Você está na página 1de 271

LIVRO 2

Corpo, T ra balho e Edu cação

Emerson Duarte Monte


Higson Rodrigues Coelho
Organizadores

RessignificaЯ / UEPA
Belém - PA / 2017
1
Corpo, Trabalho e Educação

© Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa RessignificaЯ.

Este livro ou parte dele pode ser reproduzido por


qualquer meio mantida a fonte de origem.

A responsabilidade pelas opiniões expressas nos


capítulos é exclusivamente incumbida aos autores assinantes.

Coleção Formação e Produção em Educação


Diretora da Coleção: Marta Genú Soares
Coordenação Acadêmica do Livro 2: Marta Genú Soares
Organizadores do Livro 2: Emerson Duarte Monte e Higson Rodrigues Coelho
Ilustração e Editoração: Emerson Duarte Monte
Revisão do Inglês: Carla Loyana Dias Teixeira
Comitê Científico:
Prof. Dr. Allyson Carvalho de Araújo (UFRN)
Prof. Dr. André Rodrigues Guimarães (UNIFAP)
Prof.ª Dr.ª Eugenia Trigo Aza (IISABER/ES)
Prof.ª Dr.ª Ilma Pastana Ferreira (UEPA)
Prof.ª Ma. Ivana Lúcia Silva (IFRN)
Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar (UEPA)
Prof.ª Dr.ª Mirleide Chaar Bahia (UFPA)

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da UEPA / SIBIUEPA

P 963
Corpo, trabalho e educação / Emerson Duarte Monte e Higson Rodrigues
Coelho (Organizadores). Belém, PA: Centro de Ciências Sociais e Educação da
Universidade do Estado do Pará, 2017.
269 p.: Formato Digital. (Coleção Formação e Produção em Educação,
dirigida por Marta Genú Soares; n. 2).
Vários autores
ISBN Digital: 978-85-98249-29-2
1. EDUCAÇÃO FÍSICA – pesquisa. 2. EDUCAÇÃO FÍSICA – estudo e
ensino. 3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES. 4. DANÇA. 5. ACADEMIAS
DE GINÁSTICA. 6. PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA. I. Monte,
Emerson Duarte. II. Coelho, Higson Rodrigues. III. Série.

CDD 22. ed. 613.7072

Contato: Universidade do Estado do Pará | Campus III


Avenida João Paulo II, 817, Sala NUPEP | RessignificaЯ
Bairro: Marco | CEP: 66.095-049 | Belém - Pará
E-mail: gressignificar@gmail.com | martagenu@gmail.com | emerson@uepa.br
2
SUMÁRIO

Apresentação 5
Emerson Duarte Monte e Higson Rodrigues Coelho

1 Trabalho e produção de conhecimento no campo da Educação Física e a


9
relação epistêmica entre corpo e práticas corporais
Meriane Conceição Paiva Abreu
Carla Loyana Dias Teixeira
Marta Genú Soares

2 Educação Física no ensino médio e a formação de corpos para o consumo 19


Amanda Nascimento Modesto
Rayanne Mesquita Estumano
Vera Solange Pires Gomes de Sousa

3 A céu aberto: linguagem do corpo e trabalho como resistência na


31
Amazônia paraense
Emerson Duarte Monte
Giselle dos Santos Ribeiro
Rogério Gonçalves de Freitas
Marta Genú Soares

4 Falando sobre educação sexual nas aulas de Educação Física


49
em Altamira (PA)
Laíne Rocha Moreira
Pauline Valente de Souza

5 Trabalho docente na rede pública estadual de Alagoas: interfaces entre a


71
precarização e as dinâmicas biopolíticas
Geisa Carla Gonçalves Ferreira
Elione Maria Nogueira Diógenes

6 Condições e relações de trabalho dos professores de Educação Física nas


93
academias de ginástica de Belém (PA)
Fábio Amador da Cruz
Emerson Duarte Monte

7 O trabalho docente e as práticas educativas dos professores de Educação


115
Física da região Xingu: uma análise à luz do multi / interculturalismo
Laíne Rocha Moreira
Larici Keli Rocha Moreira
Marta Genú Soares

3
Corpo, Trabalho e Educação

8 A prática social como pressuposto crítico à formação / competência para a


139
intervenção do professor de Educação Física em saúde pública
Manoel do Espírito Santo Silva Júnior

9 O conteúdo de dança na Educação Física escolar: uma intervenção para a


161
formação crítica no ensino médio
Márcia Freire de Oliveira
Roberta Oliveira da Costa

10 O conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física no


179
CEDF/UEPA para a intervenção no ensino escolar
Bruno Luiz Diniz Santa Brigida
Emerson Duarte Monte

11 As lutas como técnicas corporais e as contribuições para o ensino na


Educação Física escolar 205

José Pereira de Melo


Rodolfo Pio Gomes da Silva

12 Políticas públicas e educação: formação, profissionalização e intervenção


227
de professores de Educação Física em um país tupiniquim
Paulo Roberto Veloso Ventura
Rodrigo Roncato Marques Anes

13 A Base Nacional Comum Curricular e a Educação Física: alguns


249
apontamentos críticos
Marcos Renan Freitas de Oliveira
Marcely Pricila Rosa da Silva
Amanda Batista da Cruz

4
APRESENTAÇÃO

Eu invento tudo na
minha pintura. E o
que eu vi ou senti,
eu estilizo.
Tarsila do Amaral (1972)

A maturidade alcançada pelo Grupo de Pesquisa RessignificaЯ, no ano de


2017, revela a capacidade criativa desenvolvida ao longo de dez anos na ação
artesanal de formação de jovens pesquisadores no interior da Amazônia brasileira.
Nesse ato criativo, a necessidade de nutrir os novos a partir do acúmulo histórico dos
veteranos revela a transmissão/assimilação do que foi vivido e sentido.
O trajeto até aqui percorrido demonstrou que, para se manter erguido ante as
pressões destrutivas da ordem irracional do capital, é necessário ousadia para
ressignificar o real. Isso só tem sido possível por acreditar que há uma saída para a
libertação da humanidade e que, no interior das contradições do cotidiano da luta de
classes, intervimos nesse cotidiano com as ferramentas mais qualificadas, nos
campos teórico e prático.
Dessa forma, criamos as nossas fundações, com absoluta rigorosidade e
solidez, para sustentar os nossos projetos de formação e de prática pedagógica no
campo da Educação Física. A partir disso, inventamos novas bases para guiar a ação
dos professores e das professoras em seus cotidianos nos distintos campos de
trabalho que a Educação Física alcançou. Por isso, compartilhamos do sentimento
que impulsionou o Movimento Modernista da década de 1920, no Brasil, ao
abandonar as formas tradicionais no campo da arte e criar novas bases para
estabelecer novo marco no desenvolvimento artístico nacional, com autonomia e
identidade.

5
Corpo, Trabalho e Educação

Obra: Operários. Autora: Tarsila do Amaral (1886-1973).


Local: Acervo do Governo do Estado de São Paulo. Ano: 1933.
Técnica: Óleo sobre tela. Tamanho: 150 x 205cm. Movimento: Modernismo.

A tela que ilustra no Livro 2 do Grupo de Pesquisa RessignificaЯ, configura-


se como a expressão da atual época histórica em que nos inserimos. E é,
precisamente, sobre essa época que intervimos, nos espaços quadráticos do sistema
nacional de ensino, ao passar pela formação inicial dos seres humanos nas quadras
das escolas, ou ao iniciar a formação das valências superiores nas universidades,
relacionamo-nos com os filhos da classe trabalhadora que é, pelos fatos históricos da
sociedade brasileira, multifacetada.
O grupo carrega consigo os intelectuais, contudo são oriundos da própria
classe dos trabalhadores, em suas diversas formas de realizar trabalho. Esses
intelectuais assumem, pelo despertar de determinada consciência de classe, o projeto
histórico dos oprimidos nas relações espúrias da produção e reprodução da vida
material em bases capitalistas. Ao fazer isso, os intelectuais orgânicos da classe dos
trabalhadores se misturam ao conjunto da classe multifacetada e vivenciam as
condições de vida e de exploração do conjunto da classe; nas fábricas ou nas escolas,
no comércio ou nas unidades básicas de saúde.

6
Tarsila do Amaral ao criar “Operários” retratou o início do processo de
industrialização nacional, com seu conjunto de fábricas e escritórios, demarcados
pelas chaminés cinzentas e pelos prédios austeros. Dessas fábricas cinzentas nasce a
classe operária que, no seu conjunto, é composta pelo povo oprimido pela burguesia
nacional e internacional. De imediato, pela configuração fotográfica identitária dos
51 sujeitos retratados na tela, eles são diferentes, contudo, de fundo, os rostos
ausentes de corpos revelam a uniformização que o modelo fabril criou e que, por
longos anos, o sistema educacional incorporou. Além disso, os semblantes que aí se
veem estão saturados de seriedade, preocupados com o peso da carga de trabalho;
desfilam cansaço e tristeza nos olhares vazios; por fim, não se expressam as
profissões, mas sim como massa única de trabalhadores, como mera força de
trabalho, como mercadoria que vende a sua força de trabalho e, portanto, vende o
tempo de trabalho – quantidade e não qualidade.
Este Livro 2, que se configura como parte da Coleção Formação e Produção
em Educação, congrega 14 capítulos, produto de ensaios, pesquisas finais de
formação inicial e continuada, com e sem financiamento, demarcadores do lócus de
investigação e de intervenção dos membros do Grupo de Pesquisa RessignificaЯ e
demais pesquisadores, assim como dos pesquisadores que se inserem nas demais
regiões do Brasil em constante diálogo com o grupo de pesquisa.
Expressa, dessa forma, a produção sobre Corpo, Trabalho e Educação, de
modo profundo em cada tema, assim como em articulação entre os temas. Percorre o
espaço escolar ao desvendar a articulação entre a sociedade e os conteúdos do
ensino, quer seja no consumo da estética corporal ou no necessário debate sobre
sexualidade, objeto de grande polêmica na luta contra a lgbtfobia impulsionada por
posições dogmáticas. Caminha, ainda, pela ação docente, em distintos campos de
trabalho, ao investigar as condições de trabalho e os conteúdos desenvolvidos pelos
professores de Educação Física. E finda com exposições centradas nos processos
educativos, no trato com os conhecimentos da área, na necessária atualização das
Teorias Pedagógicas da Educação Física e na política nacional para a formação e a
intervenção, desde a educação básica até a educação superior.
Portanto, este livro se apresenta como ferramenta teórica nos marcos da
produção do conhecimento em Educação Física que resiste à reprodução do velho e

7
Corpo, Trabalho e Educação

que se propõe a ampliar a articulação entre os intelectuais da classe e os demais


indivíduos dela que, mesmo com a fisionomia cansada, ainda lutam em busca da
felicidade. Na atual conjuntura de golpe parlamentar que se vive no Brasil, com
massivo sequestro dos direitos da classe trabalhadora, o Grupo de Pesquisa
RessignificaЯ e demais pesquisadores tornam público a sua produção com o objetivo
de realizar o diálogo com aqueles que querem continuar a “modernizar” a produção
do conhecimento na área da Educação Física.

Belém - Cidade das Mangueiras, Pará, Amazônia, Brasil / 2017


Emerson Monte e Higson Coelho

8
Corpo, Trabalho e Educação

Trabalho e produção de conhecimento no campo da Educação Física e a


relação epistêmica entre corpo e práticas corporais

Meriane Conceição Paiva Abreu (SEDUC/PA) 1


Carla Loyana Dias Teixeira (UEPA) 2
Marta Genú Soares (UEPA) 3

Resumo: O estudo problematiza a constituição do campo da educação física, a partir da


produção dos docentes das Instituições de Ensino Superior Públicas, no Pará.
Metodologicamente, pauta a Teoria Praxiológica, de Pierre Bourdieu, na qual há uma
dialética entre as estruturas e os agentes (instituições e indivíduos). Analisa as produções dos
professores vinculados profissionalmente aos cursos de educação física das Instituições de
Ensino Superior Públicas do Pará, que discutiram campo e currículo na educação física. Para
a análise dos dados, adota a análise do discurso, recortando dos textos os discursos de
concepção de educação física, objeto de estudo e conhecimentos considerados específicos do
campo. Conclui que o campo da educação física, nas Instituições de Ensino Superior
Públicas do Pará, está constituído pela docência como identidade epistemológica da
educação física.
Palavras-chave: Educação Física. Trabalho Docente. Produção do Conhecimento.

INTRODUÇÃO

O estudo é parte de uma investigação dissertativa e usa os descritores campo


e currículo, para analisar no trabalho de produção do conhecimento dos professores
vinculados às Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado do Pará, sobre a
sustentação epistemológica na formação inicial do Curso de Educação Física.
Com os nomes de todos os docentes disponibilizados na página do curso foi
realizada busca em seus currículos lattes, observando que, com as características
mencionadas, apenas quatro trabalhos foram apresentados, sendo uma tese e três
dissertações.
Nos estudos destacados, utilizou-se o discurso escrito, analisando nos
recortes textuais, a concepção de educação física, o objeto de estudo e os
conhecimentos considerados específicos do campo, a fim de compreender a
constituição do campo da educação física.

1
Mestra em Educação, Secretaria de Estado de Educação/Pará.
E-mail: meri_black@hotmail.com
2
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: loyanateixeira@gmail.com
3
Doutora em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: martagenu@gmail.com

9
Corpo, Trabalho e Educação

Para tanto, pautou-se na Teoria Praxiológica, de Pierre Bourdieu, na qual há


uma dialética entre as estruturas e os agentes (indivíduos e instituições), sendo que
para este estudo, procurou-se destacar os agentes indivíduos da relação, que se
materializam nas produções dos professores vinculados profissionalmente aos cursos
de educação física, das agências formadoras públicas, no Pará (Universidade Federal
do Pará e Universidade do Estado do Pará).
Problematiza o que os professores mencionados, que discutiram campo e
currículo em seus estudos, compreendem como educação física, objeto de estudo e
os conhecimentos específicos do campo.
O objetivo se baliza na análise dos dados, para compreender a constituição
do campo da educação física para estes agentes, que trabalham nos cursos de
educação física no Pará.
Analisa-se que a importância do estudo, versa sobre a compreensão destes
agentes sobre o campo da educação física, tratando-o na formação inicial, com os
futuros professores.

PRODUÇÃO DOCENTE COMO TRABALHO

Reunidos por vínculo institucional e de defesa de estudo, as produções


analisadas versam, de maneira geral, sobre a formação do professor, como ocupação
do trabalho docente. Os autores aqui apresentados têm tomado como objeto de
estudo as temáticas sobre formação de professores de Educação Física e que
merecem análise epistêmica frente ao desempenho do trabalho docente, quanto à
apropriação e produção do conhecimento e a prática pedagógica, pois perpassa pelo
conhecimento do próprio campo que tratam.
Nesta perspectiva, compreende-se que a produção do conhecimento, como
materialidade de parte do trabalho docente, possibilita a análise do campo, neste
caso, da educação física, para realizar os nexos necessários à formação e intervenção
docente.
Como temáticas do campo, o corpo e as práticas corporais, em relação,
passam a ser objetos de análise nestas produções, caracterizando o campo da
educação física epistemologicamente.

10
Corpo, Trabalho e Educação

Na Universidade Federal do Pará (UFPA), o estudo dissertativo de Aranha


(2011), intitulado “Currículos de formação de professores de educação física no
Estado do Pará: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de
profissionalidade”, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do
Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará
(PPGED/ICED/UFPA), na área de concentração “Currículo e formação de
Professores”, trouxe como objeto de estudo “[...] as propostas curriculares adotadas
pelos cursos de Formação de Professores de Educação Física do Estado do Pará,
implantadas na década de 2000” (ARANHA, 2011, p. 22), partindo do seguinte
problema: “Que concepções de Educação Física e modelo de profissionalidade
docente orientam os currículos prescritos adotados pelos cursos de licenciatura
em Educação Física?” (Ibid., p. 33).
Com o objetivo de “[...] analisar as concepções de Educação Física e os
modelos de profissionalidade docentes que orientam os currículos prescritos
adotados pelos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará”
(ARANHA, 2011, p. 34), o autor procurou tratar, pela análise de conteúdo e pautado
no materialismo histórico e dialético, as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Física (Resolução do Conselho Nacional de Educação n. 07, de 31
de março de 2004) e os Projeto Político-Pedagógicos de seis cursos de educação
física – UFPA, campi Belém-PA (2006) e Castanhal (em vigor desde 2000); UEPA,
Belém-PA (2008, que é lançado em 2007); Escola Superior da Amazônia
(ESAMAZ); Escola Superior Madre Celeste (ESMAC); Centro Universitário
Luterano de Santarém (CEULS-ULBRA) (2007), respectivamente, buscando
analisar os conteúdos curriculares, as concepções pedagógicas e os modelos de
profissionalidade nestes documentos.
Como o estudo não mencionou diretamente as categorias eleitas, trabalhou-
se com o subentendido, que considera o contexto, conforme Orlandi (2005). Desta
forma, destaca-se no contexto trazido no texto, que o estudo defende, como
concepção da EF, a prática pedagógica, balizada na cultura corporal, como objeto,
denotando os jogos, os esportes, as ginásticas, as lutas, as danças, como
conhecimentos específicos da EF, a partir da concepção crítico-superadora, de base
marxista, socialista e humanista, referendada em Soares et al. (1992).

11
Corpo, Trabalho e Educação

A tese de Nassar (2013), “A identidade profissional dos professores do curso


de licenciatura em educação física da Universidade Federal do Pará”, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação, do Instituto de Ciências da Educação da
Universidade Federal do Pará (PPGED/ICED/UFPA), na área de concentração
“Currículo, epistemologia e história”, trouxe, como tese central, que a educação
física não tem “[...] um objeto de estudo próprio que sustente uma identidade
profissional [...]” (Ibid., p. 21).
Partindo de uma base fenomenológica, o autor se posiciona na defesa da
Motricidade Humana e na Ciência do Desporto, de Manuel Sérgio. Traz como
problema “Qual (is) identidade (s) profissional (is) os professores do magistério
superior de Castanhal/Pará, assumem no curso de EF? Qual (is) identidade (s)
profissional (is) o curso de EF de Castanhal/Pará, busca forjar nos seus futuros
egressos?” (Ibid., p. 23), e como objetivo, “Analisar a (s) identidade (s) profissional
(is) que os professores do magistério superior de Castanhal/Pará assumem no curso
de EF” (Ibid., p. 24).
Quanto às categorias eleitas, o autor apresenta nas entrelinhas que a
educação física é uma ciência, teoria e prática, balizada epistemologicamente na
Motricidade Humana, trazendo como objeto de estudo, o movimento humano.
Nada é dito sobre os conhecimentos específicos da área, porém, subentende-
se os jogos, os esportes, as lutas, as danças e as ginásticas.
Brito Neto (2009), em dissertação intitulada “O impacto das Diretrizes
Curriculares Nacionais nos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação
em educação física do Estado do Pará”, realizada no Programa de Pós-Graduação
em Educação, do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado
do Pará (PPGED/CCSE/UEPA), na linha de “Formação de Professores”, traz como
pergunta quais as contradições, antagonismos e ressignificações apresentadas no
processo de mediação das orientações das DCN nos PPP dos cursos superiores de
EF no estado do Pará, “[...] no que se refere à concepção de Educação Física, de
Formação e de Perfil Acadêmico- Profissional?” (Ibid., p. 20).
O estudo de Brito Neto (2009), balizado no materialismo histórico e
dialético, não diz, de maneira direta, a concepção de educação física, o objeto de
estudo e os conhecimentos considerados próprios, porém pressupõe que a docência é

12
Corpo, Trabalho e Educação

a identidade epistemológica da educação física, que o objeto de estudo é a cultura


corporal e os conhecimentos específicos são os jogos, esportes, lutas, danças e
ginásticas.
O estudo dissertativo de Aguiar (2009) “Análise do processo de
reformulação do projeto político pedagógico do curso de educação física da UEPA:
ação regulatória e emancipatória, realizada no Programa de Pós-Graduação em
Educação, do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do
Pará (PPGED/CCSE/UEPA), na linha de “Formação de Professores”, traz como
problema o que faz com que o processo de reformulação do PPP/CEDF/UEPA traga
possibilidades emancipatórias ou regulatórias?
O objetivo do estudo de Aguiar (2009) versa sobre a investigação,
compreensão e análise do processo de reformulação, buscando “[...] elucidar a
organização dos sujeitos, os diálogos estabelecidos e os principais obstáculos
identificados no processo, fatores estes que consequentemente influenciarão na
materialização do produto final” (Ibid., p. 16-17).
Não são ditas de forma direta, a concepção de educação física, o objeto de
estudo e os conhecimentos considerados próprios do campo. Entretanto, nas
entrelinhas do discurso, o estudo apresenta que a educação física é uma prática
pedagógica, pois a identidade do campo está na docência, a partir da licenciatura
ampliada.
Pressupõe-se que o objeto de conhecimento da educação física é a cultura
corporal, sendo os conhecimentos específicos os jogos, os esportes, as lutas, as
danças e as ginásticas.

RELAÇÃO EPISTÊMICA ENTRE CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS NO CAMPO DA


EDUCAÇÃO FÍSICA

Ao interpretar Bourdieu (1989), pode-se dizer que um campo possui


características próprias, em que se trava um jogo de relações entre as estruturas e os
agentes. Aquelas imprimem força aos agentes, porém estes também se movimentam
diferentemente no campo, interferindo nas estruturas.
Os agentes assumem distintas posições no campo, decorrentes do acúmulo e

13
Corpo, Trabalho e Educação

do tipo de certo capital cultural, fazendo-os agir de maneira mantenedora das


estruturas ou subversivas.
As produções estudadas, nas duas Instituições de Ensino Superior Públicas
no Pará apresentam capital cultural, dotando o campo de características
constitutivas, e os agentes, da possibilidade concreta de obter este capital, para se
moverem por estratégias subversivas das estruturas ou mantenedoras.
Compreende-se que a produção do conhecimento, como produto de parte do
trabalho docente reflete essas posições dos agentes, pois de acordo com Saviani
(2007), há uma relação entre educação e trabalho, sendo esta uma relação histórica –
processo produzido e desenvolvido pela ação do homem –, e ontológica – o produto
da ação dos homens é o próprio ser dos homens, mas, também uma relação que
identifica o homem e fundamenta suas ações.
Para o autor, o desenvolvimento da sociedade de classes e a apropriação
privada da terra conferem a separação entre trabalho e educação, que foi
aprofundada com o desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Portanto, o campo da educação física precisa ser analisado no âmbito desta
sociedade de classes, que têm o mercado e o capital como fundamentos, para
compreender seu funcionamento e força envidada ao campo, a fim de restabelecer os
nexos e os sentidos entre trabalho e educação e, como orienta Mészáros (2005),
superar o controle do capital.
No campo da educação física, há agentes que buscam subverter a ordem,
indo contra as estruturas, e aqueles, que mesmo sem a intenção, estão mantendo as
estruturas.
Assim sendo, as categorias corpo e práticas corporais, que constituem o
campo da educação física, precisam ser problematizadas nestas relações entre
estruturas e agentes, que consideram a sociedade atual, a fim de ir além.
Para compreender essas relações, foram analisados os discursos sobre
concepção de educação física, seu objeto e os conhecimentos considerados
específicos, nas produções dos agentes vinculados profissionalmente aos cursos de
formação inicial em educação física, no Pará, e aqui produziram sobre campo e
currículo.
Compreender essas relações, também permite a análise da própria formação

14
Corpo, Trabalho e Educação

e intervenção do professor, pois este deixa suas impressões nos textos, expressando
que tipo de formação procura conferir em seu trabalho.
Ao analisar cada produção, a partir das categorias eleitas, compreende-se
que as dissertações de Aranha (2011), de Brito Neto (2009) e Aguiar (2009), trazem
elementos em comum.
Na base teórica do conhecimento, estes estudos são balizados no
materialismo histórico e dialético. De acordo com Marx apud Mészáros (2005), a
teoria por si só não basta, mas deve dialetizar com a realidade.
Nas produções analisadas, compreende-se que as dissertações mencionadas
buscam essa relação dialética entre seus objetos e a realidade, problematizando e
analisando as contradições, as forças convergentes e divergentes, nesta totalidade.
Isto significa, subverter as estruturas, ou como se pode interpretar em Mészáros
(2005), é uma maneira de contrainteriorização, pois as questiona em suas ações e
interesses, não se contentando em entender a realidade (acumular conhecimento),
mas em explicá-la (confrontar, contrainteriorizar).
Isto já remete a interpretar, que os recortes realizados nestes textos
dissertativos, embora sem apresentarem de forma direta as categorias eleitas,
buscam dialetizar com a realidade, com a sociedade, e é nesta interpretação, que são
compreendidos os sentidos epistêmicos entre corpo e práticas corporais.
Demonstram que para além das estruturas, as categorias corpo e práticas
corporais, constituintes do campo da educação física, não podem ser entendidos,
mas explicados, e é nesta conduta analítica, que também se compreende o sentido de
formação e intervenção docente, nas dissertações de Aranha (2011), Brito Neto
(2009) e Aguiar (2009), buscando confrontar e superar as estruturas.
Essa análise também se fundamenta no esforço dos intelectuais orgânicos,
que vêm historicamente se contrapondo ao poder das estruturas, que figuram no
sistema dos Conselho Federal de Educação Física/Conselhos Regionais de Educação
Física (CONFEF/CREF), o qual busca um campo formativo e de trabalho
fragmentado, entre o licenciado e o bacharel, ou seja, para o Conselho, a educação
física possui distintas identidades e isso se manifesta tanto na formação e no
trabalho do professor, que para o sistema deve se restringir ao âmbito escolar, e do
profissional, que deve alcançar os outros espaços de atuação da educação física.

15
Corpo, Trabalho e Educação

Esse olhar e postura fragmentada em relação à educação física, dificulta a


formação unificada e o sentido de trabalho, como princípio educativo, interferindo
na própria constituição do campo. Entretanto, os intelectuais orgânicos rejeitam essa
ação, fundamentando-se teórica, ontológica, metodológica e epistemologicamente na
docência como identidade do campo da educação física, e, portanto, agindo
subversivamente face às estruturas.
A tese de Nassar (2013), diz que a educação física é uma ciência, teoria e
prática, fundamentada na Motricidade Humana, na qual o objeto é o movimento
humano, e que a educação física não tem um objeto de estudo próprio que sustente
uma identidade profissional.
Neste sentido, o autor acaba por produzir um discurso que se encontra ao
que é dirigido pelas estruturas, pois estas partem de uma base epistêmica do
movimento humano, que para os intelectuais orgânicos é um fundamento idealista,
que retira os nexos entre o campo e a realidade.
Neste sentido, não problematiza, por exemplo, a postura estrutural do
sistema CONFEF/CREF, que interfere na compreensão e ação do campo da
educação física e de seu capital cultural. Em sua página, o Conselho cita categorias
corpo e saúde, mas não os problematiza diante da sociedade capitalista, dos desafios
impostos pelo capital, romantizando os termos, imprimindo-lhes visão acrítica e
ahistórica.
Por essa razão, os intelectuais insistem em questionar as estruturas, para
compreender e enfrentar seus desvios discursivos e ideológicos, sendo que para eles
a ideia de movimento humano, pautada em base fenomenológica, não tem
conseguido tal feito.

CONCLUSÃO

Como parte de um estudo dissertativo, o referente texto versou sobre a


análise do campo da educação física, a partir da produção dos professores
vinculados profissionalmente aos cursos de formação em educação física, e que
produziram sobre campo e currículo nas Instituições de Ensino Superior Públicas, no
Pará. Estes sujeitos são fundamentais ao estudo, pois são estes que vêm

16
Corpo, Trabalho e Educação

movimentando esta discussão no Pará.


Para além de compreender essas categorias analíticas, o texto possibilitou a
compreensão da produção do conhecimento como parte do trabalho do professor, do
sentido de formação que envidam, a partir de seus estudos, e o significado que
denotam ao corpo e às práticas corporais. Isso foi possível, pelos recortes
discursivos realizados nos textos integrantes da pesquisa.
Analisa-se que ainda há divergências nos estudos, não apenas nos sentidos
de educação física e no objeto de estudo, no significado de corpo e práticas
corporais, bem como na teoria do conhecimento que os estudos adotam para pensar
o campo da educação física.
Consequentemente, essas posturas divergentes, embora também apresentem
regularidades, como nos conhecimentos considerados específicos, interferem no
sentido epistemológico do campo, e no sentido de formação e trabalho docente, o
que possibilita a ação oportunista e enviesada das estruturas nesses sentidos.
Embora a maioria dos estudos denote a docência como identidade da
educação física e fundamente este sentido, é necessário continuar resistindo. Para
enfrentar e superar as estruturas, rompendo com suas forças, discussões e estudos
precisam ser permanentes e coletivos, adotados como tarefa política.

Work and knowledge production in the physical education field and the epistemic relation
between body and corporal practices

Abstract: The study problematizes the formation of the physical education field, from the
production of the professors of Public Higher Education Institutions in Pará.
Methodologically, it uses Pierre Bourdieu's Praxeological Theory, in which there is a
dialectic between structures and agents (institutions and individuals). It analyzes the
production of the professors who are professionally linked to physical education courses
from Public Higher Education Institutions of Pará and that discussed field and curriculum in
Physical Education. For data analysis, it adopts the discourse analysis, cutting from texts the
discourses about the concepts of physical education, the object of study and the knowledge
considered specific to the field. It concludes the Physical Education field, in Public Higher
Education Institutions of Pará, is constituted by teaching as an epistemological identity of
physical education.
Keywords: Physical Education. Teaching Work. Knowledge Production.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Eliane do Socorro de Sousa. Análise do processo de reformulação do projeto


político pedagógico do curso de educação física da UEPA: ação regulatória e emancipatória.

17
Corpo, Trabalho e Educação

2009. 102 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Sociais e Educação,


Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, 2009.

ARANHA, Otávio Luiz Pinheiro. Currículos de formação de professores de educação física


no Estado do Pará: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de
profissionalidade. 2011. 270 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Ciências
da Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, PA, 2011.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989.

BRITO NETO, Aníbal Correia. O impacto das Diretrizes Curriculares Nacionais nos
Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação em educação física do Estado do
Pará. 2009. 130 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Sociais e
Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, 2009.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

NASSAR, Sérgio Eduardo. A identidade profissional dos professores do curso de


licenciatura em educação física da Universidade Federal do Pará. 2013. 233 f. Tese
(Doutorado em Educação) - Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do
Pará, Belém, PA, 2013.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 6. ed.


Campinas: Pontes, 2005.

SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista


Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 34, p. 152-180, jan./abr. 2007.

SOARES, Carmen Lúcia et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo:
Cortez, 1992.

18
Corpo, Trabalho e Educação

Educação Física no ensino médio e a formação de corpos para o consumo

Amanda Nascimento Modesto (UEPA) 4


Rayanne Mesquita Estumano (UEPA) 5
Vera Solange Pires Gomes de Sousa (UEPA) 6

Resumo: O estudo tem por objetivo analisar o processo de formação de corpos para o
consumo relacionado à educação física no ensino médio. A metodologia é um estudo de
caso. A coleta de dados se deu por meio de observação e de entrevistas com 20 estudantes do
ensino médio, divididos em 10 estudantes do 2° ano e 10 estudantes do 3° ano do Colégio
Estadual Paes de Carvalho, em Belém (PA). A conclusão do estudo demonstra como a
educação física ainda é objeto do capital e do mercado de trabalho, relação que se dá com a
ausência de ações pedagógicas fundamentadas na cultura corporal.
Palavras-chave: Educação Física. Corpo. Trabalho.

INTRODUÇÃO

No contexto em que se encontra a educação brasileira, frente ao novo


modelo de Ensino Médio, por volta dos 15 anos, os jovens do país são obrigados a
decidir seus objetivos profissionais, sendo cada vez mais cedo condicionados a
valorizar o mercado de trabalho, assim como o retorno financeiro frente a
experiência e vivência pura do conhecimento, bem como a manifestação de suas
características expressivas, emotivas, criativas, etc.
Num modelo de imposição de políticas educacionais que vai se constituindo
numa ditadura do poder invisível e se fortalece a partir da secção dos sujeitos ativos,
atuantes e militantes na sociedade, isso retira do jovem o seu protagonismo. Pode-se
observar a atuação deste poder na recente Reforma do Ensino Médio, que se
estabelece sem ouvir a classe estudantil, mesmo com todos os movimentos de
ocupação que ocorreram no segundo semestre de 2016.
O Estado utiliza-se do sistema de Educação para propagar seus interesses,
bem como atender as demandas do Capital. Por meio de um modelo educacional que
direciona o estudante para apenas desempenhar o seu papel no Mercado,
fragmentando a formação em áreas formativas e valorizando o Ensino Técnico em
4
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: anmodesto53@gmail.com
5
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: rayestumano@hotmail.com
6
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: soldurui@hotmail.com

19
Corpo, Trabalho e Educação

detrimento da formação em nível superior. É nesse contexto que a Educação Física


Escolar, como disciplina curricular importante no processo de formação global do
sujeito histórico, avançando nos princípio da inclusão, as dimensões dos seus
conteúdos e os temas transversais (DARIDO et al., 2001, p. 6) ainda é posta como
ferramenta de formação de corpos para atender as demandas do Estado e do
Mercado.
A disciplina, apesar de mantida na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) no ensino fundamental e ainda em suspensão no ensino médio, é abordada
a partir de um olhar que descaracteriza toda a luta por uma Educação Libertadora,
vindo de encontro a todo o movimento histórico da área que busca o fim da
Educação Física como mera reprodutora de movimento, a política do aprender a
aprender, a disciplina do esporte, do simples “dar a bola”. Soares (1996, p. 11)
afirma que a aula de Educação Física é “[...] um lugar de aprender coisas e não
apenas o lugar onde àqueles que dominam técnicas rudimentares de um determinado
esporte vão ‘praticar’ o que já sabem, enquanto aqueles que não sabem continuam
no mesmo lugar”.

METODOLOGIA

A metodologia se constitui em um estudo de caso, que consiste no estudo


profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e
detalhado conhecimento Gil (2008). Como sujeitos da pesquisa, foram selecionados
10 estudantes do 2° ano e 10 estudantes do 3° ano do Colégio Estadual Paes de
Carvalho, em Belém do Pará, e como critério de inclusão na pesquisa: aceitar a
participar da entrevista, ter frequência nas aulas e participar das atividades propostas
pelo professor.
Seguindo o enfoque do materialismo histórico e dialético, fundamentadas
nas palavras de Gil (2008), causas últimas de todas as modificações sociais e das
subversões políticas devem ser procuradas não na cabeça dos indivíduos, mas na
transformação dos modos de produção e de seus intercâmbios.
A coleta de dados se deu ocorreu por meio de entrevistas, e a análise de
dados se deu pela triangulação das entrevistas, fundamentação teórica e observação

20
Corpo, Trabalho e Educação

(MARCONI; LAKATOS, 2007, p. 94). Observação está que teve duração de três
meses, no período de agosto a novembro de 2016, com frequência de uma vez na
semana com duração de 4 horas no decorrer da disciplina Estágio Curricular
Supervisionado II que se encontra na grade curricular do Curso de Educação Física
da Universidade do Estado do Pará (CEDF/UEPA).

EDUCAÇÃO FÍSICA DO CORPO CONSUMIDO, CONSUMADO E CONSUMIDOR

Nas entrelinhas da década de 1980 a Educação Física enfrentava sua crise de


identidade, assim, discutiu-se qual seria o papel da Educação Física na Educação,
bem como o seu objeto de estudo. Diversos autores se reuniram para pensar essa
problemática. Em Soares et al. (1992, p. 41), conclui-se que “A Educação Física é
uma disciplina que trata, pedagogicamente, na escola, do conhecimento de uma área
denominada de Cultura Corporal” sendo, portando, a Cultura Corporal objeto de
estudo da Educação Física, pautada no estudo das diversas práticas corporais,
compreendidas no campo das danças, das lutas, dos jogos, da Capoeira, das
ginásticas e dos esportes.
Portanto, a Educação Física busca seu reconhecimento pela sua essência, ou
seja, como disciplina curricular responsável por atender o instrumento mais íntimo
do ser humano: o corpo; e se mostra como importante ferramenta de construção
social e de promoção de saúde. Contudo, a Educação Física que pensa o movimento
e problematiza seus conteúdos e práticas, o sistema a conduz de volta as suas
tendências tecnicistas.
E assim, a Educação Física perde seu caráter emancipador e retorna ao seu
papel de proporcionar ao Estado corpos sadios para o trabalho, atletas para os
espetáculos esportivos, e até mesmo para a falsa aparência de uma melhor
“qualidade de vida” para as populações mais desfavorecidas, utilizando desse
mecanismo para garantir o controle da massa, pois, negar o corpo, negar o
movimento, enfim, negar a Cultura Corporal é retirar do ser humano aquilo que lhe
compõem em totalidade, ou seja, tornar os sujeitos meros espectadores,
consumidores da realidade que lhes é vendida.
Freire (1982, p. 117) destaca que a educação popular é verdadeiramente

21
Corpo, Trabalho e Educação

libertadora, e se constrói a partir de uma educação problematizadora, alicerçada em


perguntas provocadoras com novas respostas, no diálogo crítico, libertador e na
tomada de consciência de sua condição existencial. No entanto, o que se encontra no
Ensino Médio é o retrato da Educação que se preocupa com as questões estéticas;
neste sentido, o estudante é apenas um produto a ser consumido, consumado nas
aprovações em exames de vestibular, consumidor ativo de sua realidade.
E a realidade da Educação Física, nesse contexto, é uma linha tênue entre
saúde e beleza, assim como entre o sedentarismo e o consumismo, ao mesmo tempo
paradoxos e sinônimos. O capitalismo desenfreado faz da educação o consumo, e
com isso os professores de Educação Física na escola são desafiados a enfrentar as
mídias e garantir a formação de cidadãos (OLIVEIRA; DELCONTI, 2010). Quando
o desafio vence, a Educação Física se torna ferramenta do capitalismo, vendendo a
imagem do corpo belo, sadio, apto ao trabalho, do mercado fitness, do estudante
mecânico. Desta forma, volta-se a reforçar a valorização do trabalho manual em
detrimento do intelectual, como se o ser fosse realmente dual, e “corpo e mente”
como duas unidades autônomas.
Com a manutenção desta dicotomia, afastam-se os estudantes do caminho
do autoconhecimento da sensibilidade e, portanto do protagonismo social que lhes é
de direito. É dessa forma que a Educação Física da moda fitness e hábitos saudáveis
mantém o plano econômico e social para a formação do cidadão trabalhador, o
consumo e a manifestação corporal passam a ser efetivos, o que justifica toda a
propaganda e iniciativas governamentais e do setor privado.
Com isso é possível compreender como a Educação Física, tão
negligenciada na Educação Básica, é ferramenta do poder invisível do Estado, pois,
de acordo com o pensamento de Foucault, algumas práticas corporais são
extremamente libertadoras, o que leva a sociedade a exercer um controle rigoroso
sobre a corporeidade para que esta se mantenha produtiva e passiva, ou seja, o corpo
é um lugar prático e direto de controle social. (BOURDIEU, 1977)
Assim, é possível observar o poder do corpo através de regras e práticas
consideradas banais (normas de alimentação, hábitos de higiene, modos de vestir,
formas de lazer), convertidas em atividades habituais, é que a cultura “[...] se faz
corpo” segundo Bourdieu (1977, p. 94). Portanto, a linguagem corporal é marcador

22
Corpo, Trabalho e Educação

da distinção social, e enquanto a Educação Física está guiando os estudantes do


Ensino Médio ao consumo do corpo belo, ela sustenta e reflete o poder das classes
dominantes, que se favorece da passividade das massas contidas nos diversos
espaços de educação informal do mundo fitness.

DO INVISÍVEL PARA O VISÍVEL: DA OBSERVAÇÃO A ENTREVISTAS, DIÁLOGO COM


OS SUJEITOS DA PESQUISA

Os estudos apreenderam para uma ação de sensibilização e conscientização


referente a disciplina Educação Física como componente do Currículo Escolar. No
período da observação foi possível constatar três situações: 1. a Educação Física era
negligenciada por parte dos estudantes como componente curricular; 2. a Educação
Física não era compreendida como fator relevante para a formação do sujeito crítico
e; 3. tanto os estudantes quanto os professores compreendem o horário da disciplina,
quando há aula, para reforçar as relações entre corpo consumido e consumidor.
As aulas para os meninos era o espaço da arena de basquetebol, do
espetáculo esportivo e para as meninas o desfile do corpo belo, afinal que valor há
no trabalho motor das diversas práticas corporais?
Com isso, no Ensino Médio a Educação Física é coadjuvante frente as

Foto 1 – Atividade de Crossfit


disciplinas dos exames de
vestibular, é o alongamento
durante as cinco horas de
realização do ENEM, é a dica
para o treino na academia, que
exigem corpos adequados aos
padrões.
A Foto 1 ilustra a
atividade que mais chamou a
atenção dos alunos do Ensino
Médio: a prática do Crossfit.
Durante o período de intervenção
Fonte: Arquivo pessoal (2016). foi sugerido a eles a prática de

23
Corpo, Trabalho e Educação

Foto 2 – Atividades diversas do mundo fitness dança, do jogo e até mesmo da


ginástica, no entanto nenhuma delas
foi tão atrativa, mesmo sem traçar
nenhuma discussão mesmo no campo
teórico, o que ilustra a força que as
tendências do mundo fitness possuem
frente a juventude.
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Na Foto 2, ao se sentirem
incluídos no contexto daquilo que é moda e, portanto condição de status, a Educação
Física se torna interessante. A escola apoia e incentiva as práticas que reforçam,
aparentemente, apenas o trabalho motor, além de ser performático. É importante
ressaltar que o trabalho onde as habilidades motoras estão em maior evidencia não é
um problema, corpo é movimento e, portanto deve ser experimentado, a questão é a
ausência da problematização acerca das diferentes práticas corporais.
Com o diário de bordo foi possível notificar ainda, que a Educação Física
não era tratada como espaço importante a ser garantido, isso foi constatado pelo
posicionamento da escola que garantia horários para a disciplina que nem sempre
possibilitava a presença dos estudantes (aulas em contraturnos). Ainda sobre o
assunto, foi possível constatar por meio das observações que existe a visão da
disciplina como evento, festiva para o cotidiano da escola. O horário não facilitava a
sua aplicação como aula efetiva, mas para os festivais esportivos, os jogos internos e
os jogos externos a escola parava sua programação diária em torno da Educação
Física: é a “bola da vez”.
Foto 3 – Estudantes expectadores
Sobre o cotidiano das aulas foi
possível pontuar duas ações
diferenciadas: a valorização da
formação de atletas para os eventos já
supracitados e a segregação de
gêneros. No que se refere a formação
de atletas, observa-se que a Educação
Física na Escola se detia, em muito, Fonte: Arquivo pessoal (2016).

24
Corpo, Trabalho e Educação

para o treinamento desportivo, e nisso excluía a participação dos alunos sem grandes
qualidades motoras, pois, o mais importante era caracterizar a aula de Educação
Física como espaço de celeiro de atletas, como explícito na Foto 3.
A segregação dos mais
Foto 4 – Segregação por habilidades
habilidosos é deduzida pelas imagens,
conforme Foto 4, ou seja, as
vestimentas, sapatos e suas ausências
retratam justamente a falta de interesse
nas atividades propostas pelo
professor. Tais atitudes são planejadas,
pois eles sabiam o dia e hora da
Fonte: Arquivo pessoal (2016). disciplina de Educação Física.
No que se refere a segregação
de gêneros, pontuou-se as atividades planejadas, o gênero masculino em sua maioria
tem maior atenção pela apresentação do basquetebol na maioria das aulas e também
por estes estarem vinculados aos jogos externos da escola.
Com isso, constata-se que as aulas pouco se voltam para a formação do
sujeito e insufla a ideia do forte, do belo, do bonito, em detrimento do partilhar da
participação criativa, da apresentação dos conteúdos e mais da Educação Física que
venha debater a Cultura Corporal como espaço de fortalecimento do Ser sujeito.
A prática volta-se para corpos atraentes, e os sorrisos são frutos de acertos e
alívios fora da sala de aula (como na Foto 5), ou melhor, fora de uma cadeira, sala
fechada e um quadro branco cheio de conteúdo. Pois, a Educação Física também
pode ser feita dentro de sala, na
Foto 5 – O espaço externo
verdade é um dos espaços que pode ser
debatido assuntos da Cultura Corporal.
O que se observa em sua
maioria são ações que tendem para a
manutenção e formação de seres
contidos e alienados, pela forma como
o corpo é tratado e, principalmente, na
maneira como são conduzidas as aulas Fonte: Arquivo pessoal (2016).

25
Corpo, Trabalho e Educação

de Educação Física. Dialogando com Bourdieu (1977), percebe-se que apresentação


de si, os cuidados com a beleza, a preocupação com o corpo, que se estampa, bem
como os comportamentos, escolhas das indumentárias e o senso estético
simplesmente respondem as aparências físicas de classes interiorizadas pelos
sujeitos.
O que se propõem aos jovens é que tomem seu papel de população
economicamente ativa, afim de garantir mão de obra e mercado consumidor, há uma
lógica clara nas práticas físicas, há uma correlação entre as condições sociais
(econômicas e educacionais). A escola do estudante-produto, está produzindo com
maestria consumidores abduzidos pela lógica do capital.
Sobre este assunto surge a necessidade de realizar entrevistas que viessem
destacar o que na realidade já estava posta no invisível. Nesse processo, foram
analisadas vinte entrevistas com os estudantes do segundo e terceiro anos do Ensino
Médio. Sobre sua relação com a Educação Física e sociedade.
E sobre as entrevistas em diálogo com as observações, constatou-se que para
a maioria dos estudantes a Educação Física é vista como um estudo prático e
mecânico e, nesse bojo, contraditoriamente, a maioria afirmou que a Educação
Física é uma disciplina importante no Ensino Médio, como se destaca na frase dos
sujeitos 1, 2, 3 e 4, respectivamente:

Eu posso ver que a Educação Física me ajudou a usar meu corpo de


maneira ideal.
[...] Ajuda a entender os fundamentos de cada esporte, ajuda nos
cálculos de matemática.
[...] Manter a saúde em dia [...].
Sim, tanto físico quanto psicológico quanto as atividades, pois as
atividades da Educação Física me possibilitaram melhor concentração
nas aulas, dentre outros benefícios.

Contudo, é clara que a relação de importância, não foge aos preceitos da


Educação Física como coadjuvante das disciplinas de exames de seleção, e prática
relativa a manutenção da saúde e do corpo belo e ativo. Nesse bloco de entrevistas
analisadas uma chamou atenção, quando o sujeito 5 diz: O Estudo da Educação
Física me ajudou muito na parte social [...].
Nesse prisma de análise, dialoga-se novamente com a questão da linguagem

26
Corpo, Trabalho e Educação

corporal como forma de manifestação social. O corpo é sim o centro das relações
sociais e, como se evidencia, faz-se urgente uma ação pedagógica comprometida
com a sociedade no que tange a relação sujeito-sujeito, sujeito-sociedade, sujeito-
Ser-Humano.
Sobre a análise das entrevistas é triste destacar que ao questionar os
estudantes sobre como se sentiam nas aulas, a maioria afirmou que não sente seu
corpo liberto nas aulas de Educação Física e isso possibilita refletir como a sua
essência está sendo flagelada de suas ações como conteúdo Curricular que deve
contribuir na formação de sujeitos históricos. Sobre o assunto, Soares et al. (1992)
chamam atenção para a apropriação dos conteúdos da Educação Física como
conteúdos de disciplina escolar compreendendo que estes têm fundamentos para
dialogar com o sujeito, sua realidade, seu corpo e sua ação transformadora.
A realidade da escola demonstra que, no Ensino Médio, a Educação Física
ainda é menos válida e desfavorecida do seu objetivo currícular como nas séries
anteriores, mas é interessante em processos ligados ao mercado de trabalho. Nesse
item é válido ressaltar que das vinte entrevistas, dezoito responderam “que o estudo
da Educação Física ajuda na inserção no mercado de trabalho” e, ainda mais,
como afirma o sujeito 10: “[...] a Educação Física ajuda a ter energia e nos motiva
para uma vida saudável [...]” o que não difere do sujeito 11: “[...] me ajuda a ter
energia e disposição para estudar e trabalhar [...]”.
Com isso se traça uma análise clara de que a Educação Física ainda é vista,
no Ensino Médio, como espaço propedêutico ao trabalho e, desta forma, cabe
assumir padrões de práticas que afirmem a sua utilização para a personificação de
um corpo consumidor, sem espaço para raciocinar, refletir, dialogar e questionar a
sua existência no mundo do trabalho e no interior das contradições da sociedade do
capital.
Daí constatar um ser sem Ser, ou seja, sujeito concluso e acabado, contrário
ao que diz Freire (1982) de que os indivíduos são sujeitos inconclusos e inacabáveis
e, por conseguinte, estão em constante aprendizado. Ao encontro dessas buscas de
tornar visível o poder invisível que assombra a juventude, destacam-se falas
referentes a indagação acerca da Educação Física ser considerada menos importante
que as demais disciplinas na Escola, registradas pelos estudantes 1, 2, 3, 4 e 5,

27
Corpo, Trabalho e Educação

respectivamente, a seguir:

Sim, no convênio agente nem faz Educação Física, o professor sempre


tá ensaiando alguma coisa com as crianças e a agente não tem aula.
Sim, porque agora o foco é o vestibular. Não dá pra ficar um horário
jogando bola enquanto a concorrência estuda.
O diretor chegou pra gente e disse pra esquecer a Educação Física no
Ensino Médio [...].
[...] Tudo acontece na aula de Educação Física, do ensaio a bronca da
coordenação.
Sim, porque ninguém atrapalha as aulas de física, matemática. Égua.

Vê-se nas falas acima o que de fato é real na Escola quando se trata das
aulas de Educação Física e, somado com as observações, afirma-se que ainda é
preciso uma longa caminhada de reconhecimento da disciplina. Isso está relacionado
com os profissionais que nela atuam, a formação que se dá de forma pronta e
acabada sem que os espaços municipais e estaduais tenham políticas de formação
continuada e ainda o arcabouço histórico que a Educação Física carrega como a
redentora do conceito “mens sana in corpore sano” que precisa ser dialogado com o
contexto regional, com a sociedade e suas feras capitalistas e, mais do que isso, ser
amplamente debatida e compreendida como um espaço de formação em que o
sujeito está diretamente em contanto com o seu eu, com o outro, outro-outro, eu-
sociedade.
E isso não se dá num processo de formação de corpos para o consumo de
uma realidade fictícia de corpos belos e sadios e sim numa ação contínua e
permanente comprometida com uma Educação que busque a libertação do Ser
sujeito iniciando seus passos pela compreensão do seu corpo, no seu corpo dentro de
um plano existencial que não tenha somente a via mental como chegada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas análises das entrevistas, na observação e no diálogo com os autores não


se pode eximir de colocar um posicionamento diante dos resultados do processo de
controle social por meio da manutenção da formação capitalista do indivíduo que se
dá a partir da disseminação do conceito do forte, do belo, do bonito e do saudável
que precisa ser apreendido e vendido cada vez mais aos jovens do Ensino Médio,

28
Corpo, Trabalho e Educação

como entrada para o mercado de trabalho.


Outro item a ponderar é a questão da racionalidade técnica que é dada ao
Currículo do Ensino Médio, “ou tú passas no vestibular, ou tú vais trabalhar”. Com
isso os conteúdos são direcionados para um exame que se torna seletivo e
segregador e expõe a exclusão da Educação Física como espaço de aprendizagem;
isso acontece com mais ênfase entre os estudantes do 3° ano, onde a Educação
Física não é, de fato, obrigatória. Visto que qualquer outra atividade ligada a faminta
busca pela inserção cada vez mais cedo no mercado, toma o lugar de um espaço de
formação.
Não há como ignorar o fato de que a cidadania plena somente poderá ser
exercida quando for garantido pelo Estado, condições adequadas de educação
suficiente, voltada a exercer direitos e deveres. Educação Física com espaço,
recursos materiais e profissionais qualificados é direito de cidadania, bem como
parar com a veiculação de produtos e serviços que visam lesar o processo da
construção de cidadãos, é necessário que a Educação Física tome posse de seu papel
transformador, e ajude a frear a linha de produção intensiva de milhares de corpos
sem identidade, postos nas vitrines das relações sociais, e vendidos a sua própria
existência.
Por fim, esse estudo possibilitou enveredar por caminhos tortuosos das
práticas da Educação Física, pois permitiu ver a olhos nus a cruel realidade que é
imposta aos professores de Educação Física. É preciso força para derrubar o muro da
ignorância que é engendrada a Educação Física, mas, para isso, a primeira ação é
trazer para o campo da crítica radical os professores que hoje atuam nas aulas de
Educação Física junto as escolas públicas da capital paraense. Portanto, é preciso
que a academia abra as suas portas para a realidade e também favoreça o processo de
formação continuada aos professores da rede básica de educação.

Physical education in high school and the formation of bodies for consumption

Abstract: The study aims to analyze the process of formation of bodies for consumption
related to physical education in high school. The methodology is a case study. The data
collection occurred through observation and interviews with 20 high school students, being
10 students of the 2nd year and 10 students of the 3rd year of the State College Paes de
Carvalho in Belém (PA). It concludes showing how physical education is still an object of

29
Corpo, Trabalho e Educação

capital and of the labor market, relation that happens with the absence of pedagogical actions
substantiated on corporal culture.
Keywords: Physical Education. Body. Labor.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University


Press, 1977.

DARIDO, Suraya Cristina et al. Educação Física, a formação do cidadão e os parâmetros


curriculares nacionais. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 17-32,
jan./jun. 2001.

FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa. 6. ed. São
Paulo, 2007.

OLIVEIRA, Valdiney Marques de; DELCONTI, Wesley Luiz. Corpo e consumo:


implicações para a educação física escolar. In: MOSTRA INTERNA DE TRABALHOS DE
INICIAÇÃO CIENTIFICA, 5., 2010, Maringá. Anais... Maringá, 2010.

SOARES, Carmen Lúcia. Educação física escolar: conhecimento e especificidade. Revista


Paulista de Educação Física, São Paulo, suplemento 2, p. 6-12, 1996.

SOARES, Carmen Lúcia et al. Metodologia no ensino da Educação Física. São Paulo:
Cortez, 1992.

30
Corpo, Trabalho e Educação

A céu aberto: linguagem do corpo e trabalho


como resistência na Amazônia paraense

Emerson Duarte Monte (UFPA) 7


Giselle dos Santos Ribeiro (UEPA) 8
Rogério Gonçalves de Freitas (UFPA) 9
Marta Genú Soares (UEPA) 10

Resumo: Este estudo investiga novas acepções sobre o corpo na relação com o trabalho.
Objetiva compreender as sensações dos sujeitos da estiva sobre o trabalho na feira do açaí do
Ver-o-Peso na Cidade de Belém (PA). São tratadas as categorias degradação e resistência,
por meio de códigos de linguagem próprios, informados pelos sujeitos da investigação, em
entrevista aberta, e observados in locus, e que articulam as sensações do e com o trabalho.
Analisa, ao usar as categorias eleitas, o processo e o disciplinamento do trabalho nas falas
dos sujeitos e nas observações registradas sobre a organização e desenvolvimento das
atividades dos estivadores, e conclui que o corpo se indisciplina frente às sensações vividas
pelo trabalho, que se apresenta de um lado, com características pré-capitalistas pela ausência
de mecanização e modernização tecnológica, e por outro, com finalidade moderna, pelo fato
do produto açaí ter um lugar privilegiado na atividade econômica da região e na atual
evolução das exportações da fruticultura do Estado do Pará.
Palavras-chave: Trabalho. Corpo. Estivadores.

INTRODUÇÃO

Durante a madrugada, e a céu aberto, no Ver-o-Peso11 cotidianamente os


estivadores aguardam a chegada de barcos vindos das regiões próximas a Belém e se
organizam para sua atividade rotineira: descarregar o açaí dos barcos, vigiar o
produto e aguardar a venda para então receberem seu pagamento. O açaí, fruta do
açaizeiro, palmeira pertencente à região Amazônica (Euterpe oleracea) sustenta a
economia de mais de 20 municípios paraenses. É uma fruta de cor roxa, amplamente
consumida em forma de suco no estado do Pará em acompanhamento às refeições. O

7
Doutor em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: emerson@uepa.br
8
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: giribeiroef@hotmail.com
9
Doutor em Sociologia, Universidade Federal do Pará.
E-mail: rogeriogonfrei@yahoo.com.br
10
Doutora em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: martagenu@gmail.com
11
O Ver-o-Peso é um dos maiores mercados de céu aberto da América Latina inaugurado em
1627 no antigo alagado do Piry, também conhecido como casa de “Haver-o-Peso”, o qual era
um posto de conferencia de mercadorias (pesagem) e de arrecadação de impostos.
(FLEURY; FERREIRA, 2011, p. 103)

31
Corpo, Trabalho e Educação

sabor singular do suco, responsável pelo alto consumo, faz com que o processo de
plantio, colheita, transporte e venda movimente, aproximadamente, 25.000 famílias
no Estado. (XAVIER; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2009)
O fruto, além de possuir alto valor nutricional e energético, é rico também
em antocianina, que tem ação antioxidante e pode agir na prevenção a uma série de
doenças. Isto fez com que o açaí, antes destinado apenas ao consumo regional,
ganhasse espaço fora do estado, em razão de suas propriedades bioquímicas, e
despertado maior interesse do mercado nacional e internacional, motivo pelo qual
tem sido amplamente exportado. (OLIVEIRA; FARIAS NETO, 2004)
Com a expansão da demanda de açaí, compreendida desde o plantio até a
venda, viu-se nos últimos anos, um significativo processo de modernização de sua
produção. A extração da polpa até meados de 1945, em Belém, era realizada através
das amassadeiras: mulheres que por meio de um intenso trabalho manual extraiam
do caroço a polpa do açaí. A partir de então, a produção passou a ser realizada por
máquinas, diminuindo assim o tempo de produção. Assim, as indústrias de polpas e
sucos de frutas foram ganhando espaço e apropriando-se melhor da comercialização
desta fruta. Atualmente já garantem todo o seu beneficiamento em alta escala, até as
condições adequadas para a distribuição nacional e internacional. (HOMMA, 2002)
Deve-se atentar também que a mercadoria açaí é um produto natural,
diferentemente de um produto fabricado industrialmente, as etapas de produção do
açaí que são o plantio e a colheita, assim como as etapas de transporte e venda,
acontecem em áreas abertas e de intenso contato com a natureza, não empregando
métodos altamente mecanizados, assim como os métodos, o espaço onde o trabalho
se desenvolve marca singularidades nas relações de trabalho e de produção.
Aspectos que mostram como essas singularidades serão destacados ao longo deste
estudo.
O produto natural açaí além de possuir essas particularidades tem seu fim
voltado a uma necessidade básica humana, isto é, de se alimentar. Não se destina a
um consumo que demarque posicionamento de classe social como se configura em
outros alimentos e pratos específicos.
Deste processo pelo qual passa o açaí, o interesse desta reflexão foi
investigar o momento em particular onde não se identifica um amplo processo de

32
Corpo, Trabalho e Educação

modernização, pelo contrário, onde se caracteriza formas pré-capitalistas de


organização do trabalho. O serviço daqueles, sujeitos desse estudo, que realizam a
descarga do açaí vindo da região das ilhas próximas à Belém – trabalho este
marcado pela importância do corpo – análise expressa pelo uso do corpo no trabalho
e pela leitura que os próprios estivadores fazem dele, na realização da atividade, em
que há degradação do sujeito e fortalecimento corporal, numa rotina em que as
várias sensações que estes trabalhadores têm dos seus corpos são relatadas e
observadas pelos procedimentos metodológicos adotados pelos pesquisadores.
Visitações à Feira do Açaí em Belém do Pará, no Ver-o-Peso, durante cinco
madrugadas entre 23h e 3h, fizeram parte deste estudo de campo onde foi utilizado:
questionários com 14 trabalhadores, e realizada entrevista com um destes sujeitos,
privilegiado por destacar-se da totalidade dos trabalhadores que responderam ao
questionário, devido sua insatisfação no trabalho e posto ocupado no grupo de
sujeitos, como o de patrão.
No decorrer do trabalho dos estivadores, sempre na madrugada, o
movimento é dinâmico na Feira do Açaí, entre carregamentos e empilhamentos, os
estivadores fazem pausas para o cafezinho, o gole de cachaça e o cigarro, momentos
de conversas sobre o trabalho, o pagamento, a vida em casa, o cansaço e o futebol,
sim o futebol, atividade que encerra a jornada às 6h da manhã. Às 9h começa a volta
para a casa ou para o descanso, e se reinicia o trabalho às 23h novamente.
Nesse sentido, o quadro metodológico se constituiu de instrumentos de
coleta com o questionário e a entrevista aberta, observação de campo e a análise dos
dados coletados foram feitas tendo como parâmetro as categorias corpo, trabalho e
resistência, categorias essas que se ampliam dos mesmos conceitos teóricos das
referências estudadas no aporte teórico sobre corpo, trabalho e resistências
sustentados em Gleyse (2006); Marx (1982; 2013); Faïta (2010) e os interlocutores
do estudo teórico, tendo como metodólogo Bakhtin (2006) e seus preceitos
metodológicos sobre discurso e linguagem.
O texto se organiza em três tópicos em que se discute o aporte conceitual ao
tratar de Corpo, trabalho e resistência para informar do lugar em que os autores
concebem as categorias. Para a mediação teórica entre os autores eleitos se
organizou o tópico Modos de interpretação e linguagem do corpo no trabalho e para

33
Corpo, Trabalho e Educação

fazer a escuta dos sujeitos da pesquisa reuniu-se em Sensações nos processos e no


disciplinamento do trabalho as falas e as análises interpretativas para responder ao
propósito do estudo nas conclusões sobre a caracterização do trabalho a céu aberto
na Feira do Açaí, no Mercado do Ver-o-Peso, na cidade de Belém do Pará segundo a
linguagem do corpo e atividades dos estivadores.

CORPO, TRABALHO E RESISTÊNCIA

A atual forma de configuração do mundo do trabalho, em sua etapa de


produção flexível oriunda das mudanças no regime de acumulação de tipo
fordista/taylorista para o padrão toyotista de produção, datada da década de 1970,
implicou em novas relações de trabalho e tipos de trabalho. A esse respeito Antunes
(2008, p. 24) destaca que “Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são
substituídos e eliminados do mundo da produção”. De igual modo, há um
crescimento do número de tipos de trabalho em virtude da descentralização da
produção, da ampliação da produção para novas mercadorias e serviços, e do
movimento particular da produção toyotista de ampliar a carga de inovação
tecnológica e, paralelo a isso, demandar novas funções laborais. (ALVES, 2001)
Nessa perspectiva, a ciência e a técnica como forças produtivas se afirmam
num patamar superior ao observado no que se denomina de período pré-capitalista.
É a utilização de modo sistemático e numa escala ampliada da maquinaria que a
produção artesanal se converteu em grande indústria. Ou seja, as relações
propriamente capitalistas se desenvolveram com o avanço, dentre outros fatores, da
maquinaria mediada pela ciência e pela técnica. Conforme destacou Marx (2013, p.
435), a manufatura “[...] mutila o trabalhador, fazendo dele um trabalhador parcial, e
se consuma na grande indústria, que separa do trabalho a ciência como potência
autônoma de produção e a obriga a servir ao capital”.
É importante ressaltar que a descentralização da produção no capitalismo,
que envolvem novas funções laborais e emprego de tecnologias, é acompanhada de
descentralização de sua manutenção, o sistema se torna estrutura do mundo e
alcança a própria vida, os pilares produção e consumo irrompem sociedade e
natureza, fazendo com que os trabalhadores que mantenham uma produção

34
Corpo, Trabalho e Educação

artesanal, um estilo pré-capitalista de produção, consumam produtos ou serviços, de


tal forma que a resistência é sempre parcial.
Ainda dentro das relações de produção pré-capitalistas, a forma de
organização no trabalho é uma categoria que se mantém no desenvolvimento da
produção capitalista. A cooperação é o modo pelo qual se estruturou as relações pré-
capitalistas, por exemplo, o trabalho nas pequenas fábricas de artesãos, assim como
se manteve na estrutura organizacional da grande indústria e permanece em cena
ainda no século XXI. Contudo, a cooperação simples expressa apenas uma relação
entre trabalhadores organizados em pequenas fábricas, sem estabelecer entre si
algum grau de dependência. A simples produção coletiva num mesmo espaço não
amplia a capacidade produtiva de uma dada produção de mercadorias.
Todavia, a produção numa escala ampliada, e sob novas relações, apesar de
partir da cooperação simples, ganha nova feição ao se combinar as diversas jornadas
de trabalho isoladas e individuais, próprias da cooperação simples e, dessa forma,
amplifica a capacidade produtiva do trabalho, com seus diversos ônus que disso
deriva. Conforme expresso por Marx (2013, p. 404):

Comparada com uma quantidade igual de jornadas de trabalho isoladas


e individuais, a jornada de trabalho combinada produz uma massa
maior de valor de uso, reduzindo, assim, o tempo de trabalho necessário
para a produção de determinado efeito útil. Se a jornada de trabalho
combinada obtém essa força produtiva mais elevada por meio da
intensificação da potência mecânica do trabalho, ou pela expansão de
sua escala espacial de atuação, ou pelo estreitamento da área de
produção em relação à escala da produção, ou porque, no momento
crítico, ela mobiliza muito trabalho em pouco tempo, ou desperta a
concorrência entre os indivíduos e excita seus espíritos vitais, ou
imprime às operações semelhantes de muitos indivíduos a marca da
continuidade e da multiplicidade, ou executa diversas operações
simultaneamente, ou economiza os meios de produção por meio de seu
uso coletivo, ou confere ao trabalho individual o caráter de trabalho
social médio - de qualquer forma a força produtiva específica da
jornada de trabalho combinada é força produtiva social do trabalho ou
força produtiva do trabalho social. Ela deriva da própria cooperação.

Nesse nível de cooperação as relações capitalistas de produção se


desenvolvem e se consolidam. Isso implica afirmar a particularidade que o trabalho
assume no modo de produção e reprodução da vida material sob bases capitalistas. O

35
Corpo, Trabalho e Educação

trabalhador se submete as formas particulares de exploração, assim como se


distancia do produto de seu trabalho, o alcance a bens de consumo básicos a
existência se tornam acessíveis apenas pela troca de força de trabalho por dinheiro,
esses bens básicos a existência se tornam, em larga escala, demarcadores de
posicionamento social, a exploração se metamorfoseia em consumismo,
promovendo-se como finalidade da própria vida, em que o corpo se amolda às
condições de vida e trabalho, silenciando as expressões essenciais que o animam, e o
reconfiguram de acordo com a prática social, a exemplo do

Corpo trabalhador ou laborioso e o corpo esculpido são fenômenos do


cotidiano social, em que estão consolidados hábitos da moral e higiene,
e que se fazem ocultos na aparente conduta social (GLEYSE, 2006), no
entanto, são os hábitos que determinam desde as práticas corporais bem
como o comportamento social. A leitura de Gleyse converge ao
pensamento de Foucault sobre a determinação da instituição social
sobre o corpo definido pela prática social. (SOARES; KANEKO;
GLEYSE, 2015, p. 70).

A partir dessas relações os trabalhadores construíram, historicamente, as


suas distintas formas de resistência. Desde as resistências individuais no trabalho,
por meio de diversos artifícios, até as resistências coletivas, a partir dos sindicatos,
das associações, das federações e confederações de trabalhadores. Mas, há formas de
resistências no interior do modo de produção capitalista que não perpassam por
esses dois grandes exemplos; trata-se dos tipos de trabalho em sua configuração pré-
capitalista que permanecem vívidas em alguns locais geográficos do mundo.
Quando se pensa em resistência a partir da condição global de consolidação do
capitalismo, percebe-se uma negação parcial a reprodução da vida material
capitalista, pois se tem processos tradicionais que se fundiram ao capital.
Nessa perspectiva é que se analisa o trabalho realizado por estivadores que
atuam na Feira do Açaí, na cidade de Belém (PA). Esses trabalhadores permanecem
no que se caracteriza como relações de produção pré-capitalistas, em virtude da não
existência das relações particulares do modo de produção do capital. O essencial nas
relações capitalistas é a extração de mais valia que, nessa configuração de trabalho,
não se manifesta diretamente. Na pesquisa que se desenvolve junto aos
estivadores/carregadores é possível observar características que não estão presentes

36
Corpo, Trabalho e Educação

nas relações propriamente capitalistas. A produção de Açaí que é desembarcada


pelos barqueiros, todos os dias a partir das 19h, provém dos pequenos produtores e
coletores de Açaí da região das Ilhas próximas à cidade de Belém e das cidades
localizadas na Ilha do Marajó.
Os carregadores que trabalham na Feira do Açaí desembarcam as produções
da população ribeirinha que são desenvolvidas por meio de coleta ou por pequenos
processos manufatureiros, a exemplo da produção de Farinha de Mandioca, contudo,
o principal produto ali desembarcado é o Açaí. Os responsáveis por realizarem o
transporte desses produtos são os barqueiros, que cumprem a função de escoar a
produção dos ribeirinhos por meio das cidades. A execução do trabalho de
desembarque dos produtos trazidos pelos barqueiros é realizada pelos estivadores
que trabalham na Feira do Açaí. Esses trabalhadores se organizam em pequenas
equipes formadas por 4 a 8 pessoas e cada equipe possui, pelo menos, um chefe.
A produção do açaí da população ribeirinha que planta e colhe sem o uso de
maquinários, mantém o trabalhador em contato direto a natureza. Um ambiente que
lhe remete a liberdade espacial, as próprias influências climáticas e regularidades de
plantio e colheita dinamizam o trabalho. Esses ribeirinhos não se utilizam de
métodos tecnológicos que criem possibilidades artificiais de produção do açaí. A
organização da produção se dá em conjunto ao processo natural de desenvolvimento
do açaizeiro. O armazenamento do açaí em paneiros e o transporte em barcos
continuam como aproximação da atividade de trabalho a natureza, a paisagem de
liberdade.
Dentre os 14 trabalhadores acessados, que pertenciam a variadas equipes de
trabalho, haviam presentes alguns chefes. As informações coletadas por meio de um
questionário apresentam um panorama sobre o que é esse tipo de trabalho e o quanto
ele se localiza distante das relações capitalistas tradicionais de produção. A média de
idade dos estivadores da Feira do Açaí ficou na casa dos 36,5 anos, com idade
mínima de 25 anos e máxima de 59 anos. O nível de escolaridade desses
trabalhadores varia entre a 5ª e a 7ª série do ensino fundamental, com pequenas
variações para o acesso ao ensino médio, assim como a presença de um analfabeto.
Com exceção de um indivíduo, os demais possuem de 1 a 5 filhos, com o número
médio de 3 filhos; suas famílias são compostas pela quantidade média de 4 pessoas.

37
Corpo, Trabalho e Educação

A função do chefe dos estivadores é realizar o planejamento do trabalho de


descarregar os barcos, vigiar os produtos já descarregados que estão expostos à
venda na feira, receber o pagamento diário pelo descarregamento, pagar os
trabalhadores da equipe, recarregar os barcos e, ainda, realizar também o trabalho de
descarregar os produtos. Fica explícito que os chefes das equipes não apresentam
privilégios; pelo contrário, desempenham mais funções no dia a dia e não recebem
um quantum significativamente maior que os demais trabalhadores, a diferença na
remuneração é da ordem de 25 a 50%.
O trabalho que esses homens desenvolvem (a presença de mulheres na
execução desse trabalho é inexistente), cotidianamente, não está organizado dentro
das relações formais de trabalho, ou seja, não há contrato de trabalho, não há normas
formais a serem cumpridas, não existe exame médico admissional ou pré-requisitos
de nível de escolaridade, enfim, as relações de trabalho que se estabelecem entre os
membros das equipes, assim como entre as equipes e os barqueiros, são relações
destituídas do fundamento legal no âmbito dos direitos trabalhistas.
Logo, há particularidades nesse trabalho que moldam os corpos desses
trabalhadores por serem características peculiares ao local e a forma como as
relações trabalhistas de manifestam. A jornada de trabalho média dos sujeitos da
pesquisa está na ordem de 10 horas, com mínimo de 2 horas e máximo de 15 horas,
logo não há um tempo fixo para a jornada deles, o que implica afirmar que o
pagamento está correlacionado com o seu empenho na equipe e o tempo destinado
ao trabalho. O trabalho realizado na madrugada impõe um ritmo cansativo a partir
do momento em que o tempo de repouso se inverte.
A realização do trabalho é efetivada no ato de descarregar os produtos
transportados pelos barqueiros. Os paneiros e rasas de Açaí variam de 30 a 45 kg,
respectivamente, cada unidade, e são essas cargas que os trabalhadores organizados
por equipe transportam do barco para a área de venda na Feira do Açaí, assim como
as sacas de 30 kg de Farinha de Mandioca. Ao longo de uma jornada de trabalho
cada equipe transporta de 150 a 200 paneiros e rasas de Açaí.
A maioria dos trabalhadores afirma descansar durante o desenvolvimento da
jornada de trabalho, e o descanso apresenta uma relação com a chegada dos barcos,
com o fenômeno das marés e com as chuvas. No âmbito das sensações durante a

38
Corpo, Trabalho e Educação

execução desse trabalho, a maioria sente satisfação em desempenhá-lo, em virtude


de a remuneração ser suficiente para julgar a existência de possuir uma boa vida
com o que se aufere no trabalho que é pago diariamente.
Observou-se e registrou-se o misto de sensações de prazer e cansaço e de
prazer do cansaço. O ambiente de trabalho, na madrugada barulhenta é coberto pelo
céu estrelado ou pelo tempo chuvoso. A céu aberto e em plena noite adentro, os
estivadores trabalham carregando, descarregando, empilhando e vendendo quando o
dia vai clareando. É visível o cansaço, como também se percebeu o clima leve e
festeiro da tarefa diária, pesada e cansativa.
Apesar da ausência de regras formais, da liberdade para realizar descanso e
se alimentar durante o trabalho, há um esgotamento corporal no trabalho. Apenas
um trabalhador afirmou não sentir dores no corpo, os demais sentem dores
moderadas e em demasia, nas mais variadas partes do corpo. Portanto, o trabalho
dos estivadores da Feira do Açaí é permeado pela inexistência das relações de
produção capitalistas modernas, contudo carrega em si a degradação do corpo
promovida pelo trabalho. A resistência que esses trabalhadores realizam, mesmo que
inconsciente ao trabalho não consegue superar a degradação que o trabalho impõe ao
corpo.
Por outro lado, é importante destacar que a resistência no trabalho
mutuamente se desenvolve nas atividades de descanso em que consomem bebidas,
cigarros e outros produtos, por isso salienta-se que é uma resistência parcial, com
isso também se nota o alcance do sistema, as maneiras mais diversas de existência.
A aproximação do trabalho dos carregadores a natureza, o transporte do açaí em
barcos até a feira, marcam nas relações de trabalho a ausência de formalidades, as
roupas de trabalho são as mesmas de outros espaços, a força física é o mais
importante do trabalho de carregar. No movimento de carregar, o principal é ter
força. O tempo trabalhando com jornadas de até 15h se contrasta com períodos de
pouca produção de açaí, os momentos de descanso durante o trabalho em que se
voltam a jogos, fumam, bebem, entre outras atividades praticadas.
Nisso percebe-se que trabalho e vida parecerem se fundir. Não há
demarcadores fixos, pois, os hábitos, os comportamentos em casa e no trabalho se
complementam, repetem-se, imbricam-se. O corpo precisa de força para trabalhar,

39
Corpo, Trabalho e Educação

esse mesmo corpo trará consigo movimentos próprios de uma vida que acontece
num decurso sem grandes diferenciações de tempo no trabalho e tempo no não
trabalho. Assim, mediante a importância que o corpo assume neste processo de
trabalho caracterizado como pré-capitalista é que nas relações ali estabelecidas, a
leitura do corpo e de suas expressões são determinantes para os sujeitos pertencentes
àquele espaço desenvolverem suas atividades.

MODOS DE INTERPRETAÇÃO E LINGUAGEM DO CORPO NO TRABALHO

Faïta (2010) afirma que linguagem e atividade são inseparáveis. Sobre isso
dissertava Bakhtin, que compreendeu a linguagem como uma atividade sócia e
historicamente situada. O fato de sua ação [da linguagem] agir sobre nós mesmos e
os outros, como expõe a primeira autora, reforça o caráter inseparável entre
linguagem e atividade, pois as formas diversas de estabelecer uma linguagem
expressam possibilidades de atividades a determinados grupos sociais. As
atividades, por sua vez, no campo social em que são construídas podem adolescer
uma linguagem própria de seu desenvolvimento.
As atividades do corpo estão sujeitas a leitura, bem como a linguagem oral
pode expressar interpretações das atividades do corpo. Sobre essa relação dialética é
possível compreender a linguagem do corpo no trabalho dos carregadores da Feira
de Açaí de Belém. O desenvolvimento do trabalho realizado lá constitui, também,
uma forma de interpretar o corpo e realizar a sua leitura. Experiência comumente
feita por aqueles sujeitos, o qual consiste, dentre outras coisas, em julgamentos de
aptidão física para desenvolver a tarefa laboral de descarga dos barcos, isto é, uma
espécie de performance da prestação do serviço que remete as dimensões da
produtividade e da eficiência.
No relato dos sujeitos, o cansaço do trabalho é suportado pela ânsia do
pagamento, pela espera do início da manhã para o lazer - o futebol. Vê-se corpos
fortes, com contornos musculares definidos pela dinâmica do trabalho, no entanto,
isso não denota aparência saudável, são feições pálidas, suadas e, em alguns,
amareladas e desanimadas. Entre um carregamento e outro, o corpo se deita e se
estende no chão a contemplar o céu aberto, ribeirinho e com embarcações

40
Corpo, Trabalho e Educação

incontáveis.
Diante das modernas formas de exploração do trabalho e da ideia de
eficiência como caótica e deprimente, a ideia de eficiência se traduz, no caso dos
carregadores, em processos de hierarquia do trabalho baseada nas redes de confiança
e de motivação, mediados por uma linguagem própria que dá sentido e significado
ao trabalho realizado. Faïta (2010) expressa que, por meio da linguagem, o ser
humano pode, por exemplo, mobilizar-se, movimentar-se e também desestimular.
Os mesmos estímulos são possíveis por meio da linguagem do corpo, a qual se faz
imprescindível na leitura dos trabalhadores da Feira do Açaí.
As observações realizadas demonstram homens historicamente situados que
desenvolvem suas próprias formas de linguagem e interpretação do corpo, uma
forma de sentir o reconhecimento do trabalho e de si mesmo. Nesse sentido,
oralizam suas vontades, alegrias e estímulos; desenvolvem suas atividades num
lugar onde se pode beber bebida alcoólica, fumar, jogar e conversar no hiato entre o
descarregamento de uma carga e outra e, em meio a isso, ainda há realização de
leituras diversas sobre o desenvolvimento do trabalho e os demais sujeitos por lá
transeuntes.
Assim, reconhecer homens que se adaptam ao trabalho ou não, homens
sérios, dispostos e homens que não têm perspectivas, faz parte do campo julgamento
valorativo realizado por eles, na leitura por meio das expressões e das atividades do
corpo exposto. A expressão oral desse julgamento valorativo anuncia o que
Bakhtin/Volochinov (2006) expõe sobre a palavra como um signo ideológico, onde
por meio da leitura do corpo se realiza um julgamento, um posicionamento
ideológico com base nas acepções de homem construídas na sociedade do capital.
Compreende-se aqui, em comum acordo com Bakhtin (2006, p. 29, grifo do
autor), que “sem signos não existe ideologia”. O movimento que transpõe o mero
signo de um objeto qualquer em signo ideológico, ou seja, a apropriação da forma
material, física, que o signo expressa, consiste em denotar novo sentido ao signo,
momentaneamente, mas que se internaliza no signo de tal forma que a sua
característica original assume o segundo plano, e a carga ideológica do signo assume
a dianteira.
Ainda nesse sentido, o trabalho de carregar possui uma memória de

41
Corpo, Trabalho e Educação

movimentos coletiva e individual, uma simbologia tanto para os trabalhadores


quanto para os outros que acompanham ou observam essa atividade. Há uma
maneira de executar o carregamento do paneiro, assim como em outros tipos de
trabalho existe um modo de desenvolver uma tarefa, cabendo julgamentos dos
outros trabalhadores participantes de tal atividade.
O exemplo disto é o discurso do sujeito entrevistado quando questionado
sobre idade, gênero e ascensão no trabalho das pessoas que atuam desembarcando
açaí. Garante que crianças e mulheres não dão conta do serviço. Sobre a mulher, o
adjetivo frágil é ressaltado para justificar sua ausência. Afirma também que os bons
trabalhadores são facilmente identificados pela observação do desempenho que se
relaciona com os hábitos de vida, por exemplo, em que medida bebem, fumam e
qual a quantidade de rasas carregam por noite e se têm frequência assídua. O que se
percebe na fala do Er:

Eu trabalho aqui, e o Ver-o-peso tem uma outra historia por trás dele,
um exemplo, a droga, a prostituição, o vicio que talvez a gente chegue
nesse assunto depois. Mas em detalhe, ninguém quer isso para os seus
filhos. Aqui é muito fácil de a pessoa seguir esse caminho. Fácil
mesmo. Mas, é bom quando o filho fica mais maduro, trazer para
aprender a trabalhar; eu tenho esse pensamento, de trazer o meu pra
cá, pra ele dar valor no trabalho, mas não pra ele fazer um trabalho
fixo.

Embora já se tenha destacado o caráter pré-capitalista deste tipo de trabalho,


ao articular o processo de observação, a entrevista e os dados dos questionários,
constata-se a existência de um código implícito que diz respeito ao desenvolvimento
das atividades na Feira do Açaí, estas, permeadas por um processo de
disciplinamento que dizem respeito às leituras possíveis de serem realizadas lá, ou
seja, as condutas dos trabalhadores, mesmo não regulamentadas, importam, são
observadas e sentidas na organização dos estivadores, posto que para Er:

Somos chamados de carregador de açaí, só que tem três tipos de


carregador aqui na feira: tem o pessoal que carrega em saca; o
pessoal que carrega esses paneiros aí...; e, tem, no meu caso que a
gente carrega uns que são maiores do que esses, são rasas grandes,
são três desse paneiro num volume [...]. No meu caso eu trabalho com
o açaí da Ilha, e esse açaí que vocês estão vendo é do Marajó. O açaí
da Ilha é o melhor que tem, Ilha das Onças aqui na frente, e tem as

42
Corpo, Trabalho e Educação

suas regiões aí, um exemplo: tem o Araraquara, o Arapiranga, o furo


grande, todos esses lugares, que é só atravessar aí, eles trazem o açaí
que eu trabalho, no meu caso que chama açaí da ilha.

Há uma organização histórica e cultural, em que o código de disciplina foi


se estabelecendo a partir da demanda de trabalho e convivência entre os
trabalhadores. As condições de trabalho são enfrentadas e transformadas no
cotidiano e se estabelece uma prática singular na organização social do cais, entre
hábitos, costumes, modos e sensações de corpos que trabalham e fazem do lugar o
âmbito de aprendizagem e princípios próprios, estabelecidos na forma de conviver,
entre o trabalho e a possibilidade de lazer e descanso.

SENSAÇÕES NOS PROCESSOS E NO DISCIPLINAMENTO DO TRABALHO

O processo de trabalho é, a priori, o elemento independente de qualquer


forma social e, por isso, o ser humano, na sua relação sócio metabólica com o
trabalho e com a natureza, põe em movimento as forças da natureza e as conjugam
simultaneamente com a própria corporalidade, utilizando seus braços, pernas, cabeça
e mão, isso fará com que haja uma transformação da natureza do próprio ser humano
(MARX, 1982). É nesse sentido que no interior do processo de trabalho se manifesta
a rotina dos carregadores de açaí e, por conseguinte, gera processos de cooperação
que dão sentido ao trabalho realizado. A rotina, elemento integrante de processo de
trabalho, não é entendida, nesse contexto, apenas como aspecto puro e conceitual de
burocracia, mas sim está ligada a uma constante mutação simbólica assimilada pelo
carregador de açaí, quando ele aprende a técnica da atividade de descarregar a
mercadoria que chega a feira para ser vendida e consumida posteriormente.
Essa reflexão retoma a ideia que Diderot defendia sobre o trabalho do ator
no ato de memorização de seu texto, ou de um músico na composição de uma
partitura, em que o ritmo e a repetição são a unidade manual e mental do trabalho
(SENNETT, 2009). A transição da manufatura ao sistema de fábrica foi um dos
fatores que alterou a rotina como elemento de apropriação do trabalho e sentido do
mesmo. Esse processo de transição fez emergir e legitimar a concepção da ética do
trabalho. Nesse sentido, a autodisciplina e o tempo, valorizam-se com a expansão do
sistema de retribuição.

43
Corpo, Trabalho e Educação

A ausência de tecnologia no trabalho possibilitou Marx fazer a distinção da


“fábrica de alfinetes” de Smith com o antigo sistema alemão Tagwek caracterizado
pela retribuição dada pelo trabalho a cada dia trabalhado. Isso possibilitou a
adaptação ao ambiente, ao planejamento e a compreensão do processo de trabalho
que era mediado por uma rotina que permitia maior controle do trabalho.
(SENNETT, 2009)
Esse disciplinamento do trabalho e da corporalidade do trabalhador, no
século XIX, foi tratado por Marx quando fez a alusão do nascimento do “monstro
mecânico” na maquinaria e grande indústria. Assim, o longo processo deste
disciplinamento, através do sistema de fábrica, veio a se verificar na incorporação do
operário (metamorfoseado) ao processo de produção, o qual eliminaria a construção
originária da produção do tipo artesanal, produzindo, com isso, o esfacelamento
moral e a degeneração existencial de milhares de homens, de mulheres e de crianças
daquela época (MARX, 2013). O disciplinamento do trabalho gerou formas hibridas
de exploração devido a vários sistemas que entraram em competição, produzindo
condições laborais terríveis.
No exemplo dos carregadores da Feira do Açaí do Ver-o-Peso, semelhanças
e diferenças, ou aproximações e distanciamentos aparentam não ter linhas
demarcatórias tão rígidas. Esse caso assemelha-se ao contexto supracitado, em
virtude de o sistema de retribuição pelo trabalho ser realizado diariamente, o qual
varia, por exemplo, de acordo com a estação do ano. No verão, aonde a safra do açaí
é maior, a retribuição tende a ser maior, porque há, nesse período, maior quantidade
de trabalho empregada, enquanto que no inverno a safra é menor e, por conseguinte,
há menos trabalho.
Portanto, o controle do tempo baseado na safra do açaí, permite ao
carregador conjugar o momento adequado para se inserir no processo de
carregamento existente na Feira do Açaí a outras atividades que complementem o
trabalho de estivador, já que a renda com esta ocupação é extremamente variável,
como diz Er:

Cada qual tem a sua equipe, aí tem equipe que tem 6 pessoas, tem
equipe que tem 8, no mínimo é 4. Não dá pra trabalhar menos, e o
máximo é 8 numa equipe. Aí, esses grupos têm os chefes. Eu vou falar

44
Corpo, Trabalho e Educação

em dois tipos de chefes, pode confundir um pouco. Têm dois tipos de


chefe, um exemplo, na nossa equipe eu sou o chefe da nossa equipe, aí
eu tenho mais quatro pessoas que trabalham comigo, só que eu tenho
um chefe, que é o rapaz q traz o açaí lá da Ilha (o patrão).

Esse ritmo de trabalho bastante variado permite certa integração e


sociabilidade entre os carregadores antes, durante e depois do trabalho. Antes do
descarregamento do açaí, que se dá a partir da meia noite, é comum ver carregadores
dormindo no próprio cais, bebendo cerveja, jogando, ou conversando sobre assuntos
variados. É nesse momento em que ocorre também o recrutamento de novos
carregadores, interação entre equipes, e também um processo de permuta dos barcos
que lá aportam.
O espaço do cais, a espera por um carregamento e a possibilidade de
“ganhar o dia” é fortemente marcante antes do descarregamento em si, o qual se
caracteriza como uma espécie de toque da campainha e “início dos trabalhos”. Com
os trabalhos iniciados, cada equipe com seu chefe se concentram em uma
embarcação para descarregar o açaí. Nesse momento não há mais quase nenhuma
interação com outra equipe; estabelece-se, assim, a presença de um
autodisciplinamento que converge para o objetivo final do trabalho.
Após a realização do trabalho, já pela manhã, os carregadores esperam o
pagamento do trabalho. A retribuição será efetuada de acordo com a produtividade
de cada trabalhador e de quantos volumes foram descarregados. Foi interessante
notar, durante a entrevista, que é subjetiva a retribuição dada aos trabalhadores pelo
chefe, pois não há um critério pré-estabelecido entre o chefe e os carregadores
quanto à retribuição no final do trabalho. É perceptível a existência de um sistema
de poder que se caracteriza por uma concentração variável de centralização na
retribuição dada pelo ‘chefe’ aos carregadores. É possível identificar que a relação
entre patrão, dono da embarcação e chefe é interdependente, motivada pelo acordo e
confiança mútua. Já a relação entre chefe e equipe é motivada pela confiança e
acrescida pela colaboração e pelo papel que o chefe desempenha na execução do
trabalho, mas, sobretudo por critérios implícitos de performance daqueles
trabalhadores, e o primeiro demarcador destes critérios é o corpo.
É nesse sentido que o corpo trabalhador se constitui no cotidiano social e no
processo de disciplinamento do trabalho. A consolidação de hábitos da moral e

45
Corpo, Trabalho e Educação

higiene, de rituais e códigos de convivência se faz oculta na aparente conduta social


(GLEYSE, 2006), no entanto, determina as práticas corporais bem como o
comportamento social. A leitura de Gleyse converge à determinação da instituição
social sobre o corpo definido pela prática social. Ao esclarecer os processos pelos
quais o corpo passa na relação com o trabalho, na evolução do tempo, Gleyse faz
uma arqueologia do corpo e configura uma estratificação que tem na base o corpo
artesanal ou poiético; seguido do corpo mecânico; e o corpo máquina situado na era
da industrialização da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise aqui realizada, é possível afirmar que as sensações dos


carregadores de açaí do Ver-o-Peso podem ser entendidas como dialéticas: do ser e
não ser, do sentir e não sentir, do estar incluso e não incluso em relação às acepções
discutidas: corpo, trabalho, linguagem, disciplinamento e resistência estando
inseridos na sociedade de organização capitalista e não caracterizados como
trabalhadores organizados por tal sistema. O elemento de satisfação no trabalho
predominante se contradiz com a degradação exposta pelas sensações corpóreas e
pelo desenvolvimento social que os sujeitos apresentam.
O elemento que justifica tal satisfação diz respeito predominantemente à
retribuição financeira que recebem, pelo desenvolvimento de uma atividade que não
exige maiores elaborações, contraditoriamente, uma remuneração incerta e periódica
que exige a busca por outras ocupações além do desembarque de açaí.
A linguagem socialmente desenvolvida como a interpretação do corpo e sua
relação com o disciplinamento do trabalho, são elementos subliminares. Estão
presentes, mas não tão aparentes, e esta e uma particularidade determinada pela
instituição social que eles desenvolveram para si, de uma organização pré-
capitalista, que se impõe sobre as sensações do corpo de modo a ele se expressar
disciplinado ou não, degradado, ou não, e em todo caso, sujeito a julgamentos
valorativos definidos pela prática social. Como a céu aberto, o trabalho se sobrepõe
as demais dimensões de vida.

46
Corpo, Trabalho e Educação

The open sky: body language and work as resistance in the paraense Amazon

Abstract: This study investigates new meanings regarding the body in relation to work. The
purpose is to understand the sensations of the stevedoring workers on the work done at the
fair of açaí in Ver-o-Peso at Belém (PA). The degradation and resistance categories are
treated, through their own language codes, informed by the subjects of the investigation, in
an open interview, and in locus observed, and that articulate the sensations of the and with
the work. It analyzes, when using the chosen categories, the process and the disciplining of
work in the speech of the subjects and in the observations registered and photographed of
their activities' organization and development. It concludes the body indiscipline itself in the
face of the sensations experienced by work, which presents itself on the one hand, with pre-
capitalist characteristics due the lack of mechanization and technological modernization, and
on the other, with modern purpose, because the product açaí has a privileged place in the
economic activity of the region and in the current evolution of fruticulture exportations in the
State of Pará.
Keywords: Work. Body. Stevedores.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do


mundo do trabalho. 13. ed. rev. ampl. São Paulo: Cortez, 2008.

ALVES, Giovanni. Dimensões da globalização: o capital e suas contradições. Londrina:


Práxis, 2001.

BAKHTIN, Mikhail [VOLOCHINOV, V.]. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas


fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec,
2006.

FAÏTA, Daniel. A linguagem como atividade. Uma conversa entre Daniel Faïta, Christine
Noël e Louis Durrive. In: SCHWARTZ, Yves; DURRIVE, Louis (Org.). Trabalho &
ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: EdUFF, 2010.

FLEURY, Jorge Nassar; FERREIRA, Aline Alves. Ver-o-Peso da cidade: O mercado, a


carne e a cidade no final do século XIX. Revista de Estudos Amazônicos, Belém, PA, v. 6, n.
1, p. 100-116, 2011.

GLEYSE, Jacques. Archéologie de l’éducation physique au XXe siècle em France: Le corps


occulté. Paris: L’Harmattan, 2006.

HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. O desenvolvimento da agroindústria no estado do Pará.


Saber, Ciências Exatas e Tecnologia, Belém, PA, v. 3, ed. especial, p. 49-76, jan./dez. 2001.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do


capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

_______. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

47
Corpo, Trabalho e Educação

OLIVEIRA, Maria do Socorro Padilha de; FARIAS NETO, João Tomé de. Cultivar BRS-
Pará: açaizeiro para produção de frutos em terra firme. Comunicado Técnico, Belém, PA, n.
114, p. 1-3, dez. 2004.

SENNETT, Richard. A Corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo


capitalismo. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

SOARES, Marta Genú; KANEKO, Glaucia Lobato; GLEYSE, Jacques. Do Porto ao Palco:
um estudo dos conceitos de corporeidade e corporalidade. Dialektiké, Natal, v. 3, 2015.

XAVIER, Lena Núbia Bezerra; OLIVEIRA, Edson Aparecida de Araújo Querido;


OLIVEIRA, Adriana Leônidas de. Extrativismo e manejo do açaí: atrativo amazônico
favorecendo a economia regional. In: ENCONTRO LATINO AMERICANO DE
INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 13., 2009, São José dos Campos. Anais... São José dos Campos,
2009.

48
Corpo, Trabalho e Educação

Falando sobre educação sexual


nas aulas de Educação Física em Altamira (PA)

Laíne Rocha Moreira (UEPA) 12


Pauline Valente de Souza (UEPA) 13

Resumo: A pesquisa objetiva analisar a importância da atuação do professor de educação


física acerca da educação sexual no ensino médio em Altamira (PA). Para coleta de dados
optou-se pela entrevista focal, pois este método auxiliou na interação social entre
entrevistando e entrevistado, sendo uma forma de diálogo assimétrico na qual se busca dados
e informações para a pesquisa. O estudo foi realizado com 13 alunos entre as turmas de 1º, 2º
e 3º do ensino médio. O estudo enfatiza que nas aulas de educação física, a educação sexual
é abordada de maneira informal, por isso poucos temas inerentes ao tema são
problematizados em aula. Conclui considerando a necessidade do desenvolvimento da
prática pedagógica voltada para a educação sexual nas aulas de educação física, pois ela
proporciona não só o aprendizado das dimensões corporais, mas auxilia alunos e professores
a confrontarem juntos problemas cotidianos sobre a sexualidade.
Palavras-chave: Educação Física. Educação sexual. Prática Pedagógica.

INTRODUÇÃO

A sexualidade assume uma questão central na vida de todos os seres


humanos, já que é uma dimensão que envolve gênero, identidade sexual, orientação
sexual, amor, envolvimento emocional, erotismo e reprodução (CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004). Além disso, é um processo cultural que engloba o
sentido do corpo na sociedade, o gênero e as possibilidades sexuais deste conjunto,
definido por relações sociais moldadas nesta sociedade. (LOURO, 2000)
No ambiente escolar o adolescente expressa a sua sexualidade por meio de
manifestações sociais e corporais, seja no jeito de se vestir, de conversar, de
interagir com o outro, nas brincadeiras e nos gestos. Assim, estas questões também
estão no ambiente escolar e, por isso, devem ser debatidas em sala de aula pelos
especialistas da escola, por meio da educação sexual. Nesse sentido, a prática
pedagógica da educação sexual trata de ações sistematizadas sobre temáticas da
sexualidade.
Para auxiliar toda a equipe pedagógica da escola, o Ministério da Educação

12
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: laine.educacaofisica@hotmail.com
13
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: pa.valentesouza@gmail.com

49
Corpo, Trabalho e Educação

aponta os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001) como diretrizes que


facilitem a orientação sexual, por meio do ensino de temas transversais. Porém, com
a criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação sexual não foi
inserida como um tema integrador, apesar de que alguns assuntos sobre sexualidade
são propostos em muitas disciplinas, mas de maneira simplificada e superficial
(BRASIL, 2017). Neste novo contexto curricular da educação básica a educação
sexual não será abordada de forma exclusiva, protelando o debate sobre este assunto
em sala de aula.
Diante de tal problemática, é válido ressaltar os índices do Sistema de
Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), os quais apontam, claramente, que a
taxa de gravidez entre 10 e 19 anos, na região Norte do Brasil, é de 26,2%. Dados do
Ministério da Saúde detectaram um aumento alarmante em casos de Sífilis, entre
2014 e 2015 cerca de 32,7% de pessoas foram infectadas pela doença (BRASIL,
2016). Esses dados demonstram a necessidade da ação pedagógica eficaz para
minimizar esses problemas.
Assim, propõe-se o ensino da temática nas aulas de Educação Física,
justificando que esta área é privilegiada por trabalhar com a cultura corporal por
meio dos conteúdos das ginásticas, das lutas, das danças, dos esportes e dos jogos.
Dentro desta perspectiva, destaca-se o contato com o corpo que, segundo Santos
(2009), é o lócus da manifestação dos sentimentos referentes a sexualidade. É na
Educação Física que o aluno mais expressa sua sexualidade, por meio das
vestimentas, relacionamentos e da própria escolha de determinadas práticas
corporais. Assim, esta área de conhecimento tem um potencial para efetivação da
educação sexual na escola. (SANTOS, 2009)
Evidencia-se a relevância deste debate dentro de sala de aula por ser um
conteúdo pouco disseminado e também por se tratar de um tema problematizado de
forma esporádica pelos agentes da escola. Por isso, este estudo se torna importante
para o campo acadêmico, devido à necessidade de debater o assunto na educação
básica, especificamente no ensino médio.
Desta forma, as inquietações para elaboração deste artigo surgiram a partir
de vivências nas aulas de Educação Física por meio da disciplina de Estágio
Curricular Supervisionado do Curso de Educação Física da Universidade do Estado

50
Corpo, Trabalho e Educação

do Pará, na qual se pode perceber os riscos diários que os alunos sofriam, pois, casos
como pedofilia, gravidez na adolescência e preconceito com a diversidade sexual
foram observados. Constatou-se ainda, a falta da exposição da temática sexualidade
nas aulas de Educação Física por meio da educação sexual.
O presente artigo objetiva analisar a importância da intervenção do professor
de Educação Física acerca da educação sexual no ensino médio da rede de ensino de
Altamira (PA). A pesquisa reflete sobre o conceito de sexualidade e de Educação
Física, bem como a prática pedagógica do professor de Educação Física acerca da
educação sexual.

REFLEXÕES HISTÓRICAS ACERCA DA SEXUALIDADE

A sexualidade influi diretamente no comportamento de uma comunidade.


Ela é uma atividade social na qual o ser humano passa a estabelecer uma série de
relações determinantes para a constituição do mundo. Logo, pode-se dizer que a
sexualidade é uma invenção da sociedade que ao longo da história foi construída
com discursos e normas que promovem saberes e produzem “verdades”. (LOURO,
2000)
Quando se analisa a história da sexualidade e se conhecem os costumes dos
antepassados, podem-se compreender aspectos da cultura atual, já que a sexualidade,
ao longo da história, é marcada por mudanças políticas, culturais, econômicas e
religiosas (DUARTE, 2012). Nesse sentido, ela está ligada ao desenvolvimento da
humanidade e seus efeitos foram expressos ao longo de cada período histórico.
O período paleolítico foi marcado pela função “homem e mulher”; o homem
tinha a função de caçador e as mulheres de organização do grupo. Esta fase foi
representada pelo poder matriarcal e, por milhares de anos, a humanidade foi
organizada por mulheres, que trabalhavam em conjunto para a melhoria do grupo.
Portanto, “Eram as mulheres que tinham possibilidade de observação,
experimentação e pesquisa de novas tecnologias e subsistência na produção da vida”
(NUNES, 1987 p. 58). Desta maneira, a sexualidade se expressava pelo caráter
mítico sagrado, uma vez que neste período a mulher era símbolo de fertilidade.
Quando o homem deixa de caçar e se instala nas cavernas, os meios de
produção são dominados por eles. Esse período corresponde ao neolítico,

51
Corpo, Trabalho e Educação

configurado pelo início do patriarcado na sociedade. Observa-se a troca de papeis


nas tribos, quando a mulher perde sua função anterior de líder e sua atividade se
restringe a maternidade e o homem à liderança do grupo. (NUNES, 1987)
Logo após estes períodos se destaca o Hebreu, a qual sobressalta a formação
do patriarcado. A ideologia religiosa cristaliza este patriarcado, pois o mundo escrito
na bíblia é completamente patriarcal, passando a figura da mulher a um ser inferior e
sua função somente era de procriação e cuidado do marido (NUNES, 1987). Um
exemplo dessa hierarquização de gênero ocorreu na Grécia, pois o homem adulto
poderia gozar de plena liberdade, relacionando-se com outras mulheres e com outros
homens, evidenciando, assim, práticas de pederastia14 vistas como naturais.
(SANTOS, 2009)
Após estas épocas se destaca o avanço do cristianismo em várias
civilizações e se instaura a Idade Média. Neste período, a igreja católica se apodera
de muitos setores na sociedade e influencia, principalmente, no comportamento e
nas práticas sexuais. As manifestações sexuais eram reprimidas e punidas pela
igreja, justificava-se o sexo apenas para necessidade de procriação (DUARTE,
2012). A Igreja considerava essa prática pecaminosa, assim como a
homossexualidade, prostituição, autoerotismo e o adultério. (RIBEIRO, 2005)
A idade moderna é marcada por mudanças econômicas, pois a
desestruturação do feudalismo dá início ao capitalismo modificando, novamente, as
antigas classes sociais. A doutrina vigente neste período foi o puritanismo, no qual
as famílias sofriam rígidas exigências morais perante a igreja. Segundo Santos
(2009, p. 15) “o puritanismo apareceu com o advento que buscava integrar a
sensualidade e a espiritualidade”. A sexualidade nesta época é severamente
controlada, já que a concepção da procriação ainda se apresenta neste momento.
No século XVIII ocorre a era vitoriana, na qual uma nova moral sexual é
implementada. Destaca-se a repressão à sexualidade, que segundo Foucault (1988)
este momento se caracteriza pela hipocrisia da burguesia. Nesse período, a igreja

14
Pederastia refere-se ao relacionamento entre um homem adulto com um jovem, sendo esta
relação de envolvimento sexual e afetiva. Prática que significava um rito de passagem do
jovem para o homem adulto. (SPITZNER, 2005)

52
Corpo, Trabalho e Educação

pregava boas maneiras na tentativa de controle social, porém havia realmente uma
hipocrisia moral; enquanto as mulheres deveriam assegurar sua “pureza”, as
prostitutas desfrutavam livremente de sua sexualidade (WEEKS, 2000). A mulher
operaria não se importava com sua posição social, pois esta era escrava do trabalho
(SPITZNER, 2005). A era vitoriana foi marcada por imposições sobre a mulher,
pois ela não deveria sentir prazer, este fator era privilégio das prostitutas.
Já no século XX ocorre a revolução sexual, rompendo o ideal ascético
imposto pela era vitoriana. Segundo Spitzner (2005), a mulher conquistou seu
direito ao voto, ao estudo e o controle da natalidade. Assim, surgem movimentos
que defenderam a liberação gay, visto como anomalia pela medicina. Outro fator
importante desta época foi a apropriação do capitalismo por meio dessas
manifestações, na qual o sexo passa a ser produto de consumo (DUARTE, 2012). O
período pós-guerra foi marcado pelos movimentos hippies, que pregavam a
liberdade das normas sociais.
Perante todo o contexto histórico pode-se perceber que vários aspectos
sociais influenciaram na sexualidade. O ser humano pós-moderno busca
experiências prazerosas com mais liberdade, o que antes era reprimido (SPITZNER,
2005). Os papeis em cada época modificaram gradativamente, e as mulheres
conquistaram certa autonomia na sociedade. Percebe-se também que o contexto
político e econômico de cada época afeta na construção da sexualidade. Contudo,
todos estes aspectos históricos estão repletos de significados que concebem o
conceito de sexualidade atualmente.

PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA ACERCA DA


EDUCAÇÃO SEXUAL

A sexualidade é um tema de grande repercussão nas escolas, pois se trata de


um polêmico assunto no desenvolvimento do sujeito. Ao longo da história percebe-
se a preocupação com a saúde pública, principalmente com as questões de doenças
infectocontagiosas e sexualmente transmissíveis. Assim, o Estado se responsabiliza
pelo controle dessas doenças por meio de medidas sanitárias preventivas e a escola
se torna um meio de intervenção e de implementação de políticas públicas para

53
Corpo, Trabalho e Educação

promoção da saúde. (ALTMANN, 2001)


A educação sexual é qualquer experiência que o indivíduo adquire ao longo
da vida sobre a sexualidade (MAINSTRO, 2009). É um processo interrupto no qual
cada indivíduo constrói suas opiniões e atitudes, e é formada antes mesmo do
nascimento, pelas expectativas dos pais. (SPITZNER, 2005)
As primeiras propostas de implementação da educação sexual na escola
ocorreram em 1920, após o Congresso Nacional de Educadores, em 1928, sendo
apoiado pelos médicos higienistas (SANTOS, 2009). Contudo, essa proposta
permaneceu inexistente nas escolas até o final da década de 1960, entretanto o
ensino da educação sexual se resumia ao aspecto moralista e higienista, pois a
política vigente nesse período refletia na educação. Porém, na década de 1970,
novos projetos foram propostos mesmo sem êxito de inserção nas escolas, mas essas
ideias incentivaram a construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
A orientação sexual foi um tema transversal do PCN, no qual foi proposto
para todas as escolas e deveria ser tratado em todas as disciplinas. O tema
transversal tem como objetivo contribuir para que o aluno possa, de forma segura e
prazerosa, exercer sua sexualidade (BRASIL, 2001). A educação sexual trabalha
com temas além do caráter biológico e funcional, e discute a sexualidade que é
construída em cada sociedade. (BRASIL, 2001)
Desde 2015, ajustes do ensino básico começaram a ganhar forma e, com
isso, alguns aspectos sobre a educação sexual foram modificados, como o processo
de implementação da Base Nacional Comum Curricular. A BNCC é uma nova
proposta para o ensino básico que é constituído por um conjunto de habilidade e
conhecimentos que todos os estudantes precisam aprender.
Em sua terceira versão as questões sobre sexualidade são abordadas
parcialmente em algumas disciplinas. Na disciplina de ciências a unidade temática
que trata sobre sexualidade corresponde a “vida e evolução”, os conteúdos, ou
objetivos de conhecimento variam para cada ano. No primeiro ano do ensino
fundamental, o conteúdo abordado sobre “corpo humano” e “respeito à diversidade”
traz como habilidades adquiridas: aprender sobre a organização do corpo humano,
higiene do corpo, diversidade de características físicas entre colegas, bem como o
respeito pelas diferenças. (BRASIL, 2017)

54
Corpo, Trabalho e Educação

As questões sobre reprodução e sexualidade são abordadas nos anos finais


do ensino fundamental. As habilidades de modo geral a serem adquiridas são:
compreensão das transformações corporais com a puberdade, métodos
contraceptivos e prevenção às doenças transmissíveis e respeito pelas diferenças de
gênero. (BRASIL, 2017)
Na disciplina de Artes no ensino fundamental (5º ao 9º ano), uma das
habilidades diz respeito a reflexões sobre as diferentes experiências corporais, bem
como a problematização sobre gênero, corpo e sexualidade (BRASIL, 2017). Na
disciplina de História, as temáticas de gênero também são abordadas em diversos
conteúdos. As competências da Educação Física, compreendida para essa temática,
são as críticas e as análises sobre os padrões de beleza disseminadas pelas mídias,
discutindo sobre posturas preconceituosas e consumistas (BRASIL, 2017). Também
pode compreender nessa disciplina o combate a posicionamentos discriminatórios
em relação às práticas corporais.
A educação sexual não foi incorporada de forma específica na BNCC,
porém pode-se perceber que algumas questões foram integradas superficialmente
nas disciplinas supracitadas. Desta maneira, não há um direcionamento exclusivo
para a educação sexual, como aborda o PCN. Porém, as escolas podem utilizar
alguns programas que compreendem a educação sexual, conforme mencionados
abaixo.
O projeto proposto denominado por Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE),
elaborado pelo governo federal, em 2003, foi constituído a partir da parceria entre os
Ministérios da Saúde e da Educação, e traz como objetivos principais: Incentivar o
desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a promoção da saúde sexual e
saúde reprodutiva; Promover a qualificação dos profissionais da educação (BRASIL,
2006). A integração da saúde e educação é um meio de promover o diálogo contínuo
entre a comunidade escolar, a área da saúde e da família contribuindo para o
desenvolvimento do aluno.
A implantação desse projeto se mostra bastante relevante para a comunidade
escolar, porém ainda há pouca adesão do SPE nas escolas. Segundo Pereira (2013), a
inserção do SPE na escola é mais efetiva nos setores intermunicipais, porém, ao
adentrar na aplicação para os alunos se percebe que os profissionais ainda não estão

55
Corpo, Trabalho e Educação

capacitados para o ensino de alguns temas, como a sexualidade. Apesar dos pontos
positivos do SPE ainda se deve trabalhar muito para a qualidade do ensino em
relação ao grupo multiprofissional.
O trabalho nas escolas sobre educação sexual deve ser contínuo e não se
resumir a eventos de rápidas explanações. Assim, algumas ações nem sempre são
suficientes para a grande necessidade que se tem para discutir sobre a sexualidade.
Referente a discussão sobre sexualidade nas escolas, Marques e Knijnik (2006)
consideram que muitas instituições ainda acreditam na existência de bons resultados
em eventos esporádicos de cunho preventivo.
Brasil (2001), considera que para a implementação da educação sexual nas
escolas, primeiramente precisa-se problematizar as questões relacionadas a
sexualidade, em consonância com a realidade de cada comunidade. Neste aspecto, a
inserção da educação sexual na escola é de fato complexa, pois o professor deve ser
capacitado para trabalhar com crianças e jovens para melhor intervenção nas aulas.
A comunidade escolar deve inserir estas questões como pautas importantes e
urgentes. Nesse sentido, todos os autores da educação devem problematizar essa
temática nas aulas, não apenas como conteúdo integrador, mas proporcionar a
análise e a crítica sobre o tema em situações diárias.

FUNÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO SEXUAL

A educação sexual na escola é responsabilidade de todos, incluindo a


família, sendo debatida, diariamente, em sala de aula por toda a comunidade escolar.
Desta maneira, a educação física também deve trabalhar com a educação sexual por
ser uma área cuja sexualidade se materializa por meio das manifestações corporais.
Consequentemente, é uma área privilegiada para a intervenção da educação sexual,
pois este campo trabalha com “o corpo” e a “cultura corporal”.
Assim, o objeto de pesquisa da Educação Física é a cultura corporal, que
modifica seu sentido em cada período da sociedade. A cultura corporal manifesta-se
nas práticas corporais e cada comunidade ressignifica os aspectos culturais sobre o
corpo. Segundo Daolio (2004), por meio de seu corpo, o homem assimila e se
apropria de normas e valores sociais. Ainda segundo o autor, a cultura organiza o
universo por meio das regras dos valores sobre a natureza humana. A cultura

56
Corpo, Trabalho e Educação

corporal é a organização dos valores vigentes em cada sociedade, e no contexto


escolar esta cultura se manifesta nas práticas corporais por meio de jogos, esporte,
dança e lutas.
Todavia, a educação física foi marcada por eventos históricos ligados à
sexualidade e ao gênero. Dentro desse contexto histórico, as práticas corporais
foram marcadas pelo aspecto político. Essas marcas são compreendidas como
“pedagogia da sexualidade”, que segundo Louro (2000) é o conjunto de experiências
vividas por indivíduos em qualquer âmbito social. Desta forma, as questões de
gênero, sexualidade e corpo são manifestadas nas aulas de educação física, mesmo
não explícitas.
Nas aulas de educação física não é difícil exemplificar situações sobre
gênero e sexualidade, já que esta questão ocorre diariamente. Existem certos
estereótipos sobre determinadas práticas corporais, ou alguns discursos, como “ele
joga igual menina”, “ela anda igual menino”. Na educação física existe a cultura da
pseudo-superioridade masculina que proporciona mais práticas corporais para
meninos e maior desenvolvimento no repertório motor destes (CRUZ; PALMEIRA,
2009). Apesar dos vários programas voltados para romper essa questão, ainda há
prevalência dessa hegemonia nas aulas. De encontro a estas questões os mesmos
autores afirmam que nas aulas de Educação Física fica evidente a diferença de
tratamento sobre os corpos de meninos e meninas, isso resulta nos padrões impostos
pela sociedade.
Além destes aspectos, as situações de heteronormatividade são evidentes
diariamente, dentro e fora da escola. A heteronormatividade é a normatização dos
padrões da heterossexualidade, direcionando comportamentos pré-definidos por
sexo. Dentro deste contexto, qualquer manifestação fora dos padrões heterossexuais
é questionada, por isso sugere-se que o professor problematize as questões de gênero
em sala de aula, pois na sociedade existem diversidades sexuais, mas os direitos e o
respeito devem ser iguais. Dessa forma, o conteúdo sobre gênero pode ser
trabalhado de maneira lúdica, objetivando o respeito pelas diferenças nas aulas de
educação física. (VIANNA; SOUZA; REIS, 2015)
Outro ponto para o debate nas aulas são os aspectos sobre as mudanças que
ocorrem na puberdade, já que nessa fase a imagem do corpo vai se desdobrando, o

57
Corpo, Trabalho e Educação

corpo da primeira infância é desconstruído, e ocorre o mal-estar com a autoimagem


(MOIZÉS, 2010). Ainda segundo a autora, a mídia impõe padrões de beleza e o
indivíduo visa construir uma identidade dentro desses padrões. Neste aspecto o
adolescente encontra-se vulnerável aos transtornos psicológicos como a bulimia e a
anorexia.
Na nova proposta da BNCC, a Educação Física tem como competência
analisar e criticar padrões estéticos difundidos pela mídia. Dessa forma, a educação
Física pode ser propulsora de um debate sobre superação de conceitos e convicções
distorcidas do corpo e consequentemente sobre a sexualidade (SANTOS, 2009).
Conseguinte as afirmações, Moizés (2010) sugere que professores necessitam dar
subsídio aos alunos para a reflexão acerca da sexualidade e o corpo.
Deste modo, a educação física é uma área que materializa essas questões
acerca do corpo, por isso o professor deve trabalhar na formação crítica do aluno em
seu processo de aprendizagem respeitando as diferenças do próprio corpo e do corpo
do outro. (GONÇALVES; AZEVEDO, 2007)
No ensino médio a educação física é abordada de forma mais sistematizada
e científica. Neste período, os jovens devem receber informações sobre a saúde,
reprodução e direitos sexuais. A intervenção na área proporciona a vivência
saudável e satisfatória de sua sexualidade. (PONTES, 2011)
A Educação Física é uma disciplina de fato privilegiada para abordar as
questões da educação sexual, desta forma, o professor deve trabalha-las dentro dos
conteúdos da disciplina, como a ginástica, dança, esporte, jogo e brincadeira
(SILVA; SILVA, 2013). A educação sexual é um meio para proporcionar a
compreensão sobre alguns assuntos sobre a sexualidade observados e vivenciados
nas aulas de educação física e no dia a dia do aluno. Abordar essa temática com
alunos do ensino médio e propor novas formas de ensino e aprendizagem para a
educação física.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de campo, do tipo estudo de caso e pesquisa-ação,


exploratório, com caráter qualitativo. Teixeira (2010) afirma que na pesquisa de
campo o pesquisador se aproxima do fato ou fenômeno afim de buscar informações

58
Corpo, Trabalho e Educação

para análise posterior, visando aproximar a teoria dos dados a partir da iteração com
os sujeitos pesquisados.
A modalidade de estudo de caso foi adotada para esta pesquisa, pois a
pesquisa delimita-se para uma unidade-caso com determinado número participantes.
Segundo Gil (2008a), este método proporcionou uma visão global do problema do
estudo ou a identificação de possíveis fatores que influenciam ou são por eles
influenciados.
O procedimento metodológico seguiu o da pesquisa-ação, pois com este
método foi possível realizar ações educativas emancipatórias acerca da educação
sexual no ensino médio em Altamira (PA). Gil (2008a) ainda defende que a
pesquisa-ação é um procedimento técnico caracterizado pela interação entre
pesquisador e os sujeitos das situações investigadas tendo como objetivo a resolução
de um problema.
Gil (2008b) defende que a pesquisa exploratória objetiva esclarecer e
modificar conceitos e ideias, proporcionar uma visão geral de determinado fato,
possibilitando o surgimento de problemas e hipóteses pesquisáveis para estudo. É a
primeira fase da pesquisa quando se estuda temas pouco explorados.
Optou-se pela abordagem qualitativa por ser um procedimento que viabiliza
a discussão acerca da educação sexual nas aulas de educação física, não desprezando
o ponto de vista dos participantes da pesquisa. Desta maneira, a pesquisa qualitativa
procura compreender o fenômeno do estudo para interpretar a perspectiva do sujeito,
sem se preocupar com a representatividade numérica. (TERENCE; FILLHO, 2006)
Para a coleta de dados foi utilizado uma entrevista semiestruturada com
grupo focal contendo quatro perguntas e a captação da narrativa foi feito por meio
de um gravador de voz portátil. Esta técnica de coleta de dados permite a interação
social entre entrevistando e entrevistado, é uma forma de diálogo assimétrico no
qual busca-se dados e informações para a pesquisa. (GIL, 2008b)
A pesquisa foi realizada em uma escola estadual de ensino Médio da zona
urbana de Altamira. A intervenção foi aplicada com 13 alunos com escolares das
turmas de 1º, 2º e 3º ano das séries finas da educação básica.
A escolha da amostra foi feita por meio probabilístico, de forma aleatória
simples. Dessa maneira, todos os elementos tiveram probabilidade idêntica de

59
Corpo, Trabalho e Educação

participarem da amostragem. Para que estes sujeitos fossem selecionados


necessitou-se de uma lista completa dos elementos que formam parte da população
denominada de base da amostragem (RICHARDSON, 2014), nessa pesquisa
utilizou-se a lista de frequência de cada turma para a seleção dos alunos.
Não participaram da pesquisa alunos que não frequentaram ativamente das
aulas, com comprometimento da audição e na cognição com a fala, que não
entregaram assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o
Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) no período determinado.
A pesquisa-ação foi realizada por etapas, sendo elas: planejamento da ação,
desenvolvimento da ação, monitoramento e avaliação final.
O planejamento da ação foi realizado por meio da observação do local da
pesquisa, constatação acerca da disponibilidade de salas para aplicação da ação e
observação do local palco do estudo. Posteriormente, os alunos foram convidados
para participar das aulas e todos os procedimentos legais foram explicados a eles por
meio da entrega do TCLE e para os menores de idade a entrega do TALE.
Após o recolhimento dos termos assinados, iniciou-se a segunda etapa da
ação. Nesta fase foi realizado um encontro no qual foi desenvolvido uma dinâmica
de apresentação, logo após os alunos foram questionados sobre o tema da pesquisa e
cada um escreveu três aspectos que eles acham sobre educação sexual na educação
física. Então, houve um debate entre o grupo em seguida foi aplicada a entrevista
semiestruturada.
A fase do monitoramento da ação caracterizou-se pelas aplicações de aulas
teóricas e práticas sobre educação sexual nas aulas de Educação Física. As aulas
foram divididas em seis dias, cada dia um conteúdo, foram eles: sexualidade,
sexualidade e adolescência, sexualidade e gênero e sexualidade e saúde. Ao final da
aplicação das aulas outra reunião foi necessária para a reaplicação da entrevista
semiestruturada com intuito avaliar os saberes dos alunos sobre as aulas aplicadas.
Após a essas etapas, os dados foram analisados por meio da Análise Textual
Discursiva (ATD), seguindo o procedimento adotado por Moraes (2003). Os
procedimentos da ATD são minuciosos e compostos por desconstrução do corpus ou
unitarização, categorização e captação do novo emergente (MORAES, 2003). O
corpus da pesquisa constitui-se a partir da transcrição das narrativas, composta

60
Corpo, Trabalho e Educação

essencialmente da produção textual, matéria prima da ATD. Em conseguinte, a


desconstrução do corpus ocorreu pela desmontagem do texto, desenvolvimento
assim a montagem das unidades, descrita como unitalização, que é um processo de
interpretação e isolamento das ideias sobre os temas investigados. Após a
desconstrução, criou-se a organização das categorias que possibilitam um novo
emergente, sendo um momento em que se aglutinam as ideias das unidades para a
produção de um novo texto (metatexto) expressando a interpretação do pesquisador
sobre os significados do texto. (MORAES, 2003)
A pesquisa respeitou os aspectos éticos descritos nas Resoluções n. 466/12 e
n. 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (BRASIL, 2012; 2016). Os dados
dos entrevistados foram mantidos em sigilo e se utilizou nomes fictícios para
identifica-los. O participante pode tomar a decisão de recusar de participar da
pesquisa ou retirar-se de qualquer fase desta. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, Campus XII – Tapajós,
com parecer sob o n. 2.326.887.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para análise dos dados, buscou-se agrupar palavras ou pequenas frases


destacadas no corpus, no qual foram identificadas as relações que continham
significado em comum. A partir deste processo, foram eleitas categorias de análise
que expressam fatores relevantes acerca do tema que trata da educação sexual nas
aulas de educação física.
As categorias eleitas foram: 1) conceito de sexualidade; 2) conceito de
educação sexual; 3) prática pedagógica do professor de educação física para o
ensino da educação sexual; 4) a importância da educação sexual nas aulas de
educação física.
É válido ressaltar, que a análise dos dados considerou os resultados
apresentados pelos participantes da pesquisa antes e após a intervenção.
No que tange ao conceito de sexualidade adotada pelos alunos antes da
intervenção, constatou-se que eles tinham conhecimento limitado acerca do tema, já
que para eles, o conceito de sexualidade se reduz a “sexo” (MEL; BILADA;

61
Corpo, Trabalho e Educação

LOIRINHA; LINO, 06/09/17); “Educação sexual” (AMORA, 06/09/17);


“Orientação sexual” (EDU, 06/09/17); “Estudo para prevenir” (JADE, 06/09/17);
“Identidade sexual diferente” (CRIS, 06/09/17); “Estudo de doenças” (JADE,
06/09/17). Ainda enfatizam que o conceito está relacionado a “Escolhas e dúvidas”
(ANA CLARA, 06/09/17).
Nesta perspectiva, percebeu-se que antes da intervenção os alunos ainda não
tinham definido corretamente o conceito de sexualidade, associando-a ao sexo. Isso
talvez implica no olhar biológico sobre o corpo. Maistro (2009) enfatiza que apesar
de que sexo é um aspecto da sexualidade, porém não é seu conceito como todo, pois
a sexualidade abrange aspectos além do corpo, é uma dimensão do ser humano que
envolve gênero, identidade sexual, sentimentos, envolvimento emocional,
reprodução, costumes, cultura, crenças, valores, postura e nossa história.
Ficou nítido a evolução dos alunos em relação a primeira entrevista, pois o
conceito de sexualidade se tornou mais abrangente e consciente, já que os alunos
puderam compreender o que é sexualidade quando conceituaram que esta é inerente
ao ser humano por isso “nascemos com ela (CRIS; JADE; LINO; JUJUBA; MILA,
25/09/2017), e expressamos ela por nossas experiências, desejos, crenças, valores,
atitudes, emoções e pensamentos (AMORA; ANA CLARA; CRIS; MEL,
25/09/2017). Ainda relataram que sexualidade é: “A diferença entre homem e
mulher” (ZENTORNO, 25/09/17); “O entendimento da vida” (BILADA, 25/ 09/17).
“Aborda relacionamentos, gênero, identidade sexual” (DOCINHO, 25/ 09/17);
“Envolve contexto cultural, o gosto sexual, caráter, emoções, sentimentos” (MEL,
25/09/17). Desta forma, os alunos superaram a barreira de falar sobre o que é
sexualidade e carregaram para si esse conhecimento.
Em relação ao conceito de educação sexual apresentados pelos alunos antes
da intervenção, percebeu a partir da fala dos sujeitos que ela está relacionada a
biologia, como prevenção de doenças, gravidez e sobre a anatomia. Sabe-se que a
educação sexual é abrangente que envolve a discussão sobre vários aspectos da
sexualidade (PONTES, 2011). Na concepção dos alunos, a educação sexual é:
“Prevenção de Doenças” (JUJUBA; LINO; MILA; BILADA; ZENTORNO; JADE,
06/09/17); “Prevenção de gravidez” (AMORA, 06/09/17); “Aprender sobre gametas,
sobre identidade” (ANA CARA, 06/09/17).

62
Corpo, Trabalho e Educação

As ações educacionais, por muito tempo, limitaram a educação sexual a uma


visão medicalizada (MOIZES, 2010) e o reflexo desse ensino ainda está arraigado
no berço escolar, pois a maioria dos alunos responderam que a educação sexual é a
prevenção de doenças e da gravidez.
Após a intervenção, os alunos entenderam educação sexual como: “O ato de
ensinar os alunos sobre o gênero, as doenças anticoncepcionais, a gravidez na
adolescência (JADE, 25/09/17); “Aprendizado da sexualidade” (CRIS, 25/09/17;
JUJUBA, 25/09/17); “Respeito a orientação sexual (BILADA, 25/09/17); “Ensino
sobre a sexualidade (EDU, DOCINHO; MEL, 25/09/17). Assim, os alunos puderam
compreender um pouco mais sobre a educação sexual, ficando claro que a educação
sexual é uma construção diária de conhecimento que vai se perpetuar para toda a
vida, chegando a conceituar educação sexual como o processo de aprendizagem da
sexualidade.
Outro ponto relevante condiz sobre a educação sexual formal que os alunos
relacionaram como “ensinar os jovens sobre a sexualidade” (ZENTORNO,
06/09/17). Segundo Maistro (2009), a educação sexual nas escolas é importante para
compreender aspectos sobre a sexualidade, problematizando alguns assuntos
consequentemente refletindo e analisando sobre.
Quando indagados acerca da prática pedagógica do professor de educação
física, para o ensino da educação sexual antes da intervenção, os alunos afirmaram
que a aula do professor é “separada por homens e mulheres” (ZENTORNO; LINO;
AMORA, 06/09/17); “Diferente intensidade do esporte para meninos e meninas”
(BILADA; MILA, 06/09/17) ou ainda afirmaram que o professor “nunca trabalhou”
(CRIS; JADE; ANA CLARA; DOCINHO; JUJUBA, 06/09/17) nenhuma aula
voltada para a educação sexual.
Nessa primeira parte da coleta de dados, a maioria dos alunos respondeu que
o professor não aborda sobre educação sexual nas aulas de Educação Física.
Enquanto outros alunos responderam que os professores separam as meninas de
meninos e sua metodologia é diferenciada para meninos e meninas, chegando a
compreender que a abordagem da educação sexual nas aulas de educação física é
muitas vezes transmitida de maneira informal.
Quando o aluno citou que o professor trabalha de maneira diferente com as

63
Corpo, Trabalho e Educação

meninas ele então fez uma análise sobre o gênero nas aulas de educação física.
Segundo Furlani (2009), não deve existir segregação de gênero nos conhecimentos,
a prática pedagógica deve acontecer de maneira democrática para meninos e
meninas.
Após a intervenção, os alunos tiveram um novo ponto de vista sobre a
metodologia adotada pelo professor, passando a compreender que a professora de
educação física trabalha indiretamente a educação sexual, pois a maioria dos alunos
enfatizaram que a educação sexual está relacionada a separação entre homens e
mulheres nas aulas (EDU; LOIRINHA; MILA; JUJUBA; AMORA; CRIS,
25/09/2017), ou ainda a utilização de uma metodologia diferenciada para meninos e
a relação da professora com os meninos (ZENTORNO; MEL; BILADA, 25/09/17).
Todavia, alguns alunos ainda continuaram afirmando que a educação sexual
é enfatizada quando o professor faz separação entre meninos e meninas nas aulas.
Eles afirmaram que as aulas dos meninos são mais elaboradas, se referindo a
aplicação das técnicas nos jogos e nos esportes, sendo que para meninas as aulas são
mais “bagunçadas” (ZENTORNO; MEL, 25/09/17). Segundo Prado; Altmann e
Ribeiro (2016), quando se trata das manifestações de práticas corporais e esportivas,
não é difícil perceber essa divisão de atividades ditas “masculinas” e “femininas”. os
autores acrescentam ainda que ao indagar a educação física como problematizadora
das questões de gênero, esta permitirá questionar alguns regimes impostos sobre o
corpo, gênero e sexualidade.
Outro ponto muito intrigante é a relação professor-aluno, pois segundo
relatos do Lino (25/09/17) “no começo ela (professora) tinha que conquistar os
alunos pra depois impor”. Assim, a professora precisou cativar os meninos para
obter respeito, por ela ser mulher. Isto se explica pela construção social, sobre
homens e mulheres, que implica na hierarquização dos corpos, assim a desmarcação
dessa imposição é fundamental para a desigualdade de gênero. (PRADO;
ALTMANN; RIBEIRO, 2016)
Após a intervenção, os alunos foram indagados acerca de que temas
gostariam que a professora ministrasse nas aulas de educação física com assuntos
sobre educação sexual, eles afirmaram que era importante a docente trabalhar temas
voltados para “Gênero, prevenção, direitos sexuais” (CRIS; ANA CLARA;

64
Corpo, Trabalho e Educação

DOCINHO; JADE, 25/09/17); “Sexo” (LINO, 25/09/17); “Sobre a violência”


(AMORA, 25/09/17); “Prevenção” (ZENTORNO, 25/09/17; BILADA); “Gênero”
(MEL, 25/09/17; LOIRINHA, 25/09/17); “Violência contra homossexuais e
transexuais” (EDU; MILA; JUJUBA, 25/09/17). Para Furlani (2009, p. 45), “as
temáticas discutidas na educação sexual são conhecimentos imprescindíveis à
formação integral da criança e do/a jovem”. Fica explicito que, mesmo com a
intervenção, os alunos têm anseios para debater mais sobre esses temas propostos.
Quando indagados acerca da importância da educação sexual nas aulas de
educação física, antes da intervenção, constatou-se que os alunos achavam que o
ensino da educação sexual é relevante, pois: “Poucas pessoas sabem sobre
sexualidade” (JADE; JUJUBA, 06/09/17), ou ainda: “Aprender a aceitar a
sexualidade do próximo” (AMANDA, 06/09/17); “Descobrir mais sobre nosso
corpo” (ANA CLARA, 06/09/17); “Ajuda a entender algumas coisas” (MEL,
06/09/17).
A partir desses resultados, percebe-se que os alunos ainda têm uma visão
limitada acerca do ensino da educação sexual dentro da educação física, pois apesar
da educação sexual na educação física também envolver conhecimento acerca do
“corpo”, os alunos têm a possibilidade de “descobrir mais sobre o corpo”, já que
segundo Santos (2009), é necessário compreender que as aulas de Educação Física
devem viabilizar um estudo do corpo e de suas práticas, num processo de
compreensão histórico-social e cultural da sexualidade que envolvem o corpo.
Após a intervenção, quando questionados acerca da importância da
educação sexual nas aulas de educação física, os alunos afirmaram que ela contribui
para “Conhecer a sexualidade da pessoa” (ANA CLARA, 25/09/17); “Abrir a mente
das pessoas” (AMORA, 25/09/17); “É uma forma de incluir pessoas de gênero e de
identidade diferente” (EDU, 25/09/17); “Mostrando para meninas que não existe
diferença entre meninos e meninas para praticar esporte” (MEL, 25/09/17); “Por que
trabalha com corpo” (ZENTORNO, 25/09/17); “Aprendemos sobre sexualidade”
(JUJUBA, 25/09/17); “Ensinando os alunos a respeitarem a orientação sexual do
outro” (BILADA, 25/09/17); “A gente aprende a se cuidar” (MILA, 25/09/17).
As opiniões dos alunos quanto a relevância da atuação do professor se
modificaram relativamente em relação a primeira entrevista realizada antes da

65
Corpo, Trabalho e Educação

intervenção, já que para a maioria dos alunos ao ensino da educação sexual nas aulas
de educação física incentiva o respeito pelo próximo, como cita a aluna Loirinha
(25/ 09/17), “a gente aprende a respeitar o próximo. A educação sexual pode-se
discutir sobre valores como respeito, solidariedade e tolerância, as atividades devem
levar os jovens a refletir sobre a importância da aceitação do outro como ser
diferente. (FURLANI, 2009)
Aspectos de gênero relacionados ao respeito entre meninos e meninas
também puderam ser observados. Nas respostas das alunas Jade e Cris, quando
citam que o ensino da educação sexual é importante porque ensinam os meninos a
respeitarem meninas, pois “[...] as mulheres não são inferiores”. Segundo Furlani
(2009), quando meninos e meninas convivem mutuamente e compartilham
experiências é um modo de superar a desigualdade de gênero, com o respeito.
Desta maneira a educação sexual entra como ponto importante para o debate
de gênero, implicando assim no esclarecimento sobre a cultura construída sobre os
corpos de meninos e meninas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo verificou que a Educação Física é um espaço privilegiado para o


ensino da educação sexual. Sendo assim, adiar este ensino acerca da educação
sexual nas escolas só irá prejudicar os jovens e adolescentes na sua formação como
cidadão, já que ela contribui para a construção da sua sexualidade e para a
desmistificação de tabus acerca das questões relacionadas ao gênero, prevenção,
violência, entre outros.
Todavia, o estudo evidenciou que falar sobre a sexualidade nas aulas de
Educação Física durante o ensino da educação sexual ainda é um entrave nas escolas
e na prática de educação física, já que os alunos apresentaram conceitos limitados
acerca da sexualidade e da educação sexual. A prática pedagógica da educação
sexual nas aulas de educação física proporciona não só o aprendizado das dimensões
corporais, mas abrange um leque de possibilidades para trabalhar com os alunos,
conforme a realidade de cada escola. Deste modo, abordar educação sexual no
ensino médio é de suma importância para a construção do diálogo entre educador e

66
Corpo, Trabalho e Educação

educando, assim ambos enfrentam e analisam os problemas cotidianos.


Diante do exposto, o estudo traz considerações relevantes para o campo
acadêmico e para os professores da área, todavia, vislumbra a necessidade da
elaboração de outras pesquisas acerca da temática, com o intuito de tecer novas
análises sobre a educação sexual nas aulas de educação física, a partir de diferentes
contextualizações.

Talking about sex education in physical education in Altamira (PA)

Abstract: This research aims to analyze the importance of the Physical Education teacher's
work on sex education in high school in Altamira/PA. For data collection, it was used focal
interview, since this method helped in social interaction between interviewer and
interviewee, becoming a form of asymmetric dialogue in which data and information are
searched for the research. The study was carried out with 13 students from the 1st, 2nd, and
3rd high school classes. The study emphasizes that in physical education classes, the sex
education is approached in an informal way, which is the reason that few subjects inherent to
the theme are problematized in class. It concludes considering the need to develop the
pedagogical practice focused on sex education in physical education classes because it
provides learning of body dimensions and also helps students and teachers to confront daily
problems about sexuality.
Keywords: Physical Education. Sex Education. Pedagogical Practice.

REFERÊNCIAS

ALTMANN, Helena. Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais.


Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 575-585, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Secretaria da


Educação Fundamental. Brasília, 2017.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural e orientação sexual. 3. ed. Brasília,
2001.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim de


Epidemiológico-Sífilis, v. 47, n. 35, 2016.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de


DST/Aids Saúde. Diretrizes para implantação do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas.
Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.º 466, de 12 de


dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo

67
Corpo, Trabalho e Educação

seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 jun.
2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.º 510, de 7 de abril
de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais
cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com
os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do
que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 24 maio 2016.

CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam; SILVA, Lorena Bernadete da. Juventude
e sexualidade. Brasília: UNESCO Brasil, 2004.

CRUZ, Marlon Messias Santana; PALMEIRA, Fernanda Caroline Cerqueira. Construção de


identidade de gênero na Educação Física Escolar. Motriz, Rio Claro, v. 15, n. 1, p. 116-131,
jan./mar. 2009.

DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 2004.

DUARTE, Vanessa. A educação sexual e o adolescente: um novo olhar frente ao desafio.


2012. 58 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Departamento de
Educação, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade do saber. Rio de Janeiro: Graal,


1988.

FURLANI, Jimena. Encarar o desafio da educação sexual na escola. In: PARANÁ.


Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de
Diversidade. Núcleo de Gênero e Diversidade sexual. Sexualidade. Curitiba: SEED-PR,
2009. p. 37-48.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008a.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008b.

GONÇALVES, Andreia Santos; AZEVEDO, Aldo Antonio de. Re-significação do corpo


pela Educação Física escolar, face ao estereótipo construído na contemporaneidade. Pensar a
Prática, Goiânia, v. 10, n. 2, p. 201-219, jul./dez. 2007.

LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.

MAISTRO, Virgínia. Desafios de um projeto de educação sexual na escola. In: FIGUEIRÓ,


Mary Neide Damico (Org.). Educação sexual: em busca de mudanças. Londrina: UEL, 2009.
p. 35-62.

MARQUES, Lílian Danyi; KNIJNIK, Jorge Dorfman. Interfaces entre orientação sexual e
Educação Física: reflexões a partir de uma proposta de intervenção na escola pública de

68
Corpo, Trabalho e Educação

ensino fundamental ciclo II. Lecturas, Educación Física y Deportes, Buenos Aires, n. 103,
dez. 2006.

MOIZES, Julieta Seixas. Educação sexual, corpo e sexualidade na visão dos alunos e
professores do ensino fundamental. 2010. 114 f. Tese (Doutorado em Enfermagem
Psiquiátrica) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, 2010.

MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual
discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003.

NUNES, César Aparecido. Desvendando a sexualidade. Campinas: Papirus, 1987.

PEREIRA, Aline Carvalho. Experiência do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas nas
ações intersetoriais em sexualidade para adolescentes. 2013. 51 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Serviço Social) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade de
Brasília, Brasília, 2013.

PONTES, Ângela Felgueiras. Sexualidade: vamos conversar sobre isso? Promoção do


desenvolvimento psicossexual na adolescência: Implementação e avaliação de um programa
de intervenção em meio escolar. 2011. 282 f. Tese (Doutorado em Ciências de Saúde
Mental) - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto,
2011.

PRADO, Vagner Matias do; ALTMANN, Helena; RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Condutas
naturalizadas na educação física: uma questão de gênero? Currículo sem Fronteiras, v. 16, n.
1, p. 59-77, jan./abr. 2016.

RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. A sexualidade também tem história: comportamentos e


atitudes sexuais através dos tempos. In: BORTOLOZZI, Ana Cláudia; MAIA, Ari Fernando
(Orgs.). Sexualidade e infância. Bauru: FC/CECEMCA; Brasília: MEC/SEF, 2005. p. 17-32.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2014.

SANTOS, Ivan Luis dos. A “orientação sexual” e a educação física: sobre a prática
pedagógica do professor na escola. 2009. 176 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Motricidade) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 2009.

SILVA, Rafael Rocha; SILVA, Maria Janaina Marques da. Educação Física e sexualidade:
um estudo de caso em escolas públicas de Aracaju, Sergipe. Educationis, Aquidabã, v. 1, n.
1, p. 22‐35, 2013.

SPITZNER, Regina Henriqueta Lago. Sexualidade e adolescência: Reflexões acerca da


educação sexual na escola. 2005. 157 f. Dissertação (Mestre em Educação) - Universidade
Estadual de Maringá, Maringá, 2005.

TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. 7. ed.


Petrópolis: Vozes, 2010.

69
Corpo, Trabalho e Educação

TERENCE, Ana Cláudia Fernandes; ESCRIVÃO FILHO, Edmundo. Abordagem


quantitativa, qualitativa e a utilização da pesquisa-ação nos estudos organizacionais. In:
ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 26., 2006, Fortaleza.
Anais... Fortaleza: ENEGEP, 2006.

VIANNA, Antonio Vianna; SOUZA, Silvana Márcia de; REIS, Katarina Pereira dos.
Bullying nas aulas de Educação Física: a percepção dos alunos no Ensino Médio. Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 23, n. 86, p. 73-93, jan./mar.
2015.

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guarcia Lopes. O corpo educado:
pedagogia da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 35-82.

70
Corpo, Trabalho e Educação

Trabalho docente na rede pública estadual de Alagoas:


interfaces entre a precarização e as dinâmicas biopolíticas

Geisa Carla Gonçalves Ferreira (UFAL) 15


Elione Maria Nogueira Diógenes (UFAL) 16

Resumo: Este artigo versa sobre um tema bastante atual e preocupante, o trabalho docente e
suas metamorfoses, culminando com a precarização da profissão. As últimas décadas do
século XX e XXI foram determinantes no campo das políticas educacionais, no sentido de
reconfigurar o trabalho docente, de forma a provocar situações complexas no que diz
respeito à ação do docente no dia-a-dia escolar. A preocupação foi a de analisar o processo
de precarização do docente em seu exercício profissional. A metodologia privilegiou a
revisão da literatura, a análise documental e a pesquisa de campo sobre a temática. Estudei
como esse processo tem ocorrido na base territorial alagoana, não perdendo de vista as
relações entre o local e o global. As conclusões indicam que: a classe docente (em sua
totalidade) em Alagoas não tem encontrado estratégias significativas de mobilização para
mudar a perspectiva das políticas públicas educacionais desfavoráveis à ação docente.
Palavras-chave: Trabalho docente. Precarização do trabalho docente. Biopolíticas.

INTRODUÇÃO

Este artigo desdobra-se a partir da pesquisa de Mestrado17 realizada em


Alagoas entre 2015 e 2016 pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Alagoas. Tem início a partir de uma leitura da categoria
trabalho enquanto categoria fundante do ser social numa perspectiva ontológica.
Discutimos a precarização do trabalho docente mediante o olhar dos sujeitos imersos
no processo na Terra dos Marechais. A cotidianidade do trabalho docente na
experiência alagoana, de acordo com a empiria, corporifica o processo social de
metamorfose das relações de trabalho quanto à precarização do trabalho da
categoria. O presente texto triangula a base teórica, as falas dos/as sujeitos e o
campo da pesquisa.
Quando se trata de discutir a questão do trabalho, não é possível passar ao

15
Doutoranda em Educação, Universidade Federal de Alagoas.
E-mail: geisacarla2420@gmail.com
16
Doutorado em Políticas Públicas, Universidade Federal de Alagoas.
E-mail: elionend@uol.com.br
17
O projeto da pesquisa em tela foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), por meio da Plataforma Brasil, e aprovado em
setembro de 2015, cujo nº do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) é
46990015.6.0000.5013.

71
Corpo, Trabalho e Educação

largo das ideias de Marx (1818-1883)18. O mundo dos/as homens/mulheres tem na


sua base constitutiva a reprodução social por meio do trabalho, considerado pelo
filósofo da práxis, Marx (1996, 2000, 2008, 2010), como categoria fundante do ser
social numa perspectiva ontológica. Lessa e Tonet (2011, p. 35) defendem que “a
reprodução social nada mais é do que uma síntese da singularidade em articulação
com a totalidade”. Essa síntese caracteriza-se pelo desenvolvimento da história das
sociedades organizadas por um conglomerado de indivíduos, em que organizam
modos de produção que a humanidade tem vivenciado até os dias de hoje.
Na dinâmica capitalista, o trabalho possui caráter duplo e contraditório. O
trabalho, que necessita de dispêndio produtivo de cérebro, músculos, nervos, mãos e
humanos, de forma perversa, é apoderado pela burguesia em condições degradantes
e aviltantes. É espremida da classe trabalhadora toda a sua capacidade produtiva, e
em troca são devolvidas migalhas do capital. Nesse projeto de sociedade, a categoria
trabalho se materializa na condição de trabalho estranhado, que se manifesta em três
dimensões: quanto ao produto, quanto ao processo e quanto ao gênero humano.
Ainda que o trabalho seja um elemento mediador e ineliminável de qualquer
projeto de sociabilidade humana, na experiência moderna, sob a batuta do sistema
sociometabólico do capital, ele aterroriza numa dimensão de sujeição uma classe
(trabalhadora) em detrimento da manutenção da vida perdulária de outra (burguesa).

DINÂMICAS BIOPOLÍTICAS: O TRABALHO DOCENTE E A PRECARIZAÇÃO EM FOCO

No campo da pseudoconcreticidade (KOSIK, 2010), a profissão docente tem


sido muito estudada, com vasta ênfase nos aspectos didáticos da prática docente.
Analisamos a realidade da prática docente a partir das políticas educacionais
implantadas em 1990, cuja reforma do Estado brasileiro foi determinante para
consolidar as transformações que permeiam os saberes e poderes que agem sobre o
corpo docente capilarizadas na teia biopolítica social.
Ao problematizar acerca da educação, com foco em Alagoas, recupera-se a
narrativa e as motivações que orientaram o modo como foi delineada a vivência

18
Maior filósofo da história da humanidade. Analisou, estudou e teorizou sobre a dinâmica
das relações do mundo dos homens tendo como guisa explicativa o trabalho enquanto
categoria fundante do ser social.

72
Corpo, Trabalho e Educação

histórica e, de certa maneira, é exercitar a memória dos fatos sociais que


compuseram ao longo dos anos a atual configuração educacional que temos
contemporaneamente na Terra dos Marechais (VERÇOSA, 1997). Este é o
pressuposto que orientou esta investigação acerca da precarização do trabalho
docente.
Pensemos na resposta desse entrevistado/a ao ser questionado sobre a
política educacional de Alagoas “Tem que mudar muito, principalmente no que diz
respeito aos valores desenvolvidos na escola e no Estado. Voltar para uma
educação mais humanista e não tão capitalista como está”. (ENTREVISTADO 4,
2016)
Para entender como foi constituído o estereótipo da má qualidade na área
educacional, foi preciso associar os diversos índices negativos que o estado de
Alagoas possui, em especial, quanto ao analfabetismo. Além do mais, se tem um
baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e alta taxa de violência. Com
efeito, existe uma necessidade de analisar os processos e superar a realidade
concreta. A relação global versus local interfere diretamente na concepção
educacional do estado e corrobora para o objeto em tela. É este estreitamento que
produz diferenças e que Santos (1998) problematiza sobre as novas relações entre a
natureza e a ciência moderna.
Desde o século XX, o modo de produção capitalista, ao construir o novo
bloco histórico19 (conteúdo econômico-social e forma ético-política), mantém até os
dias atuais suas características essenciais. Das mudanças que vêm se processando
mundialmente no modo de produção vigente nas últimas décadas do século XX, aos
anos iniciais do século XXI, tem se materializado novas alterações na forma de
organização do trabalho e da produção. As relações de poder continuam dando
movimento à teia contraditória, inerente às relações sociais capitalistas. (NEVES,
2005)
As políticas públicas educacionais do país, em conformidade com os
ditames de organismos internacionais, apresentam-se como parte fundamental do
reordenamento do Estado-nação brasileiro, cujo resultado é a minimização de sua

19
Para Gramsci (2000), a categoria bloco histórico é a articulação interna de uma situação
histórica precisa.

73
Corpo, Trabalho e Educação

atuação na economia e a redução drástica de gastos nas áreas sociais. As formas de


flexibilização do trabalho têm demonstrado uma faceta perversa da precarização,
porque restringem, dividem e comprometem o trabalho, dificultando a mobilização e
a organização da luta das classes fundamentais da sociedade capitalista.
A precarização do trabalho do/a docente nas relações de trabalho é, em si,
imperativa do capital (reestruturação produtiva). A compreensão do constructo
sócio-histórico que deu origem à profissão docente faz-se essencial. A crescente
problemática investigada neste momento histórico caminha com a
afirmação/negação da profissão no imanente movimento assentado na contradição
que embasa a complexidade da vida em sociedade.
Sobre o trabalho docente, Schwartz (1988) explica que essa experiência não
se limita à produção de resultados, mas é um processo de formação e de
aprendizagem que modifica os conhecimentos e a identidade do/a trabalhador/a e
suas próprias relações com o trabalho. Foi possível perceber que a docência diz
respeito a uma atividade cognitiva, que fora pensada num plano abstrato/concreto. A
característica básica é a apropriação de conhecimentos, sendo seus pressupostos a
produção e a socialização. O circuito por inteiro valoriza as capacidades cognitivas
dos sujeitos envolvidos.
A escola é uma instituição histórica, na qual se estabelecem as práticas do
trabalho docente. Àquela é exigência das determinações do capitalismo, cuja
finalidade é a de qualificar a força de trabalho para o processo de produção. Essa
instituição configura-se de modo dual nas relações sociais. A construção da
sociabilidade está alicerçada sobre o trabalho social: “os homens passarão a se
encontrar para efetivar sua vocação de ser mais, de humanizar-se” (MORAES;
PAULA; COSTA, 2013, p. 102-105).
A educação é, portanto, uma mediação entre o indivíduo, a sociabilidade e a
história humana. “Na atual forma de organização social capitalista a educação
escolar se generaliza, mas continua a realizar-se predominantemente sob o caráter
conservador e reacionário de reprodução das relações sociais vigentes” (ibidem, p.
105). A vontade educativa personificada na consciência e na ação dos/as
educadores/as, movimenta-se no entendimento da realidade social.
Isso porque, apesar dos condicionantes históricos, o ser docente lida com a

74
Corpo, Trabalho e Educação

precarização de seu trabalho, que nesta conjuntura tem corroborado para que o
sujeito docente, na particularidade brasileira, e especificamente alagoana, conforme
salienta Alves (2000, p. 9), metamorfoseie-se “em insumo, e não um recurso
humano do processo de aprendizagem”. Isto é alarmante, sobretudo, em face às
necessidades concretas histórico-sociais que a educação e o trabalho docente
ocupam na sociedade numa perspectiva emancipatória. É por meio desse momento
conjuntural que se faz a análise acerca das transformações do mundo do trabalho
docente e os impactos que o assolam.
No transitar entre a análise conjuntural e a centralidade do trabalho docente,
é possível vislumbrá-lo à luz das transformações do mundo do trabalho, por meio do
processo produtivo que corrobora para a desvalorização do mundo dos homens em
detrimento do mundo das coisas.
Ao realizar o contato com os/as professores/as sobre a questão da
precarização do trabalho docente e como esta se manifesta concretamente no seu
ambiente de trabalho, sublinhamos a seguinte resposta “É um processo de
adaptações a várias situações. Não existem outras escolhas. Estamos prisioneiros
nesse sistema de faz de conta” (ENTREVISTADO 5, 2016). Este diálogo perpassa a
construção do espaço relacional e diz muito sobre a construção de crenças e valores,
que legitimam ou não determinada concepção de sociedade. A precarização do
trabalho permite compreender os processos que alimentam a vulnerabilidade social.
A compreensão favorece, com isso, o fortalecimento de uma proposta contra
hegemônica de organização societária. Para tanto, ir à raiz do conceito possibilita
desnudar a realidade aviltante das reformas estruturais do Brasil, no plano político,
responsáveis pela consolidação do projeto de formação do novo homem coletivo
(NEVES, 2005). Autogestionário, acrítico, e assistemático com as problematizações
acerca da mídia, da vida, do trabalho e da saúde.
A temática deste artigo demanda pela delimitação de uma das significações
da precarização, e, por isso, analisa o trabalho docente a partir do pressuposto de
que, com o fenômeno da mundialização do capital, em escala mundial, expandida à
reforma do Estado brasileiro a partir da década de 1990, torna-se necessário observar
o trabalho, não apenas em termos de condições objetivas – que podem atenuar os
efeitos da precarização –, mas, também, por meio das condições subjetivas, que

75
Corpo, Trabalho e Educação

dizem respeito ao modo como os interesses e desejos particulares dialogam com as


características do mundo do trabalho.20
Na década de 1990, no Brasil, ocorreu – por meio da disseminação do
consenso21 na sociedade civil22 – um retrocesso na luta da classe trabalhadora,
caracterizando-se como um período de composição, consolidação e aprofundamento
da hegemonia burguesa com ações neoliberais de terceira via que fundamentam a
nova pedagogia da hegemonia.
Para Duriguetto (apud NEVES, 2005, p. 97), “essa nova sociedade civil
organizada é concebida como uma esfera pública não estatal de cidadania, como
espaço de interação social que, também homogeneamente, aglutina esforços na
direção do bem comum, do interesse público”. Ocorre que o bem comum, postulado
a partir da disseminação dessa nova organização social, tem reverberado num
processo de desertificação da condição do trabalho frente às formas que oscilam
entre a superexploração e a própria autoexploração da força de trabalho em escala
global. Desta conjuntura, desponta o discurso falacioso em defesa da flexibilização
das relações no âmbito do trabalho, resguardadas pela lógica dominante enquanto
estratégia para a preservação dos empregos e da contenção do desemprego.
Fernandes (2010, p. 1) conceitua a precarização em relação “ao surgimento
de novas formas de trabalho a partir de um processo de mudanças estruturais no
capitalismo, que procura garantir competitividade às empresas por meio da
flexibilização das relações de trabalho”. Ou seja, sob o pretexto da preservação dos
empregos e da contenção do desemprego, redefinições significativas espraiam-se a
partir dos anos de neoliberalismo.
A nova pedagogia objetiva as novas formas de trabalho problematizadas por
Fernandes (2010, p. 2), que são resultantes das condições que a burguesia tem em
20
Chesnais (1996, p. 23-25) traz a discussão da mundialização em contraposição à
globalização, considerada como um processo que defende tal movimento como irreversível,
benéfico e necessário.
21
Trabalho aqui com a ideia de consentimento ativo, como um conjunto relativamente
autônomo de relações ideológicas e culturais que se modificam por meio da direção moral e
intelectual exercida pelas classes dominantes. (COUTINHO, 1996)
22
Como sociedade civil, Gramsci (2000) entende o espaço no qual as classes se organizam e
defendem seus interesses, de modo que projetos societários são confrontados e a luta pela
hegemonia ganha materialidade, por meio de organizações ou aparelhos privados
(associações, sindicatos, partidos, etc.) das classes ou frações de classe.

76
Corpo, Trabalho e Educação

atender, de forma parcial, os interesses das classes dominadas, ao resultar “num


equilíbrio que será interrompido a partir do agravamento e da precarização das
condições de trabalho e de vida”. Tal equilíbrio efetiva-se sob a:

Perda da razão social do trabalho, quando este, no contexto da crise do


sistema e do Estado neoliberais, começa a ser terceirizado e
flexibilizado, tendo como reflexos principais a ocorrência de novas
formas de gestão e de organização do trabalho e a perda de direitos
trabalhistas. (TAVARES, 2011, p. 21).

É bem verdade que a multiplicidade semântica do conceito permite


múltiplas interpretações, uma vez que as condições materiais de trabalho, por si só,
não se relacionam à precarização. No entanto, as condições de trabalho do dia-a-dia
são também marcadas pela falta de subsídios, como se percebe na seguinte fala
“Falta praticamente tudo, desde um simples papel a sala inadequada para o ensino
aprendizagem” (ENTREVISTADO 6).
De acordo com Oliveira (2006), se no campo material as especificidades do
trabalho forem contempladas, o processo que se inaugura é o de intensificação do
trabalho, como disse, comumente confundido com a precarização do trabalho. Para a
mesma autora,

Podemos considerar que, como o trabalho em geral, o trabalho docente


tem sofrido relativa precarização nos aspectos concernentes às relações
de emprego. O aumento dos contratos temporários nas redes públicas de
ensino, chegando, em alguns casos, a número correspondente ao de
trabalhadores efetivos; o arrocho salarial; ausência de piso salarial;
inadequação ou mesmo ausência, em alguns casos, de planos de cargos
e salários; a perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriunda
dos processos de reforma do Estado têm tornado cada vez mais agudo o
quadro de instabilidade e precariedade do emprego no magistério
público. (OLIVEIRA, 2006, p. 216).

Em concordância com Mancebo (2007, p. 470), a intensificação refere-se


“[...] as mudanças na jornada de trabalho de ordem intensiva (aceleração na
produção num mesmo intervalo de tempo) e extensiva (maior tempo dedicado ao
trabalho)”. Daí, decorrem análises sobre o aumento do sofrimento subjetivo: os
efeitos de neutralização da mobilização coletiva e o aprofundamento do
individualismo competitivo. Cada particularidade conceitual afeta de modo

77
Corpo, Trabalho e Educação

específico o mundo do trabalho, e cada uma delas atinge não apenas no sentido
objetivo a sua condição de emprego e salário, mas, também, no sentido subjetivo a
sua consciência de classe. (ALVES, 2000)
Para Pochmann (2001, p. 37), do ponto de vista técnico, “já é possível falar
dessa nova condição do trabalho, composta pela opção entre precarização e
desemprego”, no qual “a terceirização e a flexibilização da economia vêm causando
fortes impactos no mercado de trabalho”. Segundo ele, “o Brasil abandonou a
perspectiva do planejamento estratégico e o diálogo com o futuro, ficando
prisioneiro do curtíssimo prazo” (POCHMANN, 2001, p. 37). Imputado à lógica de
financeirização da riqueza, rumo, inevitavelmente, à precarização do trabalho.
Precarização esta que tem sido responsável pela difusão de uma concepção política
em relação ao mundo do trabalho que pormenoriza os problemas que decorrem do
fenômeno e exclui a possibilidade de conflito entre as forças hegemônicas
fundamentais rivais.
É sobre o agravamento na precarização das condições de trabalho de vida da
classe docente, na particularidade alagoana, que este artigo reflete, em razão de a
escola, aparelho privado de hegemonia (GRAMSCI, 2000). Apesar da precarização
do trabalho docente ser um conceito polissêmico, é possível pensar em uma noção
do termo que possa nortear a análise. Nesse sentido, trabalho com um conceito
dialético porque permite o processo de transformação social e histórico, dado o fato
de que é uma política educacional datada e concreta.
Por isso, o conceito com o qual trabalhamos trata-se de um amplo território
de relações sociais e trabalhistas, que vem sistematicamente contribuindo para a
desqualificação do trabalho docente, ao tempo em que o torna como uma ação
profissional desvalorizada, desrespeitada e, por consequência, precarizada. Pode-se
perceber tal fato no depoimento dos entrevistados “É uma das piores profissões!
Professor é visto como um desajustado social, tenho vários exemplos”
(ENTREVISTADO 9, 2016). “Com muita tristeza e dificuldade. Diariamente
encaminhamos turma para casa sem aula, porque o professor falta e não há
condições de articular outro trabalho” (ENTREVISTADO 10, 2016).
Por estas falas, é perceptível o desinteresse desses professores com a sua
profissão. Para estes, perdeu-se inclusive a alteridade nessa área de trabalho. Como

78
Corpo, Trabalho e Educação

responder de forma positiva a uma postura como esta? No que diz respeito à
pesquisa, são muitas as decepções, como vemos nos trechos subsequentes:

Uma profissão que precisa de mais respeito, investimento, estrutura.


(ENREVISTADO 12, 2016).
Claro, não é possível realizar uma educação de boa qualidade sem a
mínima infraestrutura, e garantir esta demanda pode tornar a profissão
menos dolorosa. (ENREVISTADO 13, 2016).
Um dos aspectos de precarização é a falta de formação continuada dos
professores, assim como, os monitores e demais contratados e
principalmente a falta de concurso público para amenizar a falta de
pessoal humano. (ENREVISTADO 14, 2016).
Sem investimentos em formação continuada, e mais vagas para a pós-
graduação aliada a valorização salarial teremos precarização.
(ENREVISTADO 15, 2016).
O professor da escola pública tem uma carga horária extensa, pouco
tempo para estudar salário insuficiente em relação ao tempo de
trabalho que exerce. (ENREVISTADO 16, 2016).

As circunstâncias históricas que enredaram a tessitura do contexto


educacional alagoano, num movimento balizado pelos ditames centro/periferia,
corroboraram para o desenvolvimento de um cenário atravessado por desigualdades
econômicas, que, ao interpelar os traços constitutivos da reforma do Estado da
década de 1990, culminando no âmbito da educação com a minimização das
responsabilidades dos Estados nacionais e dos recursos públicos, passou a enfrentar
os infortúnios decorrentes da racionalização dos investimentos com a finalidade da
execução do projeto de desenvolvimento neoliberal.
Cabe observar as metamorfoses que compõem o sujeito docente situadas por
Tardif (2002, p. 54), no que se refere aos saberes que diferenciam o docente dos
demais profissionais, “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das
instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática
cotidiana”. Esta pluralidade, conforme o exposto acima, é o subterfúgio da docência
para a interpretação das perspectivas sem encanto com que me deparei acerca da
profissão.
Para tanto, é fundamental compreender os estigmas desta profissão de
saberes plurais (TARDIF, 2002). As falas dos entrevistados são, nesse sentido,
reveladoras:

79
Corpo, Trabalho e Educação

Fantástica, apesar dos pesadelos. (ENTREVISTADO 7, 2016).


É maravilhoso, porém não é valorizada. (ENTREVISTADO 15, 2016).
Imprescindível para a formação de uma sociedade pensante e crítica.
(ENTREVISTADO 21, 2016).

Os recortes das falas corroboram para a análise referente à história recente


da profissão no Brasil, sobretudo, desde a década de 1980, quando a conjuntura
nacional inaugura uma fase atravessada por golpes, que podem ser caracterizados
pela paulatina desmobilização da categoria ao longo dos anos. A realidade que pude
observar fez-me assumir uma postura crítica diante das “falas” dos docentes
entrevistados/as, pois, a partir do desvelamento do objeto de estudo, foi possível
constatar que a maioria dos/as professores/as possui um sentimento de baixa
autoestima pelo desprestígio social que a profissão vem sofrendo. Desse modo, com
a crescente desvalorização da profissão, o ser docente passa a ser “vítima” de uma
lógica mercantil, em que a força de trabalho representa “o surgimento de novas
formas de trabalho a partir de um processo de mudanças estruturais no capitalismo
[...]” (FERNANDES, 2010, p. 1).
Por meio do Quadro 1, dimensionamos alguns traços dessas novas formas de
trabalho, observando como os sujeitos da pesquisa enfatizaram questões como: a
carga horária, a falta de capacitação, a infraestrutura, a monitoria, a política
educacional, o desinvestimento na carreira, a formação continuada, a avaliação da
aprendizagem e a valorização profissional, no tocante à precarização do trabalho
docente.
Com efeito, as falas dos/as docentes entrevistados/as dialogam com as
conclusões da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (TALIS 23),
realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), ao concluir que 90% dos docentes brasileiros/as sentem a desvalorização
real da profissão. A referida pesquisa coletou dados, comparados
internacionalmente, sobre o ambiente de aprendizagem e as condições de trabalho
dos/as professores/as, objetivando conhecer o perfil atual da profissão docente.

23
TALIS é o nome da sigla da pesquisa em inglês: Teaching and Learning International
Survey.

80
Corpo, Trabalho e Educação

Quadro 1 – Consequências das novas formas de trabalho para a docência


FALTA DE
CARGA HORÁRIA INFRAESTRUTURA
CAPACITAÇÃO
“Semanalmente “Sem investimentos em “Muitas escolas ainda
Entrevistado encaminho turma para formação continuada, não têm material
16 casa sem aula, porque não temos como didático suficiente para
não há condições de ingressar nas vagas da atender os alunos e nem
articular com o outro pós-graduação”. mesmo a estrutura
trabalho”. física”.
DESINVESTIMENTO
IMOBILIZAÇÃO
MONITORIA NA CARREIRA
SINDICAL
DOCENTE
“Considero uma “A impossibilidade de “Desafio diário diante
precarização manter continuidade de de um cenário nacional
esse sistema (digo trabalho e o inevitável falido e
Entrevistado modelo) de monitoria enfraquecimento da desinteressado”.
18 com tempo determinado capacidade
de contrato, sem tempo mobilizadora da
para formação, categoria devido à
planejamento, com divisão da classe”.
remuneração
diferenciada”.
FORMAÇÃO AVALIAÇÃO DA DESVALORIZAÇÃO
CONTINUADA APRENDIZAGEM SOCIAL
“Falta de condições nos “O processo de “Falta de visão política
Entrevistado processos de formação avaliação da forma que para a valorização do
19 na escola”. está acontecendo está professor visando a
equivocado, ausência de melhoria dos aspectos
professores (disciplinas sociais/econômicos do
não ofertadas)”. país”.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2017).

Conforme os dados, somente 12,6% dos/as professores/as brasileiros/as


sentiam-se valorizados. A média internacional é de 30,9%. O levantamento indica
que os/as docentes do país são os que mais trabalham, com 25 horas semanais de
ensino. Além disso, os dados da pesquisa apontam que os/as professores/as
brasileiros/as ocupam um tempo pedagógico considerável para controlar a disciplina
em sala de aula e que não há quase nenhuma política de Estado para a formação
continuada.
Quanto à satisfação do profissional da área de educação em Alagoas, a
materialidade do trabalho aponta que os/as docentes estão insatisfeitos/as, tendo em
vista o desgaste laboral em torno de uma irrisória remuneração (de acordo com o

81
Corpo, Trabalho e Educação

especificado a seguir). Ademais, não se oportunizado o aperfeiçoamento da


formação, da valorização e da remuneração, fatores preconizados pelas metas 15, 17
e 18 do Plano Nacional de Educação. (PNE, 2014)
Como se percebe, existe um clima dominante de insegurança em relação à
integridade física e psíquica. Outra situação preocupante encontra-se no desinteresse
pelos cursos de licenciatura, tendo em vista a procura cada vez menor pelos
referidos cursos. No caso da Universidade Federal de Alagoas, esta realidade é
frequente, e a ausência de professores/as em sala de aula, devido às novas condições
de trabalho que decorrem da precarização, acarreta em um déficit de,
aproximadamente, 3.000 professores/as24 na rede pública estadual de ensino de
Alagoas. (SINTEAL, 2015)
A problemática que afasta os/as docentes da sala de aula e aprofunda esta
carência é motivo de preocupação por parte dos sindicatos que representam a
categoria. O Ministério Público do Trabalho de Alagoas (MPT/AL) relaciona várias
denúncias em virtude da baixa remuneração, razão pela qual o/a docente estabelece
vários vínculos empregatícios (formais ou não) com instituições privadas ou não, de
forma que a jornada de trabalho ultrapassa, algumas vezes, 60 horas-aula por
semana.
As novas exigências para os/as professores/as, sem a necessária adequação
das condições de trabalho, ressaltam que a precarização do trabalho não é uma
problemática inaugurada a partir da reforma do Estado brasileiro da década de 1990,
muito pelo contrário, tal característica perpassa a história do trabalho desde o limiar
do século XIX com o advento do trabalho livre assalariado. (MARX, 1996)
Para Oliveira (2003), o que se tem apresentado socialmente desde a década
de 1990 é, exatamente, um período em que a docência tem sofrido em virtude dos
dilemas contemporâneos, levando os professores/as a uma encruzilhada ante a
antinomia do ofício de saberes plurais. (NÓVOA, 1991)
Tal encruzilhada coaduna com as falas dos/as docentes a partir da análise
acerca da inscrição social da profissão, que é eivada por contradições peculiares a

24
Dado disponibilizado pelos representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de
Alagoas (SINTEAL) durante a Audiência Pública para discutir a Saúde dos Professores em
Alagoas realizada em 17 de outubro de 2015 pelo MPT/AL.

82
Corpo, Trabalho e Educação

um “exercício complexo, composto, na realidade, de várias atividades pouco visíveis


socialmente” (TARDIF, 2002, p. 57). Os docentes, portanto, equilibram-se entre os
dilemas de sua prática profissional e sua íntima relação com o processo amplo de
relações da vida em sociedade. Atribuímos, também, a isso, o fato de a profissão ter
se revelado, para os sujeitos da pesquisa, como um trabalho árduo.
Observamos, por meio das entrevistas, que uma parcela dos/as docentes
compreende que sua ação interventiva contribui para a construção dos sujeitos, uma
vez que a descoberta do mundo do conhecimento implica na construção da
consciência humana e, consequentemente, da subjetividade. No entanto, as
dificuldades levantadas referem-se à objetividade reclamada pelo modus operandi,
que demanda pela reestruturação produtiva, e que, dentre outros elementos,
redimensiona, complexifica e racionaliza o fazer pedagógico. Contreras (2002, p.
40) salienta que:

Esse fenômeno relaciona-se não só com a degradação das condições de


trabalho, mas com a consequente composição social dos aspirantes a
essa ocupação. Com efeito, a base social de que se nutriu o trabalho dos
professores foi evoluindo também à proporção que este foi se
degradando.

Os docentes, neste sentido, agentes sociais ativos, ao se reconhecerem a


partir do protagonismo – ora positivo no campo da ação da subjetividade dos
sujeitos, ora negativo na objetividade da formação do sujeito para o mundo do
trabalho –, trazem à tona a problemática das fronteiras que a docência imprime
aos/as docentes. Mas, o que é a docência? E, ainda, o que é ser docente em Alagoas?
De acordo com a pesquisa, constatamos que até o ano de 2014 os docentes da rede
pública estadual de ensino de Alagoas eram, na verdade, professores-monitores e
representavam 56% do quadro da SEE/AL. Depois do concurso público25 realizado,
o cenário não mudou, e mesmo com a reserva técnica à espreita de uma possível
convocação, o estado, ano após ano, lança um processo seletivo simplificado26 para
provimento de vagas temporárias.
Essa nova condição do trabalho, na qual “a terceirização e a flexibilização

25
Edital SEE/AL Nº 003/2013.
26
Edital de credenciamento Nº 001/2016.

83
Corpo, Trabalho e Educação

da economia vêm causando fortes impactos no mercado de trabalho”


(POCHMANN, 2001, p. 37), subtrai da monitoria o cunho formativo e de dimensões
“política, técnica e humana da prática pedagógica” (CANDAU, 1986, p. 12). A
forma como o estado de Alagoas tem conduzido a política de apoio à produção de
vagas com vistas à ocupação das salas de aula por monitores/as iniciou-se há pouco
mais de duas décadas quando em virtude do Programa de Demissão Voluntária
(PDV) do Estado, em 1996, foi necessário suprir emergencialmente a carência
instaurada. Ocorre que desde então, o papel dos monitores, que realizam trabalhos
em grau equiparado aos/as docentes, perdura os vínculos precários e faz com que
esses, além de mal remunerados – em comparação como os salários dos/as docentes
efetivos/as, que, por sua vez, denunciem a problemática da baixa remuneração e do
descumprimento do piso nacional nas pautas gerais da categoria –, se submetam, por
meio de um vínculo flexibilizado sob a forma de precarização, à desobrigação do
Estado, no que tange às questões trabalhistas, devido ao regime de trabalho celetista.
Tal conduta tem se materializado por meio de sucessivos editais27, que têm
denunciado o modo como o estado de alagoas tem lidado com o déficit da categoria
docente, num contexto marcado pelo profundo sucateamento das condições de
trabalho docente. De acordo com os editais, graduados/as ou graduandos/as podem
candidatar-se, via processo seletivo simplificado, à regimes de trabalho que podem
ser de 20 a 40 horas semanais nas escolas. Regimes de trabalho caracterizados pelo
trabalho do/a monitor/a dentro e fora da sala de aula, exercendo todas as
especificidades da docência sob a supervisão da gestão e coordenação das escolas, e
não sob a orientação de um/a professor/a supervisor do funcionalismo público.
Ao final de vinte e quatro meses, o vínculo do monitor Secretaria Estadual
de Educação de Alagoas (SEE/AL) é concluído e o/a profissional deixa o cargo,
ficando desamparado e sem a proteção social de um Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e do Seguro Desemprego. O/A monitor/a, sob o pretexto da
prestação de serviços, é substituído, na maioria das vezes, por outro/a monitor/a,
também selecionado via processo seletivo simplificado pela SEE/AL, ou seja, a
eventualidade desta forma de contratação rompe com a lógica da exceção e tem se

27
Edital SEE/AL Nº 001/2008, Edital SEE/AL Nº 002/2008, Edital SEE/AL Nº 005/2008,
Edital SEE/AL Nº 008/2010, Edital SEE/AL Nº 008/2012, Edital SEE/AL Nº 001/2014.

84
Corpo, Trabalho e Educação

instituído enquanto rotina. São esses fatores que, segundo Neves (2005, p. 93),
contribuem para a formação de uma “subjetividade neoliberal”. Com efeito, o acesso
ao magistério público por meio do concurso público na rede pública estadual
alagoana tem se tornado obsoleto.
A competência, a responsabilidade, o preparo, o compromisso e a
capacidade dos monitores que contribuem para o trabalho na rede pública estadual
alagoana, ressaltadas nas falas abaixo, dialogam ao mesmo tempo com a situação da
precariedade em relação ao vínculo dos mesmos, prejudicial à categoria, que vê na
volatilidade dos/as monitoras a impossibilidade da continuidade do trabalho
pedagógico e o preocupante enfraquecimento da capacidade mobilizadora da classe.

São muito importantes, fundamentais. (ENTREVISTADO 4, 2016).


São profissionais comprometidos. (ENTREVISTADO 9, 2016).
Nesta escola, vejo que os monitores são comprometidos com o processo
ensino-aprendizagem. (ENTREVISTADO 14, 2016).
Os monitores são, na maioria das vezes, profissionais muito
responsáveis. (ENTREVISTADO 20, 2016).

A dissolução das condições de trabalho, sob o pretexto do regime de


flexibilização das formas de trabalho, contribui para que as reivindicações da
categoria se esvaziem, e, com a fragilização da pauta reivindicatória e combativa à
docência na rede pública estadual de ensino de Alagoas, vão adaptando-se
violentamente aos impactos do contexto de reestruturação produtiva no sistema
educacional, dadas as exigências do desenvolvimento econômico. Essa dinâmica de
transformação permite a síntese de alguns elementos presentes nas falas dos/as
docentes, como no trecho a seguir “Não gosto. Nos últimos tempos somos escravos
do sistema, praticamente não temos voz que faça valer nossos direitos [...]”
(ENVISTRADO 18, 2016).
A fala denuncia aspectos nocivos ao trabalho docente elencados. A partir da
experiência deste sujeito, ganha ênfase à depreciação e a desvalorização de sua
condição de trabalhador/a, que o faz sentir-se como um “escravo do sistema”. Desde
a década de 1990, o processo contínuo de desqualificação do magistério, advindo,
também, pelas exigências da política educacional nacional e dos determinantes
estruturais inscritos, apresenta a realidade da política educacional alagoana. Não
obstante, tal política é caracterizada pelos/as docentes enquanto incômoda e, para

85
Corpo, Trabalho e Educação

eles, expressa a necessidade de ruptura, pois “Tem que mudar muito, principalmente
no que diz respeito aos valores desenvolvidos na escola e no Estado. Voltar para
uma educação mais humanista e não tão capitalista como está” (ENTREVISTADO
10, 2016).
Assim, a categoria docente, principalmente no curso da década de 1990, tem
observado:

Uma continuidade do descaso e descompromisso com a educação


estadual. Isso se estende à falta de estímulo do docente e, por extensão,
um desinteresse por parte do aluno. (ENTREVISTADO 14, 2016).
Uma política educacional e sim repetições de políticas para a
educação que não tiveram sucesso. (ENTREVISTADO 15, 2016).
Contribui para a desvalorização do campo de remuneração.
Fragmentação do reajuste salarial. (ENTREVISTADO 16, 2016).
Tem utilizado de alguns conceitos e concepções de forma solta, sem
amarrar concretamente para que possa acontecer a aprendizagem dos
estudantes. (ENTREVISTADO 17, 2016).

Tais depoimentos asseveram que as políticas evidenciam a lógica reformista


implementada desde os anos de 1990. Para Oliveira (2004), as políticas educacionais
das últimas décadas do século XX e início do XXI foram marcadas pela
homogeneização, massificação e regulação do trabalho docente. Perante o contexto
em que o mundo do trabalho tem sofrido com o processo de reestruturação produtiva
e a necessidade do Estado de sustentar a acumulação de capital, sob o mote
supraclassista e legitimando a si próprio, a categoria docente, impelida por tal
avalanche estrutural, defende que a política educacional tenha a perspectiva de
“Diminuir/tirar Alagoas dos baixos índices” (ENTREVISTADO 20, 2016). “Deve-
se começar com a nomeação de um secretário de educação da área, conhecer da
educação e dos problemas, e atento a ouvir/ resolver os problemas vindos dos
trabalhadores da educação” (ENTREVISTADO 21, 2016).
A política educacional tem sido parte constitutiva da modificação das
condições de trabalho docente. Em suma, não há condições dignas de trabalho para
o/a docente na rede pública estadual. A ausência de condições estruturais, reclamada
pelos/as docentes que participaram desta pesquisa, intensifica o processo de trabalho
e contribui para a degradação das suas habilidades e competências profissionais. O
docente tem reduzido seu trabalho à diária sobrevivência de dar conta de todas as

86
Corpo, Trabalho e Educação

suas muitas atribuições.


O discurso, quanto às condições de trabalho, aponta para a ausência de
condições estruturais, em face ao atendimento à alta demanda que se espraia a partir
da carência de condições. Além disso, a inexistência de uma política de formação
continuada também ilustra os desinvestimentos por não oportunizar escolhas
formativas para o docente que se encontra submisso a uma alta sobrecarga de
trabalho para o atendimento da sua subsistência. As consequências iniciais deste
processo corroboram, entre outras coisas, para a estagnação no campo do estudo e
para a desvalorização profissional – principal lacuna entre as pautas gerais da
categoria, o plano nacional de educação em voga e a política educacional.
Essas questões permitem a reflexão acerca da subtração progressiva de
elementos fundamentais para o trabalho docente dignificante, como tempo para
estudar e capacitar-se de forma permanente, de modo a se tornar um/a professor/a
pesquisador/a. Cada um/a, ao seu modo, descreve algumas das características da
precarização do seu trabalho. Semelhantemente, no limiar da reforma do Estado, tais
características traduzem-se em mecanismos pragmáticos para o desmonte dos
direitos sociais oriundos da desertificação decorrente da ofensiva neoliberal marcada
pelo “corte dos benefícios sociais, degradação dos serviços públicos,
desregulamentação do mercado de trabalho, desaparição dos direitos históricos dos
trabalhadores [...] (MONTES, 1996, p. 38).
Para os/as docentes, tal conjuntura corrobora para uma série de
problemáticas que afetam diretamente nas novas formas que o trabalho assumiu
“Processo de adaptações a várias situações” (ENTREVISTADO 1, 2016). “Não
existem outras escolhas. Estamos prisioneiros nesse sistema de faz de conta”
(ENTREVISTADO 6, 2016). “Falta de praticamente tudo, desde um simples papel
a sala inadequada para o ensino aprendizagem” (ENTREVISTADO 13, 2016).
Essas problemáticas são verdadeiramente eivadas pelas relações de poder
que privilegiam a lógica neoliberal, que tem organizado os princípios do trabalho
desde a década de 1970 em diante. O trabalho docente encontra-se sob a forte
influência das concepções taylorista-fordista, nas quais os indivíduos trabalham de
modo isolado e fragmentado, inibindo a capacidade de estabelecer relações em que o
“outro” seja descoberto como um ser humano, sujeito de direitos plenos (ARROYO,

87
Corpo, Trabalho e Educação

2004). Daí decorreu a dificuldade mobilizadora que a categoria tem enfrentado no


limiar da década de 1990, quando o descortinar das características centrais das novas
formas neoliberais, que oscilam entre a superexploração e a própria autoexploração
do trabalho, se tornaram cada vez mais obsoletas.
É importante salientar que a ofensiva neoliberal não culminou apenas na
precarização do trabalho docente, temática que dá sentido ao modo de ser desta
pesquisa, mas também, em direção a uma precarização estrutural da força de
trabalho em escala global, orientada não pela necessidade humana, mas pela lógica
alienante, desumanizante e degradante do lucro e da reprodução social do modo de
produção capitalista. (MÉSZÁROS, 2009)
A classe docente alagoana, representada pelos vinte e dois sujeitos
voluntários da pesquisa, possibilitou sair da superfície quanto à interpretação do
processo, pois apontaram, com base em suas realidades, os determinantes para os
infortúnios que a profissão vem enfrentando a partir das novas formas de trabalho
decorrentes do processo de precarização. Identificaram que a categoria educação
padece de um problema político e histórico.
Sendo as relações sociais fruto desta forma de sociabilidade, a
desvalorização do trabalho docente e a consequente precariedade quanto ao trabalho
atingem, sem precedentes, os docentes que labutam na mediação entre as
contradições sociais – reprodução do status quo e produção do saber científico
crítico. O processo investigado não ocorre naturalmente, ao contrário, ele faz parte
da incontrolável necessidade de reprodução das condições aviltantes de trabalho
nesta forma de sociabilidade.
Por isso, a precarização do trabalho docente diz respeito a um processo
arraigado na reestruturação produtiva do capital, num contexto político de doutrina
neoliberal, marcado pela desestruturação do Estado e pela retirada reformista de
direitos sociais que impõe orientações “na direção da flexibilidade, competitividade,
adaptabilidade e atratividade” para o mundo do trabalho (BEHRING, 2004, p. 127).
Conhecer as causas do processo de precarização do trabalho da classe docente em
Alagoas implica desvelar as principais problemáticas decorrentes desse processo de
mudança.
Desse sistema, caracterizado enquanto precário em relação às condições

88
Corpo, Trabalho e Educação

mais gerais, decorre: a falta de condição de trabalho; a falta de segurança; e a falta


de investimentos em recursos humanos. A falta de condições para os processos de
formação dentro e fora da escola tem levado os/as professores/as a avistarem-se num
horizonte de angústia, frustração, desconforto e carência, encontrando-se, assim,
cada vez mais vulnerabilizados socialmente devido à perda da sua credibilidade
profissional.
Tal conjuntura contribui para que o ensino saia torto, pois foi perceptível
durante a pesquisa que a classe docente se encontra emocionalmente frustrada. Esta
situação tem se tornado tão insustentável que o próprio poder público, na
responsabilidade do MPT/AL, preocupou-se com a situação dos docentes e realizou
uma audiência pública em outubro de 2015. Na ocasião, estavam presentes membros
da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (CODEMAT), da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/AL), do Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), do Sindicato dos Estabelecimentos
Particulares de Ensino (SINEPE/AL), do Sindicato dos Professores de Alagoas
(SINPRO/AL) e do (SINTEAL).
Os/as docentes demonstraram, por meio das intervenções, estar submetidos
à condições de violência (física e simbólica) e a uma carga horária desumana que,
dentre outras questões, contribuem para tornar a docência um trabalho perigoso. O
quadro é alarmante. O futuro profissional dessa área tem como perspectiva um rol de
desesperanças. Não à toa essa condição de angústia e frustração faz parte de um
mesmo processo em que o/a trabalhador/a perde, de modo desumano, o seu
“quefazer”28 pedagógico. O que esperar de uma situação em que o/a docente, de
antemão, encontra-se desesperançado por já conhecer a realidade que o aguarda?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de desilusão que perpassa a categoria, violentada pela


reestruturação do trabalho, coaduna com a concepção de Noronha apud Oliveira
(2004, p. 1132), por despertar “um sentimento de desprofissionalização, de perda de

28
Freire e Nogueira (1993) caracterizam tal expressão de acordo com trabalho do/a
professor/a num sentido social, ou seja, ser uma profissão que influencia e é influenciada por
todos que convivem com este/a professor/a.

89
Corpo, Trabalho e Educação

identidade profissional, da constatação de que ensinar às vezes não é o mais


importante”. A precarização do trabalho docente é verdadeiramente uma vilã para a
profissão.
Muito embora o trabalho docente tenha se complexificado diante das
metamorfoses reclamadas pela dialética realidade social, observo que em Alagoas,
frente aos resultados da pesquisa, as novas formas de trabalho a que os docentes são
submetidos denunciam elementos que vão para além das questões pedagógicas do
fazer profissional. Em Alagoas, as metamorfoses têm gerado, inevitavelmente, um
problema social sem precedentes: a precarização do trabalho e de acordo com o
exposto reverberações que agem sobre o corpo e o modo de ser da docência.
Salientamos que a precarização do trabalho docente no Brasil e em Alagoas
não se expressa somente por meio desta narrativa que ora sintetizamos neste artigo.
Com este, foi possível perceber o desdobramento deste fenômeno no Estado de
Alagoas e o quão amplo e devastador ele pode ser. A precarização, que se apresenta
em diversas facetas e assola a docência, faz parte de uma realidade etérea que
apregoa, por meio da reprodução das relações sociais, o sentimento de estar calçada
com sapatos de chumbo na classe docente.
Last but not least diante da conjuntura, ressalto o caráter de urgência do
desenvolvimento de uma cultura política de valorização do magistério que
verdadeiramente respeite o docente quanto às condições de trabalho, de vida e de
saúde, para que o seu trabalho, tão valoroso na educação e direito público subjetivo,
contribua para a superação das formas perversas e aviltantes de sociabilidade.

Teaching work in the state public network of Alagoas: interfaces between precariousness
and biopolitical dynamics

Abstract: The article deals with a very current and worrying theme, since it deals with
teaching work and its metamorphoses, culminating in the precariousness of the profession.
The last decades of the twentieth and twenty-first century were determinant in the field of
educational policies, in the sense of reconfiguring the teaching work, in order to provoke
complex situations regarding the action of the teacher in the school day-to-day. The concern
was to analyze the process of the precariousness of the teacher in his professional practice.
The methodology focused on literature review, documentary analysis and field research on
the subject. I studied how this process has occurred in the Alagoan territorial base, not losing
sight of the relations between the local and the global. The conclusions indicate that: the
teaching class (in its totality) in Alagoas has not found significant strategies of mobilization
to change the perspective of the educational public policies unfavorable to the teaching

90
Corpo, Trabalho e Educação

activities.
Keywords: Teaching work. The precariousness of teaching work. Biopolitics.

REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise


do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000.

ARROYO, Miguel. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis:


Vozes, 2004.

BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de


direitos. São Paulo: Cortez, 2004.

CANDAU, Vera Maria Ferrão. A didática em questão e a formação de educadores-exaltação


à negação: a busca da relevância. In:_______. (Org.). A didática em questão. Petrópolis:
Vozes, 1986.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

CONTRERAS, Jose. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 2002.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de
Janeiro: Campus, 1999.

FERNANDES, Danielle Cireno. Precarização do trabalho. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade;


DUARTE, Adriana Maria Cancela; VIEIRA, Lívia Maria Fraga (Orgs.). Dicionário:
trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação,
2010.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v.


3.

_______. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 12.

HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo,


2011.

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

LESSA, Sergio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular,
2011.

MANCEDO, Deise. Agenda de pesquisa e opções teórico-metodológicas nas investigações


sobre o trabalho docente. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 99, p. 466-482,
maio/ago. 2007.

MARX, Karl. Trabalho estranhado e propriedade privada. In: _______. Manuscritos


econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 79-90.

91
Corpo, Trabalho e Educação

_______. O manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM, 2010.

_______. A mercadoria. In: _______. O capital: crítica da economia política. São Paulo:
Nova Cultural, 1996. v. 1. t. 1. p. 165-208.

_______; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MÉSZÁROS, István. A crise em desdobramento e a relevância de Marx. In: _______. A


crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.

MONTES, Pedro. El desorden neoliberal. Madri: Trotta, 1996.

MORAES, Betânia; PAULA, Ruth de; COSTA, Frederico. Indivíduo e educação: notas
sobre o processo de (des) humanização do ser social. In: SANTOS, Deribaldo et al. (Orgs.).
Educação pública, formação profissional e crise do capitalismo contemporâneo. Fortaleza:
EdUECE, 2013. p. 89-111.

NEVES, Lúcia Maria Wanderley. A sociedade civil como espaço estratégico de difusão da
nova pedagogia da hegemonia. In: _______. (Org.). A nova pedagogia da hegemonia:
estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.

NÓVOA, Antonio; HAMELINE, Daniel. Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1991.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e


flexibilização. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, set./dez. 2004.

_______. As reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo


Horizonte: Autêntica, 2003.

_______. Regulação educativa na América Latina: repercussões sobre a identidade dos


trabalhadores docentes. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 44, p. 209-227, dez. 2006.

POCHMANN, Marcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho


e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia. Lisboa: Gradiva, 1998.

SCHWARTZ, Yves. Expériencce el connaissance du travail. Paris: Sociales, 1988.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2001.

TAVARES, André Luis dos Santos. A precarização do trabalho docente na educação


superior: um estudo sobre a contratação temporária de docentes na universidade do estado do
Pará. 2011. 270 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Ciências da Educação,
Universidade Federal do Pará, Belém, PA, 2011.

VERÇOSA, Elcio de Gusmão. Cultura e educação nas Alagoas. 3. ed. Maceió: EDUFAL,
1997.

92
Corpo, Trabalho e Educação

Condições e relações de trabalho dos professores de Educação Física nas


academias de ginástica de Belém (PA)

Fábio Amador da Cruz (UEPA) 29


Emerson Duarte Monte (UEPA) 30

Resumo: O presente artigo se insere entre as investigações que tratam da atual configuração
do mundo do trabalho e das condições de trabalho do professor de Educação Física no
interior do espaço não escolar. A pesquisa teve como objetivo analisar a realidade do
trabalho do professor de Educação Física nas academias de ginástica da cidade de Belém
(PA). Este estudo possui como base epistemológica o método dialético e a pesquisa se insere
no nível explicativo. Foi realizada por meio de um estudo de campo, tendo como lócus de
investigação as academias de ginástica que possuíam, no mínimo, duas unidades ou
academias que se caracterizam como grandes redes nacionais e/ou internacionais. Os sujeitos
da pesquisa foram todos os professores de Educação Física que possuíam vínculo
empregatício com as academias visitadas. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se
um questionário composto por 33 questões fechadas referentes às relações e condições de
trabalho nas academias. Após a análise dos dados, conclui-se que as condições de trabalho
oferecidas pelas grandes academias de Belém (PA) são precárias, haja vista que ainda
existem trabalhadores informais atuando nestes espaços, sem nenhum direito trabalhista ou
benefício assegurado. Além disso, fatores como o alto desgaste físico, a intensificação do
trabalho e a baixa remuneração também foram encontrados na pesquisa. Apesar disso, 70%
dos sujeitos classificaram como “boa” as condições de trabalho as quais estão submetidos,
evidenciando uma clara falta de entendimento sobre o funcionamento do sistema capitalista.
Palavras-chave: Professor de Educação Física. Condições de trabalho. Academias de
ginástica.

INTRODUÇÃO

De acordo com Netto e Braz (2006, p. 95, grifo do autor), o capitalismo e o


seu modo de produção “é dominante em todos os quadrantes do mundo,
configurando-se como um sistema plenário”, ou seja, atualmente, o capitalismo não
se confronta com nenhum desafio externo à sua própria dinâmica, como ocorreu ao
longo do século XX, quando teve a concorrência socialista. Segundo os autores
referidos, o capitalista possui como ponto de partida o dinheiro e, como ponto de
chegada, mais dinheiro. Portanto, seu objetivo é “a partir de dinheiro, produzir
mercadorias para conseguir mais dinheiro” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 96). Ou seja,
a força motriz do modo de produção capitalista é o lucro.

29
Licenciado em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: fabio_cruzffc@hotmail.com
30
Doutor em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: emerson@uepa.br

93
Corpo, Trabalho e Educação

Para isso, o capitalismo trouxe diversas transformações ao mundo do


trabalho, onde o mercado de trabalho tornou-se uma noção ideológica que tem como
objetivo adaptar o trabalhador à precárias condições de trabalho e servir aos
interesses do capital, o qual, para continuar se reproduzindo, depende da intensa
exploração do trabalho (NOZAKI, 2004). Tal exploração é proveniente da mais-
valia, isto é, o valor excedente àquele equivalente ao pagamento da jornada de
trabalho do operário que o capitalista se apropria. Por exemplo: ao se contratar um
trabalhador, com o salário diário de R$ 30,00 (expressão do valor real da mercadoria
força de trabalho), a jornada de trabalho estipulada só fará sentido para o capitalista
quando, ao término dela, o operário produzir um valor superior (excedente) aos R$
30,00. (NETTO; BRAZ, 2006)
Com base nisso, conclui-se que o professor de Educação Física (EF) que
trabalha para uma instituição de propriedade privada, como as academias de
ginástica, caracteriza-se por ser um trabalhador produtivo, aquele que é responsável
pelo lucro do negócio, produzindo mais-valia, a qual o burguês se apropria em
detrimento de melhores condições de trabalho.
A partir do cenário imposto pelo capitalismo no mundo do trabalho, esta
pesquisa tem como objeto de estudo a análise da realidade enfrentada pelo professor
de EF no âmbito das academias de Belém (PA), e apresenta a seguinte pergunta
científica: Em quais condições de trabalho os professores de Educação Física estão
inseridos nas grandes academias de ginástica de propriedade privada em Belém
(PA)?
Para responder ao problema da pesquisa, formularam-se as seguintes
questões que norteiam este trabalho: a) De que maneira as atuais transformações
ocorridas no mundo do trabalho se expressam nas condições de trabalho do
professor de EF no segmento fitness? b) De que forma os direitos trabalhistas se
apresentam nos contratos de trabalho realizados pelos professores de EF nas
academias de ginástica de Belém (PA)?
A escolha do tema foi motivada pela necessidade de se compreender o
mercado de trabalho do segmento fitness no qual o professor de EF está inserido, a
fim de identificar quais condições de trabalho são oferecidas pelas grandes
academias de ginástica de Belém (PA) a este profissional, para constatar se há

94
Corpo, Trabalho e Educação

exploração do trabalho nestes ambientes.


Esta pesquisa apresenta grande relevância acadêmica, não apenas para os
discentes do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
mas também para todos os acadêmicos de EF da Região Metropolitana de Belém,
haja vista que, para os recém-formados, desta década em diante, o campo não
escolar – academias, clubes, condomínios, hotéis, entre outros – apresenta-se como
um atrativo e uma alternativa, com relação à escola, de se conseguir rendimentos
superiores (FERREIRA; RAMOS, 2001). Partindo disso, esta pesquisa irá
demonstrar aos recém-graduados a atual realidade das condições de trabalho das
academias de ginástica em Belém (PA).
Esta investigação tem como objetivo demonstrar a realidade do trabalho
enfrentada pelo professor de EF no segmento fitness, para isso, será levado em
consideração o tipo de contrato; o salário mensal; a jornada de trabalho; a proporção
de aluno/professor; se há tempo e incentivo, por parte das academias de ginástica, ao
professor para o planejamento de aulas/treinos, assim como, à sua formação
continuada, por meio de cursos e formação em nível de pós-graduação; por fim,
questionar se esse professor possui um plano de carreira a ser seguido durante a sua
atuação no mercado de trabalho.
Para a análise da realidade, esta pesquisa utiliza como base epistemológica o
método dialético. Este método é formado por um tríplice movimento: de crítica, de
construção do conhecimento novo e da nova síntese no plano do conhecimento e da
ação (QUELHAS, 2012). Frigotto (1991) ainda afirma que, nesta perspectiva, o
maior desafio do pensamento é trazer, para o plano racional, a dialética do real,
almejando a essência do fenômeno, aquilo que está além da aparência, ou seja, o
caráter conflitivo, dinâmico e histórico da realidade.
O nível da pesquisa tem caráter explicativo, que busca identificar as causas
do fenômeno estudado, além do registro e análise da realidade (SEVERINO, 2007).
Pretende-se, dessa forma, identificar as relações que efetivamente expliquem a
dinâmica do objeto de pesquisa aqui investigado.
A pesquisa foi realizada no período de 01 à 30 de abril de 2017, em
academias registradas no Conselho Regional de Educação Física da 18ª Região
(CREF 18 PA-AP), que possuíam duas ou mais filiais e ainda em academias

95
Corpo, Trabalho e Educação

caracterizadas como grandes redes nacionais e/ou internacionais com unidades na


capital paraense. Assim, foram encontradas, na cidade de Belém (PA), 12
academias, das quais, 7 não aceitaram participar da pesquisa ou apresentaram um
lento processo burocrático, impossibilitando a realização da coleta de dados no
período determinado. Todavia, 5 academias aceitaram participar da pesquisa. Nelas,
foi realizada a aplicação do questionário (composto por 33 perguntas fechadas, sobre
o trabalho do professor de EF nas academias de Belém (PA)) com professores de EF
de todos os espaços de atuação, que possuíam vínculo empregatício com a academia
visitada. Foi coletado um total de 20 questionários de um universo composto por 26
trabalhadores, representando, assim, um percentual de, aproximadamente, 77% dos
entrevistados. Os sujeitos da pesquisa concordaram livremente em participar da
coleta de dados por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme preveem as Resoluções n. 466/12 e n. 510/16 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS) sobre os cuidados éticos em pesquisas com seres
humanos.
Antes da realização da pesquisa de campo, foi efetuada a aplicação de um
pré-teste do questionário, em professores de EF de academias aleatórias da cidade de
Belém (PA), para a revisão das questões e para observar as sugestões dos sujeitos
participantes, a fim de qualificar o instrumento utilizado nesta pesquisa.
A coleta de dados foi realizada em períodos aleatórios do dia, no próprio
local de trabalho dos professores participantes da pesquisa, alguns em ambientes
favoráveis e outros não. O tempo utilizado para responder o questionário, em média,
foi de, aproximadamente, 10 minutos, para cada sujeito. Com os dados obtidos, foi
feita uma tabulação dos resultados e realizada uma análise quanti-qualitativa do
conteúdo.

O PRECÁRIO MUNDO DO TRABALHO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO


BRASIL

Segundo Alves (2007), fatores que contribuem de forma determinante para a


precariedade estrutural da força de trabalho no Brasil, está diretamente ligada à
natureza do modo de produção capitalista (MPC), que é: “[...] baseado na divisão

96
Corpo, Trabalho e Educação

hierárquica do trabalho e na propriedade privada, e, portanto, na divisão da


sociedade em classes sociais que se apropriam de modo desigual da riqueza social
produzida.” (ALVES, 2007, p. 259). Por tanto, o Brasil, por ser um país capitalista,
está inserido no mercado mundial.
O precário mundo do trabalho, o qual se faz necessário para a manutenção
do MPC, encontra-se presente nas diversas esferas do trabalho no Brasil. Em
pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o
trabalho no Brasil entre 2002 e 2005, citados por Alves (2007), revelam que cerca de
14,5% da população brasileira recebiam menos de R$ 300,00 por mês (valor abaixo
do salário mínimo da época), os quais, em sua maior parte, pertencem ao mercado
informal de trabalho, onde, geralmente, os direitos trabalhistas são desrespeitados. O
setor formal no cenário nacional, segundo o autor, também se apresenta de forma
precária:

[...] seja através das perdas de direitos e benefícios trabalhistas, muitos


deles por conta das novas formas de flexibilização do estatuto salarial;
ou ainda da intensificação e extensão da jornada de trabalho, com as
horas-extras não-pagas; seja através da insegurança no emprego e da
carreira, como demonstram as reedições constantes dos Programas de
Demissão Voluntária ou insegurança da representação sindical, abatida
pela queda do poder de barganha da categoria assalariada, etc. (ALVES,
2007, p. 258).

Entretanto, a precariedade do trabalho não afeta apenas os trabalhadores


assalariados do setor formal ou do setor informal, mas também os trabalhadores que
compõem o grande quantitativo de desempregados (exército industrial de reserva)
de longa duração. (ALVES, 2007)
Imbuído no MPC, em 1998, foi aprovada a regulamentação da profissão de
Educação Física, por meio da Lei n. 9.698/98, e constituiu-se, efetivamente, de cinco
artigos que instituíram a obrigatoriedade de registro de todos os professores de EF e
de indivíduos que não possuíam o ensino superior, mas que já trabalhavam nos
espaços de atuação da EF (os chamados leigos), nos respectivos Conselhos Federal e
Regionais de Educação Física, o sistema CONFEF/CREF. (GORDO; MOREIRA;
SANTOS, 2014)
Para os defensores da regulamentação, “novos caminhos e possibilidades se

97
Corpo, Trabalho e Educação

abririam para a EF, tendo em vista, uma melhora considerável na qualidade do


trabalho e garantia de reserva no mercado, ao profissional com formação
acadêmica.” (GORDO; MOREIRA; SANTOS, 2014, p. 68). Além disso, “houve
uma tentativa de considerar o trabalho do profissional como um trabalho autônomo,
na perspectiva de profissional liberal, prestador de serviço31, desconsiderando as
relações sociais de produção presentes nesta área” (QUELHAS, 2012, p. 90-91).
No entanto, nada disso foi garantido e muitas críticas foram feitas à
regulamentação da profissão de EF. Segundo Nozaki (2004), quando a lei entra em
vigor, restringindo o mercado ao trabalho do professor de EF, as instituições
privadas de ensino superior criam um grande mercado de formação profissional em
EF, haja vista que a obrigatoriedade do registro no conselho e, consequentemente, a
busca pelo diploma, foi de enorme procura, contribuindo para a criação de um
grande exército de reserva.
Outro ponto a ser discutido sobre a regulamentação da profissão de EF foi a
Resolução CNE/CES nº 7 de 31 de março de 2004, o qual instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação Plena (Licenciatura e
Bacharelado). Para Nozaki (2004), a resolução resulta em um modelo fragmentado
na formação em EF, significando um retrocesso para a área. Quando o profissional,
que teve sua área de atuação limitada pela fragmentação da profissão está sob
precárias condições de trabalho oferecidas pelas academias, o mesmo não tem a
opção de migrar para outro âmbito da EF em busca de melhorias trabalhistas, pois
está privado disso, ocasionando a sua permanência no trabalho precário. (NOZAKI,
2004; GAWRYSZEWSKI, 2008)
Conforme Gawryszewski (2008), o CONFEF/CREF não defende e não leva
em conta a exploração do trabalho sofrida pelos professores de EF, pois:

[...] a organização de professores de Educação Física, em torno de um


conselho corporativo, visa a atender interesses além daqueles que
trabalham na área, mas, principalmente, às corporações e grupos
empresariais que tenham investimento no mercado das práticas
corporais. (GAWRYSZEWSKI, 2008, p. 104).

31
A mera troca de dinheiro por trabalho (a prestação de serviço individual), produz um
valor-de-uso, que não o transforma em trabalho produtivo (produtor de mais-valia). O
profissional prestador de serviços produz trabalho improdutivo.

98
Corpo, Trabalho e Educação

Além das duras críticas feitas pelos opositores à regulamentação, Nozaki


(2004) afirma que a atuação do CONFEF/CREF se restringe apenas em fiscalizar a
posse ou não do diploma de graduação em EF, assim como se esse profissional está
ou não filiado ao conselho. Contudo, a regulamentação da profissão acabou
contribuindo ainda mais para a precarização do trabalho do professor de EF nas
instituições de propriedade privada que dependem da exploração do trabalhador para
a obtenção de lucro. (NOZAKI, 2004)
Corroborando com Nozaki (2004), Gawryszewski (2008, p. 168) afirma que
o sistema CONFEF/CREF contribui para a manutenção do MPC e
consequentemente a exploração de seus filiados, haja vista que, “quase toda
composição de conselheiros federais e regionais são coordenadores ou proprietários
de academias e afins”. Em meio a isso, a precarização do trabalho do professor de
EF se reflete nas mais variadas formas, como será visto no item seguinte.

A precarização do trabalho do professor de Educação Física nas


academias de ginástica no Brasil

Nesta sessão, serão apresentadas considerações importantes levantadas após


a realização de pesquisas em grandes cidades brasileiras que buscaram identificar o
cenário atual das condições trabalhistas que são oferecidas aos profissionais do
segmento fitness nas academias de ginásticas que, segundo Bertevello (2005), citado
por Quelhas (2012), absorvem a maior parte dos trabalhadores da EF recém-
formados.
Quelhas (2012), em pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro, em
academias que apresentam o mais elevado nível de desenvolvimento no segmento
fitness, como as das redes BodyTech, Smart Fit, Proforma e Curves, constatou que, a
jornada de trabalho do professor de EF que atuam nas academias de ginástica,
caracteriza-se por ser bastante elevada, ao ponto de ultrapassar as 8 horas de duração
por dia, fruto, muitas vezes, da sua dupla jornada de trabalho, como: empregado da
academia e trabalhador autônomo (personal trainer).
Corroborando com isso, Mendes (2010) observou que, por motivos
relacionado à busca pelo aumento do faturamento mensal, 54,7% dos professores

99
Corpo, Trabalho e Educação

entrevistados possuíam dupla jornada de trabalho, com a existência de professores


de EF com 4 empregos (9,4%). A elevada jornada de trabalho ocasiona grandes
desgastes à saúde física e mental, caracterizando um contrassenso à essência da
profissão (MENDES, 2010). Sobre isso, Quelhas (2012) afirma que:

Sabemos que o estabelecimento do limite de oito horas para a jornada


de trabalho diária, foi uma luta histórica dos trabalhadores contra a
exploração dos patrões e em defesa de uma vida menos brutalizada, que
contemplasse mais tempo para descanso, para a família, para o lazer,
dentre outras necessidades [...] Dessa forma, os trabalhadores do fitness
impõem a si mesmos uma jornada de trabalho que ultrapassa o limite
legal, historicamente conquistado pela classe trabalhadora.
(QUELHAS, 2012, p. 208).

Outro fator importante levantado nas pesquisas foi a elevada queixa de lesão
nos joelhos; calos nas cordas vocais; crises de stress; cansaço extremo e outros
fatores, provocados em função da exaustiva jornada de trabalho (QUELHAS, 2012).
Na pesquisa realizada por Hartwig (2012), verificou-se que 87,9% dos entrevistados
relataram alguma dor/desconforto em alguma região do corpo no último ano. Além
disso, Hartwig (2012, p. 91) destaca fatores como “cobranças por rendimento,
ausência de pausas e as próprias características das ocupações [que] podem gerar
transtornos psicofísicos alterando o estilo de vida dos trabalhadores.”
Quanto à relação empregador-empregado, constatou-se na pesquisa de
Quelhas (2012), que a principal forma de contratação nas grandes empresas do
fitness, é o contrato de tempo parcial32 que, segundo o autor, está relacionada à
grande oferta de atividades para os clientes. Com este tipo de contrato, o custo da
folha de pagamento das empresas apresenta redução de, aproximadamente, 10% ante
a proporcionalidade das férias para empregados que trabalhem até 25 horas
semanais, reduzindo sobremaneira o custo com as substituições de aulas. (ABREU,
2005 apud QUELHAS, 2012)
Esse é um dos motivos pelos quais é amplamente defendida pelas empresas

32
É considerado trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 25
horas semanais (BRASIL, 1943). O emprego do contrato de tempo parcial é uma estratégia
para redução de custos largamente defendida pela Associação Brasileira de Academias
(ACAD) que, consequentemente, amplia ainda mais a precarização das condições de
trabalho. (QUELHAS, 2012)

100
Corpo, Trabalho e Educação

do fitness. Além disso, quando um professor também possui vínculo empregatício


com outra empresa, torna-se difícil a conciliação entre os períodos de férias,
impossibilitando que o trabalhador goze da melhor forma deste período.
(QUELHAS, 2012)
Concomitante ou não com o tempo de trabalho parcial, o trabalho autônomo
como personal trainer, também ocupa grande parte da jornada de trabalho destes
profissionais, os quais precisam fazer um “repasse”33, muito maior que o valor que a
empresa paga aos seus funcionários pela hora-aula trabalhada. De acordo com
Quelhas (2012):

[...] o “repasse” não poderia, em hipótese alguma, ser maior do que o


menor valor de hora-aula paga pelo dono da academia para um
empregado seu, pois neste valor estão contidos os valores dos meios de
produção e da força de trabalho e, obviamente, o valor excedente, a
mais-valia, o lucro do capitalista. (QUELHAS, 2012, p. 200).

No Rio de Janeiro, constatou-se que grande parte das empresas adota a


remuneração por hora-aula, pouco existindo a remuneração por jornada de trabalho.
Os valores da hora-aula variam de R$ 4,50 à R$ 40,00, a depender da função que o
professor exerce na empresa (entre R$ 8,00 e R$ 13,00 na musculação e entre R$
16,00 e R$ 25,00 em aulas coletivas). (QUELHAS, 2012)
Em Brasília-DF, a média salarial recebida pelo trabalho do professor de EF
no salão de musculação, por hora-aula, era de R$ 10,00 e de R$ 20,00 nas aulas
coletivas, como afirma Mendes (2010). Assim como no Rio de Janeiro e em
Brasília, a pesquisa de Borges e Santos (2015), realizada no município de
Ananindeua (PA), com professores formados que atuam com a musculação,
constatou-se que a maioria (81,2%) recebia entre R$ 10,00 e R$ 15,00 por hora de
trabalho. Diante disso, conforme Quelhas (2012), o valor da remuneração recebida
pelos professores é amplamente criticado pelos entrevistados e isso é constatada na
pesquisa de Borges e Santos (2015), em que 87,5% dos entrevistados se mostraram
insatisfeitos com a remuneração.
Em Ananindeua, a intensificação do trabalho do professor de EF também se

33
Taxa cobrada pelas empresas, referente ao uso do espaço físico e dos equipamentos da
academia pelo personal trainer, por hora-aula trabalhada.

101
Corpo, Trabalho e Educação

mostrou presente no âmbito das academias: quando perguntado a média de quantos


alunos são atendidos ao mesmo tempo em uma hora de trabalho no salão de
musculação, 62,5% dos entrevistados responderam que atendem mais de 10 alunos
ao mesmo tempo, remetendo-se ao conceito da mais-valia relativa. (BORGES;
SANTOS, 2015)
Além disso, na atuação no âmbito das grandes academias, observou-se,
também, que grande parte do proletariado do fitness exerce várias outras ocupações
e em diferentes locais de atuação na empresa, caracterizando-se como um processo
de flexibilização e precarização do trabalho – estratégia utilizada para a redução dos
custos trabalhistas e para criar novas formas de explorar o trabalhador. (BORGES;
SANTOS, 2015; HARTWIG, 2012; MENDES, 2010; QUELHAS, 2012)
Com base no que foi exposto até aqui, assim como qualquer outro
trabalhador proletário, o professor do fitness também está sob as condições impostas
pelo MPC, onde a exploração do trabalhador é o fator determinante para a
manutenção desse sistema, refletindo-se diretamente nas precárias condições e
relações de trabalho, por meio da sua intensificação e da flexibilização trabalhistas,
assim como em sua precarização que, em detrimento da saúde do profissional,
submete os professores à grandes estresses físico e mental durante o trabalho.

ACADEMIAS DE GINÁSTICA EM BELÉM: FACES DA EXPLORAÇÃO NO TRABALHO


DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

A amostra foi formada por 20 professores que atuam em 5 grandes


academias de ginástica localizadas na cidade de Belém (PA). Com a pesquisa,
observou-se que a maior parte dos trabalhadores do fitness são do sexo masculino
(80%) e que 65% possuem até de 30 anos de idade. A graduação dos trabalhadores
se deu por 60% em instituições privadas e de 40% em instituições públicas, onde
100% foram formados na modalidade de ensino presencial. Quando inquiridos
acerca do registro no sistema CONFEF/CREF, 90% dos sujeitos afirmaram que
“sim”.

102
Corpo, Trabalho e Educação

A avaliação dos professores sobre o espaço de trabalho nas academias de


ginástica de Belém

Em uma escala subjetiva de avaliação, 45% dos sujeitos consideram como


“bom” o conforto proporcionado pelas academias aos professores de EF, 25%
classificaram como “excelente” e um total de 30% como “regular” e “ruim”. Para
Ferreira (2011), o conforto proporcionado no ambiente de trabalho faz parte dos
elementos constitutivos e essenciais para o bem-estar no trabalho, e isso, se reflete
como fator de saúde que os trabalhadores vivenciam no ambiente de trabalho.
Levando em consideração os aspectos do Ambiente Físico de trabalho que,
segundo Ferreira (2011), são fatores que influenciam na qualidade de vida no
trabalho (QVT), observou-se que:

Tabela 1 – Condições sobre o Ambiente Física das Academias de ginástica


Espaço
Excelente Bom Regular Ruim Insuficiente
Físico
Conforto 25% 45% 20% 10% -
Tamanho 35% 45% 20% - -
Iluminação 65% 30% 5% - -
Som ambiente ocasiona Sim Não
Estresse 40% 60%
Dificuldade 50% 50%
Perda da audição 60% 40%
Temperatura Sim Não
Incomodo 50% 50%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

A organização espacial (tamanho) da academia foi avaliada como


“excelente” para 35% dos professores e como “bom” para 45%, para a realização
das aulas; a iluminação do ambiente de trabalho, foi considerada “excelente” para
65% dos participantes e 30% classificaram como “boa”; na avaliação da temperatura
do ambiente de trabalho, observou-se que houve um equilíbrio nas respostas, em que
50% dos sujeitos afirmaram já ter sentido algum incomodo (calor ou frio excessivo)
e os outros 50% não apresentaram queixas sobre este fator.

103
Corpo, Trabalho e Educação

Acerca da intensidade sonora da academia (acústica), foi o item em que se


apresentou maior insatisfação dos professores, pois 40% dos participantes já
sentiram algum tipo de estresse proveniente da alta intensidade do som ambiente e,
ainda, metade dos professores (50%) já precisaram forçar as pregas vocais com a
intenção de vencer a intensidade da música durante a aula/treino. Além disso, uma
importante parcela (60%) acredita que a intensidade do som durante o trabalho nas
academias pode afetar, em longo prazo, o aparelho auditivo.
Do ponto de vista sobre as condições instrumentais de trabalho, que diz
respeito às máquinas, ferramentas, aparelhos, equipamentos, postos de trabalho,
mobiliário complementar (ex. armários) e etc., (FERREIRA, 2011), obtiveram-se os
seguintes resultados expressos na Tabela 2.
Foi observado que, apesar da maioria dos sujeitos considerarem como
“excelente” (20%) e “bom” (50%) a variedade e o quantitativo de aparelhos, 100%
dos sujeitos já precisaram revezar algum aparelho entre dois ou mais alunos da
academia, podendo-se inferir que a qualidade do treino decaia sob essas
circunstancias.

Tabela 2 – Condições Instrumentais de trabalho e improvisação no trabalho


Disponibilidade Excelente Bom Regular Ruim
Aparelhos 35% 55% 10% -
Ferramentas 40% 55% - 5%
Improvisação do professor Sim Não
Revezamento de aparelhos 100% -
Utilização dos próprios acessórios 65% 35%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Outro fator que também chama a atenção é a preocupação das academias em


manter a disponibilidade das ferramentas de trabalho (ex. halteres, barras, caneleiras,
steps, etc.) como prioridade, em detrimento de ferramentas que oferecem segurança
para o trabalho dos professores de EF como o monitor cardíaco, esfigmomanômetro,
estetoscópio, entre outros, haja vista que a maioria dos professores (65%) já
precisaram utilizar ferramentas particulares durante o trabalho.
Sobre a oferta de ambientes e mobília complementar ao professor de EF, os
dados apresentados na Tabela 3 indicam uma relativa variedade de espaços que são

104
Corpo, Trabalho e Educação

oferecidos aos funcionários, entretanto se faz necessário uma nova pesquisa para
avaliar a qualidade desses espaços, haja vista que houve divergência nas respostas
de entrevistados que trabalham na mesma academia.
Tabela 3 – Ambientes e mobília destinada aos professores de EF
Espaço Espaço
Sala de
destinado aos para Vestiário Armário Outros
descanso
professores refeições
Total 35% 65% 90% 85% 5%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

As relações de trabalho e as dificuldades enfrentadas nas academias de


ginástica de Belém

A fim de investigar se os direitos trabalhistas, previstos pela CLT, estão


presentes nos contratos realizados entre patrões e empregados do segmento das
academias de ginástica, a Tabela 4 apresenta um conjunto de dados coletados no
processo de pesquisa.

Tabela 4 – As relações de trabalho nas academias de ginástica


Trabalho Formal Sim Não
Carteira Assinada 85% 15%
Direitos previstos pela CLT 85% 15%
Outros Plano de Hora Adicional Não
Bonificação PLR Outros
Benefícios carreira extra noturno Possui
Total 5% 15% 20% 5% 10% 5% 50%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Os resultados obtidos revelam que, apesar de baixo (15%) o número de


trabalhadores sem carteira assinada (bonificações contratuais), a informalidade ainda
está presente no âmbito das academias de ginástica, fato que expõe os trabalhadores
à precárias condições de trabalho, haja vista que, dessa forma, os direitos
trabalhistas (ex. 13º salário; férias remuneradas; aviso prévio; seguro desemprego;
FGTS; etc.) deixam de ser assegurados. Além disso, a metade dos sujeitos (50%),
não possuem outros benefícios trabalhistas expressos em seus contratos.
No que diz respeito ao incentivo ao aperfeiçoamento profissional e ao
oferecimento de tempo para o planejamento das aulas, a Tabela 5 destaca que a
maior parte das academias (75%) oferecem tempo para o professor de EF planejar as

105
Corpo, Trabalho e Educação

aula/treinos, entretanto, 25% dos professores ainda precisam fazer o planejamento


em meio ao salão da academia ou mesmo em sua residência, situação característica
da produção de mais-valia (no primeiro caso, pela mais-valia relativa; no segundo
pela mais-valia absoluta).

Tabela 5 – Disponibilização de tempo aos professores de EF


Disponibilização de tempo para
Sim Não
elaboração das aulas
Total 75% 25%
Incentivo ao Não
Cursos e Incentivo à pós- Incentivo à
aperfeiçoamento oferecem
palestras graduação pesquisa
profissional incentivo
Total 75% 15% 20% 10%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Além disso, o aperfeiçoamento profissional incentivado pelas academias se


resume em minicursos de atualização de curta duração (75%), normalmente
realizados aos finais de semana, assim como foi observado na pesquisa de Quelhas
(2012) e apenas 10% das academias não oferecem nenhum tipo de incentivo.
Verificou-se, ainda, que a função mais exercida pelos professores de EF nas
academias, ainda é a de professor de musculação (90%), conforme dados contidos
na Tabela 6. Além disso, 35% dos professores de EF exercem mais de uma função
na academia, em que 30% trabalham com a ginástica e 20% também com a
dança/ritmos, o que implica em acúmulo de funções.

Tabela 6 – A relação entre as ocupações e desgaste físico


O trabalho
Musculação Ginástica Dança/Ritmos Spinner Outro
do prof. EF
Total 90% 30% 20% 10% 5%
Nº de Funções Uma Duas Três
Total 65% 15% 20%
Desgaste Físico Alto Moderado Baixo
Total 55% 30% 15%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Em decorrência das diversas funções ou da intensificação do trabalho, 55%

106
Corpo, Trabalho e Educação

dos sujeitos consideram como alta a intensidade do desgaste físico durante a jornada
de trabalho. Tal fato pode levar o trabalhador desde a um enfraquecimento do
sistema imune, até lesões graves, devido o esforço repetitivo.
Entre os dados apresentados na Tabela 7, destaca-se uma característica
marcante na pesquisa é que 80% dos professores de EF das grandes academias de
ginástica de Belém possuem jornada de trabalho de tempo parcial, assim como foi
visto e discutido as desvantagens dessa modalidade de contrato no capítulo anterior.
Além disso, analisou-se a relação entre a jornada de trabalho e o salário recebido.

Tabela 7 – A relação jornada de trabalho, remuneração e considerações


Jornada de Mais de 8
4 horas De 5 à 7 horas 8 horas
trabalho horas
Total 35