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E n s i n o e d i dá t ic a de

p e rs p e c t iv a c rí t i c a na
E d u c a ç ã o F í s i c a e no Es p o r t e

Emerson Duarte Monte


Marcos Renan Freitas de Oliveira
Organizadores

Coleção Formação e Produção em Educação


Marta Genú Soares
Coordenação

LIVRO 5

CCSE / UEPA
Belém – Pará
2 02 0
© Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa RessignificaЯ.

Este livro ou parte dele pode ser reproduzido por qualquer meio mantida a fonte de origem.

A responsabilidade pelas opiniões expressas nos capítulos é exclusivamente incumbida aos


autores e as autoras assinantes.

COLEÇÃO FORMAÇÃO E PRODUÇÃO EM E DU CA ÇÃO

Diretora da Coleção Comitê Científico


Marta Genú Soares Prof. Dr. Allyson Carvalho de Araújo (UFRN)
Coordenação Acadêmica do Livro 5 Prof.ª Dr.ª Eugenia Trigo Aza (IISABER/ES)
Marta Genú Soares Prof.ª Dr.ª Ilma Pastana Ferreira (UEPA)
Organizadores do Livro 5 Prof.ª Ma. Ivana Lúcia Silva (IFRN)
Emerson Duarte Monte Prof.ª Dr.ª Joelma C. P. Monteiro Alencar (UEPA)
Marcos Renan Freitas de Oliveira Prof.ª Dr.ª Mirleide Chaar Bahia (UFPA)
Ilustração e Editoração
Emerson Duarte Monte
Revisão do Inglês
Carla Loyana Dias Teixeira

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da UEPA / SIBIUEPA

M772
Ensino e didática de perspectiva crítica na educação física e no esporte
[recurso eletrônico] / Organizadores Emerson Duarte Monte, Marcos
Renan Freitas de Oliveira. – Belém, PA: CCSE/UEPA, 2020.
259 p.: Formato Digital. (Coleção Formação e Produção em
Educação, dirigida por Marta Genú Soares; v. 5).
Vários autores
Formato: PDF
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN Digital: 978-65-00-10315-1
1. EDUCAÇÃO FÍSICA – Pesquisa – Brasil. 2. PROFESSORES –
Formação. 3. PRÁTICAS CORPORAIS. I. Monte, Emerson Duarte. II.
Oliveira, Marcos Renan Freitas de. III. Série.
CDD 22. ed. 613.7

Contato: Universidade do Estado do Pará | Campus III


Avenida João Paulo II, 817, Sala NUPEP | RessignificaЯ
Bairro: Marco | CEP: 66.095-049 | Belém - Pará - Brasil
E-mail: gressignificar@gmail.com | martagenu@gmail.com | anibal.neto@uepa.br
UMÁRIO

Apresentação
5
Emerson Duarte Monte e Marcos Renan de Oliveira

Teoria Histórico-Cultural, Pedagogia Histórico-Crítica e


Abordagem Crítico-Superadora do ensino da
10 Educação Física: algumas contribuições
Cássia Hack
Celi Nelza Zülke Taffarel

Pandemia e política adoecida: uma análise na Educação Física


sob a ótica da pedagogia Crítico-Superadora
Arliene Stephanie Menezes Pereira
38
Francisco Eraldo da Silva Maia
Joselita da Silva Santiago
Symon Tiago Brandão de Souza

Impactos socioeducacionais em época de pandemia:


análise crítica sobre o ensino e a didática
64 Rayane Mesquita Estumano
Luciane Cristina Farias de Aguiar
Marta Genú Soares

Educação Física Escolar em tempos de pandemia


Denise Grosso da Fonseca 88
Roseli Belmonte Machado

Limites da relação entre Lutas e Educação Física:


108 primeiros ajustes de uma crítica docente
Benedito Carlos Libório Caires Araújo

O trato com o conhecimento esporte na Educação Física Escolar:


limites, contradições e possibilidades
134
Wanderley dos Santos Araújo
Marcos Renan Freitas de Oliveira
Questões críticas a considerar na organização didática
de Exercícios Físicos em Treinamento Resistido

154 Daniel Castilho de Souza


Fábio Andrade Fernandes
Gláucia Lobato Kaneko
Marta Genú Soares

Educação Especial na teoria Educação de Corpo Inteiro:


possibilidades e ressignificações
Inara Maria Rolim Tavares 178
Suzelli Helena Borges Raiol
Higson Rodrigues Coelho

O Estágio e as Práticas Pedagógicas no processo de Formação


Docente para atuação na Educação Física Escolar Inclusiva
204
Anita Franco Vilardaga
Sergio Roberto Silveira

Desafios e possibilidades para o ensino da Educação Física


no processo de inclusão educacional de alunos com
Transtorno do Espectro Autista
Glenda dos Santos Pinheiro 226
Vanessa Rodrigues Cuns
Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito
Anibal Correia Brito Neto

O ensino da Educação Física na Educação Infantil:


reflexões a partir da interculturalidade
244
Laíne Rocha Moreira
Larici Keli Rocha Moreira
PRESENTAÇÃO

“A desumanização do indivíduo
perpassa por toda a história dos
corpos racializados e
marginalizados, sendo na
objetificação, na comercialização ou
na contagem estatística.”

Mauricio Igor (2020)

Em 2020 nos confrontamos com a existência da pandemia da


COVID-19 causada pelo Coronavírus – denominado SARS-CoV-2 – que
atingiu a todos e todas em âmbito global e local. Sabe-se, que se trata de uma
doença sistêmica que afeta diversos órgãos do corpo humano, com elevado
grau de transmissibilidade e de letalidade, e desafia a comunidade científica a
entender de que modo o vírus se comporta em crianças, jovens, adultos e
idosos, portadores ou não de comorbidades.
A COVID-19 tem mobilizado cientistas e pesquisadores do mundo
para dar respostas aos questionamentos, dúvidas e controvérsias sobre os
fármacos e procedimentos mais eficientes para o tratamento da doença, bem
como para a produção de vacinas para imunização da população mundial.
Trata-se de uma doença que já custou a vida de mais de um milhão e
setecentas mil pessoas no mundo e mais de cento e oitenta e oito mil no
Brasil.
É com a centralidade da luta, do enfrentamento e da resistência
contra as forças negacionistas da existência do Coronavírus e da produção de
vacinas para a imunização de todos os seres humanos, que o Grupo de
Pesquisa RessignificaЯ – Experiências Inovadoras na Formação de
Professores de Educação Física e Prática Pedagógica socializa o quinto E-
book intitulado “Ensino e Didática de perspectiva crítica na Educação Física
e no Esporte”.

5
Imbuídos do sentimento de superação das contradições da vida
social que este livro dialoga com a fotografia “Sem título e sem nome”,
produzida em 2020 pelo artista Mauricio Igor, de 25 anos, nascido em
Belém/PA, professor de Artes Visuais. O artista expressa o processo de
desfalecimento do indivíduo e da sua pessoalidade diante de uma grave crise
econômica, política, social e sanitária que vivenciamos hodiernamente.
A fotografia permite compreender que o processo de
desumanização do ser humano se vincula à história de opressão aos corpos
racializados e marginalizados, contabilizados sob a égide dos interesses do
capital e dos governos. A identidade, a história e a individualidade dos
indivíduos são interditadas, coisificando os corpos e tornando-os apenas
estatísticas da desumanização da necropolítica do sistema do capital.

Obra: Sem título e sem nome. Autor: Mauricio Igor (1995).


Ano: 2020. Técnica: Fotografia.

Tomados pelos desejos orientadores do sentido e do significado


da fotografia do artista, reforçamos a necessidade de construirmos
coletivamente um mundo em que as relações humanas entre as gerações

6
possam expressar a diversidade, a liberdade, o direito à vida e a
solidariedade.
Nesse diapasão, este livro se configura como uma coletânea de 11
capítulos que perpassam por três blocos temáticos, os quais discutem e
integralizam as relações da Educação Física com a pandemia, com as práticas
corporais e com a educação especial. Tais blocos estão no meio de um artigo
de abertura e um de fechamento do livro.
O primeiro capítulo de autoria das professoras Cássia Hack e Celi
Nelza Zülke Taffarel, traz à tona as contribuições da Teoria Histórico-
Cultural, da Pedagogia Histórico-Crítica e da Abordagem Crítico-Superadora
do ensino da Educação Física para o desenvolvimento do trabalho educativo
em uma perspectiva que supera as teorias não críticas e as teorias crítico-
reprodutivistas. As autoras fundamentam-se no materialismo histórico
dialético para articular a teoria necessária no desenvolvimento do trabalho
educativo no campo da Educação Física.
No bloco temático que discute a relação da Educação Física com a
pandemia o primeiro capítulo é de autoria dos pesquisadores Arliene
Stephanie Menezes Pereira, Francisco Eraldo da Silva Maia, Joselita da Silva
Santiago e Symon Tiago Brandão de Souza; o segundo capítulo foi produzido
pelas professoras Rayane Mesquita Estumano, Luciane Cristina Farias de
Aguiar e Marta Genú Soares; e o terceiro foi elaborado pelas autoras Denise
Grosso da Fonseca e Roseli Belmonte Machado. Os estudos desse bloco
trazem para o debate e a crítica, as políticas públicas de enfrentamento da
pandemia, a necessidade de as escolas assumirem uma teoria pedagógica de
perspectiva crítica para o ensino dos conteúdos da cultura corporal e as
experiências e práticas da Educação Física escolar em tempos de crise
sanitária.
As práticas corporais situam-se no segundo bloco temático, com
os capítulos de Benedito Carlos Libório Caires Araújo; Wanderley dos Santos
Araújo e Marcos Renan Freitas de Oliveira e; Daniel Castilho de Souza, Fábio
Andrade Fernandes, Gláucia Lobato Kaneko e Marta Genú Soares. Os estudos
problematizam o ensino de perspectiva crítica das práticas corporais, com
centralidade para as lutas, os esportes e a ginástica, como possibilidades

7
emancipadoras e contra hegemônicas nos campos da Educação Física escolar
e não escolar.
A temática da educação especial insere-se no terceiro bloco com
os capítulos de Inara Maria Rolim Tavares, Suzelli Helena Borges e Raiol
Higson Rodrigues Coelho; de Anita Franco Vilardaga e Sergio Roberto
Silveira; e de Glenda dos Santos Pinheiro; Vanessa Rodrigues Cuns, Eliane do
Socorro de Sousa Aguiar Brito e Anibal Correia Brito Neto. Os estudos
refletem sobre a formação acadêmica, a prática pedagógica de professores/as
de Educação Física para a inclusão dos alunos com deficiência na escola e as
perspectivas e desafios de uma educação inclusiva na Educação Física escolar
a partir de uma teoria pedagógica propositiva e sistematizada.
O último capítulo do livro é de autoria de Laíne Rocha Moreira e
Larici Keli Rocha Moreira e discute sobre o ensino da Educação Física na
educação infantil sob a lente da interculturalidade, que é uma perspectiva
teórica emergente do contexto das lutas contra os processos crescentes de
exclusão social e que busca a construção de práticas educativas sensíveis às
questões da diversidade cultural relativas a classe, gênero e etnia em todas as
etapas da educação básica.
No percurso formativo, crítico e propositivo das pesquisas
apresentadas neste livro, os leitores poderão analisar as temáticas
privilegiadas e problematizadas, os resultados alcançados e as sugestões para
novos estudos, sintonizados com o ensino e didática de perspectiva crítica na
Educação Física e no Esporte e a produção do conhecimento científico, como
força motriz de processos de formação humana emancipatória em tempos de
pandemia.
Em tempo de ascensão de ideologias de carizes fascistas,
remontando a tragédia histórica das ditaduras italiana e alemã, a farsa criada
pelo chefe do executivo federal sobre a pandemia e as saídas por meio das
vacinas, coloca em marcha a materialização de um governo genocida. Nutrir a
nossa prática com a perspicácia exposta por Mauricio Igor em sua obra
caminha na direção da ruptura necessária com o obscurantismo e o
negacionismo signatários da fascistização.

8
O alimento que dará musculatura ao nosso corpo teórico está
presente nessa obra, para fazer frente às políticas de destruição dos serviços
públicos e dos direitos sociais. A nossa unidade está delineada a partir do
programa de defesa, intransigente, da vida humana, e é com ela que
conquistaremos, no campo da prática, a liberdade da classe trabalhadora.
Portanto, é necessário permanecer com o otimismo da vontade sem deixar de
se guiar pelas análises do pessimismo da razão.

Belém, Pará, Amazônia, Brasil / 2020


Emerson Duarte Monte e Marcos Renan Freitas de Oliveira

9
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Teoria Histórico-Cultural, Pedagogia


Histórico-Crítica e Abordagem Crítico-
Superadora do Ensino da Educação Física:
Algumas contribuições

Cássia Hack (UNIFAP) *


Celi Nelza Zülke Taffarel (UFBA) **

Resumo: O texto apresenta fundamentos e contribuições da Teoria Histórico-Cultural, da


Pedagogia Histórico-Crítica e da Abordagem Crítico-Superadora do Ensino da Educação
Física que orientam o trabalho educativo. Apoiamo-nos no materialismo histórico
dialético para articular a teoria necessária para o desenvolvimento coerente do trabalho
educativo no campo da Educação Física.
Palavras-chave: Teoria Histórico-Cultural. Pedagogia Histórico-Crítica. Abordagem
Crítico-Superadora do Ensino da Educação Física. Materialismo Histórico Dialético.

* Doutora em Educação (UFBA) com estágio na Università degli Studi di Cassino e del
Lazio Meridionale (Itália). Professora Adjunta na Universidade Federal do Amapá.
E-mail: cassia.hack@gmail.com
** Doutora em Educação (UNICAMP). Professora Titular na Universidade Federal da
Bahia. E-mail: celi.taffarel@gmail.com

Entendo e defendo que a escola é a forma mais avançada que


temos para garantir a formação de crianças, jovens e adultos, no
que diz respeito ao acesso ao patrimônio histórico da humanidade
e o local privilegiado para desenvolvimento das funções
psicológicas superiores (TAFFAREL, 2013, p. 138).

ste texto aponta fundamentos e contribuições da Teoria


Histórico-Cultural, da Pedagogia Histórico-Crítica e da Abordagem Crítico-
Superadora do Ensino da Educação Física para o desenvolvimento do
trabalho educativo em uma perspectiva que supera as teorias não críticas e as
teorias crítico-reprodutivistas (SAVIANI, 2008), no trato das contradições no
chão da escola, considerando seu grau de desenvolvimento, para contrapor-se
a atual perspectiva de escolarização que, majoritariamente tem nas

10
Hack e Taffarel (2020)

pedagogias do aprender a aprender os seus fundamentos (DUARTE, 2011a).


Este conjunto de teorias ancora sua gênese e desenvolvimento nos
pressupostos do Materialismo Histórico Dialético (SAVIANI, 2008, 2011,
2019; TAFFAREL, 2013, 2016; MARTINS, 2013; GALVÃO; LAVOURA;
MARTINS, 2019).
Saviani (2011) afirma que não é suficiente recolher trechos da
obra de Marx e Engels, ou perscrutar implicações educacionais do conjunto
da obra destes autores para construir uma pedagogia inspirada no
materialismo histórico dialético 1. Implica a apreensão da concepção de
fundo, de ordem ontológica, epistemológica e metodológica, que caracteriza o
materialismo histórico dialético. Imbuídos destes elementos, deve-se
adentrar o interior dos processos pedagógicos, reconstruindo suas
características objetivas e formulando as diretrizes pedagógicas que
possibilitarão a reorganização do trabalho educativo sob os aspectos das
finalidades e objetivos da educação, das instituições formadoras, dos agentes
educativos, dos conteúdos curriculares e dos procedimentos didático-
pedagógicos “que movimentarão um novo éthos educativo, voltado à
construção de uma nova sociedade, uma nova cultura, um novo homem”
(SAVIANI, 2011, p. 24), contribuindo neste período de transição (TROTSKY,
2009), nas palavras de Taffarel (2016, p. 6) “são as condições objetivas
colocadas à humanidade que permitem o desenvolvimento humano, a
construção da subjetividade humana, a construção do sistema axiológico dos
seres humanos”.
Não existe uma educação e uma escola em condições idealizadas,
pois são fenômenos sociais desenvolvidos nas condições objetivas, ou seja, a
partir da realidade concreta em meio a disputa de projetos históricos
conflitantes, opostos, é preciso, portanto, tomar uma posição política, pois
“projetos históricos diferentes alimentam diferentes concepções de educação
e sociedade” (ESCOBAR, 1997, p. 141), e vez que nem o conhecimento é
neutro, tendo em vista que adquire força ideológica e força produtiva na
sociedade de classes, vale o apontamento de Taffarel (2013, p. 139) para
quem

1 Corroborando com o pensamento de Manacorda (2010).

11
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Não existe um modelo de educação a partir do qual seria medida


a educação existente ou que seria preparada a educação do
futuro. Existe o que está posto, a partir do qual se constrói o la
contra. Não é um plano alternativo de educação, nem tampouco a
educação de um plano alternativo de sociedade, igualmente
inexistente. Não é uma dedução a partir de um suposto modelo de
sociedade, mas, sim da expressão geral do movimento real.

Manacorda (2010, p. 432) alertava

[...] que não é só a escola, seja ela qual for, a educar, mas a vida
inteira em sua plenitude, todo o platônico pantakhoû; o que nos
remete à complexa relação educação-sociedade, que muitos,
especialmente Marx, claramente descobriram e que hoje tem
dimensões mundiais. Se o fato educativo é um politikum e um
social, consequentemente, é também verdadeiro que toda
situação política e social determina sensivelmente a educação:
portanto, nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da
batalha política e social.

E, neste sentido, não é possível desenvolver uma didática


histórico-crítica separando-a “da concepção marxista de ser humano, de
sociedade, de conhecimento, bem como do papel da educação escolar”
(GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019, p. 1).
Ao tratar das questões referentes ao ensino e didática, temos que
compreender também que as pedagogias que lhes dão as bases, são
desenvolvidas para formar e conformar 2 tendo em vista determinados
objetivos, ou seja, estabelecendo nexos e relações adequadas aos estágios de
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, umas
teorias educacionais na perspectiva de manutenção, outras com caráter
crítico, e, por fim, as pedagogias de cunho socialista. Todas e cada uma delas
com suas intencionalidades subjacentes em relações sociais concretas e
historicamente situadas.

2 Ver as “Onze Teses sobre Educação e Política” elaboradas por Saviani (2008, p. 65) e “As
teses de abril de 2011 sobre educação, consciência de classe e estratégia revolucionária”
elaboradas por Taffarel (2013).

12
Hack e Taffarel (2020)

Saviani e Duarte (2012, p. 2) afirmam “que a luta pela escola


pública coincide com a luta pelo socialismo”. E, neste sentido, defendem que
esta tese

está apoiada na análise de uma contradição que marca a história


da educação escolar na sociedade capitalista. Trata-se da
contradição entre a especificidade do trabalho educativo na
escola – que consiste na socialização do conhecimento em suas
formas mais desenvolvidas – e o fato de que o conhecimento é
parte constitutiva dos meios de produção que, nesta sociedade,
são propriedade do capital e, portanto, não podem ser
socializados. (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 2).

As políticas públicas educacionais e as (contra)reformas


curriculares que rebaixam a formação tanto na educação básica quanto no
ensino superior, que pressupõe o “notório saber” ao invés do professor
formado e qualificado para o ensino, acabam por confirmar a tese
supracitada, que o conhecimento mais elaborado não é para todos em uma
sociedade capitalista.
Em contraposição a concepção capitalista de uma educação
rebaixada, fragmentada e subserviente aos seus próprios interesses, a
proposta que discutimos é a do desenvolvimento de uma educação que
permita a apropriação dos múltiplos elementos culturais produzidos
historicamente pela humanidade, o saber sistematizado, que são estes
conhecimentos monopolizados por aqueles que detêm os meios de produção.
Saviani (2008, p. 4-24) tomando como “critério de criticidade os
condicionantes objetivos da educação”, denomina as teorias educacionais em
teorias não críticas que compreendem a educação como autônoma a partir
dela mesma – pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia tecnicista –,
e de teorias crítico-reprodutivistas àquelas que se empenham em
compreender a educação remetendo-a sempre aos seus condicionantes
objetivos, à estrutura socioeconômica que determina o fenômeno educativo,
contudo, entendem que a função básica da educação é a reprodução da
sociedade – teoria da escola enquanto violência simbólica, teoria da escola
enquanto aparelho ideológico de Estado e teoria da escola dualista.

13
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Quanto à possibilidade de desenvolver uma teoria crítica da


educação, Saviani (2008, p. 25) considera a questão acerca de se “é possível
encarar a escola como uma realidade histórica, isto é, suscetível de ser
transformada intencionalmente pela ação humana?”. Neste sentido, sabendo
que a escola é determinada socialmente, que há distintos interesses de classe,
e as contradições do modo de produção capitalista, em um período de
transição, uma “teoria crítica (que não seja reprodutivista) só poderá ser
formulada do ponto de vista dos interesses dos dominados”. Desenvolvendo
a questão “é possível articular a escola com os interesses dos dominados?” ou
se “é possível uma teoria da educação que capte criticamente a escola como
um instrumento capaz de contribuir para a superação do problema da
marginalidade?”.
Saviani (2008) indica que para uma teoria deste tipo é necessário
“avançar no sentido de captar a natureza específica da educação, o que nos
levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua
inserção contraditória na sociedade capitalista”, que do ponto de vista
prático, consiste em lutar

[...] contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do


ensino das camadas populares [...] garantir aos trabalhadores um
ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas
atuais. [...] evitar que ela seja apropriada e articulada com os
interesses dominantes. (SAVIANI, 2008, p. 25-26).

Tendo em vista a centralidade estratégica da Educação como


fenômeno próprio dos seres humanos no seu processo de humanização, no
sentido de superar as tendências teóricas educacionais que não tem
propostas pedagógicas que emitam crítica na “explicação do mecanismo de
funcionamento da escola como está” e, portanto, sacrificam a história “na
ideia em cuja harmonia se pretende anular as contradições do real” ou “na
reificação da estrutura social em que as contradições ficam aprisionadas”
(SAVIANI, 2008, p. 24), há necessidade de uma “ação coletiva e organizada,
com estratégias objetivamente fundamentadas, em direção a uma
reestruturação radical que promova a socialização da propriedade dos meios
de produção” (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 2), e, apesar desta organização

14
Hack e Taffarel (2020)

coletiva não ser uma utopia sem base real, tão pouco será concretizada por
ação de forças espontâneas 3.
Vivemos em uma sociedade fundada no modo de produção
capitalista, portanto, uma sociedade de classes, e classes que têm interesses
antagônicos. Compreendemos que a Educação e a Escola são determinadas
socialmente, portanto, há uma necessidade de disputar os rumos e defender
uma escolarização fundamentada essencialmente em uma teoria que seja
propositiva, que tenha a intencionalidade de contribuir para a transformação
do modo de produção e reprodução da vida, que compreenda o período de
transição em que vivemos.

Uma teoria [...] [que] impõe-se a tarefa de superar tanto o poder


ilusório (que caracteriza as teorias não críticas) como a
impotência (decorrente das teorias crítico-reprodutivistas),
colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de
permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado.
(SAVIANI, 2008, p. 25).

Desta assertiva depreende-se que quem assume esta teoria está


assumindo posição na luta de classes, faz a crítica ao capitalismo e defende
os princípios histórico-dialéticos para o estabelecimento de uma sociedade
comunista, militando nesta perspectiva, com todo o movimento das
contradições4, produzindo as condições objetivas e subjetivas para contribuir
neste período de transição para uma formação fundada nos princípios da
omnilateralidade5.
Neste sentido, aponta-se para os pressupostos ontológicos de
concepção de ser humano e o papel do trabalho no processo de humanização.
O ser humano não nasce humano, torna-se humano e precisa produzir e

3 Estes apontamentos corroboram com as formulações de Suchodolski acerca da pedagogia


socialista. Ver em Suchodolski (1974).
4 Alguns dos polos de contradição são expressos na existência da propriedade privada e na

divisão social do trabalho (alienação), atividade alienada produzindo as condições de sua


própria superação (alienação versus desenvolvimento humano). Ver em Marx e Engels (2012).
5 O conceito de omnilateralidade é um neologismo em relação à unilateralidade. Refere-se à

compreensão antípoda à formação unilateral provocada pela reificação, pela divisão social do
trabalho, pelo trabalho alienado, e, pelas relações de classe parciais, limitadas e limitadoras,
perniciosas, enfim, estranhadas (HACK, 2017, p. 32). Para ampliar a compreensão acerca do
conceito ver Marx e Engels (2012), o conjunto da obra de Taffarel, Manacorda (2010) e
Frigotto (2012).

15
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

garantir sua existência pela transformação da natureza que se dá mediante a


realização de trabalho adequado a finalidade, em uma ação intencional
(SAVIANI, 2012; TAFFAREL, 2016). “É por meio do trabalho que o ser
humano incorpora, de forma historicamente universalizadora, a natureza ao
campo dos fenômenos sociais” (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 21) e é neste
processo que as necessidades humanas se ampliam para além das
necessidades de sobrevivência para àquelas sociais. Assim, vale destacar a
tarefa da educação escolar, posto que é o trabalho educativo que garante a
transmissão6 dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados
pela humanidade.
Este conjunto de explicações contribuem para a compreensão dos
nexos entre a teoria do conhecimento, do desenvolvimento humano e
pedagógica, a partir da referência marxista, acerca das razões pelas quais a
formação humana é uma questão vital à humanidade, posto que se encontra
intrinsecamente ligada ao processo histórico de produção e reprodução da
vida. Como expressão de uma pedagogia marxista é desenvolvida
coletivamente como uma possibilidade de contribuir efetivamente na
Educação, compreendendo “as complexas mediações pelas quais se dá sua
inserção contraditória na sociedade capitalista” (SAVIANI, 2008, p. 25) ao
qual, defendemos a relação em simultaneidade dialética com os princípios
desenvolvidos na Abordagem Crítico-Superadora no campo da Educação
Física.
A Pedagogia Histórico-Crítica é apresentada por Saviani (2008,
2011, 2019), como uma pedagogia articulada aos interesses da Classe
Trabalhadora que desenvolve método que supera por incorporação as
contribuições do que já foi elaborado, preconizando a relação e a vinculação
entre educação e sociedade “considerando a reciprocidade da relação
dialética entre a dimensão política e pedagógica” (GALVÃO; LAVOURA;

6 Pasqualini e Lavoura (2020, p. 4) defendem “uma posição teórico-metodológica que pode ser
assim sintetizada: a pedagogia histórico-crítica conserva da pedagogia tradicional o princípio
da transmissão do conhecimento para todos, mas, na medida em que se baseia em outra
concepção de conhecimento, subordina-se a outra finalidade – pedagógica e política – e se
realiza a partir de outro método, tal princípio é requalificado, vislumbrando a práxis que
transforma a realidade social”.

16
Hack e Taffarel (2020)

MARTINS, 2019, p. 159). Estimula a atividade e iniciativa dos estudantes,


sem desresponsabilizar o trabalho do professor, favorecendo o diálogo entre
professores e estudantes, bem como com a cultura acumulada
historicamente, acolhendo interesses e ritmos de aprendizagens e o
desenvolvimento psicológico, sem desonerar a sistematização lógica dos
conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de
transmissão e assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 2008, p. 55-
56). Se há supervalorização do processo é possível transformá-lo em “uma
abstração esvaziada de conteúdo e sentido” (SAVIANI, 2008, p. 62), contudo,
os conteúdos são fundamentais e, sem conteúdos relevantes, conteúdos
significativos, a aprendizagem deixa de existir. Nas palavras de Duarte (2016,
p. 1)

A decisão sobre o que ensinar às novas gerações por meio da


educação escolar envolve relações entre o presente, o passado e o
futuro da sociedade e da vida humana. Se tomarmos essa decisão
levando em conta apenas necessidades imediatas do presente, não
ensinaremos às crianças e aos jovens a considerarem as
consequências para o amanhã das escolhas que a sociedade e os
indivíduos fazem na atualidade.

Saviani (2008, p. 56-60) aponta cinco “momentos articulados


num mesmo movimento único e orgânico” para o desenvolvimento da
Pedagogia Histórico-Crítica que necessitam ser compreendidos,
dialeticamente, a partir do conjunto filosófico e teórico que lhe permitem a
organização. Momentos que não se reduzem a passos no sentido linear,
cronológico e isolado.

O ponto de partida seria a prática social [...], que é comum a


professor e estudantes, porém, ocupando possivelmente posições
distintas 7 [...] e distintos níveis de compreensão 8 [...] da prática

7 Como agentes sociais diferenciados (SAVIANI, 2008, p. 56).


8 Esta distinção remete ao nível de conhecimento e experiência, do ponto de vista pedagógico,
enquanto o professor tem uma compreensão de “síntese precária”, a compreensão dos
estudantes é de caráter sincrético. (...) Movimento da síncrese (“como a visão caótica do
todo”) e a síntese (“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela
mediação da análise (“as abstrações e determinações mais simples”) constitui uma orientação
segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico)

17
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

social. [...] A problematização 9 trata de detectar quais são as


questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social
e, em consequência, quais conhecimentos são necessários
dominar. [...] É, portanto, indispensável apropriar-se dos
instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento
dos problemas advindos e detectados na prática social. Como
estes instrumentos são produzidos socialmente e preservados
historicamente, a sua apropriação pelos estudantes depende da
sua transmissão direta ou indireta 10 [...] por parte do professor.
Este terceiro passo foi denominado de instrumentalização 11 [...].
Adquiridos os instrumentos básicos, ainda que parcialmente, é
chegado o momento da expressão elaborada da nova forma de
entendimento da prática social a que se ascendeu, denominado de
catarse 12. [...] Trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos
culturais, transformados agora em elementos ativos de
transformação social. O quinto passo [...] é o ponto de chegada na
própria prática social, compreendida agora não mais em termos
sincréticos13 [...]. (SAVIANI, 2008, p. 56-58, notas de rodapé
introduzidas ao texto original para explicar a terminologia,
expressas pelo autor na mesma obra).

É preciso assimilar dialeticamente a prática social como uma


alteração qualitativa do ponto de partida e o ponto de chegada para
compreender, de acordo com Saviani (2008, p. 58) “que é ela própria que
constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o
fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma”.

como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (método de ensino)


(SAVIANI, 2008, p. 56).
9 “[...] a problematização é diretamente dependente da instrumentalização, uma vez que a

própria capacidade de problematizar depende da posse de certos instrumentos” (SAVIANI,


2008, p. 60).
10 A transmissão direta ou indireta relaciona-se ao fato de o professor tanto transmiti-los

diretamente como quanto indicar meios pelos quais a transmissão se efetive (SAVIANI, 2008,
p. 57-59).
11 A Instrumentalização aqui denominada não está posta em sentido tecnicista, trata-se,

contudo, da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta
social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem
(SAVIANI, 2008, p. 57). “Nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico,
literário, etc.” (SAVIANI, 2008, p. 64).
12 “Catarse na acepção gramsciana de “elaboração superior da estrutura em superestrutura na

consciência dos homens” (GRAMSCI, 1978, p. 53 apud SAVIANI, 2008, p. 57), ou seja, a
assimilação subjetiva da estrutura objetiva (SAVIANI, 2008, p. 60).
13 Neste ponto, ao mesmo tempo que os estudantes ascendem ao nível sintético em que, por

suposto, já se encontrava o professor no ponto de partida, reduz-se a precariedade da síntese


do professor, cuja compreensão se torna mais e mais orgânica (SAVIANI, 2008, p. 58).

18
Hack e Taffarel (2020)

Saviani (2008, p. 58) aponta a catarse – “a passagem do sincrético


à síntese” – como ápice do processo pedagógico tendo em vista a elevação da
compreensão dos estudantes acerca do mundo real, em um “fenômeno [...] a
educação é uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma
homogeneidade possível, uma desigualdade no ponto de partida e uma
igualdade no ponto de chegada” (SAVIANI, 2008, p. 58). Na compreensão de
Saviani (2017, p. 174-175) o “movimento [...] parte da síncrese (a visão
caótica do todo) e chega, pela mediação da análise (as abstrações e
determinações mais simples), à síntese (uma rica totalidade de determinações
e de relações numerosas) [que] constitui o próprio método dialético”.
A contribuição do Professor na Pedagogia Histórico-Crítica é
imprescindível do ponto de vista catártico para o estudante. Esta
contribuição, segundo Saviani (2008, p. 64) está dialeticamente relacionada
com a compreensão que este Professor desenvolve relacionando sua prática
com a prática social global, ou seja, quanto mais vincular o conteúdo
específico de cada disciplina às finalidades sociais mais amplas, mais pode
ocorrer a apreensão do conhecimento pelos estudantes. Neste sentido, a
necessidade de prover uma formação elevada aos Professores é uma
imposição do ponto de vista da Classe Trabalhadora em uma Universidade
Pública que coopera com a elevação do padrão cultural da humanidade.
Saviani (2012, p. 13) define o trabalho educativo14 como “o ato
de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens”, sabendo que “o que não é garantido pela natureza tem ser
produzido historicamente pelos homens, e aí se incluem os próprios homens.
[...] a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre
a base da natureza biofísica” (SAVIANI, 2012, p. 13). E é a partir deste
enunciado que se organiza a Pedagogia Histórico-Crítica na fundamentação
do seu exercício imbricada aos princípios da Teoria Histórico-Cultural que

14 Saviani (2012, p. 13) define o objeto da educação como a “identificação dos elementos
culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se
tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais
adequadas para atingir este objetivo”.

19
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

apontam os elementos acerca do desenvolvimento histórico-social do


psiquismo.
A Teoria Histórico-Cultural constata e demonstra, a partir dos
estudos de Leontiev, Lúria e Vigotski, apreendidos por meio dos estudos
sistematizados por Martins (2011, 2013), que o desenvolvimento humano se
amplia histórico-socialmente pela realização do trabalho.
Martins (2011, p. 5) caracteriza o psiquismo humano15 como
sistema 16 interfuncional que se institui por apropriação dos signos culturais,
e os processos funcionais e seu desenvolvimento, a partir da proposição de
Vigostki, acerca da identificação entre desenvolvimento do psiquismo
humano e a formação dos comportamentos complexos, culturalmente
instituídos, formando as funções psíquicas superiores 17. Martins (2013, p. 7)
aprofunda a necessidade “do ensino sistematicamente orientado à
transmissão dos conceitos científicos, não cotidianos, tal como preconizado
pela Pedagogia Histórico-Crítico”.
Uma síntese de suma importância elaborada por Martins (2013, p.
3) considera

que o desenvolvimento das funções psíquicas é condicionado


pelas apropriações culturais, sob condições históricas nas quais
elas não são disponibilizadas equitativamente entre os
indivíduos, o estudo do desenvolvimento psíquico deve
reconhecer a propriedade da análise das condições objetivas nas
quais ela ocorre no que se inclui a própria condição escolar.

Neste sentido, vale mencionar Marx (2012, p. 33) com seu


postulado acerca da fase superior da sociedade comunista na Crítica ao
Programa de Gotha “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual,
segundo suas necessidades”. No desenvolvimento da formação humana, há

15 “Vigotski [...] identificou, pioneiramente, que as novas formas de funcionamento mental

construídas pelos saltos qualitativos requeridos à atividade consciente e intencional se


impõem como atributos fundantes da psique dos homens e condição central para os domínios
que conquistam sobre a natureza. Dentre esses atributos se destacam as capacidades para
torna-la inteligível e objeto de suas ações” (MARTINS, 2013, p. 11).
16 Noção de sistema ancorada no materialismo dialético, especialmente no princípio lógico

dialético de totalidade (MARTINS, 2013, p. 6).


17 As funções psíquicas superiores são os comportamentos complexos culturalmente formados

(MARTINS, 2013, p. 11).

20
Hack e Taffarel (2020)

que se lembrar, os indivíduos não estão em igualdade, tendo em vista que


suas características pessoais, suas trajetórias na vida, as mediações a que
tiveram acesso foram/são determinadas social e historicamente, daí
desiguais, assim, não é possível tratar igualmente quem está em situação
desigual. Tratar como iguais quem está e se constitui em situações desiguais é
um princípio neoliberal, não cabe em uma formação omnilateral.
É necessário, portanto, para que cada necessidade seja
correspondida com uma atividade que lhe proporcione desenvolvimento,
tendo em vista que também o desenvolvimento não ocorre sem a
correspondente atividade 18, ou seja, não é qualquer atividade que lhe dará a
possibilidade de desenvolvimento 19.
Vale lembrar também que é por sucessivas aproximações que o
ser humano se apropria do fenômeno, pois segundo Martins (2011, p. 5) é
necessário que

o grau de complexidade requerido nas ações dos indivíduos e a


natureza da mediações disponibilizada para sua execução
condicionam a formação da imagem subjetiva da realidade e, a
serviço dessa construção, impõe-se o ensino sistematizado e
orientado por conteúdos não cotidianos, por conteúdos clássicos,
historicamente sistematizados pelo gênero humano, na defesa do
qual se aliam a psicologia histórico-cultural e a pedagogia
histórico-crítica.

O desenvolvimento do psiquismo humano identifica-se com a


formação da imagem subjetiva da realidade objetiva. E é da imagem subjetiva
da realidade objetiva a função de orientar as ações dos seres humanos de
forma subjetiva e objetiva na realidade concreta. Este processo não é
automático e nem “um espelhamento mecânico da realidade na consciência,
mas como produto da internalização dos signos da cultura” como explicitado
por Martins (2013, p. 11). Este é um processo deveras complexo e decorre a
partir da base cerebral biológica às atividades relacionais integradas,

18 O processo de trabalho, como atividade socialmente determinada por fins específicos, exige
a pré-ideação e, consequentemente, o desenvolvimento da consciência e de funções que
possibilitem os modos de operar necessários à sua realização, tais como planejamento,
autocontrole, análise/síntese, generalizações, abstrações, etc. (MARTINS, 2011, p. 15).
19 Ver Martins, Abrantes e Facci (2016).

21
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

interpsíquicas (interpessoais) e intrapsíquicas (intrapessoais). “Forma-se,


portanto, pelas mediações consolidadas pela vida coletiva, pela prática social
do conjunto dos homens, pelos processos educativos” (MARTINS, 2013, p.
11).
Neste sentido, imprime-se ainda mais a importância de uma
escolarização que desenvolva potencialmente o máximo do ser humano em
suas capacidades no sentido da emancipação humana e formação omnilateral,
para este fim, cabe destacar o ensinamento de Martins (2013) acerca da
necessidade precípua de reconhecer e considerar no planejamento da prática
pedagógica a tríade conteúdo-método-destinatário, o que será ensinado,
como o será a vista daqueles a quem se ensina para aprimorar a
potencialidade do ensino.
Quando Duarte (2011b) aponta os fundamentos da Pedagogia
Histórico-Crítica, o faz a partir de três elementos: 1) a individualidade livre e
universal na sociedade comunista, 2) a autoatividade 20 como atividade plena
de sentido e fundamento da vida na sociedade comunista, e, 3) as relações
humanas plenas de conteúdo21 na sociedade comunista. Estes elementos
apontam para a compreensão do que é necessário tratar para o
desenvolvimento do indivíduo neste período de transição, e, portanto, na
educação em período de transição22.
Dessa perspectiva, há uma formulação do escopo da Educação no
horizonte da sociedade comunista, e que na inexistência de tal sociedade, é
necessário construir as condições objetivas e subjetivas para o atual período
da história.

20 Na sociedade comunista, deixa de existir a alienação do trabalho e esse torna-se


autoatividade, ou seja, atividade na qual o indivíduo desenvolve sua personalidade e por meio
da qual ele deixa a marca de sua individualidade na riqueza humana (DUARTE, 2011a, p. 16).
21 “[...] me parece de grande importância, em pedagogia, a noção de “clássico”. Não se

confunde com o tradicional e também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito


menos ao atual. O clássico é aquilo que se firmou como fundamental, como essencial. Pode,
pois, constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos do trabalho pedagógico”
(SAVIANI, 2012, p. 13). “[...] algo se torna clássico para a humanidade se for um produto da
prática social cujo valor ultrapassa as singularidades das circunstâncias de sua origem”
(DUARTE, 2016, p. 106).
22 Ver em Pistrak (2009) e Alves (2015).

22
Hack e Taffarel (2020)

Shardakov (1968) contribui quando aponta cinco condições para


que se desenvolvam as condições subjetivas de elaboração crítica do
pensamento para domínio do conhecimento, conforme síntese elaborada por
Taffarel (2010, p. 175-176), tendo em vista que na perspectiva da Teoria
Histórico-Cultural há uma centralidade do ensino escolar no
desenvolvimento dos processos funcionais, condição do desenvolvimento
humano.

(i) Possuir os conhecimentos necessários na esfera em que a


atividade crítica deverá ser desenvolvida [...] não se pode analisar
criticamente aquilo sobre o qual não se possuem dados
suficientes. (ii) Estar acostumado a comprovar qualquer
resolução, ação ou juízo emitido antes de considerá-los acertados,
enfrentando, assim, o bombardeio da mídia que leva as pessoas a
aceitarem os conhecimentos falsos como verdades absolutas; (iii)
Relacionar com a realidade as regras, leis, normas ou teorias
correspondentes, o processo e o resultado da solução, a ação ou
juízo emitido. Isso significa que enfrentamos as ilusões,
radicalizamos a busca da verdade e estabelecemos nexos, relações
e determinações. (iv) Possuir o suficiente nível de
desenvolvimento no que diz respeito à construção dos raciocínios
lógicos. Isso implica que a atividade não se reduz a práticas
desprovidas de reflexões; e (v) Ter suficientemente desenvolvida
a personalidade: as opiniões, as convicções, os ideais e a
independência na forma de atuar, o que exige certas relações e
condições educacionais.

Nesse seguimento, faz-se oportuno tratar da relação entre


conhecimento e currículo. Apontamos que a excelência é a função social da
Universidade, a excelência na produção, transmissão e disseminação do
conhecimento, em padrões elevados de qualidade e equidade baseado nos
princípios de liberdade e pluralismo, de valorização do ser humano, da
cultura, do saber promovendo o desenvolvimento científico, tecnológico,
econômico, social, artístico e cultural, conservando e difundindo valores
éticos e de liberdade, igualdade e democracia, propiciando condições para
transformação da realidade, visando a justiça social e o desenvolvimento
autossustentável. Para isto, a Universidade tem sua autonomia prevista
constitucionalmente para garantir a liberdade de pensamento, a livre

23
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

produção e transmissão do conhecimento para atender os princípios e as


finalidades que lhe caracterizam como universidade23.
Assim, é vital que desenvolva as formas mais complexas de
pensamento. Contudo, a realidade não tem coincidido com as formulações
documentais acerca da Universidade, as condições objetivas e subjetivas não
estão garantidas.
Há quem defenda que o conhecimento 24 compreendido em
consonância com a concepção de sociedade neoliberal25, “é exclusivamente
individual, circunstancial e não passível de ser integrado a uma visão
totalizadora do real. O conhecimento da realidade é sempre parcial e
particular” conforme a crítica elaborada por Duarte (2011a, p. 84). Segundo
Duarte (2011a, p. 85) esta é uma tentativa de “naturalização do social, que é
visto como resultante incontrolável e incognoscível das imprevisíveis ações
individuais. O conhecimento individual, por sua vez, é reduzido à percepção
imediata e a saberes tácitos”.
Duarte (2011a, p. 85) argumenta que esta é “uma teoria do
conhecimento como fenômeno cotidiano, particular, idiossincrático e não
assimilável pela racionalidade científica”. Esta concepção de conhecimento
individualizado e individualista inviabiliza uma direção intencional e
racional do conjunto social.
A perspectiva de conhecimento aqui defendida trata o
conhecimento como uma elaboração historicamente produzida, um saber
sistematizado e objetivo que deve ser socialmente disseminado. Forma essa
de conhecer que contrasta com as perspectivas idealistas, pós-modernas,
irracionalistas e outras. Perspectiva que: (a) defende a capacidade humana de
conhecer a realidade (sendo, por um lado, a realidade cognoscível e, por
outro, os seres humanos capazes de conhecê-la); (b) o conhecimento tem

23 Alguns dos elementos que caracterizam os princípios e as finalidades da Universidade


conforme a proposta de projeto de Lei Orgânica das Universidades Púbicas Federais.
24 Duarte tratando de uma análise procedida por Wainwright sobre o pensamento de Hayek,

ideólogo neoliberal.
25 Existem outras concepções que delineiam o conhecimento, por exemplo, as pós-modernas

tem características bem peculiares: o solipsismo, irracionalismo e fragmentação do


conhecimento (DUARTE, 2011b, p. 91). Ver mais em Duarte (2011b), Malanchen (2016) e
Gama (2015).

24
Hack e Taffarel (2020)

expressão objetiva – ou seja, é objetivo porque corresponde à realidade da


qual provém – e que sua objetividade pode ser comprovada a partir da
atividade humana (prática) 26; e que, neste ínterim, é possível a verdade
objetiva, a qual é verificada também na/pela prática; (c) o conhecimento é
produzido em determinadas condições objetivas, em determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, como
condição e consequência da atividade humana sobre a realidade concreta; (d)
constitui-se em um patrimônio vital da humanidade, o qual necessita ser
transmitido de geração para geração como um dos substratos a partir dos
quais se funda a humanização dos seres humanos e o processo ininterrupto
de produção e de reprodução da vida.

Afinal, as obras-primas da humanidade não são um conjunto de


conhecimentos autônomos; são produções humanas, fruto das
mãos de muitas pessoas que viveram em diversos tempos;
gerações participaram e participam de sua construção. Apropriar-
se desse saber é, de alguma forma, entrar em contato com esse
sujeito histórico que também nos constitui. Neste sentido, pelo
acesso ao conhecimento elaborado, podemos construir uma via
solidária e fraterna de encontro com sujeitos empíricos e
históricos! (FONTE, 2012, p. 18).

Estas formas elaboradas de conhecimento precisam ser


organizadas, para a transmissão sistematizada no processo de formação, no
meio escolar/acadêmico. A esta organização denominamos currículo.
A despeito das teorias e classificações acerca do currículo 27, não
o reduzimos apenas a uma questão técnica de organização e racionalização
linear, formal, e fragmentada em disciplinas, legitimando ideologicamente o

26 Importante distinguir esta definição de conhecimento da ideia do conhecimento como mero

reflexo ou reflexão da realidade (ideia da qual comumente esta definição é erroneamente


vinculada). Conforme Saviani destaca no prefácio à obra organizada pela Profa. Alessandra
Arce, intitulada “O trabalho pedagógico com crianças de até três anos” (2014), no quadro da
teoria marxista, a representação não se restringe ao reflexo imediato da realidade, tendo em
conta que o ser humano é capaz de transcendê-la, antecipando as possibilidades de sua
transformação.
27 Currículo palavra etimologicamente originada do latim curriculum, significa tempo corrido,

corrida, caminhada, percurso. Por analogia tem-se uma primeira aproximação conceitual – o
currículo escolar representaria o percurso do homem no seu processo de apreensão do
conhecimento científico selecionado pela escola (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Ver sobre
as políticas curriculares e teorias curriculares em Malanchen (2016).

25
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

modo de produção capitalista, mas sim, no sentido da necessidade imediata e


eminente de reconceptualização28 a partir de um conjunto de teorias
coerentes entre si, que intencionalmente fundamentem este currículo para a
formação de Professores, em um período de transição, levando em
consideração que o objeto do currículo, na acepção marxista, é a elevação do
pensamento teórico do indivíduo e de que a discussão acerca de currículo
também é uma discussão acerca de concepções pedagógicas.
O currículo antes de ser um instrumento legal em que as regras
do jogo são inscritas, é um fenômeno histórico, e como tal, resulta das
disputas de projetos societários estabelecidas por meio das relações sociais,
políticas, ideológicas e pedagógicas na expressão de uma organização dos
parâmetros necessários à formação do ser humano enquanto profissional
pautado nas tradições cultural e científica do campo de conhecimento
circunscrito à área de formação.
A compreensão expressa pelo Coletivo de Autores (1992, p. 31)
acerca do currículo como

[...] um movimento próprio da escola que constrói uma base


material capaz de realizar o projeto de escolarização do homem.
Esta base é constituída por três polos: o trato com o
conhecimento, a organização escolar e a normatização escolar.
Tais polos se articulam afirmando/negando simultaneamente
concepções de homem/cidadania, educação/escola,
sociedade/qualidade de vida, construídas com base nos
fundamentos sociológicos, filosóficos, políticos, antropológicos,
psicológicos, biológicos, entre outros, expressando a direção
política do currículo. Essa direção se materializa de forma
implícita ou explícita, orgânica ou contraditória, hegemônica ou
emergente, dependendo do movimento político-social e da luta de
seus protagonistas [...], que buscam afirmar determinados
interesses de classe ou projetos de sociedade [...].

28 A noção de reconceptualização não faz parte dos dicionários de língua portuguesa. Porém,

aparece o termo conceptualização, que se refere ao processo de conceptualizar que significa


desenvolver conceitos sobre algum tema. Assim, depreende-se que a inclusão do prefixo re-
indica, por conseguinte, que reconceptualização é o resultado de voltar a conceptualizar.
Trata-se da prática que leva a pensar novamente algo para gerar conceitos diferentes sobre a
temática. Ideia desenvolvida a partir do pensamento gramsciano.

26
Hack e Taffarel (2020)

O Coletivo de Autores (1992, p. 27) apontou esta concepção


crítica e superadora de currículo ampliado como sendo “[...] o percurso do
homem no seu processo de apreensão do conhecimento científico selecionado
pela escola: seu projeto de escolarização” e, conforme Malanchen (2016, p. 8)
com “conteúdos historicamente produzidos e objetivamente interpretados
como base para organização curricular”. A partir desta compreensão,
assumimos como objeto do currículo o pensamento teórico, a atitude
científica, a elevação das funções psicológicas superiores (TAFFAREL, 2015),
como tarefas para um processo de formação.
Necessário se faz apontar os três polos da base material do
currículo, segundo a síntese do Coletivo de Autores (1992, p. 29-30), que não
perde a totalidade do fenômeno ao expressar os elementos que são
determinantes na formulação curricular (a) o trato com o conhecimento, (b) a
organização escolar e (c) a normatização. Contudo, há necessidade de
coerência e simultaneidade na existência destes polos.

[...] o trato com o conhecimento corresponderia à necessidade de


criar as condições para que se deem a assimilação e a transmissão
do saber escolar. Trata-se de uma direção científica do
conhecimento universal enquanto saber escolar que orienta a sua
seleção, bem como a sua organização e sistematização lógica e
metodológica. Esse trato não se viabiliza num vazio, está
diretamente vinculado a uma organização escolar. A organização
do tempo e do espaço pedagógico necessário para aprender. A
apresentação do saber na escola se dá num tempo organizado sob
a forma de horários, turnos, jornadas, séries, sessões, encontros,
módulos, seminários etc. Tempo que é organizado nos limites dos
espaços físico-pedagógicos: salas de aula, auditórios, recreios
cobertos, bibliotecas, quadras, campos etc. Os dois polos até aqui
tratados da dinâmica curricular se institucionalizam na escola,
através de um terceiro: a normatização escolar que representa o
sistema de normas, padrões, registros, regimentos, modelos de
gestão, estrutura de poder, sistema de avaliação etc.

Em uma teoria pedagógica marxista, referenciadamente, da


Pedagogia Histórico-Crítica depreende-se que o ser humano se constitui

27
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

socialmente, por meio do trabalho29, “sendo o trabalho a atividade vital e


criadora mediante a qual o ser humano produz e reproduz a si mesmo, a
educação omnilateral o tem como parte constituinte” como apresentado por
Frigotto (2012, p. 266). Compreendemos a educação em um sentido amplo
com um caráter de prática social consciente e intencional, historicamente
determinada na relação dialética com a natureza e entre si, para a produção
social da existência imbuído de um caráter classista.
Neste sentido, a universidade enquanto construção histórica é
instrumento de educação, que deve contribuir para a formação omnilateral
do ser humano, permitindo-lhe o acesso à multiplicidade dos aspectos
culturais, historicamente produzidos e socialmente transmitidos, contudo,
esta função da Universidade trilha pelas disputas dos projetos societários, em
que as forças reacionárias têm, majoritariamente, prevalecido, mas não sem a
resistência da Classe Trabalhadora e frações da Classe.
Quanto a Teoria Histórico-Cultural é essencial observar que não
é coerente fazer uma “transposição imediata para a prática pedagógica” dos
seus elementos característicos, pois neste sentido, seria apenas mais
“psicologismo de nefastas consequências” como pondera Martins (2013, p. 1).
Reforçando esta afirmativa, Martins (2013, p. 1-2) ressalta que a

contribuição efetiva desse aporte psicológico para a educação


exige a mediação de uma teoria pedagógica afim com seus
fundamentos teórico-filosóficos, ou seja, a mediação da pedagogia
histórico-crítica. Nesta direção, ao colocarmos em foco o
desenvolvimento do psiquismo em suas relações com o ensino
sistematizado, visamos fazê-lo destacando as intervinculações e
interdependências entre psicologia e pedagogia, ou por outra,
entre a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-
crítica.

As autoras Gama (2015) e Malanchen (2016) demonstram


princípios curriculares que deixam evidente as contribuições da Teoria
Pedagógica Histórico-Crítica, subsidiada na Teoria Psicológica Histórico
Cultural, no trato com o conhecimento. Identificam nas elaborações da

29 Daí a referência do trabalho como princípio educativo e da apropriação crítica e criativa dos

conhecimentos acumulados pela humanidade, implicados a necessária relação entre os


conhecimentos gerais e politécnico.

28
Hack e Taffarel (2020)

Pedagogia Histórico-Crítica, em especial a teoria curricular, que defende a


superação da educação escolar em suas formas burguesas, sem negar a
importância da transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos,
elementos fundamentais não apenas para tecer a crítica ao projeto
educacional burguês, mas, sobretudo, para fazer proposições que indicam
possibilidades para enfrenta-lo nas condições históricas atuais. Gama (2015)
avança no sentido de identificar também as contribuições da Abordagem
Crítico-Superadora, no campo da Educação Física, para a formulação de um
currículo ampliado no sentido de superar a lógica formal pela compreensão
dialética.
Argumento com o qual temos acordo, e temos defendido a
coerência entre as teorias do conhecimento, psicológica e pedagógica para a
constituição da Educação, da Escola/Universidade, do Currículo, da
Formação de Professores, para o Ensino, sem perder as conexões discutidas
por Martins (2013, p. 2) “da unidade contraditória entre as dimensões
naturais e sociais, entre produto e processo, entre objetividade e
subjetividade, etc. que fazem da vida humana um contínuo processo de
formação e transformação”.
Destacamos tais contribuições porque permitem avançar no
exame da problemática acerca da seleção, organização e sistematização dos
conhecimentos no tempo e espaço pedagógico, tendo em vista o
desenvolvimento psíquico e a lógica interna do conteúdo. Gama (2015)
ressalta que a imbricação entre os conhecimentos a serem transmitidos e as
funções psicológicas a serem desenvolvidas, a partir da perspectiva histórico-
cultural, não se trata de uma imbricação casual ou fortuita, mas algo que
decorre da própria natureza do desenvolvimento psicológico humano.
Compreender, portanto, que a apropriação dos conhecimentos
científicos e o desenvolvimento do pensamento humano constituem uma
unidade dialética, em que o desenvolvimento do pensamento e das demais
funções psicológicas superiores não podem ser pensadas como forma
desvinculada de conteúdo, do mesmo modo que o ensino do conteúdo não
pode ser pensado em si mesmo.

29
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Portanto, o ensino do conteúdo não contém apenas a


aprendizagem de uma certa propriedade, mas incide sobre os processos de
percepção, atenção, memória, linguagem, etc. É a apropriação do
conhecimento por meio da aprendizagem que promove o desenvolvimento do
pensamento e demais funções psicológicas superiores. Destacamos, que o
desenvolvimento de funções psicológicas, não se processa apenas em
imbricação com o ensino de conhecimentos, mas são também promovidas de
modo intenso no processo de apropriação dos procedimentos sociais de ação
e regras e combinados.
Gama (2015) contribui com a discussão sobre princípios para
tratar o conhecimento retomando a classificação realizada por Martins
(2009) acerca da natureza dos conteúdos escolares. Destaca que existem
conteúdos de formação operacional, que têm influência direta na formação
de novas habilidades, exercendo influência indireta na construção de
conceitos, e conteúdo de formação teórica, que têm influência direta na
formação de conceitos e indireta no desenvolvimento de funções afetivo-
cognitivas (MARTINS, 2009). Defendemos que a fragmentação do
conhecimento, desprovido das dimensões operacional e de formação teórica
limita as possibilidades de desenvolvimento de uma consistente base teórica.
O exposto acima nos permite reafirmar que a disciplina Educação
Física no currículo escolar apresenta uma especificidade e natureza singular,
mas, com nexos e relações com a especificidade e natureza mais geral da
Educação. Isto porque a concepção presente na Abordagem Crítico
Superadora da Educação Física está edificada, com seu objeto próprio, a
Cultura Corporal 30, sob as bases científicas do conhecimento

30 Compreendida como “[...] o fenômeno das práticas [corporais] cuja conexão geral ou
primigênia – essência do objeto e o nexo interno das suas propriedades – determinante do seu
conteúdo e estrutura de totalidade, é dada pela materialização em forma de atividades – sejam
criativas ou imitativas - das relações múltiplas de experiências ideológicas, políticas,
filosóficas e outras, subordinadas à leis histórico-sociais. O geral dessas atividades é que são
valorizadas em si mesmas; seu produto não material é inseparável do ato da produção e recebe
do homem um valor de uso particular por atender aos seus sentidos lúdicos, estéticos,
artísticos, agonísticos, competitivos e outros relacionados à sua realidade e às suas
motivações. Elas se realizam com modelos socialmente elaborados que são portadores de
significados ideais do mundo objetal, das suas propriedades, nexos e relações descobertos pela
prática social conjunta” (TAFFAREL; ESCOBAR, 2009, p. 3).

30
Hack e Taffarel (2020)

desenvolvimento em três dimensões distintas e inter-relacionadas de


fundamentos, a saber a filosófico-metodológica, a teoria pedagógica e a
prática pedagógica (LAVOURA, 2020). Deste conjunto de teorias baseadas no
Materialismo Histórico Dialético decorre o trabalho educativo, que se
desdobra em decisões didáticas de como tratar o conteúdo da Cultura
Corporal na Escola.
Segundo Lavoura (2020, p. 109)

Desse modo, tem-se a articulação da dimensão da prática


pedagógica e da teoria pedagógica ao fundamento filosófico-
metodológico que explicita a totalidade das relações sociais em
que a vida humana é produzida e reproduzida em termos reais e
objetivos, permitindo compreender o que é esta sociedade atual
em que vivemos, qual sua estrutura essencial de funcionamento,
sua gênese, nascimento, edificação e desenvolvimento, quais as
contradições que ela é imanentemente portadora e quais as suas
possibilidades futuras de superação.

Ao propor a seleção, organização, sistematização do


conhecimento no ensino da Educação Física sob predição da Cultura
Corporal, sob os pressupostos do conjunto teórico apresentado, visamos
também superar a biologização da Educação Física e a super valorização de
conhecimentos advindos da área da saúde relacionados com a área médica, e
dentro dela o paradigma da doença, para atribuir-lhes as dimensões da
formação operacional e, principalmente de formação teórica.
Assim, as contribuições apontadas pela Teoria Histórico-Cultural
e a Pedagogia Histórico-Crítico, nos campos da psicologia e da pedagogia,
respectivamente, tratam da unidade teórico-metodológica fundamentadas no
materialismo histórico-dialético, das quais constatamos um conjunto de
teorias coerentes entre si que explicam desde o mais geral, o particular e o
singular; da qualidade e a quantidade; das contradições; da possibilidade e
realidade, e que há intrinsecamente a necessidade de definir a base de
sustentação da formação objetivando a transformação da realidade.
No modo de produção capitalista, com todas as contradições
inerentes a este processo, há um conjunto de teorias que explicam o que é a
sociedade, o ser humano, como conhecemos e apropriamos as objetivações

31
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

humanas na sua forma mais desenvolvida e determinada historicamente


(TAFFAREL, 2015), ou seja, desenvolvem no plano da educação uma
perspectiva marxista para o desenvolvimento humano.

Só através da riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano


é que em parte se cultiva e em parte se cria a riqueza da
sensibilidade subjetiva humana (o ouvido tonal, o olho para a
beleza das formas, em suma, os sentidos capazes de satisfação
humana e que se confirmam como faculdades humanas) [...]
também os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos
(vontade, amor etc.), numa palavra, a sensibilidade humana e o
caráter humano dos sentidos, que vêm a existência mediante a
existência do seu objeto, através da natureza humanizada.
(MARX, 1987, p. 199 apud TAFFAREL, 2015, p. 262).

A partir deste conjunto de reflexões é possível materializar


contribuições de princípios e procedimentos para o trato com os
conhecimentos clássicos 31 no desenvolvimento do ensino na Educação Física
de seu objeto de estudo, a Cultura Corporal tendo em conta que todo
conhecimento científico é provisório e se desenvolve por sucessivas
aproximações aos objetos, contudo, com coerência em uma perspectiva de
suplantar contradições referentes à negação do conhecimento e
pseudoconcreticidade, na perspectiva da formação humana omnilateral.
Confirmamos, portanto, que segundo a Abordagem Crítico
Superadora, concebe-se a natureza da Educação Física como sendo uma
atividade humana caracterizada como um trabalho não-material em que seu
produto (o conhecimento sistematizado convertido em saber escolar) não se
separa do ato de sua produção. Sua especificidade consiste na transmissão-
assimilação de um tipo de conhecimento que lhe é peculiar, distinguindo-a
das demais disciplinas do currículo porque trata, do ensino da Cultura
Corporal, cuja realização no interior da prática educativa visa contribuir para
a produção da humanidade em cada indivíduo singular (COLETIVO DE
AUTORES, 2012; SAVIANI, 2008).

31 Clássico na acepção de algo que é referência para os demais, que resistiu ao tempo, ou seja,

permanente, que não coincide com o tradicional e também não se opõe ao moderno. O clássico
é aquilo que se firmou como fundamental, como essencial. Ver em Saviani (2012) e Saviani e
Duarte (2012).

32
Hack e Taffarel (2020)

Acordamos com Kopnin (1972, p. 238) quando se refere ao


espectro da dialética marxista que a mesma “não serve a si mesma e é
necessária não para justificar a sua existência; ela é um método de concepção
da verdade objetiva e está subordinada às finalidades de reprodução das leis
da natureza e da sociedade assim como existem na realidade”.
Neste mesmo sentido, Escobar (1997, p. 141-142) afirma que

A abordagem materialista não pode ser traduzida em aspectos do


conteúdo metodológico ou das categorias da dialética marxista.
Ela implica articular o método de análise da realidade e o sistema
de categorias explicativas do modo de produção capitalista, e sua
superação, com indicações tático-estratégicas que, além de tudo,
não se dissociam da orientação político-partidária - onde, senão,
poderia se gestar uma teoria revolucionária? - da luta a ser
travada para atingir as transformações sociais almejadas.

Defendemos assim a existência de contradições que podem ser


enfrentadas e historicamente superadas, se as condições objetivas forem
conquistadas 32. Destacamos quatro dimensões a serem consideradas neste
processo: 1) ontológica, 2) teleológica, 3) pedagógica, e 4) organização do
trabalho pedagógico, ao que estabelecendo os nexos e relações
perspectivados pelo conjunto teórico apresentado assumidos no chão da
escola implicados na superação da dicotomia teoria-prática, na perspectiva
da construção da práxis revolucionária. Não são as ideias que alteram o real,
mas sim a atividade humana provida de caráter teórico. Como Marx explicou,
em 1845, nas Teses sobre Feuerbach “Na prática tem o homem de provar a
verdade [...]. A disputa acerca da realidade ou não realidade de um
pensamento que se isola da prática é uma questão puramente escolástica. [2ª
tese]” (MARX; ENGELS, 2012, p. 537, grifo do autor).
Demonstramos assim, cientificamente, a articulação da dimensão
da prática pedagógica da Educação Física com a teoria pedagógica, com os
fundamento filosófico-metodológico, do materialismo histórico dialético, que

32 Retomamos a categoria “possibilidade de essência” que trata da modificação da essência de

uma coisa com sua transformação em outra coisa (CHEPTULIN, 2004), e, neste sentido,
constatamos que as condições objetivas precisam ser construídas para superar na totalidade o
que determinada a negação e a fragmentação do conhecimento.

33
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

explicita a totalidade das relações sociais em que a vida humana é produzida


e reproduzida em termos reais e objetivos.
Com isto amplia-se a reflexão teórica dos estudantes, a partir do
trato com o conteúdo da Cultura Corporal, para compreenderem a sociedade
capitalista, sua estrutura essencial de funcionamento, sua gênese,
nascimento, edificação e desenvolvimento, as contradições e as
possibilidades de superação do capitalismo.

34
Hack e Taffarel (2020)

Historical-Cultural Theory, Historical-Critical Pedagogy and Critical-Overcoming


Approach to Physical Education Teaching: Some contributions

Abstract: It presents fundamentals and contributions from the Historical-Cultural


Theory, the Historical-Critical Pedagogy and the Critical-Overcoming Approach to
Teaching Physical Education that guide educational work. It uses the dialectical
historical materialism to articulate the necessary theory for the coherent
development of teaching work in the field of Physical Education.
Keywords: Historical-Cultural Theory. Historical-Critical Pedagogy. Critical-
Overcoming Approach to Physical Education Teaching. Dialectical Historical
Materialism.

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37
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Pandemia e política adoecida:


uma análise na Educação Física sob a
ótica da pedagogia Crítico-Superadora

Arliene Stephanie M. Pereira (IFCE) *


Francisco Eraldo da S. Maia (UNOPAR) **
Joselita da Silva Santiago (FAVENI) ***
Symon Tiago Brandão de Souza (IFCE) ****

Resumo: Vivemos um momento carregado de tensionamentos políticos, econômicos e


sanitários causados pela pandemia da COVID-19. No Brasil, é possível perceber as
manifestações destes tensionamentos dentro de um contexto medidas autoritárias e
imparciais com ataques aos direitos trabalhistas, precarização da pesquisa cientifica e do
ensino público, o que tem dificultado ainda mais o enfrentamento da pandemia. Assim,
partindo dos conhecimentos produzidos no campo pedagógico da Educação Física para
refletirmos sobre esta realidade levantamos o seguinte questionamento: Qual trato
pedagógico devemos ter para lidar com a realidade pandêmica mundial, em especial no
Brasil? Diante disso, buscamos analisar e discutir a crise pandêmica que assola o Brasil e
o mundo, e em um segundo momento, procuramos apontar as contribuições da Educação
Física para enfretamento dessa realidade por meio da pedagogia Crítico-Superadora. Para
isso, realizamos leituras e observações de notícias e publicações retiradas da internet,
redes sociais e de programas televisivos. Também foram utilizadas leituras adicionais de
outros autores para a reflexão da crise sanitária e econômica mundial para avivar esta
discussão. Com isso, foi constatado que os trabalhadores têm enfrentado uma série de
ataques nos últimos anos e que durante a pandemia da COVID-19, não foi diferente.
Verificou-se que estes, devido as condições materiais que os foram dadas necessitam
continuar a trabalhar, se expondo assim, ao vírus. Destacamos ainda que este capítulo
apresenta não somente as apreensões do contexto de pandemia, mas também ação
judicativa para atuação direta na transformação da atual realidade, neste caso, atenuamos
os debates na área de Educação Física.
Palavras-chave: Educação Física. Crítico-superadora. Pandemia. COVID-19.

* Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação (UECE). Mestra em Educação


Física (UFRN). Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará. E-mail: stephanie_ce@hotmail.com
** Pós-Graduando em Ensino de Educação Escolar (FAVENI). Especialista em Didáticas e
práticas de ensino (UNIQ). Tutor no curso de Educação Física na Universidade Norte do
Paraná. E-mail: eraldo2maia@gmail.com
*** Pós-Graduanda em Ensino de Educação Física Escolar (FAVENI). Graduada em
Educação Física (IFCE). Professora na rede de ensino particular na Escola Turma da
Mônica. E-mail: josysantiago3006@gmail.com
**** Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação (UECE). Professor no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.
E-mail: symontiago@hotmail.com

38
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

INTRODUÇÃO

Dedicamos este artigo a José Maciel Menezes,


avô da autora Arliene Stephanie Menezes Pereira,
falecido em 15 de maio de 2020 em virtude da COVID-19.

ivemos um momento carregado de tensionamentos políticos,


econômicos e sanitários causados pelo avanço da pandemia da COVID-19. No
Brasil, de forma mais específica, é possível perceber as manifestações destes
tensionamentos dentro de um contexto de medidas autoritárias e imparciais
com ataques aos direitos trabalhistas, precarização da pesquisa científica e
do ensino público, o que tem dificultado ainda mais o enfrentamento da
pandemia. Deste modo, torna-se evidente a necessidade de pesquisas que
discutam também as reverberações da pandemia no campo científico,
político, econômico e educacional. Bem como, de reflexões críticas que
possam discutir o enfretamento da crise sanitária.
Diante disso, no presente capítulo, partimos dos conhecimentos
produzidos no campo pedagógico da Educação Física para refletir sobre esta
realidade. Assim sendo, levantamos o seguinte questionamento: Qual trato
pedagógico devemos ter para lidar com a realidade pandêmica mundial, em
especial no Brasil? Frente a esse questionamento, buscamos analisar e
discutir a crise pandêmica que assola o Brasil e o mundo, e em um segundo
momento, procuramos apontar as contribuições da Educação Física para
enfretamento dessa realidade por meio da pedagogia Crítico-Superadora.
Escolhemos essa pedagogia por entendê-la como proposta crítica
que permite caminhos para assimilação consciente da realidade e do
conhecimento. Ademais, esta apresenta-se como uma proposta que se baseia
no discurso de justiça social opondo-se, assim, aos modelos positivistas,
opressores e coercivos da formação humana. Tal processo, permite que a
prática docente seja calçada no entendimento da existência de classes sociais.
Deste modo, a análise dos dados inclusos no presente estudo foi julgada a

39
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

partir da perspectiva da classe trabalhadora. Partindo desse entendimento,


realizamos leituras e observações de notícias e publicações retiradas da
internet, redes sociais e de programas televisivos. Também foram utilizadas
leituras adicionais de outros autores para a reflexão da crise sanitária e
econômica mundial para avivar esta discussão.
Justificamos a importância deste texto como fomento e
embasamento teórico-crítico contra desgovernos que ambicionam projetos
que fluem na contramão de uma saúde de qualidade, de uma educação crítica
e da valorização docente. Assim, para iniciarmos essa discussão, é necessário
contextualizar o momento atual.
Ensejamos que este texto seja a continuação de uma série de
histórias que vem se desenrolando há algum tempo no atual cenário político
brasileiro, e para uma melhor compreensão recomendamos a leitura inicial do
texto “A tendência Crítico-Superadora como sobrevelação na Educação Física
para o atual momento político brasileiro: dilemas e reflexões” (PEREIRA,
2019), pois este é uma extensão comunicativa, uma continuidade do exto que
será apresentado neste momento. Porém, agora partimos para uma nova
etapa dessa história.
Nos tópicos a seguir, em um primeiro momento, analisamos o
atual cenário pandêmico mundial e nacional por meio de uma síntese
temporal dos acontecimentos, e em seguida, apresentamos as ideias trazidas
pela pedagogia Crítico-Superadora através do livro “Metodologia do Ensino
de Educação Física” (SOARES et al., 1992), como forma de impulsionar as
reflexões na área de Educação Física.

É UMA CRISE POLÍTICA, ECONÔMICA OU DA SAÚDE? OU TUDO JUNTO E MISTURADO?

Iniciamos com um contexto mais geral, onde em dezembro de


2019, os jornais noticiavam que na cidade de Wuhan, província de Hubei, na
China, pessoas que frequentaram um mercado de peixes e animais exóticos
(onde eram vendidos vários tipos de animais selvagens vivos, como

40
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

morcegos, cobras, castores, entre outros) 33 estavam com sintomas de uma


doença infecciosa desconhecida, e que afetava as vias respiratórias, causando
dificuldades na respiração e, em alguns casos, a morte em poucos dias.
“Woolhouse, da Universidade de Edimburgo, afirmou que a China tem mais
casos desse tipo por causa do tamanho de seu território, de sua densidade
populacional e do contato próximo que algumas pessoas têm com animais
infectados” (UOL, 2020a, s/p).
Logo após esses primeiros casos, foram identificadas outras
pessoas que não estiveram no mercado, mas que apresentavam um quadro
com os mesmos sintomas da doença, atestando que o vírus estava sendo
transmitido entre os humanos. A partir daí os jornais noticiavam cada vez
mais, que o vírus estava se espalhando pelo mundo: era o começo da
pandemia.
A doença logo se espalhou por outros continentes. Na Itália, por
exemplo, o primeiro caso de uma pessoa infectada foi notificado dia 17 de
fevereiro, sendo seguida por números de mortes em tempo recorde, com
quase mil mortes em apenas 24 horas. No Brasil, o primeiro caso foi
notificado no estado de São Paulo em 26 de fevereiro, sendo um homem de
61 anos que voltou de uma viagem da Itália. A partir daí o vírus causava
tensão no país e começou a se espalhar rapidamente. Em março já atingia
todas as unidades da federação, assim, prefeitos e governadores começaram a
lançar vários decretos, que foram publicados visando reduzir a velocidade do
contágio da doença, e para adotar medidas de prevenção como o isolamento
social e o fechamento do comércio. Diante disso, diversos setores de serviços
foram suspensos, exceto aqueles considerados essenciais (como os
relacionados à saúde, alimentação, segurança, mídia, internet, limpeza,
bancos, unidades lotéricas, dentre outros).
No mundo todo, eventos como campeonatos de futebol, shows e
até as olimpíadas estavam sendo cancelados. Todas essas medidas eram
necessárias para “achatar a curva” de contágio, ou seja, evitando que muitas

33 Para entender melhor sobre essa questão dos mercados de animais exóticos na China e o

consumo de animais silvestres, recomendamos a leitura da reportagem “O que são os mercados


chineses de animais silvestres?” de Carolina Fioratti. Disponível em:
https://super.abril.com.br/sociedade/o-que-sao-os-mercados-chineses-de-animais-silvestres.

41
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pessoas se contaminassem de uma vez só, necessitando, portanto, do sistema


de saúde que não abarcaria tantos doentes em um curto espaço de tempo.
Então, com o achatamento da curva de contágio não teríamos uma sobrecarga
ou colapso dos sistemas de saúde.
É importante ressaltar que esses decretos foram editados não
somente diante de uma crise sanitária, mas também diante de uma crise
econômica, uma vez que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro apresentou
crescimento de apenas 1,1% em 2019 (NERY, 2020), primeiro ano do governo
Bolsonaro (sem partido). Deste modo, tais decretos passaram a ser
contestados por determinados grupos, principalmente por empresários e por
aqueles que apresentavam alguma proximidade afetiva com o presidente da
república. A crise se consolidava não somente no Brasil, mas mundialmente;
bem como não se instalava apenas na saúde, mas também na economia.
Durante a primeira semana de março de 2020 o presidente Jair
Bolsonaro, juntamente com sua comitiva viajou aos Estados Unidos, e ao
retornarem para o Brasil, 23 membros desta comitiva apresentaram os
sintomas do novo coronavírus, fizeram o teste e foram diagnosticados com
resultado positivo. Por sua vez, o presidente, sem mostrar os exames,
informou a impressa que o resultado de seu teste havia sido negativo. Diante
disso, e insatisfeita com a conduta do presidente, a juíza Raquel Chiearelli da
4º vara da Justiça Federal exigiu que o Hospital das Forças Armadas
revelasse o resultado do exame do presidente (REVISTA FÓRUM, 2020).
Como registrado em publicações do Jornal The Intercept Brasil
(FILHO, 2020, s/p), ainda no mês de março, além de não apresentar os
resultados de seus exames, o atual presidente se pronunciava a respeito da
pandemia por meio da seguinte declaração: “a vida em primeiro lugar, mas,
sem emprego, a sociedade enfrentará um problema tão grave quanto a
doença: a miséria”. Apesar do discurso mostrar uma possível preocupação
com a vida, seu governo apresentou desde o início do mandato políticas
ultraliberais lideradas pelo então ministro da economia, Paulo Guedes, que
ameaçam as conquistas da classe trabalhadora ao atacar o programa Bolsa
Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de propor a
suspensão dos contratos de trabalhos por quatro meses, por meio da Medida

42
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

Provisória nº 927, de 22 de março de 2020 (BRASIL, 2020a). Apesar do artigo


que trata dessa suspensão dos contratos trabalhistas ter sido revogado, o
governo continuou seus ataques aos mais pobres, como pode ser visto na
defesa do isolamento vertical onde os trabalhadores jovens, não atuantes em
serviços essenciais, deveriam voltar aos postos de trabalho.
É importante destacar aqui que até 17 de março apenas medidas
de distanciamento social tinham sido adotadas no Brasil como prevenção. No
entanto, no dia anterior, 16 de março, o presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, se referiu a doença como “vírus chinês”, e membros do
governo do país também utilizaram termos como “vírus de Wuhan” e
“coronavírus chinês” (UOL, 2020b). Este ato de usar da intolerância com
termos xenófobos e racistas revela na verdade a incompetência,
irresponsabilidade e a falta de preparo e decoro dos governantes.
E reverberando o mesmo racismo latente, o deputado Eduardo
Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro, em 18 de março fez o
Brasil entrar nesse embate com a China chamando a China de ditatura e
comparando a postura diante da pandemia com o acidente na usina de
Chernobyl na antiga União Soviética.
A propagação mundial do coronavírus teve repercussão no
mundo político que começou a estimar os dados econômicos provocados pela
doença. A grande probabilidade é que a economia não cresça, o que eleva a
pressão sobre o ministro da economia, que até agora não apresentou nenhum
plano efetivo e sem atingir os trabalhadores para conter essa probabilidade,
como por exemplo: taxar as grandes fortunas; pausar o pagamento da dívida
externa; taxar bancos, lucros e dividendos; diminuir salários de governantes
com seus “penduricalhos”, regalias e número de assessores; retirar também
as regalias do judiciário, como o auxílio moradia, por exemplo. Mas pelo
contrário, se mostra altivo em sempre estar ameaçando os servidores
públicos com cortes de salário e jogando “nas costas” destes todas as contas
do país, assim como foi feito na reforma da previdência.
Nos rumos de um país onde o lucro dos grandes empresários é
mais importante que a vida, e então o “Brasil não pode parar”, o presidente
do Brasil se pronunciava no dia 24 de março minimizando a gravidade da

43
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pandemia e comparando a COVID-19 a uma “gripezinha” ou “resfriadinho” e


pediu para prefeitos e governadores “abandonarem o conceito de terra
arrasada”, que, para ele, inclui o fechamento do comércio “e o confinamento
em massa” (BRASIL 247, 2020, s/p). Parte da população contrariada com a
fala desmedida do governante, e sem poder ir às ruas para se manifestar, pois
estão em isolamento social, realizaram panelaços de suas casas e
apartamentos em diversas cidades do Brasil como forma de protesto. “O que
vemos nesse homem é o exercício da necropolítica, uma decisão de morte. É
uma mentalidade doente que está dominando o mundo” (KRENAK, 2020, p.
4).
O presidente em suas medidas irresponsáveis incluiu um decreto
com igrejas e templos como “serviços essenciais”, liberando sua abertura
durante a quarentena, isso porque uma parte dos políticos apoiadores do seu
governo fazem parte da bancada da bíblia no congresso.
Logo após, no dia 29 e março, o presidente contrariou o
isolamento e distanciamento social defendidos pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) ao sair andando nas ruas do Distrito Federal e ainda com as
pessoas se aglomerando em torno dele. Se dirigindo às pessoas nas ruas
afirmava que:

‘A hidroxicloroquina está dando certo em tudo que é lugar. Um


estudo francês chegou para mim agora, porque eu não sou
médico, não’. Em Sobradinho, Bolsonaro afirmou que o uso da
hidroxocloroquina foi testado em 80 pacientes com COVID-19,
destes 78 foram curados. (PODER 360, 2020, s/p).

Falas sem nenhum embasamento científico, pois ainda não se tem


evidências científicas comprovadas que atestem que o uso do medicamento
Reuquinol, que possui como princípio ativo a hidroxicloroquina, tenha
realmente algum efeito claro no tratamento da doença. Em 8 de abril, tem-se
a notícia:

A defesa da aplicação da cloroquina, sem restrições, contraria o


que diz o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A
recomendação da pasta tem sido de adotar a substância apenas
em casos mais graves. A cloroquina ou a sua variação, a

44
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

hidroxicloroquina, é usada para o tratamento da malária e de


doenças autoimunes. Na segunda-feira, Mandetta afirmou ter sido
pressionado por dois médicos a editar um protocolo para
administração do remédio em pacientes da COVID-19, após
reunião com Bolsonaro. Ele se recusou alegando ausência de
embasamento científico. (TERRA, 2020, s/p).

As divergências nas falas do presidente com, na época, o ministro


da saúde, Luís Henrique Mandetta, era o início de uma série de
desentendimentos que mais na frente elucidamos o final.
Entre as afirmações do presidente era possível ver nas redes
sociais, seus apoiadores conclamando, mediante as reportagens que
colocavam quatro pessoas curadas, num hall de milhares de mortos no
mundo pela doença: “Não é fake... pode pesquisar. Fiquem em paz, a doença
já tem cura. Arregacem as mangas e vamos trabalhar!” 34.
É importante frisar este contexto pois, no início de julho esse
mesmo presidente que se recusou mostrar seus primeiros exames de COVID-
19, chegando inclusive a fins judiciais para isso como relatamos
anteriormente, afirmou ter testado positivo para a doença no início de julho.
Além disso, o presidente aparecia em vídeos nas redes sociais fazendo uso da
cloroquina para seu tratamento e a qual já foi devidamente comprovada que
não há eficácia no tratamento do novo Coronavírus. Nessa histórico o mais
cômico, senão trágico, foi uma cena flagrada por repórteres fotográficos em
que o presidente exibia uma caixa de cloroquina para as emas que vivem no
Palácio da Alvorada.
Enquanto prefeitos e governadores discutem como manter o
isolamento social, medidas preventivas para pessoas em situação de
vulnerabilidade social, e correndo contra o tempo para aumentar o número
de leitos no sistema de saúde, manifestantes “que se dizem de direita” estão
indo as ruas desde o dia 15 de março, se aglomerando em manifestações
contra a democracia, sendo a favor de uma volta a ditadura e da intervenção
militar com faixas e dizeres com: “Fecha o Supremo Tribunal Federal”, “Fora,
Maia”, “AI-5”, “Fecha o Congresso”. Em uma dessas manifestações, no dia 20

34 Frase extraída de rede social. Não colocamos nomes por prezar a ética na pesquisa.

45
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de abril em Brasília, o presidente discursou dizendo “Eu estou aqui porque


acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil” (LIMA,
2020, s/p). O presidente, como foi mostrado nas reportagens televisivas e
jornalísticas, não cumpriu nenhuma das medidas da OMS, como o uso de
máscara, ou de manter a distância de pelo menos um metro de distância, mas
ao contrário, cumprimentava a multidão e entre uma fala e em outra tossia
compulsoriamente. E ainda:

No mesmo fim de semana em que o Ministério da Saúde anunciou


mais 321 novas mortes pela COVID-19 e a projeção de que os
números devem continuar subindo, milhares de bolsonaristas
percorreram as vias do Brasil em carros e motos, pedindo o fim
do isolamento social e a volta das atividades comerciais. (LIMA;
AZEDO, 2020, s/p).

Aproveitando-se da atual situação, políticos conservadores


manipulam uma parcela da população contra o Congresso Nacional e a
democracia, inclusive organizando e se fazendo presente em tais
manifestações. A insistência do presidente em desautorizar as medidas dos
governos estaduais e municipais começa pela avaliação de que este governo
não se limitará a culpar a pandemia pela recessão econômica, mas também
“lavando as mãos” e jogando toda a culpa nos governadores e prefeitos e se
eximindo da culpa. Em outras palavras, se as medidas de isolamento social
derem certo e não atingirmos um recorde no número de mortos e de
contaminações, ele dirá que “era só uma gripezinha” e que a crise econômica
se instaurou por culpa dos outros governantes. Se ela não der certo os
culpará da mesma maneira por termos milhares de casos de vítimas fatais
além de terem “quebrado a economia”.
Ao reiterar todos os dias que as medidas de fechamento do
comércio, entre outras, são exageradas, o presidente Jair Bolsonaro, no
entanto, vai além: tenta atribuir parte da responsabilidade pela devastação
futura da economia ao que ele chama de “medidas excessivas”.
Em meados do final de março, começam as divergências entre o
presidente e o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta. O ministro desde
o começo se mostrava favorável e defensor das medidas de isolamento como

46
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

forma de conter a disseminação do vírus, pra isso também defendia


argumentos científicos (vale lembrar que neste governo a ciência e as
universidades públicas vêm sendo duramente atacadas com fake news e com
cortes nos investimentos). E que o presidente sempre discursou contrário as
medidas do Ministério da Saúde. E aqui começa mais uma crise com
divergências públicas instaurada durante este momento no Brasil. Até que
em 12 de abril, Mandetta dá uma entrevista para o programa “Fantástico” da
Rede Globo de Televisão, uma das principais redes televisas do país e que
vem fazendo duras críticas ao governo e sendo alvo também de críticas do
presidente. Na entrevista o ministro criticava algumas medidas e falas do
presidente e mostrava a atual conjuntura divergente entre os dois. No dia
seguinte foi demitido.
É importante salientar nesse contexto que Mandetta mesmo neste
momento com um discurso coerente sobre a pandemia, foi um dos apoiadores
do golpe no governo Dilma (Cf. PEREIRA, 2019), assim como a Rede Globo
de televisão.
O desenrolar dessa demissão ainda foi mais desastroso. Nelson
Teich que assumiu no dia 17 de abril o lugar de Mandetta no Ministério da
Saúde, pediu demissão no dia 15 de maio, menos de um mês após assumir a
pasta. O motivo foi a pressão do presidente para apoiar o uso da cloroquina,
medicamento que já relatamos anteriormente não ter nenhuma eficácia
comprovada contra o coronavírus. Desde então o Brasil está a mais de dois
meses sem ministro da saúde em meio a uma pandemia35.
Em 23 de abril temos também mais uma declaração do presidente
dos Estados Unidos que desmerece a situação mundial, que declarou que
“[...] uma injeção de desinfetante no corpo seria benéfica para matar o vírus
causador da COVID-19” (CARTA CAPITAL, 2020, s/p). O resultado das falas
desmedidas do presidente dos Estados Unidos foi um colapso no seu sistema
de saúde com 1500 mortes por dia em meados de 14 de abril.
Apesar de diversos órgãos internacionais alertarem sobre o
caráter devastador do coronavírus (COVID-19), assim como das constantes
orientações para o combate e controle deste vírus, Bolsonaro apresentou-se

35 Data referente a 29 de julho de 2020.

47
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

indiferente quanto a pandemia, declarando que alguns, naturalmente, iriam


morrer e ele enquanto presidente não poderia fazer nada.
Em 28 de abril de 2020, o Brasil já registrara um novo recorde no
número de mortes por COVID-19, com um total de 5.385 mortes,
ultrapassando assim os números de mortos da China. De acordo com a
Organização Pan-Americana da Saúde do Brasil (OPAS) e a Organização
Mundial de Saúde (OMS), todos os indivíduos são alvos da doença, e aqueles
que não fazem parte dos chamados grupos de risco (idosos e/ou portadores
de doenças como pressão alta, doenças pulmonares, câncer ou diabetes, entre
outros) também devem seguir as orientações internacionais, porque mesmo
sendo assintomáticos transmitem a doença.
Apesar do número extremamente alto de mortalidade pelo vírus,
em entrevista o presidente comenta o número de mortes com a seguinte
frase: “E daí? Lamento, quer que eu faça o que?” mostrando total descaso
com o número de pessoas falecidas e apresentando-se indiferente quanto a
este fator e quanto ao avanço da pandemia no Brasil, além de não ser
condolente com as famílias que perderam seus entes; declarando o que foi
trazido na fala supracitada, que alguns cidadãos, naturalmente, iriam morrer
e ele enquanto chefe de estado não poderia fazer nada (BRASIL 247, 2020,
s/p).
É possível perceber a divisão da sociedade em dois grupos,
aqueles que possuem uma maior imunidade biológica ao vírus e aqueles que
apresentam uma menor resistência, podendo deste modo, vir a óbito. A
postura do presidente da república deixa a entender que, em nome da
economia, determinados grupos, como os idosos, podem ser sacrificados por
não apresentarem possibilidades significativas para contribuir, através de sua
força de trabalho, para manutenção do lucro da classe detentora dos meios
de produção. Paralelo a isso, diante da crise econômica brasileira e do
alastramento da pobreza, trabalhadores jovens, sobretudo informais, se veem
diante de dois problemas: trabalhar e ser contaminado com o vírus ou ficar
em casa e perecer diante da falta de subsídios básicos para sobrevivência.
Tais situações revelam o desapreço que a classe dominante tem
pelo trabalhador, sem fornecer ajuda a estes, e preocupados com o capital

48
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

forçam através de manifestações, postagens nas redes sociais, assim como em


vídeos a reabertura do comércio de serviços não essenciais em nome do
lucro.
O governo federal, por sua vez, condizente com uma política
neoliberal, de sucateamento dos serviços públicos pouco se preocupa com a
saúde e bem estar do trabalhador e de seus familiares. Apesar da ajuda do
auxílio emergencial de R$ 600,00 (que teve a proposta inicial de R$ 200,00),
e diante de tudo que foi falado, é possível perceber as poucas ações do
governo federal para combater a pandemia, bem como para ajudar os mais
pobres.
Além disso, nos últimos dias alguns membros da classe
dominante exigiam o fim do isolamento social, e que o governo federal
juntamente com esses grupos empresariais atacaram nos últimos anos de
forma incisiva os direitos da classe trabalhadora através da Lei nº 13.467 de
2017 (BRASIL, 2017a), que Altera a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), da Emenda Constitucional nº 103 que Altera o sistema de previdência
social e estabelece regras de transição e disposições transitórias, da Lei nº
13.415 de 2017 (BRASIL, 2017b), que altera diferentes leis dentre elas a Lei
de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional; o que mostra na verdade, os
interesses na manutenção da reprodução de suas riquezas e status quo.
O ataque aos trabalhadores, as retiradas de direitos, a exposição
destes as doenças, dentre outros situações, têm sido mecanismos
contundentes da burguesia para manter seus privilégios. Por outro lado, é
possível perceber movimentos expressando resistência a esses ataques. No
contexto da pandemia diversos grupos de trabalhadores têm exigido o auxílio
emergencial, a não abertura do comércio, assim como o impeachment do
atual presidente, com o fito de preservar a vida das pessoas, sobretudo dos
que se encontram no grupo de risco.
É preciso se perguntar como é que ficarão aqueles que trabalham
na economia informal, os que dependem de comércio e serviços, se todos
ficarmos isolados. Como estas pessoas comprarão comida, pagarão suas
contas, sobreviverão? Ao governo federal cabe pensar em soluções de curto

49
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

prazo. Socorrer as empresas aéreas é bom, mas socorrer os camelôs e outros


trabalhadores informais também é.
A Lei de Responsabilidade Fiscal é um exemplo do que precisa ser
mudado emergencialmente. Ela impede que municípios e estados gastem mais
de 60% da sua receita líquida com gastos com pessoal. A maioria dos
municípios do Brasil está perto do limite neste momento. Com o
desaquecimento da economia, os prefeitos terão menos receita, dada a queda
de arrecadação e, mesmo sem contratar alguém, verão o percentual de gastos
com pessoal explodir.
Por fim, depois desta breve explanação sobre o atual momento no
mundo, em especial no Brasil, tomamos emprestadas as palavras de Paulo
Freire (1997, p. 6) que nos diz que o “processo de conhecimento, formação
política, manifestação ética, procura da boniteza, capacitação científica e
técnica, a educação é prática indispensável aos seres humanos e deles
específica na História como movimento, como luta”. E tomando a História
como possibilidade para debater os conflitos, lançamos agora um olhar
crítico mais específico a partir de nossa área, a Educação Física.

UM OLHAR NA/DA EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE A ATUALIDADE A PARTIR DA


PEDAGOGIA CRÍTICO-SUPERADORA

É possível perceber que desde 1990 países, de diferentes


continentes, como Estados Unidos, Irlanda, Portugal, Grécia, compreendidos
como economias expressivas no desenvolvimento do capitalismo,
apresentaram pouco crescimento econômico nas últimas décadas (PAULO
NETTO, 2012). Paulo Netto esclarece que foi a partir de 1987, por meio da
queda da bolsa de Nova York, que se desencadeou um processo de
consolidação da crise do capitalismo em longo prazo. De acordo com o autor,
isso explica a dificuldade de crescimento econômico representado nos países
mencionados.
A permanência da crise passou a ser compreendida como um
fator determinante da precarização do trabalho (CEOLIN, 2014), assim como,
da formação de professores críticos. Celli Taffarel e Santos Júnior (2016)

50
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

denunciam que a classe dominante, diante da crise sistêmica, tem buscado


precarizar a formação dos trabalhadores por meio de um ensino que nega o
conhecimento científico e a perspectiva de compreensão crítica de sociedade.
Paralelo a isso, é percebido também que a burguesia brasileira,
sobretudo diante do contexto de pandemia de COVID-19, tem explicitado os
interesses de manutenção das taxas de lucro através da precarização do
trabalho. Tais interesses, que já estavam presentes no contexto da crise do
capital, e têm se intensificado nos últimos meses, assim dificultando o
controle da pandemia no Brasil, principalmente, entre os mais pobres. Isso
porque os problemas sanitários e socioeconômicos de um país interferem de
forma significativa no sistema imunológico dos trabalhadores. Paris (2020)
corrobora com essa afirmação ao esclarecer que o fato de muitos
trabalhadores enfrentarem problemas de moradia, residirem em favelas
superlotadas, não terem água encanada e possuírem medo de serem
demitidos, expõe ainda mais o trabalhador ao vírus.
No entanto, o presidente da república, buscando isentar o estado
burguês da preservação da saúde coletiva, discursa em defesa da
responsabilização individual para enfrentamento da COVID-19. Tomando seu
histórico como exemplo declara que “No meu caso particular pelo meu
histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me
preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma
gripezinha ou resfriadinho" (MÁXIMA, 2020, s/p). Como resposta o Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE, 2020, s/p) publica uma nota de
repúdio ao pronunciamento do presidente informando alguns equívocos em
sua fala, alertando que a prática do exercício físico não atua como vacina ou
remédio contra a COVID-19. O CBCE alerta também sobre a escassez de
estudos científicos, durante aquele período, que relacionassem o nível de
atividade física com o fortalecimento do sistema imunológico para combater
a COVID-19.
Diante de tudo que foi exposto até aqui, e considerando a nota do
CBCE, assim como de outras diversas entidades da Educação Física que se
manifestaram contra as ações do então governo federal, torna-se evidente a
necessidade da articulação de mecanismos efetivos provenientes da área que

51
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

ajudem a classe trabalhadora a compreender o contexto em que está inserida,


nesse momento. Mais que isso, é preciso subsidiar elementos concretos que
permitam a transformação das atuais condições capitalistas. Como afirmado
por Freire (1997, p. 5):

Sem a luta política, que é a luta pelo poder, essas condições


necessárias não se criam. E sem as condições necessárias à
liberdade, sem a qual o ser humano se imobiliza, é privilégio da
minoria dominante quando deve ser apanágio seu. Faz parte ainda
e necessariamente da natureza humana que tenhamos nos
tornado este corpo consciente que estamos sendo. Este corpo em
cuja prática com outros corpos e contra outros corpos, na
experiência social, se tornou capaz de produzir socialmente a
linguagem, de mudar a qualidade da curiosidade que, tendo
nascido com a vida, se aprimora e se aprofunda com a existência
humana.

Diante disso, por meio de uma perspectiva reflexiva será buscado


nesse tópico as contribuições da Educação Física para a formação de cidadãos
críticos, em um contexto de crise sanitária, econômica e política. Para isso
optou-se por buscar proposições didático-pedagógicas da Educação Física
que permitam a compreensão e a transformação das atuais relações entre a
classe dominante e os trabalhadores. Assim, foi preciso retomar a década de
1990, período em que se registra na Educação Física diversas produções de
cunho crítico que buscam compreender a realidade neoliberal em que os
estudantes pertencentes a classes sociais mais vulneráveis estavam inseridos.
De acordo com Castellani Filho (1999) as concepções pedagógicas
da Educação Física podem ser divididas em dois grupos: propositivas (que
apresentam elementos teóricos para intervenção da realidade) e não
propositivas (que apresentam uma nova concepção de Educação Física, sem
apresentar elementos para intervenção da realidade).
Diante da necessidade de interferir na realidade, o presente
estudo buscou as pedagogias críticas imersas no grupo das concepções
propositivas, que se dividem em dois subgrupos: sistematizadas e não-
sistematizadas. No grupo das concepções propositivas sistematizadas, só há
uma perspectiva de ensino crítico: a pedagogia Crítico-Superadora
(CASTELLANI FILHO, 1999). Deste modo, a pedagogia Crítico-Superadora

52
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

por possibilitar um melhor entendimento da presente realidade e de sua


transformação, foi eleita como a proposição mais adequada para
enfretamento dos problemas discutidos neste texto.
Essa pedagogia apresenta uma apreensão crítica da Educação
Física, sobretudo por ter como base o materialismo histórico dialético, e a
pedagogia histórico-crítica elaborada por Dermeval Saviani, o que permite
uma compreensão filosófica e histórica da realidade (SAVIANI, 2013). Já o
livro representativo da pedagogia Crítico-Superadora é a obra “Metodologia
do Ensino de Educação Física” escrito por Soares et al. (1992).
O contexto em torno dos desafios de luta por melhores condições
de vida da classe trabalhadora frente a pandemia de COVID-19, torna-se
ainda mais evidente diante das afirmações dos autores deste livro a respeito
da classe dominante, ao entender que estes buscam defender seus próprios
interesses que:

[...] correspondem às suas necessidades de acumular riquezas,


gerar mais renda, ampliar o consumo, o patrimônio [...] seus
interesses históricos correspondem à sua necessidade de garantir
o poder para manter a posição privilegiada que ocupa na
sociedade e a qualidade de vida construída e conquistada a partir
desse privilégio. (SOARES et al., 1992, p. 24).

Diante disso, fica mais evidente que as manifestações e carreatas


da classe dominante brasileira que questionavam a necessidade do
isolamento social e que se desenvolveram sob a justificativa de preocupação
com a sobrevivência dos trabalhadores, na verdade representam discursos
que visam camuflar suas reais intenções de acumular capital, uma vez que
após o ano de 2016 esses mesmos grupos contribuíram massivamente para
uma maior precarização dos serviços públicos, do trabalho e previdência
social, tão caros aos trabalhadores. Por sua vez, os interesses da classe
trabalhadora podem ser definidos pela “[...] necessidade de sobrevivência, à
luta no cotidiano pelo direito ao emprego, ao salário, à alimentação, ao
transporte, à habitação, à saúde, à educação, enfim, às condições dignas de
existência” (SOARES et al., 1992, p. 24).

53
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Diante dos interesses opostos da classe dominante e da classe


trabalhadora expressos acima, é possível perceber a existência de uma luta de
classes na atual sociedade. Marx e Engels (2016, p. 112), afirmam no livro
“Manifesto do Partido Comunista” que “a história de todas as sociedades
passadas consistiu no desenvolvimento de antagonismo de classes, que
assumiram diferentes formas em diferentes épocas”.
Por ser os interesses dos trabalhadores antagônicos aos desejos
dos capitalistas, exige-se da classe trabalhadora a luta para superação do
atual modelo econômico capitalista. É diante disso, que a abordagem Crítico-
Superadora, inserida na educação de uma sociedade contraditória e marcada
pela luta de classes, busca nortear o ensino através de três princípios para
atuação docente, a saber: diagnóstica, pois permite a classe trabalhadora uma
análise crítica da realidade social; judicativa, por julgar os dados da realidade
a partir dos interesses da classe trabalhadora, que é permanentemente
criticada pela classe dominante; e teleológica, por buscar uma atuação
prática e revolucionária capaz de possibilitar uma transformação efetiva da
realidade. Diante disso, inferimos que a Educação Física por meio da
perspectiva Crítico-Superadora deve realizar um diagnóstico crítico do
contexto econômico, político e sanitário que o Brasil atravessa atualmente,
de modo, que possibilite a compreensão do avanço das políticas neoliberais e
seus impactos na vida das pessoas no contexto da pandemia.
Partindo do entendimento de que os professores de uma maneira
geral, incluindo os de Educação Física estão realizando atualmente aulas
remotas através de plataformas e aplicativos como Skype, Google Meet,
Zoom, Google Classroom, YouTube e de outras plataformas de transmissão
audiovisual, levantamos questionamentos acerca de quem é alcançado por
este tipo de ensino, para saber se realmente estamos cumprindo com a
educação como um direito de todos. Na verdade

[...] a educação pública se encontra sob um dos maiores ataques


de sua história, em que os grandes conglomerados de serviços de
educação privada se articulam para abocanhar o fundo público
para a Educação oferecendo plataformas de ensino à distância e
outras ferramentas que tornam a educação ainda mais excludente
e ampliam o fosso entre aqueles que tem condições de estudo e

54
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

acesso à internet e os demais. (MOVIMENTO NACIONAL


CONTRA A REGULAMENTAÇÃO DO PROFISSIONAL DE
EDUCAÇÃO FÍSICA - MNCR, 2020, s/p).

Esses questionamentos têm o fito de diagnosticar os impactos da


ausência de um planejamento sólido do governo federal, e que deveria estar
alinhado as orientações de órgãos internacionais como a OMS para combater
o avanço de COVID-19 no Brasil, e sobretudo, proteger a vida dos
trabalhadores.
Dessa forma, algumas indagações merecem ênfase, como: De que
forma os que não possuem acesso à internet podem acompanhar as atividades
escolares, sobretudo as aulas dos professores de Educação Física? Como a
ausência de ações do governo para combater e prevenir o avanço de COVID-
19 pode prejudicar o ensino daqueles que não tem acesso à internet? Ou
como a ausência dessas ações afeta na duração do período de quarentena?
Como a pandemia pode afetar negativamente os corpos dos denominados
grupos de risco? Quem têm prioridade a leitos e respiradores e por quê?
Quais atividades físicas podem ser praticadas nesse período de quarentena?
Qual o impacto da crise estrutural do capital, bem como da pandemia de
COVID-19 na formação e atuação dos professores de Educação Física?
Ou então, Como a omissão do Conselho Federal de Educação
Física (CONFEF) diante das ações e declarações do presidente da república a
respeito da atividade física em período de pandemia pode colocar em risco a
vida das pessoas? Como o ofício do Conselho Regional de Educação Física 2
(CREF 2, 2020, s/p) enviado ao governo Estadual do Rio Grande do Sul no
dia 13 de abril de 2020, solicitando reabertura das academias e centros de
treinamentos ao ar livre. Assim como o ofício do CONFEF (2020, s/p)
enviado ao presidente da república no dia 16 de abril de 2020 podem colocar
em risco a saúde da população, assim como dos profissionais de Educação
Física que atuam fora do espaço escolar?
Na verdade para o último questionamento o MNCR traz que “O
sistema CONFEF/CREFs se coloca mais uma vez ao lado dos patrões e com
eles suja suas mãos de sangue ao ser mais um defensor do relaxamento das
restrições de circulação, sendo portanto linha auxiliar do plano genocida do

55
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

governo federal de estimular a classe trabalhadora a se expor aos perigos da


pandemia” (MOVIMENTO NACIONAL CONTRA A REGULAMENTAÇÃO DO
PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - MNCR, 2020, s/p).
Diante disso, é possível criar um juízo de valor a respeito do que
foi diagnosticado. Nesse momento todas as reflexões e ponderações devem
partir de uma perspectiva de classe, nesse caso, a dos trabalhadores. Com
isso podemos inferir uma visão ampla da realidade. Diante disso, e
considerando o avanço neoliberal em todos os setores, é possível perceber a
convergência de objetivos entre o atual governo e o sistema CONFEF/CREFs,
por exemplo.
Diante da pandemia, tornando explícito o desejo de defender os
interesses da burguesia, o governo federal, na figura do presidente se
posicionou em defesa do isolamento vertical, exigindo quebra da quarentena
para o retorno das atividades trabalhistas de setores não essenciais. Em
paralelo, o sistema CONFEF/CREFs se manifesta, sem contrapor as
declarações anticientíficas do presidente da república, solicita a este a
inclusão da Educação Física nos serviços essenciais, com o objetivo de reabrir
os centros de treinamentos e academias, possibilitando deste modo, a
possibilidade de exposição dos trabalhadores e da sociedade ao vírus. Dias
depois o presidente da república publica o Decreto nº 10.344, de 8 de maio de
2020 (BRASIL, 2020b) que passa a compreender “academias de esporte de
todas as modalidades” como serviço essencial.
Essas condutas do governo federal confirmam as asseverações de
Olinda (1998), quando esclarece que para os neoliberais a racionalidade
econômica predomina, deste modo, os humanos são compreendidos não em
seu sentido espécie, mas de engrenagem contributiva para o funcionamento
do capital.
Na busca de superação desse problema, a autora acima coloca a
educação como prática social capaz de possibilitar, aos mais pobres, isto é,
aos dominados, a reflexão e a transformação das relações de dominação e
subordinação do sistema neoliberal. E enfatizando que não basta o educador
reconhecer o caráter político da educação, mas também desenvolver uma
prática pedagógica política para que isso se efetive.

56
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

Com isso, na busca do cumprimento do princípio teleológico, a


sociedade é convidada a se posicionar com atitudes e discursos
revolucionários ensejando a mudança. Colocamos a partir deste princípio que
não devemos nos calar por achar que muitas vezes não adianta se posicionar,
pois foi dessa maneira que outras vozes da chamada “ultradireita brasileira”
ganharam voz e notoriedade. O princípio teleológico parte da prática de dar
voz as nossas ideias que corroboram com a prática efetiva. Na Educação
Física essa voz deve partir da nossa prática educativa saindo de uma tomada
de consciência ingênua para sua problematização humanizadora,
problematizadora e sobretudo libertadora!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Elencamos neste texto uma discussão em torno da crise sanitária,


política e econômica do Brasil. Com isso, foi constatado que os trabalhadores
têm enfrentado uma série de ataques nos últimos anos. No contexto de
avanço desenfreado da pandemia de COVID-19, não foi diferente. Verificou-
se que estes, devido as condições materiais que os foram dadas (dependência
salarial, moradia, falta de apoio governamental, pressão da burguesia
preocupada com o lucro etc.) necessitam continuar a trabalhar, se expondo
assim, ao vírus.
Diante desse contexto, a pedagogia Crítico-Superadora foi
apresentada como proposta capaz de possibilitar contribuições para
enfretamento dessa realidade, uma vez que esta se consolida por meio da
ação diagnóstica, de um julgamento de valor dos dados analisados, a partir da
classe trabalhadora, e de ações teleológicas.
Diante disso, compreendemos que este capítulo apresenta não
somente a apreensões do contexto de pandemia, mas também ação judicativa
para atuação direta na transformação da atual realidade, neste caso, por meio
das aulas de Educação Física.
Vale ressaltar também que a pedagogia Crítico-Superadora enseja
a trabalhar através de seus pressupostos, como a relevância social do
conteúdo e o caráter contemporâneo. Tais pressupostos reforça a necessidade

57
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de tematizarmos os atuais problemas em que estamos inseridos. Pois não


podemos refletir nossa área de forma isolada do contexto em que está
inserida, visto que se transforma e é mediada a partir do reordenamento do
mundo do trabalho na sociedade. E tendo que

[...] a relação de luta entre os trabalhadores e o capitalismo


flexível tem se mostrado um campo interessante de investigação,
dado o amoldamento daqueles primeiros frente à complexificação
do mundo do trabalho e da reestruturação produtiva, no que diz
respeito à perda das reivindicações históricas de uma sociedade
emancipada do trabalho abstrato e produtora de mercadorias.
Para um aprofundamento destas questões na educação física é
necessário perfilar análises da realidade concreta do trabalho
realizado pelos professores, mediado pela presente
reconfiguração do mundo do trabalho, análises estas que se
mostram carentes no campo da nossa literatura. (NOZAKI, 2004,
p. 35).

Essas reconfigurações do mundo do trabalho se mostram eficazes


avançando através da linguagem, do trabalho e do poder. Através da
pedagogia Crítico-Superada desejamos uma Educação com uma prática
transformadora associada a uma tomada política de consciência na interface
com o momento atual. Pois, o corpo consciente no individual parte de um
corpo consciente na coletividade, então cada um de nós deve fazer a parcela
de reflexão crítica que lhe cabe. Ao governo cabe deixar os partidarismos de
lado e focar em soluções concretas. A população deve se preparar para dias
de tensão e ansiedade, colaborar com as medidas e ter empatia com o
próximo.
Afinal isolar-se socialmente não significa, somente, nos
trancarmos em casa sem um contato inerente com o mundo. Isolar-se
representa mais que um ato político, é um ato reflexivo e de amor a si mesmo
e ao próximo!
A pandemia vai passar, mas nossa prática crítica e reflexiva, esta
não deve passar nunca!

58
Pereira, Maia, Santiago e Souza (2020)

Pandemic and diseased politics:


an analysis in Physical Education on the Critical-Overcoming pedagogy view

Abstract: It is a moment of political, economic, and health tensions caused by the


coronavirus disease pandemic. In Brazil, it is possible to perceive the manifestations
of these tensions within a context of authoritarian and impartial policies,
surrounded by attacks on labor rights, precarious scientific research, and public
education, which has made it even more challenging to face the pandemic. Thus, we
use the knowledge produced in the pedagogical field of Physical Education to reflect
on this reality. We raise the following question: What pedagogical approach should
we have to deal with the worldwide pandemic reality, especially in Brazil? Therefore,
we seek to analyze and discuss the pandemic crisis that is plaguing Brazil and the
world, and we point out the contributions of Physical Education to face this reality
through Critical-Overcoming pedagogy. For this, we carry out an analysis of news
and publications taken from the internet, social networks, and television programs.
Additional readings by other authors were also used to reflect on the world health
and economic crisis to enliven this discussion. It shows that workers have faced a
series of attacks in recent years, and during the COVID-19 pandemic, it was no
different. We found that, due to the material conditions that were given, they need
to continue working, exposing themselves to the virus. We also emphasize that this
article presents not only the apprehensions of the pandemic context but also judicial
action for direct action in the transformation of the current reality, in this case, we
mitigate the debates in the area of Physical Education.
Keywords: Physical Education. Critical-Overcoming. Pandemic. COVID-19.

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abr. 2020.

62
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Impactos socioeducacionais
em época de pandemia:
análise crítica sobre o ensino e a didática

Rayane Mesquita Estumano (SEDUC/AM) *


Luciane Cristina Farias de Aguiar (SESC/PA) **
Marta Genú Soares (UEPA) ***

Resumo: Este estudo trará de um relato de experiência e descreve as práticas pedagógicas


de professores da Rede Estadual de Ensino em Manaus (AM) realizadas durante a
implantação do Programa “Aula em Casa”. Os sujeitos intérpretes são (sete) professores
que ministraram aulas a distância (EaD) no período de 23/03/2020 a 15/08/2020, sendo:
2 (dois) docentes atuantes no ensino fundamental menor; 3 (três) no ensino fundamental
maior e 2 (dois) no ensino médio que tiveram a identidade preservada pela adoção de
códigos e os dados foram coletados com de aplicação de entrevista semiestruturada com
interpretação do conteúdo referendado pelo aporte teórico. As falas dos professores
revelam que a Escola, ao fazer a escuta das demandas docentes e discentes, trabalha na
perspectiva de solução de problemas locais que possam ser regionais, atendendo as
especificidades em respeito as condições de cada unidade educacional. A maioria dos
professores concorda em relação aos desafios na implantação do sistema EaD neste
período, apontando a existência de uma desigualdade social que limita o acesso dos
educandos às ferramentas tecnológicas necessárias ao estudo remoto. Conclui que
somente a ciência, a prudência e a organização social podem criar condições para o
enfrentamento e superação das implicações letais causadas pela pandemia.
Palavras-chave: Educação. Amazônia. COVID-19.

* Mestranda em Educação (UEPA). Especialista em Educação Especial e Gerenciamento


de Processos Inclusivos (FCC/PA). Professora de Educação Física na Secretaria de Estado
de Educação do Amazonas (SEDUC/AM). E-mail: rayestumano@hotmail.com
** Mestranda em Educação (UEPA). Especialista em Educação Física Escolar
(ESMAC/PA). Professora de Educação Física no Serviço Social do Comércio do Pará
(SESC/PA). E-mail: lucianec.f.a@gmail.com
*** Doutora em Educação (UFRN). Professora Titular na Universidade do Estado do Pará.
E-mail: martagenu@gmail.com

INTRODUÇÃO

inquietação por este estudo se iniciou depois de duas semanas


da implementação do Programa “Aula em Casa” no Estado do Amazonas.

64
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Quando os professores e as professoras na Secretaria de Educação do


Amazonas (SEDUC/AM) nas turmas do Ensino Fundamental e Ensino Médio,
tiveram que organizar as atividades pedagógicas nos meios tecnológicos e
redes sociais, como os grupos no WhatsApp e criar salas virtuais no Google
Classrom.
Com o passar das semanas verificamos o quantitativo de alunos
que participavam ativamente das atividades sugeridas nas turmas e, em três
turmas do 6º ano, do total de 45 alunos em cada turma, aproximadamente 30
alunos entregaram as atividades, ocorrendo o mesmo com as três turmas do
7º ano, do total de 41 alunos, aproximadamente, 14 alunos de cada turma
acompanharam as tarefas. Com isso, perguntamos para alguns professores da
Rede Estadual de Ensino, via WhatsApp, como estava o desempenho e
envolvimento dos seus alunos no Programa “Aula em Casa” durante a
Pandemia do COVID-19.
Desta maneira, o objetivo geral é descrever as práticas
pedagógicas de professores da Rede Pública de Ensino de Manaus (AM)
realizadas durante a implantação do Programa “Aula em Casa”. Além disso,
apontar quais foram os impactos socioeducacionais ocasionados com o
advento da Pandemia do COVID-19, responsável por alterar as relações
sociais, culturais e políticas no mundo, em específico, entre educadores e
educandos vinculados a Rede de Ensino Público do Estado do Amazonas.
Os sujeitos intérpretes deste estudo são sete professores da
SEDUC do Amazonas que ministraram aulas EaD no período de 23/03/2020 a
15/08/2020; sendo 2 (dois) docentes atuantes no ensino fundamental menor,
3 (três) no ensino fundamental maior e 2 (dois) no ensino médio. Com o
intuito de preservar a identidade dos docentes, utilizamos os códigos: E1, E2,
E3, E4, E5, E6 e E7. Os dados foram coletados através de aplicação de
entrevista semiestruturada e a interpretação ocorreu seguindo a análise de
conteúdo proposto por Bardin (1979), visando: organizar, categorizar e
decifrar os dados reunidos.
Para responder aos objetivos dialogamos sobre a Pandemia do
COVID-19 e suas implicações sociais; em seguida descrevemos as medidas
adotadas pela SEDUC/AM durante o período de fechamento das escolas;

65
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

posteriormente, apresentamos a análise dos dados, relatando as opiniões dos


docentes sobre o Programa “Aula em casa” e, por fim, apontamos conclusões
sobre os impactos provenientes da Pandemia do COVID- 19 para a área da
Educação Amazonense.

EPIDEMIOLOGIA:
IMPACTOS SOCIOCULTURAIS DO CORONAVÍRUS

A pandemia do COVID-19, ocasionada pelo vírus Severe Acute


Respiratory Syndrome Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), vem interferindo
drasticamente e afetando não apenas o campo biomédico e/ou
epidemiológico, mas também, impacta diversas dimensões que constituem a
sociedade em âmbito global, de modo a interferir e modificar as relações
sociais a níveis econômico, político, cultural e histórico, sem precedentes
antes imaginados. Em curto período de tempo, vimos diversos reflexos de sua
propagação: os crescentes casos de mortalidade; medidas de contenção da
mobilidade social (isolamento/quarentena), fechamento de postos de
trabalho, escolas, entre outros.
A principal característica, de pandemias como esta, se encontra
na sua potencialidade de propagação, mediante a vigência de um surto
epidêmico que atinge a população em distintos: tempos, territórios e
culturas. Ao longo da história de nossa civilização, há exemplos como: a
Peste Bubônica, Gripe Espanhola, Tuberculose, Gripe Aviária e Gripe Suína.
Doenças que se diferem devido a constatação científica da velocidade de
propagação entre elas, sendo a globalização a principal responsável por essas
mudanças, de modo a acelerar os processos de contágio (FRENK; GÓMEZ-
DANTÉS, 2006-2007).
Vejamos, então, o exemplo da Peste Bubônica – denominada
popularmente como Peste Negra 36 – considerada a primeira grande pandemia
de que se tem conhecimento, teve início na Ásia Central, espalhou-se pelo
mundo dizimando milhares de cidadãos no século XIV (LOPES, 1969). Dentre

36Chamada “peste negra” devido as manchas escuras que apareciam na pele dos enfermos em
decorrência da doença.

66
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

as diferenças existentes entre a Peste Bubônica e o surto atual de


Coronavírus, encontra-se os agentes causadores destas doenças.
A Peste Negra foi disseminada por uma bactéria identificada
como Yersinia pestis, presente em pulgas que transitavam e infestavam os
ratos e demais roedores. Já a COVID – 19, conforme a Organização Mundial
da Saúde (OMS, 2020), apresenta o Coronavírus como causador da doença.
Originada na China, obteve a classificação de pandemia em 11 de março de
2020, chegando ao Brasil em fevereiro, especificamente, por meio do registro
do primeiro caso em 26 de fevereiro.
No caso da doença medieval, a medida em que a população aderiu
as recomendações sanitárias de higiene e foram implantadas medidas básicas
de saneamento nas cidades, houve a diminuição quantitativa de ratos
urbanos e, consequentemente, a diminuição da doença. Outro fator relevante,
sem dúvida, correspondeu a adesão de políticas públicas de isolamento social
que fortemente contribuíram a contenção da epidemia – mecanismo também
utilizado, atualmente, pelos estados brasileiros a fim de combater a
contaminação da população pelo novo Coronavírus.
Também podemos apontar semelhanças entre a pandemia do
Coronavírus e outro surto epidêmico conhecido como Gripe Espanhola,
provocada pelo vírus influenza do tipo A (H1N1). No início da propagação
desta pandemia, as autoridades governamentais seguiam o padrão de negar a
existência de uma crise sanitária, principalmente, em relação a dificuldade de
se diagnosticar a natureza da doença e seus efeitos sobre a economia e os
sistemas de saúde.
De acordo com Goulart (2005, p. 102)

Enquanto, na Europa, a espanhola se disseminava, no Rio de


Janeiro, capital da República, as notícias sobre o mal reinante
eram ignoradas ou tratadas com descaso e em tom pilhérico, até
mesmo em tom de pseudocientificidade, ilustrando um estranho
sentimento de imunidade face à doença.

No entanto, obteve-se como resultado desta negação, a


contaminação de praticamente um quarto da população mundial e uma

67
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

estimativa de 17 a 50 milhões de mortos. No Brasil, os índices registraram em


torno de 35 mil mortos - entre estes - a morte do Presidente Rodrigues Alves.
Dentre as semelhanças entre a proliferação do vírus influenza do
tipo A (H1N1) e COVID-19, consistem na mínima intervenção do governo
Federal do Brasil em contribuir as intervenções sanitárias dos Estados em
ambos os períodos históricos. Recentemente, inclusive, a política brasileira,
por meio das afirmações do atual presidente da república, Jair Messias
Bolsonaro, negou a agressividade com que o Coronavírus afeta as pessoas
acometidas pela doença, alegando ser apenas uma “gripezinha”. Esta e outras
demonstrações de discordância com as recomendações defendidas pelos
organismos internacionais, incluindo a OMS, conduzem-nos a questionar
sobre como podemos combater efetivamente está mazela sem o devido
reconhecimento e apoio da União a calamidade a qual enfrentamos.
Vale ressaltar que as estimativas científicas em relação a
possibilidade de descoberta da vacina contra a COVID-19, apontadas pela
OMS, demonstram a necessidade de espera de um longo período para criação
e testagem das vacinas desenvolvidas pela comunidade científica - podendo
corresponder até um ano e meio de espera. Neste caso, compreende-se que
ainda não há medicação comprovadamente eficaz, mesmo o governo
brasileiro defendendo o uso de alguns medicamentos como a Cloroquina.
Pensando nisso, a estratégia seguida pelos estados brasileiros,
visando minimizar a propagação da doença, constam: 1) Lavar as mãos com
água e sabão ou higienizador; 2) Manter no mínimo 1 metro de distância
entre as pessoas com sintomas aparentes de virose (tosses/espirros) ou não 3)
Evitar tocar nos olhos, nariz e boca, se as mãos não estão higienizadas; 4)
Ficar em casa, caso seja possível; 5) Deve-se evitar viajar para as regiões
comprovadamente afetadas por Coronavírus; 6) Os viajantes que retornam
das áreas afetadas devem monitorar seus sintomas por 14 dias e seguir os
protocolos elaborados pelos países receptores (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE, 2020).
Portanto, diante desta atmosfera de incertezas, cabe a população
acatar as medidas de precaução recomendadas por autoridades em saúde e,
sobretudo, agir com responsabilidade sobre o bem-estar individual e coletivo.

68
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Tendo em vista que - diferentemente dos casos de pandemias registrados ao


longo da história da civilização moderna - as contaminações por COVID-19
têm se intensificado, devido, também, pela existência de casos
assintomáticos. Por isso, apesar das contradições sociais, políticas e
econômicas as quais estamos sujeitos, vemos a necessidade de unir forças no
combate desta pandemia, mediante a adesão da população e políticas
governamentais das recomendações atuais dos organismos da saúde.
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
definiu a COVID-19 como pandemia global (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICA
DE SAÚDE, 2020). Desde então, elaborou estratégias biopolíticas com o
intuito de combater a proliferação do Coronavírus no mundo. Em
contrapartida, o Ministério da Saúde do Brasil publicou a Portaria nº 188,
reconhecendo a vigência de um estado de “Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (ESPIN)”, em razão da infecção humana causada pelo
novo Coronavírus (BRASIL, 2020).
O Mistério de Educação, a fim de apontar orientações a serem
seguidas pelos sistemas de ensino estabeleceu - dentre as medidas
educacionais mais significativas, impactantes e controversas - a defesa das
ações de políticas públicas voltadas a difusão do ensino a distância (EAD).
Tal iniciativa, adotada por diversos sistemas de ensino brasileiros em seus
respectivos estados – incluindo no Estado do Amazonas- buscou minimizar
os problemas advindos da paralisação das aulas, mediante a disponibilização
de estudos não presenciais ministradas pelos docentes vinculados a Rede de
Ensino Pública e Privada.
Diante disso, foram desenvolvidas pelo Governo Federal a
Medida Provisória N° 934/2020 que estabelece as recomendações
excepcionais, direcionadas ao ano letivo da Educação Básica e do Ensino
Superior durante o período de enfrentamento desta pandemia (BRASIL,
2020). Em nível estadual, no Amazonas, têm-se as seguintes normas
estabelecidas: a Portaria nº 311/2020, criada pela Secretaria de Educação e
Desporto (SEDUC/AM) e a Resolução n° 30/2020 pelo Conselho Estadual de
Educação (CEE/AM).

69
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Ambas visam garantir a continuidade das contribuições


pedagógicas no processo de formação dos educandos e orientar as ações das
escolas pertencentes ao Estado diante das restrições impostas pela adoção do
isolamento social. Evitando-se assim, comprometer a saúde dos sujeitos
pertencentes a comunidade escolar, caso fossem inseridos em locais de
aglomeração e que pudessem deixá-los expostos ao vírus.
Nesta perspectiva, os sujeitos do processo de ensino-
aprendizagem – professores e alunos – foram redirecionados a ambientes
totalmente diferentes das habituais estruturas concedidas nas redes escolares
e, de certa forma, sujeitados a própria sorte. Conforme a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), sabe-se que
esta crise epidemiológica resultou na paralisação das aulas que atingiram
inúmeras escolas e universidades, afetando aproximadamente cerca de 90%
dos educandos do planeta (UNESCO, 2020).
Vale destacar que, em meio a tais mudanças brutais, observaram-
se, de imediato, a necessidade de algumas adequações como o conhecimento
e uso das tecnologias da informação em ambiente residencial, a aquisição
individual de computadores, celulares ou notebooks para acessar ao
conteúdo disponibilizado na internet, auxílio dos pais e/ou responsáveis
legais durante a realização das tarefas desenvolvidas pelos educandos, entre
outros fatores.
Cabe a nós questionar se estes mecanismos de fato foram
acessíveis, condizentes com a realidade socioeconômica da população
amazônica; se aceito pela comunidade escolar; ou, simplesmente, favorecem
ao processo de exclusão, evasão, aumento dos índices de reprovação que
constantemente rondam o âmbito escolar.
Em um País, como o Brasil, que vive com graves problemas no
processo de inclusão digital e inserção das Novas Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs) na sociedade, podemos considerar que tais medidas
podem contribuir, significativamente, a ampliação do abismo ao acesso
educacional entre as distintas classes sociais.
Conforme Matos e Chagas (2008) com o advento das TICs, houve
uma ampliação do caráter assimétrico e excludente provenientes do processo

70
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

de globalização econômica. Fato este que provocou um aumento nos índices


de desigualdade econômica e social dos brasileiros, o qual favorece também a
exclusão digital. Para os autores:

Existe certa literatura ufanista a respeito do papel das TIC's nas


sociedades contemporâneas [...] que promove a ideia de que a
mera existência dessas tecnologias, por si só, permite a melhoria
das condições econômicas e sociais de uma parcela supostamente
cada vez maior da população dos diferentes países. Entretanto, o
que ocorre é exatamente o contrário. Deixadas às "forças do
mercado", as novas tecnologias tendem a promover uma
acentuação das desigualdades. (MATOS; CHAGAS, 2008, p. 90).

Deste modo, entende-se que, para a implantação, bom


funcionamento e adesão desta ação de política pública educacional, torna-se
inevitável atentarmos a desigualdade social, econômica, histórica e cultural a
qual se encontra sujeita a comunidade escolar.
Logo, vemos, mais uma vez, a educação brasileira limitar seu
âmbito de abrangência, tornando-se, ainda mais, restrita a população. Pois,
apesar dos esforços estatais em definir uma estratégia rápida de minimizar os
problemas advindo com a pandemia, nem todos os educadores e educandos
possuem: conhecimentos básicos de informática e condições financeiras para
a aquisição de tecnologias indispensáveis ao prosseguimento dos estudos
neste momento.

ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19

O Governo do Estado do Amazonas, por meio da Secretaria de


Estado de Educação e Desporto (SEDUC), organizou-se no início da
pandemia do COVID-19 para evitar a disseminação do novo Coronavírus nas
escolas estaduais. O Governo suspendeu as aulas presenciais e passou
atender os alunos do ensino fundamental maior e ensino médio – no período
de isolamento social – pelo Programa “Aula em Casa”, com base na Portaria
nº 311/2020, especificando que: as aulas serão transmitidas pelo sistema de
ensino à distância (EaD), nos aplicativos: Mano, Youtube, Instagram,
Facebook, Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), Google Classrom e

71
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

grupos de WhatsApp criados, individualmente, pelos professores. Essa


medida foi implementada também pela Rede Municipal do Amazonas, porém
o foco deste estudo serão os professores vinculados a Rede Estadual de
Ensino.
A organização do trabalho pedagógico dos docentes selecionados
pela SEDUC/AM consistiu em selecionar os conteúdos e gravações de vídeo
aula na Sede da Secretaria, a serem publicadas durante as semanas de aula.
As Coordenadorias ficaram responsáveis por receber os planos pedagógicos
dos professores durante o Regime Especial de aulas não presenciais,
especificando que no plano pedagógico deveria ser preenchido: a
Coordenadoria, Escola, Professor (a), Ano e Série, turmas, turno e bimestre.
Além disso, houve a exigência de se especificar o componente
curricular que o professor ministraria na semana de estudo, a unidade
temática e/ou eixo, período de estudo, habilidades (objetivos), objeto de
conhecimento (conteúdo), atividades orientadas e estratégia de
monitoramento. Quando sabemos que, em meio à crise pandêmica,

A própria pandemia é um tema gerador para suscitar muitas


reflexões e iniciativas práticas. Por que não refletir sobre a
pandemia, em seus distintos aspectos, com as comunidades
acadêmicas e sociais? Temos currículos engessados, que já não
dão conta das questões da atualidade, com pouco ou nenhum
espaço para mulheres, negros e indígenas intelectuais – tantas
outras e tantos outros são também excluídos. (MOTA NETO,
2020, p. 1).

Quanto a frequência dos alunos, foram registrados diariamente


pelo formulário disponibilizado pela SEDUC/AM, com o objetivo de
monitorar a participação dos alunos no Programa “Aula em Casa”. Neste
formulário, o aluno seleciona o nome da escola, preenche dados pessoas
incluindo o nome completo, série, turno que estuda, data, as disciplinas que
assistiu e relata: Como soube da existência do Programa “Aula em Casa”;
como participou da aula no referido dia; como avaliava a aula visualizada.
Esta frequência também foi realizada pelos professores, através
de formulário disponibilizados on-line. Este teve o objetivo de verificar como
os docentes participavam do Programa “Aula em Casa”. Neste portal

72
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

eletrônico, o professor registrava seu e-mail, o nome da escola onde trabalha,


quais turnos ministra as aulas, quais séries leciona, a data do referido dia,
disciplina ministrada. Além disso, também, relatava: Como visualizou a aula
do dia; qual ferramenta considerava eficiente para interagir com os alunos
durante a execução do programa; a melhor maneira de interagir com os
alunos durante a pandemia do COVID-19 e, por fim, expõe sua avaliação
sobre a aula - assim como os alunos.
Nesta perspectiva, observam-se profundas mudanças no campo
educacional, diante da vigência da pandemia do COVID-19, exigindo uma
reorganização do trabalho pedagógico docente compatível com as exigências
inerentes ao uso das ferramentas digitais. Dentre as principais alterações
constam: aprender a utilizar as plataformas virtuais recomendadas pela
SEDUC/AM, ministrar aulas on-line, preencher registros diários eletrônicos,
mobilizar docentes e familiares durante o processo de ensino-aprendizagem,
atuando como ponte entre o sistema educacional e os educandos.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Para a compreensão e análise dos dados, compreendemos ser


necessário atentar-se, primeiramente, a totalidade do contexto social que
vivencia o Brasil, a fim de nos subsidiar levantar possíveis reflexões sobre a
atual conjuntura social. Nesta perspectiva, iniciaremos tecendo algumas
considerações sobre as mobilizações sociais, ações de políticas públicas
direcionados a educação e prosseguiremos apresentando os relatos dos
professores sobre as práticas pedagógicas realizadas neste período.
A partir do ano de 2016, tem-se início uma nova etapa de
reformulações das políticas educacionais, impulsionadas, principalmente, por
meio de emendas constitucionais que determinaram profundas mudanças no
cenário político-social brasileiro. Por meio de tais reformulações políticas,
estabeleceram-se emendas, a exemplo da Emenda Constitucional nº 95, de 15
de dezembro de 2016, visando reduzir os investimentos nas áreas da
educação, ciência e tecnologia, saúde e assistência social durante os
próximos vinte anos no orçamento da Seguridade Social da União (BRASIL,

73
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

2016). Paralelamente, ocorreram mobilizações em prol de mudanças


estruturais no campo educacional, advindos de propostas como: a Reforma
do ensino médio; criação Projeto Escola Sem Partido; a implementação da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e militarização das escolas.
Projetos estes ainda não finalizados totalmente.
Com o advento da pandemia do COVID-19 tudo mudou. As
discussões em torno destas problemáticas passaram, aparentemente, a
segundo plano. A atenção nacional direcionava-nos a preocupação com o
destino da saúde pública e as possíveis alternativas em meio a um novo
contexto social. O novo normal correspondeu a “ficar em casa”; “cuidar dos
seus”; “higienizar-se criteriosamente”. Doravante, o futuro tão planejado,
idealizado, organizado por muitos, interrompeu-se. Restava-nos buscar
refúgio em nossas casas, viver o luto, prestar solidariedade e empatia aos
familiares e amigos que sofreram perdas. Perdas que não encontraremos
retorno, mas que nos conduzem a refletir, drasticamente, sobre a vida e o
futuro dela.
No entanto, mediante a tamanha comoção mundial as ações das
políticas públicas prosseguiram e foram direcionadas, inicialmente, a atender
as demandas sociais em busca de amparar as vítimas da COVID-19 e,
paralelamente, diminuir a propagação da doença. Diante disso, tem-se,
enquanto estratégia de combate do governo amazonense: a paralização do
ensino presencial e a implantação do sistema EaD conforme supracitado.
Com a pandemia do COVID-19 temos a possibilidade do sistema
de ensino à distância (EaD), onde as escolas, em especial as escolas públicas,
não estavam preparadas para a modalidade de ensino à distância da Educação
Infantil ao Ensino Médio. Mesmo assim, alguns Estados, como o Amazonas se
organizou para continuar o ano letivo sem cobrar notas das avaliações, porém
as frequências devem ser diárias.
Estamos em uma crise sanitária que ao longo do ano de 2020,
segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil se aproximou de 190 mil
mortes provocados pelo COVID-19. Pode-se deduzir com essa estatística que
nomes de alunos, pais ou professores podem estar presentes nesses números
ou estes podem ter perdido entes queridos, mas o Sistema Educacional não

74
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

parou. As atividades continuaram sendo elaboradas e cobradas pelos


professores, pois quando voltar as aulas, os conteúdos deverão ser revistos
para que o ano letivo não seja perdido.
Estes são o ponto chave deste estudo, no qual nos debruçamos a
investigar, de modo a analisar, especificamente, a visão dos professores
amazonenses sobre as implicações oriundas da implantação do ensino EaD –
por meio do Programa “Aula em Casa” – e quais consequências trazem para o
universo socioeducacional da comunidade escolar desta localidade.
Para analisar as respostas categorizamos este estudo em cinco
pontos: O primeiro, refere-se a compreender qual a percepção do professor
sobre a rotina de convívio com as turmas, destacando: a elaboração dos
planos pedagógicos, o acompanhamento das aulas televisionadas e a
realização das revisões dos conteúdos. O segundo corresponde a
compreender o entendimento do professor em relação a perspectiva
educacional e social do Programa “Aula em Casa”. Terceiro: Identificar as
metodologias utilizadas pelo docente. Quarto: investigar a participação dos
alunos em relação as entregas das atividades solicitadas pelos professores.
Quinto: mapear o quantitativo de alunos que acessam o Google Classrom
e/ou outros meios de comunicação.
Em relação a primeira pergunta, sobre a percepção do professor
durante o convívio com as turmas no programa “Aula em casa”, o professor
E1 afirma que o programa é “uma maneira excludente e não pensada nos
meios de trabalho que o professor está tendo. Claro que não podemos perder
o ano letivo, no entanto, a SEDUC/AM não nós dar condições de trabalho
dignas”. A SEDUC/AM apesar de disponibilizar as plataformas de acesso, e
ter o canal no Youtube desde o ano de 2019, durante esse período a
SEDUC/AM não utilizou da ferramenta para formações continuadas para os
professores da Rede Pública de Ensino e não proporcionou vivencias com os
alunos utilizando as tecnologias.
Para o professor E2 o Programa é importante e frisa “as
Diretrizes Pedagógicas para o Regime Especial de Aulas Não Presenciais, é
um documento que apresenta recomendações para todos os atores
educacionais (coordenadorias distritais e regionais, gestores, professores,

75
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pais e alunos)”, essa responsabilidade é esclarecida no capítulo anterior, mas


infelizmente na prática observamos que nem todos os atores estão envolvidos
no processo educativo.
O professor E2 também acrescenta “o documento direciona
metodologias e faz parte do trabalho do professor manter os planejamentos,
realizar atividades de fixação ou revisão de conteúdo, para garantir a
aprendizagem significativa dos alunos”. É fundamental problematizar essa
aprendizagem significativa diante de alunos de escolas da Rede Pública de
Ensino, onde muitos educandos nesse momento de pandemia estão com pais
desempregados ou que precisaram parar de trabalhar, pois o mercado
informal fechou, onde as contas de aluguel, luz, água e alimentação se
tornaram prioridades de muitas famílias, e consequentemente não tiveram
oportunidades para uma boa estrutura que garanta uma aprendizagem sólida.
Como medida para ajudar na alimentação dos alunos da Rede
Estadual de Ensino, a partir da alteração excepcional no Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE) por meio da publicação da Lei nº 13.987, de 7
de abril de 2020, que permite a distribuição imediata dos gêneros alimentício
aos pais ou responsáveis dos estudantes matriculados na rede de educação
básica pública, o governo do Amazonas, por meio do Programa “Merenda em
Casa”, atendeu mais de 400 mil estudantes no período de isolamento social,
em Manaus e 61 municípios do Amazonas. Porém, essa entrega ocorreu
apenas uma vez durante esses meses de pandemia do COVID-19.
O professor E5 destaca vários problemas socioeducacionais que
observa,

Há diversas realidades numa mesma cidade, alunos sem TV, ou


que moram em locais onde o sinal da TV é ruim, não possuem
internet, ou mesmo foram para o interior fugindo da pandemia,
que não sabem mexer com computador, internet e até direito com
o próprio celular ou pesquisas na internet, fatores que tornam
esta atividade complicada de se realizar, há também a questão de
pais ausentes, ou que trabalham em serviços essenciais, ou
mesmo que por questões financeiras precisam trabalhar só pra
conseguir o sustento da família. Todas estas questões
socioeconômicas dificultam muita a realização deste Programa,
mas realmente é um grande esforço do Governo, professores e
sociedade em geral que pode sim gerar bons frutos.

76
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

O professor E3 também expõe essa realidade nas turmas que ele


ministra “a responsabilidade com a elaboração de planos pedagógicos e
acompanhamento das aulas são importantes e viáveis durante o período
especial de aulas não presenciais” e aborda a importância do contato com os
alunos e pais, mas compreende que nem todos os alunos tem acesso aos
meios eletrônicos.
Apesar das problematizações acima, o professor E4 acrescenta
que:

É uma realidade possível para os professores executarem, visto


que a maioria tem celular. A SEDUC/AM disponibilizou através
do seu Centro de Mídias as vídeo aulas, facilitando para os
professores que precisam apenas assistir as aulas e ter um
material de complemento, ajudando na minha visão muitos
professores, contribuindo e diminuindo as atribuições inerentes a
cada professor.

O professor E6 diz “penso que somos parte fundamental na


aplicação desse método especial de aula, pois conhecemos nossos alunos e se
temos como contactá-los devemos fazer - isso dentro das nossas
possibilidades”. O professor E4 e E5 destacam ser possível a execução desse
Programa, mas infelizmente não abrange a totalidade dos alunos.
Quanto a elaboração do plano de aula, fica a cargo do professor
como irá organizar o trabalho tendo como base as vídeo aulas disponíveis nos
aplicativos que a SEDUC/AM disponibiliza, facilitando em partes o trabalho
dos professores. Além do mais, com os grupos criados no WhatsApp, mesmo
você esclarecendo que deve ser procurado no horário como se estivesse na
escola, de 7:15 às 11:15 e 13:00 às 16:00, muitos pais e alunos mandavam
mensagens até de madrugada para tirarem dúvidas das atividades ou para
entregarem os exercícios solicitados. Desta maneira, afetando a vida pessoal
dos professores, caso estes não possuam dois celulares; um para a vida social
e outro para a escola. Observamos essa situação também nos dizeres do
professor E7:

A responsabilidade dos professores foi para além dos muros da


escola. Os horários semanais de trabalho não são mais
respeitados, o professor acabou se tornando o contado mais

77
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

direto dos alunos e de seus responsáveis com a escola (de forma


positiva e negativa também). O professor ganhou novas
responsabilidades; ficou ainda mais perceptível as falhas na
estrutura educacional, os desafios familiares e pessoais de cada
aluno, o limite ou a inexistência ao acesso às tecnologias, além do
seu analfabetismo tecnológico.

A segunda pergunta, sobre a perspectiva educacional e social, e a


opinião sobre o Programa “Aula em Casa”, três professores acharam uma boa
iniciativa do Governo, dois acharam excelentes e dois uma atitude
interessante diante do cenário atual, o isolamento social. Porém, os
professores destacaram ser uma política excludente, não tem uma supervisão
para saber se os alunos estão aprendendo, muitos alunos não possuírem
televisão e muito menos internet para acompanhar as aulas, a existência de
falhas na preparação dos professores, alunos e pais para o uso da tecnologia.
Os dois professores do Ensino Fundamental Menor descrevem
dois pontos relevantes: as políticas públicas para a utilização das tecnologias
e a equidade da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O E1 “devemos
pensar meios de continuar com o ano letivo e não prejudicar ainda mais o
nosso alunado, mas a SEDUC/AM deveria pensar em políticas públicas
eficazes para contemplar esses alunos que não possuem meios de
acompanhar esse programa”. O professor E2 destaca “o contato por
aplicativos de mensagens não garantem que o aluno aprendeu, muito menos
que todos tiveram o acesso às aulas televisionadas, não garantindo a
equidade que tanto falamos na BNCC”.
Os professores do Ensino Fundamental Maior, o professor E3
afirma “excelente iniciativa diante da situação atual, visto que as aulas são
disponibilizadas de forma democrática e flexível, como através do Youtube
que é possível assistir as aulas quantas vezes forem necessárias”, realmente
as aulas ficam gravadas no Youtube e no AVA, porém, muitos não tem nem
televisão como vão ter acesso a internet? O professor E4 levanta a questão do
meio tecnológico “as tecnologias e suas ferramentas estão presentes no
cotidiano, contudo muitos alunos na Rede Pública principalmente nas
periferias nem sempre tem acesso à internet e acabam se prejudicando no
decorrer das aulas online” assim como, o professor E5 expõe que “existe uma

78
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

parcela dos alunos que não tem acesso à internet, onde estudar e realizar as
atividades propostas pelos professores sem sair de casa fica difícil de ser
realizada”. Logo, ratificamos a segregação do acesso dos alunos com as novas
tecnologias de aprendizagem.
O professor do Ensino Médio E6 apresenta seu ponto de vista e
este resume a opinião dos outros seis professores quando diz que:

A ideia é interessante, possui profissionais competentes com


aulas bem elaboradas e práticas, porém não consegue agregar um
número expressivo dos alunos da Rede. Sabemos que temos uma
sociedade desigual, logo temos alunos com todas as ferramentas
possíveis e o acompanhamento dos responsáveis para um
ambiente de estudo em casa e outros que não possuem material
tecnológico, ou não tem um espaço adequado em casa, e ainda as
que não tem um responsável para os orientar.

Infelizmente as situações elencadas não ocorrem apenas no


Estado do Amazonas, Capital Manaus, é uma situação em nível Nacional.
Nem todos os alunos da Rede Pública de Ensino tem infraestrutura para um
ambiente de estudos ou até mesmo alunos bolsistas das Redes Privadas não
possuem uma estrutura boa para estudar e se preparar para o Exame
Nacional do Ensino Médio por exemplo. Logo, nesse momento de Pandemia
do COVID-19 estamos vivenciando um darwinismo social seja de raça ou de
classe social, onde os mais privilegiados estarão usufruindo de
conhecimento. E devemos lutar para que esse conhecimento sistematizado
chegue a todos e não apenas para uma parcela da população, situação está,
não apenas vivida durante a Pandemia do COVID-19.
A terceira pergunta, quanto as metodologias utilizadas para
complementar as atividades que estão sendo passadas na televisão, o
professor E1 envia apostilas, vídeos e exercícios complementares do
conteúdo ministrado nos vídeos aulas disponíveis pela SEDUC/AM. O
professor E2 descreve que “faço contato com famílias por meio de ligação,
publicações em redes sociais mostrando alguns resultados, isso têm motivado
alguns pais e alunos a se empenharem na participação”.
Os professores E3, E4 e E5 estão se comunicando com estudantes
e responsáveis através do WhatsApp, disponibilizando atividades na mesma

79
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

plataforma e através do Google Classrom. O professor E5 acrescenta “passo


atividades teórico-práticas baseadas nas vídeo aulas, acompanho e incentivo
os mesmos a estudarem a teoria, mas também praticarem de acordo com as
possibilidades do conteúdo.”
Os professores do Ensino Médio, o professor E6 diz “utilizo o
Google Classrom, eu posto o link da vídeo aula transmitida pelo Programa,
juntamente com slides da aula e crio um questionário com perguntas
objetivas e/ou subjetivas sobre o assunto abordado naquela semana” e o
professor E7 expõe “paralelas as aulas pela TV, uso o WhatsApp, Google
Classrom para o envio de atividades complementares, grupo no Facebook,
Youtube e AVA como plataformas para revisar as aulas ou para os alunos sem
acesso a TV.”
Para a quarta pergunta, a respeito de quantos alunos do total de
40 conseguem ter acesso no Google Classrom ou outros meios de
comunicação, os professores do Ensino Fundamental Menor, o professor E1
destacou: “não trabalhamos com esse aplicativo, apenas o WhatsApp, onde
temos grupos com os pais de cada turma. Em média alcançamos 15 a 18
alunos por turma” e o professor E2 expõe: “nossa realidade é bem complexa
trabalhamos com alunos cujo as famílias tem um poder aquisitivo muito
baixo os pais não conhecem as ferramentas do Google, assim como os alunos
não têm acesso ao computador ou celular”. Vale ressaltar que a SECUC/AM
deu a opção de os professores utilizarem o Google Classrom para toda a
Educação Básica, cabe cada escola decidir quais ferramentas querem utilizar.
Os professores do Ensino Fundamental Maior, respectivamente
E3, 34 e E5 responderam: “em turmas de 45, estão acessando entre 33 a 38
estudantes”; “efetivamente temos o retorno de até 20 alunos” e “varia de 15 a
30 alunos por turma, sendo que a média das minhas turma são de 40 alunos e
não 35”.
No Ensino Médio o professor E6 relatou que “a turma que eu
tenho menos alunos possui a quantidade de 19 alunos e a com mais alunos
tem 32, porém a média de alunos que participam efetivamente das atividades
é menor que a adesão na turma” e o último professor E7 registrou que “varia
de acordo com a turma, de maneira geral, a ferramenta mais efetiva é o

80
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

WhatsApp que tem uma média de 30 alunos de cada turma, já no Google


Classrom tem uma média de 10 alunos”.
Analisando as respostas da pergunta número 3 e 5, concluímos
que apesar da SEDUC/AM disponibilizar vários meios de comunicação, o
acesso dos alunos não alcança a totalidade por turma, isso significa que
muitos estão sem ter contato com os conteúdos transmitidos, infelizmente
isso é uma problemática que deve ser levantada, pois estamos falando do
Sistema Público de Ensino, o qual muitos alunos não tem nem televisão.
Realidade está de uma Capital do Estado do Amazonas, Manaus, e não
podemos esquecer dos demais municípios do Estado, onde muitos alunos não
têm acesso as aulas por não possuírem televisão em casa e, muito menos,
acesso à internet, ocorrendo uma segregação entre os próprios alunos da
Rede.
A quinta pergunta, sobre a entrega das atividades solicitadas aos
alunos, os 7 professores relatam: E1 - “nem todos”; E2 - “nem sempre’’; E3 -
“a maioria não está entregando dentro do prazo”; E4 - “na faixa etária de 50
porcento”; E5 - “pouquíssimos, tem alunos que não entregaram nenhuma
atividade ainda, já vamos para a terceira atividade e muitos não entregaram
nenhuma”; E6 - “Eu não estipulo um prazo, porque sei que muitos alunos
possuem dificuldades para a utilização desse recurso, à medida que eles
entram na plataforma, eu peço para que façam as atividades pendentes”; por
fim, o E7 - “de maneira geral, os professores irão receber as atividades no
retorno das aulas presenciais para facilitar aos alunos que também não estão
tendo acesso a esses conteúdos devido a algum déficit tecnológico e pessoal”.
Analisando as respostas das perguntas 3 a 5, destacamos a
preocupação dos professores em relação a acessibilidade dos discentes ao
sistema de ensino EaD, frisando que nem todos os alunos realizam as
atividades propostas por eles - mesmo estes disponibilizando variadas
estratégias de ensino. Dentre o quantitativo de alunos atendidos, relatam que
obtiveram retorno somente de aproximadamente 50% de alunos por turma.
Diante desta constatação, torna-se evidente que esta forma de ensino não
tem apresentado eficácia, justamente, pela realidade social em que se
encontra a comunidade escolar. Além disso alegam: apesar da coordenação

81
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

pedagógica contatar pais e/ou responsáveis, não podem interferir no


compromisso dos educandos de mandarem as atividades em dia, mediante as
situações elencadas: falta de televisão ou internet para executar as tarefas e
enviar aos professores.
É fundamental pontuar e ratificar como o entrevistado E7 se
posiciona sobre os professores que terão que aceitar todos os trabalhos
quando as aulas voltarem sem prejuízo de nota nas avaliações. Mas, o que
devemos destacar é a aprendizagem significativa de cada aluno e não apenas
as notas que irão tirar para passar de ano. Devemos destacar também que o
ensino à distância vai afetar principalmente a aprendizagem dos alunos com
deficiência, autistas e as pessoas com transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade, pois a mudança de rotina dificulta a aprendizagem desses
sujeitos.
Ainda considerando que é primordial a aprendizagem vivida no
coletivo, a troca social e a vivência prática para a formação da corporeidade,
visto que:

A relação estabelecida entre a corporeidade e as expressões do


sujeito implica em vivências no meio sociocultural que resultam
no desenvolvimento dos domínios do comportamento referentes
aos aspectos cognitivos e sócio afetivos. A análise do fenômeno
da corporeidade perpassa pela compreensão de conceitos
subjacentes, entre eles: corpo, consciência corporal e
omnilateralidade. (SOARES, 2017, p. 16).

Para orientar o trabalho pedagógico em tempos de pandemia, é


precedente analisar o tipo de trabalho, o lugar, o espaço, os sujeitos e a
natureza do conhecimento. Há indicadores referenciais para a tomada de
decisão no processo educativo, e nesse caso, as condições da escola, dos
professores, alunos e técnicos, a infraestrutura do Município e o suporte de
condições sanitárias. O nível escolar e a caracterização da comunidade devem
ser decisivos para a retomada às aulas.

CONCLUSÃO

82
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Frente a situação inusitada para a sociedade mundial, tendo em


vista que a última pandemia a afetar os continentes planetários data de 1918
com a Gripe Espanhola, portanto, no século passado, e somente pessoas com
mais de 100 anos testemunharam suas implicações socioeducacionais. A
sociedade como um todo precisa pensar coletivamente para superar a
gravidade da doença e o contágio geográfico.
Somente a ciência, a prudência e a organização social podem criar
condições de enfrentamento e superação das implicações letais causadas
pelas pandemias. O campo da Educação e o lugar da Escola é local decisivo
para proteger e construir medidas cautelares para a manutenção da vida da
comunidade escolar e da sociedade.
As falas dos professores revelam que a Escola, ao fazer a escuta
das demandas docentes e discentes, trabalha na perspectiva de solução de
problemas locais que possam ser regionais, atendendo as especificidades em
respeito as condições de cada unidade educacional. A maioria dos professores
concorda em relação aos desafios na implantação do sistema EaD neste
período, apontando a existência de uma desigualdade social que limita o
acesso dos educandos as ferramentas tecnológicas necessárias ao estudo
remoto. Neste sentido, expressam uma problemática educativa que é coletiva,
histórica e cultural.
Com os resultados deste estudo propomos estratégias a serem
discutidas pela escola considerando o contexto local, as condições dos alunos
e a formação dos professores. As Redes de Ensino necessitam criar condições
que se constroem a partir das demandas da comunidade escolar, tematizando
saberes e conhecimentos da realidade cultural dos alunos e promovendo
estruturas pedagógicas inovadoras, contextualizadas que propiciem
aprendizagens criativas, resultantes das situações vividas no cotidiano social.
Estamos propondo “o que Paulo Freire chamou na ‘Pedagogia do
Oprimido’ de ‘inédito viável’. O que queremos ainda não existe. Será inédito.
Terá de ser criado. Mas só será viável se nos empenharmos coletivamente em
construí-lo” (MOTA NETO, 2020, p. 1). Para além dos documentos
curriculares oficiais, das normativas escolares e dos programas educacionais,
a essência do desenvolvimento escolar está na prática social da comunidade

83
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

estendida para a escola, e nesse sentido, a apropriação de pedagogias


emancipatórias, dialógicas e contextualizadas alcançam resultados efetivos e
promotores de situações transformadoras de condições precárias em
condições favoráveis a vida com qualidade e plena de direitos humanos.

84
Estumano, Aguiar e Soares (2020)

Socio-educational impacts in times of pandemic:


critical analysis on the teaching and the didactic

Abstract: This study will deal with an experience report. It describes the pedagogical
practices of teachers from the State Public Schools in Manaus (AM) carried out
during the implementation of the “Aula em Casa” Program. The interpreting subjects
are (seven) teachers who taught distance classes (EaD) in the period from
03/23/2020 to 08/15/2020. Composed by 2 (two) teachers working in the lower
elementary school; 3 (three) in elementary school and 2 (two) in high school who
had their identity preserved by the adoption of codes. The data collection occurred
through the application of semi-structured interviews. The theoretical contribution
supported content interpretation. It reveals that when the school listens to the
demands of teachers and students, they work with the perspective of solving local
problems that may be regional, meeting the specificities regarding the conditions of
each teaching unit. Most teachers agree on the challenges in implementing the
distance education system in this period, pointing out the existence of social
inequality that limits the access to the technological tools necessary for the distant
study. It concludes that only science, prudence and social organization can create
conditions to face and overcome the lethal implications caused by the pandemic.
Keywords: Education. Amazon. COVID-19.

REFERÊNCIAS

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Desporto. Portaria GS nº 311, de 20 de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.
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preventiva à disseminação do COVID- dezembro de 2016. Altera o ato das
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seção 2, Manaus, AM, 20 mar. 2020. Transitórias, para instituir o Novo
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Educação do Amazonas. Dispõe sobre o dez. 2016.
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preventiva à disseminação do COVID- do Ministro. Portaria nº 188, de 03 de
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85
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

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Globalización y Salud: retos para los Educação da Unesco apela ao
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86
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Educação Física Escolar


em tempos de pandemia

Denise Grosso da Fonseca (ESEFID/UFRGS) *


Roseli Belmonte Machado (ESEFID/UFRGS) **

Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa de natureza qualitativa que teve como objetivo
compreender o modo como a Educação Física escolar tem se posicionado no cenário das
aulas remotas, em tempos de distanciamento social, frente à pandemia de COVID-19. Foi
desenvolvida através da aplicação de questionário, elaborado na plataforma de
formulário Google, composto por 20 questões, abertas e fechadas, cujas informações
indicaram categorias de análise sobre: principais dificuldades dos professores; possíveis
mudanças nas aulas de Educação Física e avaliação. A pesquisa indicou que a realidade
vivida pelos docentes tem demandado outros saberes, envolvendo outras metodologias e
conteúdos, que as diferenças e desigualdades sociais se explicitaram e se aprofundaram e
que a avaliação parece estar em suspensão, nos levando a refletir sobre a perspectiva de
um inédito viável.
Palavras-chave: Educação Física escolar. Distanciamento social. Ensino remoto.

* Doutora em Educação (UNISINOS). Professora na Escola de Educação Física,


Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: dgf.ez@terra.com.br
** Doutora em Educação (UFRGS). Professora na Escola de Educação Física, Fisioterapia
e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: robelmont@yahoo.com.br

CENÁRIOS DA PANDEMIA

stamos vivendo a maior crise sanitária a atingir o mundo, neste


início de século, a qual traz uma feroz ameaça, revelada no quadro de
vulnerabilidade do ser humano, desde uma escala global até a realidade do
nosso país. A disseminação do vírus SARS-Cov-2, causador da COVID-19,
mostra um contexto em que se alastra a desumanização nas relações sociais,
capitaneada pelo projeto neoliberal inserido numa sociedade globalizada, em
que a economia e o mercado se consolidam, cavando mais fundo o fosso que
separam ricos e pobres. Nesse sentido, Antunes (2020) traz a metáfora do

88
Fonseca e Machado (2020)

metabolismo social, inicialmente concebida por Marx e posteriormente


analisada por Mészáros para explicar a complexa engrenagem econômica que,
com sua lógica expansionista, carrega em seu bojo a exacerbação da
destrutividade. Quadro esse que emoldura a corrosão do trabalho, a
destruição ilimitada da natureza, a segregação urbana e social, a
discriminação, a opressão de gênero, o culto ao racismo e o obscurantismo no
desprezo e negação à ciência.
No Brasil, dadas características geográficas, históricas, políticas,
econômicas e sociais, o cenário desenhado assume proporções que se revelam
perversas na medida em que se materializa de distintas formas. Vivemos não
só uma crise na saúde, mas também uma crise política que transdimensiona o
agravamento do quadro epidemiológico, por conta dos equívocos e
inconsequências da postura de um (des)governo, que, no plano federal,
propaga a desobediência e desconsidera as orientações da ciência. Nesse
sentido, a exemplo do que nos lembra profeticamente Saramago, um governo
que se apresenta cego de razão se utilizando do poder para desrespeitar a
vida e debochar da morte.
No âmbito ambiental, a destrutividade denunciada por Antunes
(2020), encontra uma flagrante evidência, na criminosa devastação da
Amazônia com a conivência das instituições em seus poderes, a exemplo na
sinistra reunião ministerial de 22 de abril deste ano, divulgada em diversas
mídias, em que o atual ministro do meio ambiente declara: “Então para isso
precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de
tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de
COVID-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e
simplificando normas”. Uma fala clara que acena para um desprezo e falta de
comprometimento com uma política ambiental sustentável. Declaração que
vai se consolidando, a cada novo ato normativo, numa flexibilização de
direitos ambientais já conquistados. Nesse sentido, se configura uma política
em que, a expansão destrutiva, deixa de lado as necessidades humanas e
sociais subjugada ao domínio do capital (ANTUNES, 2020).
No plano econômico e social, medidas aprovadas no Congresso e
Senado nacionais, como a Proposta de Emenda à Constituição, PEC 55/2016,

89
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

que congelou os gastos públicos por 20 anos, degradam as políticas públicas


comprometidas com o bem estar social, soterrando os poucos avanços até
então conquistados. Bossle (2019), no artigo intitulado Atualidade e
relevância da educação libertadora de Paulo Freire na Educação Física
escolar em tempos de Educação S/A, ao traçar um panorama do atual
momento econômico nacional, traz informações baseadas no Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas indicando que nos
últimos 4 anos a renda acumulada dos mais ricos cresceu 8,5% enquanto a
dos pobres caiu 14%, significando que a concentração das riquezas, bem
como a pobreza e a desigualdade, aumentaram.
Nesse contexto, a Educação, como não poderia deixar de ser,
sofre as consequências do necessário distanciamento social implantado no
mês de março, tão logo se estabelece o quadro pandêmico no país. De uma
semana para outra, professores, estudantes e famílias se vêm imersos num
outro modo de viver, de ensinar e aprender, nunca antes imaginado. As novas
tecnologias passam a ser o meio que possibilita buscar continuar os processos
educacionais, afastados da presencialidade da escola. Nesse sentido, se
questiona: Com que meios? Quais estratégias usar para continuar ensinando
a aprendendo a partir de ferramentas digitais? Como pensar e conceber aulas
de Educação Física nesse contexto?
Para pensar sobre este problema que se apresenta, nos
debruçamos a realizar uma pesquisa que tenta compreender a Educação
Física escolar nesse contexto. Com o intuito de apresentar alguns dados da
pesquisa desenvolvida, este artigo está organizado em cinco seções. Esta
primeira apresenta o cenário que vivemos; logo após trazemos apontamentos
que tratam da Educação Física (escolar), como pano de fundo para as
discussões que envolvem o objeto desta investigação; em seguida temos os
caminhos metodológicos que explicitam a natureza e estratégias da pesquisa
desenvolvida; a seguir colocamos a análise das informações em diálogo com
autores que as referenciam e finalizamos com algumas sínteses conclusivas.

90
Fonseca e Machado (2020)

EDUCAÇÃO FÍSICA (ESCOLAR)

Como ponto de partida para as reflexões que emergem neste


estudo, revisitamos questões legais e pedagógicas que foram, ao longo do
tempo, dimensionando o ensino da Educação Física configurando distintas
identidades em cada período histórico. A Educação Física escolar no Brasil
inicia através de métodos ginásticos europeus, se sustentando desde o final
do século XIX e início do século XX a partir de pressupostos eugenistas e
higienistas, assumindo, em meados do século XX, um caráter militarista e
disciplinador, sem deixar de lado a preocupação com a saúde.
Nesse sentido, os exercícios físicos, principais elementos da
prática desenvolvida nas escolas, representavam os fatores do
desenvolvimento da saúde, da força de trabalho e dos valores morais. O
esporte ingressou como conteúdo da Educação Física na década de 1950,
através do Método da Educação Física Desportiva Generalizada que aos
poucos substitui os métodos ginásticos hegemônicos até então.
A partir do golpe civil-militar de 1964, o esporte assumiu papel
de destaque como conteúdo privilegiado e a aptidão física a centralidade dos
objetivos da disciplina. Disciplina esta que, na legislação educacional, através
das LDB 4024/1961 e 5692/1971, é instituída com o caráter de mera
atividade, ou seja, atividade exclusivamente prática, portanto sem
compromisso com a apreensão dos conhecimentos que a sustentavam e com a
função social que lhe cabia e, por isso, tida por muitos como de menor
importância.
Com a LDB 9394/1996, a Educação Física passa a ser componente
curricular obrigatório da Educação Básica, adquirindo as prerrogativas legais
e pedagógicas dos demais componentes curriculares. Nesse contexto, as
discussões na área começam a crescer, desde o movimento renovador
instalado na década de 1980, com avanços nas pesquisas e estudos, trazendo
novos olhares, perspectivas e identidades para a Educação Física escolar.
Destacamos o entendimento do Coletivo de Autores (2012, p. 50) que a
define como “uma prática pedagógica que tematiza distintas formas de
atividades expressivas corporais como jogo, esporte, dança e ginástica que

91
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

configuram uma área de conhecimento chamada de Cultura corporal”.


Contudo, a partir da Lei 13.415/2017 a LDB 9394/1996 foi alterada e, dentre
as mudanças, como sabemos, está a organização curricular do Ensino Médio,
em que as únicas disciplinas obrigatórias nos três anos são Língua
Portuguesa e Matemática, Educação Física, Arte, Filosofia e Sociologia, em
consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), passam a ser
estudos e práticas, perdendo o caráter de componente curricular,
retrocedendo à condição de atividades dentro de uma disciplina específica ou
em projetos interdisciplinares.
Tal alteração compromete o princípio da educação integral, uma
vez que, como refere Molina Neto et al. (2017) “educação integral significa
oportunizar o acesso pleno ao conhecimento, e às diferentes configurações da
cultura construída e sua retirada indiscutivelmente atenta, agride e mutila a
formação humana da cidadania, em especial da juventude brasileira
(MOLINA NETO et al., 2017, p. 102).
No âmago dessas alterações, na perspectiva da BNCC, as práticas
pedagógicas escolares são balizadas pela ideia de competências, organizadas
em Unidades Temáticas, subdivididas em objetos de conhecimento e
especificadas em habilidades, orientando o trabalho dos diferentes
componentes curriculares. Muitos autores discutem que o cenário
educacional em que habita a ideia de competência, também está ligado a
lógicas de gerenciamento, da adoção de índices econômicos como indicadores
de qualidade, de desempenho, da meritocracia e da remuneração variável. É
fundamental destacar que, com o desenvolvimento do neoliberalismo a figura
da fábrica foi sendo substituída pela da empresa. Essa nova organização
passou a requerer um novo tipo de trabalhador, maleável e móvel, capaz de
adaptar-se a novos ambientes; de não pertencer a um lugar fixo; de usar e
descartar informação, de saber trabalhar com outros e capaz de aprender a
aprender. O enfoque por competências é percebido, como uma forma de
vincular a educação ao mercado de trabalho, promovendo práticas
individualistas, potencializando a acumulação flexível.

Como a proposta é substituir a estabilidade, a rigidez, pela


dinamicidade, pelo movimento, à educação cabe assegurar o

92
Fonseca e Machado (2020)

domínio dos conhecimentos que fundamentam as práticas sociais


e a capacidade de trabalhar com eles, por meio do
desenvolvimento de competências que permitam aprender ao
longo da vida, categoria central na pedagogia da acumulação
flexível. (KUENZER, 2007, p. 1159).

Assim, a partir desse breve olhar sobre o que tem sido a Educação
Física, buscamos referências para compreender como está sendo hoje, em
circunstâncias de distanciamento social e encontros remotos. Portanto, pano
de fundo, a partir do qual nós, pesquisadoras do Grupo de Estudos em
Docência e Avaliação em Educação Física da Escola de Educação Física
Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(GEDAEF/ESEFID/UFRGS), atentas a essas novas configurações, usamos
quando nos propusemos a acompanhar os acontecimentos atuais com o
intuito de avaliar, refletir e orientar futuras ações.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Esta investigação, que problematiza como tem ocorrido as aulas


de Educação Física em tempos de distanciamento social, tem por base o
cruzamento entre duas pesquisas em andamento: “A Educação Física na Área
das Linguagens: propostas curriculares e prática pedagógica” e “Políticas
curriculares para Educação Física escolar e a questão da diferença:
problematizações sobre a docência e o currículo nas escolas gaúchas”.
A escolha metodológica se localiza na perspectiva qualitativa, a
qual de acordo com Negrine (2010), busca a descrição, análise, interpretação
e discussão das informações coletadas no processo investigativo, procurando
entendê-las de forma contextualizada sem a pretensão de fazer
generalizações. Nessa linha, a pesquisa qualitativa se propõe a romper com
modelos que dicotomizam pesquisado e pesquisador, buscando “responder ao
desafio da compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano, de
suas relações, construções culturais, em suas dimensões grupais,
comunitárias ou pessoais” (WELLER; PFAFF, 2018, p. 30). Assim, nos
posicionamos nessa perspectiva, em consonância com os autores que a
referendam, considerando que focar nosso objeto num desenho qualitativo

93
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

nos traz a possibilidade de melhor compreender o momento educacional


atual e o modo como a Educação Física está implicada nele, perspectivando
como já dito, avaliar, refletir e orientar futuras ações.
Nesse sentido, realizamos um estudo de cunho exploratório,
procurando conversar com professores de Educação Física que estivessem
atuando nas escolas gaúchas no momento do distanciamento social, para dar
conta do objetivo de compreender o modo como a Educação Física escolar no
Rio Grande do Sul, tem se posicionado no cenário das aulas à distância, em
tempos de distanciamento social, frente à pandemia de COVID-19. O contato
com os professores foi sistematizado através de um questionário, elaborado
na plataforma de formulário Google, composto por 20 questões. O convite
para participar da pesquisa, inicialmente, foi dirigido aos professores que
realizaram o curso de extensão Educação Física na Educação Básica Diálogos
e Possibilidades (edições 2017, 2018 e 2019), promovido pelo grupo
GEDAEF/ESEFID, aos quais foi solicitado que difundissem para outros
colegas. Também divulgamos a pesquisa em redes sociais, destacando os
critérios dos sujeitos que poderiam respondê-la e encaminhamos,
concomitantemente, termo de adesão com os respectivos esclarecimentos e
cuidados éticos. A partir desses movimentos, outros professores foram
incluídos, obedecendo aos seguintes critérios de seleção: 1) ser professor que
atua na Educação Básica; 2) estar trabalhando no momento de
distanciamento social.
Todos os questionários respondidos estão de posse das
pesquisadoras e comprovam que os sujeitos que responderam atendem aos
critérios da pesquisa. O questionário, elaborado na plataforma de formulários
Google, foi divulgado no dia 1° de maio de 2020 e recebeu retorno até o dia
10 de maio de 2020. Após esse processo, recebemos 43 formulários
respondidos. Desses, identificamos 11 professores que atuam na rede
estadual de ensino do Rio Grande do Sul, 12 que atuam em escolas privadas e
20 professores que atuam nas redes municipais, oriundos da capital do
Estado, Porto Alegre e de outras 14 cidades gaúchas. Esses docentes atuam
no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na Educação Infantil, sendo que
a maioria atua em mais de uma etapa de ensino.

94
Fonseca e Machado (2020)

Nesse sentido trazemos algumas análises das primeiras


informações recolhidas, orientadas pelos objetivos específicos que buscaram:
identificar as principais dificuldades dos professores de Educação Física para
realizar suas aulas na modalidade à distância; identificar possíveis mudanças
nas aulas de Educação Física em tempos de distanciamento social e refletir
sobre Avaliação na Educação Física escolar em tempos de pandemia.

ANÁLISE E INTEPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES:


POSSÍVEIS INTERLOCUÇÕES

A pesquisa permitiu nos aproximar do modo como as práticas em


Educação Física escolar têm se organizado e como têm sido realizadas neste
momento de distanciamento social nas escolas dos professores que
colaboraram com esta investigação. Grande parte das redes iniciou suas
atividades em março. Algumas começaram e pararam, outras continuaram, e
ainda tivemos aquelas que entraram em recesso ou férias para depois iniciar
as atividades remotas. É importante dizer isso para que já se compreenda que
não se trata de atividade homogênea, inclusive porque de início não houve
uma determinação ou orientação de como deveriam ser. O que tivemos foi a
Medida Provisória nº 934, de 1° de abril que colocou: “Artigo 1º - O
estabelecimento de ensino de Educação Básica fica dispensado, em caráter
excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo
trabalho escolar, desde que cumprida a carga horária mínima anual”. A
Portaria MEC nº 343 37, de 17 de março de 2020, tinha autorizado a educação
superior a se estabelecer pelos meios digitais e isso foi sendo continuado
pelas escolas. Em início de junho, tivemos um parecer do Conselho Nacional
de Educação, parcialmente homologado sobre a educação na pandemia,
suspendendo o trecho que falava sobre avaliações e exames, e mantendo a
autorização para que as atividades remotas passassem a valer como carga
horária.

37 Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020, dispõe sobre a substituição das aulas

presenciais por aulas em meios digitais [...]. Alterada pela Portaria MEC nº 395, de 15 de abril
de 2020, que prorroga por mais 30 dias, e a Portaria nº 473, de 12 de maio de 2020, com mais
uma prorrogação.

95
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Nesse sentido trazemos para o debate elementos da pesquisa


realizada em que se configuram fatos da realidade diante das tantas questões
que atravessam a vida e o fazer dos professores, familiares e estudantes, num
país cujas desigualdades tentamos sintetizar; num contexto em que as
famílias de diferentes classes sociais foram interpeladas a assumirem outros
papéis e as casas passaram a ser um espaço da escola. Os professores, de um
dia para o outro, foram chamados a ministrar aulas, através dos meios
eletrônicos. Isso nos convocou a refletir sobre os pontos já citados: que
Educação Física está sendo oferecida neste momento? Quais as condições
para fazer ensino? Que saberes estão sendo demandados aos professores e
aos alunos? Quais metodologias estão sendo possíveis? Como tem ocorrido a
avaliação? Diante disso, pensamos estar vivendo uma situação limite entre o
que compreendemos ser os processos pedagógicos da Educação Física e as
condições que temos.
Partimos desse último questionamento, para iniciar nossas
reflexões. Inspiradas em Freire (1994), as situações-limite nos colocam diante
do que ele chama de o “inédito-viável”, em que, mesmo que nem sempre
perceptíveis, duas posições se encontram na arena das disputas; uma
esperançosa e outra desesperançosa. Nas notas do Pedagogia da Esperança,
Ana Maria Freire revisita o Pedagogia do Oprimido, ampliando a reflexão
sobre essa categoria freireana. Para ela o “inédito viável” encerra uma crença
no sonho possível e na utopia que virá, diante dos obstáculos, barreiras que
precisam ser vencidos, as quais se colocam como “situações-limites”. Nesse
sentido tais situações podem ser percebidas como obstáculos intransponíveis
e, portanto, como algo que não desafia para a luta, pois de antemão a derrota
parece certa; ou ao contrário, como uma realidade que existe e que precisa
ser enfrentada, o que é motivo de empenho na luta para sua superação. Ainda
nessa perspectiva os primeiros veem a situação limite como determinada
historicamente, a partir do que nada há a fazer, só se adaptar a ela. Por outro
lado, os segundos, quando percebem que os temas desafiadores da sociedade
não estão encobertos pelas situações limite se sentem impelidos a assumir
seu protagonismo e a descobrirem o “inédito-viável”. Assim esse inédito
viável, é na verdade uma situação inédita pouco conhecida, mas sonhada,

96
Fonseca e Machado (2020)

perseguida e que ao se dar a conhecer mediante a reflexão-ação sobre a


realidade concreta pode se transformar em realidade. Entendemos que as
incertezas e buscas permanentes por manter o ensino e a aprendizagem como
um direito de todos tem se constituído num dos grandes desafios que, em
meio a muitas tensões, mobiliza professores de todas as etapas da
escolaridade, neste momento.
Sobre os saberes do professor, Tardif (2002) destaca a existência
de quatro diferentes saberes implicados na atividade docente: os saberes da
formação profissional (conhecimentos pedagógicos e demais ciências que
subsidiam a educação); os saberes disciplinares ( aqueles pertencentes ao
campo específico de cada disciplina); os saberes curriculares ( relacionados à
organização curricular da escola e às escolhas que cada professor faz na sua
disciplina) e, por fim, os saberes experienciais (que são os saberes produzidos
a partir das vivências na docência). Saberes estes que emergem de uma
realidade de ensino presencial, com todas as suas especificidades e nuances,
contudo, neste momento, sabemos que outros saberes estão sendo
construídos por professores na experiência emergencial que estamos vivendo.
Poderíamos acrescentar, quem sabe, a exercitação de saberes tecnológicos,
considerados como possíveis ajustes da tecnologia ao meio educacional
(MATTOS; AZEVEDO, 2014), que passam a ser os principais mediadores do
processo educativo.
Ao considerarmos, então, essa nova didática digital a distância,
cujos saberes estão sendo constituídos nos meios tecnológicos, essa falta de
contato com os alunos implica na escolha e na realização do trabalho. O
professor Nuccio Ordine, que escreveu a Utilidade do Inútil 38, produziu um
vídeo em que ele fala sobre as aulas de forma remota, e diz que de tudo o que
estamos vivendo, há apenas uma certeza, “o contato com os alunos em sala
de aula é o que pode dar verdadeiro sentido ao ensino e aí está incluída a

38 Nuccio Ordine é professor de literatura italiana na Universidade da Calábria, e atua como


membro ou professor visitante em diversas universidades e institutos de pesquisa de prestígio
nos EUA e na Europa. Com livros traduzidos para mais de 15 idiomas, dirige coleções de
clássicos na Itália e na França e colabora com o jornal Corriere della Sera. É um dos principais
estudiosos da obra de Giordano Bruno, sobre quem escreveu A cabala do asno (2006) e O
umbral da sombra (2009), e doutor honoris causa da UFRGS.

97
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

própria vida do docente”. Como trabalhar utilizando uma “didática digital”?


Como ler um “texto clássico sem olhar nos olhos dos meus estudantes” (sem
reconhecer os seus gestos de desaprovação ou de cumplicidade)? E finaliza
afirmando que “nenhuma plataforma digital pode mudar a vida dos
estudantes, somente o professor pode fazer isso” 39. A partir disso refletimos
nas dificuldades dos professores de Educação Física que ministram suas
aulas para pontos pretos numa tela (alunos com câmeras fechadas ou sem
elas), também pensamos que estamos fazendo a Educação Física escolar de
um modo muito distinto, sem contato, sem presença. Todavia, é preciso dizer
que não estamos com o intuito de esclarecer tudo o que envolve este
momento, mas de oferecer possibilidades de debate, compreendendo a
complexa trama que vai enredando o dia a dia dos professores.
Em relação a alguns dos dados específicos retratados na pesquisa
que estamos desenvolvendo vamos falar exemplificar três situações: os
saberes que estão sendo trabalhados, a metodologia e os aspectos da
avaliação.
Como um modo de organizar as informações que os contemplam,
decidimos considerar saber e conteúdo dentro de um mesmo campo de
sentido e, também, compreender que esses saberes podem ser de três ordens,
como já trouxeram os Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 90 e
que, por muito tempo, subsidiou os planejamentos escolares: conceituais,
procedimentais e atitudinais. Compreendendo o todo problemático que essa
divisão pode encerrar, acabamos por acreditar que é uma boa maneira de
ilustrar as práticas que foram e estão sendo realizadas. Nessa perspectiva,
podemos dizer que os professores propuseram, inicialmente, levar aos seus
alunos conteúdos de ordem conceitual, do conhecer. Por exemplo, análise
histórica da constituição e estabelecimento das práticas corporais, regras de
organização e execução das diferentes práticas corporais, conhecimento
sobre regras, federações, organizações esportivas, relação cultural e vivência
das diferentes práticas nas distintas localidades, conhecimento sobre o
corpo, saúde, exercícios, atividade física, dentre outros exemplos. Saberes

39 Vídeo “Coronavírus: reflexões sociais sobre a pandemia”. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=tZkQRZ-18Kg. Acesso em: 01 jun. 2020.

98
Fonseca e Machado (2020)

esses que, como dissemos, para fins de organização, chamamos de


conceituais. Com o passar das aulas, os professores passaram a conduzir,
também, saberes de uma categoria procedimental, ou seja, da ordem do saber
fazer, do experimentar, ensinando e/ou conduzindo a execução de
procedimentos. Como exemplo, movimentar-se de tal modo, executar uma
atividade, realizar um jogo, experimentar uma brincadeira, vivenciar uma
modalidade de dança, um movimento da ginástica, execução de um
aquecimento referente a uma luta, realizar o fundamento de algum esporte,
etc. Notamos uma mudança, em que no início o foco estava voltado para os
saberes conceituais e foram avançando para os procedimentais. Isso, no
nosso entendimento, teve uma relação com as escolhas metodológicas que
foram sendo feitas e com as possibilidades tecnológicas que foram se
materializando. Por outro, lado não encontramos relatos que falassem dos
saberes atitudinais.
A metodologia de trabalho em desenvolvimento neste período
teve relação com, além da dimensão de conteúdo que estava sendo
desenvolvida (conceitual ou procedimental), também com o modo
oportunizado pela instituição ou da possibilidade do professor de chegar até
aos alunos. Os professores organizaram os saberes para chegarem aos alunos
começando pelo encaminhamento de materiais de leitura, envio de atividades
de análise e reflexão desses textos e indicação de vídeos já existentes para
que os alunos assistissem. Após, outras metodologias foram incluídas:
produção de videoaulas, realização de aulas síncronas, salas de debate,
execução de diferentes movimentos referentes a práticas corporais. Houve
uma mudança nas opções metodológicas e nas categorias dos saberes, que
foram concomitantes, quando um mudou o outro também foi alterado,
buscando atingir/contemplar o maior número de alunos.
Assim, no detalhamento sobre o modo como os saberes foram
sendo disponibilizados aos alunos, é possível identificar as formas que mais
se destacaram. A primeira delas foi por WhatsApp, utilizada para envio de
materiais e para comunicação. Também foram utilizadas as plataformas
Facebook, Google Meet, Google Classroom, Zoom, Skype, provedores de e-
mail e sites das escolas. Muitas instituições e docentes lançaram mão dessas

99
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

ferramentas de forma conjunta, como modo de atingir a multiplicidade de


alunos, considerando: condições de acesso, condições familiares e
necessidades de estímulos diversos para aprendizagem. Esses aspectos têm
trazido um imenso e árduo trabalho ao professor neste momento.
Em relação a esta questão das formas de acesso, cabe destacar o
que já comentamos em outras ocasiões que embora o celular possa ser uma
ferramenta explorada pelos professores para potencializar os estudos, os
desafios ainda são grandes para transformá-lo em ferramenta para a
democratização do conhecimento. Além das dificuldades de acesso às
plataformas de ensino utilizadas nesse período de pandemia, o grande
número de brasileiros que não tem acesso à internet, ou que têm acesso
precário, aumenta consideravelmente, nas classes D e E, de acordo com
dados do IBGE de 2020.
Em relação ao aspecto da Avaliação, as respostas dos professores
colaboradores parecem indicar que um dos tripés do processo educativo,
ensino-aprendizagem- avaliação não está claro nesse contexto. Embora
alguns informem algumas estratégias avaliativas que estão sendo realizadas,
envolvendo o envio de tarefas via plataformas digitais ou até mesmo
impressas entregues na própria escola, muitos declaram não estar ocorrendo
avaliação, trazendo argumentos que justificam tal ausência, como não terem
sido orientados ou mesmo não terem sido autorizados. Nesse sentido, a
Portaria nº 544, de 16 de junho de 2101, do MEC, autoriza a manutenção de
aulas remotas ou à distância até 31/12/2020 e declara ficar sob a
responsabilidade das instituições, as alternativas de trabalho bem como a
realização de avaliações durante o período em pauta. Tal orientação ou
ausência de orientações sobre avaliação pode ser interpretada, num primeiro
momento, como uma abertura ou atribuição de autonomia às escolas diante
da situação de emergência e novidade pedagógica que se instala. Por ouro
lado, parece ser um indício de que as circunstâncias vividas fogem de
qualquer outra situação já experimentada, gerando também nesse aspecto,
um clima de insegurança e incerteza. Ainda, as tantas precariedades dos
alunos que habitam as periferias, que impedem que muitos estejam podendo
participar das aulas nos modos como estão sendo oferecidas, também têm

100
Fonseca e Machado (2020)

sensibilizado os professores no sentido de relativizarem o processo


avaliativo, destacando que o mesmo deverá ser revisado no retorno às aulas
presenciais, com as reformulações que se façam necessárias.
Diante dos fatos enunciados, a partir dos atos normativos e das
respostas dos professores, como pensar a avaliação a partir da situação posta
em relação ao sentido da avaliação no atual contexto educacional. Nessa
perspectiva, retomamos brevemente, a partir de Fonseca (2015), as
concepções que atravessam a prática avaliativa, quais sejam: uma tradicional
classificatória e sentensiva, identificada com princípios quantitativos,
vinculada diretamente à aprovação ou reprovação dos alunos; uma mediadora
ou formativa identificada com princípios qualitativos e relacionada à
regulação e dinamização do processo de ensino aprendizagem; e outra,
emancipatória que amplia a perspectiva formativa e mediadora, buscando
mobilizar o senso crítico do educando, do educador e da escola, através
também de processos autoavaliativos.
O “o quê avaliar” diz respeito aos conhecimentos trabalhados em
relação aos objetivos propostos; e “o como avaliar” vai se referir às
estratégias usadas, ou seja, a escolha das formas como se dará a prática
avaliativa. As informações sobre avaliação, trazidas até a etapa que
analisamos neste artigo, poderiam indicar um esvaziamento do debate sobre
essa importante dimensão da prática pedagógica, reforçando a fragmentação
do processo educativo que não a compreende como parte indissociável desse
todo. Entretanto, neste contexto, cabe problematizá-la para além das
aprendizagens dos alunos. Nessa perspectiva Antunes (2014, p. 16-17) nos
ajuda a olhar para a Avaliação, na forma como tem sido pensada, praticada
ou colocada em suspensão, quando afirma que “a avaliação não é uma
questão de final de processo, mas que ela está o tempo todo presente e,
consciente ou inconscientemente, orienta nossa atuação na escola ou na sala
de aula atuais”. Destaca ainda que a avaliação é contínua e processual e que
tem como finalidade orientar a inclusão e o acesso contínuo de todos a todos
os conteúdos, referindo que esta é, ao mesmo tempo, a contradição e a
possibilidade existente nos processos da avaliação de aprendizagem. Assim, é

101
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

em meio a esta contradição que o processo educativo atual caminha,


buscando, entre outras situações, encontrar o lugar da Avaliação.

REFLEXÕES FINAIS

Começamos emoldurando o contexto atual em que o mundo, o


país, os estados, os municípios, as escolas e as famílias se veem mergulhados
na conjuntura do distanciamento social. São muitas intercorrências que
afetam as vidas em cada um e em todos os espaços do cotidiano. A seguir
falamos da Educação Física, revisitando as tendências e abordagens que a
configuraram nos currículos escolares, como possível lastro para melhor
vislumbrá-la no atual cenário, ou seja, fizemos um recuo que oferecesse um
modo de rememorar as práticas das quais a Educação Física escolar já se
ocupou e que estavam sendo desenvolvidas até o advento do distanciamento
social. Continuando, situamos a dimensão metodológica do estudo, cuja
natureza qualitativa nos desafiou a um exercício interpretativo que pudesse
conjugar as subjetividades social e culturalmente emolduradas, numa leitura
crítica da realidade instalada. Daí partimos para as análises, buscando
contemplar as categorias que emergiram das falas dos colaboradores, ao
encontro dos objetivos propostos para este estudo, ou seja: identificar as
principais dificuldades dos professores de Educação Física para realizar suas
aulas na modalidade à distância; identificar possíveis mudanças nas aulas de
Educação Física em tempos de distanciamento social e, refletir sobre
Avaliação na Educação Física escolar em tempos de pandemia. Nessa
perspectiva apontamos alguns aspectos que se destacam como possíveis
sínteses conclusivas.
As dificuldades dos professores, situam-se dentre outras, na
dimensão dos saberes docentes, diante da novidade de um ensino
predominantemente digital. O enfrentamento em caráter emergencial
provocou um choque de realidade pela ausência de condições de acesso
tecnológico a um número significativamente maior do que poderia ter sido
imaginado, de estudantes e até mesmo de professores das escolas públicas.

102
Fonseca e Machado (2020)

Em relação as mudanças nas aulas de Educação Física, em tempos


de distanciamento social, notamos que, considerando a organização dos
saberes em conceituais, procedimentais e atitudinais, vemos uma ênfase na
dimensão conceitual. As práticas são muito distintas do que tínhamos.
Enquanto tínhamos um trabalho mais voltado para a dimensão
procedimental, grupal, de troca, de vibração em grupo, de aprendizagens
coletivas, temos um trabalho voltado para o individual e mais conceitual. A
espontaneidade do contato docente e discente substituída pela edição dos
vídeos. A voz do professor substituída pela leitura solitária dos textos. O
encontro coletivo pelo trabalho individual. São outras práticas que tem uma
relação com o espaço e com o tempo em que estamos vivendo.
A respeito do aspecto da avaliação, as informações parecem
indicar que os processos desenvolvidos e não desenvolvidos até o momento,
apontam para muitas indagações. Destacamos que, ao mesmo tempo em que
os professores manifestam incertezas e inseguranças sobre o processo
avaliativo, nas condições concretas em que se apresentam, também
evidenciam um olhar que o relativiza, prorrogando sua operacionalização
para um período pós-pandêmico como forma de respeitar as precárias
condições de acesso por parcela considerável da comunidade estudantil.
Parece estar implícita a grande contradição enunciada por Antunes (2020),
entre o caráter processual e contínuo da avaliação que a torna parte
indissociável do processo educativo e a (im)possibilidade de efetivamente
concretizá-la nos modos como tem sido concebido o ensino.
Nesses aspectos que emprestaram materialidade aos propósitos
desta pesquisa, queremos acrescentar que a Educação Física que estamos
vivenciando nestes tempos, é outra, na medida em que estamos trabalhando
alguns saberes e não outros e, conduzindo os alunos de modo totalmente
diverso do que se fazia. Além disso, é preciso considerar as desigualdades
entre as instituições, alunos e professores, as quais foram ainda mais
escancaradas neste momento e que configuram vivências muito distintas.
Nesse sentido trazemos a afirmação de Santos (2020, p. 21) de que “a
quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a injustiça, a

103
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

discriminação, a exclusão social e o sofrimento imerecido que elas


provocam”.
A Educação Física escolar parece não ter continuado de forma
remota. Até porque não temos o “escolar”, pois não temos escola, sua
presença, seu ambiente, suas trocas, seus encontros, capazes de nos
oportunizar trabalhar com distintos campos do saber e suas diferentes
ordens. Por outro lado, estar próximo dos ritos que conhecemos é, por vezes,
um elo com aquilo para o qual queremos voltar, uma inspiração para os dias
difíceis e um sopro de saúde e de vida. Mas, não é escola, não é Educação
Física escolar, é outra coisa. Nem pior e nem melhor, talvez o possível para
este tempo que nos convoca a manter nosso comprometimento com a
educação e com a luta por mudanças nos processos políticos e civilizatórios.

A questão crucial imediata desta era de trevas é a luta pela


preservação da vida. Isso significa encontrar no presente as
condições para estancar a crise pandêmica com o apoio vital da
ciência e, ao mesmo tempo começar a desenhar um outro sistema
de metabolismo verdadeiramente humano –social. Estamos em
um momento excepcional da história, um daqueles raros
momentos em que tudo o que parece sólido pode fenecer! Urge,
então inventar um modo de vida no qual a humanidade seja
dotada de sentido em suas atividades mais vitais e essenciais.
(ANTUNES, 2020, p. 23).

Talvez, seja esse o nosso inédito viável para a Educação Física


escolar.

104
Fonseca e Machado (2020)

School Physical Education in pandemic times

Abstract: This study uses qualitative research to understand how school Physical
Education has positioned itself in the remote classroom scenario, in times of social
distance because of the COVID-19 pandemic. It was developed through the
application of a questionnaire, elaborated on the Google form platform, composed by
open and closed questions, whose information indicated categories of analysis on
main difficulties of teachers; possible changes in Physical Education classes and
assessment. It reveals that the reality experienced by teachers has demanded other
knowledge, involving different methodologies and contents. It also concludes that
social differences and inequalities have become explicit and deepened and that the
evaluation seems to be in suspension, leading us to reflect on the perspective of an
unprecedented viable.
Keywords: School Physical Education. Social distancing. Remote teaching.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o FREITAS, Luiz Carlos et al. Avaliação


trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: educacional: caminhando pela
Boitempo, 2020. contramão. Petrópolis: Vozes, 2014.

BOSSLE, F. Atualidade e relevância da KUENZER, Acácia. Da dualidade


educação libertadora de Paulo Freire na assumida à dualidade negada: o
Educação Física Escolar em tempos de discurso da flexibilização justifica a
“Educação S/A”. In: SOUSA, C. A.; inclusão excludente. Educação e
NOGUEIRA, V. A.; MALDONADO, D. T. Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100 -
Educação física Escolar e Paulo Freire: Especial, p. 1153-1178, out. 2007.
ações e reflexões em tempos de chumbo.
Curitiba: CRV, 2019. p. 17-32. MATOS Barros de; AZEVEDO Rosa
Marins de. Tecnologia e saberes
BRASIL. Instituto Brasileiro de docentes na formação de professores do
Geografia e Estatística, IBGE, 2020. ensino tecnológico Lana. Polyphonía,
Disponível em: Goiânia, v. 25, n. 2, jul./dez. 2014.
https://www.ibge.gov.br.
MOLINA NETO, V. et al. A Educação
FONSECA, Denise. Planejamento. In: Física no Ensino Médio ou para
FONSECA, Denise; MACHADO, Roseli. entender a era do gelo. Motrivivência,
Educação Física: (Re)visitando a Florianópolis, v. 29, n. 52, p. 87-105,
Didática. Porto Alegre: Sulina, 2015. p. set. 2017.
49-80.
NEGRINE, A. Instrumentos de coleta de
FREIRE, Paulo. Pedagogia de esperança: informações na pesquisa qualitativa. In:
um reencontro com a pedagogia do MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS,
oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, Augusto. A pesquisa qualitativa na
1994. Educação Física: alternativas

105
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

metodológicas. Porto Alegre: Sulina,


2010.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e


Formação Profissional. 3. ed.
Petrópolis: Vozes, 2002.

WELLER, Wivian; PFAFF, Nicole (org.).


Metodologias da pesquisa qualitativa
em educação: teoria e prática.
Petrópolis: Vozes, 2013.

106
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Limites da relação entre Lutas e Educação Física:


primeiros ajustes de uma crítica docente

Benedito Carlos Libório Caires Araújo (UFS) *

Resumo: Esse texto tem por objetivo apontar as relações entre modelo econômico e os
processos estéticos de ressignificação das lutas corporais na sociedade capitalista. Para
tanto, nos debruçamos sobre uma síntese histórica da transição do Japão feudal para a
industrialização acelerada, com ênfase na estrutura escolar instituída naquele país, em
especial, as atividades pedagógicas relativas à cultura corporal nas aulas de Educação
Física.
Palavras-chave: Cultura Corporal. Economia. Educação Física. Formação Profissional.
Lutas.

* Doutor em Educação (UFS). Professor no Departamento de Educação Física da


Universidade Federal de Sergipe. E-mail: batukege@academico.ufs.br.

a tradição grega, um prólogo é um termo originalmente usado na


tragédia para a sessão anterior à entrada do coro e da orquestra, na qual se
enuncia o tema da peça.
Pedimos a paciência dos leitores para um longo, porém,
absolutamente necessário prólogo com o qual iniciamos este escrito. Em
continuação de nossa peça, daremos início à nossa explanação:

Yamamoto Kichizaemon was ordered by his father Jin'-


emon to cut down a dog at the age of five, and at the age of
fifteen he was made to execute a criminal. Everyone, by the
time they were fourteen or fifteen, was ordered to do a
beheading without fail. When Lord Katsushige was young,
he was ordered by Lord Naoshige to practice killing with a
sword. It is said that at that time he was made to cut down
more than ten men successively. A long time ago this
practice was followed, especially in the upper classes, but
today even the children of the lower classes perform no
executions, and this is extreme negligence. To say that one

108
Araújo (2020)

can do without this sort of thing, or that there is no merit


in killing a condemned man, or that it is a crime, or that it
is defiling, is to make excuses. In short, can it not be
thought that because a person's martial valor is weak, his
attitude is only that of trimming his nails and being
attractive? If one investigates into the spirit of a man who
finds these things disagreeable, one sees that this person
gives himself over to cleverness and excuse making not to
kill because he feels unnerved. But Naoshige made it his
orders exactly because this is something that must be
done 40. (TSUNETOMO, 2005, p. 93-94, grifo nosso).

Esse excerto foi extraído do livro: Hagakure: The Book of


Samurai, texto datado do século XVII, escrito por Yamamoto Tsunetomo, um
samurai que viveu no apogeu do Xogunato, a Era Tokugawa, segundo
Kobayashi (2010), época de ouro dos espadachins samurai no Japão. O trecho
em destaque descreve o processo de aprendizagem das lutas, em especial o
manejo da espada na decapitação, e os valores discutidos a partir dessa
atividade.
Para compreendermos a dinâmica do desenvolvimento econômico
atrelado aos desígnios das atividades de combate, usaremos o Japão como
exemplo. As lutas encontraram solo fértil, permanecendo, mas se alterando
conforme o modelo produtivo. Enquanto o modelo feudal sucumbia ao
capitalismo recente, no contexto do desenvolvimento industrial, cabe
destacar que, no âmbito das lutas, a tecnologia instrumental desenvolvia-se
de tal forma que os instrumentos de combate adquiriram uma capacidade

40 Yamamoto Kichizaemon foi ordenado pelo seu pai, Jin'-emon, a abater um cachorro quando
tinha cinco anos, e aos quinze foi mandado executar um criminoso. Todos, naquele tempo,
com quatorze ou quinze anos, eram ordenados a decepar sem falhas. Quando o senhor
Katsushige era jovem, foi ordenado pelo senhor Naoshige a praticar matança com uma espada.
Dizia-se, naquele tempo, que ele havia sido feito para abater mais de dez homens
sucessivamente. Há muito tempo atrás essa prática foi seguida, especialmente pelas elites, mas
hoje em dia, nem as crianças das classes mais baixas praticam execuções, e isso é uma
negligência extrema. Dizer que se pode prescindir desta sorte de coisas, ou que não há mérito
em matar um condenado, ou que isso é um crime, ou que é uma profanação, isso é dar
desculpas. Em suma, não se pode pensar que por uma pessoa ter valores fracos em relação às
lutas [martial, preferi traduzir dessa forma], sua atitude é apenas aparar as unhas e ser
atraente? Se alguém investigar o espírito de um homem que acha essas coisas desagradáveis,
verá que esta pessoa se entrega à engenhosidade como desculpa para não matar, porque se
sente enervado. Mas Naoshige fez dessas as suas ordens exatamente porque isso é algo que
deve ser feito (tradução nossa).

109
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

destrutiva jamais vista em períodos anteriores. Os rifles substituíram as


espadas, lanças e flechas, e os canhões, as catapultas. Uma única esquadra
marítima tinha o poder de destruir uma costa inteira. Nesse período, os
combates corporais perdem a sua funcionalidade de gênese e, portanto, seu
destaque na formação dos combatentes.
Em contrapartida, o processo de transição do feudalismo para o
capitalismo no Japão ocorre com, aproximadamente, mais de dois séculos e
meio de atraso, com uma importante peculiaridade, diferente do que ocorreu
na maioria das nações europeias: ele se sucede num período um pouco menor
de quatro décadas, denominado como Restauração Meiji (1868-1912) 41.
Como parte desse processo, o declínio da família Tokugawa, se dá
em função de diversas motivações, que resultaram em insurgências no
interior do Japão, principalmente na segunda metade do século XVIII, a
saber: rendimentos insuficientes para suprir os gastos, acréscimo de
impostos, desastres naturais, abrupta diminuição de insumos, aumento da
pobreza e da fome; por outro lado, os comerciantes ampliam seus
42
rendimentos, sobrepujando politicamente a casta dos samurai , subvertendo
a hierarquia social. Ainda assim, o fator determinante são as pressões
externas, das nações desenvolvidas, a reabertura dos portos ao mundo
ocidental; principalmente em meados do século XVIII.
Cabe lembrar que a Rússia havia fracassado anteriormente em
estabelecer relações comerciais com o Japão, o mesmo aconteceu com os
Estados Unidos e a Europa. Contudo, a pressão determinada pela necessidade
de circulação de mercadorias imputava uma nova dinâmica bélica, que se
atrelava aos interesses comerciais e à ampliação das tecnologias que
envolvem esse período (HOFFMANN, 2007).
Por tudo isso, o governo Tokugawa, mais cedo ou mais tarde,
cederia, e somente uma mudança radical em todo o corpo social e produtivo

41 A historiografia desse período, se refere a diversidades de datas, por isso, preferimos


entender esse processo em um contínuo de anos, entre 1853-1862, que representam os anos
que separam a chegada do Comodoro Perry à derrota das últimas tropas fiéis ao xogum,
estabelecendo o Imperador como chefe político.
42 Segundo Freitas (2007), Samurai não tem flexão para o plural, possuindo a mesma grafia
tanto para o singular quanto para o plural.

110
Araújo (2020)

(mantendo as hierarquias sociais) poderia pôr o Japão no mesmo patamar das


potências ocidentais. Deste modo, em 1853, os Estados Unidos, por
intermédio do “[...] Comodoro [...] Matthew Perry entra na baía de Tóquio
com uma esquadra de quatro navios, obrigando os japoneses firmar um
tratado de amizade com seu país” (FREITAS, 2007, p. 73).

As transformações ocorridas no Japão, a partir da intervenção


imperialista yankee, em 1865, determinaram o raiar de um novo
panorama histórico, político, econômico, ético, educacional e
cultural cuja característica maior foi o retorno do Imperador ao
comando da Nação. [...] à medida que o Japão medieval,
exagerado e romântico, de feudalidade exacerbada, trinta e
quatro anos após a ascensão do Imperador Meiji, conseguiu
atingir um estágio de desenvolvimento econômico e social só
comparado ao das mais adiantadas potências ocidentais e jamais
previsto ou julgado possível. (FREITAS, 2007, p. 80-81, negrito
nosso).

Com a queda do xogunato, a casta samurai cai, assim como os


valores tradicionais japoneses. Outrossim, o Japão se vê obrigado a importar
o modelo de sociedade capitalista Europeu.
Nesse sentido, a corte japonesa inicia uma transformação social
que mudaria radicalmente a base produtiva daquele país, com a explícita
intenção de igualar-se economicamente e belicamente às grandes potências
ocidentais. Como parte desse processo, identificamos: 1) reforma agrária
realizada em 1869, em que os antigos Fudai Daimyo dispuseram suas terras à
casa imperial 43, 2) as sedes dos feudos são transformadas em prefeituras 44; 3)
abolição das castas, instituindo outro modelo de sociedade classista45, a fim

43 “Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governo, ainda em 1869, foi o hanseki
hôkan, ou seja, a devolução de todas as terras dos daimyô, os poderosos lordes feudais, para o
imperador, com o objetivo de verdadeiramente unificar o país […]. Assim, toda a terra do
Japão passou a pertencer ao imperador e os súditos dos lordes se tornaram súditos do
imperador. Os daimyô passaram a fazer parte da nobreza, chamada de kazoku, e se tornaram
administradores imperiais das terras (KOBAYASHI, 2010, p. 239).
44 “Dois anos depois, em 1871, foi baixado o haihan chiken, que extinguiu todos os feudos,
introduzindo o conceito de província como unidades administrativas, e destituiu todos os
governantes feudais. Esses governantes foram obrigados a se mudar para Tóquio e servir
diretamente ao imperador, que se tornou o chefe de Estado japonês de fato” (KOBAYASHI,
2010, p. 240).
45 Como apresenta Kobayashi (2010), a grande mudança “[…] aconteceu na divisão das classes
sociais. Se até então havia quatro classes, a partir da Era Meiji passaram a existir três: kazoku

111
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de adequar-se ao modelo social democrático-burguês, dando direitos


políticos a todos os cidadãos japoneses; 4) construção de escolas
universais46, para instrução da população, visando a indústria, ou seja,
transformar lavradores em operários; 5) retirada de todos os privilégios da
47
casta dos bushi , tornando incompatível o modo de vida do samurai com a
nova organização social, como vemos nesse trecho de Ruas (2005):

Não tinha mais sentido preparar soldados com armamento dos


samurais como arco e flecha, espadas, objetos pontiagudos em
forma de estrelinhas com pontas envenenadas (shuriken), bastão
articulado (Nunchaku), (Tonfa) Bastões de defesa com cabo e
vários outros instrumentos usados na agricultura e que se
transformavam em armas de combate, todas pertencentes ao
(kobudo) estilos do manejo de armas. Somente os samurais lhes
eram fieis, 1871 marca um rápido declínio das lutas do Budo e o
Jiu-jitsu não foi exceção. (RUAS, 2005, p. 21).

Para Ruas (2005), o desenvolvimento japonês é prodigioso em


dimensões históricas da humanidade, um feito assombroso, tal como descreve
a seguir:

De país medieval, de feudalidade exagerada e romântica em 1866,


já em 1889 estava atualizado e atingia o nível das mais adiantadas
potências ocidentais em um progresso ciclópico, jamais previsto
ou julgado possível. Em ritmo acelerado, sem muito tempo para
discernir por vezes o inconveniente do conveniente, o Japão foi
importando, imitando, reproduzindo da maneira que podia os
produtos da cultura ocidental. Essa transição rápida, era uma
necessidade política para ficar no mesmo pé de igualdade e

(nobreza), shizoku (guerreiros e nobres de classe baixa) e heimin, a população em geral.


Posteriormente, essa divisão também foi abolida […]. Além disso, passou-se a permitir o
casamento entre membros de diferentes castas e foi declarado o fim oficial dos párias. A
população em geral também passou a ter direito a um sobrenome, à montaria e ao uso de
vestimentas formais tradicionais japonesas” (KOBAYASHI, 2010, p. 240).
46 Característica importante na constituição do novo modelo escolar, o conhecimento era
necessário para ampliação da produção, nesse sentido, ele é socializado, mas com outros
adendos ideológicos, que a fazem inculcar valores que ajudam a edificar o modelo de
sociedade burguês.
47 Entre várias medidas que levaram a extinção dos Samurai, destacam-se três: “[…] a) o fim
do salário que recebiam do governo, chamado de hôroku, o que os deixou desempregados e
levou muitos a passar fome; b) a proibição do porte de espada, eliminando completamente o
status que possuíam; c) a falta de reconhecimento, por parte do governo, dos resultados
alcançados pelos guerreiros por ocasião da transição para a Era Meiji” (KOBAYASHI, 2010, p.
240).

112
Araújo (2020)

acompanhar o desenvolvimento das ciências técnicas dos


europeus. (RUAS, 2005, p. 15).

Assim, após seis séculos e meio de privilégios, os samurai passam


a ter o seu modus vivendi criminalizado. Em 1876 é promulgada uma lei
imperial, proibindo o uso de espadas em público. Posteriormente, o samurai
renasce como símbolo.

Com a retomada do Império, em 1862, a necessidade da escola


para garantir a formação dos trabalhadores da indústria se torna
emergente, eis que surge uma figura que foi responsável pela
transição da cultura local aos moldes da era moderna, o Samurai,
membro de casta militar, que fora venerado, e no início da
revolução Meiji cai em desgraça, ressurge como símbolo nacional,
com a figura de Sensei Jigoro Kano (1860-1938), que foi a pessoa
responsável pela organização das universidades e escolas
japonesas. (ARAÚJO et al., 2013, p. 10).

Nesse contexto histórico, a organização da escola universal, laica


e estatal surge acompanhada da necessidade de desenvolver programas de
ensino. No âmbito da disciplina Educação Física, os estados nacionais
48
adotam diferentes elementos da cultura corporal : na Europa identificamos
49
as diversas correntes de ginástica , na Inglaterra vemos o Esporte e, no
Japão, inicialmente, são adotadas modalidades em uso na Europa e

48“[…] Cultura Corporal como categoria teórica que nos permite apreender no pensamento,
compreender, explicar cientificamente o real concreto, sendo, portanto, um objeto de estudo e
ensino que se compõe de outros objetos de estudo e ensino – Esporte, Jogo, Dança, Ginástica,
Luta, entre outros –, o que nos permite, uma vez apreendida sua estrutura lógico histórica,
propor, em especial no sistema educacional, como tratar o conhecimento específico da cultura
corporal na escola e nas aulas de Educação Física, visando elevar o pensamento teórico dos
estudantes, na perspectiva da emancipação humana e da omnilateralidade” (TAFFAREL, 2016,
p. 5).
49 Segundo Almeida (2005, p. 31-32, negrito nosso): “De 1800 a 1900, distinguiram-se quatro
zonas com formas distintas de encarar as atividades físicas. Dessas, três encontravam-se
vinculadas diretamente com a evolução da recém nascida Ginástica, a saber: a Escola Alemã,
referência marcante para o posterior Movimento do Norte, marcou o nascimento da Ginástica
com Guts Muths, conhecido como pai da Ginástica […]; A Escola Sueca, como principal
representante dos Países Nórdicos – se constituiu como principal referência do posterior
Movimento do Centro. Seu principal representante foi Pedro Enrique Ling (1776-1839) […]; A
Escola Francesa, ou Movimento do Oeste, se desenvolveu a partir de um conjunto de
contribuições e referências recíprocas; A Escola Inglesa é a que se distingue dos outros três
movimentos. As necessidades das atividades físicas nesse contexto foram desenvolvidas tendo
como base os jogos, as atividades atléticas e o desporto”.

113
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

posteriormente a luta, em um primeiro momento com a esgrima, e depois com


o judô, ambos tratados nas aulas de Educação Física, sob a égide do esporte.
Em Omi (1999, p. 78 apud FREITAS, 2007, p. 74, grifo nosso) são destacados
elementos deste processo:

Por outro lado, a abertura dos portos trouxe consigo, para


substituir as artes guerreiras ou técnicas de combate
consideradas ultrapassadas, 'os esportes ocidentais, tais como o
beisebol, a ginástica e o atletismo. As semi-esquecidas artes
marciais foram revividas como esportes japoneses autóctones. O
Ministério da Educação patrocinou o movimento de promoção da
educação física em toda a nação'.

Em meio a este processo, questionado sobre a necessidade de


construção de valores sociais próprios, aspecto necessário para construção da
identidade nipônica, o Japão revê suas orientações sobre o modelo e os
conteúdos escolares: “É exatamente neste contexto histórico que Jigoro Kano
50
Sama funda o judô51 e o Instituto Kodokan. Kano Sama transforma o jiu-
jitsu em judô” (FREITAS, 2007, p. 74).
A literatura especializada atribui significativa importância à
participação de Jigoro Kano no desenvolvimento da educação na renascença
japonesa e costuma ainda designá-lo como o criador do Judô. Devido ao
nosso interesse em compreender as razões pelas quais o Judô se converte em
modelo para escolarização das Lutas Corporais, daremos um pouco mais de
atenção ao pensamento de seu criador.
Antes de mais nada, cabe conhecermos quem foi Jigoro Kano.
Filho de aristocratas de família de militares, nascido em 1860, em meio às
transformações instituídas pelo imperador Meiji, teve em sua formação uma
forte influência do pensamento moderno europeu, sobretudo do filósofo

50 Pronome de tratamento japonês, Sama (様), utilizado para tratar pessoas de altíssima
posição ou importância, como imperadores e deuses. Isso aponta a importância de Sensei
Kano, que foi peça fundamental na formulação educacional que serviria de transição
capitalista à moda japonesa.
51 Dirigiu-se a Baizei Narai, velho cavalheiro do governo do antigo shogun e frequentador da
família Kano, que havia aprendido jiu-jitsu com o grande mestre Imai da escola Kiushin-ryu.
Jigoro implora para que ele o ajude em seu projeto e a resposta foi negativa: “Imagine! Seria
uma traição para com seu pai você aprender uma arte completamente vulgar – depois, você
terá que levar a sério seus estudos e não deve perder tempo com coisas insignificantes”.

114
Araújo (2020)

alemão Immanuel Kant, de quem foi tradutor. No decorrer da sua vida


pública, envidou todos os seus esforços às atividades voltadas ao
renascimento japonês.

Nessa fase de transição e de tomada de consciência, Jigoro


continha uma vontade introjetada em sua alma nipônica
humilhada por aquela ocupação estrangeira e uma necessidade de
resgatar sua própria cultura, no momento em que o país das
cerejeiras perdia sua feudalidade exagerada, parte do romantismo
da época, seus dogmas e costumes e nessa avalanche alienadora
levava consigo todas as técnicas das artes, das lutas e das armas
em geral, o Budo e toda aquela cultura milenar dos
extraordinários samurais. (RUAS, 2005, p. 20).

Sobre a sistematização do método do Judô, Ruas (2005) acentua o


modo como sensei Kano, inspirado pelas tecnologias educacionais nascentes
na Europa, organiza conteúdos clássicos da cultura bélica nipônica, conforme
exposto no excerto abaixo:

Jigoro Kano, era um pesquisador perfeccionista [que] colocava o


rigor científico na ponta dos seus trabalhos, conta em suas
memórias que na escola de Altos-Estudos da Universidade de
Tokyo, se dedicou em profundidade ao estudo da metodologia e
da didática e que importava livros da Europa para ajudar em suas
pesquisas. Havia coletado centenas de técnicas e golpes e um dia,
após ter recebido uma remessa de livros em inglês e francês,
exclamou: – Achei! Era nada mais nada menos, do que uma
classificação metodológica, que o inspirou na classificação do seu
Gokio. Go em japonês significa cinco e kio significa princípio que
mais tarde recebe o nome de instrução especificamente para o
Gokio. O Gokio é visto normalmente pelo Kodokan como uma
Tora-no-maki ou a chave dos estudos das técnicas de projeção, se
compõe de cinco instruções, essas instruções são uma sequência
de aprendizado sempre com aquisição de conhecimento que vai
num crescendo, cada instrução se compõe de oito técnicas num
total de quarenta. Vale a pena dizer, que com a criação do seu
Gokio Jigoro Kano pôde organizar as duas principais formas
didático-pedagógicas do treinamento do Judô, o Kata e o Randori.
(RUAS, 2005, p. 24-25).

Para isso, ele se utiliza de uma etnografia do budô para


(re)estruturar as artes de combate dentro de um novo contexto. É bom
ressaltar que as perseguições aos hábitos dos antigos samurai dificultaram o

115
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

trabalho de Kano, que se inicia no estilo Shin’yo-Ryu e, posteriormente, no


Kito-Ryu, e manteve o aperfeiçoamento para construir os princípios
metodológicos da Kodokan.
Com isso, o método criado por Kano carrega consigo
características do esporte nascente, com forte influência dos valores
burgueses oitocentistas, próprios da tradição cavalheiresca europeia. Daí,
Freitas (2007, p. 53, grifo nosso) afirmar que: “[...] o judô não foi erigido
como ‘arma’ de ataque, ‘arma’ para a guerra, mas como meio à construção de
uma vida equilibrada ancorada na honra, na lealdade, na fidelidade aos
princípios e na solidariedade aos camaradas”.
Nesse sentido, concordamos mais uma vez com Freitas (2007)
quanto à impropriedade da classificação do Judô como arte marcial, senão
vejamos: arte marcial, luta, guerra, combate têm centralidade intencional no
objetivo de matar e/ou subjugar, aspecto secundarizado na gênese do judô,
demarcado pelo signo do esporte, para quem a intencionalidade transfigura-
se para a unidade competir/cooperar. Embora o método seja estruturado a
52
partir dos gestos dos jutsus , a manifestação do combate se dá por meio da
simulação, em que se objetiva o aprendizado da técnica, em outras palavras,
o objetivo secundário passa a ser primário.
Por tudo que foi dito até aqui, é por si evidente que a experiência
da Kodokan viria a influenciar decisivamente o modo como as demais
tradições de luta realizavam seu processo pedagógico a fim de se adaptarem
ao novo modelo produtivo. Caracterizam esse processo: homogeneização do
conteúdo, universalização do método, vocação expansionista, flexibilização
ao contexto. Nenhuma outra luta teve tamanho êxito em propagar seus
valores quanto o Judô 53: “Seguramente o judô é um dos cinco esportes mais
praticados pela criançada deste país [Brasil]” (FREITAS, 2007, p. 52).
Nos dias atuais, a sua manifestação é descrita por Freitas como
um tipo estranho: uma combinação de ascetismo aos valores fundamentais no
tatame e, fora dele, seu mais absoluto esquecimento:

52 Lutas corporais em geral.


53 Em texto de 2011, Araújo et al. (2011) faz um estudo comparativo entre diferentes
manifestações de lutas, com diferentes contextos sociais, que a partir do modo de produção
burguês se organizam da mesma forma.

116
Araújo (2020)

Transformada em mercadoria e desviada do seu sentido original


ou dos propósitos primaciais sobre os quais foi construída, esta
'arte de combate' tem produzido judocas mais ou menos e não
verdadeiros. A tese que aponta o dô como meio à consecução do
conhecimento nos parece, hoje, de forma mais clara, vazia, sem
sentido à medida que longe de se manter fiel à ortodoxia, além
dos savoir-faire condicionados, quase nenhum conhecimento
ético e histórico, não mistificado, político, filosófico e pedagógico
é ministrado como conteúdo próprio do judô. (FREITAS, 2007, p.
54).

Acrescido a esse fenômeno, observamos em tempos hodiernos, a


espetacularização das lutas, à moda do esporte ocidental:

Além das funções políticas e econômicas, o esporte


desempenharia, também, funções ideológicas: legitimação da
ordem social existente, posto que jamais é contestado; ocultação
da luta de classes ao transformar os conflitos sociais em
metáforas inofensivas aos palcos esportivos, sendo, portanto um
‘ópio do povo’; reforço ao mito burguês da ascensão social pela
prática esportiva; criação da ideologia de ‘coexistência pacífica’
entre socialistas e capitalistas; confundir mercadologicamente
homens como coisas; principalmente inserção em três instâncias
superestruturais burguesas – a instituição cotidiana do corpo, a
escola e os meios de comunicação de massa – momento em que o
esporte se converte em um 'Aparelho Ideológico de Estado'.
(DANTAS JUNIOR, 2008, p. 105, grifo nosso).

Quanto ao grau de desenvolvimento deste fenômeno, os Mega


54
Eventos Esportivos, a exemplo do Ultimate Fight Championship , ditam o
hegemônico. Nesse contexto, atletas e a população em geral fundamentam o
seu conhecimento sobre as Lutas Corporais por meio da mera vivência

54 Segundo Awi (2012), as somas do UFC: “Produzem cerca de trinta eventos ao vivo por ano
e, expõem sua marca em produtos de ginástica, roupas, videogames, bonecos, DVDs, cartão de
crédito, livros e revistas. Compraram um torneio decadente por US$2 milhões e hoje não o
vendem por menos de US$1,3 bilhão, valor estimado da marca UFC em 2009, segundo a revista
de negócios Forbes. Em entrevista dada ao jornal americano USA Today em 2011, Mike
Ozanian, editor-executivo da revista, estimou que o evento fatura anualmente algo em torno
de US$300 milhões. Uma enquete promovida pela empresa de marketing esportivo Turnkey
Sports, que ouviu 110 executivos americanos, apontou o UFC como a marca esportiva mais
valiosa dos Estados Unidos, à frente da NFL (futebol americano) e da NBA (basquete), por
exemplo. Seus eventos chegam pela televisão a seiscentos milhões de lares em 145 países e em
22 idiomas. Muitos leigos chegam a pensar que o esporte se chama UFC, e não MMA, assim
como lâmina de barbear virou gilete e fotocópia, xerox” (AWI, 2012, p. 21-22).

117
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

imediata; a permanência no senso-comum evidencia, por sua vez, a


construção de um sistema que organiza as experiências humanas sem a
necessidade de um desvelamento crítico. Como resultado, o que observamos
é a reprodução de um espetáculo em meio ao qual, paradoxalmente, o mais
excitante se faz representar pela barbárie. A descrição realizada por Awi
(2012) ilustra a nossa preocupação:

Foi proibido em diversas épocas e cidades, namorou a


marginalidade, foi comparado a uma rinha humana e subsistiu
durante muitos anos apenas com as proibições básicas de uma
luta honrada: mordidas, dedo no olho e puxão de cabelo. E até
essas regras já foram chutadas para longe no calor de um
combate. Para muita gente, até hoje, ele sequer pode ser
considerado um esporte. Não deixa de ser natural toda essa
aversão a uma atividade na qual sangrar é tão normal quanto suar
(alguns atletas chamam o sangue de ‘suor vermelho’). É inútil
negar a violência contida numa luta de MMA. É raríssimo que
uma edição do UFC termine sem que pelo menos um lutador
tenha de receber atendimento hospitalar antes de voltar para
casa. Embora até hoje só se tenham registrado duas mortes por
conta de lesões sofridas durante um combate, a variedade de
golpes traumáticos põe em risco, sim, a integridade física dos
lutadores. (AWI, 2012, p. 19-20).

Outro aspecto que nos chamou bastante atenção ao investigar o


pensamento dos protagonistas deste fenômeno é o modo como o pensar
científico se converte em pensar instrumental, fazendo com que o gesto
técnico assuma o epicentro das novas experiências com as Lutas Corporais.

Pelo raciocínio dos Gracie, o judô era apenas um pedaço do jiu-


jítsu, o pedaço que o Japão exportava porque queria manter o
monopólio da luta mais eficiente do mundo. Estaria tentando
implantar à força o judô em outros países — e o pior, um judô
esportivo, com contagem de pontos e limite de tempo, o que
contrariava seu sentido original, usado em situações de combate.
Ensinar jiu-jítsu para estrangeiros seria um crime de lesa-pátria,
e, por isso, o Conde Koma fora defenestrado da história oficial do
judô no Japão por quase uma década. Mas os orientais não
imaginavam que, no Brasil, Koma tivesse encontrado alguém
disposto a manter viva — e até a aperfeiçoar — a arte original dos
samurais. Embora contestados por muita gente, eram argumentos
inteligentes e atraentes, capazes de chamar a atenção da imprensa
e dos judocas japoneses. (AWI, 2012, p. 29-30).

118
Araújo (2020)

Quanto ao aspecto educacional, cabe ressaltar que a centralidade


no gesto técnico corresponde a uma tendência dominante, em meio à qual os
conteúdos das lutas tradicionais cedem espaço para os modelos emergentes
na grande mídia na forma de Ultimate Fight Championship, Pride,
Strikeforce, judô olímpico, taekwondo olímpico, etc. Estes passam a
representar a forma para o tratamento do conteúdo, seja na academia ou nas
aulas de Educação Física na escola.
Com essas considerações, abrimos a reflexão para um segundo
plano de análise. Trata-se agora, de nos perguntarmos sobre os limites do
desenvolvimento social das Lutas Corporais na sociedade do capital e suas
possibilidades de transformação.
Sob a ótica da nossa discussão, o processo educativo é uma
mediação fundamental na constituição cultural do indivíduo, o qual, sob a
égide do modo de produção capitalista, tem como função principal reproduzir
o próprio capital e suas formas de sociabilidade. Isso posto, parece-nos, no
mínimo, estranho qualquer tentativa de edificação de um projeto contrário a
essa lógica que não considere a sua superação. Por tudo isso, a construção de
um processo didático, no âmbito das Lutas, plenamente emancipatório,
universal, “[...] ainda que em formas e intensidades diferentes [...]” (TONET,
2003, p. 9), como “[...] classe-para-si, classe revolucionária, síntese histórica
de todas as classes e segmentos sociais que se contrapõem ao sistema
sociometabólico do capital” (FONTANA; TUMOLO, 2006, p. 14), não é um
projeto fácil.
A admissão dessas premissas, todavia, não tem como finalidade
justificar a inércia, o sentimento de niilismo que se exacerba na comunidade
acadêmica, muito menos o hedonismo como perspectiva de superação dentro
da ordem. Ao contrário, significa, dar o passo do tamanho de nossas pernas,
mesmo que nosso horizonte histórico esteja distante. Significa caminharmos
na direção correta, sem correr o risco de alimentar quimeras. Para isso,
tomamos emprestado de Tonet (2003, p. 9) algumas das suas principais
questões: “Mas, qual é a direção certa? O que é o possível?”.
Em sentido mais amplo, sobre a categoria possibilidade, Tonet
(2003, p. 9), afirma: “[...] o possível é um conjunto de determinações do

119
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

objeto que podem ou não vir a se realizar”. A realização, por sua vez, é
constituída da concretização de múltiplos fatores, e, nesse sentido, o
resultado depende intrinsecamente do fim que se almeja construir. Vejamos
como Tonet elabora essa questão:

[…] verificar em que medida aquilo que está sendo realizado se


conecta, através de quais mediações, com qual fim. Não se trata,
portanto, de menosprezar a viabilidade, mas de compreender que,
sendo esta sempre importante, sua definição, em termos de
amplitude, profundidade e prazos, sempre estará – explícita ou
implicitamente – vinculada ao fim almejado. (TONET, 2003, p. 9).

Se realizamos, portanto, a crítica ao modo de produção


capitalista, que condiciona todo o processo de vida social, política e
intelectual, então defender alterações no modo como as Lutas se apresentam
nos dias de hoje sem considerar a delimitação de um projeto histórico e de
uma prática política e educativa comprometida com o interesse dos
trabalhadores, seria, no mínimo, estranho.
Nesse sentido, a explicitação da posição que ocupamos
relacionada às Lutas, no plano político e intelectual, justifica-se, no contexto
deste escrito, em função da necessidade de um melhor esclarecimento sobre
as perspectivas que estão sendo postas para o seu desenvolvimento. Nessa
direção, afirmamos nossa discordância quanto à defesa da possibilidade do
ensino de Lutas apenas no horizonte de uma cultura reformista, ou se
preferir, emancipatória, cidadã, libertadora, sem apontar para as contradições
da luta de classes, e o projeto histórico socialista, e nas possibilidades que
emergem dessa conjuntura, articulando a realidade com as concretas e
possíveis transformações na raiz do sistema sociometabólico do capital. A
respeito desse pressuposto, concordamos com Tonet (2003, p. 9), que chama
a atenção para o “[…] uso impreciso desta categoria da possibilidade e, junto
a ele, o estabelecimento de fins que contrariam aquilo que se diz pretender”
(no caso, cidadania plena como sinônimo de liberdade plena).
Ainda no tocante a essa questão, referendamos a posição
assumida por Tonet (2003), para quem:

120
Araújo (2020)

[…] diante da crise estrutural em que o mundo está imerso, que


resulta da lógica do próprio capital e que leva a uma barbarização
cada vez maior da vida humana, a superação radical do capital e a
conseqüente instauração de uma sociedade comunista se colocam
como objetivos evidentes. Por isso mesmo, toda atividade
educativa, teórica e prática, que pretenda contribuir para formar
pessoas que caminhem no sentido de uma autêntica comunidade
humana, deve nortear-se pela perspectiva da emancipação
humana e não pela perspectiva da construção de um mundo
cidadão. Vale enfatizar: um mundo cidadão significaria a melhor
forma política de reprodução da sociabilidade mantendo, ao
mesmo tempo, a desigualdade social. Por mais que aquele
objetivo pareça difícil e sem viabilidade imediata, ele deve ser
perseguido incansavelmente porque ele é o objetivo mais
humanamente digno. (TONET, 2003, p. 10, grifo nosso).

Outrossim, considerando o recorte temático do nosso objeto,


identificamo-nos com a análise produzida por Freitas (2007), para quem o
ensino do judô deve se articular a um princípio formativo, coerente com as
aspirações daqueles que constroem o mundo com suas mãos.

Precisamos de militantes que reportem que a educação política no


judô, ao contrário da educação oficial, não pode e não deve ser
uma simples e bem azeitada peça da maquinaria de reprodução
social, mas caixa de ressonância das contradições sociais da
sociedade capitalista na qual a luta de classe contra classe é seu
móbile central. O judô como escola para a vida – caminho do
guerreiro – pode ser um elemento histórico e político no processo
revolucionário à edificação da sociedade socialista. (FREITAS,
2007, p. 21).

Desta forma, chamamos atenção para as possibilidades concretas


da formação política 55 como um aspecto inerente ao trato do conhecimento
luta corporal, afirmando que o ensino de lutas na ausência dessa orientação
se resume à transposição didática de um conglomerado de gestos, tal qual, a
serviço da ordem, orientam para o favorecimento hegemônico.

55 Entendemos política como inerente à formação humana, independente de tempo e lugar, a


condição política é a integração a sua formação social, é o que faz ser parte da sociedade, que
longe dela, seria um espectro humano.

121
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

A EDUCAÇÃO FÍSICA E AS LUTAS

Nossas considerações visam determinar principalmente a essência


e a especificidade do ser social. Mas, para formular de modo
sensato essa questão, ainda que apenas de maneira aproximativa,
não se devem ignorar os problemas gerais do ser, ou, melhor
dizendo, a conexão e a diferenciação dos três grandes tipos de ser
(as naturezas inorgânica e orgânica e a sociedade). Sem
compreender essa conexão nem sua dinâmica, não se pode
formular corretamente nenhuma das questões ontologicamente
legítimas do ser social, muito menos conduzi-las a uma solução
que corresponda à constituição desse ser [...] o ser humano
pertence direta e – em última análise – irrevogavelmente também
à esfera do ser biológico, que sua existência – sua gênese,
transcurso e fim dessa existência – se funda ampla e
decididamente nesse tipo de ser, e de que também tem de ser
considerado como imediatamente evidente que não apenas os
modos do ser determinados pela biologia, em todas as suas
manifestações de vida, tanto interna como externamente,
pressupõem, em última análise, de forma incessante uma
coexistência com a natureza inorgânica, mas também que, sem
uma interação ininterrupta com essa esfera, seria
ontologicamente impossível, não poderia de modo algum
desenvolver-se interna e externamente como ser social.
(LUKÁCS, 2010, p. 31-32).

Se trouxermos para o campo da Educação Física a categoria


trabalho, e utilizarmos a lógica dialética materialista, ao invés da formal,
poderíamos afirmar, que entre as atividades presentes na escola moderna, a
Educação Física deveria assumir um papel de protagonismo, o que não ocorre
na realidade, como vemos nesse depoimento de Michele Ortega Escobar.

[…] o futuro dos estudantes está tremendamente comprometido.


Gostaria de contribuir para alargar e aprofundar o universo
conceitual dos jovens ajudando-os a serem um pouco mais
críticos diante da realidade, não apenas em geral e, sim,
particularmente, diante da questionável formação em Educação
Física à qual estão sendo submetidos. (ESCOBAR, 2013, p. 121).

Seria uma grande ingenuidade nossa pensar em uma Educação


Física crítica diante do cenário descrito por Escobar, ainda mais terrível
quando mergulhamos na realidade das escolas públicas do Brasil. Porém, o
nosso papel não é contemplar os escritos complexos e citar jargões, mas sim

122
Araújo (2020)

proporcionar as possibilidades de transição diante dessa realidade.


Enfim, o exercício que descrevíamos se aproxima do que se
realizou na obra Metodologia do Ensino de Educação Física, de 1992
(COLETIVO DE AUTORES, 2013), em que foi demarcado um conceito de
transição entre o que está posto e o que desejamos. Na nossa opinião, é uma
tentativa concreta e possível de trato do/com o conhecimento cultura
corporal, como mediação de dois projetos de mundo, de humanização e
educação antagônicos: o capitalista e o socialista.
Nessa direção, para auxiliar o argumento desenvolvido por
Escobar (2013), Marx e Engels nos revelam aspectos importantes para o
entendimento do conceito cultura corporal. Vejamos: é a partir da
objetividade que formamos nossa subjetividade, e essa subjetividade só ganha
expressão externa quando realizada, quando se converte em ação material. O
corpo, por sua vez, constitui-se em matéria fundamental, mediação, princípio
e fim, na transformação de homens e mulheres em seres humanizados, eis o
relevo do que o Coletivo de Autores nos apresentou 28 anos atrás, em 1992.
Toda ação humana é a unidade dialética entre: teoria/prática,
subjetivo/objetivo, coletivo/singular, lógico/histórico, e tudo isso ao mesmo
tempo. Se tirarmos a teoria, a ação vira atividade animal, se tirarmos a
prática, a ideia perde seu conteúdo objetivo concreto, semelhante à
inexistência. Em sua determinação ontológica, as ações são demarcadas pelo
estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção,
e elas são singulares, dado que são construídas pelo acúmulo histórico do
conhecimento de outras gerações.
Reavivando o debate anterior, sintetizando o que Marx e Engels
(2007) definiram como o homem humanizado: a) “[…] começar por constatar
o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto, de
toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em
condições de viver [...]” (ibid., p. 32-33); b) “O segundo ponto é que a
satisfação dessa primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento
de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades [...]” (ibid., p. 33);
c) “A terceira condição que já de início intervém no desenvolvimento
histórico é que os homens, que renovam diariamente sua própria vida,

123
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

começam a criar outros homens, a procriar – a relação entre homem e


mulher, entre pais e filhos, a família” (ibid., p. 33, grifo do autor); e a
conexão social, pois é dela que decorre sua condição mais presente no
sentido humano; d) “A produção da vida, tanto da própria, no trabalho,
quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla –
de um lado, como relação natural, de outro como relação social –, social no
sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam
quais forem as condições, o modo e a finalidade” (ibid., p. 34).

Figura 1 – Cultura Corporal e os cinco objetos clássicos

C O NT EÚD O S E D UC A Ç ÃO
DANÇA
C L Á S SI CO S FÍ S IC A

ESPORTE JOGO

CULTURA
CORPORAL

GINÁSTICA LUTA

Fonte: elaboração própria.

Nessas citações encontramos o fio condutor para a compreensão

124
Araújo (2020)

e distinção das atividades humanas a partir da história. Esses elementos já


foram exaustivamente debatidos e esclarecidos por Escobar (1997; 2013) em
relação ao conceito de cultura corporal no campo crítico da Educação Física.
O tão procurado objeto de estudos da nossa área: atividade física,
motricidade humana, corporalidade, cultura de movimento, cultura corporal
de movimento e quantos mais vierem a surgir, são colocados em seu devido
lugar por não tratar da especificidade de homens e mulheres reais, ou
melhor, o ser que produz trabalho ou, usando as palavras de Marx e Engels
(2007), o ser sensível de atividade sensível.
Em completa sintonia com os princípios marxianos, em entrevista
concedida à 2ª edição do já mencionado Metodologia do Ensino de Educação
Física, a autora afirma que cultura corporal:

É configurada por um acervo de conhecimento, socialmente


construído e historicamente determinado, a partir de atividades
que materializam as relações múltiplas entre experiências
ideológicas, políticas, filosóficas e sociais e os sentidos lúdicos,
estéticos, artísticos, agonistas, competitivos ou outros,
relacionados à realidade, às necessidades e as motivações do
homem. O singular destas atividades – sejam criativas ou
imitativas – é que o seu produto não é material nem é separável
do ato de sua produção; por esse motivo o homem lhe atribui um
valor de uso particular. Dito de outra forma, as valoriza como
atividade, em si mesma. Essas atividades são realizadas seguindo
modelos socialmente elaborados, portadores de significados
ideais atribuídos socialmente. A Educação Física, como disciplina
escolar, estuda o conteúdo da cultura corporal com o objetivo
fundamental de explicar criticamente a especificidade histórica e
cultural dessas práticas e participar de forma criativa, individual
e coletiva, na construção de uma cultura popular progressista,
superadora da cultura de classes dominantes. (ESCOBAR, 2013,
p. 127-128, grifo nosso).

Concluindo, o ser humano é o que ele produz. Produto e produtor


viram uma unidade e, nesse sentido, partindo do acúmulo da área, as lutas,
assim como outras atividades humanas, ganham definições que são
organizadas a partir de suas necessidades/intencionalidades
materializadas/expressadas nas ações que compõem os modos de
sociabilidade.

125
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Nesse horizonte, a cultura, como resultante das diversas formas


de trabalho – realidade objetiva/subjetividade/pensamento concretizado de
forma objetivada, é concebida como mediação fundamental para a
humanização de homens e mulheres, à medida que os possibilitam se
distinguir da natureza. Por sua vez, o ato de garantir a passagem do acúmulo
de conhecimento de uma geração para outra faz da educação, seja na forma
da Pedagogia geral ou escolar 56, uma necessidade ontológica para a garantia
da vida humana como a concebemos hoje. De acordo com Leontiev (2004, p.
290):

As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões


humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos
objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas
são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para
fazer deles as suas aptidões, “os órgãos de sua individualidade”, a
criança, o ser humano, deve entrar em relação com o fenômeno
do mundo circundante através de outros homens, isto é, num
processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a
atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto,
um processo de educação.

A luta, por sua vez, não pode ser entendida como algo à parte, ela
é produto humano (no sentido que trazemos para o debate), produto das
relações necessárias à vida enquanto gênero, síntese da contradição entre
realidade objetiva e intenção subjetiva humana. Nesse sentido, precisamos
localizar na história a necessidade e seus efeitos no transcurso da
humanidade (existência, produção, reprodução e sociedade). Esse exercício
nos apresenta a sua expressão nuclear, não visível de imediato, mas o seu
movimento, que o faz ser o que é! Retomando com Kosik (1976), afastamo-
nos da pseudoconcreticidade sobre o fenômeno das lutas.
Para Kosik, a pseudoconcreticidade seria uma impressão

56 Citando Saviani (2005, p. 75), “No meu discurso, distingui entre a pedagogia geral, que
envolve essa noção de cultura como tudo o que o homem produz, tudo o que o homem
constrói, e a pedagogia escolar, ligada à questão do saber sistematizado, do saber elaborado,
do saber metódico. A escola tem o papel de possibilitar o acesso das novas gerações ao mundo
do saber sistematizado, do saber metódico, científico. Ela necessita organizar processos,
descobrir formas adequadas a essa finalidade. Esta é a questão central da pedagogia escolar.
Os conteúdos não representam a questão central da pedagogia, porque se produzem a partir
das relações sociais e se sistematizam com autonomia em relação à escola”.

126
Araújo (2020)

imediata, que é a forma como geralmente o senso comum se apropria do


objeto:

O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade


e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno
indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se
manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou
apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que
não é ele mesmo e vive apenas graças a seu contrário. A essência
não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se
manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se
manifesta no fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno
revela seu movimento e demonstra que a essência não é inerte
nem passiva. Justamente por isso o fenômeno revela a essência. A
manifestação da essência é precisamente a atividade do
fenômeno. (KOSIK, 1976, p. 11, grifo nosso).

Nesse mesmo exercício, encontramos n’O capital de Marx (1988;


2013), que o objeto em que se debruça na condição de essência é a unidade
mais singular dessa forma social; nesse labor realizado pelo autor, ele
identifica, em um primeiro momento, o dinheiro, mas com a compreensão
histórica do movimento da sociedade capitalista, ele avança até chegar na
mercadoria. Com as devidas proporções, e resguardando a uma condição que
já encontramos avançada, buscamos o que seria a essência das lutas.
Obviamente, estamos fazendo generalizações sobre o ato de
preponderância agonista, pois estamos tratando de uma manifestação que se
confunde, equivocadamente, com a gênese humana. Nessa mesma condição,
encontramos outros conteúdos clássicos da Educação Física que padecem da
57
mesma dificuldade conceitual, a dança e o jogo . Sua gênese deve ser

57 Ver o trabalho de Carolina Picchetti Nascimento: A atividade pedagógica da Educação


Física: a proposição dos objetos de ensino e o desenvolvimento das atividades da cultura
corporal (2014), texto que se debruça sobre essas três unidades (dança, luta e jogo) para
compreender suas relações históricas e as funções delas decorrentes, como potencializadores
de funções psíquicas superiores: “É preciso explicitar, justamente, qual é o conjunto de
relações, elementos ou características que se destacará para a análise das atividades da cultura
corporal. Notemos que afirmar que as relações essenciais dos objetos de ensino da Educação
Física (e, portanto, que o próprio objeto) estão nas diferentes atividades da cultura corporal é
bastante diferente da afirmação de que essas relações essenciais (e, portanto, os objetos de
ensino da Educação Física) são a Dança, o Jogo, a Ginástica e a Luta, em suas existências
meramente empíricas. Não obstante, essa diferença nem sempre parece estar explícita nas
teorizações sobre a Educação Física” (NASCIMENTO, 2014, p. 36-37).

127
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

deduzida pelo seu movimento diverso em diferentes sociedades, para buscar


sua regularidade (interna/externa).
Esse argumento se apresenta pela necessidade explicativa, dentro
do campo de estudos da cultura corporal, pois diferentemente das
manifestações ginástica e esporte, que têm origens datadas e demarcadas
geograficamente, as três: Luta, Dança e Jogo, estão presentes em quase todas
as sociedades conhecidas na história da humanidade, dificultando a
compreensão do seu núcleo central58 – atividade intencional idealizada:
necessidade/intenção/ação.
Além da distinção em relação à natureza, é preciso a construção
de um conceito de corpo fora do paradigma platônico/aristotélico, para quem
o ser social é cindido em mente (atividades intelectuais) e corpo (atividades
braçais), espelhando a organização social grega (e a nossa) em que viviam,
ratificando a compreensão naturalista de sociedade e sua estrutura classista
de dominação do ser humano pelo ser humano.
É preciso entender as lutas não como algo acidental ou inerente
ao gênero humano, como um dado da natureza, essa ideia nos coloca em um
princípio que antecede ao debate sobre lutas, como Escobar nos alerta: “[…]
o homem não se mexe, ele ‘age’” (ESCOBAR, 2013, p. 128).
Para chegar a esta compreensão, é preciso destacar a intenção
agonista, seu desenvolvimento histórico partindo dessa necessidade de
naturalização nas construções objetivas/subjetivas, e sua edificação em
diversas composições que constroem vários sentidos simultâneos.
À ideia de gênese é particularmente importante o gesto técnico,
que, como qualquer ação humana, é gerado pela condição da necessidade, a
mesma que gera a intenção, que formata a ação. A ação, por sua vez, modifica
o meio, e esse meio sugere novas necessidades, que mais uma vez, vão gerar
uma intenção. Nesse horizonte, a atividade humana pode se caracterizar, em
sentido mais amplo, pela intencionalidade no momento de sua criação.

58 Este exercício de buscar o conceito a partir da contradição entre a expressão externa e sua
essência interna (1ª contradição), e posteriormente, a partir a contradição interna – que é
composta pela intenção, subdividida em matar/cooperar (no caso das lutas) –, orienta-se pelos
passos indicados por Marx, em seu prefácio d’O Capital: “[...] Porque é mais fácil estudar o
corpo desenvolvido do que a célula que o compõe [...]” (MARX, 2013, p. 78).

128
Araújo (2020)

A capoeira é um bom exemplo para entendermos esse processo. A


expressão externa, a que chamaremos de fenotípica, carrega a adaptação
social de conflito. O desenvolvimento da capoeira precisa ser compreendido
no seu processo histórico das relações sociopolíticas, e principalmente
econômicas, dos seus criadores/praticantes, a quem chamamos de capoeiras.
Esses sujeitos históricos vão desenvolver uma relação simultânea de
singularidades coletivas e coletividades singulares, em um arcabouço de
gestos, tecnicamente desenvolvidos para atender à demanda daquele que os
produziu, dadas as suas condições sócio-históricas naquela sociedade: ser
negro descendente de escravo numa sociedade eugenista. Tais condições são,
portanto, cercadas de limitações, que moldam a capoeira em um processo
constituído por explorados.
As características da capoeira vão assumir as demandas dos seus
produtores, nesse sentido, no seu processo de desenvolvimento, a capoeira
passa a constituir um instrumento para atender as necessidades dos seus
produtores. Quando a capoeira passa a assumir a lógica da mercadoria, ela
ganha valor de troca, e à medida que o valor de troca passa a ser
preponderante nas relações de produção da capoeira, e a sua prática avança
nessa relação, distancia-se cada vez mais das relações de classe 59 que a
geraram, mas o gesto técnico permanece como expressão histórica corporal
(chamaremos de corporal para distinguir dos elementos de outra natureza,
apenas para sinalizar que elementos como movimentos, notas musicais, e
uma sorte de produções humanas que não são tidas como históricas,
possuem marcas que as classificam por conta dos seus processos gênicos).
Destarte, o que denomina a intenção da capoeira é sua relação
agonista, remetida a uma atividade que se organiza pela intencionalidade do
combate, da estrutura: viver, sublimar/morrer, ser subjugado. Para nós, a
polissemia em torno dos sentidos que envolvem essa manifestação cai por
terra! Capoeira é uma luta, apesar que o seu acervo de técnicas é apropriado
historicamente de diversas formas que mudam a sua intencionalidade,
contudo, em sintonia com Kosik (1976), não passam de expressões que

59 A condição de opressão se manifesta em várias formas distintas: opressão de gênero, étnica,


geográfica, geracional, etc.

129
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

mimetizam gestos externos, e não revelam seu sentido histórico: Assim,


podemos dizer que a prática é transformada em valor de troca: a) são
coreografias com base nos gestos da capoeira; b) são exercícios ginásticos
com movimentos da capoeira; são jogos lúdicos (redundância) baseados nas
técnicas da capoeira. Entretanto, não seria acurado dizer que esta mesma
prática é a capoeira, afinal, a Capoeira é Luta.

130
Araújo (2020)

Limits of the relationship between Struggles and Physical Education:


first adjustments of a teaching criticism

Abstract: This study aims to point out the relationship between the economic model
and the processes of re-signifying bodily struggles in the capitalist society. It
performs a historical synthesis of the transition from feudal Japan to accelerated
industrialization. It emphasizes the school structure instituted in that country, in
particular, the pedagogical activities related to body culture in Physical Education
classes.
Keywords: Corporal Culture. Economy. Physical Education. Professional training.
Struggles.

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131
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

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alemã: crítica da mais recente filosofia
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socialismo alemão em seus diferentes

132
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O trato com o conhecimento esporte


na Educação Física Escolar:
limites, contradições e possibilidades

Wanderley dos Santos Araújo (UEPA) *


Marcos Renan Freitas de Oliveira (UEPA) **

Resumo: O artigo apresenta a análise dos limites, das contradições e das possibilidades
do trato do conhecimento esporte na educação física escolar a partir da produção do
conhecimento sobre o tema. Assim, para cumprir com esse objetivo, inicialmente, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica e exploratória do tipo temática com a finalidade de
encontrar fontes referentes ao tema de estudo, publicadas em livros, periódicos
científicos brasileiros e dissertações. Desse modo, em busca de respostas à temática
proposta, o aporte teórico-metodológico é composto pelos autores: Bracht (2000),
Colavolpe (2010), Tubino (2001), Soares et al. (2012), Oliveira (2001), entre outros. Cabe
ressaltar que a metodologia utilizada nesta pesquisa é a do materialismo histórico
dialético. Logo, a partir dos resultados, é fato que o conteúdo esporte ainda se apresenta
de forma hegemônica nas aulas de educação física, quase que exclusivamente na
dimensão de esporte de rendimento, por isso, é apontado que o trato desse conhecimento,
a partir da teoria educacional histórica-crítica e da abordagem pedagógica crítico-
superadora, é uma possibilidade emancipatória para a sua transformação, reinvenção e
promoção na escola.
Palavras-chave: Educação Física. Esporte. Conhecimento.

* Especialista em Pedagogia da Cultura Corporal (UEPA). Professor na Secretaria de


Estado de Educação do Amazonas. E-mail: wanderley.araujo@seducam.pro.br
** Mestre em Educação (UEPA). Professor na Secretaria Municipal de Educação do
Município de Bragança (PA). E-mail: marcosrenanef@yahoo.com

presente estudo está inserido na área da Educação Física Escolar


com foco nas contradições da hegemonia do esporte de rendimento em
detrimento do esporte-educação. O tema em questão aborda as dimensões
sociais do esporte a partir das aproximações da teoria educacional pedagógica
histórico-crítica (GASPARIN, 2005; SAVIANI, 2007) e da abordagem
pedagógica crítico-superadora (SOARES et al., 2012).

134
Araújo e Oliveira (2020)

Ao participar como bolsista do Programa Institucional de


Iniciação à Docência (PIBID-UEPA) em uma escola da rede pública do
Município de Belém (PA), foi possível perceber que o trato com o conteúdo
esporte nas aulas de educação física escolar é limitado a dimensão do
rendimento. Isso legitima a afirmação de Bracht (2005), quando cita que o
exemplo de esporte predominante no Brasil é o de alto rendimento ou de
espetáculo, mesmo quando ele acontece na escola ou no espaço de lazer.
Desse modo, a preocupação com o trato do conteúdo esporte nas
aulas de educação física mobilizou o interesse pela realização desta pesquisa,
tendo em vista a necessidade de problematizar a sua dimensão hegemônica e
apresentar possibilidades superadoras, a partir de uma base teórica-
metodológica histórico-crítica.
A produção conhecimento sobre o conteúdo esporte nas aulas de
educação de física tem denunciado os limites e as contradições do seu trato
na escola, e apresentado perspectivas para a transformação e reinvenção
(KUNZ, 1994; OLIVEIRA, 2001).
Tais explicitações trazem à tona a questão problema deste estudo:
que limites, contradições e possibilidades podem ser identificados a partir da
produção do conhecimento sobre o trato com o conhecimento esporte nas
aulas de educação física escolar?
Logo, o objetivo geral deste estudo é analisar as contradições, os
limites e as possibilidades do trato do conhecimento esporte na educação
física escolar a partir da produção do conhecimento sobre o tema.
Assim, ao visar responder à problemática construída e os
objetivos traçados, esta pesquisa faz aproximações com a unidade teórico-
metodológica do materialismo histórico- dialético como método de análise,
tendo como base filosófica o marxismo, realiza a tentativa de buscar
explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da
sociedade e do pensamento, visto que o materialismo histórico dialético
constitui-se uma concepção científica da realidade, enriquecida com a prática
social da humanidade.
É fato que o materialismo histórico-dialético é um enfoque
teórico, metodológico e analítico, utilizado para compreender a dinâmica e as

135
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

grandes transformações da história e das sociedades humanas.


Conceitualmente, o termo materialismo diz respeito à condição material da
existência humana e o termo histórico parte do entendimento de que a
compreensão da existência humana implica na apreensão de seus
condicionantes históricos, tendo como pressuposto o movimento da
contradição produzida na própria história.
Segundo Frigotto (1991), o que fundamentalmente importa para o
materialismo histórico-dialético é a produção de um conhecimento crítico
que altere e transforme a realidade anterior, tanto no plano do conhecimento
quanto no plano histórico social, de modo que a reflexão teórica sobre a
realidade ocorra em função de uma ação para transformar.
Como método de pesquisa, o foco está na investigação de
acontecimentos ou instituições do passado, para verificar sua influência na
sociedade de hoje, considera que é fundamental estudar suas raízes, visando
à compreensão de sua natureza e função, pois, conforme Marconi e Lakatos
(2007, p. 107), “[...] as instituições alcançaram sua forma atual através de
alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas
pelo contexto cultural particular de cada época”.
Para compreender o objeto de estudo em questão, a presente
pesquisa se configura como bibliográfica, visto que foi elaborada a partir de
material já publicado, constituído principalmente de livros, revistas,
publicações em periódicos, artigos científicos, jornais, boletins, monografias,
dissertações e teses com o objetivo de colocar o pesquisador em contato
direto com todo material já escrito sobre o assunto do trabalho (GIL, 2008).
Para a localização dos trabalhos utilizados na presente pesquisa,
foi realizada uma incursão nos bancos de dados da internet: Google
Acadêmico e Revista Movimento (UFRGS), bem como os livros e capítulos de
autores clássicos que discutem o trato com conhecimento esporte nas aulas
de educação física.
Também foram consultados materiais que contribuem com o
conhecimento sobre o trato com o conhecimento esporte a partir da crítico-
superadora. Entretanto, ressaltamos que esses materiais apresentados não
esgotam discussões teórico e metodológicas a respeito do tema. O Quadro 1

136
Araújo e Oliveira (2020)

apresenta os trabalhos selecionados para o estudo, especificando a sua forma,


título, autor e temática.

Quadro 1 – Pesquisa Bibliográfica


FORMATO TÍTULO AUTOR TEMÁTICA
Carmen Lúcia Soares,
Celi Nelza Zulke O livro expõe e discute
Metodologia do Ensino Taffarel, Elizabeth questões teórico-
LIVRO
de Educação Física Varjal, Lino Castellani metodológicas da
Filho, Micheli Ortega educação física.
Escobar e Valter Bracht
Este livro aponta uma
alternativa de ação
Uma Didática para a
docente-discente. A
LIVRO Pedagogia Histórico- João Luiz Gasparin
proposta consiste no uso
Crítica
do método dialético
(Prática-Teoria-Prática).
O livro retrata as três
Dimensões Sociais do Manoel José Gomes
LIVRO dimensões sociais do
Esporte Tubino
esporte.
Discute as preocupações
As dimensões inumanas
pedagógicas do professor
ARTIGO do Esporte de Elenor Kunz
de educação física sobre
rendimento
a infância e o esporte.
Aponta possibilidades
Reinventando o Esporte:
para o ensino do esporte
LIVRO possibilidades da prática Sávio Assis de Oliveira
encontrado no interior
pedagógica
das escolas.
Apresenta elementos de
como lidar com um
Esporte na Escola e
ARTIGO Valter Bracht fenômeno como o
Esporte de Rendimento
esporte sem sucumbir a
ele.
Desporto educacional:
Realiza uma crítica do
realidade e
desporto educacional
possibilidades das
Celi Nelza Zulke considerando as
ARTIGO políticas
Taffarel políticas públicas e as
governamentais e das
práticas pedagógicas dos
práticas pedagógicas nas
professores.
escolas públicas
Sociedade, educação e
Explica o esporte, suas
esporte: A teoria do
relações e nexos, em
conhecimento e o Carlos Roberto
TESE particular na formação
esporte na formação de Colavolpe
de professores e nas
professores de educação
pesquisas.
física
Fonte: Elaboração própria.

137
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O estudo exploratório teve por finalidade permitir um maior


conhecimento sobre o tema em questão e, por isso, fizemos uma vasta
pesquisa bibliográfica para que todos os detalhes fossem devidamente
expressos, haja vista que nenhuma pesquisa começa sem embasamento, onde
é possível sempre se achar relatos sobre o assunto (GIL, 2008).
A pesquisa ocorreu mediante um levantamento bibliográfico, cuja
finalidade foi a de tomar posse dos conteúdos analisados no trabalho. As
consultas feitas por meio dos descritores nas fontes bibliográficas na área da
educação física foram relevantes, visto que acrescentaram itens que somaram
com o assunto delimitado, o trato com o conhecimento esporte da educação
física escolar (MARCONI; LAKATOS, 2007).
Para apreender a realidade pesquisada, buscamos a aproximação
com as técnicas da Análise de Conteúdo, doravante (AC), que se caracteriza
pela investigação sistemática do conteúdo das mensagens, sejam elas verbais
(oral e escrita), sejam silenciosas, figurativas, entre outras, sendo estas
explícitas ou implícitas (FRANCO, 2008; TRIVIÑOS, 1987).
Nessa perspectiva, adotamos os procedimentos técnicos da AC,
elaborado por Triviños (1987), compreendendo três etapas que se
complementam e se desenvolvem do início ao fim do processo investigativo,
a saber: pré-análise (organização do material), descrição analítica dos dados
(codificação, classificação, categorização) e interpretação referencial
(tratamento e reflexão).
Ressaltamos que este artigo forma um trabalho interpretativo
com base nos dados obtidos. Portanto, todos os dados coletados foram
analisados e interpretados com base no referencial destacado. Do modo como
foram desenvolvidos o trato do conhecimento esporte, no campo escolar.
Assim, tendo em vista a natureza dos dados coletados, optamos
por confrontar evidências da produção do conhecimento sobre o esporte e
relacionar o esporte de rendimento e esporte-educação, dado os limites
identificados, no plano teórico/analítico da prática, imersos nas contradições
do mundo dos esportes.
A pesquisa, além desta Introdução, está organizada em três
seções que, integradas, exploram as determinações necessárias do objeto em

138
Araújo e Oliveira (2020)

debate na sua totalidade. Na primeira seção, expomos os conceitos e


definições sobre o conteúdo esporte; na segunda, apresentamos a relação
entre o esporte de rendimento e esporte educação; na terceira, situamos o
esporte a partir da pedagogia histórico crítica da abordagem crítico
superadora; em seguida as Considerações Finais; e por fim Referências, onde
constam o aporte teórico que subsidiou esta pesquisa.

DEFINIÇÃO DE ESPORTE

O tema esporte vem sendo muito debatido no âmbito da educação


física e mobiliza professores e pesquisadores da área em busca de
fundamentos teóricos e metodológicos para o seu trato com o conhecimento
na escola.
Tubino (2001) apresenta uma classificação do esporte, a partir de
três dimensões: o esporte-educação, o esporte participação ou esporte
popular e o esporte-performance ou de rendimento. Segundo o autor, o
primeiro objetiva a formação humana, o desenvolvimento das personalidades
e os processos de emancipação. O segundo volta-se para a realização nas
horas livres e acontece de forma lúdica e descompromissada. O terceiro
apresenta pontos negativos e positivos, dando ênfase aos mais habilidosos e
capacitados, numa perspectiva de espetacularização.
O Esporte-Educação para Colavolpe (2010) é apresentado com o
objetivo de superar a visão de que o esporte na escola é só competição,
própria de uma dada sociabilidade que exigia trabalhadores competitivos,
para uma visão teleológica de emancipação humana, o que implica superar a
sociedade de classes, imprime um novo rumo ao trabalho pedagógico na
escola. E isso significa alterações na gestão e no trato com o conhecimento
nas aulas e demais tempo pedagógico – treinos, torneios, campeonatos,
oficinas, seminários, festivais – bem como na gestão da própria escola e sua
relação com a comunidade.
O Esporte de Rendimento para Darido e Rangel (2008, p. 181)
fazem referência a essa dimensão do esporte expondo que este “[...] apresenta
uma tendência a ser praticado pelos talentos esportivos, tendência que marca

139
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

o seu caráter antidemocrático”. Nessa tendência, o esporte segue uma linha


que quem o pratica são considerados os melhores, uma vez que, um dos
objetivos é a vitória, deixando de lado um caráter de democracia, onde todos
têm a oportunidade de participar.
Para o Soares et al. (2012, p. 69), o esporte é considerado “[...]
uma prática social que institucionaliza temas lúdicos da cultura corporal, e
se projeta numa dimensão complexa do fenômeno que envolve sentidos,
códigos e significados da sociedade que cria e o pratica”.
De acordo com Colavolpe (2010), o esporte é uma categoria
explicativa da prática esportiva, que surge como uma atividade humana
historicamente criada e socialmente desenvolvida. No ambiente escolar, este
autor aponta que, por intermédio do trabalho pedagógico, o “[...] esporte
pode ser ensinado enquanto um complexo que permite entender o mais geral
da sociedade, podendo assim atuar na sua essência causando transformação
na condição de alienação” (COLAVOLPE, 2010, p. 87).
O ambiente escolar, então, deve ser entendido como um espaço
de apropriação do conhecimento de diversos conteúdos da cultura corporal,
para que, assim, o aluno eleve o padrão cultural esportivo e consiga
visualizar a complexidade do conteúdo esporte.
A conceituação do conteúdo esporte referida por Colavolpe
(2010) retrata a importância de os conteúdos da educação física serem
historicizados para que, dessa maneira, o aluno consiga entender os
processos de transformações que o esporte ‘sofre’, sendo uma produção
histórico-cultural que “[...] se subordina aos códigos e significados que
imprime a sociedade capitalista” (SOARES et al., 2012, p. 70).

LIMITES E CONTRADIÇÕES DO TRATO COM O CONHECIMENTO ESPORTE

Para discutir a relação de esporte rendimento e esporte-educação


é necessário delimitar elementos do debate, como exemplo, a contradição que
se apresenta como movimento interno do objeto esporte e suas unidades
opostas, em articulação permanente de luta na condição de forças contrárias.

140
Araújo e Oliveira (2020)

A contradição no esporte pode ser evidenciada na prática de


jogos internos das escolas, que acontece quase exclusivamente por meio da
prática esportiva das modalidades de futebol, vôlei, basquete e handebol.
Esses jogos poderiam ser desenvolvidos em forma de festival, por meio do
trato com todos os conteúdos da cultura corporal, como: a dança, a ginástica,
as lutas, os jogos populares, entre outros.
No campo dos limites, o modo como tem se desenvolvido o trato
do conhecimento esporte, no campo escolar, Bracht (2005) cita que o
exemplo de esporte predominante no Brasil é o de alto rendimento ou
espetáculo, mesmo quando ele acontece na escola ou no espaço de lazer. A
afirmação do autor é um dos limites apresentado por Oliveira (2001) que
identifica no esporte rendimento, três elementos fundamentais da sociedade
capitalista: a competição, a concorrência e o rendimento.
A partir disso, é fundamentado por Oliveira (2001), a
encruzilhada entre a “desesportivização” da Educação Física e o não
abandono do esporte pela escola é a mola propulsora utilizada pelo autor.
Isso pautado no paradigma da cultura corporal e na metodologia crítico-
superadora, cujo livro permite o questionamento das “regras do jogo” do
esporte moderno, apontando, com detalhes, as relações entre o fenômeno
esportivo e a sociedade.
Oliveira (2001) assevera que a realidade é o esporte existente na
escola e a possibilidade é aquilo que o esporte pode vir a ser nesse espaço.
Foi buscando essas possibilidades de reinvenção do esporte que surgiu a
principal tese levantada pelo autor: a busca de outros jogos possíveis. Nesse
sentido, o autor aponta os aspectos lúdicos como elementos centrais para
haver possibilidade de construção de um novo modelo social.
Conforme Taffarel (2000), para que o esporte na escola seja
aplicado de uma forma diferente do esporte de rendimento, é necessário que
haja uma articulação com o âmbito das políticas públicas da Educação e de
bem-estar geral da população sempre atrelado ao projeto de escolarização e o
projeto político-pedagógico da escola. Contudo, a autora admite que é um
trabalho árduo, em que o professor deve buscar incessantemente o
conhecimento e reivindicar que o poder público cumpra a sua parte. A autora

141
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

afirma que o aluno só terá realmente acesso ao esporte educacional, através


da luta política e da reflexão.
Kunz (1994) apresenta propostas concretas para se trabalhar o
esporte nas aulas de Educação Física, em um sentido diferente ao do
rendimento, onde o rendimento, a performance, a hiper competitividade, a
hiper valorização da racionalidade técnica, entre outros, ficam em segundo
plano.
Bracht (2000, p. 14) justifica a predominância do esporte
rendimento nas escolas devido “[...] reascendimento da polêmica suscitado
muito mais pelas ações ligadas a política para o setor dos últimos governos
federais através do INDESP” que buscava uma efetivação dos ganhos de
medalhas olímpicas, investindo valores altíssimos no âmbito da ciência do
esporte, relacionado aos centros de excelência que, para o autor, objetivam,
dentre outras coisas, detectar talentos esportivos.
Nos seus apontamentos, Bracht (2000, p. 14) ressalta que o “[...]
objeto não é propriamente o esporte de rendimento e sim, a relação entre o
esporte de rendimento e a educação física, entendida está enquanto uma
prática pedagógica”.
O autor também é taxativo ao dizer que o “[...] esporte de
rendimento foi colocado sob suspeita” (BRACHT, 2000, p. 14) a partir do
desenvolvimento, no âmbito da sociologia da educação, das teorias da
reprodução, enfatizando, desse modo, o papel de conservadorismo do sistema
educacional nas sociedades capitalistas, trazendo na sua estrutura interna, os
mesmos fatores que estruturam também as relações sociais. A partir dessas
críticas realizadas, principalmente na década de 1980, Bracht (2000) relata
em seu texto quatro equívocos/mal-entendidos sobre o trato com o conteúdo
esporte na escola.
O primeiro equívoco/mal-entendido estaria direcionado a quem
critica o esporte é contra o esporte, criando, dessa forma uma exclusividade
de posicionamento: ou se é a favor, ou se é contra o esporte. Para Bracht
(2000), essa visão é considerada tosca, visto que trabalha com pressupostos
de que o esporte é algo a-histórico, afastando-se, dessa forma, de autores que
falam em essência do esporte ou natureza do esporte.

142
Araújo e Oliveira (2020)

Bracht (2000) apresenta também o esporte como algo construído


pelo homem sob constantes transformações e fruto de múltiplas
determinações, afiançando que as críticas ao esporte só podem ser
endereçadas a como ele se apresenta historicamente, buscando colaborar
para que o esporte assuma outras características, mais adequadas a uma
outra concepção de homem e sociedade. Isso implica afirmar que criticar o
esporte não vai ao sentido de aboli-lo ou de negá-lo enquanto conteúdo das
aulas de educação física, pelo contrário, o autor defende que a modificação
pretendida se dará por meio do trato pedagógico numa perspectiva crítica.
O segundo equívoco/mal-entendido é referente à negação da
técnica por parte dos críticos do esporte nas aulas de educação física.
Segundo Bracht (2000, p. 17), “[...] é fundamental perceber que a técnica
(deve ser sim considerada) sempre um meio para atingir fins e não como ela
vem se colocando como centralidade no sistema esportivo”. Ele reforça essa
proposta, ao dizer que:

A pedagogia crítica em EF propôs/propõe, não é a abolição do


ensino das técnicas, ou seja, a abolição da aprendizagem de
destrezas motoras esportivas. Propõe sim, o ensino de destrezas
motoras esportivas dotadas de novos sentidos, subordinadas a
novos objetivos/fins, a serem construídos junto com um novo
sentido para o próprio esporte. (BRACHT, 2000, p. 17).

O terceiro equívoco/mal-entendido remete à contraposição entre


o lúdico e o rendimento. Aqui Bracht (2000, p. 17) alerta para as idealizações
do lúdico e salienta que este não existe na sua forma pura, sendo, dessa
maneira, moldado culturalmente. O autor identifica também, enquanto
consequência paralela à acusação àqueles que “[...] defendem o esporte
enquanto jogo, de negarem a aptidão física ou a atividade física enquanto
promotora de saúde”.
A discussão central objetiva esclarecer que não se trata de negar
os benefícios das práticas corporais para a saúde, e sim de não diminuir o
sentido dessas práticas a esse objetivo e de não entender a especificidade da
EF (e sua função na escola) seria exatamente a promoção da saúde.

143
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O quarto equívoco/mal-entendido evidencia que tratar


criticamente do esporte na escola acarretaria abandonar o movimento em
favor da reflexão, transformando, desse modo, as aulas de EF em aulas de
sociologia/filosofia do esporte na sala de aula. Para o autor, não se trata de
substituir o movimento pela reflexão, e sim de fazer esta acompanhar aquele,
conjuntamente a um processo de reconstrução.
Bracht (2000, p. 18) ressalta ainda que pedagogizar o esporte
tornou-se um problema para o sistema esportivo, uma vez que esse gera um
confronto com os princípios, com a lógica que orienta as ações no âmbito do
esporte, defendendo que se deva privilegiar na escola o esporte com
significado menos central ao rendimento máximo e à competição e sim ao
rendimento possível e a cooperação.
Nessa perspectiva, o planejamento educacional tem importância
ímpar, visto que a partir deste, o professor organiza todas as etapas do
trabalho pedagógico. Cuidadosamente, identifica os objetivos que pretende
atingir, indica os conteúdos que serão desenvolvidos, seleciona os
procedimentos que utilizará como estratégia de ação e prevê quais os
instrumentos que empregará para avaliar o progresso dos alunos. Para tanto,
é fundamental o domínio teórico e metodológico de uma teoria educacional e
pedagógica para tratar conteúdo esporte numa perspectiva crítica e
emancipatória.

POSSIBILIDADE SUPERADORA PARA O TRATO COM O CONHECIMENTO ESPORTE

O grupo contra hegemônico da educação brasileira, com


orientação crítico dialética, considerou a essência dessa área até 1980, para a
elaboração de uma nova síntese, na perspectiva de apresentar à sociedade
brasileira, em especial aos professores da área, o que a educação física
deveria ser, numa perspectiva de superar por inclusão os determinantes
históricos e sociais dessa área do conhecimento, recuperando o núcleo
central da constituição histórica da educação física pelo exercício da
docência, isto é, na ação pedagógica dos conhecimentos da cultura corporal.

144
Araújo e Oliveira (2020)

A referência teórica e metodológica contra hegemônica foi


apresentada e sistematizada no livro Metodologia do Ensino de Educação
Física, de 1992, sob a denominação de “proposição pedagógica crítico-
superadora” que é ancorada na teoria educacional e pedagógica histórico-
crítica (SAVIANI, 2007) e no marxismo como teoria do conhecimento e
compreende a educação física como campo acadêmico e de intervenção
social, cujo objeto de estudo é a cultura corporal.
A pedagogia histórico-crítica surge como uma proposta que
avança e supera realidades da sociedade capitalista e, assim, desperta a
consciência crítica do aluno sobre o seu contexto social, instigando este a
questionar a realidade em que se insere, cuja superação ocorre por meio da
apresentação dos conteúdos de forma sistematizada e contextualizada por
parte do professor, por isso, o aluno absorve conhecimentos teóricos
aprofundados e, em seguida, é capaz de ter uma nova ação consciente. O
objetivo nuclear da pedagogia histórico-crítica é a formação de seres
emancipados e omnilaterais (SAVIANI, 2007; GASPARIN, 2005).
A proposição pedagógica crítico-superadora sistematiza e
apresenta os princípios didático-pedagógicos que emergem da prática
docente para subsidiar a direção didático-pedagógica na educação física.
Nesse sentido, toma o pressuposto de que o objetivo e o problema central do
processo educativo na educação física devem ser a tomada de consciência,
buscando evidenciar a relação entre os valores educativos e as condições
materiais subjacentes, no sentido de contribuir para a desconstrução dessas
bases materiais, na medida em que fazem parte de uma fase histórica que
esgotou as suas capacidades civilizatórias. Essa tomada de consciência inicia-
se a partir de nova prática não espontânea, mas alimentada por uma teoria
que expresse a luta pela emancipação da classe trabalhadora (ESCOBAR,
1995).
Para a proposição pedagógica crítico-superadora, os conteúdos da
educação física devem estabelecer nexos e relações com a realidade concreta,
tendo em vista a transformação social. Para tanto, o trato com o
conhecimento corresponde à necessidade de criar as condições para que
ocorra o processo de ensino e de aprendizagem. Assim, os conteúdos da

145
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

educação física não podem ser trabalhados de maneira empírica ou aleatória,


requerem, entretanto, planejamento, seleção, organização e sistematização
metodológica. Logo, a partir dessa compreensão, apresenta três princípios de
seleção de conhecimento para o trabalho pedagógico:
 a relevância social do conteúdo, tendo em vista o sentido e o
significado histórico e social;
 a contemporaneidade do conteúdo, priorizando os clássicos e as
suas formas mais desenvolvidas; e
 adequação às possibilidades sociocognitivas dos alunos,
considerando o nível de aprendizagem dos alunos e suas
possibilidades como sujeitos históricos.
E expõe ainda quatro princípios metodológicos para a
sistematização do conhecimento: princípio do confronto e contraposição dos
saberes, tendo em vista a passagem do senso comum à consciência filosófica;
 princípio da simultaneidade dos conteúdos – enquanto dados da
realidade, tais conteúdos devem ser tratados com relações, nexos
e inserção na totalidade social;
 princípio da espiralidade, incorporação e ampliação das
referências do pensamento por aproximações sucessivas com a
realidade social;
 princípio da provisoriedade do conhecimento – compreende o
caráter histórico e social do conhecimento e seu movimento
dialético.
Nesse sentido, de acordo com Soares et al. (2012), o trato com o
conhecimento esporte reflete a sua intenção epistemológica e anuncia as
condições para selecionar, sistematizar e organizar esse conteúdo de ensino,
implicando em superar o ensino tradicional e hegemônico desse
conhecimento, historicamente construído pela humanidade a partir de uma
educação crítica e reflexiva.
Conforme Soares et al. (2012), o ser humano transformou em
jogos as atividades de trabalho, que foram criadas como objetos de
necessidade e de ação. Os jogos tiveram, portanto, sua origem em um
processo histórico que decorreu do trabalho. Logo, considerando o esporte

146
Araújo e Oliveira (2020)

como uma decorrência dos jogos, então, trata-se de um importante conteúdo


da cultura corporal e abordado como uma atividade histórica.
É fundamental ressaltar que, o esporte, por ser um produto que
decorre das relações do trabalho, então, decorre do processo de construção e
vivência da cultura. Conforme Soares et al. (2012), a cultura é o produto da
vida e da atividade do homem. É um fenômeno social pertinente ao
desenvolvimento histórico, ou seja, está relacionado diretamente com o
trabalho, com as relações objetivas materiais, reais, dos homens com a
natureza e com os outros homens.
A pedagogia histórico-critica aponta princípios fundamentais
para compreender o processo de emancipação por intermédio do esporte,
onde a participação de todos leva ao desenvolvimento de responsabilidades e
de comprometimento social com a construção da realidade numa visão de
totalidade, como algo dinâmico e carente de transformações, estimulando a
criatividade e formando indivíduos autônomos e independentes, opondo-se,
enfim, a perspectiva tradicional e reprodutiva, estimulando mudanças reais e
concretas na concepção de ensino da Educação Física bem como no
conteúdo, no método e nas condições das possibilidades na prática
pedagógica.
Logo, o ensino esportivo escolar superaria o mero
desenvolvimento de habilidades técnicas e motoras, permitindo aos alunos
uma melhor compreensão da realidade do esporte e principalmente dos
problemas causados por uma prática que privilegia o resultado esportivo de
curto prazo.
A proposta da pedagogia histórico crítica busca condições para
que o esporte promova a emancipação dos sujeitos deve se sobrepor a uma
visão utilitarista, que se apresenta como necessária a preservação da saúde,
melhoria das condições físicas e das atividades lúdicas que visam apenas
propiciar a alegria e a descontração dos alunos para se transformar numa
atividade que proporcione uma melhor compreensão do fenômeno esportivo,
na avaliação e nas mudanças históricas do homem. O professor deverá
promover entendimento do mundo social, formulação de interesses e
problematização do esporte.

147
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

No processo de trabalho pedagógico, o trato com os


conhecimentos da cultura corporal, é orientado por determinadas finalidades
no que diz respeito à formação humana, e, nesse sentido, os conteúdos da
cultura corporal na sua dimensão ontológica são fundamentais na formação
do gênero humano. No entanto, essa dimensão pode ser secundarizada no
trato com esse conhecimento quando as finalidades estão orientadas pelos
interesses do capital.
Frizzo (2008) alerta que o trabalho pedagógico é uma prática
social munida de forma e conteúdo, expressando nas possibilidades objetivas,
as determinações políticas e ideológicas dominantes e/ou de resistência de
uma sociedade. Na sociedade dividida em classes, onde as relações sociais são
de exploração e expropriação, o trabalho pedagógico tende a desempenhar
funções demandadas pelos projetos hegemônicos.
É por meio do trabalho pedagógico que o professor de educação
física, ao mesmo tempo em que é submetido aos interesses hegemônicos do
capital, pode contribuir, pela contradição, com a transformação das relações
de produção na forma atual, tendo como horizonte histórico não a venda de
uma mercadoria, isto é, o pacote de serviços da cultura corporal, e sim a
formação humana dos indivíduos.
Reconhecemos que não estão anuladas as possibilidades de
desenvolvimento no trato com o conhecimento esporte numa perspectiva
emancipatória. Pelo contrário, tendo em vista que a contradição é o motor do
desenvolvimento capitalista, permitindo vislumbrar ações pedagógicas
munidas de forma e conteúdo sintonizados com os interesses da classe
trabalhadora que são antagônicos. Nessa perspectiva,

[...] o trabalho pedagógico deve partir da análise de


problematizações, visando à conscientização de valores humanos,
a vivência constantemente recriada de conteúdos culturais e
buscando formas democráticas de interação social. Portanto, a
concepção de educação deve contemplar uma visão de futuro que
considera a condição humana como objeto essencial de todo
trabalho pedagógico. (FRIZZO, 2008, p. 164).

Frizzo (2008) explica que, dentre os pressupostos ontológicos


fundamentais do trabalho pedagógico, estão as concepções de ser humano,

148
Araújo e Oliveira (2020)

história e realidade, estas que revelam a cosmovisão contida no processo de


ensino e de aprendizagem. Assim, “[...] no trabalho pedagógico, o sujeito
ativo e agente transformador é o professor e o objeto é a realidade ou o
mundo concreto da necessidade” (FRIZZO, 2008, p. 164).
O papel do professor no desenvolvimento do trabalho
pedagógico, com os conhecimentos da cultura corporal, é fundamental para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos, ou seja,
desenvolver a capacidade humana de superar a percepção imediata e aparente
da realidade concreta.
Quanto ao trato com o conteúdo esporte na escola, é preciso
resgatar os valores que privilegiam o coletivo sobre o individual, bem como
defender o compromisso da solidariedade e respeito humano, a compreensão
de que jogo se faz "a dois" e de que é diferente jogar "com" o companheiro e
jogar "contra" o adversário (SOARES et al., 2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os limites e as contradições, identificadas na produção do


conhecimento sobre o trato com o conhecimento esporte nas aulas de
educação física, implica reconhecer que quem crítica o esporte na sua forma
hegemônica de alto rendimento, tem como objetivo transformá-lo ou
reinventá-lo, promovê-lo em todas as suas potencialidades e não aboli-lo ou
negá-lo. Uma possibilidade de transformação é a substituição dos jogos
internos da escola pelo festival de cultura corporal.
A dualidade referente à centralidade ou à negação do ensino da
técnica no trato com o conteúdo esporte é uma contradição existente na
produção conhecimento sobre o tema. Entretanto, essa contradição a partir
da abordagem crítico-superadora evidencia que “[...] afirmar a necessidade
do domínio das técnicas de execução dos fundamentos das diferentes
modalidades esportivas não significa polarizar nosso pensamento em direção
ao rigor técnico do esporte de alto rendimento” (SOARES et al., 2012, p. 84).
O estudo também esclarece que o esporte não deve se limitar
exclusivamente a promoção de saúde. Não se trata de negar os benefícios das

149
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

práticas corporais para a saúde, e sim de não diminuir o sentido dessas


práticas a esse objetivo e de não entender a especificidade da Educação Física
e sua função na escola que seria exatamente a promoção da saúde. De acordo
com o estudo não se deve substituir o movimento pela reflexão, e sim colocá-
los em igualdade.
Os limites identificados na discussão teórica, quanto às
fragilidades na sistematização e aplicação do conteúdo esporte no contexto
escolar, se devem ao fato de este ser ensinado quase que exclusivamente na
dimensão esporte de rendimento. Por isso, a forma como o esporte é
ensinado na escola, como conteúdo hegemônico nas aulas de educação física,
alinhado à lógica do rendimento, gera a exclusão nas aulas de educação
física.
Conforme afirma Oliveira (2001), o esporte traz consigo
possibilidades contraditórias, de modo que é possível enfatizar situações que
privilegiam a solidariedade sobre a rivalidade, o coletivo sobre o individual, a
autonomia sobre a submissão, a cooperação sobre a disputa, a distribuição
sobre a apropriação, a abundância sobre a escassez, a confiança mútua sobre
a suspeita, a descontração sobre a tensão, a perseverança sobre a desistência
e, ainda, a vontade de continuar jogando em contraposição à pressa para
terminar a partida e configurar resultados.
Temos acordo com as formulações de Bracht (2000) quando
assevera que é preciso criticar e problematizar à desesportivização da
educação física, atentando para a não negação ou abandono do esporte como
conteúdo.
As críticas e as formulações feitas, neste artigo, se num momento
remetem a um pessimismo, muitas vezes, enfatizado, e que ‘sufoca’ as
possibilidades de transformação, não impedem que possamos vislumbrar
possibilidades reais de transformação do esporte. Dessa forma, nos
aproximamos de Taffarel (2000) e Oliveira (2001), e reivindicamos a
reinvenção do esporte.
O estudo considera o ponto principal da pedagogia histórico
crítica, sendo o comprometimento com o ensino de qualidade, com a
aprendizagem efetiva e com enraizamento pedagógico fortalecido,

150
Araújo e Oliveira (2020)

consolidado, engajado e comprometido com a formação da classe


trabalhadora que, mediante o ensino do esporte, pautado na perspectiva
crítico-superadora, pode permitir aos alunos, a apropriação da forma mais
desenvolvida do saber que se encontra acumulado na cultura. A teoria
educacional histórico crítica surge como uma possibilidade e apresenta
subsídios necessários para a sistematização do conteúdo esporte, rompendo,
desse modo, com a hegemonia do esporte de rendimento focado em técnicas,
resultados e competições.

151
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Handling with the sports content in School Physical Education:


limits, contradictions and possibilities

Abstract: The article presents the analysis of limits, contradictions and possibilities
of dealing with the sports content in School Physical Education based on the
knowledge production on the subject. Thus, it was carried out bibliographic and
exploratory research to find sources related to the theme published in books,
Brazilian scientific journals and dissertations. The authors composing the theoretical
and methodological contribution are Bracht (2000), Colavolpe (2010), Tubino
(2001), Soares et al. (2012), Oliveira (2001), among others. It uses the dialectical
historical materialism as methodology. It points out that the sports content still
presents itself in a hegemonic way in Physical Education classes, almost exclusively
in the dimension of performance sport. It concludes that dealing with this content
based on the historical-critical educational theory and critical-overcoming
pedagogical approach is an emancipatory possibility for its transformation,
reinvention and promotion at school.
Keywords: Physical Education. Sport. Knowledge.

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Araújo e Oliveira (2020)

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153
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Questões críticas a considerar na


organização didática de Exercícios Físicos
em Treinamento Resistido

Daniel Castilho de Souza (UNIASSELVI) *


Fábio Andrade Fernandes (UNIASSELVI) **
Gláucia Lobato Kaneko (UFPA) ***
Marta Genú Soares (UEPA) ****

Resumo: A aplicação do treinamento de força nem sempre esteve voltada para os


processos didáticos necessários para resguardar a saúde e prolongar os benefícios do
treinamento. Hoje, sabe-se que a organização do trabalho docente nesse espaço está
diretamente relacionada a eficácia do treino, como afirmam Bompa (2001) e Santarém
(2012). A pesquisa realiza investigação de campo que utiliza investidas bibliográficas e
prima pela abordagem qualitativa com análise de conteúdo dos dados coletados. O estudo
foi desenvolvido por duas semanas com observação da didática da aplicação do
treinamento. Conclui que há necessidade em obter conhecimentos pedagógicos e
biológicos para que ao prescrever o treinamento o professor tenha elementos didáticos
para intervenção de forma eficaz com um plano de treino construído junto com o aluno a
fim de garantir sua condição de saúde.
Palavras-chave: Treinamento Resistido. Planejamento didático. Prática Reflexiva.

* Licenciado em Educação Física (UEPA). Especializando em Fisiologia do Exercício pelo


Centro Universitário Leonardo da Vinci. E-mail: danielcastilho97@gmail.com
** Licenciado em Educação Física (UEPA). Especializando em Fisiologia do Exercício pelo
Centro Universitário Leonardo da Vinci. E-mail: fa.fernandes27@gmail.com
*** Mestra em Educação (UEPA). Professora Substituta na Faculdade de Educação Física
da Universidade Federal do Pará. E-mail: glauciakaneko@gmail.com
**** Doutora em Educação (UFRN). Professora Titular na Universidade do Estado do
Pará. E-mail: martagenu@gmail.com

INTRODUÇÃO

sse estudo investigou os princípios didático-pedagógicos na sala


de musculação, a implementação de práticas educativas para a saúde e a
importância do contato diário do professor para monitorar os resultados dos
alunos, como questões críticas a considerar. O conhecimento de que

154
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

exercícios físicos promovem diversos benefícios, desde a antiguidade o


treinamento de força faz parte do cotidiano do ser humano, ao qual
necessitava sobreviver e esculpir seu corpo para que assim, tivesse aptidão
física em meio aos diversos confrontos da natureza. Dessa maneira começou
a relação entre homem e exercício físico.
Por meio da observação técnica se verificou que a principal
questão crítica ao treino refere às ferramentas para elaboração e execução de
um planejamento, que é o desconhecimento por parte de muitos professores
que desenvolvem sistemas de treino de forma empírica, desorganizada e
aleatória. Aliado a isso, os fatores de risco e lesões propiciam a necessidade
real em planejar.
Apesar da tarefa não ser fácil, o planejamento é de extrema
importância, visto que o professor necessita de critérios para a tomada de
decisões, desde a escolha de testes até o que programar para as fases do
treinamento. O planejamento é um recurso para atingir resultados ainda mais
significativos aos alunos, desde que na sua elaboração, o professor de
educação física saiba relacionar as evidências científicas com a prática, essa
correlação é mais uma questão crítica a observar-se no plano de treino.
O professor de Educação Física deve, portanto, avaliar o seu
aluno de forma prática, porém, levando em consideração aspectos científicos,
além de, identificar possíveis erros de execução visto que o aluno necessita
passar pelo processo de ensino/aprendizagem, sempre do padrão de
movimento mais fácil ao mais difícil, sendo classificado como iniciante,
intermediário e avançado, uma vez que o aluno iniciante não consegue
realizar exercícios considerados avançados, ou os realiza com prejuízos
físicos.
A pesquisa é um instrumento para aqueles que buscam
constantemente conhecimento, e para aqueles que não querem reproduzir
paradigmas como o de que estética é sinônimo de saudável, ressaltando a
necessidade de observar como o corpo reage aos estímulos orientados e
planejados previamente pelos professores.
Assim, averígua-se formas adequadas para atender o aluno de
maneira individual, sistematizada e planejada, visto que para muitos, não é

155
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

visível a forma como ocorre o planejamento e a estruturação do trabalho


pedagógico do professor, que apesar de, ao longo da formação, vivenciar
diversos planejamentos didáticos, muitos utilizam os espaços apenas como
um mero reprodutor de atividade física sem qualquer preocupação com o
aluno e seus objetivos específicos.
Nesse sentido, este estudo alcançou um professor de laboratório
de exercícios resistidos, o que julgamos suficiente para uma primeira
investigação sobre a organização da aula em salas de musculação. O
instrumento da pesquisa foi um questionário com perguntas
semiestruturadas, o qual abordou os elementos do planejamento do
treinamento e a prescrição do exercício. O questionário conteve seis
perguntas que abordaram fatores relacionados ao engajamento do sujeito
para a prática sistematizada do treinamento resistido e a metodologia
implementada no laboratório, que difere à concepção tradicional de
periodização do treinamento. Os dados coletados na pesquisa ocorreram
ainda por meio de observação direta extensiva dos treinos dentro do próprio
laboratório.
Com o enfoque para a observação das relações e percepções
adotadas pelo professor, se buscou enunciar e caracterizar a organização
didática como processo para a manutenção e reestabelecimento da saúde em
salas de musculação. O objetivo geral foi investigar o planejamento didático e
técnico do treinamento resistido, onde observou-se que embora o tema seja
atual, muito pouco se discute sobre planejamento didático, pelos professores,
em treinamento resistido, visto que, todo planejamento deve estar sustentado
em teorias científicas. Não é de hoje que o planejamento didático deve estar
presente em salas de musculação, mesmo sabendo disto muitos não planejam
a aula e as metas de forma adequada, bem como os métodos do treinamento,
levando o treino ao fracasso e distanciando o êxito a se alcançar.
O sentido do planejamento aparece desde a reflexão do professor
até as avaliações, as quais podem ser utilizadas como parâmetro para a
prescrição, isto porque a avaliação pode indicar se as metas e os objetivos
foram alcançados, por meio da análise de acertos e erros da prescrição e
outros recursos que respeitam a individualidade.

156
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

Como forma de organizar o estudo, a seção um intitulada


“Treinamento resistido: origem e aplicação” trata desde o surgimento do
treinamento físico até sua aplicação em salas de musculação. Na seção dois,
denominada “A sala de musculação como espaço educativo para a saúde” se
discute a finalidade dos professores em salas de musculação discutirem a
educação integral nesses espaços, enquanto que a seção três “Planejamento:
elementos técnico-didáticos para avaliação e controle em treinamento
resistido” analisa como os elementos técnico-didáticos podem ser utilizados
juntamente ao planejamento do professor para controle do treinamento
resistido.

1. TREINAMENTO RESISTIDO:
ORIGEM E APLICAÇÃO

Ao tratar sobre o treinamento resistido é necessário compreender


a sua origem e evolução até os dias atuais, sabe-se que os princípios do
treinamento estão diretamente relacionados à origem do treinamento
resistido, que inicialmente de maneira empírica, foram sendo sistematizados
através do método indutivo.
Durante a pré-história o homem dependia de sua força,
velocidade e resistência para sobreviver (OLIVEIRA, 1998) após esse período
os exercícios físicos continuaram merecendo o mesmo destaque. Os egípcios
– considerados por muitos historiadores como a mais antiga civilização –
deixaram o seu registro em paredes de capelas funerárias mostrando homens
levantando pesos em forma de exercícios.
Entre os povos primitivos ocidentais, a civilização grega atinge
um estágio civilizatório de forma pioneira. No mesmo livro, Oliveira (1998)
sublinha que “a educação grega não divorciou a educação física da intelectual
e espiritual, considerando que o homem é somente humano enquanto
complexo” (OLIVEIRA, 1998, p. 21).
Como assegura Fahey (2014), Milo de Krotona foi o grande
responsável pelo treinamento de força devido se tornar um dos pioneiros da
época, diz a lenda que Krotona selecionou um bezerro e acompanhou o seu

157
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

crescimento. Durante este processo o bezerro era erguido todos os dias em


seus ombros, com isto houve o princípio de adaptação já que o animal crescia
dia após dia. O relato histórico de Milo de Krotona, atleta olímpico de luta e
discípulo do matemático Pitágoras ilustra ainda os princípios do treinamento
de continuidade e sobrecarga.
Os princípios de treinamento utilizados em musculação foram
desenvolvidos a partir do conhecimento popular, em muitos aspectos
confirmados ou aperfeiçoados pelo conhecimento científico (SANTARÉM,
2012, p. 57). Os princípios básicos do treinamento, são divididos em nove,
dentre eles: o princípio da conscientização, adaptação, sobrecarga,
acomodação, especificidade, individualidade, variabilidade, manutenção,
reversibilidade (PRESTES et al., 2016).
No princípio da conscientização é indicado transmitir ao aluno, a
importância da adesão atividade física e os benefícios para a saúde; a
adaptação: o organismo humano responde e se adapta com as cargas de
trabalho e acomoda-se com o tempo; a sobrecarga: para evoluir o organismo
necessita de cargas maiores aos quais foi adaptado, isto requer cuidado pois é
de forma gradual, do simples para o mais complexo, aumento de intensidade,
aumento de repetições, velocidade de execução, diminuição ou aumento do
intervalo entre as series
Quanto a acomodação, quanto mais treinado é um indivíduo
menor é a magnitude do ganho; a especificidade: tem intima relação com
programas de treinamento esportivo, sendo utilizado por atletas de alto
rendimento; a individualidade: é a teoria que garante a individualização do
treinamento, e comprova que cada ser humano reage de uma forma, adequar
cada pessoa a um plano de treino individualizado, sem replicações de treino
igual para todos; a variabilidade: este princípio se estrutura no conceito de
variar, o número de series, sistema de treinamento, tipos de contração,
velocidade de execução, variação entre pesos livres e aparelhos
A manutenção é princípio quando atingido o resultado do
programa de treinamento, o aluno juntamente ao professor, devem aplicar o
princípio da manutenção, ao qual garante a redução de dias de treino,
execução, series; e a reversibilidade: a diminuição da intensidade ou do

158
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

volume de treinamento, abaixo do nível mínimo, gera a regressão de


resultados obtidos.
Durante a idade média, cavaleiros aumentavam sua força
levantando rochas e correndo e nadando enquanto vestiam camisas feitas
com ferro pesado. Na Escócia, homens treinavam também jogando e
levantando rochas pesadas (FAHEY, 2014).
No decorrer dos tempos o doutor Gustav Zander, da Suécia,
desenvolveu aproximadamente 70 equipamentos de exercício que foram
utilizados em instalações médicas no final do século XIX. Muitos desses
equipamentos são similares aos usados hoje,

[...] sendo assim, o treinamento de força passou por uma


extraordinária evolução nos últimos 50 anos. Executado
anteriormente por um pequeno segmento da sociedade, hoje
tornou-se popular entre uma grande camada da população, em
razão dos muitos benefícios que propicia à estética e à saúde. Nas
décadas de 1930 e 1940, o treinamento de força era realizado
quase exclusivamente por um pequeno número de atletas, em
especial os levantadores de pesos olímpicos e culturistas.
(FLECK; SIMÃO, 2008, p. 15).

Como visto, o treinamento de força ganhou novos rumos e hoje


está presente em diversos locais, sendo praticado por diversos grupos de
pessoas chegando a ser recomendado por médicos e demais profissionais com
a fim de propiciar saúde. O treinamento de força passou por grandes
resistências para ser aceito na sociedade, muitos mitos e paradigmas foram
enfrentados, e ainda hoje estão presentes. Muitas pessoas acreditavam que a
utilização do mesmo iria afetar a saúde geral do corpo (FLECK; SIMÃO,
2008).
De 1930 a 1940 o treinamento de força (TF) era realizado apenas
por atletas, em especial os levantadores de peso que necessitam aprimorar
suas técnicas de execução em seus devidos esportes. O TF era visto como
vilão para a saúde já que se propagava lesões envolvendo atletas e pessoas
que não obtinham instrução adequada. As pessoas tinham medo pois,
acreditava-se que não se existiam benefícios aos músculos esqueléticos.

159
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Entre 1950 e 1960 muitas ideias negativas envolvendo o TF


deixam de ser seguidas e, com isto, uma nova gama de pessoas iniciam a sua
prática. Os mitos de que o TF poderia causar encurtamento de tendões e
baixa velocidade deixaram de ser propagados e com isto, médicos e equipes
utilizam o TF para melhor performance em competições, atletas adotaram o
TF ao qual se tornaria base de muitos esportes internacionais (FLECK;
SIMÃO, 2008, p. 15).
Ainda sobre recomendações, jogadores de basquetebol, tênis e
futebol podem utilizar o TF ou treinamento resistido como preparo físico
para seus desportos e competições específicas. Ou seja, o treinamento
resistido pode ser praticado como base de diversos esportes que necessitam a
utilização do trabalho de força envolvido em diversos momentos durante o
jogo (FLECK; KRAEMER, 2009, p. 40).
Para Santarém (2013) o treinamento com pesos se adapta às mais
diversas situações de acordo com as finalidades que podem ser estéticas,
terapêuticas, profilática, preparação física competitivas e especiais,
entretanto “[...] não deve consistir apenas em levantamento de peso, sem uma
finalidade ou plano específico” (BOMPA, 2001, p. 4).
Seja qual for o objetivo, a sala de musculação compreende um
espaço educativo nos diferentes níveis de preparação (iniciante,
intermediário e avançado). Em cada um desses, o professor deve dispor de
uma abordagem diferente para que se possa obter resultados significativos e
que garantam a qualidade de vida e objetivos pessoais dos sujeitos.
Observou-se a necessidade em analisar a origem do treinamento
com o intuito de obter mecanismos para se interferir positivamente e de
maneira integral no processo, seja qual for a aplicação. As ações voltadas
para práticas relacionadas à saúde devem ser alvo de discussões e reflexão
durante o processo de treino, visto que a prática do treinamento de força
pode não ser suficiente se não estiver atrelada a hábitos que conduzem a um
estilo de vida saudável que serão abordados na próxima seção.

160
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

2. A SALA DE MUSCULAÇÃO COMO ESPAÇO EDUCATIVO PARA A SAÚDE

O condicionamento físico pode ser visto como aspecto


preponderante para a manutenção e restabelecimento da saúde60. A
capacidade do professor em estabelecer relações educativas na sala de
musculação interfere diretamente na sistematização desse fator no cotidiano
dos alunos.
A visão do senso comum estabeleceu o exercício físico como
sinônimo de saúde. Sabe-se que o condicionamento físico é apenas uma das
condições de saúde, sendo influenciada por diversos fatores. Infelizmente
muitas vezes é realizada uma relação de causalidade entre estética e saúde,
negando aspectos que podem influenciar a melhoria da saúde visto que existe
uma “multiplicidade de segmentos que influenciam a saúde do ser humano
como condições salariais, existência de saneamento básico adequado, dentre
outros” (KANEKO, 2018, p. 56).
A consideração, por parte do professor, de vivências prévias e
expectativas quando combinadas a intencionalidade do aluno em vivenciar
saúde em uma visão ampla é de grande relevância para a obtenção dos
objetivos desejados. O professor deve, portanto, orientar as pessoas para que
elas possam praticar o exercício físico de maneira correta e consciente de
seus objetivos. Além disso, elas devem ter consciência de que não é somente
com a prática de exercícios que se vai adquirir ou manter o seu status de
saúde (DEVIDE, 1996).
O treinamento físico aliado a um estilo de vida saudável
proporciona disposição para desempenhar atividades rotineiras como puxar,
empurrar, com dominância do tronco e que utilizem a região inferior do
corpo. Além do que, a capacidade de realizar esforços físicos e a prevenção
de lesões estão intimamente relacionadas, daí surge a relevância em planejar
o limite de esforço do aluno desde o início.

60 Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) o conceito saúde é definido como “um estado

de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afeções e


enfermidades”.

161
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O motivo da prática de atividades físicas sistematizadas, mais


precisamente do treinamento resistido, deve ser alvo de debates, visto que se
observa que a realização na maioria das vezes, de forma funcionalista e
descontextualizada, sem a reflexão da necessidade de hábitos saudáveis
aliados a prática e não levando em consideração os interesses dos alunos.
Um dos benefícios da prática de exercício físico é a sensação de
bem-estar, mas, questiona-se até que ponto esse real benefício vem sendo
levado em consideração durante o planejamento. Havendo ainda uma
diferenciação da imagem estética, o aluno deve praticar sistematicamente o
treinamento resistido porque gosta do seu corpo, e não o contrário.
O estilo de vida fitness acaba por vender o conceito de “saúde”,
todavia, esse discurso não passa de discurso para vendas. Volumes
excessivos, ausência de monitoramento e supervisão inadequada são fatores
completamente opostos ao que é proposto. A saúde, portanto, não é uma
condição estática, existente somente devido à ausência de doenças, mas sim
um processo de aprendizagem, tomada de decisão e ação para otimização do
bem-estar próprio (HARRIS, 1989, p. 129-138).
Há necessidade de propiciar ao aluno o gosto pelo treinamento
com pesos, bem como, a subdivisão entre metas a curto e a longo prazo, que
emerge da relevância em manter o condicionamento físico, fator para um
estilo de vida ativo. Havendo dessa maneira, a oportunidade de desenvolver
um projeto que de fato impactará na vida do aluno, acabando com a ideia do
“projeto verão”.
A análise da carga interna e externa, correção técnica,
monitoramento da dose/resposta dos exercícios e a explicação da
importância de metas traçadas fazem parte da construção de uma prática
educativa eficiente em uma sala de musculação.
De acordo com as respostas do aluno, o professor deve modificar
o plano de treinamento periodicamente, o que se refere ao monitoramento
dos exercícios. Em tal caso, uma boa coerência entre o professor e o aluno,
propicia a confiança necessária para a obtenção de um grau de excelência
satisfatório no que se refere a aplicação de cargas externas (volume e

162
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

intensidade do treino) e carga interna (estresse psicológico e fisiológico


prescrito ao organismo do aluno).
Alguns alunos já apresentam vivências obtidas com o
treinamento resistido ou informações obtidas na mídia, entretanto, muitas
vezes, esse conhecimento não é o suficiente para a execução correta do
movimento e para isto o professor deve ter uma abordagem que não possa
contrariar o aluno ou deixar o mesmo desestimulado.
Outro aspecto que pode ser levado em consideração trata da
seleção prévia dos exercícios, as tarefas que o aluno apresentar dificuldade
de execução podem ser prescritas inicialmente sem peso e aliada a exercícios
de execução mais simples, para que assim não haja descontentamento e
frustração.
Durante o estudo foi verificado que práticas educativas para a
saúde são fatores preponderantes para a manutenção da saúde em salas de
musculação. Não é difícil verificar sujeitos que ainda acreditam que somente
com a prática de exercícios físicos irão obter resultados satisfatórios, e é
papel dos professores envolvidos no processo de treino em salas de
musculação, a orientação sobre os diversos fatores relacionados a saúde
envolvidos no processo.
As avaliações e o controle do processo de treino estão
diretamente ligados a organização didática, e assim, o professor obtém
parâmetros que se referem a efetividade de sua metodologia para que possa
realizar possíveis modificações.
Na próxima seção, será detalhada a forma com a qual o professor
possa em sua prática, identificar propostas voltadas a cada sujeito, de acordo
com seus anseios e necessidades. Estão ainda inseridas as observações e a
entrevista ao professor participante da pesquisa sobre sua organização
didática no treinamento resistido.

163
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

3 PLANEJAMENTO:
ELEMENTOS TÉCNICO-DIDÁTICOS PARA AVALIAÇÃO E CONTROLE EM TREINAMENTO
RESISTIDO

Na atual conjuntura, a prática de atividade física é difundida em


diversos meios como livros que envolvem o treinamento resistido, mídias
sociais e em programas de TV. Entretanto, pouco se fala da avaliação física
como base de um programa de treinamento de forma enfática.

Avaliação física é um processo que nos permite, de forma objetiva


ou subjetiva, comparar critérios e determinar a evolução de uma
pessoa ou um grupo numa linha de tempo seus avanços e
retrocesso (RASH, 1971 apud ROCHA; GUEDES JUNIOR, 2013,
p. 20).

O que realmente ainda não está claro para muitos praticantes é


de que forma a avaliação física pode redimensionar o planejamento da
atividade física, mesmo que o início de quaisquer planos de exercícios físicos
sem a avaliação possa ocasionar em uma série de erros.
Para aplicação do treinamento resistido, o registro de treino deve
conter: 1º nome do exercício; 2º uma sequência adequada; 3º o número de
séries e o intervalo, ao qual correspondem o intervalo de descanso e a
intensidade utilizada a cada exercício (FLECK; KRAEMER, 2009). Com isto,
os registros de treino se respaldam, na avaliação física e no planejamento
traçado para determinado período.
Para Rocha e Guedes Junior (2013, p. 20) a avaliação física deve
ter como função e objetivo: a) avaliar o estado do aluno antes, durante e após
o treinamento; b) motiva o indivíduo para superar novos desafios; c)
acompanhar o progresso do indivíduo durante o programa de treinamento, d)
detectar falhas no planejamento; e) sugerir ao praticante a renovação do
treinamento; f) levar o praticante para a conscientização sobre saúde e
qualidade de vida; g) demonstrar os resultados por dados reais (números).
Ainda sobre aplicação dentro do planejamento, é necessário que
seja levado em consideração de que forma o aluno vai se adaptar melhor ao
exercício, se o mesmo deve primeiramente realizar exercícios livres ou
exercícios em aparelhos.

164
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

O planejamento e a prescrição de qualquer exercício físico devem


ser iniciados e sustentados de acordo com necessidades do aluno que deve ter
confiança desde o primeiro momento em que estiver com o professor de
educação física, pois é por meio do diálogo que possíveis problemas podem
ser prevenidos.
De acordo com Prestes et al. (2016) é necessário sempre avaliar o
início de qualquer atividade física para que esta seja planejada, sistematizada
sendo motivacional e individual a cada aluno, sendo sempre positivo, com os
resultados divertido e bem-humorado nada em excesso, acreditar no aluno e
solicitar ideias e sugestões.
Atualmente, existe um grande número de espaços direcionados a
prática do treinamento resistido pelo Brasil, algumas destas utilizam imagem
de homens e mulheres em corpos esculpidos como atrativo para obter suas
vendas, entretanto, as imagens e propagandas não retratam os cuidados tão
necessários para com os praticantes. A avaliação física, em muitos locais, não
é exigida, levando os alunos apenas a se matricular e começar os programas
de exercícios sem respeitar necessidades de maneira individual.
A prática do exercício físico é propagada como meio de saúde,
entretanto, o início de um novo processo de treino requer que o praticante
obtenha parâmetros no início até final de seu último ciclo do treinamento,
uma parte de praticantes do treinamento resistido negligenciam o uso da
avaliação física devido não obterem informações concretas sobre aplicação da
mesma.
De forma similar, Guimarães Neto (2017, p. 75) orienta que:

A análise de um programa de treinamento deve ser o mais


completo possível. Por isso, em uma avaliação física prévia (que
não deve ser somente física), sugerimos que ao menos um tipo
geral de personalidade possa ser diagnosticado para que
possamos ter uma visão do que pode estar por vir.

Diante do exposto, a avaliação física ganha importância dentro


do processo didático em exercícios físicos, visto que é por meio desta, que os
anseios e necessidades podem ser mensurados, afim de que se possa

165
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

organizar um plano de exercícios efetivo, sendo necessária uma prescrição


efetiva para que se evite lesões, platô e frustrações de resultados.
O uso da avaliação física não deve ser visto como apenas um
papel de anotações sem finalidade, mas, como um respaldo para maior
segurança, já que é possível diagnosticar diversas alterações morfológicas ou
problemas de ordem da saúde em geral. Para os autores Foementin, Marques
e Abech (2013), tão importante quanto avaliar é reavaliar. A reavaliação
fornece a evolução do aluno, além de, ajudar a equacionar e elaborar melhor
o processo de treinamento.
Fatores como experiências anteriores com o treinamento
resistido, motivo de possível desistência e atividades desenvolvidas,
garantem a eficácia do processo de treino, sendo que, metas a curto e longo
prazo devem se relacionar aos interesses e necessidades dos alunos que
devem ser reavaliados posteriormente.

3.1 AVALIAÇÃO FÍSICA: TESTES, PROTOCOLOS E RESULTADOS

Pode-se considerar que a avaliação física é um conjunto de ações


sistemáticas com a intenção de organizar o início, meio e fim em um
programa de treinamento, entretanto, o uso da avaliação física, muitas vezes,
não é feito de forma consciente, alguns espaços não exigem que o
praticamente a faça. Outro ponto recorrente, é a falta de conhecimentos de
alguns profissionais da área, que pouco se interessam em realizar cursos de
atualização a respeito, ou a formação continuada necessária.
Na avaliação física se pode identificar desequilíbrios posturais,
metabólicos e funcionais, é por meio da avaliação física que se norteia e se
estrutura o treinamento. Efetivamente constatamos que no laboratório a
intervenção se dá em função de laudos médicos, PAR-Q 61 e anamnese62,
posteriormente, são realizados testes de capacidades físicas, nomeadamente:
força direta através do aparelho dinamômetro; flexibilidade por meio do

61 Trata-se de um Questionário que deve ser aplicado, antes do início de um programa de


atividade física regular, buscando identificar possíveis problemas ou restrições de saúde.
62 Configura-se como um diagnóstico complementar ao exame físico.

166
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

banco de wells, e a resistência avaliada por testes de marcha estacionária e


sentar e levantar, bem como peso e altura dos sujeitos.
Conforme Monteiro (2004) existem pelo menos cinco grandes
objetivos que norteiam avaliação física

a) obter parâmetros sobre o estado de saúde do avaliado; b)


diagnosticar potencialidades e deficiências referentes às valências
físicas a serem trabalhadas; c) orientar o trabalho
individualizado; d) servir como feedback durante todo o processo
de treinamento; e) integrar o processo educacional pelo qual o
avaliado aprende a compreender melhor suas necessidades,
levando-o a uma maior aplicação nos treinamentos e obtenção de
melhores resultados. (MONTEIRO, 2004, p. 23-24).

A condução de testes e a avaliação para coleta dos dados geram


informações objetivas sobre os pontos fortes e fracos das capacidades
fisiológicas e funcionais do aluno. Quando realizados de maneira correta,
esse processo possibilita que o profissional do exercício desenvolva o
programa de treinamento mais eficaz e apropriado ao atleta. No entanto, o
processo envolve muito mais do que a simples coleta de dados (MILLER,
2015. p. 13). Os resultados do treinamento de força aparecem assim, após
testes, protocolos e dentro da avaliação física aonde se investiga e prioriza os
princípios do treinamento.
A coleta de dados vai para além de um processo numérico,
perpassa por anamnese inicial e, os testes de capacidades físicas e avaliação
funcional, que asseguram a confiabilidade para que o resultado do objetivo
inicial seja concretizado. Além disso, estabelecer uma relação de confiança
para que o aluno se comunique com menos resistência no processo de
comunicação é uma ferramenta com a qual o professor de educação física
pode contar para obter parâmetros de quantificação da carga de treinamento.

3.2 A AVALIAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

O processo de avaliação física pode não deve ser acompanhado


apenas por professores de Educação Física. Partindo disto, em qualquer
processo que envolva exercício físico, intensidade, volume, repetições e carga

167
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

que se deva obter informações acerca do estado físico do aluno de forma bem
minuciosa, este tipo de avaliação só pode ser realizado com uma equipe
multiprofissional.

Quando encaminhar para uma avaliação multidisciplinar?


Quando, por algum motivo, seja fisiológico ou físico (detectado
na anamnese), o indivíduo não puder ser submetido a uma
avaliação sem auxílio de uma equipe multidisciplinar (médicos,
professores etc.) em local específico; Quando o indivíduo tiver 50
anos de idade ou mais e possuir um ou mais fatores de risco
(sedentarismo, fumo, colesterol e pressão arterial elevados,
percentual de gordura fora dos níveis normais e histórico
familiar) associados à coronariopatias; Quando indivíduos,
independentemente da idade, possuírem um ou mais fatores de
risco. Nesses casos, seria interessante que a pessoa procurasse um
médico e realizasse uma avaliação médica (FOEMENTIN;
MARQUES; ABECH, 2013, p. 22).

A avaliação física não deve se restringir apenas em medidas


corporais, e sim, em informações clínicas onde o avaliador possa obter laudos
exatos sobre a saúde do praticante, o check-up geral por meio de exames
como, por exemplo, cardíacos, exames ortopédicos e exames laboratoriais.
No caso específico do lócus de pesquisa, observou-se que, como
parte do processo de matrícula do aluno, se tem a obrigatoriedade da
apresentação de laudos comprobatórios relacionados à prática do exercício
físico emitidos por médicos. O espaço de observação conta com diversos
profissionais, entre os quais, um professor bioquímico e outro com formação
em fisioterapia, o que mostra a importância de uma equipe multiprofissional
no atendimento dos alunos.

3.3 DA PRESCRIÇÃO À PRÁTICA

No que concerne a prescrição, a observação extensiva dos treinos,


permitiu constatar que os resultados das avaliações de capacidades físicas
realizadas no início do trabalho são usados para estudos e os projetos de
pesquisa. As qualidades físicas do rendimento, nesse espaço, são trabalhadas

168
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

simultaneamente às investigações realizadas o que configura pesquisa e


extensão com finalidades únicas.
A investigação tem demonstrado que, capacidades físicas devem
ser geradas em um mesmo grau de importância. Ou seja, uma capacidade
física não deve ser prioritária em relação a outra, somente em casos especiais.
O planejar e a intervenção também devem ser em função do condicionamento
físico do aluno, a musculação desenvolve todas as qualidades de aptidão,
embora nem todas em graus máximos (SANTARÉM, 2012, p. 40).
No caso particular do laboratório, a tensão muscular é orientada
a ser próxima a falha concêntrica, a duração é sempre inversamente
proporcional a intensidade (que é sempre submáximo difícil) e a velocidade
deve estar em harmonia com o movimento, o aluno não deve estar em apneia.
O protocolo de treinamento proposto é realizado em duas vezes na semana,
predominantemente de hipertrofia/força máxima e durante um período de
seis meses. A respeito de fatores para que se possa (ou não) aumentar a carga
de treinamento de forma gradativa são dependentes do projeto de pesquisa
escolhido, são utilizadas, por exemplo, a percepção subjetiva de esforço,
escala subjetiva de dor e em alguns casos, a aferição da pressão arterial antes
e após a seção de treinamento.
O pressuposto da intervenção em intensidade submáxima difícil
requer uma atenção especial para a recuperação, sendo que a fadiga e a
alimentação estão diretamente relacionadas a esse fator. Alguns alunos
procuram “burlar”, não comunicando aos professores informações
necessárias aos professores.
No espaço investigado, a sistematização do planejamento em um
documento escrito é realizada em uma apresentação com banner. É entregue
como um dado adquirido ao final do período de trabalho dos professores e
estagiários, não sendo verificada a elaboração e utilização de um
planejamento com dados em contínua construção.
Diante dos achados, muitos profissionais da educação física
sofrem com diversas questões, desde espaços até protocolos adequados para
os diferentes grupos. A falta de avaliações funcionais, verificação se o sujeito
já praticou alguma atividade física anteriormente e os possíveis motivos de

169
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

desistência; se teve lesões ocasionadas pela atividade, ou até mesmo


informações básicas relativas ao monitoramento dos exercícios, afetam
diretamente o trabalho do professor, ao propor uma metodologia que leve em
consideração as particularidades de cada indivíduo.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao responder à pergunta sobre como o professor lida com o


conhecimento prévio dos alunos, o professor participante da pesquisa de
campo respondeu que ”Sempre uma boa argumentação cientifica ajuda,
quando a pessoa traz um artigo a gente conversa, ou a gente diz calma aí, o
que você trouxe não é tão cientifico assim, a gente conversa com a pessoa e
mostra”. Diante do que foi relatado pelo professor do laboratório por meio de
exemplos citados, identificou-se como apontam Fleck e Simão (2004) que
algumas pessoas, incluindo atletas acreditam que o treinamento de força
pode reduzir o nível de flexibilidade corporal, entretanto, isto não tem
comprovação cientifica. Na concepção dos autores, os praticantes de
treinamento de força, continuam com sua flexibilidade intacta, e até mesmo
aumentam a flexibilidade próximo as articulações ao executar o treinamento
de força diversas etapas devem ser respeitadas dentre elas, todo e qualquer
trabalho de força deve ser aliado e trabalhado em agonista e antagonista,
trabalhando todas os lados, e todas articulações, por consequência ocorrera o
aumento da flexibilidade e por efeito menores índices de lesões no
treinamento de força. Acredita-se que não houve coerência em sua resposta,
visto que, o aluno pode também trazer informações de execução para o treino
baseadas em evidências científicas. Porém, se ressalta que a condução do
professor é saber ouvir, pois o aluno também pode trazer conhecimento.
Ao ser consultado sobre quais considerações quanto a
importância de padrões fundamentais do movimento na planificação dos
exercícios, obtivemos a resposta de que

Alguns doutores que falam que todo treinamento é funcional, o


nosso laboratório aqui é funcional, aqui a gente trabalha
agachamento, o agachamento é para a pessoa andar, sentar,

170
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

correr, se locomover, aqui se trabalha, musculo, tendões, tudo vai


fortalecer e melhorar. Exemplo tem pessoas aqui que em seu dia a
dia, que não conseguem andar por mais tempo, não conseguem
carregar crianças. Aqui a gente faz o exercício, seguindo os
padrões anatômicos, o mais natural possível. (PROFESSOR,
2019).

Para Fleck e Simão (2004) o benefício mais visível no


treinamento de força é o aumento da própria força muscular, esses benefícios
podem ser evidenciados em atletas e pessoas que não são atletas, um exemplo
prático é subir as escadas. Se entende o posicionamento do professor
participante, e acredita-se que os benefícios estão bem evidentes na
literatura. Reforçamos sua afirmação "o agachamento é para a pessoa andar,
sentar, correr, se locomover, aqui se trabalha, musculo, tendões, tudo vai
fortalecer e melhorar’’ visto que muitos profissionais replicam fichas de
treino, sem entender quais os interesses do aluno, perante suas patologias e
necessidades.
Ao relatar a forma que monitora o exercício descreve do seguinte
modo:

Vai depender da pesquisa que está sendo feita, exemplo pressão


arterial antes, durante o exercício e depois, já sabemos que o
exercício aqui não eleva tanto, tem pessoas que aqui fizeram
trabalho de glicemia, a gente comparou antes, durante e depois,
vai depender da pesquisa mesmo, aqui a preocupação é sempre se
a pessoa está bem, se está alimentada, se dormiu bem, mas
sempre tem alguns que tentam burlar, aí falam para o estagiário e
o estagiário nos comunica. (PROFESSOR, 2019).

O ciclo de supercompensação deve ser entendido como a base


para a elevação funcional da eficiência do desempenho atlético (BOMPA,
2002). Este autor esclarece que este ciclo não se verifica quando: 1) o período
entre dois estímulos é muito longo; ou 2) se trabalha cumulativamente em
fadiga, por não se perspectivar com atenção necessária a recuperação. Dado o
exposto acima, pode-se concluir que a relação entre as componentes da
“carga” direciona-se para a gestão do esforço e potenciação da recuperação
dos alunos.

171
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

A preocupação com fatores relacionados a educação em saúde se


torna evidente quando é afirmado pelo professor que ”A preocupação é
sempre se a pessoa está bem, está alimentada, se dormiu bem, mas, sempre
tem alguns que tentam burlar, aí falam para o estagiário e o estagiário nos
comunica”. Verificou-se durante as observações que as respostas para tais
perguntas eram sempre afirmativas aos professores, enquanto que os alunos
respondiam com sinceridade para os monitores do projeto.
De acordo com os princípios do treinamento, a sobrecarga, foi
uma das quais primeiro apareceu no treinamento de força, o professor
informa como trabalha no laboratório que

Através da progressão de cargas, como aqui o tempo é pouco, o


máximo e quarenta há, uma hora, aqui a gente trabalha com
aumento de carga, peso, amplitude. A gente trabalha evitando
com que a pessoa, não trabalhe em apneia. Aqui, a gente ver os
gestos motores, se a pessoa está fazendo muito rápido, e se a
pessoa está em harmonia com o movimento. Se a gente ver q a
pessoa está fazendo o agachamento errado a gente vai lá e
conversa. (PROFESSOR, 2019).

Considera-se que demasiados estímulos de intensidade máxima


podem levar à exaustão e a um decréscimo no desempenho, tornando-se
necessário que dias de treino com estímulos de alta intensidade alternem
com dias de baixa intensidade, potenciando a recuperação (BOMPA, 2002).
Foi perguntado ainda de que maneira acontece a intervenção no laboratório
no que se refere ao princípio da sobrecarga, um dos aspectos técnicos da
prescrição, e a resposta foi: ”Aqui a gente vê os gestos motores, se a pessoa
está fazendo muito rápido”, com isso é constatada a importância do contato
diário dos professores com o aluno para a efetividade do processo de treino.

CONCLUSÃO

O trabalho do professor de Educação Física em espaços


direcionados ao treinamento resistido vai muito além de uma ficha de treino
preenchida de forma aleatória, o mesmo deve ter critérios e métodos de
trabalhos conscientes que norteiam seu trabalho didático.

172
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

Avaliar para prescrever e planejar para obter resultados, nesta


perspectiva, os professores devem estruturar suas atividades em eixos, dentre
eles educação em saúde, educação postural e do movimento. Portanto, a
elaboração do planejamento deve beneficiar ao aluno não somente ao lado
funcionalista, mas sim de forma global.
Os trabalhos desenvolvidos pelos professores devem ser
esclarecidos e conduzidos com responsabilidade, podendo assim, assegurar
que os princípios do treinamento juntamente aos pedagógicos possam gerar
resultados e concretização dos objetivos.
É evidente que muitos professores não têm uma linha concreta de
objetivos traçados e que muitos não prescrevem de forma didática, e sim,
replicam treinos prontos, sem levar em considerações os princípios do
treinamento e objetivos do aluno.
Os resultados obtidos pela pesquisa refletem a necessidade de se
obter conhecimentos de diversas áreas desde as disciplinas de humanas as
disciplinas biológicas, para que desta forma, ao prescrever, o professor possa
ter elementos didáticos para trabalhar.
Ressalta-se a importância de disciplinas essenciais que norteiem
o trabalho do professor de educação física, dentre elas, as disciplinas de
formação docente. O treinamento resistido não pode se restringir unicamente
para a pratica pela prática, mas sim, em uma série de investigações.
Verificou-se que, o contato diário com os alunos está diretamente
relacionado a atuação do professor nesses espaços, a organização didática
deve ser pautada em uma prática reflexiva, aonde os sujeitos devem tomar
consciência de suas ações bem como de outros fatores que influenciam em
sua saúde como saneamento, moradia dentre outros, que constituem o
conceito amplo de saúde.
A transmissão de conteúdos de forma tecnicista não foi
observada, houve a preocupação em se observar parâmetros subjetivos e, os
conteúdos obtidos pelos alunos eram verificados e debatidos com os
professores, algo que se considera relevante para a manutenção do processo
de treino de forma crítica e consciente.

173
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Percebe-se que o treinamento resistido sofreu diversas


consequências com o tempo, desde sua origem, aplicação até sua função
como promovedora de conhecimento corporal e saúde, entretanto pouco se
reflete em salas de musculação sobre o TR. Deste modo, o planejamento é
uma ação essencial em programas de exercícios, junto a orientação do
professor de Educação Física no qual deve expor os benefícios da avaliação
física e os resultados.
O presente estudo se presta como encorajamento para outros
trabalhos que discutam o TR e o planejamento didático em salas de
musculação. Diante dos expostos, sugere-se a leitura em diversas áreas, desde
a pedagógica até ao treinamento físico, o que evita o reducionismo no trato
pedagógico com a orientação do treinamento resistido.

174
Souza, Fernandes, Kaneko e Soares (2020)

Critical issues to consider in the teaching organization of Physical Exercises in


Endured Training

Abstract: The didactic processes necessary to safeguard the health and prolong the
benefits of training was not always the focus of the application of strength training.
The organization of teaching work in this environment is directly related to the
effectiveness of training, as stated by Bompa (2001) and Santarém (2012). This
article carries out field research that uses bibliographic study and strives for the
qualitative approach with content analysis of the collected data. The study was
developed for two weeks with the observation of the didactics of the training
application. It concludes that there is a need to obtain pedagogical and biological
knowledge so that when prescribing the training, the teacher has didactic elements
for effective intervention with a training plan built together with the student to
guarantee their health condition.
Keywords: Resistance Training. Didactic Planning. Reflective Practice.

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Otimizando o treinamento de força: 2018. Dissertação (Mestrado em
programas de periodização não-linear. Educação) – Universidade do Estado do
Barueri: Manole, 2008. Pará, Belém, PA, 2018.

FLECK, Steven; SIMÃO, Roberto. Força: MONTEIRO, Walace D. Personal


Princípios metodológicos para o training: manual para avaliação e

175
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

prescrição de condicionamento físico. 4.


ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2004.

OLIVEIRA, Vitor. M. de. O que é


Educação Física. 11. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1998.

PRESTES, Jonato et al. Prescrição e


periodização do treinamento de força
em academias. 2. ed. Barueri: Manole,
2016.

ROCHA, Alexandre C.; GUEDES


JÚNIOR, D. P. Avaliação Física: para
treinamento personalizado, academias e
esportes: uma abordagem didática,
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todas as idades. Barueri: Manole, 2012.

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Porto Alegre: Artmed, 2002.

176
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Educação Especial na teoria


Educação de Corpo Inteiro:
possibilidades e ressignificações

Inara Maria Rolim Tavares (UEPA) *


Suzelli Helena Borges Raiol (UEPA) **
Higson Rodrigues Coelho (UEPA) ***

Resumo: Este estudo compreende a teoria pedagógica Educação de Corpo Inteiro nas suas
possibilidades e ressignificações para a educação especial. Esta proposta surgiu a partir
das vivências investigativas propostas pelo Programa de Residência Pedagógica vinculado
ao Curso de Licenciatura em Educação Física, Campus de Tucuruí da Universidade do
Estado do Pará, no subprojeto Práticas Pedagógicas da Educação Física: para além da
pedagogia do toma a bola. Objetiva verificar as contribuições da Teoria Educação de
Corpo Inteiro na Educação Física brasileira para a Educação Especial. Este objetivo maior
se desdobrou nos seguintes objetivos específicos: a) (re) conhecer o percurso da Educação
Especial; b) identificar possibilidades pedagógicas para a Educação Especial por meio da
Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro. O estudo utilizou-se da pesquisa de cunho
bibliográfico exploratório, pelo fato de ter como principal finalidade desenvolver,
esclarecer e tentar relacionar conceitos e ideias para a formulação de temas
ressignificados na apropriação de atividades lúdico pedagógicas como tecnologias
educativas para a educação especial sob os parâmetros da Educação de Corpo Inteiro. A
partir dos dados analisados ao longo do estudo, foi possível evidenciar as contribuições
da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro para a Educação Especial,
fundamentadas nos princípios desta teoria, tais como: alfabetização corporal, cognição,
motricidade, socialização e afetividade. A partir dos quais foi possível estabelecer uma
relação pedagógica entre a educação especial e a ressignificação de temáticas e dos
conteúdos propostos na teoria Educação de Corpo Inteiro.
Palavras-chave: Educação Especial. Educação de Corpo Inteiro. Ressignificações.

* Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: inararolim08@gmail.com


** Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: suzelliraiol28@gmail.com
*** Doutor em Educação (UFF). Professor no Curso de Educação Física da Universidade
do Estado do Pará. E-mail: higson.coelho@uepa.br

INTRODUÇÃO

estudo em tela compreende as possibilidades educacionais da

178
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

teoria pedagógica Educação de Corpo Inteiro voltada para a Educação


Especial. Esta proposta surgiu a partir das vivências investigativas propostas
pelo Programa de Residência Pedagógica vinculado ao Curso de Licenciatura
em Educação Física, Campus de Tucuruí, da Universidade do Estado do Pará,
no subprojeto “Práticas Pedagógicas da Educação Física: para além da
pedagogia do toma a bola”.
Para tanto, justifica-se a partir da necessidade no
aprofundamento do tema em questão por reconhecer sua relevância para a
atuação do profissional de Educação Física no âmbito escolar. Nesse sentido,
a explanação do estudo nos possibilitou problematizar: como a Educação de
Corpo Inteiro abarca a Educação Especial e qual o papel da Educação Física
na Educação Especial, segundo esta teoria pedagógica?
Esta pesquisa tem como objetivo identificar as contribuições da
Teoria Educação de Corpo Inteiro na Educação Física brasileira para a
Educação Especial. Este objetivo maior se desdobrará nos seguintes objetivos
específicos: a) (re) conhecer o percurso da Educação Especial; b) identificar
possibilidades pedagógicas para a Educação Especial por meio da Teoria
Educação de Corpo Inteiro.
Face aos apontamentos e/ou questionamentos iniciaremos este
elaborado discorrendo sobre a Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro.
Por teoria pedagógica entende-se como,

[…] a construção humana para explicar metodicamente a área de


conhecimento chamada de aprendizagem, uma maneira particular
de ver as coisas, de esclarecer o ponto de vista de um autor ou de
um pesquisador sobre como interpretar um tema de
aprendizagem, sobre quais são as variáveis independentes,
dependentes e intervenientes e explicar o que é aprendizagem e
como funciona. (COSTA; FONSECA, 2016, p. 23).

A busca pela explicação e funcionamento da teoria pedagógica


Educação de Corpo Inteiro é o propósito deste estudo. Esta Teoria conhecida
no senso comum de construtivista63 e/ou sócio construtivista fez com que

63 Na Teoria Construtivista, Piaget enfatiza o desenvolvimento cognitivo, que imbrica na

interação entre o sujeito e o objeto resultando no conhecimento em uma relação permanente.


O Construtivismo se opõe às concepções inatistas e comportamentalistas sobre os processos de

179
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

seu idealizador fosse reconhecido como representante do construtivismo no


âmbito da Educação Física. Entretanto, tal caracterização é negada
constantemente por Freire, por tal motivo, denominamos a Teoria
Pedagógica, conforme a sua produção teórica, quais sejam: Educação de
Corpo Inteiro; Educação como Prática Corporal ou mais recentemente, de
Oficinas do Jogo.
A Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro, surgiu a partir
de 1980, como uma proposta de ensino divergente da pedagogia tradicional
entendida por Freire como uma Educação voltada para a aptidão física e o
tecnicismo. Em contra partida, seus pressupostos firmam-se no sentido da
não restrição dos movimentos, de priorizar a relação cultural, social e
pedagógica estruturada em defesa dos direitos de todos, com a finalidade de
promover a participação dos alunos de forma crítica, valorizando o sentido
de igualdade e reafirmando a necessidade do comprometimento da escola
com os mesmos.
Para Freire (1989), a criança quando matriculada em uma escola
deve ser compreendida como um indivíduo em sua totalidade, de corpo e
mente, elementos que integram o mesmo organismo. O ambiente escolar deve
tornar oportuna a liberdade de movimentos, a não padronização destes, no
intuito de formar cidadãos emancipados, solidários e promotores da justiça
social, além de se beneficiarem das atividades lúdicas para o processo de
aprendizagem.
A aula deve ser um espaço que possibilite à criança vivenciar o
lúdico por meio do jogo em suas relações individuais e interpessoais. O jogo
relacionado às atividades livres contribui para o divertimento e a
espontaneidade, mas não deve ser visto apenas como brincadeira, pois
favorece o desenvolvimento dos aspectos físicos, cognitivo, social, afetivo e
moral (FREIRE, 2005).
Por meio do Jogo, Freire acredita que é possível superar
paradigmas sociais com atos pedagógicos. O jogo seja este, simbólico, de

aquisição do conhecimento à medida que pressupõe que a aprendizagem só tem significação


por meio das combinações entre a hereditariedade e as experiências adquiridas através das
circunstâncias oferecidas pelo meio (SANCHIS, 2007).

180
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

construção, de regra, cooperativo ou jogo pré-desportivo, pode ser uma


importante ferramenta nas aulas de Educação Física no auxílio da prática
pedagógica dos professores, principalmente quando se tem na escola turmas
em processo de inclusão, podendo o professor tomar este conteúdo como um
significativo auxílio em seus momentos áulicos.
Sobre o jogo, Canavarolo e Alencar (2016), afirmam ser este um
recurso integrador de fundamental apoio à aprendizagem para o qual é
possível desenvolver e disponibilizar na Educação Especial, jogos adaptados
no sentido concreto de minimizar as barreiras impostas pela deficiência e
possibilitar à inserção de pessoas com deficiência em ambientes ricos à
aprendizagem.
Na Educação Especial, o ambiente de aprendizagem deve
respeitar identidade, diferença e diversidade, pois, simbolizam benefícios
sociais que auxiliam o surgimento e o estabelecimento de relações de
solidariedade e colaboração na inclusão escolar, auxiliando o processo de
ensino e aprendizagem. Assim, características próprias são reconhecidas e
valorizadas (CAMARGO, 2017).
Neste sentido, as turmas regulares em processo de inclusão
aglutinam diversificados déficits educacionais, para além da inclusão de
alunos com deficiências. Portanto, o respeito aos direitos e as relações sociais
educativas de todos, sem exceção, têm o sentido de valorizar sujeitos ativos e
transformadores no processo de inclusão escolar. É a partir destes
pressupostos que aprofundaremos os elementos sobre a educação especial na
educação brasileira e, especificamente, as contribuições da teoria Educação
de Corpo Inteiro para esta modalidade de ensino.
Para a realização deste estudo utilizou-se a pesquisa de cunho
bibliográfico e exploratório, pelo fato de ter como principal finalidade
desenvolver, esclarecer e tentar relacionar conceitos e ideias, para a
formulação de abordagens mais condizentes com o desenvolvimento de
estudos posteriores. Por esta razão, a pesquisa exploratória constitui a
primeira etapa do processo, pois visa tornar familiar tanto o assunto quanto
o tema a ser investigado (GIL, 2002).

181
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL:


CONTEXTO HISTÓRICO E ASPECTOS LEGAIS

Sob fortes influências dos desdobramentos educacionais na


Europa e Estados Unidos, a Educação Especial no Brasil se encaminhou
desde o século XIX, quando alguns brasileiros organizaram serviços de
atendimentos para cegos, surdos, deficientes mentais e deficientes físicos. A
partir de 1900, após as publicações de importantes trabalhos sobre a
educação de deficientes mentais, deram início as pesquisas científicas e ao
atendimento de pessoas com deficiência.
Entretanto, na política educacional a Educação Especial começou
a ser desenvolvida a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, já
no século XX (STRAPASSON; CARNIEL, 2007). Os autores afirmam que em
1950, já existiam quarenta instituições de ensino que prestavam atendimento
educacional especial a doentes mentais, dentre as quais se destacaram, o
Colégio dos Santos Anjos, a Escola Especial Ulisses Pernambuco, o Instituto
Pestolazzi, o Grupo Escolar Paula Soares, a Fundação Dona Paulina de Souza
Queiroz e o Grupo Escolar Visconde de Itaúna.
Mendonça (2015) afirma que o advento da Educação Especial no
Brasil decorre de um processo de transformações no cenário da Educação,
fruto de mudanças significativas abarcando desde a Educação Infantil até as
Universidades. Inclusive alterações da legislação que avançaram no sentido
de incluir pessoas com deficiências no âmbito das políticas públicas.
No Brasil, estas transformações se encaminharam principalmente
no âmbito da escola especial e inclusiva para o atendimento de alunos com
deficiências. Este atendimento é assegurado em diversas legislações
brasileiras que norteiam sobremaneira os aspectos pedagógicos envolvidos.
Neste contexto, compreende-se a Educação Especial como,

[...] uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis,


etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional
especializado, disponibilizando recursos e serviços e orienta
quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas
turmas comuns do ensino regular. (BRASIL, 2008, p. 7).

182
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

Participam dessa modalidade de ensino regular os estudantes


público-alvo da educação especial, ou seja, com deficiência (visual, auditiva,
física e intelectual) com transtorno global de desenvolvimento e com altas
habilidades ou superdotação (BRASIL, 2015).
A Educação Especial realiza um atendimento educacional que
provê meios técnicos e humanos de forma a compensar as deficiências de que
sofrem os alunos. Assim, permite aos estudantes contemplar e participar do
processo de aprendizagem num ambiente que prioriza o ritmo que vai ao
encontro das suas capacidades (MENDONÇA, 2015).
Esta modalidade de Ensino divide-se em dois momentos, quais
sejam: “o primeiro caracterizou-se por iniciativas governamentais isoladas ou
particulares e compreendeu os anos de 1854 a 1956; e o segundo
caracterizou-se por iniciativas de âmbito nacional que se desenvolveram a
partir de 1957 e se mantiveram até os dias atuais” (DOMINGUES;
DOMINGUES, 2009, p. 5).
As iniciativas de atendimento para pessoas com deficiência a
nível nacional foram propostas durante os anos de 1950 e 1960, promovidas
pelas Campanhas Nacionais, como a Campanha para a Educação do Surdo
brasileiro, a de Educação e Reabilitação de Deficientes da visão, a de
Educação e Reabilitação de deficientes mentais (DOMINGUES;
DOMINGUES, 2009).
Nas décadas posteriores, outras iniciativas reafirmaram a
importância e o direito à educação especial, culminando com promulgação da
Constituição de 1988, que assegurou a obrigatoriedade da Educação Especial
e posteriormente regulamentada pelo capítulo V, nos artigos nos artigos 58,
59 e 60, da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Coadunando com os pressupostos contidos nas Declarações mundiais
de Jomtien (1990) e de Salamanca (1994). E no âmbito da operacionalização
da educação especial foi ratificada por meio do Plano Nacional de Educação.
(CARVALHO; BARRIENTOS; TENÓRIO DE JUNIOR, 2017; DUARTE et al.,
2014).
Quanto ao seu caráter inclusivo, a educação especial, é um
paradigma aplicado tanto aos espaços físicos quanto os simbólicos. Os grupos

183
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

de pessoas, nos contextos inclusivos, têm suas características


idiossincráticas, ou seja, características próprias reconhecidas e valorizadas
(CAMARGO, 2017). Percebe-se que a materialidade da educação especial e
inclusiva se pauta na efetivação dos direitos conquistados ao longo dos anos,
assim como, pela atuação estratégica e sensível de educadores que priorizam
e otimizam a participação de alunos com deficiência nas aulas.

EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO E EDUCAÇÃO ESPECIAL:


JOÃO BATISTA FREIRE EM FACE A VIDA

Inicia-se trazendo a perspectiva de educação e de vida de João


Batista Freire, que se autodeclara um trabalhador, acreditando que a vida
deve ser equilibrada em dois polos. O primeiro: aprender a usufruir da vida,
uma vez que nascemos para isso e temos o compromisso ético de viver; o
segundo, é de repor aquilo que consumimos da vida, pelo trabalho (FREIRE,
2011).
Freire acredita que o equilíbrio de estar bem com a vida, gozar a
vida, usufruir da vida e trabalhar para tornar ao mundo sustentável é o que
procura fazer de sua vida, caracterizando-a agindo desta maneira, se
intitulando um trabalhador e gozador da vida (FREIRE, 2011).
João Batista Freire formou-se em Licenciatura em Educação
Física pela Faculdade de Educação Física de Santo André e concluiu o seu
doutoramento em 1991, pela Universidade de São Paulo com o título: O
sensível e o inteligível: novos olhares sobre o corpo. A partir da sua tese foi
lançado o livro “Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da Educação
Física”, pela editora Scipione, em 1989, com fortes influências da teoria
construtivista de Jean Piaget.
Freire é reconhecido nacionalmente pelas suas contribuições
teóricas para a Educação Física, sendo o principal autor da teoria pedagógica
Educação de Corpo Inteiro. Esta teoria teve seus constructos iniciais ao longo
da década de 1980, que divergiu diametralmente da pedagogia tradicional, em
que Freire se propõe a priorizar a relação cultural, social e pedagógica.
A teoria de Freire está estruturada na defesa dos direitos de todos

184
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

os alunos, com a finalidade de promover a participação, igualdade e a


necessidade do comprometimento do corpo escolar. Para tanto, este estudo
se vale das obras 64 que consideramos essenciais para a consecução e
consolidação da Educação de Corpo Inteiro enquanto teoria pedagógica da
Educação Física, conforme visualizamos no quadro abaixo:

Quadro 1 – Produções em livros de J. B. Freire


Título Síntese Ano
Proposta da Teoria e Prática da Educação Física,
Educação de Corpo tratando da atividade corporal como o elemento
Inteiro: teoria e prática de ligação entre as representações mentais e o 1989
da Educação Física mundo concreto, real, com o qual o sujeito se
relaciona.
Propõe a ideia do corpo como um todo integrado
De Corpo e Alma: o
em que a matéria e o espírito, o sensível e o
Discurso da 1991
inteligente devem ser pensados como parte de um
Motricidade
mesmo processo.
Aborda o fenômeno do futebol na sociedade
brasileira, caracterizado na sua possibilidade de
ensino–aprendizagem, ou seja, na sua pedagogia.
Pedagogia do Futebol 1998
Priorizando o mundo da bola, em busca de trazer
cultura futebolística do brasileiro para dentro da
escola.
O Jogo: entre o riso e o Elenca o jogo como ferramenta pedagógica capaz
2002
choro de compensar carências do ser humano.
Apresenta uma sugestão de planejamento
Educação como Prática curricular organizado por temas, subtemas e
2003
Corporal atividades, distribuídos por series ou ciclos, da
Educação Infantil ao Ensino Fundamental
Aborda o fenômeno do futebol na sociedade
brasileira, caracterizado na sua possibilidade de
ensino–aprendizagem, ou seja, na sua pedagogia.
Pedagogia do futebol 2003
Priorizando o mundo da bola, em busca de trazer
cultura futebolística do brasileiro para dentro da
escola.
Fonte: Autoria própria.

Freire iniciou seus estudos, analisando a dicotomia da relação

64 Obras de João B. Freire não encontradas: Caderno de Educação Física: a primeira infância

(1985). De cuerpo y alma (1997). O Jogo dentro e fora da Escola (2005). Iniciação Esportiva;
esporte escolar (2005). De Dedos Cruzados (2014).

185
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

corpo e mente presente na escola, sobre a qual expôs sua insatisfação diante
do sistema de ensino tradicional. Freire afirma que "corpo e mente devem ser
entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos
devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o
corpo) para transportar, mas ambos para emanciparem-se" (FREIRE, 1989, p.
13).
A partir de sua insatisfação perante o sistema educacional, o
autor fez críticas à imobilidade corporal nas escolas, no que diz respeito às
aulas serem ministradas em um determinado espaço que mantenha os alunos
por horas em apenas uma posição; a escola não deve trabalhar apenas a
mente como fator de aprendizagem, mas também utilizar como instrumento o
corpo.
Freire contrapõe os pressupostos de educação tradicional com
uma proposta educacional emancipatória que possibilite indagações, troca de
ideias, ação, criatividade e ludicidade, favorecendo os educandos quanto aos
aspectos relacionados ao respeito, justiça, solidariedade, motricidade,
confiança e cooperação nas aulas de Educação Física.
Nesse sentido, a escola deve ser um espaço construído em torno
da compreensão do mundo, dos objetos, da criação, do senso comum, do
ensino e da aprendizagem (FREIRE, 2009), numa relação dialógica entre o
saber formal e informal, conforme anuncia a seguir,

[...] uma das exigências da escola é que a criança aprenda os


conteúdos escolares, ou seja, o saber formal, cientificizado.
Sabemos também que a criança vem de um ambiente lúdico e
informal (quando ela tem oportunidade de criar seu ambiente de
criança). Porém, na maioria das vezes, a escola não oferece a
possibilidade de intermediação entre o conhecimento informal
adquirido no universo cultural da criança e o conhecimento
formal da escola. (FREIRE, 2009, p. 128).

Freire priorizou metodologias pedagógicas que superem o vínculo


com a educação tradicional ou formal, valorizando o universo da cultura
infantil. Considerando os sujeitos como parte do meio educacional,
envolvendo alunos, professores, pais, administração e o ambiente na rotina
dos escolares.

186
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

Para o referido autor, a criança necessita preferencialmente,


encontrar na escola um espaço para agir com liberdade, sendo capaz de viver
corporalmente todas as suas interações e relações com outros corpos e
objetos, entendendo-se, por isso, a Educação de Corpo Inteiro.
Freire, em suas premissas, discorre sobre a relação de interações
com objetos, observando as fases do desenvolvimento infantil baseado nas
concepções de Piaget. Ressalta que a criança a datar do surgimento da
linguagem, faz uso dos símbolos e representações mentais. Devendo a escola
propiciar o fazer juntamente com o compreender. Nessa perspectiva,
relacionar a dimensão simbólica e representativa na atividade corporal. Haja
visto que, a criança transforma em símbolos as vivências que são
experimentadas corporalmente:

[...] o corpo, sem dúvida alguma, tem uma infindável capacidade


de educar-se. Não se pode e nem se deve negar, sob pena de
continuarmos a prejudicar a educação das crianças, a inteligência
corporal, componente fundamental no processo de adaptação dos
seres humanos ao seu meio ambiente. (FREIRE, 1989, p. 83).

Para Freire, a educação corporal da criança implica em sua


interação com o meio ambiente através da ação corporal, do jogo e da
atividade física. Por conseguinte, o autor elege a Educação Física como a
disciplina do currículo escolar que traz um debate sobre variadas propostas,
tais como: favorecer um ambiente lúdico, estimular a criatividade, a
moralidade e a sociabilidade através da proposta do jogo.
Contudo, a Educação Física cuida da consciência corporal,
elencando questões coletivas com o intuito de incentivar a ousadia, a
emancipação e a autonomia inerentes aos desafios de qualquer cidadão. A
proposta do autor sugere que a educação seja uma prática corporal, dirigida
tanto ao indivíduo quanto a sociedade, para formar cidadãos acessíveis uns
aos outros e disponibilizar seu repertório de conhecimentos (FREIRE, 2009).

PERSPECTIVA DE JOÃO BATISTA FREIRE PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA

A Educação Física atua como qualquer outra disciplina da escola,

187
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

garantindo aos alunos se estruturarem diante do processo de ensino e


aprendizagem, através de possibilidades educacionais, promovendo uma
pedagogia integrada por meio da utilização de recursos motores e intelectuais
(FREIRE; SCAGLIA, 2003).
Levando em consideração a educação corporal interligada ao
processo de ensino, o papel da Educação Física versa sobre uma educação
que envolve a educação de corpo inteiro, permitindo o movimento
intencional ou o não se movimentar também como maneira de educar o corpo
integral.
Assim, não se trata de uma disciplina que engesse ou restrinja o
movimento corporal do aluno, mas sim uma educação que envolve o corpo
inteiro. Entendendo-se como uma relação de um corpo com outros corpos,
objetos e espaços, por meio do qual transcenda conceitos de alfabetização
corporal, cognição, motricidade, socialização e afetividade (FREIRE, 1997).
O desenvolvimento cognitivo da criança exige um esforço do
professor, no intuito de garantir um espaço no qual seja possível agir com
autonomia e de forma inteligente, priorizando a inteligência corporal. Assim,
a formação do pensamento lógico garante a adequação de ações práticas,
fornecendo bases que evidenciem fundamentos para motricidade, como
também para o intelecto (FREIRE, 1997).
Quanto ao desenvolvimento do aspecto motor para os alunos da
educação especial, Almeida (1995), enfatiza ser necessário que o profissional
de Educação Física elabore estratégias de aprendizagem, no intuito de
favorecer o desenvolvimento integral da criança independente de sua
deficiência, atentando para distintas dificuldades motoras e apontando para a
relação entre aluno e meio como facilitador no desenvolvimento da
motricidade.
A complexidade do conceito de motricidade, diz respeito ao
movimento que é construído no instante que se apresenta uma necessidade
de agir, de adaptar-se ao meio ao qual está inserido, como uma maneira de
conseguir construir transformações capazes de orientar o ser humano para a
vida. O movimento/ação corporal e intelectual são produções corporais
relacionadas às interações do indivíduo com o meio (FREIRE; SCAGLIA,

188
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

2003).
As interações quanto aos aspectos socializadores, devem
proporcionar à criança, convívios sociais visando os desejos e interesses da
maioria. Consequentemente, essa ação transige ou diminui a vontade própria,
para que se estabeleça um grau de socialização conciliável com o mundo. As
relações sociais devem ser levadas em conta como uma análise qualitativa
observada pelo educador nas verbalizações entre as crianças e o educador
(FREIRE, 1997).
O educador tem sua afetividade colocada em evidência durante a
realização da atividade de Educação Física. A afetividade diz respeito ao
espaço de sentimentos, das emoções, por onde é possível transitar medo,
sofrimento, interesse e alegria. Assim, Freire (1997), propõe que “é preciso
mais que um conhecimento metódico de técnicas de dar aula para formar um
educador, seja em sala de aula, seja no pátio de Educação Física. Uma relação
educativa pressupõe o conhecimento de sentimentos próprios e alheios”
(FREIRE, 1997, p. 171).
Esse conhecimento a mais que Freire nos fala, é potencializado
quando tratamos com a Educação Física na Educação Especial. Para
Magalhães et al. (2016) as atividades nas aulas de Educação Física,
proporcionam aos alunos com deficiência, ganhos significativos de
autoconfiança e autoestima, contribuindo para autonomia e independência,
visando a melhoria do desenvolvimento social, afetivo, cognitivo e motor,
além de estabelecer uma relação educativa que estimula a interação com o
meio.
A relação educativa que respeita o sentimento próprio e alheio é
uma das características a serem consideradas no processo da educação não
excludente, na qual seja possível a inclusão de crianças com deficiência
respeitando as diferenças e priorizando a participação ativa nas aulas de
Educação Física.
A Educação Física, neste contexto, encarrega-se de estabelecer
bases para a efetivação da inclusão e sua prática observando políticas
estabelecidas, diante a superação de um passado excludente. A área inclusiva
abarca diferentes dimensões e características dos escolares, garantindo o

189
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

acesso à educação de forma contínua. Orienta assim, as relações de


acolhimento, a aceitação das diferenças, o esforço coletivo e permite a
equiparação de oportunidades para um desenvolvimento com qualidade
(CARVALHO et al., 2017).
Duarte et al. (2015) destaca que os elementos que norteiam a
Educação Física no processo inclusivo consideram aspectos como: restrições
funcionais e fisiológicas do aluno com deficiência, de modo a oportunizar
movimentos mais favoráveis e possibilitar a superação de suas
potencialidades.
Para tanto, é necessário que o/a professor/a de Educação Física
assuma seu papel de facilitador/a do processo de aprendizagem, com a
finalidade de proporcionar oportunidades e vivências motoras. O/a
professor/a de Educação Física como facilitador/a visa a melhoria na
independência e autonomia dos alunos com deficiência, estimulando a
socialização e priorizando atitudes de respeito, solidariedade e aceitação.

A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO PARA EDUCAÇÃO ESPECIAL

A Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro contribui para


diversos ramos educacionais, e tem influência sobre o campo da pedagogia.
Haja visto, que suas obras se encaminham para tratar de novas possibilidades
de ensino, valorizando elementos da cultura infantil, excepcionalmente o
jogo, evidenciando a contribuição deste para o desenvolvimento da
aprendizagem e na conformação de cidadãos.
Para Freire, a educação tem por finalidade construir cidadãos
colaboradores, afetivos, carinhosos e com senso de justiça. No entanto,
reprova o modelo da Educação Tradicional, defendendo que é imprescindível
ultrapassar obstáculos entre os prédios escolares e os fatos ocorridos no
mundo, conciliando a construção do cidadão e suas relações com a sociedade.
Apesar de identificar contradições existentes no âmbito social, o
autor acredita que é possível superar esse paradigma social com atos
pedagógicos. Indicando capacidades que norteiam a libertação dos cidadãos
através das práticas lúdicas de jogo. Enfatiza-se que as práticas lúdicas além

190
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

de proporcionar alegria e prazer daqueles que as praticam. Contribui ainda


no processo de desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social do
indivíduo (SOARES, 2010).
As atividades lúdicas são práticas importantes para o
desenvolvimento do sujeito, independentemente de suas limitações. Uma vez
que, durante a realização das atividades lúdicas não há por parte de quem as
pratica, um olhar para o diferente, especificamente relacionando para o aluno
com deficiência (SOARES, 2010).
Portanto, quaisquer atividades lúdicas, sejam estas, brincadeiras,
jogos ou brinquedos cantados, contribuem para o processo de ensino e
aprendizagem na educação especial, pois durante a brincadeira ocorre o
processo de integração entre as crianças, troca de ideias, estímulos ao
compartilhamento, cooperação umas com as outras e o respeito dos limites
impostos por elas mesmas.
Para tanto, Freire e Scaglia (2003), em sua obra Educação como
Prática Corporal, elaboram sugestões curriculares como forma de auxílio aos
professores frente ao processo de aprendizagem e integração. Nesta obra,
foram dispostos 22 temas selecionados (ver quadro 2), flexíveis e de fácil
compreensão para os quais é possível a adequação da escola de acordo com
os objetivos da aprendizagem.

Quadro 2 – Sistematização dos Temas Curriculares

TEMAS
1. Sensibilização Corporal 12. Atividades de Percepção Corporal
2. Jogos Simbólico 13. Relaxamentos
3. Jogos de Construção 14. Alongamentos
4. Jogos de Regras 15. Lutas
5. Rodas Cantadas 16. Ginásticas
6. Brincadeiras Populares 17. Danças
7. Ginástica Geral 18. Atividades Alternativas
8. Dança Folclórica 19. Esportes Individuais
9. Lutas Simples 20. Esportes com Raquetes
10. Jogos Pré-Desportivos 21. Esportes sobre Rodas
11. Atividades de Fundamentação do
22. Esportes com Bolas
Esporte
Fonte: Freire e Scaglia (2003).

191
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

As temáticas apresentadas auxiliam na ampliação do


conhecimento do/a professor/a acerca do processo educativo. Perante a
educação especializada, as temáticas promovem um fazer pedagógico que
possibilita a participação, o respeito e o desenvolvimento das habilidades
motoras, intelectuais e sociais do educando, refletindo intrinsecamente sobre
as adaptações curriculares, objetivando o seu desenvolvimento integral
(CARNEIRO, 2012).
Silva (2014) afirma que as adaptações curriculares e a
flexibilização em harmonia com a escola, resultam em diferentes recursos
pedagógicos e avaliações acordantes ao desenvolvimento dos alunos da
educação especial, tornando-o adequado para atender as especificidades de
todos os alunos que estão no processo de ensino.
Para adequar o currículo que atenda a todos, é necessário que o
projeto pedagógico da escola e o planejamento de ensino considerem
objetivos educacionais e estratégias didático-pedagógicas que viabilizem esta
acessibilidade na rede escolar. Freire e Scaglia (2003) validam este aspecto,
afirmando que os conteúdos pedagógicos devem visar: o conhecimento do
próprio corpo, conhecimento do meio ambiente e a cultura da Educação
Física como bases fundamentais de ensino.

A RESSIGNIFICAÇÃO TEORIA EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO PARA A EDUCAÇÃO


ESPECIAL

Em busca de favorecer o processo de ensino e aprendizagem na


Educação Especial, fundamentamos nossos estudos na Teoria Pedagógica
Educação de Corpo Inteiro, mais especificamente nos aspectos priorizados
pela teoria, como, motricidade, cognição, afetividade e socialização. Temos o
intuito de propor incentivo à valorização do ensino aprendizagem na
Educação Especial no Ensino Fundamental, por meio de temas
ressignificados dos estudos de Freire. Entretanto daremos início a esta seção
ancorados nas proposições da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Segundo a BNCC, para integrar e enriquecer as capacidades e
habilidades das crianças devem ser assegurados seus direitos de

192
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

aprendizagem e desenvolvimento como: conviver, brincar, participar,


explorar, expressar e conhecer-se. Condicionando assim, o aprendizado em
situações nas quais as crianças tenham um papel ativo em espaços que
evidenciem desafios e incitem soluções.
Com base nos objetivos da aprendizagem e desenvolvimento que
compreendem a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio,
foram organizados três ciclos de aprendizado, considerando-se em cada
transição de ciclo, a diferenciação entre os ritmos de aprendizagem e do
desenvolvimento durante a prática pedagógica.
A transição que ocorre da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental requer um equilíbrio que assegure a integração educacional,
respeitando suas especificidades. Nesse período, mudanças são vivenciadas
repercutindo na ampliação da construção do conhecimento.
A construção do conhecimento por meio do jogo na educação
infantil fortalece os aspectos cognitivo, motor, social e afetivo da criança
como enfatiza Freire (2003). Pois busca atingir os objetivos propostos pela
prática pedagógica integrando de forma construtiva, métodos para enriquecer
as capacidades e habilidades de cada indivíduo.
A BNCC ressalta que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a
prática pedagógica e os métodos têm o enfoque na alfabetização visando à
consolidação das aprendizagens anteriores e nos anos finais há uma maior
complexidade quanto à organização dos conhecimentos de cada área a ser
estudada.
Partindo dos pressupostos de Freire para o desenvolvimento
motor, cognitivo e afetivo explorados pela prática pedagógica, sugerimos uma
proposta educativa para a prática pedagógica integradora. Tal proposta
metodológica foi subsidiada pelos parâmetros da Teoria Educação de Corpo
Inteiro, com um olhar para a Educação Especial. A proposta se distribuirá em
unidades temáticas contemplando cada ciclo dos anos presentes no Ensino
Fundamental e atividades ressignificadas como auxílio às possibilidades de
aprendizado e desenvolvimento da Educação Especial, como ilustrado no
Quadro 3 abaixo:

193
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Quadro 3 – Sistematização de Temas Ressignificados

DISTRIBUIÇÃO PELAS SÉRIES DE TEMAS RESSIGNIFICADOS


1º CICLO 2º CICLO 3º CICLO
Conteúdos Atividades
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º
(S) Desenhar o próprio corpo X X X X
(JS) Faz de conta X
(JC) Armarinho da memória X
(JR) Xadrez X X X X
(RC) Cantigas de rodas X X
(BP) Seu rei mandou dizer X X X X X X X X X
(LS) Cabo de guerra X X X
(JP) Voleibol com lençol X X X X
(FE) Basquetebol adaptado X X X X X X
(LT) Judô X X X X X
(GT) Ginástica Rítmica X X X X X
(DN) Dança de salão X X X X X
(PA) Skate X X X X X
(EB) Goalball X X X X X
Fonte: Autoria própria.

Os conteúdos apresentados seguiram um sistema de siglas,


atuando como facilitador para o planejamento das atividades sugeridas. A
sigla (S) faz referência ao conteúdo Sensibilização Corporal; (JS) a Jogos
Simbólicos; (JC) Jogos de Construção; (JR) Jogos de Regras; (RC) Rodas
Cantadas; (BP) Brincadeiras Populares; (LS) Lutas Simples; (JP) Jogos Pré-
desportivos; (FE) Atividades de Fundamentação do Esporte; (AP) Atividades
de Percepção Corporal; (LT) Lutas; (GT) Ginástica; (DN) Danças; (PA)
Práticas Corporais de Aventura; (EB) Esporte com Bolas.
O quadro ilustra sugestões de atividades para a Educação
Especial características de cada conteúdo enfatizado por Freire e Scaglia
(2003) na percepção da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro,
referenciando os conceitos da cognição, motricidade, socialização e
afetividade, idealizado por João Batista Freire, em 1989.
A primeira atividade trata-se de “reconhecer o próprio corpo”
fazendo parte do conteúdo (S) voltado para a noção corporal, segundo
Furlan, Moreira e Rodrigues (2008) esta atividade apresenta meios para que o

194
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

aluno com deficiência conquiste um equilíbrio físico e emocional, no qual os


estímulos proporcionados pelo meio os ajudem a compreender a habilidade
que existe para lidar com situações adversas, como as emoções no ambiente
que estão inseridos.
A segunda atividade corresponde ao “faz de conta” inserida no
conteúdo (JS) exprime um sistema significante para o desenvolvimento da
criança, tendo em vista a apropriação da cultura correlacionada com o
aspecto construtivo do intelecto. A importância desta atividade faz jus ao
processo participativo de todos os alunos, permitindo a socialização, a
interação e a aprendizagem destes (FIGUEIRÊDO et al., 2013).
A terceira atividade que denominamos do “armário da memória”,
incluída no conteúdo (JC), estimula o pensamento, a memória espacial,
atenção e observação correlacionados aos aspectos da socialização,
afetividade e cognição. Este jogo proporciona aos alunos com deficiência
maior autonomia e oportuniza o desenvolvimento de suas potencialidades
considerando a especificidade de sua deficiência (MAFRA, 2008).
A quarta atividade corresponde ao “xadrez” que se situa no
conteúdo (JR). Esta atividade faz referência a uma prática pedagógica que
favorece a estimulação da cognição, beneficiando aspectos como a
concentração, paciência, tomada de consciência, bem como uma melhora na
criatividade. Conforme Carvalho et al., (2017) este jogo pode ser essencial
para estimular o indivíduo com deficiência para a aprendizagem.
Na quinta atividade trata-se da “cantiga de roda” inserida no
conteúdo (RC) nota-se um recurso pedagógico que contribui para o
desenvolvimento da criança de forma integral, corroborando com a aquisição
do processo de ensino-aprendizagem, favorecendo o processo de socialização,
tratando de uma variedade de temas e conhecimentos que podem ser
trabalhados enquanto brincam, como a vida social e o meio ambiente
(PIMENTEL, 2011).
Partindo do princípio da valorização da ferramenta pedagógica
jogo como principal mediador para o desenvolvimento do indivíduo, devem
ser levados em consideração os benefícios para auxiliar o processo de
socialização, afetividade e ensino/aprendizagem. Na sexta atividade “seu rei

195
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

mandou dizer” presente no conteúdo (BP), dá-se uma prática alternativa para
a inclusão de crianças com deficiência, uma vez que favorece a promoção da
autoconfiança e a integração destas no processo de ensino (MEIRA et al.,
2016).
A sétima atividade corresponde ao “cabo de guerra” incluído no
conteúdo (LT) propõe uma relação harmônica entre os participantes,
privilegiando o aspecto da socialização com ênfase em criar ideias de
conflitos que incitem a soluções de problemas corroborando para que haja
respeito a tudo e a todos (VARGAS et al., 2015).
A oitava atividade “voleibol com lençol” no conteúdo (JP) é
enfatizada como um elemento pedagógico que busca fortalecer o aspecto da
socialização, do cumprimento das regras, da cooperação mútua, ser generoso
e solidário, saber interagir em grupo, valorizar o companheiro nas diversas
situações, ter tomada de consciência, favorecendo então o desenvolvimento
da autoestima, autonomia, criatividade e formação do caráter (MIRANDA,
2013).
A nona primeira atividade “basquetebol adaptado” incluído no
conteúdo (FE) propõe modificações quanto ao tamanho da bola e a cesta para
a qual será arremessada. Melo (2013) ressalta a importância de se trabalhar
esse esporte com aspectos da ludicidade, de forma que o aprendizado seja
compreendido de maneira prazerosa e atraente, beneficiando a participação
efetiva de todos os alunos.
A décima atividade “judô”, incluído no conteúdo (LT) possibilita
uma nova maneira de implementação pedagógica colaborando para a
participação de pessoas com deficiência, potencializando a sua corporeidade
e interação com o meio ao qual está inserido, acrescentando a aplicabilidade,
princípios norteados por essa arte marcial e a especificidades de cada
praticante (ANTUNES et al., 2017).
A décima primeira atividade é a “ginástica rítmica” incluída no
conteúdo (GT) corrobora para o aprimoramento das capacidades motoras,
que envolvem a locomoção, manipulação e estabilização. Rodrigues (2008)
ressalta que a somatória desses aspectos para a educação especial possibilita
o processo de integração e aprendizado, de certa forma está prática facilita o

196
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

desenvolvimento por meio da cooperatividade, aparelhos ou até mesmo por


meio de instrumentos pedagógicos como bexigas e lenços.
A décima segunda atividade corresponde a “dança de salão”
incluída no conteúdo (DN) ressalta a manifestação da mente e a
movimentação do corpo como a expressão através do corpo em movimento
ressignificando as representações corporais para cada praticante de acordo
com suas características motoras e cognitiva. Quadros (2013) corrobora
enfatizando os benefícios que essa atividade traz para o praticante, tais como
uma melhora da autoestima, para o desenvolvimento dos aspectos cognitivo,
motor, afetivo e socializador.
A décima terceira atividade é o “skate adaptado” incluída no
conteúdo (PA) implica em um processo de lazer e divertimento, devido ao
fator específico das deficiências de cada praticante que os impede de
vivenciar certos instrumentos. Essa proposta visa uma iniciativa para a
compreensão de oportunizar momentos que os alunos da educação especial,
na maioria das vezes, não têm participação efetiva e nem mesmo o
conhecimento vivido por tal experiência (GIRARDI, 2017).
A próxima atividade corresponde ao “goalball” incluída no
conteúdo (EB) é um esporte originado para pessoas com deficiência visual
com a utilização de uma bola específica para a atividade, consistindo em
momentos de arremessar a bola e defende-la. Visando o desenvolvimento
motor, intelectual, social e afetivo dos alunos sejam eles deficientes ou não.
(NEVES; BRANDÃO; ARAGÃO, 2012)
As atividades propostas até aqui visam a ressignificação de
temáticas com um olhar para a Educação Especial, que por isso, deve
considerar todos os aspectos da formação humana desejada pela a Teoria
Pedagógica Educação de Corpo Inteiro, proposta por Freire (1989). Esta
formação humana almejada por Freire visa combater atitudes
preconceituosas e discriminação em relação às diferenças. Portanto, Freire
em sua teoria pedagógica, convida-nos a um novo olhar com ênfase nos
valores como solidariedade, afetividade, coletividade, integralidade, senso de
justiça e alfabetização corporal.

197
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados analisados ao longo do estudo, foi possível


evidenciar as contribuições da Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro
para a Educação Especial, fundamentadas nos princípios desta teoria, tais
como: alfabetização corporal, cognição, motricidade, socialização e
afetividade. Em que se estabeleceu uma relação pedagógica entre a educação
especial e a ressignificação de temáticas e dos conteúdos propostos na teoria
Educação de Corpo Inteiro.
A Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro suplantou a área
da Educação Física, alcançando outras áreas do conhecimento como a
pedagogia e a psicologia educacional, principalmente através de sua obra que
se tornou clássico da Educação Física, Educação de Corpo Inteiro: teoria e
prática da Educação Física. É neste aspecto que foi possível compor
atividades direcionadas à Educação Especial e relacionar aos aspectos
próprios da teoria idealizada por João Batista Freire tais como: a
alfabetização corporal, motricidade, socialização e afetividade por meio de
brincadeiras e jogos, conteúdos privilegiados no universo da cultura infantil.
Entretanto, esta pesquisa aponta para uma carência de produções
que tratem Teoria Pedagógica Educação de Corpo Inteiro voltada para a
Educação Especial. Neste sentido, propomos elaborações de mais estudos que
subsidiem a prática pedagógica, além de relatos de experiências que possam
subsidiar a intervenção dos/as professores/as em consonância com os
pressupostos teóricos de João Batista Freire.

198
Tavares, Raiol e Coelho (2020)

Special Education in the theory of Whole-Body Education:


possibilities and ressignifications

Abstract: This study comprises the possibilities and resignifications of the


Pedagogical Theory of Whole-Body Education for Special Education. This proposal
arose from the investigative experiences proposed by the Pedagogical Residency
Program linked to the Physical Education Course of the State University of Pará -
Tucuruí, in the sub-project Pedagogical Practices of Physical Education: beyond the
pedagogy of taking the ball. It aims to verify the contributions of the Theory of
Whole-Body Education in Brazilian Physical Education to Special Education. It has
the following specific objectives: a) recognize the path of Special Education; b)
identify pedagogical possibilities for Special Education through the Pedagogical
Theory of Whole-Body Education. The study used exploratory bibliographic research
since its primary purpose was to develop, clarify and try to relate concepts and ideas
for the formulation of re-signified themes in the appropriation of playful pedagogical
activities as educational technologies for special education under the parameters of
Whole-Body Education. It was possible to highlight the contributions of the
Pedagogical Theory of Whole-Body Education for Special Education, based on the
principles of this theory, such as body literacy, cognition, motor skills, socialization
and affectivity. Through which it was possible to establish a pedagogical relationship
between special education and the reframing of themes and contents proposed in the
Theory of Whole-Body Education.
Keywords: Special Education. Whole-Body Education. Resignifications.

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201
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

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202
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O estágio e as práticas pedagógicas


no processo de formação docente para
atuação na Educação Física Escolar Inclusiva

Anita Franco Vilardaga (EEFE-USP) *


Sergio Roberto Silveira (EEFE-USP) **

Resumo: A Educação Física Escolar Inclusiva é um tema de estudo recente na área da


Educação, estando em constante discussão. Encontra-se também, ainda, muita
dificuldade por parte dos professores atuantes de reconhecê-la e aplicá-la no cotidiano
escolar, com questionamentos a respeito do preparo fornecido pelos cursos de formação
inicial. O presente estudo pretendeu avaliar se a formação dos profissionais licenciados
em Educação Física permite suas atuações dentro da perspectiva da inclusão escolar,
focando na forma pela qual, nos cursos de graduação, se distribuem as ênfases teórico-
práticas em seus conteúdos e aferindo se há articulação entre elas. Foram utilizados como
instrumentos de pesquisa e coleta de dados: a) fontes que tratem sobre Educação
Inclusiva, estágios e práticas pedagógicas aliadas à formação de professores; b) aplicação
de questionário online com questões abertas e fechadas. Os participantes corresponderam
a egressos da licenciatura (a partir de 2012) e/ou futuros professores que cursaram
disciplinas que tratam das temáticas envolvidas sob o campo da Educação Física
Inclusiva. Após análise dos resultados obtidos, foi observada a extrema importância
conferida, na visão dos participantes, às estratégias de aproximação entre teoria e prática
dentro do processo de formação profissional, bem como às dificuldades que são
encontradas nessa aplicação.
Palavras-chave: Educação Física Escolar. Inclusão. Formação docente. Estágio. Prática
pedagógica.

* Licenciada em Educação Física (EEFE-USP). E-mail: anitavilardaga@gmail.com


** Doutor em Biodinâmica do Movimento Humano (EEFE-USP). Professor no
Departamento de Pedagogia do Movimento Humano, da Escola de Educação Física e
Esporte da Universidade de São Paulo. E-mail: ssilveira@usp.br

INTRODUÇÃO

inda que regida por algumas normas e bases comuns, a escola é


um ambiente complexo que, formado por sujeitos e suas individualidades,
proporcionam dinâmicas completamente singulares. Educar em um contexto

204
Vilardaga e Silveira (2020)

como este é um desafio constante e que exige muito dos profissionais nele
envolvidos.
A educação formal e a escola são historicamente consideradas
como privilégios de determinados grupos sociais, aos quais poucas pessoas
tinham acesso. O recente processo de democratização da educação e o
desenvolvimento do conceito da Educação Inclusiva como uma educação que
inclua a todos (desde o surgimento da chamada Educação Especial, em
meados do século XIX, até sua evolução para os dias atuais) ampliam,
entretanto, este acesso à educação básica para grande parte da população.
Se por um lado a abertura das escolas a todos os públicos é um
grande e importante passo em direção ao ideal da Educação Inclusiva, por
outro nos deparamos com um cenário escolar ainda mais complexo e
pluricultural e com relatos de forte despreparo profissional, de uma teoria
que não foi capaz de se relacionar com a prática – ou uma prática incapaz de
refletir sobre suas repercussões dentro desse contexto vivo e heterogêneo
que se tornou a escola.
O questionamento a respeito de como melhor conduzir, então, os
processos de formação de professores, de modo a fornecer uma estrutura
mínima que os prepare para lidar com a realidade escolar dentro dessa nova
perspectiva inclusiva, é uma pergunta que move diversos pesquisadores da
área da Educação.
Uma possibilidade estudada é a de maior integração entre teoria e
prática dentro do processo de formação docente. Este pensamento que se
fortaleceu principalmente a partir da década de 1980, quando educadores
inconformados com o distanciamento entre estes dois polos aprofundaram
pesquisas no sentido de reformular os cursos de formação, focando que “no
fazer pedagógico o ‘o que ensinar’ e o ‘como ensinar’ deve ser articulado ao
‘para que’ e ‘para quem’ e em ‘quais circunstâncias’, expressando a unidade
entre conteúdos teóricos e instrumentos do currículo” (PIMENTA, 1995, p.
60).
Quais estratégias os cursos de preparação profissional têm
utilizado para melhor integrar a teoria e a prática no processo de formação
docente? Como os alunos dos cursos de graduação avaliam a própria

205
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

experiência dentro desta perspectiva para a atuação na Educação Física


Escolar Inclusiva?
Investigar se a articulação entre teoria e prática em disciplinas
que recorrem ao uso do estágio supervisionado e de práticas pedagógicas
(duas estratégias específicas voltadas para este fim), dentro do processo de
formação inicial dos professores e futuros professores em Educação Física
Escolar, permite suas atuações dentro da perspectiva da inclusão escolar é o
principal foco dessa pesquisa.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A ideia de Educação Inclusiva como uma educação para todos e


como sendo aquela que abraça também, além das pessoas com deficiências,
todas aquelas de alguma maneira desfavorecidas pela sociedade e pelo
processo educacional, é muito recente.
Pode-se dizer que a década de 1990 é a que traz discussões
mais profundas e maiores mudanças para o cenário: com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e a Conferência Mundial de Educação para
Todos, ambos em 1990, e a Conferência Mundial de Necessidades Educativas
Especiais: Acesso e Qualidade e a Declaração de Salamanca e Linha de Ação
sobre Necessidades Educativas Especiais, em 1994, discute-se amplamente as
realidades de fracasso e exclusão escolar, focando na desigualdade social
como causa principal. Propõe-se assim que as escolas devam:

acolher todas as crianças, independentemente de suas condições


físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras.
Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas;
crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de
populações distantes ou nômades; crianças de minorias
linguísticas, étnicos ou culturais e crianças de outros grupos e
zonas desfavorecidos ou marginalizados. (BRASIL, 1997, p. 17-
18).

Como nos esclarece Freire (2001, p. 23), a Educação Inclusiva


seria ainda a

206
Vilardaga e Silveira (2020)

busca de uma educação séria, rigorosa, democrática, em nada


discriminadora nem dos renegados nem dos favorecidos. Isso,
porém, não significa uma prática neutra, mas desveladora das
verdades, desocultadora, iluminadora das tramas sociais e
históricas. Uma prática fundamentalmente justa e ética contra a
exploração dos homens e das mulheres e em favor de sua vocação
de ser mais.

Se a educação representou e representa um papel fundamental na


criação e manutenção de privilégios, a Educação Inclusiva aparece então
como uma potencial quebra a tais moldes sociais já historicamente
estabelecidos, podendo trazer para o sistema pessoas que antes se
encontravam à sua margem ou for a dele. Neste contexto, é importante
também considerar que “no momento em que a escola se impõe como um
instrumento privilegiado de estratificação social, os professores também
passam a ser investidos de ilimitado poder: podem promover a ascensão
(integração/inserção/inclusão) do aluno diferente ou a sua estagnação
(exclusão)” (DENARI, 2008, p. 36).
Torna-se extremamente necessário, portanto, termos um olhar
atencioso para o processo de formação de profissional. Um ponto debatido
relativo a essa questão é o equilíbrio entre a teoria e a prática dentro das
disciplinas e da grade curricular – assim que, dentro deste tópico,
analisaremos especificamente a utilização dos recursos do estágio
supervisionado e das práticas pedagógicas.

ESTÁGIOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Refletindo especificamente sobre a área da Educação Física,


tradicionalmente encaixada na área da Biologia – por tratar do corpo humano
como seu principal foco –, muitas vezes os cursos de graduação concentram-
se exclusivamente na parte Física, deixando a Educação em segundo plano.
Essa realidade, entretanto, não surgiu ao acaso: historicamente a sociedade
enxerga o educador físico muito mais como um executor do que como um
pensador (LAWSON, 1984; RARICK, 1967), o que faz com que as
expectativas criadas pelos ingressantes nos cursos de preparação profissional

207
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

sejam de atividades práticas.


Seria isso um problema? De acordo com Tani (2011), o excesso de
atividades práticas com o fim nelas mesmas perde o sentido e não acrescenta
na formação profissional. Isso porque essa formação parte da ideia de que é
necessário saber praticar para ensinar (baseando-se no modelo de
demonstração), quando a docência exige também saberes que vão além
desses. Por outro lado, entretanto, Felício e Oliveira (2008, p. 221) afirmam
que apesar da importância da parte teórica oferecida em sala de aula “só ela
não é suficiente para formar e preparar os alunos para o pleno exercício de
sua profissão. Faz-se necessária a inserção na realidade do cotidiano escolar
para aprender com a prática dos profissionais da docência”.
No processo de formação inicial de formação de professores,
como nos aponta Marcon (2007, p. 13), espera-se então que

seja oferecida aos estudantes dos cursos de Licenciatura em


Educação Física a possibilidade de intervenção didático-
pedagógica e a vivência de experiências docentes diversificadas
que favoreçam a construção de suas competências pedagógicas e
o encantamento com a profissão docente.

Como duas importantes estratégias para tornar realidade essas


vivências práticas na formação dos futuros professores surgem: 1. os estágios
supervisionados e; 2. as práticas pedagógicas.
Pimenta e Lima (2004, p. 153) nos apresentam o estágio como o
“eixo central na formação de professores, pois é através dele que o
profissional conhece os aspectos indispensáveis para a formação da
construção da identidade e dos saberes do dia-a-dia. Ele deve se vincular a
todas as disciplinas e ser o articulador entre diferentes níveis de ensino,
entre ensino, pesquisa e extensão, e as diferentes disciplinas do curso
(TAFFAREL, 1993, p. 8).
O que se torna marcante sobre o estágio, obrigatório por lei nos
cursos de graduação, é a possibilidade que ele pode fornecer aos alunos para
que complementem a própria formação, principalmente de maneira a
alinharem o que é visto dentro das aulas da faculdade, um ambiente
normalmente controlado e marcado pelo discurso teórico, com o cotidiano e

208
Vilardaga e Silveira (2020)

a realidade escolar, composta por diversos imprevistos e desafios.


A segunda estratégia de ensino-aprendizagem que analisaremos
serão as chamadas práticas pedagógicas, que são aqui consideradas como
atividades atreladas ao programa das disciplinas, dentro do horário
curricular, resultando em intervenções no campo escolar sob
acompanhamento do(s) professor(es). Diferencia-se do estágio
principalmente por não se constituir de caráter obrigatório e pressupõe o
envolvimento direto do docente responsável como prerrogativa básica. Seu
conceito parte, porém, quase do mesmo princípio: um importante
instrumento em busca da formação das práxis. Como nos orienta Veiga
(2008, p. 16), a prática pedagógica pode ser definida por:

[...] uma prática social orientada por objetivos, finalidades e


conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. A prática
pedagógica é uma dimensão da prática social que pressupõe a
relação teoria-prática, e é essencialmente nosso dever, como
educadores, a buscar de condições necessárias à sua realização.

Basicamente, se trata de uma prática pensada e estruturada, mas


aberta a mudanças à medida que as reflexões sobre o cenário e as
experiências vividas as justifiquem.
Nesse contexto, “faz-se necessário estar presente nas propostas
de formação possibilidades em que eles possam narrar e refletir sobre os
próprios saberes e fazeres” (VERDUM, 2013, p. 104). Torna-se clara então a
importância da proximidade do professor com os alunos durante todo o
processo, a fim de participar ativamente dessa mediação de discussão e de
poder orientar os estudantes no reconhecimento, identificação e expressão
das dificuldades encontradas, ajudando-os a encontrarem as possíveis
soluções e alternativas.
Assim que, se tanto discute-se sobre a importância e efetividade
da unidade entre teoria e prática no processo de formação profissional, nos
parece lógico que estas duas estratégias sejam muito valorizadas e bem
aproveitadas pelas instituições de ensino superior, tanto por parte dos
professores quanto dos alunos.
Tozetto e Gomes (2009, p. 182) mostram, entretanto, que mesmo

209
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

que os cursos de formação inicial afirmem “unanimemente que a construção


da relação teoria e prática é objetivo a ser atingido ao longo do curso,
percebe-se uma tendência real de enfatizar a teoria em detrimento da
prática”.
Além disso, apenas as suas presenças dentro dos currículos
universitários não garantem uma aplicação eficiente e o devido
aproveitamento pelos estudantes. Verificou-se, a respeito dos programas de
estágio de diversos cursos, que

Não há especificação clara sobre como são realizados,


supervisionados e acompanhados. Sobre a validade ou validação
desses estágios também não se encontrou nenhuma referência.
Não estão claros os objetivos, as exigências, formas de validação
e documentação, acompanhamento, convênios com escolas das
redes, etc. Essa ausência nos projetos e ementas pode sinalizar
que, ou são considerados totalmente à parte do currículo, o que é
um problema, na medida em que devem integrar-se com as
disciplinas formativas e com aspectos da educação e da docência,
ou, sua realização é considerada como aspecto meramente formal.
(GATTI; NUNES, 2009, p. 21).

Aparentemente, afinal, tanto o recurso do estágio supervisionado


quanto o da prática pedagógica parecem apresentar benefícios importantes
para a formação dos futuros professores para atuação profissional,
principalmente por se mostrarem eficientes no delicado – mas necessário –
processo de integração entre teoria e prática, a fim de preparar esses
estudantes para os desafios presentes no cotidiano escolar: desafios esses que
se tornam ainda mais complexos quando consideramos o vasto contexto da
Educação Inclusiva, ainda tão pouco explorado.

MÉTODO

A amostra do estudo foi composta por dezenove participantes,


sendo seis professores formados e 13 graduandos em licenciatura em
Educação Física. Como critérios de seleção e inclusão foram utilizados: (a)
para professores já formados, graduação depois de 2012, ano de publicação
do último relatório mundial sobre deficiência – WHO –, com sérias

210
Vilardaga e Silveira (2020)

implicações para a formação docente e; (b) para licenciandos, terem cursado


disciplinas de Educação Física Escolar Adaptada ou Educação Física
Inclusiva.
Destaca-se que o questionário aplicado e os dados analisados
foram coletados mediante concordância dos participantes, com permissão
concedida por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e
Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), sob o protocolo CAAE
94202418.1.0000.5391.
O questionário online, aplicado através da plataforma
GoogleForms, foi composto por questões fechadas requerendo respostas
específicas dos participantes, com frequência em forma de escalas –
especificamente a escala de Likert; e por questões abertas, permitindo aos
participantes liberdade para explicar determinadas questões fechadas,
referentes às temáticas envolvidas nas fontes.
Para o acesso ao questionário foi utilizado um link específico,
que foi distribuído de forma aleatória aos potenciais alvos da pesquisa após
prévia contextualização dos objetivos do estudo.
Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, utilizou-se, para estudo
das questões discursivas, o método de análise de conteúdo, com base no
referencial de Bardin (1977) e Franco (1986), com ordenação, quantificação e
interpretação das informações organizadas em torno das seguintes unidades
de análise: educação inclusiva, estágio programado e prática pedagógica.
Os dados coletados através do questionário foram tratados
utilizando-se da estatística descritiva, definida como o “conjunto de métodos
destinados à organização e descrição dos dados através de indicadores
sintéticos ou sumários” (SILVESTRE, 2007, p. 5), e que permite a
visualização prática e objetiva dos resultados encontrados.
Para análise dos dados em Escala de Likert, adotou-se o método
de análise apresentado por Malhotra (2001), que se utiliza do cálculo da
Média Ponderada para estabelecimento do Ranking Médio (RM). As médias
representam como parâmetro os valores entre 0 e 5, considerando 0 o valor
mínimo (negativo) e 5 o valor máximo (positivo), equivalente ao aplicado aos

211
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

participantes no questionário.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A tabela 1 apresenta a caracterização da amostra, relacionando


algumas variáveis sociodemográficas dos participantes, referentes a gênero,
idade e formação de ensino básico e superior.

Tabela 1 – Variáveis sociodemográficas


Variáveis Nº %
Gênero
Feminino 14 73,7
Masculino 5 26,3
Faixa etária
19-24 9 47,4
25-30 7 36,8
31 + 3 15,8
Formação Ens. Fundamental II
Municipal 2 9,5
Estadual 5 23,8
Particular 14 66,7
Formação Ens. Médio
Municipal 0 0
Estadual 6 30
Particular 14 70
Formação Ens. Superior
Pública 16 84,2
Particular 3 15,8
Ano de Formação
2015 1 5,3
2017 5 26,3
2018 4 21,0
2019 7 36,9
2020 2 10,5
* Nota: nas questões referentes à Formação, era disponibilizada ao participante a
opção de marcar mais de uma alternativa, podendo totalizar, assim, um n maior que
19.

A tabela 2 nos apresenta dados a respeito da percepção, por parte


dos próprios participantes, do curso de graduação realizado, principalmente

212
Vilardaga e Silveira (2020)

no que se refere à aplicação de disciplinas com o tema de Educação Física


Inclusiva (ou Adaptada), com relação ao ranking médio, representado pela
média ponderada das respostas fornecidas.

Tabela 2 – Formação Profissional e Educação Inclusiva


Questão Ranking Médio
1. Satisfação com o curso 3,5
2. Satisfação com a disciplina (Educação Inclusiva/Adaptada) 2,7
3. Importância de uma disciplina específica para o tema de
4,7
Educação Inclusiva
4. Favorável à diluição do conteúdo de Educação Inclusiva em
2,8
outras disciplinas

Os dezenove participantes declararam ter cursado ao menos uma


disciplina relacionada a este tema, dentre as quais treze se intitulavam
Educação Física Escolar Adaptada, cinco Educação Física Adaptada e uma
intitulada Educação Física Inclusiva. Quanto aos conteúdos e temas tratados
nas respectivas disciplinas foi possível levantar seis índices que
apresentaram-se com mais frequência: “deficiências” (presente em 12
respostas, ou seja, 63,2% do total), “asma” (21,1%), “adaptações” (21,1%),
“contexto/ ambiente escolar” (15,8%), “doenças respiratórias” (15,8%) e
“práticas pedagógicas” (10,5%).
Quando questionados quanto ao entendimento sobre Educação
Inclusiva, os índices mais recorrentes foram os relacionados a “uma educação
para todos” (presente em 16 de um total de 19 respostas, totalizando 84% do
total) e “deficiência” (com 6 respostas, 31% do total).
A tabela 3 nos aponta os Rankings Médios das questões
relacionadas às práticas de estágio supervisionado, práticas pedagógicas e
atuação na área de Licenciatura em Educação Física.
Um total de 17 participantes (89,5%) declara ter tido um estágio
específico para essa disciplina ou área de Educação Inclusiva, considerando
que nenhum contou com intervenções pedagógicas, e 63,2% dos participantes
relataram ter contado com práticas pedagógicas.

213
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Tabela 3 – Estágio supervisionado, práticas pedagógicas


e atuação profissional
Questão Ranking Médio
Estágio
Estágio foi discutido em aula e articulado com a disciplina 1,6
Contribuição do estágio para a própria formação profissional 2,4
Impacto positivo da aplicação do estágio na formação
4,5
profissional
Prática Pedagógica
Estruturada de acordo com a disciplina 3,6
Importância da prática pedagógica com vistas à formação
4,6
profissional
Atuação na área de Educação Física Escolar
Motivação para atuar 4,1

Dos 19 participantes, 14 (73,7%) atuam ou já atuaram na área da


Licenciatura, dentre os quais 8 exclusivamente como estagiários/assistentes e
outros 6 também como professores.
O total de participantes da pesquisa compõem um n baixo para
que sejam tiradas conclusões determinantes. Para além disso, eles pertencem
a um grupo relativamente homogêneo, principalmente no que se refere às
suas formações: a grande maioria passou pela Educação Básica (Ensino
Fundamental II e Médio) no ensino particular e no Ensino Superior na
universidade pública, em especial na Escola de Educação Física e Esportes da
Universidade de São Paulo, ambiente no qual estamos diretamente inseridos.
Tal constatação pode, por um lado, gerar resultados e discussões
de caráter enviesado ou limitado, não necessariamente aplicáveis a outros
contextos. Para tal, portanto, seria interessante a ampliação do público
analisado, tanto em número quanto em diversidade, em pesquisas futuras.
Muito do que foi aqui observado, entretanto, gera discussões interessantes e
pertinentes ao objetivo do presente estudo, ainda mais considerando o quão
próximo este público está do processo de formação (95% dos participantes
são recém graduados – a partir de 2017 – ou estão ainda dentro da
universidade).
Com o objetivo de avaliar a formação inicial dos professores e
futuros professores em Educação Física Escolar, foi interessante identificar a

214
Vilardaga e Silveira (2020)

satisfação desses alunos com o próprio curso. O ranking médio encontrado –


de 3,5 –, demonstra que os alunos possuem uma satisfação razoável com a
graduação (considerando-se que de três para cima o valor pode ser
considerado mais próximo ao positivo).
Como aprofundamento do objetivo, é essencial também investigar
o entendimento desses estudantes sobre o significado de Educação Inclusiva
e, assim, buscar compreender algumas questões importantes sobre as
disciplinas voltadas especificamente para o assunto.
Como descrito anteriormente, para a definição de Educação
Inclusiva, observou-se a grande representatividade da palavra “todos/as”, no
sentido de uma “educação à todxs 65 de forma integral em que todxs tenham
as mesmas condições de ensino-aprendizagem.” (B.G., 28 anos) 66 e uma
“educação para todos, sem exclusão, e que dê espaço para as expressões
individuais” (L.L., 25 anos).
Por outro lado, percebendo também a distância a que nos
encontramos de uma Educação Inclusiva como a idealizada através das
respostas, questiona-se, a respeito da sua atual aplicação, a capacidade das
escolas e professores de

atender educandos que fujam do padrão normativo estabelecido


pelos projetos de ensino (rede pública ou privada). A disciplina
ainda é aquela onde os garotos com biotipo dado como ideal com
afinidade/bom desempenho relativo em atividades com bolas
participam e crianças deficientes (por qualquer aspecto), gordas,
com menor aporte de habilidades de coordenação fina ficam
fazendo qualquer outra coisa que não a proposta da aula. Ou são
coagidas e expostas a realizar as atividades sem qualquer chance
de se enquadrar. (N.C., 22 anos).

Sob essa perspectiva, nota-se também o reconhecimento da


amplitude e importância de uma discussão consistente sobre o tema da
inclusão no processo de formação profissional. A questão que nos surge
então é a respeito de como deve ser feita essa abordagem na visão dos

65 A expressão “todxs”, como escrita pela participante, foi mantida a fim de preservar a ideia

de indistinção entre os gêneros que pressupõe a sua utilização.


66 A fim de preservar a identidade dos participantes, as citações das respostas dadas por eles

serão identificadas através da abreviação do nome e idade.

215
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

participantes: uma disciplina específica ou distribuição dos conteúdos em


demais matérias?
Observando os resultados, chegamos a uma grande maioria que
acredita na importância de uma disciplina específica para abordar a Educação
Física Inclusiva – considerando que, de 19 participantes, 16 colocaram a
máxima 5 para tal questionamento. Como nos aponta uma das participantes,
“a inclusão abrange muitos temas, desde deficiência até questões
indisciplina, gênero, e etc. [A disciplina] é importante porque ajuda a
trabalhar com determinado tema, independe da série” (F.P., 23 anos).
Deparamo-nos, então, com uma questão: os participantes
demonstraram acreditar fortemente na importância das disciplinas sobre o
tema, mas, por outro lado, a satisfação com o que é ofertado por elas está
relativamente baixa. O que será que acontece nesse processo?
Um dos possíveis motivos para tal situação é a diferença entre a
expectativa para a disciplina e a realidade encontrada no que se refere ao
conteúdo: de acordo com os resultados obtidos, o principal tópico abordado
por elas foi relativo às deficiências como um todo (aparecendo num total de
63,2% do total de respostas), se limitando a uma abordagem teórica e
expositiva sobre o assunto, quando o esperado estaria mais próximo da
preparação profissional para atuação com uma inclusão, como citado
anteriormente, para todos. Como definem alguns participantes:

acho importante o estudo da diversidade existente em nossa


sociedade, buscando possibilitar a participação e oportunizar o
aprendizado a todas as pessoas. Infelizmente não foi dessa forma
que a disciplina me foi apresentada na graduação. A mesma foi
tratada de forma restrita, com um olhar voltado para deficiência.
(C.B., 38 anos).

A disciplina abordou em termos gerais muito mais nas


dificuldades que os alunos podem apresentar do que de que
maneira a incluí-los nas aulas. E mesmo nisso que ela se propôs
foi algo bem abaixo do que eu esperava, chegando a ter
discussões sobre biomecânica do pé, deixando uma lacuna bem
grande na minha formação. (L.L., 25 anos).

Dessa maneira, confirmamos que essa diferença entre a opinião e

216
Vilardaga e Silveira (2020)

expectativa dos alunos e a abordagem que a disciplina traz pode representar


um primeiro motivo de insatisfação com a disciplina. Por outro lado, na
perspectiva dos participantes sobre o que seria a Educação Inclusiva,
encontramos também a presença do termo “deficiência” com certa
frequência, o que nos leva a um outro questionamento: se há também, em
parte, concordância com o conteúdo oferecido nessas disciplinas, é possível
que haja outros motivos para esse aparente descontentamento.
Acreditando no papel fundamental das estratégias que aliam a
teoria à prática para formação profissional, como também apresentado na
revisão da literatura sobre o tema, mas com ciência de que este é um
equilíbrio raramente encontrado nos cursos de graduação, investigamos
também a percepção dos professores e futuros professores sobre suas
experiências nesse quesito.
Analisando, em um primeiro momento, os estágios
supervisionados, observa-se um resultado interessante: 89% dos
participantes tiveram, em sua graduação, um programa de estágio específico
para o tema de Educação Física Inclusiva/Adaptada e, dentre estes, o ranking
médio para o impacto positivo dessa prática sobre a formação profissional
ficou em torno de 4,5, ou seja, muito próximo ao máximo – o que reforça sua
importância na perspectiva dos profissionais. Quando avaliada, entretanto, a
contribuição que o estágio forneceu para a própria formação, o RM ficou em
2,4, valor considerado como negativo. Quais seriam as possíveis causas para
essa situação?
Olharemos então para as principais expectativas a respeito do
estágio, através de algumas explicações dos próprios participantes:

poder aplicar o que aprendemos na teoria, e depois discutir o que


vemos na prática durante as aulas teóricas. (C.O., 24 anos).

Repensar e se preparar verdadeiramente para ser professora.


(V.C., 22 anos).

[...] como todo assunto, a vivência prática nos traz reflexões


sobre o tema, mostrando as dificuldades e possibilidades dentro
da temática. (L.L., 25 anos).

217
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Vivenciar a diversidade só poderia trazer benefícios para uma


futura atuação profissional. (C.B., 38 anos).

As respostas apresentadas corroboram com a percepção positiva


sobre o impacto que um programa de estágio pode fornecer: há um consenso
a respeito dessa vivência prática como um importante aliado da preparação
para atuação profissional.
Revisitando Cyrino (2012), que ressalta a necessidade da
aproximação entre os professores e estudantes nesse processo, avalia-se o
próximo tópico, que considerou a articulação entre a prática do estágio e o
conteúdo visto na disciplina, de maneira a gerar discussões e reflexões
posteriores (momento esse em que se mostra de extrema importância a
presença de um professor mediador) e assim um constante ciclo de
aprendizado. Para esta questão, o RM apresentado, entre os participantes, foi
significativamente baixo (de 1,6), o que nos indica uma rasa integração entre
as vivências práticas e as disciplinas envolvidas.
Confirmando o papel essencial da aproximação entre a teoria e a
prática, incluindo nesse processo a participação do professor, encontramos
nas respostas discursivas algumas ponderações um pouco mais elaboradas
sobre a aplicação do estágio e as suas dificuldades:

A importância de conviver com as crianças e jovens, com os


profissionais e com as famílias é indiscutível. Porém senti falta de
apoio dos profissionais. Então, acabei me sentindo desorientada
muitas vezes [...]. (A.G., 28 anos).

Pouco ou nada do estágio foi discutido em aula e os estágios que


fiz nem foram feitos na escola ou com pessoas na idade escolar,
foi mais um estágio sobre reabilitação do que sobre inclusão.
(L.D., 25 anos).

O estágio ofereceu a oportunidade de primeiros contatos com


alunos com deficiência dentro do contexto inclusivo da
Educação, ajudando a visualizar de forma prática a realidade
deste cenário, sendo, neste aspecto, bastante positivo. Entretanto,
não houve significativo debate em aulas, aprofundamento de
situações problemas, o que diminui as possibilidades de
aprendizagem e preparação pra atuação profissional. (J.C., 28
anos).

218
Vilardaga e Silveira (2020)

A carga horária exigida é bem pequena, o que nos faz ter contato
com alguns casos e perceber algumas dinâmicas, mas, ainda
assim, é insuficiente para nos aprofundarmos. (J.S., 22 anos).

Observando os relatos aqui apresentados, podemos então


compreender a diferença tão marcante – na perspectiva dos sujeitos da
pesquisa –, entre o potencial impacto de um programa de estágio
(extremamente alto) e a real contribuição fornecida por ele durante a
graduação, com vistas à preparação para atuação. Esses dados corroboram
para a confirmação das teorias apresentadas até o momento de que, apesar da
prática de estágio supervisionado ser muito positiva para o processo de
formação docente, grande parte dos participantes sente que a realidade
vivenciada mais uma vez não corresponde à expectativa.
Em relação às práticas pedagógicas, a consideração a respeito de
sua importância se assemelhou em alguns aspectos ao estágio: o RM de 4,6
(considerado como bem elevado), e frases como “experiência para prática
profissional” (F.P., 23 anos) e “observar e eventualmente intervir o que o
professor nos apresenta na teoria, e [...] discutir o que vimos na prática nas
aulas teóricas” (C.O., 24 anos) representam a ideia apresentada pela maioria
dos participantes, que demonstram acreditar nesse processo como uma
ferramenta importante no contexto da preparação profissional para atuação
escolar em Educação Física Inclusiva.
Por outro lado, foram notadas também algumas diferenças: o RM
que representa a articulação com a disciplina se mostrou consideravelmente
maior, sendo 3,6 para as práticas pedagógicas e 1,6 para os estágios. A
proporção de estudantes que tiveram práticas pedagógicas em suas
disciplinas é, entretanto, relativamente menor se comparada aos estágios
(36,8% x 89,5%), fenômeno que ocorre, possivelmente, por elas não serem de
caráter obrigatório e por pressuporem maior envolvimento com a disciplina –
e consequentemente maior participação e mais trabalho para o professor
supervisor.
Observou-se, para além disso, algumas ressalvas a respeito de sua
aplicação, expressadas através das questões discursivas e que apontaram para
“pouca reflexão e alguns momentos práticos muito curtos e desconexos”

219
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

(V.C., 26 anos) e a presença de conteúdos “completamente


descontextualizados dentro da proposta do programa.” (J.C., 28 anos). Nesse
sentido cabe pontuar, portanto, a necessidade do desenvolvimento, em ambas
as estratégias, de um projeto com planejamento para interação com o
ambiente e intervenção profissional adequada aos conteúdos da disciplina.
Essencialmente, é notável que em ambas as estratégias de
aproximação entre teoria e prática há uma grande expectativa por parte dos
alunos, por acreditarem serem essas maneiras efetivas de aprendizagem,
como na descrição a seguir:

Acredito que um programa que possibilite ações práticas no


processo seja muito mais significativo, apresente muito mais
possibilidades de aprendizado, coloque o estudante de Educação
Física em uma situação muito mais próxima a real (mesmo que em
um ambiente minimamente controlado, com a presença de um
orientador/professor) e possibilite mais vivência que serão
fundamentais para a futura ação profissional. (J.C., 28 anos).

É evidente, porém, a falta que os sujeitos da pesquisa sentem da


aplicação desses programas de vivências práticas de maneira bem estruturada
e com apoio aos discentes, o que acaba não favorecendo tanto quanto poderia
e reduzindo o aproveitamento.
Ainda assim, é importante ressaltar que, quando questionados
sobre o que mais contribuiu para o processo de preparação para atuação
profissional com Educação Física Escolar Inclusiva, a maioria das respostas
dos participantes se referiu ou às disciplinas cursadas, ou às vivências
práticas (incluindo, nisso, as práticas pedagógicas e estágios supervisionados
– este último aparecendo em 10 respostas de um total de 16), como pode ser
exemplificado em seguida:

O estágio porque possibilita a visualização, na prática, do que


vemos em sala, que é normalmente muito diferente, e as
discussões para poder levantar novas ideias a partir das relações
que vemos entre universidade x ambiente de trabalho. (M.L., 23
anos).

As vivências, pois além de fazer refletir sobre o tema,


proporcionava algumas ideias de atividades para serem usadas em

220
Vilardaga e Silveira (2020)

sala de aula. (L.D., 25 anos).

Todas as aulas somos provocadas a ler, pensar, discutir,


projetar... sobre como deu-se a história da EI, nomenclatura,
atualidades, especificidades, numa forma consistente e dinâmica.
(A.G., 28 anos).

[sobre a disciplina] refleti que educação inclusiva que um


trabalho inclusivo ultrapassa o estereótipo de trabalhar com
deficiências, mas sim de trabalhar com seres humanos e suas
diferenças. (V.C., 26 anos).

O conteúdo na disciplina específica é mais aprofundado, e o


estágio contribui para aprender um pouco na prática o que é
inclusão da educação física. (C.O., 24 anos).

Estes relatos nos conduzem, mais uma vez, à confirmação da


importância que se atribui, por parte dos atuais e futuros licenciados em
Educação Física, ao papel dos cursos de formação profissional na preparação
para atuação em Educação Inclusiva. Percebe-se ainda uma dificuldade de
entendimento e abordagem sobre o tema – o que é justificável visto a sua
recente discussão – e também, com isso, a sensação de despreparo para lidar
com ele. Sensação essa que, possivelmente, se intensifica na medida em que
há uma clara consciência do poder de atuação – tanto para ascensão quanto
para estagnação dos alunos, como nos aponta Denari (2008) – e da
consequente responsabilidade do professor dentro da escola, combinado com
a insegurança que traz o pouco conhecimento sobre o assunto.
Como uma importante estratégia para auxiliar nesse processo de
preparação profissional com um tema ainda não tão palpável, confirma-se
também o que nos apresentam Pimenta e Lima (2006), quando defendem o
estágio como um eixo central para a formação docente. Ainda que com
diversas críticas ao modo como é aplicado nas faculdades, ele aparece, para
os participantes da pesquisa, como o principal instrumento para a construção
dos saberes necessários para a nossa profissão no contexto da inclusão.
Quanto ao papel das práticas pedagógicas, as considerações dos
profissionais questionados vão de encontro à ideia proposta por Oliveira-
Formosinho (2001), quando esta reforça a sua articulação ao programa
curricular. Esta estratégia apresentou grande aceitação por parte dos alunos,

221
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

mas menor aderência nas disciplinas.


Desta maneira, diante do que foi apresentado até o momento,
podemos avaliar que os professores e futuros professores que passam por
disciplinas com práticas pedagógicas e estágios supervisionados dirigidos e
desenvolvidos no campo escolar em suas formações iniciais apresentam uma
possibilidade de formação profissional mais efetiva para a atuação com o
contexto da educação inclusiva, o que confirma a hipótese do estudo.
Cabe aqui, todavia, uma reflexão: se, mesmo com todas as
dificuldades já mencionadas, relatadas pelos participantes do estudo, para a
aplicação efetiva dessas estratégias de ensino elas permanecem sendo o fator
mais contribuinte para a preparação profissional, é motivador imaginar o
quanto mais estes profissionais poderiam aproveitar de um programa bem
estruturado de associação entre teoria e prática na integração das disciplinas
com o estágio e as práticas pedagógicas.

CONCLUSÃO

A discussão sobre preparação profissional no contexto da


Educação Inclusiva é muito intensa. Ao longo do trabalho pudemos perceber
que seu próprio conceito não é, ainda, unânime entre os estudiosos e que ele
vem, também, se modificando aos poucos. De qualquer maneira, dentro do
que temos definido, sabemos ainda estar distantes de atingirmos um ideal de
Educação Física Escolar Inclusiva.
Com isso em mente, podemos perceber também quão complicado
se torna estabelecer um padrão unanimemente correto sobre como preparar
os profissionais para atuar com ela, até porque talvez isso nem seja uma
realidade. Afinal, seria ideal dispormos de disciplinas específicas para
abordar a inclusão, ou determinar um público e tratá-lo como diferente já
não é uma exclusão por si só? Estas são questões que permearam todo o
trajeto do trabalho, e que Skliar (2006, p. 31) exemplifica de maneira muito
precisa:

Afirma-se que a escola e os professores não estão preparados para


receber os “estranhos”, os “anormais”, nas aulas. Não é verdade.

222
Vilardaga e Silveira (2020)

Parece-me que ainda não existe nenhum consenso sobre o que


signifique “estar preparado” e, muito menos, acerca de como
deveria se pensar a formação quanto às políticas de inclusão
propostas em todo o mundo.

Como apontado por um dos participantes, talvez o objetivo final


seja que, um dia, as discussões nos cursos de formação profissional sejam
sobre a Educação como um todo, sem se preocupar com o termo “inclusão”.
Ele já não será mais necessário, visto que será um conceito naturalizado:
dizer “Educação Inclusiva” será considerado uma redundância. Mas ainda
temos um caminho longo a percorrer até lá e, por ora, talvez uma possível
solução seja de fato prestarmos atenção a esse propósito e refletir sobre ele
de maneira coerente e embasada.
E que maneira seria mais coerente que o alinhamento entre a
observação e interação com a realidade e o embasamento teórico? Como nos
afirma Pimenta (2002, p. 63), ao defender a unidade entre teoria e prática, “a
atividade teórica é que possibilita de modo indissociável o conhecimento da
realidade e o estabelecimento de finalidades para sua transformação. Mas
para produzir tal transformação não é suficiente a atividade teórica; é preciso
atuar praticamente”. Nesse sentido, fica nítida a impossível dissociação entre
esses dois polos.
Este trabalho buscou entender como essa relação se apresenta,
então, nos cursos de licenciatura em Educação Física e chegou à conclusão
que, tal como o ideal de Educação Inclusiva, essa ideia de unidade teórico-
prática ainda se mostra, também, distante da realidade, por mais que já
creditada pela literatura sobre o assunto e pela opinião dos futuros
professores e dos professores formados e atuantes.
Se por outro lado, se evidencia a distância entre essa ideal
integração e o que acontece nos cursos, espera-se que o presente estudo
tenha, também, despertado possíveis caminhos para como melhor aproveitar
essa possibilidade tão importante.

223
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Internship and pedagogical practices in the teaching training process


for action in Inclusive School Physical Education

Abstract: Inclusive School Physical Education is a current topic of study in the field
of Education, and it is in constant discussion. Also, there is a lot of difficulty on the
part of the active teachers to recognize it and apply it in the school routine, with
questions about the preparation provided by the initial training courses. The study
aimed to evaluate whether the training of licensed professionals in Physical
Education allows their actions within the perspective of school inclusion, focusing
on how undergraduate courses the theoretical-practical emphases are distributed in
their content and assessing whether there is an articulation between them. The
instruments used for research and data collection were: a) sources dealing with
Inclusive Education, internships and pedagogical practices combined with teacher
training; b) application of an online questionnaire with open and closed questions.
The participants were student graduated on Physical Education (from 2012) and
future teachers who took courses that deal with the themes involved under the field
of Inclusive Physical Education. It observed the importance given to the strategies of
approximation between theory and practice in the professional training process, as
well as the difficulties encountered in this application.
Keywords: School Physical Education. Inclusion. Teacher training. Internship.
Pedagogical practice.

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224
Vilardaga e Silveira (2020)

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225
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Desafios e possibilidades para o ensino


da Educação Física no processo
de inclusão educacional de alunos
com Transtorno do Espectro Autista

Glenda dos Santos Pinheiro (UEPA) *


Vanessa Rodrigues Cuns (UEPA) **
Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito (UEPA) ***
Anibal Correia Brito Neto (UEPA) ****

Resumo: O cenário de promulgação de um conjunto de ordenamentos legais em prol de


um sistema educacional inclusivo tem impulsionado a formulação de respostas ao quadro
dissonante entre os preceitos jurídicos e a realidade dos diferentes ambientes escolares.
O objetivo geral deste estudo se configurou em analisar os limites e as possibilidades da
prática pedagógica de professores de Educação Física escolar envolvidos em processos de
inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista. Para tanto, realizamos pesquisa
bibliográfica, na modalidade revisão sistemática, da produção científica veiculada no
Portal de Periódicos da Capes, no SciELO, no BVS/BIREME e no Google Acadêmico. Os
resultados indicaram que as principais dificuldades de uma prática pedagógica inclusiva
estão relacionadas a uma inconsistente base teórica dos sujeitos envolvidos no processo
de inclusão escolar, tanto em relação ao sentido atribuído ao processo de inclusão quanto
à especificidade e implicações do Transtorno do Espectro Autista para o processo de
ensino e aprendizagem. Tal fragilidade teórico-conceitual foi relacionado a múltiplos
fatores, entre os quais: insuficiência na qualificação profissional, ausência de
planejamento, falta de experiência prévia e dúvidas e insegurança por parte do professor
em relação ao autismo, o que tem implicado em profundas dificuldades apontadas pelos
professores da área para lidar com as características típicas da deficiência. Diante desse
quadro, tem prevalecido o entendimento de que o princípio da individualidade deve
prevalecer, de modo que o aluno, com suas características e limitações, sirva como
parâmetro para organização da intervenção pedagógica, gerando, assim, um modelo
adaptado e pautado nas potencialidades e interesses destes, com vistas à diminuição dos
seus déficits e limitações, a fim de constituir as aulas de Educação Física como espaços
onde aconteçam experiências relevantes e significativas para o processo de inclusão
educacional.
Palavras-chave: Educação Física. Prática Profissional. Inclusão Educacional. Autismo.

* Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: glendapinheiiro@gmail.com


** Licenciada em Educação Física (UEPA). E-mail: vanessarodriguescuns@gmail.com
*** Doutora em Educação (UFSC). Professora na Universidade do Estado do Pará.
E-mail: eliane_aguiar@yahoo.com.br
**** Doutor em Educação (UFSC). Professor na Universidade do Estado do Pará.
E-mail: anibal.neto@uepa.br

226
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

INTRODUÇÃO

egundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019), estima-se


que 1 em cada 160 crianças tenham o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Tal avaliação é, contudo, reconhecida pela própria instituição como um valor
médio, visto que tal prevalência tende a variar substancialmente entre os
estudos. A entidade pondera, ainda, que uma maior conscientização, somado
a ampliação de critérios e melhores ferramentas para o diagnóstico e
construção dos relatórios parecem estar elevando substancialmente esses
números em âmbito global (OMS, 2019).
Em concordância com este prognóstico, os dados dos Centros de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência de proteção à saúde norte-
americana, em acompanhamento realizado em 11 locais que integram a Rede
de Monitoramento do Autismo e Desenvolvimento (ADDM) dos Estados
Unidos, registrou que o TEA alcançou a prevalência de 1 para cada 59
crianças com 8 anos de idade (BAIO et al., 2018).
No Brasil, a alegação de que a inexistência de dados oficiais sobre
este segmento da população seria o principal obstáculo à adoção de políticas
públicas por parte do Estado e dos seus gestores, em especial naquilo que se
refere à Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a “Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista” (BRASIL, 2012), repercutiu na mudança legislativa trazida pela Lei
nº 13.861, de 18 de julho de 2019, a qual incluiu as especificidades inerentes
ao TEA nos censos demográficos (BRASIL, 2019).
No que diz respeito à política educacional, a instituição da
referida Política Nacional voltada ao TEA, já havia assegurado alguns
direitos, dentre os quais destaca-se o acesso à educação e ao ensino
profissionalizante, bem como a ratificação da inclusão da pessoa com TEA
nas classes comuns de ensino regular. Somado a isso, estabeleceu-se o
pagamento de multa e posterior perda do cargo para aquele gestor ou
autoridade competente que recusar-se a matricular aluno com TEA (BRASIL,

227
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

2012).
Contudo, apesar da promulgação de ordenamentos legais em prol
de um sistema educacional inclusivo, as experiências vividas ao longo do
currículo formativo, em especial no âmbito dos estágios curriculares
obrigatórios, revelaram indicadores didático-pedagógicos indiferentes ao
tema da inclusão. No que se refere ao acompanhamento das aulas de
Educação Física escolar, tanto a prática pedagógica realizada em sala de aula
quanto aquela desenvolvida em espaços abertos não sinalizavam
ressignificações ou mesmo ajustes pontuais por parte dos professores que
exerciam a atividade docente. Nesse cenário, os alunos com TEA ficavam
restritos ao acompanhamento especializado, de modo completamente alheio
ao conjunto dos alunos e às vivências com os elementos da cultura corporal
proposta pelo professor.
Portanto, devido à contradição entre o universo da prática
pedagógica e os princípios veiculados na legislação educacional brasileira,
com destaque para a recente publicação da Base Nacional Comum Curricular,
que reiteram o necessário “compromisso com os alunos com deficiência,
reconhecendo a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de
diferenciação curricular” (BRASIL, 2018, p. 16), passamos a problematizar os
desafios para a materialização de processos inclusivos de alunos com TEA
nas aulas de Educação Física escolar.
Dessa forma, o objetivo geral do estudo se configurou em analisar
os limites e as possibilidades da prática pedagógica de professores de
Educação Física escolar envolvidos em processos de inclusão de alunos com
TEA. Para tanto, os objetivos específicos se desdobraram em: caracterizar o
TEA e as decorrências das peculiaridades deste transtorno para os processos
de inclusão escolar; discutir as principais dificuldades enfrentadas por
professores de Educação Física na inclusão deste grupo específico; e
descrever as principais estratégias metodológicas utilizadas pelos professores
de Educação Física neste processo pedagógico inclusivo.

228
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

MATERIAL E MÉTODOS

Com base em Marconi e Lakatos (2009), devido à fonte de


obtenção de dados predominante no estudo, essa se caracteriza por uma
pesquisa do tipo bibliográfica. Trata-se, porém, de uma revisão sistemática, a
qual busca disponibilizar “um resumo das evidências relacionadas a uma
estratégia de intervenção específica, mediante a aplicação de métodos
explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da
informação selecionada” (SAMPAIO; MANCINI, 2007, p. 84).
As fontes de informações eletrônicas utilizadas foram a Scientific
Electronic Library Online (SciELO), o Portal de Periódicos da Capes, o Portal
Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS/BIREME) e o Google
Acadêmico. As palavras-chave empregadas na busca da produção científica
sobre o tema foram as combinações dos seguintes termos: Autismo, Educação
Física e Inclusão Escolar.
Como critérios de inclusão dos textos, adotamos que estes
precisariam ser artigos publicados em periódicos científicos, escritos em
língua portuguesa, que denotassem pesquisa de campo envolvendo
professores de educação física no exercício da prática pedagógica com alunos
autistas em ambiente escolar e que fossem produções publicadas a partir do
ano de 2008 até o ano de 2018. O Quadro 1 revela o número de artigos
selecionados em relação ao total de produções levantadas por banco de
dados.

Quadro 1 – Número de artigos pelo total de arquivos levantados


nos bancos de dados
Bancos de Dados Arquivos em Geral Artigos Selecionados
Scientific Electronic
03 01
Library Online (SciELO)
Portal de Periódicos da
29 01
Capes
Portal Regional da
Biblioteca Virtual em 10 00
Saúde (BVS/BIREME)
Google acadêmico 450 04
Total 492 06
Fonte: Bancos de dados utilizados na pesquisa.

229
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Por meio da avaliação dos títulos e resumos e, em alguns casos, a


leitura do artigo na íntegra, foi possível selecionar seis artigos que atendiam
aos critérios de inclusão, conforme revela o Quadro 2.

Quadro 2 – Artigos selecionados por periódicos e ano de publicação


n.º Autores Título do Artigo Periódico Ano
Inclusão e educação física
VAZ, R. C. S.; escolar; realidade e
01 Olhares e Trilhas 2009
SANTOS, C. S. possibilidades para alunos com
autismo na escola comum
Cadernos de
BASTOS, Y. C;
A inclusão de crianças autistas Pesquisa e
02 CARDOSO, M. 2016
na educação física escolar Extensão Desafios
A. R. B.
Críticos
FIORINI, M. L. Dificuldades e Sucessos de Revista Brasileira
03 S.; MANZINI, Professores de Educação Física de Educação 2016
E. J. em Relação à Inclusão Escolar Especial
Contribuições da educação
física escolar na inclusão de
alunos com transtorno do
PEZZUOL, M. Qualif – Revista
04 espectro autista (TEA) no 2017
L. M. Acadêmica
ensino público regular do
estado de São Paulo – um
estudo de caso
Reflexão sobre a prática
SILVA, P. B. inclusiva do profissional de
Revista Científica
05 M.; VALA, T. educação física com alunos 2017
Cultural
M. autistas em escolas municipais
de Sorriso/MT
SILVA, B. L. Contribuição da educação física
Diálogos
06 A.; OLIVEIRA, escolar para crianças com 2018
Interdisciplinares
M. F. L. espectro autista
Fonte: Banco de dados utilizado na pesquisa.

Posteriormente à seleção dos textos nos bancos de dados,


avançamos para a verificação minuciosa do conteúdo dos artigos, tendo por
base as reflexões de Minayo (2007, p. 406) de que “a análise de conteúdo se
inicia em fase de pré-análise, para posteriormente haver uma exploração do
referencial e em seguida um tratamento e reflexão dos resultados obtidos”.

230
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E OS PROCESSOS DE INCLUSÃO ESCOLAR

De acordo com a Associação Americana de Psicologia (2014), por


meio da publicação do seu Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos
Mentais (DSM-5), o Transtorno do Espectro Autista caracteriza-se como um
Transtorno do Neurodesenvolvimento que apresenta como critérios
fundamentais para o seu diagnóstico os déficits persistentes na comunicação
social e na interação social em múltiplos contextos, somado aos padrões
restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.
Para os CDC estadunidenses, os níveis de comprometimento que
tal Transtorno pode gerar no âmbito social, comunicativo e comportamental,
implicam em diversos graus de prejuízos no exercício das atividades
cotidianas das pessoas acometidas. Essa diversificação nos sinais e sintomas
da deficiência geram diferentes formas de aprender, prestar atenção ou reagir
aos estímulos (CDC, 2018).
Portanto, a agência de proteção à saúde norte-americana, alerta
que devido o difícil diagnóstico pautado na análise comportamental e do
desenvolvimento da criança por um profissional experiente, geralmente até
os dois anos de idade, muitas crianças têm recebido o diagnóstico de maneira
tardia, o que tem atrasado os serviços de intervenção precoce, responsáveis
pelo desenvolvimento de habilidades fundamentais, tais como o auxílio para
que a criança possa conversar, caminhar e interagir com outras pessoas
(CDC, 2018).
Embora não existam medicamentos que possam curar o TEA ou
tratar os seus sintomas centrais, os CDC (2015) classificam os diferentes
tipos de tratamento desta deficiência em quatro categorias: 1) abordagens do
comportamento e comunicação, que são aqueles que fornecem estrutura,
direção e organização para a criança. Incluem-se nesta categoria os diferentes
tipos de Análise Comportamental Aplicada (ABA), a Abordagem Baseada no
Desenvolvimento, nas Diferenças Individuais e na Relação (DIR), o
Tratamento e Educação de Autistas e Crianças com Limitações Relacionadas
à Comunicação (TEACCH), a Terapia Ocupacional, a Terapia de Integração
Sensorial, a Terapia da Fala, e o Sistema de Comunicação por Figuras (PECS);

231
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

2) abordagens dietéticas, as quais baseiam-se na ideia de que alergias


alimentares ou falta de vitaminas e minerais causam sintomas de TEA; 3)
medicação, a qual pode ajudar a administrar altos níveis de energia,
incapacidade de concentração, depressão ou convulsões; e 4) medicina
complementar e alternativa, que podem incluir dietas especiais, terapia por
quelação (um tratamento para remover metais pesados como o chumbo do
corpo), biológicos (por exemplo, secretina) ou sistemas baseados no corpo
(como o uso de pressão profunda).
Nos Estados Unidos, uma campanha dos CDC denominada
“Aprenda os Sinais. Aja Cedo”, tem se estruturado como um Programa que
visa melhorar a identificação precoce de crianças com autismo e outras
deficiências de desenvolvimento, com o fim de assegurar às crianças e
familiares os serviços e apoio de que necessitam. Estruturada a partir de três
componentes fundamentais – campanha de educação em saúde, iniciativa
agir cedo, e pesquisa e avaliação – os resultados deste Programa têm indicado
que mais pais tem atentado aos marcos de desenvolvimento infantil, que mais
pediatras têm conversado de maneira confiante com os pais sobre o
desenvolvimento de seus filhos, conhecem os recursos e podem educar os
pais, que a colaboração entre programas de educação infantil em estados e
territórios tem sido promovido com a finalidade da sua melhoria e, por fim,
que projetos de pesquisas e avaliações têm avançado no entendimento de
como melhorar a identificação precoce de crianças com autismo e outras
deficiências de desenvolvimento, especialmente entre grupos populacionais
com disparidades no acesso à saúde (CDC, 2017).
Entre os materiais produzidos pelo Programa, destaca-se o kit
voltado aos professores de educação infantil, nomeado de “Saia e Jogue!”.
Com foco no monitoramento do desenvolvimento infantil durante a
promoção de atividades lúdicas, o kit oferece ao educador exemplos de
atividades para crianças de 3 a 5 anos de idade, informações sobre o
monitoramento de marcos de desenvolvimento infantil, sugestões para tornar
o dia de atividade bem-sucedido e divertido, dicas sobre como abordar os
pais em caso de suspeita de que uma criança esteja com atraso no
desenvolvimento e um encarte especial com atividades para que os pais

232
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

possam brincar em casa (CDC, 2009).


No Brasil, o ano de 2012 demarcou a instituição da Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, por meio da Lei nº 12.764/2012, a qual desdobrou-se em orientações
aos Sistemas de Ensino para a implementação deste ordenamento legal
descrita na Nota Técnica nº 24, de 21 de março de 2013, proveniente da
Diretora de Políticas de Educação Especial, da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do Ministério da
Educação (BRASIL, 2013).
A partir deste dispositivo oficial, reforçou-se que os Sistemas de
Ensino devem efetuar a matrícula dos estudantes com TEA nas classes
comuns de ensino regular, de modo que seja garantido o acesso ao processo
de escolarização, bem como a oferta aos serviços de educação especial, dentre
os quais: o atendimento educacional especializado complementar e o
profissional de apoio (BRASIL, 2013).
Somado a isso, a Nota Técnica enfatiza a necessidade e
importância da intersetorialidade para a consecução da inclusão escolar,
promovendo a interface entre diferentes áreas na gestão das políticas
públicas. A participação da comunidade na formulação, implantação,
acompanhamento e avaliação das políticas públicas, bem como a formação
dos profissionais da educação voltado à construção de conhecimento para
práticas educacionais que propiciem o desenvolvimento sócio cognitivo dos
estudantes com TEA também foram indicadas como Diretrizes que visam
assegurar às pessoas com deficiências o acesso a um sistema educacional
inclusivo em todos os níveis (BRASIL, 2013).
Portanto, na perspectiva de analisarmos a efetividade da
construção do suposto sistema educacional inclusivo, passaremos para a
análise dos registros disponibilizados na literatura científica na forma de
artigos veiculados em periódicos. O foco, contudo, recairá sobre a
especificidade dos processos inclusivos constituídos no interior do
componente curricular Educação Física na lide com crianças acometidas de
TEA.

233
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A busca por evidências que favoreçam práticas pedagógicas


inclusivas por meio do componente curricular Educação Física é o propósito
maior desta seção. Para tanto, discutiremos a partir dos limites e
possibilidades registrados na literatura científica as principais dificuldades
enfrentadas por professores de Educação Física na inclusão de estudantes
com TEA, bem como as principais estratégias metodológicas viabilizadas para
superar as barreiras encontradas. Nesse sentido, o Quadro 3 indica de forma
sinóptica os elementos fundamentais que estruturam os trabalhos analisados
neste estudo, os quais passaremos a examinar de modo detido.

Quadro 3 – Características essenciais dos estudos selecionados


(continua)
Estudo Objetivos Procedimentos
Analisar as ações pedagógicas Pesquisa de Campo em que foram
realizadas pela escola e a prática realizadas entrevistas
Vaz e
pedagógica do professor de semiestruturadas com a diretora,
Santos
Educação Física para atender às coordenadora pedagógica e o
(2009)
necessidades educativas da aluna professor de educação física de uma
com autismo. escola de Catalão/GO.
Abordar a importância da Educação Entrevista com três professores de
Física Inclusiva para as crianças Educação Física de uma Instituição
com Transtorno do Espectro do de Ensino Privado e dez
Bastos e
Autismo, analisando as dificuldades responsáveis pelos menores
Cardoso
dos alunos em interagir com os vulneráveis, no município de
(2016)
demais e o nível de aceitação da Aracaju/SE.
síndrome em relação aos pais e
professores de educação física.
Identificar as situações de Filmagens de aulas de dois
dificuldade e as situações de professores de Educação Física que
sucesso de dois professores de atuavam em Escola Municipal de
Fiorini e Educação Física, em turmas Ensino Fundamental, do 1° ao 5°
Manzini regulares em que há alunos com de ano, de uma cidade da região
(2016) ciência e alunos com autismo Centro-Oeste do Estado de São
matriculados, para subsidiar o Paulo.
planejamento de uma formação
continuada.

234
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

(conclusão)
Estudo Objetivos Procedimentos
Apresentar atividades pedagógicas Estudo de Caso com o registro
curriculares desenvolvidas nas aulas audiovisual e do depoimento das
de educação física dentro de uma mães dos alunos com TEA acerca da
Pezzuol escola pública regular do Estado de integração destes no
(2017) São Paulo que favoreçam o processo desenvolvimento das aulas de
de aprendizagem e inclusão de educação física do ensino
alunos com TEA. fundamental II, em uma escola
pública do estado de São Paulo.
Destacar a práxis de inclusão de Pesquisa de campo com aplicação de
indivíduos acometidos pelo questionário à seis professores de
Silva e
Transtorno do Espectro Autista – Educação Física que atuam na
Vala
TEA nas aulas de educação física de Educação Infantil e Ensino
(2017)
cinco escolas municipais de Fundamental I e que possuem
Sorriso/MT. alunos autistas.
Analisar se as práticas corporais Estudo de caso realizado a partir de
aplicadas nas aulas de Educação dez aulas com a participação de um
Física escolar auxiliam na interação aluno de sete anos de idade com
Silva e do aluno com espectro autista; diagnóstico do espectro autista, em
Oliveira investigar os efeitos das aulas no uma escola pública da rede estadual
(2018) comportamento do aluno; e no alto Tietê/SP. Utilizou-se como
observar como as brincadeiras instrumento de coleta de dados a
podem auxiliar no seu observação e aplicação da Escala de
desenvolvimento sócio afetivo. Avaliação do Autismo na Infância.
Fonte: Artigos utilizados na pesquisa.

O primeiro aspecto a ser ressaltado como dificuldade em relação


aos processos de inclusão escolar de pessoas com TEA é a inconsistente base
teórica dos sujeitos que compõem a comunidade escolar acerca de temas
fundamentais para a materialização de processos inclusivos. Enquanto Vaz e
Santos (2009) identificaram falta de clareza sobre a perspectiva teórico-
conceitual de inclusão escolar defendida pelos agentes educacionais
entrevistados, Bastos e Cardoso (2016) e o próprio estudo de Vaz e Santos
(2009) apontaram significativa carência de conhecimento sobre o Autismo e
suas características no discurso dos educadores que participaram de ambas
as investigações.
Tal fragilidade teórica pode estar relacionada com a falta de
preparo/qualificação dos profissionais que atuam na escola (VAZ; SANTOS,
2009) ou à carência de um plano de trabalho e um projeto pedagógico que

235
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

amparem e orientem as mudanças necessárias na prática pedagógica,


conforme indicou pesquisa de Vaz e Santos (2009) e Fiorini e Manzini (2016),
ou ainda com a falta de experiência prévia na organização do trabalho
pedagógico direcionado às pessoas com necessidades especiais indicada por
Bastos e Cardoso (2016) e dúvidas e insegurança por parte do professor em
relação ao autismo (FIORINI; MANZINI, 2016).
A partir da aplicação de questionário com questões abertas
envolvendo seis professores de Educação Física, Silva e Vala (2017)
assinalam que 100% dos profissionais entrevistados possuíam conhecimento
inadequado sobre o TEA, 83,3% não possuíam nenhuma formação específica
para trabalhar com crianças acometidas de TEA e 66,7% apresentavam curto
tempo de experiência em relação ao trabalho pedagógico com crianças com
TEA.
Diante desse perfil indicativo dos profissionais envolvidos com os
processos inclusivos, Silva e Vala (2017) assinalam que as principais
dificuldades apontadas pelos professores da área foram de lidar com as
próprias características da deficiência, a falta de estrutura escolar e a baixa
integração dos pais ao contexto escolar.
Em concordância com o primeiro aspecto levantado por Silva e
Vala (2017), a pesquisa de Silva e Oliveira (2018) também apresentou como
principal dificuldade da intervenção pedagógica dos professores as limitações
para superar os problemas decorrentes das manifestações típicas do TEA, de
forma que os déficits quanto à interação social e comunicação verbal geraram
prejuízos e limitações em relação à experiência pedagógica proposta,
afetando desde a interação com as outras crianças à participação e o
compartilhamento das atividades coletivas.
Fiorini e Manzini (2016) demonstraram que qualquer desatenção
às características do TEA por parte do professor pode gerar ações que vão na
contramão dos processos inclusivos. Como exemplo, apontam um professor
que apresentou a mesma instrução e de modo exclusivamente verbal para
uma turma que havia um aluno com autismo, tornando a atividade pouco
acessível para este aluno.
Por outro lado, quanto aos aspectos metodológicos favoráveis

236
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

envolvidos nos processos de inclusão escolar de alunos com TEA, foi


recorrente o entendimento de que o princípio da individualidade deve
prevalecer. Segundo Vaz e Santos (2009) não existe fórmula ou receita, ou
como nos dizeres de Pezzuol (2017), uma prescrição ou um modelo de
intervenção determinado, mas sim a adoção do “aluno como parâmetro de si
mesmo [...] é necessário considerar que o que funciona para um aluno ou
para muitos, não funciona para todos” (VAZ; SANTOS, 2009, p. 57), ou seja,
como reafirma Pezzuol (2017), o importante seria construir, em colaboração
com a criança autista e sua família, um modelo adaptado de intervenção
pedagógica que esteja de acordo com suas características e limitações,
“pautadas na realização pelo prazer, pela afetividade, por estímulos no
aprendizado para que o aluno tenha vontade de participar e sentir-se
acolhido” (PEZZUOL, 2017, p. 4).
Tal entendimento é acompanhado por Silva e Vala (2017), as
quais defendem que a inclusão de alunos com TEA, seja qual for o panorama
pedagógico, deve basear-se em uma metodologia centrada neste, de maneira
que se desperte as potencialidades e interesses destes, com vistas à
diminuição dos seus déficits e limitações.
Silva e Vala (2017) também apontam que a adaptação das aulas
seria o princípio adequado para os processos de inclusão escolar. Segundo as
autoras, a operacionalização deste princípio é realizada com a introdução de
bastante movimentos, aulas individualizadas e estímulos para
desenvolvimento da coordenação motora. Conforme os resultados da
pesquisa, a maioria dos profissionais envolvidos indicam a importância do
incentivo e apoio, por meio do esclarecimento para a turma sobre as
dificuldades do colega, de modo que as atividades em duplas busquem a
socialização e a interação, além de priorizar a retenção da atenção através do
movimento. Para os entrevistados, não há planejamento diferenciado para os
alunos com TEA, existindo apenas adaptações para que o aluno com TEA
participe das aulas. Para estas autoras:

[...] os profissionais devem ter uma boa desenvoltura de


estratégias para que possa intervir levando em consideração
possíveis e necessárias adaptações durante uma aula previamente

237
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

planejada. Sendo além de profissional, um companheiro apto a


ajudar a criança a superar suas dificuldades. (SILVA; VALA,
2017, p. 149).

Já para Vaz e Santos (2009) e Pezzuol (2017) a possibilidade de


adaptação do conteúdo da proposta curricular de Educação Física com vistas
ao desenvolvimento, integração e socialização dos alunos com TEA estaria na
importância de se respeitar os diferentes graus e intensidades de
comprometimento e comportamento manifestados pela deficiência em
questão. Nesse sentido, Vaz e Santos (2009) ressaltam a necessidade de
diferenciação da aula inclusiva, não no sentido de mudança do conteúdo, mas
na perspectiva da maior atenção concedida ao aluno autista e nas adaptações
empreendidas com base em regras mais maleáveis e em respeito às limitações
percebidas.
Corroborando com tal procedimento, Silva e Oliveira (2018)
apresentaram que durante as atividades grupais aplicadas, diante da pouca
ou nenhuma interação do aluno autista com as demais crianças, foi
necessário a constante orientação do professor para que o aluno pudesse
participar da atividade, além de adaptações e demonstrações específicas para
que execuções fossem realizadas, mesmo que permeada por bastante
dificuldades.
Fiorini e Manzini (2016) também ressaltaram como elemento
positivo de práticas pedagógicas inclusivas as adaptações das regras e o
reforço das explicações, seja coletivamente no início das atividades ou
individualmente quando necessário. Além disso, os autores enfatizaram a
relevância de uma conduta que busque manter a atenção dos alunos com TEA
e o convite permanente para que estes voltem às atividades, bem como a
manutenção de rotinas de exercícios e alongamentos, de modo que os alunos
os reconheçam e possam executá-los.
Outro ponto relevante indicado pelo estudo de Vaz e Santos
(2009) e FIorini e Manzini (2016) acerca do fomento aos processos inclusivos
de crianças com TEA nas aulas de Educação Física foi a menção à
necessidade de apoio escolar, de modo que para Vaz e Santos (2009) torna-se
fundamental o fornecimento de condições materiais e arquiteturas

238
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

adequadas, bem como a contratação de professor de apoio.

CONCLUSÃO

Entre as importantes funções da realização de revisões


sistemáticas está a organização de evidências que possibilitem a identificação
e o debate entre os profissionais de determinada área do conhecimento sobre
os procedimentos recorrentemente adotados em situações e intervenções
específicas. No estudo em questão, com foco na prática pedagógica da
Educação Física em cenários inclusivos, a pretensão inicial se materializou
em analisar os limites e as possibilidades expressas nas dificuldades e
decisões metodológicas adotadas no interior deste componente curricular da
Educação Básica acerca da inclusão de alunos com TEA.
Diante do cotejamento de diferentes estudos que indicaram o
insuficiente respaldo teórico-científico na constituição de processos
educacionais inclusivos, em especial, no âmbito das práticas pedagógicas da
Educação Física envolvendo alunos com TEA, torna-se imperiosa a urgência
da inclusão educacional ser assumida como um compromisso primordial de
todos os envolvidos no processo de escolarização. A ideia de que o princípio
da individualidade deve balizar as decisões pedagógicas e de que não deva
existir um modelo de intervenção determinado previamente não pode se
confundir com a defesa do empirismo pedagógico. A noção do que seja
inclusão e o entendimento sobre as especificidades e características das
diversas deficiências devem ser objeto de estudo rigoroso daqueles que
compõe a comunidade escolar.
Somado a isso, os espaços de formação inicial e continuada
devem colocar à prova os métodos de intervenção elaborados e validados
pelo conhecimento científico, do mesmo modo que as produções mais atuais
sobre as diferentes deficiências devem ser acessadas pelos professores em
formação e também divulgados entre pais e responsáveis deste segmento
educacional.
Contudo, é importante frisar que processos inclusivos não se
engendram apenas por meio da promulgação de dispositivos legais. Para

239
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

tanto, é fundamental que condições estruturais sejam viabilizadas, a fim de


possibilitar que tanto o ambiente escolar quanto as aulas de Educação Física
se materializem como espaços onde aconteçam experiências relevantes e
significativas para o processo de inclusão educacional.

240
Pinheiro, Cuns, Brito e Brito Neto (2020)

Challenges and possibilities for teaching Physical Education in the process of


educational inclusion of students with Autistic Spectrum Disorders

Abstract: The scenario of the promulgation of a set of legal orders in favor of an


inclusive educational system has driven the formulation of responses to the
dissonant picture between the legal precepts and the reality of different school
environments. The general objective of this study was to analyze the limits and
possibilities of pedagogical practice of school Physical Education teachers involved
in processes of inclusion of students with Autistic Spectrum Disorders. For this
purpose, we carried out bibliographic research, in the systematic review modality, of
the scientific production published in the Capes Journal Portal, SciELO,
VHL/BIREME and Google Scholar. The results indicated that the main difficulties of
an inclusive pedagogical practice are related to an inconsistent theoretical basis of
the subjects involved in the school inclusion process, both concerning the meaning
attributed to the inclusion process and the specificity and implications of Autistic
Spectrum Disorders for the teaching and learning process. Such theoretical-
conceptual weakness was related to multiple factors, among which: insufficient
professional qualification, lack of planning, lack of previous experience and doubts
and insecurity on the part of the teacher about autism, which has resulted in
profound difficulties pointed out by area teachers to deal with the typical
characteristics of the disability. It has prevailed the understanding that the principle
of individuality is crucial, which means that the student, with its characteristics and
limitations, serves as a parameter for organizing the pedagogical intervention. Thus
generating a model adapted and based on their potential and their interests,
intending to reduce their deficits and limitations, to constitute Physical Education
classes as environments where relevant and significant experiences for the
educational inclusion process happen.
Keywords: Physical Education. Professional Practice. Educational Inclusion. Autism.

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243
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

O ensino da Educação Física


na educação infantil:
reflexões a partir da interculturalidade

Laíne Rocha Moreira (UEPA) *


Larici Keli Rocha Moreira (IFPA) **

Resumo: Trata-se de uma revisão de bibliografia, exploratória, e de abordagem qualitativa


que objetiva problematizar o ensino da educação física na educação infantil sob um olhar
a partir da interculturalidade. O estudo aborda a centralidade da cultura nos debates
educacionais, com ênfase em uma perspectiva de educação crítica baseado nas análises da
educação intercultural e seus reflexos na educação física nos primeiros anos da educação
básica. Por fim, aponta achados que contribuem para o desenvolvimento de atividades de
ensino que abarcam elementos condizentes com uma proposta de educação que respeite
as diversas culturas das crianças inseridas na educação infantil, por meio do
estabelecimento de um diálogo e da interação entre elas no espaço escolar.
Palavras-chave: Educação Infantil. Educação Física. Interculturalidade. Cultura.

* Mestra em Educação (UEPA). Professora na Universidade do Estado do Pará.


E-mail: laine.rocha@uepa.br.
** Especialista em Políticas Educacionais e Saberes Docentes (IFPA).
E-mail: larici.rocha@ifpa.edu.br.

INTRODUÇÃO

perspectiva intercultural emerge no contexto das lutas contra os


processos crescentes de exclusão social, ao reconhecer o sentido e a
identidade cultural de cada grupo social, mas ao mesmo tempo, valoriza o
potencial educativo dos conflitos enquanto se busca desenvolver a interação
e a reciprocidade entre grupos diferentes, como fator de crescimento e
enriquecimento cultural (FLEURI, 2002).

244
Moreira e Moreira (2020)

A vertente intercultural vai além do multiculturalismo67, pois não


apenas reconhece que em um mesmo território existem diferentes culturas,
“é uma maneira de intervenção diante dessa realidade, que tende a colocar a
ênfase na relação entre culturas” (FLEURI, 2003, p. 27). Dessa forma, o
interculturalismo enfatiza a possibilidade de convivência, diálogo e
intercâmbio de diversas culturas numa mesma sociedade.
Apoiadas numa perspectiva crítica de educação, visualiza-se a
necessidade de realização de pesquisas com foco na interculturalidade, pois
tal debate contribui para o desenvolvimento de reflexões acerca da
importância do diálogo entre culturas diversas, visto que suas ponderações
podem disseminar práticas educativas acolhedoras e respeitosas em todas as
etapas da educação básica.
O ensino da Educação Física na educação infantil da rede básica
de ensino, a partir do reconhecimento quanto à sua importância para o
desenvolvimento plural da criança, trouxe experiências positivas quanto ao
acolhimento de alunos de culturas diversas nas aulas, particularmente nas
práticas corporais.
Com o objetivo de problematizar o ensino da Educação Física na
educação infantil sob a perspectiva da interculturalidade, surgiu a seguinte
questão norteadora da pesquisa: Quais as contribuições da perspectiva
intercultural para o ensino da educação física na educação infantil?
Dessa forma, será realizada uma revisão de bibliografia, de cunho
exploratório e abordagem qualitativa. Para coleta de dados serão utilizadas
fontes secundárias, advindas de artigos científicos dos principais periódicos
da área.

METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão bibliografia, do tipo exploratória e


qualitativa. Marconi e Lakatos (2014, p. 43-44) consideram que a pesquisa

67 Corrente teórica, cujos principais escritos surgiram com as pesquisas de McLaren (2000) –

autor reconhecido internacionalmente como principal representante da pedagogia crítica e da


educação pós-moderna.

245
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

bibliográfica “trata-se de levantamento de toda a bibliografia já publicada,


em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita”. As
autoras acrescentam ainda, “que sua finalidade é colocar o pesquisador em
contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto
[...]”.
A pesquisa exploratória, tem a finalidade de proporcionar maior
familiaridade com o problema e descrever as características ou as relações
entre as variáveis de uma determinada população ou fenômeno (GIL, 2010).
Além disso, o estudo assume abordagem qualitativa, uma vez que
para Lakatos e Marconi (2011) a metodologia qualitativa remete ao
embasamento teórico, que deve ser construída para compreender, explorar e
aprofundar-se no contexto do objeto pesquisado. Desta forma, a pesquisa
qualitativa remete a uma análise do discurso obtido, no qual deve-se explicar
com fundamentação teórica, o assunto evidenciado (LAKATOS; MARCONI,
2011). Deste modo, o método qualitativo permite melhor análise do
fenômeno, sem necessidade de quantificação dos dados.
Assim, foi realizada uma revisão de bibliografia por meio de
buscas sistematizadas em artigos científicos advindos de principais
periódicos on-line da área e trabalhos publicados em anais de eventos. As
buscas foram efetuadas em bases de dados como: a Scientific Electronic
Library Online (SciELO) e Portal de Periódicos da Capes, entre outros. Os
trabalhos foram identificados a partir de buscas realizadas nas bases de
dados acima mencionadas que constam os seguintes descritores em seus
títulos ou palavras-chave: “educação infantil; educação física;
interculturalismo; interculturalidade; educação intercultural. A partir da
leitura nos títulos, resumos e palavras-chave das pesquisas, foram
selecionados apenas trabalhos que se propuseram tecer reflexões acerca das
perspectivas da interculturalidade na educação infantil, com foco na
Educação Física.

A CULTURA COMO ELEMENTO NORTEADOR DO DEBATE INTERCULTURAL

Os escritos em relação as perspectivas voltadas para a corrente

246
Moreira e Moreira (2020)

teórica do interculturalismo são norteadas a partir das reflexões em torno da


cultura. Por isso, para iniciar o debate, cabe conceituá-la. Para Geertz (1989)
o conceito de cultura, é essencialmente semiótico por fundamentar-se no
compartilhamento de ideias, formada por uma teia de significados. Para o
autor, essa teia de significados é construída historicamente e expressa
simbolicamente por meio das relações sociais, por meio das delas os
indivíduos dialogam, constroem e desenvolvem seus costumes e atividades da
vida diária.
Por isso, segundo Knechtel (2005, p. 34)

cultura é tudo o que os homens fazem e adquirem em sociedade,


enquanto membros da sociedade. É o complexo total que inclui o
conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e
quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridas pelo homem e
pela mulher como membros da sociedade.

Isso significa dizer, conforme a ideia da autora, que cultura


integra todas as manifestações e hábitos sociais, os modos de vida de uma
comunidade. Talvez por isso, que a cultura tem assumido a centralidade nos
principais debates educativos na pós-modernidade.
Daólio (2004) considera que a cultura é o principal conceito para
a Educação Física, pois todas as manifestações corporais humanas expressas
por meio dos jogos, ginásticas, danças e esportes serem geradas numa dada
cultura. Na concepção do autor:

O profissional de educação física não atua sobre o corpo ou com


o movimento em si, não trabalha com o esporte em si, não lida
com a ginástica em si. Ele trata do ser humano nas suas
manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento
humanos, historicamente definidas como jogo, esporte, dança,
luta e ginástica. (DAÓLIO, 2004, p. 9).

Além do conceito expresso por Daólio (2004), considera-se


relevante apresentar Candau (2010, p. 13), a qual afirma que “existe uma
relação intrínseca entre educação e cultura”. Para ela “não há educação que
não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa”, por
isso “não é possível conceber uma experiência pedagógica ‘desculturalizada’,

247
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

isto é, desvinculada totalmente das questões culturais da sociedade”. Por


isso, a importância de desenvolver estudos e pesquisas que tracem uma
relação entre a cultura e a prática educativa, principalmente na educação
infantil, primeira etapa da educação básica.
Na visão da autora, tal relação torna-se expressamente favorável,
devido a necessidade de compreensão da própria formação histórica, já que
para Candau (2010) a América Latina, e precisamente o Brasil, é um
continente construído com uma base multicultural muito forte, na qual as
relações interétnicas foram constantes, principalmente no que diz respeito
aos grupos indígenas e afrodescendentes. Notoriamente, tal formação
histórica foi marcada por intensos processos de discriminação, pela
“eliminação física do outro ou por sua escravidão, que também é uma forma
violenta de negação de sua alteridade” (CANDAU, 2010, p. 17).
É por tal motivo que as reflexões em torno da cultura são
valorizados e devem permear as discussões educacionais, desde a formação
de educadores às suas práticas pedagógicas.

UMA PERSPECTIVA DE EDUCAÇÃO CRÍTICA:


A INTERCULTURALIDADE EM DEBATE

A perspectiva intercultural surgiu a partir dos movimentos


multiculturais que evidenciam a noção de reconhecimento das diferentes
culturas dentro de um mesmo território e recebe destaque nos debates
educacionais (FLEURI, 2002).
Desta forma, em termos gerais, o interculturalismo focaliza
especificamente a possibilidade de respeitar as diferenças culturais e de
integrá-las em uma unidade que não as anule (MOREIRA, 2017). Assim, para
Fleuri (2003, p. 73):

A educação intercultural propõe uma relação que se dá, não


abstratamente, mas entre pessoas concretas. Entre sujeitos que
decidem construir contextos e processos de aproximação, de
conhecimento recíproco e de interação. Relações estas que
produzem mudanças em cada indivíduo, favorecendo a
consciência de si e reforçando a própria identidade. Sobretudo,
promovem mudanças estruturais nas relações entre grupos.

248
Moreira e Moreira (2020)

Para o mesmo autor, trata-se de uma proposta de educação


baseada no respeito à diferença, no reconhecimento das diferentes
manifestações culturais que de certa forma, contribuem para a superação de
atitudes de medo e de intolerância perante o outro, inúmeras vezes
considerado como “diferente”.
Candau (2010, p. 23) considera que a perspectiva intercultural
busca

promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para


o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma
educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos
provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos
socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a
construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam
dialeticamente integradas.

A partir da concepção da autora, pode-se dizer que a perspectiva


educacional do interculturalismo está relacionada ao processo de
comunicação entre culturas distintas, sinônimo de encontro e de diálogo
capazes de produzir transformações nas pessoas, a partir da desconstrução de
hierarquias de poder, onde os humanos possam se interagir sem preconceitos
e discriminações, resguardadas suas “diferenças”.
A educação intercultural estabelece reflexões que permitem a
conscientização acerca dos mecanismos de poder que permeiam as relações
culturais e não desvincula as questões da diferença e da desigualdade
presentes na sociedade contemporânea (CANDAU, 2010 apud SANTOS;
SILVA, 2015).
Pode-se afirmar, no entanto, que tal perspectiva intercultural,
apresenta-se como uma proposta educativa interdisciplinar que põe ênfase na
interação entre indivíduos de culturas diversas, pois, não desconsidera a
pluralidade e tende para o respeito quanto as particularidades de cada
indivíduo.

AS PRÁTICAS CORPORAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Pesquisadores e professores que desenvolvem suas atividades

249
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

profissionais no âmbito da Educação Infantil vivenciam processos de


inquietação e estão em busca de novos paradigmas que possam corresponder
às exigências do contexto educacional, pois compreensões “[...] de criança
como ‘tábula rasa’ e ‘adulto em miniatura’ e de educação propedêutica,
antecipatória ou assistencialista não atendem mais às expectativas das
crianças, das famílias e da sociedade, de maneira geral” (LIMA; AVANÇO,
2011, p. 7753).
Neste viés, estudiosos procuram problematizar as questões que
abrangem a verdadeira finalidade do ensino na educação infantil, como parte
integrante da educação básica, respeitando as particularidades de cada
criança, com base em aportes teóricos que possam subsidiar práticas
educativas plurais.
Por isso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento
legal que norteia os currículos e as propostas pedagógicas das escolas
públicas e particulares do pais, determina que na educação infantil deve-se
“potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a prática
do diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição de
Educação Infantil e a família”, visto que, “a instituição precisa conhecer e
trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade
cultural das famílias e da comunidade” (BRASIL, 2018, p. 36-37).
Além da BNCC, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009), em seu Artigo 4º, definem:

a criança como sujeito histórico e de direitos, que, nas interações,


relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua
identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura
(BRASIL, 2009, p. 1).

A DCNEI ainda cita que “a proposta pedagógica das instituições


de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a
processos de apropriação [...] e articulação de conhecimentos e
aprendizagens de diferentes linguagens” (BRASIL, 2009, p. 2). Adiante,
preconiza no Art. 9 que “as práticas pedagógicas que compõem a proposta

250
Moreira e Moreira (2020)

curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as


interações e a brincadeira” (BRASIL, 2009, p. 4).
A partir desses eixos a BNCC (BRASIL, 2018) define seis direitos
de aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil: conviver, brincar,
participar, explorar, expressar, conhecer-se, os quais asseguram condições
para que as crianças aprendam. Esses eixos admitem a organização de
propostas educativas pelo educador, que permitam

às crianças conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender


as relações com a natureza, com a cultura e com a produção
científica, que se traduzem nas práticas de cuidados pessoais, nas
brincadeiras, nas experimentações com materiais variados, na
aproximação com a literatura e no encontro com as pessoas.
(BRASIL, 2018, p. 39).

Desta forma, “a organização curricular da Educação Infantil


proposta pela BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no
âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento” (BRASIL, 2018, p. 40), são eles: 1) O eu, o outro e o nós; 2)
Corpo, gestos e movimentos; 3) Traços, sons, cores e formas; 4) Escuta, fala,
pensamento e imaginação; 5) Espaços, tempos, quantidades, relações e
transformações.
Esses “[...] campos de experiências constituem um arranjo
curricular que acolhe [...] as experiências concretas da vida cotidiana das
crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte
do patrimônio cultural” (BRASIL, 2018, p. 40).
Sobre o eixo que trata sobre o corpo, gestos e movimentos, a
BNCC expõe:

Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos


impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as
crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do
seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e
produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o
universo social e cultural, tornando-se, progressivamente,
conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes
linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de
faz de conta, elas se comunicam e se expressam no

251
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças


conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e,
com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e
seus limites [...]. Na Educação Infantil, o corpo das crianças
ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas
pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a
liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar
precisa promover oportunidades ricas para que as crianças
possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com
seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de
movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para
descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o
corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar,
escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas,
saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se
etc.). (BRASIL, 2018, p. 39-40, grifo nosso).

Considerando o exposto e o fato de perceber, a partir da leitura


minuciosa da BNCC (BRASIL 2018) que na educação infantil, as disciplinas
não estão grifadas de forma separada, pode-se afirmar que o ensino da
Educação Física está relacionada ao eixo que trata sobre o corpo, gestos e
movimentos, por meio das práticas corporais.
Torna-se relevante que os profissionais que desenvolvem suas
atividades pedagógicas na educação infantil possam perceber a necessidade
de aplicar um trabalho voltado para as práticas corporais, visto que, para
Azevedo (2006, p. 23), “as práticas corporais são fundamentais para as
crianças e deveriam ser analisadas com muito cuidado pelos profissionais
envolvidos com a formação desses indivíduos”. A autora adverte que é
importante evitar a aplicação de atividades “vazias de propósito,
desconectadas do mundo e da cultura” (ibid., p. 23) da criança.
“Entende-se a cultura corporal de movimento como uma área do
saber que discute as práticas corporais construídas historicamente, bem
como sua transposição didática, em especial, para o contexto escolar”
(MOURA, 2010, p. 13).
Afirma ainda que, “embora esta área de ensino tenha sido
estudada de forma mais sistematizada pela educação física, o pedagogo pode
e deve apropriar-se [...] deste estudo, visando compreender a dimensão
corporal, motora e afetiva de seus alunos” (MOURA, 2010, p. 13).

252
Moreira e Moreira (2020)

Para que isso se torne realidade, “faz-se necessário superar a


dicotomia corpo e mente, e a cultura corporal de movimento pode ser um
caminho para práticas educativas que busquem a compreensão integral dos
indivíduos” (MOURA, 2010, p. 13). É neste sentido, que as práticas corporais
desenvolvidas por meio da dança, do jogo e da brincadeira devem se fazer
presentes nas atividades educativas da educação infantil, sejam elas
desenvolvidas pelo professor de educação física, sejam pelos professores
pedagogos.
Essas práticas corporais devem ser aplicadas de maneira lúdica,
para que os alunos possam vivenciar sua corporalidade de forma expressiva,
estabelecendo uma relação respeitosa entre os colegas. Para que isso ocorra,
Moura (2010, p. 14) adverte que “logo, pressupõe-se a ajuda de profissionais
especializados, dentre eles destaca-se o professor de educação física e o
pedagogo, para estabelecer essas práticas no cotidiano escolar e beneficiar os
alunos integralmente”.

O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


UM OLHAR A PARTIR DA INTERCULTURALIDADE

A partir do levantamento bibliográfico já realizado constatou


elementos capazes de estabelecer debates acerca das perspectivas da
educação intercultural nas práticas educativas da Educação Física na
educação infantil.
Percebeu-se que a questão da diferença é tratada nos estudos
mapeados (SANTOS; SILVA, 2015). O termo vem ganhando visibilidade nos
estudos por conta do debate que abarca as questões éticas, de gênero, de
orientação sexual, classe social e ainda nas questões sobre religiosidade e
modos de expressão e saberes de grupos considerados desprestigiados
culturalmente.
Candau (2016) ressalta também em seu estudo que a temática das
diferenças culturais está mais visível na sociedade, mas, no que se refere à
educação escolar o sentimento é de impotência, pois parece não saber lidar
positivamente com tais questões relativas a ela. Por isso, a autora propõe a

253
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

incorporação da perspectiva intercultural no cotidiano escolar, por


considerar que tal aspecto pode permitir superar uma maneira estereotipada
de lidar com o tema apenas por meio da incorporação de expressões culturais
em momentos específicos em datas previstas no calendário escolar.
Um aspecto fundamental para o desenvolvimento de uma
educação intercultural é a necessidade de trabalhar o próprio “olhar” do
professor para as questões suscitadas pelas diferenças culturais, como as
encara, questionar seus próprios limites e preconceitos e provocar uma
mudança de suas próprias posturas, pois somente assim ele será capaz de
desenvolver também outro “olhar” para o cotidiano escolar (CANDAU,
2016).
A pesquisa de Santos e Silva (2015) ressalta a necessidade de
intervenções pedagógicas no âmbito da Educação Física escolar sensíveis a
questão da diferença, visto a importância de trabalhar nas aulas as questões
de gênero, considerando a separação das turmas em meninos e meninas e
ainda pelos estereótipos estabelecidos em práticas que justificam a
superioridade da força masculina sobre a feminina. Enfatizam que mesmo
havendo resistência por parte dos alunos, é fundamental que eles apresentem
a consciência sobre o respeito às diferenças e à diversidade, e neste contexto,
a intervenção do professor torna-se essencial, pois se o educador não intervir
nos momentos de conflito haverá a perpetuação do preconceito e da divisão
por gênero, já que estas coisas já estão enraizadas na sociedade e nas aulas da
disciplina.
Por isso, os estudos tecem relação profunda com a cultura, visto
que para Candau (2010, p. 13):

[...] não há educação que não esteja imersa nos processos


culturais do contexto que se situa. Neste sentido, não é possível
conceber uma experiência pedagógica ‘desculturizada’, isto é,
desvinculada totalmente das questões culturais da sociedade.

A Educação Física como campo de conhecimento recebe destaque


no estudo de campo realizado por Santos e Silva (2015, p. 2), pois consideram
que a disciplina:

254
Moreira e Moreira (2020)

apesar de possibilitar aos indivíduos interagir entre si,


relacionando-se através da expressão do movimento, também
pode ser responsável por reproduzir visões hegemônicas de
conteúdos que privilegiam modelos homogeneizados de corpos,
atitudes e comportamentos que colaboram para silenciar as vozes
de grupos discriminados historicamente.

Além disso, afirmam que a Educação Física, como integrante da


educação de forma geral, desde a educação infantil até o ensino médio, tem
características distintas dos outros campos do conhecimento, pois em suas
aulas, os alunos apresentam estar mais livres das limitações impostas pelas
carteiras, cadeiras, mesas e salas escolares (SANTOS; SILVA, 2015). Por isso,
acredita-se que a disciplina tem um potencial transformador, capaz de
produzir conhecimentos por meio da disseminação de práticas corporais
inclusivas, dialógicas e plurais, que considere o ser humano como ator
cultural e social.
Acerca da prática pedagógica da disciplina, estudos
problematizam ações competitivas e excludentes propagadas em suas
práticas, as quais não questionam preconceitos e discriminações
estabelecidas em seu contexto escolar (SANTOS; SILVA, 2015), visto que, a
Educação Física, vem sendo estruturada historicamente por meio de uma
visão elitista, deixando-se embeber de perspectivas hegemônicas que
privilegiam modelos estandardizados de corpo perfeito individualizado.
Estudos, como de Santos e Silva (2015), enfatizam a importância
de relacionar a perspectiva intercultural ao ensino de Educação Física, visto
que tal perspectiva educacional possibilita refletir sobre as desigualdades
presentes no espaço escolar, além disso permite construir propostas de
intervenção que viabilizem a superação de preconceitos e discriminações por
meio do reconhecimento, problematização e enfrentamento de desigualdades
e estereótipos presentes de forma naturalizada no espaço escolar e,
especificadamente, nas aulas de Educação Física. Desta forma, “uma prática
intercultural da Educação Física caminha em direção a um ensino que
considera o universo cultural dos estudantes, abrindo espaço para a
diversidade de gênero, etnia, classe social e raça presentes na sociedade
contemporânea” (SANTOS; SILVA, 2015, p. 11).

255
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Os estudos apontam para a necessidade de ultrapassar a ideia


engessada voltada apenas para o ensino do gesto motor nas aulas de
Educação Física, pois cabe ao professor da disciplina problematizar,
interpretar, relacionar e compreender com seus alunos as amplas
manifestações da cultura corporal, de tal forma que os alunos compreendam
os sentidos e significados presentes nas práticas corporais (DARIDO, 2001
apud FERREIRA; PIMENTEL, 2013).
As aulas de Educação Física devem desenvolver práticas para
além de apenas observar os cuidados com a saúde, devem ser oportunizadas
formas de reconhecimento acerca da especificidade de cada cultura, seus
sentidos e significados (FERREIRA; PIMENTEL, 2013).
Por isso, ao reconhecer a sua importância pedagógica, consideram
que a construção do currículo da Educação Física deve romper com os
modelos tradicionais que disseminam práticas elitistas, excludentes,
classificatórias e monoculturais (SANTOS; SILVA, 2015).
Quanto a disciplina como componente curricular, Santos e Silva
(2015) ainda citam Neira (2007), no qual enfatiza que a disciplina deve
superar a construção do saber vivido para além dos muros da escola, já que
ela pode contribuir, por meio de uma abordagem cultural para proporcionar
aos sujeitos da educação, oportunidades de conhecer mais profundamente
seu repertório cultural corporal. Além disso, ela deve sinalizar oportunidades
educacionais diversas por meio de uma variedade de formas de manifestações
corporais que descentralizam mecanismos de poder que permeiam as relações
culturais.
Foram observados registros que enfatizam acerca da possibilidade
de enfrentar as desigualdades de oportunidades, preconceitos e estereótipos
ainda diluídos no âmbito escolar, dado pela perspectiva da educação
intercultural que aponta para outro tipo de relação social no seio da escola,
embasada no compartilhar democrático, pautado no diálogo mútuo,
sobretudo entre diferentes perspectivas culturais (SANTOS; SILVA, 2015).
Pesquisas como de Santos e Silva (2015) defendem a educação
intercultural como a perspectiva que pode oferecer pistas e respostas para a
concretização de um processo educativo que considere todos os alunos,

256
Moreira e Moreira (2020)

respeitando suas identidades, dando possibilidades para um diálogo


verdadeiramente igualitário, democrático e inclusivo, permitindo assim que a
escola possa ser construída como um espaço de cruzamento de culturas e não
como mantenedora de desigualdades e silenciadora de identidades.
Candau (2016) traz reflexões capazes de pensar estratégias
participativas por meio da perspectiva intercultural, assumindo-se como
princípio comum o reconhecimento e valorização das diferenças culturais.
Compreende-se que os aspectos da educação intercultural surgem
como uma proposta de educação que permite ampliar o entendimento acerca
da diversidade cultural na educação infantil, além de considerar a
importância do estabelecimento de práticas educativas dialógicas, tolerantes
e não autoritárias com os alunos inseridos neste nível de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa aponta achados que contribuem para o


desenvolvimento de atividades de ensino que abarcam elementos condizentes
com uma proposta de educação que respeite as diversas culturas das crianças
inseridas na educação infantil, por meio do estabelecimento de um diálogo e
da interação entre elas no espaço escolar.
Finaliza afirmando a importância de estudos futuros que possam
problematizar acerca da formação inicial e continuada de professores de
Educação Física sob a perspectiva da interculturalidade, considerando a
necessidade, em tempos atuais, da construção de práticas educativas
sensíveis às questões da diversidade cultural relativas a classe, gênero, etnia
e classe social, em toda etapa da educação básica, particularmente na
educação infantil.

257
Ensino e didática de perspectiva crítica na Educação Física e no esporte

Teaching Physical Education in childhood education:


reflections from interculturality

Abstract: It is a bibliographic review with an exploratory, and qualitative approach.


It aims to observe the teaching of Physical Education in early childhood education
from an intercultural perspective. It addresses the centrality of culture in
educational debates, with an emphasis on a critical education perspective based on
the analysis of intercultural education and its reflexes on Physical Education in the
first years of elementary education. Finally, it points out findings that contribute to
the development of teaching activities that encompass elements consistent with an
education proposal that respects the different cultures of children inserted in early
childhood education, through the establishment of a dialogue and interaction
between them in the school environment.
Keywords: Early Childhood Education. Physical Education. Interculturality. Culture.

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