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Pesquisa em Ensino e

Inter
disci
plinar
idades
Aproximações com o Contexto Escolar
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Reitor
José Jackson Coelho Sampaio

Vice-Reitor
Hidelbrando dos Santos Soares

Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz

Conselho Editorial
Antônio Luciano Pontes Lucili Grangeiro Cortez
Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes Luiz Cruz Lima
Emanuel Angelo da Rocha Fragoso Manfredo Ramos
Francisco Horacio da Silva Frota Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Francisco Josênio Camelo Parente Marcony Silva Cunha
Gisafran Nazareno Mota Jucá Maria do Socorro Ferreira Osterne
José Ferreira Nunes Maria Salete Bessa Jorge
Liduina Farias Almeida da Costa Silvia Maria Nóbrega-Therrien

Conselho Consultivo
Antonio Torres Montenegro | UFPE Maria do Socorro Silva de Aragão | UFC
Eliane P. Zamith Brito | FGV Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça | UNIFOR
Homero Santiago | USP Pierre Salama | Universidade de Paris VIII
Ieda Maria Alves | USP Romeu Gomes | FIOCRUZ
Manuel Domingos Neto | UFF Túlio Batista Franco |UFF

COLEÇÃO PRÁTICAS EDUCATIVAS

Comitê Editorial
Lia Machado Fiuza Fialho | Editora-Chefe
José Albio Moreira Sales
José Gerardo Vasconcelos

Conselho Editorial
Antonio Germano Magalhães Junior | UECE Isabel Maria Sabino de Farias | UECE
António José Mendes Rodrigues | FMHU/Lisboa Jean Mac Cole Tavares Santos | UERN
Cellina Rodrigues Muniz | UFRN José Rogério Santana | UFC
Charliton José dos Santos Machado | UFPB Maria Lúcia da Silva Nunes | UFPB
Elizeu Clementino de Souza | UNEB Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior | UECE
Emanoel Luiz Roque Soares | UFRB Robson Carlos da Silva | UESPI
Ercília Maria Braga de Olinda | UFC Rui Martinho Rodrigues | UFC
Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento | UNIT Samara Mendes Araújo Silva | UESPI
Organizador
Jean Mac Cole Tavares Santos

Pesquisa em Ensino
e Interdisciplinaridades:
Aproximações com o Contexto Escolar

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA


ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
BRÍGIDA LIMA BATISA FÉLIX LENINA LOPES SOARES SILVA
ELCIMAR SIMÃO MARTINS LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA
ELIEL MORAES DA SILVA LUÍS FERNANDES DE MOURA
ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA MARIA DO SOCORRO PINHEIRO
ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA MARIA KÉLIA DA SILVA
FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO NABUPOLASAR ALVES FEITOSA
FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO PAULO AUGUSTO TAMANINI
FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA SIMONE MARIA DA ROCHA
FRANCISCO MILTON MENDES NETO SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA
GIANN MENDES RIBEIRO VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES
IONE CARVALHO RODRIGUES VICENTE DE LIMA-NETO
ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA
JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS

1a EDIÇÃO
FORTALEZA | CE
2017
Pesquisa em Ensino e Interdisciplinaridades: aproximações com o
contexto escolar
© 2017 Copyright by Jean Mac Cole Tavares Santos
(Organizador)

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

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Av. Dr. Silas Munguba, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará
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Coordenação Editorial
Erasmo Miessa Ruiz
Projeto Gráfico e Capa
Carlos Alberto Alexandre Dantas
carlosalberto.adantas@gmail.com

Revisão de Texto e Normalização Bibliográfica


Ana Maria de Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva CRB – 1051
P 472 Pesquisa em ensino e interdisciplinariedades: aproximações
com o contexto escolar / Jean Mac Cole Tavares Santos (org). – Forta-
leza: EdUECE, 2017.
295 p.: il. 14 x 21 cm
ISBN: 978-85-7826-560-01
Inclui figuras e tabelas
1. Abordagem Interdisciplinar do Conhecimento na Educação.
2. Educação – Filosofia. 3. Formação de Professores. 4. Reforma do
Ensino – Brasil. 5. Gestão da Qualidade Total na Educação. 6. Ensino
Profissional – Brasil. 7. Educação e Minorias. 8. Língua de Sinais –
Estudo e Ensino. 9. Química – Estudo e Ensino. 10. Ensino Médio
– Brasil. 11. Santos, Jean Mac Cole Tavares. I. Título.
CDD. 370.1
Sumário
PREFÁCIO | 9
Verônica Maria de Araújo Pontes

Parte I
NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS | 21
Jean Mac Cole Tavares Santos
Maria Kélia da Silva

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA | 39


Erivelton Nunes de Almeida

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS | 58


Erika Roberta Silva de Lima
Francisca Natália da Silva
Lenina Lopes Soares Silva

Parte 2
DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO | 81
Suzana Paula de Oliveira Pereira

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA


MULTISDICIPLINAR | 104
Paulo Augusto Tamanini
O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS
INTERDISCIPLINAR | 119
Isabelle Pinheiro Fagundes
João Batista Neves Ferreira
Vicente de Lima-Neto

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS: PENSANDO PRÁTICAS


EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS | 138
Eliel Moraes da Silva
Fátima Nailena da Fonsêca Cordeiro
Simone Maria da Rocha

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA | 154


Maria do Socorro Pinheiro
Nabupolasar Alves Feitosa

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA


INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA | 171
Luís Fernandes de Moura
Giann Mendes Ribeiro

Parte 3
O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA | 191
Verônica Maria de Araújo Pontes
Fernando José Fraga de Azevedo

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR


DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE | 209
Aldieris Braz Amorim Caprini
Elcimar Simão Martins
A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL | 227
Wanderson Diogo Andrade da Silva
Ione Carvalho Rodrigues
Antônia Cláudia Medeiros Dias

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL


DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA | 248
Francisco Milton Mendes Neto
Lucianna Marylin Batista de Almeida
José Ferdinandy Silva Chagas

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE: REFLEXÃO


ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL | 265
Brígida Lima Batisa Félix
9

PREFÁCIO

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES


Formada em Pedagogia pela UFRN. Doutora em Estudos da Criança pela Universidade do Minho/
Portugal, revalidado pela UNICAMP como doutorado em Educação, Conhecimento, Linguagem e
Arte. Professora Adj.IV da UERN, atuando nos Programas: POSENSINO e Letras.
E-mail: veronicauern@gmail.com
10

S into-me honrada desde o momento que recebi o convite do


Professor Jean Mac Cole Tavares Santos, organizador deste
livro, por saber da sua luta constante em torno da educação
pública e de sua melhoria. Sinto-me honrada por também
ser dessa luta e muito ter aprendido com esse professor que
como estudioso, pesquisador e educador não desanima e sem-
pre está em atividade mesmo diante dos obstáculos que sei
tem encontrado, comum para nós, educadores e defensores
da educação pública. Paulo Freire disse: Pesquiso para cons-
tatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar
ou anunciar a novidade
É nessa busca infinita de pesquisar, intervir, educar,
tentar melhorar a qualidade da educação em nosso país que
nós, pesquisadores, educadores, estudiosos da educação públi-
ca socializamos as nossas análises, os nossos dados, as nossas
experiências e reflexões.
Nessa tentativa de melhoria não paramos, mergulha-
mos muitas vezes no óbvio, mas pensamos estar tão óbvio as-
sim pelos que se apropriam do poder e modificam as leis; mer-
gulhamos no que pensamos obscuro estar, mas não para os
que vêm na educação esse óbvio e não encaram nem querem
mudanças por essa via, pois sabendo do seu poder o encobre.
Mesmo diante dos entraves, dos obstáculos, da luta sem
recursos, da luta contra tudo e contra todos, temos amparo
nos que como nós vêm esperança e meios de mudança na bata-
lha incessante. Essa batalha é incansável, pois sabemos para
onde ir. Não estamos como o chapeleiro maluco de Alice que
dizia: se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES


11

Nós temos um caminho e sabemos por onde ir. Nele cami-


nhamos nas discussões, reflexões, estudos, pesquisas, ensinos,
aprendizagens. Se recuamos é para reformular o caminho e
atualizar nossas aprendizagens, mas não é para deixarmos de
seguir em frente.
Mais uma vez Paulo Freire corrobora conosco quando
diz: Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensi-
no porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Seguindo em frente, encontro nesse livro uma aborda-
gem do ensino, da pesquisa e da interdisciplinaridade com o
título: PESQUISA EM ENSINO E INTERDISCIPLINARI-
DADES: APROXIMAÇÕES COM O CONTEXTO ESCOLAR.
Este livro foi escrito por pesquisadores da área de edu-
cação, de vários lugares do nosso país, que vão desde a nossa
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN,
Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Uni-
versidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
-Brasileira – UNILAB, Instituto Federal do Espírito Santo –
IFES, Ensino público do Ceará até a Universidade do Minho,
em Portugal.
A pesquisa, que junto com o ensino e a extensão forma o
tripé de sustentação de uma universidade, dá elementos reais
e possibilidades de investigação da prática existente desvelan-
do-a e proporcionando reflexões em torno dela para a sua me-
lhoria, mudança e socialização, de forma a ser imitada quando
traz bons resultados, ou modificada quando a realidade assim
permitir.
O ensino é via expressa e direta de atuação do educa-
dor, efetivação do docente que forma, socializa, media e pos-
sibilita a compreensão de saberes e conhecimentos diversos
necessários ao processo formativo do cidadão crítico, atuante,
reflexivo, capaz de tomar suas próprias decisões a partir do
conhecimento aprendido.

PREFÁCIO
12

A interdisciplinaridade, definida em documento ofi-


cial das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educa-
ção Básica como: “abordagem teórico-metodológica em que a
ênfase incide sobre o trabalho de integração das diferentes
áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação e tro-
ca, aberto ao diálogo e ao planejamento”, faz com que perce-
bamos a necessidade urgente de modificação de uma prática
multidisciplinar esfacelada, fragmentada e sem relação com
as demandas de uma sociedade diversa, inclusiva e campo de
atuação cidadã.
Pesquisa, ensino, interdisciplinaridade e contexto es-
colar sugerem uma interação positiva em uma realidade mo-
dificável e atingível. O uso social dos saberes, conhecimentos
aprendidos traz uma perspectiva de pensar a melhoria da edu-
cação, ainda mais com pesquisas que possibilitam diretamen-
te um pensar voltado para uma situação real dos envolvidos,
fazendo com que percebamos a inter-relação do ensino das di-
versas áreas como possibilidade de fazer com que o processo
educativo seja prazeroso e efetivo na consolidação do aprendi-
zado e da compreensão dos saberes do senso comum imbrica-
dos nos saberes científicos, mas reconhecidos como saberes.
Perseverança é o que vejo nos escritos a serem lidos,
pois todos os que participaram deste livro como autores o fize-
ram por merecer, demonstrando que a causa da educação ain-
da é uma das formas de melhorar as pessoas e suas atitudes,
o que como mais uma vez Paulo Freire nos motiva: Educação
não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas
transformam o mundo. Começamos então por nós, leitores,
educadores ou não que compreendendo o contexto educacio-
nal possamos mudar, compreender o mundo e nós, educado-
res, com a parcela maior de responsabilidade por estarmos
diretamente relacionados ao contexto de mudança e de ensino
e aprendizagem.

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES


13

É assim que a proposta deste livro se apresenta como


positiva, sensata e real, pois partindo dos fatos procura eluci-
dar o contexto educacional, analisando-o e trazendo elementos
reflexivos capazes de produzirem em nós mudanças internas
e reações, atitudes que nos conduzam a mudanças de uma
prática possível.
Na primeira parte, o livro se propõe a evidenciar pesqui-
sas sobre o ensino público e as políticas públicas que gerem
esse espaço. É pensando assim, que Jean Mac Cole Tavares
dos Santos e Maria Kélia da Silva com o capítulo Novo Ensino
Médio: Pensando os Contextos das Políticas, trazem a discus-
são das políticas educacionais enquanto movimento complexo
que envolve interesses, embates, disputas em muitos contex-
tos sem serem advindas de normas estatais ou até mesmo de
diretrizes oficiais como a atual reforma do ensino médio.
Ainda nessa primeira parte do livro Erivelton Nunes
Almeida, em seu capítulo Ensino de Qualidade: Significados
no Contexto da Prática discute a qualidade de ensino como
conceito construído no contexto da prática escolar. Toda essa
discussão aparece a partir de entrevistas realizadas com pro-
fessores da rede pública de ensino.
O terceiro e último capítulo dessa primeira parte do livro
intitula-se como: Disputas na Gestão das Políticas nas Escolas,
de autoria de: Érika Roberta Silva de Lima, Francisca Natália
da Silva e Lenina Lopes Soares Silva. Nesse capítulo as autoras
abordam a questão da gestão das políticas e programas imple-
mentados para o ensino médio e para a educação profissional
no Brasil, no século XXI, o que termina por considerarem uma
reflexão necessária sobre um projeto de ensino médio que ultra-
passe a dualidade entre formação específica e formação geral.
A segunda parte do livro traz diversas reflexões, estu-
dos e pesquisas que tratam da interdisciplinaridade em con-
textos educativos.

PREFÁCIO
14

O quarto capítulo do livro e primeiro da segunda par-


te tem o título: Direitos Humanos e Interdisciplinaridade no
Livro Didático da autora: Suzana Paula de Oliveira Pereira
que analisa temas relacionados aos direitos humanos nos
livros didáticos do Ensino Médio a partir de uma pesquisa
documental que extrai dos documentos oficiais os possíveis
sentidos desses conteúdos nos livros referentes à área de ci-
ências humanas. Como resultados, a autora apresenta que as
temáticas são trabalhadas como conteúdos voltados às mino-
rias, trazendo questões de gênero, orientação sexual, racismo,
igualdade, discriminação e diferença, principalmente nos li-
vros de filosofia e sociologia.
O quinto capítulo deste livro é de autoria de Paulo Au-
gusto Tamanini denominado: Das imagens do Medievo ao En-
sino de História: uma parceria multidisciplinar, que trata dos
materiais imagéticos como capazes de partilharem significa-
dos e como documento histórico cujas propriedades técnicas,
estilísticas e iconográficas tornam capaz de auxiliar o ensino
de história do período medieval nas escolas públicas.
O capítulo: O ensino de libras como primeira língua por
um viés interdisciplinar de autoria de Isabelle Pinheiro, João
Batista Neves e Vicente de Lima-Neto evidencia o ensino de
libras por um viés interdisciplinar a partir de uma proposta
de adaptação de material de baixo custo, almejando que essa
discussão possibilite a compreensão da complexidade dos em-
bates, dúvidas e divergências que ainda estão presentes no
que diz respeito ao processo educacional desta comunidade.
Os autores: Eliel Moraes da Silva, Fátima Cordeiro e
Simone Rocha apresentam o capítulo Interdisciplinaridades
em Projetos Sociais: pensando práticas educativas em diferen-
tes contextos, e é a partir do Projeto Infância, Adolescência e
Juventude (PIAJ) na Cidade de Russas que se discutem essas
práticas. A pesquisa está pautada por uma análise de narra-

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES


15

tiva de si de uma das monitoras do projeto em que se conclui


que os projetos sociais podem ser um espaço aprendente/ensi-
nante das práticas interdisciplinares.
O capítulo: Literatura e Interdisciplinaridade na Escola
tem como autores: Maria do Socorro Pinheiro e Nabupolasar
Feitosa que discutem a poesia e suas relações com outras áre-
as de conhecimento, visando ao aprimoramento e à formação
do leitor literário na perspectiva da dimensão poética da exis-
tência humana, conforme propõe Edgar Morin.
Poluição sonora, meio ambiente e música: prática inter-
disciplinar em sala de aula é outro capítulo que compõe este
livro, tendo como autores: Luís Moura e Giann Ribeiro. Os
autores abordam a temática a partir de uma experiência in-
terdisciplinar na rede pública de educação básica da cidade
de Mossoró-RN, com o objetivo de transformar essa experiên-
cia em uma proposta para aulas de música inter-relacionadas
com o componente curricular Ciências no ensino fundamental
– Anos Finais. Nessa perspectiva, tratam dos temas Poluição
Sonora e Meio Ambiente através de uma paródia construída
com os alunos.
Na terceira parte do livro são apresentadas temáticas
de ensino, formação, profissionalização, sala de aula tanto na
área da diversidade, como na formação leitora, área de quími-
ca, ciência e tecnologia.
O capítulo O leitor literário e a formação pedagógica de
autoria de Verônica Pontes e Fernando Azevedo, apresenta
pesquisa referente à formação pedagógica e leitora do aluno/
futuro docente no Curso de Pedagogia, em que se analisa o
Projeto Pedagógico do Curso – PPC e a discussão leitora em
torno dele, visto ser fundamental o ensino da leitura literá-
ria enquanto atividade prazerosa e de compreensão, básica e
necessária para qualquer aprendizagem. Também é apresen-
tada realidade leitora do nosso país, principalmente em sua

PREFÁCIO
16

avaliação internacional, o que nos deixa preocupados em pro-


mover mudança no contexto formativo dos nossos alunos que
serão futuros docentes da rede básica de ensino.
Os autores Aldieris Caprini e Elcimar Martins do capí-
tulo Práticas de ensino para a diversidade: reflexão docente a
partir da teoria e do olhar discente trazem para o leitor uma
reflexão sobre as práticas pedagógicas no que se refere à diver-
sidade étnico-racial a partir da discussão teórica sobre o tema,
mas também uma investigação com 25 estudantes do primeiro
ano de duas escolas que ofertam Ensino Médio Integrado.
A desprofissionalização docente e os (des)caminhos da
formação do professor de Química no contexto da educação
especial é o capítulo de Wanderson Silva, Ione Rodrigues e
Antônia Cláudia Dias. Nesse capítulo, os autores analisam o
contexto histórico da construção e consolidação dos cursos de
licenciatura em Química no Brasil sob a ótica da Educação
Especial, em decorrência da Lei 9.394/96.
No capítulo Elicitação dos requisitos de uma ferramen-
ta computacional de apoio à sala de aula invertida, os auto-
res Francisco Milton Neto, Lucianna Almeida e José Chagas
enfatizam a utilização da proposta da flipped classroom, par-
tindo das necessidades dos professores do Instituto Federal
do Rio Grande do Norte – IFRN. Nesse capítulo também são
apresentadas as características da sala de aula invertida como
proposta de aprendizagem que visa mudar o paradigma do
modelo presencial de ensino, alterando, assim, a lógica de or-
ganização tradicional.
Por último, temos o capítulo Educação, Ciência e Tecno-
logia na tutela do ambiente: reflexão acerca dos transgênicos
no Brasil da autora Brígida Félix que enfatiza o envolvimento
da educação e da C&T no conflito entre as questões de interes-
se econômico e as questões de interesse ambiental e ecológico,
considerando, particularmente, aspectos do debate acerca da

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES


17

Biotecnologia, abordando mais diretamente a polêmica dos


transgênicos no Brasil.
Com 14 capítulos, o livro discute as mais diversas áre-
as necessárias ao exercício de sala de aula, desde a gestão, as
políticas públicas, os direitos humanos, o ensino de libras, a
formação leitora, a ciência e tecnologia, a diversidade, o ensino
de química, a música, projetos sociais, as imagens no ensino
de história até mesmo os requisitos de uma sala de aula in-
vertida, possibilitando-nos refletir, analisar e sonhar com mu-
danças capazes de serem colocadas em prática efetivamente,
visto que as discussões partiram de experiências, pesquisas e
consolidação do ensino em sala de aula com professores que
são habilitados para isso e que pensam em sua modificação e
ampliação em torno da melhoria e sucesso dessa relação bási-
ca e necessária que é o ensino e a aprendizagem num contexto
diverso, de confrontos políticos, sociais e culturais, que nos
impulsionam a lutar cada vez mais em torno da educação pú-
blica, gratuita e de qualidade.
Convido vocês, leitores, a conhecerem a obra para que
possam formar suas próprias conclusões. Tenho certeza de
que elas serão sólidas e capazes de permear a sua prática edu-
cativa, reflexiva e cidadã. Seja bem vindo(a)!

Mossoró, Natal (RN), setembro de 2017


Verônica Maria de Araújo Pontes

PREFÁCIO
Parte I
21

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS


CONTEXTOS DAS POLÍTICAS

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS


Pós-doutor em Educação pela UERJ. Doutor em Educação pela UFPB. Coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN.
É coordenador do Grupo de Pesquisa Contexto e Educação (UERN/CNPq). Coordenador do grupo de
extensão Estudos de Indisciplina e Violência na Escola (EIVE).
E-mail: maccolle@hotmail.com

MARIA KÉLIA DA SILVA


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO, associação ampla UERN, IFRN,
UFERSA. Graduada em Pedagogia. Membro do Grupo de Pesquisa Contexto e Educação (UERN/
CNPq).
E-mail: marykellya@hotmail.com
22

Novo Ensino Médio e a produção de políticas em


diferentes contextos

A s pesquisas sobre a produção de políticas educacionais e


curriculares a partir de centros de poder institucionais, mui-
tas vezes reduzidos às diversas esferas de governo, ainda tem
forte influência no campo da pesquisa na área de educação.
Tal perspectiva estruturalista percebe as políticas educacio-
nais como sendo produzidas e fortemente relacionadas com
as normas legais, direcionadas pelo Estado, para serem imple-
mentadas na/pela escola.
Nessa ótica, para os atores escolares restam apenas
duas opções: resistir ou implementar o projeto proposto/im-
posto. Por esse prisma, as políticas seriam pensadas e ela-
boradas em instâncias educacionais maiores, normalmente
instâncias governamentais, e encaminhadas para as escolas,
deixando limitadas as perspectivas de reelaboração pelos su-
jeitos no processo de implementação. Pensar políticas dessa
maneira, entendemos, diminui o potencial da participação dos
sujeitos escolares em sua construção e sedimenta o crivo ‘de
cima pra baixo’ percebidos em vários discursos docentes, já
mostrados em pesquisas realizadas anteriormente (LOPES,
2005; SANTOS e OLIVEIRA, 2013; SANTOS, 2016).
Já numa perspectiva diferente, mas não totalmente an-
tagônica, inúmeras pesquisas tem saído do foco norma/imple-
mentação, deslocando-se da exclusividade produtiva do estado
e da reprodução limitada da escola, para perceber diversas ou-

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


23

tras interferências, inclusive escolares, que constroem políti-


cas educacionais de diferentes matizes. Trata-se de compreen-
der as políticas educacionais enquanto movimento complexo,
envolvendo interesses, embates, disputas em muitos contex-
tos, sem, necessariamente, serem emanadas das normas esta-
tais, dos manuais, dos livros ou das diretrizes oficiais.
Tal maneira diversa de perceber a produção de po-
líticas, muitas vezes conceituada como pós-estruturalista,
quando não, provocativamente, taxada de pós-moderna, tem
ganhado destaque no Brasil com a releitura colaborativa de te-
óricos fortemente ligados às teorias críticas (Stephen Ball, por
exemplo) com teóricos considerados pós-fundacionistas (Hall,
Laclau, Mouffe, Bhabha, Foucault e Derrida, por exemplos,
mesmos que estes pouco (ou nada) tenham se dedicado ao es-
tudo de políticas educacionais). De fato, são vários os pesquisa-
dores nacionais, de grupos de pesquisas de universidades de
distintas partes do país, mobilizando esforços para aproximar
leituras, trazendo interessante contribuição para o campo de
estudos das políticas educacionais e curriculares1.
1 Citamos como exemplo: O Grupo de Estudos Currículo, Cultura e Diferença
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Douto-
rado) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – ProPEd/ UERJ. Atua
na linha de pesquisa Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura, caracte-
rizando-se por articular pesquisas no campo do currículo, com destaque
para as discussões sobre políticas e práticas curriculares. Inclui questões
sobre o conhecimento, a cultura, os sujeitos da escola, as tecnologias e a
sociedade. Integra estudos críticos e pós-estruturais, com ênfase em abor-
dagens discursivas. Pela sua importância para o campo, a educação básica e
a formação de professores têm sido objetos de estudo privilegiados. Acesso
ao link: <http://www.curriculo-uerj.pro.br/>.
E o Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Práticas Educativas –
GPPEPE, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Mes-
trado e Doutorado) da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PPGE/
UEPG. O GPPEPE atua nas linhas de pesquisa: Epistemologias da política
educacional e Análise de políticas e programas. Seu principal objetivo é
contribuir para o debate das políticas educacionais. Acesso ao link:
<http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2012/trabalhos/
gp/15_MAINARDES.pdf>.

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


24

Compreendemos que tais entendimentos potencializa a


escola, e seus sujeitos, colocando-a em condições históricas de
contribuir com o desenvolvimento da educação e, por conse-
guinte, com desenvolvimento humano e com a transformação
social, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e
igualitária. Desse modo, temos nos aproximado dessas possi-
bilidades não centradas (seja no estado, seja na norma – ape-
sar de não desconsiderar nenhum deles) de entendimento da
feitura e da promulgação de políticas, optando por entendê-las
enquanto resultados de embates e disputas, contextualmente
ressignificadas na escola. Com isso, buscamos perceber as po-
líticas educacionais construídas, elaboradas, reelaboradas em
diferentes contextos, gerando outras e diversas políticas híbri-
das e, por focarem nas escolas, dão condições de intervenção
privilegiadas a estas. Pensando dessa forma, nenhuma políti-
ca passa a ser simplesmente implementada em determinado
‘chão da escola’. Os professores (e outros sujeitos escolares)
exercem papel ativo no processo de construção, interpretação,
reinvenção e ressignificação das políticas, criando/recriando
sempre novas possibilidades para elas acontecerem. Acredita-
mos, assim, no potencial desestabilizador de algumas certezas,
evitando ver a escola somente como reprodutora ou negadora
da ordem vigente e a política oriunda de um poder externo ao
âmbito escolar (BALL e BOWE, 1992).
Tomaremos como objeto de estudo exemplificativo a
proposta de reformulação atual do Ensino Médio brasileiro,
iniciada por Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente
Michel Temer, criando a Política de Fomento à Implantação
de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, trazendo pro-
fundas alterações nessa modalidade de ensino. O Novo Ensino
Médio, pois, servirá como parâmetro normativo para o debate
a respeito da construção de políticas híbridas em diferentes
contextos.

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


25

Com o intuito apresentado acima, vemos o ciclo contínuo


de políticas, como apresentado por Ball e Bowe (1998), possível
de pensar a constituição das políticas do ensino médio em vá-
rios contextos e, mais especificamente, na percepção do movi-
mento estabelecido entre o ambiente de produção normativa2 e
as interações epistêmicas e disciplinares que, desde cedo, ten-
tam dar sentido e disputam novos contornos aos textos da lei.
Stephen Ball e Richard Bowe (1998) apresentam o ciclo
contínuo de políticas como, inicialmente3, instituído por três
contextos: contexto de influência, contexto da produção de tex-
to e contexto da prática. Todos os contextos estão interligados
em uma relação que dispensa dimensões de linearidade ou
sequencialidade entre eles.
O contexto de influência é apresentado como aque-
le propício à circulação de ideias, no qual diversos projetos,
muitas vezes antagônicos entre si, circulam em uma situação
de busca por legitimidade. No confuso campo de produção e
disseminação de ideias, determinados grupos disputam para
tornar seus projetos hegemônicos, quase sempre assimilando
outras ideias e construindo discursos híbridos. A construção
de discursos híbridos acontece no embate social, nas disputas
políticas, nos confrontos dos projetos que podem envolver in-
contáveis escopos: tipo de formação humana desejada; tipo de
sociedade a ser perseguida; modo de produção querida, entre
tantos outros elementos possíveis de disputa política. Desse
modo, o contexto de influência acaba sendo considerado como
o ambiente que alimenta a construção das ideias originárias e
seus respectivos discursos políticos de validação das políticas.
Para Mainardes:
2 Como foi iniciado por Medida Provisória, o ambiente de produção normati-
va em questão envolve o poder executivo e o poder legislativo.
3 Em trabalho posterior Ball (1994) expandiu o ciclo de políticas acrescentan-

do outros dois contextos ao referencial original: o contexto dos resultados


(efeitos) e o contexto da estratégia política.

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


26

É nesse contexto que grupos de interesses dis-


putam para influenciar a definição das fina-
lidades sociais da educação e do que significa
ser educado. Atuam nesse contexto as redes
sociais dentro e em torno de partidos políticos,
do governo e do processo legislativo. É também
nesse contexto que os conceitos adquirem legi-
timidade e formam um discurso de base para
a política. O discurso em formação algumas
vezes recebe apoio e outras vezes é desafiado
por princípios e argumentos mais amplos que
estão exercendo influência nas arenas públicas
de ação, particularmente pelos meios de comu-
nicação social. Além disso, há um conjunto de
arenas públicas mais formais, tais como comis-
sões e grupos representativos, que podem ser
lugares de articulação de influência (MAINAR-
DES, 2006, p. 52).

Assim, com Mainardes (2006), entendemos que é no


contexto de influência que os desígnios da política começam
a ser pensados, elaborados por meio de disputas e debates
em variadas arenas de poder, propiciando o amalgamento de
conceitos que vão disputando legitimidade a fim de contribuir
para a formação do discurso de base para a política. Dizer isso
não significa afirmar que as ideias nascem nesse contexto e
são, a partir dele, irradiadas para os outros contextos, mesmo
que passando pelos crivos e disputas em cada um dos outros
contextos. Significa mais ressaltar o campo privilegiado de
circulação, fusão e apropriação de ideias, sendo impossível o
estancamento dos sentidos e a localização exata da produção
dos conceitos (SANTOS e OLIVEIRA, 2013).
Para efeito de exemplificação, consideramos que os
grupos de interesses que atuam nesse contexto podem ser
representados pelas agências multilaterais, como o Banco In-
teramericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Monetário

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


27

Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), mas também


partidos políticos, organismo governamentais, comunida-
des disciplinares e epistemológicas, associações de docentes,
sindicatos classistas (dos trabalhadores e dos empresários),
organizações não-governamentais e demais entidades com
diversos interesses públicos, privados, religiosos e classistas
envolvidos na propagação de ideias oriundas de intercâmbios
diversos.
Diante da caracterização do contexto de influência, a
proposta de reforma do ensino médio não nasce simplesmen-
te da vontade do governo Michel Temer. O conjunto de ideias
propiciadora da política em questão sempre esteve circulan-
do, disputando espaço, buscando legitimação para tornar-se
hegemônica. Assim, muitos grupos, de diferentes matizes
políticas e ideológicas, sentem-se representados pela pers-
pectiva apresentada pelo governo, tendo contribuído para a
sua emersão no momento histórico e decisivo da convulsão
pós-impeachment. Com efeito, a proposta atende interesses
de diversos grupos, principalmente ligados à necessidade de
formação de mão de obra de baixa qualificação para aten-
der ao mercado de trabalho de forma mais rápida e barata.
Ao mesmo tempo, pode atender também aos interesses de
setores organizados da sociedade que percebem a contínua
expansão pelo acesso ao ensino superior como um peso des-
proporcional, demandando sempre novas vagas e, cumulati-
vamente, aumentando a necessidade de investimento público
nas universidades federais e estaduais e institutos federais
de educação.
Com isso, podemos clarear alguns pontos de partida de
nosso entendimento sobre o campo da reforma do novo ensino
médio.
O primeiro diz respeito à necessidade de reforçar o
quadro excepcional dos movimentos políticos em torno do

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


28

impeachment4 da presidenta Dilma Roussef como capaz de


acelerar a possibilidade de hegemonização das ideias que
compõem majoritariamente a reforma. Como fato inusitado,
o impeachment propiciou, em parte, uma virada no jogo po-
lítico, redimensionando as peças e suas forças no tabuleiro
da luta política. Mesmo considerando como movimento epi-
sódico, o impeachment contribuiu para o fortalecimento de
determinadas concepções, possibilitando a ascensão, mesmo
que provisória, de demandas antes refutadas pela dinâmica
das disputas políticas.
O segundo ponto passa por insistir que tal hegemonia
de ideias, como todo processo político, sempre continua em
sucessivas hibridizações, não cessando as possibilidades de
surgimento de novos sentidos, movidos por interesses de gru-
pos, mas também pelo sentimento de oportunidade, trazidos
pelo aparente caos. Dessa maneira, não há a última palavra
sobre os elementos constituidores da própria reforma. O jogo
de sentidos, de hibridizações e de disputas por hegemonização
de demandas não pode ser estancado.
E, terceiro, os sujeitos envolvidos no contexto de influ-
ência que, direta ou indiretamente, forçam determinados sen-
tidos para a reforma não são tão claros quanto alguns preten-

4 MichelTemer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),


foi reeleito vice-presidente da República do Brasil na chapa encabeçada
pela Presidenta Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT). No
desenrolar das operações jurídico-políticas conhecidas como “Lava Jato”,
denúncias afetaram o núcleo de comando do PT e do PMDB, entre tantos
outros partidos da base aliada do governo e da oposição, gerando, além de
prisões de expoentes petistas, um processo de impeachment contra a presi-
denta legalmente eleita. O fato de a presidenta Dilma não ter sido mencio-
nada em nenhum crime específico, levou que boa parte dos movimentos or-
ganizados, artistas e intelectuais vissem a operação do impeachment como
golpe parlamentar-jurídico-midiático. O ministro da Educação Mendonça
Filho, do Partido Democrata (DEM), emerge deste cenário. Como o quadro
é complexo, não cabendo ampliar o debate aqui, sugerimos: Gentilli, 2016;
Jinkings, Doria e Cleto, 2016.

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


29

dem imaginar. Estando certo nosso ponto de partida com Ball


e Bowe (1998), diferentes grupos entram no jogo de estabilizar
e desestabilizar as concepções que envolvem a reforma com a
intenção de fazê-la mais próxima de seu campo de interesse.
Portanto, não há possibilidade de a proposta reformista ser
afetada por uma suposta unicidade do pensamento do minis-
tério da educação, ou do empresariado nacional, nem mesmo
de setores conservadores que ascenderam juntamente com o
governo Temer. Por diversos motivos, o mais elementar deles
é que inexiste a unicidade entre os exemplos citados (não há
um pensamento do MEC, não há um pensamento do empre-
sariado nacional ...), na incessante luta política, outros grupos
também se fazem representar na reforma. Mesmo que muitas
demandas conservadoras e empresariais, e outros, pareçam
estar representados na reforma, não estão de forma absolu-
ta, não estão da maneira conveniente e ‘pura’ que poderiam
desejar.
Um fator que pode ser indício de algumas das afirma-
ções acima, além de nossa base teórica, vem do fato de que
algumas propostas incorporadas pela reforma já eram discuti-
das, e elementos de outras reformas, nos governos anteriores
de FHC, de Lula e da própria Dilma. O fato de não consegui-
rem aparecer com a ênfase que ora é tratada pode revelar a
intensidade de hegemonias e hibridizações do momento atual.
O segundo contexto, contexto da produção de texto, tem
relação próxima com o contexto de influência, ligado à consti-
tuição de linguagens de interesses de um público mais geral.
Nesse contexto, os textos das políticas também são caracteri-
zados por disputas e acordos de diferentes grupos (agora) em
torno do processo fechamento da política (no caso da reforma
do ensino médio, podemos considerar, fortemente, o proces-
so legislativo, envolvendo o ministério da educação, a própria
presidência da República e as duas casas do Congresso Na-

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


30

cional), já que se trata da busca pela consolidação das ideias


hegemonizadas enquanto norma política (mas também em
constantes disputas para manter-se hegemônicas)5.
Segundo Mainardes, as representações da política acon-
tecem de distintas formas:

Essas representações podem tomar várias for-


mas: textos legais oficiais e textos políticos, co-
mentários formais ou informais sobre os textos
oficiais, pronunciamentos oficiais, vídeos etc.
Tais textos não são, necessariamente, interna-
mente coerentes e claros, e podem também ser
contraditórios. [...] A política não é feita e fina-
lizada no momento legislativo e os textos pre-
cisam ser lidos com relação ao tempo e ao local
específico de sua produção. Os textos políticos
são o resultado de disputas e acordos, pois os
grupos que atuam dentro dos diferentes lugares
da produção de textos competem para controlar
as representações da política. Assim, políticas
são intervenções textuais, mas elas também
carregam limitações materiais e possibilidades
(MAINARDES, 2006, p. 52).

Desse modo, nesse contexto, a política ganha forma, in-


terpretada, na maioria das vezes, de maneira escrita ou de
fala. O processo de escrita (ou de fala) da norma não é uma
atividade neutra, envolvendo diversos especialistas, lançan-
do mão de um vocábulo capaz de ser inteligível a seu público
alvo e continuando o processo de significação da política. O
documento escrito, em parte, representa a hegemonia cons-
truída nos diversos movimentos da constituição da política,
agora, enquanto norma legal, diretriz, orientação ou mesmo

5 A hegemonização nunca será completa, por isso faz-se necessário alertar


ao leitor o constante processo de disputas, reconhecendo que a luta política
pela significação das ideias não cessa em nenhum dos contextos.

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


31

indicação dos caminhos da política educacional. Entendemos


que a consolidação do texto (escrito, falado) interrompe, pro-
visoriamente, um tipo de disputa pela significação da políti-
ca. Cessa a disputa, na verdade, para tentar centrar a norma,
dando à política a ilusória noção de objetividade. Contudo, os
textos continuam resultando em disputas, acordos, encontros,
alianças entre grupos que atuam em diferentes lugares, com
diferentes concepções, na disputa para controlar as represen-
tações da política (SANTOS e OLIVEIRA, 2013).
Consideramos que o contexto de produção de texto, ain-
da que para efeito exemplificativo, é composto por inúmeros
sujeitos (técnicos, parlamentares, especialistas, assessores,
consultores, docentes e pesquisadores) que atuam em insti-
tuições governamentais e não-governamentais, agências exe-
cutivas, casas legislativas, organismos multilaterais, univer-
sidades, organizações científicas, comunidades acadêmicas e
escolas. Enfim, todos aqueles que assinam regulamentações,
documentos, projetos, orientações, entre outros, na busca de
explicar e/ou apresentar a política às comunidades escolares
e à sociedade em geral.
Para exemplificar a reforma do ensino médio, nesse
contexto de produção de texto, citamos o processo de consti-
tuição da medida provisória (elaborada pelos técnicos/especia-
listas do MEC), a transformação em projeto de lei na Câmara
dos Deputados) e a posterior consolidação em lei (após trami-
tar na Câmara e no Senado Federal). Sabemos que a proposta
original do MEC recebeu inúmeras emendas modificativas,
supressivas e aditivas dos membros das casas. As emendas
propostas trazem muitas vozes externas às duas casas como
instituições educacionais, especialistas vinculados às comuni-
dades epistêmicas e disciplinares, professores etc.
Dessa forma, acompanhar o complexo processo legislati-
vo (da MP à lei) contribuirá para percebermos outras disputas

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


32

e outros processos hegemonizados no fechamento (provisório)


do texto/lei. O fechamento, como tentativa de limitar a norma,
estancando seus sentidos possíveis, certamente poderá reve-
lar disputas que transcendem a pauta da política legislativa.
O contexto da prática, por sua vez, está intimamente
relacionado com a escola. Nele, professores, alunos e outros
profissionais ganham força para interpretar e recriar a po-
lítica, dando uma nova roupagem para sentidos e significa-
dos. Assim, seus interesses, experiências, crenças e valores
influenciam na determinação das políticas:

o contexto da prática é onde a política está su-


jeita à interpretação e recriação e onde a polí-
tica produz efeitos e consequências que podem
representar mudanças e transformações signi-
ficativas na política original. [...] o ponto-chave é
que as políticas não são simplesmente “imple-
mentadas” dentro desta arena (contexto da prá-
tica), mas estão sujeitas à interpretação e, então,
a serem “recriadas” (MAINARDES, 2006, p. 53).

Dessa forma, é no contexto da prática que os discursos


do contexto de influência e os textos do contexto de produção
do texto político são possíveis de recriação, interpretação e re-
construção, sendo modificados sentidos e acepções. Assim, o
contexto da prática pode ser caracterizado por ações ocorridas
na escola, momento em que cada professor poderá manifestar
leitura de diferentes maneiras de acordo com seus interesses
e, principalmente, considerando o contexto no qual está inse-
rida a escola em que atua.
Nesses termos, quando enfatizamos o espaço escolar
como ambiente de ressignificação e recontextualização das po-
líticas educacionais, recriando políticas, estamos dizendo três
coisas: 1. Que a escola é sim o ambiente privilegiado para a
política acontecer como ‘promulgação’, ganhando certa efetivi-

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


33

dade, intentando cumprir funções de mudança nos perfis edu-


cacionais; 2. Que os sujeitos escolares, com primazia para os
docentes, são atores principais dessa promulgação, pois agem
sistematicamente como indutores da efetivação da política no
processo de ensino; 3. Que o contexto da prática tem a esco-
la como referência, pressupondo um espaço para as políticas
acontecerem.
Contudo, com a mesma intensidade, precisamos desfa-
zer algumas imprecisões que a apresentação sequencial do ci-
clo pode induzir: 1. O contexto da prática não se resume ao es-
paço geográfico da escola, pois nem mesmo a escola é passível
de limitação geográfica. Assim, a política acontece em torno do
ambiente escolar, indo muito mais longe do que o alcance es-
pacial da instituição; 2. A escola não está limitada, como pode
parecer, ao contexto da prática. Como podemos intuir, ela tam-
bém pode ser contexto de produção de texto, quando constrói/
reconstrói elementos da política em forma de manuais, orien-
tações, projetos, entre outros. E também pode participar do
contexto de influência, já que as ideias não cessam e não são
controladas entre os diferentes contextos. 3. Além do mais, é
razoável pensar a circulação dos atores que atuam sobre as
políticas, pois, por exemplo, um docente ativo, em determina-
da escola, pode fazer parte de uma instância governamental
de produção de texto e, ao mesmo tempo, fazer parte de uma
entidade ou associação com atuação no contexto de influência.
Portanto, para sintetizar, o contexto da prática envolve o
espaço escolar, sendo ao entorno desse ambiente que a política
busca efetivação. A forma de efetivação da política vai depen-
der de diversos interesses, embates e lutas políticas dos auto-
res com atuação no contexto escolar. Os sentidos da política
também serão disputados, contextualmente, num jogo de tro-
cas, adaptações e assimilações, surgindo novas políticas hibri-
dizadas por todas as condições e especificações de cada escola.

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


34

Agora, especificamente sobre a reforma do ensino mé-


dio, ainda é importante considerar seus efeitos no contexto
da prática, bem antes de finalizada, considerando as possíveis
reações causadas na escola pela forma como foi apresentada,
por meio de medida provisória. Mesmo que não seja possível
detectar aqui neste texto tais questões, até porque também
não é seu escopo, consideramos importante enfatizar a condi-
ção de polarização da sociedade e, por conseguinte, da escola.
Assim, o fato de a política ter sido iniciada por MP, em um
momento de intensa polarização na sociedade, contribui para
influenciar os elementos de sua promulgação na escola, inten-
sificando vários movimentos de reações, aguçando a hibridi-
zação da política.
Entendemos, portanto, que o processo de polarização na
sociedade e na escola “expressa uma recontextualização por
hibridismos que visa a legitimar certas vozes em detrimento
de outras, formular consensos e orientar as mudanças para
determinadas finalidades” (LOPES, 2005, p. 60). Dessa manei-
ra, algumas vozes se destacam reconfigurando seus significa-
dos em função da articulação e do antagonismo presentes no
processo da feitura da política.
Aproximando alguns pressupostos de Ball (1992), com
relação ao ciclo de políticas, com reflexões de Lopes (2005) so-
bre a constituição das políticas, possibilita perceber com mais
clareza a ideia de hibridismo. A recontextualização das políti-
cas dificilmente possuem traços originais de um único campo
de força, pois são mais constituições híbridas que se engen-
dram em múltiplos contextos. Portanto, o hibridismo, como
“uma mistura de lógicas globais, locais e distantes, sempre
recontextualizadas”, produz sentidos diversos, nem sempre
controláveis, do imaginado pelos sujeitos que disputam os sig-
nificados das políticas (LOPES, 2005, p. 56).

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


35

Na construção da política, “os agentes, mantêm intensa


relação com sua construção, seja na ressignificação das pro-
postas apresentadas e nas releituras e reinterpretações dos
textos das políticas, seja nas trocas constantes entre os vários
contextos” (SANTOS e OLIVEIRA, 2013, p. 503).
Então, vemos que a reforma do ensino médio recebeu
influências dos mais diversos segmentos sociais em sua cons-
trução, porém, tais contribuições não foram inteiramente
conscientes e controláveis, pois estão imbricadas no complexo
quadro de disputas das ideias sociais que inviabiliza sentidos
puros, únicos. Assim, a política se faz pela mistura de diferen-
tes concepções, ou seja, por processo de hibridismo.
Nas reformas curriculares, a negociação de sentidos,
nos diferentes momentos da produção de textos e discursos
referentes às reformas é, primordialmente, o que caracteriza
o hibridismo (LOPES, 2005). Assim,

Nessa negociação entram em jogo, particular-


mente, concepções de currículo e acordos a se-
rem feitos entre os diferentes segmentos sociais
[...]. O híbrido não resolve as tensões e contradi-
ções entre os múltiplos textos e discursos, mas
produz ambiguidades, zonas de escape dos sen-
tidos. Na constituição do conhecimento escolar,
entram em jogo as concepções relativas ao que
se entende como conhecimento legítimo, às re-
lações de poder e aos interesses envolvidos na
produção desse conhecimento, como discute a
perspectiva crítica de currículo (LOPES, 2006,
p. 40).

Destarte, os diferentes discursos, marcados pelo hibri-


dismo, terminam por produzir um texto com a finalidade de
garantir a legitimidade das políticas, mas também articular
demandas dos grupos com elas envolvidas. Assim distintos

NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


36

discursos, num complexo processo de legitimação das políti-


cas, afluem na constituição da política curricular, deixando
ainda mais claro o seu caráter híbrido.
Ademais, sujeitos e grupos sociais com variáveis inte-
resses nas políticas, entram num abstruso processo de nego-
ciação pela inclusão de suas representações discursivas no
texto. No campo de disputas, com demandas norteadas por
diferentes concepções, há a busca, sempre de forma precária,
de representar os consensos conflituosos da política. Dessa
forma, a política curricular é constituída por lutas políticas e
culturais (DIAS e LOPES, 2009).
Não obstante, convém observar que a influência de gru-
pos sociais na determinação de políticas não acontece de for-
ma coesa, equitativa ou em igualdade de condições. Dizer que
todos participam do jogo, é diferente de dizer que todos parti-
cipam nas mesmas condições de influenciar o resultado dele.
Em qualquer sociedade, mas com mais discricionariedade
nas sociedades capitalistas de classe, há grupos e demandas
que hegemonizam suas demandas com mais força, utilizando
os meios de força disponíveis. Portanto, é no jogo social, em
embates e disputas, que vão se estabelecendo as condições de
possibilidades de atuação. É, sim, parte de jogo pelo poder na
sociedade produzindo grupos, aproximando interesses, forta-
lecendo comunidades, buscando atender interesses dos ato-
res/grupos sociais.
Existir, desse modo, é fazer política. A forma de fazer
política, entretanto, não se dá hegemonicamente, não acontece
por decisão de boa-vontade. Com isso, aparece fortalecido o
nosso interesse em compreender as ações e reações dos di-
versos atores da escola nas disputas em torno da invenção
de políticas, já que suas demandas são movimentos oriundos
das disputas, na relação saber-poder, pelo fortalecimento de
outras demandas que possibilitam constituir políticas que en-

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


37

volvem a forma como cada sujeito/grupo se comportará/exis-


tirá na sociedade.

Referências

BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Orgs.). Políticas Educacionais:


questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011.
BALL, S. J. Education reform: a critical and post structural
approach Buckingham: Open University Press, 1994.
BALL, S. J. Cidadania global, consumo e política educacional.
In: SILVA, L. H. (Ed.), A escola cidadã no contexto da globali-
zação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992, p. 121-137.
BALL, S. J.; BOWE, R. El currículum nacional y su ‘puesta en
práctica’: el papel de los departamentos de materias o asigna-
turas. Revista de Estudios del Currículum, v. 1, n. 2, p. 105-131,
1998.
DIAS, Rosanne Evangelista; LOPES, Alice Casimiro. Senti-
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professores. Currículo sem Fronteiras, v. 9, n.2, p.79-99, jul/dez,
2009.
JINKINGS, Ivana; DORIA, Kim; CLETO, Murilo. Por que gri-
tamos golpe?: para entender o impeachment e a crise política
no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016.
LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth. Políticas de
currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006.
LOPES, Alice Casimiro. Política de currículo: recontextualiza-
ção e hibridismo. Currículo sem Fronteiras, v. 5, n. 2, p. 50-64,
jul/dez. 2005.
MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas:
uma contribuição para a análise de políticas educacionais.
Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 94, p. 47-69, jan./
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NOVO ENSINO MÉDIO: PENSANDO OS CONTEXTOS DAS POLÍTICAS


38

SANTOS, Jean Mac Cole Tavares. Promulgação de políticas


na escola: considerações a partir da Teoria de Atuação e do
Ciclo de Políticas. Acta Scientiarum Education. Maringá, v. 38,
n. 3, p. 271-282, july-sept. 2016.
SANTOS, Jean Mac Cole Tavares; OLIVEIRA, Márcia Betâ-
nia de. Políticas curriculares no Ensino Médio: ressignifica-
ções no contexto escolar. Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3,
p. 497-513, set./dez. 2013.

JEAN MAC COLE TAVARES SANTOS • MARIA KÉLIA DA SILVA


39

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO


CONTEXTO DA PRÁTICA

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO, associação ampla UERN, IFRN,
UFERSA. Graduado em Direito e Matemática. Especialista em Perícia Criminal e Psicopedagogia.
Ocupa o cargo de Agente de Polícia Civil/RN e de Professor de Direito Penal da Faculdade Evolução/
RN. Membro do Grupo de Pesquisa Contexto e Educação (UERN/CNPq).
E-mail: eriveltonalmeida@yahoo.com.br
40

Introdução

A presentamos, neste artigo, resultados de uma pesquisa com


cinco docentes da rede pública de Mossoró/RN sobre os senti-
dos atribuídos por eles ao significante ‘ensino de qualidade’.
Consideramos em nossa pesquisa que o termo qualida-
de tem um conceito polissêmico e flutuante e que pode ad-
quirir sentidos construídos politicamente, através de lutas de
grupos que buscam hegemonizar o significado de ensino de
qualidade. Trouxemos, portanto, elementos de uma concepção
pós-estruturalista defendida por Lopes (2012), a respeito da
impossibilidade de fixação de sentidos.
Essa discussão em torno da qualidade de ensino não é
algo recente, porém avançou bastante após a abertura e uni-
versalização do acesso ao ensino fundamental nos anos 90.
Outro fator que contribuiu bastante para essa discussão foi
a implementação das avaliações nacionais (FRANCO et al.,
2007), tais como: o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM
(1998); o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
(SAEB), que contempla: Avaliação Nacional da Educação Bá-
sica – ANEB (2005), Avaliação Nacional do Rendimento Esco-
lar – ANRESC/Prova Brasil (2005), e Avaliação Nacional da
Alfabetização – ANA (2013); e o Exame Nacional de Cursos,
conhecido como Provão, para o Ensino Superior.
No ensino básico, o SAEB, juntamente com o censo es-
colar, são representados pelo Índice de Desenvolvimento da
Educação (IDEB). Criado em 2007, o IDEB apresenta de forma

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


41

numérica os dois principais conceitos ligados genericamente


à ideia de qualidade do ensino pelo governo: a aprovação, que
é verificada através do censo escolar, e o desempenho dos alu-
nos (avaliações).
Outro aspecto que influenciou consideravelmente a dis-
cussão em torno da qualidade do ensino, segundo Lopes e Ma-
theus (2014), foi o estreitamento das relações entre a forma de
se conceber a educação e as dinâmicas empresariais, incutin-
do-se no processo de ensino aprendizagem os princípios da
qualidade total difundida nos anos 90, na área de gestão em-
presarial. De acordo com as autoras esse foi o discurso difun-
dido nas propostas de qualidade de ensino, como por exemplo
no movimento Todos Pela Educação, que associa as metas de
qualidade ao processo de inclusão escolar e ao alcance de índi-
ces instrumentais estabelecidos em testes centralizados.
Porém, para a devida compreensão da significação do ter-
mo ‘ensino de qualidade’, faz-se necessário antes de qualquer
discussão, problematizar o significado da palavra qualidade,
haja vista que se trata de um termo que pode adquirir vários
sentidos, possibilitando diversas interpretações e contextualiza-
ções. Coube, dessa forma, ao presente trabalho investigar quais
os sentidos atribuídos pelos professores entrevistados à expres-
são qualidade do ensino, para em seguida relacioná-los à cons-
trução política de qualidade de ensino adotada por Lopes (2013).
Realizamos uma pesquisa de natureza qualitativa, com
aplicação de questionários semiestruturados, com cinco pro-
fessores que atuam na rede pública de ensino fundamental
em Mossoró/RN. O objetivo do estudo foi analisar como esses
docentes preenchem e significam a expressão ‘ensino de qua-
lidade’. Optamos por uma pesquisa qualitativa, pois de acordo
com Minayo (2009), essa pesquisa responde a questões parti-
culares e se ocupa nas ciências sociais, com um nível de reali-
dade que não pode ser qualificado.

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


42

Delineando o significado de qualidade

No primeiro momento, buscamos demonstrar que os


conceitos estudados são construídos contextualmente1. Nessa
visão, nos aproximamos das concepções analisadas por Laclau
(2011) e Lopes (2012) a respeito da impossibilidade de fixação
de sentidos. Defendemos que o preenchimento do significante
‘ensino de qualidade’ pode se dar de várias formas, podendo
ser empregado por vários sentidos, construídos nos embates
que, de forma contextual, acaba se configurando em disputas
no campo político.
Esse campo não significa apenas a produção de textos
ou outras prescrições. Para Ball, Maguire e Braun (2016, p.
13), “se a política é vista só nesses termos, então todos os ou-
tros momentos do processo de política e atuação das políticas
que acontecem dentro e em torno das escolas são marginali-
zados ou passam despercebidos”. As políticas propostas pelos
governos envolvem negociações e contestações entre os mais
diversos grupos.
O que denominamos de políticas vai além de textos pro-
duzidos em diferentes ambientes de produção de textos, cujo
processo discursivo ocorre por diversos meios. “A política é
feita pelos e para os professores; eles são autores e sujeitos,
sujeitos e objetos da política. A política é escrita nos corpos e
produz posições específicas dos sujeitos” (BALL, MAGUIRES
e BRAUN, 2016, p. 13).
Apesar de se ter o cuidado com essa dicotomia ‘sujeito x
objeto’, a análise de Ball, Maguire e Braun (2016) permite fugir
1 Para Lopes (2002), o contexto indica não apenas o lugar onde os conceitos
são construídos, mas como são selecionados e reposicionados em detri-
mento de outros conceitos. Implica em considerar que os textos são mo-
dificados por processos de simplificação e reelaboração, desenvolvidos em
meio aos conflitos entre diferentes interesses que estruturam o campo da
recontextualização.

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


43

da ideia de mera implementação de políticas, haja vista que os


textos são traduzidos em cada contexto escolar, onde são ana-
lisados, refeitos, ressignificados ou até mesmo descartados.
Assim como os autores citados, entendemos a política como
processo dinâmico e não linear, que ao invés de implantadas
são atuadas, “colocada em cena”2.
Os autores citados são reconhecidos como filiados à tra-
dição pós-estruturalista. Diferente de outras matrizes teóri-
cas, o pós-estruturalismo não pode ser entendido como único.
Ele é representado por um conjunto de princípios que englo-
ba autores que dialogam com o estruturalismo, assumindo
alguns de seus pressupostos (LOPES e MACEDO, 2011). “O
pós-estruturalismo partilha com o estruturalismo uma série
de pressupostos” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 38). Essas ma-
trizes, ao adotarem uma postura antirrealista, assumem que
a linguagem, ao invés de representar o mundo, o constrói, ou
seja, cria o que se fala, e não apenas nomeia o que existe.
Porém, diferente das vertentes estruturalistas, que
apontam para a existência de estruturas fixas, que subordina
os fenômenos sociais, as perspectivas pós-estruturalistas in-
dicam que a própria ideia de estrutura estaria marcada pela
linguagem. Para essa tendência, a estrutura não pode ser vista
como uma realidade estática (ou absoluta), mas uma constru-
ção discursiva.
Lopes e Macedo (2011), tomando Saussure (2002) como
referência, explicam que para o estruturalismo a linguagem
é um conjunto de signos composto por significante (palavra)
e significado (conceito) que se encaixam quase que perfeita-
mente (acordo tácito partilhado). Diferentemente dos pressu-
2 Doinglês policy enactment. Este termo é de difícil tradução, pois tem sido
usado para descrever o processo legislativo. Porém, Ball, Maguire e Braun
(2016) o relaciona com o modo que o texto pode ser apresentado e represen-
tado, considerando os leitores sujeitos ativos no processo de materialização
das políticas.

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


44

postos pós-estruturalistas, que apontam que a linguagem não


representa a realidade. Para o pós-estruturalismo, qualquer
significado pode ser atribuído a um significante, através de
luta política, que contingencial e provisoriamente hegemoniza
os constituintes de determinado termo.
Defendemos, assim com Lopes (2012) e Laclau (2011),
que a subsunção do significado ao significante se dá através de
luta política, atendendo demandas contextuais. O contextual
não pode ser visto como território fixo, mas um processo ativo
de diferentes interesses que projetam e orientam o campo da
recontextualização. Como podemos perceber, a partir de Lo-
pes (2012), o significante ‘qualidade’ é flutuante e seu sentido
somente pode ser definido dentro de uma formação discursiva
histórica e socialmente contingente.
Podemos afirmar que o termo ensino de qualidade é um
significante vazio, cujo preenchimento dependerá de deman-
das atuais de grupos que pretendem hegemonizar, tempora-
riamente, o significado que melhor se adéqua aos seus inte-
resses, tornando híbrido sua compreensão (LACLAU, 2011) e
apontando um conceito construído a partir de um mesclo de
tendências e demandas. Conforme Laclau (2011, p. 66), “a so-
ciedade gera um vocabulário de significantes vazios cujos sig-
nificados temporários decorrem de uma competição política”;
ou seja, não há significação sem discurso interessado.
A falta de um conceito fixo e determinado de ensino de
qualidade não pode ser visto como algo negativo, mas perce-
bido como fator de construção do processo democrático atra-
vés das relações hegemônicas. Segundo Laclau (2011 apud
LOPES, 2012), os significantes vazios são importantes para o
processo político de construção e significação, não sendo, ne-
cessariamente, uma perda ou uma distorção de sentidos.
Nesse contexto, podemos afirmar que o sentido do termo
ensino de qualidade não pode ser revestido de algo fixo, mas

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


45

construído através das relações hegemônicas que se tornam


temporariamente universais. São significados construídos por
um jogo precário de linguagem que representam as demandas
de determinados grupos em dado momento histórico.
As relações hegemônicas, portanto, são frutos do pro-
cesso democrático dos quais surgem antagonismos ideológi-
cos que impossibilitam o fechamento conceitual. Para Laclau
e Mouffe (apud ALVES, 2010), esse antagonismo cessa toda a
possibilidade de reconciliação final. Para os autores, todo con-
senso é temporário e resultado de uma negociação de sentidos.
“Desse modo, as condições necessárias ao estabelecimento de
uma articulação hegemônica correspondem à presença de for-
ças antagônicas e a instabilidade das fronteiras que as sepa-
ram” (LACLAU e MOUFFE, apud ALVES, 2010, p. 179).
Entender o significado de ensino de qualidade como flu-
tuante e preenchido contextualmente não significa dizer que
esse processo de reinterpretação seja fraudulento ou ainda que
o termo possa ser preenchido aleatoriamente. Conforme expli-
ca Santos e Rodrigues (2015), não é uma tentativa de fraudar
as estatísticas. Para esses autores, os jogos de sentidos funcio-
nam como identificação, constituidora da própria realidade.
Ao tratarmos a expressão qualidade com um conceito
fixo, sem levar em consideração que o termo é algo impreciso,
indecídivel e constantemente ressignificado, podemos ocorrer
em uma simplificação do seu sentido e, consequentemente,
uma limitação do seu entendimento.
Vejamos o que afirma Lopes e Matheus (2014), quando
trata da qualidade da educação:

São tantas as demandas sociais em relação ao


que vem a ser qualidade da educação, desde
aquelas sintonizadas com as condições socioe-
conômicas de vida até as relações interpessoais
nos lugares de trabalho, que a qualidade se esva-

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


46

zia de significado. É por meio desse vazio, que a


expressão qualidade na educação se torna capaz
de aglutinar diferentes demandas e construir
diferentes sujeitos que atuam em seu nome, con-
trapondo-se a uma ideia de escola sem qualida-
de (LOPES e MATHEUS, 2014, p. 340).

Dessa forma, defendemos que é por meio desse vazio


que a expressão qualidade se torna capaz de aglutinar diferen-
tes demandas e construir diferentes sujeitos. Isso se explica
porque cada pessoa preenche esse significado, baseando-se em
suas concepções e capacidade valorativa e, principalmente,
das demandas políticas em que estão envolvidos, levando em
consideração sempre as negociações de sentidos e possibilida-
des de interpretações.
De acordo com Paro (2007), os múltiplos pontos de vista
podem levar a uma falta de rigor nos discursos sobre qualidade.
O autor chama atenção ainda para a necessidade de uma refle-
xão sobre essa diversidade de concepções de qualidade, princi-
palmente quando se trata de concepções baseadas em paradig-
mas neoliberais, que associam a escola ao mercado e trabalho.
Porém, entendemos, assim como Lopes (2014) que não há como
fechar o significado da constituinte qualidade no ensino, pois
esse conceito vai variar de contexto para contexto, de escola
para escola, onde nem mesmo os sujeitos têm identidades fixas.
A falta de um conceito fixo é fator de um processo de-
mocrático. Para Laclau (2011), os significantes vazios são im-
portantes para o processo político de construção e significa-
ção, não sendo necessariamente uma perda ou uma distorção
e nem tão pouco algo que traz um sentido negativo. A falta de
um conceito e de critérios, apesar da possibilidade de reforçar
uma concepção tradicional e conservadora de educação, con-
forme observa Paro (2007), faz parte desse processo político
irrenunciável.

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


47

Diante disso, entendemos, assim como Lopes e Matheus


(2014), a importância da característica “flutuante” da expres-
são ensino de qualidade, pois é no processo de significação de
qualidade que se observa a construção política do termo.
Não que não seja preocupante essa concepção conser-
vadora que vem apresentando alguns traços nas políticas pú-
blicas atuais, principalmente com relação às avaliações nacio-
nais. É tanto que os resultados dessas avaliações se resumem
a dados estatísticos pontuais e priorizam somente algumas
dimensões da qualidade como a aferição do aprendizado. Mas
fixar o conceito de qualidade não resolve a questão.
Essa visão tradicional, por exemplo, pode nos levar a
pensar que a função do ensino é apenas conduzir o aluno a
se apropriar de conhecimentos disciplinares. Seguindo esse
entendimento, seria mais qualificada a escola que tivesse o
maior índice de aprovação nessas avaliações. Atualmente,
isso se evidencia nos resultados aferidos nessas avaliações e
atribuídos a cada escola, quando são expostos e anunciados
para a comunidade, dando conta das melhores e piores escolas
na avaliação, conforme explica Santos e Oliveira (2016). Essa
publicidade incentiva um acirramento produtivista entre as
instituições.
Ball, citado em Santos e Oliveira (2016), confirma a
existência de indícios dessa concepção de qualidade no espa-
ço educacional. Isso fica claro quando ele afirma que a ideia
de qualidade no ensino atualmente está ligada diretamente à
concepção de mais (alunos, tempo, formação) e melhor (resul-
tado, desempenho), ideia advinda, segundo ao autor, da compe-
titividade do capitalismo.

Para esse autor, a retórica do mundo econômi-


co contamina os espaços educacionais, fazendo
emergir no cotidiano escolar categorias associa-
das ao conceito de qualidade total, competitivi-

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


48

dade, enfim, indícios de uma educação de resul-


tados similar ao que se espera dos homens de
negócios (SANTOS e OLIVEIRA, 2016, p. 42).

O centramento e o respectivo fechamento do conceito de


qualidade proposto por Paro (2007) acaba limitando o alcance
de seus significados. O conceito de ensino de qualidade é algo
mais amplo que os resultados propostos em avaliações de de-
sempenho, mais amplo do que os trazidos nos textos legais e
mais abrangente do que os construídos por determinadas par-
celas sociais. Na verdade, o conceito de qualidade no ensino é
algo que está sendo construído politicamente, a todo tempo.
Explorando essa construção de sentidos de qualidade,
Lopes e Matheus (2014) observam que na luta pela homoge-
neização do significado de qualidade se destacam atualmente
uma articulação entre dois discursos que, a priori, aparentam
ser antagônicos. Um seria o discurso da qualidade total, apoia-
do por grupos empresarias, e o outro, o discurso de qualidade
social, construído em parte por movimentos sociais.
Para a autora, o discurso da qualidade social tenta fixar
um discurso de qualidade que se distancia de um discurso
de eficiência e eficácia das concepções denominadas de ins-
trumentais de educação, sendo que é nesse antagonismo que
se constrói politicamente o conceito de qualidade. Conforme
Lopes e Matheus (2014, p. 342),

É pelo antagonismo ao discurso de qualidade que


se pretende total que o discurso de qualidade so-
cial se institui. É pela negatividade ao projeto de
qualidade vinculada a critérios instrumentais
que a identidade de qualidade social se projeta.
É em relação ao que se pretende expulsar de seu
campo de luas que a articulação se faz.

É pela redução do discurso do outro que o discurso que


pretende se fortalece e se instaura. O uso do adjetivo social se

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


49

contrapõe ao termo total, dando-nos uma ideia de grupos. Po-


rém, de acordo com Lopes e Matheus (2014), ambos os discur-
sos se fortalecem e não é possível afirmar que cada discurso
pertence a um determinado grupo.
Nesse sentido, e considerando que o conceito de ensino
de qualidade é algo a ser preenchido, tomando como referência
o atual momento político social, nos deparamos com duas prin-
cipais visões que discutem e reconstrói o significado de qua-
lidade no ensino. Uma de cunho empresarial e outra de viés
social. As duas concepções têm bases e demandas diversas.
A princípio, essas duas concepções parecem ser total-
mente antagônicas, no entanto, esse antagonismo demonstra
a construção de conceitos de um significante vazio, que é o
termo qualidade no ensino. Acreditamos, assim como Santos
e Oliveira (2016), que esses discursos de qualidade pelo ge-
rencialismo, ligado ao mercado de trabalho, não exclui outros
discursos sobre qualidade, sendo plenamente possível a con-
vivência e articulação dessa concepção com os demais signi-
ficados de ensino de qualidade, inclusive os voltados para a
inclusão e a justiça social.

Significados de qualidade atribuídos pelos


professores

Diante desse contexto, buscamos analisar os significa-


dos atribuídos pelos professores a expressão qualidade no en-
sino e compreender quais os desafios apontados por eles para
o alcance dessa qualidade. Vejamos o que apontou cada um
dos entrevistados:

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


50

PROFESSORES O que você entende por qualidade?


“qualidade está ligada ao que é eficiente, àquilo que
D1
se faz bem e traz um bom resultado
“Padrão exigido no cotidiano da vida das pessoas,
D2
sobretudo na vida profissional”
“Acredito eu a palavra qualidade tenha um significa-
do amplo e, muitas vezes, subjetivo. De modo geral,
D3
a palavra pode estar ligada a ideia de “benefícios”
ou a algo “positivo” ou até mesmo a ausência disso”
“Algo que dá efeitos positivo em comparação a ou-
D4
tros, dentro de parâmetros específicos”
“a qualidade está relacionada a algo que funciona
D5 bem, ou seja, ao final do processo temos os resulta-
dos esperados e projetados”.
Fonte: Elaborado pelos autores.

Inicialmente, observando as repostas referentes ao que


os professores entendem por qualidade, verificamos uma ten-
dência da falta de uniformidade do conceito do termo. O que já
era esperado, já que se trata de um conceito que incorpora sig-
nificados diversos, muitas vezes construídos subjetivamente.
No entanto, diante de termos como: “eficiência”, “pa-
drão”, “parâmetros”, extraídos das respostas dos professores,
supomos que no conjunto das repostas, essas significações es-
tão associadas ao conceito genérico de qualidade, relacionado
à ideia de qualidade total aplicada no mercado de trabalho.
Quando se relaciona, porém, qualidade ao ensino, sur-
ge a ideia de aprendizagem efetiva, (D1) “é quando o ensino
alcança os objetivos propostos nos currículos”, D3: “compre-
endo que ensino de qualidade esteja ligado aos resultados no
sentido da aprendizagem do aluno, que se espera ter em um
período de tempo pré-estabelecido. A qualidade dependerá do
bom desempenho do aluno”.
Percebemos nessas falas que os professores se apro-
priaram dos conceitos legais, e de critérios utilizados pelas
políticas públicas, principalmente nas que baseiam as avalia-
ções nacionais.

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


51

Verificamos, porém, que diferente do parâmetro de qua-


lidade referenciado pelas políticas públicas, os docentes não
citaram o critério quantidade (acesso), nem a questão da apro-
vação (fluxo)
Os parâmetros expostos pelos professores para um en-
sino de qualidade, porém, não ficaram restritos à eficácia da
escola em ensinar os conteúdos previstos nos currículos. Ou-
tras características foram apontadas pelos docentes, como por
exemplo, o cumprimento da função social da escola como um
fator de qualidade, D2:”onde professor e aluno têm condições
para desenvolver as atividades, obtendo êxito e que as utilizem
durante a vida escolar e social”. Percebemos aqui que quan-
do os professores falaram sobre o ensino de qualidade, além
de indicarem a “eficácia” do ensino, apontaram também como
fator de qualidade a função social da escola. Entendimento ra-
tificado pelo docente D4, ao se referir ao ensino de qualidade
como: “Um ensino voltado para suprir as necessidades sociais
e culturais da sociedade e, principalmente, capaz de superar
as necessidades peculiares de cada aluno.”.
Um fato que chamou atenção nesse contexto é que, ao
observar as respostas dos professores com relação às avalia-
ções nacionais, que levam em consideração também a apren-
dizagem como um dos critérios de qualidade, os docentes se
reportaram a essas avaliações como: D1: “simplistas” e D4:
“pontuais”, o que pode, a princípio, demonstrar uma contradi-
ção, pois, trata-se de um parâmetro em comum, ou seja, tanto
os professores como as avaliações consideram aprendizagem
como referencial de qualidade.
Esse antagonismo entre o entendimento dos professo-
res e o trazido pelas políticas governamentais, conforme ex-
plica Lopes e Matheus (2014), é parte de uma construção do
significado de qualidade. Fica muito claro essa construção
quando as autoras tratam da interação entre os significados

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


52

de qualidade total e qualidade social, citados acima. Diante do


aparente antagonismo verificado nessa interação, as autoras
afirmam que é exatamente na negação ao projeto de qualida-
de vinculada a critérios instrumentais (qualidade total), que a
identidade de qualidade social se projeta, ou seja, é na nega-
ção, por parte dos professores, dos significados de qualidade
adotados pelo governo, através das avaliações nacionais que
se constrói, reconstrói-se, e se projeta o conceito de qualidade
ressignificado pelos professores.
Observamos ainda que uma das críticas apresentadas
pelos professores entrevistados foi o fato de os docentes não
participarem do processo de construção dessas avaliações.
Outra crítica considerada importante é o fato dessas provas
terem alterado, de forma significativa, a forma de ensinar. D1
“a escola agora só se preocupa com o ENEM, tudo é voltado
para essas provas. Estamos deixando de lado outras funções
da educação para ensinar os alunos a responder essas avalia-
ções”.
Relacionando as respostas com o referencial adotado,
percebemos que as respostas coadunam com a preocupação
apontada por Lopes e Matheus (2014), quando dissertam
sobre a possibilidade da vinculação do ensino às avaliações,
priorizando-se em demasia os testes. Para as autoras, há um
receio de que as escolas foquem seu trabalho apenas no que é
avaliado nas provas externas, deixando de lado, assim, outros
aspectos importantes do ensino ou, até mesmo, abonando a
proposta curricular em função dos resultados propostos pelos
exames nacionais.
Essa é uma posição do próprio Ministério da Educação,
que em documento – Subsídio para diretrizes curriculares na-
cionais específicas da Educação Básica, trouxe:
Ênfase excessiva nos resultados desse tipo de
avaliação – que oferece indicações de uma par-

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


53

cela restrita do que é trabalhado na escola –


pode produzir a inversão das referências para o
trabalho pedagógico, o qual tende a abandonar
as propostas ou guias curriculares e orientar-se
apenas pelo que é avaliado por esse sistema. As-
sim, a avaliação deixa de ser parte do desenvol-
vimento do currículo, passando a ocupar o lugar
dele no processo educacional. Esse fato ocasiona
outras consequências, como a redução do ensino
à aprendizagem daquilo que é exigido nos testes
(BRASIL, 2009, p. 62).

Preocupação corroborada por Santos e Oliveira (2016)


quando afirmam que a escola é constantemente obrigada a
se adaptar a uma cultura empresarial de sucesso, com eficá-
cia relacionada pelos índices dessas avaliações que, de alguma
forma, podem indicar “lucro”.
Outra situação apresentada por D1 foi a forma como os
resultados são divulgados, gerando uma competição entre as
instituições de ensino e, posteriormente, uma cobrança sobre
os professores. A publicidade desses resultados para D1 de-
monstra a interferência da ideia de produtividade utilizada
no setor empresarial no processo de ensino. Para Santos e
Oliveira (2016), essa forma de divulgação causa certo embara-
ço em professores, alunos e pais, pois a partir daí é necessário
apontar quem são os culpados ou os heróis.
Além disso, segundo Silva Voss e Garcci, citados em
Santos e Oliveira (2016), essa exposição serve para legitimar
os discursos oficiais que propagam o controle social sobre os
resultados das avaliações nacionais, produzindo uma vigilân-
cia sobre o trabalho do professor, acirrando uma disputa en-
tre instituições e fortalecendo a lógica empresarial da concor-
rência no processo de ensino.

ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


54

Considerações finais

O significado de qualidade do ensino é algo complexo,


polissêmico. O entendimento e preenchimento desse termo
vincula-se às demandas específicas de determinados grupos
sociais. Na busca pelo alcance dessa qualidade, esses grupos
legitimam suas demandas através de hegemonização concei-
tual, fechando temporariamente o significado da expressão
qualidade no ensino.
Essa diversidade de significados não pode ser vista como
algo negativo, pelo contrário, demonstra uma construção po-
lítica das demandas que os grupos sociais almejam. Esse pro-
cesso de reconstrução é contínuo e dinâmico, e nem mesmo
os sujeitos desses grupos podem ser considerados como fixos.
Como relação a essa disputa pela tentativa homogenei-
zação de conceito de qualidade no ensino, podemos citar como
exemplo dois, dentre vários outros grupos. Um que relacio-
na qualidade do ensino à qualidade total, aplicada no mundo
dos negócios, e outro baseado na qualidade social, no entanto,
concluímos que o antagonismo desses dois discursos é apenas
aparente, sendo possível a convivência de ambos os discursos,
e até mesmo o fortalecimento do significado de ensino de qua-
lidade através dessa disputa.
Ao longo do artigo apresentamos como essas significa-
ções foram construídas pelos professores entrevistados, mos-
trando que os conceitos não são fixos, nem mesmo dentro do
grupo de professores de uma mesma localidade. Isso porque
a significação de qualidade envolve aspectos objetivos e sub-
jetivos, fazendo com que haja interpretações distintas para o
termo.
Evidenciamos ainda a luta pela homogeneização do
termo qualidade, quando contrapomos a visão dos professo-
res em relação à visão das políticas públicas, principalmente

ERIVELTON NUNES DE ALMEIDA


55

quando o assunto é a aferição da qualidade do ensino através


das avaliações nacionais. Apesar de os professores terem indi-
cado o aprendizado como um critério de qualidade no ensino.
Critério esse também utilizado pelo governo como prioritário
na aferição da qualidade.

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ENSINO DE QUALIDADE: SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA PRÁTICA


58

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS


ESCOLAS

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA


Mestre em Educação. Especialista pelo Programa de Pós- Graduação em Educação e Multiculturali-
dade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduada em Pedagogia.
E-mail: erika_limma@hotmail.com

FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA


Mestre em Educação. Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Nor-
te-UERN.
E-mail: natalia_silva_18 @hotmail.com

LENINA LOPES SOARES SILVA


Doutora em Ciências Sociais. Professora do Instituto Federal Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte (IFRN). Docente no Programa de Pós Graduação em Educação profissional (PPGEP).
E-mail: lenina.lopes@ifrn.edu.br
59

Introdução

O Estado como interventor dos problemas sociais, cria me-


didas de inclusão social por meio da implementação de políti-
cas para atender a públicos específicos. Como por exemplo, a
formulação de políticas educacionais direcionadas à formação
profissional e expansão dessa oferta nas redes estaduais de
ensino para atender a jovens e adultos das camadas menos
favorecidas economicamente e excluídos dos direitos sociais.
É interessante evidenciar que neste trabalho assumimos
a concepção de política como meio de inclusão social dos exclu-
ídos, ou seja, a concepção dialética que compreende as políticas
educacionais como possibilidades coletivas constituídas para
minimizar os impactos e efeitos das ações decorrentes do Es-
tado capitalista. Isso no sentido em que no âmbito do Estado
capitalista, ocorre redefinição de seu papel consoante às con-
junturas históricas, às mudanças sociais, culturais, econômicas
e político-ideológicas. Em razão desses processos, a oferta do en-
sino médio e Educação Profissional são marcadas por disputas
de projetos societários de diferentes grupos, segmentos sociais
e interesses, culminando em reformulações na legislação edu-
cacional brasileira (PASTORE, 2009). Assim, vão se definindo
as formas de acesso e organização do sistema educacional.
Quando situados nas condições histórico-sociais, o En-
sino Médio e a Educação Profissional têm suas pautas centra-
lizadas nas lutas e reivindicações das esferas governamental
e civil. Destaca-se, assim, os embates travados no âmbito da

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


60

sociedade civil por representantes dos sindicatos, escolas e as-


sociações por uma educação que atenda às necessidades dos
jovens e adultos oriundos da classe trabalhadora por uma for-
mação de base tecnológica.
Faz-se, neste artigo, uma discussão dos embates e dis-
putas presentes no processo de gestão das políticas e pro-
gramas implementados no limiar do século XXI. O percurso
metodológico adotado divide-se em dois momentos: revisão
bibliográfica e pesquisa documental. A fundamentação da te-
mática discutida pauta-se em autores como Dourado (2011),
Kuenzer (2006, 2009), Moura (2012, 2015) e Frigotto (2010).
Além da revisão bibliográfica, foi realizada uma pesquisa dos
principais documentos que orientam a oferta do ensino médio
e Educação Profissional.
Para uma organização lógica e didática do texto, sua
estruturação apresenta-se da seguinte maneira: no primeiro
tópico, Contribuições do movimento reformista nas políticas
públicas, apresentamos as ações e medidas assumidas pelo
Estado no processo de implementação das políticas educa-
cionais. No tópico seguinte, Aspectos históricos das políticas
educacionais no século XXI, enumeramos as contribuições
históricas, sociais e políticas no processo de formulação das
políticas educacionais desencadeadas na primeira década des-
se século. Por fim, Considerações, pauta-se a necessidade de
processos formativos que situe o sujeito em suas potenciali-
dades, bem como a garantia do acesso ao ensino embasado na
ciência, tecnologia, cultura e trabalho.

Contribuições do Movimento Reformista nas


políticas públicas

Na história da educação brasileira o Ensino Médio e a


Educação Profissional foram marcados por políticas e progra-

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
61

mas que materializam a secundarização dessa etapa e moda-


lidade da Educação Básica (DOURADO, 2011). Inicialmente, a
busca foi pela universalização da Educação Básica que partiu
das demandas e inquietações do poder público. Contudo, foi
na sociedade civil que ganhou destaque através de reivindi-
cações por uma escola universal, laica e gratuita. Como repre-
sentação desse movimento temos:

a proposta apresentada em 1932 e divulgada


como “Manifesto dos Pioneiros da Educação”.
É importante destacar que esse movimento re-
presentou, fundamentalmente, o clássico em-
bate entre o público e o privado, próprio das
discussões que historicamente antecedem os
processos de elaboração e aprovação da legis-
lação educacional. [...], tendo por base os prin-
cípios da laicidade, obrigatoriedade, gratuidade
e coeducação tal proposta não considerava as
diferenças de origem econômica. Neste sentido,
todos deveriam ter direito, dos 7 aos 15 anos, à
mesma educação básica ofertada por uma esco-
la única, oficial e pública, que considerasse suas
aptidões individuais e biológicas. (BREMER;
KUENZER, 2012, p. 4, grifo das autoras).

Nessa perspectiva, o Manifesto dos Pioneiros da Educa-


ção Nova defendia, além da universalização do direito à edu-
cação, a construção da escola única. Isto é, assumia a defesa de
uma escola que superaria a dualidade escolar e “que eliminas-
se o espírito livresco da educação em vigor e adquirisse aspec-
tos mais práticos, profissionalizante, aberta a todas as classes
sociais” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 177).
Tais reivindicações contribuíram no que concerne ao
Ensino Médio e a Educação Profissional, para a elaboração da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/1961.
Conforme Nunes (2009, p. 3), esta lei

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


62

[...] articula os dois sistemas, com dois ramos


de ensino médio diferenciados, mas equivalen-
tes: um propedêutico (científico) e outro pro-
fissionalizante (normal, industrial, comercial e
agrícola). Essa articulação proposta pela lei não
chega perto de resolver a diferenciação que é fei-
ta entre as camadas sociais no que se refere ao
acesso a essas modalidades de ensino, pois o que
ocorre é a manutenção da separação entre edu-
cação e formação profissional, o que caracteriza
a divisão entre trabalho intelectual e trabalho
manual.

Esta Lei determina a equivalência entre Ensino Médio


e Educação Profissional. Por essa razão, Kuenzer (2009, p. 29)
afirma que pela primeira vez “a legislação educacional reco-
nhece a integração completa do ensino profissional ao sistema
regular de ensino, estabelecendo-se a plena equivalência en-
tre os cursos profissionalizantes e os propedêuticos para fins
de prosseguimentos dos estudos”. Contudo, essa equivalência
não eximia o caráter dual da educação secundária, pois exis-
tia uma diferença entre o preparo científico e o preparo pro-
fissional. Portanto, a proposta de equivalência não supera a
dualidade estrutural, pois ainda continua a existir dois ramos
distintos de ensino voltados para atender às necessidades
postas na divisão social do trabalho, ou seja, instrumentais e
intelectuais (KUENZER, 2009).
Em meio a esse cenário educacional, o Brasil passava
por um processo de redemocratização da sociedade. Assim, no
final da década de 1980, fortalecia-se o movimento em prol da
revisão das leis que normatizam a vida democrática do país
que vai culminar com a promulgação em 1988 da Constituição
Federal vigente que
trouxe mudanças nos direitos civis, entre eles
o da educação, exigindo reformas no sistema

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
63

educacional para adequá-lo ao cumprimento dos


preceitos constitucionais. Ainda em 1987, come-
çou a ser elaborada de forma participativa, pela
sociedade organizada, a proposta para a nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB). (PIANA, 2009, p. 114).

A proposta de reformular a Lei começa a tramitar no


Congresso Nacional permeada por diferentes interesses e
disputas ideológicas. Nesses termos, “a luta dos educadores
comprometidos com a educação pública e a superação das
desigualdades de classe em todas as suas expressões e, par-
ticularmente, na educação, foi pela defesa da educação unitá-
ria, omnilateral e politécnica” (CIAVATTA e RAMOS, 2011,
p. 28).
Nesse sentido, o Governo Fernando Henrique Cardoso
aprovou a LDB nº 9.394/96. Essa Lei é fortemente influencia-
da pelos princípios neoliberais “cuja tônica não foi mais a de
preparação para o trabalho e sim para a vida” (CIAVATTA e
RAMOS, 2011, p. 29). De acordo com Piana (2009), a determi-
nação dessa Lei caracteriza-se como a primeira Lei geral da
educação promulgada desde 1961, tendo influências sobre os
sistemas escolares e sobre as políticas públicas já formuladas.
Após a aprovação da LDB, o Ensino Médio passou a ser
definindo como etapa final da Educação Básica e a Educação
Profissional como modalidade da Educação Básica vinculada
principalmente ao Ensino Médio (BRASIL, 1996). Portanto, o
Ensino Médio adota a concepção de trabalho e cidadania como
base para a formação dos jovens e adultos.
O Art. 35 da LDB estabelece que o Ensino Médio terá
duração mínima de 3 anos, tendo como finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos co-


nhecimentos adquiridos no ensino fundamen-
tal, possibilitando o prosseguimento de estudos;

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


64

II – a preparação básica para o trabalho e a cida-


dania do educando, para continuar aprendendo,
de modo a ser capaz de se adaptar com flexibili-
dade a novas condições de ocupação ou aperfei-
çoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pes-
soa humana, incluindo a formação ética e o de-
senvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-
-tecnológicos dos processos produtivos, relacio-
nando a teoria com a prática, no ensino de cada
disciplina. (BRASIL, 1996).

Com base nesse trecho da LDB, percebemos que dentre


as finalidades do Ensino Médio destaca-se a função de possi-
bilitar o prosseguimento dos estudos e a preparação básica
para o trabalho. As finalidades apresentadas no Art. 36 indi-
cam a intenção jurídica de superar a dualidade, socialmente
construída, entre a formação propedêutica e a educação espe-
cificamente voltada para formação profissional (KUENZER,
2009). Para isso, propõe a realização dos cursos mediante as
seguintes formas:

I – articulada com o ensino médio;


II – subsequente, em cursos destinados a quem
já tenha concluído o ensino médio. Parágrafo
único. A educação profissional técnica de nível
médio deverá observar:
III – integrada, oferecida somente a quem já
tenha concluído o ensino fundamental, sendo o
curso planejado de modo a conduzir o aluno à
habilitação profissional técnica de nível médio,
na mesma instituição de ensino, efetuando-se
matrícula única para cada aluno;
II – concomitante, oferecida a quem i­ ngresse no
ensino médio ou já o esteja cursando, efetuan­

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
65

do-se matrículas distintas para cada curso.


(BRASIL, 2008, p. 2).

Nesse sentido, a LDB vigente fortaleceu a ideia de apro-


ximar a formação geral da formação técnica. Isso pode ser per-
cebido por esta apresentar a possibilidade de uma formação
baseada nos princípios da formação tecnológica. Seria, então,
a possibilidade de superar a dualidade histórica entre a oferta
da formação propedêutica e a técnica presentes nas normas
legais anteriores (KUENZER, 2009).
Porém, a mesma LDB serviu de embasamento legal
para duas ideias antagônicas referentes à alternativa de ar-
ticulação entre a formação geral e a específica. Essas ideias
estão presentes em dois Decretos que foram instituídos como
normatizadores do Ensino Médio e da Educação Profissional:
o Decreto nº 2.208/1997 e o Decreto nº 5.154/2004.
O Decreto nº 2.208/1997, instituído no governo de Fer-
nando Henrique Cardoso, sinalizava para a oferta do Ensino
Médio como um ensino de caráter propedêutico, de formação
geral, apresentado como “Ensino Médio para a vida”, separan-
do a oferta desse, da Educação Profissional no ensino regular.
Já no Decreto nº 5.154/2004, editado no governo de Luiz Inácio
Lula da Silva, retomou-se a ideia de integração entre Ensino
Médio e Educação Profissional (SANTOS, 2007).
Porém, ambos os movimentos reformistas, desde a
aprovação da LDB vigente, buscavam justificativas na necessi-
dade de contribuir para a formação dos sujeitos para o mundo
do trabalho1 (KUENZER e GRABOWSKI, 2006). Esses mo-

1 A formação para o Mundo trabalho contempla “mais do que conhecimen-


tos e habilidades demandadas por ocupações especificas, conhecimentos
básicos, tanto no plano dos instrumentos necessários para o domínio da
ciência, da cultura e das formas de comunicação, como no plano dos conhe-
cimentos científicos e tecnológicos presentes no mundo do trabalho e das
relações sociais contemporâneas” (KUENZER, 2000, p. 06).

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


66

vimentos, no contexto da sociedade moderna, têm sua culmi-


nância na relação econômica. Isso pode ser compreendido na
concepção de Educação Profissional, quando derivada:
[...] da integração entre trabalho, ciência e cul-
tura, a profissionalização se opõe à simples for-
mação para o mercado de trabalho. Antes, ela
incorpora valores ético-políticos e conteúdos his-
tóricos e científicos que caracterizam a práxis
humana. Portanto, formar profissionalmente
não é preparar exclusivamente para o exercício
do trabalho, mas é proporcionar a compreensão
das dinâmicas sócio-produtivas das sociedades
modernas, com as suas conquistas e os seus
revezes, e também habilitar as pessoas para o
exercício autônomo e crítico de profissões, sem
nunca se esgotar a elas (RAMOS, 2008, p. 04).

Com isto, percebemos que no processo de formulação


e gestão de políticas públicas para a educação a concepção de
trabalho adotada aponta as ideologias assumidas pelos repre-
sentantes que fizeram parte da elaboração da política. Assim
sendo, a materialização da política pode ser direcionada para
formar sujeitos para atuarem numa perspectiva histórico-so-
cial no mundo do trabalho, ou apenas para desempenhar pa-
péis de ocupações e empregos no mercado de trabalho.

Aspectos históricos das políticas educacionais no


século XXI

No Brasil, parte-se da constatação de que a passagem


do Século XX para o Século XXI foi marcado por “um intenso
processo de reformas educacionais, expresso em ações e me-
didas que alteraram a configuração do sistema, bem como o
objetivo das políticas educacionais” (OLIVEIRA e DUARTE,
2005, p. 01).

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
67

Em 2003, após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula


da Silva, com a perspectiva de um governo democrático de
esquerda, teve início o processo de discussão de uma proposta
que apontava para revogação do Decreto nº 2.208/1997, sen-
do essa discussão, posteriormente, ampliada para criação de
outro decreto. Nessa leitura, iniciou-se a articulação entre a
Diretoria do Ensino Médio, a Secretaria de Educação Média e
Tecnológica do Ministério da Educação (SEMTEC/MEC) por
meio de encontros, debates e audiências realizados com repre-
sentantes de entidades da sociedade civil e de órgãos governa-
mentais para criação da proposta (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005).
No processo de discussão da proposta foi questionado,
sobretudo, a possibilidade de superação da dualidade presen-
te na oferta do Ensino Médio e da Educação Profissional, sen-
do elaboradas sete versões de minutas até a conclusão do texto
final. Assim sendo, em 23 de julho de 2004, ficou instituída a
possibilidade de integração entre Ensino Médio e Educação
Profissional, representada no Decreto nº 5.154/2004. O Decre-
to passa, então, a instituir regulamentações no Artigo 36 e dos
Artigos 39 a 41 da Lei 9.394/96. Nessa perspectiva, a Educa-
ção Profissional representa a possibilidade de ampliação da
oferta do Ensino Médio, na forma integrada, nas instituições
públicas de educação, podendo contribuir para a efetiva (re)
construção de uma identidade própria e, ao mesmo tempo,
significativa, para a vida dos jovens e adultos que os cursam.
O Decreto nº 5.154/2004, no Art. 1°, apresentava a Edu-
cação Profissional e estabelecia as formas a ser desenvolvidas,
sendo proposto as seguintes formas:

I  –  integrada, oferecida somente a quem já te-


nha concluído o ensino fundamental, sendo o
curso planejado de modo a conduzir o aluno à
habilitação profissional técnica de nível médio,

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


68

na mesma instituição de ensino, contando com


matrícula única para cada aluno;
II – concomitante, oferecida somente a quem já
tenha concluído o ensino fundamental ou esteja
cursando o ensino médio, na qual a complemen-
taridade entre a educação profissional técnica
de nível médio e o ensino médio pressupõe a
existência de matrículas distintas para cada
curso, podendo ocorrer [...];
III – subsequente, oferecida somente a quem já
tenha concluído o ensino médio (BRASIL, 2004,
p. 1).

O texto do Decreto citado dispõe sobre a possibilidade


de integração entre o Ensino Médio e a Educação Profissio-
nal e representou uma expectativa de avanço em direção à
politecnia. Contudo, mantém, como acomodação e expressão
de posições contraditórias, as formas subsequente e concomi-
tante (MOURA; LIMA FILHO e SILVA, 2015). As formas de
organização da Educação Profissional variam mediante o con-
texto em que estão inseridas, considerando-se que parte signi-
ficativa está mediada pela relação entre educação e trabalho
(FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005).
Dessa maneira, observamos que as medidas tomadas,
posterior à publicação do Decreto, legitimaram que a política
de integração não seria prioridade.

Isto é notório no Parecer CNE/CEB 39/2004 que,


ao tratar das orientações gerais e das adaptações
necessárias à aplicação das articulações entre
educação profissional e ensino médio, destaca
que a indicação do ensino médio integrado, nos
termos do decreto 5.154/2004, não representa,
em nenhuma medida, que esta forma de articu-
lação deva ser a priorizada (CÊA e REIS, 2006,
p. 07).

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
69

De maneira geral, dispõe da forma integrada da Educa-


ção Profissional ao Ensino Médio, na qual se atribui a mesma
importância das demais formas de articulação: concomitante
e subsequente. A integração, palavra-chave para entender os
rumos da reforma, é interpretada como uma forma de cone-
xão entre partes, ou seja, entre a etapa e a modalidade.
Segundo Aragonez (2013), a integração é uma possibili-
dade de superar a dualidade histórica-social da formação dos
sujeitos sem negligenciar os princípios da formação humanís-
tica e científica. Para tanto, uma instituição que adota a forma
integrada deve ser regida por uma filosofia pedagógica de for-
mação tecnológica que trabalhe com:

A concepção mais ampla de educação, de modo


a incorporar todas as dimensões educativas que
ocorrem no âmbito das relações sociais que ob-
jetivam a formação humana nas dimensões so-
cial, política e produtiva, implica reconhecer que
cada sociedade, em cada modo de produção e re-
gimes de acumulação, dispõe de formas próprias
de educação que correspondem às demandas de
cada grupo e das funções que lhes cabe desem-
penharem na divisão social e técnica do traba-
lho. (KUENZER e GRABOWSKI, 2006, p. 299).

Para tanto, um projeto de Ensino Médio integrado à


Educação Profissional, baseado nos eixos trabalho, ciência,
tecnologia e cultura deve buscar transpor o histórico impasse
existente, relacionado ao papel da escola “[...] de formar para
cidadania ou para o trabalho produtivo e, assim, o dilema de
um currículo voltado pra as humanidades ou para ciências
tecnológicas” (FRIGOTTO; CIAVATTA e RAMOS, 2005, p.
106). Diante disso, tem sido pontuada a necessidade de for-
mação dos jovens para o mundo do trabalho, bem como, a ne-
cessidade de formação dos sujeitos pertencentes à classe tra-

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


70

balhadora, com subsídios que favoreçam sua ascensão social


e profissional.
No âmbito da regulamentação das políticas públicas, as
diferentes possibilidades de formação oferecidas para o En-
sino Médio e para a Educação Profissional podem ser inter-
pretadas como questões políticas que envolvem jogo de poder,
interesses, partidos e ideologias.
Durante o governo Lula, várias medidas regularizaram
a expansão da Educação Profissional e inclusão de novos con-
tingentes de trabalhadores excluídos da escola. A Secretaria
de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Edu-
cação (SETEC/MEC) adotou a construção de políticas públi-
cas de qualificação e expansão da educação profissional e tec-
nológica em todo território nacional (PACHECO, 2008).
Tais ações, anunciadas como medidas de expansão e qua-
lificação, podem ser compreendidas como contraditórias na vi-
gência do governo Lula em relação à Educação Profissional,
pois mesmo se autointitulando “governo dos trabalhadores”
ele se utilizou da estrutura do Estado para atender as deman-
das das forças capitalistas (AZEVEDO; SHIROMA e COAN,
2012). Como exemplo, de algumas contradições do governo, des-
taca-se a separação da SEB e SETEC/MEC, logo após a entra-
da em vigor do Decreto nº 5.154/2004. Ao invés de fortalecer a
SETEC optou-se pela dissociação entre as secretarias.
Diante dessa separação, a SETEC fica com a atribuição
de organizar e estabelecer medidas referentes ao desenvolvi-
mento da Educação Profissional. Assim sendo, cabe a SETEC:

Planejar, orientar, coordenar e avaliar o proces-


so de formulação e implementação da Política de
Educação Profissional e Tecnológica;
Promover ações de fomento ao fortalecimento, à
expansão e à melhoria da qualidade da Educa-
ção Profissional e Tecnológica;

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
71

Desenvolver novos modelos de gestão e de par-


ceria público-privada, na perspectiva da unifica-
ção, otimização e expansão da Educação Profis-
sional e Tecnológica;
Apoiar técnica e financeiramente o desenvolvi-
mento da Educação Profissional e Tecnológica
dos sistemas de ensino, nos diferentes níveis de
governo;
Estabelecer mecanismos de articulação e inte-
gração com os sistemas de ensino, os setores
produtivos e demais agentes sociais no que diz
respeito à demanda quantitativa e qualitativa de
profissionais, no âmbito da Educação Profissio-
nal e Tecnológica;
Estabelecer diretrizes para as ações de expan-
são e avaliação da Educação Profissional e Tec-
nológica em consonância com o Plano Nacional
de Educação – PNE. (BRASIL, 2014).

Entre essas atribuições, a SETEC também fica respon-


sável pelo desenvolvimento de ações que fortaleçam a Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica, instituída
em 2008. No que concerne à formulação, gestão e implemen-
tação de políticas e programas, após a instituição do Decreto
nº 5.154/2004, destacam-se algumas iniciativas que foram con-
duzidas com a finalidade de promover/fortalecer a integração
entre a Educação Profissional e a Educação Básica.
Assim, o Quadro 01 ressalta algumas políticas e progra-
mas de Educação Profissional instituídos no Século XXI:

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


72

Quadro 01 – Principais políticas e programas federais de


Educação Profissional no Século XXI
Programas de Educação Objetivo
Profissional
Programa Integrado de Promover a reintegração dos jovens ao pro-
Juventude (PROJOVEM) cesso educacional, sua qualificação profis-
– Lei nº 11.129, de 30 de sional e seu desenvolvimento humano, será
junho de 2005. desenvolvido por meio das seguintes mo-
dalidades: Projovem Adolescente; Serviço
Socioeducativo; Projovem Urbano; Projovem
Campo – Saberes da Terra; Projovem Traba-
lhador (BRASIL, 2005).
Curso Técnico de Forma- Promover, por meio de cursos de educação à
ção para os Funcionários distância, formação e habilitação técnica em
da Educação (Profuncio- nível médio para os profissionais da educa-
nário) – Parecer CNE/ ção, que atuam na escola como não docentes
CEB nº 16/2005. (BRASIL, 2005).
Programa de Integração A elevação do nível de escolaridade do traba-
Profissional na modalidade lhador, no caso da formação inicial e continu-
de Jovens e Adultos (PRO- ada de trabalhadores (BRASIL, 2006).
EJA) – Decreto nº 5.840, de
13 de julho de 2006.
Programa Brasil Profis- Estimular o Ensino Médio Integrado à Edu-
sionalizado – Decreto nº cação Profissional, enfatizando a educação
6.302/2007. científica e humanística, por meio da articu-
lação entre formação geral e educação pro-
fissional no contexto dos arranjos produtivos
e das vocações locais e regionais (BRASIL,
2007).
Rede e-Tec Brasil – Decre- Contribuir para a democratização, expansão
to nº 6.301/2007. e interiorização da oferta de ensino técnico
de nível médio à distância, público e gratui-
to, especialmente para o interior do País e
para a periferia das áreas metropolitanas e
de grandes centros urbanos (BRASIL, 2007).
Rede Certific – Porta- O atendimento de trabalhadores, jovens e
ria Interministerial n° adultos que buscam o reconhecimento e cer-
1.082/2009. tificação de saberes adquiridos em processos
formais e não formais de ensino-aprendiza-
gem e formação inicial e continuada a ser
obtido através de Programas Interinstitucio-
nais de Certificação Profissional e Formação
Inicial e Continuada – Programas CERTI-
FIC (BRASIL, 2009).

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
73

Programa Nacional de Expandir, interiorizar e democratizar a ofer-


Acesso ao Ensino Técnico ta de cursos de educação profissional e tec-
e ao Emprego (PRONA- nológica no país, além de contribuir para a
TEC) – Lei 11.513/2011. melhoria da qualidade do Ensino Médio pú-
blico (BRASIL, 2011).
Programa Mulheres Mil- Oferecer as bases de uma política social de
-Portaria do MEC nº inclusão e gênero, mulheres em situação de
1.015/2011. vulnerabilidade social por meio do acesso
à educação profissional, ao emprego e ren-
da (BRASIL, 2011).
Fonte: Elaboração própria dos autores deste trabalho (2016).

Em síntese, as políticas e programas mencionados


abrem a possibilidade política de realização nas formas inte-
gradas, concomitantes ou subsequentes, sendo as propostas
dos programas oficiais orientadas por princípios da educação
científica e humanística. Os programas representam projetos
societários em construção e em disputas.
No governo Lula a implementação das políticas e pro-
gramas direcionados à Educação Profissional podem ser in-
terpretadas em dois sentidos: primeiro trata-se da implan-
tação do Ensino Médio Integrado, aqui compreendido como
uma construção teórico-prática de educação tecnológica equi-
valente à preparação dos sujeitos para a compreensão dos fun-
damentos científicos tecnológicos, sócio-históricos e culturais
da vida moderna e segundo, as iniciativas para expansão da
rede federal de educação tecnológica (RAMOS, 2012).
Nesse contexto, Moura (2012) acrescenta que nos pri-
meiros anos do ciclo desse governo não houve mudanças sig-
nificativas no processo de materialização da concepção de
Ensino Médio ofertado à maior parte dos brasileiros, pautan-
do-se a oferta, prioritariamente, pela disposição de conteúdo
das ciências, letras e artes. Assim sendo, sem terem diálogo
com a tecnologia, com a cultura e com a realidade do mundo
do trabalho, isto é, sem aproximações com o Ensino Médio
politécnico ou tecnológico.

DISPUTAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS NAS ESCOLAS


74

Considerações

Diante de todo o exposto, neste artigo, as discussões


abordaram os embates e disputas presentes no processo de
gestão das políticas e programas implementados no limiar
do século XXI, considerando que as reformas implementadas
nos anos de 1990 buscaram como justificativa para o desenvol-
vimento científico e tecnológico a alegação de que a sociedade
estava passando por mudanças que determinavam o processo
produtivo.
Em linhas gerais, podemos considerar, diante das polí-
ticas e programas implementados, que ainda se faz necessário
refletir sobre um projeto de Ensino Médio que ultrapasse a
dualidade entre formação específica e formação geral. Assim,
para que seja superado, os objetivos construídos que tem como
foco, principalmente, o mercado de trabalho, deve também se
articular com a formação humana integral. Isto porque é di-
reito de todos os jovens e adultos o acesso a uma proposta de
ensino que garanta uma formação que integre educação, tra-
balho, cultura, ciência e tecnologia.
Diante do que foi apresentado ao longo do texto, vimos
que a definição e a concretização das políticas públicas per-
passam por diversos projetos de sociedade em disputa ge-
rando embates, adquirem força no âmbito do Estado, seja de
forma estrita ou ampliada. Para formulação de políticas pú-
blicas para o Ensino Médio e para a Educação Profissional,
é necessário aprofundar discussões sobre a relação existente
entre educação e trabalho, assim como, organizar uma agenda
de discussões entre os agentes sociais e os políticos os quais
elaboram as políticas educacionais.
Defende-se que os programas de profissionalização para
os jovens devem ser implementados de forma a contemplar
atividades artísticas, culturais e tecnológicas. Que a Educa-

ERIKA ROBERTA SILVA DE LIMA • FRANCISCA NATÁLIA DA SILVA • LENINA LOPES SOARES SILVA
75

ção Profissional seja oferecida de forma integrada à Educa-


ção Básica. Assim, pode-se visualizar um tipo de ensino que
permite a integração dos diferentes tipos de conhecimentos,
produzidos e acumulados historicamente, com a formação
­profissional.

Referências

ARAGONEZ, Iara Borges. Trabalho como princípio educativo


na prática pedagógica real. In: AZEVEDO, Jose Clovis; REIS,
Jonas Tarcísio (Org.). Reestruturação do Ensino Médio: pres-
supostos teóricos e desafios da prática. São Paulo: Fundação
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Parte 2
81

DIREITOS HUMANOS E
INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


Graduada em Direito. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO, associa-
ção ampla UERN-IFRN-UFERSA, Especialista em Direitos Humanos pela Universidade do Estado do
Rio grande do Norte – UERN. Membro do Grupo de Pesquisa Contexto e Educação (UERN/CNPq).
E-mail: suzanaoliveira.advogada@gmail.com
82

Introdução

O ensino voltado para os Direitos Humanos é uma área


de estudos em ascensão, haja vista sua recente inserção no
currículo (SILVEIRA, 2014). De acordo com os documentos
oficiais, seus conteúdos devem perpassar todas as disciplinas
do Ensino Médio transversalmente1. Essa transversalidade
pressupõe que os conteúdos não serão tratados em uma única
disciplina e, diferentemente das disciplinas do Ensino Médio,
compostas por currículos específicos, esses conteúdos não es-
tão expressamente listados em um único documento.
Utilizando alguns estudos de Lopes e Macedo (2011)
sobre Laclau (2006), consideramos os Direitos Humanos um
significante vazio, podendo ser preenchido contingencialmen-
te por demandas que variam conforme o contexto2. De acordo
com Lopes e Macedo (2011), em diálogo com Laclau (2006), o
significante vazio relaciona-se com aquilo que todos se identi-
ficam pelas suas articulações; são as várias concepções inseri-
das em uma agenda política e; ao mesmo tempo cria possibili-

1 Para Lopes e Macedo (2011), o contexto indica não apenas o lugar onde
os conceitos são construídos, mas selecionados e reposicionados de outros
conceitos. Implica considerar que os textos são modificados por processos
de simplificação e reelaboração, desenvolvidos em meio aos conflitos entre
diferentes interesses que estruturam o campo de recontextualizações.
2 Os principais documentos que tratam do ensino de Direitos Humanos

transversalmente são: 1) Plano Nacional de Educação em Direitos Huma-


nos (PNEDH); 2) Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM) e; 3) Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos
(DNEDH).

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


83

dades e entendimentos que implicam uma definição, tornando


o discurso hegemônico.
O preenchimento do significante vazio é resultado de di-
versas disputas, e quando uma das demandas consegue hege-
monizar-se para preencher o sentido, essa influência absoluta
tende a ser provisória. Contudo, não quer dizer que a possibili-
dade de mudança de sentido admita a relativização, permitindo
que qualquer conteúdo preencha-o. Esse preenchimento é fru-
to de negociações entre grupos. No caso do significante Direitos
Humanos, alguns grupos incluem conteúdos e outros buscam
excluí-los, intentando constituir sentidos que respondam seus
interesses, sempre ligados a disputas políticas e relacionados à
compreensão da sociedade. Dessa maneira, eles estão repletos
de conotação política3, representando a criação, o reconheci-
mento ou a manutenção de demandas daqueles grupos.
Para esta pesquisa, utilizamos alguns sentidos atribuí-
dos à expressão Direitos Humanos, identificados na pesquisa
anterior acerca do ensino em Direitos Humanos4, verificando-
-se também o uso de expressões/palavras relacionadas àque-
la expressão nas disciplinas relacionadas à área de Ciências
Humanas e suas tecnologias (História, Geografia, Filosofia e
Sociologia). Procuramos continuar com a pesquisa citada, na
qual identificamos que os documentos oficiais apontam assun-
tos referentes àqueles Direitos, visando superar o racismo, a
homofobia, os preconceitos de gênero, a intolerância religiosa,
tratando, ainda, da inclusão e respeito à diferença. Outrossim,

3 Com Ball (2011, p 13) e colaboradores, entendemos a política como processo


discursivo traduzido em textos e estratégias “complexamente configurados,
contextualmente mediados e institucionalmente prestados”, de forma que
os textos produzidos não são simplesmente implementados, mas passam
por diversas traduções/interpretações em relação ao momento histórico, ao
contexto e recursos disponíveis.
4 Artigo “Ensino em Direitos Humanos: considerações no contexto da práti-

ca” remetido para a Revista UFSCAR, atualmente em análise.

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


84

este artigo analisa a abordagem de conteúdos de Direitos Hu-


manos nos livros didáticos.
No que diz respeito ao livro didático, este serve como
filtro na seleção de conteúdos e promoção de ressignificações
do tema abordado (LOPES e MACEDO, 2011). A ausência ou
a presença de determinado conteúdo denuncia as constantes
disputas de diferentes grupos no momento da produção do
texto. Essas disputas tendem a hegemonizar alguns conteú-
dos em detrimentos de outros, mas possibilitam maior inter-
locução de temas que preenchem aquele significante.
Metodologicamente, a pesquisa possui caráter explora-
tório e descritivo, tendo sido realizada sob a ótica documental,
na qual estudamos as coleções adotadas pelas escolas públicas
do Ensino Médio, buscando palavras-chave relacionadas aos
conteúdos de Direitos Humanos nos capítulos escolhidos.

Os Documentos Oficiais e a interdisciplinaridade


no ensino de direitos humanos

A produção do currículo escolar está em constante dis-


cussão (LOPES e MACEDO, 2011). E o currículo de Direitos
Humanos também faz parte desses debates. A obrigatorieda-
de do ensino de Direitos Humanos na escola decorre de diver-
sas articulações, muitas vezes hegemonizadas por imperati-
vos feitos através de documentos oficiais.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRA-
SIL, 1996) é apontada como um dos principais documentos
que norteiam os conteúdos que compõem o currículo escolar.
Em razão desse alcance, a LDB ainda é alvo de diversas refor-
mas, com o fim de incluir/excluir conteúdos. Os grupos que
defendem a inserção de temáticas de Direitos Humanos tam-
bém participam desse processo e conseguiram hegemonizar
diversas demandas em normas.

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


85

Uma das primeiras alterações na LDB veio através do


Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNDEH),
seguidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o En-
sino Médio (DCNEM) e as Diretrizes Nacionais de Educação
em Direitos Humanos (DNEDH), aliadas a uma série de do-
cumentos oficiais, tais como a Resolução CNE/CEB Nº 2/2001
e as Leis N.º 11.645/2008 e 10.436/2002, que tratam, respec-
tivamente, da inclusão de pessoas com deficiência no ensino
regular, da obrigatoriedade do ensino da História Africana e
Indígena e o reconhecimento de Libras como língua oficial.
O ensino de Direitos Humanos deve ser inserido de for-
ma interdisciplinar no processo de aquisição do conhecimen-
to e interligado por diferentes campos de saberes e de práticas
pedagógicas a serem trabalhadas na escola com fim a promo-
ver a discussão desses conteúdos. As DNEDH, em seu art.7º,
tratam sobre a inserção de conteúdos de Direitos Humanos
no currículo escolar, destacando como meio de abordagem “a
transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos
Humanos e tratados interdisciplinarmente” (BRASIL, 2012,
p. 01).
A interdisciplinaridade está associada ao conhecimen-
to partilhado entre disciplinas sem romper suas fronteiras
(LOPES e MACEDO, 2011). Sobre essa questão, as autoras
apoiam-se nos estudos de Bernstein, especificamente nas dis-
cussões sobre a integração curricular, apontando como re-
quisito mínimo a subordinação de disciplinas à ideia relacio-
nal, considerando como elemento importante desses estudos
o deslocamento do foco, voltado anteriormente nos sujeitos,
para as relações de poder e controle. E sugere que o caminho
à compreensão das disciplinas deve se dar discursivamente,
no sentido de que essas relações ajudem a “entender como
as disciplinas escolares nos formam, como as inter-relações
entre saberes são desenvolvidas nas escolas, quais sentidos as

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


86

diferentes comunidades disciplinares conferem ao currículo”


(LOPES e MACEDO, 2011, p.140).
Uma das principais características da interdisciplina-
ridade é a possibilidade de produção de discursos híbridos.
Segundo Ball (1998, 2011), o hibridismo é produto das recon-
textualizações de diferentes políticas educacionais e da arti-
culação de discursos globais, locais e distantes. Nesse senti-
do, Lopes e Macedo (2011, p. 140) aduzem que “As disciplinas
nos formam e se reconectam como demandas sociais, estão
em constante modificação e, muitas vezes, ao organizarmos
o currículo de forma integrada, produzimos novas estrutu-
ras disciplinares”. Outrossim, é considerada ferramenta que
proporciona a abertura de novos enfoques e novas problemá-
ticas de pesquisa científica sem perder parte das tradições
do pensamento curricular, conjugando diversos elementos na
formação disciplinar, velocidade evolutiva da tecnologia e o
papel transformador de demandas sociais associadas ao fator
político sem olvidar o papel das tradições do pensamento cur-
ricular (LOPES e MACEDO, 2011).

Políticas em contextos

Para entendermos as relações entre os documentos ofi-


ciais e os conteúdos selecionados dos livros didáticos, procu-
ramos interlocuções com autores que discutem a tradução de
políticas em diversos contextos, como Stephen Ball e Richard
Bowe (1998), Mainardes (2006) e Santos e Oliveira (2013).
A inserção de discursos oficiais no ambiente escolar
não ocorre na forma/modelo top-down, mas através de nego-
ciações/articulações junto aos grupos disciplinares que “[...]
formam uma instância atuante na produção das políticas cur-
riculares. Tais grupos atuam difundindo discursos que recon-
textualizam orientações políticas do poder central e, assim,

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


87

permanecem construindo tais políticas” (LOPES e MACEDO,


2011, p. 264). Logo, esse processo sofre recontextualizações e
cria novas políticas à luz de diferentes contextos.
O ciclo contínuo de políticas na visão desses autores é,
inicialmente, constituído por três contextos: contexto de in-
fluência, contexto da produção de texto e contexto da prática.
Todos estão interligados em uma relação que dispensa dimen-
sões de linearidade ou sequencialidade.
Ball (2011) apresenta os elementos que compõem os
contextos ao discorrer sobre o conjunto de arenas formais, os
grupos e as suas demandas. O contexto de influência é forma-
do pelo fluxo de ideias nascidas das redes políticas e sociais e
das produções acadêmicas. Nesse sentido, os movimentos de
Direitos Humanos, assim como as legislações internacionais
desta área, influenciaram na construção de documentos na-
cionais, refletindo direta e indiretamente nos conteúdos dos
livros didáticos.
Lopes e Macedo (2011) lançam que a política deve ser
compreendida como discursos e textos simultâneos, de modo
que a política de Direitos Humanos está sujeita a diferentes
influências e pode ser legitimada pela via do discurso, esta-
belecendo negociações pelas influências de sentidos e signi-
ficados nas leituras a serem realizadas. Outrossim, os livros
didáticos representam os textos que podem ser suscetíveis a
novas leituras, variando em função das demandas, história,
recursos e conjuntura em que o leitor está inserido.
No tocante ao contexto da produção de texto, este é
constituído pelo momento no qual os textos das políticas são
negociados e resultam de disputas e acordos de diferentes
grupos. Nele, os embates manifestam-se ostensivamente, de
forma que os interesses de diversos grupos e as demandas que
se hegemonizaram são transformadas em um único documen-
to como, por exemplo, o livro didático.

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


88

E quanto ao contexto da prática, este é entendido como a


etapa onde professores, alunos e outros profissionais ganham
força através da interpretação e recriação da política. Seus
pensamentos, experiências, crenças e valores influenciam a
determinação de políticas. No contexto da prática, cada pro-
fessor manifestará sua interpretação, leitura e recriação sob
diferentes visões, de acordo com seus interesses, condições de
trabalho e, principalmente, o contexto no qual está inserida a
escola.
Ball (2011) entende que as políticas constituem e man-
têm estreita relação. Reconhecer os conteúdos de Direitos Hu-
manos como política interfere na inserção de conteúdos cor-
relacionados nos materiais didáticos de modo a possibilitar
a discussão no ambiente escolar. Tomando como base o ciclo
contínuo de políticas, podemos dizer que os conteúdos hege-
monizados nos livros didáticos são sistematizados no contexto
de influência, tomam forma como texto escrito no contexto da
produção de texto e são recontextualizados pela prática docen-
te no contexto escolar. Nesses contextos, o livro didático, como
possível resultado do contexto de produção de texto, pode ser
considerado uma ferramenta de trabalho que aborda as temá-
ticas ordenadamente, seguindo as diretrizes dos documentos
oficiais, exercendo relevante papel na atuação do professor.
Abreu, Gomes e Lopes (2005, p. 406) destacam que “o
livro é apresentado como guia curricular, orientador da prá-
tica docente, por vezes com maior influência sobre as ações
dos professores do que os próprios referenciais curriculares”.
E acrescentam: “Trata-se de um currículo escrito que visa a
apresentar uma seleção de saberes e uma forma de organiza-
ção, frequentemente prescritiva” (ABREU, GOMES e LOPES,
2005, p. 406).
Nesse sentido, o livro didático é uma ferramenta im-
portante na prática docente, pois sistematiza o plano de aula

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


89

e seus roteiros conteudísticos, de forma que caso haja conteú-


dos de Direitos Humanos haverá probabilidade destes serem
abordados em sala de aula. O livro didático é elemento tra-
dutor de políticas que “[...] expressam concepções de grupos
específicos em um novo contexto de produção de discursos
híbridos, os quais estabelecem novas relações entre os mais
diversos grupos, educacionais ou não” (ABREU, GOMES e
LOPES, 2005, p. 415). Esse papel torna-se relevante na medi-
da em que: “[...] os livros didáticos tornam-se também textos
produtores de políticas de currículo, com finalidades as mais
distintas, na medida em que reinterpretam e criam novos sen-
tidos, afetando tanto o contexto da prática quanto o contexto
de produção de textos das políticas” (ABREU, GOMES e LO-
PES, 2005, p. 415).
Nesse entendimento, consideramos o livro didático uma
reinterpretação dessas políticas em auxílio à formação de no-
vos discursos, discursos estes produtores do conhecimento e
sentido.

Analisando os direitos humanos no livro didático

Para a análise da temática, utilizamos os livros didá-


ticos da área de Ciências Humanas, compreendida pelas se-
guintes disciplinas: Filosofia, Sociologia, História e Geografia.
No geral, as obras apresentam diferentes aspectos que
favorecem a discussão de conteúdos de Direitos Humanos. No
livro de Filosofia, há um incentivo à reflexão dos alunos sobre
os problemas do cotidiano através de diferentes perspectivas.
Em Sociologia, problematiza o senso comum com a promoção
da visão crítica da realidade. Nos volumes inerentes à Histó-
ria, o passado é adotado como elemento de auxílio na interpre-
tação da atualidade e na escolha de futuros modelos de socie-
dade. E nos exemplares de Geografia são abordados aspectos

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


90

políticos, econômicos e humanos que contribuem para a pro-


blematização da realidade atual. Considerando esses aspectos,
analisamos quais as adaptações/recontextualizações de conte-
údos de Direitos Humanos nesses livros didáticos.

O percurso

Inicialmente, foram selecionados oito livros didáticos


atinentes às Ciências Humanas e suas tecnologias das três
séries do Ensino Médio, quais sejam: três livros de Geografia,
três livros de História, um livro de Filosofia e um livro de
Sociologia.
A coleção de História é apresentada em três volumes,
intitulada Conexões com a História, dos autores Alexandre
Alves e Letícia Fagundes de Oliveira, e sua 1ª edição analisa-
da em 2010 pela Editora Moderna. A coleção de Geografia, in-
titulada Fronteiras da Globalização, também apresenta três
volumes e os subtítulos O mundo natural e o espaço humani-
zado (Volume I), O espaço geográfico globalizado (Volume II)
e O espaço brasileiro: natureza e trabalho (Volume III), dos
autores Lúcia Maria Alves de Almeida e Tércio Barbosa Ri-
golin, 2ª edição, Editora Ática, todos referentes ao ano 2013.
A obra de Filosofia, de Sílvio Gallo, em sua 1ª edição, é in-
titulada Filosofia: experiência do pensamento, apresentando
volume único referente ao ano de 2013, da Editora Scipione. E
a obra de Sociologia, dos autores Luiz Fernandes de Oliveira
e Ricardo Cézar Rocha da Costa, também é apresentada em
volume único e intitulada Sociologia para jovens do séc. XXI,
e sua 3ª edição analisada em 2013 pela Editora Imperial Novo
Milênio.
Objetivando identificar expressões relacionadas aos
conteúdos de Direitos Humanos na pesquisa anterior, utili-
zamos os principais documentos oficiais nacionais que de-

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


91

terminam a inserção desses conteúdos no livro didático. Os


resultados apontaram como principais termos/expressões
cidadania, tolerância, igualdade, diferença, inclusão, liberda-
de religiosa, diversidade, gênero, preconceito, discriminação,
dignidade humana e a própria expressão Direitos Humanos5.
Utilizou-se o procedimento de análise dos livros didáticos
através de palavras-chave, buscando percebê-las como entra-
das para a problematização dos temas relacionados aos Direi-
tos Humanos.
Os conteúdos de Direitos Humanos considerados nes-
ta pesquisa não estão dispostos nos livros analisados, sendo
necessárias discussões que compreendam no significante Di-
reitos Humanos elementos que ratificam sua existência. A re-
corrência de uma expressão/palavra-chave pode fortalecer a
discussão de conteúdos de Direitos Humanos e a reprodução
de discursos oficiais. No entanto, a ausência de determinado
vocábulo pode demonstrar não somente carência de discus-
são, como também a derrota de alguma demanda nos proces-
sos hegemônicos que compõem o currículo do tema.
Os livros escolhidos estão disponíveis pelo Ministério
da Educação (MEC) e inseridos no Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD)6 destinados às escolas públicas de Ensino
Médio7. De cada livro selecionado escolheu-se um capítulo de
cada série desse Ensino relacionando-o com os Direitos Hu-

5 Neste trabalho foram selecionados documentos oficiais que tratam sobre


Direitos Humanos, no sentido de identificar as principais expressões que
preenchem este significante. A própria expressão Direitos Humanos auxi-
lia nessa identificação.
6 Os livros didáticos disponibilizados pelo MEC às escolas da Educação Bá-

sica são selecionados por estas, sob a condição de estarem inscritos no


PNLD e submetidos às avaliações pedagógicas. Aprovados, serão inseridos
no Guia do Livro Didático, que orienta os corpos discente e diretivo na es-
colha das coleções para a etapa específica de ensino.
7 Neste trabalho referenciamos os livros didáticos adotados por uma escola

pública da cidade de Mossoró/RN.

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


92

manos. No caso dos livros de Filosofia e Sociologia, por apre-


sentarem volume único, foram escolhidos três capítulos, cada
um para cada série daquele Ensino.
Para melhor compreender a análise dos documentos, a
seguir representaremos os sentidos predominantes das pala-
vras-chave/expressões encontradas em cada livro das discipli-
nas pontuadas.

Possibilidades de sentidos das palavras-chave

Iniciamos a busca das palavras-chave nos livros didá-


ticos, considerando-se a abordagem do capítulo escolhido e
sua pertinência com os conteúdos considerados de Direitos
Humanos. Embora os vocábulos estejam interligados ao con-
teúdo de Direitos Humanos, realizou-se a junção de várias ca-
tegorias por aproximação de palavras/expressões. A primeira
é contemplada pela temática cidadania, dignidade humana e
Direitos Humanos.

Cidadania, Dignidade Humana e Direitos Humanos

O vocábulo cidadania está quase sempre acompanhado


do termo direito, entendendo-se ser o fruto de conquistas e
devendo ser preservada na sua forma plena. O livro de So-
ciologia reconhece-o como responsável pelos seus atos, capaz
de reivindicar direitos políticos e sociais, abordando-o em ca-
pítulo específico8. Outrossim, contextualiza-o através de as-
pectos históricos, visando construir conceito paralelo com a
realidade atual e atribuir sentido à junção de direitos civis e
sociais. A abordagem nos capítulos selecionados é pertinente
com as discussões de Direitos Humanos, problematizando as
8 Cap.13: É de papel ou é pra valer? Cidadania e direitos no mundo e no Bra-
sil Contemporâneo. (p. 194 a 208).

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


93

disputas que forjam os modelos atuais de sociedade socialista


e capitalista e suas escolhas políticas.
No exemplar de Filosofia, a palavra cidadania é aponta-
da como condição da pessoa que usufrui de direitos e deveres
por pertencer a um Estado, estando predominantemente as-
sociada ao termo democracia, sendo tratada no final dos capí-
tulos ora através de questões, ora por textos ligados a outras
disciplinas. Esses realces sinalizam aproximações com a in-
terdisciplinaridade, e assim como no livro de Sociologia, pos-
sibilitam a problematização da temática. No capítulo do livro
de História da 1ª série do Ensino Médio, a palavra cidadania
está associada a um momento da história no qual foram ga-
rantidos direitos à população e posteriormente restringidos,
revelando proximidade com o termo democracia. No Volume
II há uma única citação do vocábulo no capítulo referente à
Revolução Francesa, qual seja: “os nobres perderam o direito
à cidadania francesa, a não ser que fizessem um pedido formal
de naturalização” (ALVES e OLIVEIRA, 2010, p. 156).
No que diz respeito à expressão Direitos Humanos,
como palavra-chave, esta auxiliou a pesquisa, obtendo o maior
número de citações voltadas ao conteúdo. O livro de Geogra-
fia aponta-a como um índice de classificação de determinado
país, reforçando que a abordagem de conteúdos nos capítulos
pesquisados apresenta disposição de dados estatísticos, evi-
denciando ausência de problematizações. Já no livro de So-
ciologia, ela é denominada como direitos fundamentais, com
respaldo jurídico, abrangendo questões de gênero, sexualidade
e violência e classificação dos Direitos Humanos em gerações,
assim como questões e textos a serem trabalhados com os alu-
nos quanto à discussão do tema, demonstrando não apenas
a presença deste, mas também elementos interdisciplinares
que auxiliam alunos e professores na compreensão de diver-
sos assuntos arraigados à temática.

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


94

Quanto à expressão dignidade humana, ela representa


às necessidades básicas do homem e pouco aparece nos livros
didáticos, exceto no exemplar de Filosofia como algo a ser al-
cançado. Ela é recorrente nos documentos oficiais que tratam
de Direitos Humanos, sendo importante considerar a possibi-
lidade de que tenha sido tratada em outros capítulos que não
foram objeto dessa pesquisa.

Tolerância, Intolerância e Liberdade Religiosa

A palavra tolerância é seguida da expressão convivência


pacífica nos conteúdos presentes nos livros didáticos analisa-
dos. Nos capítulos, ela é discutida de forma comedida entre
aceitação e conflito, sendo delineada como canal de coexistên-
cia equilibrada. Outrossim, relaciona-se à ideia de uma socie-
dade harmônica e isenta de conflitos. No livro de História é
sinônimo de respeito à liberdade do outro, em praticar sua
religião. Na obra de Filosofia também é apresentado como for-
ma de convivência pacífica entre concepções religiosas opos-
tas. Igualmente é apontada como princípio em diversos docu-
mentos oficiais9, cuja presença no livro didático robustece a
força do contexto em que o livro foi constituído.
A expressão liberdade religiosa é discutida sob a ótica
dos vocábulos tolerância e intolerância. A palavra intolerân-
cia, no livro de História, expressa aversão ao outro, seja por
questões de origem, seja por religião. No livro de Filosofia,
aquela palavra novamente aproxima-se do termo religião, ao
apresentar como principal sentido a rejeição a concepções re-
ligiosas opostas.
Na obra de Sociologia, a palavra intolerância ganha am-
pla conotação, referindo-se ao desrespeito à diversidade sexu-
9 “Art.3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...];
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância” (BRASIL, 1996, p. 07).

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


95

al e religiosa e formas de não aceitação da diferença. Em geral,


ela é marcada como forma de violência, sendo a homofobia
um dos temas associados à intolerância e diversidade sexual;
rompe a realidade ilusória onde as diferenças convivem har-
monicamente e; auxilia na reflexão do tema ao denunciar as
intolerâncias ocultadas pelo senso comum (OLIVEIRA, 2013).
A inserção de temas no livro didático, como liberdade
de orientação sexual, combate à homofobia e intolerância é
fruto de diversas disputas entre os que defendem a inclusão
das temáticas e os que se opõem a elas. Outrossim, são repre-
sentados por membros do corpo acadêmico e até no congres-
so nacional, os quais discutem sobre a produção/discussão de
textos nos documentos oficiais como, por exemplo, os Deputa-
dos Jean Willys, do Partido Social Liberal (PSL) e Jair Bolso-
naro, Partido Social Cristão (PSC).
As discussões acerca da intolerância sobre questões
étnicas, religiosas ou orientação sexual estão diretamente li-
gadas às discussões a respeito de violações de Direitos Huma-
nos. Essas questões foram inseridas no contexto de produção
de texto, adaptadas aos documentos oficiais que contemplam
Direitos Humanos e negociações para que suas demandas pre-
valeçam nos documentos oficiais, inclusive no livro didático.

Igualdade, Desigualdade e Diferença

As relações entre diferença e igualdade são objetos de


discussão por diversos estudiosos, inclusive das áreas de Edu-
cação e Direitos Humanos, justificada sob a recorrência pre-
sente nos livros didáticos. A palavra Igualdade intensifica-se
nos livros de Filosofia, assinalada como o meio para a cons-
trução de projetos em comum, vislumbrando a construção de
políticas. Ela é tema em vários documentos que versam sobre
Direitos Humanos, cujo reconhecimento das diferenças emer-

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


96

ge como nova questão, buscando-se não apenas a igualdade,


mas o tratamento/direito de acordo com suas especificidades.
No livro de Sociologia, a palavra igualdade é tratada em vários
momentos opondo-se à desigualdade, mas também conside-
rando o direito à diferença conferida e respeitada. Em outras
passagens é sinônimo de simetria e legitimidade mútua.
Oliveira (2013, p. 91) afirma que “há situações em que
não basta reivindicar o direito à igualdade, mas sim reivindi-
car o reconhecimento da cultura e das formas de ser do outro
ou de uma sociedade”. Essa definição provoca reflexões acer-
ca do sentido da palavra, provocando novos questionamentos,
instigando alunos e professores a pensarem sobre o direito à
diferença, bem como questões relacionadas aos Direitos Hu-
manos. As afirmações do autor acentuam a transversalidade
do tema, perpassando conteúdos de várias disciplinas e possi-
bilitando o debate sob diferentes prismas.
Os livros de História trabalham a igualdade junto ao
tema Revolução Francesa, referindo-se ao ideal da época con-
ferida juridicamente a homens e cidadãos, embasado no se-
guinte trecho: “colocar o bem comum acima dos interesses
particulares, reconhecer a igualdade natural entre todos os
homens e confraternizar-se com todos os cidadãos eram nor-
mas de conduta” (ALVES e OLIVEIRA, 2010, p. 167). Ela
acerca-se com o significado de cidadania, exercício de direi-
tos e deveres inerentes às responsabilidades de um cidadão,
hegemonizando-se nos documentos oficiais. No livro de Geo-
grafia, o termo igualdade emerge da diferença de gêneros e
traz dados estatísticos que revelam a importância do papel da
mulher na sociedade.
O livro didático de Sociologia trabalha a palavra desi-
gualdade como sinônimo de diferenças sociais, econômicas e
de acesso a determinados serviços, considerando-a como um
dos produtos do etnocentrismo. Ela está presente em diversos

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


97

capítulos, sendo tema recorrente na obra e diretamente liga-


do à palavra-chave diferença. No exemplar de História, vem
acompanhado do vocábulo social, relacionando-se à pobreza, à
instabilidade e ao conflito. No livro de Filosofia é elemento que
corrompe a sociedade, desencadeando diferenças econômicas
e sociais e disputas pela propriedade. No livro de Geografia, o
termo desigualdade apresenta contrastes entre países ricos e
pobres quanto a aspectos sociais, econômicos e regionais con-
sequente da desigual distribuição de renda. Neste sentido, a
utilização de dados estatísticos fundamenta discussões acerca
de Direitos Humanos na conjuntura atual. No livro de Filoso-
fia, a palavra diferença é indicada como as particularidades de
cada indivíduo e lavrada na diferença entre sexos. Nos livros
de Geografia indica características específicas de uma região/
localidade, etnias e problematiza fatos.
Os textos complementares ao final dos capítulos devem
ser considerados relevantes, uma vez que possibilita aos pro-
fessores o aprofundamento das discussões junto aos alunos, as-
sim como instigá-los à compreensão do assunto ­contemplado.

Gênero, Diversidade, Discriminação e Preconceito

Em linhas gerais, o termo gênero é melhor trabalhado


nos livros de Filosofia e Sociologia, com capítulo exclusivo. O
termo diversidade é associado à sexualidade, demonstrando a
força de grupos que lutam para que o tema faça parte das dis-
cussões no ambiente escolar através de sua inserção nos livros
didáticos. Quanto às palavras discriminação e preconceito, ve-
rificou-se forte ligação, indicando a influência sobrejacente
nos documentos oficiais. E no tocante às distintas acepções
ao termo preconceito, este apresenta diferentes perspectivas
em cada capítulo analisado, demonstrando pertinência com os
conteúdos de Direitos Humanos e aprofundamento na maio-

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


98

ria das obras, revelando não apenas vínculo com os discur-


sos nos documentos oficiais, mas uma tradução/adaptação de
acordo com cada conteúdo.

Considerações finais

O presente artigo analisou a discussão de temas refe-


rentes aos Direitos Humanos no livro didático. Inicialmente,
realizou-se um recorte nos livros de Ciências Humanas do En-
sino Médio, selecionando-se capítulos relacionados à temática.
Em seguida, utilizou-se palavras-chave e expressões atinentes
ao conteúdo de Direitos Humanos, verificando-se sua recor-
rência nos exemplares analisados.
Os conteúdos considerados como Direitos Humanos
não foram expressamente dispostos nos livros analisados, o
que suscitou discussões para compreender sua existência. A
interdisciplinaridade surge como elemento influente na abor-
dagem daqueles conteúdos, haja vista a ausência de disciplina
específica sobre o tema. Quanto à transversalidade, esta surge
como uma das estratégias para abordar a interdisciplinarida-
de, considerando-se o número de palavras-chave/expressões
localizadas. Nesse sentido, os conteúdos de Direitos Humanos
podem ser trabalhados livremente, porém correm o risco de
não serem considerados importantes pela inexistência de dis-
ciplina específica.
No que diz respeito à interdisciplinaridade, ela é com-
ponente importante na formação do conhecimento, uma vez
que as disciplinas não devem ser trabalhadas isoladamente,
mas ponderadas como parte da construção do campo discipli-
nar quando conjugadas através de novo sentido politicamente
reconstruído (LOPES e MACEDO, 2011). Os textos comple-
mentares, presentes no final dos capítulos, trazem aspectos
da interdisciplinaridade, possibilitando o aprofundamento de

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


99

discussões pelos alunos com o auxílio de outras disciplinas,


assim como questões que os instiga a compreenderem melhor
o assunto trabalhado.
As discussões sobre igualdade, diferença e diversida-
de apresentam intensa ligação com tolerância, preconceito
e gênero, preenchendo o significante Direitos Humanos. Os
vocábulos gênero, cidadania, diferença e desigualdade apre-
sentaram maior recorrência nos resultados, haja vista serem
polêmicos e de relevância social.
A abordagem das expressões/palavras-chave selecio-
nadas apresentam vínculos com os discursos destacados nos
documentos oficiais, significando que estão sendo traduzidos/
adaptados em parte dos conteúdos de Direitos Humanos nos
livros didáticos. Tomando-se como base o ciclo de políticas de
Ball (1998), essas adaptações/ressignificações ocorrem em to-
dos os contextos. Os dados da pesquisa reforçam o livro como
produto das negociações/articulações operadas nos contextos
de influência e de produção de texto, sem, no entanto, olvidar
que o ciclo não finda, de maneira que a obra sofre novas res-
significações no contexto da prática e influencia na constru-
ção de novas políticas.
Os resultados da pesquisa apontam a presença de con-
teúdos de Direitos Humanos em significativa parte dos capí-
tulos dos livros didáticos analisados, embora também haja
assuntos que não se compatibilizem aos temas transversais.
Quanto à abordagem, a busca realizada com as palavras-chave
revela que as temáticas relacionadas aos Direitos Humanos
são trabalhadas ora em alguns capítulos de forma superficial,
como nos livros de História e Geografia, ora de forma mais
problematizada e reflexiva, como em Sociologia e Filosofia.
O dado que aponta o maior número de citações está vin-
culado ao livro de Sociologia, demonstrando afinidade com os
conteúdos de Direitos Humanos e os discutidos nas outras dis-

DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


100

ciplinas. Logo, corroborando com os capítulos específicos vol-


tados às discussões de temáticas como, por exemplo, gênero. E
de forma pouco expressiva, o resultado é apontado nos livros
de Geografia, haja vista seus conteúdos estarem direcionados
a dados estatísticos, bem como as obras não fazerem uso da
interdisciplinaridade na transposição de seus conteúdos ou
até mesmo em razão do recorte dos capítulos selecionados.
No tocante ao livro didático, ele é ferramenta poderosa
com importante papel tradutor de políticas de Direitos Huma-
nos, seja reinterpretando, representando diferentes discursos,
seja criando novos discursos no sentido de estabelecer novas
relações entre diferentes grupos.
Lopes e Macedo (2011) consideram que se deve focar
nos questionamentos acerca dos objetivos sociais do currículo
escolar com o fim de possibilitar uma melhor compreensão
das relações de poder que envolvem essa discussão. Os con-
teúdos de Direito Humanos deverão estar ligados às questões
acima mencionadas, objetivando provocar reflexões/proble-
matizações no ambiente escolar.
Com base na teorização de Laclau (2005) é possível ha-
ver uma nova percepção de Direitos Humanos nos livros di-
dáticos, de forma que seus conteúdos sejam discutidos menos
utopicamente, considerando-se a realidade atual, reconhecen-
do-se e problematizando-se as igualdades e desigualdades e
correlacionando-se as tensões e conflitos e antagonismos tra-
zidos pelas diferentes demandas de grupos desiguais que com-
põem a sociedade.
E o livro, ainda que não seja a única ferramenta de tra-
balho do professor, possui forte vínculo com os roteiros de au-
las a serem trabalhados no contexto da prática. Mesmo que
a inserção de conteúdos de Direitos Humanos não signifique
que serão trabalhados pelos professores em sala de aula, a
simples presença aumentam as chances deles serem discuti-
dos pelos alunos, ainda que sem auxílio daqueles.

SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


101

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SUZANA PAULA DE OLIVEIRA PEREIRA


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DIREITOS HUMANOS E INTERDISCIPLINARIDADE NO LIVRO DIDÁTICO


104

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE


HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR

PAULO AUGUSTO TAMANINI


Doutor em História. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino da UFERSA. Pós-Doutor
pelo Programa do Pós-Graduação em História pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mem-
bro do Athens Institute for Education and Research (Grécia).
E-mail: tamanini@terra.com.br
105

Introdução

A atual historiografia compreende a imagem como porta-


dora de significados partilhados, como um documento, cujas
propriedades técnicas, estilísticas e iconográficas remetem
a um modo de percepção que moldam as narrativas e o ensi-
no na área de História. Assim, na aprendizagem com mate-
riais imagéticos dentro do campo historiográfico paira o ob-
jetivo de detectar não somente os conteúdos, mas associado
a este, também os sistemas de percepção das imagens, para
explicitar as convenções culturais nelas inscritas. Dessa co-
munhão e esforço epistemológico, permeados pelos métodos
e saberes multidisciplinares, resulta em um conhecimento
acerca do período Medieval para além de narrativas de fa-
tos e datas. Aquele passado pode assim ser desvendado em
algumas de suas nuances através não só da escrita, com-
preendido em aspectos singulares e relidos dentro de um
panorama iconográfico.
Isto posto, este capítulo parte da premissa e da obser-
vação de que as imagens do período Medieval são preciosas
ferramentas de ensino para a Historiografia, assim, é capaz de
ultrapassar as linhas do puro encantamento provocado pela
fulguração das imagens e ir à profundidade de uma análise
mais apurada. A imagem no período Medieval era mais que
uma representação; instituía-se na materialidade de uma cul-
tura e num modo de se estar no mundo. Contudo, como lem-
bra Sandra Pesavento (2008, p. 41),

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


106

As representações são também portadoras do


simbólico, ou seja, dizem mais do que aquilo que
mostram ou enunciam, carregam sentidos ocul-
tos, que construídos social e historicamente, se
internalizam no inconsciente coletivo e se apre-
sentam como naturais, dispensando a reflexão.

Porque as imagens carregam um dizer e facilitam o


ingresso de informações sobre o período Medieval, torna-se
objetivo dessa explanação chamar a atenção dos docentes e
pesquisadores ao poder inerente às imagens no processo de
aprendizagem/assimilação de conteúdos do Ensino Médio.
Compreende-se que o viés prático nesse processo se assen-
ta no oferecimento dos saberes acerca do período Medieval
auxiliado à aplicabilidade das imagens, combinando texto,
iconografia, percepção e hermenêutica, tendo como intuito a
aproximação dos alunos no universo da mídia visual. Por isso,
torna-se indispensável observar as imagens dentro de alguns
parâmetros teóricos, pensar nelas como parte integrante de
uma ferramenta de comunicação que tem sua célula iniciática
desde a época das cavernas. Até porque, antes mesmo de es-
crever, os primeiros homens desenhavam nas paredes de seus
abrigos, marcando nas pedras suas percepções de mundo.
Essas células carregadoras da expressão humana se de-
senvolveram a medida e na proporção da evolução da espécie.
Por isso, à sua sombra vem um itinerário onde o aperfeiçoa-
mento da comunicação entre pessoas, grupos se fazia meta a
ser continuamente superada. Desse modo, as imagens torna-
ram-se veículos e transmissores do modus vivendi e saberes
dos seres humanos em um transcurso de tempos e espaços.
Por isso, atualmente, são analisadas sob o crivo das epistemes
e de hermenêuticas das diversas áreas de conhecimento. E
a História e o Ensino não se fazem a exceção e analisam as
imagens não mais como simples complementos ilustrativos

PAULO AUGUSTO TAMANINI


107

de um dizer anteriormente grafado, mas como fontes eiva-


das de códigos linguísticos que informam, anunciam, dizem
e se presentificam como ferramenta comunicativa. Elas, em
si, carregam a ontogênese da comunicação. Por isso, à análise
das imagens subentende-se cercar-se de pressupostos teóricos
multidisciplinares que compartilham o entendimento de afas-
tar as Imagens contidas nos livros didáticos como sinônimo
de ‘pura imaginação’, ‘expressão marginal’ do texto (PIETRO-
FORTE, 2007, p. 34).
No tocante às imagens do período Medieval nos livros
didáticos de História, tal assertiva é pertinente uma vez que
este é o período da História em que os poderes de institui-
ções fortemente aliançadas entre si, competiam com a força
criativa do imaginário popular e com as crenças na existên-
cia e influência de bruxas, feiticeiras e vampiros. Maldições,
pragas, bênçãos, doenças, etiqueta e rituais religiosos, pestes
e fealdades se imbricavam na cotidianidade dos povos ‘civi-
lizados’ e ‘bárbaros’ sendo tema recorrente dos diálogos nas
tabernas, discursos e sermões nos púlpitos de Igrejas, escritas
e ilustrações dos artistas de renome ou dos mais desconheci-
dos. Atentar para esse contexto sociocultural poliédrico ate-
nua e faz nuançar avaliações mais ligeiras sobre o Medievo
na prática do Ensino de História com a utilização de imagens.
De toda forma, imagens criadas no Período Medieval ou sobre
ele, “vinculam tempos diferentes, evidenciam fatos históricos,
põem à luz os vestígios da construção da cultura de pessoas e
grupos organizados ou das pessoas comuns” (BURKE, 2004, p.
99) e que, atualmente, são transmitidos em sala de aula.

O Medievo e seus lugares

As imagens do período Medieval, nas suas mais diver-


sas modalidades e inspirações, atraíram renomados pensado-

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


108

res da arte e filósofos – preocupados com a percepção estética


e o modo como surtiam os efeitos de um saber. Disso se en-
tende que na feitura de toda e qualquer imagem gravita um
contexto socioespacial, uma cronologia em que se encaixam
os fatos, um tempo histórico e uma razão, uma intenção, uma
ideia que permeiam as ações. Como a imagem está circunscri-
ta em contextos socioculturais, delimitada pelo espaço e tem-
po, conhecer o lugar e a datação em que foi criada, pensada e
divulgada fornecem elementos necessários para o Ensino de
História que necessita de múltiplas colaborações. O caráter
informacional das imagens depende, é claro, de conhecimen-
tos amplos, vastos, advindos de uma percepção colaborativa
e multidisciplinar. Decorrente disso, a História e o Ensino
analisam a aplicabilidade das imagens no ensino do período
Medieval sob prismas teórico-metodológicos credenciados por
campos de conhecimento comungantes, obtendo repercussão
e credibilidade nas áreas de saber associadas.
Toda e qualquer imagem se apropria de um endereço,
uma referência espacial por onde é facilmente localizada (HEI-
DEGGER, 1996). O espaço em que foi criada uma imagem não
é apenas um dado geográfico; para além de expressar as coor-
denadas de localização, mapeia as suas possíveis relações com
o meio onde estava inserida. Interpretar o lugar das imagens
do período medieval, por exemplo, implica em perscrutar uma
cronologia diferenciada daquela em que o conteúdo é proposto
em sala de aula.
O estudo da imagem em relação à temporalidade aqui
delimitada impõe a compreensão, por exemplo, dos conceitos
tempo em suas variáveis: κρóνος e καιρóς. Lança-se mão então
da colaboração da Filosofia que pode auxiliar os alunos nessa
distinção. É preciso que haja um mínimo de entendimento da
forma como o tempo era assimilado pelas classes dominantes.
Enquanto o termo κρóνος era aplicado ao tempo cronológico

PAULO AUGUSTO TAMANINI


109

ou sequencial (o tempo que se mede, de natureza quantitativa),


o termo καιρóς possuía natureza qualitativa, era o tempo es-
tendido pelas rememorações (CAIRUS e RIBEIRO JUNIOR,
2005, p. 221).
Quando se estuda as imagens na História Medieval, o
κρóνος e o καιρóς se mesclam, dada as datações e os momen-
tos de experiência, contemplação e absorção de um conheci-
mento visual. Da mesma forma, o espaço em que as imagens
estavam inseridas então, mais que mero cenário de exposição,
instituíam-se lugar do acontecer histórico, e que no Ensino
fazem parte de um processo de transmissão e assimilação de
um conteúdo de apreensão. O Ensino de História com a apli-
cabilidade das imagens abre-se então como possibilidade de
observar na contemplação da arte, não só práticas culturais
calcadas em valores e normas esteticamente construídas, mas
informações valiosas dos Impérios e da Igreja cristã.
Para além disso, cada imagem evidencia e publiciza um
modo de se compreender o Medievo, não somente em sua arte,
como também nas estruturas de poder vigentes, nas relações
sociais acordadas ou impostas, nas vivências culturais de gru-
pos humanos díspares e seus imaginários carregados de su-
perstições e crenças. Elas, como compósitos informacionais
complexos, indicam em quais percepções os gregos bizantinos,
germanos, francos, os bárbaros, romanos, o povo simples etc.,
mediavam à materialidade da vida em seu cotidiano e, em que
moldes os idealizadores das imagens queriam que essas infor-
mações fossem transmitidas à posteridade. Assim, ao redor
da evidência desprendida de qualquer natureza jubilatória
sobre o Medievo, gravita um passado ora aparelhado, ora de-
sorganizado, ora centrado na devoção ou ódio aos mandatários
das instituições, ora submetidos ao caos da vida pública.
Os Patriarcas e os Imperadores da primeira Era de
Ouro do Medievo Bizantino (séculos IV-IX), esses agentes de

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


110

poderes institucionais e obedientes aos rituais da corte e aos


protocolos imperiais, constituem-se figuras essenciais para a
celebração do direito e da política em uma época que se res-
pirava as formalidades da corte, ainda mais quando comun-
gavam de uma mesma tarefa: cristianizar os impérios. Na
aparente convivência entre esses dois corpos jurídicos das
instituições, desdobradas em Igreja cristã e Impérios, escon-
dia-se uma aliança de institucionalidades onde a mútua coo-
peração, cumplicidade e, por vezes, subordinação, se davam de
forma protocolar, exteriorizadas.
Logo, o Ensino de História do Período Medieval com o
uso das imagens requer compreender o espaço em que elas
foram pensadas ou criadas, pois desses lugares brotavam a
exposição de vivências e que foram trasladadas, através dos
currículos escolares para os tempos do presente.
Nesse sentido, as imagens do Medievo podem ser ana-
lisadas e transmitidas como um ensinamento que se recons-
trói pelas sendas de temporalidades multíplices, através das
habilidades e das criatividades didáticas do professor em sala
de aula. Lida dessa forma, o conhecimento a respeito desse pe-
ríodo se fundamenta pelos processos de assimilação, fases de
percepção e momentos de propagação que prendem a atenção
do aluno ou do grupo qual um corpo, uma totalidade desdobra-
da em processos de cognição e aprendizagem e fascínio pelos
recursos visuais.

Imagens e História Medieval: contribuições e


desafios em sala de aula

Longe de se narrar curiosidades e mera propagação da


arte do Medievo, o uso das imagens no Ensino de História
busca articular os saberes das especificidades do campo de
pesquisa historiográfica com os métodos de ensino em sala de

PAULO AUGUSTO TAMANINI


111

aula, com os cuidados e métodos atinentes ao modus operandi


do ofício de ensinar. Verifica-se, então, que o uso das imagens
na composição do ensino historiográfico encerra-se dentro de
um contexto de colaboração recíproca entre a historicidade
visual e o processo de ensino e aprendizagem. Essa coopera-
ção acumulativa e associativa resulta que se ultrapasse aquilo
que esteja aparentemente representado na própria figura e se
atente para a polissemia das apreensões da imagem dentro de
contexto plural de assimilação de conhecimentos. Importante
notar que a utilização da imagem nesse processo não se cons-
titui esquemas e paradigmas rígidos ou fórmulas prontas.
Trata-se então de leituras polissêmicas de um mesmo dado e
que entram em consenso através de métodos e critérios que o
professor se assenhora e acha conveniente. Interpretar ima-
gens nem sempre é um processo consensual e que, por vezes,
faz acordar impulsos que, se não controlados, podem gerar
contendas mais graves. Divergentes ou convergentes, a apli-
cabilidade das imagens no Ensino de História mostra-se em
processos interativos de aprendizagem, em que a visualidade
tem sua pertinência e primazia.
De partida, entende-se: as imagens quais escrituras
regidas por outra sintaxe que cientificam pensamentos, in-
teiram saberes, convergindo à nobreza da existência o que a
inspiração ou intenção dos autores das imagens prodigalizou.
Por exercer a competência de texto, as imagens, por vezes, ul-
trapassam e fazem confundir a razão e a certeza das palavras,
porque sua linguagem diverge do da costumeira, discrepa do
da acostumada, dissende do da habituada. As imagens são tex-
tos e, como tal, estão a mercê de normas para sua leitura.
Assim, na perspectiva de relacionar a aplicabilidade da
Imagem com o Ensino de Historia interessa pontuar o pro-
cesso de transmissão de saberes, no qual o aluno é sujeito do
conhecimento. Além desta conformidade, torna-se fundamen-

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


112

tal lembrar que, ainda que os professores se utilizem de auto-


res que tratam de pesquisa e do ensino com imagens, devem
prever as condições e meios adequados para sua possibilida-
de em cada unidade escolar. Até porque, nem sempre haverá
material didático suficiente, projetores, infraestrutura básica
para a materialização do plano de aula. Não se trata de deses-
tímulo, mas de planejamento prévio para concretizar alguns
métodos interdisciplinares.
Para a História e o Ensino, as imagens não são apenas
objetos que prospectam ou detém informações, mas receptá-
culos prenhes de correntes ideológicas que tendam direcio-
nar práticas e discursos. Logo, essas áreas do saber deverão
igualmente acercar-se de cuidados com vistas de lucrar êxi-
tos. Ao saírem de si mesmos, ao extrapolar os limites da zona
de conforto, ao superar os limites de suas carências, História
e Ensino observam as imagens do Medievo como documen-
tos, por isso, passíveis de análises, interpretações, arguições.
Isto porque o passado é relido e retransmitido, tendo como
referências planos macros de Educação e formação. De toda
forma, malgrado forças institucionais que teimam adestrar a
assimilação de conhecimento em sala de aula, os alunos e pro-
fessores em sala de aula são donos de seu tempo e senhores
de seus propósitos.
O Ensino de História Medieval com a aplicabilidade de
imagens deve sempre ser norteado pelo objetivo de facilitar
o aprendizado e a aquisição de conhecimento específico. Ou
seja, ferramentas pedagógicas, linguagens visuais coetâneas
e mídias utilizadas na redescoberta de algumas nuances do
período medieval, não devem seduzir os alunos pelo estupor
e exposição de ícones, mas agigantar o senso crítico acerca
da construção de determinados conteúdos. O aluno sempre
será o sujeito de seu conhecimento e a escola o meio social que
deveria facilitar o aprendizado numa relação ativa com seus

PAULO AUGUSTO TAMANINI


113

agentes. Aqui vale lembrar o alerta de Circe Bittencourt: “fa-


zer os alunos refletirem sobre as imagens que lhe são postas
diante dos olhos, é uma das tarefas urgentes da escola e cabe
ao professor criar as oportunidades” (BITTENCOURT, 1998,
p. 89).
Se em uma época profundamente marcada pelo visual
faz-se mister prestar mais atenção à vista, torna-se imperioso
igualmente aos alunos e aos professores tomarem consciência
de que a História é um relato construído a partir de fontes
documentais múltiplas, interpretação de figuras, ressignifi-
cação de conteúdos imateriais, coletas, estruturação, organi-
zação e sistematização de informações que intencionam uma
construção de saberes. Se a feitura, organização, escolha dos
conteúdos são tão divergentes, não é de se estranhar que em
uma sala de aula, os alunos divirjam em suas análises sobre
o que lhe são apresentados. Cabe então ao professor acolher
as avaliações, valorar as opiniões diferentes e acordar uma
interpretação mais plausível ao conteúdo, procurando não di-
minuir ou menosprezar opiniões que fogem muito do comum.
Quando isso acontece, o professor, qual moderador das discre-
pâncias, deve auxiliar os alunos a arrefecer as discrepâncias e
chegar a um ajuste. Para tanto, deve isolar a imagem do texto
e analisá-la sem as interferências do escriturístico para, sem
seguida, contrapor o que este infere com as experiências e os
sentidos que os alunos captaram. Na prática do Ensino, no
processo de aprendizagem em que o aluno também é o agente
do conhecimento, se o professor de História deve considerar
as etapas da feitura das narrativas, para poder falar delas com
maestria, o mesmo fará com as interpretações responsivas a
um determinado conteúdo, ainda que estes sejam antagônicos.
A pluralidade de opiniões dos alunos em relação ao um con-
teúdo imagético em sala de aula não demonstra descontrole
do professor, ou início de um confronto de opiniões ou achis-

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


114

mos, mas oportunidade de exercitar o respeito pelo diferente


e aceitar que nem todos pensam de modo uniforme. Dado este
passo, ainda que respeitadas as diferenças, torna-se necessá-
rio convidar os alunos ao consenso.
Ao se depararem com imagens no estudo da História
Medieval, os alunos deverão ter em conta não só o passado.
Capazes de relacionar o conteúdo visual com o seu presente,
os alunos poderão encontrar ressonância de seu cotidiano em
ferramentas educacionais que intencionam ensinar. Textos
repletos de datas, nomes difíceis de gravar, parágrafos enor-
mes de conteúdos milimetricamente organizados tornam a
aula de História um fardo. As imagens, se bem empregadas
e aplicadas, tendem a ser um alívio e um respiro de vida no
percurso de tantas frases escritas. Contudo, elas cumprirão a
missão de ensinar, quando aproximarem o aluno de seu coti-
diano, se repercutirem o que está no livro, no slide, na tela do
projetor, as realidades que aluno enfrenta. Ao apreender sobre
os episódios do Medievo, as imagens, o conteúdo escrito, e a in-
teração provocada em sala através das discussões, deverão ser
capazes de relacionar tempos a-sincrônicos, ações humanas
divergentes, sentimentos que afloram, consequências e deci-
sões à vida sociocultural, familiar dos alunos etc. Concomitan-
te à crítica das fontes e dos registros por vezes tendenciosos
e à luz do acontecido, deverão desejar participação efetiva na
remodelação da sociedade, na preservação de valores, denun-
ciar preconceitos e injustiças, lutar por direitos individuais e
coletivos, ou seja, fazer-se cidadão consciente de seu papel em
meio a tantas vicissitudes. Por isso, a História não é um livro
de contos do passado, de registros de ficção, de um amontoado
de datas, heróis, vilões, feitos e desgraças. Ela é, outrossim,
uma disciplina curricular que apesar de falar do pretérito,
tem a missão de colaborar de forma associativa e progressiva
com crescimento dos cidadãos no presente. E, nesta empreita-

PAULO AUGUSTO TAMANINI


115

da, pode usar das imagens, dos recursos visuais, das técnicas
iconográficas que muito tem a dizer e ­mostrar.

Conclusão

O uso das imagens como ferramenta de conteúdo nas


disciplinas curriculares é recente (BITTENCOURT, 2005, p.
361). Especificamente no campo da História, as imagens ge-
ralmente foram por muito tempo usadas apenas como ilustra-
ções que corroboravam o texto escrito. Agora, percebe-se que
elas também são fontes das quais a História se serve na cons-
trução de enredos e narrativas. Não se restringem apenas a
informar, anunciar, dizer a partir de um só campo interpreta-
tivo auxiliar; brotadas da disciplinaridade, remetem ao trans-
crito, ao dizer velado, àquilo que não se pode revelar a priori,
apenas descoberto por baixo das tintas e traços, ângulos e es-
tilos. As formas, as cores, os vocábulos fantasiados de pintura
escrevem então, o formalismo de uma mensagem, inspiram
relatos, provocam narrativas, emitem signos e deduções.
Desse modo, abordar as relações imagéticas com o Ensi-
no de História é se ater às interconexões simbólicas entre, de
um lado, a historicidade das imagens, e de outro, os principais
vetores do aprendizado num determinado eixo de intenções.
Até porque nenhuma imagem é inocente. Para tanto, o uso
das imagens no ensino pressupõe captar as técnicas de poder
de persuasão das linguagens formativas, em que os estilos e
normas de convergência de saberes se confabulam. Nesses
termos, compreende-se que toda imagem é uma linguagem
visual resultante de cruzamentos das intenções e que estão
em relação íntima com um tempo e com as condições de pro-
dução de conhecimento. As possibilidades de técnicas e de
aparatos didáticos para o ensino da História do Medievo são
múltiplas (filmes, textos, álbuns, peças de museus), mas, ainda

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


116

assim persiste o objetivo, entre outros, de conscientizar o alu-


no de que todas as ações, pensamentos, atitudes, fatos serão
um dia julgados pelos que virão depois. Por isso, é dentro de
uma contextualização sociocultural que o conteúdo das ima-
gens dentro do Ensino é estudado, relido e interpretado à luz
de um método multidisciplinar coetâneo àquele que se arvora
crítico. Isto posto, é possível inferir que os saberes da História
amalgamados pelas técnicas e didáticas do Ensino do Medievo
encontre um denominador para apreender partes do passado,
mas que repercute no presente.
Na era em que a transdisciplinaridade ou a multidisci-
plinaridade é valorizada na constatação e análise de fatos, a
Imagem deixou de ser assunto somente da arte, ou da estética.
Como senhora de si e de suas competências, ela dialoga, pro-
põe, interroga e protagoniza-se em outras áreas de conheci-
mento em uma parceria em que todos se beneficiam.
Como na História, coube também ao Ensino revisar ou
reconsiderar conceitos, usar de linguagens mais atualizadas e
reinterpretar as fontes visuais à luz das demandas de atuais
contextos, tendo o cuidado, no entanto, de não cair no casuís-
mo ou modismos. Então, é preciso pontuar que a Historiogra-
fia não está cega ou é alheia às realidades do presente, como
muitos querem crer. A História se refaz em cada presente
desde que ressuscitada ou transmutada ao cotidiano do alu-
no, da comunidade por quem tem a competência de fazer. Se
uma imagem é atemporal, ao fazerem uso dela, a História e o
Ensino ganham também nesgas de perenidade; seguramente
não seu conteúdo (que é refeito ou readequado por organismos
que controlam a Educação e os currículos escolares), mas o
seu ofício e missão.
O olhar que traduz a História do acontecido é o olhar
de quem a transmite no presente: é o olhar do professor, do
pesquisador, do investigador, é o olhar do aluno que faz suas

PAULO AUGUSTO TAMANINI


117

reelaborações, que tira suas conclusões, que faz críticas e que


tenta acalentar suas inquietações.
As imagens do período Medieval, quase sempre repor-
tadas aos gigantescos castelos, às figuras da realeza, aos confli-
tos bélicos, às invasões bárbaras, às monumentais catedrais,
às figuras deploráveis de bruxas e feiticeiras, à envergadura
garbosa de animais e aves nobres, aos símbolos e brasões, são
representações de uma ideia, de um tempo de um modo de vi-
ver tão complexo como é o de hoje. Tempo esse que a Historio-
grafia e o Ensino retomam para garimpar nas águas turbulen-
tas do passado, os rudimentos de um fato, com suas virtudes
e fracassos. As imagens do período medieval não são somente
a materialidade visual que norteou impérios. Mostra igual-
mente o modo como o conhecimento ganhava a imanência dos
dias e instituía-se registros de documentação. As imagens do
Medievo ao se juntarem aos textos, aos decretos, às esfinges,
às moedas cunhadas em ouro e prata ganham o status de pre-
ciosa fonte visual e que hoje estão abertas às pesquisas. En-
gana-se quem pensa que a imagem no Ensino de História se
restringe a reverberar unicamente os dados de um tempo que
se escoou. Em cada detalhe, a História amalgamada ao Ensi-
no busca a crítica e a documentação de uma obra, deixando
pistas para possíveis hermenêuticas explicadas pelo método
analítico de cientificidade. Logo, muito do estatuto da História
e do Ensino fazem-se moradas circunscritas em uma aparente
tela ou página de papel de um livro que se deixa desnudar.
Entender os pressupostos das imagens em um livro didático é
tentar compreender como homens e mulheres buscavam res-
postas a tantas perguntas e que até hoje, muitas delas vagam
procurando ser aquilatadas!
As imagens medievais, para além do mero encantamen-
to e sedução das formas e traços, cores e nuances, mostram
um percurso de formulações de saberes, calcados em acordos

DAS IMAGENS DO MEDIEVO AO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PARCERIA MULTISDICIPLINAR


118

legitimados, evidenciando o quanto ao redor da figura gravita


um conhecimento, um saber específico e que não prescinde de
historicidade. Todo conhecimento tem um rastro, um arrazo-
ado, inclusive aqueles que são escaneados pelos olhos.

Referências

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamen-


tos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.
BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de
aula. São Paulo: Contexto, 1998.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Floria-
nópolis: Edusc, 2004.
CAIRUS, Henrique Fortuna & RIBEIRO JÚNIOR, Wilson A.
Textos hipocráticos: o doente, o médico, a doença. Rio de Janei-
ro: Fiocruz, 2005.
HEIDEGGER, Martin. L’art et l’espace. In: Questions III-IV.
Paris: Gallimard, 1996.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural.
Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
PIETROFORTE, Antônio Vicente. Análise do texto visual: a
construção da imagem. São Paulo: Contexto, 2007.

PAULO AUGUSTO TAMANINI


119

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA


POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES


Formada em Letras/ Português pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN/ UFERSA/ IFRN). Docente do curso de Letras/ Libras
da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
E-mail: isabelle.fagundes@ufersa.edu.br

JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino pelas IES (UERN/ UFERSA/ IFRN). Especialista em
LIBRAS. Graduado em Letras/Libras. Professor do magistério superior na Universidade Federal Rural do
Semiárido – UFERSA.
E-mail: joaob.libras@ufersa.edu.br

VICENTE DE LIMA-NETO
Formado em Letras/ Português pela Universidade Federal do Ceará, Mestre e Doutor em Linguística
pela mesma instituição. Docente do curso de Letras/ Português da Universidade Federal Rural do
Semi-Árido e do Programa de Pós-graduação em Ensino (UERN/ UFERSA/ IFRN).
E-mail: vicente.neto@ufersa.edu.br
120

Considerações iniciais

A o longo da história da educação dos surdos, percebem-se


muitas marcas de exclusão social, isso porque, durante muitos
anos, a língua enquanto fala era tida como expressão do pen-
samento, logo entendia-se que tanto os surdos quanto outros
cidadãos com quaisquer problemas físicos ou psicológicos que
não falavam não precisavam de educação, pois pressupunha-
-se que não pensavam.
Com a evolução das concepções de sociedade, de cultu-
ra e, principalmente, de língua, essa percepção mudou e fez
com que os surdos fossem reconhecidos como cidadãos iguais
a quaisquer outros, sendo, inclusive, legitimado agora por leis
brasileiras que reconhecem as especificidades do indivíduo
surdo e lhes garantem uma educação justa e igualitária.
A legalização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)
foi de extrema relevância para promoção da autonomia social
e acadêmica da comunidade surda, garantido a ela uma maior
visibilidade social e política, fatores que antes eram mais mar-
ginalizados.
Conforme Lacerda (1998, p. 38-39),

É pela linguagem e na linguagem que se podem


construir conhecimentos. É aquilo que é dito,
comentado, pensado pelo sujeito e pelo outro,
nas diferentes situações, que faz com que os
conceitos sejam generalizados, sejam relacio-
nados, gerando um processo de construção de

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


121

conhecimentos que vai interferir de maneira


contundente nas novas experiências que este
sujeito venha a ter. Ele se transforma através
desses conhecimentos construídos, transforma
seu modo de lidar com o mundo e com a cultura
e essas experiências geram outras, num movi-
mento contínuo de transformações e desenvolvi-
mento. A mediação semiótica (mediação que se
dá através dos sinais, dos signos e das palavras,
etc.) é que permite também a incorporação do
sujeito ao meio social e, como consequência, a
apropriação deste.

Devido às várias “vozes” que discutiram e discutem so-


bre a educação de surdos, até hoje, essa temática tem se reve-
lado um assunto inquietante, pois há muitas propostas educa-
cionais sendo abordadas tais como o oralismo1, a comunicação
total2, a educação3 inclusiva e o bilinguismo4, estas, com a mes-
ma finalidade que é promover um ensino de qualidade e o de-
senvolvimento das capacidades dos educandos surdos. Logo,
torna-se interessante propor um diálogo com a história, com
o ensino e com a língua desses indivíduos, a fim de oferecer
possíveis soluções mais inclusivas, humanas, democráticas e
que favoreçam o desenvolvimento social, cultural, político e
econômico do surdo.
1 Consiste no ensino da língua materna através da imposição da oralização
nos processos de aprendizagem do surdo. Dessa maneira, neste método é
proibida qualquer manifestação que se diferencie da fala, como ocorre na
comunicação gestual e na utilização de mímicas.
2 Consiste na utilização dos sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto

digital no ensino da língua materna. Sendo assim, nesta corrente comuni-


cativa o surdo tem livre arbítrio para escolher qual manifestação de lingua-
gem lhe é mais adequada para comunicar-se socialmente.
3 Consiste na inserção do surdo em sala de aula regular com a presença do

tradutor intérprete de Libras, independente da condição e maturidade lin-


guística do surdo.
4 Consiste no ensino primário da língua de sinais e secundariamente a lín-

gua dos ouvintes, que pode ser manifesta apenas em sua forma escrita.

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


122

Com base nesse histórico, este artigo tem como objetivo


evidenciar o ensino de Libras por um viés interdisciplinar a
partir de uma proposta de adaptação de material de baixo cus-
to. Por entendermos que a interdisplinaridade é uma exigên-
cia do mundo contemporâneo (PENA, 2002) e que ela permite
o diálogo aberto e democrático entre os conhecimentos, pode-
mos pensar, abordar, questionar, discutir e aplicar a educação
de surdos a partir de seus próprios anseios, competência e es-
pecificidades. Organizamos o artigo em três grandes tópicos: o
primeiro trata de um breve passeio pela história da educação
de surdos; o segundo faz um sobrevoo pela literatura do ensi-
no de Libras como L1 e, por fim, sobre o nosso entendimento
de interdisciplinaridade e a articulação dos saberes contex-
tualizados com a realidade escolar e social, que possibilita o
envolvimento do indivíduo na intervenção política de trans-
formação do meio (KACHAR apud TAVARES, 2008).

Um breve passeio pela história da Educação de


Surdos

A Educação dos Surdos data de cerca de 400 anos a. C.


e, segundo Dias (2006), estes eram percebidos como pessoas de
limitações irrepreensíveis, sendo eles segregados e excluídos
do contexto social. Ainda nessa perspectiva de exclusão, do
ponto de vista religioso, tinha-se o surdo como um sujeito cas-
tigado por Deus, não havendo a necessidade de receber educa-
ção, pelo fato de não precisar participar do contexto social em
que estava “inserido”.

A história dos surdos começa muda, apagada


e triste. Começa semelhante à história de di-
versos segmentos minoritários de pessoas que
se caracterizam por algum tipo de estranheza,
como que denunciando a dificuldade que o ho-

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


123

mem tem de aceitar o diferente, o deficiente, o


trabalhoso, o feio, o imperfeito (SÁ, 1999, p. 71).

Devido a este distanciamento motivado pela surdez, re-


sultou numa complicação na constituição da própria identida-
de surda, bem como a construção e evolução da educação do
surdo pelo surdo, sendo essa história contada por ouvinte e
não pelo próprio agente dessa construção.
Em síntese, a história dos surdos, contada pelos
não-surdos, é mais ou menos assim: primeira-
mente os surdos foram “descobertos” pelos ou-
vintes, depois eles foram isolados da sociedade
para serem “educados” e afinal conseguirem ser
como os ouvintes; quando não mais se pôde iso-
la-los, porque eles começaram a formar grupos
que se fortaleciam, tentou-se dispersá-los, para
que não criassem guetos (SÁ, 2002, p. 3).

No ano de 2000 a 1500 a. C., no Egito, a visão sobre o sur-


do teve modificações significativas, as quais eram leis judai-
cas que protegiam o direito à vida para os surdos (STROBEL,
2006). Porém, limitou-se esse direito apenas de estar vivo e
não de ter uma educação que o qualificasse, que o possibilitas-
se exercer seu papel de cidadão na sociedade. Os romanos, por
sua vez, também desfrutavam desse pensamento simplório e
excludente sobre os surdos, acreditando que os mesmos não
necessitavam desenvolver-se cognitivamente, tendo em vista o
fato de não falarem e, consequentemente, não interagirem na
comunidade. Acrescenta-se apenas que foi nesse período que
se estabeleceu os tipos de surdez: a congênita e a adquirida.
A história da educação dos surdos começa a mudar no
século XVI, na Europa, quando, segundo Moura (2000), surgi-
ram os primeiros educadores de surdos. Essa ideia foi amplia-
da através da iniciativa e interesse particular de um médico
italiano chamado Girolamo Cardano, que tinha um filho sur-

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


124

do. Esse estudioso defendia que o surdo era capaz cognitiva-


mente e igual ao ouvinte, e que não precisava necessariamente
da fala para exercer a cognição.
Era necessário apenas compreender o objeto de estu-
do, assimilar e estabelecer relações através de representações
do próprio objeto. Essa estratégia desenvolvida pelo médico
ficou conhecida como língua auditivo-oral. Esse trabalho de
pesquisa realizado por Cardano serviu como base nos estudos
futuros para o surdo.
Outro marco referencial, como aponta Moura (2000), foi
o do monge Ponce de Leon, que desenvolveu seu trabalho en-
sinando filhos surdos da aristocracia espanhola. Desenvolveu
metodologias que até hoje são utilizadas, como a representa-
ção do alfabeto manual e a escola de professores surdos.
Dentro das diversas discussões sobre a educação do
surdo, é importante relatar sobre o II Congresso Mundial de
Educação de Surdos, realizado em Milão, na Itália, no ano de
1980. Nesse congresso, ficou decidido o uso do método oral,
como sendo método oficial para ensino dos alunos surdos,
como nos mostra Lima (2004). Esse período foi considerado
um marco na história das políticas de surdos, uma vez que de-
terminou que a língua de sinais não deveria ser usada, e sim
o oralismo. Sendo assim, a educação dos surdos passou a ser
responsabilidade dos ouvintes.
No Brasil, segundo Rocha (2008), um dos avanços con-
sideráveis em prol da educação do surdo foi a criação do 1º
Instituto de Surdo Mudo, em 1857, pelo professor francês
Hernest Huet. Situado no Rio de Janeiro, atualmente é mais
conhecido como INES, Instituto Nacional de Educação de
Surdos. Embora tenha tido alguns progressos, o mais signifi-
cativo de todos eles foi a Lei de Libras, de 24 de abril de 2002,
a qual tornou a Libras como a língua oficial dos surdos no
Brasil e, consequentemente, legitimando a profissão do tradu-

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


125

tor intérprete, professor e instrutor de Língua de Sinais, bem


como um curso de nível superior em Letras-Libras.
Enfim, além da legitimação de algumas profissões e a
criação do curso de Letras Libras, o surdo, hoje, pode ter sua
educação garantida por lei em sua primeira língua, que é a Li-
bras, o que facilita o processo de ensino aprendizagem desse in-
divíduo. É sobre essa temática que versa o próximo subtópico.

O ensino de Libras como L1

Após a homologação da Lei 10.436 de abril de 2002, re-


gulamentada pelo Decreto 5.626 de dezembro de 2005, per-
cebe-se um notório avanço na sistematização da educação
do surdo, bem como o ensino de Libras, o que viabilizou a
valorização de uma pedagogia visual e da cultura surda no
processo de ensino-aprendizagem dessas pessoas que, ao lon-
go da história, ficaram à margem da sociedade. Skliar (1998)
escreveu sobre uma nova “territorialidade educacional”, na
qual afirma que:
Os Estudos Surdos se constituem enquanto um
programa de pesquisa em educação, onde as
identidades, as línguas, os projetos educacionais,
a história, a arte, as comunidades e as culturas
surdas, são focalizados e entendidos a partir da
diferença, a partir do seu reconhecimento polí-
tico (SKLIAR, 1998, p. 5).

Para isso, estão implicados nos Estudos Surdos diver-


sos itens relevantes para a comunidade surda, neste caso, em
especial, a educação. Nesse âmbito, pode-se destacar a Libras
como canal que promove a educação do ser surdo, pois é atra-
vés dessa língua gesto-visual que o educando em destaque se
comunica, expressa, interpreta, aprende e apreende as coisas
ao seu redor.

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


126

Para que a aprendizagem da língua aconteça, é im-


prescindível que haja exposição e/ou contato constante com
adultos fluentes na Libras. É importante ressaltar que não
basta ser conhecedor de alguns sinais isolados, mas é preciso
saber a estrutura gramatical, estabelecer relações dialógicas
e vivenciar seus aspectos culturais. De acordo com Quadros
(1997, p. 119),
A voz dos surdos são as mãos e o corpo que pen-
sam, sonham e expressam. As línguas de sinais
envolvem movimentos que podem parecer sem
sentido para muitos, mas que significam a pos-
sibilidade de organizar as ideias, estruturar o
pensamento e manifestar o significado da vida
para os surdos. Pensar sobre a surdez requer
penetrar no ‘mundo dos surdos’ e ‘ouvir’ as
mãos que, com alguns movimentos, nos dizem
o que fazer para tornar possível o contato entre
os mundos envolvidos, requer conhecer a ‘língua
de sinais’. Permita-se ‘ouvir’ essas mãos, pois so-
mente assim será possível mostrar aos surdos
como eles podem ‘ouvir’ o silencio da palavra
escrita.

Logo, a Libras é compreendida como língua natural,


pois as crianças surdas aprendem de maneira espontânea,
sem que haja treinamento excessivo ou ensino específico. A
Libras favorece aos surdos a estruturação do pensamento, o
acesso ao conhecimento de mundo, a aprendizagem dos conte-
údos curriculares.
Na educação de surdos, a primeira língua (L1) é neces-
sariamente a Língua de Sinais, muito embora esse fato não
ocorra com frequência, pois não há, no Brasil, uma dissemina-
ção de escolas bilíngues para surdos. Assim como os ouvintes,
os surdos têm estágios de desenvolvimento parecidos. Logo,
faz-se necessário que o professor tenha pleno domínio da Lín-

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


127

gua de Sinais, preferencialmente, um professor surdo, pois é


sua L1. Devido ao fato de os surdos, em sua maioria, serem
oriundas de famílias ouvintes, que não são fluentes na Língua
de Sinais, é fundamental que na escola haja um contato direto
com essa língua, facilitando aquisição da linguagem e o de-
senvolvimento das funções cognitivas. Além disso, Lodi (2015)
destaca a importância da Libras para a formação dos surdos,
para que se tornem sujeitos críticos, formadores de opiniões,
bons leitores e profissionais. Como nos apresenta Chomsky
quando afirma que:

A capacidade de comunicação linguística apre-


senta-se como um dos principais responsáveis
pelo processo de desenvolvimento da criança
surda em toda a sua potencialidade, para que
possa desempenhar seu papel social e integrar-
-se verdadeiramente na sociedade. (CHOMSKY5
apud SKLIAR, 1998, p. 54).

Nessa perspectiva educacional, podemos destacar o bi-


linguismo, método que propicia a aquisição da língua de sinais
como primeira língua, naturalizando o processo de aquisição
linguística, pois a Libras não está vinculada à audição pelo
fato de ser uma modalidade espaço-visual. Portanto, a Língua
de Sinais é imprescindível para os surdos no que diz respeito
ao entendimento das características linguísticas de uma lín-
gua oral.
Nessa ótica, podemos afirmar que a Língua de Sinais,
como primeira língua do ser surdo, viabiliza de maneira na-
tural, autêntica e simples as condições necessárias para que
o surdo se desenvolva linguística e socialmente sem haver
prejuízos significativos em sua formação enquanto indivíduo.

5 CHOMSKY, Noam. Language and problems of knowledge: the Managua


lectures. 6th ed. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1994.

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


128

Para tanto, a disseminação da Libras bem como suas especi-


ficidades e peculiaridades são condições necessárias para ga-
rantir que a identidade e a cultura surdas sejam fortalecidas,
e os movimentos surdos ganhem empoderamento a fim de que
haja uma luta permanente pelo ensino bilíngue para surdo.
É, portanto, quase que premente no ensino de LIBRAS uma
perspectiva de ensino que se valorizem diferentes áreas do
saber, possibilitando, portanto, uma perspectiva interdiscipli-
nar de estudos.

A interdisciplinaridade no ensino de Libras: uma


discussão inicial

Embora se fale de interdisciplinaridade desde a década


de 1970, os estudos nessa área ainda são relativamente tímidos
quando de trata de ensino de línguas. Segundo Luck (1990), a
interdisciplinaridade é a maneira em que há um engajamen-
to e integração de educadores, objetivando um trabalho em
conjunto, promovendo um diálogo e interação das disciplinas
do currículo escolar. A interdisciplinaridade visa suplantar a
fragmentação do ensino para que a formação dos alunos seja
integral, bem como consigam desenvolver criticamente a cida-
dania, tendo uma visão global do mundo, o que possibilitará
um enfrentamento de problemas mais complexos, amplos e
globais. Essa discussão está presente nos Parâmetros Curri-
culares Nacionais, em que apontam:

A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas,


ao contrário, mantém sua individualidade. Mas
integra as disciplinas a partir da compreensão
das múltiplas causas ou fatores que intervêm
sobre a realidade e trabalha todas as linguagens
necessárias para a constituição de conhecimen-
tos, comunicação e negociação de significados

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


129

e registro sistemático dos resultados (BRASIL


1999, p. 89).

Entende-se, então, a interdisciplinaridade como uma


possibilidade de religação do conhecimento, de rompimento
das barreiras disciplinares existentes no modelo de ensino
positivista que testemunhamos e, de certa forma, reprodu-
zimos. A interdisciplinaridade viabiliza um novo olhar, uma
nova postura frente ao conhecimento já existente e o a ser
descoberto. Tudo começa a partir de uma mudança e/ou re-
novação do pensamento, atitudes, métodos e práticas desde
a elaboração dos planos de aulas e/ou projetos desenvolvidos
nas escolas até a execução destes.
Nessa direção, Fazenda (1994, p. 82) aponta que:
Entendemos por atitude interdisciplinar [...] uma
atitude diante de alternativas para conhecer mais
e melhor; atitude de espera ante os atos consu-
mados, atitude de reciprocidade que impele à tro-
ca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares
idênticos, com pares anônimos ou consigo mes-
mo – atitude de humildade diante da limitação
do próprio saber, atitude de perplexidade ante a
possibilidade de desvendar novos saberes, atitude
de desafio – desafio perante o novo, desafio em
redimensionar o velho – atitude de envolvimento
e comprometimento com os projetos e com as pes-
soas neles envolvidas, atitude, pois, de compromis-
so em construir sempre da melhor forma possível,
atitude de responsabilidade, mas sobretudo, de
alegria, de revelação, de encontro, enfim, de vida.

Defendemos, então, que essa concepção deve ser sub-


jacente ao ensino de Libras como L1, principalmente se par-
tirmos do pressuposto que o ser surdo, para aprender a sua
língua, partirá de informações básicas pertencentes não ape-
nas aos elementos linguísticos da LIBRAS, mas de todo um

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


130

aparato cultural, construído sob uma sociedade grafocêntrica


e altamente letrada que é a brasileira, que apresenta predomi-
nantemente o português como língua materna. Não só é possí-
vel, portanto, quanto necessário que outros conhecimentos de
mundo, vinculados a diferentes áreas do saber, sejam estuda-
dos para a aquisição da LIBRAS como L1.
Como nos mostra Freire (1995), a construção do conhe-
cimento se dá a partir de um diálogo multipolar, tendo como
base as dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais do
espaço onde ele vive. Ainda segundo o mesmo autor, o sujeito,
a comunidade e o mundo têm um papel importantíssimo na
construção do conhecimento individual e coletivo.
Com relação aos surdos, em sua maioria, eles pertencem
a famílias ouvintes que não dominam a Libras, o que limita o
processo de construção do conhecimento desses indivíduos.
Esse fato apresenta outro agravante, a responsabilidade, que
é geralmente transferida para escola. Esta fica responsável
por todos os campos de formação da pessoa surda. Na escola,
ele deverá aprender sua L1, a LIBRAS, Português, Matemá-
tica, História, Geografia, entre outras disciplinas, embora ele
ainda, em casa, não tenha adquirido nem os conhecimentos
que normalmente os ouvintes adquirem involuntariamente
durante o processo de aquisição da linguagem.
A interdisciplinaridade, nesse caso, se apresenta como
o meio mais eficaz, pois, devido aos déficits comunicacionais,
o aluno surdo deverá estar exposto ao conhecimento de ma-
neira bem ajustada, didática, interativa, somatizadora e de
valores redefinidos, pois, como afirma Fazenda (1999), a inter-
disciplinaridade pressupõe um compromisso com a realidade,
que, para os alunos surdos, se apresenta silenciosa, dúbia e
dolorosa, por não poderem dividir com o outro suas angústias
e descobertas, devido a uma limitação linguística em se tra-
tando de línguas orais-auditivas.

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


131

O ensino interdisciplinar, no que concerne à educação


de surdos, viabiliza uma interação com o todo, a partir do ensi-
no da Língua de Sinais. Junto à sua L1, o surdo vai atribuindo
significado e significante às coisas e aos conceitos que antes
estavam cobertos pelo véu da inocência, da ignorância. Logo,
deve-se trabalhar junto com o ensino de língua, cada discipli-
na, a fim de que o educando consiga perceber as inter-relações
existentes entre cada uma delas, visando a uma autonomia e
entendimento crítico das relações que existem na sociedade
entre as pessoas, os sistemas e as conquistas resultantes do
conhecimento humano.
Para o desenvolvimento de um ensino interdisciplinar
a partir da L1 do surdo, a adaptação de material é uma fer-
ramenta que pode ser utilizada e desenvolvida de maneira
sustentável, o que estimula algumas habilidades sensoriais,
cognitivas e a criatividade tanto do educando quanto do edu-
cador. A adaptação de material promove uma interação entre
professores de distintas áreas do conhecimento, a gestão esco-
lar, os alunos e suas famílias.
A seguir, trazemos três propostas de trabalho numa
perspectiva interdisciplinar: a roleta silábica, o tabuleiro in-
terdisciplinar e o pião silábico. Todas estão ligadas à recicla-
gem, e os objetivos dessa adaptação de material estão relacio-
nados à condição da aquisição do conhecimento do surdo, que
é visual. Vamos a elas:

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


132

Roleta silábica – tem como objeti-


vo trabalhar formação de palavras
e frases a partir das configurações
de mãos, como também pode-se fa-
zer um bingo silábico.
Material utilizado: madeira, peda-
ço de antena, papel camurça, folha
de ofício e cola.

Figura 1 – Roleta Silábica


Tabuleiro interdisciplinar – este
jogo tem como objetivo trabalhar
temas distintos, a partir de sor-
teio, no qual cada cor representa
um tema e/ou disciplina, que, para
conquistar o prêmio, o aluno ou
grupo deverá responder tudo cor-
retamente.
Material utilizado: isopor, cartoli-
Figura 2 – Tabuleiro na, folhas coloridas e cola.
interdisciplinar

Pião silábico – este jogo tem como


objetivo trabalhar a separação si-
lábica, a partir da imagem sorte-
ada. Este mesmo material poderá
ser utilizado como ábaco, pois as
hastes são removíveis. Pode-se
utilizar tampa de garrafas PET
de cores diferentes para trabalhar
matemática.
Material utilizado: resto de cano
PVC, garrafas PET, palito de chur-
rasco, folha de ofício e fita adesiva
transparente.

Figura 3 – Pião Silábico

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


133

Nos Centros de Atendimentos às Pessoas com Surdez


(CAS), espalhados pelo país, nem sempre é possível definir a
escolarização de aluno surdo. Neste caso em específico, ajus-
tamos a lupa para um público-alvo que seria equivalente aos
alunos ouvintes que estão em processo de alfabetização ou nos
primeiros anos do ensino fundamental I.
Todas as figuras representadas são ilustrações do ma-
terial adaptado de baixo custo, tais como garrafa PET, caixa
de ovos, grãos de variados tipos, resto de canos PVC, palito de
churrasco, pedaços de madeira, tampas de garrafas plásticas,
cabides plásticos para armário, pedaço de antena, isopor etc.
A proposta é que a perspectiva interdisciplinar comece a ser
aplicada logo na montagem desses materiais, que deve ser fei-
ta juntamente com os alunos em sala de aula. Pode-se discutir,
por exemplo, valores gastos para sua elaboração (Matemática),
tipos de materiais utilizados (Química), o processo de recolhi-
mento, higienização e fabricação (Ciências), origem da matéria
prima (Geografia/Ciências) e assim por diante. Percebemos,
então, que não se trata apenas de produzir material, mas de
utilizá-lo como uma ferramenta para o ensino.
Esse tipo de trabalho pode colaborar para a construção
da identidade, da cidadania, da consciência ecológica, além de
desenvolver a socialização entre os que fazem a escola. Veja
também que é um trabalho que pode envolver a família do
surdo, mediante a interação natural que partirá da coleta e/ou
seleção do material a ser trabalhado. Essa interação permitirá
um diálogo direto entre a escola, educando surdo e a família,
permitindo que ela tenha contato com a LIBRAS não só em
casa, mas também num contexto escolar.
Desse modo, a interdisciplinaridade é uma ação rele-
vante de articulação entre o ensinar e o aprender. Entendida
como concepção teórica e revelada na práxis, é capaz de au-
xiliar os professores e as escolas na ressignificação do fazer

O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


134

docente no que diz respeito aos conteúdos, métodos, avaliações


e na organização dos ambientes de aprendizagens.

Reflexões finais

Os tópicos apresentados neste trabalho, a saber, histó-


ria da educação de surdos, o ensino de LIBRAS como L1 e
uma discussão inicial sobre a interdisciplinaridade no ensino
de LIBRAS nos permitiram avançar na reflexão sobre dois
pontos inicialmente, a importância da LIBRAS como primei-
ra língua para o desenvolvimento social do indivíduo surdo e
a interdisciplinaridade como canal integrador e facilitador na
junção dos saberes com finalidade de favorecer o processo de
ensino aprendizagem, considerando os saberes dos ­educandos.
A LIBRAS como L1 é, para os surdos, a maneira mais
genuína de adquirir uma competência linguística, bem como
autonomia educacional, social, política, cultural e econômica,
pois acreditamos que à medida que a condição linguística do
surdo seja respeitada, aumentam-se as chances de ele adqui-
rir, desenvolver-se e construir novos saberes e competências
de maneira mais satisfatória e regular.
No caso da educação dos surdos, há uma conformidade
com a educação regular, que é a fragmentação e divisão disci-
plinar predominante no ensino formal atual e, além disso, há
um complicador que fragiliza ainda mais o processo de ensino
aprendizagem do surdo, as limitações linguísticas e sociais exis-
tentes. A interdisciplinaridade, por sua vez, otimiza o ensino
de LIBRAS como L1 e assegura a reunião de várias disciplinas
com a mesma finalidade que é tornar o educando surdo inde-
pendente, crítico, autônomo e ativo em qualquer espaço social.
Entendemos que a interdisciplinaridade ainda é um
grande desafio, pois não se trata de um método apenas, mas
uma mudança de postura, que não está concentrada em um

ISABELLE PINHEIRO FAGUNDES • JOÃO BATISTA NEVES FERREIRA • VICENTE DE LIMA-NETO


135

professor, em uma disciplina ou em uma teoria. A interdisci-


plinaridade importa numa transformação profunda nas práti-
cas docentes em um novo jeito de ensinar (FAZENDA, 1979).
Para isso, todos os envolvidos nesse processo, desde os gestores,
professores e alunos, bem como o espaço escolar devem estar
abertos e comprometidos com esse propósito interdisciplinar.
Ao refletirmos sobre toda a trajetória da educação de sur-
dos, notamos que é imprescindível que os educadores que tra-
balham com alunos surdos, seja numa sala regular comum, seja
numa sala bilíngue, tomem conhecimento do processo viven-
ciado pelos surdos para que possam considerar novas práticas
pedagógicas fundamentadas num pensamento respeitoso, altru-
ísta, inclusivo, a fim de que não se repita futuramente posturas
hoje consideradas retrógradas no que diz respeito à LIBRAS.
Enfim, a partir da proposta acima apresentada, acredi-
tamos que essa prática interdisciplinar pode proporcionar aos
alunos, professores, gestores e todos os que estão direta e indi-
retamente envolvidos com a escola experiências importantes
no processo de ensino-aprendizagem da LIBRAS, a partir de
material reciclável. Podemos afirmar ainda que a educação a
partir de um viés interdisciplinar é um caminho imprescin-
dível para conduzir a educação de surdos, numa perspectiva
autônoma, crítica, capaz de desenvolver uma visão global da
sociedade e das coisas que a constituem.

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O ENSINO DE LIBRAS COMO PRIMEIRA LÍNGUA POR UM VIÉS INTERDISCIPLINAR


138

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS
SOCIAIS: PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM
DIFERENTES CONTEXTOS

ELIEL MORAES DA SILVA


Graduado em Matemática pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN; Aluno do
Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO); Professor de Matemática do Estado do Ceará.
E-mail: elielmorais25@hotmail.com

FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO


Graduada em História pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos- FAFIDAM/ UECE, Mestran-
da no Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), associação ampla UERN/IFRN/UFERSA.
Email: nailenafonsceca@hotmail.com

SIMONE MARIA DA ROCHA


Doutora em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), associa-
ção ampla UERN/IFRN/UFERSA. Professora adjunta da UFERSA. Líder do Grupo de Estudos e Pesqui-
sas com Narrativas (Auto)Biográficas em Educação (GPNAE/CNPq/UFERSA).
E-mail: simone.rocha@ufersa.edu.br
139

[…] Meu enleio vem de que um tapete é feito de


tantos fios que não posso me resignar a seguir
um fio só; meu enredamento vem de que uma
história é feita de muitas histórias. E nem todas
posso contar […].
Clarice Lispector (1998, p. 99).

O fragmento que apresentamos na epígrafe, do conto “De-


sastres de Sofia” de Clarice Lispector, expressa um aspecto
importante das narrativas: a multiplicidade de histórias e a
impossibilidade de contar todas elas. Portanto, escrever, con-
tar, narrar é sempre o resultado de escolhas mediadas por
uma temporalidade, espacialidade e subjetividades. Movidos
pelo desejo de contribuir com as transformações no campo da
educação e, mais especificamente, do ensino, que temos o obje-
tivo de refletir sobre práticas interdisciplinares nas ações re-
alizadas no Projeto Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ).
Os projetos sociais, quase sempre, nascem do desejo de
modificações da situação de vida de um determinado grupo
social. Partindo dessa premissa, um projeto social pode con-
tribuir significativamente com a vida de uma comunidade, no
processo de constituição de novos sujeitos e mesmo ao pro-
mover, em algumas situações, o resgate da dignidade humana
(SOUZA, 2006). A implementação de projetos, como prática de
fortalecimento da população em situação de vulnerabilidade,
visa, dentre outros objetivos, promover a inclusão social de
crianças e adolescentes, bem como a inserção profissional de
jovens.

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
140

Nos últimos anos, observa-se uma movimentação em


torno das perspectivas de educação nos diferentes espaços de
ensino, na qual a abordagem interdisciplinar vem se destacan-
do, conforme registra Thiesen (2008). A interdisciplinaridade
constitui atualmente um dos princípios diretamente relacio-
nados a um contexto mais amplo e complexo de mudanças,
que abrange não somente a área da educação, mas também
outros setores da vida social. Assim, poderíamos pensar na in-
terdisciplinaridade como mediadora das práticas educativas
em diferentes contextos de educação e ensino?
Não logramos responder a tal questionamento de ma-
neira simplista, todavia se assumirmos com Fazenda (2008a)
que a interdisciplinaridade é, antes de tudo, ousadia e atitude,
poderemos arriscar dizer que sim, ela pode ser mediadora das
práticas educativas no processo de conscientização cidadã, seja
em espaços formais ou não formais de ensino. Vale salientar
que compreendemos a conscientização como um compromis-
so histórico, ou seja, a inclusão crítica do sujeito na história –
individual e social -, implicando como resultado a inserção dos
sujeitos com potencialidades para participar, (re)criar e (re)
fazer o mundo que os circunda. Por isso, não podemos pensar
a consciência do mundo como elemento dissociado, mas, ao
contrário, está baseada na relação consciência-mundo, cons-
cientização em comunhão, não como uma construção imposi-
tiva ou individual, mas, antes, construída mutuamente com o
outro, conforme nos advertiu Freire (1987).
Os projetos sociais podem ser pensados como espaços
de construção e ampliação da consciência de mundo dos su-
jeitos envolvidos? O que podemos aprender com os projetos
sociais acerca da interdisciplinaridade? O que nos conta uma
monitora que participou da construção e execução do Projeto
Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ), desenvolvido pela

ELIEL MORAES DA SILVA • FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO • SIMONE MARIA DA ROCHA
141

Cáritas Diocesana1, na cidade de Russas, Estado do Ceará/


CE? Esses questionamentos guiam as nossas reflexões.
O percurso metodológico assumido no estudo está es-
truturado da seguinte forma: primeiro, realizamos uma revi-
são dos conceitos de interdisciplinaridade como um movimen-
to articulador no processo ensino-aprendizagem, tendo como
referência os estudos de Thiesen (2008); em seguida, a inter-
disciplinaridade como processo metodológico de construção do
conhecimento pelo sujeito (contexto, realidade, cultura) com
Freire (1987); finalizamos as discussões teóricas sobre a in-
terdisciplinaridade e seus sentidos a partir das pesquisas de
Fazenda (2008) e Lück (2013). Além da revisão bibliográfica,
apresentamos uma análise inicial da narrativa de si de uma
das monitoras do Projeto Infância, Adolescência e Juventude
(PIAJ), sobre suas percepções das ações realizadas na constru-
ção do Projeto na cidade de Russas-CE.

Projetos sociais e práticas interdisciplinaridades:


espaços e práticas aprendentes
[…] o lugar é o espaço do crescimento-conjunto
na concretude do mundo sensível. Os lugares
são, portanto, tomados nas redes de interesses
e de experiências que neles manifestam os sujei-
tos. Os indivíduos transformam o seu entorno e
essas transformações afetam o que eles são e o
que fazem […] (SCHALLER, 2008, p. 69).

Jean-Jacques Schaller questiona o que torna um “lugar


aprendente”? Como um lugar social pode caracterizar-se como
um “espaço ensinate”? Quais redes de solidariedade são cons-

1 Criadaem 12 de fevereiro de 1958, a Cáritas Brasileira (CB), com persona-


lidade jurídica própria e órgão da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), desenvolve uma ação junto aos catadores de materiais recicláveis
em algumas cidades do Vale do Jaguaribe.

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
142

truídas para proporcionar experiências de ensino e aprendi-


zagem? E, com o autor, indagamos: os projetos sociais podem
ser assumidos como lugares ensinantes/aprendentes?
A escola historicamente assumiu uma função de inte-
gração da formação crítica e reflexiva dos sujeitos por meio
de ações sistematizadas, planejadas e intencionais, um lugar,
certamente, ensinante/aprendente. No entanto, nos interessa
refletir as formas de construção de conhecimento e, ao mes-
mo tempo, a organização e a percepção do conhecimento como
um todo. Dizemos isso, preocupados com a estruturação dis-
ciplinar que vem orientando, de maneira geral, a produção de
saberes no centro da escola.
O direito subjetivo à educação, garantido na Constitui-
ção Federal de 1988, reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996, define que
a educação abrange os processos formativos que
se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino
e pesquisa, nos movimentos sociais e organiza-
ções da sociedade civil e nas manifestações cul-
turais. (BRASIL, 1996, p. 01).

Embora, apresente em seguida, o que nos parece uma


contradição: § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que
se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em
instituições próprias. Ora, se a educação é um processo tão
amplo, qual o impasse em disciplinar, na forma da Lei, estes
outros “lugares ensinantes/aprendentes”?
Neste trabalho, partimos do pressuposto que projeto
social, de cunho educacional, é uma ação social planejada e
sistematizada com etapas estruturadas, objetivos e resulta-
dos a serem alcançados, dentro de parâmetros pré-definidos
de tempo e espaço: uma forma, portanto, de educação. Souza
(2006) nos lembra que os projetos sociais são formas especí-

ELIEL MORAES DA SILVA • FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO • SIMONE MARIA DA ROCHA
143

ficas de ação em sociedade, sendo orientados por princípios


como ação planejada, foco definido, resultados pré-figurados
e hipóteses de causa-efeito. Vale frisar que a qualidade e o
sucesso nos projetos sociais são definidos e circunscritos pela
visão político-social que os orienta.
Dessa maneira, um projeto social visa, por meio de um
conjunto integrado de atividades planejadas, contribuir no
processo de mudanças de uma amostra da realidade, median-
do assim um problema, ou seja, para satisfazer necessidades
de grupos que não possuem instrumentos suficientes para
mediatização de soluções possíveis. Vale frisar que o termo
projetos sociais diferencia-se de programa social. Todavia,
um programa social é um conjunto de projetos; e projetos so-
ciais envolvem ações concretas a serem desenvolvidas em um
recorte de tempo e espaço determinados, restritas pelos re-
cursos disponíveis para tal (COHEN e FRANCO, 1998). Não
obstante, podemos considerar os projetos sociais como espa-
ços que favorecem o desenvolvimento da formação cultural e
política, bem como a socialização e apropriação dos saberes
historicamente produzidos e ressignificados em seus contex-
tos sociais, políticos e econômicos.
Diante disso, indagamos: quais as práticas educati-
vas presentes no Projeto Infância, Adolescência e Juventude
(PIAJ)? O que entendemos por interdisciplinaridade? É possí-
vel identificar práticas interdisciplinares nas ações desenvol-
vidas no PIAJ?
Para refletir sobre essas questões nos amparamos nos
estudos de Fazenda (2008a, p.15), quando ela apresenta as po-
tencialidades da interdisciplinaridade.

[…] Acreditamos no poder de negociação a que


a Interdisciplinaridade nos congrega. Acredi-
tamos na potencialidade da circulação de con-
ceitos e esquemas cognitivos, na emergência de

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
144

novos esquemas e hipóteses, na constituição da


organização de novas concepções de educação.
Acreditamos que nossa força estará na Parceria,
onde poderemos criar novos perfis de cientistas,
desenvolver novas inteligências, abrir a Razão.
Acreditamos na força mitológica de um novo
tempo, onde todos nós nos disporíamos a um
processo de realfabetização, não apenas do subs-
tantivo, mas do verbo, não mais do predicado,
mas do sujeito, não mais do modelo, mas da hi-
pótese, não mais da resposta, mas da pergunta.

Falar em interdisciplinaridade é situar-se numa or-


denação social que busca o desdobramento e ampliação dos
saberes científicos e sociais em sua completude, de modo a
responder aos problemas apresentados de maneira complexa,
plural e ampla diante das exigências suscitadas. É necessário,
pois, questionar e repensar a visão fragmentadora das ciên-
cias e suas implicações na construção do conhecimento.
Lück (2013) nos ajuda a pensar a interdisciplinaridade,
quando ela nos orienta a compreender a interdisciplinarida-
de como um processo que considera a cultura vigente e a sua
transformação, sendo princípio determinante para a promoção
da interdisciplinaridade em sua plenitude educativa e social.
Destarte, Fazenda (2008b, p. 20) reafirma a interdisci-
plinaridade como possibilidade de

Atitude diante das alternativas para conhecer


mais e melhor; atitude de espera ante os atos
consumados, atitude de reciprocidade que impe-
le à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com
pares idênticos, com pares anônimos ou consigo
mesmo – atitude de humildade diante da limi-
tação do proporia saber, atitude de perplexidade
ante a possibilidade de desvendar novos sabe-
res, atitude de desafio – desafio perante o novo

ELIEL MORAES DA SILVA • FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO • SIMONE MARIA DA ROCHA
145

desafio em redimensionar o velho – atitude de


envolvimento e comprometimento com os pro-
jetos e com as pessoas neles envolvidas, atitude,
pois de compromisso em construir sempre da
melhor forma possível, atitude de responsabili-
dade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de
encontro, enfim de vida.

Com a autora podemos refletir a materialização da in-


terdisciplinaridade como possibilidade de ação direta que
transforma os envolvidos em seus contextos sociais, ou seja,
atitude de formar para o exercício pleno da cidadania e da
vida em sociedade. Segundo Paviani (2008), trata-se de recor-
rer a um saber diretamente útil e utilizável para responder
aos problemas sociais contemporâneos.
Faz-se necessário, cada vez mais, pensar a construção
da interdisciplinaridade em práticas educativas a partir de
elementos simbólicos e materiais. Em projetos sociais, as
ações interdisciplinares apresentam-se como espaços que pos-
sibilitam refletir sobre as atitudes que se constituem como
princípios interdisciplinares: humildade, coerência, espera,
respeito, cooperação, dentre outros. Podemos destacar ações
de humildade diante dos limites do saber próprio, sem deixar
que ela se torne um limite para galgar outros patamares de
conhecimentos; a atitude de espera diante do que já foi esta-
belecido para que a dúvida venha a surgir e o novo germine;
a atitude de respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o
outro e reconhecê-lo, reconhecendo-se; a atitude de cooperação
que conduz às parcerias, às trocas (TRINDADE, 2008).
Entre os objetivos da caminhada interdisciplinar, Lück
(2013, p. 15) destaca também que a possibilidade de “realização
do homem como pessoa, nas suas várias dimensões; a superação
do individualismo e dos desajustamentos provocados pela frag-
mentação; a interação política e social do homem em seu meio”.

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
146

Convém lembrar que no contexto atual é necessário que


o saber educativo aconteça no sentido de possibilitar acesso
aos valores e princípios necessários as práticas sociais cole-
tivas. Carvalho (2001) lembra que a educação funciona como
uma prática interpretativa, que desvela e produz sentido e
contribui para a constituição do horizonte compreensivo das
relações existentes no âmago social.
Conforme Thiesen (2008), a ação interdisciplinar é con-
trária a qualquer tentativa homogeneização e/ou enquadra-
mento conceitual. Faz-se necessário o desmonte das fronteiras
artificiais do conhecimento. Com isso, pensar a nova espaciali-
dade do processo de aprender e ensinar e a ‘desterritorialida-
de’ ou os lugares aprendentes/ensinantes é imprescindível e
urgente no campo educacional.

Projeto Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ):


entre narrativas e vivências

O Projeto Infância, Adolescência e Juventude (PIAJ) foi


implementado na comunidade do Alto São João, na cidade de
Russas, tendo como finalidade social incentivar e apoiar ativi-
dades educativas com foco na formação política e cidadã dos fi-
lhos de catadores de materiais recicláveis que integram a As-
sociação dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis
(ACAMARRU/Russas-CE). A delimitação desse público-alvo
pauta-se nas condições de vulnerabilidade social e exclusão do
acesso aos conhecimentos produzidos historicamente. Dessa
maneira, as atividades têm inserido sujeitos com faixa etária
entre 06 a 24 anos.
Nesse contexto, o PIAJ busca ofertar e ampliar ativida-
des educativas com foco na formação de sujeitos conscientes
dos direitos sociais e na compreensão política que orientam
as práticas sociais, propondo a discussão dos seguintes refe-
renciais: Estatuto dos Direitos da Criança e do A ­ dolescente

ELIEL MORAES DA SILVA • FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO • SIMONE MARIA DA ROCHA
147

(ECA) e outros referenciais de apoio na defesa e proteção


destas categorias sociais, e da participação política em suas
comunidades, Conselhos de Direito e Fóruns da Criança, Ado-
lescente e Juventude.
Um projeto social ancora-se em diferentes possibilida-
des: revisão literatura, documentos orientadores e sujeitos
que acompanharam a implementação e as vivências in loco.
No intuito de melhor depreender as práticas pedagógicas do
PIAJ, realizamos uma entrevista narrativa com uma monito-
ra2 que trabalha no projeto.
Dentre os critérios estabelecidos para delimitação do
sujeito que contribuiria com esse estudo destaca-se o tempo
de atuação da monitora3 dentro do PIAJ, que se estende des-
de sua implementação, em 2012, até os dias atuais. Além dis-
so, soma-se o fato de a monitora participar na condição de
membro da Cáritas Diocesana. Dentro do projeto, a monitora
passou por um período de vivências de formação de 8 (oito)
meses, sendo sua formação direcionada para acompanhar as
atividades desenvolvidas dentro do projeto.
A realização da entrevista aconteceu na Biblioteca Mu-
nicipal de Russas/CE, espaço escolhido pela participante, ten-
do como ponto de partida para nosso diálogo o seguinte ques-
tionamento: Você pode contar como tem ocorrido a realização
das ações educativas do PIAJ?
A monitora iniciou sua narrativa ressaltando que o pro-
jeto busca a valorização da pessoa humana, dos valores éticos,
morais e humanizadores, além de trazer uma proposta de tra-
balhar a arte como meio de integrar os sujeitos que estão in-
seridos. Dentre as ações de gestão e implementação do projeto
na cidade de Russa-CE, destacou-se o processo de mobilização
da comunidade.
2 A identidade da monitora participante do estudo será preservada em res-
peito aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos.
3 A monitora (28 anos) possui formação de nível médio.

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
148

De acordo com a monitora, o PIAJ, coordenado pela Cá-


ritas Diocesana, “desenvolve ações educativas na perspectiva
da interdisciplinaridade propiciando a integração entre edu-
cação, sociedade e cultura”. As ações desenvolvidas no PIAJ
contam com a parceria do grupo de teatro OFICARTE, que
realiza um trabalho de resgate da cultura regional, através
do teatro. “Paralelo às atividades teatrais, ainda são desenvol-
vidas ações voltadas para reciclagem e pinturas. Tais ações
apresentam como finalidade social a integração social por
meio da formação política, garantindo assim o conhecimento
dos direitos constitucionais” (MONITORA).
Segundo a monitora, são realizadas peças teatrais que
buscam problematizar situações de conflito e dificuldades
presentes no cotidiano dos sujeitos que integram o projeto. É
importante ressaltar que essas peças teatrais são utilizadas
como mediadoras e mobilizadoras, pois promovem o envolvi-
mento da comunidade, não somente entre as crianças e jovens
que participam, mas entre os moradores da comunidade e de
regiões circunvizinhas.
Como práticas interdisciplinares no PIAJ consideramos
o esforço realizado no sentido de integrar as áreas de conheci-
mento, nas ações conjuntas, na ousadia de produzir saberes em
comunhão, seja nas peças teatrais ou nas produções de objetos
artesanais. O trabalho é feito com o intuito de contextualização
histórica, de valorização da cultura local em sintonia com a cul-
tura geral, da conscientização política, cidadã ao mesmo tempo
com a formação para atividades que geram renda.
A monitora lembra ainda das contribuições sociais e eco-
nômicas que emergem dessa iniciativa, pois, segundo ela “as ofi-
cinas de pinturas em telhas de barro, molduras de jornal para
quadros, jarros, reciclagem na produção de objetos de decoração,
oficinas de corte e costura favoreceu o desenvolvimento sócio-e-
conômico da comunidade” (MONITORA). Vale frisar que um

ELIEL MORAES DA SILVA • FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO • SIMONE MARIA DA ROCHA
149

projeto deve estar preocupado com a qualidade social das ações


construídas e ressignificadas de acordo com cada contexto.
A educação desenvolvida extramuros escolar, em ins-
tituições, organizações não governamentais, em cursos de
formações muito tem contribuído para despertar do espírito
interdisciplinar e consentido que novas perspectivas venham
sendo abordadas e novas posturas assumidas pela sociedade,
permitido assim que o conhecimento seja compartilhado.
Conforme Brandão (1982, p. 39),

Existe a educação de cada categoria de sujeitos


de um povo; ela existe em cada povo, ou entre
povos que se encontram. Existe entre povos que
submetem e dominam outros povos, usando a
educação como um recurso a mais de sua do-
minância. Da família à comunidade, a educa-
ção existe difusa em todos os mundos sociais,
entre as incontáveis práticas dos mistérios do
aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem
livros e sem professores especialistas; mais
adiante com escolas, salas, professores e méto-
dos pedagógicos.

Com Brandão (1982) podemos pensar a difusão dos sa-


beres historicamente produzidos e compartilhados, indepen-
dente de classe social ou método de ensino adotado. Para tanto,
refletimos na produção de espaços que favorecem tal finalida-
de social. Compreendemos que as ações educativas superam
os contextos escolares, sendo necessário existir um processo
sustentável dessa oferta, integrando a participação das insti-
tuições sociais, governamentais, institucionais e não governa-
mentais, desenvolvendo uma sustentabilidade neste processo.
As dificuldades iniciais encontradas no processo de ade-
são do projeto foram sendo superadas por meio da parceria
entre as diferentes esferas. Como mensagem final a monitora

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
150

demonstra que reconhece as dificuldades, mas que acredita


que a educação pode transformar realidades: “E como mensa-
gem final, o que eu posso dizer é que a gente tem que investir
em projetos assim, eu acredito num futuro melhor, eu defendo
a educação, às vezes é difícil, me sinto desanimada, tenho difi-
culdades, mas eu não deixo de acreditar” (MONITORA).
Os projetos sociais contribuem no processo de transfor-
mação nas relações humanas, favorecendo, assim, o fortaleci-
mento dos valores e diretos sociais da comunidade. De acordo
com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990),
toda criança e adolescente têm direitos fundamentais ineren-
tes à pessoa humana, que devem ser garantidos, assegurando-
-se facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual
e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL,
1990). O Projeto Infância, adolescência e juventude busca, por
meio de ações interdisciplinares, formar no âmbito educacio-
nal seres sociais críticos e reflexivos, capazes de atuarem no
processo de transformação social e garantir direitos históri-
cos e socialmente construídos.

Alguns apontamentos

Nesse artigo, buscamos refletir sobre práticas interdis-


ciplinares nas ações realizadas no Projeto Infância, Adoles-
cência e Juventude (PIAJ), implementado pela Cáritas Dio-
cesana na cidade de Russas-CE e destacamos dois aspectos
importantes: primeiro, identificar práticas interdisciplinares
no PIAJ e, segundo, as dificuldades relacionadas à materiali-
zação da interdisciplinaridade em projetos sociais.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, evidenciamos
que as ações desenvolvidas no PIAJ apresentam possibilida-
des significativas de formação interdisciplinar para os mem-
bros da comunidade, sendo realizadas iniciativas de socializa-

ELIEL MORAES DA SILVA • FÁTIMA NAILENA DA FONSÊCA CORDEIRO • SIMONE MARIA DA ROCHA
151

ção do saber construído historicamente. O direcionamento de


atividades formativas com foco na conscientização dos direi-
tos inerentes à infância, adolescência e juventude, bem como
a formação para pensar a subsistência na comunidade local,
possibilita-nos refletir sobre a ligação desses saberes indis-
pensáveis à prática humana. Portanto, com base na literatura
do campo e na narrativa de uma das monitoras que integra
essas ações, podemos considerar que o PIAJ direciona ativida-
des que possibilitam uma formação de sujeitos que compreen-
dem não apenas as partes do conhecimento, mas compreen-
dem a inserção e utilidade na sua totalidade.
O segundo aspecto que destacamos na discussão trata-
-se das dificuldades relacionadas à materialização da inter-
disciplinaridade em projetos sociais. Tal fato, na nossa pers-
pectiva inicial, decorre de dois fatores: primeiro, o processo
histórico de materialização da ciência pela fragmentação do
conhecimento; e, segundo, a busca epistemológica da educa-
ção interdisciplinar, considerando que não podemos pensar
a interdisciplinaridade apenas como junção do saber ou como
várias disciplinas abordando uma mesma temática, pelo que
discutimos até aqui, sabemos que vai muito além disso. Soma-
-se o fato de que projetos sociais, por vezes, são marcados por
rupturas e descontinuidades de suas propostas.
Vale ressaltar que as reflexões apresentadas são iniciais
e suscitam maiores aprofundamentos teóricos e de análise. A
intenção foi no sentido de provocar discussões e reflexões a par-
tir dos pressupostos apresentados. Nada obstante, destacamos
que a interdisciplinaridade não pode ser vista apenas como o
envolvimento ou integração de várias disciplinas, mas antes
como estética do ato de apreender, espaço do apreender, intui-
ção no ato de apreender, tempo de apreender, importância sim-
bólica do apreender. E os projetos sociais, quiçá, possam ser um
espaço aprendente/ensinante das práticas interdisciplinares.

INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
152

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SCHALLER, Jean-Jacques. Lugares aprendentes e inteligên-


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INTERDISCIPLINARIDADES EM PROJETOS SOCIAIS:


PENSANDO PRÁTICAS EDUCATIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
154

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA
ESCOLA

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO


Doutora em Literatura e Interculturalidade. Mestre em Literatura Brasileira. Gaduada em Letras.
Membro do Grupo de Pesquisa e Estudo em Educação, Linguística e Letras – GPEL, do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFCE.
E-mail:  socorro.pinheiro@uece.br

NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


Doutor em Ciências Sociais (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Mestre em Filosofia.
Especialista em O Teatro Moderno em Língua Inglesa. Graduado em Letras e em Ciências Sociais.
E-mail: nabupolasar.feitosa@uece.br
155

Introdução

N o mundo contemporâneo, com telefones que entregam


na palma da mão do usuário o mundo de informações – para
dar apenas um exemplo –, as pessoas acessam, no seu cotidia-
no, cada vez mais informações, muitas das quais não são da
sua área de atuação profissional, acadêmica ou intelectual. É
possível se aprender idiomas, a tocar instrumentos musicais,
consertar descargas de banheiros, fabricar bombas e até aces-
sar a Agência Espacial dos Estados Unidos.
Tem sido dito repetidamente que na atualidade a ques-
tão não é mais como encontrar a informação, mas o que fazer
com a quantidade de informações disponível, de que maneira
essas informações devem ser manipuladas, utilizadas, ana-
lisadas, racionalizadas, sobretudo quando se pergunta isso
tendo em mente o ambiente escolar com crianças e adoles-
centes, praticamente todos com acesso à internet em algum
momento, porém sendo seres humanos ainda na plenitude do
seu processo de formação intelectual e moral.
Este artigo tem o objetivo de propor o uso da poesia
como base sobre a qual se trabalhar a interdisciplinaridade
na escola, levando para a sala de aula a fruição da beleza lírica
da poesia – quem nunca decorou uma poesia para recitar para
a pessoa amada, principalmente em tenra idade? – e o estudo
da língua portuguesa em uso corrente. A poesia em sala de
aula também se presta como ponte para outras artes, como
a pintura e a escultura, para discussões sobre sexualidade,

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


156

por exemplo, além, claro, de ser meio para o conhecimento de


mundo ampliado a partir de questões político-sociais, históri-
cas e ambientais, discutindo-se, nessa perspectiva, os chama-
dos temas transversais.
Durante algum tempo na história da cultura do Brasil,
sobretudo na chamada cultura popular, a literatura de cordel
(ou verso, ou folheto, como se queira chamar) se prestou ao
papel de levar para o público em geral não apenas as histó-
rias de encantamento, porém até notícias que mal circulavam
em um país continental habitado por uma ampla população
analfabeta. Embora não seja mais esse o caso, o cordel – que
é trazido aqui apenas para se ilustrar essa possibilidade de
uso da poesia como base da interdisciplinaridade na escola –
já existe em uma realidade escolar. Cada vez mais as escolas
lançam mão do cordel como recurso pedagógico, como propôs
Costa Sena (2012), o mesmo podendo ser feito com todas as
formas de poesia.
Este trabalho está dividido em duas partes. A primeira
parte apresenta possibilidades de discussão de temas vários,
como artes plásticas, dramáticas e literárias, ética, política,
dentre outras questões intrinsecamente humanas. A segun-
da parte traz uma proposta de trabalho da poesia em sala de
aula. Pretendemos discutir a poesia e suas relações com ou-
tras áreas do conhecimento, visando ao aprimoramento e à
formação do leitor literário na perspectiva da dimensão poé-
tica da existência humana, como propõe Edgar Morin (2014).
Nossa proposta metodológica consiste em mostrar que a poe-
sia, gênero literário que alia as subjetividades humanas, pro-
move a construção de novos saberes que se interligam numa
dimensão dialógica e reflexiva.

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


157

Literatura e interdisciplinaridade

A Literatura pode servir para fins de estética, fruição da


beleza, de entretenimento e de estudo da arte pela arte, para
se conhecer as partes que compõem um texto, os personagens
de uma obra ou a metáfora de um verso. Porém, a literatura é
polifônica, é capaz de reunir no objeto de sua criação muitas vo-
zes, e pode, pois, servir como ponte para outros conhecimentos,
para se chegar a outras artes e outros conhecimentos. A exegese
de um texto é o percorrer de uma trajetória por outros campos
do conhecimento, e é nessa trajetória que a Literatura expande
seus tentáculos como arte universal. Ela permite, por exemplo,
que a psicologia tenha um campo fértil para suas teorias e dis-
cussões, afinal foi o que Sigmund Freud fez ao usar a peça Édipo
Rei, de Sófocles, chegar ao que chamou de complexo de Édipo.
Massaud Moisés (2000; 2004) oferece, em um texto, pelo
menos duas definições para o termo Literatura. Ele afirma
que “literatura é um tipo de conhecimento expresso por pala-
vras de sentido polivalente (MOISÉS, 2000, p. 37)”, o que já nos
dá a ideia de que essas palavras estão em estado metafórico e
proporcionam vários sentidos ao que esse escreve. No mesmo
texto, em um trecho mais adiante, assevera que a “literatura
é a expressão dos conteúdos da ficção, ou da imaginação, por
meio de palavras de sentido múltiplo e pessoal” (MOISÉS,
2000, p. 38). É importante insistir nessa ideia de palavras com
sentido múltiplo porque não é meramente o uso hiperbólico
da metáfora, mas a sua amplitude em direção a outras artes e
saberes e para uma multiplicidade de outros objetivos que não
apenas a criação de ficção. Por isso, no Dicionário de Termos
Literários, Massaud Moisés faz leve reformulação na defini-
ção e escreve que a “literatura é a expressão dos conteúdos da
ficção, ou da imaginação, por meio de palavras polivalentes, ou
metáforas” (MOISÉS, 2004, p. 269).

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


158

E desde há muito a literatura é usada, por exemplo, para


fins políticos, como lembra George Orwell quando escreve no
ensaio Why I write?: “[...] nenhum livro está genuinamente li-
vre de tendências políticas. A opinião de que a arte não deve-
ria ter nada a ver com a política é em si mesma uma atitude
política” (ORWELL, 2005, p. 5). Aliás, a obra de Orwell é uma
ficção eivada de fins viés claramente políticos, basta se ler os
romances 1984 (ORWELL, 1977) e A Revolução dos Bichos
(ORWELL, 1998). E assim como se pode partir da Literatura
para outros campos da arte e do saber, a Literatura por ser, e
o é, ponto de chegada de várias ciências, em um permanente ir
e vir das artes e das ciências, próprio da interdisciplinaridade.
Podemos ainda adotar como exemplo a relação que a
poesia tem com a música. Estão interligadas por uma linha
melódica, cadenciada pela sonoridade das palavras, pelo rit-
mo. A poesia também apresenta relação com a história. Se-
gundo Octávio Paz (1994, p. 173), “história e poesia se cruzam
e, às vezes, coincidem. A história traça figuras e signos que o
poeta deve reconhecer e decifrar”. Há ainda uma relação tran-
sacional entre poesia e filosofia. Para Benedito Nunes (2011, p.
14) “o trânsito configura um nexo de transação sub-reptícia”.
Também Octávio Paz (1994) viu a relação entre poesia e ero-
tismo, chamando a poesia de erótica verbal e o erotismo de
poética corporal.
Joaquim Maria Machado de Assis produziu textos com
um forte componente político, como é o caso do conto Teoria do
Medalhão (ASSIS, 2008), porém não só estes textos políticos,
mas toda a sua obra foi objeto de um amplo estudo sociológico
realizado por Raymundo Faoro (2001). O romance Menino de
Engenho (REGO, 2008) foi base para uma análise1 a partir do
Ensaio Sobre a Dádiva, de Marcel Mauss (2003). A obra mo-
1 FEITOSA, N. A. Poder e dádiva no engenho. Revista Kínesis, v. III, n. 05,
p. 326-340, jul. 2011. ISSN 1984-8900.

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


159

numental Os Sertões (CUNHA, 2004) foi estruturada a partir


da proposta de Hippolyte Taine (1873), que afirmava que “três
fontes primordiais diferentes contribuem para se produzir
este estado moral elementar: a raça, o meio e o momento”.2
Toda a literatura brasileira da primeira metade do sé-
culo XX no Brasil, principalmente aquelas obras que com-
põem a segunda geração do modernismo verde-amarelo, será
melhor compreendida quando examinada a partir do conheci-
mento de obras clássicas das ciências sociais no Brasil, como
Raízes do Brasil (HOLANDA, 1995) e Casa-grande e Senzala
(FREYRE, 1996), para citar apenas os exemplos mais famosos.
Existe uma clara relação entre uma obra literária e as
ciências sociais, sobretudo porque ambas olham para o mes-
mo objeto, a sociedade, apenas expressando-se de maneira
diferente e com objetivos diferentes. Estudar a literatura a
partir dos clássicos das ciências sociais, em especial da ciên-
cia política, é apenas mais uma forma de dialogar com essas
obras, mas que fique claro que se deve evitar a politização da
literatura, pois esta, assim como afirmava George Orwell, é
sempre produzida com o viés político daquele que a produziu,
embora a produção da obra não tenha necessariamente o ob-
jetivo de provocar uma discussão política ou de fazer denúncia
social.

A poesia como ponte para outros saberes

O que a poesia nos faz pensar sobre a própria poesia?


Não raras vezes ficamos horas diante do poema, tentando de-
cifrar seus enigmas enunciados pela palavra que nos apavora,

2 No original em francês: “Trois sources différentes contribuent à produire


cet état moral élémentaire, la race, le milieu et le moment.” A tradução
para o português de todos os textos em outros idiomas usados neste artigo
foi feita pelo autor.

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


160

nos fascina e nos inquieta, arrastando-nos da banalidade do


cotidiano. Pensamos a poesia como uma travessia feita por
dentro de nós mesmos. Uma experiência surpreendente e de-
safiadora. Às vezes, ela é tão absurdamente impenetrável, que
ficamos atabalhoados. Ela nunca está sozinha. Aliás, não nas-
ce para ficar sozinha. Agrega em torno dela outros saberes. É
uma composição verbal e também um exercício espiritual, que
não se restringe somente ao verso, podendo ser encontrada
em outras formas artísticas. Ela está no campo das abstra-
ções. Contém especificidades em seu universo poético. Alcan-
ça uma realidade metafísica, que transcende nossa capacida-
de de percepção.
Por meio de leituras e pesquisas realizadas ao longo da
docência, temos observado algumas questões relacionadas ao
ensino de poesia. Questões de cunho metodológico. A escola
não tem demonstrado muito interesse em estudar a poesia.
Não percebe que ela anda de mãos dadas com outros saberes,
nos dizendo coisas e nos fazendo ser. Se a poesia permite aos
leitores a construção de novas mentalidades instauradoras do
sentimento de unidade e de transformação, como via de aces-
so para a compreensão de nossa condição humana, não pode
ficar fora do contexto de sala de aula. Se o aluno não vive a ex-
periência de leitura e nem a convivência com o texto literário,
como podemos criar um espaço hermenêutico, de circulação
das ideias, mesmo que elas estejam em situação de tensão?
Merleau-Ponty (2011, p. 232) chama atenção para esse espaço
dialógico provocado pela poesia, que mesmo estando as ideias
em situações dialéticas, se completam e se sustentam.
O que a poesia nos faz pensar sobre a própria poesia?
A linguagem e seu fundamento de verdade. A linguagem da
poesia é uma coisa extraordinária. A poesia consegue tirar as
palavras do estado de dicionário, como revelou o poeta Drum-
mond, e concede a elas o estado de convivência. A palavra po-

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


161

ética anuncia as agruras do homem. Como ela anuncia? Não


é por meio de uma linguagem qualquer, mas de uma palavra
que consegue sair do cotidiano e se revestir de metáforas. Ela
não precisa ser eloquente nem persuasiva, mas produzir sen-
tidos e sensações. Segundo Paul Ricouer (2015, p. 23), “a poe-
sia nada quer provar, seu projeto é mimético; seu alcance é
compor uma representação essencial das ações humanas, seu
modo próprio é dizer a verdade por meio da ficção, da fábula,
do mythos trágico”.
A poesia contendo um modo próprio de dizer a verdade
utiliza uma linguagem que desvia a rota, transgride a ordem,
dá à palavra outro sentido, consegue se livrar da tirania do po-
der da própria linguagem, como bem lembra Roland ­Barthes
(1977). Os saberes do cotidiano interessam ao poeta, que
transforma em material estético, por meio de uma linguagem
simbolizada e posta em movimento. A linguagem da poesia é
a linguagem por excelência da arte, tecida ricamente, ornada
com símbolos, imagens, ritmos, sons. Ornada não no sentido
de enfeite, mas de linguagem que traduz o intraduzível, o im-
perceptível, o inacessível, aquilo que está dentro do ser e fora
dele. Afirma Barthes (2004, p. 47) “eu me interesso pela lin-
guagem porque ela me fere ou me seduz”. Essa linguagem que
fere e seduz, causa impacto e provoca reflexões no leitor, “Ai,
palavras, ai, palavras, \ que estranha potência, a vossa! \ Todo
o sentido da vida \ principia a vossa porta...”, assim nos diz
Cecília Meireles (2011, p. 34).
A poesia é uma experiência direcionada ao homem,
cuja via de acesso ocorre pela imaginação. Ela nos oferece um
mundo estranho, inabitual, no entanto, perfeitamente possí-
vel de se viver. A poesia nos transmite um aspecto fundante
da verdade, como pensou Heidegger (2010, p. 185) ao dizer que
ela “é um modo do projetar iluminante da verdade, cabendo à
poesia um lugar no todo das artes”. O aspecto poietizante está

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


162

na criação de toda obra de arte, como desvelamento, projeto


iluminante e como verdade. Para Heidegger (2010, p. 191), “a
essência da arte é a poiesis. Porém, a essência da poiesis é a
fundação da verdade”. A verdade poética constitui um saber
que não fica em si mesmo, mas mantém relações transacio-
nais com outros saberes. Na poesia há um transbordar de sen-
timentos e ações, que leva o leitor a vivenciar uma experiência
com seu mundo interior. O leitor conduzido a essa experiência
estética consegue adquirir um saber que não aparece em ne-
nhum manual didático.
A poesia como detentora de saberes está no campo da
interdisciplinaridade. Por que a escola não desenvolve esses
saberes? O leitor literário não completa sua formação se não
introduz a poesia ao seu repertório. Ela é um mecanismo im-
portante para o desenvolvimento de uma educação que integre
a totalidade do ser, ampliando o horizonte de expectativa do
leitor. A relação entre a poesia e o leitor é uma relação forma-
dora e que também passa por um processo de transformação.
A escola como uma instituição de ensino precisa pen-
sar em estratégias para o ensino de poesia. Esse ensino deve
ser o de leitura e o de interpretação. Para saber como o leitor
vê o texto e quais suas reações são questões que passam pelo
processo de leitura, pelo exercício de interpretação e de cons-
trução de sentidos. Há poemas que nos convidam à vida, que
nos permitem sentir, portanto, precisam ser lidos, como por
exemplo, o poema “Vaticínio” da poetisa cearense Aila Sam-
paio (2012, p. 67).

Eu poderia rasgar meu peito


e arrancar o coração com as unhas;
cortar os pulsos e as raízes,
afogar-me em meu próprio sangue
ou enterrar-me viva numa caverna
do outro lado do mundo.

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


163

Eu poderia autoflagelar-me,
em degredo profundo,
por desobedecer ao décimo mandamento;
poderia atravessar o inferno
de mãos dadas com Dante e Virgílio
com a calma de um assassino.

Eu só não poderia deixar de amar-te,


porque nenhum flagelo
é capaz de consumir a carne do tempo
que queima em brasa,
mas não desfaz os laços atados pelo destino.

Falar de amor em sala de aula é uma das melhores ta-


refas que um professor pode cumprir. E quando o público é de
adolescentes, aí a atenção para o tema da aula é aumentada
sobremaneira. Não há quem já tenha passado pela escola que
não saiba ou não se lembre do Soneto de Fidelidade, de Viní-
cius de Moraes. “De tudo ao meu amor serei atento antes...”
é o princípio de uma excelente aula, encerrada com o famo-
síssimo verso “mas que seja infinito enquanto dure”. O poeta
Carlos Drummond de Andrade, em seu livro O Amor Natural,
reúne versos eróticos da mais alta qualidade, a exemplo de
Amor, pois que é palavra essencial, em que escreve sobre amor
e vulva, paixão e membro. É um livro perfeito para abrir em
sala de aula uma frutífera discussão sobre sexualidade.
Talvez essas sejam as partes mais óbvias do trabalho
com poesia. O que não é óbvio nem comum para o público
mais geral é, por exemplo, uma relação entre a poesia e ou-
tras artes. Carlos Drummond de Andrade, em seu livro Arte
em Exposição, escreveu vários poemas curtos em referência
direta a pinturas. Sobre As Três Graças, a partir da tela de
mesmo nome do pintor belga Peter Paul Rubens (1577-1640),
Drummond escreveu: “Curvilíneos volumes se consultam e
concluem: Beleza é redundância (DRUMMOND, 1990, p. 7)”.

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


164

O caminho inverso também se verifica, qual seja, uma pintu-


ra inspirada em um poema. Foi o que fez Salvador Dalí, que
pintou inspirado em A Divina Comédia, de Dante Alighieri
(2005). Em junho de 2017, essas pinturas de Dalí estavam ex-
postas em Fortaleza/CE, na Caixa Cultural.
Essa formação a poesia pode nos oferecer, pena que a
escola ainda não conseguiu perceber a necessidade de ela ser
incluída em seus programas de aula. Se não há um ensino que
contemple a leitura de poesia, o aluno provavelmente não terá
como desenvolver seu gosto por ela. A escola tem se esquiva-
do de sua missio que é ensinar a ler poesia. As causas podem
estar relacionadas às dificuldades de interpretação do poema,
à falta de tempo e ainda de um treinamento específico dos
docentes sobre o gênero poesia. Embora apareçam como reais
tais causas, não justificam sua ausência da sala de aula.
Temos nos perguntando, constantemente, como tem
sido o ensino de poesia nas escolas de nível fundamental e mé-
dio? Vemos que as metodologias estão envolvidas em práticas
que tornam o conhecimento fragmentado e excludente, visto
que não se inclui a poesia de autoria feminina, nem africana,
tampouco a indígena. O pesquisador Helder Pinheiro (2007, p.
89) afirma que:
Se a criança ou jovem vai depois se tornar um
leitor de poesia não temos como afirmar, mas
temos o dever de levá-lo a ter contato com uma
poesia em que estejam representados seus de-
sejos, suas dúvidas, seus medos, suas alegrias,
enfim sua experiência de vida.

Se o professor não tiver a atitude de apresentar ao alu-


no a poesia, em que outro espaço poderá encontrá-la?A poesia
está centrada em blocos temáticos, que quando a escola costu-
meiramente os estuda são sempre aqueles convencionais. Não
se lê na escola a poesia de temática erótica, nem a homoeró-

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


165

tica, nem qualquer outra que supostamente possa colocar a


moralidade em questão. A poesia erótica não é vista como ob-
jeto estético e nem sua poética como matéria de estudo. Como
podemos estudar a poesia erótica de Gilka Machado e de Re-
gine Limaverde? Que interpretações o aluno poderia fazer dos
versos: “vem e bebe da fonte \ que corre entre minhas pernas.
\ hoje somos certeza. \ O amanhã é sempre uma dúvida” (LI-
MAVERDE, 2017, p. 24). Toda arte é erótica senão perde sua
condição de arte, de transgressão, de desejo de completude.
A escola segue uma rotina de atividades repetidoras
dos livros didáticos, reforçando, excessivamente, por meio de
seus conteúdos, atividades que não incluem a poesia fincada
na oralidade, como a cantoria e o cordel, que tem especificida-
des estruturais e estéticas que precisam ser estudadas. A po-
esia, muitas vezes, está na sala de aula como um utensílio que
serve apenas para homenagear algumas situações não muito
merecedoras de aplausos. Ela deve ser lida durante todo o ano
e não apenas em momentos de festividade, como se fosse um
acessório de embelezamento.
Outra vez perguntamo-nos sobre a utilidade da poesia
e vemos que está justamente em sua inutilidade, não precisa-
mos dar a ela um serviço. Mas nos parece que somente sua
força humanizadora, como previu Antonio Candido (2011),
não nos basta. De acordo ainda com Antônio Candido (2011),
o homem tem direito à literatura, ao universo fabulado. Ele
precisa de poesia que amplie sua capacidade de ver o mundo
sob diferentes prismas.

A literatura corresponde a uma necessidade


universal que deve ser satisfeita sob pena de
mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar
forma aos sentimentos e à visão do mundo ela
nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos
humaniza (CANDIDO, 2011, p. 188).

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


166

Essas aquisições que a poesia nos concede nos ajudam


no relacionamento diário com as pessoas. Referimo-nos ao sa-
ber da convivência e do respeito. A poesia nos faz ver melhor
o homem, a natureza e a nós mesmos. Há na poesia lugar para
pensar o outro, para amar, para valorizar as coisas pequenas e
grandes, para otimizar nossas forças. A poesia está no campo
dos sentidos (tato, visão, audição, gosto, cheiro) e das sensa-
ções. O ponto de partida para adentrar o universo da poesia é
a leitura. Para Kefalás (2012), a relação entre o leitor e a obra
não é puramente informativa, mas formadora.
Diferentes poemas podem ser introduzidos ao repertó-
rio do aluno, como os de Mário Quintana, Manoel de Barros,
Moreira de Acopiara, Patativa do Assaré, Carlos Drummond,
Cecília Meireles, Adélia Prado, Ana Cristina Cesar, Lenilde
Freitas, Alice Ruiz, Gilka Machado, entre outros, que reno-
vam nosso pensamento e nos desafiam a reformular nossas
ideias, apelando para posturas mais políticas, críticas e hu-
manas. Também acrescentamos a poesia lírica feminina ce-
arense, que tem estado em grande efervescência, mas não o
suficiente para ter a visibilidade que precisa.
Há na poesia um mundo aberto para outros mundos. A
poesia como casa do saber acolhe em sua morada outros sabe-
res que juntos tecem um grande mosaico. Poesia é presença de
sensibilidade. É um afastar-se da lógica (RICOUER, 2015). Os
afetos exercem sua soberania e a palavra destaca esse poderio,
“A palavra essa rédea me governa. / A palavra essa lâmina
me reparte” (FREITAS, 2001, p. 9). Esperamos que a poesia
como instrumento interdisciplinar seja cultivada nas ativida-
des de ensino de modo a favorecer o desenvolvimento inte-
lectual, formativo e afetivo do indivíduo. Sem poesia, nós não
exercitamos nossa sensibilidade tão cara, a qualquer pessoa,
independentemente, de sua área de estudo.

MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


167

Considerações finais

Experiências com a poesia nos revelam que há um de-


senvolvimento muito maior de nossa percepção e sensibilida-
de do mundo, quando inserimos em nossa prática cotidiana a
leitura de poemas. Com a poesia, ampliamos nossas possibili-
dades de ver o mundo e de nos livramos de nossas cegueiras
epistemológicas.
Uma formação intelectual que não desenvolve a dimen-
são poética da existência humana é naturalmente atrofiada.
A poesia nos despe de nossas falsas ideologias e nos instiga
a pensar em outras formas de existência que privilegiem a
essencialidade humana. Sem poesia, nós nos perdemos e não
enxergamos nossos defeitos e males. Ela exercita nossa capaci-
dade de interagir com as diferentes formas de vida. A poesia é
um dispositivo que atua diretamente nos sentimentos, favore-
cendo o efeito contínuo dos saberes. O resultado desse exercí-
cio com a poesia é gerar na formação do indivíduo saberes que
desencadeiem um processo de autonomia do ser na sua convi-
vência com o mundo, porque como diz Drummond (2012, p. 69).
O mundo é grande. / Tu sabes como é grande o
mundo. / Conheces os navios que levam petró-
leo e livros, carne e algodão. / Viste as diferen-
tes cores dos homens, / as diferentes dores dos
homens, / sabes como é difícil sofrer tudo isso,
amontoar tudo isso / num só peito de homem...
sem que ele estale.

A poesia precisa estar dentro de um projeto de forma-


ção, que vise o desenvolvimento crítico, cognitivo, social, hu-
mano, psíquico, cultural e ético. Tendo essas exigências, po-
demos pensar num crescimento individual e coletivo em que
o conhecimento circule em muitas direções e seja renovado
pelas inserções em outras formas de saberes. Dessa forma, es-

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA


168

taremos lidando com seu aspecto interdisciplinar, numa rede


de conhecimento que leva para a consciência cidadã e promis-
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MARIA DO SOCORRO PINHEIRO • NABUPOLASAR ALVES FEITOSA


171

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E


MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE
AULA

LUÍS FERNANDES DE MOURA


Aluno de mestrado do Programa de Pós-graduação em Ensino-POENSINO (UERN/IFRN/UFERSA).
Licenciado em Música e Letras. Efetivo da Prefeitura Municipal de Mossoró.
E-mail: lluisprof@hotmail.com

GIANN MENDES RIBEIRO


Doutorado em Educação Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor Artes/
Música do IFRN. Professor Adjunto IV da UERN. Desenvolveu um projeto de pesquisa em Desenvol-
vimento de Tecnologias Inovativas em Educação Musical com bolsa de desenvolvimento tecnoló-
gico e inovação SETEC/ MEC e CNPq na Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere/Finlândia.
E-mail: giann.ribeiro@ifrn.edu.br
172

Introdução

D iscutiremos nesta produção textual teorizações sobre um


assunto amplamente discutido por estudiosos de diversas par-
tes do mundo, a interdisciplinaridade. Thiesen (2008), Japiassu
(1979), Goldman (1979), Freire (1987), Frigotto (1995), Michael
Gibbons (1997), Pedro Demo (2001), Luck (2001), Maria Cândi-
da Moraes (2002), Olga Pombo (2003), Edgar Morin (2005), são
alguns dos nomes expressivos desse campo de conhecimento.
Para dá suporte teórico ao nosso discurso sobre interdiscipli-
naridade, currículo e disciplina abordaremos, especialmente,
Lopes (2011), Paro (2007; 2012) e Thiesen (2008; 2013).
O objetivo principal com a construção deste trabalho é
ressaltar o papel da interdisciplinaridade para o desenvolvi-
mento e a formação integral dos alunos da escola básica. Co-
nectada com os pressupostos teóricos abordados, relataremos
uma experiência interdisciplinar que desenvolvemos em sala
aula. Acreditamos que o relato poderá servir de proposta a
ser desenvolvida por outros professores da área de Música.
Para melhor fundamentar as discussões também abordare-
mos autores do campo da Educação musical, apresentaremos
textos referentes ao ensino da Música nas escolas brasileiras
de acordo com Lei nº 11.769/2008. Somos cientes de que a re-
ferida Lei não vigora mais, pois recentemente, no dia 02 de
maio de 2016, a então presidente do Brasil, Dilma Rousseff
sancionou a Lei nº 13.278/161. Esta substitui aquela Lei e tor-
1 <http:// www.e-diariooficial.com/Diario-Oficial/da-Uniao>.  – seção 1-
3/5/2016, Página 1(Página Original). Acesso em 20 mai. 2017.

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


173

na obrigatório, além do ensino de Música na educação básica,


o ensino das outras três linguagens do componente Arte, a
saber: Dança, Artes visuais e Teatro; com o prazo de cinco
anos, a partir da referida data, para que os sistemas de ensino
implantem as mudanças cabíveis em decorrência dessa nova
Lei.
A respeito da Lei nº 13/278 de 2016, Figueiredo e Meu-
rer (2016) declaram que:

Ainda que Lei 11.769/08 não esteja mais em vi-


gor, a música continua presente a partir da nova
lei que estabelece as linguagens artísticas que
devem compor o currículo escolar. Além dis-
so, as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Operacionalização do Ensino de Música na
Educação Básica (BRASIL 2016) continuam em
vigor, oferecendo orientações específicas para
implantação da música nos currículos (FIGUEI-
REDO e MEURER, 2016, p. 516).

Entendemos que a Lei 11.769 teve um papel impor-


tantíssimo para a inserção da Música no currículo da edu-
cação básica brasileira, pois foi a partir dessa lei que as Di-
retrizes Curriculares Nacionais – DCN (Parecer CNE/CEB
nº 12/20132) foram elaboradas, e que, conforme, Figueiredo e
Meurer (2016), ainda estão em vigor com a nova Lei.
Trataremos também nesta comunicação sobre o conte-
údo poluição sonora no meio ambiente; estes fazem parte dos
temas transversais abordados na escola. Nessa perspectiva,
objetivamos inter-relacionar a aula de Música com a discipli-
na Ciências na escola básica, especificamente no Ensino Fun-
damental – Anos Finais.

2 Neste Parecer consta um Projeto de Resolução o qual se transformou na


Resolução n º 2, de 10 de maio de 2016. Esta resolução Define Diretrizes Na-
cionais para a operacionalização do Ensino de música na Educação Básica.

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


174

Fundamentação teórica

De maneira geral, os conteúdos da escola formal são


estruturados ou organizados em disciplinas que também re-
cebem o nome de conhecimento ou comumente matéria es-
colar. Lopes e Macedo (2011, p.107) consideram que em uma
escola os saberes, sujeitos, espaços e tempos são controlados
por uma tecnologia organizacional que sistematiza o trabalho
pedagógico. Nessa sistematização, as autoras explicam que há
uma escala de horário que designa cada professor para minis-
trar conteúdos previamente programados para sua respectiva
turma de alunos. Nessa perspectiva, evidencia-se que a ope-
racionalização escolar é regida por normas administrativas e
didáticas.
Para avançar nossa comunicação entendemos que é
necessário focalizarmos um pouco no significante disciplina.
Lopes e Macedo (2011, p. 121) concordando com Goodson e Po-
pkewitz defendem que “as disciplinas são construções sociais
que atendem a determinadas finalidades da educação e, por
isso, reúnem sujeitos em determinados territórios, sustentam
e são sustentados por relações de poder que produzem sabe-
res” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 121). A partir dessa afirma-
ção e fundamentados em outras leituras, podemos assegurar
que as disciplinas não são produtos da natureza humana; elas
são erguidas a partir interesses educacionais e conduzidas
por luta entre grupos pelo domínio de poderes e que, conse-
quentemente, articulam saberes.
Quando falamos em currículo escolar estabelecemos
uma relação direta com o termo composição curricular de
uma escola. Essa pode ser uma das maneiras mais resumidas
de nos referirmos às disciplinas que compõem uma coletânea
de saberes ensinada na escola e apropriada pelo seu alunado,
não importando se tais saberes são compartimentados ou in-

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


175

ter-relacionados. Isto é, se as diversas disciplinas são traba-


lhadas isoladamente ou se há relações internas dessas disci-
plinas rumo à perspectiva da unidade do conhecimento.
A nossa proposta de trabalhar os conteúdos em sala de
aula dentro da perspectiva interdisciplinar assume uma ideia
defendida por diversos teóricos do Brasil e do mundo, dentre
eles, Morin (2011) e Thiesen (2008).
Segundo Thiesen (2008), a interdisciplinaridade luta
para dar respostas sobre a necessidade de superação da con-
cepção fragmentada que persiste nos processos produtivos e
socializados do conhecimento. Nesse rumo, a importância da
interdisciplinaridade em qualquer espaço de aprendizagem é
argumentada por esse autor no trecho a seguir:
Na sala de aula ou em qualquer outro ambiente
de aprendizagem, são inúmeras as relações que
intervêm no processo de construção e organi-
zação do conhecimento. As múltiplas relações
entre professores, alunos e objetos de estudo
constroem o contexto de trabalho dentro do qual
as relações de sentido são construídas. Nesse
complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar
aproxima o sujeito de sua realidade mais ampla,
auxilia os aprendizes na compreensão das com-
plexas redes conceituais, possibilita maior signi-
ficado e sentido aos conteúdos da aprendizagem,
permitindo uma formação mais consistente e
responsável (THIESEN, 2008, p. 551).

A partir da afirmação de Thiesen entendemos que para


a construção e apropriação do conhecimento é fundamental
que professor, conteúdo e aluno exerçam múltiplas e mútuas
relações em direção à compreensão significativa dos saberes.
Para darmos continuidade à discussão sobre o significante
disciplina, passamos agora a relacioná-lo com o significante
currículo.

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


176

Há uma íntima relação do significante currículo com o


significante disciplina. Por isso, entendemos que há a necessi-
dade da utilização de um termo para explicar o outro. A partir
dessa concepção, ao discutirmos sobre disciplina, articulamos
com o currículo. Nessa perspectiva, compartilhamos o posicio-
namento de Lopes e Macedo (2011) a respeito da importância
da organização disciplinar, ou composição curricular na esco-
la formal: “Defendemos que a organização disciplinar escolar
se mantém dominante nos currículos de diferentes países, ao
longo da história, porque é concebida como uma instituição
social necessária” (LOPES e MACEDO, 2011, p.108).
Para reforçar a nossa discussão sobre currículo aborda-
mos a ideia de Thiesen (2013). Em uma de suas perspectivas,
Thiessen (2013,) pronuncia que o entendimento sobre currículo
não se dá apenas dentro de um espaço no qual determinados
grupos sociais dominantes selecionam e distribuem os sabe-
res a serem disciplinarizados como conhecimento. O currículo,
para esse autor, é o próprio movimento que é produzido pela
existência da humanidade e que é gerado através de relações de
apropriação, poder e controle. Sobre isso, Thiesen defende que:
O currículo não pode existir fora da realidade
concreta onde homens e mulheres tecem e en-
gendram os elementos de sua constituição histó-
rica, seja na ação mesma da atividade educativa,
seja nas formulações teóricas produzidas sobre
essa ação. A produção do currículo, como campo
de lutas, engendra-se na produção sempre ten-
sionada das relações sociais mediatizadas pelos
interesses de classe e materializados na ativida-
de educativa como um jogo de forças em torno
de seu objeto mais precioso – o conhecimento
(THIESEN, 2013, p. 593).

A partir da leitura que realizamos nos autores supra-


citados compreendemos que a construção de uma estrutura

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


177

curricular se dá através de lutas de grupos interessados no


exercício do domínio sobre as disciplinas que deverão nortear
ou controlar o conhecimento, acordo com os interesses da he-
gemonia. Nesse sentido, retirar uma disciplina do currículo,
substituir uma por outra ou acrescentar uma nova disciplina
é sempre uma questão de jogo de forças ideológicas entre gru-
pos dominantes ou grupos que almejam espaço hegemônico.

Percurso metodológico

Para a construção deste artigo adotamos a pesquisa


bibliográfica com a qual realizamos leitura e interpretações
textuais, objetivando a compreensão das ideias desenvolvidas
por pesquisadores e escritores do campo do ensino e da in-
terdisciplinaridade. Nesses campos, buscamos subsídios em
escritores como Lopes e Macedo (2011), Paro (2007; 2012) e
Thiesen (2008). Na área da educação musical, recorremos a
França (2011), Hentschke e Oliveira (2000), Penna (2001; 2010),
Schafer (1997), dentre outros. Já no que diz respeito à Educa-
ção, consultamos textos da Base Nacional Comum Curricu-
lar (BNCC), dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
da Leis Diretrizes e Bases (LDB) e documentos da Legislação
Brasileira sobre Educação.
Para subsidiar a nossa discussão tratamos de apresentar
o relato de experiência que tivemos como professor em uma
sala de aula do Ensino Fundamental – Anos Finais, de rede
pública de ensino do município de Mossoró-RN. Nessa pers-
pectiva, para contextualizarmos o lócus do nosso trabalho, expe-
riencial, descrevemos em detalhes os dados da estrutura física
da escola e a quantidade de professores e demais funcionários
da instituição. Quanto ao relato da nossa experiência, apresen-
tamos alguns resultados alcançados dentro da nossa proposta
do ensino interdisciplinar; Educação musical e Ciência.

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


178

Legislação sobre a inserção do ensino de Música


nas escolas

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),


Lei no 9.394/96 fez transformações em todos os níveis de ensi-
no e integrou o ensino das artes como componente obrigatório
à grade curricular da educação básica. De acordo Hentschke
e Oliveira (2000), uma das grandes decisões implantadas pela
nova LDB, para a área artística, foi a de substituir a termi-
nologia Educação Artística por Ensino das Artes. As autoras
ainda comentam que a inserção do ensino das artes nesse ci-
clo da educação surgiu para o campo da música como uma
oportunidade de valorizar e de legitimar a inclusão dessa lin-
guagem artística nos currículos escolares. A esse respeito, A
Lei Nº 9.394, 20 de dezembro de 1996, em seu Artigo 26 – 6º,
diz o seguinte: “A música deverá ser conteúdo obrigatório,
mas não excludente, do componente curricular de que trata o
parágrafo 2º deste artigo”.
Nos anos 2000, com a aprovação da Lei nº 11.769, de
18 de agosto de 2008, os sistemas brasileiros de ensino tive-
ram três anos letivos para se adaptarem às exigências esta-
belecidas pela LDB. Em conformidade com essa lei, a reda-
ção apresentada pela Lei 12.287/2010 dispõe que “o ensino da
Arte, especialmente em suas expressões regionais, constitui-
rá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da
Educação Básica, de forma a promover o desenvolvimento cul-
tural dos alunos.” Em 2011, a Secretaria de Educação Básica
do MEC, objetivando a discussão sobre o ensino de Arte e de
Música na escola, viabilizou uma reunião com especialistas da
área musical para debater sobre o assunto. A partir do que
foi discutido na reunião produziu-se um documento com sub-
sídio ao Conselho Nacional de Educação – CNE definindo as
Diretrizes para o ensino da música na educação básica e, em

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


179

04 de dezembro de 2013, foi aprovado o Parecer CNE/CEB Nº:


12/2013. Como já comentamos, dentro do referido documen-
to consta um Projeto de Resolução o qual transformou-se na
Resolução nº 2 de 10 de maio de 2016, que determina normas
para a operacionalização do ensino de Música na educação
básica. Já no dia 02 de maio de 2016 a Lei nº 13.278/163 subs-
tituiu a Lei nº 11.769, tornando obrigatório, além do ensino de
Música na educação básica, o ensino das outras três lingua-
gens do componente Arte: Dança, Artes visuais e Teatro.

Breve descrição da escola EMMO

Localizada no centro da cidade, o edifício da escola


EMMO4 (fundada em 1981 e inaugurada em no dia 07/04/1982)
na qual desenvolvemos o conteúdo com os alunos, tem uma ar-
quitetura construída em dois pavimentos (térreo e superior),
nos quais funcionam: 01 direção, 01 biblioteca, 01 pelotão de
saúde, 01 arquivo, 01 secretaria, 01 sala de supervisão, 01 sala
de professores, 01 bebedouro, 01 depósito, 01 cantina, 01 sala
para Educação Física, 01 sala de merenda escolar, 01 cozinha,
01 sala de computação, 12 salas de aulas, 01 área para banho
de cascata, 01 passarela, 01 varanda térrea e outra superior,
01 corredor, 18 sanitários e 09 banheiros. O pátio e a quadra
de esportes também se localizam na parte inferior do prédio.
Já os banheiros ficam nos dois níveis do prédio. Por uma ques-
tão de privacidade nos reportaremos à escola como nome fic-
tício EMMO (Escola Municipal de Mossoró). Esta instituição
atua no ensino infantil (vespertino) e nas duas fases do Ensino
3 Disponível em <http: // www.e-diariooficial.com/Diario-Oficial/da-Uniao>.
– seção 1- 3/5/2016, Página 1(Página Original). Acesso em 20 mai. 2017.
4 Os dados referentes a esta escola foram coletados no Projeto Político Peda-

gógico de 2015 da instituição. Para mantermos a total discrição, não infor-


maremos dados mais precisos sobre o endereço e nem as fontes referen-
ciais das quais obtivemos as informações.

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


180

Fundamental; Anos Iniciais: 1º ao 5º ano (vespertino) e Anos


Finais: 6º ao 9º ano (matutino). A gestão é composta pela Di-
retora, pela Vice-Diretora e por duas Supervisoras. O quadro
docente é composto por aproximadamente 24 profissionais.
Na secretaria trabalham 06 funcionários, na biblioteca 02 e
mais 08 funcionários distribuídos entre cozinha, auxiliar de
serviços gerais (ASG) e vigias.

Origem da nossa proposta de conteúdo

O Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia é co-


memorado em 05 de junho. Essa data comemorativa foi criada
em 1972 através de um encontro promovido pela Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU), objetivando discutir assuntos
ambientais e ecológicos envolvendo o planeta terra (Brasil
Escola, junho de 20125). Nesse contexto, na semana do meio
ambiente, os vários atores do processo educativo escolar, espe-
cialmente os professores e alunos, dedicam uma parte de seu
tempo escolar em produções de gêneros textuais orais e escri-
tos, em campanhas de conscientização ecológica, em eventos
artísticos e em confecção de materiais variados para divulga-
ção sobre os cuidados que devemos ter com o meio ambiente
e a saúde.
Como a nossa área de atuação é em Educação musical,
decidimos trabalhar com a questão da Poluição Sonora, e seus
efeitos na saúde humana. Então, planejamos o conteúdo e o
discutimos com a turma. A maioria dos alunos mostrou-se
interessada no assunto e outros não se manifestaram. Enten-
demos que em um ambiente no qual desejamos construir a de-
mocracia faz-se necessário o respeito às vontades individuais
dos outros que, muitas vezes, podem não coincidir com as nos-
5 Disponível em: <http://www.brasilescola.uol.com.br >. Acesso em: 21 mai.
2017.

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


181

sas. Nesse sentido, citamos Paro (2007): “Assim, nunca iremos


longe em nossas metodologias se esquecermos que o aluno só
aprende se quiser. Predispô-lo a aprender, portanto é, buscar
formas de levá-lo a querer aprender” (PARO, 2007, p. 59).
No Projeto Político Pedagógico (PPP) de 2015 da Esco-
la EMMO, dentre outras propostas de ensino, verificamos
questões como a poluição ambiental e a poluição sonora. Esta
última que também pode interferir de maneira maléfica na
qualidade de vida do homem e dos animais irracionais. Esses
conteúdos são abordados pelos temas transversais para o en-
sino nas escolas do Brasil. De acordo com França (2011, p. 29),
esse é um dos temas mais prementes da educação e também
obrigatório na educação musical. Neste tipo de educação, abor-
daremos o conteúdo Poluição sonora que, segundo França, faz
parte de um dos eixos articuladores da interdisciplinaridade,
a Paisagem sonora. Esse termo foi criado por Murray Scha-
fer na década de 1960 a partir do termo landscape (paisagem
cenário). O educador, em seu livro, definiu em síntese o que
seria paisagem sonora: “qualquer campo de estudo acústico”
(Schafer, 1997, p. 23). Em outras palavras, concordando com
França (2011, p. 38), paisagem sonora refere-se a gama de sons
existentes em um determinado ambiente. O ambiente pode
ser natural ou artificial, do passado, do presente ou do futuro.
Ele ainda pode ser urbano, do campo ou de outro local.
Pertinente ao que abordamos no parágrafo anterior,
Penna (2001, p. 130) comenta que o tema Meio Ambiente está
conectado com o tema Saúde. Constatamos a afirmação da
autora quando visitamos as propostas dos PCN relacionadas
à música para o ensino fundamental II: “Reflexões sobre os
efeitos causados na audição, no temperamento, na saúde das
pessoas, na qualidade de vida, pelos hábitos de utilização de
volume alto nos aparelhos de som e pela poluição sonora do
mundo contemporâneo, discutindo sobre prevenção, cuidados

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


182

e modificações necessárias nas atividades cotidianas.” (BRA-


SIL, 1998, p. 85). Ainda sobre o assunto poluição sonora, folhe-
amos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC6) coletamos
na área de Ciências da Natureza, sobre sentido, percepções e
interações, o seguinte:

Identificar fontes sonoras, naturais e tecnológi-


cas, classificando os níveis de poluição sonora e
o prejuízo causado para a capacidade auditiva
e buscar informações sobre as recomendações
para limites máximos de exposição ao som e
relacionar diferentes intensidades de som com
possíveis efeitos no organismo humano (BRA-
SIL, 2016, p. 287).

As Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN definem


quatro objetivos gerais para o ensino fundamental; apresen-
tamos o segundo objetivo: “compreensão do ambiente natural
e social, do sistema político, da economia, da tecnologia, das
artes, da cultura e dos valores que se fundamenta a sociedade”
(BRASIL, 2016, p. 176).

Relato da experiência

A carga horária e a frequência das aulas de Música na


escola regular geralmente são bastante reduzidas. No nosso
caso, a carga horária total de trabalho como professor de mú-
sica da Secretaria Municipal de Educação de Mossoró/RN
foi distribuída para três escolas de ensino fundamental, com
uma aula semanal de 50 minutos para cada turma dentro da
disciplina Arte. As aulas foram concentradas nos 6º, 7º e 8º

6 Base Nacional Comum Curricular teve sua 3ª versão (final) para o Ensino
Fundamental divulgada, recentemente, em 2017. Disponível em:
<http://www.basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.
pdf >. Acesso em: 21 mai. 2017.

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


183

anos. Porém, o presente relato descreverá apenas as ativida-


des desenvolvidas em uma turma de 6º ano da escola EMMO;
apesar de termos trabalhado o mesmo tema em outras turmas
e escolas.
No dia 08 de maio de 2015 (manhã da sexta-feira, dia
da nossa aula de música), discutimos com a turma sobre a
proposta de trabalho dentro do tema Meio Ambiente. Nesse
contexto, exibimos slide, filme e distribuímos textos escritos;
lemos e discutimos com a turma sobre o assunto Poluição so-
nora, seus níveis de poluição e seus efeitos na saúde.
Como já mencionamos, esse assunto é um dos eixos ar-
ticuladores da interdisciplinaridade e os PCN (BRASIL, 1998)
sugerem reflexões sobre os danos que esse tipo de poluição
pode causar na saúde auditiva, na saúde temperamental, na
saúde biológica e na qualidade de vida das pessoas. Ao abor-
darmos esse conteúdo, muitos alunos e alunas ficaram apre-
ensivos e diziam não saber que o som também poderia poluir
o meio ambiente. Diante dessa e de outras constatações no
cotidiano escolar compreendemos a relevância do assunto
para a formação da consciência do alunado, pois temos per-
cebido que um dos grandes problemas da comunicação e da
falta de concentração dos alunos em sala de aula é justamente
o índice excessivo de volume sonoro. Nessa perspectiva, dia-
logamos com Paro (2012), quando ele afirma que a formação
da personalidade do educando deve ser fundamentada na for-
mação integral desse educando. Entendemos também que a
conscientização sobre as questões ambientais e de convívio
social também têm seu papel na formação holística do cida-
dão, pois o aluno não vai à escola somente para aprender a ler,
a escrever e a calcular.
A partir do primeiro contato dos alunos com o conteú-
do abordado, pedimos para que eles trouxessem gravuras de
elementos causadores da poluição e organizassem o material

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


184

por tipo de poluente (eletrodomésticos, veículos automotores,


máquinas industriais, equipamentos de som, shows, trânsi-
to, dentre outros). Após tudo selecionado em categorias, cola-
mos em cartolinas e nomeamos as imagens de acordo com o
estudado. Como atividade para casa, pedimos que os alunos
pesquisassem na internet e/ou em outros portadores de texto
(revistas, jornais, livros) sobre os efeitos da poluição sonora na
saúde e em seguida anotassem o que eles observassem como
causadores de poluição sonora em suas residências. Na aula
seguinte, algumas alunas, além de cumprirem com o combi-
nado, ainda realizaram deliberadamente entrevistas com os
seus vizinhos a respeito do conteúdo. Essa ação nos remete
à ideia de Paro (2012), quando afirma que a o conhecimento
trabalhado democraticamente tem que favorecer a “condição
de sujeito do educando” (p. 113).
Na quarta semana de aula, a nossa tarefa com a turma
foi a de produzir uma paródia baseada no que estudamos so-
bre a Poluição sonora. Isso exigiu um envolvimento de todos,
pois foi imprescindível refletir sobre alguns conhecimentos
que os alunos se apropriaram ao longo das aulas. Escolhemos
o grande sucesso musical “O sol” da banda mineira Jota Quest,
por consideramos que essa canção tem uma melodia simples
de ser percebida e memorizada, além de fácil entonação no
canto (de ser cantada). Executamos a música no micro system
e depois a cantamos acompanhada ao violão. No término des-
se processo construtivo com a turma a paródia ficou assim:

Poluição Sonora não é bom!


Alô, eu tenho que falar / Que o som pode te pre-
judicar.
Alô, procure se proteger / Se não, sua saúde vai
perder.
Poluição sonora não é bom / Por isso eu aviso é
bom baixar o som.

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


185

Se você não buscar se proteger / Doente vai ficar


e pode até morrer.

A culminância do nosso trabalho junto à turma, além


das exposições em sala de aula e das afixações de cartazes nos
murais da escola, deu-se com a realização de uma performan-
ce artística no pátio da escola, no dia 05 de junho de 2015. A
ação chamou à atenção da comunidade escolar, conscientizan-
do-a sobre os malefícios que a poluição sonora pode causar
nos seres humanos e nos animais. Naquele espaço escolar, os
alunos envolvidos na campanha expuseram os cartazes por
eles construídos e cantaram a paródia, acompanhados por nós
ao violão e à percussão corporal (ritmo explorado e executado
com batidas no corpo) que também foi desenvolvida com a tur-
ma durante nossas aulas de música.

Considerações finais

O que discutimos nesta comunicação é ínfimo diante dos


escritos e do que ainda há de ser construído pelos intelectuais
engajados no ensino e na interdisciplinaridade na escola, mas
acreditamos que qualquer pessoa compromissada e entusias-
mada com o que faz busca constantemente melhorar sua per-
formance para também tornar melhor a formação do seu seme-
lhante. Nestas palavras finais ainda pensamos ser pertinente
trazer as palavras de Lopes sobre qualidade, pois a nossa pro-
posta de ensino também está conectada com esse significante.
A autora relaciona a questão da qualidade da escola pú-
blica com o significante currículo. Lopes (2012) afirma que se
considerarmos que a qualidade é um significante vazio e que
o currículo é um produto cultural, na luta pela significação da
qualidade está também a luta interessada pela significação do
currículo. Nessa perspectiva, Lopes (2012, p. 27), em seu dis-
curso, argumenta:

POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


186

Assim a qualidade da educação é uma questão


de currículo, caso consideremos essa qualidade
e esse currículo como projetos a serem construí-
dos, sem certezas, sem uma resposta única pos-
sível, pois são múltiplos os contextos que produ-
zem sentidos para essa qualidade.

Quando fomos motivados para produzir este artigo, co-


meçamos a imaginar como seria um ensino interdisciplinar.
Diante dessa imaginação, que também é uma indagação, fo-
mos construindo nossas ideias e percebemos a complexida-
de do assunto. A nossa tentativa compromissada com esse
significante foi a de apresentar uma proposta de conteúdo a
ser desenvolvido na sala de aula, objetivando tornar a aula de
música mais atrativa e capaz de colaborar significativamente
com a formação integral dos alunos.
As diversas leituras, releituras, interpretações, compre-
ensões e produções textuais que realizamos para construir o
nosso artigo nos conduziram a reflexões bastante marcantes
sobre a nossa atuação como professores e pesquisadores. Es-
peramos que as ideias discutidas e o nosso relato de experiên-
cia de caráter interdisciplinar, através de um assunto que faz
parte da temática transversal, possam contribuir com a boa
qualidade do ensino da música e, quem sabe, de outros cam-
pos do conhecimento trabalhados na escola.

Referências
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ção. Câmara de Educação Básica. Parecer e Projeto de Resolução
CNE/CEB n.12/2013. Define Diretrizes Nacionais para a Ope-
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______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bási-
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mental de (9) anos. Brasília: MEC; SEB, DICEI, 2013.

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


187

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação


Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. 2. Arte.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curri-
cular – BNCC. Brasília: MEC, abril de 2016.
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Educação musical no currículo escolar: uma análise dos impac-
tos da Lei nº 11.769/08. Opus, v. 22, n. 2, p. 515-542, dez. 2016.
FRANÇA, Cecília Cavalcante. Ecos: educação musical e meio
ambiente. Música na Educação Básica. v. 3, n. 3, Porto Alegre:
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no Brasil. In: HENTSCHKE, Liane (Org.). Educação musical
em países de língua neolatinas. Porto Alegre: Ed. Universida-
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lia: Câmara dos deputados. Edições Câmara, 2009. (Série Le-
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São Paulo: Cortez, 2011.
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dade do Ensino. São Paulo: Ática, 2007.
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PENNA, Maura. Música na Escola: analisando a proposta dos
PCN para o ensino fundamental. In. É este o ensino de Arte
que queremos? Uma análise das propostas dos Parâmetros
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CCHLA/ PPGE, 2001.
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via Marques. As propostas dos Parâmetros Curriculares Na-
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POLUIÇÃO SONORA, MEIO AMBIENTE E MÚSICA: PRÁTICA INTERDISCIPLINAR EM SALA DE AULA


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PENNA, Maura. Música(s) e seus ensino, 2. ed. rev e ampl.


Porto Alegre: Sulina, 2010.
SCHAFER, M. A afinação do mundo. Tradução de Marisa
Fonterrada. São Paulo: UNESP, 1997.
THIESEN, Juarez da Silva. A interdisciplinaridade como um
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vista Brasileira de Educação, v.13, n.39. set./dez. 2008.
______. Currículo interdisciplinar: contradições, limites e
possibilidades. Perspectiva, Florianópolis, v. 31, n. 2, 591-614,
maio/ago. 2013.

LUÍS FERNANDES DE MOURA • GIANN MENDES RIBEIRO


Parte 3
191

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO


PEDAGÓGICA

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES


Formada em Pedagogia pela UFRN. Doutora em Estudos da Criança pela Universidade do Minho/
Portugal, revalidado pela UNICAMP como doutorado em Educação, Conhecimento, Linguagem e
Arte. Professora Adj.IV da UERN, atuando nos Programas: POSENSINO e Letras.
E-mail: veronicauern@gmail.com

FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


Licenciado em Ensino de Português-Francês pela Universidade do Minho. Doutor em Literatura
Portuguesa pela Universidade do Minho. Professor Associado com agregação na Universidade do
Minho/Portugal, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação.
E-mail: fraga@ie.uminho.pt
192

Introdução

E sse artigo apresenta resultados de nossa pesquisa de pós-


-doutoramento realizado na Universidade do Minho entre os
anos de 2016 e 2017 intitulada: A formação do leitor literário
nas propostas curriculares dos cursos de Pedagogia da Uni-
versidade do Estado do Rio Grande do Norte e de Educação
Básica da Universidade do Minho, com o objetivo de analisar
as Propostas Curriculares dos Cursos de Pedagogia da Uni-
versidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e da
Universidade do Minho em relação à formação do leitor lite-
rário proposta nesse contexto.
Esse projeto de pós-doutoramento se concretiza a par-
tir de pesquisas e estudos da formação leitora na escola pú-
blica, anteriormente realizados por nós, especificamente de
uma pesquisa financiada pelos órgãos financiadores: CNPq/
CAPES/FAPERN, em 2013, com a presença de 42 bolsistas,
via Edital CTI/EB, que se configurou como uma intervenção
no Ensino Médio direcionada à formação de leitores literários
em escolas públicas da Cidade de Mossoró e de Apodi, locali-
zadas no Estado do Rio Grande do Norte.
Além dessa pesquisa, realizamos também pesquisas para
verificação da presença da leitura literária nas escolas públicas
das cidades de Mossoró, Natal, Parnamirim e, em Portugal, nas
cidades de Braga e Guimarães, e ainda intervenções diretas na
formação do leitor literário em escolas públicas de Portugal e
do Brasil, especificamente no Estado do Rio Grande do Norte.

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


193

Nosso grupo de pesquisa intitulado LITERATURA,


TECNOLOGIAS e NOVAS LINGUAGENS incorpora estu-
dos, projetos e ações relacionados à literatura, tendo em vista
a necessidade urgente de formar leitor crítico que seja capaz
de compreender e emitir opiniões a partir do que lê.
Nossa experiência como professora do Curso de Peda-
gogia, Mestrado em Letras, PROFLETRAS e, atualmente,
Mestrado em Ensino possibilita-nos experiências diretas no
contexto formativo do professor e futuro professor que atua
na educação básica.
Constatamos ao longo dessas pesquisas e de outras pes-
quisas já realizadas no país como o PISA, o INAF, o SAEB e
Retratos de Leitura o quanto o nosso país se encontra aquém
de uma formação leitora compatível com a real necessidade
nossa, o que nos deixa em uma categoria inicial de leitura.
Nossa prática docente há muitos anos encontra-se di-
recionada para uma mudança efetiva no quadro de leitores
brasileiros e, para isso, incorporamos em nossas atividades de
sala de aula conhecimento da leitura literária existente além
de práticas relacionadas a essas leituras literárias que sejam
possíveis de aplicação no contexto escolar.
Sendo assim, propomo-nos a realizar pesquisa no âmbi-
to do contexto universitário que forma docentes que atuarão
em salas de aula dos anos iniciais, como é o caso dos Cursos de
Pedagogia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
e do Curso de Educação Básica da Universidade do Minho.
Entendemos que a formação leitora deve ser iniciada
desde os primeiros anos de escolaridade a partir do contato
com obras literárias diversas que constituem nosso contexto
leitor, no entanto, não é o que de fato verificamos em nossas
pesquisas e em tantas outras pesquisas já divulgadas, o que le-
gitima a discussão sobre o papel da escola diante dos avanços
da sociedade moderna e, principalmente, diante do insucesso

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


194

em suas práticas docentes e resultados de aprendizagem.


Nossa pesquisa está direcionada para o contexto da
formação dos docentes que atuarão nas instituições escolares
da educação básica, tendo em vista a necessidade de uma for-
mação coerente com a prática educativa de seus formandos e
futuros professores.

A leitura no Brasil: retratos da avaliação do PISA

Os discursos oficiais dos que estão à frente da educação


geralmente estão voltados para a valorização da leitura, do en-
sino desta, tendo em vista a formação de leitores, ainda mais
depois dos resultados de avaliações diversas realizadas nos
dois países como o PISA (Programme for International Stu-
dent Assessment)1 que, ao avaliar a leitura dos alunos com 15
anos de idade nos anos de 2000, 2003, 2006, 2009, 2012 e 2015
constatou, no Brasil, que estamos em um nível inicial de leitu-
ra nos anos de 2000, 2003 e 2006, ou seja, decodificamos, inter-
pretamos, no entanto, não relacionamos com nosso cotidiano,
e nos últimos anos de avaliação: 2009, 2012 e 2015 ficamos um
pouco acima dos primeiros anos como podemos ver na tabela
abaixo:

Tabela I Resultados brasileiros nas edições do PISA e número de


participantes Leitura
Pisa Pisa Pisa Pisa
Pisa 2009 Pisa 2012
2000 2003 2006 2015
Participantes 4.893 4.452 9.295 20.127 18.589 23.141
Leitura 396 403 393 412 407 407
Média OCDE 500 497 497 500 498 493
Fonte: OCDE e Inep/ Relatório Nacional Pisa 2012: Resultados brasileiros

1 O Programme for International Student Assessment  (Pisa) – Programa


Internacional de Avaliação de Estudantes – é uma avaliação comparada,
aplicada a estudantes na faixa etária dos 15 anos.

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


195

No nível atual da avaliação do PISA, os nossos alunos/


leitores localizam um ou mais fragmentos de informação, re-
conhecem a ideia principal em um texto, entendem as relações
ou a construção de significado dentro de uma parte específica
dele quando a informação não é proeminente e consegue fazer
inferências de nível baixo. Tarefas nesse nível podem envol-
ver comparação ou contraste com base em uma característica
única do texto. Tarefas típicas de reflexão exigem que o leitor
faça uma comparação ou diversas correlações entre o texto e o
conhecimento externo, explorando sua experiência e atitudes
pessoais.
Isso quer dizer que nossos alunos não utilizam critica-
mente a leitura de forma a possibilitar abstrações relevantes
em seu uso e suas relações com a prática social, o que pos-
sibilita-nos inferir que a leitura dos nossos estudantes está
servindo quase que exclusivamente para cumprimento das
obrigações escolares.
Dado mais preocupante ainda é quando vemos o Estado
do Rio Grande do Norte abaixo da média nacional, como pode-
mos observar na tabela II.

Tabela II – Desempenho das Unidades da Federação menor, igual


ou maior que o Brasil, leitura – PISA 2015
Desempenho menor Desempenho igual Desempenho maior que
que o do Brasil ao do Brasil o do Brasil
Alagoas (362; 12,0) Rondônia (393; 10,6) Distrito Federal (430; 7,5)
Bahia (372; 8,4) Pernambuco (394; 9,3) Minas Gerais (431;12,0)
Tocantins (376; 5,1) Pará (395; 19,9) Paraná (433; 10,8)
Maranhão (377; 15,4) Rio de Janeiro (400; Espírito Santo (441; 6,3)
8,5)
Sergipe (379; 10,0) Mato Grosso (402; 5,8)
Piauí (381; 12.7) Roraima (403; 10,7)
Rio Grande do Nor- Amazonas (407; 12,1)
te (384; 7,6)
Paraíba (385; 10,0) Acre (407; 10,2)
Amapá (385; 8,5) Ceará (409; 12,6)
Rio Grande do Sul
(410; 11,3)

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


196

Mato Grosso do Sul


(411; 8,0)
Goiás (416; 11,1)
São Paulo (417; 6,3)
Santa Catarina (419;
9,3)
Fonte: OCDE, INEP. (Destaque nosso)

Já os resultados da avaliação do PISA – Leitura em


Portugal melhorou os resultados subindo 1,6 pontos ao ano,
pontuando em 2012 os 488 pontos e em 2015 os 498 pontos
que são superiores à média dos países envolvidos que foi de
493 pontos.
Para o PISA, avaliar a leitura é relacioná-la com o que
estabelecemos para o significado de letramento. A seguir a
definição do PISA para letramento:

Figura 1 – A definição de letramento em leitura – PISA


2015
Letramento em leitura refere-se a compreender, usar, refletir sobre
e envolver-se com os textos escritos, a fim de alcançar um objetivo,
desenvolver conhecimento e potencial e participar da sociedade.

Fonte: OCDE (2016), PISA 2015

Podemos dizer que o letramento em leitura inclui gran-


de variedade de competências cognitivas, dentre elas a deco-
dificação básica, o conhecimento da estrutura das palavras,
da gramática e das estruturas e características linguísticas e
textuais mais abrangentes e, além disso, o conhecimento de
mundo, conforme Freire (2002), que compreende o uso social
dessa aprendizagem que deve ser aplicada cotidianamente de
forma ativa, intencional, funcional, compreensiva e crítica a
várias situações vividas e com finalidades variadas de seu uso.
Para que de fato a leitura aconteça na educação básica e
nossos alunos atinjam o nível almejado necessário se faz que a

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


197

formação dos docentes que atuam nas escolas seja questionada,


revista, melhorada, como um dos fatores que proporcionarão me-
lhoria no contexto escolar e no processo ensino-aprendizagem.
Entendemos que a formação leitora deve ser iniciada
desde os primeiros anos de escolaridade a partir do contato
com obras literárias diversas que constituem nosso contexto
leitor. No entanto, não é o que de fato verificamos em nossas
pesquisas e em tantas outras pesquisas já divulgadas, o que le-
gitima a discussão sobre o papel da escola diante dos avanços
da sociedade moderna e, principalmente, diante do insucesso
em suas práticas docentes e resultados de aprendizagem.
Pontes (2012) expõe ser inegável que a instituição esco-
lar se torne responsável pelo desenvolvimento e formação da
leitura e da escrita, entretanto, tal feito não pode ser interpre-
tado, compreendido de maneira mecânica e estática sem con-
ferir sentido ao ato de ler, por exemplo. Pois, neste contexto,
a leitura deixa de ser fonte de prazer, uma vez que não tem
significado algum para o educando.
Nossa experiência como professores do Curso de Pe-
dagogia, da Licenciatura em Educação Básica, do Mestrado
e Doutorado possibilita-nos experiências diretas no contex-
to formativo do professor e futuro professor que atua nesse
contexto.
Nossa prática docente há muitos anos encontra-se di-
recionada para uma mudança efetiva no quadro de leitores
brasileiros e, para isso, incorporamos em nossas atividades de
sala de aula conhecimento da leitura literária existente além
de práticas relacionadas à essas leituras literárias que sejam
possíveis de aplicação no contexto escolar e que sejam praze-
rosas para o aluno/leitor.
E é neste afinco de proporcionar prazer ao se trabalhar
a leitura que analisamos como o Curso de Pedagogia está tra-
balhando a formação do aluno/professor que seja capaz de for-

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


198

mar leitores nos anos iniciais e, para isso, analisaremos o que


propõe o Projeto Pedagógico de Curso.
Nossa pesquisa foi sediada na Faculdade de Educação
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
Campus Central, no município de Mossoró-RN, Nordeste Bra-
sileiro, através do Grupo de Estudos e Pesquisas em Literatu-
ra, Tecnologias e Novas Linguagens.
Sendo assim, realizamos uma pesquisa no âmbito do con-
texto universitário que forma docentes que atuarão em salas de
aula dos anos iniciais em ambos os países, lócus da pesquisa, no
entanto, para esse artigo selecionamos um recorte da pesquisa
realizada no Curso de Pedagogia da UERN/Brasil no que diz
respeito ao discurso do Projeto Pedagógico de Curso – PPC.

Sobre a formação leitora

O Brasil apresenta projetos, programas, propostas vol-


tadas para a formação de leitores em nosso país, como Plano
Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) e, além desses dis-
cursos oficiais voltados para a formação leitora, temos a Lei
Federal 12.244/2010 que dispõe sobre a universalização das
bibliotecas nas instituições de ensino do País e, no Rio Grande
do Norte, a Lei 9.169 de 15 de janeiro de 2009 que dispõe sobre
a criação da política estadual de promoção da leitura literária
nas Escolas Públicas do Estado do Rio Grande do Norte e dá
outras providências.
Vemos, assim, uma certa preocupação tanto do Governo
Federal quanto do nosso Estado em proporcionarem a leitu-
ra literária nas escolas públicas, no entanto, entendemos que
“nenhum discurso pode ser compreendido fora das relações
materiais que o constitui, ainda que tais relações materiais
transcendam à análise das circunstâncias externas ao discur-
so” (LOPES; MACEDO, 2006, p. 6).

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


199

Em Portugal os discursos oficiais estão voltados tam-


bém para um formação leitora e valorização da leitura, tendo
em vista os resultados obtidos no PISA e seus desdobramen-
tos. Portugal apresentava-se no início das avaliações como um
dos últimos lugares, equiparado ao Brasil. No entanto, um es-
forço coletivo e políticas públicas de incentivo à leitura foram
uma constante desde os anos de 2006, o que eleva esses níveis
de avaliação.
Dessa feita, muitas reflexões e ações serão necessárias
para que, de fato, seja perceptível e real essa formação do leitor
literário no espaço público com acesso à população brasileira.
Neste ensejo, torna-se evidente a importância dessa for-
mação também em um curso universitário, principalmente no
Curso de Pedagogia que forma professores para atuação nos
anos iniciais de escolaridade e por ser esse o nosso contexto
de atuação no ensino. Assim, temos a intenção de compreen-
der como o Curso de Pedagogia incita em seu discurso oficial
a formação do aluno/professor que seja capaz de formar lei-
tores nos anos iniciais. Para isso, analisamos como o Projeto
Pedagógico de Curso – PPC trata dessa formação específica
em torno da leitura literária.
Essa análise estará substanciada pelos estudos de: Aze-
vedo, Tardiff e Tedesco, entre outros que discutem e pesqui-
sam a formação docente e literária.
Com o posicionamento e a defesa em torno de que a lei-
tura deve proporcionar prazer e encantamento ao leitor, afi-
nal são inúmeras as críticas que se lançam contra o ensino
tradicional da língua que se restringe na maioria das vezes ao
ensino da gramática normativa, que podemos ressaltar a im-
portância e a necessidade da leitura literária na propagação
do saber e compreender, enquanto docentes dos anos iniciais,
como objeto fundamental na aprendizagem também de tantos
outros conhecimentos veiculados pela escola.

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


200

O projeto pedagógico do curso de Pedagogia da


UERN/Brasil

A prática da leitura no ensino superior é essencial para


a formação docente, principalmente num contexto em que a
formação está direcionada para o docente que atua ou atuará
nos anos iniciais de formação do estudante na escola.
Muitos estudantes ao entrar na universidade apresen-
tam dificuldades no que se refere às elaborações dos trabalhos
acadêmicos, sejam nas leituras ou nas suas escritas, e esses e
outros fatores podem estar diretamente ligados à sua prática
em relação com a leitura.
Essas dificuldades se não forem atendidas e modifica-
das proporcionam um déficit na formação do docente, o que
inviabilizará a formação de alunos/leitores no contexto esco-
lar, espaço de atuação desse formando.
É importante que a universidade proponha leituras
não só científicas, mas também ficcionais como a literatura
que proporciona no indivíduo imaginar, interagir com o texto
a partir de suas vivências, dialogar com os personagens do
livro, com o próprio autor e descobrir novos mundos, novos
conhecimentos que vão além da própria sala de aula e que
dão prazer.
Segundo Pontes e Azevedo (2007, p. 154): “[...] poderá ser
possível criar nos cidadãos motivação e reconhecimento social
face a leitura para a constituição e consolidação de comunida-
des leitoras mais activas e culturalmente comprometidas”, o
que implica que o incentivo à leitura deve ultrapassar os pró-
prios limites do espaço geográfico da sala de aula e até mesmo
da escola, mas para isso o leitor deve ter consciência do seu
papel ativo na leitura e a formação leitora deve ir além da lei-
tura de cunho científico.

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


201

É importante que os alunos exerçam o ato de ler de for-


ma voluntária, tornando-se assim uma atividade prazerosa,
exercendo a confiança em si próprio sobre suas escolhas en-
quanto leitor, encaminhando-se para torna-se um sujeito com
pensamentos críticos e reflexivos, ajudando em sua formação,
chegando à universidade como sujeitos capazes de compreen-
derem os diversos textos apresentados na academia e também
de saber posicionar-se diante deles e do mundo em que vivem,
discordando, concordando e tecendo considerações a seu res-
peito, compreendendo também a si mesmo.
Buscamos aqui refletir sobre como o curso de Pedago-
gia propõe a formação do leitor literário, fundamental para
o exercício da cidadania, acesso ao conhecimento, interações
diversas, desenvolvimento da imaginação e criatividade, além
de proporcionar prazer. Diante disso, é preciso lançar novos
olhares flexíveis ao curso, pensar uma formação que seja ca-
paz de atender às necessidades dos alunos, atuando e inter-
vindo para assim transformar a realidade de leitura do nosso
país hoje ainda tão caótica.
O Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da UERN
(2012) afirma que 55% dos alunos que ingressam no curso o
faz por diversos motivos, mas muito pouco por ser a primeira
opção de curso, o que mostra um dado preocupante, visto que
nos faz refletir sobre o reflexo dos pedagogos no contexto da
sua prática docente.
Para mudar esse quadro, necessitamos de profissionais
comprometidos com a educação e que estejam dispostos a lu-
tar e trabalhar para que assim possamos mudar a realidade
do nosso país. Sobre ensinar Tardiff e Lessard (2005, p. 141)
corroboram: “Ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre
humanos, para seres humanos”.
Precisamos estar preparados em função do ensino que
envolve pessoas que pensam, que têm vida social, familiar e

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


202

que buscam aprendizagem de conhecimentos diversos em ins-


tituição responsável por difundir e socializar esses conheci-
mentos, o que não é responsabilidade individual, mas social,
conforme afirma Tedesco (2006, p. 335): “[...] dejan de ser indi-
viduales y empiezan a ser institucionales”.
A formação leitora é um fator preocupante e essencial
na formação do indivíduo, desde os anos iniciais de escolariza-
ção e até mesmo fora dela. A leitura encanta as crianças desde
quando já consegue ouvir e começar a compreender o mundo
em sua volta através de tentativas e descobertas, o que pode
ser também uma atividade da família participante desse pro-
cesso de desenvolvimento inicial da criança.
O professor é um mediador no processo de escolariza-
ção e de acesso ao conhecimento, principalmente nos anos
iniciais com a responsabilidade de ensinar a ler e a escrever,
atividade fundamental e frequente na formação de todo indi-
víduo que se vê numa sociedade em que as letras passam por
ele a todo tempo, diante de placas, outdoors, avisos, televisão,
supermercado, feiras etc.
Daí a importância do profissional que formamos no
Curso de Pedagogia da UERN, conforme discorre o PPC:

O Projeto Pedagógico proposto aponta um perfil


profissional de pedagogo que tenha significativo
domínio de conhecimentos dos campos de atu-
ação e, ao mesmo tempo, compreenda que esse
conhecimento necessita ser redimensionado
diante de situações específicas, o que lhe exigirá
competências pedagógicas e metodológicas para
o seu fazer (UERN, 2012, p. 06).

Para a formação de leitores literários há necessidade


de professores que atuem com competência e conhecimen-
to nessa área, a fim de que possam desempenhar atividades
de leitura e de mediação leitora. Conforme Maia (2007, p.19):

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


203

“Com mediação, entende-se tanto o envolvimento afetivo do


professor com a obra literária, como a realização de práticas
de leitura para/com a criança, em que diálogos entre texto e
leitor, mesmo iniciante, seja incentivado”.
É importante que sejam lançados novos olhares pela
busca de metodologias diversificadas e atuais que possam au-
xiliar o professor em seu efetivo exercício em sala de aula,
aproximando o aluno da leitura através da diversificação de
obras literárias, de conversas atrativas sobre os livros já lidos
por ele, com metodologias favorecedoras e atrativas, que en-
cantem e despertem o prazer pelo mundo literário.
Uma dificuldade que tem sido encontrada na formação
de leitores é quanto ao fato de que os próprios professores, em
alguns casos, não gostarem da leitura, por não ter tido tam-
bém um acesso prazeroso e convidativo e por não ter apren-
dido, em sua formação inicial, a ser mediador de leitura, ocor-
rendo assim uma distorção entre a teoria e a prática, visto que
os professores não podem ser mediadores de algo que eles não
gostam e que não estão familiarizados. Precisa-se de professo-
res que também sejam leitores, assim eles poderão ensinar, na
prática, a ler e a gostar da leitura.
Outro fato que não podemos negar é que a leitura de-
veria estar presente em todas as disciplinas, não sendo pa-
pel exclusivo de disciplinas específicas que tratam do ensino
de língua portuguesa ou da formação do leitor literário, por
exemplo. Colabora com nossa visão Maia (2007), que em seus
escritos afirma que mesmo a leitura sendo um objeto de es-
tudo da Língua Portuguesa, é uma atividade que por sua vez
deve estar presente em todas as outras disciplinas.
Podemos afirmar, então, que o professor não leitor é um
problema que reflete diretamente em sua prática de ensino,
distanciando os educandos das práticas de conhecimento,
exercício da leitura e promotoras da formação do leitor. Su-

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


204

assuna (apud MAIA, 2007, p. 35) afirma: “Assim como ocorre


com o aluno e com a população em geral, também o professor
se tem caracterizado por uma prática de leitura entravada,
motivada pelas condições concretas em que ele exerce sua
prática profissional”.
Ao mesmo tempo em que afirmamos a necessidade do
professor ser leitor não o responsabilizamos apenas como res-
ponsável pela falta dessa formação na educação básica, prin-
cipalmente visto que existem diversas situações que acabam
distanciando o professor da leitura, como por exemplo, uma
jornada de trabalho excessiva, e dificuldades no acesso aos li-
vros por ainda se constituir como de difícil aquisição pelo seu
preço e não haver projetos das instâncias governamentais em
proporcionar um acesso básico de forma gratuita.
No entanto, o professor deve estar atento para o seu
papel enquanto responsável pelo ensino e aprendizagem da
leitura e sua mediação desde a educação infantil ou anos ini-
ciais, conforme Pontes e Azevedo (2007, p.19) afirmam:

Queremos reafirmar aqui a necessidade da es-


cola despertar o interesse pela leitura tão logo
a criança a frequente, pois na infância inicia-se
a formação da personalidade e, a vivência com
livros, nessa fase, acreditamos que facilitará a
formação de leitores.

A importância e necessidade de formarmos leitores des-


de o início da escolaridade das crianças fortalece nossa propos-
ta de formação leitora em curso de docência, como o de Peda-
gogia da UERN, que tem como direcionamento o ensino nos
anos iniciais da educação básica incluindo a educação infantil.
Em uma perspectiva de formação o PPC ainda aborda:

Há de se pensar coletivamente na função de


cada disciplina para a formação, seus conteúdos

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


205

nucleares e seu “saber fazer” favorável a uma


aprendizagem ativa, significativa e interativa,
capaz de desenvolver o processo de pensamento
superior dos alunos (UERN, 2012, p. 21).

Pensando assim, esse documento traz a formação do-


cente direcionada para um saber fazer que articule teoria e
prática de forma ativa, crítica, o que de certa forma direciona
para uma formação leitora que desenvolva a compreensão do
aluno/leitor no contexto universitário, mas também relacio-
nando com o seu uso social e sua prática escolar futura.
O próprio PPC deixa evidente as lacunas existentes nos
alunos que chegam ao curso de Pedagogia, o que faz com que
percebamos uma preocupação na melhoria da formação dos
futuros docentes:
A maior parte dos formandos apresenta lacunas
na formação, as quais são merecedoras de aten-
ção para o diagnóstico das necessidades forma-
tivas: não adquiriram o hábito da leitura; têm
dificuldades de expressar, interpretar, analisar
e se posicionar criticamente diante dos textos
adotados pelos professores; desenvolvem as
atividades de forma apressada, desinteressada
e superficial; não conseguem planejar com au-
tonomia e criatividade suas atividades de sala
de aula; desconhecem conceitos básicos para
trabalhar com os ensinos específicos; desenvol-
vem precariamente o raciocínio sobre as quatro
operações básicas da matemática; redigem tex-
tos com graves erros de pontuação, acentuação
e concordância (verbal e nominal), dentre outras
(UERN, 2012, p. 17).

Tudo isso reflete na formação acadêmica do aluno ao


chegar ao curso, o que termina por se acumular a partir da fal-
ta de formação na educação básica que acarreta um prejuízo

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


206

no uso dos elementos que são essenciais ao domínio da língua


portuguesa.
Para diminuir essa lacuna existente, o curso de Pedago-
gia, em seu documento oficial, propõe uma formação voltada
para atender ao diagnóstico apresentado e assim em conso-
nância com a realidade vivenciada pelos alunos, o que é evi-
denciado no processo de organização das disciplinas ofertadas
no decorrer da realização do curso, ou seja, nos quatro anos de
formação propostos.

Considerações finais

Pensar um projeto de formação docente nos dias atuais


requer que pensemos nas características exigidas pela socie-
dade para esse profissional que vão desde a formação inicial
direcionada para os saberes específicos exigidos para essa
formação, como também os saberes docentes que articulados
com os saberes específicos formarão um profissional compe-
tente e comprometido em ser mediador dos conhecimentos e
capaz de promover a formação integral do cidadão para que
este seja capaz de integrar-se ao contexto em que vive e atuar
nele para uma melhor vida em sociedade.
Em se falando da formação leitora, nesse contexto de
formação docente, especificamente no curso de Pedagogia,
destinamos o nosso olhar para o discurso oficial que almeja o
ensino de leitura como integrado ao contexto da educação bá-
sica, relacionando-o nessa formação inicial e com perspectiva
de uma formação contínua, em contexto.
Pudemos perceber que o curso de Pedagogia, em seu
PPC, promove essa preocupação a partir de um diagnóstico
que reflete lacunas na formação do discente que ao ingressar
na academia não apresenta conhecimentos acerca da própria
língua, o que trará aos professores uma necessidade de intro-

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


207

duzir em sua prática conteúdos que estejam relacionados com


a leitura e a formação do leitor.
Sendo assim, o PPC do curso já promove uma reflexão
inicial e capaz de introduzir o discente nessa formação leitora
desde o seu ingresso tanto em disciplinas de formação geral
como as específicas como: Alfabetização e Letramento, Litera-
tura e Infância, entre outras.
Saber que essa preocupação está evidente no discurso
oficial já nos fortalece e faz com que possamos promover refle-
xões e debates em torno do que a nossa prática pode promover
em interação com os componentes curriculares diversos ofer-
tados. Mas essa análise deixaremos para a próxima oportuni-
dade nossa em socialização de nossas pesquisas que já estão
sendo direcionadas para essa temática.

Referências

BRASIL. Brasil no PISA 2015: análises e reflexões sobre o


desempenho dos estudantes brasileiros / OCDE-Organiza-
ção para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. São
Paulo: Fundação Santillana, 2016. Disponível em: <http://
download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resulta-
dos/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf.>. Acesso em:
31 jul. 2017.
______. Lei 12.244, de 24 de maio de 2010. Dispõe sobre a uni-
versalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País.
Brasília, DF, maio de 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 25. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2002.
LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth. Políticas de
currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006.
MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professo-
res. São Paulo: Paulinas, 2007.

O LEITOR LITERÁRIO E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA


208

PONTES, Verônica Maria de A.; e AZEVEDO, Fernando.


Leitura na escola: como? Quando? E por quê?. In: Congresso
Lectura 2007: para leer el XXI. Anais... Cuba: Centro de Inves-
tigación y Desarrollo de La Cultura “Juan Marinello”, 2007.
ISBN 978-959-242-123-3.
PONTES, Verônica Maria de Araújo. O fantástico e maravi-
lhoso mundo literário infantil. Curitiba: CRV, 2012.
RIO GRANDE DO NORTE. Lei 9.169, de 15 de jan. de 2009.
Dispõe sobre a Criação da Política Estadual de Promoção da
Leitura Literária nas Escolas Públicas do Estado do Rio Gran-
de do Norte e dá outras Providências. Natal, RN, jan. de 2009.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente:
elementos para uma teoria da docência como profissão de in-
terações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 2005.
TEDESCO, Juan Carlos. A modo de conclusión: una agenda
de política para el sector docente. In: El oficio de docente: vo-
cación, trabajo y profesión en el siglo XXI. Buenos Aires: Siglo
XXI Editores Argentina, 2006.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE – UERN. Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia.
Faculdade de Educação, Mossoró, 2012.

VERÔNICA MARIA DE ARAÚJO PONTES • FERNANDO JOSÉ FRAGA DE AZEVEDO


209

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE:


REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO
OLHAR DISCENTE

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI


Pós-Doutor em Educação pela USP. Doutor em Educação pela PUC-SP. Mestre em História pela UFES.
Licenciado em História pelo Centro Universitário São Camilo. Professor do Instituto Federal do Es-
pírito Santo (IFES).
E-mail: aldieris@hotmail.com

ELCIMAR SIMÃO MARTINS


Doutor e mestre em Educação (UFC), especialista em Ensino de Literatura Brasileira (UECE) e em
Gestão Escolar (UFC), graduado em Letras Português e Espanhol (UFC) e em Pedagogia (UMESP).
Professor do Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis (MASTS) e do
Instituto de Ciências Exatas e da Natureza (ICEN), da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
E-mail: elcimar@unilab.edu.br
210

Palavras iniciais

A sociedade contemporânea tem buscado soluções para os


conflitos culturais gerados pelo processo de globalização por
vários meios. Nesse contexto, o termo multiculturalismo tem
ganhado espaço, juntamente com a educação, que é apontada
como o principal caminho para termos uma sociedade na qual
a convivência da diversidade cultural seja possível.
Assim, compreendemos que se faz necessária uma dis-
cussão teórica sobre multiculturalismo e sua relação com a
educação; no caso deste trabalho, com a prática de ensino,
buscando compreender as relações estabelecidas.
Neste texto, propomos refletir sobre as práticas pedagó-
gicas no que se refere à diversidade étnico-racial. Para tanto,
apresentamos uma breve revisão teórica sobre a temática da
diversidade étnico-racial, com ênfase no multiculturalismo, de
forma a subsidiar nossas análises e trazemos alguns aponta-
mentos de alunos do Ensino Médio a fim de entrelaçarmos as-
pectos teóricos com o cotidiano com vistas a repensar a prática.
A investigação se pautou na abordagem qualitativa,
tomando como estratégia de aproximação com a realidade a
aplicação de questionários com 25 estudantes do primeiro ano
de duas escolas que ofertam Ensino Médio Integrado. Os re-
sultados apontam que, em relação às práticas de ensino para a
diversidade no Ensino Médio, há a necessidade de extrapolar
propostas superficiais/folclóricas, buscando a materialização
de práticas pedagógicas multiculturais críticas.

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


211

Multiculturalismo e Educação: um diálogo com os


autores

As significativas mudanças ocorridas na economia


mundial na década de 1990 repercutiram e ainda refletem
nas políticas educacionais brasileiras. Em face disso surgi-
ram e continuam aparecendo novas exigências, o que implica
um novo olhar e novas práticas nas escolas, considerando as
diversidades que ali se encontram.
É na educação, seja na básica ou na superior, que as di-
versidades culturais encontram relevo, pois é “constituída de
identidades plurais, com base na diversidade de raças, gêne-
ro, classe social, padrões culturais e linguísticos, habilidades
e outros marcadores identitários” (CANEN e OLIVEIRA,
2002, p. 1).
Por décadas, o sistema escolar ignorou a diversidade e o
racismo nas instituições de ensino. Um pensamento hegemô-
nico dominou propostas pedagógicas, fazendo com que ideolo-
gias e interesses estabelecidos a partir de relações de poder
de determinados grupos ou instituições, reforçassem ideias e
imagens preconceituosas. Conforme Apple (2006, p. 42), “o co-
nhecimento agora presente nas escolas já é uma escolha feita
a partir de um universo muito maior” [...]. “É uma forma de
capital cultural que vem de alguma parte, que frequentemente
reflete as perspectivas e crenças de segmentos poderosos de
nossa coletividade social”.
Nesse contexto, o multiculturalismo se constitui num
movimento teórico e político que busca respostas para os de-
safios da pluralidade cultural nos campos do saber, incluindo
a educação e outras áreas que podem contribuir para o suces-
so organizacional (CANEN, 2010, p. 174). Conforme McLaren
(1997), o multiculturalismo engloba as questões de raça, etnia,
gênero e classe. Para esse texto, trazemos um recorte dessas

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
212

temáticas, focando na diversidade étnico-racial, um dos pon-


tos mais debatidos no espaço escolar.
É importante fazermos uma distinção entre multicul-
tural e multiculturalismo para que não cometamos contradi-
ções linguísticas. Hall (2009, p. 50) compreende multicultural
como um termo qualificativo que “descreve as características
sociais e os problemas de governabilidade apresentados por
qualquer sociedade, na qual diferentes comunidades cultu-
rais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao
mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade original”.
Por outro lado, o multiculturalismo é classificado como subs-
tantivo, que se refere “às estratégias e políticas adotadas para
governar ou administrar problemas de diversidade e multi-
plicidade gerados pelas sociedades multiculturais” (HALL,
2009, p. 50). A educação, por sua vez, entra nessa concepção
como uma das estratégias para construirmos a sociedade
multicultural.
De acordo com Gomes e Silva (2011, p. 17), a experiência
multiculturalista aparece desde sua raiz “como princípio ético
que tem orientado a ação de grupos culturalmente dominados,
aos quais foi negado o direito de preservarem suas caracterís-
ticas culturais. Esta é, portanto, uma das condições que favo-
receu a emergência de movimentos multiculturalistas”.
As citadas pesquisadoras apresentam considerações
importantes para construirmos um conceito de multicultu-
ralismo, pois suas categorias teóricas “permitem uma leitura
do mundo a partir de procedimentos lógicos inerentes às cul-
turas dominadas, produzindo, assim, um novo conhecimento
e, por consequência, uma nova subjetividade descentrada e
emancipada dos valores supostamente superiores” (GOMES
e SILVA, 2011, p. 14).
Verificamos uma tendência de compreensão do multi-
culturalismo como um movimento que visa dar respostas aos

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


213

desafios da diversidade cultural. Assim, de acordo com Gon-


çalves e Silva (2006, p. 26), “o multiculturalismo é o jogo das
diferenças, cujas regras são definidas nas lutas sociais por ato-
res que, por uma razão ou outra, experimentam o gosto amar-
go da discriminação e do preconceito no interior das socieda-
des em que vivem”, sendo necessário investigar os contextos
socio-histórico e cultural em que os sujeitos estão inseridos,
“no sentido de interferir na política de significados em tor-
no da qual dão inteligibilidade a suas próprias experiências,
construindo-se enquanto atores”.
O multiculturalismo emerge como movimento teórico e
político que busca respostas para os desafios da pluralidade
cultural. Canen (2010, p. 176) afirma que “cobra-se da educa-
ção e, mais especificamente, do currículo, grande parte daque-
las que são percebidas como medidas para a formação de cida-
dãos abertos ao mundo, flexíveis em seus valores, tolerantes e
democráticos”.
McLaren (1997) apresenta quatro formas de multicul-
turalismo: Conservador ou Empresarial; Humanista Liberal;
Liberal de Esquerda; Crítico e de Resistência, que detalhamos
a seguir:
a. Multiculturalismo Conservador ou Empresarial:
admite a existência de outras culturas, mas como
inferiores. As minorias são vistas como malsucedi-
das por terem uma bagagem cultural inferior. Re-
produz uma visão colonialista da diferença. Suas
primeiras tendências remetem à representação de
afro-americanos como “escravos e escravas, como
serviçais e como aqueles que divertem outros, vi-
sões que estiveram fundamentadas nas atitudes
profundamente auto-elogiosas, autojustificatórias e
profundamente imperialistas dos europeus e norte
americanos” (MCLAREN, 1997, p. 111).

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
214

b. Multiculturalismo Humanista Liberal: defende que


todos têm as mesmas condições de competir e as-
cender na sociedade. Assim, enfatiza a ausência da
igualdade não em virtude da privação cultural das
pessoas, mas pelo fato das oportunidades sociais e
educacionais não existirem para permitir a todos
competir igualmente no mercado capitalista.
c. Multiculturalismo Liberal de Esquerda: ressalta a
diferença cultural e alude que a ênfase na igualdade
das raças submerge diferenças culturais responsá-
veis por comportamentos, valores, atitudes, estilos
cognitivos e práticas sociais diferentes. Colocam-se
as diferenças culturais como essenciais e ignoram o
contexto histórico e cultural.
d. Multiculturalismo Crítico e de Resistência: compre-
ende a diferença sempre como um produto da his-
tória, cultura, poder e ideologia. Nega o pressuposto
harmonioso das diferenças proposto pelos conserva-
dores e defende a transformação das relações sociais,
culturais e institucionais nas quais os significados
são gerados. Tal vertente defende “a representação
de raça, classe e gênero como resultado de lutas
sociais mais amplas sobre signos e significações e,
neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o
deslocamento metafórico como força de resistência”
(MCLAREN, 1997, p. 26). Além disso, preocupa-se
com uma transformação das relações socioculturais
e institucionais. O multiculturalismo de resistência
“também se recusa a ver a cultura como não-confli-
tiva, harmoniosa e consensual. A democracia [...] é
compreendida como tensa – não como um estado de
relações culturais e políticas, sempre harmonioso,
suave e sem cicatrizes” (MCLAREN, 1997, p. 123).

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


215

Tomamos o multiculturalismo crítico como eixo para


pensar o trabalho com a diversidade, isso porque ele ques-
tiona as diferenças na formação social, política e econômica.
Assim, tem papel fundamental para a construção de políticas
educacionais voltadas à educação da diversidade étnico-racial,
a fim de que promova a igualdade social e emancipe os sujeitos
quanto à dominação cultural e ao preconceito.
Candau (2007) nos apresenta linhas de ação para a pro-
moção de uma educação multi/intercultural, portanto, uma
prática pedagógica multiculturalmente comprometida, o que
demanda:

[...] – desconstruir: remete-se à questão dos


preconceitos e da discriminação, buscando des-
naturalizá-los e questionar o caráter monocul-
tural e etnocêntrico da instituição escolar, nas
diversas dimensões em que se manifesta no seu
dia-a-dia; – articular: refere-se à tensão igual-
dade-diferença; – resgatar: trata-se do resgate
dos processos de construção das identidades
culturais; – promover: desmembra-se em outras
ações: interação sistemática; enfoque global (ou
seja, a perspectiva deve afetar todos os níveis
da prática pedagógica); e empoderamento [...]
(CANDAU, 2007, p. 739).

Canen (2010) nos chama para uma reflexão de nossa


prática docente, que não nos permita reproduzir uma aliena-
ção cultural em lugar da emancipação, objetivo do multicultu-
ralismo crítico. Assim, a autora nos apresenta alguns perigos
de uma educação multicultural equivocada – multiculturalis-
mo reparador, folclorismo, reducionismo identitário e guetiza-
ção cultural – quando uma inserção da diversidade no âmbito
escolar ocorre por meio de cotas, reparando injustiças sociais.
A autora questiona essa inserção, pois a permanência do alu-

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
216

no, simplesmente num aspecto de alocação do indivíduo, em


muitos casos, pode aumentar o preconceito. Ressalta ainda
que essa perspectiva não proporciona transformações curri-
culares e, portanto, não promove uma concepção processual e
de equidade.
Outro equívoco comum em práticas pedagógicas é o que
a autora denomina de folclorismo. Consiste numa redução do
multiculturalismo, na educação, em valorização de costumes,
festas e aspectos folclóricos, como por exemplo: feiras cultu-
rais e celebrações e/ou comemorações de dias, como: Dia do
Índio, Dia da Consciência Negra, dentre outros. Sem um tra-
balho crítico e contextualizado, essas atividades pontuais re-
forçam a discriminação. E assim, o multicultural é visto como
algo exótico.
O reducionismo identitário pode se apresentar como
uma falsa prática multicultural, que ao se abordar a diversi-
dade pode-se negar o diverso no diverso. Como exemplo, temos
o discurso de respeito ao afro-brasileiro, porém esquecemos
a diversidade cultural africana. Já na guetização cultural, as
propostas curriculares são exclusivas para seus grupos cur-
riculares. A crítica feita por Canen (2010) é de que o multi-
culturalismo é para todos, a fim de construirmos sociedades
abertas ao plural e ao diverso, estimulando uma dialética de
convivência e não um isolamento.
Ainda pensando na prática pedagógica para romper
com a discriminação cultural, Santomé (1995), nos chama a
atenção para enganos pedagógicos que geram uma falsa im-
pressão de práticas libertadoras, como o desenvolvimento de
propostas de trabalho do tipo “currículo turístico”. Afirma,
ainda, que a existência desse currículo ocorre quando a prá-
tica pedagógica, com intenção de promover o questionamento
quanto ao preconceito, acontece das seguintes formas: triviali-
zação, souvenir, desconectada, estereotipagem e tergiversação.

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


217

a. A “trivialização” é caracterizada quando o tempo


e espaço pedagógicos, destinados a culturas e gru-
pos sociais, ganham forma superficial e inferior en-
quanto outros, majoritários, ganham mais espaço.
b. Prática “souvenir”, quando há uma quantidade infe-
rior dos recursos didáticos e das unidades didáticas
reservadas à diversidade cultural em relação aos te-
mas predominantes.
c. “Desconectada”, a qual consiste nos “dias” dedica-
dos ao Índio e ao Negro, que são desconectados de
uma proposta multicultural crítica e emancipatória,
ou seja, a diversidade se limita em um dia ou uma
semana, sendo que nos demais momentos, essa rea-
lidade multicultural é silenciada.
d. A “estereotipagem” é quando a prática se vincula
a certos grupos culturais e determinadas caracte-
rísticas e/ou contextos naturais, estereotipando a
diversidade ao invés de romper com os preconcei-
tos. Santomé (1995) exemplifica esse perigo ao tra-
balhar o multiculturalismo por meio de falas, sendo
essas afirmativas de que as populações negras são
primitivas e que, ainda, precisam evoluir, bem como
que seu melhor ambiente para viver é uma selva
frondosa e em estado selvagem, e que assim, essas
populações não têm necessidades vitais e culturais
tão urgentes como nós.
e. A “tergiversação” ocorre quando se deforma e/ou
oculta essa história e o contexto das sociedades e/ou
culturas. Isso muitas vezes com conceitos e práticas
pedagógicas que não promovem a reflexão sobre o
contexto, reforçando discursos de dominação. No
entanto, a prática pedagógica que objetiva romper
a discriminação pode, muitas vezes, sem o cuidado

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
218

com a forma como é pensada, reproduzir essa dis-


criminação.

Assim, práticas pedagógicas que visem romper com a


discriminação e que contemplem a diversidade, devem pau-
tar-se em aspectos de promoção da educação multicultural e
estar atentas, numa proposta reflexiva, a (re) pensar práticas
que ao invés de desconstruir, reforçam a discriminação.

Práticas de ensino para a diversidade: um diálogo


com estudantes do Ensino Médio

Pensar em educação na contemporaneidade nos leva re-


fletir sobre a relação da sociedade com as ações pedagógicas,
o currículo e a formação docente, entre outras. Ao questionar-
mos essas novas demandas sociais, decorrentes dos direitos
humanos e do respeito à diversidade cultural, somos instados
a pensar práticas educativas que tragam uma nova postura
com relação à discriminação e ao desrespeito à diversidade
cultural.
O multiculturalismo se configura como uma possibili-
dade para a materialização de práticas educativas que estimu-
lem a sensibilidade à pluralidade cultural e à desconstrução
de discursos que silenciam ou estereotipam o outro.
A fim de refletirmos sobre como a temática da diversi-
dade étnico-racial vem sendo desenvolvida no cotidiano peda-
gógico, realizamos uma pesquisa com 25 estudantes de primei-
ro ano em duas instituições de ensino que ofertam o Ensino
Médio Integrado. Para tanto, aplicamos um questionário com
três perguntas a esses estudantes com o objetivo de constatar
o seu olhar em relação ao trato com a diversidade na escola.
As instituições de ensino estão situadas no Ceará e no
Espírito Santo e foram escolhidos estudantes do primeiro ano

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


219

que se dispuseram a colaborar com a pesquisa. Após uma tria-


gem, ficamos com 25 respondentes, sendo 12 do sexo mascu-
lino e 13 do sexo feminino, com faixa etária entre catorze e
dezesseis anos.
A primeira questão indagou acerca da compreensão do
estudante em relação ao debate sobre a diversidade cultural
em sua instituição. Nas respostas dos estudantes do Espíri-
to Santo, prevaleceu a ausência de evidências de debates na
instituição, demonstrado nas seguintes falas: “Até o momento
atual, não trabalhamos sobre este tipo de conteúdo” (E1 ES),
“Não presenciei nada ainda” (E3 ES).
Já com relação aos estudantes do Ceará, houve uma
predominância de respostas que afirmavam a importância
do respeito, como ilustra o E13 CE: “A diversidade cultural
é muito presente no cotidiano e devemos respeitar todas as
culturas”. A maior parte dos estudantes também afirmou que
essa discussão está presente nas aulas de Sociologia. Meta-
de dos estudantes citou que discutiram sobre a diversidade
no conteúdo de Variação Linguística, na disciplina de Língua
Portuguesa.
Observamos que, de acordo com as respostas dos estu-
dantes, no contexto capixaba, o debate sobre a temática da
diversidade ainda não se fez presente nas aulas. É imperioso
ressaltar a importância de que essa discussão permeie todo o
período do curso. Nas respostas não há menções a questões
culturais e reflexões acerca do tema, não permitindo assim,
uma reflexão de modelos culturais dominantes. No contexto
cearense, há menção às aulas de Sociologia e Língua Portugue-
sa como espaços dialógicos; no caso da primeira, pela própria
essência da disciplina e, no da segunda, em virtude de um con-
teúdo específico, presente no currículo do primeiro ano.
A questão da diversidade cultural precisa fazer parte do
currículo da escola e não apenas perpassar isoladamente dis-

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
220

ciplinas e ou conteúdos específicos dessas. Compreendemos


assim que “a interdisciplinaridade se constitui também como
postura epistemológica necessária à superação da fragmenta-
ção do pensamento e hierarquização de saberes, extrapolando
fronteiras disciplinares, possibilitando a construção do conhe-
cimento em diferentes escalas” (COSTA; MARTINS, 2016, p.
162). Ainda sobre a importância do trabalho interdisciplinar,
Candau (2011, p. 03), afirma que tais questões “[...] precisam
ser trabalhadas numa dimensão diferenciada de conhecimen-
to – daquele conhecimento que não se explicita apenas no ní-
vel da reflexão, mas sobretudo no da ação”.
O Ensino Médio, última etapa da educação básica, se con-
figura como extremamente propícia ao debate sobre a diversi-
dade, posto que no contexto atual, de “valorização do multicultu-
ralismo e das diferenças os preconceitos podem ser superados
ao mostrarmos as bases sobre as quais eles foram construídos,
e que não se sustentam mais” (SOUZA, 2012, p. 24).
Compreendemos que a promoção de políticas que pro-
movam a diversidade é uma preocupação recente no Brasil.
Com o apoio de diversos movimentos de resistência político-
-cultural temos a criação das leis 10.639/03 e 11.645/08. A Lei
no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, “altera a Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura
Afro-Brasileira’, e dá outras providências” (BRASIL, 2003,
p. 1). Já a lei 11.645, de 10 de março de 2008, vem para com-
plementar a lei anterior, no intuito de inserir a História e a
Cultura Afro-Brasileira e Indígena no currículo obrigatório do
Ensino Fundamental e Médio de todo o país (BRASIL, 2008).
Ao indagar sobre as leis nº 10.639/03 e 11.645/08, que
estabelecem a obrigatoriedade do ensino da história e cultura
afro-brasileira e indígena na rede de ensino, os alunos capi-

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


221

xabas foram enfáticos que o tema se restringe ao estudo da


história africana, evidenciado na seguinte fala: “Como estou
há pouco tempo na instituição, o mais perto disso foi estudar ci-
vilizações antigas africanas: Axum, Egípcia e Kush” (E10 ES).
Os estudantes cearenses enfatizaram que a temática é traba-
lhada nas aulas de História e Sociologia, conforme o excerto:
“Através das aulas de História e Sociologia, que introduzem o
assunto” (E20 CE).
A legislação aponta outras disciplinas como possibilida-
des de trabalho e, recorrendo às Diretrizes Curriculares Na-
cionais sobre a Educação das Relações Étnico-raciais (BRA-
SIL, 2004), verifica-se que o trabalho com o tema não se limita
a conteúdos e sim a uma perspectiva teórico-metodológica,
que possibilite um repensar sobre atitudes e concepções, o que
não foi bem explicitado pelos estudantes ao serem questiona-
dos sobre a maneira como a disciplina é abordada. Alguns só
conseguiram evidenciar que a temática é trabalhada a partir
de debates em sala de aula. A estudante identificada como
E23 CE assim fala: “A gente debate muito sobre as diferenças
e que não existe tipos de raças e sim, apenas uma, a humana”.
É evidente que a simples publicação de leis não é garan-
tia de sua efetivação no cotidiano escolar. Dentre outras pos-
sibilidades, insistimos na importância de que as instâncias
superiores possibilitem as condições para que as mudanças
propostas se efetivem nas escolas, pois “os professores que em
sua formação não receberam preparo especial para o ensino
da cultura africana e suas reais influências para a formação
da identidade do nosso país entram em conflito quanto à de-
finição da melhor maneira de trabalhar o conteúdo” relativo
às matrizes africana e indígena em suas práticas educativas
(ANDRADE; COSTA e MARTINS, 2016, p. 123).
Ao questionar se existem práticas e/ou atividades edu-
cativas que tratam da diversidade étnico-racial na instituição

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
222

de ensino capixaba, as respostas evidenciaram efeitos pontu-


ais, destacando-se o Dia da Consciência Negra: “Não as co-
nheço, se houverem” (E04 ES) e “Provavelmente, Dia da Cons-
ciência Negra” (E12 ES). As falas evidenciam que se existem
tais práticas, estas recaem num aspecto “turístico”, havendo
somente momentos pontuais e superficiais, que ainda, podem
ganhar características folclóricas que não contribuem para
uma prática pedagógica crítica (SANTOMÉ, 1995).
É importante ressaltar que nos questionários, muitos
alunos citaram que para ingressar na instituição capixaba há
política de cotas, o que para muitos, já é uma prática para a
diversidade, pois segundo um estudante, quando indagado so-
bre as práticas: “Não conheço. Em relação às cotas, há, se fo-
rem classificadas como práticas” (E8 ES). Isso nos leva, como
educadores, a pensar como devemos trabalhar essa política
com os alunos para que compreendam o seu real significado
num contexto histórico-político-social e que possamos desen-
volver práticas para a diversidade no contexto pedagógico
com amplitude para que o aluno não tenha uma visão limi-
tada da diversidade, como no caso, cotas, o que pode reforçar
estereótipos.
Na instituição cearense, boa parte dos estudantes reve-
lou que para ingressar no Ensino Médio “é preciso passar por
um processo seletivo e nele temos a aplicação da lei de cotas”
(E18 CE). De todo modo, ressaltamos que tal prática está res-
trita à seleção dos estudantes, mas não foram evidenciadas
ações concretas que tratem a diversidade étnico-racial no coti-
diano escolar além dos debates em sala de aula.
Como bem ressalta Candau (2012, p. 70): “Hoje esta
consciência do caráter monocultural da escola é cada vez mais
forte, assim como a necessidade de romper com ele e cons-
truir práticas educativas em que as questões da diferença e do
multiculturalismo se façam cada vez mais presentes”.

ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


223

A pesquisa evidencia a necessidade de práticas edu-


cativas que questionem o contexto sócio-histórico em que os
estudantes estão inseridos, de modo que possam repensá-lo,
numa perspectiva crítica, empoderando-se para interferir na
política de significados que promovem a discriminação.

Algumas considerações

Constatamos, ao considerar as falas dos discentes, que


ainda faz-se necessário pensarmos em práticas pedagógicas
multiculturais críticas, que extrapolem propostas superfi-
ciais, folclóricas ou turísticas, conforme apresentado na deli-
mitação teórica.
Os estudantes participantes da pesquisa estão no pri-
meiro semestre do Ensino Médio Integral nas instituições in-
vestigadas. Assim, espera-se que as questões relativas à diver-
sidade em seus múltiplos aspectos ainda sejam trabalhadas
ao longo do curso. É preciso ressaltar que embora não fosse o
foco, os estudantes não fizeram nenhuma menção ao trabalho
com a referida temática no Ensino Fundamental.
Estabelecendo relações do aporte teórico do multicultu-
ralismo com a prática do ensino, podemos afirmar que o mul-
ticulturalismo proporciona ao docente, intelectual, crítico, um
olhar plural e diverso. Compreendemos assim que, para uma
educação que promova o respeito à diversidade etnorracial,
considerando o cenário social contemporâneo, se faz necessá-
rio olharmos para o currículo, para a formação docente e para
as práticas educativas tendo uma concepção multicultural crí-
tica como lente.
Focando nesse trabalho – a prática docente – devemos
concebê-la em seus aspectos epistemológicos e de práxis, de
modo que promova, por meio de suas atividades pedagógicas,
uma transformação nas relações sociais, culturais e institu-

PRÁTICAS DE ENSINO PARA A DIVERSIDADE: REFLEXÃO DOCENTE A PARTIR DA TEORIA E DO OLHAR DISCENTE
224

cionais, para as quais os significados são gerados, recusando


ver a cultura como harmoniosa. E sim, como espaço de lutas
e de reflexões sobre o processo histórico e social, visando às
transformações sociais para a igualdade e o respeito quanto à
diversidade.
Consideramos que a prática de ensino, numa perspecti-
va multicultural crítica, é capaz de proporcionar um repensar
sobre ações cotidianas de discriminação e de preconceito, pois
ela vai questionar o monoculturalismo e o etnocentrismo pre-
sentes na escola, promovendo um empoderamento quanto ao
seu papel, ao direito e ao dever na sociedade.
Pensamos uma prática pedagógica multiculturalmente
orientada, como capaz de promover a transformação social a
partir da reflexão crítica dos processos históricos e sociais de
dominação, e por meio da desconstrução, da articulação, do
resgate e promovendo ações significativas e contextualizadas.
Para tanto, sugerimos que ao (re)pensarmos essa prá-
tica pedagógica, as formações de professores e as reorganiza-
ções curriculares, a discussão teórica do multiculturalismo
crítico seja suporte teórico à implantação de um ensino capaz
de promover uma educação diferenciada. Educação essa que
supere a discriminação e o preconceito, conforme demonstra-
do nas reflexões acima, não reproduzindo o multicultural de
forma equivocada e sim na perspectiva crítica.

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ALDIERIS BRAZ AMORIM CAPRINI • ELCIMAR SIMÃO MARTINS


227

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E
OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO ESPECIAL

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA


Licenciado em Química (IFCE), especialista em Orientação e Mobilidade (IFCE) e em Eduação, Po-
breza e Desigualdade Social (UFC), professor do Liceu de Iguatu Dr. José Gondim, e membro do
Gpel (IFCE/CNPq).
E-mail: wandersondiogo@hotmail.com

IONE CARVALHO RODRIGUES


Licenciada em Letras (UECE), especialista em Gestão Escolar (UFC), é membro do Gpel (IFCE/CNPq),
atua como coordenadora pedagógica do Liceu de Iguatu Dr. José Gondim
E-mail: ioneprofa@yahoo.com.br

ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS


Bacharela em Ciências Contábeis (UNIFOR), licenciada em Matemática pelo programa especial de
formação pedagógica (UECE), especialista em Gestão Escolar (UFJF), atua como diretora geral do
Liceu de Iguatu Dr. José Gondim.
E-mail: claudiamedeirosdias@yahoo.com.br
228

Introdução

A partir dos escritos da Constituição Brasileira de 1988


de que a educação passara a ser tornar um direito de todos
os cidadãos e cidadãs brasileiras, dever do Estado e da famí-
lia, a busca pela inclusão escolar de grupos historicamente
excluídos dos espaços escolares ganhou forças e visibilidade
na tentativa de que esse quadro excludente e discriminatório
alimentado pelas instituições brasileiras de ensino fosse re-
vertido. Com o passar dos anos, após algumas tentativas de se
estabelecer diretrizes e bases para a educação nacional, che-
gou-se ao consenso de que a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996 seria mais completa e, portanto, passou a vigorar em
todo o território nacional a partir da referida data.
Assim feito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) passou a abordar a Educação Especial como
uma modalidade oficial do ensino brasileiro, estabelecendo di-
reitos e deveres com relação à inclusão escolar de alunos com
deficiência nos espaços escolares. Apesar desse avanço, Sa-
viani (2009) aponta que a referida lei fragilizou o quesito for-
mação de professores para atuar nessa modalidade de ensino,
tendo em vista que, a princípio, os cursos de Pedagogia seriam
o centro de formação para esses professores, entretanto, as di-
retrizes curriculares do curso de Pedagogia não priorizam, tão
pouco enfatiza essa finalidade, resultando em “um retrocesso
em relação ao período inaugurado em 1946 com a Lei Orgâni-
ca do Ensino Normal” (SAVIANI, 2009, p. 153), cuja referida

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
229

lei estabelecia espaços destinados à formação de professores


para a Educação Especial.
Dentre os cursos de formação de professores nas diver-
sas áreas do conhecimento, temos os cursos de licenciatura
em Química espalhados pelas diversas regiões do Brasil, cuja
existência de disciplinas sobre a Educação Especial e/ou In-
clusiva na matriz curricular do curso é extremamente rara,
indo na contra mão das novas demandas educacionais da atu-
alidade, especialmente em tempos de inclusão escolar. Nesse
sentido, o presente estudo busca analisar o contexto histórico
da construção e consolidação dos cursos de licenciatura em
Química no Brasil sob a ótica da Educação Especial.

Entre a secundarização da formação docente


e a priorização dos conhecimentos químicos: o
surgimento dos cursos de licenciatura em Química
no Brasil e a desprofissionalização do professor

Enquanto ciência, a Química passou por diversas trans-


formações até concretizar-se da maneira que a temos hoje, no
entanto, enquanto disciplina curricular da educação básica e
do ensino superior, a Química é uma ciência considerada re-
cente, com cerca de um século de existência, todavia, sabe-se
que a Química sempre esteve presente em todos os setores
da sociedade, especialmente durante a colonização do Brasil.
Conforme apontam Almeida e Pinto (2011, p. 41), “pode-se afir-
mar que a primeira descrição da Química no Brasil foi feita
por Pero Vaz de Caminha na carta que enviou ao rei Dom
Manuel para dar notícia da nova terra encontrada”.

Na carta de Pero Vaz de Caminha (1500) foram


relatados, além da nudez das índias e de suas
pinturas, alguns ouriços que os índios levaram
aos portugueses. Esses ouriços eram o urucum

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
230

(vermelho). A tintura dos indígenas era feita


com o corante extraído de suas sementes e a ex-
tração era feita geralmente com óleo de andiro-
ba. Outro corante muito usado pelos indígenas
era obtido da seiva do fruto do jenipapo que após
reagir com as proteínas da pele produziam a cor
preta. Mas foi o pau-brasil o produto de maior
valor levado para a metrópole, nos primeiros
anos da colonização. O corante extraído da árvo-
re foi usado tanto para tingir roupa como para
tinta de escrever (OLIVEIRA e CARVALHO,
2006, p. 28).

Tais descrições fazem referência à cultura dos povos


indígenas que viviam no Brasil antes da chegada dos portu-
gueses, tendo Pedro Álvares de Cabral se surpreendido com a
medicina popular criada pelos índios, bem como as cores for-
tes e contrastantes que os mesmos extraiam das plantas para
pintarem os seus corpos, resultando na vinda de diversos
cientistas e pesquisadores da Europa para a coleta e estudo
das plantas medicinais utilizadas pelos indígenas. Mas, ape-
sar de tais referências, à Química, essa ciência era desconhe-
cida na época, resultando em poucos relatos científicos, isso
porque, segundo Almeida e Pinto (2011), a ordem jesuíta que
regulamentava a educação no Brasil não considerava a ciência
como componente curricular importante para a formação da
população, tendo em vista que a educação ministrada pelos
jesuítas era totalmente vinculada aos interesses da Igreja, ou
seja, a inserção da ciência na educação poderia fazer com que
o povo começasse a pensar e a contestar as verdades da Igreja,
o que não seria bom para a corte portuguesa.
Apesar da ausência da ciência na educação brasileira
naquela época, algumas instituições ousavam fazer discussões
científicas ainda que de forma superficial e passageira. Como
exemplo, a criação da Sociedade Literária do Rio de Janeiro,

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
231

em 1786, “se ocupou da discussão de temas científicos, como o


método para extração da tinta de urucum e a análise de águas,
para citar apenas dois assuntos relacionados diretamente
com a Química” (ALMEIRA e PINTO, 2011, p. 41), discutidos
pelos sócios da referida Sociedade.
Enquanto colônia portuguesa, o Brasil passou um longo
período sob as dependências de Portugal e da Europa, o que,
segundo Porto e Kruger (2013), fez com que o Brasil não se de-
senvolvesse científica e tecnologicamente, já que dependia de
Portugal política, cultural e financeiramente. Com a vinda dos
jesuítas para o Brasil, surgiu o primeiro projeto de sistema
educacional do país, mas com uma formação que privilegiava
os homens brancos que compunham a elite. Essa formação
era pensava numa perspectiva humanista intrínseca aos in-
teresses da Igreja, entretanto, com a expulsão dos jesuítas do
Brasil, cuja iniciativa foi do Marquês de Pombal, “e o adven-
to do ensino das Ciências experimentais, muitos brasileiros,
objetivando galgar uma carreira científica ou médica, ingres-
saram na Universidade de Coimbra” (LIMA, 2013, p. 73), em
Portugal.
Após a expulsão dos jesuítas do Brasil e com a transfe-
rência da corte portuguesa para o território brasileiro, houve
uma reestruturação no sistema educacional no território bra-
sileiro, onde:
Aulas de Química começam a ser ministradas
na Academia Real Militar em 23 de abril de
1811, na verdade uma extensão da Real Acade-
mia de Artilharia, Fortificação e Desenho, cria-
da em 1792, por ordem de Dona Maria I, rainha
de Portugal, no espaço hoje ocupado pelo Museu
Histórico Nacional, e nas Escolas de Medicina
da Bahia e do Rio de Janeiro, criadas com a che-
gada da família real (ALMEIDA; PINTO, 2011,
p. 41).

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
232

Motoyama (apud LIMA, 2013, p. 74) acrescenta que:

O curso de engenharia da Academia Real Mili-


tar passou a ter Química no seu currículo, fazen-
do com que logo depois fosse criada uma cadeira
de Química nesse curso. Isso levou a um aumen-
to significativo do número de trabalhadores com
mão-de-obra especializada nas áreas que neces-
sitavam de um ensino mais voltado para as Ci-
ências. Como resultado dessas mudanças, o Bra-
sil passou a publicar livros impressos. Daniel
Gardner foi o autor da primeira obra impressa
no país e que tinha por título Syllabus, ou Com-
pendio das Lições de Chymica.

A partir de então, a Química passou a ser incorporada


à educação escolar, porém, não passou a ser, de fato, um com-
ponente curricular da educação básica, até porque a incorpo-
ração da Química à educação fazia mais sentido, na referida
época, aos cursos de nível superior que resultavam em mais
forças para o Estado, como os cursos das áreas de Agronomia
e Mineralogia, além dos cursos de Medicina, área essa que
trouxe grandes contribuições para que a Química se tornasse
uma ciência sólida. Como aponta Carneiro (2006 apud LIMA,
2013, p. 73), “nessa época, o incipiente ensino de Química era
teórico e livresco, quase sempre associado a estudos mineraló-
gicos e colocando a Química apendicular da Física”.
Ainda nesse período, em 1772, instalou-se no Rio de
Janeiro a Academia Científica, cuja finalidade era subsidiar
as discussões científicas de diversas áreas, dentre as quais es-
tava incluída a Química. Dessa Academia, fazia parte do seu
corpo de pesquisadores e cientistas o português Manoel Joa-
quim Henriques de Paiva, que, segundo Lima (2013), foi o pri-
meiro autor a inserir o termo Química como título de um li-
vro, o qual foi intitulado de Elementos de Química e F
­ armácia.

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
233

Almeida e Pinto (2011, p. 42) consideram que a Química


no cenário brasileiro começou a se expandir e a ter visibili-
dade a partir da criação do Laboratório Químico-Prático do
Rio de Janeiro, no ano de 1812, que funcionou por um período
de oito anos, “cujo propósito era o desenvolvimento de pes-
quisas químicas com finalidade comercial”. Posteriormente,
outros laboratórios foram criados, sendo desenvolvidas diver-
sas pesquisas científicas nos campos da Química e Farmácia,
especialmente relacionadas às plantas medicinais. A partir de
então, deu-se início a criação dos primeiros cursos de Química
no Brasil, os quais Almeida e Pinto (2011) apontam terem sur-
gidos a partir de 1910.
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, e com a transfe-
rência da corte portuguesa para o território brasileiro, a área
da ciência começou a ganhar forças no país, uma vez que:

O ensino regular de Química no Brasil começou


ao tempo de D. João VI, assim como alguma ati-
vidade de pesquisa, de âmbito muito limitado.
A situação não sofreu progressos consideráveis
ao longo do século 19, e a Química era vista ape-
nas como disciplina ancilar ao estudo de outras
especialidades, como engenharia, medicina ou
farmácia. Os primeiros cursos destinados preci-
puamente à formação de químicos só surgiram
nas primeiras décadas do século 20, em várias
escolas (FILGUEIRAS, 1999, p. 147).

D. Pedro II também incentivou o progresso da ciência no


Brasil, especialmente através da sua paixão pela ciência. O seu
gosto pela referida área foi potencializada a partir dos estudos
científicos estimulados pelo seu professor Alexandre Vandelli,
tendo em vista que o pai do seu professor, Domingo Vandelli,
havia sido o primeiro professor de Química da Univer­sidade
de Coimbra. Segundo Oliveira e Carvalho (2006, p. 33), “o inte-

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
234

resse do imperador pela Química o levava para as aulas, exa-


mes, encontros e debates científicos. Em sua casa, D. Pedro II
possuía um laboratório de Química, onde ele estudava e execu-
tava experimentos”.
Dentre as diversas obras que versam sobre a origem e
história da Química no Brasil, não há um consenso sobre o pri-
meiro curso oficial de Química ofertado no país, todavia, há um
consenso de que os primeiros cursos surgiram nas primeiras
décadas de 1900. Como exemplo, Almeida e Pinto (2011) consi-
deram que o primeiro curso de Química no Brasil foi ofertado
pela Makenzie College, que atribuía aos seus concludentes o
título de técnico em Química Industrial. Quatro anos depois,
o referido curso se transformou em nível superior. “Neste
mesmo ano, foi criada a Escola Superior de Química da Escola
Oswaldo Cruz” (ALMEIDA e PINTO, 2011, p. 42).
Já para Oliveira e Carvalho (2006) e Lima (2013), o pri-
meiro curso de Química no Brasil foi ofertado pelo Instituto
de Química do Rio de Janeiro1 (IQ-RJ), em 1918, e também era
de Química Industrial em decorrência das atividades minera-
lógicas do país, passando, mais tarde, a ser associado à Esco-
la Superior de Agricultura e Medicina Veterinária devido às
contribuições que a Química trazia para a Medicina e vice-
-versa, resultando na criação da Escola Nacional de Química
em 1933 no Rio de Janeiro.
Com o passar dos anos, os cursos de Química come-
çaram a se expandir pelas diversas regiões do Brasil, mas, a
princípio, todos continuavam fortemente ligados à área da
Agronomia. Apesar disso, surgiram alguns grandes avanços
que contemplavam a Química de forma especial, como a cria-
ção da Escola Nacional de Química da Universidade do ­Brasil2,

1 Atual Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro


(IQ/UFRJ).
2 Atual Universidade de Brasília (UnB).

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
235

a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de


São Paulo, e o Instituto de Química da Universidade do Brasil.
Posteriormente, em 1977, durante a Reunião Anual da Socie-
dade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), funda-se
a Sociedade Brasileira de Química (SBQ), cuja finalidade era a
disseminação e o incentivo às pesquisas científicas na área de
Química (OLIVEIRA; CARVALHO, 2006).
Dentro da SBQ, surge, recentemente, a Divisão de Ensino
de Química (DEQ) dedicada aos estudos referentes ao Ensino
de Química e a Educação Química3, possibilitando a divulgação
científica, bem como debates acerca da educação brasileira a
partir da Química em todo o território nacional. Bejarano e Car-
valho (2000, p. 161) consideram que “[...] a área de pesquisa que
se convencionou chamar de Educação Química tem se constitu-
ído como um pólo crescente de pesquisas educacional com uma
produção que ganha vigor com o passar dos anos”.
Na educação básica, especificamente no Ensino Médio,
a Química só passou a fazer parte das disciplinas curriculares
das escolas brasileiras em 1931, a partir da reforma educacio-
nal Francisco Campos4 (LIMA, 2013). Mais adiante, as refor-
mas no sistema educacional brasileiro passaram a ser cada
vez mais frequentes, especialmente com as discussões sobre
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional5 (LDB) e
3 Bejarano e Carvalho (2000) consideram que o termo Educação Química é
utilizado para se referir às pesquisas relacionadas ao ensino de Química. Já
o termo Ensino de Química faz referência ao ato de ensinar Química, não
tendo uma relação direta com a prática da pesquisa.
4 A Reforma Educacional Francisco Campos, do então Ministro da Educação

Francisco Campos (1931), segundo Dallabrida (2009, p. 185), “imprimiu or-


ganicidade ao ensino secundário por meio de várias estratégias escolares,
como a seriação do currículo, a frequência obrigatória dos alunos, a imposi-
ção de um detalhado e regular sistema de avaliação discente e a reestrutu-
ração do sistema de inspeção federal”, resultando, segundo o referido autor,
numa produção burguesa da educação brasileira, impondo uma educação
de tempo integral a partir de práticas de disciplinamento.
5 A LDB mais recente é a Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
236

da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que


no caso da Química houve uma ênfase nos Parâmetros Curri-
culares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM)6, tendo em
vista que a Química, enquanto ciência individual, passa a ser
ofertada com maior visibilidade apenas no Ensino Médio.
Tais documentos norteadores da educação brasileira
se fizeram necessários em decorrência do processo de ensi-
no-aprendizagem que se fazia presente anos atrás, especial-
mente na disciplina de Química e ciências afins, em que o
professor era visto como um transmissor de informações, e
o aluno era percebido como uma página em branco no qual
o professor iria depositar todas as informações necessárias
para que aquele aluno pudesse crescer na vida. Dessa forma,
Lima (2013, p. 77) aponta que, “severas modificações no currí-
culo dos livros didáticos e nas diretrizes metodológicas estão
sendo conduzidas, a fim de romper com o tradicionalismo que
fortemente ainda se impõe”.
Logo, torna-se evidente que tais mudanças causaram
uma ruptura nos modelos de formação de professores nas uni-
versidades brasileiras, especialmente nos cursos de formação
de professores na área de Ciências Naturais (Biologia, Física
e Química), cuja formação era pensada dentro de um modelo
que ficou conhecido como “3+1”, ou seja, os cursos de formação
de professores dentro dessa lógica pouco trabalhavam o pro-
fessor na perspectiva da docência. Ao contrário, os referidos
cursos priorizavam os saberes específicos da Química e, ao
final da graduação, o então futuro professor só necessitaria es-
tudar brevemente a disciplina de Didática, o que lhes tornaria
um “bom professor”, fato esse não condizente com a realidade
atual (MALDANER, 2013).
6 Os PCNs foram criados em 1999 no governo do então Presidente da Repú-
blica Fernando Henrique Cardoso, os quais já foram superados pelas atuais
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCN), e pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM).

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
237

Assim, os cursos de formação inicial e continuada de


professores tiveram que se reconstruir a partir de uma for-
mação que permitisse ao aluno uma participação em seu pro-
cesso educacional, fazendo com que o professor, além de domi-
nar os conteúdos químicos, por exemplo, soubesse mediá-los
dentro de um contexto pedagógico, ou seja, que tais conteúdos
deixassem de ser transmitidos/transferidos, passando a sub-
sidiar uma formação cidadã, crítica e consciente dos alunos
(MALDANER, 2013).
Dessa forma, torna-se evidente os desafios que ineren-
tes ao exercício docente na área da Química, tendo em vista
que na formação de professores ainda se fazem presentes tra-
ços da formação tradicional, seja do currículo 3+1 no qual pro-
fessores universitários – especialmente os que não possuem
licenciatura – buscam priorizar as disciplinas específicas com
relação às pedagógicas, seja da dicotomia licenciatura versus
bacharelado, sendo os cursos de licenciatura ainda secunda-
rizados por algumas instituições, ou seja, por métodos tradi-
cionais de ensino que privilegiam alunos idealizados, sem di-
ficuldades de aprendizagem e/ou sem nenhuma deficiência,
contribuindo para que as escolas continuem sendo espaços
discriminatórios, excludentes e elitistas.
A despeito desse último apontamento, o tópico a seguir
discutirá a formação do professor de Química a partir da pro-
mulgação da atual LDB, uma vez que foi a partir da referida
lei que a inclusão de alunos com deficiência nas instituições
escolares passou a ser uma realidade amparada legalmente, o
que implica na reestruturação dos cursos de licenciatura para
atender a essas exigências.

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
238

Formação docente pós LDB/96: o reconhecimento


e regulamentação da Educação Especial e suas
implicações para os cursos de licenciatura

As políticas de formação docente somente começaram


a ser evidenciadas no Brasil a partir da década de 1990, o que
reflete nos aspectos teóricos desse contexto, pois como aponta
Vieira (2012, p. 17), “[...] constata-se que a investigação sobre as
políticas de formação ainda representa um campo de pesquisa
com insuficiente demarcação teórica no Brasil. Até muito re-
centemente, [...] poucos interessados sobre a formação docen-
te priorizavam estudos dessa natureza”, no entanto, cresce a
cada ano que passa o número de publicações e pesquisas cien-
tíficas que trazem eficazes contribuições e discussões para o
campo educacional com ênfase na formação de professores.
A promulgação da LDB/96 evidenciou a busca por um
novo modelo para os cursos de formação de professores ao
estabelecer que essa formação deveria acontecer em nível
superior no âmbito dos institutos superiores de educação
(SCHEIBE, 2012), todavia, tal fato resultou em profundas dis-
cussões pela comunidade docente do país, isso porque, que-
rendo ou não, há uma desarticulação dos cursos de formação
de professores, seja em nível de graduação ou pós graduação,
com as escolas de educação básica, ou seja, nas palavras de
Vieira (2012, p. 24), as formações dos professores“[...] passam
ao largo das necessidades reais da escola em que atuam”. Cor-
rêa (2008, p. 48) complementa ao dizer que “como a escola
não está dissociada dessa realidade social, da qual faz parte,
a crise da sociedade não está dissociada da crise da escola”,
o que reflete e implica na (re)construção do fazer pedagógico
do professor.
Dentre as novas demandas educacionais da atualidade,
surge a busca pela inclusão de alunos que possuem algum tipo

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
239

de deficiência, cuja história da educação brasileira é marcada


por um processo de constante discriminação e exclusão des-
se grupo de alunos em decorrência de serem considerados
“anormais” e “incapazes” de concluírem os seus estudos com o
mesmo rendimento que se é esperado para os alunos que não
possuem deficiência, tachados de “normais”. Nesse sentido, a
Educação Especial passa a ganhar aporte legal ao se configu-
rar como modalidade de ensino a partir da LDB, tornando a
inclusão dos alunos com deficiência um ato legal, real e pos-
sível de acontecer. Todavia, a expansão da educação regular
para grupos historicamente excluídos do sistema educacional
requer uma nova configuração da prática docente dos profes-
sores, isso porque “se é permitido o acesso, como assegurar
a permanência e a progressão do aluno [com deficiência] no
sistema escolar?” (SANTOS, 2012, p. 149).
Para responder, ainda que teoricamente, a essa per-
gunta, a LDB estabelece que caberá aos sistemas de ensino
assegurarem o direito a permanência desses alunos nas es-
colas. Para isso, essas instituições deverão assegurar “currí-
culos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos para atender” (BRASIL, 1996, art. 51, inciso I) as
necessidades dos alunos com deficiência. Todavia, compreen-
dendo que a ação docente é de suma importância para que tais
apontamentos sejam garantidos, a referida lei estabelece, tam-
bém, que as escolas possuam professores com dois tipos de
formação diferentes: uma com especialização adequada para
a garantia do Atendimento Educacional Especializado e outra
com capacitação docente “para a integração desses educan-
dos nas classes comuns” (BRASIL, 1996, art. 51, inciso III). Ao
analisarmos o trecho sobre a formação de professores nessa
perspectiva dualística, é possível perceber que os professores
da educação básica (classe comum) deverão possuir formação
docente na perspectiva da integração, o que difere totalmente

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
240

da perspectiva de inclusão. Daí a observação no início desse


parágrafo de que o direito à permanência é algo apenas teóri-
co, sendo que a prática diverge da teoria.
Nesse sentido, a realidade educacional brasileira regada
por diferenças, desigualdades, omissões, segregações e exclu-
sões de diferentes grupos populacionais tende a se converter
em desinteresse ou medo dos pais dos alunos com deficiência,
e até mesmo por parte dos próprios alunos em não continuar
mais frequentando as escolas de ensino regular, isso porque o
atual sistema de ensino se caracteriza como uma peneira para
esses alunos. Isso porque a cada série/nível de ensino, apenas
uma pequena minoria de alunos com deficiência conseguem
continuar frequentando as escolas, especialmente porque a
quase totalidade dos professores não possuem formação para
isso, tampouco possuem vontade de incluir o diferente.
Logo, se no contexto geral da formação de professores
a inclusão de alunos com deficiência é deficiente, ou melhor,
pouco acontece, essa situação de agrava ainda mais no campo
da Educação Química, isso porque, como vimos anteriormen-
te, os cursos de licenciatura em Química foram concebidos
a partir de uma lógica dicotômica que buscou privilegiar o
saber científico ao saber pedagógico, desprofissionalizando a
profissão docente. Nesse sentido, o capítulo a seguir discutirá
de uma forma mais profunda as implicações que a Educação
Especial traz para a licenciatura em Química.

A licenciatura em Química no contexto da Educação


Especial: uma aproximação necessária

Os cursos de formação de professores de Ciências no


geral, e de Química em particular, muito se fazem presentes
práticas tradicionais de ensino cujo processo é centrado exclu-
sivamente no professor, tendo o aluno que se adaptar ao seu

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
241

“mestre”, o que tem gerado várias discussões sobre a formação


do professor de Química, bem como sobre os índices de apren-
dizagem dos alunos na referida disciplina, seja em avaliações
internas ou externas. No entanto, essa suposta crise no ensino
de Ciências só passou a ter visibilidade recentemente, espe-
cialmente nas duas últimas décadas – cenário em que ocor-
reram as mais significativas mudanças nos cursos de forma-
ção de professores –, e esse fato, segundo Pozo e Crespo (2005,
p. 15), “[...] é atribuída por muitos às mudanças educacionais
introduzidas nos últimos anos nos currículos de ciências”. E
essas mudanças educacionais, como apontadas pelos autores
supracitados, geraram desconforto e desorientação entre os
docentes dessa área, tendo em vista que a sua formação sem-
pre foi pensada para um grupo de alunos historicamente pri-
vilegiado e que não possuía dificuldades de aprendizagem.
Nesse sentido, a partir da busca pela expansão e de-
mocratização da educação pública e gratuita, foram surgindo
novas demandas educacionais para as instituições escolares,
pois a inclusão de grupos historicamente excluídos desses es-
paços, como as pessoas com deficiência, por exemplo, requer
do professor novos métodos de ensino, um novo olhar sobre
a docência, e uma busca por um novo método de avaliação,
coisas que a sua formação inicial não abordou, resultando em
dificuldades tanto para os professores com para os alunos.
Essas dificuldades decorrentes da democratização
do ensino, segundo Pozo e Crespo (2005) têm feito com que
professores da área de Ciências Naturais busquem regredir
e munir-se de saudades das práticas tradicionais de ensino,
pois, na concepção de muitos professores, nesse ensino tradi-
cional supõe-se que os professores ensinavam bem, e os alu-
nos aprendiam tudo o que os professores lhes ensinavam. No
entanto, os referidos autores apontam que essa idealização do
tradicionalismo resultava, na verdade, em um falo ensino e

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
242

em uma falsa aprendizagem, porém, os sujeitos envolvidos em


ambos os processos fingiam que tudo estava bem.
No contexto específico da Química, essa realidade não
é diferente. Como vimos anteriormente, ainda hoje os cursos
de licenciatura, por mais que na teoria seja o contrário, na
prática há uma busca pela priorização dos conhecimentos quí-
micos, secundarizando o exercício e o saber docentes. Dessa
forma, as instituições brasileiras de ensino superior pouco es-
tão conseguindo formar professores de Química que saibam
mediar conhecimentos químicos em um contexto pedagógico,
tampouco estão conseguindo formar professores de Química
aptos a ensinar Química para alunos que possuam algum tipo
de deficiência. Logo,

[...] a formação de professores para atender a


inclusão de pessoas com necessidades educacio-
nais especiais, constitui-se como um dos assun-
tos mais urgentes e que fomenta inquietações
entre os profissionais de Educação. Discutir
sobre a formação de professores para atuar nes-
se paradigma educacional, que busca propiciar
qualidade educativa e equiparação de oportuni-
dades, não é uma das tarefas que estão além dos
indicativos de como a formação dos professores
deva ocorrer (RETONDO e SILVA, 2008, p. 27).

A formação de professores no contexto da Educação


Especial é tida como o principal meio de efetivação à perma-
nência de alunos com deficiência nos espaços escolares, isso
porque é o professor o responsável pelo processo de ensino-
-aprendizagem dos alunos, bem como o agente principal de
formação cidadã no contexto educacional. Dessa forma, for-
mar o professor de Química para incluir esses alunos, não
apenas integrar. É formar professores que sejam capazes de
trabalhar a construção da formação cidadã, finalidade essa

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
243

contemplada nos diversos documentos norteadores da edu-


cação nacional, bem como nas Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para os cursos de Química, estabelecendo que todos os
licenciados em Química, no contexto da sua profissão, deverão
“assumir conscientemente a tarefa educativa, cumprindo o
papel social de preparar os alunos para o exercício consciente
da cidadania” (BRASIL, 2001, p. 7).
Torna-se evidente que a tarefa educativa de formar ci-
dadãos na atualidade vai à contra mão do processo de inclu-
são, pois não há, realmente, uma inclusão escolar, mas um
processo de integração desses alunos que acabam se evadindo,
ou melhor, sendo expulsos dos espaços escolares em decorrên-
cia de suas especificidades/características. E, por mais que o
Estado esteja cheio de leis, decretos, e documentos afins que
versem sobre os direitos das pessoas com deficiência, na prá-
tica, como já apontado, esse direito pouco é evidenciado, pois,
no contexto escolar, “falsas saídas têm permitido às escolas
comuns e especiais escaparem pela tangente e se livrarem do
enfrentamento necessário com sua organização pedagógica
excludente e ultrapassada” (MANTOAN, 2005, p. 27).
Enquanto disciplina curricular obrigatória da Educação
Básica, especialmente no Ensino Médio, a Química evidencia a
formação de pessoas mais críticas, questionadoras, empodera-
das e com a capacidade de transformar o seu ambiente para
uma realidade melhor, mais sustentável e autônoma, porém, são
poucos os alunos que, quando concluem o Ensino Médio, pos-
suem essa perspectiva, sendo a má formação dos professores
um dos fatores colaboradores para essa realidade. Desse modo,
se os professores de Química não estão conseguindo obter essa
finalidade com alunos “idealizados”, sem deficiência, como está
sendo feito esse trabalho com alunos que possuem deficiência?
Como apontado ao longo deste texto, os cursos de li-
cenciatura em Química foram marcados por aproximações

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
244

e distanciamentos com relação à profissão docente e com a


qualidade da educação. Assim, a pergunta acima feita só terá
respostas positivas a partir da inserção de disciplinas da
Educação Especial e/ou Inclusiva em tais cursos, assim como
acontece com a disciplina da Língua Brasileira de Sinais (LI-
BRAS), que passou a ter caráter obrigatório em todos os cursos
de licenciatura, no entanto, grande parte desses cursos tende
a colocar uma carga horária extremamente mínima para essa
disciplina apenas para cumprir algo garantido por lei.
Assim, é preciso que as licenciaturas em Química, além
de inserir tais disciplinas que subsidiam a formação docente
para a inclusão escolar, deixem-nas em pé de igualdade com as
demais disciplinas, não a deixando como optativa, mas como
obrigatória, isso porque “a inclusão implica em uma mudança
de paradigma educacional, que gera uma reorganização das
práticas escolares: planejamento, formação de turma, currí-
culo, avaliação, gestão do processo educativo” (MANTOAN,
2005, p. 30), e essa mudança de paradigma na docência em
Química só será possível quando houver, também, a mudança
nos currículos dos cursos de licenciatura, especialmente no
sentido de que os professores de Química sejam capazes de
emanciparem/empoderarem os seus alunos com deficiência,
reconduzindo-os ao lugar do saber (MANTOAN, 2005).

Considerações finais

Em tempos de inclusão escolar, a concretização desse


direito social só se torna efetivo, eficaz e coerente com a teoria
quando na prática todas as direções apontam para o mesmo
caminho. No entanto, em se tratando da formação do profes-
sor de Química, esses caminhos têm se mostrado opostos um
ao outro, sendo a educação básica caminhado na perspectiva
da inclusão, e o referido curso persistindo em permanecer

WANDERSON DIOGO ANDRADE DA SILVA • IONE CARVALHO RODRIGUES • ANTÔNIA CLÁUDIA MEDEIROS DIAS
245

no caminho hegemônico, excludente e que só atende a alunos


idealizados.
Assim como as escolas possuem a necessidade de re-
pensar a sua história, suas práticas, seus saberes e sua re-
alidade enquanto produtora de desigualdade e diferença, os
cursos de licenciatura em Química também devem trilhar es-
ses mesmos caminhos, pois só assim será possível perceber
a docência enquanto profissão para além da transmissão de
conteúdos e idealizações de fórmulas. A formação do professor
de Química demanda urgentes reformulações no sentido da
Educação Especial tendo em vista o cenário atual das escolas
de educação básica que, em breve, irá se refletir nos cursos de
graduação e pós-graduação.
O presente estudo buscou fazer um resgate histórico da
criação dos cursos de licenciatura em Química no Brasil para
que fosse possível compreendermos os motivos pelos quais
tais cursos distanciam-se tanto das demandas educacionais
da atualidade. Logo, foi possível perceber que a desprofissio-
nalização do professor evidenciou-se como um dos principais
fatores para esse distanciamento, uma vez que os conheci-
mentos químicos continuam sendo priorizados com relação
aos saberes pedagógicos, formando a clássica dicotomia na
formação dos professores de Química.
Desse modo, torna-se inevitável para esses cursos dei-
xar de lado as discussões sobre a Educação Especial no con-
texto da Química, isso porque está sendo crescente o número
de alunos com deficiência que ingressam na educação básica,
mas que os professores, em especial de Química, pouco dão
atenção aos mesmos, levando o termo deficiência ao pé da le-
tra, denotando que estes são incapazes de aprender/adquirir
conhecimentos químicos, o que não é verdade.

A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
246

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A DESPROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E OS (DES)CAMINHOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR


DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
248

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA


FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À
SALA DE AULA INVERTIDA

FRANCISCO MILTON MENDES NETO


Graduado em Ciência da Computação pela Universidade Estadual do Ceará e pós-doutorado pelo
Instituto de Robótica y TIC da Universitat de València. – Professor efetivo da UFERSA.
E-mail: miltonmendes@ufersa.edu.br

LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino – POSENSINO, associação ampla UERN, IFRN,
UFERSA. Graduada em Ciências Contábeis. Especialista em Psicopedagogia Institucional. Técnica
Administrativo da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA).
E-mail: lucianna@ufersa.edu.br

JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS


Graduado em Ciência da Computação pela Universidade Federal Rural do Semiárido e mestre em
Sistemas Computacionais pelo programa de pós-graduação UERN/UFERSA – Professor efetivo da
UFERSA
E-mail: ferdinandy@ufersa.edu.br
249

Introdução

A s constantes transformações propiciadas pelas tecno-


logias de informação e comunicação (TICs) possibilitaram o
surgimento de abordagens e modalidades de ensino-aprendi-
zagens inovadoras e transformadoras da realidade educacio-
nal. Com o objetivo de acompanhar essas mudanças no campo
educacional, várias abordagens de aprendizagem têm surgido
no intuito de atender essa evolução, dentre as quais podemos
citar a aprendizagem ativa.
Nesse sentido, Caceffo; Rocha e Azevedo (2011) afirmam
que a aprendizagem ativa, é uma proposta pedagógica basea-
da no modelo construtivista de ensino, que prevê uma maior
participação do aluno na construção do conhecimento, com o
intuito de permitir a criação de um ambiente onde haja uma
maior interação entre os próprios alunos e também entre os
alunos e o professor. A pesquisa de Alves, S; Alves, E. e Gomes
(2008), relata que quando pessoas aprendem em grupos, em
um ambiente compartilhado (virtual ou não) as informações
destinadas à percepção são fundamentais para o sucesso das
atividades.
Atualmente existe uma tendência cada vez maior para
a inclusão de ferramentas computacionais em sala de aula,
disponibilizadas com o intuito de melhorar o aprendizado e
as práticas de ensino. Diante das possibilidades emergentes
oriundas do advento das TICs, a proposta do flipped classroom
torna-se viável por meio da utilização de ferramentas com-

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
250

putacionais para aplicação desse modelo de aprendizagem.


Nesse sentindo, pretendemos responder ao seguinte questio-
namento: como utilizar o método baseado em design para le-
vantamento dos requisitos de uma ferramenta computacional
de apoio à aplicação da sala de aula invertida?
O objetivo deste artigo é propor uma ferramenta com-
putacional com as características da sala de aula invertida,
utilizando os métodos da metodologia de desing, uma aborda-
gem relativamente nova no campo educacional, porém bastan-
te utilizada para criação de ferramentas computacionais pela
Engenharia de Software. O protótipo desenvolvido foi baseado
nas necessidades dos professores do Instituto Federal do Rio
Grande do Norte – IFRN, campus Mossoró, onde posterior-
mente será incluído como recurso em ambientes virtuais de
aprendizagem, servindo de apoio aos professores na aplicação
da sala de aula invertida.

Sala de Aula Invertida ou Flipped Classroom

Conforme Bergmann e Sams (2014), autores desse mé-


todo de ensino, a sala de aula invertida ou flipped classroom é
um tipo de aprendizagem ativa, em que o professor atua como
agente facilitador do processo de aprendizagem, e os alunos,
de forma ativa, buscam o conhecimento conforme suas neces-
sidades, interesses, preferências e ritmo. É uma metodologia
que inverte a lógica de organização da sala de aula, na qual
o conteúdo e as instruções são estudados on-line antes de o
aluno frequentar a sala de aula, que agora passa a ser o local
para trabalhar os conteúdos já estudados, realizando ativida-
des práticas.
Segundo o relatório Flipped Classroom Field Guide
(2014), as regras básicas para inverter a sala de aula, são: 1)
as atividades em sala de aula envolvem uma quantidade sig-

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
251

nificativa de questionamento, resolução de problemas e de


outras atividades de aprendizagem ativa, obrigando o aluno
a recuperar, aplicar e ampliar o material aprendido on-line;
2) os alunos recebem feedback imediatamente após a realiza-
ção das atividades presenciais; 3) os alunos são incentivados
a participar das atividades on-line e das presenciais, sendo
que elas são computadas na avaliação formal do aluno, ou seja,
valem nota; 4) tanto o material a ser utilizado on-line quanto
os ambientes de aprendizagem em sala de aula são altamente
estruturados e bem planejados.
Nessa perspectiva, Piva Jr e Cortelazzo (2015) ressaltam
que a metodologia flipped classroom não pode ser entendida
como um sinônimo para a criação/produção de vídeo-aulas on-
-line, pois o grande potencial está nas interações presenciais em
sala de aula. O professor deve ter a sensibilidade para compre-
ender as deficiências na aprendizagem dos estudantes e refor-
çar, complementar, motivar, ligar conteúdos que os sensibili-
zem a ponto de entenderem completamente aqueles conteúdos.
O Flipped Classroom Field Guide (2014) apresenta di-
versos exemplos de disciplinas desenvolvidas em diferentes
universidades, sendo dois bastante distintos desenvolvidos e
utilizados na Harvard University e no MIT. Ambos adotaram
a estratégia da sala de aula invertida, implantada em algumas
disciplinas. Essas universidades têm inovado seus métodos
de ensino, procurando adequá-los para que possam explorar
os avanços das tecnologias educacionais, bem como minimi-
zar a evasão e o nível de reprovação em disciplinas, como, por
exemplo, Física.
Aqui no Brasil podemos citar a aplicação desse método
por Dantas et al. (2015) em uma turma de pós-graduação em
Informática na Educação, no Instituto Federal do Amazonas,
onde pôde ser percebida uma participação mais ativa dos alu-
nos da turma, assim como o aumento no índice na realização

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
252

das atividades, o que contribuiu para a aprovação de grande


parte dos alunos na disciplina.
Nota-se, com o exposto, que a sala de aula invertida é
um conceito bastante promissor e é cada vez mais usado por
professores mundo afora. Assim, se bem aplicada, a sala de
aula invertida pode gerar vantagens a todos os envolvidos no
processo educacional.

Metodologia design

A metodologia design no campo educacional vem reu-


nindo cada vez mais pesquisadores (VAN DEN AKKER et.
al., 1999). De acordo com De Sordi et al. (2011), um dos valores
agregados nessa metodologia para sociedade é sua aproxima-
ção entre teoria e prática, entre academia e sociedade, e entre
acadêmicos e praticantes.
Essa metodologia utiliza vários métodos dentro os quais
destacamos design thinking (BROWN, 2008), design Centrado
no Usuário (LOWDERMILK, 2013) e design Interativo (PRE-
ECE, ROGERS, SHARP, 2005), os quais serão detalhados nas
subseções a seguir.

Design thinking – DT

A visualização de um problema e a busca de solução
adequada necessita de um conjunto de métodos e procedimen-
tos que possam auxiliar no alcance desse objetivo de forma
eficiente. Nessa perspectiva, compreende-se os conceitos e
etapas do método design thinking como importantes para o al-
cance dos objetivos da investigação, em que tais conceitos são
melhor representados como “[...] um conjunto de princípios
que podem ser aplicados por diversas pessoas a uma ampla
variedade de problemas” (BROWN, 2008, p. 6). Ressalta-se,

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
253

desde o inicio do processo criativo, o trabalho em conjunto do


usuário e do design.
A definição de design thinking tem como foco o bem-es-
tar das pessoas e, por meio de pesquisas relacionadas aos fa-
tores que afetam esse bem-estar, procura soluções inovadoras
para os problemas encontrados (VIANNA et al., 2012).
Segundo Brown (2008), o processo de DT compreende
basicamente três etapas: inspiração (identificação do proble-
ma), ideação (prototipação de ideias e conceitos a fim de gerar
inovações para os problemas identificados na etapa anterior)
e implementação (desenvolvimento de protótipos e avaliação
de seus impactos). No entanto, destaca-se que as referidas eta-
pas podem ser moldadas e configuradas de modo que se adap-
tem à natureza do projeto e do problema em questão.
Esse pode ser o grande diferencial de DT em relação
a outros métodos tradicionais, pois identifica e investiga as-
pectos conhecidos ou ambíguos com o intuito de encontrar al-
ternativas possíveis, inclusive torna possível a redefinição do
problema inicial, conforme relata Cross (apud VIANNA, 2012).

Design Centrado no Usuário – DCU

Outro método importante na pesquisa é Design Centra-


do no Usuário (DCU). É o processo no qual mantemos o foco
nas necessidades, desejos e limitações dos usuários durante
todo o projeto, a cada tomada de decisão, desde a concepção até
o lançamento do produto.
De acordo com Benyon (2011), o DCU coloca o foco prin-
cipal nas pessoas, porque objetiva projetar sistemas interati-
vos que as favoreçam a usar e sigam os seguintes princípios:

• Pensar no que as pessoas querem fazer em vez do que


a tecnologia pode fazer;

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
254

• Projetar novas maneiras de conectar pessoas;


• Envolver as pessoas no processo de design;
• Projetar para a diversidade.

Os projetos de DCU estão geralmente divididos em


etapas que buscam apresentar técnicas, processos, métodos
e procedimentos para envolver o elemento central, o usuá-
rio, do início ao final do projeto, conforme é possível verificar
nos trabalhos de Gould e Lewis, citado por Barnum (2002) e
­Lowdermilk (2013).

Design Interativo – DI

No design interativo, por sua vez, suas preocupações


estão voltadas a partir de abordagens centradas no usuário,
pois direcionam suas preocupações ao desenvolvimento de de-
terminado produto, mais do que com preocupações técnicas.
De acordo com Preece, Rogers e Sharp (2005), “por de-
sign de interação, entendemos o seguinte: design de produtos
interativos que fornecem suporte às atividades cotidianas das
pessoas seja no lar ou no trabalho”. O design interativo, além
disso, busca maneiras de dar suporte aos usuários, contras-
tando com a engenharia de software, que enfoca principal-
mente a produção de soluções de software para determinadas
aplicações. Um ponto muito importante a respeito do design
interativo é que, para que ele tenha sucesso, diferentes profis-
sionais devem estar envolvidos em uma mesma equipe dedi-
cada a ele.
Esse ponto é muito bem explicado por André Luís Be-
lini de Oliveira, em seu artigo “A melhor interação entre o
homem e a máquina”, conforme citado abaixo:
Não há como desenvolver um produto bom se
não se conhece muito bem as reais necessidades

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
255

do usuário, como ele pensa e, na medida do pos-


sível, transportar para dentro do computador as
habilidades que ele naturalmente já possui no
mundo real. Dentro desse contexto é que a psi-
cologia se torna uma ferramenta indispensável
no processo de conhecimento do aprendizado
humano e, portanto, deve ser aplicada dentro da
interação Humano Computador, no sentido de
trazer conceitos e técnicas que possam facilitar
o processo de aprendizagem e utilização do sof-
tware (OLIVEIRA, s/d, p. 37).

O resultado da união de pessoas com formações diferen-


tes em um mesmo processo é a geração de mais ideias, novos
métodos sendo desenvolvidos e designs de maior qualidade,
criatividade e originalidade.
Existem três características que constituem parte fun-
damental do processo de design de interação: foco no usuário,
critérios de usabilidade específicos e iteração.
Essas metodologias foram utilizadas como base para
o desenvolvimento do protótipo proposto. No tópico a seguir
apresentamos a aplicabilidade da metodologia de design.

Requisitos para elaboração do modelo proposto

Analisando os três métodos de design apresentados,


criamos um roteiro, o qual será útil no levantamento de requi-
sitos até a etapa de avaliação da ferramenta. Com isso, foram
utilizados os dados de um questionário aplicado com profes-
sores do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN,
campus Mossoró, analisando suas necessidades e produzindo
uma lista de requisitos, que viabilizou a prototipagem de uma
ferramenta computacional para aplicação da sala de aula in-
vertida. O quadro 1 ilustra os passos seguidos no processo.

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
256

Quadro 1 – Etapas e procedimentos


ETAPAS PROCEDIMENTO
Foi realizado um estudo primário baseado em estu-
Revisão de lite-
dos empíricos sobre a sala de aula invertida ou fli-
ratura
pped classroom.
Analisou-se ferramentas já existentes, a fim de cole-
Análise de Com-
tar requisitos essenciais ao sistema, como também
petidores
aqueles que devem ser excluídos pelo desenvolvedor.
Aplicou-se um questionário com alguns professores
Identificação da do IFRN, campus Mossoró/RN, pois são usuários en-
Necessidade do volvidos no projeto, a fim de coletar e analisar suas
Usuário necessidades, produzindo uma lista de requisitos do
produto.
Análise de Re- Descreveu-se os serviços fornecidos pelo sistema e
quisitos suas restrições.
Elaborou-se o design conceitual do produto, protóti-
Prototipagem
pos de telas através do programa Balsamiq mockups.
Com base no protótipo, será implementada a ferra-
Implementação
menta para Sala de Aula Invertida.
A avaliação e os testes de usabilidade e aceitação do
Avaliação
produto serão realizados em seguida.
Fonte: Autoria própria.

Apresentação do protótipo

Esse tópico apresenta o protótipo de telas elaborado


conforme os passos utilizados na metodologia de design, os
quais são apresentados a seguir por meio de figuras:

• Processo inicial, criar a aula, onde será inserido o


nome e os objetivos que se pretende alcançar nessa
aula.

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
257

Figura 1– Criar aula

Fonte: Autoria própria.

• Criar Grupo, processo onde será formado o grupo,


onde são definidos os alunos que irão participar e
quem será o mediador.

Figura 2 – Criar grupo

Fonte: Autoria própria.

• Definir tarefa e duração, processo no qual será defini-


do o nome da tarefa e a duração que a mesma terá.

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
258

Figura 3 – Definir tarefa e sua duração

Fonte: Autoria própria.

• Processo de indicar referências e/ou materiais, em


que o professor vai inserir materiais que podem aju-
dar o aluno na resolução das tarefas e aprendizado
sobre o assunto a ser trabalhado na aula seguinte.

Figura 4 – Indicar referências/materiais

Fonte: Autoria própria.

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
259

• Acompanhar progresso dos alunos é o processo em que o


professor poderá visualizar quanto o aluno está obtendo
de aproveitamento, através da frequência de usabilidade
da ferramenta, como também finalização das atividades.

Figura 5– Acompanhar Progresso dos alunos

Fonte: Autoria Própria

• No processo de apresentação da tarefa, o aluno pode-


rá responder a tarefa proposta pelo professor.

Figura 6 – Apresentação da Tarefa

Fonte: Autoria própria

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
260

• A avaliação da tarefa é o processo em que o professor


pode inserir informações para o grupo sobre a tarefa
realizada, ou seja, um feedback para o grupo sobre
melhorias ou elogios e correções sobre a resolução da
tarefa.

Figura 7 – Avaliação da Tarefa

Fonte: Autoria própria.

• No processo de Enviar feedback, o professor poderá


adicionar informações para o aluno de forma indivi-
dual, indicando onde o aluno pode melhorar, ou se o
mesmo se saiu bem na tarefa realizada.

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
261

Figura 8 – Enviar Feedback

Fonte: Autoria própria.

• No processo de Fórum, pode-se abrir discussões ou


enviar dicas para o grupo, ou seja, é um dos processos
em que ocorre a interação assíncrona entre professor
e aluno.

Figura 9 – Fórum

Fonte: Autoria própria.

ELICITAÇÃO DOS REQUISITOS DE UMA FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE APOIO À SALA DE AULA INVERTIDA
262

• Na página do Chat, os professores e alunos podem in-


teragir de forma síncrona e rápida, pois neste proces-
so é possível visualizar todas as mensagens enviadas
imediatamente.

Figura 10 – Chat

Fonte: Autoria própria.

Conclusão

A pesquisa realizada apresentou aspectos sobre a abor-


dagem da sala de aula invertida ou flipped classroom, relacio-
nando a utilização da tecnologia como apoio à sua aplicação,
tendo como objetivo principal propor uma ferramenta compu-
tacional que poderá ser utilizada nesse tipo de aprendizagem.
Para elaboração do protótipo foram utilizados os métodos ba-
seados na metodologia de desing, são eles design thinking, de-
sign centrado no usuário e design Interativo.
Os protótipos de tela servirão de apoio para os progra-
madores envolvidos nos projetos de construção da ferramenta
educacional implementarem a ferramenta em um ambientes
virtual de aprendizagem. A próxima etapa prevista na meto-
dologia utilizada é avaliar a ferramenta com usuários reais,

FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
263

utilizando-a como apoio à aplicação da metodologia de sala de


aula invertida.

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FRANCISCO MILTON MENDES NETO • LUCIANNA MARYLIN BATISTA DE ALMEIDA •


JOSÉ FERDINANDY SILVA CHAGAS
265

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA


TUTELA DO AMBIENTE: REFLEXÃO ACERCA DOS
TRANSGÊNICOS NO BRASIL

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


Pedagoga, Professora do Departamento de Educação/UERN, Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (UERN/PRODEMA). Discente do DINTER em Geografia/ UFPE-UERN.
E-mail: brigidafelix@gmail.com
266

Introdução

A demanda por alternativas sustentáveis impulsionada


pela consciência generalizada da gravidade dos desequilíbrios
ambientais, especialmente os de natureza antrópica, acelera-
dos pelo incremento demográfico e pelo usufruto desregrado
dos recursos naturais disponíveis, que ativou o agir da educa-
ção, da ciência e da tecnologia, é relativamente recente, espe-
cialmente em se tratando do Brasil.
De fato, apesar de toda a avalanche de alertas quanto à
degradação ambiental e quanto ao comprometimento da capa-
cidade de sustentação dos ecossistemas, desde a primeira de-
núncia publicada em 1962 por Rachel Carson, em silent spring
(primavera silenciosa – numa alusão a escassez de canto dos
pássaros, atingidos pelo uso indiscriminado do inseticida
DDT), o mundo ainda não concretizou a prática de um modelo
sustentável, e a educação formal, por sua vez, continua acumu-
lada de dívidas históricas, não estando, ainda, completamente
apta a oferecer serviços para a demanda de necessidade de
consciência ambiental por parte da maioria dos sujeitos.
As ciências da educação, em que se inclui a Pedagogia,
obedecem, de modo geral, a um esquema de abordagem cícli-
co, discutindo e analisando os mesmos problemas que lhe são
pertinentes, negligenciando a devida atenção ao caráter multi-
disciplinar do conhecimento. No caso da Pedagogia brasileira,
particularmente, temas como ensino, aprendizagem, currículo
e outros convencionalmente abordados, são velhos conhecidos

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


267

em sua trajetória, monopolizando as intervenções científicas e


tornando distante e obtusa a discussão da tutela do ambiente.
Um olhar mais positivo nessa direção dá conta de tentativas
didáticas, iniciadas, de modo geral, a partir dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs, que introduziram mais sis-
tematicamente a questão ambiental como tema transversal.
No entanto, ainda há muito que ser feito nesse campo,
especialmente se considerarmos que os diversos campos da
educação, não apenas o formal, mas também o não-formal e
o informal, não têm sido devidamente envolvidos nessa ação
coletiva de cuidados com o ambiente.
Quanto ao conhecimento relativo às ciências naturais,
como a Física, a Química, a Biologia, e mais recentemente, as
ciências da natureza, encontra-se com suas produções inva-
riavelmente atreladas à tecnologia, de tal maneira a podermos
afirmar que não se pode fazer essas ciências sem tecnologia,
nem se pode fazer tecnologia sem essas ciências. Nos países
desenvolvidos, essa situação se consolida a cada dia, e o uso
corrente da terminologia “tecnociência” para caracterizar essa
interação, indica uma simbiose inquestionável. Nesses países,
a ciência e a tecnologia andam de mãos dadas, não tendo uma
que dever nada a outra em termos de embate de forças.
Já nos países da América Latina, em que se inclui o
Brasil, a situação de entrelaçamento entre C&T segue a pas-
sos lentos e desanimadores, pois o modelo econômico vigente
nesses países desencadeou, de forma violenta, a entrega de
setores estratégicos e dinamizadores de suas economias para
grupos estrangeiros, prestigiando e beneficiando monopólios
internacionais e, nesse contexto, perpetuando e agravando o
modelo de dependência, historicamente característico dessas
economias.
Essa condição, além de tudo, afeta diretamente a per-
formance da ciência e da tecnologia nesses países, constituin-

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
268

do um agravante para a retomada do crescimento, configuran-


do, também, a condição de incapacidade para dar respostas
aos problemas sociais, tão sérios para esta parcela do planeta.
Esta dificuldade está estreitamente relacionada com a
perspectiva de desenvolvimento, apesar de este ser um concei-
to também relativo, na medida em que o que constitui desen-
volvimento para um povo não constitui desenvolvimento para
outros. Um exemplo disso é a famosa carta do chefe indígena
aos governantes norte americanos dos Estados de Vírginia e
Maryland. Ao lhe ser oferecida oportunidades para que os jo-
vens índios de sua aldeia pudessem voltar a ingressar em suas
faculdades, o sábio chefe, em um belo argumento, rejeitando a
oferta deles, finaliza sua resposta dizendo “Mande-nos alguns
de seus jovens para cá e faremos deles, homens” (BRANDÃO,
1995). O chefe indígena lembrou-lhes que todos os seus jovens
guerreiros que haviam frequentado as universidades norte
americanas retornavam às suas aldeias incapazes de caçar, de
enfrentar o frio e a fome, de enfrentarem a vida na tribo. Uma
perspectiva esquecida na atual modernidade, que, na melhor
das hipóteses, condiciona famílias a oferecerem bons estudos
catedráticos aos seus descendentes e, paradoxalmente, negli-
genciarem sua responsabilidade de lhes ensinar a enfrentar
a vida cotidiana.
No entanto, há um consenso acerca de desenvolvimen-
to, o qual lhe insere como resultado de um conjunto de indi-
cadores. Para o Programa das Nações Unidas para o Desen-
volvimento – PNUD, programa da Organização das Nações
Unidas- ONU, o desenvolvimento de um povo está intima-
mente ligado ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é


uma medida resumida do progresso a longo pra-
zo em três dimensões básicas do desenvolvimen-
to humano: renda, educação e saúde. O objetivo

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


269

da criação do IDH foi o de oferecer um contra-


ponto a outro indicador muito utilizado, o Produ-
to Interno Bruto (PIB) per capita, que considera
apenas a dimensão econômica do desenvolvimen-
to. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração
do economista indiano Amartya Sen, ganhador
do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH
pretende ser uma medida geral e sintética que,
apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvol-
vimento humano, não abrange nem esgota todos
os aspectos de desenvolvimento (site do PNUD1)

No geral, o PNUD apresenta um conjunto de indicado-


res de desenvolvimento humano, que se traduzem nas seguin-
tes referências: Características do Município, Saúde, Edu-
cação, Renda, Moradia e População, todos com uma série de
requisitos apontados para, enfim, sintetizar o IDH de uma na-
ção, medido por município. Os países do Norte já atingiram os
padrões de desenvolvimento com base no modelo neoliberal,
ou seja, baseado na perspectiva de crescimento competitivo
da economia com igual perspectiva de desenvolvimento social.
Foram indiferentes, no entanto, ao reconhecimento de que o
estilo de vida próspero e consumista deles provocaria proble-
mas na sustentabilidade do planeta como um todo.
A situação de instabilidade ambiental global tem ala-
vancado uma série de ações governamentais e não gover-
namentais voltadas para a questão. A ciência e a tecnologia
também tem se mobilizado, mas suas produções na área da
biotecnologia têm sido questionadas quanto à compatibilidade
com o desenvolvimento sustentável.
A biotecnologia é o suprassumo da ciência na atuali-
dade, apesar de já estar presente na história da humanidade
desde os antigos egípcios, cerca de 2.000 a.C, com as técnicas
1 Disponível
no site: <http://www.pnud.org.br/index.php?lay=home&ind=ho-
me>. Acesso em: 16 jun. 2016.

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
270

de fermentação. Bem adiante, no século XIX, o monge Gre-


gor Mendel descreveu os caracteres da hereditariedade, suas
conclusões em experiências com ervilhas. Atualmente, cerca
de 40 milhões de hectares são plantados com variedades agrí-
colas geneticamente modificadas no mundo, dentre elas soja,
milho, canola, batata e algodão. Vários países do mundo pro-
duzem Organismos Geneticamente Modificados – OGMs e a
empresa MONSANTO é a que mais produz e vende sementes
modificadas. Segundo a Food and Agriculture Organization
of the United Nations – FAO (2011), 3% da área agrícola é
de transgênicos e 97% da área agrícola no mundo continua
livre de transgênicos. Por que então a polêmica se esses nú-
meros parecem não representar um problema? Porque essa
revolução da biotecnologia acumula cada vez mais provas do
seu impacto negativo no ambiente, na saúde, na agricultura,
na economia e no desenvolvimento sustentável.

Ciência e biotecnologia: breve retrospectiva

No contexto dos Estados Unidos e da Europa, as pesqui-


sas sobre percepção pública dos transgênicos têm se inscrito
dentro de dois setores de pesquisa amplamente desenvolvi-
dos: o dos estudos das representações sociais sobre ciência e
as pesquisas sobre consumo. Estados Unidos e Brasil lideram
o ranking mundial na produção de transgênicos, ocupando
respectivamente, o 1º e o 2º lugares.
No Brasil, com exceção do caso particular do Rio Gran-
de do Sul, onde a inserção da economia desse Estado no cená-
rio internacional configura uma realidade de C&T mais sólida
e coerente, conforme Villaverde (1999), a situação não se dis-
tancia do restante dos países pobres, pois “Ao avaliarmos o
atual sistema de C&T do país, nos deparamos com um distan-
ciamento entre nossa ciência e nossa tecnologia” (Ibid, p. 52).

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


271

E acrescenta:
Entretanto, apesar da inexistência de uma po-
lítica nacional de C&T claramente definida e
da crescente escassez dos recursos federais, a
produção científica no país cresce, é muito qua-
lificada e tem grande reconhecimento interna-
cional (p.52).

De fato, a Ciência brasileira tem superado as limitações


impostas pelas intempéries econômicas de um país que luta
para sair da condição de subdesenvolvido, fator limitante de
sua performance. A cada dia, mais e mais descobertas e inven-
ções científicas são notificadas, especialmente nas universida-
des federais e estaduais, além dos institutos de pesquisa com
pesquisadores de primeira linha, cujas pesquisas e êxitos nos
experimentos nas áreas da saúde, da alimentação e de outros
setores, renovam esperanças na qualidade de suas produções
científicas. Destaca-se, ainda, a vanguarda da Empresa Bra-
sileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA na pesquisa
agropecuária, constituindo um centro notável de produção
científica no país.
O mesmo não se pode aplicar à tecnologia, que é inci-
piente e não decola, ao menos na mesma proporção do nível
científico. Não existe, no Brasil, uma cultura tecnológica pro-
priamente dita, voltada ao desenvolvimento endógeno, ou seja,
o pouco que se consegue produzir em termos tecnológicos é
destinado a atender o mínimo da demanda de competitivi-
dade no modelo de exportação prescrito pelos países ricos. A
produção de tecnologia, infelizmente, não se reverte em prol
do desenvolvimento interno do país, preconizando, como se
sabe, uma conjuntura frágil para empreender esforços nesse
sentido.
Com referência, ainda, ao desenvolvimento endógeno,
reforçando o já colocado, há uma questão que é particular-

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
272

mente intrigante, se analisarmos esse contexto sob a ótica e


a dimensão da política e economia neoliberal. Referindo-se a
isso, Rosenfield destaca:

Ora, também aqui o nosso liberalismo é estra-


nho, pois os países que dizem seguir essa po-
lítica estão particularmente atentos aos seus
interesses nacionais, defendendo com unhas e
dentes as suas empresas e colocando, inclusive,
a diplomacia ao serviço destas (1999, p. 57).

A história traça uma trajetória de crescimento econô-


mico dos países ricos a partir da segunda guerra mundial,
expandindo e consolidando o padrão de industrialização e de
consumo internos, apontados hoje como responsáveis pela cri-
se ambiental do planeta. O sentimento norteador dessa cons-
trução era o de “crescer e progredir”, o que precipitou grandes
investimentos em tecnologia e uma pressão intensa sobre os
recursos naturais, que pareciam inesgotáveis, conforme assi-
nala Medina (1994).
Esta situação provocou um confronto inevitável entre
os interesses do capital e os limites da natureza, apresentan-
do como resultado, a apropriação (in)conveniente do discurso
ambiental e ecológico pelo neoliberalismo, pois,

O capital, em sua fase ecológica, está passando


das formas tradicionais de apropriação primiti-
va e selvagem dos recursos das comunidades do
Terceiro Mundo, dos mecanismos econômicos
do intercâmbio desigual entre matérias-primas
dos países subdesenvolvidos e dos produtos tec-
nológicos do Primeiro Mundo, a uma nova es-
tratégia que legitima a apropriação econômica
dos recursos naturais através dos direitos priva-
dos de propriedade intelectual. Esta estratégia
econômica é complementada com uma operação

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


273

simbólica que define a biodiversidade como pa-


trimônio comum da humanidade e recodifica as
comunidades do terceiro mundo como parte do
capital humano do planeta (LEFF, 2001, p. 26).

O espírito do neoliberalismo globalizante e “homogenei-


zante” tem ignorado a lógica da natureza, impondo a supre-
macia do capital em relação ao valor dos custos ambientais,
movendo-se na materialização do seu próprio ecologismo.

Por sua vez, a tecnologia se encarregaria de re-


verter os efeitos da degradação ambiental nos
processos de produção, distribuição e consumo
de mercadorias. A tecnologia, que contribuiu
para o esgotamento dos recursos, resolveria o
problema da escassez global, fazendo descansar
a produção num manejo indiferenciado de ma-
téria e energia; os demônios da morte entrópica
seriam exorcizados pela eficiência tecnológica
(LEFF, 2001, p. 27).

Beneficiados e amparados por esse discurso, os países


do Norte, especialmente os Estados Unidos, investem maciça-
mente na Biotecnologia, na Engenharia Genética, desencade-
ando um agravamento sem precedentes no abismo que separa
os países desenvolvidos dos países muito pobres e em desen-
volvimento. Dos transgênicos ao Projeto Genoma Humano, ou
vice versa, o mundo tem assistido a um avanço surpreendente
na revolução científica e tecnológica, acompanhando essa tra-
ma, que mais parece um desenrolar real do épico Frankenstein.
Na convocação social dirigida à ciência e à tecnologia,
impetrada por grupos ambientalistas de plantão e por Organi-
zações Não Governamentais – ONGs, as questões envolvendo a
biotecnologia têm sido colocadas, embora não socializadas con-
venientemente. Muitos cientistas consideram que a Lei 8.974,
de 1995, conhecida como 1ª Lei de Biossegurança brasileira,

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
274

que normatizava o uso da engenharia genética e a liberação,


no meio ambiente, de OGMs, seria uma das mais completas
do mundo, conforme Amorim (2003, p.43). Esta lei foi revogada
pela Lei 11.105 de 24 de março de 2005. As razões para essa
revogação também não foram devidamente esclarecidas.
No sentido particular da proteção ambiental no Brasil,
a ciência e a tecnologia não tem tido iniciativas substanciais
nessa área, apresentando parcos produtos biodegradáveis
para consumo cotidiano, ou equipamentos alternativos na
construção civil, dentre outros, com poucas possibilidades de
repercussão em nível nacional e internacional. A concepção
de inovação tecnológica é, ainda, uma perspectiva embrioná-
ria, uma vez que está subordinada a fatores macro econômicos
e culturais, cujas influências sobre a questão tecnológica cons-
tituem um sério entrave na consecução de um desenvolvimen-
to industrial e agrícola autônomo e sustentável.
Um fenômeno, caracterizadamente incoerente, é relati-
vo ao desenvolvimento despótico da Biotecnologia, justamen-
te no momento em que se amplia a consciência em relação à
escassez e à necessidade de proteção dos recursos naturais,
considerando-se que não existe nenhum controle sobre o que
realmente se produz nos laboratórios das grandes potências.
Segundo Nivar Gobbi2
O homem é um bicho fora dos eixos, que escapou
até agora através de vários truques, porém paga-
mos um preço caro por isso. Assim, temos que
discutir a Bioética, que é a ética de como você
lida com a vida, e o Biodireito, o direito já ajusta-
do às questões biológicas, que vêm com a biotec-
nologia e outras coisas que surgirão (Entrevista,
site da Agência Estado, 09/03/2004).

2 Biólogo,
bacharel em Direito, Mestre e Doutor em Genética e livre docen-
te em Ecologia. Na ocasião, Diretor do Centro de Estudos Ambientais da
UNESP. Defendeu, à época, a visão holística.

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


275

De certo, “outras coisas que surgirão” é motivo suficien-


te para a estreiteza desse debate em nível nacional, às voltas
que estamos com a questão dos direitos sobre a Amazônia,
por exemplo, problemática ampliada por uma série de acu-
sações internacionais, orquestradas pelos Estados Unidos da
América, sobre a gestão ou tutela do ambiente local pelo povo
brasileiro. Há uma crescente consciência, ao menos, e aqui se
destaca o papel da mídia na divulgação dessas questões, mes-
mo de forma superficial. Resta saber se tudo isso tem alterado
a visão cotidiana de valores insustentáveis, característica da
sociedade brasileira que não tem assumido seu papel como
tutora do seu ambiente natural.
Ora, se tem sido cada vez mais preocupante, a título de
ilustração, que muitas famílias têm entregue seus filhos à tu-
tela da escola, e quando pior, abandonando-os à própria sorte,
negligenciando seu papel na educação destes, como poderia
essa atitude ser diferente na relação com o ambiente? Am-
bas as dimensões são de responsabilidade dos atores sociais,
contexto em que se inclui a família. É natural, neste viés, que
uma mãe, pelo espírito materno, inerente à sua humanidade,
não entregue o seu filho a outrem deliberadamente, conser-
vando-lhe sob seus cuidados enquanto este precise. É natural,
também, que cuidemos do nosso patrimônio natural, princi-
palmente se levamos em conta que não fomos artífices de sua
construção original.
A tutela do ambiente depende de duas grandes vanguar-
das: a consciência de valorização sustentável dos recursos à
nossa disposição e a atitude correta de preservação e de con-
servação, pois valorizar é incompatível com desperdiçar e de
se confiar o patrimônio de um povo à tutela alheia. Desenvol-
ver a capacidade de cuidar do que é nosso, em todos os níveis,
pode se constituir um excelente exercício para a consolidação
de um fazer sustentável permanente, não circunstancial, não

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
276

ocasional. Cuidar satisfatoriamente do que é nosso sem vio-


lar o que é do outro, é um princípio basilar na dinâmica de
qualquer relacionamento sustentável. Ao invés de violação, a
cooperação se apresenta como uma alternativa nesses tempos
em que toda a humanidade deve estar atenta ao seu futuro.
O mérito da Bioética, nesse contexto, é o de tornar pos-
sível a garantia de que a sociedade, como parte dos sistemas
vivos, seja incluída nas decisões que lhe digam respeito, con-
siderando os diretamente interessados, pois a decisão de acei-
tar as infiltrações de produções biotecnológicas no cotidiano
comum da população não deve ser uma decisão dos cientistas
e das indústrias, mas das pessoas em geral, sociedade consu-
midora dessas produções. Em termos palpáveis, a sociedade e
o indivíduo bioeticamente orientados, podem decidir melhor
acerca de questões como a cor dos olhos de seus filhos ou o
sexo deles, o que, já se pode comprovar, tem representado um
problema para populações como a China, por exemplo, onde o
número de homens é muito maior que o número de mulheres,
causando um desequilíbrio nas relações de sustentabilidade.
Segundo Gobbi, “Não temos a idéia do que vai acontecer. Não
há relato de nenhuma espécie que tenha uma relação de 20
para um entre os sexos, principalmente entre mamíferos”3. A
educação, com o apoio da Bioética, pode promover níveis de-
sejáveis de orientação social acerca dos limites da ciência e da
tecnologia, prevenindo a sociedade acerca de extravagâncias
biotecnológicas imprevisíveis.
Nesse sentido, a questão que vem provocando polêmica
no cenário nacional, dividindo cientistas e tecnólogos da área,
é a problemática das sementes modificadas geneticamente ou
Organismos Geneticamente Modificados – OGMs, ou transgê-
nicos, com destaque para a questão da soja (Glycine Max) e do
milho (Zea mays), mais em evidência.
3 Entrevista, site da Agência Estado, 09/03/2004.

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


277

A tecnologia transgênica se concretiza na inserção do


gene de um organismo em outro organismo, modificando a
estrutura genética do organismo original. O modus operandi
da técnica é a intervenção, de forma artificial, em laborató-
rio, no Ácido Desoxiribonucléico – DNA, unidade básica da
condição hereditária de todo ser vivo, localizado no núcleo da
célula. Falando especificamente das plantas transgênicas “são
plantas criadas em laboratório, com técnicas de Engenharia
Genética que permitem “cortar e colar” genes de um organis-
mo (semente) para outro, mudando a forma do organismo e
manipulando sua estrutura natural, a fim de obter caracte-
rísticas específicas” (site do Greenpeace). Antes, contudo, de
considerar alguns elementos nessa discussão, convém desta-
car aspectos da trajetória dos transgênicos, desde o instante
inicial de sua aparição no cenário social.

Transgênicos: a ousadia (re)criacionista da


biotecnologia

Boa parte do planeta ainda nem estava ouvindo ou se-


quer tomara conhecimento da reunião do Clube de Roma, em
1968, que discutiu o confronto entre crescimento econômico
dos países desenvolvidos e os impactos irreversíveis no am-
biente, ou ouvira falar dos reclames dos ambientalistas, quan-
do, nos Estados Unidos, em 1973, os americanos conseguiram
transferir uma característica de um sapo africano para uma
bactéria. Este foi, até prova em contrário, o primeiro caso de
transgênico (MUNDO JOVEM, 2000).
Uma semente transgênica, portanto, no contexto das
discussões contrárias à técnica, representa a invasão artifi-
cial da ciência nos limites impostos pela natureza, configuran-
do a recriação do já estabelecido pela ordem natural, crian-
do, assim, um contexto completamente imprevisível. Mesmo

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
278

quando recordamos que, há aproximadamente 49 anos atrás,


o primeiro transplante de coração realizado no hospital Gro-
te-Schuur, na Cidade do Cabo, África do Sul, causou uma
repercussão assustadora no mundo da ciência médica, nada
se compara ao que estamos assistindo hoje na biotecnologia.
Acerca do bebê de proveta, hoje um procedimento corriqueiro,
Gobbi coloca:

Hoje é uma coisa corriqueira, embora não se


saiba ainda qual o efeito a longo prazo. Todas
essas coisas poderão nos afetar no futuro e pre-
cisamos saber se nossa evolução no campo do
comportamento é suficiente para acompanhar
a biotecnologia. Outra pergunta a ser feita é: a
biotecnologia vai ser boa para quem? Sou gene-
ticista e trabalho com ambiente e sei que essas
manipulações gênicas, curas e operações vão ser
caríssimas. Quem vai pagar, os planos de saúde?
Não, isso terá alcance para uma população pe-
queníssima, de alta renda (site Agencia Estado,
2004).

Sem dúvida, pela opinião de muitos cientistas e organi-


zações ambientais, os transgênicos na agricultura podem ser
o prenúncio de uma bomba relógio, que poderá até dizimar
milhões de pessoas no futuro. Pode ser também que promova
uma elevação na qualidade alimentícia da população de baixa
renda, a quem, provavelmente, se destina esse investimento
biotecnológico. As opiniões contrárias também sinalizam para
a grande probabilidade de escravidão dos pequenos agriculto-
res que cultivam culturas de subsistência, não só no aspecto
da sujeição à invasão econômica dos transgênicos, impetran-
do uma concorrência desleal, de custos muito menores, uma
vez que o transgênico reduz sensivelmente a necessidade de
agrotóxicos, pela resistência da semente modificada às pragas

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


279

(o gene da bactéria inserida na semente “protege” a semente


das pragas), como também pela probabilidade de desmantela-
mento de toda uma cultura, ainda orgânica, ainda presente na
prática agrícola mundial.
A ciência agrícola também tem apresentado alternati-
vas, chamadas agroecológicas, para a proteção das plantações
em relação às pragas. No entanto, porque ainda inacessíveis
para a maioria dos agricultores, não só economicamente, mas
por uma questão de lacunas educacionais aviltantes que sepa-
ram o saber científico do homem comum, essas alternativas
cedem espaço para invasões tecnológicas, como os transgêni-
cos, que contam com apoio irrestrito de grandes conglomera-
dos internacionais.
A inevitável necessidade de se posicionar quanto à
questão, deve estar amparada pelos argumentos que nos são
apresentados pelos especialistas, tanto os que são favoráveis
quanto os que são contrários. A propósito, uma pesquisa fei-
ta no Reino Unido mostrou rejeição dos britânicos: 93% dos
entrevistados afirmam que o desenvolvimento dos OGMs é
guiado pelo lucro, não pelo interesse público, e a maioria pede
mais tempo e precaução antes de seu consumo (AMORIM,
2003, p. 42).
De forma bem preliminar, nosso estudo também loca-
lizou opiniões favoráveis aos transgênicos. Em nível inter-
nacional, analisamos um estudo em espanhol publicado na
internet, identificado como iniciativa de pesquisadores da
Universidade de Zaragoza, na Espanha. Segundo este estudo,
não há motivos imediatos para preocupações quanto aos im-
pactos dos transgênicos sobre as pessoas e o ambiente, con-
texto em que são esclarecidos os mecanismos operacionais de
criação transgênica. Os pesquisadores responsáveis pela pu-
blicação não assinam seus nomes no site, mas indicam acesso
a eles via e-mail (ver bibliografia), o que nos possibilita uma

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
280

interação para maiores esclarecimentos. Percebe-se, no estu-


do, a preocupação com as explicações técnicas concernentes
aos alimentos modificados geneticamente e, por isso, algumas
afirmações são dignas de nota, especialmente quanto aos da-
dos sobre a evolução dos transgênicos. É pertinente destacar,
outrossim, que a revolução transgênica se apresenta, dentre
outras justificativas, como alternativa à guerra ambientalista
contra os agrotóxicos.
Nesse sentido, a análise destaca que:

El maiz transgénico se ha obtenido para que sea


resistente a un insecto, el taladro del maiz, y a
un herbicida, el glufosinato. Por lo que respecta
al herbicida, vale lo dicho para la soja. En cuan-
to a la resistencia contra el insecto, se obtiene
insertando en el maiz el gen de una proteina in-
secticida de una bacteria.

Quanto à situação da soja Glycine Max, o estudo explica:

La inclusión de genes vegetales, animales o bac-


terianos da lugar a la síntesis de proteínas espe-
cíficas. La soja resistente al herbicida glifosato,
conocida con el nombre de “Roundup Ready”
(Soja RR) y producida por la empresa Monsanto
contiene un gen bacteriano que codifica el en-
zima 5-enolpiruvil-shikimato-3-fosfato sintetasa.
Este enzima participa en la síntesis de los ami-
noácidos aromáticos, y el propio del vegetal es
inhibido por el glifosato; de ahí su acción herbi-
cida. El bacteriano no es inhibido. El maiz resis-
tente al ataque de insectos contienen un gen que
codifica una proteína da Bacillus thuringiensis,
que tiene acción insecticida al ser capaz de unir-
se a receptores específicos en el tubo digestivo
de determinados insectos, interfiriendo con su
proceso de alimentación y causando su muerte.

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


281

Acerca de onde são obtidos esses organismos que são


introduzidos em outros para modificar-lhes a estrutura gené-
tica, o estudo coloca que:

En el caso de querer conseguir una vida comer-


cial mas larga, por ejemplo, en el tomate “Fla-
vr Savr” (primeiro alimento com gen extraño,
para el consumo humano, – la Food and Drug
Administration de Estados Unidos autorizó la
comercialización en 18 de mayo de 1994) , no se
introduce un gen de otro ser vivo, sino un gen
“antisentido”, artificial, que evita que se sinte-
tice una proteina responsable de la senescencia
(digamos, del “apochamiento”) del tomate. En los
demás casos, se introducen genes que codifican
la síntesis de proteinas especiales. El gen que
hace a la soja resistente al glifosato (un enzima
que no es afectado por este herbicida) procede
de una bacteria comœn del suelo. El que codifica
la resistencia a insectos se obtiene de una bacte-
ria patógena para los insectos, pero totalmente
inocua para los animales superiores.

Para esses pesquisadores, a revolução biotecnológica


presente nos transgênicos oferece mais benefícios que male-
fícios, não havendo, a priori, motivos para pânico por parte da
sociedade. As empresas afirmam garantir a segurança do que
desenvolvem, porém isso não é aceito consensualmente.
Em relação aos argumentos de brasileiros em defesa da
soja transgênica, em expansão nas pesquisas em biotecnolo-
gia no Brasil4, destacamos uma entrevista (ROLLEMBERG,
CAZARRÈ & MANCUSO, dez/2003 a mar/2004) com o então
Diretor do Centro Nacional de Investigações em Recursos Ge-
néticos e Biotecnologia – CENARGEN/ EMBRAPA, o agrôno-
4 Com
destaque para as pesquisas da EMBRAPA com a soja transgênica no
Meio-norte.

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
282

mo Luiz Antônio Barreto de Castro, considerado defensor dos


transgênicos, o que nos pareceu refletir um consenso entre
os defensores dessa tecnologia. Na ocasião dessa entrevista,
o Governo brasileiro já havia editado a Medida Provisória
131/2003, liberando o cultivo e a comercialização da safra da
soja RR, com restrições, prevendo punições para quem plan-
tasse mais transgênicos.
No geral, os principais argumentos do diretor do Cenar-
gen, à ocasião, podem ser traduzidos nas seguintes bases:

1. Com exceção da juíza Selene Almeida, toda a jus-


tiça é contra, e é contra baseada nos argumentos
do greenpeace. Não há argumento ambiental ou de
saúde humana que possa justificar a campanha que
se chama “Por um Brasil Livre de Transgênicos”.
2. Ser contra a soja transgênica garante o status de
intelectual, considerando-se, além disso, que quem é
a favor de transgênico, como ele, ou está no “bolso”
das multinacionais ou foi corrompido.
3. O grande fator de competividade da soja brasileira,
em relação aos Estados Unidos, é a fixação de nitro-
gênio. Ele defende que, se a soja brasileira aderir à
revolução gênica, torna-se superior no mercado dos
transgênicos devido a essa singularidade da fixação
de nitrogênio, privilégio de nossa soja. A fixação de
nitrogênio é uma coisa tropical. As bactérias dos so-
los tropicais gostam de fixa-lo – e é isso o que que-
bra a soja dos Estados Unidos.
4. Há, ainda, a questão da biotecnologia de commo-
dities, segundo Barreto, que é a causadora de toda
essa seleuma, ou seja, produtos como a soja, o milho,
a canola e o arroz, alvos da intervenção gênica ar-
tificial, estão entre as culturas de grande extensão,

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


283

“carros-chefe” na indústria alimentícia mundial


para exportação.

Além disso, é importante registrar que tem ocorrido


uma perspectiva positiva dos transgênicos na produção de
medicamentos, como é o caso da “insulina para o tratamento
do diabetes, doença que atinge 6% da população mundial” (IZI-
QUE, 2003, p.16). A autora esclarece que:

A produção de insulina a partir do pâncreas do


boi e do porco não pode suprir a demanda, e o
produto clonado pela transferência do gene hu-
mano para uma bactéria permite produzir a in-
sulina humana em grande quantidade a preços
mais baixos e até mesmo obter insulinas modi-
ficadas que são mais eficientes” diz Isaías Raw,
Presidente da Fundação Instituto Butantan. “E
os diabéticos não reclamam da insulina transgê-
nica que salva suas vidas (IZIQUE, p. 16-7).

O mesmo texto (op.cit, p. 18), destaca como transgênicos,


a vacina contra a hepatite do tipo B, e o hormônio do cresci-
mento (hGH) contra o nanismo, doença que afeta 10 mil crian-
ças brasileiras.
Apesar desses dados, devemos considerar a questão dos
contextos, pois, se por um lado existe a produção de medica-
mentos transgênicos para pessoas doentes que não tem opção
ou alternativa, por outro lado, é preciso analisar com muita
cautela a provável generalização dos produtos transgênicos
para absorção por um mercado consumidor que inclui pes-
soas com o poder da liberdade de escolher. E até prova em
contrário, ignorar este aspecto é ferir direitos fundamentais
da sociedade consumidora em geral.
Além disso, a questão da soja transgênica, que tem
suscitado confrontos acirrados, inclusive envolvendo gover-

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
284

nos como o do Paraná, na defesa intransigente da soja não


transgênica em seu território, tem desnudado a incapacida-
de nacional de conscientemente decidir internamente acer-
ca de questões que dizem respeito ao nosso ambiente natural
e, consequentemente, à população em geral. Essa fragilidade
endógena nos expõe perigosamente, representando um risco
para nossa sustentabilidade regional e local. Registra-se que
apesar de toda a resistência anterior do governo paranaense,
a produção de soja e milho transgênicos dominam quase 100%
das lavouras no Paraná atualmente.
Mais recentemente, em 17 de novembro de 2015, o site
www.contraosagrotoxicos.org publica “Pesquisadores pedem
diálogo científico sobre transgênicos no Brasil” em referência
ao Grupo de Pesquisa em Filosofia, História e Sociologia da
Ciência e da Tecnologia do Instituto de Estudos Avançados da
USP que questiona a posição adotada por entidades como a
SBPC e ABC que apoiam a CTNBio no tratamento aos trans-
gênicos no Brasil.
A publicação apresenta o conteúdo de carta aberta à So-
ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência e à Academia
Brasileira de Ciências, escrita por pesquisadores da USP, que
pedem às sociedades científicas que organizem um amplo diá-
logo sobre a questão dos transgênicos. Segundo a carta,

o procedimento usado pela CTNBio “atende aos


interesses do agronegócio e das políticas gover-
namentais voltadas para a exportação”. Além
disso, ao repetir à exaustão o argumento de que
os transgênicos são “necessários para alimentar
o mundo”, a CTNBio, SBPC e ABC ignoram que
esta tese seja “cada vez mais contestada por ór-
gãos internacionais voltados para a solução dos
problemas de fome e subnutrição em áreas em-
pobrecidas do mundo, bem como numerosos mo-
vimentos que defendem políticas e práticas de

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


285

soberania alimentar, especialmente a agroecolo-


gia, como essenciais para a realização da segu-
rança alimentar (e outros direitos humanos)”5.

Essa iniciativa representa a possibilidade de avanço


nessa discussão, especialmente se as escolas forem também
convocadas a adaptarem esse debate na sua programação
curricular. A inclusão da comunidade escolar nesse debate é
uma condição sine qua nom para a ampliação da participação
popular nas decisões políticas que envolvem a ciência e a tec-
nologia. Nesse sentido, a prática docente na educação básica
também precisa ser impactada com uma capacitação adapta-
da às novas demandas socioambientais. A universidade tem
um papel fundamental nesse processo.
A opinião pública sobre a ciência e tecnologia, em geral,
reflete essa defasagem de conhecimento. Guivant (2006, p. 100)
destaca que:

No Brasil, o limitado número de pesquisas sobre


percepção pública da ciência pode relacionar-se
com a falta de problematização sobre o papel
dos cidadãos no processo de dar forma às inova-
ções científicas e tecnológicas (GUIVANT, 2002).
Este quadro contrasta significativamente com a
relevância que as pesquisas sobre avaliação de
tecnologias, sobre as políticas científicas, sobre
a economia da transformação tecnológica, etc,
têm assumido nas últimas décadas na Europa e
nos Estados Unidos.

Ou defendendo os transgênicos, ou sendo contrários a


estes, decidir definitivamente sobre essa questão sem estudos
de impactos ambientais e humanos mais profundos, além de
inconsequente é insustentável, considerando que os sujeitos

5 Disponível em: <www.contraosagrotoxicos.org>. Acesso em: 20 jun. 2016.

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA TUTELA DO AMBIENTE:


REFLEXÃO ACERCA DOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
286

consumidores estarão sendo alijados de seus direitos sobre o


ambiente comum, alheios ao conhecimento, quer seja favorá-
vel ou não, dessa tão gigantesca iniciativa.
De qualquer maneira, a questão dos transgênicos vem
tramitando, dos bastidores da ciência à mesa do consumidor,
sem que a população brasileira, em geral, tome conhecimento
do que está acontecendo e dos impactos dessa tecnologia no
presente e no futuro da sociedade. Falar em tomar conheci-
mento é falar em educação.

Considerações finais

Quando, em 1973, os norte-americanos conseguiram o


primeiro exemplar transgênico da história, transferindo uma
característica de um sapo africano para uma bactéria, não foi
notificado nenhum movimento ou nenhuma manifestação de
maiores repercussões. Tudo ficou nos limites da Ciência, não
se sabe até que dimensão. Hoje, quarenta e três anos depois,
consolidada essa façanha da Ciência, as discussões chegam a
mídia e aos círculos intelectuais, de modo mais generalizado.
O mais curioso, em tudo isso, é que não se aprofunda a ques-
tão nem a torna mais clara para que os homens e mulheres
simples, a grande maioria, entenda do que se trata para poder
se posicionar também.
Podemos deduzir que as pessoas não estão se informan-
do devidamente dessas questões, tampouco devem saber algo
sobre a questão da necessidade de pensar global e de agir lo-
cal, o que nos coloca a todos em condição de extrema desvan-
tagem com respeito à necessidade, cada vez maior, de níveis
adequados de consciência ambiental.
No sentido de uma abordagem pedagógica reflexiva, esta
condição de desinformação ambiental, mais especificamente
relativa ao conhecimento de uma polêmica tão séria e atual,

BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


287

não deve ser “privilégio” das pessoas mais simples, mas de um


contingente significativo de pessoas em nossa realidade. Pes-
soas que frequentam escolas, que fazem cursos superiores e
até que são professores nos mais diversos níveis, também des-
conhecem essa informação, o que nos leva a denunciar mais
essa lacuna para a educação preencher.
A propósito, alguém ouviu falar sobre o que houve, ou
por onde andará a bactéria alterada pelo gene do sapo? Infe-
lizmente, é provável que a nossa educação formal não saiba
responder a essa questão.

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BRÍGIDA LIMA BATISTA FÉLIX


289

DECLARAÇÃO DE REVISÃO DO VERNÁCULO

Declara-se, para constituir prova junto à Coleção Práticas Educa-


tivas, vinculada à Editora da Universidade Estadual do Ceará (EdUECE),
que, por intermédio do profissional infra-assinado1, foi procedida a corre-
ção gramatical e estilística do livro intitulado Pesquisa em ensino e in-
terdisciplinaridades: aproximações com o contexto escolar, razão por
que se firma a presente declaração, a fim de que surta os efeitos legais, nos
termos do Novo Acordo Ortográfico Lusófono, vigente desde 1o de janeiro
de 2009.

Fortaleza-CE, 4 de outubro de 2017.

Ana Maria de Carvalho

DECLARAÇÃO DE NORMALIZAÇÃO

Declara-se, para constituir prova junto à Coleção Práticas Educa-


tivas, vinculada à Editora da Universidade Estadual do Ceará (EdUECE),
que, por intermédio do profissional infra-assinado, foi procedida a normali­
zação do livro intitulado Pesquisa em ensino e interdisciplinaridades:
aproximações com o contexto escolar, razão por que se firma a presente
declaração, a fim de que surta os efeitos legais, nos termos das normas vi-
gentes decretadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Fortaleza-CE, 4 de outubro de 2017.

Ana Maria de Carvalho

1 Número do registro:
290

COLEÇÃO PRÁTICAS EDUCATIVAS

01. FIALHO, Lia Machado Fiuza. Assistência à criança e ao adolescente in-


frator no Brasil: breve contextualização histórica. Fortaleza: EdUECE,
2014. 105 p. ISBN: 978-85-7826-199-3.
02. VASCONCELOS, José Gerardo. O contexto autoritário no pós-1964: no-
vos e velhos atores na luta pela anistia. Fortaleza: EdUECE, 2014. 63 p.
ISBN: 978-85-7826-211-2.
03. SANTANA, José Rogério; FIALHO, Lia Machado Fiuza; BRAN-
DENBURG, Cristine; SANTOS JÚNIOR, Francisco Fleury Uchôa
(Org.). Educação e saúde: um olhar interdisciplinar. Fortaleza: EdUE-
CE, 2014. 212 p. ISBN: 978-85-7826-225-9.
04. SANTANA, José Rogério; VASCONCELOS, José Gerardo; FIALHO,
Lia Machado Fiuza; VASCONCELOS JÚNIOR,  Raimundo Elmo de
Paula (Org.). Golpe de 1964: história, geopolítica e educação. Fortaleza:
EdUECE, 2014. 342 p. ISBN: 978-85-7826-224-2.
05. SILVA, Sammia Castro; VASCONCELOS, José Gerardo; FIALHO,
Lia Machado Fiuza (Org.). Capoeira no Ceará. Fortaleza: EdUECE,
2014. 156 p. ISBN: 978-85-7826-218-1.
06. ADAD, Shara Jane Holanda Costa; PETIT, Sandra Haydée; SANTOS,
Iraci dos; GAUTHIER, Jacques (Org.). Tudo que não inventamos é falso:
dispositivos artísticos para pesquisar, ensinar e aprender com a sociopo-
ética. Fortaleza: EdUECE, 2014. 488 p. ISBN: 978-85-7826-219-8.
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fontes e linguagens. Fortaleza: EdUECE, 2014. 381 p.
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E-mail: imprece@hotmail.com
Tel.: 3055.0102

Este livro, com o formato final de 14cm x 21cm, contém 295 páginas.
O miolo foi impresso em papel Off-Set 75g/m² LD 64cm x 88cm.
A capa foi impressa no papel Cartão Triplex 245g/m² LD 64cm x 88cm.
Tiragem de 300 exemplares.
Impresso no mês de novembro de 2017.
Fortaleza-Ceará.

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