas: a) relação entre quem e b) que relação. A relação
é entre homens e mulheres e a relação é de disparidade, ou seja, entre
seres que não são iguais e porque não são iguais cuja forma oscila entre
autoridade e poder. A autoridade é um mais, que é de qualidade simbó-
lica das relações e que é uma figura de intercâmbio; que não se encarna,
senão que existe enquanto circula. Exige-se um esforço para romper
com a exclusão e a homologação do feminino ao masculino, daí que é
necessário reinventar a estrutura simbólica do desejo e do intercâmbio. A
disparidade e autoridade são dois apoios do desejo distintos do poder ou
de descentramento do poder nas relações educativas, isto é, atua-se com
o máximo de autoridade e ao mesmo tempo com o mínimo de poder.

54
Formação Inicial e Continuada de Professores

Quando a relação e a prática da relação são colocadas no centro


entre os/as atores/as os envolvidos/as transformam-se mutuamente, sob
o valor simbólico feminino e materno, na liberdade relacional, na expe-
riência, há uma relação aberta, disposta à troca com atenção aos sentidos.
A tomada de consciência na relação da prática política entre as
mulheres necessita de uma medida simbólica própria e de mediação femi-
nina; por um saber que nasce na escola e não fora dela, para valorizar-se
e apoiar-se à prática fundamentada na relação, qualificando o ensino e a
aprendizagem na escola. Educar na esfera da diferença sexual significa
cuidar da relação buscando encontrar a medida justa, com palavras e
gestos que orientem e motivem a organização do pensamento. Há que
saber entrar na história do outro encontrando sua subjetividade, cuidando
das emoções de modo que haja sintonia entre o coração pensamento e
gesto. Ensinar com o corte da diferença significa segundo Piussi:
(...) autorizar a relação com as outras e com os outros
para reabrir as formas do saber, também do tradicional,
mostrando seus vazios, mas também fazendo falar numa
ordem de sentido distinta, que corresponda com o nosso
desejo de significação e de verdade com nossas alunas
e alunos, partindo do nosso presente comum: de modo
que haja intercâmbio entre palavras e vida, entre ordem
simbólica e experiência, a experiência de cada aluna e
cada aluno. (PIUSSI, 2001, p. 163)

Numa das escolas pesquisadas, muitas vezes as meninas senti-


ram-se inferiorizadas em relação aos meninos porque não possuíam o
mesmo nível de experiência nos jogos e julgavam-se incapazes de rea-
lizar as atividades propostas. Este fato tornou-se evidente nos inúmeros
comentários realizados pelas meninas do 6º ano tais como: “Não entendi!”
Muitas meninas chegaram a questionar a respeito do seu desempenho:
“Joguei bem?!” Os meninos, contudo, “ foram à forra” em um território
eminentemente sexista, pautado no rendimento, contribuindo à baixa
autoestima das meninas com os seguintes comentários: “Corre sua anta!”;
“Burras!” Analisando estas situações o professor ao invés de intervir e
mediar os conflitos para evitar a discriminação sofrida por elas silenciava
e concordava com os comentários misóginos dos meninos, reforçando e

55
Karina de Araújo Dias (org.)

consolidando as atitudes sexistas. Estes dizeres depreciaram as meninas


quanto ao seu conhecimento, fizeram crer que as mesmas não estavam
comprometidas com o aprendizado ou ainda que não fossem suficien-
temente capazes de aprender algo, que não tinham experiência anterior.
Inúmeras vezes o professor de uma das escolas comentou com os
meninos que as mulheres deveriam jogar futebol para que os homens
pudessem vê-las com “aqueles shorts pequenos” e que na verdade elas não
eram capazes como os homens.
Neste sentido, a linguagem, as táticas de organização, classificação,
distintos procedimentos escolares refletem exercícios desiguais de poder.
Remetem a pensar que a escola não só transmite conhecimentos, nem
mesmo só os produz, mas que ela também fabrica pessoas sujeitadas.
Houve desvalorização das alunas como sujeito cognitivo, centrando a
atenção aos atributos físicos. Este tipo de comentário não se distancia das
piadas sexistas que agridem as mulheres, as desconcertam e fazem com
que as mesmas sintam-se mal e deslocadas, dificultando a participação
e aprendizagem. O assédio é uma das formas dos meninos demonstra-
rem masculinidade nas escolas mistas e, de acordo com Scraton, (1993)
é um sério problema, intensificado quando se trabalha com atividades
centradas no físico. Deve-se observar o assédio sexual e se as atitudes dos
meninos servem à atenção e à necessidade de disciplina, assim como às
atitudes com as meninas à condição de grupo silencioso ou “sem rosto”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os diferentes estudos de gênero e sexualidade têm confirmado


que o sistema escolar mantém perfil androcêntrico e competitivo, onde
as meninas e as atividades consideradas femininas são neutralizadas e
ignoradas. Porém, meninos também foram vítimas do modelo vigente,
pois não tiveram liberdade de escolha. Nas aulas de Educação Física e
nos demais ambientes gostar de esporte e principalmente de futebol é
obrigação para qualquer menino, atingindo negativamente o sexo mas-
culino. Há reprodução do sexismo nos papéis masculinos e femininos

56
Formação Inicial e Continuada de Professores

permeando o processo educativo nas aulas de Educação Física, em razão


de uma formação inicial deficitária à temática em pauta.
Para modificar a situação encontrada nas diferentes escolas de
ensino fundamental e médio é necessário explicitar a questão dos gêneros
feminino e masculino nas aulas. Mas pode originar algumas tensões, já
que serão questionados princípios, hierarquias que têm sido naturalizados
ao longo da história. É essencial desvelar as discriminações as quais
sofrem as mulheres com as atitudes sexistas, indiferentes, compensató-
rias, marginais, e de igualdade, que ocultam as reais desigualdades entre
os sexos. Na medida em que as/os docentes começarem a empreender
imagens positivas sobre as mulheres permitirão que estas participem
e aprendam as atividades propostas para que se tornem sujeitos de
aprendizagem.
Para que isto aconteça nas aulas, é importante chamar as alunas
e alunos pelo nome e apoio quando necessário. Propor conhecimento
que não seja exclusivamente neutro ou masculino, oferecer modelos
femininos às alunas que sirvam de referência e modelos masculinos,
na devida parcialidade. Os docentes devem pensar a prática implícita
nos conteúdos curriculares, na linguagem, na oportunidade do papel
social, na mediação com as alunas e alunos, etc. Do mesmo modo que é
necessária a transformação da Educação Física mista à Educação Física
coeducativa direcionando a formação para ambos os sexos, valorizar a
participação de todos/as.
É trabalhoso educar grupos numerosos com diferentes níveis de
experiência, habilidades, interesses, etc. Mas, existem alternativas de
trabalhos em grupos com diferentes formações e atividades, inclusive
com desafios, metodologia cooperativa, etc. Importante destacar que
os/as alunos/as não necessitam fazer o mesmo tipo de atividades, mas
que tenham opções, pois há risco de estereotipá-las. Para transformar
a situação deve ser respeitado o tempo de aprendizagem e experiência
individual porque o processo é distinto para cada um.
Ao reportar a experiência, o intuito não é o de oferecer receita
pedagógica, se não que a intenção é a de discutir o papel dos/as pro-

57
Karina de Araújo Dias (org.)

fessores/as frente ao tema dos gêneros presente tanto no contexto de


atuação, quanto nas relações cotidianas. Por isso devem manter vivas
as perguntas que os colocam em xeque; quiçá com elas, como ponto de
partida, seja possível realizar transformações tanto em nível individual
quanto coletivo.

REFERÊNCIAS
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rença? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v.23, n.2, p.43-54, jan.2002.

DUNNING, E. El Deporte como Coto Masculino: Notas sobre las fuentes de la


identidad masculina y sus transformaciones. In: Deporte y ocio en el proceso de la
civilización. ELIAS, N.; DUNNING, E. (org.). Madrid: Fondo de Cultura Económica,
p.323-342, 2002.

FLINTOFF, A. Dance, Masculinity and Teacher Education. The British Journal of


Physical Education, 22(4), p. 31-35, 1991.

GARRETAS, M.M.R. Nombrar el mundo en femenino. Pensamiento de las mujeres


y teoría feminista. Barcelona: Icaria, 1994.

GARRETAS, M.M.R. La diferencia sexual en la historia. Valencia: Publicaciones


Universitat de Valencia, 2005.

MACHADO, L. Z. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado


contemporâneo? Brasília, [s. n.], 2000. Disponível em: http://dan.unb.br/images/doc/
Serie284empdf.pdf Acesso em: 04 de abril 2021.

PIUSSI, A. M. Educare nella differenza. Torino: Rosemberg & Sellier, 1989.

PIUSSI, A. M. Dar clase: el corte de la diferencia sexual. In: Educar en femenino y en


masculino. BLANCO, N. (coord.). Madrid: Akal, p. 145-165, 2001.

SCRATON, Sheila. Equality, Coeducation and Physical Education in Secondary


Schooling. In: Equality, Education & Physical Education. EVANS, J. (Ed.) London:
Falmer Press, p. 139-153, 1993.

SUBIRATS, M. Rosa y Azul. La transmisión de los géneros en la escuela mixta. Madrid:


Instituto de la Mujer, 1988.

58
FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES/AS EM GÊNERO,
SEXUALIDADE E DIVERSIDADE: RELATO
DE EXPERIÊNCIA EM ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL DE SANTA CATARINA

Juliana Lamas Souza15

INTRODUÇÃO

Pensar na formação continuada no espaço escolar e dos/as pro-


fissionais que atuam na escola é essencial para que esse espaço possa
acompanhar todo o conhecimento científico e teórico que, na maioria
das vezes, é produzido fora dele e que está em incessante transformação.
Peça fundamental dessa engrenagem é a união do conhecimento teórico
produzido na academia e a prática (vivência) produzida na escola, não
que esses espaços não possam estar se intercalando na produção do
conhecimento.
Partindo do pressuposto de que a formação inicial (graduação)
seria a base para o exercício da profissão do/a professor/a, a “formação
continuada refere-se às propostas ou ações (cursos, estudos, reflexões)
voltadas, em primeira instância, para aprimorar a prática profissional
do professor”. (FIGUEIRÓ, 2006, p. 91). Ou seja, a união da formação
inicial e a formação continuada são fundamentais para a qualidade do
ensino e desempenho do/a professor/a.
Buscando a melhor interseção entre a teoria, prática e o aprendizado
contínuo, apresento aqui dois momentos de formação continuada que
fui responsável por gerir na escola pública estadual que atuo desde 2018,
escola EEB José Maria Cardoso da Veiga, situada no bairro Enseada de
Brito, município de Palhoça, estado de Santa Catarina. A escola atende

15
Especialista em Gênero e Diversidade na Escola (UFSC). Orientadora Educacional
(SEDSC). CV: http://lattes.cnpq.br/0095779459684526

59
Karina de Araújo Dias (org.)

o Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais) e o Ensino Médio,


tanto no período diurno como noturno.
Participaram desses dois encontros de formação continuada pro-
fessores/as de todos os níveis atendidos. O objetivo desse capítulo é
compartilhar esses dois momentos de formação, que tiveram como foco a
importância de abordar as temáticas de gênero, sexualidade e diversidade
no espaço escolar. Houve outros momentos de formação na escola em
que essas temáticas foram expostas dentro de outros contextos, mas me
basearei aqui apenas nesses dois encontros, pois a intenção é detalhar
os tópicos que foram discutidos para que seja possível perceber com
mais minúcia como esses temas podem e devem ser abordados numa
perspectiva emancipatória em todas as unidades de ensino.
A primeira formação continuada ocorreu no ano de 2018, durante
uma parada pedagógica na escola, com a participação de todos/as pro-
fessores/as e da equipe gestora da escola, com duração aproximada de
3 horas. Neste primeiro momento o foco era abordar as temáticas de
gênero e sexualidade, trazendo alguns conceitos e dicas de abordagens
no espaço escolar.
A segunda formação que irei destacar nesse capítulo ocorreu no ano
de 2021, em plena pandemia do COVID-19, e embora parte da equipe
já estivesse atuando presencialmente na escola, ainda se fazia necessário
seguir protocolos de segurança sanitária que incluíam distanciamento
social. Esse diálogo ocorreu então de forma remota, através da plataforma
Google Meet, com duração aproximada de 2 horas, e teve uma abordagem
mais ampla, incluindo as temáticas relacionadas a diversidade, além de
gênero e sexualidade.
Neste capítulo começo defendendo a importância de inserir as
temáticas de gênero, sexualidade e diversidade na formação continuada
de professores/as e gestores escolares. Em seguida, apresento os dois
momentos de formação continuada, detalhando as abordagens realizadas
em casa um deles. Para finalizar, destaco também algumas informações
obtidas através de um questionário aplicado via Google Forms, identifi-

60
Formação Inicial e Continuada de Professores

cando as percepções que os/as participantes possuíam sobre as temáticas


e o conhecimento adquirido.

QUAL A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO


CONTINUADA EM GÊNERO E SEXUALIDADE?

É fundamental salientar que a formação do/a professor/a inicia


na graduação, no entanto, as inúmeras novas experiências que esse
profissional irá vivenciar serão de grande relevância para sua formação
integral e para sua prática profissional. Na verdade, Figueiró (2006, p.
90) aponta que antes mesmo de ingressar na formação inicial, “a pessoa
vai construindo suas representações sociais, seus significados do que seja
a escola, o ensino, o papel do professor e do aluno, e assim por diante”.
Sabe-se que durante a formação inicial e até antes de ser professor/a,
na sua trajetória enquanto estudante, as temáticas que envolvem gênero e
sexualidade normalmente não são abordadas, são vistas e tratadas como
tabu. Conforme Figueiró (2006) a história da sexualidade vem sendo
reprimida e controlada ao longo dos anos pela família, igreja, escola,
etc. A partir da vivência dessa repressão as pessoas vem praticando uma
auto-repressão.
O fato é que mesmo sem formação para trabalhar gênero e sexua-
lidade na escola, o/a professor/a irá muitas vezes se deparar com essa
demanda no seu dia a dia, afinal, as manifestações da sexualidade fazem
parte da natureza de todos/as e vão estar presentes em todos os momentos
e não são temáticas apenas das aulas de Ciências ou Biologia. Ou seja:
A sexualidade é uma dimensão humana que vai além
da sua determinação biológica, pois é, também, cul-
turalmente determinada. As informações sobre ela
trabalhadas na escola precisam envolver reflexão, tanto
individual, quanto coletiva, pois é esse exercício que
permitirá ao educando reconhecer-se como sujeito de sua
sexualidade, capaz de construir relações mais saudáveis
e positivas e capaz ainda, de identificar possibilidades
de interferir no curso da sua vida e da coletividade.
(FIGUEIRÓ, 2006, p. 17)

61
Karina de Araújo Dias (org.)

Partindo dessas premissas acima, o papel do/a professor/a que


trabalha essa temática de forma “humanizadora”, sem estigmas e sem
preconceitos, será peça fundamental na vida desses/as estudantes. Além
disso, a relação entre professor/a e estudante poderá se tornar muito mais
significativa para o/a professor/a, pois “pode dar-lhe aprimoramento em
sua capacidade de ser empático com os alunos e nas habilidades neces-
sárias para trabalhar valores, atitudes e sentimentos”. (FIGUEIRÓ,
2006, p. 94)
A partir do pressuposto que os cursos de licenciatura não abordam
suficientemente essa temática, é através da formação continuada que
professores/as terão as informações necessárias para lidar com as situações
que surgirão em sala: “primeiro, a reeducação sexual para o professor e,
num segundo momento, a formação, para que possa oportunizar a edu-
cação sexual a seus alunos. Essas duas etapas podem também acontecer
de forma concomitante”. (FIGUEIRÓ, 2006, p. 289).

FORMAÇÃO CONTINUADA NA ESCOLA: GÊNERO


E SEXUALIDADE NO ESPAÇO EDUCATIVO

A primeira formação continuada que fui responsável na EEB José


Maria Cardoso da Veiga envolvendo essas temáticas ocorreu na sala
de informática da escola com a projeção de slides e recursos de áudio e
vídeo. Também foram expostos pelo espaço vários recursos para o tra-
balho de gênero e sexualidade na sala de aula, como livros (alguns para
a educação infantil e outros para o trabalho com adolescentes), jogos e
bonecos sexuados (com os órgãos genitais).
Durante esse curso foi abordada a dificuldade e a importância
de trabalhar as temáticas que envolvem sexo e sexualidade no espaço
escolar, com destaque para o fato de que muitos de nós não recebemos
essa educação sexual formal na nossa trajetória formativa, mas de alguma
forma ela ocorreu. Contudo, relembramos que mesmo que não estejamos
falando diretamente sobre a temática, ainda assim estaremos educando
sexualmente, seja por uma fala equivocada ou mesmo se recusando a
abordar o assunto.

62
Formação Inicial e Continuada de Professores

Foi apresentada ao grupo a legislação que prevê o debate dessas


temáticas no espaço escolar: os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), temas transversais, volume 10 – Pluralidade Cultural e Orien-
tação Sexual16.
Os PCNs são referenciais que têm como intuito conduzir as equipes
pedagógicas dentro do espaço escolar, elaborados pelo Governo Federal.
São divididos em disciplinas e em temas transversais, ou seja, que devem
perpassar todas as disciplinas e espaços escolares (BRASIL, 1997).
As temáticas trabalhadas na orientação sexual podem ser molda-
das conforme as necessidades, no entanto, os PCNs as dividem em três
blocos: corpo – matriz da sexualidade, relações de gênero e prevenção
às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS. O bloco corpo – matriz
da sexualidade pode ser trabalhado nas áreas de Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação
Física. O conteúdo a ser trabalhado pode ser: as mudanças no corpo,
respeito, reprodução, concepção, gravidez, parto, etc. O bloco relações
de gênero está diretamente relacionado a equidade entre os sexos. Cabem
nas áreas de História e Educação Física e tratam os seguintes temas:
o que é ser menino e ser menina, respeito a diferença e a diversidade
de comportamentos, etc. Já o bloco prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis está diretamente relacionado ao seu título, assim como o
conhecimento, a compreensão e o respeito as DSTs. Vincula-se as áreas
de Ciências Naturais e Língua Portuguesa. (BRASIL, 1997)
O trabalho de educação sexual nos PCNs recebe o nome de
orientação sexual, e em nenhum momento é realizada uma explicação
sobre o motivo da escolha dessa nomenclatura. No entanto, é necessário
explicar que “a expressão orientação sexual, diz respeito a direção do
desejo sexual do indivíduo, que pode ser heterossexual, homossexual
ou bissexual”. (FIGUEIRÓ, 2006, p. 49)

16
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâ-
metros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual. v. 10. Brasília: MEC, 1997.

63
Karina de Araújo Dias (org.)

Segundo o professor Cesar Nunes17, a abordagem da sexualidade


perpassa por 3 áreas: na primeira, a abordagem recebe o nome de Sexua-
lidade Humana e está diretamente relacionada a Medicina (Biologia);
já a segunda é a Orientação Sexual (utilizada nos PCN´s) diretamente
relacionada à Psicologia e à Educação Sexual que faz parte da terceira
área da Pedagogia (Ciências Humanas), destacando que cada área dessas
vai ter um foco específico e abordará a sexualidade conforme a sua área.
Voltando ao relato da dinâmica da formação e ao conteúdo tra-
balhado, também foi apresentada a diferenciação entre sexo e sexuali-
dade. Segundo Guimarães (1995, p. 23) “sexo é relativo ao fato natural,
hereditário, biológico da diferença física entre o homem e a mulher. No
mundo moderno o significado dominante do termo passa a ser fazer
sexo”. A autora segue definindo sexualidade com “um substantivo abstrato
que se refere ao ser sexual. Comumente é entendido como vida, amor,
relacionamento, sensualidade, erotismo, prazer” (GUIMARÃES, 1995,
p. 23). Nesse sentido, Louro (1997, p. 21) afirma que “a sexualidade
envolve não somente os órgãos genitais, mas todas as zonas erógenas
do corpo, assim como vontades, desejos, fantasias associadas a sexo”.
Debater os conceitos certamente torna mais fácil a compreensão
de que sexo é marca biológica, e que ele é comum a todos os seres vivos,
sejam eles racionais ou irracionais, já a sexualidade está relacionada à
cultura. São os discursos que cada povo constrói acerca da vivencia do
sexo; são os valores morais, religiosos, eróticos, estéticos, que variam
de acordo com cada momento histórico. E se entendemos que a sexua-
lidade é uma construção sócio-histórico-cultural, entendemos também
que cada um de nós é responsável por esta construção. A sexualidade
faz parte da constituição de cada indivíduo, pois já nasce com ele, não é
formada ao longo dos anos e muito menos manifestada em determinada
época ou idade.
A questão premente que surgiu no diálogo com o grupo é como
trabalhar educação sexual com crianças; e foram indicados títulos que

17
Aula expositiva realizada na disciplina Construção social da sexualidade humana no
curso de Especialização em Educação Sexual realizada no dia 10 de outubro de 2003.

64
Formação Inicial e Continuada de Professores

podem estar auxiliando no trabalho de Educação Sexual, como: Coleção


Educação Sexual – Perguntas e Respostas, de Cida Lopes18; Somos iguais
mesmo sendo diferentes, de Marcos Ribeiro19 ; Até as princesas soltam pum,
Ilan Brenman e Ionit Zilberman 20; Pipo e Fifi, Carolina Arcari 21.
Como não poderia deixar de acontecer, apresentamos concei-
tos de gênero, assim como discutimos a construção de papeis sociais,
igualdade e equidade, identidade de gênero e orientação sexual. Para
tanto, foi fundamental a contribuição de Joan Scott especificamente
para a definição da categoria gênero. A autora considera que a utilização
mais recente desse termo começou a surgir no discurso das feministas
americanas, que acreditavam que não se deveria estudar apenas o “sexo
oprimido”. Na mesma linha, ela relata abordagens utilizadas pelas
historiadoras feministas e destaca que gênero começou a ser utilizado
como sinônimo de mulheres, ou seja, o termo mulheres foi substituído
por gênero. No entanto, Scott (1995, p. 7) diz que “gênero tem uma
conotação mais objetiva e neutra do que mulheres”. O termo gênero já
havia sido utilizado na oposição entre masculino e feminino, mas Scott
diz que apenas no século XX passa a ser entendido como categoria de
análise, ou seja, como uma forma de se expressar sistemas de relações
sociais. Para Scott (1995, p. 14), o conceito de gênero divide-se em duas
proposições, “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um
primeiro modo de dar significado as relações de poder”.
Grossi (1998) concorda com Scott quando ao entender que gênero
é determinado historicamente e que, além de ser construído através
da diferença dos sexos, ele dá sentido à diferença, e pode ser concei-
tuado como:

18
LOPES, Cida. Coleção Educação Sexual – Perguntas e Respostas, BrasilLei-
tura, 2000.
19
RIBEIRO, Marcos. Somos iguais mesmo sendo diferentes. São Paulo:
Moderna, 2012.
20
BRENMAN, Ilan. Até as princesas soltam pum. São Paulo: Brinque-Book, 2008.
21
ARCARI, Carolina. Pipo e Fifi: prevenção de violência sexual na infância. 1 Ed.,
São Paulo: All Print Editora, 2014.

65
Karina de Araújo Dias (org.)

uma categoria usada para pensar as relações sociais que


envolvem homens e mulheres, relações historicamente
determinadas e expressas pelos diferentes discursos
sociais sobre a diferença sexual. Gênero serve, portanto,
para determinar tudo que é social, cultural e historica-
mente determinado. (GROSSI, 1998, p. 6)
Outra autora que trabalha o conceito de gênero é Louro (1998).
Para ela, esse “conceito” está diretamente relacionado à história do
movimento feminista contemporâneo. Segundo a autora, no final nos
anos 60 o feminismo foi em busca de construções teóricas, de onde
emergiu o gênero no debate entre estudiosos e críticos. Essa autora
também concorda com Scott quando aponta que a categoria gênero é
historicamente determinada:
Ao aceitarmos que a construção de gênero é histórica
e se faz incessantemente, estamos entendendo que
as relações entre homens e mulheres, os discursos e
as representações dessas relações estão em constante
mudança. Isso supõe que as identidades de gênero estão
continuamente se transformando. Sendo assim, é indis-
pensável admitir que até mesmo as teorias e as práticas
feministas – com suas críticas aos discursos sobre gênero
e suas propostas de desconstrução – estão construindo
gênero. (LOURO, 1998, p. 35)

Utilizando também Scott como base para seus estudos de gênero,


Soihet (1997) acredita que gênero tem como principal utilidade teorizar
sobre a diferença sexual, fazendo uma relação entre homem e mulher.
E que o termo foi proposto por historiadoras que consideravam que o
estudo sobre as mulheres iria transformar-se em uma “nova história”.
Durante a apresentação de slides, o diálogo ocorreu também com
apresentação de alguns vídeos contextualizando o debate, momento em
que houve participação dos/as professores/as fazendo perguntas e dando
suas contribuições a partir das temáticas abordadas.
Foi apresentado o vídeo Questão de Gênero nas Escolas22, do Canal
do Youtube da Lorelay Fox, que inicia o vídeo reafirmando a escola como
um local em que se busca o conhecimento, mas também é um espaço de
22
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZIJ2Ifu6SlM

66
Formação Inicial e Continuada de Professores

socialização, onde se aprende direitos e deveres, o respeito e a necessidade


de conhecer as diferenças. Nesse momento se abriu o diálogo para o
papel da escola na construção das desigualdades de gênero.
Após esta discussão, foi assistido o vídeo Como uma garota – Like a
girl , e com isto surgiram outros questionamentos, tais como: as diferenças
23

entre homens e mulheres são naturais ou historicamente construídas? As mulhe-


res são biologicamente mais frágeis e sensíveis? Os homens são biologicamente
mais fortes e corajosos? Qual a origem das diferenças entre homens e mulheres?
Conversamos também sobre como a mulher é estereotipada no vídeo e
como muitas pessoas reverberam aquele estereótipo, mesmo sendo algo
muito longe da realidade. Nesse sentido, professores/as destacaram que
a visão das crianças é muito mais próxima do “real”, talvez porque elas/
es ainda não foram “contaminadas/os” pelo pensamento patriarcal do
mundo em que estamos inseridas/os.
Continuando, foi exibido o vídeo Mulheres Inventoras24, que mostra
o desconhecimento que a sociedade em geral tem de mulheres inventoras/
cientistas e como a escola tem papel fundamental em não levar essas
informações aos estudantes. O vídeo se encerra destacando o nome
de várias mulheres e suas invenções, entre elas: Tabitha Babbitt (serra
elétrica), Martha Coston (sinalizadores), Mary Anderson (limpador de
para-brisas), Maria Beasley (bote salva-vidas), Patrícia Bath (cirurgia a
laser de catarata), Sarah Mather (telescópio submarino), Maria Pereira
(adesivo cardíaco), Gertrude Bell Elion (remédios para HIV, leucemia
e malária), Ada Lovelace (primeiro algoritmo de computador), Bertha
Benz (pastilhas de freio), Stephanie Kwolek (material à prova de balas),
Yvonne Brill (sistema de propulsão para satélites), entre outras.
Em seguida, assistimos o vídeo Juíza25, do canal do Youtube Porta
dos Fundos, recheado de ironia, onde dois advogados desacatam uma
juíza por entenderem que ela, enquanto mulher, não poderia estar nessa
posição de “poder”. Discutimos alguns pontos a partir do vídeo: as mulheres

23
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aM-ZRggWTjw
24
Disponível em: https://www.facebook.com/282908221783173/videos/1027223804018274
25
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nHcQOY-Rews

67
Karina de Araújo Dias (org.)

têm as mesmas condições intelectuais que os homens? Existem profissões ditas


masculinas e profissões ditas femininas? O que faz com que existam diferentes
papéis sociais para homens e mulheres?
O próximo momento de debate iniciou com o vídeo Opção Sexual...
você nasceu ou virou hétero?26, do canal do Youtube Põe na roda. Nele, os
entrevistadores perguntam a pessoas na rua se a pessoa nasce ou vira
gay. A partir das respostas e das informações vistas no vídeo se inicia a
explicação sobre identidade de gênero, expressão de gênero, sexo bio-
lógico e orientação sexual 27. Assistimos também a É drag ou é trans?28 ,
do Canal do Youtube Lorelay Fox, um vídeo com linguagem simples
que tenta esclarecer questões como identidade de gênero e diferenciar
travesti, transexual e drad queen, além de sugerir material complementar
para a compreensão das temáticas.
Foram recomendados alguns filmes para abordar as temáticas
de gênero e sexualidade tanto com crianças como com adolescentes,
entre ele: Mulan, Valente, Frozen, ABC do amor, Ponte para Terabítia,
Flipped (Primeiro amor), Juno, Antes que o mundo acabe, Cyberbully,
Aos treze, Se enlouquecer não se apaixone, 10 coisas que eu odeio em
você, O silêncio de Melinda, Confiar, As melhores coisas do mundo,
XXY, Meninos não choram e Tomboy.

FORMAÇÃO CONTINUADA NA ESCOLA:


DIVERSIDADE

Devido ao fato de estarmos vivendo ainda sob a pandemia de


COVID-19, a formação continuada que ocorreu em abril de 2021 foi
realizada através da plataforma do Google Meet, em uma data específica
para formação de professores. Neste encontro foram resgatados alguns
conceitos e informações já repassados na formação continuada de 2018,

26
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LvwXq1cUHAM
27
Como essas definições também foram abordadas na segunda formação, irei trabalhar
esses conceitos e definições no próximo tópico.
28
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-rjhiwff VwI

68
Formação Inicial e Continuada de Professores

pois o corpo discente da escola tem muitos/as professores/as temporários


(ACTs) que não haviam participado da formação anterior.
Com uma apresentação de slides, o diálogo iniciou falando sobre
diversidade e seu significado conforme o dicionário, que pode ser: diverso,
diferente, variado, diversificado e não semelhante. Dentre à diversidade
encontrada no espaço escolar, essa discussão apontou para algumas
categorias imprescindíveis aqui como gênero, identidade de gênero,
orientação sexual, raça/etnia, classe social, cultural e habilidades. Con-
forme Gesser e Zandoná (2015, p. 86):
a singularidade de cada sujeito, sua história, seu pro-
cesso de constituição, os atravessamentos relacionados
às dimensões de gênero, de orientação sexual, de raça/
etnia, de deficiência de classe social e de religião, os
quais poderiam ser integrados de forma transversal
com os conteúdos, são desconsiderados, quando não
utilizados para explicar o “não ajustamento” das crian-
ças à escola.

A importância de incluir no espaço escolar essas singularidades se


deve ao fato de que essa homogeneização dos/as estudantes vai impossi-
bilitar o acolhimento deles/as, e as consequências disso podem acarretar
em hostilidade e confrontos decorrentes do não respeito às diferenças.
Falamos também que antes de gerar os conflitos, essa falta de respeito
e intolerância pode reproduzir preconceitos na forma de racismo, capa-
citismo, homo/lesbo/transfobia, gordofobia, sexismo, xenofobia, etc.
Entre as categorias citadas iniciamos com a definição de capaci-
tismo, que é “a forma como pessoas com deficiência são tratadas como
‘incapazes’, aproximando as demandas dos movimentos de pessoas com
deficiência a outras discriminações sociais como o racismo, o sexismo
e a homofobia” (MELLO, 2016, p. 3272). Então capacitismo pode ser
entendido como qualquer tipo de preconceito relacionado à pessoa com
deficiência que “alude a uma postura preconceituosa que hierarquiza as
pessoas em função da adequação dos seus corpos à corponormatividade”
(MELLO, 2016, p. 3272).

69
Karina de Araújo Dias (org.)

No debate, foram apresentadas algumas frases29 utilizadas no dia


a dia e que reproduzem o preconceito relacionado as pessoas com defi-
ciência: 1. “Ah, eu fingi demência”: o uso pejorativo da palavra “ demência” é
ofensivo para quem vive com alguma condição decorrente da perda da função
cerebral.2. “Deu uma de João-sem-braço”: coloca a pessoa com deficiência numa
posição de pessoa oportunista, de quem usa sua condição física como desculpa
para se eximir de alguma responsabilidade. 3. “Que mancada!”: associa erros
a pessoas com deficiência física. “Mancar” e “manco” são denominações pejo-
rativas para pessoas com dificuldades motoras. 4. “Em terra de cego quem tem
olho é rei!”: coloca a pessoa vidente como privilegiada em relação às pessoas com
deficiência visual. Essa frase reforça a ideia da cegueira ou baixa visão como
atributo inferior. 5. “Tão linda, nem parece ser deficiente!”: preconceito que
parte da ideia de beleza padrão, associada a corpos perfeitos. Todos os corpos
são lindos em suas diversidades! 6. “Aquela menina PCD”: pessoas com defi-
ciência são, antes de mais nada, pessoas. Indivíduos únicos, com vivências e
personalidades diversas e não devem ter sua existência reduzida à sua condição
de saúde. 7. “Retardado, idiota, mongol, autista, imbecil, lesadol”: são termos
muito usados de forma pejorativa, relacionados à alienação e incapacidade.
Transtornos de desenvolvimento são reais, e ser diagnosticado com algum deles
não significa que a pessoa seja incapaz de aprender.
Para contextualizar o racismo, foram apresentados alguns termos e
expressões que expressam o racismo como uma maneira de refletir sobre
termos que continuamos a reproduzir, retirados da Cartilha Palavras
Racista30. Entre elas: a coisa tá preta, a dar com pau, cabelo ruim, cabelo de
Bombril, cabelo duro, cor do pecado, serviço de preto, criado mudo, debegrir,
fazer nas coxas, humor negro, inveja branca, lista negra, mercado negro,
mulata/o, não sou tuas negas, nega maluca, entre outras.
Para Almeida (2019), é importante compreender a etimologia
da palavra raça que apesar das controvérsias sempre esteve relacionada
a classificações, que em um primeiro momento ocorreu com plantas e
animas e mais tarde com seres humanos. O racismo vai estar direta-
29
Disponível em: https://www.instagram.com/naoenao_/
30
Disponível em: https://fecomercio-rs.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Carti-
lha-Palavras-Racistas.pdf

70
Formação Inicial e Continuada de Professores

mente relacionado a outras categorias e classificações como preconceito,


discriminação, hostilidade e privilégios, sendo que “o racismo é uma
forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e
que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que
culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos” (ALMEIDA,
2019, p. 22)
Quanto à definição de gênero, falamos do conceito de Grossi
(1998), já citado anteriormente. Salientamos que os estudos de gênero
são de extrema relevância para a construção da equidade de direitos, que
caso não ocorra pode gerar desigualdade, discriminação e violências.
Através destes conceitos de gênero, o debate se encaminhou para
as discussões recentes acerca de uma suposta ‘Ideologia de Gênero’,
embasada principalmente em um discurso religioso (cristão) bem espe-
cífico e que ignora o conceito de gênero. Nesse sentido, foi apresentada
a apostila desenvolvida por Jimena Furlani, O que é ideologia de gênero?31.
Essa visão turva serviu para deixar as pessoas preocupadas no que se que
refere a incorporação de gênero nos Planos Municipais de Educação, pois
essa interpretação desconexa acaba sendo entendida como algo nocivo
a sociedade. Essa ideologia vem dizer, por exemplo, que gênero é uma
construção pessoal e que cada um teria que “inventar” sua identidade,
e sabemos que na verdade gênero é uma construção social e cultural.
Continuar reforçando a importância e a necessidade de abordar as
temáticas que envolvem gênero, sexualidade e diversidade é fundamental,
ressaltei não somente a necessidade, mas também a obrigatoriedade legal
e as políticas públicas que vão conduzir a escola a trabalhar esses assuntos.
Ou seja, “a política pública pode ser considerada como mecanismo que
deve buscar a efetivação de direitos e reduzir as desigualdades sociais, ou
seja, agir a respeito de desigualdades sociais para ajudar na construção de
relações igualitárias para todas/os”. (GRAUPE e SOUSA, 2015, p. 72)

31
FURLANI, Jimena. “Ideologia de Gênero”? Explicando as confusões teóricas
presentes na cartilha. Versão Revisada 2016. Florianópolis: FAED, UDESC. Labo-
ratório de Estudos de Gênero e Família, 09 pp, 2016. Disponível em: https://www.
facebook.com/jimena.furlani?fref=ts.

71
Karina de Araújo Dias (org.)

Lembramos os/as professores/as que o direito à educação para a


equidade de gênero, raça/etnia, orientação sexual e identidade de gênero
ressoa em diversos dispositivos, instâncias e convenções: na Consti-
tuição Brasileira (1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB/1996), Diretrizes Nacionais de Educação e Diversidade, Diretrizes
Curriculares do Ensino Médio (art. 16), elaboradas pelo Conselho Nacional
de Educação, Lei Maria da Penha (2006), Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança (1989), Convenção Relativa à Luta contra a Discrimi-
nação no Campo do Ensino (1960), Convenção para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), Convenção Internacional
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968), Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).
Outro importante documento é o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos que, segundo Graupe e Bragagnolle (2015, p. 53),
apresenta metas e ações propostas em cinco eixos: edu-
cação básica; educação superior; educação não-formal;
educação dos profissionais dos sistemas de justiça e
segurança; e educação e mídia. Esse plano possui uma
ampla abrangência e objetiva a formação de uma cultura
de respeito à dignidade humana por meio da promoção
e da vivência de valores da liberdade, da justiça da igual-
dade, da solidariedade, da cidadania, da compaixão, etc.

As políticas públicas educacionais estaduais são fundamentais na


inserção dos temas de gênero e sexualidade na escola. Cito a importân-
cia do Plano Estadual de Educação de Santa Catarina (2003-2014), da
Proposta Curricular de Santa Catarina (2014) e da Resolução nº 132
do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina – Nome Social
(2009), que prevê a utilização de nome social nos registros escolares
de travestis, transexuais e transgêneros. Esses documentos tratam de
temas como diversidade sexual, relações de gênero, sexualidade, etc.
E por mais que ainda não estejam presentes efetivamente em todas as
instituições de ensino, são instrumentos para embasar essas discussões
no espaço escolar.
Em seguida, discutimos identidade de gênero, orientação sexual,
sexo biológico e expressão de gênero, e para iniciar o debate assistimos
72
Formação Inicial e Continuada de Professores

a E se seu filho de assumisse cisgênero?32, do Canal do Youtube Poe na


Roda. No vídeo, pessoas são perguntadas na rua sobre o que fariam se
tivessem um filho cisgênero, e fica nítido o desconhecimento das pessoas
sobre o que é uma pessoa cis. Se há conformidade entre o gênero e o
sexo biológico de nascimento, a pessoa é denominada de cisgênero/a e
caso se identifique com um gênero diferente do seu sexo biológico no
nascimento essa pessoa é transgênero/a.
O conceito de identidade de gênero segundo Carrara (2010, p.
43) foi fundamental para nortear esse debate:
Identidade de gênero refere-se à experiência indivi-
dual de sentir-se homem ou mulher, independente do
sexo biológico atribuído no nascimento. Isso inclui um
sentido pessoal do corpo (que pode envolver, por livre
escolha, modificação da aparência ou função corpo-
ral por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras
expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de
falar e gestualidade.

Conversamos sobre como a orientação sexual está diretamente


relacionada ao desejo de se relacionar afetivamente ou sexualmente, ou
seja: “inclinação involuntária de cada pessoa em sentir atração sexual,
afetiva e emocional por indivíduos de gênero diferente, de mais de um
gênero ou do mesmo gênero” (BRASIL, 2018, p. 13). Entre as orien-
tações sexuais podemos citar então heterossexualidade (identidade de
gênero/sexo biológico diferente), homossexualidade (mesma identidade
de gênero/sexo biológico), bissexualidade (ambos sexos biológicos),
assexualidade (não tem interesse em se relacionar sexualmente) e pan-
sexualidade (independe do sexo biológico e da identidade de gênero).
Já para definir sexo biológico, os termos utilizados são macho, fêmea
ou intersexo: “denomina-se intersexualidade a ocorrência de qualquer
variação de caracteres sexuais, incluindo cromossomos, gônodas e/ou
órgãos genitais, que dificultam a identificação de um indivíduo como
totalmente feminino ou masculino” (BRASIL, 2018, p. 11).

32
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lUoFRG994tQ

73
Karina de Araújo Dias (org.)

Nesse sentido, foi importante reforçar que “expressão de gênero”


é a maneira como se demonstra o gênero, tendo como base padrões de
gênero tradicionais e construídos historicamente, que pode ser masculino,
feminino ou andrógeno/agênero/não binário. O que antes era denominado
como andrógeno, hoje chamamos de agênero, e não binário são pessoas
que se identificam com diferentes identidades de gênero ou nenhuma
identidade de gênero, que podem circular entre todas as identidades de
gênero – por isso chamados/as também de gênero fluido.
Todas essas definições em um primeiro momento parecem muito
amplas ou até confusas para quem nunca teve acesso a elas, isso também
foi conversado nos encontros a fim de tranquilizar os/as professores/as.
Sabemos que somente após a inserção dessas práticas na rotina de suas
aulas é que esses conceitos serão internalizados por todos/as.
O diálogo se encaminha para o encerramento destacando que para
esse trabalho no espaço escolar estar livre de preconceitos e estigmas,
várias categorias devem ser levadas em consideração como a compreensão
dos privilégios do homem branco/cis/hetero e a herança do patriarcado,
que está diretamente relacionado às relações de poder que acarretam
em subalternidade e opressões. E essa importância ficou muito clara em
várias falas de algumas professoras durante todo o debate.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O retorno obtido após a formação continuada na escola em que


atuo, principalmente avaliando a partir da formação de 2018, já que a
de 2021 ainda é muito recente, é muito significativo e isso fica visível
no envolvimento dos/as professores/as, que têm levado constantemente
essas temáticas para suas práticas diárias e que estão, em sua maioria,
contribuindo com a sequência desses debates desenvolvidos na escola.
Desde o início da formação continuada na área de gênero e sexua-
lidade vários projetos têm sido desenvolvidos com os/as estudantes como
palestras, oficinas, dinâmicas de educação sexual (em parceria com a
Unidade Básica de Saúde da Enseada de Brito e curso de Medicina
da UNISUL), onde abordamos também temas como empoderamento

74
Formação Inicial e Continuada de Professores

feminino, violência contra a mulher, relacionamentos abusivos, assédio,


masculinidades, privilégios de gênero, entre outros.
Além de todas as contribuições recebidas durante as formações e
diálogos ocorridos nesses momentos, os/as professores e equipe gestora
responderam um questionário do Google Forms enviado a cada um/a pelo
WhatsApp relatando um pouco mais sobre as experiências relacionadas
a sexualidade, gênero e diversidade anteriores a formação continuada e
após a realização das mesmas, assim como puderam deixar comentários
sobre a importância desses debates.
De todos/as que participaram foi recebido o retorno de 26 pro-
fessores/as do Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo das diversas
áreas de conhecimento, e todos/as concordaram que é muito importante
que a escola propicie momentos de formação continuada. Segundo os/as
professores/as, vivemos em uma sociedade que se modifica com muita
rapidez, dessa forma, a educação precisa acompanhar essas transforma-
ções. No geral, esses/as profissionais acreditam também que a formação
continuada é muito importante para a valorização dos/as profissionais
e para melhoria na escola como um todo, pois elas impactam direta-
mente na relação com os/as estudantes e na reflexão e desempenho
das práticas. Esses professores/as informaram também que é sempre
muito gratificante a troca com outros/as colegas, as discussões, os
depoimentos e a possibilidade de realizar um trabalho interdisciplinar
a partir da possibilidade dessa integração.
Em 20 das respostas recebidas os/as professores afirmavam que
não tiveram nos seus cursos de graduação a abordagem em gênero,
sexualidade e diversidade, sendo que 6 tiveram essa abordagem em algum
momento. Sobre a discussão dessas temáticas na escola, 15 professores/
as informaram que é fundamental que essas sejam abordadas na escola e
que sejam incluídas sempre que possível no seu planejamento, 11 infor-
maram que acham fundamental abordar esses temas na escola, mas não
me sentem preparados/as para isso e nenhum/a professor/a acha que a
escola não é local adequado para abordar essas temáticas.

75
Karina de Araújo Dias (org.)

Analisando esses números é possível perceber que apesar de apenas


6 professores/as terem tido acesso a esses conteúdos em seus cursos de
graduação, hoje o número de professores/as que abordam é de 15, ou
seja, pelo menos 9 professores não tiveram acesso a essa formação em
suas graduações, e a partir de momentos como a formação continuada
na escola, já conseguem inserir essas temáticas em sua rotina diária.
Os/as professores/as foram questionados/as também sobre o conhe-
cimento adquirido nesses nossos encontros, e o retorno recebido foi
muito positivo. Alguns comentários salientaram também a necessidade
de discutirmos essas temáticas porque ainda existe na escola algumas
pessoas que reproduzem atitudes intolerantes e preconceituosas. A seguir
destaco alguns depoimentos de professores/as:
Sou membro da comunidade LGBTQIA+ e mesmo
assim não me sentia seguro de abordar esse tema com
meus pares e alunos. Com a formação continuada eu
consegui entender como me portar diante de situações
onde esse tema me é apresentado e exige alguma inter-
venção da minha parte. Me aprofundei em conceitos
de não binaridade, de fluidez e de como o conceito de
heteronormatividade está presente na nossa fala e nas
atitudes. (PROFESSOR ENSINO FUNDAMEN-
TAL – ANOS INICIAIS)
Minha experiência é muito mais como aprendiz do
que qualquer outra, mas com certeza as formações
nessa área me permitiram intervir em diversas situa-
ções do cotidiano das turmas quando surgem debates,
relacionados ao conteúdo ou não, onde a temática se
inclui na discussão de diversas formas. Creio que a
formação contribuiu muito nas minhas intervenções.
(PROFESSOR ENSINO MÉDIO)
Não tenho muita experiência na temática, porém é de
extrema importância para a eliminação das desigual-
dades de diversidade, gênero e sexualidade e determi-
nante para a construção de uma sociedade inclusiva e
equitativa. Todos os estudantes têm o direito de viver
e aprender em um ambiente livre de discriminação e
violência. (PROFESSOR ENSINO FUNDAMEN-
TAL – ANOS INICIAIS)

76
Formação Inicial e Continuada de Professores

Após entender mais sobre o tema me dediquei e ainda


me dedico ao ensino, pois é uma pluralidade de assuntos.
Sinto-me mais capaz de abordar esses temas com meus
alunos e no geral com mais naturalidade e com uma
dimensão social e de equidade que os temas abordam.
É tudo uma somatória de conhecimentos. Através da
experiência da temática você desenvolve valores internos
e sente necessidade de repassar para outras pessoas.
Seu olhar de mundo passa a ser outro. (PROFESSOR
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO)
Já nas primeiras palestras o choque foi visível, nunca
mais o assunto passou despercebido pela equipe gestora
ou pelos professores, e por mais que alguns relutem
a aprender e debater sobre o tema, ele se impõe na
agenda da escola desde então. As formações foram
boas porque precisamos entrar a fundo nos temas e
textos, não adianta apenas sermos solidários de forma
ampla e “genérica”. Mas ainda há resistência por parte
de vários professores, assim como há a necessidade de
continuarmos sempre nos atualizando nas discussões.
A escola é um dos lugares de direito desses debates e
ainda estamos engatinhando no tema. (PROFESSOR
DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO)
Aprendi e tenho aprendido muito desde então. Estou
sempre buscando ler e ter mais conhecimento sobre o
assunto para abordá-lo nas aulas. A diversidade é tema
essencial para o contexto escolar e é uma das palavras
chaves da nova BNCC, o professor que não souber
lidar com este tema deverá se reciclar ou buscar uma
nova área. Acho que as formações com uma especialista
como foram realizadas em nossa escola me fizeram ter
vontade de estudar mais sobre o tema e compreender
melhor algumas nomenclaturas e resignificar alguns
dogmas. (PROFESSORA DO ENSINO MÉDIO)

Os depoimentos dos/as professores/as vêm corroborar o que iniciei


abordando nesse tópico sobre como a formação continuada pode ser
significativa para o trabalho do/a professor/a com temáticas de gênero,
sexualidade e diversidade. A escola é fundamental para a desconstrução
de comportamentos preconceituosos, machistas, misóginos, sexistas,
racistas, capacitistas e violentos. Estamos em constante construção e
77
Karina de Araújo Dias (org.)

desconstrução, e por esse motivo a formação continuada de temáticas


tão relevantes é crucial para o pleno desenvolvimento de toda comuni-
dade escolar.

REFERÊNCIAS
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Curriculares Nacionais: Orientação Sexual. v. 10. Brasília: MEC, 1997.

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CEPESC; Brasília: Secretaria de Políticas para as mulheres, 2010.

FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Formação de educadores sexuais: adiar não é mais
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FURLANI, Jimena. “Ideologia de Gênero”? Explicando as confusões teóricas pre-


sentes na cartilha. Versão Revisada 2016. Florianópolis: FAED, UDESC. Laboratório
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GUESSER, Marivete; ZANDONÁ, Jair. A organização escolar e o processo de homo-


geneização e a exclusão das diferenças. In: GROSSI, Pillar Miriam; GARCIA, Olga
Regina Z; LOZANO, Marie-Anne; MAGRINI, Pedro Rosas (org.). Florianópolis:
Instituto de Estudos de Gênero / Departamento de Antropologia / Centro de Filosofia
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GRAUPE, Mareli; BRAGAGNOLLO, Regine. As Diferenças de Gênero no Espaço


Escolar. Florianópolis: Instituto de Estudos de Gênero / Departamento de Antropologia
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GRAUPE, Mareli; SOUSA Lúcia Aulete Búrigo. Políticas públicas de gênero no campo
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Pedro Rosas (org.). Florianópolis: Instituto de Estudos de Gênero / Departamento de
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GUIMARÃES, Isaura. Educação sexual na escola: mito e realidade. São Paulo: Mer-
cado das Letras, 1995.

78
Formação Inicial e Continuada de Professores

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79
PRÁTICA PEDAGÓGICA E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES NA ERA DIGITAL:
UMA PESQUISA NO BANCO DE
DADOS DA CAPES

Valdênia Rodrigues Fernandes Eleotério33


Andrew Vinicius Cristaldo da Silva34
Aparecida dos Santos de Sousa35
Maria do Carmo Cristaldo36
Mateus Felipe Cristaldo de Oliveira37
Rodrigo Silva Bezerra38

INTRODUÇÃO

Analisando a história da educação no Brasil, desde o período


colonial com a chegada dos jesuítas, sob o comando do Padre Manoel
de Nóbrega, até meados do século XX percebe-se que a escolarização
era privilégio das elites dominantes, pouco se pensava numa proposta
política de inclusão do contingente populacional excluído e marginalizado.
Nesse período histórico o número de escolas públicas criadas
no país não contemplava a maioria absoluta de analfabetos existentes.
Somente depois do acelerado desenvolvimento industrial e a expansão
do capital, enquanto milhares de homens e mulheres eram explorados
em jornadas de trabalho desumanas (14, 15, 19 horas) seus filhos peram-
bulavam pelas ruas, começa a luta pela implantação da escola pública
gratuita e de qualidade. Por consequência o olhar do Estado volta-se
para a formação de professores.
33
Mestre em Educação (UCDB). CV: http://lattes.cnpq.br/6024497798429809
34
Doutorando em Educação (UCDB). CV: http://lattes.cnpq.br/0618124040745424
35
Mestre em Educação (UCDB). CV: http://lattes.cnpq.br/1198556823248149
36
Licenciada em Letras/Inglês (UFMS).
37
Mestre em Física e Astronomia (UNIVAP).
38
Mestrando em Educação (UCDB). CV: http://lattes.cnpq.br/3798462889416089

80
Formação Inicial e Continuada de Professores

Passaram-se décadas e vários foram ás transformações no quadro


social, político, econômico e religioso impulsionado pelo desenvolvimento
do capital, da tecnologia e isso faz com que os governantes e gestores
tentem organizá-la através de Decretos, Leis, Manuais que irão regu-
lamentar as ações no nosso país.
Estamos vivenciando uma era digital, em uma sociedade infor-
macional onde os meios de comunicação se convergem e as pessoas
interagem em rede 24 horas por dia. Agora a construção do conheci-
mento também acontece no espaço virtual abrindo novas perspectivas
para o processo de ensino/aprendizagem. Diante desse contexto, há uma
infinidade de recursos que podem ser utilizados pelo professor como
tablet, celular, lousa digital.
Diante das mudanças contínuas no cenário social esses profissio-
nais são desafiados continuamente a buscarem novos caminhos para o
exercício da docência em todos os níveis de ensino. Partindo de todas
essas premissas a pesquisa se caracteriza como estado do conhecimento.
O objetivo geral que guiou o presente estudo foi o levantamento de
produções acadêmicas stricto sensu sobre pratica pedagógica, tecnologias
educacionais e formação de professores, entre os anos de 2012 a 2021,
no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A pesquisa foi dividida em
dois ciclos (2012 - 2017/ 2018 - 2021), os dados que serão apresentados
no presente estudo são referentes ao primeiro ciclo (2012 - 2017), pelo
limite com relação ao número de páginas do artigo.
O objetivo geral foi compreender os desafios enfrentados pelos
professores da era digital da era digital. E os objetivos específicos são:
Identificar se os professores recebem formação tecnológica? Constatar se
há dificuldades na utilização de tecnologias educacionais em suas práticas
pedagógicas? Analisar se as produções acadêmicas pesquisadas apresen-
tam alguma metodologia com a utilização das tecnologias no contexto
de sala de aula que possa ser utilizada em outros contextos escolares?

81
Karina de Araújo Dias (org.)

UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS E SUAS


IMPLICAÇÕES NA CONTEMPORANEIDADE

Consta no Art. 39 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação


nº 9394/96 (LDB) que a educação profissional, tecnológica deve fazer
parte dos objetivos da educação nacional. Para isso, os professores devem
agregar aos diferentes conteúdos, níveis, modalidades questões sobre o
trabalho, a ciência e a tecnologia, ficando clara a necessidade de se fazer
presente no ambiente escolar. Porém, reconhecemos que estamos vivendo
em uma sociedade cada vez mais tecnológica, mas nem todas as insti-
tuições públicas de ensino no Brasil possuem tecnologias educacionais
que a vida escolar moderna exige o que é lamentável.
Nesse sentido, Castells (1999, p. 32) aponta o dilema de Leis espe-
cíficas que regem o direito do aluno a ter acesso às tecnologias como uma
contradição, uma vez que “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não
pode ser compreendida ou retratada sem suas ferramentas tecnológicas”.
De acordo com Lévy (1999), um dos fatores que têm influenciado
essa forma de pensamento foi o acelerado crescimento tecnológico, que
se deu a partir dos anos de 1980 quando os recursos tecnológicos como
o celular invadiram o mercado e podiam ser compradas e manuseadas
facilmente por pessoas sem qualquer formação científica para escrever,
desenhar, ouvir música e planejar orçamentos domésticos dentre outras
possibilidades.
Para Jenkins (2006) no espaço virtual os meios de comunicação
se convergem, mudando a forma operacional, sistêmica e mercadológica
dos meios de difusão de informações. Os sujeitos agora assumem uma
postura participativa, tem gostos bem definidos, vão de um universo a
outro em busca do que almejam, seja a leitura do jornal diário, a última
publicação de um artigo em uma revista científica ou um vídeo do seu
cantor preferido na plataforma digital YouTube com um simples click
no celular.
As escolas do século XXI agora tem em seus bancos outra geração
de alunos denominados por Prensk (2010) como nativos das linguagens
digitais (a geração net), destemidos, impulsivos adoram interatividade.
82
Formação Inicial e Continuada de Professores

Diante do exposto percebemos que a educação digital nas escolas é


um possível caminho para que esses sujeitos construam o pensamento
crítico/reflexivo na busca de sites confiáveis que os auxiliem no processo
de ensino/aprendizagem para o exercício da cidadania, A condução do
professor nesse processo é fundamental para a construção do conheci-
mento de maneira intensa.

O PERFIL DO ESTUDANTE DO SÉCULO XXI

É fato que os perfis das crianças mudaram aceitar essa nova rea-
lidade ajudaria os imigrantes digitais (pais e professores), desejarem um
novo modelo de educação, pois os procedimentos utilizados na educação
hoje, na grande maioria das vezes são os mesmo de 30, 40 anos atrás.
Isso é um entrave, pois o sistema educacional arcaico e analógico do
país não foi desenvolvido para a era digital e seus falantes nativos da
linguagem dos computadores, celulares e internet. O uso das tecnologias
educacionais pelo professor pode auxiliar o processo de ensino, visto que
para os nativos digitais não existem barreiras para a interação, nesse ciclo
todos ensinam e aprendem simultaneamente.
Para Mattar (2010) esses estudantes imersos nesse mundo digi-
tal vivem em constante movimento se reinventado, construindo novos
conceitos e novas formas de aprender, são visuais, destemidos, inquietos
quando descobrem uma informação relevante, ao contrário dos imigrantes
digitais, não guardam para si, fazem questão de repassá-las publicando
em seus blogs, chats, fóruns, redes sociais, uma geração que é curiosa,
detestam manuais explicativos, preferem construir o aprendizado pelo
método da tentativa e erro fugindo dos padrões tradicionais da educação.
Diante desse contexto se as tecnologias forem utilizadas pelos
professores com objetivos bem definidos podem mudar os padrões tra-
dicionais existentes. Nesse ciclo, todos colaboram, aprendem, ensinam
simultaneamente. O educando e o desenvolvimento de suas aptidões e
habilidades passam a ser o foco principal, essa empatia possibilitará o
aumento do percentual de retenção dos conteúdos aplicados.

83
Karina de Araújo Dias (org.)

Segundo pesquisas educacionais a formação inicial e continuada


proporcionará conhecimentos práticos/teóricos e fluência digital para
desenvolvimento de práticas pedagógicas ativas que coloque o aluno
no centro do processo de ensino. Mas precisamos ressaltar que esses
conhecimentos precisam romper os murros das salas de tecnologias.
Quando envolvemos o aluno e a comunidade escolar temos benefícios
para a sociedade. Que essas formações ocorram no horário de trabalho
e não nos finais de semana, sacrificando o tempo de descanso desses
profissionais que já é limitado pelos diversos afazeres pedagógicos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa é de natureza qualitativa, o que para Minayo (2003,


p. 16-18) é o “caminho do pensamento a ser seguido. Ocupa um lugar
central na teoria e trata-se basicamente do conjunto de técnicas a ser
adotadas para construir uma realidade”. È também do tipo estado do
conhecimento. Por essa pesquisa ter caráter bibliográfico através dela
é possível construir um mapa de produções de um determinado tema
delimitando o tempo. Nesse sentido, “em um estado da arte está pre-
sente a possibilidade de contribuir com a teoria e prática de uma área
do conhecimento” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 40).
Seguimos a seguinte organização metodológica; durante o semestre
2021/1, em quarenta e cinco dias, selecionamos e analisamos nove publi-
cações disponíveis no catálogo de teses e dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), tivemos como
critério a aproximação da temática escolhida. Buscamos por produções
acadêmicas stricto senso, publicados nos últimos nove anos (2012 a 2021)
de universidades públicas e privadas. Após a leitura e análise dos resumos,
descartamos todas as teses pois se distanciavam muito dos objetivos
propostos no presente capítulo.
A pesquisa foi dividida em dois ciclos (2012 - 2017/ 2018 - 2021).
Os dados que serão apresentados no presente estudo são referentes ao
primeiro ciclo (2012 - 2017), a escolha se dá pelo limite de páginas
destinadas ao artigo.

84
Formação Inicial e Continuada de Professores

RESULTADOS E DISCUSSÕES

No primeiro momento apresentaremos o quadro 1, com os dados


referentes a pesquisa, em seguida faremos uma discussão de maneira
mais densa.
Quadro 1: Banco de Teses e Dissertações da Comissão de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
SCIELO ANO AU- NATU- ORIEN- TÍTULO
TOR(A) REZA TA-
DOR(A)
Na sala de aula com
Adilson Nanci as tecnologias da
UTFPR 2013 Claúdio Dissertação Stancki da informação e comu-
Muzi Luz nicação: percepções e
vivências docentes.
Professores usuá-
Marta Sonia
rios de tecnolo-
Do Maria De
PUC/SP 2014 Dissertação gias: concepções e
Carmo Macedo
uso em contextos
Silva Allegretti
educacionais
Formação inicial: a
contribuição para
Andreia Rosangela o uso pedagógico
Nunes De Fatima das tic na educação
UFRO 2014 Dissertação
De Cavalcante básica - um estudo
Castro Franca no curso de peda-
gogia da UFMT/
Campus Cuiabá
Vivências tecnoló-
gicas da rede SESI/
Gisele Maria SP: uma estratégia
UFSCAR 2015 de Sousa Dissertação Iolanda organizacional para
Lucas Monteiro auxiliar o pro-
cesso de ensino e
aprendizagem
A identidade do pro-
Marilete Ricardo fessor que utiliza as
UFPR 2015 Terezinha Dissertação Antunes tecnologias e mídias
Marqueti De Sá digitais na sua prá-
tica pedagógica

85
Karina de Araújo Dias (org.)

Uso das tecnologias


digitais e internet
como ferramenta
Marilene
Divaldo didática: uma análise
Mieko
UEPR 2015 De Dissertação da prática pedagó-
Yamamoto
Stefani gica dos professores
Pires
do Núcleo Regional
De Educação De
Paranavaí – Paraná
O uso de dispositivos
Rosimeire
Everton tecnológicos na edu-
Aparecida
UNIVAS 2015 Augusto Dissertação cação: concepções
Soares
Da Silva dos licenciados para
Borges
a prática pedagógica
Regina
Lucia Livro didático e
Andrea
COLÉGIO Faig recursos tecnoló-
2016 Dissertação de Farias
PEDRO II Torres gicos: desafios na
Castro
Pinto da prática docente
Rocha

Fonte: Organizada pelos autores com base nas publicações CAPES (2012-2017).

No ano de 2013, foi possível localizar o trabalho de Muzi (2013),


em que o mestrando da Universidade Federal Tecnológica do Paraná,
defendeu um tema que tem relevância para a construção do presente
capítulo, aproximando da pesquisa por investigar o uso das Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs), no cotidiano das salas de aula
pelos docentes.
O autor utilizou questionários para coletar dados, onde a maioria
dos entrevistados cita que nem durante a formação acadêmica inicial,
tão pouco na pós-graduação teve uma disciplina que os ensinassem a
forma correta de utilização dos recursos tecnológicos em suas práticas
pedagógicas, que falta formação inicial e oficinas que lhes permitam
apropriar-se desse conhecimento. Se distanciando do nosso artigo, pela
análise de dado ser focada na perspectiva de gênero impregnada pelo
discurso machista dos professores que relatam não ter o mesmo problema
com relação ao uso das TICs, associando as dificuldades ao gênero e não
a formação. O que pesquisadores da educação como Carl Rogers (2010),

86
Formação Inicial e Continuada de Professores

não concorda uma vez que a capacidade de aprendizagem é complexa,


única e subjetiva e não está diretamente ligada ao sexo da pessoa.
No ano de 2014, foi localizado o trabalho de Silva (2014), da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), que faz um
estudo para verificar se o professor que utiliza às mídias na vida coti-
diana as insere em suas práticas pedagógicas visando ter um ambiente
colaborativo e interligado, onde o foco das aulas não é o conteúdo e
sim o alunado e sua participação ativa na construção do conhecimento
com significado.
Aproximando-se do nosso TCC, pelos autores utilizados como
José Manuel Moran e Pierre Lévy. A metodologia da pesquisa do autor
foi um questionário para identificar quais mídias eram utilizadas pelos
educadores e uma entrevista semiestruturada com esses sujeitos, buscando
subsídios para responder os questionamentos levantados.
Os resultados obtidos revelaram que os professores utilizam
os recursos tecnológicos em suas práticas pedagógicas de acordo com
suas concepções de ensino, para dialogar, compartilhar e reproduzir
conhecimentos não para construir. O que contradiz os princípios da
educação nacional, pois é necessário que os professores desenvolvam
competências, que permitam conduzir o alunado fazer essa utilização
de forma crítica e significativa.
No ano de 2014 foi localizada a dissertação de Castro (2014), da
Universidade Federal de Rondônia, onde o autor cita que segundo o
Parecer CNE/CP 5/2005 da Resolução Nº 1, de 15 de maio de 2006,
mencionando que é necessário adaptar a formação dos educadores para
acompanhar as Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
com relação ao domínio das tecnologias digitais, pois hoje essas habi-
lidades são necessárias aos professores que atuam na Educação Básica.
O objeto de estudo do autor foi investigar se a Universidade Federal
de Mato Grosso/Campus de Cuiabá, ajustou seu currículo para formar
licenciados capazes de acompanhar está evolução. A coleta de dados
foi realizada através de questionário e entrevista semiestruturada com
acadêmicos do 4º semestre do Curso de Pedagogia. Como resultado, o

87
Karina de Araújo Dias (org.)

autor apresenta que ficou caracterizado que a UFMT necessita mudar


seu currículo, uma vez que as aulas de tecnologia são caracterizadas pelo
instrucionismo acrítico impedindo que esses futuros profissionais se
apropriem de práticas necessárias para mudarem os rumos da educação.
Já a Dissertação de Lucas (2015), da Universidade Federal de
São Carlos, teve como objetivo de pesquisa verificar se as aulas minis-
tradas para os anos iniciais do ensino fundamental no laboratório de
informática e as montagens e programações no laboratório de ciências e
tecnologias da Rede do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI/
SP), contribuem para o desenvolvimento do pensamento crítico, para
solução de problemas e das práticas de leitura e escrita. Levantamentos
que se aproximam da construção do presente trabalho.
A metodologia utilizada pela autora foi estudo de caso, com entre-
vista semiestruturada, observação participativa e estudo documental.
Duas professoras participaram da pesquisa, uma é formada em informática
educativa e a outra é regente do primeiro ano do ensino fundamental.
Percebe-se que quando a temática é o uso das TICs, o autor Pierre
Lévy é referência em todas as dissertações, por sua visão contemporâ-
nea sobre o assunto. O resultado obtido por Lucas (2015) evidencia
que, quando os recursos tecnológicos são utilizados por profissionais
capacitados e comprometidos com o processo de ensino aprendizado,
quando há interação entre os professores regentes e os responsáveis pelas
TICs, quando o planejamento contempla não só a inclusão digital, mas
a apropriação, a utilização crítica, reflexiva pelos alunos possibilitando o
desenvolvimento individual e coletivo de maneira colaborativa, as práticas
pedagógicas vão ao encontro do que os autores postulam na literatura.
Vale ressaltar que a dissertação de Lucas (2015), é um dos poucos
trabalhos analisados, que traz em seus anexos, os apêndices produzi-
dos e que foram aplicados, contextualizados passo a passo, que podem
perfeitamente serem utilizadas em outros contextos escolares. A autora
cita que é necessária que os professores busquem formação e que vejam
a introdução desses recursos como ferramentas que abrem perspectivas
para dar novos rumos a educação.

88
Formação Inicial e Continuada de Professores

No mesmo ano foi localizado o trabalho de Silva (2015), da Univer-


sidade do Vale do Sapucaí que investigou as percepções dos licenciados,
sobre as futuras práticas docentes com o uso das Tecnologias Digitais
da Informação e Comunicação (TDICs), identificando dificuldades de
planejamento e metodologias que permitam a utilização desses recursos.
Para a obtenção dos dados, foram aplicados três questionários, um para
identificar o perfil desses profissionais e os outros dois para descobrir
suas concepções quanto ao uso das tecnologias em suas práticas docentes.
Todos os entrevistados perceberam as mudanças no contexto social em
relação aos nativos digitais e o que as universidades transmitem, sendo
assim, precisam reformular os seus currículos para a realidade atual.
Para a maioria dos entrevistados, isso é necessário frente às mudanças
sociais, políticas econômicas que refletem significativamente no campo
educacional.
No ano de 2015, foi localizado o trabalho de Marqueti (2015), da
Universidade Federal do Paraná, que se aproxima da pesquisa do artigo,
pelos autores utilizados como Moran (1994, 2003; 2007) e Castells
(1999). A autora tem como objetivo descobrir o perfil do professor dos
anos iniciais do ensino fundamental, do município de Araucária/PR,
quanto a utilização dos recursos tecnológicos em suas práticas docen-
tes. Os dados foram coletados por meio de questionário e entrevista.
A pesquisadora ficou um ano investigando os fatores individuais (saber
tecnológico, motivação e cibercultura) e os fatores instrucionais (tempo,
formação continuada, valorização). Cita que a relação de aceitação ou
recusa do educador ao uso das TICs na sala de aula vai depender de sua
fluência ou não no uso das tecnologias.
No mesmo ano, foi localizada a dissertação de Stefani (2015), da
Universidade Estadual do Paraná. O trabalho se aproxima do artigo,
por perceber que a prática de utilização das TICs de maneira aleatória
pelos professores, acontece por falta de formação, sendo esse um relato
comum. O autor cita que os pesquisadores da educação já perceberam
que essa nova geração fala fluentemente essa linguagem. Dentro desse
novo contexto, o professor precisa buscar novas alternativas para interagir
com esses alunos
89
Karina de Araújo Dias (org.)

No ano de 2016, foi localizado o trabalho de Rocha (2016), defen-


dido no Colégio Pedro II. A leitura foi relevante, pois a autora cita que os
recursos tecnológicos invadiram a sociedade e que a ação dos governantes
com relação às políticas públicas para inclusão e democratização do uso
das tecnologias no sistema público educacional é primordial para que
a formação dos alunos esteja de acordo com os preceitos da sociedade
em questão. A autora cita que o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), tem disponibilizados livros em versão digital visando essa
democratização nas escolas públicas de todo Brasil, uma realidade não
condizente, uma vez que faltam nas escolas condições mínimas, como
carteiras, desse modo, consequentemente salas de tecnologias, realidade
da maioria das escolas do sertão nordestino.
Rocha (2016), observando o contexto das escolas que foram
contempladas com o programa do livro digital, constatou que não foi
oferecida formação aos professores, que gerou ineficácia, utilização
aleatória e sem significado, não auxiliando a construção do aprendi-
zado, tão menos inovando as práticas pedagógicas. Segundo a autora,
sem formação essas inovações não trouxeram grandes mudanças para
as escolas beneficiadas. Sendo assim, é preciso que a política de inclusão
do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), seja
reformulada. Como resultado da pesquisa apresenta a estruturação de
um portal de formação educacional, visando o letramento digital do
professor, para que atue ativamente utilizando os recursos tecnológicos
para consolidar o aprendizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A coleta dos dados nos permitiu compreender que pensando no


âmbito da formação acadêmica das licenciaturas principalmente do Curso
de Pedagogia onde os professores atuam no inicio da formação científica
dos nativos digitais, em que os acadêmicos serão os futuros profissionais,
segundo o relato das pesquisas as universidades precisam repensar seus
currículos agregando conhecimentos que possam contribuir para que
esses educadores não saiam de seus bancos universitários, sem condições

90
Formação Inicial e Continuada de Professores

mínimas necessárias para sua atuação em sala de aula com relação às


tecnologias educacionais e sua aplicabilidade nas práticas pedagógicas.
Com relação à formação continuada dos professores para o uso
das tecnologias, nos mais diferentes estados do Brasil quando acontece
é descrita pelos autores das produções acadêmicas como superficial e
ineficaz, pois ainda são utilizadas de maneira aleatória não auxiliando
a construção do conhecimento, para eles a utilização desses recursos
serve para sedimentar as práticas pedagógicas tradicionais já existentes.
Quanto as dificuldades da utilização das tecnologias educacio-
nais em sala de aula todos os trabalham enfocam a necessidade de o
professor buscar formação tecnológica que os coloquem em situação de
igualdade com seus alunos, mas não relatam as dificuldades em si. Das
nove dissertações analisadas apenas uma trás em seus anexos apêndices
produzidos que foram aplicados, contextualizados passo a passo. Essa
prática é um diferencial relevante, pois pode servir de base ainda que
com modificações para serem aplicadas em outros contextos escolares
de todo o Brasil.
Igualmente, outras dificuldades que os professores enfrentam
cotidianamente são comuns em quase todos os trabalhos há escolas que
não têm condições mínimas de funcionamento faltam carteiras, mate-
rial didático e o aparato tecnológico que a vida escolar moderna exige.
Contradizendo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96
(LDB) que diz: a educação profissional e tecnológica deve fazer parte
dos objetivos da educação digital.
Entretanto o dado que mais nos chamou a tensão foi o peso que
os autores das dissertações colocam nos ombros dos professores. Pensar
que, somente equipar as escolas com tecnologias resolverá os problemas
da educação é utopia. È necessário valorizar a escola pública, os profes-
sores, educação permanente, salários dignos, planos de carreiras e isso
só acontecerão segundo pesquisas científicas quando toda a comunidade
escolar estive engajada com a educação.
Concluímos com a fala de Moran (2013) quando o autor cita que
as escolas precisam de professores menos falantes, e mais práticos. De

91
Karina de Araújo Dias (org.)

menos aulas informativas e mais atividades de pesquisas e experimen-


tação, de desafios e de projetos. Mas se faz necessário dar o mínimo de
condições para que esses profissionais possam desenvolver suas práticas
pedagógicas com dignidade.

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93
FORMAÇÃO CONTINUADA DE
EDUCADORES: UMA POSSIBILIDADE
DE DIÁLOGO COM AS FERRAMENTAS
CONCEITUAIS CUNHADAS POR
PIERRE BOURDIEU

Karina de Araújo Dias39

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva, no primeiro momento, apresentar a


temática de pesquisa e a problemática anunciada a partir da elaboração
de minha tese de doutoramento.
No segundo momento, busca problematizar algumas categorias
de análise desenvolvidas por Pierre Bourdieu, por entender o sentido
prático proposto por seus conceitos, as aproximações com o objeto de
pesquisa a ser construído, bem como por compartilhar a sua defesa por
um sentido político que tangencie as investigações de cunho sociológico
e histórico. Em outras palavras, concordo que a ciência precisa produzir
conhecimentos e instrumentos que permitam construir uma representação
verdadeira e útil à ação. (BOURDIEU, 2004a)

APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA DE
PESQUISA: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO
CONTINUADA DE EDUCADORES

A proposta de pesquisa focaliza um estudo sobre a formação


continuada de educadores concebida e desenvolvida pela Secretaria
Municipal de Ensino (SME) de Florianópolis – SC. O conceito de
formação continuada de educadores, embora possa congregar tanto
as ações formativas desenvolvidas após a graduação ou o ingresso na
docência, quanto às atividades que contribuiriam para o bom desempe-

39
Doutora em Educação (UFSC). Pós-doutorado em Educação (UFSC) modalidade
recém doutor. CV: http://lattes.cnpq.br/1924264572679882

94
Formação Inicial e Continuada de Professores

nho profissional, deve ser entendido aqui como os cursos de formação


oferecidos por essa esfera pública a todos os profissionais da educação
vinculados à SME.
Esse conceito se ampliou consideravelmente nos últimos anos.
Segundo Candau (1996) um novo paradigma emerge, superando a
concepção clássica de formação que enfatizava a chamada “reciclagem”,
fundamentando-se a partir de três premissas: a escola como lócus de
formação, a valorização dos saberes docentes e o papel formativo da
experiência profissional. Nessa perspectiva as ações formativas desen-
volvidas pelas universidades e rede de ensino sofrem influência dessa
nova perspectiva.
Cabe realçar que, para o entendimento de tal proposição, faz-se
necessário explicitar qual concepção de sujeito, sociedade e educação nos
apoiamos para sustentar os princípios e eixos norteadores que balizam
os programas de formação continuada em vigência no Brasil. A nova
dinâmica proposta pelas reformas educacionais produziu inúmeras
transformações no mundo do trabalho, vindo a incidir diretamente
sobre os processos de formação para a docência. Essa lógica formativa
é resultado de projetos em disputa, balizados por contextos políticos e
sociais que redefinem a função social da escola e se refletem na conti-
nuidade ou descontinuidade de uma determinada temática formativa
nos currículos de formação para o trabalho docente. (CONTRERAS,
2002; ADRIÃO e PERONI, 2005; GIROUX, 1997)
Desse modo, confrontam-se duas perspectivas, segundo Brze-
zinski (2008), pois se
De um lado, está o projeto da sociedade política, defen-
dido pelos tecnocratas, que em seus discursos enfatizam
a qualidade social da formação do professor, entretanto
colocam em prática os princípios da qualidade total. De
outro lado, encontra- se o da sociedade civil organizada
em entidades educacionais reunidas no movimento
nacional de educadores, cuja luta tem por princípio a
qualidade social para formar docentes que atuará na
educação básica. (BRZEZINSKI, 2008, p. 3)

95
Karina de Araújo Dias (org.)

Nesse sentido, objetiva-se compreender como se configura a


apreensão da política de formação continuada, em vigência no Brasil,
pelas redes de ensino público, por meio da análise da experiência da
RME de Florianópolis.
A escolha da temática dá-se pela emergência de estudos que
sinalizam a compreensão da reestruturação dos processos formativos
mobilizada pelas reformas educacionais, especialmente nas duas últimas
décadas. Acentua-se a preocupação dos diferentes organismos com a
adequação dos trabalhadores às novas exigências do mercado, tendo
em vista o redesenho da formação profissional por meio de um sistema
educacional estruturado em consonância com o processo de reestrutu-
ração produtiva e com o novo papel que o Estado assume.
Vários documentos anunciam a relevância da formação continuada
em favor das mudanças estruturais as quais a educação deveria sofrer,
dentre os quais destacam-se três documentos do Banco Mundial (1995,
1999, 2002); o documento do Programa de Promoção das Reformas
Educativas na América Latina (PREAL, 2004); a Declaração mundial
sobre a educação superior no século XXI: visão e ação e o texto Marco refe-
rencial de ação prioritária para a mudança e o desenvolvimento do ensino
superior (UNESCO, 1998); assim como a Declaração de princípios da
Cúpula das Américas (2001); e os documentos do Fórum Mundial
de Educação (Dacar, 2000).
Em face das novas regulações para o sistema de ensino, que trans-
formam a educação em um bem de consumo, respondendo “aos interesses
das classes dominantes” (BOURDIEU, 2008, p. 68), a formação dos
profissionais da educação passa a constituir-se o ponto fulcral nesse
processo. Os desdobramentos dessa lógica vêm a incidir sobre a quali-
dade dos processos formativos e se traduz na inexistência de condições
de trabalho que propiciem o pleno exercício da docência e, no caso da
educação pública, como resultantes da redução de investimentos na área.
Constatamos que o conjunto de dispositivos legais ampliou e
aprofundou as responsabilidades e obrigações dos sistemas de ensino no
que se refere à elaboração e implementação de políticas de qualificação

96
Formação Inicial e Continuada de Professores

dos profissionais da educação. Desta forma, estabeleceu-se o direito


formal à formação continuada, sendo a crescente ampliação do número
de cursos de formação a expressão desse processo. No entanto, as con-
dições objetivas que implicam na ampliação da receita orçamentária
necessária ao desenvolvimento das ações de modo qualitativo ainda
encontram deficiência e imprimem reflexos na qualidade e abrangência
das formações.
No que tange a formação continuada as influências desse processo
são ainda mais evidentes. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
Nacional (LDBEN) n. 9.394/1996 explicita os princípios norteadores
que emergem da concepção de formação nessa perspectiva qualificando-a
como um processo educativo que ocorre ao longo da vida, podendo se
desenvolver “na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações
da Sociedade Civil e nas manifestações culturais”. Desse modo, assenta-se
em uma perspectiva de que a formação para o trabalho docente pode se
desenvolver por meio de diferentes modalidades e agências formadoras.
A diversificação e a multiplicação da oferta de formações, segundo
Gatti não é aleatória, pois
Tem base histórica em condições emergentes na socie-
dade contemporânea, nos desafios colocados aos cur-
rículos e ao ensino, nos desafios postos aos sistemas
pelo acolhimento cada vez maior de crianças e jovens,
nas dificuldades do dia-a-dia nos sistemas de ensino,
anunciadas e enfrentadas por gestores e professores e
constatadas e analisadas por pesquisas. Criaram-se o
discurso da atualização e o discurso da necessidade de
renovação. (GATTI, 2008, p. 58)

As redes de ensino elaboram seus projetos de formação continuada


balizados pelos princípios e diretrizes norteadoras de uma política
para a formação de educadores em vigência. Desse modo, justifica-se a
necessidade de compreender como as redes de ensino concebem essas
reformas e as apreendem no contexto dos projetos de formação conti-
nuada, tomando por objeto a experiência da RME de Florianópolis.

97
Karina de Araújo Dias (org.)

Por meio da análise das ações formativas pode-se conceber o perfil


docente que se materializa por meio das concepções que balizam as ações
formativas desenvolvidas por essa esfera pública, na medida em que é de
sua alçada “realizar programas de capacitação para todos os professores
em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação à
distância”, conforme consta na LDBEN, artigo 87, §3º, inciso III.
A inserção de formações na modalidade à distância, a compra
de pacotes educacionais que congrega a adoção de material didático e
formação instrumental para a sua utilização, conjugadas com formações
centralizadas40 e descentralizadas41 caracteriza o projeto de formação
que a RME de Florianópolis atualmente desenvolve. Objetiva-se com
essa proposta a elevação dos índices de aprendizagem e a qualificação
dos processos educativos (PCM, 2008).
A presente investigação justifica-se pela necessidade de contribuir
para o entendimento desse processo, bem como a lógica regulatória que
fundamenta os cursos de formação, conforme pontua Freitas (2007)
quando explicita em que direções as formações caminham:
Se na direção de criar instrumentos de medida de com-
petências e avaliação do conhecimento de caráter con-
teudista e instrumental dos professores, acompanhando
a centralidade da avaliação nas políticas educacionais
e os indicadores do IDEB para a escola pública, ou se,
ao contrário, seremos nós a estabelecer, nestas contra-
dições, a contra-regulação, interferindo decididamente
nos espaços de definição das políticas de formação,
em defesa da escola pública e de novos processos de
formação dos educadores, das crianças e jovens em
nosso país. (FREITAS, 2007, p. 17)

40
Caracteriza-se pelos cursos de formação desenvolvidos no Centro de Formação
Continuada. Esse lócus formativo constitui um espaço de referência no que tange à
promoção e ao desenvolvimento de cursos de formação continuada para os profissionais
da educação e demais profissionais vinculados à PMF. Destina-se prioritariamente a
abrigar a realização de cursos presenciais. Está localizado na Rua Ferreira Lima, número
82, no centro de Florianópolis. O mesmo prédio abriga a sede do Conselho Municipal
de Educação e a do Pólo Florianópolis da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
41
Refere-se às formações realizadas nas próprias unidades educativas.

98
Formação Inicial e Continuada de Professores

A emergência dos estudos que focalizam a formação continuada


tem se configurado como um fato recente na constituição de um campo
de pesquisas sobre a formação de educadores (BRZEZINSKI e GAR-
RIDO, 2001). As políticas públicas de caráter educativo implementadas
ao longo da década de 90 enfatizam a relevância quanto a formação dos
profissionais da educação, sendo esta, foco de debates e regulamentações
em âmbito nacional, gerando a necessidade de estudos nesse campo.
Os embates decorrentes da reflexão sobre as modalidades e lógi-
cas regulatórias impostas por organismos multilaterais que gerenciam
e determinam as políticas de formação de professores, contrastam com
a necessidade de garantir um espaço de reflexão sobre as articulações
entre os percursos formativos e a constituição da docência.

INVESTIGANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA


DE EDUCADORES: DESCORTINANDO UMA
POSSIBILIDADE DE ANÁLISE A PARTIR DAS
FERRAMENTAS CONCEITUAIS DE BOURDIEU

A categoria analítica do poder simbólico sinaliza a possibilidade


de analisar os mecanismos de controle e a seleção de temáticas formativas
disponíveis a cada oferta dos cursos de formação continuada, por meio
da noção de que as relações objetivas de poder podem se reproduzir
nas relações de poder simbólico. (BOURDIEU, 2004b) A escolha de
determinadas temáticas, em detrimento de outras, operaria segundo o
mecanismo da violência simbólica, pelo fato de “impor e inculcar certas
significações, convencionadas, pela seleção e exclusão que lhe é correlativa [...]
seleção arbitrária que um grupo ou uma classe opera [...].” (BOURDIEU,
2008, p. 29 grifo nosso).
Para Bourdieu (2001) o poder simbólico é invisível, completa-
mente ignorado e garantido pela cumplicidade dos que o exercem e
dos que se encontram sujeitos a ele. Os sistemas simbólicos funcionam
como estruturas estruturantes, ou seja, operam segundo instrumentos
de conhecimento e construção do mundo onde as classificações são
socialmente determinadas. Estes sistemas operam como estruturas estru-

99
Karina de Araújo Dias (org.)

turadas e graças a este princípio exercem um poder estruturante, sendo


instrumentos de “integração social” que visam reproduzir a ordem social.
Observa-se na oferta sistemática de cursos de formação a existência
de um rigoroso controle institucional que poderia operar em favor da
constituição de um “ habitus”, conjunto de disposições duráveis e trans-
feríveis, por meio da “inculcação metodicamente organizada enquanto tal
por princípios formais e menos formalizados (pedagogia explícita).” (Ibid.,
p. 69 grifo nosso)
Para Valle (2007) o conceito de “habitus” poderia ser entendido
como o conjunto de disposições que permite aos sujeitos agir, preferir
e comportar-se de acordo com determinados padrões comuns a um
determinado grupo social, refletindo as posições de um determinado
campo. Essa tomada de consciência permite dizer que nossas ações não
são produto da subjetividade e que este entendimento contribui para
desvelar os mecanismos de dominação e reprodução. Nesse sentido, o
“habitus” estabelece a relação entre as práticas sociais e uma determinada
situação, permitindo compreender que existe um “ habitus de classe” que
determina a construção de uma classe objetiva e que engendra práticas
análogas, bem como um conjunto de propriedades objetivadas, comuns
e incorporadas.
Desvelar esses e outros os mecanismos de imposição, implícitos
na seleção de temáticas formativas que, por serem ignorados como tal,
exercem o poder de violência simbólica, favoreceria a problematização
da constituição de uma autoridade “legítima”, bem como o questiona-
mento da imposição arbitrária de um determinado grupo, nesse caso,
operada por meio das ações de gerenciamento e controle dos percursos
formativos pelos gestores da formação continuada.
Em alguma medida esse exercício poderia contribuir para reco-
nhecer as verdades objetivas que cercam a imposição e a inculcação de
um determinado discurso, temática e lógica formativa. Cabe ressaltar
que a duração estrutural do trabalho de inculcação, ou seja, a frequência
significativa de um conjunto de temáticas formativas em favor de uma
“ formação durável” produziria um determinado “ habitus como produto de

100
Formação Inicial e Continuada de Professores

uma interiorização dos princípios” (Ibid., p. 53), objetivando engendrar, de


forma permanente, um conjunto de práticas sociais por meio da educação.
A partir do conjunto de oferta, do volume de carga horária
e, sobretudo, do processo de certificação, que incide diretamente no
deslocamento na tabela salarial proposta pelo plano de carreira dos
servidores da educação, poderíamos compreender como se exerce esse
“poder invisível” que se espraia nas/pelas relações, inclusive na medida
em que o Estado opera “como o banco central que garante todos os certifi-
cados.” (BOURDIEU, 2004b, p. 165)
Urge apreender como se materializa esse poder, ou seja, “saber
descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente igno-
rado, portanto, reconhecido” (BOURDIEU, 2001, p. 7) que somente se
exerce a partir da existência de um regime de colaboração dos sujeitos,
constituindo-se como um efeito do poder que contribui para “o construir
como tal.” (BOURDIEU, 1998b, p. 151 grifo do autor) Bourdieu aponta
que as produções simbólicas são instrumentos de dominação, tais como
a cultura, que estabelece e legitima as distinções e, por conseguinte, a
dominação.
A classe dominante detém a luta pela hierarquia dos princípios
de hierarquização, apostando na legitimação de um capital específico do
qual é detentora e que define a posição social de um indivíduo ou grupo
social. A imposição mascarada dos sistemas de classificação exerce seu
poder simbólico sob a aparência de legítimo e caracterizado por uma
ideologia que permite certa visão de mundo, sendo marcantemente mais
efetivo por ser tacitamente ignorado. O poder simbólico é uma forma
transformada de outros tipos de poder que exerce os efeitos da violência
simbólica sem despender energia.
Toda lógica formativa é o reflexo de projetos em disputa, bali-
zados por contextos políticos e sociais que definem a função social
da escola e se refletem na continuidade ou descontinuidade de um
determinado eixo formativo, que integra o conjunto de temáticas que
compõe os projetos de formação continuada. Bourdieu (2008) acena
a possibilidade de construir análises acerca da relação entre o capital

101
Karina de Araújo Dias (org.)

linguístico e o capital cultural, por meio da diferenciação e a hierarquia


verificada entre as disciplinas, o que permitiria analisar em que propor-
ção o conjunto de temas vinculados às disciplinas operaria na oferta dos
percursos formativos desenvolvidos pela RME de Florianópolis.
Nessa perspectiva, seria adequado analisar esse aspecto sob o
ponto de vista da luta entre os agentes, detentores de volumes desiguais
de capital simbólico e localizados em diferentes posições no campo, que
objetivam conservar ou transformar essa realidade. Compreende-se que o
poder simbólico pode se tornar um poder de constituição (BOURDIEU,
2004b) ou, em outras palavras, em um poder estruturante que constrói
uma determinada realidade (BOURDIEU, 2001) podendo atuar em
favor de uma “reprodução da ordem social.” (Ibid., p. 10)
A formação continuada, promovida pela Prefeitura Municipal
de Florianópolis, inscreve-se na lógica de formação para a docência
promovida pelo Estado, e enquanto “ detentor do monopólio da violência
simbólica legítima” (BOURDIEU, 1998b, p. 165) reveste-se de uma
intencionalidade. O desvelamento desses mecanismos pressupõe o
entendimento das funções e o funcionamento das redes de ensino e, por
conseguinte, o modelo de gestão da formação continuada.
Outro elemento de análise residiria em perceber o volume de
capitais simbólicos mobilizados por cada agente (professores cursistas,
professores formadores, gestores da formação continuada) a fim de per-
ceber “sua posição na estrutura da distribuição do capital” (BOURDIEU,
2004a, p. 25) para apreender a força ou fragilidade para manipular o
campo, definindo as possibilidades ou impossibilidades objetivas para
tal. O espaço social, definido por um conjunto multifacetado de posições,
poderia ser compreendido pelo volume e composição dos diferentes
capitais, segundo “o peso relativo das diferentes espécies no conjunto de suas
posses.” (BOURDIEU, 2001, p. 135)
O papel dos professores que atuam como formadores, as proprie-
dades dos seus discursos e autorização institucional que recebem para
proferi-los, enquanto “ linguagem autorizada” (BOURDIEU, 1998a) se
traduziria como uma nova faceta do poder simbólico que poderia ser objeto

102
Formação Inicial e Continuada de Professores

de análise. Em face dessa perspectiva, faz-se necessário compreender a


forma, o conteúdo e, especialmente, o reconhecimento deste discurso
como legítimo, bem como “ ignorado como arbitrário” (BOURDIEU,
2001, p. 14), na medida em que exerceria, desse modo, a sua eficácia
simbólica.
Isto implica na apresentação e percepção de um determinado
discurso como legítimo, bem como na apreensão de suas relações com
a instituição, ou seja, compreendendo quem o autoriza, a escolha que
implica em definir “quem tem o poder de dizer”, assim como quais são
os discursos que estão autorizados a proferir. A apropriação de palavras,
legitimadas socialmente, é uma garantia de vantagem significativa na
luta pelo poder.
Outro elemento que merece ser considerado reside na análise das
relações comunicativas, na medida em que operam como instrumentos
de imposição e legitimam uma forma específica de dominação ou de
violência simbólica, que impõe significações legitimadas socialmente,
contribuindo para “assegurar a dominação de uma classe sobre a outra.”
(BOURDIEU, 2001, p. 11)
Nessa perspectiva, a análise do discurso e a escolha dos profissionais
que atuam como formadores dos profissionais da educação, vinculados
à RME, obedece a uma lógica que precisaria ser aprofundada por meio
da pesquisa empírica.
Pretende-se aglutinar esforços na compreensão desses e de outros
elementos, permitindo ampliar o poder explicativo das teorias, tomando-
-se por objeto a formação para o trabalho docente, bem como contribuindo
para a produção do conhecimento na área da formação continuada em
serviço, objetivando em alguma medida “quebrar as relações mais aparentes,
por serem as mais familiares, para fazer surgir o novo sistema de relações entre
os elementos.” (BOURDIEU, 1999, p. 25)
As leituras de algumas obras de Bourdieu contribuíram expres-
sivamente no sentido de oferecer fundamentos para a compreensão da
formação docente e para o tratamento dos dados coletados, permitindo
uma interpretação qualitativa dos mesmos. As bases sociológicas do

103
Karina de Araújo Dias (org.)

pensamento de Bourdieu permitiram compreender a importância da


vigilância epistemológica no sentido de garantir a seriedade e o rigor
na construção do objeto de pesquisa, aliando ferramentas teóricas e
dados empíricos.
Cabe ressaltar que as pesquisas empreendidas por Bourdieu e sua
equipe priorizavam a análise centrada em um modo de pensar relacional,
pelo método comparativo, através do cruzamento de dados empíricos
quantitativos, numa perspectiva de interpretação qualitativa. Nesse sen-
tido é possível pensar na aplicação desses pressupostos orientados para
a definição das questões teórico-metodológicas, que guiarão a coleta de
dados e a interpretação dos resultados.
Penso que o conceito de “habitus”, na perspectiva de análise das
disposições socialmente determinadas e da noção de interiorização ou de
incorporação das estruturas objetivas, que gera e unifica as práticas, irá
auxiliar na compreensão dos processos formativos dos professores, bem
como nos limites e possibilidades dos cursos de formação continuada
desses profissionais.

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105
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106
FILOSOFIA E CINEMA: REFLEXÕES
SOBRE EDUCAÇÃO, SUBJETIVIDADE E
FORMAÇÃO NOS PROCESSOS DE ENSINO
E APRENDIZAGEM NO PROJETO PIBID DE
FILOSOFIA DA UNEB – CAMPUS I

Cláudio Magalhães Batista42

INTRODUÇÃO

A Filosofia enquanto busca do conhecimento é essencial na vida


de todo ser humano. Estabelecer uma relação entre filosofia e cinema
é concebido como um o recurso especial no processo de ensino-apren-
dizagem por agregar imagem, movimento e linguagem possibilitando
inúmeras reflexões sobre temas variadas.
O PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docên-
cia) é um programa de formação de professor, no caso futuros professores,
licenciandos. Trata-se de uma ação da Política Nacional de Formação de
Professores do Ministério da Educação (MEC) que visa proporcionar
aos discentes na primeira metade do curso de licenciatura uma aproxi-
mação prática com o cotidiano das escolas públicas de educação básica
e com o contexto em que elas estão inseridas. Aqui especificamente os
licenciandos de Filosofia da UNEB (Universidade do Estado da Bahia)
no Campus I na cidade de Salvador.
O projeto desenvolvido pelo Núcleo de Filosofia e Cinema foi:
Filosofia e Cinema na Educação Básica elaborado pelo Professor Me.
José Martins, coordenador do núcleo e pelo professor Dr. Alan Sampaio,
coordenador voluntário e teve a participação de três escolas do Ensino
Médio sendo elas: Escola Estadual Mário Augusto Teixeira de Freitas,
Instituto Federal da Bahia e Colégio Estadual Governador Roberto
Santos, e como objeto de estudo um recorte do desenvolvimento foi

42
Mestre em Cultura e Turismo (UFBA&UESC). Professor de Filosofia (SEC-BA).
CV: http://lattes.cnpq.br/1573237053691086

107
Karina de Araújo Dias (org.)

aprofundado no CEGRS (Colégio Estadual Governador Roberto Santos),


colégio situado no Cabula no período de Agosto de 2018 a Fevereiro de
2020 onde foi colocado em prática o projeto piloto.
No programa PIBID que é voltado aos licenciandos não só traz
benefícios aos estudantes de nível superior, mas também aos estudantes
de nível médio superior, mas também aos estudantes de nível médio
bem como aos supervisores, professores da educação básica que a todo
momento tem a oportunidade de rever suas posturas pedagógicas e refletir
sobre sua ação enquanto sujeito formador que é envolvido diretamente
no processo ensino-aprendizagem.
A reflexão perpassa pela ótica da Educação, pela Subjetividade e
Formação, afinal o projeto Filosofia e Cinema é um projeto de Educação
que traz no seu bojo a subjetividade dos alunos, coordenador, super-
visor e licenciandos e também é lócus da formação inicial bem como
Formação Continuada.
O PIBID é desenvolvido pela CAPES (Coordenação de Aperfei-
çoamento de Professores do Ensino Superior) tanto os alunos licenciandos
ganham bolsa de estudo como supervisores, professores da educação
básica e o coordenador, pelo período de 18 meses do projeto em si. Os
benefícios dessa reflexão sobre o programa é a partir da luz das teorias
educacionais e da comunicação, fundamentar o estudo aqui proposto,
contribuir de alguma forma para os estudos na contemporaneidade.
A metodologia adotada foi a pesquisa de observação participativa
do projeto PIBID como fenômeno, que está posto que acontece e teve
a característica qualitativa de natureza autobiográfica fenomenológica,
porque dizemos que é autobiográfica, pois uma hora sou o observador,
pesquisador e tem momentos que tomo a postura de participante uma vez
que fui supervisor do PIBID no Colégio Estadual Governador Roberto
Santos com 10 alunos pibidianos, do curso de Filosofia.
Para escrever esse capítulo recorri a esses passos metodológicos
para melhor dissertar sobre o tema que é tão implícito no arcabouço
educacional e de suma importância para a Educação Contemporânea e
ao processo ensino- aprendizagem.

108
Formação Inicial e Continuada de Professores

As sessões fílmicas no CEGRS recebeu o nome Cinephilos e


acontecia de 15 em 15 dias com temas diversos tais como: Racismo.
Feminismo, Gênero, Depressão, Consumo, temas sociais contempo-
râneos. Todas as sessões com direito a pipoca e refrigerante e sempre
com o debate após o filme, sendo enriquecedor tanto para os bolsistas
do PIBID quanto para os alunos do CEGRS que discutiam filosofia
e temas com novas perspectivas, deixando a aula tradicional para algo
mais lúdico que é a linguagem cinematográfica. As sessões fílmicas era
realisada tanto no matutino quanto nas turmas do vespertino.

DESENVOLVIMENTO

A educação é um processo interativo entre duas ou mais pessoas


e a relação educador e educando representa um processo mediado de
forma simbólica, nesse arcabouço pedagógico educativo capaz de trans-
formação para todos os envolvidos no caminhar educacional. Conforme
ARANHA, 2006, o profissional da educação é um transformador capaz
de reinventar sua práxis:
Espera-se que o profissional da educação seja um sujeito
crítico, reflexivo, um intelectual transformador, capaz de
compreender o contexto social-econômico, político em
que vive. Ou seja, não se deve confundir o intelectual
com o especialista em alguma área do conhecimento,
mas sim ter em mente que ele é o sujeito capaz de ter uma
visão do todo, além de estar comprometido com a ética e
a política. Que ele então esteja atento à intencionalidade
seu saber e agir, articulando o conhecimento sobre a
educação com sua práxis educativa, com reflexibilidade
para inventar caminhos quando a situação concreta exige
soluções criativas. Enfim, que participe ativamente
no propósito da emancipação humana. (ARANHA,
2006, p. 47)

O PIBID de Filosofia de forma clara tem um pensamento reflexivo


capaz de agir na educação dos alunos envolvidos proporcionando invenção
de caminhos alternativos para a emancipação humana através de uma
educação sólida pautada para a autonomia. Todo espaço é um espaço
de educação sejam eles na família, na escola, na Igreja, nos clubes, no

109
Karina de Araújo Dias (org.)

cinema etc, sempre é um espaço de aprendizado e de conhecimentos. A


educação está presente na vida cotidiana e não só na escola propriamente
dita. No PIBID de Filosofia é perceptível que o cinema é um importante
espaço de educação e é assertiva o projeto, pois alia linguagem, expressão,
memória e reflexões sobre temas variados.
Precisamos reconhecer os saberes que os educandos acumularam
ao longo da vida, e formavam sua visão de mundo, a partir daí, construir
um caminho que conduz à subjetividade e desenvolva a criticidade acerca
da sua realidade. Segundo CANDAU:
É preciso retornar o debate e tomar posição sobre
os objetivos de formação a serem promovidos pela
escola hoje, que forma cidadão numa sociedade que
inclua todos, na sua configuração, econômica, política,
social, cultural do mundo contemporâneo (CANDAU,
2002, p. 34)

Na compreensão de Veiga (2004) a educação escolar é intencional


e necessita de um processo de sistematização que envolvia realidades
socioeducacionais concreto, exigindo a opção por um método de ensino
que possibilite a mediação entre teoria e prática, pensamento e ação,
sujeito e objeto. Sendo assim, Veiga acrescenta que:
O método de ensino passa a ser assim um dos elementos
possíveis para estruturação dos caminhos utilizarão em
suas trajetórias, diferentes procedimentos de ensino,
objetivando motivar e orientar o educando para a assi-
milação crítica do saber proporcionando pelo processo
de escolarização em suas relações com os meios natural,
cultural e sócio-econômico. (VEIGA, 2004, p. 98)

Por sua vez, Vasconcelos (2004) argumenta que esta prática peda-
gógica numa perspectiva interdisciplinar procura superar a fragmentação
do conhecimento, em que, as várias dimensões da produção do saber,
isto é, em relação ao sujeito, ao objeto e ao contexto. Por conseguinte, o
conhecimento para conduzir à ação precisa ser carregado de significado e
emoção, e principalmente, estar articulado com a realidade no propósito
de sua transformação.

110
Formação Inicial e Continuada de Professores

Dentro do bojo da educação vem o PIBID (Programa Institucio-


nal de Bolsas de Iniciação à Docência) com o sub-projeto do Núcleo de
Filosofia com o tema: Filosofia e Cinema na Educação Básica, Para Silva:
O PIBID coloca o licenciando no cenário real da escola,
permitindo a sua inserção em vários contextos de atua-
ção, que não só o da sala de aula. E isso se coloca como
uma condição importante no processo de formação dos
professores, pois conhecer a escola em suas diferentes
ações pedagógicas e momentos formativos implica numa
possibilidade de aprendizagem dos saberes docente por
um professor em formação. Estar na escola e poder
participar de sua dinâmica organizativa do início ao
fim de um ano letivo significa criar para o licenciando
a condição de poder viver a escola em sua dinâmica
natural, e real, de disso desenvolver saberes docente.
(SILVA, 2017, p. 63)

O PIBID é um programa importantíssimo para os licenciandos e


em especial o Núcleo de Filosofia e Cinema na Educação Básica propor-
ciona reflexões profundas sobre a filosofia e é local de ações pedagógicas
formadoras dos saberes docentes e discentes. Podemos entender uma
análise cinematográfica como um comentário crítico com o objetivo de
alcançar uma explicação da obra analisada. Verificando a possibilidade
de compreensão de suas formas de ser. O PIBID-Filosofia e Cinema
procura compreender que tanto a obra cinematográfica a partir de sua
análise é uma atividade filosófica, quanto o uso da mesma como um
bom instrumento para o ensino da filosofia.
Para Julio Cabrera (2006), em sua obra O Cinema Pensa, ele
defende a tese em que filmes são mais do que simples experiências
estéticas, são, como o mesmo diz, conceito-imagens. O cinema é uma
resposta à dificuldade contemporâneas no ensino de filosofia, pensando
o mesmo como um importante recurso didático, pois, teorias de grandes
pensadores da história da filosofia, aparentemente complexas, ilustrados,
por cenas ou diálogos memoráveis, se tornam mais claras e mais concretas.
Pensar a relação ente o cinema e a filosofia não parece
ser uma tarefa fácil, incorporar este elemento então
como uma prática didática, coloca-se como um verda-

111
Karina de Araújo Dias (org.)

deiro desafio. Não se trata de forçar uma abordagem


metodológica muito menos de criar um espaço mais
atrativo para o aprendizado da filosofia. A questão é
aproximar a filosofia do cinema e sim demonstra que
o cinema pode ser uma expressão da própria filosofia.
(REINA, 2013, p. 37)
Utilizar filmes deve ser programado de forma sistemática e peda-
gógica para não haver fracasso se não tomar os devidos cuidados. Os
bolsistas do PIBID quando teve o contato com os alunos para exibição
de filmes já tinham um plano de trabalho com fundamentação teórica
para propor reflexão linear do filme como um todo. É fazer a experiência
do sentir.
A utilização do filme como um recurso didático para o ensino de
filosofia pode ser uma arma poderosa e quando ele é pensado, escolhido
pela temática conduz a um aprendizado eficaz e com sentido. Filosofar
através dos filmes utilizando as obras cinematográficas é algo que instiga
a problematização de um universo novo e capaz de contribuir a novas
interpretações, inquietações e reflexões.Para DELEUZE:
A imagem cinematográfica deve ter um efeito de choque
sobre o pensamento e forçar o pensamento a pensar tanto
em si mesmo, quanto no todo. (...) Por isso Einstein
lembra constantemente que “o cinema intelectual” tem
por correlato” o pensamento sensorial” ou “ a inteli-
gência emocional” e se não for assim não vale nada.
(DELEUZE, 2007, p. 192)

A imagem no cinema nos capta a e nos fascina possibilitando a


um pensar sobre si e sobre tudo, nos impulsiona através do pensamento a
refletir sem medos e amarras se está sendo certo ou errado, mas somente
o ato de refletir já é importante. O PIBID de Filosofia e Cinema propi-
cia antes do filme ser passado uma profunda reflexão nos projetos que
todos os bolsistas tiveram que escrever, com os filmes que passaram,
para o melhor aproveitamento e envolvimento dos estudantes. Na rea-
lidade a uma intencionalidade com todos os filmes propostos com uma
fundamentação filosófica e pedagógica eficiente. “ [...] trata-se de outra
maneira de ver, ler, de sentir e aproximar-se do mundo, com relação à
qual a escola não pode se omitir”. (BACCEGA, 2008, p. 07)
112
Formação Inicial e Continuada de Professores

O áudio visual está presente nos smartfones, whatssaps, facebook,


instagram, etc de recursos tecnológicos e o cinema é uma ferramenta para
essa alfabetização e neste caso um importante recurso áudio visual para o
ensino da filosofia. O cinema na escola pode proporcionar aos estudantes
através de suas imagens uma experimentação do pensamento. A ideia
de que o cinema pode fornecer não só entretenimento, mas também
a possibilidade de domínio dessa arte a favor de seu desenvolvimento
intelectual e cultural.
O PIBID de Filosofia da UNEB é um programa dentro do Núcleo
de Filosofia e Cinema na Educação Básica e é desenvolvido pelo cole-
giado de Filosofia do Campus I em Salvador-BA. O projeto é feito em
Três escolas públicas da cidade de Salvador e conta com 1 coordenador
(Professor do curso de Filosofia), três supervisores um para cada escola
e a quantidade de pibidianos, alunos do curso de Filosofia da primeira
metade de integralização curricular de 7 a 10 alunos cada escola.
Quando analisamos o PIBID-Filosofia, percebe-se que é um
programa de Educação, de subjetividade e de Formação tanto inicial, dos
alunos de Filosofia, quanto continuada, para os professores de Filosofia
da Educação Básica, bem como a formação de todos os envolvidos, coor-
denador, supervisor, pibidianos e alunos da escola que discuti filosofia
através dos filmes e temáticas subjacentes que eles trazem.
O processo ensino-aprendizagem acontece quando uma meto-
dologia ou didática é aplicada para um melhor aprendizado nos alunos
em relação ao conteúdo ou assunto apresentado.
Para que o cinema chegasse onde chegou, foi preciso
também que a linguagem cinematográfica se desen-
volve, passo a passo, dentro do projeto narrativo, isto
é, que constasse histórias completas num determinado,
geralmente por volta de uma hora e meia. Segundo
Jean Claude Bernadet, crítico e professor de cinema,
foi necessário criar estruturas narrativas que pudessem
relatar, e em diferentes lugares, acontecimentos que
ocorrem ao mesmo tempo, e em diferentes lugares
acontecimentos já passados ou presentes e até mesmo o
desejo de acontecimentos futuros, sem que se criasse na

113
Karina de Araújo Dias (org.)

cabeça do espectador uma completa confusão. (ARA-


NHA e MARTINS, 1998, p. 242)
O cinema é objeto de estudo de diversos campos do conheci-
mento, tais como a filosofia, a literatura, a psicanálise as artes plásticas
etc. A linguagem cinematográfica é capaz de fazer com sua narrativa a
apreensão do espectador que viaja na própria e é capaz de refletir sobre
tudo e ir além do filme.
Para Deleuze, o cinema não é um objeto de reflexão teórica, mas um
campo que atua conjuntamente com outros domínios de conhecimento,
como a filosofia, literatura ou artes plásticas. Nenhuma área é inferior
para Deleuze ou menos abstratos. O cinema na realidade é uma forma
de investigar os procedimentos que os cineastas utilizam para pensar
através de seus filmes. No PIBID de Filosofia, é apresentado aos alunos
a Filosofia presente nos cinemas e é utilizado o recurso cinematográfico
para discutir temas de Filosofia e é perceptível a aprendizagem dos
alunos, pois ficam sucetíveis a filosofar.
Deleuze não realiza rodeias para falar do que se trata
a atividade filosófica. Sua definição é clara: filosofia é
criação de conceitos, bem, se a filosofia é criação de
conceitos, é pela via conceitual que deve ocorrer o ensino
de filosofia, mesmo que nesse caminho se faça uso das
imagens cinematográficas. A ideia de pedagogia do
conceito, pode se estender ao ensino da filosofia, sob
a proposta de um processo de criação conceitual por
parte aos alunos. (OLIVEIRA, 2012, p. 89)

O ensino de Filosofia no ensino Médio sempre foi deixado de


lado em todas as reformas educacionais ficando em segundo plano e
os professores de Filosofia tem de se reinventar constantemente para
proporcionar aos alunos o mínimo de reflexão filosófica em uma carga
horária tão ínfima de 1 ou 2 horas semanais. É necessária a valorização
da Filosofia como uma disciplina transformadora da realidade existente
e o cinema é salutar o seu uso como instrumento de reflexão e de apro-
priações de conceitos e de experiências formativas.
O cinema tem um papel educativo e formador, tanto dos alunos
quanto dos professores. A formação é de suma importância para o

114
Formação Inicial e Continuada de Professores

sujeito do conhecimento é através da mesma que podemos compreender


a educação presente bem como o significado da formação na vida dos
alunos e professores.
Somos eternos aprendizes e a formação nunca se acaba, não tem
fim, pois aprendemos, reaprendemos damos importância as experiências
adquiridas e tão rara de acontecer nesse mundo contemporâneo. Como
diz Larrossa vários são os aspectos que não permite essa experiência
acontecer como, excesso de informação, opinião, falta de tempo e excesso
de trabalho.
Em qualquer caso, seja como território de passagem,
seja como lugar de chegada ou como espaço do acon-
tecer, o sujeito da experiência se define não por sua
atividade, mas por sua passividade, por sua abertura.
Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição
entre atio e passivo, de uma passividade feita de paixão,
de padecimento, de paciência, de atenção, como uma
receptividade primeira, como uma disponibilidade fun-
damental, como uma abertura essencial. (LAROSSA,
2001, p. 24)

O sujeito da experiência sempre está em abertura com o outro,


da relação intersubjetiva de sujeitos diversos que se opõe, contrapõe ou
se conforma a partir dos processos de subjetivação inerentes ao processo
formativo e auto-formativo. As práticas pedagógicas nas quais se constrói
e modifica a experiência que os indivíduos têm de si mesmo.
Para Amatuzzi (2006); a Subjetividade é o abstrato de sujeito,
a subjetividade é a consciência de si, a auto-consciência.O Sujeito na
História é o homem racional capaz de transformar a realidade que o cerca
e para Deleuze o sujeito se encontra com o outro nos encontros vividos,
A subjetividade tem haver com a sociedade em que vivemos e vai sendo
construída pelos afetos vividos nesses encontros conforme pensa Guatarri
e a Subjetivação é a produção viva de si no encontro com o outro que
se vale de diferentes dispositivos de controle, têm referência ao Estado
Político e que é construído pelo processo de subjetivação pensado por
Michael Foucault pelos aparatos tanto pedagógicos ou teraupêticos.

115
Karina de Araújo Dias (org.)

Pode-se perceber, por conseguinte, que no decorrer da história, os


modos de subjetivação sofrem as mais variadas transformações. Nessa
perspectiva, interessado em compreender a problemática da produção do
sujeito nos dias atuais, Foucault comenta as lutas políticas que se fazem
necessárias em nosso tempo.
No entender, o final do século XX é marcado pelo
terceiro tipo de luta que coloca em evidência os modos
de subjetivação e as possibilidades de resistência que
eles atualizam. Resistir hoje se torna uma ação política,
quando, por exemplo, recursamos o individualismo já
tão naturalizado em nosso cotidiano e insistimos nos
encontros, fazendo circular as invenções microssociais
de novas formas de vida que não se revertem em regras
universais obrigatórias. (MANSANO, 2009, p. 114)

Esse processo de subjetivação precisa encontrar novos modos de


existir, sendo que os estudos em Foucault convocam para uma análise
agora no presente nas nossas experiências às novas possibilidades de
transformação.

CONSIDERAÇÕES

Após a análise do PIBID de Filosofia da UNEB do Núcleo de


Filosofia e Cinema Educação, Subjetividade e Formação ter a com-
preensão e a dimensão que esse programa possui no que diz respeito à
formação dos estudantes de Filosofia da UNEB bem como a formação
dos supervisores que sempre está revendo a sua práxis pedagógica.
É salutar esse projeto de Filosofia e Cinema, pois proporciona
que os alunos possam filosofar a partir da linguagem cinematográfica,
reflexões inúmeras e temas variados que os filmes e os planos de trabalhos
dos pibidianos desenvolveram.
O capítulo é um olhar do supervisor que está inserido em todo o
processo do projeto que hora é espectador, hora é formador e imbuído
nesse processo educacional e formativo que sempre é atual.

116
Formação Inicial e Continuada de Professores

O cinema é essencial para a análise filosófica e imagens-tempo


conforme Deleuze, conceitos que está presente nas suas obras, conceitos
como tempo, espaço, momento, imaginário, real.
Nesse texto o autor não quer esgotar o assunto e seria muita ino-
cência da sua parte o querer, mas lançar mais questionamentos sobre o
processo da Filosofia e Cinema para a Educação e Formação de Pro-
fessores, pois se trata de um projeto de Formação Inicial e por sua vez
de auto-formação para os supervisores como uma formação continuada.
A reflexão nunca se esgota, mas fica sempre o gosto do querer mais,
e a subjetividade dos encontros dos sujeitos pertencente ao projeto PIBID
de Filosofia e Cinema na educação é potente para a experiência vivida.

REFERÊNCIAS
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Retirado em //, do World Wide Web HTTP:// WWW.fafich.ufrg.br/-memorandum/
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Filosofia. 2. Ed. Ver. São Paulo: Moderna. 1998.

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de recepção. Intrcom. Natal – RN.2 a 6 de setembro de 2008.

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de Janeiro: Rocco, 2006.

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DP&A, 2002.

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Revisão Filosófica: Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007.

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identitária. Tese de doutorado Programa de Pós-graduação em Educação e Contem-
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VASCONCELOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento em sala de aula.


São Paulo: Libertad, 2004.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro (coord). Repensando a didática. Campinas, SP:


Papirus, 2004.

118
SOBRE A ORGANIZADORA

KARINA DE ARAÚJO DIAS

Possui graduação em Pedagogia pela


Universidade do Estado de Santa Catarina
(2001), com especialização em Psicopedagogia
Institucional pela Universidade do Sul de
Santa Catarina (2003). Obteve seu Mestrado
em Educação (2011), pela Universidade Fede-
ral de Santa Catarina, investigando os cursos
de formação continuada, atrelados à temática
da diversidade étnico-racial, e destinados aos docentes da educação básica.
Concluiu o Doutorado em Educação, pela Universidade Federal de Santa
Catarina, no ano de 2017. Realizou seu Pós Doutoramento (2017-2019)
na Universidade Federal de Santa Catarina desenvolvendo uma pesquisa
acerca da realização e da concessão do Prêmio “Professor Nota Dez”
objetivando apreender de que modo se opera o discurso da renovação
e da inovação por meio da oferta e da outorga do prêmio. Integra o
Conselho Editorial de diversos periódicos e editoras, dentre os quais,
está a Editora Bagai. É pesquisadora vinculada ao grupo “Patrimônio,
Memória e Educação” (CNPQ ) com especial interesse nos seguintes
temas: formação de professores, formação continuada docente, estudos
foucaultianos e subjetividade docente.

LATTES http://lattes.cnpq.br/1924264572679882
ORCID https://orcid.org/0000-0002-0836-6985
E-mail karinadias77@hotmail.com

119
ÍNDICE REMISSIVO P
programa institucional de bolsas de
iniciação à docência 8, 107, 111
B
R
base nacional comum curricu-
lar 7, 22, 33 relações de gênero 8, 46, 50, 52,
58, 63, 72
C
S
cinema 6, 8, 17, 107-108, 110-
114, 116-118 sexualidade 5, 8, 56, 59-64, 68,
71-72, 74-79
cultura digital 5, 7, 21, 23-25, 27-34
T
D
tecnolog ias educaciona is 8,
desenvolvimento profissional 31-32
31, 81-83, 91
diversidade 5, 8-9, 36-37, 50, 59-60,
63, 68-69, 71-72, 75-78, 119
E
educação básica 5, 7, 9, 11, 22, 24-26,
28-29, 33-34, 44, 72, 87, 92, 95, 107-
108, 111, 113, 119
educação física escolar 8, 46
educação infantil 5, 7, 24, 35-45, 62
ensino superior 11, 24, 96, 105-106, 108
estado da arte 84, 93
F
filosofia 6, 8, 44, 78, 107-114, 116-118
formação continuada docente 119
formação continuada em serviço 103
formação de professores 5, 7-8, 13, 37,
68, 80-81, 99, 105, 107, 117, 119
formação docente 7, 103, 118
formação inicial 57, 59, 61, 84, 86,
92, 108, 117
G
gênero 5, 8, 46-53, 56, 58-63, 65-69,
71-79, 86, 109
L
letramento digital 7, 11, 90

120
Este livro foi composto pela Editora Bagai.

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/editorabagai contato@editorabagai.com.br

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