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Estudos em Educação: formação, gestão e prática docente

Book · March 2018

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Lucas Melgaço da Silva Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca


Universidade Federal do Ceará Universidade Federal do Ceará
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Estudos em
Educação
formação, gestão e
prática docente
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Reitor
José Jackson Coelho Sampaio

Vice-Reitor
Hidelbrando dos Santos Soares

Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz

Conselho Editorial
Antônio Luciano Pontes Lucili Grangeiro Cortez
Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes Luiz Cruz Lima
Emanuel Angelo da Rocha Fragoso Manfredo Ramos
Francisco Horacio da Silva Frota Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Francisco Josênio Camelo Parente Marcony Silva Cunha
Gisafran Nazareno Mota Jucá Maria do Socorro Ferreira Osterne
José Ferreira Nunes Maria Salete Bessa Jorge
Liduina Farias Almeida da Costa Silvia Maria Nóbrega-Therrien

Conselho Consultivo
Antonio Torres Montenegro | UFPE Maria do Socorro Silva de Aragão | UFC
Eliane P. Zamith Brito | FGV Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça | UNIFOR
Homero Santiago | USP Pierre Salama | Universidade de Paris VIII
Ieda Maria Alves | USP Romeu Gomes | FIOCRUZ
Manuel Domingos Neto | UFF Túlio Batista Franco |UFF

COLEÇÃO PRÁTICAS EDUCATIVAS

Comitê Editorial
Lia Machado Fiuza Fialho | Editora-Chefe
José Albio Moreira Sales
José Gerardo Vasconcelos

Conselho Editorial
Antonio Germano Magalhães Junior | UECE Isabel Maria Sabino de Farias | UECE
António José Mendes Rodrigues | FMHU/Lisboa Jean Mac Cole Tavares Santos | UERN
Cellina Rodrigues Muniz | UFRN José Rogério Santana | UFC
Charliton José dos Santos Machado | UFPB Maria Lúcia da Silva Nunes | UFPB
Elizeu Clementino de Souza | UNEB Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior | UECE
Emanoel Luiz Roque Soares | UFRB Robson Carlos da Silva | UESPI
Ercília Maria Braga de Olinda | UFC Rui Martinho Rodrigues | UFC
Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento | UNIT Samara Mendes Araújo Silva | UESPI
Organizadores
Lucas Melgaço da Silva
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca
Roberta Lúcia Santos de Oliveira

Estudos em educação:
formação, gestão e prática docente
ALANNA OLIVEIRA PEREIRA CARVALHO LUCAS MELGAÇO DA SILVA
ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES
ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM MÁRCIA MACHADO MARINHO
CAMILLA ROCHA DA SILVA MARCOS ANTONIO MARTINS LIMA
CARLA VARGAS BOZZATO MARIA DE LOURDES OLIVEIRA
DANIELA GUERRA LUND MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA
DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA
DENIZE DE MELO SILVA MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA
DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
ELAINE MARINHO BASTOS MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA MARIA LUCIJANE GOMES DE OLIVEIRA
EMMANUEL SILVA MARINHO MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO
EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA NAYARA DOS SANTOS CHAGAS
GABRIELLE SILVA MARINHO PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA
GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO
GRACE TROCCOLI VITORINO RAIMUNDO HÉLIO LEITE
HERMANY ROSA VIEIRA ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA
IASMIN DA COSTA MARINHO RUI MARTINHO RODRIGUES
JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA
KARLANE HOLANDA ARAÚJO SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE
LIDUÍNA LOPES ALVES SYLVIE DELACOURS LINS
LILIANE ALVES BEZERRA TANIA VICENTE VIANA
LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE
LUANA BATISTA RODRIGUES XÊNIA DIÓGENES BENFATTI

1a EDIÇÃO
FORTALEZA | CE
2016
Estudos em educação: formação, gestão e prática docente
© 2016 Copyright by Lucas Melgaço da Silva, Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca
e Roberta Lúcia Santos de Oliveira (Organizadores)

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE


Av. Dr. Silas Munguba, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará
CEP: 60714-903 – Tel.: (85) 3101-9893 – FAX: (85) 3101-9893
Internet: www.uece.br/eduece – E-mail: eduece@uece.br

Coordenação Editorial
Erasmo Miessa Ruiz
Projeto Gráfico e Capa
Carlos Alberto Alexandre Dantas
carlosalberto.adantas@gmail.com

Revisão de Texto e Normalização Bibliográfica


Felipe Aragão de Freitas Carneiro
fafc17@hotmail.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva – CRB – 1051
E79 Estudos em educação: formação, gestão e prática docente / Lu-
cas Melgaço da Silva; Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca; Roberta
Lúcia Santos de Oliveira (orgs). – Fortaleza: Eduece; Imprece, 2016.
431p.: il.
Inclui gráficos e tabela
ISBN: 978-85-7826-433-8
1. Educação – Brasil. 2. Aprendizagem Cooperativa. 3. Leitura.
4. Formação de Professores - Ceará. 5. Ensino Aprendizagem. 6. Pla-
nejamento Educacional. 7. Ensino Profissional – Ceará. 8. Programa
de Alfabetização na Idade Certa. 9. Avaliação Educacional. 10. Ensi-
no à Distância. 11. Bullyng. 12. Silva, Lucas Melgaço da; 13. Ciasca,
Maria Isabel Filgueiras Lima; 14. Oliveira, Roberta Lúcia Santos de.
I. Título.
CDD. 370. 981
Sumário
APRESENTAÇÃO | 9
Luis Távora Furtado Ribeiro

PARTE I – Aprendizagens e Práticas Docentes

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA: CONCEITOS E PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS | 17
Hermany Rosa Vieira
Sylvie Delacours Lins
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS


DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO
ESCOLAR | 34
Priscilla Mazzucco Borba Barbosa
Tania Vicente Viana

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE


DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO
SUPERVISIONADO DA UNILAB  |  52
Elisangela André da Silva Costa
Sinara Mota Neves de Almeida

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA: COMO PENSAM AS


PROFESSORAS ALFABETIZADORAS  |  70
Alanna Oliveira Pereira Carvalho
Ana Paula de Medeiros Ribeiro
Sylvie Delacours Lins
GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:  UM OLHAR SOBRE AS
UNIVERSIDADES CORPORATIVAS  |  91
Denize de Melo Silva
Liduína Lopes Alves
Gabrielle Silva Marinho

PARTE II – Gestão, Estrutura e História da Educação

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS DE


PLANEJAMENTO ESCOLAR  |  107
Dóris Sandra Silva Leão
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA   |  124
Nayara dos Santos Chagas
Lorena Brenda Santos Nascimento
Maria Kellynia Farias Alves

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA


MUNICIPAL | 140
Gleíza Guerra de Assis Braga
Elaine Marinho Bastos
Maria Joselice Lopes de Oliveira

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS  |  166
Karlane Holanda Araújo
Kelvyn Holanda Nepomuceno
Raimundo Hélio Leite

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO


DO ENSINO MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO
CEARÁ | 185
Grace Troccoli Vitorino
Meireceli Calíope Leitinho
Xênia Diógenes Benfatti
ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA   |  201
Sandra Maria Coêlho de Oliveira
Raimundo Hélio Leite
Eugenio Eduardo Pimentel Moreira

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS


NOTAS | 219
Iasmin da Costa Marinho

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO DO


TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA  |  241
Roberta Lúcia Santos de Oliveira
Rui Martinho Rodrigues

PARTE III – Formação de Professores e Tecnologias


na Educação

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO FORMATIVO DO DOCENTE  |  261


Liliane Alves Bezerra
Lucas Melgaço da Silva
Maria José Albuquerque da Silva

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES   |  272
Carla Vargas Bozzato
Daniela Guerra Lund

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A


FORMAÇÃO DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC | 294
Raimunda Heveline Ribeiro Quirino
Sueli Maria de Araújo Cavalcante
Luana Batista Rodrigues

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS | 310
Débora Lucia Lima Leite Mendes
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca
Sinara Mota Neves de Almeida
A FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA
PROFESSOR(A)”: CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE | 330
Camilla Rocha da Silva
Maria Eleni Henrique da Silva
João Batista de Albuquerque Figueiredo

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS
ORIENTADORES DE ESTUDO DE FORTALEZA | 355
Sandra Maria Coêlho de Oliveira
Ana Paula de Medeiros Ribeiro
Eugenio Eduardo Pimentel Moreira

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC): O IMPACTO DA


FORMAÇÃO NA APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DE 3o ANO
EM DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE MARACANAÚ | 373
Maria de Lourdes Oliveira
Luciana Kellen de Souza Gomes

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE


FUTUROS PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | 383
Márcia Machado Marinho
Gabrielle Silva Marinho
Emmanuel Silva Marinho

NOVOS SABERES DOCENTES FRENTE ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS


INTERATIVAS | 397
Ticianna Cardoso Marques Alexandre
Sueli Maria de Araújo Cavalcante

AS TECNOLOGIAS E A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR  |  415


Marcos Antonio Martins Lima
Ana Paula Vasconcelos de Oliveira Tahim
Maria Lucijane Gomes de Oliveira
9

APRESENTAÇÃO

LUIS TÁVORA FURTADO RIBEIRO


Pós-Doutor pela École de Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), doutor em Sociologia, mestre
em Educação e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor
associado da Faculdade de Educação da UFC.
E-mail: <luistavora@uol.com.br>.
10

A presentar o livro Estudos em Educação: formação, ges-


tão e prática docente, organizado por Lucas Melgaço da Silva,
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca e Roberta Lúcia Santos de
Oliveira, instigou-me a uma viagem de retorno a autores fun-
damentais sobre o conhecimento infantil, que, sob perspectivas
diversas, muitas vezes contraditórias, vêm influenciando os con-
ceitos sobre aprendizagem há cerca de cem anos.
O velho cientista Frederic Pavlov morreu aos 86 anos, em
1936. Muito mais jovem, Lev Vygotsky partiu precocemente aos
37 anos de idade, em 1934, vitimado por uma tuberculose crôni-
ca. Sua concepção de conhecimento e aprendizagem foi marcan-
te nas décadas iniciais do século XX. Com concepções filosóficas
e educacionais antagônicas, viram o regime comandado por Jo-
sef Stalin favorecer o primeiro, Pavlov, em detrimento do segun-
do, Vygotsky e suas ideias. Escolha que se revelaria imprópria,
desastrosa. Cerca de um século depois, a desforra da história,
Vygotsky retorna vigoroso e atua mundialmente reconhecido,
enquanto Pavlov destina-se ao esquecimento dedicado às ideias
equivocadas, superadas.
Cientista curioso de origem russa, Pavlov recebeu o prê-
mio Nobel em 1904 pelas experiências com cirurgias digestivas
em animais. Observador atento, o cientista russo percebeu que
seus cães salivavam sempre que seu assistente que os alimenta-
va se aproximava. Começou, assim, a observar a salivação desses
animais acostumando-os a serem alimentados após o toque de
um sino. Com as repetições, os cães começavam a salivar ao to-
que do sino, mesmo que não lhes dessem imediatamente comi-
da. Intuindo tratar-se de um condicionamento – aprendizagem
– por reforços repetidos, Pavlov criou, então, o conceito que de-

LUIS TÁVORA FURTADO RIBEIRO


11

nominou de “reflexos condicionados”, correspondente à apren-


dizagem humana. No mesmo sentido, alguns anos mais tarde,
o norte-americano Skinner apresentou o “condicionamento
operante”, por meio do qual se reforçavam ou desestimulavam
reflexos ou comportamentos aprendidos, fossem eles positivos
ou negativos. Depois de poucas décadas após sua apresentação,
esses conceitos se tornam obsoletos e refutados, dentre outros
motivos, por relacionarem a aprendizagem humana ao condicio-
namento de animais.
O bielorusso Vygotsky caminhou em sentidos diversos,
ele partiu do amor pela literatura, tornando-se, precocemente,
respeitável professor e pesquisador de teoria literária. Buscando
criar uma teoria geral do conhecimento, ele idealizava uma te-
oria totalizante que denominou Psicologia Histórica e Cultural,
interrompida quando morreu precocemente. Muito respeitado
nos dias atuais, ele relacionou o conhecimento e a aprendizagem
das crianças a partir das relações sociais, numa inter-relação in-
dissociável entre cultura e linguagem. Teve seus estudos sido pre-
servados por seus colegas pesquisadores associados, Alexander
Luria e Alexei Leontiev. Há quem diga que seus escritos nunca
foram integral e fielmente traduzidos para o idioma português.
Há também quem denomine esses estudos como interacionismo
simbólico, ressaltando a simbiose inseparável entre pensamento
e linguagem, expressão que intitula um de seus livros. O outro
livro clássico traz um título que se torna eloquente, dizendo tudo
sobre a origem histórica e cultural do conhecimento humano se-
gundo Vygotsky. Ele se intitula: Formação Social da Mente.
Um outro autor considerado clássico é Jean Piaget (1896-
1980), que realizou inúmeras pesquisas e observações sobre uma
teoria do conhecimento das crianças. Numa palavra, esse processo
se dava pela ação do sujeito diante das coisas que correspondia
a três grandes etapas inter-relacionadas e contínuas, em acordo
com diferentes faixas de idade. Partindo-se das sensações em di-

APRESENTAÇÃO
12

reção às operações: inicialmente em operações concretas, que se


realizavam na presença dos objetos, em direção a operações abs-
tratas, que ocorriam na ausência dos mesmos. Sinteticamente era
o caminhar subjetivo das sensações às ações e dessas às operações.
Da ação à operação a criança caminharia da heteronomia para a
autonomia. Heteronomia compreendida como aquele estágio mo-
ral em que se age na dependência do outro, enquanto a autonomia
é o estágio superior do agir, tomar decisões por si próprio. A esse
modelo teórico Piaget denominou Epistemologia Genética.
O cuidadoso livro organizado por Lucas Melgaço da Silva,
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca e Roberta Lúcia Santos de
Oliveira me fez lembrar desses autores clássicos anteriormente
apresentados. Os Estudos em Educação revelam em seus diver-
sos artigos que pensar a ação educativa torna-se uma obra de
muitos, dos que bebem nas fontes dos autores consagrados, atua-
lizando seu pensar e renovando os modos de agir. Compõe-se de
textos simples e complexos, múltiplos e diversos, mas coerentes,
unitários, coesos.
Confesso que o li desordenadamente, por vezes do começo
ao término, outras vezes de capítulos derradeiros aos iniciais.
Isso em nada prejudicou sua compreensão, seu entendimento.
Os artigos do livro podem ser lidos na sequência que for conve-
niente aos leitores.
Organizado em três unidades – Aprendizagens e Práticas
Docentes; Gestão, Estrutura e História da Educação; Formação
de Professores e Tecnologias na Educação –, o livro apresenta 22
artigos escritos por mais de cinquenta autores, cada um revelan-
do sua área de pesquisa.
Aprendizagem, docência, gestão, novas tecnologias, his-
tória, criança e juventude, política educacional, alfabetização,
planejamento, avaliação, formação de professores, dentre outros,
são temas que se apresentam em diferentes contextos do campo
da educação.

LUIS TÁVORA FURTADO RIBEIRO


13

A filósofa Hannah Arendt assim intitulou um de seus li-


vros: Homens em tempos sombrios. Escrevendo também sobre o
início do século XX, o historiador Eric Hobsbawm, na mesma
perplexidade, deu como título a seu livro derradeiro: Tempos fra-
turados. Vamos convivendo com as novidades conjunturais do
capitalismo atual em crise, mas em expansão. Ele vai revelando
antigos dilemas que se renovam em experiências trágicas de dra-
maticidade mundial: concentração de riquezas e desigualdade
social, guerras destrutivas de conquista e degradação ambiental,
agravando crises na política com golpes de estado mais violen-
tos, como no Egito e na Turquia, ou mais contidos e mal disfar-
çados, como no Brasil.
Honrando a memória dos clássicos como Pavlov, ­Vygotsky
e Piaget, Lucas Melgaço da Silva, Maria Isabel Filgueiras Lima
Ciasca e Roberta Lúcia Santos de Oliveira e seus autores nos
falam com vigor e esperança destes tempos sombrios, tempos
fraturados. Parafraseando Eric Hobsbawm, encerro com a cer-
teza de que as transformações não dependem unicamente dos
intelectuais, mas que nenhuma mudança se realizará sem eles.

Fortaleza, setembro de 2016.

Luis Távora Furtado Ribeiro


Professor da Faculdade de Educação (Faced)
da Universidade Federal do Ceará (UFC).

APRESENTAÇÃO
PARTE I

Aprendizagens
e Práticas Docentes
17

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

HERMANY ROSA VIEIRA


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e graduado em Teologia pelo Se-
minário Teológico de Fortaleza e em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Atualmente é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e técnico administra-
tivo da UFC.
E-mail: <hermany.vieira@gmail.com>.

SYLVIE DELACOURS LINS


Pós-Doutora pelo Institut National de Recherche Pédagogique, doutora e mestra em Educação pela
Université Paris V e graduada em Psicologia pela Université Paris VIII. Atualmente é professora de
Psicologia da Educação do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <sylviedlins@hotmail.fr>.

MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestra em Educação, Arte e His-
tória da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e graduada em Pedagogia, com
habilitação em administração escolar, pela UFC. Atualmente é professora associada da UFC.
E-mail: <isabelfil@uol.com.br>.
18

Introdução

O s conceitos sobre metacognição e aprendizagem coope-


rativa têm sido estudados e aplicados cada vez mais nas escolas
brasileiras. Pesquisas sobre os processos de aprendizagem a par-
tir das próprias atividades cerebrais e relacionais (interações so-
ciais) têm despertado o interesse de educadores e outros profis-
sionais da educação. É possível pensar numa aproximação entre
os conceitos e as práticas propostos pelos dois modelos?
O último século foi marcado por grandes avanços nas áre-
as das ciências, da pesquisa e da teorização de conceitos em pra-
ticamente todas as áreas de estudo. Dentre elas, as teorias que
envolvem os processos de ensino e de aprendizagem.
Piaget, Vygotsky e Wallon são teóricos que propuseram
aspectos diferentes sobre as reações e relações da criança com
o amadurecimento e o aprendizado, apontando caminhos que,
de certa forma, complementam-se. Piaget (1999) procurou abor-
dar o amadurecimento a partir do que ele mesmo definiu como
epistemologia genética, as etapas pelas quais a criança passa e
que podem ser definidas e verificadas. Vygotsky (1993), por sua
vez, enfatizou as relações sociais, as interações, como mediado-
ras do processo de aprendizagem, demonstrando que tais pro-
cessos não estão fechados a etapas cronológicas, mas à matura-
ção da criança através de suas relações com mediadores. Wallon
(1968) procurou compreender tais processos numa perspectiva
mais abrangente ou holística e acrescentou as questões emocio-
nais que envolvem os processos de aprendizagem como fatores
a serem considerados.

HERMANY ROSA VIEIRA • SYLVIE DELACOURS LINS •


MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA
19

As descobertas da neurociência, destacadas por pesquisa-


dores da área, a exemplo de Damásio (2000) e de Morris Fillenz
(2007), demonstram que as reações de um sistema extremamente
complexo como o cérebro, tais como razão, emoções, ambiente,
motivações e tantas outras situações, contribuem ou dificultam
os processos de aprendizagem.
Nesse contexto de descobertas e proposições, há uma gama
enorme de teorias apresentadas, numa tentativa de melhor apro-
veitamento dos processos de ensino e de aprendizagem, desde o
uso de uma metodologia conhecida como tradicional às teorias
que surgiram dos pesquisadores anteriormente citados, como o
construtivismo e suas variações, o interacionismo e, da mesma
forma, suas variações, assim como a tentativa de agregar aspectos
conceituais que possam contribuir para um melhor aproveita-
mento no ensino e na aprendizagem.
Uma teoria e uma metodologia chamam a atenção pela
relevância em sua aplicação em tais processos de ensino e de
aprendizagem: a teoria da metacognição, que começou a desta-
car-se nos meios acadêmicos através das pesquisas de John H.
Flavell (1979) na década de 70 do século passado; e a metodolo-
gia da aprendizagem cooperativa, que, da mesma forma, através
dos pesquisadores David W. Johnson e Roger Johnson e seus co-
laboradores, foi estruturada a partir de estudos feitos por Kurt
Koffka sobre interdependência social (JOHNSON, D.; JOHN-
SON, R.; SMITH, 1998).
Duas teorias, dois conceitos, duas práticas relevantes para
a compreensão e o desenvolvimento dos processos de ensino e de
aprendizagem em nosso tempo. A teoria da metacognição propos-
ta por Flavell tem como fundamentação os pressupostos de Piaget,
enquanto a metodologia da aprendizagem cooperativa, a partir
dos conceitos de Koffka sobre interdependência social, aproxima-
-se das propostas de Vygotsky sobre a interação social como ins-
trumento de fortalecimento do ensino e da aprendizagem.

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
20

Queremos, ao apresentar as duas ideias, compreender e


discutir suas aproximações e inter-relações numa perspectiva de
fortalecimento da autonomia e do protagonismo estudantis, em
uma sociedade em que as relações de competição e/ou individu-
alismo imperam no meio acadêmico.

Fundamentação teórica

Queremos apresentar alguns aspectos do que se tem discu-


tido em termos de formulações teóricas acerca da metacognição
e da aprendizagem cooperativa e suas utilizações nos processos
de ensino e de aprendizagem. Longe de ser uma pesquisa exaus-
tiva e completa, buscamos apresentar as ideias principais e ini-
ciais de ambas.

Metacognição

A metacognição busca compreender a capacidade inata do


ser humano de pensar sobre si mesmo e cria estratégias para de-
senvolver o ensino e a aprendizagem. “Meta” é uma preposição
grega utilizada para expressar atitude ou ação a partir de si, usada
em outras palavras trazidas para a língua portuguesa, como: meta-
morfose – capacidade inata de transformar a forma do corpo, como
a lagarta em borboleta; metanoia – capacidade de refletir sobre
suas próprias ações e tomar outros rumos, mudança de sentimen-
to; metapaideúo, não usada em português, mas de significado im-
portante para a educação – ensinar de distinta maneira; metáfora
– mudança de sentido literal para figurado (PEREIRA, 1990).
Pode se dizer que o termo “metacognição1” começou a ser
explorado a partir de estudos propostos por John H. Flavell na

1 “Etimologicamente, a palavra metacognição significa para além da cognição, isto


é, a faculdade de conhecer o próprio ato de conhecer, ou, por outras palavras,
consciencializar, analisar e avaliar como se conhece” (RIBEIRO, 2003, p. 109).

HERMANY ROSA VIEIRA • SYLVIE DELACOURS LINS •


MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA
21

década de 70 do século passado, tendo como pressupostos os pos-


tulados de Piaget sobre o desenvolvimento da criança (RIBEI-
RO, 2003).
O pensar sobre a própria aprendizagem já era alvo de pes-
quisadores como Dewey (1910) e Huey (1908, 1968), conforme
Brown (1987 apud RIBEIRO, 2003), mesmo que o termo ainda
não estivesse sendo empregado.
O que se pode perceber nas pesquisas propostas por ­Flavell
é que estudantes que apresentavam eficiência em suas ativida-
des acadêmicas demonstravam ter competências metacognitivas
bem desenvolvidas, pois conseguiam compreender não apenas a
finalidade de uma tarefa, mas planejar sua execução, aplicar e al-
terar conscientemente estratégias, além de conseguirem avaliar
seu próprio processo (RIBEIRO, 2003). O que se pode definir
como metacognição, a partir das propostas de Flavell, é que tal
termo representa habilidade de refletir sobre uma determinada
tarefa e optar por usar a melhor estratégia ou método para resol-
ver tal tarefa.
Gregory Schraw (2002) propôs em um artigo sobre o tema
que a metacognição pode conter três propósitos distintos ou ser
vista sob três aspectos diferentes: a) representa um fenômeno
multidimensional; b) domínio geral por natureza; e c) pode me-
lhorar o conhecimento metacognitivo e a regulamentação usan-
do uma variedade de estratégias de ensino.
Schraw (2002) aponta que é preciso fazer distinção entre
conhecimento de cognição e regulação de cognição. O primeiro
diz respeito ao conhecimento em si, enquanto o segundo trata da
forma como se administra tal conhecimento.
Um segundo aspecto é a relação entre metacognição para
expertise e habilidades cognitivas. Em pesquisas realizadas nos
últimos anos, foi possível determinar uma diferença conceitual
sobre metacognição e cognição. São necessárias habilidades cog-
nitivas para a realização de tarefas, enquanto a metacognição é

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
22

necessária para entender como a tarefa foi executada. Em outras


palavras, é preciso diferenciar cognição, que pode ser entendida
como um tipo específico de representação dos objetos e fatos,
enquanto a metacognição diz respeito ao conhecimento do pró-
prio conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos
próprios processos cognitivos (RIBEIRO, 2003).
Segundo Cooper (2016), Flavell identifica três “metas”
que a criança gradualmente adquire no contexto de aquisição e
recuperação da informação: a) a criança aprende que pode fazer
um armazenamento intencional, consciente, para uso futuro; b)
a criança aprende a manter-se atualizada com qualquer infor-
mação que possa relacionar-se com a resolução de problemas e
sabe como “trazer de volta” conforme necessário; e c) a criança
aprende como fazer buscas sistemáticas e deliberadas sobre o que
pode ser útil na resolução de um problema, mesmo sem estar
prevista sua necessidade.
Ainda em seu artigo publicado em 1979, Flavell propõe
um modelo formal de monitoramento metacognitivo que inclui
quatro classes de fenômenos e suas relações: a) conhecimento
metacognitivo; b) experiências metacognitivas; c) tarefas ou me-
tas; e d) estratégias ou atividades.
Assim, ao reconhecer que a metacognição pode ter aplica-
ções nas mais variadas formas, que pode incluir: leitura, orali-
dade, escrita, aquisição da linguagem, memória e muitas outras,
como o próprio desenvolvimento da personalidade, ele defende
também a ideia de que os componentes de metaconhecimento
podem ser ativados de forma espontânea ou deliberada, através
de tarefas específicas ou pesquisas de memória.
A discussão sobre definições ou distinções sobre meta e
cognição ainda está aberta, apesar de se ter maior clareza em se
definir o que é meta. Segundo Ribeiro (2003, p. 110):
A metacognição diz respeito, entre outras coi-
sas, ao conhecimento do próprio ­conhecimento,

HERMANY ROSA VIEIRA • SYLVIE DELACOURS LINS •


MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA
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à avaliação, à regulação e à organização dos


próprios processos cognitivos. De acordo com
Weinert (1987), as metacognições podem ser
consideradas cognições de segunda ordem:
pensamentos sobre pensamentos, conhecimen-
tos sobre conhecimentos, reflexões sobre ações.
Os conceitos e aplicações sobre metacognição têm sido em-
pregados em vários níveis de processos de aprendizagem, sendo
possível perceber sua eficiência em pessoas com deficiências. Em
um dos trabalhos elaborados por pesquisadores e educadores da
Universidade Federal do Ceará (UFC), intitulado Práticas de lei-
tura no contexto da escola das diferenças (FIGUEIREDO; ROCHA;
GOMES, 2010), diversas experiências são apresentadas, dentre
elas um capítulo sobre metacognição (LINS; FRANÇA, 2010),
em que são definidos os conceitos e a discussão sobre práticas e
mudanças de paradigmas na postura das instituições de ensino.
Célia Ribeiro (2003, p. 114), em sua análise sobre a meta-
cognição como um apoio ao processo de aprendizagem, assim se
expressa em suas reflexões finais:
Apesar de toda a polêmica existente à volta
deste conceito, tem sido observada a sua contri-
buição para a potencialização da aprendizagem.
Os treinos que contemplam, além de ativida-
des cognitivas, atividades metacognitivas, têm
originado melhores resultados em termos de
realização.

Aprendizagem cooperativa

Assim como os conceitos e pressupostos da metacognição, a


metodologia da aprendizagem cooperativa é uma construção histó-
rica. Se uma das referências básicas para as formulações teóricas da
metacognição por Flavell está nas propostas de Piaget, a aprendiza-
gem cooperativa tem como pressupostos os estudos de Kurt Koffka

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
24

no início do século XX sobre interpendência social (DEUTSCH,


1962; JOHNSON, D.; JOHNSON, R.; SMITH, 1998).
Na verdade, a ideia de estudos cooperativos, ainda que
sem uma formulação teórica dos conceitos, é encontrada ao lon-
go da história humana, como, por exemplo, entre os judeus, con-
forme exposto em seu livro de ensinamentos – Talmude – ou na
própria Bíblia, nos livros de Provérbios2 e Eclesiastes3; entre os
gregos, através de Sócrates e sua maiêutica; entre os romanos,
com Sêneca, entre outros.
A partir do século XVI, Comênios, em sua Didacta Magna,
postulava o uso de grupos em que os mais experientes ajudavam
os mais novos.
É preciso destacar Joseph Lancaster como um dos pro-
tagonistas no desenvolvimento da aprendizagem cooperativa
como metodologia (VIEIRA, 2015, p. 15):
Outra referência histórica concernente ao uso
de sistemas cooperativos de aprendizagem
pode ser atribuída a Joseph Lancaster (Dic-
tionary of Canadian Biography), um educador
inglês (1778-1838) que, como cristão Quacker,
usava a Palavra de Deus como base para seus
ensinamentos. Fundou uma escola primária,
gratuita para os que não podiam pagar. Sem
condições de sustentar um assistente, designou
os estudantes mais antigos como monitores
para os mais jovens em turmas pequenas. Esses
monitores tinham também um líder. Tal expe-
riência não era novidade, mas ele desenvolveu
2 “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho,
não se desviará dele” (BÍBLIA, 1998, Provérbios, 22.6).
3 “Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.

Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois,
caindo, não haverá quem o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se
aquentarão; mas um só como se aquentará? Se alguém quiser prevalecer contra
um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não se rebenta com facilida-
de” (BÍBLIA, 1998, Eclesiastes, 4:9-12).

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MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA
25

um elaborado sistema de ensino mútuo em que


os alunos eram castigados por seus erros ou
recompensados por seus acertos. Sua metodo-
logia foi aplicada em várias ilhas conquistadas
pelos ingleses nesse período, principalmente
nas classes mais pobres da sociedade. Em 1806,
ele abriu uma escola em Nova Iorque, Estados
Unidos, usando sua metodologia, o que gerou
uma acentuada ênfase na Aprendizagem Coo-
perativa nesse período.
Na Europa, o francês Célestin Freinet (1896-1966), peda-
gogo de influências anarquistas, desenvolveu uma pedagogia em
que defendia a participação ativa das crianças em todo o proces-
so de ensino e de aprendizagem. Elas eram desafiadas a parti-
cipar nas tomadas de decisão e, assim, a cooperarem umas com
as outras (SILVA, 2005). Morris e Fillenz (2007) defendem que
o prazer criativo é fortalecedor da autoestima. Os efeitos pro-
porcionados pelo tatear e o manusear estão em sintonia com as
descobertas da neurociência:
Ao explicarem (os neurocientistas) os proces-
sos de recepção pelo tato, por exemplo, de-
monstram como acontecerá a liberação ou per-
cepção das sensações de dor, frio ou calor, e a
mesma lógica ou caminhos irão acontecer para
os processos emocionais, de aprendizagem ou
de memorização, obviamente por canais e neu-
rotransmissores diferentes. (­VIEIRA, 2015,
p. 16).
A aprendizagem cooperativa formulada pelos irmãos
Johnson D. e Johnson R. e seus colaboradores está fundamen-
tada em cinco pilares. Tal teoria começa a tomar corpo a partir
de duas outras teorias: interdependência social e cognitivo-evo-
lutiva. A primeira postula que a forma como a interdependência
é estruturada determina a forma como os indivíduos interagem

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
26

e, assim, os resultados. Tal interdependência resulta de uma in-


teração promovida pela estimulação mútua que ocorre entre os
participantes.
A segunda, cognitivo-evolutiva, “[...] vê a cooperação
como um pré-requisito essencial para o crescimento cognitivo”
(JOHNSON, D.; JOHNSON, R.; SMITH, 1998, p. 93). John-
son D., Johnson R. e Smith (1998, p. 93-94, grifo nosso) afir-
mam que:
Jean Piaget ensinou que, quando os indivídu-
os cooperam quanto ao ambiente, um conflito
sócio-cognitivo saudável ocorre, o qual cria
um desequilíbrio cognitivo que, por sua vez,
estimula a habilidade para se posicionar em
perspectiva bem como estimula o desenvol-
vimento cognitivo. Lev Vygotsky acreditava
que os esforços cooperativos para se aprender,
entender e resolver problemas são essenciais
para construir o conhecimento e transformar
perspectivas conjuntas em funcionamento
mental interno. Para ambos, Piaget e Vygot-
sky, trabalhar de modo cooperativo com par-
ceiros e instrutores mais capazes resulta em
desenvolvimento cognitivo e em crescimento
intelectual.
Os cinco pilares que fundamentam a metodologia da
aprendizagem cooperativa são: interdependência positiva – a rela-
ção de interdependência pode ser compreendida a partir de uma
relação de dependência: uma criança recém-nascida depende em
tudo de alguém para cuidar dela, ao crescer, vai adquirindo sua
independência na escolha da roupa, dos brinquedos, dos ami-
gos. Ao atingir a adolescência, sua busca de identidade adulta faz
com que tenha atitudes independentes. Ao chegar à maturidade,
começa a compreender que as relações podem ser de interde-
pendência, em que pode se ver e ver o outro numa relação de

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MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA
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dependência mútua, o que envolve responsabilidades. A interde-


pendência pode ser positiva (cooperação), negativa (competição)
ou neutra (individualismo).
A interdependência positiva, numa equipe de estudos,
por exemplo, aponta para o segundo pilar – responsabilidade in-
dividual. Numa atividade em grupo, tem-se em mente uma meta
coletiva em que todos podem e devem contribuir para vencer.
São distribuídas atividades e responsabilidades individuais, e a
não execução de uma atividade pode prejudicar a conquista da
meta coletiva.
Ao serem distribuídas as responsabilidades individuais,
cada participante deve colocar em prática suas habilidades sociais,
que constituem o terceiro pilar. Essas habilidades podem ser
aprendidas através de oficinas, de estudos e da própria experiên-
cia nas equipes. Por exemplo, chamar a pessoa pelo nome, falar
olhando para o interlocutor, usar voz calma evitando manifesta-
ções barulhentas, buscar a participação e a opinião dos demais
procurando entender as ideias, solicitar ajuda dos colegas, se
preciso, explicar suas ideias com outras palavras, criticar ideias,
e não pessoas, dentre outras.
O quarto pilar propõe a promoção face a face, o sucesso
mútuo (ajudando, dando assistência, apoiando, valorizando os
esforços uns dos outros para aprender), é a interação promotora.
Os processos cognitivos de explicar verbalmente, passar conhe-
cimento de um para todos e fazer conexões contribuem para de-
senvolver o raciocínio e formular novas estruturas de aprendi-
zado. Os estudantes desenvolvem um nível de relacionamento
com maior profundidade, gerando maior confiança e estímulo.
Sugere-se que os grupos sejam pequenos para que tais interações
tenham maior sucesso (VIEIRA, 2015).
O quinto pilar é chamado de processamento de grupo. Esse pro-
cesso de busca por melhores resultados no aprendizado do próprio
estudante requer tempo e suporte. No processamento de g­ rupo,

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
28

busca-se descrever quais ações dos membros foram úteis e quais


não contribuíram para o alcance da meta comum, assim como to-
mar decisões sobre a continuidade dos processos estabelecidos no
projeto e ainda ter a oportunidade de celebrar os r­ esultados.

Aproximação entre os temas

Metacognição e aprendizagem cooperativa têm aspectos


que merecem uma aproximação acadêmica e prática. Primeiro,
ambas as abordagens apontam para uma valorização da aprendi-
zagem através de processos de aumento da autonomia em busca
de melhor rendimento acadêmico. Enquanto os postulados da
metacognição apontam para atividades que possam ajudar os
estudantes a “aprender como se aprende”, levando-os a pensar
em planos de ação para o desenvolvimento de suas atividades,
tais como: o que fazer primeiro, tempo de execução, ou mesmo
o que já está em sua memória sobre o assunto. A aprendizagem
cooperativa propõe um processamento de grupo com as mesmas
ideias, mas, em vez de uma estratégia individual, uma avaliação
das ações da equipe.
Ambas buscam desenvolver habilidades de avaliação com
perguntas sobre o andamento da atividade, mudança ou não de
estratégias, qual o foco principal, o que é mais importante. São
atitudes que proporcionam monitoramento da própria atividade.
Na mesma perspectiva, a avaliação durante e após o proces-
so. Foi possível realizar a tarefa a contento? Poderia ter feito algo
de forma diferente com melhor resultado? O que não foi possível
realizar? Numa próxima vez, o que seria necessário mudar?
Tais intenções parecem apontar para uma responsabilida-
de individual e, sem descartar a visão grupo ou de atividades
em grupo, a metacognição procura desenvolver no estudante um
nível de responsabilidade a partir de suas próprias compreensões
e experiências que coadunam com as propostas da aprendizagem

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29

cooperativa ao propor ao discente responsabilidade individual e


processamento das ações visando à meta coletiva da equipe.
É possível perceber alguns contrastes entre as duas pro-
posições. Enquanto a metacognição procura desenvolver habi-
lidades “meta”, a partir das experiências pessoais, das reflexões
sobre o que se aprendeu, do que está na memória, do que é pos-
sível resgatar; a aprendizagem cooperativa enfatiza o trabalho
em equipe, nos moldes anteriormente citados, em que se produz
sinergia a partir das experiências de cada um.
Duas palavras acompanham a aprendizagem cooperativa:
heterogeneidade e controvérsia. A primeira destaca que a diversi-
dade de experiências e contextos pode enriquecer um debate, uma
análise e a própria execução de um projeto que tenha uma meta
coletiva. Por exemplo, num estudo em grupo sobre determina-
do assunto, provavelmente um estudante tem mais facilidade de
compreensão de um aspecto, enquanto outro pode ter outras habi-
lidades que irão contribuir para a construção e execução do proje-
to. Essa distribuição de responsabilidades a partir de habilidades
é enriquecedora. São perspectivas diferentes sobre o mesmo tema.
A segunda palavra, controvérsia, destaca, quase que num
mesmo sentido, que a habilidade de ouvir com empatia, de dis-
cutir ideias, e não pessoas, e de procurar entender os porquês do
outro pode gerar uma controvérsia positiva e enriquecedora. Da-
vid W. Johnson (2008) destaca que a controvérsia como estratégia
de ensino e aprendizagem é construtiva quando as ideias pesso-
ais, informações, conclusões, teorias e opiniões são incompatíveis
com as de outro e os dois procuram chegar a um acordo.
Em geral, a aprendizagem cooperativa tem sido usada
como metodologia em sala de aula. Nela o professor procura me-
diar o ensino e a aprendizagem através de atividades promotoras
de autonomia estudantil. O professor Frank V. Carvalho (2015)
propõe atividades que podem proporcionar maior desenvolvi-
mento de responsabilidades individuais coletivas, tais como: a

METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
30

divisão em pequenos grupos e a troca de conhecimentos através


do deslocamento entre os grupos, ficando as participações do
professor focadas em introduzir o assunto, acompanhar o desen-
volvimento das equipes e concluir o tema ao final.
A forma como os postulados da metacognição e da apren-
dizagem cooperativa abordam a mediação merece destaque. Am-
bas entendem a mediação como fator preponderante do processo
de ensino e de aprendizagem. Lins e França (2010) destacam que
a presença de um adulto no papel de mediador favorece o pla-
nejamento e a regulação das próprias atividades dos estudantes
no processo de aprendizagem. A aprendizagem cooperativa tem
toda a sua proposição embasada na mediação do outro, na in-
teração e na interdependência proposta por Piaget, Vygotsky e
Deutsch (JOHNSON, D.; JOHNSON, R.; SMITH, 1998).
Na aprendizagem cooperativa, a mediação pode ser exer-
cida pelo professor em uma sala de aula, por um colega mais
experiente com outro nível de conhecimento, como também por
um colega de classe que contribua com suas habilidades e conhe-
cimentos prévios, fazendo uso de suas metacognições.
Pesquisas têm sido feitas sobre o uso dos postulados da
metacognição para dar suporte ao estudante com deficiência e,
em geral, apontam para o sucesso no uso dos conceitos para que
se entendam os mecanismos cerebrais e as dificuldades de aqui-
sição de leitura, escrita e aprendizado, para, dessa forma, criar
estratégias que possam favorecer o desenvolvimento desses edu-
candos. Da mesma forma, o número de trabalhos sobre a expe-
riência com o uso da metodologia da aprendizagem cooperativa
com deficientes tem crescido.

Considerações finais

O uso da metacognição como instrumento de fortaleci-


mento da autoestima e da autonomia tem uma relação direta
com a metodologia da aprendizagem cooperativa proposta pelos

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irmãos Johnson D. e Johnson R. e seus colaboradores. Ambas


caminham numa mesma direção ao proporcionar o desenvolvi-
mento da aprendizagem. A metacognição, através do desenvol-
vimento do pensar sobre si mesmo e sobre sua própria aprendi-
zagem, tendo o mediador como alguém que “maieuticamente”
pode conduzir o estudante ao aprendizado reflexivo.
Por sua vez, mas através de ações cooperativas, de inter-
dependência e interação, a aprendizagem cooperativa propõe aos
estudantes perceberem metas comuns, coletivas, em que todos
têm seu papel e podem desenvolver habilidades promotoras.
É importante destacar que as propostas apresentadas pelos
conceitos da metacognição não são individualistas, no sentido
dos conceitos de interdependência neutra, mas que partem do
indivíduo, de dentro para fora, de suas próprias reflexões sobre
suas memórias e aprendizados. Talvez, por ser a aprendizagem
cooperativa uma metodologia com o outro, os pilares que falam
de responsabilidade pessoal e processamento de grupo sejam os
que mais necessitem de metacognição para que os outros possam
fluir bem no grupo.
Como citado anteriormente, segundo conceitos suscitados
por Johnson D., Johnson R. e Smith (1998) e por Ribeiro (2003),
a mudança de paradigma não é algo que acontece sem muito
esforço. Nesse sentido, educadores e educandos precisam estar
imbuídos dos mesmos sentimentos de conquista do ensino e do
aprendizado e apropriar-se das ferramentas propostas, de modo a
contribuir para o fortalecimento pessoal e coletivo do estudante.

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METACOGNIÇÃO E APRENDIZAGEM COOPERATIVA:


CONCEITOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
34

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR


EM DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA


Mestranda em Educação, linha de avaliação educacional, eixo de avaliação do ensino-aprendizagem, e gradu-
ada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes/Demanda Social).
E-mail: <prisca_mbb@yahoo.com.br>.

TANIA VICENTE VIANA


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Faculdade de Educação (Faced)
da UFC e do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Faced/UFC, linha de avaliação educacional,
eixo de avaliação do ensino-aprendizagem.
E-mail: <taniaviana@ufc.br>.
35

Introdução

Q uando o professor recém-formado começa a viver a


realidade da sala de aula, depara-se com situações a que a sua
educação formal acadêmica, muitas vezes de cunho exacer-
badamente teórico e pouco vivencial, não fez referência, não
sendo abordadas nos vários textos lidos durante o período da
faculdade. Um aluno de Pedagogia, por exemplo, comumen-
te estuda autores importantes na área de Psicologia da Educa-
ção, como Piaget (1896-1980), Vygotsky (1896-1934) e Wallon
(1879-1962)1. A teoria está ali, presente em cada livro ou arti-
go. Estudos e definições sobre o desenvolvimento da criança
e do adolescente, nos aspectos cognitivo e afetivo, tudo isso é
disponível ao estudante de Educação. Contudo, o conhecimen-
to prático ainda é pouco trabalhado, causando um déficit no
aprendizado desse futuro professor. Esse educador muitas ve-
zes se depara com situações diversas no âmbito escolar e não
sabe como proceder, por falta de (in)formação sobre o que deve
ser feito e os procedimentos necessários para embasar sua ação
pedagógica nesses momentos.
Quando se trabalha com crianças, é de extrema importân-
cia que o aspecto afetivo seja foco de intervenção tanto quanto o
cognitivo; segundo Aspis e Herculano-Houzel (2011), a emoção
é um fator imprescindível para o funcionamento pleno e saudá-

1 Piaget,Vygotsky e Wallon são estudiosos do desenvolvimento psicológico da


inteligência, numa perspectiva interacionista, resultante da interação do sujei-
to no meio físico e social, cujas reflexões exerceram forte impacto sobre a Peda-
gogia e a Psicologia. São contrários ao determinismo inatista ou ambiental.

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
36

vel do cérebro. Acerca disso, Maluf (2013) diz que a afetividade,


o comportamento e a cognição são o tripé no qual está firma-
da a aprendizagem de qualidade e que tanto uma boa cognição
quanto uma boa aprendizagem só são desenvolvidas quando a
afetividade está presente. Se a criança for exposta a condições
traumáticas, é comum que o seu desenvolvimento afetivo-cogni-
tivo fique abalado, o que pode, inclusive, gerar vários transtor-
nos emocionais (ALSOP, 1999).
Este trabalho constitui um estudo bibliográfico elaborado
com o intuito de reunir informações sobre o abuso infantil e o
uso de álcool e drogas na adolescência, a fim de promover um me-
lhor fundamento para os professores e futuros professores. Visa
contribuir para uma melhoria na identificação como também no
apoio ao alunado exposto a essas situações, bem como no papel
do professor diante dessas circunstâncias. Serão apresentadas al-
gumas sugestões de como proceder de acordo com os aportes da
Psicologia, da legislação brasileira e dos órgãos responsáveis pelo
cuidado e proteção de menores de 18 anos de idade.
Inicialmente, apresentaremos dados sobre o abuso infan-
til, o envolvimento com álcool e drogas por adolescentes, discor-
rendo, em seguida, sobre um breve histórico da legislação brasi-
leira responsável pelos direitos das crianças e dos adolescentes.
Na seção acerca da metodologia, apresentaremos a forma como
este estudo foi elaborado e a definição da pesquisa de natureza
bibliográfica.
Apresentaremos os dados levantados referentes ao modo
como o professor pode agir diante desses casos e buscar o auxílio
de órgãos que atendem às necessidades dessas crianças.

Abuso infantil: fatos e consequências

No Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais:


DSM-5 (APA, 2014), são apresentados quatro tipos de abusos co-

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


37

metidos contra as crianças, são eles: i) físico; ii) negligência; iii)


psicológico; iv) sexual.
De acordo com Alsop (1999), o dano físico causado a uma
criança abrange desde uma disciplina extremamente rígida até
a violência física propriamente dita. A maioria das crianças cos-
tuma ser espancada pelos próprios responsáveis. Para reconhe-
cer esse tipo de abuso, Bazon (apud AGÊNCIA NOTISA, 2011)
aponta dois sinais: através da agressividade, que muitas vezes se
apresenta em relação aos colegas, ou do medo de se relacionar
com figuras de autoridade.
Para Cardoso (apud AGÊNCIA NOTISA, 2011), a negli-
gência é o abuso mais corriqueiro e o mais difícil de ser iden-
tificado. Habitualmente, crianças que sofrem com esse tipo de
agressão apresentam sinais de subnutrição, falta de higiene e
ferimentos causados pela falta de cuidados. Além disso, Alsop
(1999) descreve outros indícios, a exemplo do ato de roubar co-
mida dos colegas e dos problemas no desenvolvimento, como es-
tatura e peso abaixo do normal, pele e cabelos em más condições,
dentre outros.
O abuso emocional é difícil de ser percebido e causa gra-
ves efeitos no desenvolvimento psicológico da criança. Cardoso
(apud AGÊNCIA NOTISA, 2011) afirma que se trata de um des-
gaste no relacionamento interpessoal onde a criança vive, defi-
nindo como a falta do “calor materno”, do cuidado e da atenção
relacionados à criança. Tal situação pode causar problemas de
autoestima, autonomia e aceitação.
Talvez o tipo de abuso que mais choque as pessoas é o se-
xual, por causa da pureza e inocência das crianças nesse sentido.
Alsop (1999, p. 31) define o abuso sexual da seguinte forma:
[...] o envolvimento de crianças e jovens ima-
turos e dependentes em atividades sexuais que
não entendem e para as quais são incapazes de
dar o seu consentimento formal: ou, então, que

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
38

violam tabus sociais e papéis familiares. Isso


pode incluir o toque de maneira inadequada,
pornografia, bem como a tentativa ou efetiva-
ção do ato sexual.
Santos (2011) apresenta diversos sinais de abuso sexual
que o professor pode perceber. Estes são alguns deles: i) doenças
sexualmente transmissíveis que podem ser manifestadas atra-
vés de corrimentos ou outras secreções penianas ou vaginais; ii)
baixo controle do esfíncter; iii) lesões corporais; iv) mudanças
comportamentais radicais; v) medo ou pânico de alguma pessoa
ou lugar; vi) vergonha excessiva de tirar a roupa na frente dos
outros; vii) culpa e autoflagelação; viii) masturbação compulsi-
va; ix) curiosidade sexual excessiva; x) resistência em participar
de atividades físicas.
Santos (2011) ainda aponta para a assiduidade e pontua-
lidade exageradas na escola, podendo o aluno demonstrar sinais
de que não quer voltar para casa ao final da aula e notadamente
nos fins de semana, apresentando mesmo uma resistência, além
de evitar contato físico e não conseguir confiar nas pessoas.
De acordo com dados da Faculdade de Medicina do ABC,
localizada no estado de São Paulo (2001 apud SANTOS, 2011), o
incesto é a manifestação mais recorrente, pois 90% dos casos de
gestações de adolescentes até 14 anos foram fruto de incesto, nos
quais o autor era o próprio pai, um tio ou um padrasto, ou seja,
alguém próximo da vítima.
Garralda (1995, p. 28) afirma que as sequelas emocionais
são frequentes nesses casos:
[...] Os maus-tratos emocionais traumatizam a
criança profundamente. O abuso físico, o aban-
dono e o abuso sexual geralmente se acompa-
nham de considerável traumatismo emocional.
A criança é agredida em relação à sua auto-ima-
gem e auto-estima, à sua noção dos limites in-

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


39

terpessoais (ou seja, do conceito de si mesma


como pessoa separada, com um espaço emocio-
nal existente entre ela e os outros), à capacidade
para pensar seus próprios pensamentos, ter seus
próprios sentimentos e de ser dona do seu pró-
prio corpo.
Para combater tais atrocidades e assegurar os direitos
dos menores de 18 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescen-
te (ECA), Lei no 8.069/1990, determina, no artigo 5o, que “ne-
nhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais”.
É importante que o professor compreenda que ele tem sua
parcela de responsabilidade sobre possíveis casos que possam
ocorrer com seus alunos, pois o ECA prevê como proceder dian-
te dessas situações e regulamenta penas para aqueles que não re-
portam o fato às autoridades competentes.
Com efeito:
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação
de castigo físico, de tratamento cruel ou degra-
dante e de maus-tratos contra criança ou ado-
lescente serão obrigatoriamente comunicados
ao Conselho Tutelar da respectiva localidade,
sem prejuízo de outras providências legais. [...].
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade
da criança e do adolescente, pondo-os a salvo
de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor. [...]
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de
ensino fundamental comunicarão ao Conselho
Tutelar os casos de: I - maus-tratos envolvendo
seus alunos; [...]. Art. 232. Submeter criança ou
adolescente sob sua autoridade, guarda ou vi-
gilância a vexame ou a constrangimento: Pena

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
40

– detenção de seis meses a dois anos. Art. 245.


Deixar o médico, professor ou responsável por
estabelecimento de atenção à saúde e de ensi-
no fundamental, pré-escola ou creche, de co-
municar à autoridade competente os casos de
que tenha conhecimento, envolvendo suspeita
ou confirmação de maus-tratos contra criança
ou adolescente: Pena – multa de três a vinte sa-
lários de referência, aplicando-se o dobro em
caso de reincidência. (BRASIL, 1990).
Como se pode notar a partir dos artigos contidos no ECA,
o papel do professor é de suma importância na defesa dos direi-
tos das crianças que sofrem com maus-tratos. É preciso que o
educador saiba que denunciar qualquer sinal de abuso é dever
dele e que a omissão, além de ser irresponsável, é um crime pas-
sível de pena. No próximo tópico, apresentaremos dados acerca
do uso de álcool e drogas por adolescentes e as leis vigentes sobre
o tema.

A utilização de drogas e álcool por adolescentes

No que se refere ao consumo de álcool e drogas, a ­United


Nation Children’s Fund (UNICEF, 2011)2 estimou que um em
cada cinco adolescentes entre 13 a 15 anos de idade fuma e que
cerca de 50% daqueles que começam a fumar na adolescência
continuam a fazê-lo por no mínimo 15 anos. A Unicef também
aponta para o perigo do consumo excessivo de drogas e álcool
nesse período, pois essa atitude pode acarretar sérios e irrever-
síveis danos para o cérebro. Outro dado alarmante é que adoles-
centes que fumam têm probabilidade três vezes maior de consu-
mirem álcool frequentemente e oito vezes maior de utilizarem
maconha (Cannabis sativa). 

2 É conhecida no Brasil como Fundo das Nações Unidas para a Infância.

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


41

Segundo Moore (1999), o consumo de álcool começa não


raro ainda na infância: crianças, muitas vezes menores de 11
anos de idade, bebem em suas próprias casas, quando os pais ou
responsáveis oferecem cerveja ou chope. Moore (1999) assinala
que somos nós que os ensinamos a beber, para dar ênfase à ideia
de que somente a Educação e a intervenção precoce podem mo-
dificar comportamentos e atitudes.
Sobre o uso de drogas e álcool por menores de 18 anos, o
ECA assevera:
Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao
adolescente de: [...]; II – bebidas alcoólicas;
III – produtos cujos componentes possam
causar dependência física ou psíquica ainda
que por utilização indevida; [...]. Art. 243.
Vender, fornecer, servir, ministrar ou entre-
gar, ainda que gratuitamente, de qualquer for-
ma, a criança ou a adolescente, bebida alcoó-
lica ou, sem justa causa, outros produtos cujos
componentes possam causar dependência físi-
ca ou psíquica: Pena – detenção de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa, se o fato não constitui
crime mais grave.
O uso de drogas e álcool na adolescência é devastador e
o professor é uma das pessoas, dentre os profissionais da esco-
la, que podem identificar a utilização dessas substâncias atra-
vés de alguns sinais. No caso do álcool, o odor na respiração de
quem o utilizou recentemente é percebido com facilidade. Ou-
tros f­ atores que apontam para o seu uso são o baixo rendimento
escolar, tremores, indisposição estomacal, dores de cabeça e ati-
tude defensiva, além de dificuldades de relacionamento com o
próprio professor e os colegas (MOORE, 1999). No que se refere
ao abuso do uso de drogas, os sintomas que alteram o aspecto
físico são normalmente a perda de peso, pupilas dilatadas, pele
pálida, possíveis marcas de injeção, dentre outras ­características.

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
42

No aspecto emocional, como traços comuns, podem-se elencar


mudança no modo de vestir e nos interesses, dificuldade de
conversar, roubos e mudança na rotina escolar, como no caso de
possíveis atrasos, quedas no desempenho escolar e absenteísmo
(POLLARD, 1999).
Tanto o abuso infantil quanto a utilização das drogas cau-
sam transtornos emocionais nos alunos que sofrem com ditas si-
tuações. Para auxiliar esses educandos, é preciso que o professor
esteja informado sobre a forma de proceder e busque meios de
ser um apoio para eles, pois a tarefa de educar vai além do ato de
ensinar: antes, perpassa pelo aspecto emocional e pela possibili-
dade de construção de uma relação afetiva baseada no respeito e
acolhimento.

Breve história da legislação brasileira referente aos


direitos da criança e do adolescente

A História nos mostra que a defesa aos direitos dos meno-


res de 18 anos de idade é ainda muito recente. No que concerne
especificamente ao Brasil e sua legislação, a preocupação surgiu
a partir da necessidade de diferenciar a criminalidade cometida
por adultos da de indivíduos menores de 18 anos. Para tanto,
no país, em 1923, foram criados o Juizado de Menores e, logo
em seguida, em 1924, o Conselho de Assistência e Proteção aos
Menores e o Abrigo de Menores. No ano de 1927, temos o nosso
primeiro Código de Menores, criado no intuito de estabelecer
leis diretamente relacionadas às crianças e aos adolescentes (FA-
LEIROS, E.; FALEIROS, V., 2008).
Um fato importante sobre esse Código é que, assim como
o segundo, que foi criado em 1979, havia uma clara diferenciação
entre as crianças provindas de um lar supostamente ­equilibrado,
vistas ali como “em situação regular”, e os menores de 18 anos
que eram marginalizados e de baixa condição financeira, os quais

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


43

poderiam cometer crimes. Tal distinção torna óbvia a injustiça


que era cometida aos meninos e meninas que estavam em situa-
ção de risco, por não se preocupar em buscar formas de melhorar
a vida desses sujeitos e por associar a criminalidade à pobreza,
como se ela não existisse em outros estratos sociais (FALEIROS,
E.; FALEIROS, V., 2008).
Na década de 1980, começaram a se estabelecer ideias
que combatiam essa exclusão e buscavam a proteção integral da
criança. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi a pioneira
nesse tema. No Brasil, vários setores ligados ao Estado, além da
própria sociedade local, mobilizaram-se para que, na Assembleia
Constituinte de 1987, fosse instituído que a criança era um sujei-
to de direitos. O reconhecimento veio no ano seguinte, na nova
Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 227,
que afirma:
É dever da família, da sociedade e do Estado as-
segurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimen-
tação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. (BRASIL, 1988).
Dois anos após esse avanço, em 13 de julho de 1990, a luta
pela proteção integral dos menores de 18 anos obtém a vitória
definitiva, após a criação do ECA, ao assegurar que:
Art. 3o A criança e o adolescente gozam de
­todos os direitos fundamentais inerentes à pes-
soa humana, sem prejuízo da proteção integral
de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as oportunida-
des e facilidades, a fim de lhes facultar o de-
senvolvimento físico, mental, moral, espiritual

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
44

e ­social, em condições de liberdade e de digni-


dade. (BRASIL, 1990).
E foi em 1996 que a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDB) foi estabelecida, Lei no 9.394, garantindo o
direito à educação escolar descrita no artigo 2o como: “[...] dever
da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Graças ao avanço da legislação brasileira e dos estudos
referentes às crianças e aos adolescentes, podemos notar uma
mudança em relação à importância dada pela sociedade a esse
assunto. No ambiente escolar, o professor normalmente é o su-
jeito mais próximo de seus alunos e deve compreender seu pa-
pel como cidadão diante de situações como o abuso infantil e
a utilização de drogas e álcool, no sentido de prevenir, comba-
ter e prover assistência (BRASIL, 1988, 1990; FALEIROS, E.;
­FALEIROS, V., 2008).

Metodologia

Leite (2008) define a pesquisa bibliográfica como a que se


realiza através da utilização de materiais que existem em livros e
cujas informações são coletadas de obras anteriormente publica-
das, que fornecem o fundamento para a análise e interpretação
das mesmas, resultando em um novo trabalho científico. Bastos
(2008) pondera que esse tipo de pesquisa explica um problema
a partir de referências teóricas, possibilitando a análise compa-
rativa de diversas ideias relacionadas com um problema de pes-
quisa, dando suporte para que o pesquisador defenda sua tese a
partir delas. Seu objetivo é o de colocar o investigador diante de
informações relativas ao assunto de seu interesse. Por fim, Medei-
ros (2003) assinala que essa categoria de pesquisa se constitui em

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


45

uma fonte secundária, por buscar um levantamento de livros e


revistas que estão relacionados com a pesquisa que será realizada.
Este trabalho se baseia em um estudo bibliográfico no
qual foram consultados livros, artigos e revistas que apresentam
os temas relacionados ao abuso infantil, à utilização das drogas
e ao papel do professor diante de tais situações no ambiente es-
colar. Além dessas questões, a legislação brasileira vigente re-
lacionada com o tema também foi analisada, no intuito de in-
formar ao professor como ele deve atuar junto aos seus alunos
que sofrem com essas condições (BASTOS, 2008; LEITE, 2008;
MEDEIROS, 2003).

O professor diante de alunos que sofrem com abuso


sexual na infância e o uso de drogas na adolescência:
buscando ajuda e encaminhamento

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Ado-


lescente (Conanda) afirma que os abusos muitas vezes são difí-
ceis de serem percebidos e que o número de casos que não são
notificados ainda é elevado. Essa situação se caracteriza como
um grande desafio no combate aos maus-tratos, o que acaba por
prejudicar a vida de muitas crianças, geralmente causando danos
irreparáveis.
De acordo com Santos (2010), o Disque Denúncia Nacio-
nal de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescen-
tes, o Disque 1003, registrou, no período de 2003 a 2010, um cres-
cimento de 683% no número de denúncias. De janeiro a julho de

3 Consoanteo site da Unicef Brasil, o Disque Denúncia Nacional de Abuso e Ex-


ploração Sexual contra Crianças e Adolescentes é coordenado e executado pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Ele é
uma ferramenta para denunciar a violência cometida contra menores de 18 anos,
além de auxiliar no recolhimento de informações de crianças e adolescentes de-
saparecidos e no tráfico de pessoas, independentemente da idade delas. Para mais
informações, aconselha-se acessar o link: <http://www.unicef.org/brazil/pt/>.

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
46

2010, a violência sexual encontrava-se em primeiro lugar, em-


patada com as violências física e psicológica (36%), seguidas de
negligência (28%). Apesar desse crescimento, o Conanda (2010,
p. 16, grifos nossos) assinala que:
A notificação é obrigatória para os profissionais
da saúde e educação, que devem comunicá-las
ao Conselho Tutelar, mas muitos desconhecem
isso e têm dificuldades de identificar a ocorrên-
cia de práticas de violência. A efetividade dos
mecanismos de denúncia e notificação garante
a possibilidade não apenas de atendimento às
vítimas, mas também de responsabilização e
tratamento dos agressores, evitando a impunida-
de e o ciclo repetitivo da violência.
O Conanda (2010) aponta os Centros de Referência Espe-
cializados de Assistência Social (Creas) como responsáveis pelo
atendimento nessas ocorrências, e a Unicef Brasil indica o conta-
to com os Conselhos Tutelares; caso o município não possua um,
as Varas da Infância e da Juventude podem receber as denúncias.
Outros órgãos que também estão preparados para ajudar são as
Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e as Delega-
cias da Mulher, ou mesmo a utilização do Disque 100, já citado
anteriormente.
Para combater o uso das drogas e do álcool, tão prejudi-
ciais aos alunos, Moore (1999) e Pollard (1999) aconselham ao
educador e à equipe pedagógica que se faz necessário obter meios
de lidar com esses vícios.
Moore (1999, p. 163) afirma:
[...] Talvez a chave para compreender e ajudar
esteja na criação de relações de confiança entre
alunos, professores e pais; relações estas que po-
dem vencer as barreiras do medo, da negação e da
interferência, criando um ambiente que garanta
sigilo, aceitação sem críticas e apoio solidário.

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


47

Para que haja a prevenção e combate ao uso de drogas na


escola, é importante que exista um planejamento no programa
para que a instituição mostre sua visão acerca dessas substâncias,
além de buscar garantias no que se refere à proteção do aluno e
dos profissionais da escola no caso do surgimento de usuários de
drogas entre os estudantes. Um treinamento em equipe também
se faz imprescindível para a conscientização sobre o assunto e o
reconhecimento dos sintomas relacionados ao abuso das drogas,
promovendo também noções básicas de como realizar primeiros
socorros nesses casos (POLLARD, 1999).
É relevante que se saiba que:
No Brasil, o procedimento padrão no caso de uso
de drogas no espaço escolar, por menores de ida-
de, envolve as seguintes etapas: 1) em se consta-
tando, por meio de prova, o uso ilícito da dro-
ga, autua-se o usuário, encaminhando-o para o
distrito policial; 2) o delegado de polícia, por sua
vez, encaminha o ‘infrator’ à ‘unidade de policia-
mento’ governamental, na qual este permanecerá
à espera de julgamento; 3) pautado no ECA, o
juiz de menores responsável pelo caso determi-
nará a ‘medida sócio-educativa’ cabível; 5) cinco
são as possibilidades quanto às tais medidas: ‘ad-
vertência’, ‘prestação de serviços à comunidade’,
‘liberdade assistida’, ‘semiliberdade’ ou ‘privação
de liberdade’. (POLLARD, 1999, p. 176).
A violência contra as crianças e o uso de drogas ilícitas in-
felizmente fazem parte da realidade de muitas escolas e o profes-
sor pode ser um dos primeiros a notar as características associa-
das a essa situação, sendo uma figura de apoio e encaminhando
esses alunos a órgãos responsáveis pela proteção deles. Um bom
educador busca ser um ponto de segurança para os estudantes,
dando suporte e ouvindo suas histórias, procurando melhorar a
vida dos discentes (ALSOP; MCCAFFREY, 1999).

O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
48

Conclusão

Este estudo buscou auxiliar os educadores no trato de alu-


nos que sofrem com o abuso infantil e com a utilização de álco-
ol e drogas na adolescência através de informações colhidas em
diversos materiais bibliográficos que tratam sobre essa temática
(AGÊNCIA NOTISA, 2011; BRASIL, 1990; FALEIROS, E.;
FALEIROS, V., 2008).
A tarefa de ser professor não é fácil. Além dos conteúdos a
serem ensinados e todas as dificuldades relacionadas ao ambiente
escolar, é preciso que o educador acompanhe seus alunos tanto no
aspecto cognitivo quanto no afetivo. O professor é, portanto, um
dos principais atores no combate à violência expressa pelo abuso
infantil, como também na prevenção e combate ao uso de drogas
pelo adolescente, devido ao seu convívio constante e próximo aos
alunos. É, por vezes, a única figura adulta de referência positiva na
vida dessas pessoas ainda em desenvolvimento da personalidade.
Sobre o abuso infantil, foram identificados os quatro tipos
apresentados pelos DSM-5 (sexual, psicológico, físico e negligên-
cia), especificando-se as principais características de cada um. So-
bre o abuso de drogas e álcool, também foram mostrados alguns
sintomas comuns em usuários dessas substâncias. A legislação
referente à defesa das crianças e dos adolescentes adverte que o
professor deve notificar o Conselho Tutelar a respeito da suspeita
ou ocorrência de práticas de violência. O docente é também im-
portante aliado na prevenção e combate ao uso de drogas na esco-
la (ALSOP, 1999; MOORE, 1999; POLLARD, 1999; SANTOS,
2011), ressaltando-se o fato de que o professor não pode estar só
nesse processo, devendo contar com o apoio de toda a escola.
Há muitas dúvidas ainda em relação à forma de agir e de
como ajudar estudantes que sofrem com tais adversidades. Urge,
desse modo, a inclusão do assunto em cursos de formação do-
cente básica ou continuada. Mesmo com o aumento do acesso à

PRISCILLA MAZZUCCO BORBA BARBOSA • TANIA VICENTE VIANA


49

informação, ainda há um longo percurso no que se refere ao au-


xílio de crianças e de adolescentes que se encontram em situação
de risco e vulnerabilidade social, sendo necessária uma reforma
no currículo de formação de educadores, que muitas vezes são
preparados para dar aulas apenas considerando o lado cognitivo,
especificamente focados no conteúdo, relegando o aspecto socio-
afetivo a um segundo plano.
Que as questões aqui discutidas possam servir de subsí-
dio para a formação de educadores que se preocupam com seus
alunos de forma integral, visando ao desenvolvimento pleno das
potencialidades de cada um. Proteger os direitos da criança e
do adolescente é uma condição necessária para uma vida digna,
saudável e feliz, contribuindo, destarte, para uma sociedade mais
humana, justa e igualitária.

Referências

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O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
50

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O ABUSO INFANTIL E AS DROGAS: O PROFESSOR EM DEFESA DOS DIREITOS


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ESPAÇO ESCOLAR
52

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS
COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DO
PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO
SUPERVISIONADO DA UNILAB

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestra em Educação
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), especialista em Gestão Escolar pela Universidade Es-
tadual de Santa Catarina (Udesc) e em Educação Biocêntrica pela UECE e graduada em Letras pela
UFC e em Pedagogia pela Faculdade Evangélica do Piauí (Faepi). É professora efetiva da Universida-
de Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Vice-líder do grupo de pesquisa e extensão
Educação e Cooperação Sul-Sul (Eloss) e participa do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação
do Educador (Gepefe).
E-mail: <elisangelaandre@unilab.edu.br>.

SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Ceará (UFC), mestra em Educação
em Saúde pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e graduada em Pedagogia pela UFC. Professora
adjunta da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Desen-
volve pesquisas nas áreas de Formação de Professores, Violência na Escola, Mediação de Conflitos
Escolares, Direitos Humanos e Cidadania.
E-mail: <sinaramota@unilab.edu.br>.
53

Introdução

N ossa experiência como professoras de Estágio Curricu-


lar Supervisionado, nos cursos de licenciatura do Instituto de
Ciências Exatas e da Natureza da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), toma como
referência a concepção de Estágio como atividade teórica instru-
mentalizadora da práxis docente (PIMENTA; LIMA, 2008), que
indica a necessidade de diálogo crítico permanente entre teoria e
prática. Tal referência tem nos levado a refletir sobre os elemen-
tos presentes no contexto político, econômico, social e cultural
da contemporaneidade e sobre a forma como afetam o cotidiano
da sala de aula, tanto na Educação Básica quanto na Educação
Superior.
Apesar dos avanços registrados no campo das políticas so-
ciais brasileiras, nas quais se inclui a educação, é necessário reco-
nhecer que a desigualdade das condições materiais de existência
da população – aliada à pressa –, a superficialidade e o culto à
novidade, que se constituem como fortes marcas da sociedade
contemporânea, têm dificultado o desenvolvimento do trabalho
que se faz necessário para a construção de uma visão mais crítica
e reflexiva da realidade nos contextos de formação.
As tecnologias da informação e comunicação (TIC), em
especial, representam a tensão entre as possibilidades de de-
senvolvimento da criticidade e da alienação nos processos edu-
cativos, uma vez que possibilitam, por um lado, o acesso mais
democrático ao conhecimento construído historicamente pela
humanidade; e, por outro, o acesso a caminhos abreviados, de

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
54

respostas prontas, numa perspectiva de consumo acrítico de in-


formações. Assim, em nosso cotidiano de trabalho, as TIC tanto
podem aparecer como aliadas quanto como rivais no desenvolvi-
mento das atividades educativas de natureza emancipatória.
A partir desse contexto, passamos a nos indagar: como a
articulação entre Estágio Curricular Supervisionado e as TIC
pode favorecer o desenvolvimento de um olhar mais crítico e
problematizador dos estudantes estagiários? Dessa indagação
nasceu a experiência de construção de videodocumentários so-
bre os contextos escolares no período letivo de 2014.3. Essa ex-
periência, após avaliação positiva inicial pelos estudantes, vem
sendo aperfeiçoada em outras turmas, no sentido de agregar ele-
mentos que a qualifiquem como estratégia inovadora de constru-
ção de conhecimentos sobre a profissão docente.
Neste texto, recapitulamos questões de natureza teórica
sobre a relação entre TIC e educação, com foco voltado para a
formação e trabalho docente. Em seguida, apresentamos elemen-
tos relativos ao contexto, situando o Estágio Curricular Super-
visionado no curso de licenciatura em Ciências da Natureza e
Matemática da Unilab e, por fim, apresentamos a avaliação de
alunos envolvidos no processo, através da análise de instrumen-
tal avaliativo aplicado ao final da experiência.
Este texto tem como objetivo avaliar a construção de vide-
odocumentários sobre os contextos escolares, como estratégia in-
vestigativo-formativa dos licenciandos em Ciências da Natureza
e Matemática da Unilab no contexto do Estágio Supervisionado.

Tecnologias da informação e comunicação e suas


relações com os processos formativos

A discussão sobre as TIC e suas relações com os proces­


sos formativos no contexto contemporâneo surge de forma
cada vez mais constante nos espaços de formação e trabalho

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


55

docente, em decorrência de sua forte presença na vida de cada


um de nós. Tal reflexão, no entanto, não pode colocar as citadas
tecnologias como elemento central de onde são desencadeadas
as inúmeras transformações vividas na contemporaneidade. É
fundamental, desde o início, reconhecê-la como instrumento
de mediação na propagação de valores e princípios que hege-
monicamente se consolidam nos diferentes espaços de sociali-
zação (SIBILIA, 2012).
A partir dessa reflexão inicial, destacamos que a socieda-
de contemporânea é marcada por uma série de questões que se
relacionam de maneira contraditória. São exemplos dessa afir-
mativa elementos como a geração de riqueza e a desigualdade
de distribuição de renda; a evolução científica e os altos índices
de analfabetismo ainda presentes em países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento; a redução das fronteiras geográficas e
o aumento da desigualdade social, entre tantas outras questões.
A escola, como espaço de convergência de práticas so-
ciais, revela, cotidianamente, as formas como tais contradições
se expressam: a desigualdade de oportunidades econômicas e
culturais; as situações de vulnerabilidade social, como violência,
exploração, abandono, entre outras situações que se traduzem
como processos de desumanização. Além das questões relacio-
nadas às condições materiais de existência, evidencia-se ainda
a transformação nas relações do homem com o mundo, com o
outro e consigo mesmo. Segundo D’Ávila (2008, p. 34):
[...] com a aceleração na velocidade das infor-
mações (impulsionada pelo advento da Inter-
net e da cibercultura), mudam também as re-
lações humanas e a relação dos homens com o
tempo. São égides da vida urbana: a pressa, a
superficialidade das relações, os conflitos mo-
rais, os conflitos paradigmáticos nas ciências,
os valores sociais e individuais.

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
56

Como resultado prático dessas transformações, é possível


perceber que a paciência perde lugar para a pressa; a reflexão
perde lugar para as respostas prontas; os processos perdem lugar
para os produtos; as pessoas perdem lugar para as coisas; e o ser
perde lugar para o ter. Assim, a escola e os educadores lidam,
constantemente, com a descrença na importância da educação,
por se constituir como um processo longo e complexo, com valo-
res como o respeito e a solidariedade, tão necessários às institui-
ções que lidam com a formação humana.
Surge desse contexto o desafio de construir um ambiente
institucional que favoreça o diálogo, a reflexão, a sensibilidade e
o respeito às diferenças e à construção do conhecimento, aliando
a modernidade e a evolução científico-tecnológica a um compro-
misso com o ser humano e sua emancipação.
Nesse sentido, Charlot (2008, p. 31) questiona:
Herói, o professor brasileiro? Vítima? A meu
ver, na sociedade contemporânea, ele é, antes
de tudo, um trabalhador da contradição. Como
o policial, o médico, a assistente social e alguns
outros trabalhadores, ele consta daqueles cuja
função é manter um mínimo de coerência, por
mais tensa que seja, em uma sociedade rasgada
por múltiplas contradições. São trabalhadores
cujo profissionalismo inclui uma postura ética.
E, se possível for, o senso de humor.
Como complemento à reflexão trazida pelo autor, afirma-
mos que só podemos nos movimentar dentro desse campo de
contradições na medida em que nos aproximamos da dimensão
humana e ética de nossa profissão. É compreendendo o lugar
de onde o nosso aluno nos fala que podemos interpretar melhor
suas angústias, suas resistências, suas carências, suas preferên-
cias, seus saberes e suas vivências, constituindo pontes entre a
sua experiência pessoal e os horizontes formativos que a escola

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


57

propõe. Dessa forma, na medida em que a escola promove o di-


álogo entre os sujeitos da prática educativa, avança na constitui-
ção de si mesma como um espaço social e cultural de valorização
da diversidade e de negociação de prioridades.
A partir das reflexões apresentadas, podemos reconhecer
as TIC como elementos de difusão de valores, através dos dife-
rentes conteúdos que suportam. É fato que as citadas tecnologias
invadem o nosso cotidiano e se tornam parte de nosso dia a dia,
na realização das mais diferenciadas atividades, desde o lazer
até a realização de nosso trabalho. A forte presença das TIC nos
faz, inclusive, deixar de reconhecê-las como aparatos tecnoló-
gicos construídos pela humanidade e perpassados pelos valores
da sociedade em que vivemos, numa perspectiva de naturaliza-
ção de sua existência e das diferentes finalidades que cumprem.
Compreendemos que, longe de serem concebidas nos processos
educativos como instrumentos neutros, as TIC precisam ser pro-
blematizadas em relação ao seu uso e conteúdos, de modo que
possamos perceber criticamente que subjetividades as mesmas
estão ajudando a construir (SIBILIA, 2012).
Tomando como referência o pensamento de Lévy (1999,
p. 13), de que “[...] Os instrumentos que construímos nos dão
poderes, mas, coletivamente responsáveis, a escolha está em
nossas mãos”, é necessário que nós, na condição de educadores,
passemos a planejar formas de estabelecimento de um diálogo
pedagógico entre educação e TIC. Em vez de considerá-las como
concorrentes desleais, podemos usar todo seu potencial formati-
vo e todo o encantamento e interesse de nossos estudantes por
esses instrumentos a favor da aprendizagem.
Estabelecendo objetivos claramente definidos e estraté-
gias cuidadosamente pensadas, podemos, na qualidade de edu-
cadores, fazer frente aos desafios postos pelo contexto atual; su-
perar o individualismo através da aprendizagem pela interação

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
58

e pelo trabalho coletivo; avançar da perspectiva da pressa e im-


paciência, que conduzem à busca por respostas prontas, para a
paciência pedagógica de buscar respostas criativas e críticas para
problemas concretos; suplantar a valorização excessiva de pro-
dutos para dar importância às aprendizagens presentes no pro-
cesso de construção do conhecimento; perceber a importância
dos espaços virtuais e das tecnologias, sem negar a importância
da presencialidade e da humanização das relações. É a partir des-
ses referenciais que acreditamos poder articular, de forma mais
humana e emancipatória, educação e tecnologia.

A Unilab e as propostas de Estágio Supervisionado

O curso de Ciências Exatas e da Natureza (CNeM) da


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
-Brasileira (Unilab) tem como objetivo preparar um profissional
docente com sólida formação em Matemática e em Ciências da
Natureza para o Ensino Fundamental, integrada a uma habilita-
ção específica para o Ensino Médio, em Biologia, Química, Fí-
sica ou Matemática, associada ao domínio dos saberes referentes
às suas respectivas didáticas e conteúdos, visando construir e ad-
ministrar situações de ensino e aprendizagem (UNILAB, 2014).
A disciplina de Estágio Curricular Supervisionado do
CNeM da Unilab é realizada no contexto de vivência profissio-
nal da docência, através de atividades e aulas teórico-práticas.
De caráter obrigatório a partir do 7o trimestre letivo, sendo com-
preendida como oportunidade de inserção dos futuros licencia-
dos na realidade escolar.
Alarcão (1996) destaca que o Estágio Supervisionado deve
ser considerado tão importante quanto os outros conteúdos cur-
riculares. Corroborando essa ideia, Pimenta (2006, p. 183) escla-
rece que:

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


59

O estágio supervisionado é um dos componen-


tes do currículo do curso de formação de pro-
fessores. Currículo que é profissionalizante,
isto é, prepara o exercício de uma profissão.
Essa preparação é uma atividade teórica, ou
seja, uma atividade cognoscitiva (conhecer) e
teleológica (estabelecer finalidades; antecipar
idealmente uma realidade que ainda não existe
e que se quer que exista).
Nesse contexto, o Estágio Supervisionado constitui-se
como um espaço que subsidiará ao futuro professor o diálogo re-
flexivo entre os conhecimentos teóricos e práticos. Ou seja, “[...]
a ação reflexiva no estágio curricular supervisionado precisa ul-
trapassar a racionalidade técnica da hora da prática ou de apren-
der a passar a matéria” (LIMA; COSTA, 2014, p. 46), avançando
para o reconhecimento do mesmo como práxis.
A perspectiva de formação presente no Estágio Supervi-
sionado dos cursos de licenciatura da Unilab relaciona-se com
a ideia de construção da profissionalidade docente dos gradu-
andos, a partir do contato com a instituição escolar. Portanto,
essa interação deve “[...] aprimorar os conhecimentos técnicos e
científicos; observar a interação existente entre os sujeitos que
atuam em uma sala de aula; organizar e planejar as atividades
de ensino; vivenciar as ações pedagógicas presentes na esco-
la; e, por fim, repensar a ação docente” (MOTTA; ­SILVEIRA,
2012, p. 57).
Destarte, o Estágio Supervisionado deve garantir aos gra-
duandos uma melhor compreensão do trabalho docente, criando
um movimento entre as habilidades e competências obtidas no
decorrer do curso. Assim sendo, os futuros docentes entenderão
a escola como um ambiente interativo, no qual trabalhar e for-
mar não sejam atividades desconectadas.

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
60

A construção de videodocumentários no contexto do


Estágio Supervisionado

Considerando o potencial pedagógico das TIC e a necessi-


dade de desenvolvimento de um olhar problematizador, crítico
e investigativo por parte dos estudantes estagiários em relação
à escola como lócus de aprendizagem da profissão, foi proposta
na disciplina Estágio IV, do curso de licenciatura em Ciências
da Natureza e Matemática, a produção de videodocumentários
como atividade avaliativa final. Tal atividade teve como objetivo
registrar as observações realizadas nas escolas-campo em movi-
mento, com destaque para a ações da gestão escolar e dos proje-
tos desenvolvidos na escola.
A construção dos videodocumentários articulou-se com as
atividades de ensino e pesquisa desenvolvidas na universidade e
na escola-campo, que se encontravam previstas no programa de
disciplina apresentado e discutido junto aos estudantes no início
do período letivo 2014.3, conforme apresenta o quadro 1.

Quadro 1 – Atividades desenvolvidas na construção dos


videodocumentários (continua)
1. Discussão do programa da disciplina e da proposta de Estágio com
Pesquisa;
2. Leitura e discussão de textos teóricos sobre Estágio Curricular Su-
pervisionado, considerando o que a escola em movimento tem a nos
ensinar;
3. Divisão da turma em grupos para a realização dos trabalhos de pesqui-
sa na escola;
4. Orientação das atividades de Estágio – construção coletiva de roteiros
de observação;
5. Visitas nas escolas de Ensino Médio da região do Maciço de Baturité
para a realização de observação, levantamento documental, entrevistas
e filmagens;
6. Retorno à universidade para a realização de encontros de reflexão so-
bre a prática, análise comparativa dos dados levantados pelas equipes;

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


61
(conclusão)
7. Realização de palestra/oficina sobre a produção de videodocumen-
tários;
8. Planejamento da produção dos vídeos: construção de roteiros, análise
e seleção de dados e imagens para a composição dos vídeos;
9. Retorno à escola para a complementação de informações;
10. Edição final;
11. Socialização do vídeo em sala de aula.
Fonte: Elaboração própria a partir do programa de disciplina de Estágio Curri-
cular Supervisionado (2014).

Para finalizar a ação, foi aplicado um formulário eletrôni-


co com perguntas abertas sobre a avaliação dos alunos a respeito
da elaboração do videodocumentário como atividade da discipli-
na de Estágio IV. Na oportunidade, as falas convergiram para o
reconhecimento de que o pouco domínio dos recursos tecnoló-
gicos e os problemas relativos ao tempo disponível para o desen-
volvimento da experiência de produção de videodocumentários
não se sobrepuseram ao potencial pedagógico das tecnologias da
informação e comunicação, através da produção de videodocu-
mentários, nos processos de formação de professores.
Considerando o sucesso da experiência, resolvemos aper-
feiçoá-la no período letivo 2015.2, no contexto da mesma discipli-
na. A sequência das atividades foi retomada e a ela foi integrada
a vivência de uma formação específica em produção de videodo-
cumentários, através da colaboração do Centro de Educação a
Distância do Ceará (CED)1, localizado no município de Sobral.
Essa instituição, que já havia acolhido os alunos de Está-
gio da turma 2014.3, em um evento denominado Media Weekend,
1 Criado em 2014, o Centro de Educação a Distância do Ceará (CED) é um
centro de referência e excelência pioneiro no país na formação de diretores,
professores, estudantes e de todos os profissionais da rede pública de Educa-
ção Básica do estado do Ceará, da capital e do interior, com ênfase no uso das
tecnologias digitais de informação e comunicação e no desenvolvimento de
sistemas, mídias e multimídias digitais com foco na melhoria da qualidade da
educação por meio da modalidade de ensino semipresencial e da educação a
distância (EaD).

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
62

no ano de 2015, ao receber nossa solicitação de colaboração para


o aperfeiçoamento dos conhecimentos dos estagiários no que diz
respeito à produção de videodocumentários, elaborou e ofertou
especificamente para a turma de 2015.2 uma oficina com carga
horária de 12h/aula, conduzida por uma jornalista e um video-
documentarista.
Dentre os objetivos da citada oficina, destacamos o pro-
pósito de “[...] fomentar o uso das novas tecnologias da infor-
mação e comunicação como recursos de mediação e articulação
dos processos de ensinar e aprender presentes na formação de
professores” (CED, 2016). Os conteúdos abordados foram distri-
buídos em três diferentes momentos, como é possível visualizar
no quadro 2.

Quadro 2 – Conteúdo programático da oficina de


videodocumentários (continua)
Eixos temáticos Conteúdos
a) Contexto histórico, social e cultural do municí-
I – Compreendendo a
pio de Sobral;
educação como práti-
b) Equipamentos educativos.
ca de diferentes con-
textos e equipamen-
tos do município.
a) Estruturas narrativas
• Estilos de documentários;
• Modos estéticos do documentário, segundo Bill
Nichols;
II – Elementos teó- • Roteiro;
ricos da produção de • Ideia;
videodocumentários: • Valorização da escrita como processo criativo;
estruturas narrativas, • Roteiro;
roteiro e produção. • Produção: conceitos básicos para a produção de
documentário;
• Planejar, organizar e executar as ações necessá-
rias para a filmagem.

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


63
(conclusão)
a) Operação de câmera
• Breve introdução às técnicas e possibilidades de
linguagem da fotografia, como a utilização da luz
natural, luz artificial, efeitos e truques;
• Composição, regra dos terços, angulações de câ-
mera, objetiva;
• Trabalhando com planos e movimentos de câme-
ra na prática.
b) Som
• Breve introdução às possibilidades estéticas do
som;
III – Elementos prá- • Edição;
ticos da produção de c) Edição.
videodocumentários: • Conceitos de montagem.
operação da câmera, • Edição com Final Cut/Premiere;
som e edição. • Ferramentas de edição direto na timeline;
• Saídas de vídeo;
• Composição, regra dos terços, angulações de câ-
mera, câmera subjetiva;
• Trabalhando com planos e movimentos de câme-
ra na prática;
• Breve introdução às possibilidades estéticas do som;
• Edição;
• Conceitos de montagem;
• Edição com Final Cut/Premiere;
• Ferramentas de edição direto na timeline;
• Saídas de Vídeo.
Fonte: Elaboração própria a partir de CED (2006).

O desenvolvimento da oficina proporcionou aos estagiá-


rios o aprofundamento da compreensão da proposta de produção
dos vídeos na disciplina Estágio Supervisionado, com destaque
para a perspectiva interdisciplinar desencadeada pela interlo-
cução de profissionais de diferentes áreas, como: a) Professoras
orientadoras de Estágio – Pedagogas; b) Monitores dos equipa-
mentos históricos de Sobral – História; c) Facilitadores da Ofi-
cina de videodocumentários – Jornalistas.
Cada um desses profissionais trouxe, para os estudantes,
elementos que evidenciaram a compreensão da educação como
uma prática social concreta, na qual interagem determinantes de

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
64

natureza social, política, econômica, histórica e cultural (BRAN-


DÃO, 2009). Possibilitou ainda a necessidade de valorização das
identidades dos sujeitos como forma de expressão das diferentes
maneiras de ser e estar no mundo (FREIRE, 1987).
Desse modo, houve a contextualização das orientações
da disciplina de Estágio voltadas para a realização do processo
investigativo que vinha sendo realizado nas escolas de Ensino
Médio da Região do Maciço de Baturité, no Ceará. Nessas orien-
tações, os olhares e registros dos estudantes deveriam organizar-
-se em três momentos diferenciados: Momento I – O entorno
da escola, o relacionamento entre os sujeitos e a relação entre
estrutura e funcionamento; Momento II – Relação entre o es-
crito e o vivido no projeto político-pedagógico (PPP); Momento
III – Projetos desenvolvidos e visão dos sujeitos sobre a escola.
Na condição de professoras, compreendemos que a ofi-
cina colaborou com o processo de compreensão de que a reali-
dade pode ser capturada de diferenciadas maneiras – através de
imagem, texto e som, destacando que tais estratégias de aproxi-
mação com a realidade não podem ser desvinculadas de proces-
sos de pesquisa que permitam ao estudante realizar uma leitura
crítica, que supere a perspectiva narrativa na sistematização do
conhecimento em direção a uma perspectiva reflexiva (LIMA;
COSTA, 2014).

O olhar dos estudantes sobre a oficina de


videodocumentários

Ao final da oficina, depois de terem experimentado de for-


ma concreta o diálogo entre TIC e educação no contexto da forma-
ção de professores, os estudantes foram convidados a preencher
um formulário eletrônico voltado para a avaliação da experiência,
constituído das seguintes questões: a) O que você achou da pro-
posta de produção de videodocumentários no ­Estágio Supervisio-

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


65

nado? b) Avalie as contribuições da produção de videodocumen-


tários para sua formação acadêmica; c) Apresente sugestões para
aprimoramento da oficina de videodocumentários.

a) A proposta de produção de videodocumentários


Ao indagar sobre o que os estudantes acharam da proposta
de produção de videodocumentários no Estágio Supervisionado,
suas respostas destacaram a inovação com relação à ­oportunidade
de construção de novos conhecimentos:
Uma ótima experiência, produtiva e essencial para
uma graduação completa! (E1).
É uma ótima oportunidade de podermos crescer nes-
ta área, envolvendo as práticas obtidas na escola,
para que nossos futuros alunos possam compreender
com mais clareza as atividades repassadas pelo pro-
fessor. (E2).
Inovador e de suma importância para a elaboração
do nosso trabalho. (E3).
Uma boa oportunidade de se apreender mais como
se fazer um vídeo bem feito. (E4).
Eu achei que essa proposta foi bacana para qual-
quer um de nós, porque, durante a nossa trajetória,
ela irá nos facilitar na produção de qualquer video-
documentário. (E5).

A fala dos estudantes nos remete à necessidade de reflexão


sobre o papel das TIC nos processos educativos, sobretudo os
desenvolvidos na escola. Tal reflexão nos reporta à premência
de inclusão, nos currículos da formação inicial de professores,
de elementos que respondam a essa demanda social de maneira
crítica, de modo que a mesma se constitua como mediadora e
facilitadora do processo de construção do conhecimento, como
afirma Kenski (2013).

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
66

b) Contribuições da produção de videodocumentários


para sua formação acadêmica
Quando solicitamos aos estudantes que avaliassem as con-
tribuições da produção de videodocumentários para sua forma-
ção acadêmica, verificamos o destaque para as ideias relaciona-
das ao potencial pedagógico dos vídeos para a formação e para a
futura atuação profissional, além do alargamento da proposta de
Estágio, superando a ideia da mera observação e preenchimento
burocrático de instrumentais:
O videodocumentário é uma ótima ferramenta para
guardar experiências e aprendizagens de modo vivo
e interativo. (E1).
É uma ótima ferramenta didática, que possibilitará
em nossa aprendizagem facilidades de transmissão
do conhecimento e saberes pedagógicos. (E2).
A oficina contribui para uma formação mais com-
pleta e inovadora, quebrando a ideia de que o Está-
gio Supervisionado se explica apenas como observa-
ção do ambiente escolar. (E3).
Vai ser de grande importância e aproveitamento
para minha formação. (E4).
Essa proposta foi muito útil para mim como estu-
dante e como profissional. Essa produção contribui-
rá muito na minha formação acadêmica. (E5).
As falas dos estudantes demonstram tanto a necessidade
de abordagem de temáticas pertinentes à vivência da profissão
de professor na sociedade contemporânea quanto a possibilidade
de o Estágio se constituir como uma oportunidade de diálogo
com as escolas públicas, numa perspectiva de construção da pro-
fissionalidade docente (PIMENTA; LIMA, 2008).

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


67

c) Sugestões para aprimoramento da oficina de video-


documentários
Ao convidarmos os estudantes a apontarem sugestões de
aprimoramento da oficina de videodocumentários, os mesmos
indicaram a necessidade de continuidade, aprofundamento e
mais investimento no tempo destinado à formação:
Construir uma continuidade durante os Estágios
Supervisionados. (E1).
As universidades deveriam fazer oficinas, cursos ou
até especialização na área das TIC, que é muito vis-
ta nas escolas. Hoje existem universidades que estão
especializando os professores nesta área. (E2).
Tem a melhorar apenas no período de realização
da oficina, pois isso traria melhor resultado para os
alunos no ponto de vista da aprendizagem. (E3).
Mais participação dos envolvidos. (E4).
A oficina foi bacana, mas não foi suficiente para
aprimorar o meu conhecimento em relação ao as-
sunto abordado, mas se precisa de tempo e prática
para poder aprender mais coisas novas. (E5).
O conjunto de falas indica a necessidade de fortalecimen-
to de uma formação mais próxima da realidade, que responda
aos desafios que emergem dos contextos de exercício da profis-
são. A perspectiva mais orgânica de formação, de continuidade
de processos e de aprofundamento de conhecimentos justifica o
princípio da articulação entre ensino, pesquisa e extensão (SE-
VERINO, 2011).

Considerações

Ao longo deste texto, buscamos apresentar a avaliação da


oficina sobre construção de videodocumentários sobre os con-

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
68

textos escolares, como estratégia investigativo-formativa dos li-


cenciandos em Ciências da Natureza e Matemática da Unilab no
contexto do Estágio Supervisionado.
As reflexões sobre a relação entre a educação e as TIC
apontaram tanto para a necessidade de reconhecimento do po-
tencial pedagógico dessa relação quanto para o imperativo de
uma abordagem crítica do papel que as mesmas desempenham
no processo de construção das subjetividades dos estudantes.
Como as TIC suportam quaisquer conteúdos, faz-se necessária
uma leitura crítica dos diferentes projetos de homem e socieda-
de que se fazem presentes nas informações, valores e princípios
veiculados.
Na reflexão sobre o Estágio Supervisionado do curso de li-
cenciatura em Ciências da Natureza e Matemática, visualizamos
o compromisso da Unilab em promover uma formação interdis-
ciplinar que atenda às demandas existentes no contexto em que
se insere, propondo uma forte articulação entre universidade e
escolas de Educação Básica do Maciço de Baturité.
A experiência da produção de videodocumentários se ex-
pressa como uma inovação no contexto de desenvolvimento da
disciplina Estágio Supervisionado, agregando as TIC como um
elemento mobilizador do trabalho coletivo, da reflexão e da pes-
quisa como um importante componente na formação de profes-
sores. A avaliação dos estudantes participantes da experiência
aponta para o reconhecimento das TIC como elemento consti-
tuinte do contexto das práticas profissionais dos educadores que
precisa ser mais cuidadosamente trabalhado nos processos de
formação inicial.

Referências

ALARCÃO, I. (Org.). Formação reflexiva de professores: estratégias


de supervisão. Porto: Porto, 1996.

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA • SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


69

BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 2009.


CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Projeto da oficina
de produção de videodocumentários. Sobral: CED, 2016.
CHARLOT, B. O professor na sociedade contemporânea: um
trabalhador da contradição. Revista da FAEEBA: Educação e
Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 17-31, 2008.
D’ÁVILA, C. Formação docente na contemporaneidade: limites
e desafios. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneida-
de, Salvador, v. 17, n. 30, p. 33-41, 2008.
FREIRE, P. A pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informa-
ção. São Paulo: Papirus, 2013.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.
LIMA, M. S. L.; COSTA, E. A. S. A formação do professor para
o trabalho em Educação de Jovens e Adultos: lições do estágio
curricular supervisionado. In: ALMEIDA, M. I.; PIMENTA, S.
G. (Org.). Estágios supervisionados na formação docente. São Paulo:
Cortez, 2014. p. 41-67.
MOTTA, M. S.; SILVEIRA, I. F. Estágio supervisionado e tec-
nologias educacionais: estudo de caso de um curso de licenciatu-
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SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. São
Paulo: Cortez, 2011.
SIBILIA, P. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
UNILAB. Programa da disciplina Estágio Supervisionado IV. Aca-
rape: Unilab, 2014.

A PRODUÇÃO DE VIDEODOCUMENTÁRIOS COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO


DO PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UNILAB
70

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS

ALANNA OLIVEIRA PEREIRA CARVALHO


Doutoranda e mestra em Educação Brasileira, na linha de pesquisa em Avaliação Educacional, e
graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora de Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – cam-
pus Baturité.
E-mail: <alannaop1@hotmail.com>.

ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora adjunta do
Departamento de Teoria e Prática do Ensino (DTPE) da Faculdade de Educação (Faced) da UFC. Foi
coordenadora adjunta do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) entre 2013 e
2014 e de outros programas de formação de professores alfabetizadores, a exemplo do Programa
de Alfabetização na Idade Certa (Paic) e do Sistema Alfa Bahia. Atualmente é coordenadora téc-
nica do Sistema de Monitoramento e Avaliação do Pro­grama Seguro-Desemprego, coordenadora
pedagógica do Programa Palavra de Criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e
coordenadora do curso de extensão Costurando Histórias. Coordenadora de projetos e acompanha-
mento curricular (Copac) da Pró-Reitoria de Graduação da UFC.
E-mail: <apmedeiros.ufc@gmail.com>.

SYLVIE DELACOURS LINS


Pós-Doutora pelo Institut National de Recherche Pédagogique, doutora e mestra em Educação pela
Université Paris V e graduada em Psicologia pela Université Paris VIII. Atualmente é professora de
Psicologia da Educação do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <sylviedlins@hotmail.fr>.
71

Introdução

E ste artigo investiu na temática da leitura e intentou in-


vestigar como os professores alfabetizadores a compreendem. É
certo que a leitura se configura como uma habilidade que, por
vezes, não costuma refletir sobre seus mecanismos. Ela se natu-
raliza no indivíduo, porém os processos pedagógicos que envol-
vem seu ensino são influenciados pela concepção de leitura que
os docentes possuem.
O ensino da leitura no Brasil, assim como em outras partes
do mundo, não se deu de forma neutra ou desvinculada de uma
cultura, de uma classe social, de um objetivo. A escola emergiu
nesse contexto como o lugar que sistematiza os mecanismos e
conteúdos próprios da aquisição da leitura e da escrita e os tra-
balha didaticamente para ofertar aos aprendizes a oportunidade
de se apropriarem das competências que envolvem o ato de ler e
de escrever.
Diante disso, alguns questionamentos referentes ao papel
da escola e dos professores se evidenciam nas investigações sobre
os processos de aprendizagem da leitura pelas crianças. Dentre
eles, destacam-se: (1) Como a leitura é desenvolvida na escola?
(2) Como os professores trabalham a leitura? (3) O que os pro-
fessores pensam sobre a leitura? (4) As concepções de leitura dos
professores impactam em como eles acreditam que as crianças
aprendem a ler? O presente artigo tem a proposição de desvelar
alguns desses questionamentos, considerando a fala dos profes-
sores que atuam no ciclo de alfabetização de uma escola da rede
pública do município de Pacajus, no Ceará.

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
72

Dessa forma, o presente artigo apresenta os resultados de


uma investigação de natureza qualitativa, cujo percurso metodo-
lógico envolveu a aplicação de um questionário a três professoras
dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Na análise dos dados,
foram extraídas três categorias: as concepções docentes sobre lei-
tura, o ensino e avaliação da leitura e a participação da escola na
aprendizagem da leitura.

Um passeio histórico e teórico sobre a leitura

É notório que as primeiras iniciativas sobre a prática da


leitura, ao longo da história brasileira, percorreram um caminho
bem peculiar, considerando-se o lugar de dependência que o país
ocupava.
Nos tempos do Brasil Colônia, os escritores brasileiros
dependiam de uma aprovação portuguesa para a publicação de
seus escritos. Em decorrência disso, a evolução literária do país
caminhava lentamente. Como consequência, agravava-se o qua-
dro da população analfabeta brasileira, que se arrastou de forma
mais preocupante até o final do século XIX: cerca de 70% da
população total era analfabeta (LAJOLO; ZILBERMAN, 1996).
Esse quantitativo expressava, dentre outros fatores, a falta de
interesse pela leitura e, por conseguinte, de materiais escritos
disponíveis à população.
De fato, o acesso a esses materiais escritos era restrito a
uma parcela da população, e esse aspecto acentuou a partição so-
cial. A leitura passou a distinguir o homem comum e sua cultura
oral do homem intelectual e sua cultura científica. A disparidade
entre uma sociedade leiga e outra de caráter intelectual influen-
ciou, inclusive, as práticas de alfabetização nas escolas nos tem-
pos da Primeira República.
Ao longo da história educacional brasileira, foram defini-
das muitas políticas que envolveram a democratização do acesso

ALANNA OLIVEIRA PEREIRA CARVALHO • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


SYLVIE DELACOURS LINS
73

aos materiais escritos. Porém, o histórico da exclusão, que per-


meou por muito tempo as práticas escolares, provocou um gran-
de déficit intelectual e cultural na população. Como exemplo
disso, pode-se destacar o fato de que famílias com condições eco-
nômicas mais favoráveis têm maiores possibilidades de ofertar
às crianças um contato com a leitura muito mais significativo e
prazeroso – pois, além de ter o adulto como exemplo de leitor, há
as condições necessárias para adquirir os instrumentos de leitura
que satisfaçam a vontade curiosa das crianças. Já aquelas famílias
mais desfavorecidas economicamente não têm muitas condições
de ofertar às crianças as mesmas condições de práticas leitoras
das famílias mais abastadas.
Kleiman (1995) menciona em seus estudos que os eventos
de letramento em famílias mais favorecidas e menos favoreci-
das que investigou no contexto norte-americano se replicam no
contexto brasileiro. A reprodução do status quo pela escola le-
gitima as situações de analfabetismo, visto que a concepção do
letramento desenvolvida não engloba as especificidades dessa
partição social que a escola faz, constituindo-se de característi-
cas de uma lógica neutra que a escrita ocupa, desde a correlação
entre a aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo do
indivíduo à atribuição de “poderes” aos grupos que a possuem
(KLEIMAN, 1995). Essa situação expõe o patamar em que a es-
cola brasileira vem atuando no tratamento da leitura e da escrita.
É preciso compreender qual conceito permeia a prática da leitu-
ra para que se possa compreender as estratégias didáticas diante
do ensino na escola.
O ensino da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental
deve reconhecer o direito à escolarização das crianças de famílias
menos favorecidas, prescindindo de “[...] uma reflexão sobre o
conflito cultural e linguístico criado devido à diferença existente
entre a cultura e a linguagem das camadas populares e entre a
cultura e a linguagem que são instrumento e objetivos da escola

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
74

– a cultura e a linguagem das classes dominantes” (SOARES,


2015, p. 100). E a leitura, como um dos eixos desse componente
curricular, deve se relacionar às práticas sociais implicadas tanto
na vivência do aluno quanto na cultura escolar de que ele parti-
cipará. Essas são recomendações presentes nos documentos ofi-
ciais que orientam o ensino contemporâneo.
O ensino tradicional, muitas vezes, destinou à leitura uma
tarefa de dever social: saber ler para participar da sociedade, do
mercado de trabalho, considerando a escolarização como uma
saída para a mobilidade social e perpetuação de um conhecimen-
to clássico institucionalizado. As mudanças globais decorridas
desde os anos de 1980 trazem à educação uma crítica à escolari-
zação como meio de cidadania e participação de todos nessa so-
ciedade. As práticas de alfabetização inserem-se num panorama
mais amplo, caracterizando-se pelas práticas sociais implicadas
na vida do sujeito, assim como a leitura. A leitura autônoma se
dá a partir de uma aprendizagem significativa da própria leitu-
ra, a qual, segundo Ausubel (1968, 1978, 1980 apud MOREIRA,
1993), ocorre quando a nova informação ancora-se em conceitos
ou proposições relevantes, preexistentes na estrutura cognitiva
do aprendiz. Com isso, a compreensão leitora da criança equiva-
le a um processo que relaciona os seus conhecimentos e experi-
ências com aquela nova informação.
A leitura, de acordo com Solé (1998, p. 22, grifo do autor),
“[...] é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste
processo tenta-se satisfazer [obter uma informação pertinente para]
os objetivos que guiam sua leitura”. Dessa forma, a leitura neces-
sita de compreensão e interpretação para se situar diante do ob-
jetivo que apresenta e das informações que busca, ausentando-se
de uma simples prática de decodificação.
Entender a leitura em um panorama mais global ­evidencia
as diversas funções e objetivos da leitura, desde a obtenção de in-
formações precisas ou gerais até a busca por um prazer próprio.

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SYLVIE DELACOURS LINS
75

Nesse sentido, Morais (1996, p. 13) afirma que “[...] não lemos
todos um mesmo texto da mesma maneira”, pois o sentido do
texto é construído na intenção do texto-sujeitos, não há como
predizer o significado dessa interação, pois interferem fatores
sociais, cognitivos, situacionais e subjetivos do próprio sujeito
(KOCH; ELIAS, 2013).
Os objetivos mais trabalhados da leitura pela escola são:
ler para praticar a leitura em voz alta e ler para verificar o que se
compreendeu, o que torna a imagem da leitura na escola desinte-
ressante ou enfadonha (SOLÉ, 1998). Esses objetivos são alguns
dentre vários outros que a leitura pode englobar, por isso ­faz-se
necessário entendê-los em sua diversidade para exercitá-los na
escola de forma a manifestar bons sentimentos com relação à
prática de leitura pelos alunos.
Além disso, o conceito de leitura está relacionado ao con-
ceito de educação e modelo de ensino que se realiza. A leitura,
nessa perspectiva de compreensão mais bem desenvolvida em
Solé (1998, p. 24), participa de uma perspectiva interativa:
[...] o modelo interativo não se centra exclusi-
vamente no texto nem no leitor, embora atri-
bua grande importância ao uso que este faz
dos seus conhecimentos prévios para a com-
preensão do texto. Nesta perspectiva, e sim-
plificando ao máximo, o processo de leitura
viria a ser o seguinte. Quando o leitor se situa
perante o texto, os elementos que o compõem
geram nele expectativas em diferentes níveis
(o das letras, das palavras...), de maneira que
a informação que se processa em cada um de-
les funciona como input para o nível seguinte;
assim, através de um processo ascendente, a
informação se propaga para níveis mais eleva-
dos. Mas simultaneamente, visto que o texto
também gera expectativas em nível semântico,
tais expectativas guiam a leitura e buscam sua

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
76

verificação em indicadores de nível inferior


(léxico, sintático, grafo-tônico) através de um
processo descendente. Assim, o leitor utiliza
simultaneamente seu conhecimento do mun-
do e seu conhecimento do texto para construir
uma interpretação sobre aquele.
Dessa forma, deve-se buscar a decodificação como neces-
sária à leitura, mas, ao mesmo tempo, as estratégias de compre-
ensão que levam ao seu entendimento. Nesse sentido, a concep-
ção de leitura oriunda dos estudos teóricos contemporâneos se
insere no campo da interação autor-leitor, em que a compreen-
são leitora emerge da construção de sentidos por parte do leitor.
Conforme pontuam Koch e Elias (2013), a atividade de leitura
é uma prática interativa complexa, que se baseia tanto na com-
preensão dos elementos linguísticos e na organização destes na
superfície textual quanto na relação de saberes do leitor com re-
lação àquele evento comunicativo.
Por mais que a criança consiga decodificar, se ela não con-
seguir avançar para um nível mais elevado que envolve a com-
preensão e a interpretação, não haverá a completude da leitura.
Trabalhar com a noção e diversidade de gêneros textuais possi-
bilita ao educando o entendimento não somente da leitura do
texto em si, mas do seu significado diante da função e da utili-
dade social daquele texto, dirigindo a atividade na consecução
de estratégias de leitura que se tornem também de regulação e
avaliação do próprio educando diante do ato de ler (KLEIMAN,
2002; KOCH; ELIAS, 2002).

Caminhos metodológicos

Esta pesquisa teve caráter bibliográfico e envolveu um es-


tudo de campo por meio da aplicação de um questionário para
três professoras do ciclo de alfabetização e entrevista estruturada

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SYLVIE DELACOURS LINS
77

com o diretor da escola. Os dados oriundos da aplicação dessas


técnicas serviram para definir o perfil docente investigado, para
selecionar o contexto escolar no qual os professores atuam e para
contemplar o objetivo geral da pesquisa, que foi identificar as
concepções acerca da leitura presentes na prática dos professores
alfabetizadores. O lócus da pesquisa foi uma escola de Educação
Básica pertencente à rede pública municipal de Pacajus/CE.
A análise de conteúdo (BARDIN, 1977) foi a metodologia
de análise adotada para extrair as categorias temáticas sobre o
objeto de estudo. Os achados evidenciados foram analisados de
acordo com as teorias sobre a leitura.
Os sujeitos são identificados com a seguinte nomenclatura:
P1 – professora, sexo feminino, leciona no 1o ano do Ensino Funda-
mental; P2 – professora, sexo feminino, leciona no 2o ano do Ensino
Fundamental; P3 – professora, sexo feminino, leciona no 3o ano do
Ensino Fundamental; D1 – diretor e coordenadores da escola.

Análise dos dados

O questionário aplicado aos professores coletou dados


sobre idade, sexo, ano/série em que lecionam, disciplina que
lecionam, formação acadêmica, ano de conclusão, experiências
docentes anteriores. Os achados foram sistematizados no quadro
a seguir.

Quadro 1 – Caracterização do perfil docente (continua)


P1 P2 P3
Disciplina que le-
Polivalente Polivalente Português e Matemática
ciona
Ano/Série em que
1o ano 2o ano 3o ano
leciona
Turnos de trabalho Manhã e Tarde
Forma- Graduação Pedagogia Letras Pedagogia
ção Aca- Pós-Gradu- Planejamento
- -
dêmica ação Educacional

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
78

(conclusão)
Ano de conclusão da
2002 2006 2002
graduação
Tempo de exercício
15 anos 28 anos 13 anos
da docência
Educação Infantil,
Níveis de experiência Anos iniciais do Ensi-
Ensino Fundamental e
docente no Fundamental
Ensino Médio
Fonte: Elaboração própria (2016).

De acordo com as respostas das professoras, nota-se que


há semelhanças e diferenças entre elas. Todas as três trabalham
nos turnos manhã e tarde. Vale ressaltar que a escola atende ape-
nas à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Funda-
mental, especificamente o ciclo de alfabetização (1o ao 3o ano).
Com isso, as professoras têm as mesmas séries tanto no turno
da manhã quanto no turno da tarde. A única docente que não
é polivalente é P3. Além disso, duas delas, P1 e P3, concluíram
Pedagogia no ano de 2002, enquanto P2 fez Letras, concluindo
o curso em 2006. Todas já somam mais de dez anos da data de
conclusão do curso de formação inicial. Quanto à formação con-
tinuada em um curso de pós-graduação, apenas P3 apresenta tal
formação acadêmica.
Percebe-se que, pelo tempo de docência, P2 começou a
lecionar antes de concluir o curso de graduação, o que nos faz
inferir que ela possui provavelmente o curso de Ensino Médio
modalidade normal, que permite a função do magistério na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
segundo a Lei no 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação. Ademais, todas pontuam também mais de dez anos no
exercício da docência, P1 e P2 nos anos iniciais do Ensino Fun-
damental e P3 nos demais níveis da Educação Básica.
Com relação a algumas características relacionadas à car-
ga horária semanal, curso de formação continuada, metodologia
utilizada em sala de aula, recursos disponíveis na escola e utili-
zação dos espaços da instituição para outras atividades de sala de
aula, os dados foram sistematizados no quadro adiante.

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SYLVIE DELACOURS LINS
79

Quadro 2 – Caracterização da metodologia docente


P1 P2 P3
Exercício
28h
docente
Carga horá-
ria semanal Formação/
Planeja- 12h
mento
Formação continuada Formação continuada promovida pela secretaria
oferecida pelo municí- de educação, Pacto Nacional pela Alfabetização
pio ou estado na Idade Certa (Pnaic).
Aula expositi-
Aula expositiva, Aula expo-
va, atividade
atividade prática, sitiva, ativi-
Metodologia utilizada prática, exercí-
exercício de fixa- dade prática,
no ensino cio de fixação,
ção, aulas audiovi- exercício de
aulas audiovi-
suais e debates. fixação.
suais.
Multimídia em Livros, re-
geral, livros, re- vistas, qua-
Recursos disponíveis Livros, revis-
vistas, quadro e dro e mate-
na escola tas e quadro.
materiais para os riais para os
alunos. alunos.
Utilização de espaços
Sim, o pátio. Sim. Não.
além da sala de aula
Fonte: Elaboração própria (2016).

Diante da caracterização da metodologia docente, vemos


que as professoras articulam vários tipos de atividades e recursos
para as aulas no ciclo de alfabetização. Vale ressaltar que, a partir
de 2012, uma nova política emergiu no contexto nacional brasi-
leiro, por meio da Portaria no 867, de 4 de julho de 2012: o Pro-
grama Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic)1. Esse
programa teve como intuito possibilitar aos professores alfabeti-
zadores a oportunidade de acesso às atuais discussões acerca dos
direitos de aprendizagem das crianças no ciclo de alfabetização,
bem como acompanhar a aprendizagem dessas crianças por meio
1 O Pnaic atua por meio de quatro eixos: Formação Continuada de Professo-
res Alfabetizadores; Materiais Didáticos e Pedagógicos; Avaliações e Gestão;
Controle Social e Mobilização. Esses eixos visam fornecer melhorias ao ciclo
de alfabetização da Educação Básica, entendido como o 1o, 2o e 3o anos do
Ensino Fundamental.

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
80

dos processos avaliativos, estimando o planejamento, apoio e uso


dos materiais didáticos e avaliação das práticas pedagógicas nes-
se ciclo (BRASIL, 2012).
Além disso, no contexto cearense, antes do Pnaic, o Pro-
grama Alfabetização na Idade Certa (Paic) já havia sido criado,
a partir da necessidade da implantação de uma política pública
no estado do Ceará que resultasse em índices mais altos de crian-
ças alfabetizadas na idade correspondente àquele ano de ensi-
no. Criado em 2007 pela Lei Estadual no 14.206, a ideia inicial
do programa que o valida até hoje são as distribuições em cinco
áreas de atuação: “[...] avaliação da aprendizagem, gestão educa-
cional, gestão pedagógica, educação infantil e literatura infantil”
(MARQUES; RIBEIRO; CIASCA, 2008, p. 437).
Dessa forma, há formações docentes no contexto de polí-
tica pública estadual e federal que fazem valer a carga horária de
formação/planejamento de 12 horas semanais a que as professo-
ras investigadas têm direito e acesso.
Nesse sentido, com relação ao ciclo de alfabetização, pen-
sado a partir dos seis até os oito anos de idade da criança, torna-se
importante enfatizar, no que concerne às crianças que finalizam
o 3o ano do Ensino Fundamental, com oito anos de idade, que:
[...] precisam, portanto, ter a compreensão do
funcionamento do sistema de escrita; o domí-
nio das correspondências grafofônicas, mesmo
que dominem poucas convenções ortográficas
irregulares e poucas regularidades que exijam
conhecimentos morfológicos mais complexos;
a fluência de leitura e o domínio de estratégias
de compreensão e de produção de textos escri-
tos. (BRASIL, 2012, p. 8).
O ciclo de alfabetização deve promover o ensino do s­ iste­ma
de escrita desde o primeiro ano do Ensino Fundamental, garan-
tindo que as correspondências grafofônicas sejam consolidadas

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SYLVIE DELACOURS LINS
81

nos dois anos seguintes. E não somente isso, mas o desenvolvi-


mento de habilidades relativas ao uso do sistema em diversas
situações, bem como dos conhecimentos relativos à leitura autô-
noma e compartilhada e de produções textuais (BRASIL, 2012).
A formação e os cadernos de formação do Pnaic mostram
que há preocupação com as estratégias de compreensão de textos,
bem como com as situações significativas em que sejam possibi-
litadas as produções de textos. Desse modo, pontua-se que a for-
mação do Pnaic, numa perspectiva mais geral, preocupa-se com
as práticas de leitura e as estratégias de ensino mais voltadas aos
autores que pontuamos ao início, como K ­ leiman (1995), Koch
e Elias (2013), Morais (1996) e Solé (1998). No entanto, há que
se ressaltar a necessidade de uma análise mais aprofundada dos
materiais disponíveis aos professores e alunos desse programa.
Com relação aos recursos disponíveis e aos espaços utili-
zados pelas professoras pesquisadas, vale destacar que a escola
possui nove salas de aula, onze banheiros, um pátio, uma secre-
taria e uma cozinha. A observação da escola, bem como os dados
oriundos do questionário respondido pelo diretor, traz a noção
de que não há muitos espaços em que as professoras possam tra-
balhar com os alunos que não na sala de aula ou no pátio. Além
disso, pelo fato de ser localizado de maneira centralizada, com as
salas a seu redor, isso pode acabar desmotivando a promoção de
atividades que façam algum barulho, prejudicando o ensino nas
demais salas de aula.
A escola não possui uma biblioteca, no entanto trabalha
com cantinhos de leitura nas próprias salas de aula. Nos can-
tinhos são disponibilizadas às crianças as obras literárias do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) vinculadas ao
Pnaic, bem como as obras de literatura infantil do Paic. Apesar
de não existir o espaço destinado à leitura, como uma bibliote-
ca, percebe-se que há o estímulo aos alunos pelos cantinhos de
leitura, providos de livros da literatura infantil, de modo que as

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
82

crianças possam encontrar ali um objetivo de leitura que é seu,


próprio de seu interesse e de seu tempo.

Categoria 1 – As concepções docentes sobre leitura


A leitura se faz mediante o desenvolvimento das estratégias
de compreensão do leitor, da decodificação de palavras e frases à
interpretação do próprio texto lido. Por muito tempo, a escola tem
relacionado a leitura à escrita, não conduzindo a importância de
um momento específico ou particular da leitura em que sejam es-
timuladas estratégias próprias da compreensão leitora da criança.
Na escola investigada, percebeu-se, pela presença dos can-
tinhos de leitura e dos recursos disponíveis aos alunos (livros e
revistas disponibilizados pela escola), uma preocupação com a
prática da leitura para além da decodificação, buscando-se uma
prática de leitura também com o intuito da fruição e do deleite.
Ao responder sobre a contribuição da escola para o pro-
cesso de aprendizagem da leitura das crianças, a equipe gestora
respondeu que a instituição oferece todos os subsídios para in-
centivar a relação da criança com a leitura, desde a montagem de
textos escolhidos pelas próprias crianças até a exposição de livros
e contação de histórias (lendas, parlendas, contos, dentre outros).
Mesmo não tendo realizado um questionamento mais
aprofundado sobre essas metodologias de incentivo, percebe-se
que a escola trabalha com as tipologias de textos nos seus diver-
sos gêneros. Isso contribui para que a leitura da criança seja sig-
nificativa e real. Ao observar a própria escola, percebeu-se que
existiam plaquinhas no jardim, avisos nas paredes das salas e
outros textos expostos na escola, os quais participavam do coti-
diano das crianças, fato que evidencia uma leitura voltada para
as práticas de letramento.
Quando responderam sobre como uma criança aprende a
ler, as três professoras evidenciaram que essa aprendizagem é um
processo contínuo e que possui certas especificidades.

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SYLVIE DELACOURS LINS
83

É um processo lento, onde cada criança tem seu tem-


po, evoluindo ano após ano. (P1).
Eu acredito que cada criança já traz consigo uma
pequena bagagem e, no decorrer de cada ano, ela vai
evoluindo de acordo com o trabalho feito em sala de
aula. (P2).
Para uma criança aprender a ler, é necessário um
processo contínuo a fim de desenvolver essa apren-
dizagem, onde cada criança evolui a seu tempo, em-
bora necessite de estímulo e acompanhamento. (P3).
Na fala de P1, vê-se a importância de se considerar o tem-
po individual da criança, a sua evolução subjetiva, respeitando
as etapas do ciclo de alfabetização. Além disso, a perspectiva in-
terativa do ensino da leitura faz com que o professor respeite a
bagagem que o discente traz consigo e como ela pode ajudá-lo
nas atividades de sala de aula. Por exemplo, se não há fluência na
decodificação, há que se motivar os conhecimentos prévios das
crianças e evidenciar relações na leitura que se pode fazer da-
quele texto, tanto em nível mais elevado da leitura, num proces-
so ascendente, quanto no nível semântico do significado, num
processo descendente. A professora P2 acredita na bagagem da
criança e na sua evolução diante das atividades postas em sala
de aula.
Diante disso, pode-se afirmar a postura ativa que as pro-
fessoras revelam de professor e aluno. Além disso, faz-se neces-
sário, conforme evidencia P3, que a criança tenha estímulo e
acompanhamento, significando o papel da motivação na apren-
dizagem, bem como na mediação docente nesse processo.
A pesquisa de Tapia sobre a motivação (1997 apud TAPIA;
MONTERO, 2004, p. 177) mostrou que os alunos enfrentam três
fatores com mais ou menos interesse e esforço no seu trabalho,
são eles: “[...] o significado que tem para eles conseguir aprender
o que lhes é proposto [...]; as possibilidades que julgam ter para

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
84

superar as dificuldades que implicam alcançar as aprendizagens


propostas pelos professores [...]; o custo, em termos de tempo
e de esforço [...]” com relação ao que essas aprendizagens irão
significar para esses alunos.
Dessa forma, a motivação para a atividade de leitura in-
duz o professor a buscar o significado dessa atividade para e pela
criança, a fim de que a mesma possa dar significado às próprias
metas e objetivos que ela considera importante, que pode ser,
por exemplo, ler sozinha uma história e compreendê-la. O signi-
ficado da leitura como prática social permite que o professor es-
tabeleça com os alunos motivações reais de leitura (KLEIMAN,
2002; SOLÉ, 1998). Além disso, conhecer o que eles já sabem, ou
seja, seus conhecimentos prévios, é fundamental para dar signi-
ficado ao seu objetivo.

Categoria 2 – O ensino e a avaliação da leitura


As estratégias de leitura e as estratégias metacognitivas são
procedimentos que articulam um conjunto de ações ordenadas
com uma finalidade, ou seja, são previstas a partir de uma meta,
seja do próprio ato de ler, seja da regulação desse ato (SOLÉ,
1998; KLEIMAN, 2002). E o ensino pode ser efetivado a partir
dessas estratégias de leitura.
Sobre como fazem para ensinar os alunos a ler, as profes-
soras apontaram ideias muito vagas e não mencionaram os ele-
mentos que pudessem ser ligados ao desenvolvimento das estra-
tégias de leitura (KLEIMAN, 2002; SOLÉ, 1998).
Fazendo uma aula lúdica e dinâmica para uma me-
lhor aprendizagem. (P1).
Em sala de aula são feitos diversos trabalhos,
onde a criança participa e o professor vai ava-
liando seus conhecimentos já adquiridos, os
quais vai se ampliando no decorrer de cada pla-
nejamento. (P2).

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SYLVIE DELACOURS LINS
85

Utilizo o exercício de leitura, onde realizo em sala


vários momentos para possibilitar esse exercício, bem
como uso diferentes tipos de leitura, textos variados,
palavras, alfabeto móvel. (P3).

Os pontos elencados pelas professoras destacam o caráter


ativo e participativo do aluno em sala de aula, no entanto não
especificam como o trabalho ou exercício da leitura é feito. O
que responderam aponta para as questões mais gerais de como as
aulas são desenhadas e planejadas, destacando que fazem isso de
modo lúdico, atrativo, dinâmico e participativo.
Ressalte-se a fala de P2 quando menciona que vai ava-
liando os conhecimentos das crianças à medida que vão desen-
volvendo certas atividades, inferindo-se que realiza a prática da
avaliação formativa.
A docente P3 aponta elementos em sua fala que leva a crer
que ela atua conforme o que é recomendado pelos documentos
atuais que orientam o ensino da Língua Portuguesa, uma vez
que mencionou que se utiliza da diversidade de gêneros textu-
ais no trabalho da leitura. Koch e Elias (2013) ressaltam a im-
portância de se trabalhar com a diversidade textual, bem como
Kleiman (1995), ao mencionar a importância dessa prática como
uso social.
Com relação à avaliação, as professoras se manifestaram
apontando como avaliam a compreensão leitora da criança a par-
tir da forma como gerem esse processo.
Cada criança é avaliada individualmente, sendo,
assim, avaliados o meio em que vive e principal-
mente a parte familiar, onde muitas não têm ajuda
familiar. (P1).
Essa avaliação é contínua, observando-se o todo,
como o interesse, o aprendizado, a participação.
(P2).

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
86

A compreensão leitora da criança é avaliada atra-


vés de questionamentos orais, escritos, desenhos e até
através da recontagem do texto pelos alunos. (P3).
Por compreensão leitora, entendemos o “[...] contínuo que
se estabelece entre aprender a ler e ler para aprender. Quando a
leitura envolve a compreensão, ler torna-se um instrumento útil
para aprender significativamente” (SOLÉ, 1998, p. 46). Nesse
sentido, as professoras P2 e P3 mostraram aspectos concretos da
avaliação dessa compreensão, seja pelo interesse, aprendizado e
participação do aluno, seja por sua forma de realmente compre-
ender aquilo que se lê.
Numa perspectiva mais social, P1 atribuiu à avaliação da
compreensão leitora de seus alunos aspectos que envolvem não
somente a sala de aula, mas também o meio familiar deles. Essa
visão social da vida da criança é importante, porém não é limita-
dora diante de seu aprendizado (KLEIMAN, 1995).
Notou-se que na fala das professoras não foram identifi-
cados critérios específicos acerca da avaliação da compreensão
leitora. Johnson (1990 apud SOLÉ, 1998, p. 168) admite que “[...]
o objeto da avaliação deve ser ‘o grau de integração, inferência
e coesão com que o leitor integra a informação textual prévia’”.
Com isso, Solé (1998) traz algumas situações de avaliação da com-
preensão leitora, são elas: a atitude emocional com a qual o lei-
tor enfrenta o texto; o nível em que a leitura realizada ajuda na
consecução dos objetivos propostos; o nível alcançado pelo aluno
para manejar as fontes escritas; o processo de construção do sig-
nificado; a etapa de controle do próprio aluno mediante os erros
de compreensão que tiver percebido; e a oralidade da leitura e a
velocidade leitora.
Dessa forma, faz-se necessário questionar algumas práticas
pontuais de avaliação que inserem a criança numa situação de in-
segurança, desmotivação e incompreensão. A partir dos critérios
a serem avaliados, a situação avaliativa se faz de maneira diferen-

ALANNA OLIVEIRA PEREIRA CARVALHO • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


SYLVIE DELACOURS LINS
87

ciada. Não são momentos pontuais que auxiliam nessa prática,


mas atividades que já predizem aquilo que as crianças já sabem,
são capazes de fazer ou têm dificuldades em realizar. Nenhuma
avaliação deve resumir-se ao resultado em si, mas deve ser um
indicador para uma ação a ser projetada diante dos resultados.

Categoria 3 – Participação da escola na aprendizagem da


leitura
A compreensão leitora da criança não se dá apenas nas
atividades em sala de aula com seus colegas e com a professora,
mas diante de todo o universo de coisas e vivências no qual está
inserida. As práticas de leitura utilizadas pelas professoras in-
vestigadas e a forma de avaliação e ensino desenvolvidas por elas
são entendidas positivamente pela escola. As respostas advindas
da gestão da escola apontam para uma avaliação positiva sobre o
perfil e quantitativo de professores da escola, sobre as formações
de que eles participam e sobre a participação da família na escola.
Com relação ao público atendido pela unidade escolar, foi
informado que é de contexto diverso, com crianças oriundas de
famílias de classe média alta a crianças oriundas de famílias de
classe baixa. No entanto, a singularidade permitia realizar um
trabalho produtivo e eficaz.
Dentre os pontos perseguidos pela escola na busca de um
melhor acompanhamento das crianças, pode-se citar como o
mais destacado a sala de Atendimento Educacional Especializa-
do (AEE), pois as crianças que necessitam de atenção especiali-
zada não a têm como deveriam.
Por fim, a escola acredita no trabalho coletivo e na parti-
lha da responsabilidade pedagógica compartilhada. Solé (1998)
afirma que o ensino da leitura, como qualquer outro ensino, é
uma questão de equipe, em que tanto o professor quanto o coor-
denador, o diretor e a família fazem a sua parte.

AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
88

Considerações finais

Há algum tempo, Rousseau asseverou: “Não sei como


aprendi a ler; só me lembro das minhas primeiras leituras”. Des-
sa assertiva extrai-se o que foi essencial para o nobre aprendiz: o
objeto da leitura, e não o processo em si.
Na perspectiva da criança, não é necessário que ela sai-
ba dos passos metódicos do ensino da leitura, ou seja, do como
aprender a ler. O que importa é que ela se encante pelo livro, pelo
texto, isto é, pela palavra escrita. Esse encantamento possibilita
um caminhar com muito mais facilidades nas etapas escolares
e na vida cotidiana. A leitura, entendida como prazer, muda os
caminhos e as perspectivas. E tudo depende de como a escola
trabalha seus processos de aquisição. Para isso, é necessário o
domínio teórico por parte do professorado sobre como se conduz
o trabalho pedagógico com a leitura.
Esta pesquisa respondeu ao objetivo pretendido, qual seja,
identificar a concepção de leitura dos professores do ciclo de
alfabetização. Como resultado, identificou-se que as professo-
ras investigadas entendem que o processo da aprendizagem da
leitura acontece bem próximo do que defendem autoras como
Koch e Elias (2013) e Solé (1998), as quais ressaltam que o desen-
volvimento da competência leitora engloba a ativação de vários
conhecimentos, inclusive os que se referem ao campo das expe-
riências da criança. As professoras revelaram que incentivam o
despertar dos conhecimentos prévios dos alunos nas atividades
de leitura e que ofertam uma razoável diversidade textual, inse-
rindo os educandos nas práticas letradas.
A escola, no âmbito institucional, preocupa-se com os sub-
sídios que podem auxiliar o trabalho das professoras. Foi identi-
ficado que a instituição orienta e incentiva as ações das docentes
no sentido de respeitar os ritmos e conhecimentos dos alunos.

ALANNA OLIVEIRA PEREIRA CARVALHO • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


SYLVIE DELACOURS LINS
89

É preciso que cada vez mais os professores se apropriem


das recentes discussões teóricas sobre os processos de aprendiza-
gem da leitura, uma vez que a forma como ela fará parte da vida
da criança possibilitará uma progressão na escola e na vida bem
mais significativa e feliz.

Referências

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AS CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA:


COMO PENSAM AS PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
90

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ALANNA OLIVEIRA PEREIRA CARVALHO • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


SYLVIE DELACOURS LINS
91

GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


UM OLHAR SOBRE AS UNIVERSIDADES
CORPORATIVAS

DENIZE DE MELO SILVA


Mestra em Educação e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <denisemellopedagoga@gmail.com>.

LIDUÍNA LOPES ALVES


Mestra em Educação e especialista em Gestão Universitária pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Assessora de
Gabinete na Pró-Reitoria de Extensão da UFC.
E-mail: <lidulopes.ufc@gmail.com>.

GABRIELLE SILVA MARINHO


Doutoranda e mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Linha de
Pesquisa: Avaliação Educacional – Eixo Temático: Avaliação Institucional, e licenciada em Pedago-
gia pelo Centro Universitário Christus (Unichristus). Professora assistente da Universidade Estadual
do Ceará (UECE) – Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (Fecli) – Setor de Estudos:
Política, Planejamento e Gestão Educacional. Membro do Grupo de Pesquisa em Avaliação e Gestão
Educacional (Gpage).
E-mail: <gabrielle.marinho@uece.br>.
92

Introdução

A partir do contexto de mudanças e transformações sociais


visualizados nas concepções de mundo e sociedade, as univer-
sidades corporativas emergem como estratégia para adaptação
e sobrevivência das mudanças rápidas e, por vezes, profundas
vivenciadas pelas organizações na atualidade da globalização dos
mercados e do avanço das novas tecnologias. Diante disso, o pre-
sente trabalho objetiva refletir acerca das contribuições das uni-
versidades corporativas através de uma síntese integrativa do co-
nhecimento sobre a gestão do processo de ensino-aprendizagem
nas universidades corporativas, com destaque para o processo de
aquisição de saberes e diversidade das práticas adotadas.
A metodologia aplicada na pesquisa bibliográfica ampara-
-se na proposta de Severino (2000) para elaboração do estado do
conhecimento, bem como ancora-se na fundamentação teórica
da área de educação profissional e coorporativa, advinda dos au-
tores Boog (2000), Brandão (2006), Lima (2005), Lück (2012),
Marinelli (2007), Vargas (2003) e Vitelli (2003).
Todavia, o recorte realizado constitui-se como viés para
reflexões sobre os espaços de aprendizagem em que essas prá-
ticas ocorrem, tornando esta construção centrada na gestão do
processo de ensino-aprendizagem nas organizações.
Segundo Freire (2003), essa troca de saberes evidencia
aprendizado, tendo em vista que envolve a realidade e o contex-
to em que o aprendiz está imerso. O sentido das práticas adota-
das torna esta construção dinâmica nas organizações favoráveis
e atenta ao caminhar educativo.

DENIZE DE MELO SILVA • LIDUÍNA LOPES ALVES • GABRIELLE SILVA MARINHO


93

A relevância social dessas práticas situa o presente recorte


como essencial para a compreensão do objeto. Esse contexto de
mudanças e transformações sociais visualizadas nas concepções de
mundo e sociedade faz com que as universidades corporativas de-
sempenhem importante papel para a ampliação dos conhecimen-
tos, habilidades e atitudes requerentes ao profissional aprendiz.
A formação desse profissional deverá estar em consonân-
cia com o perfil de atuação nas organizações em que desenvolve a
sua prática laboral, a fim de agregar valor para as ações realizadas
nas instituições e fornecer estratégias diferenciadas para as reso-
luções dos desafios preconizados anteriormente.
Além dos objetivos traçados para o funcionamento das
universidades corporativas como centro de formação e prepara-
ção pessoal e profissional, cabe considerar os mecanismos e as
estratégias geradas para uma boa organização do ensino e, por
conseguinte, de uma aprendizagem significativa e satisfatória
dos conteúdos a serem repassados em sala de aula.
No presente estudo, foram elencados para a análise qua-
tro dos dez artigos fruto dos Trabalhos de Conclusão de Curso
(TCC) de estudantes do curso de licenciatura plena em Pedago-
gia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) da Faculdade de
Educação (Faced). A partir da análise empreendida, buscou-se
visualizar os referidos materiais como contribuições advindas
dos conceitos teórico-práticos de atuação e formação organiza-
cional na perspectiva das universidades corporativas.
Em face da organização e sistematização dos materiais
analisados na pesquisa, visualizou-se como fundamentação os
aspectos tratados nessa construção e no papel das universidades
corporativas e dos mecanismos em que as mesmas estão organi-
zadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem.
A seguir, segue quadro com os quatro artigos construí­dos
por graduandos do curso de Pedagogia correspondente ao perío-
do de 2009 a 2011 que abordam a temática em estudo.

GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


UM OLHAR SOBRE AS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS
94

Quadro 1 – Recorte adotado para o estado da arte


1 – As teorias e as práticas educativas: contribuições para a melhoria da
produtividade organizacional.

2 – Concepções do modelo andragógico no ambiente organizacional:


estudo na Universidade Corporativa do Banco do Nordeste do Brasil S/A.
3 – Contribuições do pedagogo ao processo de aprendizagem nas
organizações.
4 – Educação corporativa: um estudo de caso em instituição financeira.
Fonte: Adaptado de Lima (2013).

No tópico a seguir, apresenta-se o arcabouço teórico que


fundamenta a temática do estudo, posto que, para elaboração
do estado de um conhecimento, é necessário empreender movi-
mento que sedimenta a contribuição do suporte teórico adotado
e esclarece as contribuições das teorias adotadas no sentido de
aprofundar e contribuir com os achados do estudo desenvolvido.

Desenvolvimento

Gestão do ensino-aprendizagem nas organizações

Os conceitos acerca da gestão referem-se aos processos


sociais dinâmicos de relacionamento entre as pessoas que ex-
pressam cultura organizacional (LÜCK, 2012). Entretanto, a re-
alidade da gestão do ensino-aprendizagem, diante da sociedade
do conhecimento (VITELLI, 2003), atende à constante busca
pelo conhecimento e à constante busca por tornar esse conheci-
mento acessível às pessoas que atuam nas instituições. Assim, o
processo de gestão do ensino-aprendizagem nesse contexto visa
desenvolver a formação de seus funcionários e colaboradores, ou
mesmo o capital intelectual (VITELLI, 2003), para que estejam
sempre competitivos e interagindo a partir dos novos saberes.

DENIZE DE MELO SILVA • LIDUÍNA LOPES ALVES • GABRIELLE SILVA MARINHO


95

Conforme Chiavenato (2000, p 364):


[...] a economia do conhecimento envolve uma
porcentagem cada vez menor da força de tra-
balho. Significa a presença maior do trabalho
mental e cerebral, onde predomina a criativi-
dade e a inovação em busca de soluções novas,
produtos novos, processos novos, para agregar
valor à organização e oferecer soluções criativas
às necessidades dos clientes. Significa que pes-
soas deixam de ser fornecedoras de mão-de-o-
bra para serem fornecedoras de conhecimentos
capazes de agregar valor ao negócio, à organiza-
ção e ao cliente.
Essa análise visa considerar as necessidades do processo
em que tais práticas estão fundamentadas e determinadas no de-
sempenho e nas informações necessárias para fazer um trabalho
(BOOG, 2000). A proposta desta discussão parte da necessidade
vivenciada pelas organizações na busca de um referencial teórico
na realização de suas práticas de ensino, ou seja, de uma base di-
dática para melhor compreender o que caracteriza as principais
correntes pedagógicas envolvidas nas ações do trabalho e que de-
vem delinear o processo de formação.
Segundo Bomfim (1998), as principais correntes peda-
gógicas envolvidas nesse processo são: pedagogia tradicional,
pedagogia nova e pedagogia tecnicista, por serem consideradas
clássicas na concepção pedagógica brasileira. Porém, a partir da
década de 1970, devido ao advento da pedagogia libertadora de-
senvolvida por Paulo Freire para a educação de adultos, emerge
no ambiente dos treinamentos a andragogia, considerada predo-
minante na atualidade.
Diante dessa realidade, é possível constatar que tanto os
processos de aprendizagem individual quanto os de aprendiza-
gem coletiva são fundamentais para a competitividade das or-
ganizações. Como afirma Lopes (2004), a educação corporativa

GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


UM OLHAR SOBRE AS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS
96

passa de uma abordagem orientada de aquisição de várias habi-


lidades para outra, a aprendizagem direcionada às metas estraté-
gicas e à melhoria do desempenho organizacional.
Assim, a gestão do ensino-aprendizagem nessas organiza-
ções, tais como as universidades corporativas, objetiva otimizar
os saberes em detrimento de estratégias que tornem esse conteú-
do acessível ao colaborador.

Universidade corporativa

As universidades corporativas surgiram e se propagaram


no contexto das organizações em plena era da informação. Dian-
te desse contexto, a educação corporativa promove a integração
de várias áreas do conhecimento, como a administração, psicolo-
gia e treinamento e desenvolvimento (T&D). Essa característica
estabelece a teoria e a prática por meio das necessidades das ins-
tituições. Essa clareza denota o conhecimento e reconhecimen-
to dos objetivos, concepções e valores presentes nas instituições
(BRANDÃO, 2006).
Os novos modelos de gestão de pessoas, os quais enfatizam
as competências organizacionais atreladas aos profissionais e às
ações de T&D, ampliaram seu escopo, emergindo atualmente a
concepção de educação corporativa ou empresarial. Portanto,
a ideia de T&D é ampliada, incorporando a ideia de educação.
Adota-se, então, o conceito de educação corporativa para carac-
terizar as ações destinadas ao treinamento e ao desenvolvimento
de pessoal, de maneira a englobar tanto as que são feitas a distân-
cia coma as presenciais (VARGAS, 2003).
Diante da ambiência atual, caracterizada pela
ampla disseminação de informações e renova-
ção constante de conhecimentos em função do
permanente avanço científico e tecnológico, a
atualização e o domínio desses fatores podem
ser determinantes para a empresa na agregação

DENIZE DE MELO SILVA • LIDUÍNA LOPES ALVES • GABRIELLE SILVA MARINHO


97

de valor em produtos e/ou processos, adquirin-


do um caráter decisivo na disputa por merca-
dos. A iniciativa de criação de cursos próprios,
portanto, é motivada por processos de mudança
organizacional orientados para a busca de efe-
tividade ou, em outras palavras, é reflexo da
imperiosa promoção da aprendizagem organi-
zacional. (ALPERSTEDT, 2001, p. 155).

O conceito de universidade corporativa atrela-se à pers-


pectiva de geração de conhecimentos centralizada, tendo em vista
que é “[...] no equilíbrio da atenção entre as diferentes dimensões
que se manifestam em uma realidade educacional que reside o
enfoque da gestão efetiva” (LÜCK, 2012, p. 29).
Com relação a essa responsabilidade, que é inerente ao
funcionamento e à organização das universidades corporativas,
destaca-se o viés de formação continuada destinado aos colabo-
radores provenientes do mercado de trabalho.
Nesse sentido, o objetivo principal de uma universidade
corporativa é o desenvolvimento e a instalação das competências
profissionais, técnicas e gerenciais consideradas essenciais para
a viabilização das estratégias negociais.
Esse envolvimento faz menção ao desenvolvimento pro-
gressivo da sociedade, tornando a disseminação dos saberes em
relação às habilidades em curso. Essa relação consiste no enfo-
que é dado à educação corporativa oriunda das universidades
corporativas.
Essas práticas educacionais buscam a promoção das opor-
tunidades de desenvolvimento do colaborador no sentido de apri-
morar o desempenho da sua função na organização (EBOLI, 2002).
Fleury e Oliveira Jr. (2001) defendem que os programas de
educação corporativa obedecem aos seguintes pressupostos: de-
senvolver as competências críticas em detrimento de habilidades;
privilegiar o aprendizado organizacional, através do fortalecimen-

GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


UM OLHAR SOBRE AS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS
98

to da cultura corporativa, portanto não apenas o f­ortalecimento


do conhecimento individual; concentrar-se nas necessidades das
atividades, tornando o escopo estratégico, e não meramente foca-
do nas necessidades individuais do público interno e externo, e
não somente nos funcionários; migrar do modelo tradicional de
sala de aula para múltiplas formas de ambiente de aprendizagem;
criar sistemas efetivos de avaliação dos investimentos, bem como
dos resultados alcançados.

Resultados

A partir da análise evidenciada por meio de material bi-


bliográfico, observou-se o estado da arte acerca dos temas: uni-
versidade corporativa e educação corporativa, a fim de funda-
mentar os pressupostos levantados durante a feitura do material.
Para isso, realizou-se esta construção embasada nessa análi-
se, tendo em vista que esse meio gerador irá constituir-se como elo
para a geração de novos saberes em relação à temática supracitada.
O primeiro recorte faz menção às contribuições das te-
orias e concepções educativas para o contexto organizacional.
Para tanto, buscou-se elencar as abordagens pedagógicas e rela-
cioná-las com a prática desenvolvida nas organizações.
As práticas educativas possuem diferentes manifestações ou
modalidades, tais como a educação formal, não formal e informal.
As modalidades formais e não formais possuem caráter intencio-
nal, entretanto a educação formal já não está atrelada a essa carac-
terística específica. A prática educativa nas organizações preconiza
a produtividade, pois produz para o indivíduo o foco no processo
visando às melhorias de forma eficiente, eficaz e produtiva, com
foco na instituição de forma integral (SILVA; LIMA, 2013).
Conforme Silva e Lima (2013), a metodologia ­andragógica
aplicada nas organizações buscou, segundo o recorte ­traçado, o
desenvolvimento das habilidades, atitudes e c­ompetências que
elevam a produtividade nas organizações. O modelo a­ ndragógico

DENIZE DE MELO SILVA • LIDUÍNA LOPES ALVES • GABRIELLE SILVA MARINHO


99

objetiva o efetivo trabalho com as competências guiadas pelo pla-


nejamento, facilitação e avaliação. Dessa forma, consoante Lima
(2005, p. 108):
[...] o processo de avaliação bem como o pla-
nejamento do programa estão intimamente
relacionados ao diagnóstico de necessidades e
sua qualidade vai influenciar, sobremaneira,
na qualidade dos processos de planejamento e
avaliação do programa, da aprendizagem e das
pessoas envolvidas.
A partir das considerações realizadas, no segundo recorte
observa-se a relevância do modelo andragógico evidenciado na
Universidade Corporativa do Banco do Nordeste (BNB).
As universidades corporativas constituem-se como cen-
tros de formação criados com o objetivo de facilitação do desem-
penho das pessoas. Todavia, os modelos de educação corporati-
va vinculam-se aos valores e às necessidades evidenciadas pelo
mercado e pelo colaborador (NOBRE; LIMA, 2013).
O modelo andragógico auxilia o processo educativo nas
universidades corporativas, tendo em vista que partem dos inte-
resses dos indivíduos e, conforme o estudo, necessitam de maior
conhecimento acerca das estratégias para a promoção dos adul-
tos nas organizações. Nesse sentido, “[...] os adultos se envolvem
em uma atividade educacional com um volume maior de experi-
ências e com uma qualidade diferente dessas experiências com-
paradas às dos jovens e crianças” (NOBRE; LIMA, 2013, p. 67).
Para Freire (2003), a experiência de mundo revela sensatez
no processo de ensino-aprendizagem, pois valoriza o conheci-
mento de mundo do aprendiz. Esse elemento traduz significân-
cia aos conhecimentos repassados em sala de aula, pois denotam
sentido e aproximação do sujeito que aprende.
A prática do treinamento e desenvolvimento configura-se
como processual e atenta a essa dinâmica.

GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


UM OLHAR SOBRE AS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS
100

O treinamento é ação organizada e sistemati-


zada de educação com vistas à capacitação, ao
aperfeiçoamento e ao desenvolvimento do in-
divíduo. A combinação dos três termos busca
definir as etapas do processo de treinamento,
ou seja, informações que levem a uma conclu-
são sobre o alcance dos objetivos propostos.
(BOOG, 2000, p. 10).
O terceiro recorte vinculado a essa construção refere-se à
atuação do pedagogo organizacional no processo de aprendizagem.
Diante desse contexto, as contribuições das universidades surgem
a partir da necessidade de empreender ações para o desenvolvi-
mento da competência de seus colaboradores devido à alta compe-
titividade e às novas exigências do mercado de trabalho.
De acordo com Boog (2000, p. 35): “[...] isso quer dizer
que o planejador de treinamento precisará implantar uma meto-
dologia de observação que garanta que as habilidades em questão
sejam bem documentadas”.
A diversidade de conceitos ampara-se na compreensão do
processo como multilateral, pois cerca-se da profundidade presen-
tes na fundamentação existente nas abordagens pedagógicas. “Os
seres humanos são seres sociais, isto é, vivem em sociedade e inte-
ragem entre si, ajudando-os mutuamente e influenciando uns aos
outros em suas atitudes” (OLIVEIRA; LIMA, 2013, p. 95).
Evidencia-se, no recorte realizado para a construção deste
estudo, que se faz necessário maior aprofundamento do papel
desempenhado pelas universidades corporativas no sentido de
clarear as práticas visualizadas no exercício das atividades re-
alizadas nas instituições. As organizações devem servir-se dos
aparatos metodológicos a fim de realizar mudanças e dar atenção
aos desafios da sociedade da informação. Não basta incentivar
a formação, mas estabelecer o monitoramento das ações e cons-
tatar se há um impacto positivo para o investimento realizado
nessa perspectiva educativa.

DENIZE DE MELO SILVA • LIDUÍNA LOPES ALVES • GABRIELLE SILVA MARINHO


101

O quarto recorte atrela-se à educação corporativa, concei-


tos e terminologias essenciais para a compreensão do objeto em
análise na discussão gerada neste artigo. As mudanças sociais já
apresentadas nos recortes analisados fazem menção à ­sociedade
do conhecimento, conectada por meio da rede mundial de com-
putadores. Todavia, as organizações necessitam adequar-se às
implementações e à mecanização moderna do saber e difundi-
-las, dinamizando, assim, o processo de mudança da realidade
vivenciada e de consonância a ela.
“A universidade corporativa emerge do séc. XXI como o
setor de maior crescimento na educação voltada para as orga-
nizações. Para compreender a importância disso, é necessário
compreender as forças que sustentam o aparecimento desse fe-
nômeno” (ALVES JR.; LIMA, 2013, p. 116). A educação cor-
porativa consiste nas práticas educacionais com foco na geração
de possibilidades, visando atuar dinamicamente na superação de
desafios e geração de novos saberes.

Conclusões

A partir da pesquisa bibliográfica realizada, observou-se


que as universidades corporativas objetivam melhorar a qualida-
de das ações realizadas pelos colaboradores com o intuito de for-
talecimento de uma cultura organizacional de qualidade, atenta
às prestações de serviços e desenvolvimento social.
Verificou-se, pois, que a gestão do ensino-aprendizagem
evidenciada nas universidades corporativas pode solucionar pro-
blemas, articular hipóteses e dinamizar a elaboração de projetos.
A melhoria dos processos acaba por contribuir para a instalação
de uma cultura institucional da formação continuada dos cola-
boradores, com vistas à orientação da gestão do melhoramento
dos processos embutidos nesse processo.

GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


UM OLHAR SOBRE AS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS
102

Nesse quadro configurado na realidade atual, as organiza-


ções estão reconfigurando seus tradicionais centros de capacita-
ção e desenvolvimento e, em contrapartida, buscando a moder-
nização continuamente, inclusive das práticas de ensino-apren-
dizagem adotadas, visando a uma formação constante para aten-
der às demandas atuais, ou mesmo antevendo as emergentes,
através da estruturação de programas educacionais como meios
que permitam familiarizar seus profissionais com as inovações
tecnológicas e de gestão.
Neste olhar inicial sobre a gestão dos processos de ensi-
no-aprendizagem nas universidades corporativas, percebeu-se
que ainda há muito que se aprofundar no desenvolvimento de
práticas pedagógicas, porém é importante ressaltar que a temáti-
ca se evidenciou como significativa para o desenvolvimento das
organizações brasileiras, pedagógicas, constituindo, entretanto,
um vasto campo pouco explorado.

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GESTÃO DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:


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DENIZE DE MELO SILVA • LIDUÍNA LOPES ALVES • GABRIELLE SILVA MARINHO


PARTE II

Gestão, Estrutura e História


da Educação
107

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA


APRIMORAR OS PROCESSOS DE PLANEJAMENTO
ESCOLAR

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO


Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da rede
estadual de ensino do Ceará e da rede municipal de Educação de Fortaleza.
E-mail: <dorissandrasleao@gmail.com>.

MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestra em Educação, Arte e His-
tória da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e graduada em Pedagogia, com
habilitação em administração escolar, pela UFC. Atualmente é professora associada da UFC.
E-mail: <isabelfil@uol.com.br>.
108

Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar a impor-


tância da atuação do coordenador pedagógico na qualificação do
planejamento pedagógico da escola, tendo em vista uma educa-
ção que tenha como princípios a contextualização dos conteúdos
com a realidade social do aluno, a interdisciplinaridade, a forma-
ção integral e a emancipação humana (LOPES, 1996; LUCKE-
SI, 2001; PERRENOUD, 2001; VASCONCELLOS, 2002).
Além disso, ressalta-se a necessidade de o coordenador
dar suporte pedagógico ao planejamento coletivo dos professo-
res por disciplina, por área do conhecimento, de forma global,
unindo, dessa forma, toda a congregação escolar.
Busca-se ainda refletir acerca da importância do coorde-
nador escolar na formação docente, mediante a realização de
momentos de estudos, para qualificação do planejamento peda-
gógico, possibilitando a discussão de temáticas didático-meto-
dológicas fundamentais ao bom desenvolvimento da profissão e
do fazer pedagógico, mediando a relação teoria e prática.
A discussão é realizada com base na experiência da pri-
meira autora deste texto como professora da rede estadual de
ensino do Ceará e da rede municipal de ensino de Fortaleza;
em sua atuação como coordenadora pedagógica, supervisora
de ensino, formadora de professores, coordenadora de Ensino
Fundamental e coordenadora de regional de educação (Crede),
em uma trajetória de 20 anos de profissão; bem como com base
em preceitos de estudiosos das temáticas abordadas.

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


109

A importância do planejamento para a qualidade do


fazer pedagógico

O planejamento é vital para o ser humano, mesmo que não


se tenha consciência disso. Planeja-se tudo o que se faz diaria-
mente: o que vestir, o que comer, para onde ir, com quem ir. E,
ao mesmo tempo, revê-se esse planejamento instantaneamente, à
medida que se vai executando, quando se pode realinhar as ações
conforme as demandas que vão surgindo.
Na esfera profissional, contudo, o planejamento não pode
ser apenas intuitivo, inconsciente, latente. É preciso dar uma sa-
tisfação à sociedade do que se pretende fazer, por meio de que
métodos o trabalho será executado, com quais custos e como se
irá avaliar o alcance das metas. Gandin (1983, p. 20), ao elencar
definições de planejamento, permite-nos a explicação sobre estes
desafios:
a) Planejar é transformar a realidade numa dire-
ção escolhida. b) Planejar é organizar a própria
ação (de grupo, sobretudo). c) Planejar é im-
plantar ‘um processo de intervenção’ (ELAP)1.
d) Planejar é agir racionalmente. e) Planejar é
dar certeza e precisão à própria ação (de grupo,
sobretudo). f) Planejar é explicitar os funda-
mentos da ação do grupo. g) Planejar é pôr em
ação um conjunto de técnicas para racionalizar
a ação. h) Planejar é realizar um conjunto or-
gânico de ações, proposto para aproximar uma
realidade a um ideal. i) Planejar é realizar o que
é importante (essencial) e, além disso, sobrevi-
ver... se isso for possível (importante).
Entende-se que na educação o planejamento deve ocorrer
em diferentes instâncias administrativas: secretarias estaduais e

1 Equipe Latino-Americana de Planejamento (ELAP), com sede no Chile.

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
110

municipais, coordenadorias e escolas; de acordo com as variadas


funções exercidas: gestores, coordenadores e professores; e com
múltiplos prazos: plurianuais, anuais, bimestrais, mensais e/ou
semanais, uma vez que “[...] o planejamento educacional é da
maior importância e implica enorme complexidade, justamen-
te por estar em pauta a formação do ser humano” (VASCON-
CELLOS, 2000, p. 15).
Devido a essa complexidade e dinamicidade dos processos
educativos, procura-se assegurar que o resultado seja adequado
às necessidades reais, observando-se a corresponsabilidade de
todas as instituições e agentes envolvidos.
No que se refere ao planejamento pedagógico do corpo
docente, é uma especial forma de antecipar as necessidades dos
alunos durante o ano letivo, tanto no que tange à definição dos
objetivos educacionais adequados à série/ano em questão como
em relação à proposta curricular a ser desenvolvida, à seleção de
conhecimentos, competências, habilidades e atitudes2 necessá-
rias à formação discente, à projeção dos métodos e recursos ma-
teriais e imateriais correspondentes ao bom desenvolvimento
das atividades, à forma como se dará a relação professor/aluno
e à avaliação do ensino e da aprendizagem; tudo isso mediante
uma perspectiva de transformação social, conforme defende Lo-
pes (1996, p. 45):
Consideramos que uma nova alternativa para
um planejamento de ensino globalizante, que
supere a dimensão técnica, seria a ação resul-
tante de um processo integrador entre escola
e contexto social, efetivada de forma crítica e
transformadora. Isso significa dizer que as ati-
vidades educativas seriam planejadas tendo
2 Para Perrenoud (1999), competências são esquemas mentais, ou seja, ações e
operações mentais de caráter cognitivo, socioafetivo e psicomotor, que, mobi-
lizadas e associadas a saberes teóricos ou experienciais, geram habilidades, ou
seja, um saber-fazer.

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


111

como ponto de referência a problemática sócio-


-cultural, econômica e política do contexto em
que a escola está inserida. O planejamento de
ensino nessa perspectiva estaria voltado emi-
nentemente para a transformação da sociedade
de classes, no sentido de torná-la mais justa e
igualitária.
Para isso, a escola tradicionalmente realiza uma semana
ou quinzena pedagógica antes do início do ano letivo, reunin-
do todo o corpo docente, assim como gestores, coordenadores e
outros segmentos envolvidos no ensino e na aprendizagem. São
momentos configurados por reuniões, estudos, definição do ca-
lendário escolar e o “planejamento” propriamente dito.
De outro lado, entende-se que o planejamento que ocorre
nesse período é ineficaz ou insuficiente para prever as inúmeras
situações e interações pedagógicas fundamentais a uma educação
que cumpra a sua função social, no sentido de uma formação
integral do ser humano.
Independentemente do tamanho da escola e do número
de professores lotados, há uma dificuldade recorrente em po-
tencializar um planejamento coletivo por disciplina ou área do
conhecimento e a compreensão sobre o significado das ações
institucionais, individuais e/ou coletivas. Mais difícil ainda é
ajuntar professores das diversas áreas, tendo em vista promover
o diálogo entre as áreas do conhecimento.
Ao final, pouco se caminha com relação ao plano de curso
anual, especialmente um plano pensado coletivamente, alinhado
ao projeto pedagógico, que é o documento no qual a escola ex-
pressa suas intenções educativas acerca do tipo de homem que se
intenciona formar; e também sintonizado com a proposta curri-
cular da instituição de ensino. Isso é extremamente danoso para
o desenvolvimento de uma escola mais participativa e democrá-
tica, pois:

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
112

[...] fazer planos sem um processo de planeja-


mento é tecer uma rede em que só há os nós e
nada que os ligue entre si. Ter um planejamen-
to sem plano(s) é correr o risco de que a rede se
desmanche por falta de pontos de ligação dos
fios. (GANDIN, 1983, p. 61).

Não raro, os professores, por não conseguirem concluir o


plano durante a semana/quinzena pedagógica, entregam-no so-
mente na primeira semana ou primeiro mês de aula. E o ano le-
tivo começa atribulado, com todas as demandas inerentes ao iní-
cio desse período: definição de salas, conhecimento dos alunos,
realizações de atividades diagnósticas, revisões, dentre outras.
Dessa forma, os horários de planejamento semanais ser-
vem tão somente para resolver problemas burocráticos, solucio-
nar casos urgentes de alunos, organizar equipamentos e mate-
riais. Os momentos coletivos ficam destinados a informações
gerais da gestão. O mais usual é o professor planejar sozinho,
seja em um local reservado, seja em um local cercado por outros
professores.
Assim, perde-se a oportunidade de prezar o planejamento
de diagnóstico semanal, de reconhecê-lo como momento ímpar
de integração docente em torno da função social da escola, como
expressa Vasconcellos (2000, p. 119):
Embora valorizemos as diferentes formas de
trabalho no interior da instituição de ensino, há
uma que consideramos fundamental, uma vez
que é condição mesma para a concretização de
uma prática transformadora. Trata-se do espaço
de trabalho coletivo constante na escola ou, mais
especificamente, da reunião pedagógica semanal.
Assim, o plano de curso anual vai ficando obsoleto des-
de sua concepção, material guardado no armário do coordena-
dor pedagógico, que também está assoberbado de outras tarefas

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


113

alheias à sua função precípua, sem a necessária revisão sistemá-


tica, sem adequação às realidades encontradas, o que indica não
haver prática avaliativa. Planos mensais e planos de aula são es-
quecidos ante as emergências do dia a dia, dado que:
[...] a ação cotidiana do professor, por seu cará-
ter de urgência e complexidade, acaba impondo
a necessidade de uma tomada de decisão ime-
diata, sem tempo para a reflexão mais apurada,
ou mesmo induzindo a se ter práticas reitera-
tivas, repetindo o que está dado. O espaço de
parada para refletir o trabalho é fundamental
para se perceber as eventuais contradições para
estas atitudes tomadas e as opções mais radi-
cais. (VASCONCELLOS, 2002, p. 122).
Os planejamentos relacionam-se, portanto, com o mais
imediato para o mês, semana ou dia, porém sem a reflexão neces-
sária acerca da melhor abordagem, dos melhores métodos, das
melhores formas de avaliar, muito menos da visão de todo.
Dessa forma, o ano letivo é desenvolvido sem a reflexão
coletiva e colaborativa acerca das realidades diagnosticadas, das
deficiências educacionais dos alunos e dos docentes, dos proble-
mas pedagógicos dos mais diversos tipos (destacando-se princi-
palmente a distorção idade-série). Além da avaliação acerca das
(in)adequações das políticas e projetos implementados, das ações
corretivas imprescindíveis à dinâmica de sala de aula e da ava-
liação classificatória e punitiva, em detrimento de uma avaliação
emancipatória, que busque o avanço discente em face dos desa-
fios educacionais.
Infelizmente, é comum vermos, ao final do ano letivo,
gestores, professores, alunos e pais surpreendidos com os resul-
tados negativos, pois não houve tempo para “sentar” e analisar
coletivamente os resultados de desempenho acadêmico bimes-
trais, para (re)planejar ações pertinentes à superação das dificul-

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
114

dades de aprendizagem, para averiguar as estratégias e metodo-


logias de trabalho.
E, com tudo isso, cria-se uma rejeição ao planejamento
sob todas as formas, mas não pelo “planejamento em si”, e sim
pelo que se conhece e vivencia de planejamento na escola, ou
seja, é uma exigência meramente burocrática, que não se efetiva
na prática, que não ajuda o exercício da docência, que não poten-
cializa a resolução dos problemas encontrados no chão da escola,
sejam eles gerenciais, pedagógicos ou atitudinais.
Sobre isso, Vasconcellos (2002, p. 126) elucida:
Queremos esclarecer que não basta ter o espaço
reservado de reunião. Ele deve ser bem utiliza-
do. Caso contrário, em pouco tempo esvazia-se,
torna-se mais uma rotina burocrática. Uma das
coisas que aniquila as reuniões pedagógicas se-
manais é o formalismo. A escola consegue es-
paço, mas este vai tornando-se maçante, muito
descolado do cotidiano e das questões que estão
a afligir os professores.
Diante do exposto, enfatiza-se a relevância do papel do
coordenador pedagógico na construção de planejamentos coe-
rentes com os princípios e concepções educativas da escola, não
sob o enfoque dos órgãos centrais ou da gestão educacional, mas
sob o enfoque do professor, da satisfação de suas necessidades
docentes.

O coordenador pedagógico e o planejamento

O planejamento pedagógico da escola, especialmente da


proposta curricular a ser desenvolvida em cada ano/série pelo
docente, conforme analisado no item anterior, precisa do su-
porte pedagógico do coordenador, por ser uma tarefa complexa
que envolve a escola como um todo, assim “[...] o trabalho em

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


115

equipe pedagógica transforma-se em uma necessidade, em um


modo de funcionamento sem o qual a mudança não é possível”
­(PERRENOUD, 2001, p. 125).
É importante, portanto, que, no planejamento anual, o co-
ordenador trabalhe com o coletivo de professores o Projeto Polí-
tico-Pedagógico da escola, como suporte para todo o fazer didáti-
co-pedagógico docente, pois esse documento representa o marco
filosófico da instituição educativa, no qual se evidencia a sua fun-
ção social, no que condiz ao tipo de sociedade que se pretende
contribuir para ter, ao cidadão que se pretende formar e à escola
que se pretende construir para alcançar o horizonte desejado.
O Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto
Educativo) é o plano global da instituição. Pode
ser entendido como a sistematização, nunca
definitiva, de um processo de planejamento
participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza
na caminhada, que define claramente o tipo de
ação educativa que se quer realizar. É um ins-
trumento teórico-metodológico para a inter-
venção e mudança da realidade. É um elemento
de organização e integração da atividade práti-
ca da instituição neste processo de transforma-
ção. (VASCONCELLOS, 2000, p. 169).
É necessário, outrossim, que o corpo docente tenha conhe-
cimento de como se organiza administrativa e financeiramente
a escola, como se estrutura a secretaria, qual o tipo de gestão
institu­cional – autoritária, centralizadora, democrática ou cole-
giada –, além de quais os espaços de participação da comunidade
escolar nas tomadas de decisões e na resolução de questões peda-
gógicas e/ou disciplinares e de como são utilizados os materiais
de consumo e equipamentos para favorecer o ensino e a apren-
dizagem, uma vez que “[...] precisamos de métodos democráti-
cos de efetivo exercício da democracia. Ela é um aprendizado,
demanda tempo, atenção e trabalho” (GADOTTI, 2001, p. 36).

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
116

Além disso, faz-se mister também que o coordenador so-


cialize, colegiadamente, as regras normatizadas no Regimento
Escolar, pois estas, em articulação com a legislação educacional
vigente, regulam todo o funcionamento da escola, norteando as
tomadas de decisões cotidianas (VASCONCELLOS, 2000).
No âmbito da disciplina que o professor leciona, é fun-
damental que o coordenador articule uma visão global do pla-
nejamento, potencializando o conhecimento acerca da proposta
curricular como um todo, ou seja, para todas as séries/anos que a
escola oferta, em diálogo com as demais áreas do conhecimento
e com as características específicas dos turnos trabalhados e do
público atendido, acreditando-se que:
Um Projeto Curricular válido, útil e eficaz é,
por definição, um instrumento indefinidamen-
te perfectível cujo uso pelos profissionais nun-
ca se limita – ou não deveria limitar-se – a uma
aplicação mais ou menos automática. Um bom
Projeto Curricular não é o que oferece soluções
prontas, fechadas, definitivas aos professores,
mas aquele que lhes proporciona elementos
úteis para que possam elaborar em cada caso as
soluções adequadas, em função das circunstân-
cias particulares nas quais exercem suas ativi-
dades profissionais. (COOL, 2002, p. 188).
Nesse sentido, o coordenador precisa realizar um trabalho
de conscientização para que as reuniões de planejamento superem
as práticas individuais e solitárias, pois implicam a necessidade
de uma discussão colaborativa, somente assim será possível ela-
borar um plano de curso com base nas demandas e necessidades
reais, analisado sob múltiplos olhares e pactuado para ser execu-
tado por múltiplas mãos, com a flexibilidade que lhe é inerente.
Com isso, o professor e seus pares deverão realizar o pla-
nejamento em seus vários aspectos, levando em conta as finali-
dades educacionais da instituição escolar e da comunidade de

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


117

seu entorno: seleção de conteúdos (entendendo-se conteúdos


como conceituais, procedimentais e atitudinais3), estratégias e
metodologias de trabalho, recursos didáticos, relação professor/
aluno e avaliação do ensino e da aprendizagem, conforme clari-
fica Libâneo (1994, p. 52):
Quando falamos das finalidades da educação no
seio de uma determinada sociedade, queremos
dizer que o entendimento dos objetivos, dos
conteúdos e métodos da educação se modifica
conforme as concepções de homem e sociedade
que, em cada contexto econômico e social de
um momento da história humana, caracterizam
o modo de pensar, o modo de agir e os interes-
ses das classes e grupos sociais.

Outro aspecto relevante a ser assegurado pelo coordena-


dor junto ao corpo docente, antes do início do ano, é a elaboração
de avaliação diagnóstica dos alunos a ser aplicada nas primeiras
semanas de aula, com o intuito de verificar a adequação dos con-
teúdos planejados às reais capacidades discentes nos anos/séries
em que estão inseridos, pois: “[...] diagnosticando, a avaliação
permite a tomada de decisão mais adequada, tendo em vista o
autodesenvolvimento e o auxílio externo para esse processo de
autodesenvolvimento” (LUCKESI, 2001, p. 174).
Sob posse dessa avaliação, reserva-se um tempo para a
revisão ou nivelamento dos conhecimentos que são considera-
dos pré-requisitos à inserção do aluno no ano/série que está cur-
sando, de modo a se avançar nos conhecimentos planejados e,
consequentemente, alcançar novas aprendizagens, se for o caso,
como indica Luckesi (2001, p. 175):

3 Conteúdos conceituais dizem respeito a fatos, dados e conceitos; os conteúdos


procedimentais, a estratégias, procedimentos e habilidades; e os conteúdos
atitudinais, a valores, atitudes e normas (COOL, 2000).

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
118

Assim sendo, a avaliação da aprendizagem au-


xilia o educador e o educando na sua viagem
comum de crescimento, e a escola na sua res-
ponsabilidade social. Educador e educando,
aliados, constroem a aprendizagem, testemu-
nhando-a à escola, e esta à sociedade. A avalia-
ção da aprendizagem, neste contexto, é um ato
amoroso, na medida em que inclui o educando
no seu curso de aprendizagem [...].
Ao longo do ano, por conseguinte, é fundamental que
os professores empreendam novos planejamentos (bimestrais,
mensais, diários), tendo em vista sua característica intrínseca de
flexibilidade, isto é, a necessidade de adequação do que foi pen-
sado à realidade encontrada, conforme os níveis e ritmos dos dis-
centes, verificados continuamente no transcorrer do ano letivo.
Nessa perspectiva, o papel do coordenador pedagógico se
faz imprescindível, haja vista organizar antecipadamente o pla-
nejamento, de forma a subsidiar a sua realização, seja para po-
tencializar o encontro sistemático dos docentes por disciplina,
áreas do conhecimento ou de todo o grupo pedagógico; seja para
articular os diversos projetos e ações presentes nas propostas
curriculares afins; seja até mesmo para disponibilizar materiais
e equipamentos relevantes à didática.
Desse modo, o coordenador pedagógico apresenta-se
como peça fundamental para subsidiar pedagogicamente os pro-
fessores, em suas facilidades e fragilidades, avanços e dificulda-
des, apoiá-los nas lacunas oriundas da formação inicial, com seu
conhecimento e experiência, e colocar à disposição livros, textos
e outras tecnologias de temáticas relacionadas a projetos e ações
a serem desenvolvidos no período, tendo em vista que “[...] es-
tas reuniões podem ser momentos de partilha de dúvidas, troca
de experiências, descobertas, sistematização da própria prática,
resgate do saber docente, estudo, pesquisa, avaliação do trabalho,
replanejamento” (VASCONCELLOS, 2002, p. 83).

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


119

Outro aspecto não menos importante da atribuição do co-


ordenador, no que tange ao planejamento, é o acompanhamento
aos processos avaliativos dos alunos, como fundamenta Luckesi
(2001, p. 165):
[...] planejamento e avaliação são atos que es-
tão a serviço da construção de resultados sa-
tisfatórios. Enquanto o planejamento traça
previamente os caminhos, a avaliação subsidia
os redirecionamentos que venham a se fazer
necessários no percurso da ação. A avaliação é
o ato de investigar a qualidade dos resultados
intermediários ou finais de uma ação, subsi-
diando sempre sua melhora.
Isto posto, coordenadores e professores devem caminhar
sempre em busca de articular a avaliação diagnóstica com a for-
mativa e a somativa, considerando-se o objetivo do ato de ava-
liar, ou seja, detectar se os objetivos pretendidos foram alcança-
dos, identificando avanços e dificuldades dos alunos, para uma
tomada de decisão acerca de medidas corretivas pertinentes ou
para dar prosseguimento/adiantamento do ensino; sem esquecer
a promoção da autoavaliação docente, acerca de suas estratégias e
métodos de ensino; e discente, no que respeita à metacognição4.

Função essencial do coordenador pedagógico:


formação do professor

A principal atribuição do coordenador pedagógico é con-


tribuir para com a formação em serviço do professor, com o in-
tuito de favorecer o diálogo entre teoria e prática, propiciando a
construção da práxis pedagógica.

4 ParaGrégoire (2000, p. 167), trata-se de metacognição “[...] avaliar-se com o


fim de elaborar gestos de natureza corretiva, com o fim de ajustar-se (e fala-se
aqui em regulação feita pelo próprio indivíduo, isto é auto-regulação)”.

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
120

Verifica-se, entretanto, quando os professores participam


de seminários, congressos ou formações externas à escola, que
as teorias apresentadas por estudiosos da área são utópicas, dis-
tantes da realidade ou impraticáveis. Os docentes retornam às
escolas, muitas vezes, cheios de ideias, energizados pelas expe-
riências inovadoras apresentadas, mas logo desistem de aplicá-
-las, por perceberem que não se ajustam à sua realidade; ou já
retornam à escola achando que a participação foi perca de tempo,
julgando os relatos assistidos inexequíveis.
Entende-se que abrir espaço na escola, no tempo destina-
do ao planejamento, para momentos de estudos, com temáticas
relacionadas às necessidades e dilemas educativos dos profes-
sores, em articulação com o próprio planejamento de projetos,
ações, estratégias, metodologias e processos avaliativos, permite
aos docentes relacionarem teoria e prática, isto é, a teoria estará
sempre mediada pela prática, e vice-versa, pois, de acordo com o
pensamento de Vasconcellos (2002, p. 124), a proposição:
[...] é ter a prática como referência, fazer uma
reflexão sobre ela, de maneira mais próxima e
particularizada, tendo em vista a intervenção
(pesquisa-ação). A rigor, trata-se de buscar a
práxis: estabelecer o processo Ação-Reflexão
(estudos relacionados a problemas, metas, pro-
jetos de ação, aliados a intervenções pautadas
pelas reflexões, que geram novas temáticas para
estudo, e assim por diante).
Dessa forma, no ir e vir dos momentos formativos, nos avan-
ços e retrocessos do possível e impossível no chão da escola, os do-
centes vão conseguindo associar teoria e prática e, consequentemen-
te, avançar para a práxis pedagógica. Trata-se de uma caminha­da
a ser construída com pequenos passos, já que “[...] a ação refletida
entre teoria e prática, portanto, é alguma coisa que resulta de um
trabalho, de um esforço e de um método” (CHRISTOV, 2004, p. 32).

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


121

Para tal, o coordenador pedagógico precisa estar atento às


lacunas educativas dos professores, intermediadas pelas necessi-
dades do cotidiano escolar; deve também ser um estudioso, pes-
quisador de experiências e soluções para os problemas enfrenta-
dos pelos docentes em sua tarefa diária; ser empático, conquistar
a confiança docente; ser humilde e acolhedor, aceitando críticas
e colaborações. Para Vasconcellos (2002, p. 89), o coordenador
deve estabelecer uma dinâmica de interação com o corpo docen-
te que favoreça o avanço, como:
• Acolher o professor em sua realidade, em
suas angústias; dar ‘colo’: reconhecimento
das necessidades e dificuldades [...]; • Fazer a
crítica dos acontecimentos, ajudan­do a com-
preender a própria participação do professor
no problema, a perceber as suas con­tradições
(e não acobertá-las); • Trabalhar em cima do
processo de transformação; • Buscar caminhos
alternativos; fornecer ma­teriais; provocar para
o avanço; • Acompanhar a caminhada no seu
conjunto, nas suas várias dimensões. Podemos
localizar aqui um certo movimento em que há
alternância entre criar e aliviar a tensão.
É preciso, em consequência, que o coordenador esteja afi-
nado com a gestão escolar, no sentido de que todos participem de
um projeto comum, como também para que possa focar energia
nas competências e atribuições inerentes à sua função e não se
deixar dispersar por atividades administrativas, financeiras ou
burocráticas, conforme o pensamento de Luckesi (2001, p. 116):
Cremos que o papel do diretor de um estabele-
cimento de ensino é coordenar a construção de
diretrizes da instituição como um todo e atuar
para prover as condições básicas para que tais
diretrizes possam efetivamente sair do papel e
transformar-se em realidade – para que o proje-
to se transforme em construção.

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
122

Mesmo tendo ciência de que o coordenador, na labuta diá­


ria da escola, desempenhe diferentes atividades, a sociedade o
cobrará pelo exercício de suas funções pedagógicas. E nessas ele
precisa centrar suas forças!

Considerações finais

Ao longo da discussão acerca da importância de o coor-


denador pedagógico organizar os momentos de planejamento,
objetivou-se salientar a necessidade de esse profissional dar su-
porte ao docente, subsidiando o fazer pedagógico em suas varia-
das dimensões.
Nessa perspectiva, é papel do coordenador pedagógico de-
linear os momentos de planejamento docente, não no sentido de
conduzir, direcionar ou segregar a liberdade do professor em de-
finir as melhores formas de exercer a sua função, mas no sentido
de coordenar, agregar valor, ajudar a unir forças, experiências e
ideias em torno da melhor forma de educar os alunos.
Muitas são as atribuições dos professores e maiores ain-
da os desafios educativos enfrentados cotidianamente. É extre-
mamente difícil encontrar tempo para se reunir com os colegas,
congregar ideias, articular projetos, elencar temáticas para estu-
dos, buscar estratégias para a diversificação do ensino e poten-
cializar a aprendizagem.
De outro lado, ele também precisa de ajuda e suporte, de
alguém que o inspire a sair do ativismo, parar e olhar para além
de si mesmo e analisar os seus dilemas profissionais em sintonia
com o outro, com o seu colega ao lado. Esse profissional é o co-
ordenador escolar; e o momento é o planejamento pedagógico.

Referências

COLL, C. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de con-


ceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

DÓRIS SANDRA SILVA LEÃO • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


123

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do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São
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-aprendizagem e projeto político-pedagógico. São Paulo: Liber-
tad, 2000.

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO PARA APRIMORAR OS PROCESSOS


DE PLANEJAMENTO ESCOLAR
124

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E


O OLHAR DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: OS
DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS


Graduanda do curso de Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), campus do Itaperi.
Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), regulado e fomenta-
do pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do subprojeto de
Pedagogia da UECE.
E-mail: <nayarachagas33@hotmail.com>.

LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO


Graduanda do curso de Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), campus do Itaperi.
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic).
E-mail: <lohsantos02@gmail.com>.

MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES


Doutoranda e mestra em Educação e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Professora substituta da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e membro do Núcleo das
Africanidades Cearenses (Nace/UFC).
E-mail: <kellynia_farias@yahoo.com.br>.
125

Para começo de conversa

D urante muito tempo, no contexto educacional, con-


cebeu-se um modelo de gestão centrado na figura do diretor,
em se tratando de gestão escolar. No contexto pelo qual passa
a sociedade brasileira, já não se compõe uma gestão dissociada
da participação mesmo por força de lei. Nesse sentido, um dos
grandes desafios de nossos gestores é o de atuar de forma colabo-
rativa, contando com a participação da comunidade, ainda que
esta não entenda muito bem o seu papel de atuar conjuntamen-
te na formação do indivíduo. Ademais, esse processo nunca foi
estimulado, tanto pela própria lógica política, que destina aos
indivíduos um papel subalternizado, como pelos longos anos de
ditadura militar, visto que não era de interesse das forças mais
poderosas do país pensar a participação popular, tampouco seu
empoderamento.
Nesse contexto, a maneira como a escola encontra-se estru-
turada hierarquicamente diz respeito a um reflexo da estrutura
social capitalista. Na sociedade capitalista, a população divide-se
em burguesia e proletariado. Para que essa relação entre as classes
persista sem se desintegrar graças aos seus conflitos de interesse,
cria-se o Estado, ferramenta política detentora de poder bélico
intermediadora de tais conflitos, na História sempre comandada
pelos detentores do poder econômico vigente, no caso a classe
burguesa. Isto é, o poder é concentrado nas mãos de poucos – fato
reproduzido na instituição escolar, o qual, entretanto, vem sendo
combatido com bastante empenho pelos profissionais da educa-
ção (WELLEN, H. A.; WELLEN, H. K., 2010).

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
126

Mesmo que a comunidade não tenha claro o dever de


atuação perante a escola, compete a esta criar meios para que
haja compromisso e participação de todos. As reivindicações de
diversos movimentos sociais conseguiram pautar a questão da
gestão democrática, acarretando legislações e novos formatos de
gestão e, assim, ampliando esse quadro para além da figura do di-
retor e vice. Como é garantido pela Lei no 9.394/1996, trata espe-
cificamente da gestão democrática na escola da seguinte forma:
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as nor-
mas da gestão democrática do ensino público
na educação básica, de acordo com as suas pecu-
liaridades e conforme os seguintes princípios: I
– participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola; II
– participação das comunidades escolar e local
em conselhos escolares ou equivalentes.
Hoje, selecionados através de provas objetivas, ­dissertativas
e até mesmo de eleições diretas, as escolas públicas contam com
um núcleo gestor constituído de um gestor geral, um coorde-
nador pedagógico, um coordenador administrativo-financeiro e
um secretário escolar. Colaborando nesse viés, Lück (2011, p. 77)
acrescenta sobre as eleições para gestores escolares que:
Cabe lembrar que não é a eleição em si, como
evento, que democratiza, mas sim o que ela
representaria, como parte de um processo
participativo global, no qual ela correspon-
deria apenas a um momento de culminância
num processo construtivo e significativo para
a escola.
Um órgão presente na escola e que também contribui com
uma gestão participativa é o conselho escolar, cujos membros
são escolhidos através de eleições diretas para os segmentos:
gestores, professores, funcionários, pais e comunidades. Esse

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
127

órgão colegiado atua conjuntamente com a gestão para definir


os rumos da escola, seja sobre as questões pedagógicas ou até
mesmo financeiras. Não se pode esquecer também o grêmio es-
tudantil – organização que representa os interesses dos estudan-
tes na escola. Um grêmio bem articulado permite que os alunos
discutam, criem e fortaleçam inúmeras possibilidades de ação,
tanto no próprio ambiente escolar como na comunidade. Como
se pode observar, o diretor já não é mais uma figura solitária, e
a ele compete a decisão de dar vez e voz a esse grupo que atua
conjuntamente, auxiliando-o nas tomadas de decisões.
A participação de todos como constituintes do processo
educacional deverá proporcionar condições para que se sintam
corresponsáveis na construção de sua autonomia e, consequen-
temente, de sua cidadania. A escola é o local em que muitas prá-
ticas sociais acontecem, onde se deve cumprir a sua função social
em formar sujeitos críticos, competentes, capazes de construir
sua própria história. Nessa interação, o indivíduo já não se sen-
te como um sujeito que pratica regras ditadas por outrem, mas
como alguém capaz de inserir-se nessas práticas, promovendo
mudanças a partir do exercício de sua participação.
Em se tratando de educação formal, entende-se que uma
gestão participativa e democrática é aquela que dá vez e voz aos
sujeitos que são os usuários dos serviços por ela prestados. Assim
sendo, uma gestão participativa e democrática deve promover
oportunidades para que todos se sintam como parte integrante
do processo, criando um clima escolar acolhedor e capaz de con-
tar com a participação de todos. Dessa forma, Lück (2011, p. 23)
comenta:
Essa participação dá às pessoas a oportunidade
de controlarem o próprio trabalho, assumirem
autonomia sobre o mesmo e sentirem-se res-
ponsáveis por seus resultados – portanto, cons-
truindo e conquistando sua autonomia. Daí

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
128

por que a participação competente é o caminho


para a construção da autonomia.
Partindo desse princípio, uma gestão participativa e de-
mocrática deve promover constantemente parcerias com a co-
munidade escolar, a fim de que possam tomar decisões conjuntas
visando ao bem da coletividade. O gestor deve ser um articula-
dor e acompanhar todo o processo educativo, desde o seu pla-
nejamento, execução e avaliação, contribuindo, assim, para uma
escola cada vez mais inclusiva, garantindo a melhoria do ensino.
Cury (2002, p. 11) desconstrói o conceito de autoridade
centrada apenas em um sujeito e apresenta-nos uma caracterís-
tica da gestão democrática como “autoridade compartilhada”,
citando todos os corresponsáveis que compõem os níveis educa-
cionais, ao afirmar que:
[...] a gestão democrática é uma gestão de auto-
ridade compartilhada. Mas, por implicar tanto
unidades escolares como sistemas de ensino, a
gestão vai além do estabelecimento e se coloca
como um desafio de novas relações (democráti-
cas) de poder entre o Estado, o sistema educa-
cional e os agentes deste sistema nos estabeleci-
mentos de ensino.
No entanto, são muitos os embates com que os papéis au-
toritários se defrontam. Tal situação demanda bom senso, flexi-
bilidade, liderança, organização e facilidade para trabalhar cole-
tivamente. É desse contexto que emergem os desafios para ob-
tenção do modelo de gestão almejado, haja vista que nem todos
os envolvidos trazem consigo as habilidades pessoais supracita-
das. Apesar da existência desses percalços, é possível superar tais
desafios quando se acredita nos resultados de uma boa educação.
Mediante o contexto explicitado, as discussões em sala
de aula – no âmbito da universidade – em torno dessa temática
suscitaram alguns questionamentos particulares, quais sejam:

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
129

Até que ponto a gestão escolar prima pelo trabalho democráti-


co? Como a escola pública se organiza para a efetivação de uma
gestão democrática?
O presente trabalho foi desenvolvido no decorrer da dis-
ciplina de Fundamentos da Gestão do curso de Pedagogia da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), tendo como principal
objetivo investigar aspectos da gestão de uma escola da rede mu-
nicipal de ensino. Especificamente, propomo-nos a dialogar com
alguns profissionais do corpo gestor com vistas a aferir fatores
que compõem uma gestão participativa ou não. Essa experiência
visava fomentar o aprofundamento no tema, articulando saberes
teóricos e práticos. Este estudo assume sua relevância por nos
permitir, como professoras em formação, entender na realidade
escolar as concepções de gestão democrática discutidas na uni-
versidade, bem como os desafios para se estabelecer tal modelo
de gestão. A partir do momento que saímos dos muros da uni-
versidade para consolidar nossos conhecimentos, nossa aprendi-
zagem ganha também novos espaços de exploração que somam
na formação dos graduandos.

Olhares sobre o campo

A partir do explanado, realizamos a pesquisa de campo em


uma escola da rede pública na periferia do município de Forta-
leza, Ceará. Inicialmente, atuamos como observadoras a fim de
identificar, a partir da postura adotada pela coordenação da es-
cola, se estas ações imprimem democracia na práxis pedagógica
efetivada. Nesse sentido, tornou-se relevante perceber os desafios
que, por vezes, impedem o desenvolver dessa concepção e acabam
por prejudicar a participação coletiva nas decisões escolares.
Como percurso metodológico, optamos por uma aborda­
gem qualitativa do estudo, pois “[...] a pesquisa qualitativa res-
ponde a questões muito particulares [...]” da realidade (MINAYO,

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
130

2014, p. 21), de maneira a identificar a relação entre o observado e


a entrevista. Assim, discutimos e contextualizamos o surgimento
da gestão democrática nos sistemas de ensino, relacionando, pos-
teriormente, com a realidade da escola lócus da pesquisa, visto
que, carregando tal discurso como aspecto fundamental da ins-
tituição, necessita de percepções acerca da afirmativa que apre-
senta. Para compor a investigação, também foi necessário realizar
uma entrevista semiestruturada com a coordenadora vigente do
âmbito. Os dados foram coletados através de gravação de voz.
O processo utilizado para desenvolver a pesquisa foi fun-
damental para a organização e estrutura do estudo, que seguiu
uma sequência apoiada na discussão contextualizada, observa-
ção, entrevista, transcrição, validação e análise geral das impli-
cações constatadas.
A entrevista com a coordenadora da escola supracitada foi
concretizada na própria instituição onde a mesma atua, sendo
realizada em dois momentos. No primeiro momento, tivemos a
oportunidade de conhecer a estrutura da escola, conversar com
algumas professoras, observando e percebendo o funcionamen-
to geral da instituição. Após esse reconhecimento possibilitado
pela profissional mencionada, efetivamos a entrevista em sua
sala. No segundo momento, voltamos à escola para fazer a vali-
dação das respostas socializadas pela coordenadora, deixando-a
livre para efetuar qualquer alteração.
A fim de tentar diagnosticar o perfil da gestora, questio-
namos-lhe sobre a sua formação, idade, tempo de experiência
na docência e níveis de atuação profissional. A coordenadora
afirmou ser formada em Pedagogia pela UECE e especialista em
Psicopedagogia e Gestão Pedagógica, com experiência de quase
uma década.
Em virtude da carência de profissionais no âmbito admi-
nistrativo, consequência da ausência de uma secretaria e direção
escolar, a coordenadora assume atividades nos âmbito adminis-

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
131

trativo, burocrático e pedagógico, culminando no desequilíbrio


das responsabilidades, em especial para com este último setor.
Dentre as atividades que executa, além de coordenadora, a mes-
ma, mensalmente, faz a contabilidade dos materiais que recebe
para a manutenção da escola, dos alimentos, dos objetos de hi-
giene pessoal e dos próprios materiais didáticos.
O fato de possuir experiência na área e interesse pela for-
mação continuada demonstra uma questão importante. A forma-
ção em Pedagogia, no entanto, nem sempre é o suficiente para
que o pedagogo atue diretamente na coordenação. Segundo a co-
ordenadora, além da experiência em sala de aula, é importante
investir numa especialização que seja voltada diretamente para a
gestão, mesmo que o currículo das disciplinas, no caso da UECE,
contemple cadeiras específicas que abordem a área, como é o
exemplo das disciplinas de Gestão Educacional e Fundamentos
da Gestão. Supõe-se que ainda existe uma superficialidade e que
a teoria não funciona sem a efetivação de uma prática. Em relação
à escolha do curso, a profissional entrevistada ingressou no cur-
so de Pedagogia na UECE, onde se encontrou profissionalmente,
com inclinação para o campo da gestão. Seu tempo de experiência
é de dois anos, estando há oito meses na instituição pesquisada.
Esse discurso, até então, mantém-se firme e frequente nos
primeiros semestres do curso de Pedagogia, caracterizando, de
certa forma, uma parte do público que ingressa nessa carreira.
Seja pela desvalorização da profissão, seja pela falta de recursos,
seja pelos salários pouco motivadores, o curso ainda é prioritário
no quesito “segunda opção” e carrega um enunciado geralmente
desmotivador, que só muda a perspectiva de alguns estudantes
no decorrer da formação. Nesse sentido:
A identidade do professor nas últimas décadas
tem sido percebida pela falta do respeito e de
compreensão por parte da sociedade e também
por parte dos alunos que não têm valorizado o

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
132

professor em sala de aula, pois sabemos que o


conhecimento partia somente do professor e
hoje temos várias fontes, e as novas tecnologias
estão pressionando a criação de novos métodos
pedagógicos. Muitas vezes o professor sente-se
insatisfeito na própria sala de aula, devido não
ter uma remuneração compatível, uma estrutu-
ra física adequada para trabalhar, que ocasiona
constrangimento e insatisfação nos seus espaços
de trabalho, tudo isso gera uma revolta do pro-
fissional. (DE MORAES et al., 2001, p. 1260).
Essas questões compõem a realidade da docência no Brasil
e acabam por influenciar diretamente a essência da prática edu-
cativa, principalmente nas escolas públicas. O papel da gestão,
nessa perspectiva, ganha responsabilidades ainda maiores, espe-
cialmente com a concepção democrática, manifestada através da
necessidade de uma reestruturação política, econômica e social
no país por volta dos anos 1980, pondo fim a um regime autori-
tário militarista que por anos prevaleceu.
Para Cury (2002), o declínio do regime militar contou
com a participação fervorosa da população na qual o grupo de
professorado sempre esteve presente, sendo uma mobilização ge-
ral capaz de derrubar a ordem autoritária, instituindo um novo
modelo de ordenamento jurídico, amparado em bases democrá-
ticas. Desse modo, podemos dizer que a educação foi umas das
mais contempladas no que concerne à necessidade de estabelecer
amplas e concretas mudanças.
A gestão democrática torna-se, portanto, não somente um
conceito a ser valorizado social e politicamente, mas um com-
promisso das escolas para perpetuar uma práxis baseada em pro-
postas pedagógicas estruturadas e congruentes com a realidade
das instituições. A reorganização da Lei das Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) se fez crucial nesse processo, proporcionan-
do um novo olhar no ensino e na maneira de ensinar.

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
133

Segundo a coordenadora: “Uma gestão democrática é onde


todos possuem voz e vez e participam coletivamente das decisões na
escola. Todos contribuem, pois a escola é de todos”. Ela elucida que,
apesar de atuar há apenas oito meses na escola, a qual, por sinal,
foi construída há pouco tempo, sempre procurou consultar os
demais membros da comunidade escolar (pais, professores, fun-
cionários responsáveis pela limpeza e refeição, etc.) antes de pro-
por alguma atividade ou transformação no espaço escolar. Para
ela, todos devem atuar e se posicionar ante as decisões.
Isso nos leva a refletir que a gestão democrática, se real-
mente efetivada em seu sentido pleno, pode promover benefícios
a todos os envolvidos em sua realização. Dessa forma:
A gestão democrática do ensino público deve
assegurar igualdade de condições de acesso e
permanência dos alunos na escola, bem como
a pluralidade de idéias, o que proporcionará
um padrão elevado de qualidade da educação.
Nesse sentido, procura-se destacar os efeitos
dessa democratização no âmbito da escola, no-
tadamente no que se refere à autonomia escolar,
nos seus aspectos pedagógicos, administrativos
e financeiros. (REINALDO, 2008, p. 71).
Ao indagar sobre os desafios que enfrenta para executar
uma gestão democrática e sobre quais estratégias utiliza para so-
lucionar as possíveis dificuldades, ela infere:
A maior dificuldade no momento é dar conta da
Gestão Burocrática e mais atenção à Pedagógica,
pois a escola foi construída recentemente e, infeliz-
mente, preciso estar sempre organizando as questões
burocráticas, que, por vezes, me deixam sem tempo
suficiente para me reunir com as professoras e acom-
panhá-las em todos os planejamentos como gostaria
de fazer.

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
134

Isso demonstra um desafio comum a outros gestores: a di-


nâmica da burocratização, do controle externo, das avaliações e
dos projetos toma o espaço das atividades pedagógicas (LÜCK,
2010), além de evidenciar como esses sistemas externos, prin-
cipalmente de avaliação, interferem na avaliação da escola e do
município, os quais acabam sendo priorizados.
Sobre a sua avaliação a respeito da gestão efetivada na
instituição: “Todos têm acesso à escola e participam das ações, opi-
nando nos projetos desenvolvidos. Acredito que temos uma partici-
pação muito ativa, apesar de o espaço ainda estar em processo de
mudança por ser recente”. Isso também é perceptível na prática,
pois as observações constataram que, realmente, pais, profes-
sores e funcionários estão sempre presentes nas reuniões rea-
lizadas e no dia a dia, envolvidos com as questões da escola. É
interessante observar que, mesmo com o empenho da coorde-
nação, a participação ainda está limitada a opiniões, não sendo
explícita a participação dos demais membros da comunidade
escolar em outros espaços. A efetivação da participação requer
o maior comprometimento de todos esses membros e a des-
centralização das ações e das responsabilidades (LÜCK, 2011).
Para a coordenadora, o único problema seria no campo da
comunicação, como explicita: “Alguns pais, quando querem relatar
algum problema, buscam falar primeiramente com os professores, então
eu procuro conversar com eles e pedir para também me comunicarem e
falarem comigo sobre o problema”.
A falta de comunicação entre coordenação, família e pro-
fessores pode causar desentendimentos que seriam evitados caso
as problemáticas fossem socializadas de maneira não fragmenta-
da, em que a má interpretação se sobrepõe ao ouvir –, escutan-
do-se cuidadosamente o que o outro tem a dizer. Nesse aspecto,
a coordenadora deixa claro que a situação fica a desejar e que
poderia melhorar.

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
135

Em relação à importância do Projeto Político-Pedagógico


(PPP) e das ações que foram ou não desenvolvidas a partir dele,
ela revela:
Ele é essencial! É um instrumento norteador, fun-
damental para executar estratégias que melhorem o
funcionamento da escola. Infelizmente, como a es-
cola é nova, ainda não possuímos o documento pro-
priamente dito, mas já organizei uma reunião com
as professoras, onde pedi que produzissem duas lau-
das com projetos e estratégias e, felizmente, consegui
desenvolver uma boa parte. O que falta é somente
juntar tudo. Se Deus quiser, pretendo que ele esteja
pronto em 2016.

Apesar do reconhecimento manifestado em relação ao PPP,


incluindo a relevância dele como suporte e ferramenta essencial
da escola, a concretização parcial do documento evidencia a pre-
ocupação da coordenadora em concluir o projeto no ano de 2016.
Como foi apontado anteriormente, a produção das professoras
também irá compor parte do texto; mesmo sendo uma instituição
recente, nesse quesito não há dificuldades na inserção colaborati-
va entre os sujeitos na elaboração dos projetos pedagógicos.
O próprio conselho escolar se faz ativo, conforme ela so-
cializou, e se mantém presente nas votações: “Fizemos uma vo-
tação na escola patrimonial, com a participação dos pais, explicando
que a representação estaria diretamente com os demais funcionários da
escola, ajudando na elaboração dos projetos e ações da mesma. Atual-
mente, temos um representante atuante”.
No trecho acima, percebe-se um desabafo da n ­ ecessidade
de realizar um grande esforço para consolidar a participação de
uma pessoa que representasse a comunidade, incorporando o
conselho escolar. Além disso, a profissional acrescenta outro fa-
tor importante: “A falta de recursos também prejudica, pois, ao invés
de duas verbas, só recebemos uma. Mas estou tentando me organizar e

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
136

priorizar o pedagógico. E, com relação ao financeiro, a escola irá regu-


larizar os dois censos no próximo ano [no caso, em 2016]”.
Não obstante, essa fala aponta ainda para uma questão
comum nos discursos de algumas instituições, quando afirma
que a pouca verba prejudica exponencialmente a administração
da escola, visto que, além das outras problemáticas, é preciso
lidar com os poucos recursos, tentando distribuí-los da melhor
forma possível, ainda que, ao invés de duas verbas, a escola só
receba uma.
Paro (2002) chama a atenção para o impasse imposto pelo
neoliberalismo, que acentua a concepção de que a escola deve
funcionar nos moldes empresariais. Isso é perceptível na ênfase
no controle dos resultados e nas políticas de avaliação externa.
Faz-se necessário reforçar que a produção escolar não deve acon-
tecer de modo fiel aos métodos empresariais, sob pena de tornar-
-se uma mera produtora de objetos. Para o autor, a administração
escolar deve compor o conjunto de atividades mediadoras que
atendam aos fins educativos, isto é, primar pelo desenvolvimen-
to de estratégias, formas e projetos (meios), objetivando a forma-
ção de um cidadão capaz e crítico (fins).
Finalizando as perguntas da entrevista, a coordenadora
fala um pouco sobre como a escola tem implementado a Lei no
11.645/2008, que torna a obrigatoriedade da temática de História
e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, tratando acerca de quais os
pontos positivos e os desafios e de qual o papel desempenhado
pela gestão da escola nesse processo, conforme é exposto:
Esses projetos precisam ser trabalhados em todos os
momentos, e não somente em datas comemorativas,
onde a criança só tem contato com o tema em dias
determinados. Estamos tentando inserir isso em ou-
tros momentos também, durante todo o ano no currí-
culo, pois somente assim fará sentido para o aluno e
suas práticas fora da escola.

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
137

Esse pensamento demonstra que há reconhecimento so-


bre a relevância das diversidades culturais na escola e, mais do
que isso, evidencia a preocupação em atribuir sentido ao que está
sendo estudado, considerando que, sem conexão com as práticas
sociais, perde a essência e o significado, tão fundamentais para o
aprendizado macrossocial da criança.
Foi importante trazer esta questão à tona devido a essa lei
carecer de mais explicitação nas formas de efetivação no espaço
escolar. Além disso, como parte de uma política pública, provoca a
reflexão a respeito desse grave problema de nossa sociedade, que é
o racismo, e responde a essa demanda social que necessita urgen-
temente ser debatida nos espaços escolares, pois ainda amargamos
as consequências de séculos de um regime escravista que natura-
lizou a desigualdade e a discriminação racial nas relações sociais,
sendo a escola uma das forças mobilizadoras para o seu combate.

Considerações finais

Apesar das limitações destacadas no cotidiano escolar, fos-


se por questões financeiras ou burocráticas, constatou-se que a
participação da comunidade, professores e funcionários é esti-
mulada e ocupa finalidade primordial na escola, mesmo de ma-
neira desafiadora. Existe comprometimento por parte da coorde-
nadora quando o foco é nortear democraticamente as estratégias
e planos da instituição, de modo que todos atuem e participem
igualmente do processo. Ao mesmo tempo, notou-se a falta de
um PPP para conduzir de forma sistematizada as ações que se-
riam desenvolvidas ao longo dos semestres, apontando para a ne-
cessidade de construir um documento congruente e atualizado
com as propostas necessárias no presente.
Por outro lado, ainda há uma dificuldade iminente das es-
colas quando o assunto se dirige à manutenção e ­desenvolvimento

A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
138

do referido documento, que geralmente é tratado como pano de


fundo, ou algo que não precisa de atenção e acompanhamento
rotineiro. Tal circunstância aponta para a necessidade de forma-
ções pedagógicas que ajudem na valorização desse projeto, de
modo que os professores, gestores, alunos e demais participantes
consigam inseri-lo no dia a dia escolar, compreendendo seu va-
lor e relevância para o crescimento do âmbito educativo.
A precarização da escola se apresentou de diferentes for-
mas, sendo o fator financeiro um dos que mais prejudicam a
efetivação das propostas pedagógicas. A partir dos relatos apre-
sentados pela coordenadora, ficou evidente que a falta de verbas
afeta diretamente o gerenciamento da instituição, que, por vezes,
tende a fragmentar as prioridades existentes. Desse modo, por
mais que o esforço empregado pela profissional persista nas mu-
danças, a responsabilidade ocupa, inevitavelmente, um espaço
significativo em suas atividades, ressaltando a carência de uma
distribuição justa e bem equilibrada das variadas incumbências
assumidas pela coordenadora. Faz-se necessário pensar em uma
educação para a participação crítica como responsabilidade de
todos os sujeitos da escola.
A concepção crítica da participação coletiva deve superar
as paredes escolares e se estender a uma postura problematiza-
dora a respeito do papel desempenhado pelas esferas de gestão
pública, tendo em vista um propósito de mudança para que as
condições mínimas de qualidade sejam realmente asseguradas.
Para concretizar uma gestão baseada nas concepções democrá-
ticas, é preciso uma atuação consciente e concentrada de toda
a comunidade escolar, sendo a coordenação escolar uma articu-
ladora para que os demais reconheçam, a partir da sua ação, a
importância de trabalhar coletivamente para alcançar resultados
positivos no ensino a que se propõe.

NAYARA DOS SANTOS CHAGAS • LORENA BRENDA SANTOS NASCIMENTO •


MARIA KELLYNIA FARIAS ALVES
139

Referências

BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabele-


ce as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 21 dez. 1996.
BRASIL. Lei no 11.645, de 10 de maio de 2008. Altera a Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639,
de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11
mar. 2008
CURY, C. R. J. Gestão democrática da educação: exigências e de-
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WELLEN, H. A.; WELLEN, H. K. Gestão organizacional e esco-
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A EFETIVAÇÃO DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E O OLHAR DA COORDENAÇÃO


PEDAGÓGICA: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA
140

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA


ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA


Mestra em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialis-
ta em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e
graduada em Administração pela Universidade Estácio de Sá e em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Técnica da Secretaria de Educação de Maracanaú e professora do curso de
Administração da Faculdade Latino-Americana de Educação (Flated).
E-mail: <gleizaguerra@yahoo.com.br>.

ELAINE MARINHO BASTOS


Mestra em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista
em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), em Gestão
de Pessoas pela Faculdade Integrada do Ceará (FIC) e em Violência Doméstica contra Crianças e
Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Psicologia pela UFC e em Ser-
viço Social pela UECE. Psicóloga clínica e professora da Faculdade Ateneu (Fatene) e da Faculdade
Farias Brito (FFB).
E-mail: <elainembpsicologia@yahoo.com.br>.

MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA


Mestra em Administração e Controladoria, especialista em Gestão Pública e em Controle de Qua-
lidade do Ensino-Aprendizagem e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Analista da Receita Federal.
E-mail: <joselice.lopes@gmail.com>.
141

Introdução

A s organizações são constituídas de pessoas e delas depen-


dem para realizar os seus trabalhos e atingir objetivos. A pes-
quisa em Administração costuma sustentar que empregados mo-
tivados e comprometidos representam diferencial competitivo
para as empresas que necessitam competir em um mercado cada
vez mais exigente, buscando permanentemente um melhor aten-
dimento ao público.
Em outra perspectiva, motivação e comprometimento são
comumente associados à liderança, a qual influencia pessoas,
contribui para a qualidade do ambiente organizacional e estabe-
lece um clima mais favorável ao crescimento da empresa e dos
próprios indivíduos.
Dessa forma, este artigo sustenta que a liderança pode
interferir no clima organizacional de um ambiente de trabalho.
Para tanto, buscou-se responder ao seguinte problema de pes-
quisa: qual a relação entre as tipologias de liderança e o clima
organizacional de uma organização pública municipal?
Este estudo investigativo, portanto, teve por objetivo ve-
rificar a relação entre as tipologias de liderança e o clima organi-
zacional em uma organização pública municipal.
A Secretaria da Educação de Maracanaú, Ceará, possui
uma coordenadoria de gestão de pessoas, em estado incipien-
te de desenvolvimento. Os processos de trabalho (avaliação de
desempenho, capacitação, avaliações de satisfação do usuário e
clima organizacional) são pontuais e não articulados entre si. Os
recrutamentos e seleções se fazem por meio de concurso público,

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


142

e as designações de gestores ocorrem, em regra, por indicação da


secretaria, sendo nomeados pelo prefeito municipal. Dessa for-
ma, em termos de desenvolvimento do modelo de gestão, a uni-
dade não parece se destacar no quadro geral da gestão municipal
brasileira, podendo ser mais bem aferida a relação do exercício
da liderança com o clima, na ausência de outros componentes do
modelo de gestão.
Uma vez que o clima organizacional representa um indi-
cador de satisfação dos sujeitos envolvidos e o comportamento
dos chefes pode influenciar esses indivíduos dentro da organi-
zação, cabe a proposição de que as tipologias de liderança estão
relacionadas com o clima organizacional.
O compromisso empírico deste paper consistiu em testar
esse construto, na busca de sua comprovação e de um conheci-
mento mais profundo do seu mecanismo. De cunho exploratório,
o trabalho utilizou uma estratégia quantitativa de pesquisa, po-
dendo ser caracterizado como survey quanto ao método de coleta.
Sobre o método de análise, optou-se pela análise economé-
trica baseada em regressão múltipla. A regressão múltipla permi-
te testar o efeito das tipologias de liderança (variáveis indepen-
dentes) sobre o clima organizacional (variável dependente).
Em termos objetivos, o aporte teórico e metodológico se
presta a testar as seguintes hipóteses:

• H1: A tipologia de liderança laissez-faire está inversa-


mente relacionada com um clima organizacional sa-
tisfatório;
• H2: A tipologia de liderança transformacional está po-
sitivamente relacionada com um clima organizacional
satisfatório.

Este artigo é composto de seis seções. A primeira s­eção


consiste na parte introdutória desta pesquisa, onde é feita a

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
143

c­ ontextualização do trabalho e são descritos seu objetivo, suas hi-


póteses, seu resumo e sua estrutura. A segunda e a terceira seções
são dedicadas ao resgate teórico. Nessa etapa, foi realizada uma
revisão de literatura acerca das tipologias de liderança, sendo dis-
cutido, em seguida, o conceito de clima organizacional.
A seção quatro deslinda o processo metodológico da pes-
quisa e seu desenvolvimento. A quinta seção aborda a extração
e análise dos resultados. Aqui, são representadas as respostas da
pesquisa acompanhadas de sua interpretação, demonstrações
através de tabelas e apresentações dos resultados da regressão.
Na sexta e última seção, são elencadas as conclusões da
pesquisa. Nessa seção, são discutidos os resultados dos testes das
hipóteses no contexto da discussão dos objetivos do artigo.

Tipologias de liderança

A liderança é um dos conceitos mais importantes nas


ciências humanas e sociais, mas talvez uma das noções menos
compreendidas no campo particular das ciências sociais aplica-
das. O termo “liderança” aplica-se a uma enorme variedade de
papéis e de compreensões. Essa variedade é tão ampla que algu-
mas vezes o termo “liderança” parece incluir todas as pessoas, é
o que acreditam algumas organizações quando adotam o slogan:
“Todos somos líderes”.
O tema liderança passou por notável desenvolvimento na
década de 1990. De uma forma geral, o líder vinha sendo visto
como um sujeito que possuía determinadas características inatas
ou adquiridas e que se adaptava às circunstâncias e ao contexto
em que a organização se inseria.
Os conceitos iniciais de liderança pretendiam explicar
essa variável atribuindo a um líder o resultado de seus traços
de personalidade ou de caráter. A história do mundo, de acordo
com essa visão, é a história de “Grandes Homens” que criaram o

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


144

que as massas poderiam realizar. Muitos dos teóricos precurso-


res, influenciados por Galton (1869), tentaram explicar liderança
fundamentada na hereditariedade e na tradição. Em ensaio de
1902, Carlyle reforçava a ideia do líder como uma sujeito pre-
miado com qualidades únicas que capturava a imaginação das
massas (BASS, 1990; FAIRHOLM, 1991).
Posteriormente, McGregor (1960) desenvolveu a teoria
em dupla perspectiva da liderança organizacional, chamada de
teoria X e de teoria Y. Na teoria X, as pessoas são passivas e resis-
tentes às necessidades da organização. Os líderes realizam com
base na premissa de dirigir, motivar e controlar os outros. Por
outro lado, a teoria Y é baseada na perspectiva de que as pesso-
as já possuem motivação e desejo por responsabilidade. Líderes
que seguem a teoria Y se preocupam em proporcionar as condi-
ções organizacionais de maneira a possibilitar aos colaboradores
preencher as suas necessidades enquanto, ao mesmo tempo, di-
recionam os esforços a atingir os objetivos organizacionais.
Mais adiante, Blake e Mouton (1964) propuseram que as
preocupações com o trabalho e com as pessoas não constituiriam
uma variável discreta, mas um conjunto de características que se
manifestam em paralelo, em diferentes níveis de intensidade. Os
referidos autores estruturaram o “grid gerencial” para demons-
trar a liderança como articulação de duas dimensões do com-
portamento: preocupação com as pessoas e preocupação com o
trabalho, conforme figura a seguir.

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
145

Figura 1 – Grid Gerencial


Alta 1,9 9,9

Preocupação
com 5,5
Trabalho

Baixa 1,1 9,1


Preocupação
Baixa com Trabalho Alta

Fonte: Blake e Mouton (1964).

De acordo com a teoria do grid gerencial, a preocupação


com as pessoas representa um eixo do grid e a preocupação com o
trabalho representa o outro eixo. Um líder pode ser alto ou baixo
em ambos os eixos ou pode ser alto em um eixo e baixo no outro.
A pessoa que se encontra alta nos dois eixos desenvolve subordi-
nados que são comprometidos com o atingimento dos objetivos e
cujo senso de independência leva ao respeito e à confiança.
As teorias citadas anteriormente são as principais teorias
nominadas de teorias comportamentais.
As teorias comportamentais destinam pouca atenção aos
fatores situacionais. O exemplo do surgimento das teorias si-
tuacionais, sugerindo que os líderes agissem em conformidade
com os fatores críticos nas situações em que eles se encontram,
representa uma evolução. Essas teorias sugerem que a liderança
precisa mudar de acordo com as mudanças da situação ou do
ambiente (FAIRHOLM, 1991).

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


146

Burns (1978) foi o primeiro a atentar para o conceito de


liderança transformacional. Ele afirmou que as lideranças tran-
sacional e transformacional se baseavam nas relações interpesso-
ais e de poder.
Na década de 1980, Bass (1990) ampliou o ponto de vis-
ta de Burns e desenvolveu estudos sobre liderança, propondo a
conceituação de dois novos estilos: transacional e transforma-
cional. A partir dessa divisão da liderança em dois tipos básicos,
Burns (1978) iniciou estudos de teorias neocarismáticas, apon-
tando que a maioria dos modelos de liderança se alinha com a
visão transacional.
Segundo Bass (1990), a liderança transacional incide no
esclarecimento do papel e dos requisitos das tarefas dos lidera-
dos, assim como na atribuição de recompensas e de castigos pelo
seu desempenho efetivo (KINICKI; KREITNER, 2006). Por-
tanto, esse tipo de líder conduz e incentiva os seus liderados por
meio do processo de troca, de transação (recompensa/desempe-
nho). A liderança transformacional incorpora não só uma troca
nos propósitos e recursos daqueles envolvidos na relação entre
líder e seguidor, mas representa uma elevação de ambos – uma
mudança para melhor. A liderança transformacional torna-se,
em última análise, moral, pois eleva o nível de conduta humana
e a aspiração moral do líder e do liderado, e assim tem um efeito
de transformação em ambos.
Enquanto Burns (1978) considera as práticas de liderança
transformacional e transacional como extremos opostos de um
continuum (essencialmente formas de liderança mais e menos
eficazes), Bass (1990) sustenta uma concepção bastante diferen-
te, uma teoria de liderança de dois fatores; formas de liderança
transacional e transformacional, em seu ponto de vista, cons-
troem-se uma na outra (AVOLIO; BASS, 1998; WALDMAN;
BASS; YAMMARINO, 1990).

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
147

Durante a década de 1990, Bass e Avolio (2004) propuse-


ram uma abordagem alternativa sobre a liderança, sendo apre-
sentada como uma teoria full range de liderança. Os autores dessa
teoria sustentaram que o comportamento de liderança variava ao
longo de um continuum da liderança laissez-faire (o fracasso geral
em assumir responsabilidades para liderar) à liderança transa-
cional e à liderança transformacional.
A liderança transacional e a liderança transformacional
são, pois, dois modelos que se complementam: “A liderança
transformacional é construída em cima da liderança transacio-
nal – produz, nos liderados, níveis de esforço e de desempenho
que vão além dos obtidos apenas na abordagem transacional”
(ROBBINS, 2002, p. 319). Bass (1990) admite, no entanto, que
ambas as tipologias podem ser eficazes em situações distintas:
“O transformacional em períodos de fundação organizacional
e de mudança, e o transacional em períodos de evolução lenta
e ambientes relativamente estáveis” (REGO; CUNHA, 2004,
p. 235).
A liderança transformacional transforma os liderados no
sentido de eles passarem a perseguir os objetivos da organiza-
ção, deixando os seus próprios interesses em segundo plano. Um
estilo que incentiva as pessoas a fazerem mais do que elas origi-
nalmente são esperadas a fazer, pois os líderes transformacionais
elevam as fronteiras e os interesses dos seus liderados e geram a
valorização e a aceitação dos propósitos e missão do grupo. Esses
líderes levam os seus seguidores a olharem para além dos seus
interesses próprios, para o bem do grupo.
Por outro lado, a liderança transacional é baseada em uma
relação do líder com o subordinado de forma impessoal e atrelada
a uma troca ou transação de recompensas pelos serviços prestados.
O foco se dá no uso eficiente dos recursos dentro do status quo exis-
tente. Esses líderes ajudam a organização a alcançar seus objetivos
com eficiência e eficácia, através da ligação entre o desempenho

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


148

do trabalho e recompensas e garantindo aos liderados os recursos


necessários para que eles realizem o seu trabalho (BASS, 1985).
Segundo Krishnan (1999), a liderança transformacional
prediz a efetividade no trabalho, através da satisfação dos lide-
rados com o líder e da motivação dos subordinados, a fim de
demandar esforço extra no trabalho.
Em conformidade com Klein e House (1995), existe uma
correlação altamente positiva entre a liderança transformacio-
nal e a efetividade percebida do líder e da unidade, assim como
de um esforço extra dos subordinados. O impacto da liderança
transformacional no esforço dos subordinados e no desempenho
cresce se os valores pessoais dos subordinados forem compatí-
veis com os do líder.
Alguns estudos têm revelado que os líderes transformacio-
nais tendem a ter personalidades mais extrovertidas, amigáveis
e proativas do que os que não são transformacionais, consoante
Eagly, Wood e Diekman (2000) e Judge e Bono (2000).
De acordo com Tichy e Devanna (1986), algumas caracte-
rísticas descrevem os líderes transformacionais: identificam-se
como agentes de mudança; são corajosos; acreditam nas pessoas;
são impulsionados por valores pessoais; são eternos aprendizes;
possuem habilidade de lidar com complexidade, ambiguidade e
incerteza; e são visionários. Estudos empíricos mostram que os
líderes transformacionais empregam técnicas que despertam e
desenvolvem altos níveis de identificação e internalização, assim
como melhor desempenho (TEPPER, 1993).
Por outro lado, o estilo laissez-faire é entendido como au-
sência de liderança. Para Avolio (1999), de uma forma passiva, o
líder espera que os problemas ocorram antes de agir ou, simples-
mente, não realiza qualquer ação. Esses líderes passivos evitam
especificar acordos, clarificar expectativas e providenciar objeti-
vos e normas a serem alcançados por seus liderados.

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
149

A liderança possibilita a organização do esforço coleti-


vo, sendo inevitavelmente um caminho para a eficácia organi-
zacional. Com uma boa liderança, as organizações prosperam e
adquirem sucesso. Por outro lado, uma má liderança gera con-
sequências desastrosas para o ambiente de trabalho e, conse-
quentemente, para a empresa (HOGAN; KAISER, 2005).
Nesse sentido, o construto de clima organizacional e lide-
rança formal fornece mecanismos potenciais para a transmissão
de influência por níveis hierárquicos, tendo em vista que o cli-
ma organizacional se refere às percepções do indivíduo em re-
lação às características da organização, e o comportamento dos
chefes pode influenciar esses indivíduos dentro da ­organização,
conforme teoria situacional e transformacional (GRIFFIN;
­MATHIEU, 1997).
A análise do impacto que alguns indivíduos percebem em
suas organizações tem despertado um interesse crescente. Esses
indivíduos podem ser chamados líderes carismáticos (WEBER,
1968) ou transformacionais (BASS, 1985, 1990), que são líderes
que, por meio de sua visão pessoal e de sua energia, inspiram
os seguidores, conquistando um impacto significativo em suas
organizações.
Diversos estudos (JAMES, L. A.; JAMES, L. R., 1989;
LEVINSON et al., 1978; PARKER, 2003; TACHIZAWA; FER-
REIRA; FORTUNA, 2001) sinalizam que a liderança impacta
o clima organizacional, variável fundamental para diversos re-
sultados desejáveis nas organizações, sendo um dos fatores de
percepção do clima psicológico de uma organização.

Clima organizacional

Há algumas décadas, estudos sobre clima organizacional


vêm sendo desenvolvidos, e o seu conceito está presente na Esco-
la Comportamental, resultante da Escola de Relações Humanas.

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


150

Desde 1930, estudos realizados por Elton Mayo (1928) constata-


ram que um dos fatores mais importantes para a produtividade
da organização não são as condições físicas e de pagamento, e
sim as relações interpessoais no ambiente de trabalho.
O clima organizacional é um conceito relevante para a
compreensão de como o contexto do trabalho influencia com-
portamentos e atitudes das pessoas nesse ambiente.
Segundo Litwin e Stringer (1968), o clima organizacional
resulta em efeitos percebidos e subjetivos do sistema formal e
pode ser definido como a qualidade relativamente duradoura do
ambiente da organização que é experimentada pelos membros,
influenciando seus comportamentos, e pode ser descrito em ter-
mos de valores de um determinado grupo de características (atri-
butos) desse ambiente.
Lois James e Lawrence James (1989) definiram uma es-
trutura hierárquica das percepções de clima organizacional, a
qual é mostrada na figura abaixo:

Figura 2 – Estrutura hierárquica da percepção de clima (PC)

PC

Trabalho em
Trabalho Regras Liderança Organização
Grupo

Fonte: Lois James e Lawrence James (1989).

No Brasil, os estudos sobre clima organizacional iniciaram


na década de 1970, a partir do trabalho de Saldanha (1974), que
discutiu a importância do bem-estar psíquico dos indivíduos nas
organizações, a função do psicólogo organizacional, ressaltando
a importância de estratégias que promovem uma atmosfera orga-
nizacional favorável para o seu desenvolvimento.
Souza (1978) estudou de forma comparativa o clima orga-
nizacional entre uma empresa privada, uma organização pública

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
151

e uma universidade. O estudo visava demonstrar a utilidade da


escala Kolb (1986) no diagnóstico do clima e descrever algumas
aplicações feitas à realidade brasileira.
Litwin e Stinger (1968) conceituam clima como a qualidade
ou propriedade do ambiente organizacional que é percebida pelos
membros organizacionais e que influencia seus comportamentos.
Os autores sustentam que clima organizacional é um conjunto de
propriedades psicológicas mensuráveis do ambiente de trabalho
percebido pelos indivíduos que trabalham na organização.
Tamayo (1999) enfatiza que numa mesma organização po-
dem existir diferentes climas, característicos de áreas ou setores
organizacionais específicos. A especificidade não exclui, porém,
a possibilidade da existência de uma estrutura comum ao clima
organizacional.
Schein (1982) entende que o clima organizacional favo-
rece a mudança de comportamento dos indivíduos, através de
procedimentos administrativos, participação nas decisões polí-
ticas e administrativas, recompensa e incentivos, influenciando
de modo relevante nos fatores motivacionais dos servidores da
organização.
No tocante às pesquisas de clima, Tamayo (1999) ressal-
ta que há vários fatores/dimensões ou componentes do clima a
serem analisados, existindo uma diversidade de fatores identifi-
cados por diferentes pesquisadores, dentre os quais destaca: a es-
trutura organizacional, a responsabilidade, o comprometimen-
to, as políticas e práticas organizacionais, o reconhecimento, o
apoio, a comunicação, a liderança, dentre outros.
O modelo teórico de clima organizacional pode ser elabo-
rado num conjunto de fatores organizacionais ou de categorias
de análise de clima, apesar de existirem similaridades e conver-
gências entre outras definições propostas que percebem o clima
como algo frequentemente inferido das impressões subjetivas
que os trabalhadores possuem do ambiente.

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


152

O que se pode conceber a partir do conceito de clima é que


a eficácia deste se deve ao fato de que ele diz respeito à relação
entre a organização e as pessoas, dando total importância às suas
expectativas referentes ao trabalho: desejo de divulgação de seus
valores e crenças por parte das organizações e realização dos pro-
jetos pessoais por parte do indivíduo.

Metodologia

Quanto à caracterização metodológica, o presente artigo


se utilizou de um processo calcado na estratégia quantitativa de
pesquisa, aquela “[...] em que os dados e as evidências coletados
podem ser quantificados, mensurados” (MARTINS; TEÓPHI-
LO, 2007, p. 107).

Coleta dos dados

Quanto ao método de coleta, a pesquisa pode ser classifi-


cada como um levantamento ou survey. Para Martins e Teóphilo
(2007), levantamentos ou surveys são próprios para os casos em
que o pesquisador deseja responder a questões acerca da distri-
buição de uma variável.
Os dados foram coletados em forma de questionário na Se-
cretaria da Educação de Maracanaú. Foram aplicados dois ques-
tionários distintos para esta pesquisa. O primeiro questionário
é o MQL – Questionário Multifatorial de Liderança, elaborado
por Bass e Avolio (2004), composto por 45 assertivas que dire-
cionam a três tipos de liderança (transformacional, laissez-faire e
transacional) através da avaliação dos comportamentos do líder
percepcionados pelos seus liderados. O segundo questionário é
composto por 20 afirmativas, divididas em quatro dimensões:
humanização no local de trabalho, valorização do servidor, apoio
da chefia e infraestrutura física e recursos materiais, visando ao

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
153

diagnóstico do clima organizacional. Para esse segundo ques-


tionário, foram utilizadas apenas as assertivas que tratavam do
clima organizacional na perspectiva do relacionamento com a li-
derança, logo contemplou a dimensão apoio da chefia e algumas
assertivas da dimensão humanização do local de trabalho.
Ambos os questionários adotam uma escala Likert de c­ inco
pontos (nunca, raramente, às vezes, frequentemente e s­ empre).
A população desta pesquisa compreendeu o conjunto dos
servidores lotados na Secretaria da Educação de Maracanaú, re-
gião metropolitana de Fortaleza, que se compõe de quatro di-
retorias que perfazem 22 setores, contando com 265 servidores.
O trabalho resultou em uma survey com 160 ­questionários
respondidos para análise das tipologias de liderança e 203 ques­tio­
ná­rios respondidos para análise do clima organizacional, adotando
um erro de 5% para o primeiro e de 4% para o segundo. Em relação
à margem de erro, Gil (1994) afirma que, em termos percentuais,
usualmente trabalha-se com uma estimativa de erro entre 3% e 5%.
A Secretaria da Educação de Maracanaú possui uma coor-
denadoria de gestão de pessoas em estado incipiente de desenvol-
vimento. Os processos de gestão de pessoas, como avaliação de
desempenho, capacitação e avaliações de satisfação de usuários,
e as pesquisas de clima organizacional são pontuais e não arti-
culados entre si. Os recrutamentos e seleções se fazem por meio
de concurso público, e as designações de gestores ocorrem, em
regra, por indicação do secretário, sendo nomeados pelo prefeito
municipal. A ausência desses componentes da gestão de pessoas
poderá favorecer a aferição da relação entre estilo de liderança
com o clima organizacional.

Análise dos dados

Para fins de análise, foi utilizada uma regressão múltipla


para verificar o efeito das variáveis discutidas no resgate teórico.

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


154

Segundo Pestana e Gageiro (2005), a análise de regressão


é uma das técnicas estatísticas mais potentes e de utilização mais
frequente quando o tratamento estatístico dos dados envolve a
modelação e investigação da relação entre variáveis. Efetivamen-
te, esse tipo de análise permite verificar a existência ou não de
uma relação de causa-efeito entre a variável dependente ou ex-
plicada e as variáveis independentes ou explicativas.
Neste estudo, as variáveis independentes ou explicativas
são as três tipologias de liderança (transformacional, laissez-faire
e transacional), e a variável explicada é o clima organizacional,
uma variável dicotômica que assume o valor 0 quando os níveis
globais de satisfação, medidos com recurso a uma escala de Li-
kert de 1 a 5, são inferiores a 3; e assume o valor 1 sempre que os
níveis globais de satisfação são superiores a 3. Nessas situações,
Greene (2000) recomenda o uso de modelos de regressão logís-
tica (modelo logit) que podem obter-se com recurso ao software
estatístico Eviews 5.0.

Resultados

Caracterização da amostra

Quanto à variável gênero, os 203 respondentes apresenta-


ram uma predominância no sexo feminino, representando quase
90% dos sujeitos, conforme evidenciado na tabela a seguir.

Tabela 1 – Gênero dos respondentes da pesquisa


Gênero F %

Feminino 178 88%

Masculino 25 12%

TOTAL 203 100%


     Fonte: Dados de pesquisa (2016).

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MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
155

No tocante ao nível de escolaridade, a amostra pesquisa-


da apresentou um nível elevado de instrução, obtendo-se apenas
pouco mais de 6% da amostra sem nível superior completo.
Observou-se ainda que a maior parte da amostra (66%)
possui pós-graduação, o que inclui especialização, mestrado e
doutorado, ressaltando que o público-alvo desta pesquisa é ser-
vidor de carreira, logo o nível de escolaridade é um critério de
promoção contemplado no Plano de Cargos, Carreira e Remune-
ração (PCCR) dos servidores.

Tabela 2 – Nível de escolaridade dos respondentes da pesquisa


Nível de escolaridade F %
Ensino médio 12 6%
Ensino técnico 2 1%
Graduação 56 27,5%
Pós-graduação 133 65,5%
TOTAL 203 100%
  Fonte: Dados de pesquisa (2016).

A tabela abaixo indica a distribuição de faixa etária dos


participantes da pesquisa, indicando uma predominância de res-
pondentes no intervalo de 35 a 45 anos, o que vem a ser conso-
ante ao tempo médio de organização desses respondentes, que é
de 10 anos.

Tabela 3 – Faixa etária dos respondentes da pesquisa


Faixa etária F %
18 – 22 anos 6 3%
23 – 27 anos 25 12%
28 – 35 anos 51 25%
35 – 45 anos 81 40%
Acima de 45 anos 40 20%
TOTAL 203 100%
    Fonte: Dados de pesquisa (2016).

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


156

Dos 265 servidores lotados na Secretaria da Educação, fo-


ram respondidos 203 questionários referentes ao clima organi-
zacional e 160 referentes ao MQL – Questionário Multifatorial
de Liderança. O MQL é um questionário que tem como objeti-
vo essencial medir a frequência com que os liderados observam
comportamentos de liderança no seu líder: comportamentos de
caráter transformacional, transacional e laissez-faire.
A partir da tabulação dos dois questionários, os dados fo-
ram organizados por setor, tanto os dados de clima organizacio-
nal como os de tipologias de liderança.
A tabela abaixo representa a distribuição de respondentes
por setor de trabalho.

Tabela 4 – Distribuição de respondentes por setor de trabalho


SETORES

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 TOTAL

Quantidade
de servido- 44 9 23 9 10 8 27 26 5 12 5 3 25 4 10 5 4 9 3 7 6 11 265
res lotados
Clima
Avaliações realizadas

orga-
41 9 21 4 5 6 24 22 2 9 3 0 17 2 7 5 1 3 3 5 6 8 203
niza-
cional
Tipo-
logias
de 41 9 11 0 0 0 24 22 0 9 0 0 17 0 7 5 0 0 2 7 6 0 160
lide-
rança
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

Cada setor de trabalho possui um gestor ou “liderança for-


mal” designado. Logo, foi possível a análise da relação das duas
variáveis (tipologias de liderança e clima organizacional) em 12
setores (1, 2, 3, 7, 8, 10, 13, 15, 16, 19, 20 e 21), tendo em vista que
nesses setores se obteve participação de uma quantidade razoá-
vel de participantes nas duas pesquisas.

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
157

Relação entre as tipologias de liderança e o clima


organizacional

Fundamentando-se em um resgate teórico que entende


que uma liderança formal pode influenciar negativa ou positiva-
mente o clima organizacional e que este influencia os compor-
tamentos dos sujeitos e, consequentemente, impacta o desem-
penho da organização, o estudo das variáveis liderança e clima
organizacional torna-se de grande relevância, representando um
importante instrumento na estratégia das organizações.
A partir dos dados tabulados no tocante ao clima orga-
nizacional, observa-se que, apesar de comporem uma mesma
organização, os setores de trabalho apresentam climas bastante
distintos.
A tabela abaixo apresenta a média pontuada para cada se-
tor referente aos resultados da pesquisa de clima organizacional.

Tabela 5 – Médias por setor do clima organizacional


CLIMA ORGANIZACIONAL
Setor 10

Setor 13

Setor 15

Setor 16

Setor 19

Setor 20

Setor 21
Setor 1

Setor 2

Setor 3

Setor 7

Setor 8

Média
Geral

3.73 3.61 3.55 3.75 4.22 2.92 2.92 2.97 3.85 3.54 4.66 4.20 4.45
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

O estudo de clima é um excelente instrumento de f­ eedback


e de intervenção organizacional, trazendo contribuições va-
liosas para o conhecimento e o manejo do funcionamento das
­organizações.
Analisando as médias dispostas na tabela acima, consta-
ta-se que, dos doze setores analisados, seis setores apresentam
médias abaixo da média da organização e três setores apresentam
clima insatisfatório (considerando média até 3.00).

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


158

Quando verificados os resultados referentes à pesquisa de


tipologias de liderança, observam-se os dados dispostos na tabe-
la a seguir.

Tabela 6 – Distribuição de pontuação para tipologias de liderança e


clima organizacional
Clima
Setores Transformacional Transacional Laissez-faire
organizacional
Setor 1 3.57 3.58 2.11 3.61
Setor 2 3.47 3.81 2.51 3.55
Setor 3 3.30 4.55 2.09 3.75
Setor 7 4.04 2.50 2.17 4.22
Setor 8 3.20 3.20 3.50 2.92
Setor 10 2.72 2.93 3.64 2.92
Setor 13 3.50 3.10 4.20 2.97
Setor 15 3.89 3.93 2.23 3.85
Setor 16 3.79 3.85 2.25 3.54
Setor 19 4.60 2.60 1.80 4.66
Setor 20 4.40 2.50 1.70 4.45
Setor 21 3.80 3.90 2.20 4.20
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

É possível observar que os setores 7, 19 e 20 possuem che-


fes transformacionais; os setores 1, 2, 3, 15, 16 e 21 apresentam
predomínio de chefes transacionais; e os setores 8, 10 e 13 são
liderados por chefes de estilo laissez-faire. Considerando médias
até 3.00 como clima organizacional insatisfatório e a partir de
3.00 como clima organizacional satisfatório, obtém-se uma rela-
ção de tipologias de liderança e clima organizacional, conforme
dispõe a tabela a seguir.

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
159

Tabela 7 – Relação entre tipologias de liderança e clima


organizacional
Clima organiza-
Setores Transformacional Transacional Laissez-faire
cional
Setor 1 - x - Satisfatório
Setor 2 - x - Satisfatório
Setor 3 - x - Satisfatório
Setor 7 x - - Satisfatório
Setor 8 - - x Insatisfatório
Setor 10 - - x Insatisfatório
Setor 13 - - x Insatisfatório
Setor 15 - x - Satisfatório
Setor 16 - x - Satisfatório
Setor 19 x - - Satisfatório
Setor 20 x - - Satisfatório
Setor 21 - x - Satisfatório
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

Comparando esses resultados com os valores de clima or-


ganizacional, verifica-se que os três setores que possuem clima
organizacional insatisfatório possuem também uma liderança
laissez-faire.
Observando os setores com clima organizacional satisfa-
tório, constata-se que estes são regidos pelos estilos de liderança
transacional e transformacional.
Os dados acima reforçam a segunda hipótese s­ ustentada por
este trabalho, que defende que a tipologia de liderança l­aissez-faire
está inversamente correlacionada com um clima organizacional
satisfatório.
A fim de testar as duas hipóteses sustentadas por este tra-
balho, realizou-se uma regressão múltipla a partir das 160 ob-
servações (quantidade de questionários utilizados) e das quatro

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


160

variáveis (tipologias transformacional, transacional, laissez-faire


e clima organizacional).
As hipóteses são as seguintes:

• H1: A tipologia de liderança laissez-faire está inversa-


mente correlacionada com um clima organizacional
­satisfatório;
• H2: A tipologia de liderança transformacional está dire-
tamente correlacionada com um clima organizacional
satisfatório.

Foram consideradas as médias de cada respondente para


cada tipologia, sendo que a média do clima organizacional foi
analisada de forma binária (sendo atribuído valor 1, quando a
média era superior a 3.00, e sendo atribuído valor 0, quando a
média era inferior a 3.00), como citado anteriormente.
Os resultados da regressão múltipla podem ser visualiza-
dos na tabela a seguir.

Tabela 8 – Relação entre tipologias de liderança e clima


organizacional
Variável Coeficiente P-valor
Liderança laissez-faire - 0.358333 0.0000
Liderança transacional 0.070137 0.0748
Liderança transformacional 0.295510 0.0002
     Fonte: Dados de pesquisa (2016).

Os dados apresentam, para as tipologias de liderança


­laissez-faire e transformacional, uma significância de 100%; para
o estilo de liderança transacional, uma significância de 93%; não
apresentando significância para a variável fatores de resultados.
O teste revelou um índice R2 na ordem de 62,2%, ou seja, as
três tipologias de liderança testadas neste experimento revelaram

GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


MARIA JOSELICE LOPES DE OLIVEIRA
161

um poder de explicação do clima organizacional em pouco mais


de 62%. Ressalta-se ainda que, na estatística f, todas as variáveis
em conjunto possuem uma significância acima de 95%.
Para a tipologia de liderança laissez-faire, o teste resultou
significativo, representando relação inversa com o clima organi-
zacional satisfatório, conforme coeficiente demonstrado na ta-
bela anterior, o que confirma a primeira hipótese deste trabalho.
Observando ainda o coeficiente da tipologia transforma-
cional, verifica-se que esta possui relação positiva com o clima
organizacional satisfatório, confirmando a segunda hipótese sus-
tentada por este trabalho.
A tipologia de liderança transacional também apresentou
coeficiente positivo diretamente relacionado ao clima organiza-
cional satisfatório, o qual, no entanto, quando comparado com o
coeficiente da tipologia de liderança transformacional, apresen-
ta-se em uma menor intensidade.

Considerações finais

Este estudo verificou a relação entre as tipologias de lide-


rança e o clima organizacional da Secretaria da Educação de Ma-
racanaú/CE, o que resultou em uma análise de 203 questionários
para clima organizacional e 160 questionários para tipologias
de liderança. A unidade de análise possui unidade de gestão de
pessoas em estado incipiente de desenvolvimento, permitindo,
assim, uma aferição mais direta do fenômeno que se pretendeu
estudar.
Estudos nacionais e internacionais têm se debruçado na
busca de uma melhor caracterização das tipologias de liderança,
assim como da sua influência no clima organizacional e, conse-
quentemente, no desempenho das organizações.
Este trabalho buscou testar duas hipóteses que relacio-
nam as tipologias de liderança com o clima organizacional. A

TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


162

­ rimeira hipótese sustentou que a tipologia de liderança lais-


p
sez-faire está inversamente relacionada com um clima organi-
zacional satisfatório. Essa hipótese foi formulada a partir das
contribuições teóricas que atribuíam grande influência da lide-
rança no clima organizacional e que caracterizavam um líder de
estilo laissez-faire como adotando posturas relapsas e sem visão
de equipe. A segunda hipótese defendeu que a tipologia de li-
derança transformacional está diretamente correlacionada com
um clima organizacional satisfatório.
As hipóteses suscitadas procuraram demonstrar que de-
terminadas características de líderes possuem capacidade de in-
fluenciar o clima organizacional de forma positiva ou negativa,
particularmente pela ausência de outros fatores motivacionais, já
que o modelo de gestão de pessoas presente na unidade tomada
como objeto de estudo é ainda pouco desenvolvido.
Nesse contexto, o modelo de regressão múltipla confir-
mou a influência das variáveis independentes (tipologias de
liderança) na variável dependente deste estudo (clima organi-
zacional), tendo em vista que todas as variáveis independentes
apresentaram relação com o clima organizacional. Em resumo,
as hipóteses são aceitas para este estudo de forma abrangente em
todas as três tipologias de liderança.
Tendo em vista que esta pesquisa foi realizada a partir de
um recorte muito reduzido, pois se limitou apenas a uma orga-
nização pública municipal, sugere-se uma ampliação da amostra
para viabilizar uma melhor compreensão da relação entre a lide-
rança e o clima organizacional em organizações públicas muni-
cipais brasileiras.

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GLEÍZA GUERRA DE ASSIS BRAGA • ELAINE MARINHO BASTOS •


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TIPOLOGIAS DE LIDERANÇA E CLIMA EM UMA ORGANIZAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


166

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES


DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS DE BULLYING
ENTRE ALUNOS

KARLANE HOLANDA ARAÚJO


Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <karlaneufc@gmail.com>.

KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO


Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Advogado civil, administrativista,
eleitoral e trabalhista.
E-mail: <kelvynhn@hotmail.com>.

RAIMUNDO HÉLIO LEITE


Livre-Docente e doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre
em Estatística pela Flo­rida State University (FSU) e graduado em Matemática pela UFC. Foi reitor
da UFC no interstício de 1987 a 1991. Atualmente é professor voluntário da UFC e coordenador do
Núcleo de Avaliação Educacional da Pós-Graduação da UFC (Nave/UFC).
E-mail: <rhleite@terra.com.br>.
167

Introdução

A infância é o período da vida em que é construído o alicerce


da personalidade e do caráter de uma pessoa, influenciando seus
passos e escolhas diante dos caminhos que a direcionam para a
fase adulta. Desse modo, é fundamental que haja uma atenção
especial por parte dos seus responsáveis, visando contribuir para
o desenvolvimento social, físico, afetivo e cognitivo dos infantes.
Apesar de não ser a única responsável pela educação das
crianças e dos adolescentes, a instituição de ensino recebe a ta-
refa de não somente transmitir ensinamentos teóricos, mas tam-
bém de zelar pela formação integral do aluno. É elementar que o
jovem encontre na escola as ferramentas que lhe proporcionem
chegar à fase adulta de forma equilibrada sob todos os aspectos:
pessoais, sociais, morais ou profissionais.
A educação escolar é de suma importância, pois, quando
bem executada, atravessa a barreira do ensinamento teórico –
das disciplinas curriculares – e atinge, de forma intrínseca, o
comportamento e as atitudes dos aprendentes, enfatizando va-
lores como a solidariedade, a cooperação, a responsabilidade, a
autoconfiança e o respeito entre os educandos.
Infelizmente, nem sempre é propiciado ao discente um en-
sino seguro e de qualidade com os valores anteriormente descri-
tos, o que pode gerar a violência entre os estudantes e, consequen-
temente, fazer surgir as vítimas do fenômeno bullying, as quais,
por sua vez, têm direito a pleitear a reparação pelos danos s­ ofridos.
Em razão disso, são pertinentes as seguintes indagações:
existe a responsabilidade do estabelecimento de ensino pelos

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
168

atos de bullying em âmbito escolar? Qual o amparo legal para


fundamentar tal responsabilidade? Essa responsabilidade é sub-
jetiva ou objetiva? Pode ser identificada uma relação de consumo
entre a instituição educacional e o aluno? Princípios e direitos
fundamentais são violados?
Para responder a esses questionamentos, o presente tra-
balho tem por escopo principal analisar a responsabilidade civil
das instituições de ensino privadas pelos danos provocados aos
alunos vítimas de bullying no ambiente escolar, com supedâneo
legal correlato. Com o intuito de alcançar tal objetivo, alerta-se
para a gravidade da crescente violência nas escolas quando os
responsáveis pelas crianças e adolescentes não tomam as medi-
das necessárias a fim de coibi-las.

Metodologia

A metodologia utilizada neste escrito é apresentada por meio


de estudo descritivo-analítico, desenvolvido através de pesquisa
bibliográfica, ou seja, com base em leituras e consultas a livros,
entendimentos doutrinários, artigos, legislações e jurisprudências.
Em relação à abordagem, é qualitativa, realizada a par-
tir de interpretação sobre as dimensões subjetivas dos atos de
bullying e da responsabilidade civil, e quantitativa, através de
análise de fatos objetivos.
Quanto aos objetivos, trata-se de uma metodologia des-
critiva, tendo em vista que busca descrever, interpretar, expli-
car, classificar e atribuir características ao fenômeno analisado;
e exploratória, uma vez que intenta aperfeiçoar as ideias, com
suporte em informações acerca da responsabilidade civil no que
diz respeito ao bullying no ambiente escolar, sob o prisma jurídi-
co e educacional.
Para um melhor discernimento sobre o fenômeno bullying,
este trabalho tem como objetivo apresentar o seu contexto h­ istórico,

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
169

conceituação, características, além da participação dos pais e das


instituições de ensino.

Bullying: histórico e definição

Ignorado por longos anos, o bullying é um grave problema


social caracterizador de atitudes violentas na esfera escolar que
atinge primordialmente crianças e adolescentes dos mais diver-
sos países, provocando, silenciosamente, traumas na vida de mi-
lhares de pessoas e culminando em comportamentos antissociais
ou até mesmo em distúrbios psicológicos.
Comportamentos e atitudes com emprego de violência
no âmbito escolar acontecem desde o surgimento das primei-
ras instituições de ensino no mundo, todavia apenas no final do
século XX é que se iniciaram os principais estudos e medidas
a respeito de um fenômeno que até então era desconhecido ou
simplesmente ignorado pelos próprios alunos, pais, professores
e autoridades: o bullying.
No início da década de 1970, inconformados com a vio-
lência estudantil e seus agravantes, os suecos começaram a tra-
tar o bullying como objeto de estudo científico, propagando essa
preocupação aos demais povos da Europa Setentrional. Após
fervorosa mobilização nacional decorrente de tragédias ligadas a
esse fenômeno, os escandinavos ampliaram e difundiram as pes-
quisas acerca do bullying em meados de 1980. As investigações
fizeram a distinção entre as brincadeiras naturais e saudáveis,
típicas da vida estudantil, e aquelas que ganham requintes de
crueldade e extrapolam todos os limites de respeito pelo outro
(SILVA, 2010a).
O precursor das pesquisas mais relevantes concernentes
ao bullying foi o sueco Dan Olweus, professor de Psicologia e
pesquisador da Universidade de Bergen, na Noruega. De acordo
com as observações de Olweus, os adultos interpretam as mani-

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
170

festações agressivas entre os alunos como um fato normal, sendo


um problema que ocorre em todo o mundo:
Dan Olweus desenvolveu os primeiros critérios
para detectar o problema de forma específica,
permitindo diferenciá-lo de outras possíveis
interpretações, como incidentes e gozações ou
relações de brincadeiras entre iguais, próprias
do processo de amadurecimento do indivíduo.
(FANTE, 2005, p. 45).
Na década de 1980, Olweus elaborou uma importante pes-
quisa mediante um questionário que reuniu aproximadamente
84.000 estudantes, 400 professores e 1.000 pais de educandos da
Noruega. O questionário foi constituído por 25 questões, em que,
a partir das respostas, verificaram-se os tipos de agressões, os lo-
cais de maior ocorrência e sua frequência, constatando-se que um
entre cada sete alunos daquele país se encaixava como vítima ví-
tima do bullying escolar ou agressor (OLWEUS, 1993 apud FAN-
TE, 2005). Os resultados da pesquisa serviram como referencial
para identificar agressores e vítimas do bullying, sendo publicados
posteriormente na obra de Olweus: Bullying at school.
Impulsionada pela pesquisa de Olweus e apoiada pelo
governo norueguês, surgiu a Campanha Nacional Norueguesa
­Anti-Bullying, que reduziu os índices dessa forma de violência
e da evasão escolar no país escandinavo. A bem-sucedida cam-
panha recebeu respaldo internacionalmente e teve suas ideias
de combate ao bullying expandidas para além das fronteiras nór-
dicas, contribuindo para o surgimento de estudos a respeito da
temática em outras nações de diferentes culturas, ensejando a
criação de projetos e campanhas em países como Reino Unido,
através do The DES Shefield Bullying Project, e Portugal, pela
Campanha Anti-Bullying nas Escolas Portuguesas.
Em 2002 e 2003, a Associação Brasileira Multiprofissional
de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia) publicou uma

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
171

pesquisa sobre bullying, objetivando reduzir o comportamento


agressivo e contribuir para um ambiente de amizade e de união
nas escolas brasileiras. A pesquisa, realizada em 11 escolas mu-
nicipais do Rio de Janeiro, afirmou que a maioria dos casos de
bullying acontecia na própria sala de aula (LOPES NETO, 2005).
Nas últimas décadas, as mídias brasileira e internacional
têm dado destaque para os casos de violência praticados entre es-
tudantes no contexto das instituições de ensino, sobretudo para
aqueles que findam em tragédia. O mais famoso em todo o mun-
do foi o “Massacre de Columbine”, ocorrido em 1999, no Con-
dado de Jefferson, Colorado, nos Estados Unidos, nação assolada
por casos semelhantes no decorrer da década de 1990. No Brasil,
o recente “Massacre de Realengo”, no Rio de Janeiro, em 2011,
escandalizou o país, quando um ex-estudante, vítima de bullying,
assassinou 12 crianças.
Mesmo sendo contemporâneo ao surgimento das institui-
ções de ensino, o bullying em âmbito escolar somente ganhou
notoriedade após o empreendimento de pesquisas realizadas no
final do século XX. Nessa esteira, no século XXI, com a propa-
gação em escala mundial dos direitos fundamentais, dos direi-
tos do consumidor e dos direitos da criança e do adolescente, as
abordagens atinentes ao bullying tendem a crescer cada vez mais.
De origem inglesa, a palavra bullying é utilizada em vários
países com a finalidade de definir o ato voluntário de praticar
maldades físicas ou psicológicas contra outra pessoa. Compreen-
de um conjunto de atitudes agressivas que acontecem de modo
reiterado, geralmente sem um motivo evidente que as justifi-
quem, causando dor, raiva e angústia aos sujeitos que são alvo
desse comportamento.
Apesar de não ter tradução no Brasil, o bullying tem tradu-
ções ou denominações distintas em vários países. É chamado de
“mobbing” na Noruega e na Dinamarca; de “mobbining” na Suécia
e na Finlândia; de “harcèlement à l’école” na França; de “prepoten-

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
172

za” ou “bullismo” na Itália; de “yjime” no Japão; de “agressionem


unter shülern” na Alemanha; de “acoso y amenaza” na Espanha; e
de “maus-tratos entre pares” em Portugal.
No Brasil, há uma certa dificuldade para adotar a tradução
em português de uma palavra consensual que designe o bullying,
fazendo com que se utilize o mesmo vocábulo empregado na lín-
gua inglesa, malgrado o surgimento de algumas sugestões, como
o termo “violência moral”, adaptado do idioma francês. Indubi-
tavelmente, esse é um reflexo da exposição do problema como
algo novo perante as autoridades e a legislação nacional.
Pelas definições de Ana Beatriz Barbosa Silva (2010a,
2010b), a palavra bullying é aplicada para qualificar comporta-
mentos violentos no espaço escolar. Nessa situação, o agressor é
identificado como bully, léxico que tem por significado: indiví-
duo tirano, brigão, valentão, mandão.
Ressalta-se que o termo bullying é notadamente empregado
quando indivíduos mais fortes tendem a tratar agressivamente
aqueles que possuem características físicas ou comportamentais
mais frágeis, o que lhes proporciona a sensação de prazer e diver-
são no momento em que os ridicularizam, debocham, caçoam,
humilham e maltratam. Tudo isso causa nas vítimas um senti-
mento cada vez maior de fragilidade, incapacidade e sofrimento.
Embora existam definições teóricas pertinentes ao assun-
to em tela, não é fácil identificar o bullying no cotidiano, já que
este, em muitas ocasiões, é visto como uma simples brincadeira,
e aqueles que estão envolvidos diretamente quase sempre se omi-
tem ou não têm noção da proporção que as consequências de tais
atos podem causar. Além de ser prejudicial à saúde física e psico-
lógica, o bullying traz danos à capacidade intelectual e atrapalha
o progresso do aluno nas instituições de ensino.

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
173

Personagens

Assim como em fatos da ficção ou da realidade, na ocor-


rência do bullying, há a identificação dos sujeitos envolvidos e
seu papel, sendo, pois, denominados de personagens. Cada per-
sonagem desempenha um papel distinto, podendo figurar como
agressor, vítima ou espectador.
São denominados de agressores as crianças e os adolescen-
tes que agridem seus pares física, verbal ou psicologicamente.
Eles costumam exercer suas ações contra outros jovens através de
chutes, socos, empurrões, ofensas, insultos e também excluindo,
isolando, humilhando, ignorando, discriminando, perseguindo,
assediando, abusando sexualmente, chantageando e aterrorizan-
do. Podem agredir em grupo ou sozinhos; a maioria deles sente
orgulho quando percebe deter certo poder de liderança.
De acordo com Cleo Fante (2005), o agressor manifesta
pouca empatia, sendo geralmente um membro de família sem es-
trutura e com pouco ou nenhum relacionamento afetivo. Os res-
ponsáveis exercem sobre esse jovem uma supervisão deficitária,
o qual procura modelos violentos ou agressivos para solucionar
seus conflitos.
Acerca da personalidade do agressor, conforme Silva
(2010a), ele pode ser do sexo masculino ou feminino, manifestan-
do características como maldade e falta de respeito em sua per-
sonalidade, aliadas a um forte e perigoso poder de liderança, que
é legitimado, na maioria dos casos, por força física ou por des-
tacável assédio psicológico. O agressor pode agir sozinho, mas,
quando está atuando na companhia de seus colegas, s­ ente-se bem
mais poderoso, como se fosse um líder cercado por seus seguido-
res, desafiando e violentando suas novas vítimas a fim de osten-
tar sua força perante todos. Desde muito jovem, demonstra não
concordar muito com normas, não gosta de ser contrariado nem
que se neguem às suas suas vontades; geralmente está envolvido

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
174

em confusões ou até mesmo em atos de pequenos delitos, como


vandalismo, destruição de patrimônio público e privado.
Os responsáveis pelo jovem agressor não devem deixar
que os comportamentos perversos dele passem despercebidos.
Quando os indivíduos que praticam atos violentos na juventude
não sofrem uma correção efetiva em sua personalidade e em seus
comportamentos, eles estarão mais propícios no futuro a reali-
zar furtos, roubar, cometer lesões corporais, podendo se tornar
um adulto delinquente ou um elemento perigoso de conviver em
­sociedade.
O bullying ocorre quando há relativa desigualdade de for-
ças entre seus atores, considerando-se como agente passivo aque-
le sujeito mais frágil, que figura na relação como vítima. Esse
jovem é agredido de maneira repetitiva e cruel, vindo a sofrer
danos físicos, materiais e psicológicos; em muitas situações, é
tão humilhado que tende a buscar isolamento do convívio social,
principalmente entre pessoas de sua faixa etária. Entretanto, há
mais de um tipo de vítima e várias são as reações manifestadas
ante tal forma de violência, conforme os ensinamentos de Fante
(2005), Lopes Neto (2005) e Silva (2010a, 2010b), que dividem as
vítimas em típicas, agressoras e provocadoras.
A vítima típica normalmente apresenta um temperamen-
to calmo e reservado, aumentando ainda mais sua timidez, por
sua tendência a sofrer em silêncio quando é alvo de bullying. Es-
ses sujeitos costumam ser mais frágeis fisicamente ou possuem
algo em seu corpo ou personalidade que os diferem da maioria
dos alunos, por exemplo: ser magro ou gordo, usar óculos, ser
muito estudioso, portar deficiência física, ter parte do corpo pe-
quena ou avantajada, ter raça, credo ou orientação sexual dife-
rente, possuir condição econômica inferior, entre outros fatores.
Em palavras gerais, o que estiver destoando de um determinado
padrão em um grupo poderá ser visualizado como elemento fun-
damental para ser alvo de bullying.

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
175

Um dos aspectos que caracterizam a vítima provocadora é


seu jeito hiperativo, inquieto, irritável e imaturo, o que contribui
para gerar um clima de confusão ao iniciar ou, principalmente,
revidar insultos. Por ter um temperamento mais agitado e rebel-
de, a vítima provocadora é malignamente usada como bode ex-
piatório por discentes que cometem algum delito. Estes se apro-
veitam das características da personalidade e do comportamento
da vítima em questão por terem ciência de que ela poderá levar a
culpa do ato, escondendo a verdadeira autoria.
Já a vítima agressora encontra na reação violenta uma
forma de rebater e compensar os maus-tratos a que foi subme-
tida outrora. Quem é vítima de bullying no presente poderá ser
um agressor no futuro, procurando por outra vítima ainda mais
vulnerável que ela mesma. É uma situação preocupante, porque
confere ao bullying o caráter de círculo vicioso cada vez mais di-
fícil de ser controlado, haja vista que as próprias vítimas tentam
resolver o problema ao reproduzirem agressões, ao invés de pro-
curarem uma solução mais pacífica e eficaz (SILVA, 2010a).
Além de vítimas e agressores, os espectadores ou teste-
munhas possuem papel relevante nos casos de bullying escolar.
Por medo de se tornarem a próxima vítima, não saberem como
agir e perceberem a falta de preocupação da escola, os especta-
dores optam por não defender ou proteger os indivíduos que
são objeto de bullying; muitos deles, inclusive, preferem ficar ao
lado do agressor para mostrarem que estão do lado do mais forte
(­LOPES NETO, 2005).
Lopes Neto (2005) classifica os espectadores como: auxi-
liares, que participam da agressão; incentivadores, que incitam
e estimulam o autor; observadores, que apenas observam ou se
afastam; e defensores, que protegem a vítima ou buscam o auxí-
lio de um adulto para que este interrompa a ação.
Os espectadores que auxiliam, incentivam ou apenas ob-
servam tais condutas estão contribuindo para o aumento da vio-

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
176

lência estudantil. Muitos deles não percebem que, se não houver


oposição ao bullying, eles próprios poderão vir a ocupar o papel
de vítima em outras circunstâncias.

Consequências

O bullying é um fenômeno perverso que deixa ­sequelas na


vida dos envolvidos diretos e, em consequência, de seus f­ amiliares,
provocando a falta de interesse do aluno pelos e­ studos e, conse-
cutivamente, a falta de concentração, a queda de seu rendimento
escolar e de sua aprendizagem; em alguns casos, o j­ovem se sente
tão amargurado que decide abandonar a instituição de ensino.
As consequências são as mais diversas possíveis, desde
notas baixas na escola a sérios transtornos psicológicos que al-
cançam a fase adulta do indivíduo. Felizmente, há casos em
que a criança consegue superar os danos do bullying natural-
mente, pois possui uma família estruturada que se preocupa
com seu bem-estar, estuda em uma instituição preparada e dis-
ciplinadora no combate à violência estudantil e tem acesso a
profissionais capacitados nas áreas da psicologia e psiquiatria.
Entretanto, há situações em que pais e escolas desconhecem ou
ignoram que seus filhos e educandos estejam envolvidos com
o bullying, dificultando, assim, a superação destes diante dos
transtornos causados.
Além dos prejuízos educacionais e sociais, os problemas
mais comuns provocados em decorrência do bullying são: sin-
tomas psicossomáticos, como dor de cabeça, cansaço crônico,
insônia, dificuldades de concentração, náuseas, tensão muscu-
lar, alergias, tonturas; transtorno do pânico; fobia escolar e so-
cial; depressão; anorexia e bulimia; transtorno obsessivo-com-
pulsivo (TOC), transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e
transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). Em casos menos
frequentes, poderá causar esquizofrenia, suicídio, homicídio e

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
177

outros transtornos que não haviam se manifestado antes (SIL-


VA, 2010a, 2010b).

A participação dos pais e dos educadores

Na sociedade atual, é nítido que o modelo educacional


passado dos pais aos seus filhos é influenciado por diversas vari-
áveis, ao levar em consideração os costumes, a cultura, a religião
e as personalidades paternas. Entretanto, no mundo ocidental
das últimas décadas, tem sido observado o hábito dos pais em
educar seus filhos de modo mais permissivo, com poucas ou ne-
nhuma regra, fazendo com que as crianças não tenham a noção
de limite e cresçam sem o ideal de respeito às regras na vida.
Na maioria das vezes em que se observa a omissão dos
pais em situações elementares que envolvem seus filhos, como
dificuldade em tomar decisões ou de impor ou zelar pelo cum-
primento de regras, é perceptível que há deficiência em estabele-
cer limites no lar, produzindo, assim, mais conflitos familiares.
Quando os membros paternos tratam suas crianças com indife-
rença ou lhes concedem liberdade em demasia para o que quise-
rem fazer, estão, mesmo que de modo involuntário, deixando de
desenvolver seu papel de educar. Não havendo respeito às regras
impostas pela família, indubitavelmente os filhos não respeita-
rão com facilidade os limites colocados pelas escolas e pela pró-
pria sociedade.
Ao lidar com o bullying, o comportamento dos pais dos
alunos envolvidos pode variar bastante, desde sentirem indife-
rença a manifestarem reações de ira e inconformismo contra a
escola e contra si mesmos. Sintomas como os da depressão pode-
rão se manifestar nesses genitores diante do sentimento de culpa
e incapacidade no combate ao bullying contra seus filhos, poden-
do acarretar problemas também no seu trabalho e nas relações
pessoais (­LOPES NETO, 2005).

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
178

É errôneo o pensamento de alguns pais que julgam que, ao


matricularem seus filhos em um estabelecimento de ensino, estão
delegando integral e exclusivamente a obrigação de educá-los a
tal instituição, eximindo-se, destarte, da responsabilidade de co-
laborar com o aprendizado dos menores. Ao contrário desse po-
sicionamento, a família deve agir em conjunto com a escola, bem
como estimular o hábito de estudo, demonstrar interesse no que
está sendo ensinado no colégio, participar de reuniões escolares,
incentivar o respeito aos docentes e colegas de turma e elogiar os
avanços dos educandos com vistas a valorizar seu desempenho.
Assim como nos ensinamentos repassados pelos pais, a
educação nas escolas deve visar a uma formação permanente da
criança e do adolescente, não devendo apenas demonstrar preocu-
pação em formar profissionais capacitados para desempenhar um
trabalho produtivo. A instituição de ensino deve educar o aluno
para além das avaliações acadêmicas tradicionais, ao instituir tes-
tes e provas, estabelecendo, portanto, uma modificação na men-
talidade da educação formal e zelando por um ambiente rico em
relações interpessoais. É fundamental que transformações como
essas aconteçam no ambiente escolar e familiar, para que a juven-
tude amadureça de modo satisfatório (SILVA, 2010a, 2010b).
É de suma importância que todos os profissionais da es-
cola – professores, porteiros, serventes, etc. –, ao presenciarem
alguma cena de bullying, não deixem que o ato violento fique im-
pune; além de não ignorarem tais circunstâncias, devem conver-
sar com os jovens envolvidos, comunicando o caso à coordenação
ou à direção da unidade estudantil para que os gestores tomem
as providências cabíveis e estabeleçam normas e diretrizes. Há
a necessidade de que a escola conscientize pais, alunos e todos
os seus profissionais de forma geral, visando proteger as vítimas
e disciplinar os agressores, alertando os atores envolvidos para
o respeito às normas delimitadas, com o fito de que haja uma
maior harmonia no estabelecimento educacional.

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
179

O bullying acontece em todas as escolas, tanto nas de zona


rural como nas de grandes centros urbanos, nas instituições fre-
quentadas por educandos de alto ou de baixo poder aquisitivo,
quer seja na rede pública ou particular. Isso posto, faz-se neces-
sário que as instituições de ensino, em conjunto com as famílias,
estejam preparadas para combater os atos de violência entre os
estudantes, reforçando a função de educá-los e socializá-los para
um futuro com mais tolerância, solidariedade, humildade e paz.
Logo, um jovem que aprende desde cedo a conviver em ambien-
tes nos quais há respeito ao próximo estará mais propício a se
tornar um adulto tolerante e pacífico, repassando suas qualida-
des às próximas gerações.

Responsabilidade civil das instituições de ensino


privadas

Além de se relacionar com outras ciências, o Direito deve


dialogar consigo mesmo e, no caso do bullying, a par da teoria
do diálogo das fontes, é mister trabalhar com o Código Civil, o
Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal de
1988, em busca de possíveis alternativas legais para a solução
do problema na reparação dos danos causados pelas instituições
de ensino aos seus alunos, observando a eficaz aplicação do Es-
tatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quando necessário,
considerando que a maioria das vítimas do bullying é composta
por crianças e adolescentes.
Em face da violência estudantil, as principais decisões
acerca da responsabilidade civil das escolas se norteiam pelos
preceitos legais supracitados e pelas jurisprudências que surgem
caso a caso. Sob a orientação do diploma civil, em regra geral,
a responsabilidade pelos danos causados pelo bully contra outro
aluno incapaz em âmbito escolar é objetiva da instituição de en-
sino, independentemente de culpa, consoante a teoria do risco da

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
180

atividade desempenhada. No entanto, há a possibilidade da ação


de regresso por parte do colégio contra os pais do discente agres-
sor e, em oportunidades mais escassas, contra o próprio bully.
Está previsto no artigo 227 da Constituição Federal que
a família, a sociedade e o Estado devem atuar em conjunto para
garantir à criança e ao adolescente o direito à vida, à liberdade,
ao respeito, à dignidade, à convivência em família e na comu-
nidade, à cultura e aos direitos sociais arrolados no artigo 7o da
mesma Carta Maior, como acesso à educação, à saúde, à alimen-
tação e ao lazer. Além disso, devem proteger os jovens contra
quaisquer atos de violência e discriminação, como corrobora o
artigo 5o da Lei no 8.069/1990, o ECA: “Nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, dis-
criminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido
na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais”.
A vítima de bullying, que sofre violência física ou moral,
preconceito ou humilhação, que tem sua imagem ou sua honra
degradada, que tem sua intimidade exposta ao ridículo, está so-
frendo uma grande infringência aos seus direitos fundamentais,
tendo direito assegurado constitucionalmente a indenização por
dano material ou moral decorrente da violação provocada.
Tendo por base os ensinamentos do artigo 14 do código
consumerista, verifica-se que a responsabilidade do estabeleci-
mento de ensino privado se apresenta como responsabilidade
objetiva direta, e não mais como responsabilidade indireta do
educando, como ocorria outrora. Isto se deve ao fato de que bas-
ta a identificação de conduta, comissiva ou omissiva, do nexo
de causalidade e do dano para avaliar a responsabilidade pelos
danos causados pelo autor, sendo desnecessária qualquer inves-
tigação acerca dos elementos subjetivos. O serviço prestado pela
escola será interpretado como defeituoso caso seja observada a
falta de segurança ao aprendiz, consumidor direto (NICOLAU
JÚNIOR; NICOLAU, 2009).

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
181

Em síntese, apesar de já se estar no ano de 2015, por não


existir lei específica sobre o bullying quanto à responsabilidade
civil, os operadores do direito, ao abordá-lo, têm aplicado alguns
artigos, princípios e direitos fundamentais da Constituição Fe-
deral de 1988, do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto
da Criança e do Adolescente, ambos de 1990, e do Código Ci-
vil de 2002, em conjunto com jurisprudências contemporâneas,
com o escopo de pacificar o entendimento jurídico da responsa-
bilidade objetiva dos estabelecimentos de ensino com relação ao
bullying.
No início de 2015, o Senado aprovou o Projeto de Lei da
Câmara (PLC) que cria o Programa de Combate à Intimidação
Sistemática, o bullying. No momento, a proposta está na Câmara
dos Deputados, seguindo, posteriormente, para sanção da Pre-
sidente da República. O texto (PLC 68/2013) tem o objetivo de
prevenir e combater a prática de bullying nas escolas. Para tanto,
os profissionais de educação deverão ser capacitados para im-
plementar ações de discussão, prevenção e solução do problema.
Além disso, relatórios anuais das ocorrências de violência nas
escolas e nas redes de ensino serão publicados.

Considerações finais

O presente trabalho buscou desvelar a nocividade do


bullying no ambiente escolar ao mostrar o prejuízo causado às
suas vítimas pelas agressões física, moral e psicológica, que po-
dem interferir no desempenho estudantil, na formação da perso-
nalidade e no convívio social do indivíduo.
Do ponto de vista jurídico, com relação à responsabilida-
de civil dos estabelecimentos de ensino privados, nos casos de
bullying envolvendo crianças e adolescentes, os operadores de
direito utilizam como base legal para fundamentar suas ações ou
decisões a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
182

do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e o Código


Civil de 2002.
Observou-se que a nossa Carta Magna estabelece o dever
conjunto de sociedade, Estado e família de assegurar direitos
fundamentais às crianças e aos adolescentes, inclusive à educa-
ção. É direito de toda criança e adolescente receber educação de
qualidade, que não apenas os capacite para o mercado de traba-
lho, mas que os ensine valores sociais elementares, como o res-
peito, a cooperação, a amizade, a solidariedade e o amor.
Na sequência, restou evidente que existe projeto de lei no
Senado Federal para alterar o artigo12 da Lei no 9.394/1996, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, acrescentando-
-lhe um inciso que dispõe sobre as incumbências das instituições
de ensino em promover um ambiente escolar seguro e em ado-
tar estratégias de prevenção e de combate ao bullying. Portanto,
a vigência desse dispositivo viria a conferir maior proteção ao
bem-estar do aluno, assegurando-lhe o direito de estudar em um
local seguro, sem ocorrência de bullying.
Procurou-se esclarecer que, apesar de acolher a responsa-
bilidade subjetiva, consubstanciada pela teoria da culpa, como
regra geral na responsabilidade civil, o ordenamento jurídico
pátrio também adotou a responsabilidade objetiva, ao incluir, no
artigo 927 do Código Civil, a obrigação de reparar baseada na
atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano. Sendo assim,
é necessário apenas que haja nexo causal e dano para que se ve-
rifique a responsabilidade da escola com relação ao aluno vítima
de bullying que estava sob sua guarda.
Adotando a teoria objetiva, o Código de Defesa do Consu­
midor estabeleceu que o fornecedor deve prestar serviço de modo
seguro ao destinador final, em outras palavras, trazendo para o in-
teresse deste trabalho, os estabelecimentos de e­ nsino devem pres-
tar serviço aos discentes sem defeitos ou riscos. Com base nisso,
verificou-se que há decisões jurisprudenciais ­responsabilizando

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
183

objetivamente as instituições de ensino por falharem ao prestar


serviços educacionais sem segurança, considerando os danos físi-
cos e morais causados aos educandos pelo ato de bullying.
Ao final, é importante que o estabelecimento de ensino
tenha na sua equipe de profissionais pessoas com conhecimen-
to técnico para desenvolver ações e campanhas que combatam o
bullying, ensinando aos alunos que qualquer ato de violência, por
menor que seja, não deve ser encarado como fato natural. Isso
posto, por tentar evitar a ocorrência do bullying ao fornecer edu-
cação com segurança às crianças e adolescentes sob sua guarda,
o colégio tende a reduzir a violência em âmbito escolar e, por
conseguinte, a diminuir suas possibilidades de reparar danos e
de pagar indenizações dessa natureza.

Referências

BRASIL. Código Civil. Vade Mecum. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2011.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Vade Mecum. 11. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011.
BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Fe-
derativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out.
1988.
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Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabele-
ce as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 21 dez. 1996.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara no 68, de 2013. Institui o Pro-
grama de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Brasí-
lia, DF: Senado, 2013.

A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADAS NOS CASOS


DE BULLYING ENTRE ALUNOS
184

FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas es-


colas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005.
LOPES NETO, A. A. Bullying: saber identificar e como preve-
nir. São Paulo: Brasiliense, 2005.
LOPES NETO, A. A.; FILHO LAURO, M.; SAAVEDRA, L.
H. (Coord.). Programa de redução do comportamento agressivo entre
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NICOLAU JÚNIOR, M.; NICOLAU, C. C. M. B. Responsabili-
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Rio de Janeiro: Forense, 2009.
OLWEUS, D. Bullying at school: what We know and what We can
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SILVA, A. B. B. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2010a.
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2010. Brasília, DF: CNJ, 2010b.

KARLANE HOLANDA ARAÚJO • KELVYN HOLANDA NEPOMUCENO •


RAIMUNDO HÉLIO LEITE
185

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS


DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO MÉDIO E DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ

GRACE TROCCOLI VITORINO


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é professora titular da
Universidade de Fortaleza (Unifor), coordenadora do Programa de Avaliação Institucional Interna
(Proavi) da Unifor e avaliadora do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
Tem experiência na área de Educação, Avaliação, Didática, Psicologia e Pesquisa.
E-mail: <gracet@unifor.br>.

MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO


Pós-Doutora em Formação de Professores pela Universidade de Brasília (UnB), doutora em Super-
visão e Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestra em Educação
Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Psicologia e Pesquisa também
pela UFC e graduada em Pedagogia pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. É professora ad-
junta aposentada da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e professora associada aposentada
da UFC. Atualmente é professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação Brasileira
da UFC.
E-mail: <meirecele@terra.com.br>.

XÊNIA DIÓGENES BENFATTI


Doutora em Educação, mestra em Avaliação Educacional, especialista em Planejamento Educacio-
nal e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é professora
e assessora pedagógica da Universidade de Fortaleza (Unifor) e desenvolve pesquisas nas áreas
de Formação de Professores, Avaliação Curricular, Currículo Integrado, Políticas Públicas, Direitos
Humanos e Cidadania.
E-mail: <xenia@unifor.br>.
186

Introdução

O s percalços na trajetória da política da Educação Profis-


sional no Brasil revelam que, nas últimas décadas, as dificulda-
des e as incompreensões conceituais denotam a frágil identidade
do Ensino Profissionalizante na Educação Básica. As dificulda-
des e as incompreensões também podem ser observadas no En-
sino Médio, cuja identidade está ainda fortemente marcada pelo
ensino propedêutico, de caráter conteudista e até então direcio-
nado para o vestibular (ABRAMOVAY; CASTRO, 2003; FRI-
GOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, o
EMI, previsto no Decreto Federal no 5.154/2004, especifica que a
oferta dessa modalidade acontece mediante a integração do cur-
rículo de Ensino Médio e Educação Profissional de forma con-
comitante (BRASIL, 2004). Desde sua promulgação, o decreto
trouxe mudanças e, como política nacional, considera-se rele-
vante acompanhar seus desdobramentos por meio de pesquisas
avaliativas que possam subsidiar as ações e projetos vindouros
no estado do Ceará.
O trabalho de pesquisa realizado e relatado neste artigo,
resultado de uma análise fotográfica1 feita por meio de estudo
bibliográfico concluído em 2011, o qual teve como principal ob-
jetivo analisar o contexto geral do Ensino Médio e identificar
seus principais desafios. Pela extensão do estudo, serão indica-

1 A especificação de “fotográfica” está relacionada à ideia de que os dados apre-


sentados pelo estudo são circunstanciais e não podem servir para generaliza-
ções acerca do Ensino Médio.

GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
187

dos neste texto os dados referentes ao Ensino Médio Integrado


no Brasil (nacional) e no Ceará (estadual).
Os dados coletados e analisados foram consolidados, sen-
do expressos em quatro seções: na primeira, será apresentada a
pesquisa, sua finalidade e estrutura; na segunda, serão explicita-
das as etapas e o método da investigação; na terceira, serão mos-
trados os resultados e as discussões da investigação realizada; na
quarta, serão tecidas as considerações finais.

Metodologia

A natureza metodológica adotada para a investigação


seguiu predominantemente os contornos da abordagem quali-
tativa, caracterizada por Bogdan e Biklen (1994) como uma in-
vestigação que trabalha sobretudo com indicadores descritivos;
prioriza o processo e analisa os dados por meio da indução. Os
indicativos quantitativos delineados no estudo foram seleciona-
dos por nós e provêm de pesquisa bibliográfica desenvolvida, e
não de um estudo quantitativo que realizamos.
O procedimento metodológico usado foi o estudo biblio-
gráfico realizado por meio dos principais documentos que orien-
tam a estrutura e organização do Ensino Médio e do EMI. No
que concerne à pesquisa bibliográfica, Gil (1991, p. 47) destaca:
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir
de material já elaborado, constituído principal-
mente de livros e artigos científicos. Embora em
quase todos os estudos seja exigido algum tipo de
trabalho desta natureza, há pesquisas desenvol-
vidas exclusivamente de fontes bibliográficas.
[...] As pesquisas sobre ideologias, bem como
aquelas que se propõem à análise das diversas
posições acerca de um problema, também costu-
mam ser desenvolvidas quase exclusivamente a
partir de fontes bibliográficas.

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO


MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ
188

Gil (1991) indica que o estudo bibliográfico comece pela


escolha das peças que irão compor a revisão literária do assun-
to. Seguindo-se essa recomendação, foram selecionadas as peças
mais significativas para análise dos desafios do Ensino Médio
(EM) no contexto de implementação do EMI, foram elas: a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei no
9.394/1996, que define as diretrizes do Ensino Médio; o Decreto
Federal no 5.154/2004, que estabelece as diretrizes de integração
do Ensino Médio e Educação Profissional; o Documento-Base
da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao
Ensino Médio2, que aborda os aspectos centrais para redefinição
da oferta da integração de Ensino Médio e Educação Profissio-
nal; o relatório das pesquisas de Abramovay e Castro (2003) e
Neri (2009), descrevendo as razões do abandono e evasão escolar
no Ensino Médio; os relatórios do Instituto Nacional de Esta-
tística e Pesquisa (Inep) acerca do número de matrícula do EM
e do EMI e dos índices de desempenho; e, por fim, os relatórios
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) contendo as avaliações do Programa Internacional Ava-
liação de Alunos (Pisa) de 2006 e 2009.
Após a escolha das peças, foram identificados e selecionados
os itens que seriam mais relevantes para compreensão dos desa-
fios da integração do Ensino Médio e Educação Profissional no
Ceará. Posteriormente a essa fase, foram discutidos os desafios e o
­resultado deste trabalho, os quais serão apontados no item a seguir.

Resultados e discussões

A primeira etapa da investigação aconteceu com a revisão


do texto da LDB no 9.394/1996, no qual foram identificados os
principais aspectos ligados ao Ensino Médio. Nessa etapa, foi
2 Publicado
em 2007 pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica.

GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
189

analisado o texto do Ensino Médio e nele destaca-se o fragmento


que traça as diretrizes centrais para sua organização:
Art. 36. O currículo do ensino médio observa-
rá o disposto na Seção I deste Capítulo e as se-
guintes diretrizes: I – destacará a educação tec-
nológica básica, a compreensão do significado
da ciência, das letras e das artes; o processo his-
tórico de transformação da sociedade e da cul-
tura; a língua portuguesa como instrumento de
comunicação, acesso ao conhecimento e exer-
cício da cidadania; II – adotará metodologias
de ensino e de avaliação que estimulem a ini-
ciativa dos estudantes; III – será incluída uma
língua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade esco-
lar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro
das disponibilidades da instituição; IV – serão
incluídas a Filosofia e a Sociologia como disci-
plinas obrigatórias em todas as séries do ensino
médio. § 1o Os conteúdos, as metodologias e as
formas de avaliação serão organizados de tal
forma que ao final do ensino médio o educando
demonstre: I – domínio dos princípios cientí-
ficos e tecnológicos que presidem a produção
moderna; II – conhecimento das formas con-
temporâneas de linguagem; [...]; § 3o Os cursos
do ensino médio terão equivalência legal e ha-
bilitarão ao prosseguimento de estudos.
No artigo, observa-se que trabalho, ciência e cultura
são elementos importantes para a formação no Ensino Médio,
contudo devem fazer parte dos currículos escolares integrados
e articulados às áreas e aos conceitos. Acredita-se que romper
com o ensino propedêutico e desenvolver processos de aprendi-
zagem que permitam ao aluno experimentar saberes em todas as
suas dimensões é necessidade premente na ruptura do modelo

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO


MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ
190

“conteudista”, que enfatiza uma só perspectiva do Ensino Mé-


dio: preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),
o que outrora tínhamos no exame vestibular. O trabalho como
princípio pedagógico da organização escolar é uma das impor-
tantes marcas conceituais observadas na atual legislação, e a de-
sarticulação dos conteúdos curriculares em relação ao trabalho,
à ciência e à cultura favorece o vazio conceitual observado no
cotidiano das salas de aula e implica o desinteresse recorrente
dos alunos pelo trabalho desenvolvido na escola: conceitos, fór-
mulas, princípios e noções por vezes vazios de significado e de-
sarticulados da sua função social.
Na primeira etapa da investigação, após leituras, análises e
discussões, verificou-se que o primeiro desafio do EMI é superar
o ensino propedêutico e conteudista e desenvolver um currículo que
efetivamente articule trabalho, ciência e cultura.
Na segunda etapa da investigação, foram analisados o De-
creto Federal no 5.154/2004 e o ­Documento-Base da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio
(BRASIL, 2007). No documento-base, foram encontrados textos
que elucidam o crítico contexto do Ensino Médio no momento
da promulgação do Decreto no 5.154/2004. O documento diz que
o decreto surgiu em um momento de profunda crise do Ensi-
no Médio, quando a necessidade de superar o status dualista da
cultura geral e da cultura técnica se sobrepunha e clamava por
um novo currículo integrado às necessidades dos jovens e dos
adultos brasileiros, e não alijado das suas necessidades, princi-
palmente as necessidades dos egressos do ensino público.
Assim a questão está explicitada no documento citado:
Tais reflexões conduziram ao entendimento de
que uma solução transitória e viável é um tipo
de ensino médio que garanta a integralidade
da educação básica, ou seja, que contemple o
aprofun­damento dos conhecimentos c­ ientíficos

GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
191

produzidos e acumulados historicamente pela


sociedade, como também objetivos adicionais
de formação profissional numa perspectiva da
integração dessas dimensões. Essa perspectiva,
ao adotar a ciência, a tecnologia, a cultura e o
trabalho como eixos estruturantes, contempla
as bases em que se pode desenvolver uma edu-
cação tecnológica ou politécnica e, ao mesmo
tempo, uma formação profissional stricto sensu
exigida pela dura realidade socioeconômica do
país. (BRASIL, 2007, p. 24).
Por conseguinte, a crise de identidade é analisada em duas
dimensões:
Essa falta de sentido-identidade está posta em
duas dimensões. Uma relativa à sua própria
concepção e outra relacionada com o deficiente
financiamento público. Esse problema de fi-
nanciamento contribui para a falta de qualidade
do ensino médio, mesmo se nessa análise fosse
possível abster-se de considerar os problemas
inerentes à concepção [...]. Além disso, essa eta-
pa educacional é pobre de sentido tanto na es-
fera pública quanto na privada. Nessa perspec-
tiva, é necessário conferir-lhe uma identidade
que possa contribuir para a formação integral
dos estudantes. Uma formação voltada para a
superação da dualidade estrutural entre a cul-
tura geral e cultura técnica ou formação instru-
mental (para os filhos da classe operária) versus
formação acadêmica (para os filhos das classes
média-alta e alta). Esse ensino médio deve ser
orientado, tanto em sua vertente dirigida aos
adolescentes como ao público do EJA, à for-
mação de cidadãos capazes de compreender a
realidade social, econômica, política, cultural
e do mundo do trabalho para nela inserir-se e

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO


MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ
192

atuar de forma ética e competente, técnica e po-


liticamente, visando contribuir para a transfor-
mação da sociedade em função dos interesses
sociais e coletivos. (BRASIL, 2007, p. 25).
Os desafios prementes, apontados pelo próprio Ministé-
rio da Educação (MEC), incidiam sobre: a articulação entre as
políticas setoriais dos estados brasileiros; a interação do Minis-
tério com os sistemas de ensino; a contratação de docentes e sua
formação pedagógica para o currículo integrado; e, por fim, o
financiamento para a área.
Nessa etapa da investigação, foram observados desafios li-
gados substancialmente à ordem da integração, ora política, ora
curricular. Na primeira, tem-se o desafio de integrar as ações da
política nacional com as ações das políticas estaduais; na segun-
da, tem-se o desafio de superar a dualidade curricular, que his-
toricamente separou o Ensino Médio da Educação Profissional.
Na terceira etapa da investigação, foi analisado o fenôme-
no da evasão escolar no Ensino Médio. Para isso, foram utiliza-
dos os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), as pesquisas de Abramovay e Castro (2003), mais a de
Neri (2009). Os conteúdos examinados apontam para problemas
que devem ser superados com máxima urgência.
Os dados obtidos por meio do IBGE, mais especifica-
mente na Síntese de Indicadores Sociais (2010), revelam que
um em cada dez jovens abandona a escola nessa fase de estudo.
As razões do abandono estão relacionadas ao desenvolvimento
de currículos desarticulados da realidade dos jovens brasileiros,
bem como aos fatores socioeconômicos que atingem a popula-
ção nacional.
Abramovay e Castro (2003), ao desenvolverem pesquisa
em 13 capitais brasileiras, observaram que a evasão escolar está
nitidamente relacionada à organização do trabalho pedagógico.
A pesquisa revela, entre tantos fatores, o significado que hoje a

GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
193

escola tem para os alunos e para a comunidade em geral, como


“um tempo perdido”, como “um espaço vazio de sentido”, pois
o conhecimento desenvolvido em seus currículos está isolado da
realidade dos jovens brasileiros. Dentre as análises qualitativas
reveladas, as autoras destacam as razões que levam à reprovação
e à evasão no EM:
De um lado, os jovens a encaram como um dos
mais poderosos instrumentos de ascensão so-
cial. De outro, explicitam consciência dos limi-
tes do espaço escolar para as populações mais
pobres e se questionam sobre a possibilidade
de o esforço ter sido em vão [Abramovay et al.,
2001, p. 78]. Essa percepção se sustenta na cons-
tatação de que, embora a função da escola seja
transmitir aos jovens saberes que, em tese, eles
não teriam condições de obter em outro lugar,
existem outras funções que se sobrepõem a esta
função oficial, particularmente uma função de
diferenciação e de hierarquização dos jovens.
[Charlot et al., 2000, p. 25]. A hierarquização
se dá a partir do desempenho e dos resultados
escolares dos estudantes, ou seja, é por meio
dos saberes e das competências adquiridas que
a escola os diferencia, os orienta e os selecio-
na, atribuindo-lhes lugares e funções sociais.
(ABRAMOVAY; CASTRO, 2003, p. 457).
A pesquisa promovida pela Fundação Getúlio Vargas e co-
ordenada por Neri (2009), cujo objetivo é retratar as razões que
caracterizam e qualificam o abandono da escola, aponta para
importantes evidências. As principais razões registradas pelos
jovens acima de 17 anos que não frequentam a escola são: falta
de interesse, com 40,3 do percentual dos respondentes; 27,1 para
falta de renda; 10,9 para precariedade de oferta escolar na região;
e 21,7 para outros motivos. As evidências também apontam que a

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO


MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ
194

evasão escolar está predominantemente relacionada aos aspectos


inerentes ao currículo e sua função social e à falta de condições
econômicas, o que os leva à necessidade de desenvolverem ativi-
dades de remuneração, as quais, nesse contexto, competem com o
tempo dedicado à escola.
No que se refere à falta de interesse, vale ressaltar o argu-
mento outrora explicitado, ou seja, de um currículo desarticula-
do das necessidades e interesses dos jovens brasileiros, o qual,
quando somado à falta de renda, faz surgir um contexto pungente
à evasão: uma escola desinteressante, que prontamente é subs-
tituída pela necessidade imediata de atividade remunerada. Um
projeto pedagógico, para ser de fato político, precisa constituir-se
identificado e relacionado ao seu meio e à identidade da escola e
se fará pelo conhecimento agregado à cultura, à ciência e ao traba-
lho, e o trabalho não como forma de dominação, mas como valor
social das pessoas em sua comunidade.
Na terceira fase de análise, foram observados aspectos
que reiteram a evasão escolar como um fenômeno marcante do
Ensino Médio e revelam os sintomas da fragilidade estrutural
que são encontrados nas escolas de Ensino Médio. Dessa forma,
destaca-se o terceiro desafio do EMI, que é dar uma nova iden-
tidade ao Ensino Médio, ressignificando seus tempos e espaços
de aprendizagem.
Em nossa última etapa da investigação, analisamos os da-
dos oriundos do próprio Ministério da Educação, mais especifi-
camente os do Inep, e os dados da OCDE, mais especificamente
os do Pisa. As análises incidiram sobre os índices de matrícula e
de desempenho.
No que concerne às matrículas, nos últimos dez anos, a
taxa de matrícula do Ensino Médio cresceu na ordem de 16,4%:
em 1998, a matrícula registrada foi de 6.968.538; e, em 2009, de
8.337.160. Os dados revelam um crescimento ainda não compatí-
vel com o desafio de universalização do Ensino Médio.

GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
195

As taxas de matrículas específicas de Ensino Médio e EMI


no Brasil e no Ceará trazem os dados exibidos na tabela 1.

Tabela 1 – Número de alunos matriculados no Ensino Médio e no


Ensino Médio Integrado no Brasil e no estado do Ceará – 2009
Total de alunos de Alunos de Ensino Médio
  (%)
Ensino Médio Integrado

Brasil 8.337.160 175.831 2,11%

Ceará 416.922 13.636 3,27%

Fonte: MEC/Inep (2010).

As taxas de matrícula mostram que são baixos os índices


percentuais de matrículas para o EMI. No Ceará, o percentual
de alunos matriculados no EMI em 2009 correspondeu a 3,3%
do total de alunos do Ensino Médio, um número ainda pouco
expressivo em relação às políticas de expansão delineadas pelos
governos federal e estadual.
Quanto aos dados de rendimento escolar, a situação do
desempenho obtido pelos alunos no Ensino Médio mostra índi-
ces preocupantes. Por meio do portal eletrônico da Folha UOL
(2010) e por meio dos dados extraídos do MEC/Inep (2010), ob-
servou-se em 2009 que, de 21.853 unidades escolares de Ensino
Médio, somente uma escola obteve no Enem média superior a 80
pontos. As demais assim se posicionaram:

• 141 escolas obtiveram médias no intervalo de 70 a 80;


• 1.976 escolas obtiveram médias no intervalo de 60 a 70;
• 4.566 obtiveram médias no intervalo de 50 a 60;
• 13.313 obtiveram médias no intervalo de 40 a 50;
• 1.845 obtiveram médias no intervalo de 30 a 40;
• 11 obtiveram médias no intervalo 20 a 30.

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO


MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ
196

O Índice de Desempenho na Educação Básica3 (Ideb) re-


presenta o indicador aferido ao ensino brasileiro na Educação
Básica e tem como função diagnosticar o desempenho dos alu-
nos e, por conseguinte, traçar indicadores de qualidade do ensi-
no escolar nos estados e municípios, para, assim, subsidiar a dis-
tribuição de recursos e de financiamento do orçamento público
federal. O Ideb, na série histórica de 2005 a 2009 mostrada pelos
relatórios do MEC de 2005, 2007 e 2009 (2010), está representa-
do nos dados da tabela 2.

Tabela 2 – Ideb de 2005 a 2009


  2005 2007 2009

Pública 3,1 3,2 3,4

Estadual 3,0 3,2 3,4


Municipal 2,9 3,2 -
Privada 5,6 5,6 5,6
Total 3,4 3,5 3,6
Fonte: Dados extraídos pelo MEC/Inep (2010) e selecionados pelas autoras
(2011).

Também foram extraídos dos relatórios os dados referen-


tes ao estado do Ceará que estão na tabela 3.

3 Segundo o portal UOL Educação, em matéria veiculada no dia 5 de julho de


2010, “[...] o Ideb é a ‘nota’ do Ensino Básico no país. Numa escala que vai
de 0 a 10, o MEC fixou a média 6, como objetivo para o país a ser alcançado
até 2021. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar,
obtidos no Censo Escolar (ou seja, com informações enviadas pelas escolas e
redes), e médias de desempenho nas avaliações do Inep (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o Saeb – para os Estados e
o Distrito Federal, e a Prova Brasil – para os municípios”.

GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
197

Tabela 3 – Índices de Desempenho na Educação Básica de 2005 a


2009 no estado do Ceará
Ideb 2005 2007 2009
Ceará 3,3 3,4 3,6
Fonte: Dados extraídos pelo MEC/Inep (2010) e selecionados pelas autoras
(2011).

Os índices obtidos em 2009 ainda são inferiores a 5 na


rede pública de ensino e estão longe da marca estabelecida pelo
MEC, que é de 6 pontos, a qual deve ser alcançada até 20214.
Verifica-se que somente os índices obtidos pelas escolas parti-
culares conseguem chegar à metade da escala que vai de 0 a 10.
Segundo nota divulgada pelo portal do MEC, na seção
Pisa e Ideb, tais resultados justificam o precário desempenho do
Brasil no Pisa5, que, em 2009, foi de: 412 pontos em Leitura,
386 pontos em Matemática e 405 pontos em Ciências, o que o
situa na 53a posição em Leitura, na 57a posição em Matemática
e na 53a posição em Ciências de 65 países que participaram da
avaliação.
Segundo Rodrigues e Borges (2010), a boa notícia trazida
pelos resultados é que melhoramos o desempenho se comparar-
mos os resultados de 2009 com os de 2005, a má notícia é que
isso não significa muito, pois as notas obtidas em Matemática
e Ciências ainda se encontram na escala 1, que corresponde à
menor escala.
As análises da última etapa indicam um crescimento sig-
nificativo no número de matrículas no Ensino Médio no Brasil
e no estado do Ceará, contudo os índices de avaliação de desem-

4 Nota divulgada pela página do MEC na seção Pisa e Ideb em 26 de outubro de 2010.
5 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) re-
aliza a cada três anos provas nas áreas de Leitura, Matemática e Ciências.
Em 2009, 72 países participaram do Pisa, dentre eles o Brasil. Os testes são
realizados por jovens acima de 15 anos do 7o ano do Ensino Fundamental à 3a
série do Ensino Médio.

IDENTIDADE, EVASÃO E DESEMPENHO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO ENSINO


MÉDIO E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ
198

penho mostram que esse crescimento não basta, pois precisamos


ampliar a oferta e melhorar o desempenho escolar, portanto con-
clui-se com o quarto desafio: crescer com qualidade.

Considerações finais

As análises de contexto do Ensino Médio e do Ensino Mé-


dio Integrado retratam uma realidade que demonstra grandes
possibilidades de expansão e valorização, entretanto também
revelam os problemas referentes ao desenvolvimento dos cur-
rículos escolares, que trazem como consequências a evasão e o
precário desempenho dos alunos nessa etapa de formação.
O desempenho obtido pelos estudantes do Ensino Médio
no Enem e no Pisa, associado aos índices do Ideb, denota as con-
dições desfavoráveis nas quais os jovens brasileiros se encontram
para as proficiências necessárias ao ingresso no Ensino Superior,
bem como para o desenvolvimento das atividades profissionais
e, por que não dizer, para a legitimação do desenvolvimento tec-
nológico do Brasil e, por consequência, do Ceará.
A pesquisa realizada permitiu que chegássemos à conclu-
são de que as políticas delineadas para o Ensino Médio no estado
do Ceará precisam de ações claras e definidas que possam supe-
rar os desafios provocados pelo dualismo secular da Educação
Profissional e do Ensino Médio e pelo ensino propedêutico con-
teudista historicamente sedimentados em nossas salas de aula,
que, além de levarem à evasão escolar, não garantem nosso bom
desempenho nas avaliações. Identidade, evasão e desempenho
são nossos maiores desafios.

Referências

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GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
199

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GRACE TROCCOLI VITORINO • MEIRECELI CALÍOPE LEITINHO •


XÊNIA DIÓGENES BENFATTI
201

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA


IDENTIDADE PRÓPRIA

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA


Doutora e mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista
em Planejamento Educacional pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo), em Gestão Escolar
pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e em Organização e Gestão da Educação
Básica pela UFC e graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Foi diretora
escolar e forma­dora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Atualmente é
coordenadora escolar do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professor José Neudson Braga e
atua como professora nas áreas de Avaliação Educacional, Prática de Ensino e Didática.
E-mail: <coelhosandramaria@yahoo.com.br>.

RAIMUNDO HÉLIO LEITE


Livre-Docente e doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre
em Estatística pela Flo­rida State University (FSU) e graduado em Matemática pela UFC. Foi reitor
da UFC no interstício de 1987 a 1991. Atualmente é professor voluntário da UFC e coordenador do
Núcleo de Avaliação Educacional da Pós-Graduação da UFC (Nave/UFC).
E-mail: <rhleite@terra.com.br>.

EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


Doutor e mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em
Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Direito Processual
pela Fa­culdade Sete de Setembro (FA7) e graduado em Peda­gogia pela UECE e em Direito pela Uni-
versidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Ceará (IFCE). 
E-mail: <eugenio.moreira@ifce.edu.br>.
202

Introdução

O Ensino Médio vem, ao longo da história, passando por


um processo de mudanças impulsionado, dentre outros fatores,
pela necessidade do sistema político e econômico em usar a edu-
cação como ferramenta de auxílio para a modernização do país.
Essas mudanças vão gerando a necessidade de expansão da ma-
trícula nesse nível de ensino e, consequentemente, a elaboração
de normas e dispositivos legais que estabeleçam as diretrizes
para a sua organização, funcionamento e expansão.
Nessa dimensão, o Ensino Médio traz em si, historica-
mente, essa complexidade para a definição de sua identidade,
pois:
O Ensino Médio no Brasil tem-se constituí-
do ao longo da história da educação brasileira
como o nível de mais difícil enfrentamento, em
termos de sua concepção, estrutura e formas
de organização, em decorrência de sua própria
natureza de mediação entre a educação funda-
mental e a formação profissional stricto sensu.
Como resultado, continua sem identidade [...].
(KUENZER, 2001, p. 9).
Assim, as causas para a construção de sua identidade pas-
sam por diversos fatores, dentre eles os provenientes de confli-
tos remotos da educação, como a questão central situada entre
o ensino geral versus o ensino profissionalizante, bem como de
seu financiamento e de sua universalização, como etapa final da
Educação Básica.

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
203

O sistema educacional brasileiro solicita do Ensino Médio


uma significação sobre sua destinação social, apesar da dificul-
dade para essa definição, visto que:
[...] cumpre registrar que o Ensino Fundamen-
tal tem um status definido para o conjunto dos
seus alunos [...]. Não resulta dúvida do caráter
formativo do Ensino Fundamental. Também o
Ensino Superior possui uma função reconhe-
cida para seus estudantes: a de propiciar a qua-
lificação prévia à habilitação profissional [...].
E o Ensino Médio? Expressando um momento
em que se cruzariam idade, competência, mer-
cado de trabalho e proximidade da maioridade
civil, ele expõe um nó das relações sociais no
Brasil, manifestando seu caráter dual e elitista,
através mesmo das funções que lhe são histori-
camente atribuídas: a função formativa, a pro-
pedêutica e a profissionalizante. (CURY, 1998,
p. 74-75).
Nesse sentido, percebemos a dificuldade de visualizar ou-
tras formas de definir o Ensino Médio que não seja por meio des-
tas três funções (formativa, propedêutica e profissionalizante),
embora “[...] se possa atribuir papéis hegemônicos a uma delas,
segundo circunstâncias” (CURY, 1998, p. 75).
É necessário considerar ainda que, com as mudanças pro-
venientes da globalização, nas quais o conhecimento é conside-
rado um dos critérios de organização social, a educação se torna
um dos principais alvos das políticas sociais.

O Ensino Médio a partir da Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) constitui-se como


um marco importante para a educação brasileira, pois é relevante
destacarmos que, somente com a promulgação da última Carta

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


204

Magna, foi determinada a gratuidade do Ensino Médio e, em


período histórico subsequente, introduzida sua progressiva obri-
gatoriedade, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei no 9.394/1996.
Cury (1998, p. 80-81) dá ênfase à referida constituição e
sua relevância para o Ensino Médio, ao ressaltar que:
A Constituição Federal de 1988 é uma realidade
importante, não só por ter modificado a nomen-
clatura do ensino de 1o e 2o graus para Ensino
Fundamental e Médio, mas sobretudo por ter
sido promulgada dentro do Estado de Direito
e ter reafirmado a correlação entre educação e
democracia. Dentro desse clima, pode-se assi-
nalar a gratuidade e progressiva universalização
do Ensino Médio tal como reza a Emenda Cons-
titucional 14, e sua progressiva obrigatoriedade
no âmbito de Estados, como o impõe a LDB.
As alterações promovidas na redação inicial da Consti-
tuição Federal de 1988 trouxeram avanços significativos para a
educação, especificamente para o Ensino Médio, como podemos
perceber em seu artigo 208, com nova redação dada pelas Emen-
das Constitucionais no 14/1996 e no 59/2009:
Art. 208. O dever do Estado com a educação
será efetivado mediante a garantia de: I – Edu-
cação Básica obrigatória e gratuita dos 4 (qua-
tro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegura-
da inclusive sua oferta gratuita para todos os
que a ela não tiveram acesso na idade própria;
(Redação dada pela Emenda Constitucional no
59, de 2009). II – Progressiva universalização
do Ensino Médio gratuito; (Redação dada pela
Emenda Constitucional no 14, de 1996).
Para melhor compreensão das alterações realizadas, elabo-
ramos o quadro comparativo a seguir, que facilita a análise refe-

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
205

rente às mudanças promovidas no texto constitucional de 1988.


Desse modo, percebemos que as alterações geradas, sobretudo
pela Emenda Constitucional no 59/2009, trazem avanços expres-
sivos no que se refere ao artigo 208, ao determinar que “O dever
do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de [...]” Educação Básica de modo obrigatório e gratuito, como
verificamos no quadro a seguir.

Quadro 1 – Mudanças promovidas pelas Emendas Constitucionais


no 14/1996 e no 59/2009
Texto original da Cons- Emenda Constitucio- Emenda Constitucional
tituição Federal de 1988 nal no 14/1996 no 59/2009
I – Ensino Fundamental, I – Ensino Fundamen- I – Educação Básica obri-
obrigatório e gratuito, as- tal, obrigatório e gratui-
gatória e gratuita dos 4
segurado, inclusive, para to, assegurado, inclusi-
(quatro) aos 17 (dezes-
os que a ele não tiveram ve, sua oferta gratuitasete) anos de idade, as-
acesso na idade própria. para todos os que a elesegurada, inclusive, sua
não tiveram acesso na oferta gratuita para todos
idade própria. os que a ela não tiveram
acesso na idade própria.
II – Progressiva extensão II – Progressiva uni- Sem alterações.
da obrigatoriedade e gra- versalização do Ensino
tuidade ao Ensino Médio. Médio gratuito.
VII – Atendimento ao Sem alterações. VII – Atendimento ao
educando, no Ensino Fun- educando, em todas as
damental, através de pro- etapas da Educação Bá-
gramas suplementares de sica, por meio de progra-
material didático escolar, mas suplementares de
transporte, alimentação e material didático escolar,
assistência à saúde. transporte, alimentação e
assistência à saúde.
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores (2014).

Dessa análise comparativa dos textos legais, apreendemos


que o atual texto do artigo 208 da vigente Constituição Federal,
ao tratar dos deveres do Estado em relação ao direito à educação,
explicita uma mudança de enfoque pertinente à obrigatoriedade,
antes restrita ao Ensino Fundamental (BRASIL, 1996a). Na nova

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


206

redação, promovida pela Emenda Constitucional no 59/2009, o


Estado deve assegurar esse direito de forma mais abrangente,
com caráter de obrigatoriedade e gratuidade a toda a Educação
Básica, que agora se constitui como ensino obrigatório, a qual in-
clui também o Ensino Médio como “[...] etapa final de Educação
Básica” (BRASIL, 1996b).
Cumpre ressaltarmos que a Emenda Constitucional no
59/2009 não só amplia o dever constitucional do Estado em rela-
ção à educação como também altera a faixa etária de escolariza-
ção obrigatória, pois insere em seu texto uma definição trazida
da vigente LDB sobre “Educação Básica”, que a caracteriza, em
seu artigo 21, inciso I, como sendo formada pela Educação In-
fantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
A LDB no 9.394/1996, em seu artigo 35, ao confirmar
o Ensino Médio como etapa final da Educação Básica, define
como suas finalidades:
I – a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no Ensino Funda­
mental, possibilitando o prosseguimento de es-
tudos; II – a preparação básica para o trabalho e
a ci­dadania do educando, para continuar apren­
dendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou
aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimora-
mento do educando como pes­soa humana, in-
cluindo a formação ética e o de­senvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento
crítico; IV – a compreensão dos fundamentos
científi­
co-tecnológicos dos processos produ-
tivos, rela­cionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina.
Percebemos expressa em suas finalidades a intenção de
conferir ao Ensino Médio uma identidade relacionada à forma-

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
207

ção básica, na busca de se romper com a dicotomia histórica entre


ensino propedêutico e profissionalizante desse nível de ensino.
Com efeito, a lei assevera a identidade do Ensino Médio
com a função formativa, o qual, “[...] Ao menos na lei, [...] não
é ‘passaporte’ para a universidade e nem ‘carteira profissional’
para o mercado” (CURY, 1998, p. 75). Contudo, na prática, a dua-
lidade nas funções do Ensino Médio continua presente de forma
acentuada, sendo que, de modo mais recorrente, as funções pro-
pedêutica e profissionalizante se sobrepõem à função formativa.
Nessa direção, releva lembrar que, apenas um ano após a
promulgação da LDB no 9.394/1996, novos direcionamentos são
dados ao Ensino Médio, através do Decreto no 2.208/1997, ao
determinar que:
[...] a formação profissionalizante de nível
técnico no país devia ser organizada de modo
independente do Ensino Médio regular, com
uma estrutura curricular própria, dissocian-
do-se, assim, a formação geral da técnica. No
entanto, tal decreto foi revogado em 2004,
sendo substituído pelo Decreto no 5.154 e,
posteriormente, pela Lei no 11.741/08, no
âmbito de uma nova política, tanto para o
­Ensino Médio quanto para a formação profis­
sional a ele associada, que permitia a reali-
zação de ações mais integradas entre ambos.
­(MOEHLECKE, 2012, p. 41).
O que observamos é uma oscilação na definição da iden-
tidade do Ensino Médio, talvez em virtude de as mudanças no
mundo do conhecimento afetarem a organização do trabalho e
exigirem um novo perfil de trabalhador. Consequentemente, tais
alterações repercutem na qualificação profissional e nos sistemas
de ensino, nas escolas e no processo de ensino propriamente dito.

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


208

O debate acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais


do Ensino Médio de 1998 e as perspectivas anunciadas
pelas Novas Diretrizes de 2012

Diante das várias mudanças advindas da legislação bra-


sileira referentes ao Ensino Médio nas últimas décadas e das
diversas inovações e transformações no mundo do trabalho e
na sociedade como um todo, surgem as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), instituídas em 1998 e
atualizadas em 2012, a fim de dar conta desse complexo processo
de transformações ocorridas e em curso.
Kuenzer (2000, p. 17) argumenta que “[...] desnudar o ca-
ráter parcial e interessado das ideologias [...] é uma das tarefas
necessárias ao se pretender compreender os acertos e desacertos
da proposta oficial de currículo para o Ensino Médio, desde que
se tenha claro para quem são esses acertos”.
Tal argumento justifica o fato de as DCNEM, instituídas
pela Resolução no 3, em junho de 1998, terem sido duramente
criticadas por alguns estudiosos do tema, a exemplo de Domin-
gues (2000) e Kuenzer (2000), ao analisarem o caráter ideológico
presente no discurso oficial apresentado no texto das DCNEM,
porém contraditório com relação às políticas de governo em prá-
tica à época.
Numerosas análises já foram feitas mostrando
que a proposta para o Ensino Médio em vigor,
consubstanciada na Resolução 03/98 do CNE,
é parte integrante das políticas educacionais
propostas pelo governo Fernando Henrique
Cardoso, que, por sua vez, expressam uma
concepção de educação orgânica ao mode-
lo econômico em curso, versão nacional do
processo globalizado de acumulação flexível.
­(KUENZER, 2000, p. 16).

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
209

Nessa esteira, entender a reforma proposta para o Ensino


Médio requer que se esclareçam quais intencionalidades estão por
trás dela, que não ocorre de forma neutra, mas que é decorrente
de interesses de classe que em sua essência são contraditórios.
É importante ressaltar que, como nos adverte Kuenzer
(2000), uma concepção de interesse de uma classe específica
busca se tornar consensual através do discurso ideológico domi-
nante propagado. Assim, apesar de não representar os interesses
coletivos, sua intenção é assegurar “[...] que todos assumam o
mesmo discurso” e, para tanto, “[...] é preciso que ele passe a ser
dominante, para o que é decisiva a estratégia comunicacional”
(KUENZER, 2000, p. 17).
Desse modo é que:
À primeira vista, as diretrizes traziam um dis-
curso sedutor e inovador, por meio da valoriza-
ção de uma concepção de ‘educação para a vida,
e não mais apenas para o trabalho’; da defesa
de um Ensino Médio unificado, integrando a
formação técnica e a científica, o saber fazer e
o saber pensar, superando a dualidade históri-
ca desse nível de ensino; de um currículo mais
flexível e adaptado à realidade do aluno e às
demandas sociais; de modo contextualizado e
interdisciplinar; baseado em competências e
habilidades. Contudo, ao analisar-se o contexto
mais amplo das políticas para o Ensino Médio
em curso à época, o que se percebia era uma re-
alidade muito distinta daquela proposta pelas
diretrizes. Além disso, após um estudo mais
detalhado do discurso presente nas D ­ CNEM,
o que se percebia era um texto híbrido que,
em vários momentos, acabava por ressigni-
ficar certos termos a tal ponto destes assumi-
rem sentidos quase que opostos aos originais.
­(MOEHLECKE, 2012, p. 47).

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


210

No contexto da década de 1990, em que as reformas obje-


tivavam reduzir as responsabilidades sociais do Estado, as pro-
postas educacionais se apresentavam subordinadas às deman-
das do mercado de trabalho, bem como à sua lógica econômica.
Desse modo é que as DCNEM de 1998 expõem o imperativo de
um currículo flexível, para adequá-lo ao mundo do trabalho,
em permanente mudança e instabilidade, como se deduz do ex-
certo abaixo.
Dentre as principais críticas realizadas às
­DCNEM, [...] ressaltam-se três delas, identifica­
das como as mais recorrentes: a) a subordinação
da educação ao mercado, ressignificando con-
ceitos como flexibilidade, autonomia e descen-
tralização; b) a permanência da separação entre
formação geral e formação para o trabalho; c)
o poder de indução relativamente limitado das
diretrizes. (MOEHLECKE, 2012, p. 48).
Nesse passo, Ramos (2004, p. 39) adverte que, por trás da
filosofia dessa reforma, é necessário desvendar o que significa
aprender para a vida nos termos da referida reforma e a serviço
de quem ela está, pois “[...] preparar para a vida significa de-
senvolver competências genéricas e flexíveis, de modo que as
pessoas pudessem se adaptar facilmente às incertezas do mundo
contemporâneo”.
Dessa forma, dentre as principais finalidades do Ensino Mé-
dio estabelecidas pelas DCNEM em 1998, destacamos as seguintes:
I- Desenvolvimento da capacidade de aprender
e conti­nuar aprendendo, da autonomia inte-
lectual e do pensamento crítico, de modo a ser
capaz de prosseguir os estudos e de adaptar-se
com flexibilidade a novas con­dições de ocupa-
ção ou aperfeiçoamento; [...]; IV- Domínio dos
princípios e fundamentos científico-tecnológi-
cos que presidem a produção moderna de bens,

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
211

serviços e conhecimentos tanto em seus produ­


tos como em seus processos [...] e o desenvolvi-
mento da flexibilidade para novas condições de
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.
Temos, portanto, caracterizada a “[...] subordinação da
educação às demandas do mundo do trabalho” (MOEHLECKE,
2012, p. 48), o qual passa a requerer um perfil de trabalhador que
responda, de modo polivalente, às necessidades impostas pelo
mercado e que se responsabilize, de modo direto, por sua empre-
gabilidade, assumindo os desdobramentos desta.
Observamos que a concepção de Ensino Médio apresenta-
da pelas DCNEM, ideologicamente, faz referência a um currícu-
lo integrado que suplante a histórica dualidade existente entre a
formação direcionada à continuidade dos estudos e a formação
voltada para o trabalho, expressa da seguinte forma no texto das
DCNEM em seu artigo 12:
Art. 12 – Não haverá dissociação entre a forma­
ção geral e a preparação básica para o trabalho,
nem esta última se confundirá com a formação
profissional. § 1o A preparação básica para o
trabalho deverá estar presente tanto na base
nacional comum como na parte diversifica-
da. § 2o O Ensino Médio, atendida a forma-
ção ge­ral, incluindo a preparação básica para o
traba­lho, poderá preparar para o exercício de
profissões técnicas, por articulação com a edu-
cação profissional, mantida a independência
entre os ­cursos.
Como acentua o referido artigo, há o anúncio do fim dessa
separação, reforçando a ideia de um currículo comum que abra-
çaria tanto a formação básica como a preparação para o mundo
do trabalho, que está além da Educação Profissional.
Entretanto, essa suposta ruptura da dualidade do Ensino
Médio apresentada nas DCNEM/98 é bastante criticada, tanto

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


212

em virtude da noção de trabalho (RAMOS, 2004) presente nesse


documento como em virtude da contradição existente entre o
discurso propalado e as práticas políticas instituídas pelo Gover-
no Federal para esse nível de ensino.
Assim, na visão de Ramos (2004, p. 42), as referidas
­DCNEM não conseguem superar a histórica dicotomia presente
no Ensino Médio entre ensino propedêutico e profissionalizan-
te, visto que reduzem a percepção geral de trabalho, limitando-o
a uma função utilitária, na qual o trabalho é tomado como prin-
cípio educativo voltado para a perspectiva do capital, e não do
trabalhador.
Em face dessas contradições que foram agregadas à dis-
cussão sobre a identidade do Ensino Médio, surge uma nova
polarização, a partir das críticas às DCNEM/98 e durante o pri-
meiro mandato do governo Lula (2003-2006), quando se inicia o
debate em torno da “[...] defesa ou crítica a um currículo nacio-
nal comum para o Ensino Médio [...]”, no qual:
Neste novo debate que se instala, a crítica à
dualidade do Ensino Médio, construída pela
oposição entre formação geral e formação para
o trabalho e a defesa de um currículo nacio-
nal unitário, que teria no princípio do trabalho
sua base comum, deixa de ser algo consensual.
Ao invés de um currículo único, reforça-se a
importância de trajetórias diversificadas no
Ensino Médio, onde a formação técnica seria
apenas uma dentre outras possíveis trajetórias.
Desse modo, da crítica à dualidade no Ensino
Médio, passou-se à defesa da multiplicidade e
diversidade do currículo disponível aos jovens
nesse nível de ensino. (MOEHLECKE, 2012,
p. 51).
Após aprovação do parecer, em julho de 2010, acerca das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, fo-

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
213

ram aprovados o Parecer no 5/2011 e, a ­partir dele, a Resolução


no 2/2012, que definiu as novas DCNEM. Nessa nova resolu-
ção, o Ensino Médio é confirmado como um direito social sob a
responsabilidade do Estado, em sua oferta pública e gratuita, e
são reafirmadas as finalidades previstas pela LDB no 9.394/1996
para essa etapa final da Educação Básica. Nessa direção:
As novas DCNEM apontam como objetivo
central possibilitar a definição de uma grade
curricular mais atrativa e flexível, capaz de
atrair o aluno para o Ensino Médio e combater
a repetência e a evasão. Nessa direção, ­sugere-se
uma estrutura curricular que articule uma base
unitária com uma parte diversificada, que aten-
da à multiplicidade de interesses dos jovens.
­(MOEHLECKE, 2012, p. 53).
O Parecer no 5/2011, ao considerar as mudanças no cená-
rio político, econômico e educacional, reconhece que o contexto
se difere do que havia em 1998, quando foram instituídas inicial-
mente as DCNEM, e destaca o crescimento econômico e as no-
vas legislações, que promoveram mais investimento na educação
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação [Fundeb], criado
pela Emenda Constitucional no 53/2006, e a Emenda Constitu-
cional no 59/2009), favorecendo a expansão do Ensino Médio.
Expressa, inclusive, o reconhecimento de que o Ensino Médio
não tem cumprido integralmente todas as suas atribuições de-
terminadas pela LDB no 9.394/1996, pois há inadequação em sua
estrutura. Os conteúdos e as condições atuais estão distantes de
“[...] atender às necessidades dos estudantes, tanto nos aspectos
da formação para a cidadania como para o mundo do trabalho”
(BRASIL, 2011, p. 1).
Em face desse cenário, ao analisar as atuais DCNEM,
­Moehlecke (2012, p. 53) assevera que:

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


214

[...] apesar de vivenciarmos um contexto po-


lítico e social aparentemente distinto, os
grandes temas e preocupações presentes no
documento das DCNEM da década de 1990
permanecem os mesmos nas novas diretrizes:
a busca por uma identidade específica para
esse nível de ensino; a inadequação de sua es-
trutura às necessidades da sociedade; a propo-
sição de um currículo mais flexível; e a valo-
rização da autonomia das escolas na definição
do currículo [...]. O que as diretrizes parecem
trazer de novo tem menos a ver com o campo
normativo e mais com as políticas de governo,
ao trazerem a indicação de diversos programas
do governo federal na área da educação, apre-
sentados como exemplos para a adoção do mo-
delo curricular proposto.
Contudo, apesar de a vigente LDB caracterizar a identida-
de própria conferida ao Ensino Médio como etapa final da edu-
cação, Moehlecke (2012) destaca que sua expansão gerou novos
desafios, dado que trouxe para a escola pública uma demanda di-
versificada de estudantes, com interesses distintos, o que requer
novas práticas, a fim de atender ao novo contingente que busca
o Ensino Médio e de evitar as altas taxas de evasão e repetência.
Em decorrência disso:
A definição da identidade do Ensino Médio
como etapa conclusiva da Educação Básica
precisa ser iniciada mediante um projeto que,
conquanto seja unitário em seus princípios e
objetivos, desenvolva possibilidades formati-
vas com itinerários diversificados que contem-
plem as múltiplas necessidades socioculturais
e econômicas dos estudantes, reconhecendo-os
como sujeitos de direitos no momento em que
cursam esse ensino. (BRASIL, 2011, p. 29).

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
215

Nesse sentido, o novo desafio que se impõe ao Ensino


Médio não está mais vinculado à superação da dicotomia histo-
ricamente situada entre formação para o trabalho versus ensino
propedêutico, mas em afirmá-lo em sua “[...] multiplicidade de
significados e trajetórias possíveis de serem construídas ao lon-
go do Ensino Médio” (MOEHLECKE, 2012, p. 55), em que a
formação profissional se constitui em uma entre as diversas for-
mações admissíveis.
Desse modo, buscou-se a acomodação dessas tensões atra-
vés de um currículo mais flexível e diversificado, que intenciona
ser integrado e que se propõe a associar uma base unitária com
uma base diversificada, explicitada nas DCNEM por meio da
Resolução no 2/2012, a seguir.
Art. 7o A organização curricular do Ensino Mé-
dio tem uma base nacional comum e uma parte
diversificada que não devem constituir blocos
distintos, mas um todo integrado, de modo a
garantir tanto conhecimentos e saberes comuns
necessários a todos os estudantes, quanto uma
formação que considere a diversidade e as ca-
racterísticas locais e especificidades regionais.
(BRASIL, 2012b, p. 2).
Na construção de novas perspectivas para o Ensino ­Médio,
as atuais DCNEM trazem como mudança mais s­ ignificativa e de-
safiadora a proposta de atribuir à identidade do Ensino Médio “[...]
um caráter tanto unificado quanto diversificado” (­ MOEHLECKE,
2012, p. 56). No entanto, dada a complexidade teórica, política e so-
cial que envolve o tema, não há expectativa de caminhos simples
para a reformulação e melhoria do Ensino Médio.

Conclusão

É fato a existência da fragilidade na identidade do En-


sino Médio, o qual se apresenta nesse movimento de oscilação

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


216

encandeado entre situações diversas que nem sempre estão em


sintonia, quais sejam: aprovação no vestibular, continuidade nos
estudos, profissionalização e desenvolvimento da cidadania.
As escolas que ofertam o Ensino Médio enfrentam, por-
tanto, esse grande desafio, que transcende o espaço educacio-
nal, buscando visualizar alternativas de como conciliar os di-
versos objetivos, de modo simultâneo, decorrentes da tríplice
função de preparar para o prosseguimento de estudos, para o
mercado de trabalho e para o desenvolvimento pessoal, aten-
dendo às diferentes situações no tempo e espaço histórico, so-
cial e econômico.
Esse é um caminho complexo e de difícil construção, ape-
sar da tentativa das DCNEM/2012 atribuírem nova identidade
ao Ensino Médio, pois o padrão de Ensino Médio ainda forma-
lizado pelos sistemas de ensino consiste em um modelo dualista,
que oferece educação propedêutica de um lado e formação de
caráter técnico-profissional de outro. Assim, a histórica falta de
identidade desse nível de ensino é, consequentemente, refletida
em seus currículos, metodologias de ensino e de avaliação insti-
tuídos nas escolas.
Outro aspecto importante que dificulta o debate acerca dos
desafios do Ensino Médio e as possibilidades de implementação
dessas reformas é a inconsistência ou a inexistência das políticas
de formação continuada dos docentes que atuam no Ensino Mé-
dio. Essa questão acarreta o distanciamento das teorias contem-
porâneas que tratam da articulação do ensino e da avaliação, por
elas não estarem bem fundamentadas pelos professores.

Referências

BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Fede-


rativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
217

BRASIL. Decreto no 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta


o § 2o do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei no 9.394, de 20 de dezem-
bro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 abr. 1997.
BRASIL. Emenda Constitucional no 14, de 12 de setembro de
1996. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Fede-
ral e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Consti-
tucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13
set. 1996a.
BRASIL. Emenda Constitucional no 53, de 19 de dezembro de
2006. Dá nova redação aos arts. 7o, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da
Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20
dez. 2006.
BRASIL. Emenda Constitucional no 59, de 2009. Acrescenta §
3o ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percen-
tual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os
recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino
de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação
aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatorieda-
de do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência
dos programas suplementares para todas as etapas da educação
básica, e dá nova redação ao § 4o do art. 211 e ao § 3o do art. 212
e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso
VI. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 nov. 2009a.
BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabele-
ce as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 21 dez. 1996b.
BRASIL. Lei no 12.061, de 27 de outubro de 2009. Altera o in-
ciso II do art. 4o e o inciso VI do art. 10 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, para assegurar o acesso de todos os interes-
sados ao ensino médio público. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 28 out. 2009b.

ENSINO MÉDIO: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PRÓPRIA


218

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Edu-


cação. Parecer CNE/CEB no 5, de 4 de maio de 2011. Sobre as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 24 jan. 2012a.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educa-
ção. Resolução CNE/CEB no 2, de 30 de janeiro de 2012. Define
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário
Oficial da União, Brasília, 31 jan. 2012b.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educa-
ção. Resolução CNE/CEB no 3/1998. Institui as Diretrizes Curri-
culares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 5 ago. 1998.
CURY, C. R. J. O ensino médio no Brasil: histórico e perspecti-
vas. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 27, p. 73-84, 1998.
DOMINGUES, J. L. et al. A reforma do Ensino Médio: a nova
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KUENZER, A. Z. Ensino Médio e Profissional: as políticas do Es-
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KUENZER, A. Z. O Ensino Médio agora é para a vida: entre o
pretendido, o dito e o feito. Educação & Sociedade, Campinas, v.
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MOEHLECKE, S. O Ensino Médio e as novas Diretrizes Curri-
culares Nacionais: entre recorrências e novas inquietações. Re-
vista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 17, n. 49, p. 39-58,
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RAMOS, M. N. O projeto unitário de Ensino Médio sob os prin-
cípios do trabalho, da ciência e da cultura. In: FRIGOTTO, G.;
CIAVATTA, M. (Org.). Ensino Médio: ciências, cultura e traba-
lho. Brasília, DF: MEC, 2004. p. 37-52.

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • RAIMUNDO HÉLIO LEITE •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
219

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO


TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS

IASMIN DA COSTA MARINHO


Mestra em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Pedagogia pela Univer-
sidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas de
Educação (Gepppe), liderado pelo Professor Doutor Romualdo Luiz Portela de Oliveira, e do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Política e Gestão da Educação (Gppega), liderado pela professora douto-
ra Sofia Lerche Vieira. Professora concursada na Prefeitura Municipal de Fortaleza.
E-mail: <iasmin.marinho@usp.br>.
220

Introdução

O trabalho é recorte de dissertação de mestrado em Edu-


cação1 desenvolvido na Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo (USP). O objetivo desta pesquisa é analisar a contri-
buição de Anísio Teixeira para o campo da Administração Esco-
lar no Brasil, acentuando suas proposições de escola e educação.
Anísio Spínola Teixeira foi um dos signatários do Mani-
festo dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Ocupou muitos
cargos públicos de importância no cenário educacional. Suas
ideias de uma educação nova não incomodaram somente o Es-
tado, mas também a Igreja e a própria academia, que, em par-
te, ainda cultivava um ideário tradicionalista. No entanto, sua
persistência e experiência perpassaram esse período, consagran-
do-se como um dos grandes nomes da luta pela escola pública
democrática brasileira.
Destacamos o pioneirismo desse autor, pois circunscreve
um período escasso em delimitação do tema, sendo um dos pri-
meiros a descortinar possíveis diretrizes ao campo da adminis-
tração escolar, visto que no âmbito educacional nenhuma teoria
administrativa da escola fora delimitada até então, como obser-
vamos na fala de Anísio Teixeira (1961, p. 85):
Parece que não há administração no Brasil no
sentido real de algo que se possa aprender e,
1 O trabalho de mestrado tem como título: A administração escolar no Brasil
(1935-1968): um campo em construção, orientado pelo Prof. Dr. Romualdo Luiz
Portela de Oliveira, na linha Estado Sociedade e Educação da Faculdade de
Educação da USP. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponi-
veis/48/48134/tde-11112014-101357/en.php>.

IASMIN DA COSTA MARINHO


221

muito menos, em educação, onde, ao que pa-


rece, nunca houve busca de administradores
para as escolas. Qualquer pessoa pode dirigir
as escolas. Qualquer pessoa pode administrar o
ensino. É evidente que o país acha que para isso
não é preciso preparo.
A fala de Anísio Teixeira retrata a ausência de adminis-
tração escolar no Brasil. O texto foi escrito em 1961, mesmo ano
de produção da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), cujo projeto teve participação ativa de Anísio
Teixeira na elaboração e discussão sobre o texto. Nesse trecho da
obra de Anísio Teixeira, também podemos inferir o problema
da fundamentação do campo de Administração Escolar; embora
se observe uma vasta produção à época, sua implementação não
ocorria como se esperava.
Na análise do período, cabe destacar a ausência de uma
teoria própria da educação para a administração de escolas, visto
que os problemas mais urgentes, como a formação de uma escola
pública adequada ao pensamento democrático do período, eram
mais importantes. Um movimento renovador se instaurava.
Fernando de Azevedo (1971) ressalta o alvorecer desse mo-
vimento, que teve grande repercussão nacional. Nada mais era do
que um “[...] sintoma do novo estado de coisas que se estabelecera,
sob a pressão de causas econômicas, sociais e políticas, e dessa fer-
mentação de idéias que, depois da guerra de 1914, se alastrava por
todos os domínios culturais” (AZEVEDO, 1971, p. 666-667).
Esse novo estado de coisas se traduz pelo surto de industria-
lismo (AZEVEDO, 1971, p. 667) que desembocava no Brasil
através da imigração de ideias americanas de administração dos
serviços públicos, que circunscreveram não só um estado de coi-
sas, mas um Estado de fato, enraizando organizações distintas de
comércio, trabalho e subsistência, que mais tarde seria chamado
de Revolução Industrial (RI).

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


222

Como ressalta Anísio Teixeira (1956a, p. 3):


Não é nenhuma novidade afirmar-se que uma
das tendências de nossa época, com o progresso
das comunicações e das técnicas, é o crescimen-
to das organizações humanas, não só no sentido
da área territorial sob seu alcance, como no da
densidade de sua força unificante e uniformi-
zante. Toda a indústria moderna é uma ilustra-
ção, quase diria assustadora, dessa tendência.
As críticas ao gigantismo americano se fazem
sempre à luz desses aspectos estandardizantes
da técnica, excessivamente mecânica, dos tem-
pos atuais.
Houve uma transferência de ideias crescente da RI que
dominaram as formas de pensar e atuar nas esferas administra-
tivas de todo o mundo, o que não seria diferente no Brasil. O
modelo administrativo vigente no país nesse período consistia
na réplica das teorias e modelos debatidos no exterior. Essa prá-
tica administrativa tinha como característica a tradição jurídica
advinda do direito administrativo romano (SANDER, 2007).
Nesse ensejo, não somente as ideias de organização racional do
trabalho, mas também as ideias de uma nova educação fizeram
parte do cenário.
Da análise das obras de Anísio Teixeira, quais sejam:
Administração pública: administração e desenvolvimento (1935);
Administração pública brasileira e a educação (1956); Que é Admi-
nistração Escolar? (1961); e Natureza e função da Administração
Escolar (1968), três categorias emergem: sua proposta de escola
para o período; a definição do pioneiro para Administração Es-
colar e o modelo administrativo proposto para as escolas dentre
suas influências.

IASMIN DA COSTA MARINHO


223

Uma proposta de educação e escola

Anísio Teixeira, como signatário do Manifesto dos Pio-


neiros da Escola Nova (1932), defende as proposições de Esco-
la Nova. A obra Introducção ao estudo da Escola Nova, publicada
em 1930 e escrita por Lourenço Filho (1930, p. 77), define: “Por
escola nova se deve entender, hoje, um conjunto de princípios
tendentes a revêr, de um lado, os fundamentos da finalidade da
educação, e de outro, as bases de applicação sciencia á technica
educativa”2.
Raízes desse conceito estão presentes ainda com mais cla-
reza nos estudos de John Dewey, que formaram as bases do mo-
vimento, o que tem continuidade de 1930 a 1950, ­adaptando-se a
outros modelos pedagógicos (SOUZA; MARTINELI, 2009) que
reforçam o entendimento de uma escola viva e de uma autoe-
ducação, como se pode observar neste trecho do Manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova (AZEVEDO et al., 1932, p. 61):
Uma instituição social, um órgão feliz e vivo,
no conjunto das instituições necessárias à vida,
o lugar onde vivem a creança, a adolescência
e a mocidade, de conformidade com os inte-
resses e as alegrias profundas de sua natureza
[...]. Cada escola, seja qual for o seu gráo, dos
jardins às universidades, deve, pois, reunir em
torno de si as famílias dos alumnos, estimulan-
do as iniciativas dos Paes em favor da educa-
ção; constituindo sociedades de ex-alumnos
que mantenham relação constante com as es-
colas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e
múltiplos elementos materiais e espirituaes da
collectividade e despertando e desenvolvendo
o poder da iniciativa e o espírito de cooperação
social entre os paes, os professores, a imprensa

2 Observamos que manteremos a grafia original das obras apresentadas.

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


224

e todas as demais instituições directamente in-


teressadas na obra da educação.

As mentes condutoras e de maior interlocução desses


ensinamentos foram Anísio Teixeira e Lourenço Filho, que,
na defesa da Escova Nova, traduziam-nos para o Brasil. Anísio
Teixeira foi aluno de Dewey na Universidade de Columbia em
Nova Iorque (1927-1928), traduzindo as principais obras do te-
órico para o português; nesse processo, apropriou-se de muitos
conceitos debatidos pelo autor.
Para Anísio Teixeira, a escola devia ser a máquina para a
democracia, com destaque para suas funções de justiça social e
correção de desigualdades. Lourenço Filho (1930, p. 189), como
já destacado no início do texto, escreveu a primeira obra sobre
a Escola Nova, um conceito que tem suas raízes nas teorias de
Dewey, como o próprio relata:
[...] chamado hoje, por muitos, — o pae da edu-
cação renovada. De facto, a influência de suas
idéas é hoje universal. Partidario da educação
como socialisação da creança, Dewey assim
a define: a educação é a somma total dos pro-
cessos por meio dos quaes a sociedade inculca,
nas novas gerações, seus poderes, capacidades
e ideaes, com o fim de assegurar a sua propria
existencia e evolução. Toda educação é, assim,
social, mas no estado actual de nossa civilisação
não deve ser sujeição social.

Esse ideário repercutiu de forma significativa, sendo do-


cumentado por meio do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova (1932), relato fiel do pensamento e das diretrizes que um
grupo de educadores e intelectuais da época, como Anísio e
Lourenço, refletiram sobre um novo modelo de educação, o que
abordaremos a seguir.

IASMIN DA COSTA MARINHO


225

O importante desta discussão é saber que a escola, para


Dewey e seus seguidores, era compreendida como a represen-
tação da sociedade, uma sociedade em miniatura (DEWEY, 1959),
manifestada por meio de um conjunto de hábitos, quais sejam:
os da vida conjunta e do desenvolvimento das ações humanas
(SOUZA; MARTINELI, 2009). Decorre dessa visão o pensar a
escola, e nela a educação, como uma função social para a cons-
trução da c­ idadania.
É importante delimitar a compreensão de Dewey acerca
do que é educação, para compreendermos como essa transposi-
ção de ideias ocorre. De acordo com Dewey (1959, p. 10-11):
A educação é para a vida social aquilo que a nu-
trição e a reprodução dão para a vida fisiológi-
ca. [...] A educação é uma atividade formadora
ou modeladora – isto é, modela os seres na for-
ma desejada de atividade social).

A proposta da Escola Nova envolve a perspectiva da auto-


educação, da liberdade interior do educando, divergente da pro-
posta da pedagogia anterior, uma pedagogia tradicional. Advém
dessa perspectiva uma pedagogia libertária, ideal aos princípios
de democracia que estavam se desenvolvendo no país. Uma edu-
cação cuja função é “biológica” e tem por objeto “[...] organizar
e desenvolver os meios de ação durável, com o fim de dirigir o
desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma
das etapas de seu crescimento, de acordo com uma certa concep-
ção do mundo” (AZEVEDO et al., 2010, p. 40).
O nascer dessa nova perspectiva educacional está aliado
às mudanças da estrutura de trabalho e economia vigentes, que
passavam pela industrialização não só das técnicas de trabalho e
organização de empresas, mas de toda a esfera social. Esse movi-
mento de mudança exigia um homem novo e, para um homem
novo, uma formação nova.

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


226

Mais claramente, percebemos essas raízes da industriali-


zação e da educação nova para a concepção de um homem novo
no texto produzido por Anísio Teixeira no ano de 1930, intitula-
do “Por que Escola Nova?”:
A industria está tornando possível a completa
exploração dos recursos materiaes do planeta e
mais do que isto está articulando e integrando
a terra inteira. Graças à machina, não somen-
te, o homem multiplicou o rendimento de seu
trabalho – na America, o trabalho actual de um
homem equivale ao de 40 homens physicamen-
te validos, como, pela facilidade do transporte
e da communicação, criou uma nova interde-
pendencia entre todos os pontos do globo. Não
somente somos immensamente mais ricos. Te-
mos além disto um sentimento novo da nossa
profunda dependencia dos demais centros de
producção ou de cultura. [...] A ‘grande socie-
dade’ está a se constituir e o homem deve ser
preparado para ser um membro responsavel e
intelligente desse novo organismo. (TEIXEI-
RA, 1930, p. 5).
Um homem novo seria capaz de intervir nos problemas
decorrentes dessa mudança, qual seja: a redução de suas fun-
ções trabalhistas a meras tarefas de reprodução, bem como a sua
desvalorização pelo uso da máquina, o que provocava uma vasta
gama de desemprego na época. A grande sociedade cresceu e,
dentro dela, desenvolveu-se uma perspectiva de vida nova, uma
vida social democrática, contraposta à sua realidade trabalhista.
Anísio Teixeira discorre sobre o tema da democracia res-
saltando sua importância pelo desenvolvimento do respeito en-
tre os homens e do reconhecimento de cada indivíduo como uma
pessoa capaz de inferir na política e sociedade. Portanto, o que
podemos perceber é que o autor aborda a educação como um

IASMIN DA COSTA MARINHO


227

pressuposto a romper com esse paradoxo, entre a concepção de


trabalho vigente e o rompante social da democracia.
[...] democracia é acima de tudo um modo de
vida, uma expressão ethica da vida, e tudo leva
a crêr que o homem nunca se encontrará satis-
feito com nenhuma forma de vida social que
negue essencialmente a democracia. [...] Perso-
nalidade e cooperação são os dois polos dessa
nova formação humana que a democracia exi-
ge. (TEIXEIRA, 1930, p. 6).
Portanto, a vivência da democracia inicia com a formação
do homem novo, que, por sua vez, deve ser realizada dentro des-
sa nova escola, uma escola que fuja aos pressupostos da escola
tradicional de caráter suplementar e preparatório. De acordo com
Anísio Teixeira (1930, p. 6):
Nós podemos perceber a nova finalidade da
escola, quando reflectirmos que ella deve
hoje preparar cada homem para ser um in-
dividuo que pense e que se dirija, por si, em
uma ordem social, intellectual e industrial
eminentemente complexa e mutavel. Antes a
escola supplementava com algumas informa-
ções dogmaticas uma educação que o lar e a
communidade ministravam ao individuo, em
uma ordem, por assim dizer, estatica de cou-
sas. Toda educação consistia em ensinar a se-
guir e a obedecer. Hoje, sem nenhum exagge-
ro, si quizermos que a nova ordem de cousas
funccione com harmonia e integração, preci-
samos que cada homem tenha as qualidades de
um leader. Pelo menos a si elle tem que guiar,
e o tem que fazer com mais intelligencia, mais
agilidade, mais hospitalidade para o novo e
imprevisto, do que os velhos l­eaders autorita-
rios de outros tempos.

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


228

Mas do que se trata a Escola Nova? De acordo com Anísio


Teixeira (1930, p. 8):
A nova escola precisa dar à criança não somen-
te um mundo de informações singularmente
maior do que o da velha escola – só absoluta ne-
cessidade de ensinar sciencia era bastante para
transformal-a como ainda lhe cabe o dever de
apparelhar a criança para ter uma attitude criti-
ca de intelligencia: para saber julgar e pezar as
cousas, com hospitalidade mas sem credulidade
excessiva; para saber discernir na formidavel
complexidade da integração industrial moder-
na as tendencias dominadoras, discernimento
que lhe habituará a não perder sua individuali-
dade e ater consciencia do que vae passando so-
bre ella pelo mundo afóra: e ainda, para sentir,
com lúcida objectividade, a interdependencia
geral do planeta e a necessidade de conciliar o
nacionalismo com a concepção mais vigorosa da
unidade econômica e social de todo o mundo.
A escola era vista como uma oportunidade para a prática
da democracia. Nela deveria ocorrer o incentivo à participação e
interação de mestres e alunos. Ao aluno deveria ser dado o sen-
tido de independência e direção, a oportunidade de “[...] viver
com os outros com a máxima tolerância, sem perder a sua perso-
nalidade” (TEIXEIRA, 1930, p. 8). Não cabia a escola oferecer
soluções aos problemas da juventude, apesar de sua responsabi-
lidade social para com eles.
O fim da Escola Nova é “[...] ajudar os jovens, em um meio
social liberal, a resolver os seus problemas moraes e humanos”
(TEIXEIRA, 1930, p. 9), formando homens livres, educando, em
vez de instruindo, preparando o jovem para um futuro incerto,
que cabe a ele decifrar, ensinar a viver com mais inteligência e
tolerância, com nobreza e felicidade.

IASMIN DA COSTA MARINHO


229

A escola era vista por Anísio Teixeira (1930, p. 9) como “[...]


uma uma réplica da sociedade a que ella serve, o que se assemelha
à concepção de escola de John Dewey. O que diferencia essa escola
da tradicional está além de sua definição e proposta, mas também
na diferença que ela absorve do que é aprender e ensinar”.
Aprender, nos princípios da Escola Nova, é o contrário
de memorizar, compreender e usar palavras próprias para des-
crever o compreendido. Aprender é ganhar um novo modo de agir,
isso decorre da adição de habilidades, é dessa forma que Anísio
Teixeira relata ser o aprendizado. Quando desenvolvemos uma
habilidade, aprendemos um novo modo de agir e pensar.
Essa escola teria como material de trabalho principal a
vida dos seus alunos. O ensino é uma ação de guiar o aluno, por-
tanto o que se apresenta e se acredita ser uma Escola Nova é um
conjunto de técnicas e trocas que simbolizam a harmonia entre
a situação escolar e a vida do aluno, de forma progressiva, sem a
necessidade de ser repetida, pois o ato de ensinar é ato que não
tem como ser repetido, é único em sua forma de assimilação e
aprendizado.
Nenhum material ou parâmetro estabelecido e estrutura-
do fazem parte desse conceito de educação e escola. A escola dei-
xaria de ser a escola de ouvir (escola tradicional) para ser a escola
de agir ou escola de trabalhar (escola nova).
Os mestres teriam liberdade para trabalhar, sem a atribui-
ção de hierarquias escolares, sem o uso de pressões por parte de
seus administradores. A arte de educar, segundo Anísio Teixeira,
é muito alta para subordinar-se a métodos como tarefas ­mecânicas.
O administrador deveria “confiar no mestre” e dar ao pro-
fessor e ao aluno “[...] a oportunidade para pensar e julgar por
si” (TEIXEIRA, 1930, p. 13), pois se acreditava que cada um sa-
beria resolver seus problemas da melhor forma possível. Não se
poderia valer-se do uso de fórmulas para exercer a ordem dentro
do espaço escolar. Para ordenar, era preciso ater-se à autoridade

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


230

interna, ou seja, à participação e autonomia de todos os que com-


põem essa escola.
Anísio Teixeira e Lourenço Filho debruçaram-se a des-
crever os princípios e diretrizes dessa nova educação e, dentro
dela, de uma nova escola, por acreditarem que o período em que
viviam exigia essa mudança, tendo a escola como reflexo social.
Destaca-se a importância de se ater a esses conceitos e
como eles foram desenhados, para então compreender as formas
tecidas pelo pioneiro da Administração Escolar na organização
do trabalho dessa escola.
Essas ideias não germinaram de forma fácil nas ­escolas,
mesmo após a publicação desses trabalhos que trouxemos aqui.
Isso se daria após longas disputas entre escolanovistas e católicos
pela formulação de uma nova política educacional, o que foi tra-
duzido pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932
(MARINHO, 2011).
A princípio, temos que a proposta irá se adequar ao perí-
odo, que, como já anunciamos, caracterizava-se pela industria-
lização. Com isso, abordam-se diferentes definições dessa edu-
cação, quais sejam: Educação como reforma social: a educação é o
instrumento da reforma, é por ela que começam as mudanças e
o cultivo da reforma; Educação como concepção e filosofia de vida:
uma educação que tem como instrumento primeiro a vida e o
cotidiano do aluno; Educação para o homem novo: uma educação
que se assemelha às mudanças sociais, a qual, por isso, deve for-
mar o homem para essas mudanças; Educação para a democracia:
uma educação que permita desenvolver o senso crítico do indi-
víduo e o coloque como ente participativo e atuante política e
socialmente sob o Estado, exercendo seus poderes de voto, voz e
escolha; Educação integral: uma educação que não visa somente
ao ensino das disciplinas, mas também à formação de um ci-
dadão ciente de seu papel na sociedade e livre para escolher o
futuro que desejar.

IASMIN DA COSTA MARINHO


231

Duas premissas, no entanto, devem estar resguardadas: a


Escola Nova não forma para a produção de mão de obra; e o tra-
balho também se constitui como ação educativa. Essas premissas
estão discutidas ao longo de inúmeros textos de Anísio Teixeira
e no Manifesto, nos quais se substancia o pensamento de que a
escola, por mais que se assemelhe às mudanças sociais, não se
configura como máquina de produzir mão de obra, seu dever é o
de formar o homem livre e novo para a democracia.
[...] a doutrina de educação, que se apóia no
respeito da personalidade humana, considera-
da não mais como meio, mas como fim em si
mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com
a escola do trabalho, fazer do homem uma má-
quina, um instrumento exclusivamente apro-
priado a ganhar salário e a produzir um resul-
tado material num tempo dado. (AZEVEDO et
al., 2010, p. 42).

O trabalho é compreendido como sua função educativa


por representar a aquisição ativa da cultura, portanto a proposta
de escola socializada inicia-se por meio desse conceito, que in-
troduziu aos homens “[...] o espírito de disciplina, solidariedade
e cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa lar-
gamente o quadro estreito dos interesses de classe” (AZEVEDO
et al., 2010, p. 41).
O trabalho empresta a concepção de educação e Escola
Nova, que tem como cerne a questão de um trabalho como con-
junto de valores mutáveis e permanentes de uma vida, que “[...]
foi sempre a maior escola e formação da personalidade moral,
não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção so-
cial, é o único método susceptível de fazer homens cultivados e
úteis sob todos os aspectos” (AZEVEDO et al., 2010, p. 42).
Dentre os conceitos já debatidos e os objetivos dessa obra
que é o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e nela a

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


232

concepção de seus signatários sobre o movimento, sintetiza-se


a organização de um Sistema Nacional de Educação, cujas dire-
trizes sobre o ensino, sobre o papel do docente e dos órgãos ad-
ministrativos, dentre outros aspectos, encontram-se discorridos
e apoiados em vastas referências no documento.
Um desses aspectos nos chama mais a atenção, por tentar,
já naquele período, estabelecer diretrizes à organização do traba-
lho na escola, visto a urgência de se ter essa organização que não
estava presente em muitas das instituições, a qual, quando exis-
tente, retratava experiências de doutrinas religiosas (diretores
sendo padres ou freiras) e de regimes autoritários, com moldes
de defesa da ordem e controle social. O Manifesto propõe dez
pilares de renovação educacional, dentre eles, para a organização
da Administração Escolar, temos:
IX. Reorganização da administração escolar e
dos serviços técnicos de ensino, em todos os
departamentos, de tal maneira que todos esses
serviços possam ser: a) executados com rapi-
dez e eficiência, tendo em vista o máximo de
resultado com o mínimo de despesa; b) estu-
dados, analisados e medidos cientificamente,
e, portanto, e rigorosamente controlados no
seu resultado; c) e constantemente estimula-
dos e revistos, renovados e aperfeiçoa­dos por
um corpo técnico de analistas e inves­tigadores
pedagógicos e sociais, por meio de pesquisas,
inquéritos, estatísticas e experiências. X. Re-
construção do sistema educacional em bases
que possam contribuir para a interpene­tração
das classes sociais e formação de uma sociedade
humana mais justa e que tenha por objetivo a
organização da escola unificada, desde o Jardim
da Infância à Universidade, em vista da seleção
dos melhores, e, portanto, o máximo de desen-
volvimento dos normais (escola comum), como

IASMIN DA COSTA MARINHO


233

o tratamento especial de anormais, subnormais


(classes diferenciais e escolas especiais). (AZE-
VEDO et al., 2010, p. 125, grifos nossos).
Percebe-se a inserção dos termos rapidez, eficiência e re-
sultado, bem como a medição científica ou método científico,
nas propostas de renovação da Administração Escolar. Essas
apropriações decorrem do uso e influência de perspectivas ad-
ministrativas advindas da Teoria Geral de Administração, mais
especificamente em Taylor e Fayol.
Em contrapartida, percebe-se que, na sugestão de uma re-
construção de sistema educacional, temos que a escola é unifica-
da e busca a formação de uma sociedade mais justa, respeitando
as diferenças e diversidades do público que nela se integra.
O que podemos concluir é que se pensou um modelo de
educação correspondente ao momento social em que vivíamos;
junto dessa perspectiva, tínhamos outra expectativa, que era a
construção de uma sociedade que, antes industrial, seria demo-
crática, dessa forma a educação teria uma tarefa ampla de dina-
mização do pensamento democrático.

Uma definição de Administração Escolar e suas


influências

Nas obras de Anísio Teixeira, temos que o pensamento so-


bre a escola traduz-se como um espaço específico e importante
para o desenvolvimento social e econômico do país, mas, antes de
tudo, o desenvolvimento e aprimoramento das vivências demo-
cráticas. Nesse aspecto, desenvolveu muitos estudos sobre a orga-
nização do ensino, formação de professores, administração das es-
colas, níveis de ensino, dentre outros. Em sua maioria, os estudos
revelam um pensamento crítico e rico em influências norte-ame-
ricanas que absorvera durante suas idas aos Estados Unidos para
cursos e conhecimento das técnicas desenvolvidas naquele país.

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


234

Jamais, pois, a administração escolar poderá


ser equiparada ao administrador de empresa, à
figura hoje famosa do manager (gerente) ou do
organization-man, que a industrialização produ-
ziu na sua tarefa de maquino-fatura de produ-
tos materiais. Embora alguma coisa possa ser
apreendida pelo administrador escolar de toda
a complexa ciência da administração de empre-
sa de bens materiais de consumo, o espírito de
uma e outra administração são de certo modo
até opostos. Em educação, o alvo supremo é o
educando, a que tudo mais está subordinado;
na empresa, o alvo supremo é o produto ma-
terial, a que tudo mais está subordinado. Nes-
ta, a humanização do trabalho é a correção do
processo de trabalho, na educação o processo é
absolutamente humano e a correção um certo
esforço relativo pela aceitação de condições or-
ganizatórias e coletivas inevitáveis. São, assim,
as duas administrações polarmente opostas.
(TEIXEIRA, 1968b, p. 15).
Dessa citação, apreende-se o pensamento da especifici-
dade da escola e de sua administração. Dos artigos analisados,
podemos identificar a compreensão do que é administração de
escolas para Anísio Teixeira (1997, p. 166, grifo nosso): “A ad-
ministração deve conseguir uma organização de eficiência uni-
forme da escola, para todos os alunos – organização e eficiência em
massa”.
Portanto, entende-se que a Administração Escolar é uma
organização de eficiência uniforme, ou seja, que atende a todos
sem discriminação. Para Anísio Teixeira, a escola e nela a educa-
ção são atos de grande magnitude que não podem ser adminis-
trados como “máquinas”, no entanto admite que haja influên-
cias de uma teoria da administração de empresas, mas que essas
servem desde que adaptadas ao contexto das escolas.

IASMIN DA COSTA MARINHO


235

Sobre a função do administrador escolar, Anísio Teixeira


(1961, p. 84): aborda que “[...] a função de administrador é fun-
ção que depende muito da pessoa que a exerce; o administrador
depende de que ele é, do que tenha aprendido e de uma longa
experiência. Tudo isto é que faz o administrador”.
Anísio Teixeira (1956a, p. 4) critica a estrutura da escola
na década de 1950, apontando os efeitos da racionalidade ad-
ministrativa, da estrutura burocrática e da influência da Teoria
Geral da Administração: “[...] não há possibilidade de vida na
escola, pois vida é integração e autonomia e na escola de hoje, os
processos de ‘racionalização da administração destruíram tôda
integração, transformando-a em uma justaposição de aspectos
impostos e mecânicos” .
Nos estudos de Anísio Teixeira, encontramos relatos que
caracterizam a Administração Escolar no Brasil. Parece-nos que
esta não existia, ou de fato era precária e não se adequava aos
níveis de ensino, pois as atividades administrativas conferidas à
escola eram exercidas pelo professor.
Se êste professor é homem de ciência, de alta
competência, e a sua escola é pequena, pode re-
alizar a função de ensinar e a de administrar.
Organiza a sua classe, administra a sua classe,
faz os trabalhos necessários para que o ensino
se faça bem. Além disto, ensina aos alunos, e,
mais, guia e dirige os estudos dos alunos. Estão
reunidas nas atividades dêsse professor as três
grandes funções que vão passar para a Adminis-
tração. A função de administrar pròpriamente
a classe; a função de planejar os trabalhos e a
função de orientar o ensino. Se o professor fôr
sumamente competente, a Administração fica
sumamente insignificante. Daí, à medida que
passamos do ensino primário para o secundá-
rio, e dêste para o superior, reduzir-se, teòrica-
mente, a função da Administração, tanto mais

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


236

importante quanto mais tenha a escola profes-


sôres de nível, digamos, mais modesto. No en-
sino superior a Administração é quase mínima,
no secundário, é média, e no primário, é máxi-
ma. (TEIXEIRA, 1961, p. 86).
Anísio Teixeira ressalta o exagero de funções as quais o
professor exercia na escola, pela ausência da figura administra-
tiva. O educador aponta a importância da administração nos di-
versos níveis de ensino e coloca como “máxima” a necessidade
da administração dos serviços escolares no ensino primário, pois
lutava-se por uma educação para todos, o que somente a figura
do professor não daria conta de administrar.
Outro problema que impedia a ampliação da educação
como um direito de todos era a inexistência de pessoal capacita-
do para exercer o magistério. Se não eram formados para minis-
trar aulas, tampouco eram formados para administrar a escola.
Porque, se podíamos antigamente ter o grande
professor primário que sozinho dirigia a sua
classe, hoje, tendo que dar educação à popu-
lação inteira, sou forçado a buscar um magis-
tério em camadas intelectuais mais modestas.
Quanto mais imperfeito fôr o magistério, mais
preciso de melhorar as condições de Adminis-
tração. Quer dizer: entre os dois grandes ti-
pos de Administração – a fabril ou material e
a do tipo humano em que o Administrador é
apenas um auxiliar de pessoas supremamente
competentes – a Administração Escolar se si-
tua como caso intermediário, sendo a função
administrativa tanto mais importante, quanto
menos preparado fôr o professor. (TEIXEIRA,
1961, p. 85).
Nesse contexto, Anísio Teixeira delimitou a divisão de ta-
refas para que o ensino fosse administrado contemplando todas
as competências da escola.

IASMIN DA COSTA MARINHO


237

Quando no comêço dizia que o grande profes-


sor administra a sua classe, ensina e guia o alu-
no, estava a indicar as três grandes funções que
agora deverão ser selecionadas, para constituir
as grandes funções da administração da escola.
Aquêle professor que revele maior capacidade
administrativa deverá orientar-se naturalmente
para a especialização de administrador da escola.
Aquêle que tem grandes qualidades de magisté-
rio, isto é, as de sobretudo saber ensinar, trans-
mitir a matéria, deve especializar-se para ser o
supervisor, ou seja, o professor de professôres,
que, no staff da administração da escola, traba-
lha para que métodos e processos de ensino me-
lhorem cada vez mais. E aquêle outro professor,
que revele singular aptidão para guiar alunos,
para compreender alunos, para entender os pro-
blemas de alunos, vai transformar-se no futuro
orientador. (TEIXEIRA, 1961, p. 85).
Criava-se, assim, as especialidades da Administração Es-
colar, anteriormente citadas, retirando um peso de responsabili-
dades antes conferidas a um só professor.

Considerações finais

O pioneiro situa-se no quadro de defesa pela e­ specificidade


da escola, instituindo um modelo com foco na administração pe-
dagógica, porém orientado pelos estudos de Taylor e Fayol da
Teoria da Administração Geral (TGA). Participando da formu-
lação da primeira LDB (1961) e tendo produzido sobre a função
do diretor escolar, identifica as funções necessárias a serem exer-
cidas por esse ator, bem como a formação essencial para exercício
do cargo. Sua produção reflete preocupação em conceber dire-
trizes para a administração de escolas públicas, diante das mu-
danças sociais do período (1930-1960), com vistas às ­influências

EDUCAÇÃO, ESCOLA E ADMINISTRAÇÃO EM ANÍSIO TEIXEIRA: ALGUMAS NOTAS


238

da i­ndústria no processo de democratização social e, por conse-


guinte, escolar.
Devido ao exíguo número de fontes sobre os pioneiros da
Administração Escolar, acreditamos que este trabalho contribui-
rá para a discussão do campo da Política e Gestão Educacional,
produzindo reflexões importantes a diretores e demais compo-
nentes do grupo gestor das escolas públicas.

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IASMIN DA COSTA MARINHO


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IASMIN DA COSTA MARINHO


241

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA


DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO DO TELENSINO PELO
OLHAR DE UMA PROFESSORA1
1 Este
artigo é resultado de pesquisa de mestrado que resultou na dissertação intitulada A
educação pelas antenas da TV: a narrativa histórica da implantação do telensino no Ceará
(1973-1979).

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA


Mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e graduada em Pedagogia
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professora da Faculdade Latino-Americana de Educa-
ção (Flated) e do sistema municipal de ensino de Maracanaú, Ceará.
E-mail: <profa.robertaoliveira@gmail.com>.

RUI MARTINHO RODRIGUES


Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre em Sociologia
pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza
­(Unifor). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Faculdade de Edu-
cação da UFC (Faced/UFC).
E-mail: <rui.martinho@terra.com.br>.
242

Introdução

O presente artigo tem por objetivo analisar o contexto edu-


cacional cearense na década de 1970 e verificar de que maneira
uma professora enxergou a implantação do sistema telensino.
Nossa abordagem teórica está embasada em Oliveira (2014), que
reconta a história da implantação do Telensino no Ceará; em Viei-
ra (2002), que faz uma análise da história do Ceará, dentre outros.
As fontes utilizadas neste estudo foram primárias e secun-
dárias. Os recursos materiais utilizados para a construção desta
pesquisa se constituíram por livros, documentos, teses e outros.
Martinho Rodrigues (2011, p. 408) não faz distinção entre fonte
histórica e fonte em geral, para ele:
Fica evidente: tudo que possa veicular uma in-
formação de interesse é fonte. Fonte histórica
não difere de fonte em geral. A alusão, pelo
dicionarista, a pessoa que fornece informação
como sendo fonte enseja o uso deste vocábu-
lo para a origem das informações veiculadas
oralmente.
Neste artigo, são explorados também depoimentos de uma
professora que fez parte da equipe de implantação do Telensino.
Essas falas privilegiam a memória desse sujeito. Ao se procurar
fundamentar acerca da memória em Agostinho (2008), conclui-se
que é na memória que todos os nossos pensamentos ficam guar-
dados. Transcrevemos abaixo suas palavras sobre esse assunto.
[...] Aí está escondido também tudo aquilo que
pensamos, quer aumentando, quer diminuin-
do, quer variando de qualquer modo que seja as
coisas que os sentidos atingiram, e ainda tudo

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


243

aquilo que lhe tenha sido confiado, e nela depo-


sitado, e que o esquecimento ainda não absorveu
nem sepultou. (AGOSTINHO, 2008, p. 53-54).
Durante a década de 1970, o Ceará foi governado por três
coronéis: César Cals (1971-1975), Adauto Bezerra (1975-1978)
e Virgílio Távora (II Veterado1 – 1979-1982), escolhidos pela
Assembleia Legislativa estadual. Sobre a influência política dos
três coronéis anteriormente citados, Vieira (2002, p. 265-266) diz
que:
[...] Na verdade, independentemente de suas
patentes, tanto Virgílio quanto Adauto tinham
uma história política expressiva que antecede
ao tempo dos militares. Não se poderia dizer
o mesmo de César Cals, cuja trajetória técnica
anterior à função de governador do Estado fora
feita em Pernambuco.
O Anuário Estatístico do Brasil – 1974 afirma que o Cea-
rá possuía, segundo a situação do domicílio, 1.862.193 habitan-
tes. Desses, 809.543 viviam na zona urbana. Dos residentes da
zona urbana, 466.859 sabiam ler e escrever, 337.403 não sabiam
e 5.281 não declararam. Os moradores da zona rural totalizavam
1.052.650, desses 279.132 declararam saber ler e escrever, en-
quanto 763.492 alegaram não saber nem ler nem escrever (ANU-
ÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL, 1974).
Com relação ao Ensino Primário, em 1972, o Ceará pos-
suía 12.774 escolas públicas, o que correspondia a 93,39% dos
estabelecimentos cearenses, com 15.540 salas de aulas e 21.924
docentes; já as escolas particulares eram em número de 903

1 II Veterado corresponde ao segundo governo do Coronel Virgílio Távora. Ele


governou o Ceará em dois períodos. O primeiro foi de 1963 a 1966, na Coliga-
ção de três partidos: União Democrática Nacional (UDN), Partido Social De-
mocrático (PSD) e Partido Trabalhista Nacional (PTN). O segundo mandato
foi de 1979 a 1982 pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) (ABREU, 2001).

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
244

e­ stabelecimentos, que representavam 6,60% das instituições es-


colares; com 2.420 salas de aula e 21.595 professores. No mesmo
período, havia no Brasil 155.463 escolas públicas, com 273.524
salas de aula e 525.628 professores; e 9.588 escolas particulares,
com 33.653 salas de aula e 449.731 docentes (ANUÁRIO ESTA-
TÍSTICO DO BRASIL, 1974).
Em 1972, de um total geral de 573.238 discentes matri-
culados nas escolas cearenses, 369.529 foram matriculados na 1a
série; 82.362 na 2a série; 58.783 na 3a série; 43.518 na 4a série;
17.429 na 5a série; e apenas 1.617 na 6a série do primeiro grau.
Nota-se que ocorria um decréscimo na quantidade de alunos ma-
triculados conforme aumentava o nível de escolaridade (ANUÁ-
RIO ESTATÍSTICO DO BRASIL, 1974).
Nesse mesmo ano, o número de alunos cearenses repeten-
tes no início do ano era de 101.841, o que correspondia a 17,76%
dos discentes matriculados no ensino primário, distribuídos da
seguinte maneira: 82.639 na 1a série, ou seja, 81,14%; 8.285 na 2a
série, o equivalente a 0,80%; 5.974 na 3a série, o que correspondia
a 5,86%; 3.583 na 4a série, ou 3,51%; 1.279 na 5a série, relativo
a 1,25%; e 81 alunos repetentes na 6a série, o que correspondia
a 0,07% dos estudantes repetentes (ANUÁRIO ESTATÍSTICO
DO BRASIL, 1974).
O cenário educacional cearense na década de 1970 es-
pelhava o que acontecia no contexto nacional. No decurso dos
governos militares, as decisões tomadas pelos administradores
estaduais passaram a sofrer a influência das resoluções adotadas
pelo Governo Federal. Isso se devia à crescente interferência dos
ministérios nas resoluções concernentes aos estados e à adoção
de uma sistematização diferente da que era utilizada pelas ges-
tões locais. Acontecia a volta da centralização das deliberações,
que passavam a ser um símbolo preponderante da gestão da coisa
pública. E, como não poderia ser diferente, os planos estaduais
eram cópias dos federais (VIEIRA, 2002).

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


245

O governador César Cals, em mensagem enviada à Assem-


bleia Legislativa em 1973, afirmava que o governo vinha aumen-
tando os esforços para combater e diminuir o déficit educacional
no Ceará alusivo ao 1o e 2o graus. Para isso, fora utilizada uma
política aguerrida de construção, ampliação e reforma de escolas,
bem como a utilização, por meio de convênios, de instalações
desocupadas da rede particular de ensino.
César Cals garantia que “O setor educacional apresentou
resultados altamente positivos no período 1971/74, a despeito da
acentuada deficiência da estrutura escolar ainda existente em
nosso Estado” (CEARÁ, 1975, s.p.).
Foi no primeiro mandato de Virgílio Távora que iniciou
a era dos planejamentos governamentais. Ao ser eleito governa-
dor em 1971, César Cals resolveu dar continuidade aos plane-
jamentos implantados na gestão anterior. O Plano Estadual de
Educação (PEE) (1973-1976) e o Plano de Governo do Estado
do Ceará (Placeg) (1971-1974) são planejados concomitantemen-
te ao I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (I PND)
(1972-1974) e ao I Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto
(I ­PSECD) (1924-1974) (VIEIRA, 2002).
Sobre o Plano Estadual de Educação, Gomes (2012, p. 56-
57) afirma o seguinte:
Na década de 1970, a Secretaria Estadual de
Educação do Estado do Ceará, visando à elabora-
ção de seu primeiro Plano Estadual de Educação
– (P.E.E.), realizou um diagnóstico educacional
do Estado, onde foram constatados os seguintes
pontos de estrangulamento no sistema: 44% da
população na faixa de sete a catorze anos sem
atendimento escolar; estrangulamento no fluxo
de matrícula – somente 3% dos alunos matricu-
lados na 1ª série do 1o grau, oito anos depois;
a evasão e repetência escolar atingiam a taxa de
20% da matrícula da 1ª série; a heterogeneidade

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
246

etária em todas as séries do 1o grau; grande nú-


mero de professores leigos, sendo a rede muni-
cipal a detentora dos mais elevados percentuais.
A democratização do acesso ao ensino era um dos obje-
tivos constantes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDB) de 1971, mas, segundo Vieira (2002), o número de
vagas oferecidas não correspondia ao que havia sido anunciado.
Vieira (2002, p. 265) sustenta que:
[...] Embora a democratização do acesso se con-
figure como um dos objetivos explícitos da re-
forma do ensino de 1o e 2o graus, não ocorre um
aumento de vagas compatível com as expectati-
vas de expansão anunciadas. Persistem práticas
herdadas de administrações anteriores, como a
compra de vagas ociosas à rede particular. Por
outro lado, vale assinalar que neste governo
‘não há evidência de empreguismo na Secreta-
ria de Educação’ (p. 237), mantendo-se estável
o quadro de servidores.
No governo de Adauto Bezerra, elabora-se o I Plano Quin-
quenal de Desenvolvimento do Estado do Ceará (I Plandece)
(1975-1979). Esse planejamento adéqua-se ao II Plano Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (II PND) (1974-1979)
e ao II Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (II PSE-
CD) (1975-1979) do Governo Federal (VIEIRA, 2002).
Sobre o Plandece, Vieira (2002, p. 286) salienta que:
“Quando este governo começa, já existe um Plano Estadual de
Educação em andamento. Não se recorre, assim, a um novo pla-
no, dando-se continuidade a projetos já iniciados”.
Com o amparo do II PSECD, tornava-se maior o núme-
ro de entidades educacionais e financeiras por meio das quais o
Estado podia atrair ajuda externa. Esses trâmites necessitavam
de celeridade e flexibilidade, nem sempre encontrados no setor
público. Com mais dinheiro acessível, seria mais fácil para o Es-

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


247

tado efetuar as ações constantes do seu plano de governo, dentre


as quais destacamos o acesso à educação. Recorremos à Vieira
(2002, p. 286) para reforçar a a­ firmação:
[...] Num contexto de maior volume de recur-
sos, o Estado é capaz de ‘realizar muitas das
ações contidas no plano de Governo’ (VERAS,
op. cit., p. 240) e estimular o aumento das opor-
tunidades educacionais. Isto é feito mediante
o apoio a inovações tecnológicas como a TV
Educativa (TVE). Criada no governo ante-
rior (1974), em sintonia com prioridades do II
­PSECD, a instituição representa uma alternati-
va não convencional de suporte à expansão das
oportunidades educacionais.
Sobre os recursos recebidos pelo Ceará, mesmo estando
em um período de recessão, o governador Adauto Bezerra afir-
mou o seguinte: “Tendo que administrar, portanto, numa época
de recessão financeira e cortes orçamentários, é gratificante dizer
que nunca, em sua história recente, o Ceará foi tão beneficiado
por transferências federais” (CEARÁ, 1978, p. II). E completa:
Essa privilegiada posição alcançada pelo Cea-
rá, em relação aos demais Estados nordestinos,
deveu-se a um trabalho integrado, que consis-
tiu na elaboração rápida e oportuna de planos,
programas e projetos, todos de reconhecida
exequibilidade, completando-se esse trabalho
com o acompanhamento de sua aprovação jun-
to aos organismos federais e regionais. (CEA-
RÁ, 1978, p. II).
Durante o período de 1974-1978, o governo destinou ao en-
sino de 1o grau a maior parte de ações técnicas e financeiras, mas
sem se esquecer do ensino de 2o grau, do supletivo e do ensino pré-
-escolar. Essa prioridade dada ao 1o grau era devido à universaliza-
ção desse nível de ensino recomendada pela LDB no 5.692/1971.

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
248

[...] resultou na política de oportunidades edu-


cacionais à população de 7 a 14 anos, enfatizada
nas ações do Governo, crescendo a matrícula de
784.900 em 1975 para 989,764 em 1978, e atin-
gindo um índice de escolarização de 82,2% [...].
(CEARÁ, 1979, p. 50).
O ensino pré-escolar, no ano de 1974, teve 4.730 alunos
matriculados e, em 1978, essa quantidade subiu para 15.128. O
ensino de 2o grau, em 1975, teve 52.895 alunos matriculados. O
governo manteve e ampliou a oportunidade de qualificação no 2o
grau, criando habilitações básicas para esse nível de ensino nas
áreas de saúde, comércio, crédito e finanças (CEARÁ, 1979).
Virgílio Távora foi o último governador do Ceará da dé-
cada de 1970. Em seu segundo mandato não consecutivo, go-
vernou o Ceará de 1979 a 1983. A maior parte de sua adminis-
tração foi condizente com a vigência do III Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (III PND), de 1980-1984,
e corresponde também ao III Plano Setorial de Educação, Cultu-
ra e Desporto (III PSECD), que vigeu no período de 1980 a 1985
(VIEIRA, 2002).
Em seu governo, foram idealizados o II Plano de Metas
Governamentais (II Plameg) (1979-1983) e o II Plano Estadual
de Educação (II PEE) (1979-1983). Segundo Vieira (2002, p. 288),
“Neste segundo plano, diferentemente do I PLAMEG, a educa-
ção não figura como uma das prioridades governamentais [...]”.
As prioridades do PEE estão dirigidas à assistência à es-
cola nas zonas urbana e rural e também ao planejamento e admi-
nistração educacional. Já o III PSECD está voltado para a educa-
ção na zona rural e nas periferias urbanas; à expansão cultural e
ao engrandecimento dos recursos humanos. Sobre esses planos,
Vieira (2002, p. 288) afirma que: “[...] Se nos planos anteriores
o local incorpora o nacional, no caso do III PSECD, a tendência
reside no oposto – o nacional incorporando o local”.

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


249

Dois fatos são importantes destacar desse governo. O pri-


meiro é que, seguindo os mesmos passos que as administrações
anteriores, o governador Virgílio Távora continuou com a políti­ca
de contratar profissionais sem concurso. No período de sua admi-
nistração, a quantidade de professores chegou quase a dupli­car,
passando de 14.782 para 26.604 docentes contratados, isso repre-
senta um aumento de 79,97%. É válido ressaltar que não houve
concurso público para a contratação desses docentes. O segundo
acontecimento a ser evidenciado é a mudança constante de secre-
tários de educação durante essa administração (VIEIRA, 2002).

O que disse uma professora?

Nesse item, recontaremos a história do Telensino nos


guiando pelas lembranças, memórias e recordações de uma pro-
fessora que participou ativamente da implantação do sistema. O
sujeito em questão é a senhora Rita Facó, que foi professora e
autora de manual de apoio. A entrevista ocorreu no dia 13 de
agosto de 2013, na residência da entrevistada.
Para apoiar o uso das memórias, lembranças e recordações
neste artigo, embasamo-nos em Agostinho (2008, p. 61), quando
ele afirma que é por meio da recordação que os fatos são tirados
da memória, pois, para podermos recordar algo, é necessário que
esse fato esteja mergulhado, retido em nossas memórias:
[...] E, todavia, não falaríamos delas, se não en-
contrássemos na nossa memória, não apenas os
sons das palavras, segundo as imagens gravadas
pelos sentidos do corpo, mas também as noções
dessas mesmas coisas, que não recebemos por
nenhuma porta da carne, mas que o nosso es-
pírito, sentindo-as pela experiência das suas
paixões, confiou à memória, ou a própria me-
mória reteve, sem que estas coisas lhe tenham
sido confiadas.

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
250

A equipe que comporia o Telensino foi selecionada no


ano de 1973, tendo a coordenação do professor Gerardo Cam-
pos, considerado pela professora Rita Facó como o criador do
sistema, pois foi baseado nas ideias dele que o sistema foi criado.
Sobre a composição do grupo de trabalho que iria implantar o
Telensino, nossa entrevistada afiançou que:
Quer dizer, nós começamos a trabalhar em 73, mas
[...] o sistema começou a funcionar em 74; 73 foi a
montagem dos equipamentos, foi a criação da TV,
foi a composição dos professores; aqui eu fazia a
equipe, né, que ia compor a equipe que ia pensar o
sistema de Telensino. Agora nós tivemos, eles fize-
ram uma seleção, [...] e não foi concurso, não, foi
uma seleção de pessoas que poderiam trabalhar no
Telensino, né. Então foram selecionados mais ou
menos na faixa de uns quatro ou cinco professores
por área de ensino. Esses professores constituíram
um grupo sob a coordenação do professor Gerardo
Campos. Ele realmente foi o criador do Sistema do
Telensino. Em cima das ideias dele, [...] foi mon-
tando todo o sistema. A equipe foi constituída mais
ou menos em 73. Em 73, acho que em 73 nós come-
çamos a nos reunir, né. E em 74 nós já estávamos
lançando no ar as primeiras aulas do sistema, para
a 5ª série.
Para iniciar a implantação do Telensino, o governador
convidou sua irmã, Antonieta Cals, para ser superintendente
da Fundação de Teleducação do Estado do Ceará (Funtelc) e
para planejar essa implantação. Indagada se essa indicação fa-
cilitou ou atrapalhou esse processo de criação, Rita Facó decla-
rou que:
Ajudou muito. Eu acredito que sim, porque era uma
coisa que o governador queria muito fazer. Ele en-
tregou à irmã dele, né, o p­ lanejamento. Ela, por sua
vez, entregou a outras pessoas, como a esse Gerardo

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


251

Campos que eu citei, né. Então [...] acredito que


tenha ajudado mesmo. [...]. Facilitou todo o sistema
[...], todas as dificuldades que surgiam eram resol-
vidas, né, com mais facilidade do que se não fosse
parente do governador, né.
A criação e a implantação do Telensino ocorreu na década
de 1970, e o Brasil vivia o período do regime militar. Era sabido
que, de acordo com a filosofia do sistema, os alunos deveriam ser
críticos, questionadores, participativos e reflexivos, o que ia de
encontro ao regime vigente. Indagamos à professora Rita Facó
se houve alguma intromissão ou pressão do governo com relação
aos preceitos adotados pelo sistema.
Por exemplo, nós não tivemos muito, nenhuma in-
terferência do governo nesse sentido, [...] nunca,
nunca, nunca. Agora a gente tinha todo um cuida-
do, a gente usava uma metodologia, a metodologia
do questionamento e outros tipos de coisas que a
gente usava, mas que, com muito cuidado, assim,
fazendo, levando o menino a pensar, a refletir, certo.
Mas nós não sentimos, pelo menos eu nunca senti
muita pressão dele nesse ponto, não.
De acordo com Rita Facó, a equipe teve duas preocupa-
ções ao implantar o Telensino. A primeira foi fazer um diag-
nóstico da realidade que iria ser trabalhada e a outra era pes-
quisar os sistemas do Maranhão e do Rio Grande do Norte.
Ela afirmou:
Eu estava dizendo que aqui nós tivemos duas preo-
cupações, primeiro caracterizar através do levanta-
mento dos hábitos toda a realidade que nós tínhamos
no interior, sobretudo no interior e na periferia tam-
bém. A dificuldade também de chegar o professor
na periferia era difícil naquela época, né. E outra
coisa, nós tivemos que analisar criticamente as ex-
periências desenvolvidas pelo Maranhão e pelo Rio

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
252

Grande do Norte. Nós começamos nossos estudos


nos debruçando sobre essas duas experiências que já
tinham muito da filosofia de Paulo Freire, de serem
questionadoras, tudo isso. E os princípios, na época,
na do Gerardo, ele cita alguns princípios. Nós que-
ríamos um sistema participativo, em que fosse des-
tacada a participação, porque a televisão ela prega
a pessoa num canto. E como é que você consegue a
participação através de um sistema televisivo, que
é um objeto a serviço da educação? Então, o que é
que o Gerardo dizia sempre: ‘Um objeto a serviço
da educação de sujeitos’. Para ser uma educação de
sujeitos, ela precisava em primeiro lugar, ser par-
ticipativa. Não é só aquela coisa que passava no
ensino e não era discutido, não era analisado nem
nada, não. A primeira foi a participação e depois
foi a reflexão. Quer dizer: a gente exigia muito para
que houvesse muita reflexão, a reflexão que iria dar
na criticidade, na criatividade, na cooperação e na
autonomia. Então, feitos esses princípios, todo o
sistema foi montado em cima disso. Por exemplo,
nós tínhamos na composição do currículo a aula in-
tegrada, que foi uma grande novidade criada pelo
Gerardo Campos. O que era a aula integrada? Na-
quele dia nós tínhamos aulas, por exemplo, de Por-
tuguês, de Matemática e de Geografia, então aque-
les assuntos eram estudados e analisados juntos, e
então a gente fazia uma aula integrada abordando
na vida real aqueles conhecimentos.
Para Rita Facó, as aulas integradas ou “novelas” estimu-
lavam os alunos a fazerem conexão entre o que eles assistiam
e sua realidade, deixando no ar alguns questionamentos. Poste-
riormente, essas indagações seriam discutidas no módulo, que
era a aula propriamente dita.
Então, a gente criou essa aula integrada, e nessa
aula os meninos diziam intuitivamente onde era que

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


253

eles tinham visto algum conhecimento apresentado


ali. Intuitivamente, né? Aí eles diziam: ‘Ali nós vi-
mos isso, isso, isso [...]. Falou dos rios, da cidade
assim, assim, assim [...]’. Eles faziam aquele... aí
ficava aquele assunto levantado. Quando chegava o
módulo, o módulo era realmente a teleaula, aí o mó-
dulo da Geografia abordava o seu assunto, Mate-
mática abordava o seu assunto, Língua Portuguesa
abordava o seu assunto, mas tendo em vista a aula
integrada, o que tinha apresentado na aula integra-
da. A aula ia só confirmar didaticamente, teorica-
mente, aquilo que tinha sido identificado na aula
integrada, está entendendo?
Inicialmente foram criadas três equipes, que iriam plane-
jar a implantação do Telensino. Uma ia analisar como seria o
arcabouço pedagógico; a outra pesquisaria como se daria a orga-
nização educacional; e a última pensaria como se daria a forma-
ção e o aprimoramento docente. Sobre esse assunto, Rita Facó
relatou o seguinte:
O sistema foi interessante, porque, quando ele foi
montado, ele foi montado com três equipes. Uma
equipe que ia pensar o Sistema TVE, toda a estru-
turação didático-pedagógica. Outra que ia pensar a
organização das escolas, onde iria, que era a equi-
pe de supervisores; nós tínhamos uma supervisão
central, que estava em contato com a Secretaria de
Educação, e ela pensava o sistema de supervisão, de
indicação de escola, de série, de número, tudo isso
era com elas. E a outra equipe trabalhava o como
ia se dar o aperfeiçoamento do professor, a prepara-
ção do professor para assumir o sistema, o papel de
orientador de aprendizagem, né.
Segundo Rita Facó, apesar das dificuldades encontradas,
o surgimento do Telensino trouxe consigo um maior aperfeiço-
amento docente.

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
254

[...] a maior dificuldade que a gente tinha é que o


professor de 5a série, por exemplo, ele não era só o
especialista, ele tinha que dominar o conteúdo das
demais disciplinas em que ele ia orientar aquele en-
sino, tanto que aconteceu uma coisa interessante; foi
quando houve o maior aperfeiçoamento dos profes-
sores, foi quando eles passavam pelo Telensino. Por
exemplo, você tinha uma aula de Matemática, você
não entendia bem para explicar, você tinha que es-
tudar, elas faziam grupo de estudo, estudavam, isso
desenvolveu muito o professor.
Uma das preocupações que o grupo criador do Telensino
tinha era com a aprendizagem discente. Eram feitos três tipos
de avaliação: a ficha de Avaliação Integrada, a autoavaliação e
o desempenho. Um dos preceitos do sistema era a qualidade da
aprendizagem do estudante. Apesar dessa preocupação, os alu-
nos sentiam dificuldades em Matemática. A equipe não atingia
com essa disciplina o mesmo patamar de aprendizagem que al-
cançava com as outras. Rita Facó disse que:
Tanto que os assuntos eram extremamente bem di-
vididozinhos, assim o conteúdo não era muito gran-
de, era muito pequeno. De todos esses do sistema, a
dificuldade maior era Matemática. [...] É, a difi-
culdade maior dos meninos era em Matemática. A
gente não conseguia ainda com a Matemática o que
a gente conseguia com as outras disciplinas, com as
teleaulas das outras disciplinas.
Solicitamos à professora Rita que relembrasse e descreves-
se como era o dia a dia das pessoas que implantaram o sistema;
de que maneira ocorreu essa implantação.
Bom, [...] por exemplo, nosso primeiro encontro nós
tivemos com o Gerardo Campos, todas as equipes
com ele, né, para definir como seria o sistema. Ele
apresentou as ideias que ele tinha, e a gente discutiu

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


255

muito esses princípios e essas ideias, né, essas ideias.


Nós lemos muito Paulo Freire na ocasião também
para ver se a gente dinamizaria o máximo possí-
vel o sistema, no sentido de humanizá-lo, de não
ficar um simples objeto, né. Então, enquanto isso,
as outras equipes também iam trabalhando, a ou-
tra ia montando, por exemplo, ia numa cidade do
interior e perguntava: ‘Há necessidade de escolas?’.
A Secretaria nos dava os dados, e a gente visitava
com a equipe a escola e sabia da necessidade dela e
já ia implantando a..., vendo o problema da sala de
aula, como é que seria a luminosidade. Isso elas já
faziam lá, e os grupos iam correndo paralelamen-
te; enquanto isso, tinha uma equipe pensando só o
treinamento do orientador de aprendizagem. Que eu
acho que uma das coisas mais importantes que se fez
foi esse treinamento do orientador de aprendizagem,
que ele é que dava toda a dinâmica do sistema, né.
A gente sabia que tinha, por exemplo, uma aula in-
tegrada no início com objetivos ‘y’ e ‘z’, que nós tí-
nhamos os módulos de aprofundamento, que a gente
chamava módulo de aprofundamento, mas quem
ia fazer toda essa dinâmica dessa aprendizagem,
visando atingir a criatividade e a criticidade era o
orientador de aprendizagem. Então, ele foi treinado
realmente numa metodologia nova, naquele tempo
foi inovadora aqui no sistema, na educação, né. O
professor era muito aquele professor antigo, tudo,
então houve uma reviravolta danada nesse sentido.
Foi-se implantando mais ou menos assim; agora,
para dizer sinceramente a ti, eu não estou muito bem
lembrada, não.
O Telensino foi citado em fontes consultadas como “pio-
neiro”, “inovador”. Se o sistema foi baseado no do Maranhão e
do Rio Grande do Norte, o que fazia com que ele fosse tido como
pioneiro? Rita Facó assim nos explicou:

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
256

Inovador, né. Por exemplo, a maneira de organizar


os conteúdos era diferente, completamente diferente.
A gente organizava o conteúdo do currículo era por
temas integradores, tu deve ter visto isso em algum
canto, né. Você pegava um tema: ‘O homem ser
curioso’, então todas as disciplinas estavam voltadas
para a comprovação dessa ideia matriz: ‘o homem
é um ser curioso’, está entendendo? Então, nós tí-
nhamos a aula integrada, nós tínhamos os módulos
de aprofundamento e nós tínhamos, permeando tudo
isso, a dinâmica de grupo na sala de aula. O pro-
fessor chegava no dia, botava a aula integrada no
ar, eles assistiam àquela novelinha ou então àquele
programa especial e, quando terminava, o professor
fechava a televisão, aí o orientador ia trabalhar com
eles. Ia colher a opinião deles, ia fazer isso através
da dinâmica de grupo. Quando terminava, come-
çavam os módulos de aprofundamento, com o mó-
dulo de Língua Portuguesa, aí eles terminavam,
ouviam o módulo todinho, se precisasse de alguma
explicação extra, a professora dava, a orientadora
de aprendizagem dava, né, e eles iam fazer os exer-
cícios através do manual de apoio, dividiam-se em
grupo, trabalhavam em grupo.
Inicialmente as aulas do Telensino eram feitas ao vivo.
Com isso, contratempos poderiam ocorrer. Enganos do profes-
sor, do produtor. A equipe fazia de tudo para que não houvesse
erros, mas era praticamente impossível que não acontecessem.
Utilizamo-nos da fala da professora Rita Facó para embasarmos
nossa afirmação.
Foi mais ou menos por uns três anos, por uns três
anos ela chegou a ser ao vivo. Por uns dois anos,
não, não chegou a ser três, não, uns dois anos. Que
aí a dificuldade era muito grande, porque não tinha
‘erro’... era o professor e o produtor, o apresentador
da aula não podia se enganar, não podia errar, né,

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


257

quer dizer, o menos possível; eles diziam assim: ‘Vo-


cês me desculpem’, por ser ao vivo, né. E ela tinha
uma característica também que era não de imitar
uma aula do professor, a teleaula ela não imitava
uma aula do professor tradicional, ela era inova-
dora, ela em si, na composição dela, pela maneira
como ela se estruturava.
A professora Rita Facó afirmou que a implantação ocorreu
de maneira democrática, perguntando aos gestores das escolas e
pais dos alunos se eles queriam utilizar o sistema.

Considerações finais

Diante do que foi exposto no decorrer deste artigo, faze-


mos as seguintes observações: a primeira diz respeito ao con-
texto educacional cearense na década de 1970, que refletia e re-
produzia o que acontecia no contexto nacional, pois, durante os
governos militares, as decisões tomadas pelos governadores dos
estados sofriam influência das resoluções aplicadas pelo Gover-
no Federal.
A segunda constatação que pudemos retirar deste texto
refere-se ao fato de que, para que o Telensino fosse implantado
com sucesso, nem tudo ocorreu de maneira fácil. Houve luta,
reação por parte dos professores, foi uma batalha travada diaria-
mente para que tudo ocorresse da maneira prevista.
Outro ponto reporta-se à questão de que no Ceará o esta-
belecimento do sistema ocorreu de forma democrática, apesar de
o estado estar inserido em um contexto turbulento na época da
implantação do Telensino.

Referências

ABREU, A. A. (Coord.). Dicionário histórico biográfico brasileiro


pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001.

O CONTEXTO EDUCACIONAL CEARENSE NA DÉCADA DE 1970 E A IMPLANTAÇÃO


DO TELENSINO PELO OLHAR DE UMA PROFESSORA
258

AGOSTINHO. Confissões – Livros VII, X e XI. Lisboa: Covilhã, 2008.


BRASIL. Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes
e Bases para o Ensino de 1o e 2o Graus, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 ago. 1971.
CEARÁ. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. Mensagem
à Assembléia Legislativa. Fortaleza, 1973.
CEARÁ. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. Mensagem
à Assembléia Legislativa. Fortaleza, 1975.
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à Assembléia Legislativa. Fortaleza, 1978.
CEARÁ. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. Mensagem
à Assembléia Legislativa. Fortaleza, 1979.
GOMES, L. K. S. Memórias de professoras alfabetizadoras do Mo-
bral em Fortaleza. 2012. 110 f. Dissertação (Mestrado em Educa-
ção) – Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Forta-
leza, 2012.
MARTINHO RODRIGUES, R. História, memória, fontes e
educação. In: VASCONCELOS JÚNIOR, R. E. P. et al. Cultura,
educação, espaço e tempo. Fortaleza: UFC, 2011. p. 403-414.
OLIVEIRA, R. L. S. A educação pelas antenas da TV: narrativa
histórica da implantação Telensino no Ceará (1973-1979). 2014.
149 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
-Graduação em Educação Brasileira da Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.
VIEIRA, S. L. História da educação no Ceará: sobre promessas,
fatos e feitos. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2002.

ROBERTA LÚCIA SANTOS DE OLIVEIRA • RUI MARTINHO RODRIGUES


PARTE III

Formação de Professores
e Tecnologias na Educação
261

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO


FORMATIVO DO DOCENTE

LILIANE ALVES BEZERRA


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Ex-Bolsista do Programa Insti-
tucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes) e do Programa de Bolsa Iniciação Acadêmica (Ini­ciart) da Pró-Reitoria de
Assuntos Estudantis (PRAE). Tem experiência na área de Ensino. Atualmente trabalha como pro-
fessora efetiva polivalente na Secretaria Municipal da Educação de Eusébio, Ceará. Interesses em
Educação, Psicologia, Artes e Línguas.
E-mail: <lilicaboca@yahoo.com.br>.

LUCAS MELGAÇO DA SILVA


Doutorando e mestre em Educação Brasileira, linha de avaliação educacional, eixo de avaliação do
ensino-aprendizagem, e graduado em Pedagogia, todas as formações pela Universidade Federal
do Ceará (UFC). Atua como professor efetivo do sistema municipal de ensino de Maracanaú, Ceará.
E-mail: <lucasmelgaco@alu.ufc.br>.

MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA


Doutora e mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e graduada em Pedagogia
pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Atualmente é professora associada da UFC, ministrando
disci­plinas de Didática Geral, Estágio Supervisionado no Ensino Fundamental, Estágio em Educação
de Jovens e Adultos, Docência no Ensino Fundamental, Trabalho de Conclusão de Curso 1, Leitura e
Produção Textual na Formação de Professores.
E-mail: <maria.jasilva@hotmail.com>.
262

Introdução

O movimento de alternância entre a teoria e prática do-


cente é defendido nas políticas de formação inicial de professo-
res porque possibilita a sua profissionalização, constituindo uma
base sólida de conhecimentos e formas de ação. Esse movimento
de alternância se concretiza na medida em que, no período de
formação, é possível transitar por entre dois espaços fisicamente
distintos e delimitados: a universidade e as escolas de Educação
Básica onde são realizadas as atividades profissionais de profes-
sores, na certeza de que cada espaço assume responsabilidades e
papéis específicos, porém fundamentais, no processo de forma-
ção (GOMES; FELÍCIO, 2012). “[...] Ou seja, a formação não
deve ser realizada de forma isolada. As situações reais de tra-
balho precisam estar presentes, conduzindo, por assim dizer, o
processo da formação inicial dos professores” (CANÁRIO, 2001
apud GOMES; FELÍCIO, 2012, p. 18). A formação inicial e
continuada de professores não pode ser considerada apenas pelo
acúmulo de conhecimentos teóricos, tampouco ser limitada à
sistematização prática de ações. “Pensar na formação de profes-
sor é focar um espaço de confrontação constante com a realidade
em suas múltiplas situações divergentes” (MIZUKAMI, 2002,
apud GOMES; FELÍCIO, 2012, p. 19). O Programa Institucio-
nal de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) contribui com essa
iniciativa de movimento de alternância, possibilitando a eleva-
ção da qualidade da prática docente.

LILIANE ALVES BEZERRA • LUCAS MELGAÇO DA SILVA •


MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA
263

A formação do professor e o Pibid

No Brasil, as primeiras propostas de cursos específicos


para a formação de professores, para os anos iniciais do Ensi-
no Fundamental, ocorrem no final do referido século XIX, com
a proposição das Escolas Normais, que correspondiam ao atual
Ensino Médio. Um dos marcos, ao se considerar a regulamen-
tação da formação docente, dá-se ainda na primeira metade do
século, com o processo de institucionalização das escolas supe-
riores de formação e com a posterior regulamentação do curso.
Nos anos seguintes, já na segunda metade do século, a discussão
quanto ao curso de formação docente volta ao cenário nacional
com a tentativa de fixação de um currículo mínimo a ser ofereci-
do pelos cursos de formação superior (BRZEZINSKI, 1996 apud
GOMES; FELÍCIO, 2012).
No entanto, é com a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (Lei no 9.394), promulgada em 1996, que mu-
danças significativas são propostas para os cursos de formação
de professores, sobretudo no que diz respeito à obrigatorieda-
de da formação de professores em nível superior, bem como à
necessidade de essa formação estar articulada com a Educação
Básica. Tais proposições desencadeiam a elaboração das Diretri-
zes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores em
Nível Superior (BRASIL, 2001 apud GOMES; FELÍCIO, 2012)
e, consequentemente, as diretrizes para cada curso de licenciatu-
ra, que passam a ser independentes dos cursos de bacharelado,
assumindo, assim, a profissão de professor um locus específico de
formação (GOMES; FELÍCIO, 2012).
Com a obrigatoriedade da formação de professores em
nível superior e a independência dos cursos de licenciatura, o
Brasil vivenciou um significativo crescimento de cursos de for-
mação de professores no século XX, assim como já na primeira
década do século XXI, quando a oferta dos cursos de licencia-

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO FORMATIVO DO DOCENTE


264

tura teve um aumento de 52%, sendo as universidades respon-


sáveis pela oferta de 63% dos cursos de formação de professores
­(GATTI, 2010 apud GOMES; FELÍCIO, 2012).
Hoje, os cursos de licenciatura precisam ser estrutura-
dos de forma que possibilitem a profissionalização do professor,
constituído por uma “[...] base sólida de conhecimentos e formas
de ação, [...] capacitado para construir soluções em sua ação, mo-
bilizando seus recursos cognitivos e afetivos” (GATTI, 2010, p.
1360 apud GOMES; FELÍCIO, 2012, p. 17), a fim de que seja
definitivamente descartada a ideia do professor missionário, vo-
cacionado, artesão e técnico (GOMES; FELÍCIO, 2012).
Uma proposição para que esse objetivo seja atingido é
a construção de um currículo que supere a dicotomia entre co-
nhecimento específico e conhecimento pedagógico, entre teoria
e prática, que marcou a formação de professores ao longo de sua
trajetória no Brasil (GOMES; FELÍCIO, 2012).
É nessa visão de unidade entre a teoria e a prática, entre o
saber e o trabalho, que a formação inicial do professor se instau-
ra, na possibilidade de edificar a sua identidade a partir de um
movimento de alternância, que se constrói “[...] em simultâneo
com os conhecimentos teóricos e com o saber da ação” (MAL-
GLAIVE, 1997, p. 57 apud GOMES; FELÍCIO, 2012, p. 18).
Em outras palavras, esse movimento de alternância é de-
fendido nas políticas de formação inicial de professores. Con-
tudo, como não temos presenciado iniciativas fortes no redi-
mensionamento da formação de professores, “[...] com intuito
de tornar essa formação mais articulada, tanto na perspectiva de
uma unidade institucional nas universidades como na integra-
ção curricular” (GATTI, 2011, p. 118 apud GOMES; FELÍCIO,
2012, p. 19), presenciamos várias ações propositivas que favore-
cem a articulação entre Instituições de Ensino Superior (IES) e
escolas de Educação Básica, como é o caso do Pibid.

LILIANE ALVES BEZERRA • LUCAS MELGAÇO DA SILVA •


MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA
265

O Pibid e suas contribuições ao formando

O Pibid é uma ação conjunta do Ministério da Educação,


por intermédio da Secretaria de Ensino Superior (Sesu) e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), que tem como finalidade elevar a qualidade da ação do-
cente por meio da iniciação à docência, visando também à me-
lhoria do desempenho da Educação Básica.
O Pibid concede bolsas para acadêmicos dos cursos de li-
cenciatura integrados ao programa; para professores superviso-
res, docentes das escolas públicas vinculadas ao programa, que
recebem os licenciandos, acompanham e supervisionam as suas
atividades nas escolas; para os coordenadores de área, docentes
das IES, responsáveis por desenvolver as atividades do progra-
ma em sua área de atuação acadêmica; e para os coordenadores
institucionais e de área de gestão, que são docentes das IES res-
ponsáveis, perante a Capes, pelo acompanhamento, organização
e execução das atividades de iniciação à docência previstas no
projeto da instituição (GOMES; FELÍCIO, 2012).
Estabelecido no ano de 2007, o programa foi primeiramen-
te instituído para a promoção da formação inicial de professores,
especificamente para o Ensino Médio, conforme Portaria Nor-
mativa do Ministério da Educação no 38, de 13 de dezembro de
2007, no âmbito da Capes. A primeira chamada pública para Ins-
tituições Federais de Ensino Superior (Ifes) para participação no
Pibid, ou seja, seu primeiro edital, foi publicada no Diário Oficial
da União do dia 13 de dezembro de 2007, conforme MEC/Capes/
FNDE no 1/2007. No ano de 2009, o Governo Federal instituiu a
Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica, através do Decreto no 6.755, de de 29 de janeiro
de 2009, cujas ações se voltaram para a formação inicial e conti-
nuada dos professores da escola pública, o que fortaleceu bastante
as ações do Pibid. O decreto também explicitou o atendimento a

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO FORMATIVO DO DOCENTE


266

todas as modalidades da Educação Básica (BRASIL, 2007 apud


CHAGAS, 2013).
A maneira pela qual o Pibid entende o fomento à iniciação
à docência materializa-se nas propostas construídas pelas IES in-
teressadas em participar do programa, que prevê a inserção dos
licenciandos bolsistas nas escolas públicas de Educação Básica,
onde devem desenvolver atividades didático-pedagógicas (GO-
MES; FELÍCIO, 2012). Esse princípio metodológico do Pibid,
além de incentivar a formação docente em nível superior para a
Educação Básica e contribuir para a valorização do magistério,
tem por objetivos: promover a melhoria do Ensino Superior com
a Educação Básica; proporcionar aos licenciandos a participação
na prática docente no cotidiano das escolas públicas; fomentar
experiências didático-metodológicas de caráter inovador que se
orientem para a superação de problemas identificados no pro-
cesso de ensino-aprendizagem (BRASIL, 2010 apud GOMES;
FELÍCIO, 2012).
Enfim, o Pibid eleva a qualidade da formação inicial de
professores nos cursos de licenciatura, pois proporciona aos li-
cenciandos criação e experiências metodológicas, tecnológicas
e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que
busquem a superação de problemas identificados no processo de
ensino-aprendizagem.

Resultados

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docên-


cia (Pibid) na Universidade Federal do Ceará (UFC) começou a
ser desenvolvido no ano de 2009, em atendimento à convocação
para apresentação de projeto institucional, feito através do edital
conjunto entre o Ministério da Educação (MEC), a Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e
o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)

LILIANE ALVES BEZERRA • LUCAS MELGAÇO DA SILVA •


MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA
267

no ano de 2007. Os cursos apresentados nesse projeto encami-


nhado em outubro de 2008 foram: Biologia, Ciências Biológi-
cas, Filosofia, Física, Letras, Matemática e Química, depois am-
pliou-se para as licenciaturas em Música, Pedagogia e Sociologia
­(CHAGAS, 2013).
O desenvolvimento do projeto institucional está vincula-
do a três conceitos que se complementam: o exercício da do-
cência compartilhada, o exercício da pesquisa-ação e a dimensão
interdisciplinar das ações pedagógicas assumidas.
A docência compartilhada quer ser assumida como carac-
terística marcante no desenvolvimento do projeto, porque en-
tendemos que iniciar os licenciandos na docência não significa
oferecer oportunidades para que eles assumam o “lugar” dos
professores nas escolas públicas, muito pelo contrário, os licen-
ciandos devem compartilhar da experiência que os professores
já construíram em sua trajetória profissional, ao mesmo tempo
que podem colaborar com o processo de ensino-aprendizagem
desenvolvido na escola pública, a partir dos conhecimentos tra-
balhados nos cursos de licenciatura (GOMES; FELÍCIO, 2012).
O segundo conceito metodológico, essencial ao desenvol-
vimento do projeto, diz respeito à concepção da pesquisa-ação,
entendida como “uma modalidade de intervenção coletiva”, ins-
pirada nas técnicas de tomada de decisão que associa atores e
pesquisadores em procedimentos conjuntos de ação com vistas
a melhorar uma situação precisa, avaliada com base em conheci-
mentos sistemáticos de seu estado inicial e apreciação com base
em uma formulação compartilhada de objetivos de mudança.
(DIONNE, 2007 apud GOMES; FELÍCIO, 2012).
O terceiro conceito diz respeito à dimensão in-
terdisciplinar das ações pedagógicas desenvol-
vidas pelo projeto, entendida como uma nova
postura a ser construída diante do conhecimen-
to. Esta dimensão busca garantir a construção

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO FORMATIVO DO DOCENTE


268

de um conhecimento globalizado, rompendo


com os limites das disciplinas. (GOMES; FE-
LÍCIO, 2012, p. 24).
A primeira autora deste artigo ingressou no Pibid no ano
de 2011, especificamente em setembro, por meio de uma entre-
vista. A entrevista almejava saber a dimensão da experiência que
ela tinha em sala de aula e o seu interesse em participar do pro-
grama. Ela não tinha muita experiência na docência, somente
um período de dois anos, durante o qual lecionou para jovens
e adultos em uma cidade do interior. O interesse dela de entrar
no programa era enorme, pois sabia o quanto ele ia colaborar
em sua esfera profissional e pessoal. O Pibid, para ela, foi como
uma espécie de laboratório, no qual as experiências lá vivencia-
das foram fundamentais para formar seu pensamento como edu-
cadora. Muitas foram as contribuições do laboratório no Pibid:
aprendeu novas e adequadas formas de lidar com as crianças;
maior conhecimento da carreira de professor; composição ou
modificação de ideias; trabalho em equipe; aquisição de concei-
tos e pensamentos; estímulo do lado criativo e social; e estabele-
cimento de amizades verdadeiras.
O Pibid não só contribuiu com a elevação da qualidade
de sua ação docente como também com a aprendizagem dos alu-
nos da escola na qual o Pibid atua. A turma com a qual a pri-
meira autora deste artigo teve a oportunidade de conviver por
dois anos (turma 2o ano) era muito boa. As crianças adoravam as
atividades realizadas, algumas tinham dificuldade de concentra-
ção, mas a maioria gostava e aprendia muito. As atividades eram
realizadas uma vez por semana, sendo a contação de histórias
e a observação atividades diárias. A professora da sala foi uma
grande amiga e companheira na execução das atividades, sem-
pre fornecendo ideias e auxílio à turma quando necessário, bem
como as supervisoras do Pibid, que supervisionavam o planeja-
mento e a partilha de ideias. Ter essa cumplicidade foi funda-

LILIANE ALVES BEZERRA • LUCAS MELGAÇO DA SILVA •


MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA
269

mental para a realização de um trabalho produtivo e edificante,


inclusive ter o companheirismo também dos outros colegas do
Pibid, para dividir os trabalhos, ideias, etc. Infelizmente, no Pi-
bid, uma vez por outra, acontecia uma sobrecarga de atividades
para um dos executores. Apesar disso, a bolsista adorava quando
via o trabalho dando certo; a execução das aulas e o trabalho com
projetos eram a sua paixão. Foram trabalhados projetos como:
recreio dirigido, com atividades digiridas durante o recreio com
o intuito de diminuir a violência; mundo encantado da leitura
e escrita, com contações de histórias em diversas formas; laços
de amizades, atividades que despertassem amor e amizade aos
colegas; coral, etc.
A maior dificuldade da primeira autora como bolsista do
Pibid foi com o planejamento. No início, teve alguns embara-
ços com o planejar de aulas e o saber elaborar atividades ade-
quadas à idade dos alunos. Alunos que não colaboravam com a
aula e não queriam aprender eram outros dos fatores que difi-
cultavam o trabalho. Era difícil motivar a aprendizagem neles.
Com muito esforço, conseguia-se sensibilizar a maior parte da
turma. A distância da escola era outro ponto negativo, além do
reduzido espaço da instituição e da falta, por vezes, de material
para se trabalhar com a turma. Enfim, apesar de algumas difi-
culdades que fazem parte do trabalho, o Pibid foi muito impor-
tante para a carreira docente da primeira autora deste artigo. É
um projeto que possibilita ao bolsista o contato com a realidade
escolar durante a formação acadêmica e também depois dela.
A bolsista aqui pesquisada se considera hoje uma professora
mais criativa, observadora, amiga, experiente e, principalmen-
te, forte.

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO FORMATIVO DO DOCENTE


270

Conclusão
“A maior recompensa pelo nosso trabalho não é o
que nos pagam por ele, mas aquilo em que ele nos
transforma.”
(John Ruskin)
Este artigo evidencia que o desenvolvimento do programa
Pibid contribui significativamente tanto para a formação docente
como para a qualificação do ensino público, bem como para a
valorização da docência nos cursos de licenciatura e para o estrei-
tamento das relações entre universidade e escola para o favoreci-
mento de novas perspectivas.
O grande desafio na formação docente é propiciar ao
longo de seu desenvolvimento experiências de conhecimento e
reconhecimento das identidades sociais e culturais dos alunos,
objetivando a construção de sujeitos conscientes de sua atuação
no mundo. O Pibid só contribui para com essa tarefa árdua do
professor de motivar e formar pessoas críticas e reflexivas no
processo de aprendizagem.

Referências

BRASIL. Decreto no 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Institui a


Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes no fomento a
programas de formação inicial e continuada, e dá outras provi-
dências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 jan. 2009.
BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabele-
ce as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 21 dez. 1996.
BRASIL. Portaria Normativa do Ministério da Educação no 38,
de 13 de dezembro de 2007. Dispõe sobre o Programa de Bolsa
Institucional à Docência - PIBID. Diário Oficial da União, Brasí-
lia, DF, 13 dez. 2007a.

LILIANE ALVES BEZERRA • LUCAS MELGAÇO DA SILVA •


MARIA JOSÉ ALBUQUERQUE DA SILVA
271

BRASIL. Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docên-


cia - PIBID. Edital no 1. Brasília, DF: MEC/Capes/FNDE, 2007b.
CHAGAS, Y. M. M. O Pibid como articulador da relação teoria e
prática na formação inicial do pedagogo para a docência na educação
básica da UFC. 2013. 125 f. Monografia (Graduação em Pedago-
gia) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2013.
GOMES, C.; FELÍCIO, H. M. S. (Org.). Caminhos para a docên-
cia: o Pibid em foco. São Leopoldo: Oikos, 2012.

AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID NO PERCURSO FORMATIVO DO DOCENTE


272

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESAFIOS,
PERSPECTIVAS E REFLEXÕES

CARLA VARGAS BOZZATO


Doutoranda em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
mestra em Ciências e Ma­temática pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), especialista em
Didática e Metodologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Regis­tro e em Educação,
com ênfase no ensino de Ciências e Matemática, pela UFPel e graduada em Ciências Físicas Bioló-
gicas – Habilitação Biologia – pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e em Educação Física
pela UFPel. Foi bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
como supervisora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência I (Pibid I) da UFPel e
da Universidade Aberta do Brasil (UAB) – Formação de Professores, atuando como tutora a distân-
cia no curso de licenciatura em Pedagogia da UFPel. Atualmente é professora de Biologia e Ciências
da rede pública estadual do Rio Grande do Sul desde 1993, tutora a distância da Rede E-Tec no
Instituto Federal Sul-Rio­-Grandense (IFSul), campus Pelotas – Visconde da Graça.
E-mail: <carlavargasbozzato@gmail.com>.

DANIELA GUERRA LUND


Doutora em Ciência e Tecnologia Agroindustrial, mes­tra em Fisiologia Vegetal, ambas as formações
pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e graduada em Ciências Biológicas pela Universidade
Católica de Pelotas (UCPel). Professora tutora a distância pelo Instituto Federal Sul-Rio­-Grandense
(IFSul), campus Pelotas – Visconde da Graça. Com experiência no Ensino Superior: Ensino, Pesquisa
e Extensão. Ministra aulas no Programa Aprendiz Cooperativo como associada da Cooperativa de
Serviços Técnicos e Extensão Rural LTDA (Coopater). 
E-mail: <dguerralund@yahoo.com.br>.
273

Introdução

A educação vive um tempo de grandes incertezas e de mui-


tas perplexidades, que, segundo Nóvoa (2009, p. 27): “[...] ne-
cessita de mudanças, mas nem sempre conseguimos definir o
rumo. Há um excesso de discursos, redundantes e ­repetitivos,
que se traduz numa pobreza de práticas”. Nesse contexto, a
formação continuada para professores da Educação Básica está
exposta, e geralmente as propostas de formação registram a
­intencionalidade de inovar, de propor estratégias que poderão
potencializar o ensino e a aprendizagem.
No contexto atual, não basta apenas fazer uso de alguns
conhecimentos específicos, de algumas técnicas e de tecnologias
digitais para enfrentar a complexidade que envolve a docência
nas escolas públicas, de potencializar a aprendizagem dos alunos
dentro de espaços onde a vida, às vezes, não dá sentido e, ainda,
de lidar com a diversidade perpetuada ao longo das gerações pela
educação familiar, pelos meios de comunicação de massa e pelo
meio social. Essas preocupações são mais acentuadas com o pro-
fessor da modalidade de ensino da Educação de Jovens e Adul-
tos (EJA), que tem presenciado um processo de reconstrução de
identidade dos sujeitos que frequentam suas salas de aula.
A crescente juvenilização da EJA tem sido um dos desafios
recorrentes debatidos entre educadores, gestores e pesquisadores
da área (ARROYO, 2001; CARRANO, 2007), a ponto de se pro-
porem alterações nas Diretrizes Nacionais do Conselho Nacional
de Educação com a ampliação da idade mínima definida no arti-
go 38 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
274

Lei no 9.394/1996, para ingresso no Ensino Fundamental, de 15


para 18 anos (MAYER, 2007). Nessa perspectiva, o desafio entre
os professores estaria no sentido de estabelecer um diálogo en-
tre a cultura juvenil e a cultura escolar sistematizada (GARCIA,
2008), para assegurar a permanência na escola até a terminalidade
do Ensino Fundamental, com aprendizagens significativas.
A realidade da EJA exige uma formação especializada e
com características próprias, mas são poucos os cursos de forma-
ção de professores e as universidades que oferecem essa forma-
ção específica.
A Lei Federal no 11.502, editada no ano de 2007, a­ lterou
o foco de atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (Capes) e repassou para esta a tarefa de
implementar e operacionalizar políticas de formação inicial e
continua­da de professores da Educação Básica com recursos do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No
que se refere exclusivamente à formação continuada dos profes-
sores da Educação Básica, em especial na modalidade da Educa-
ção de Jovens e Adultos, deve ser uma iniciativa das instituições
de Ensino Superior. Nesse sentido, a universidade, os estados
e os municípios se configuram como grandes parceiros do Go-
verno Federal na realização das ações de formação continuada
de professores. Em nível estadual, as Secretarias de Educação
(­Seduc) dispõem de um órgão responsável pela formação, seja
uma coordenadoria de educação, com polos distribuídos pelo
estado, seja uma gerência, também com distribuição regional,
seja um centro. As secretarias municipais, diferentemente das
estaduais, de modo geral, não dispõem de órgãos especialmente
responsáveis pela formação continuada, são as próprias secreta-
rias que organizam e coordenam as ações formativas.
Situamos o presente artigo nesse contexto, para que esses
subsídios possam ser um fio condutor para repensar e refletir a
formação continuada que é oferecida para os professores da EJA
das escolas públicas.

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


275

Nessa perspectiva, serão abordadas nesta pesquisa de


cunho qualitativo a realidade das escolas da EJA, as novas exi-
gências para o exercício da docência, a formação continuada de
professores, as políticas públicas e a formação dos professores
da EJA.

Desenvolvimento

A realidade das escolas da EJA

A realidade que hoje encontramos no universo das es-


colas públicas que oferecem a modalidade de ensino EJA con-
duz a pensarmos quais seriam as expectativas, os desafios e as
perspectivas que têm os professores que nela atuam, isto é, num
contexto sociocultural marcado pela exclusão. Como ponto de
tensão desses docentes, destacamos como realizar uma prática
pedagógica que potencialize a aprendizagem diante das diversi-
dades de identidades que envolvem portadores de deficiências,
presidiários, indígenas, quilombolas, sem-terras, pescadores,
profissionais do sexo, trabalhadores sazonais em condições ad-
versas, jovens e idosos, além dos casos que provêm da evasão
escolar e da repetência, que ocasionam a defasagem entre idade e
série, aqueles que buscam somente a certificação escolar oriunda
da necessidade de trabalhar, os que apresentam ausência de mo-
tivação para o retorno a escola, entre outros casos.
Nesse contexto, os processos de formação continuada as-
sumem grande importância, no sentido de apoio ao trabalho des-
ses professores e a seu desenvolvimento profissional.
Segundo Leôncio Soares (2006), existem poucas ­faculdades
de educação que formam educadores voltados para atuar com
jovens e adultos. O autor ainda salienta que há muitos casos em
que não há “[...] um quadro de professores com formação inicial
para atuar com essa população” (SOARES, 2006, p. 127). As for-

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
276

mações que existem geralmente se configuram fora do contexto


das escolas em que trabalham e com temáticas que, muitas vezes,
não vêm ao encontro das suas necessidades sem um levantamen-
to e uma análise das necessidades formativas junto aos docentes.
Nessa perspectiva, é um passo essencial para que tomem cons-
ciência de si em situações de trabalho, de suas crenças, valores,
concepções, posições ideológicas, políticas, éticas, científicas,
pedagógicas, daquilo que norteia sua ação, consoante Rodrigues
(2006), configurando-se como estratégia de desenvolvimento da
competência reflexiva.
Para refletir sobre essa formação continuada de professo-
res na modalidade de ensino EJA, surge a necessidade de conhe-
cer o perfil dos alunos que frequentam esse contexto.
A presença dos jovens na EJA tem gerado grandes confli-
tos nas últimas décadas por parte dos professores que atuam nes-
sa modalidade de ensino. O problema tem alcançado amplitudes
conceituais, metodológicas e comportamentais, isto é, como atu-
ar com esse novo elemento, desconhecido, se anteriormente o di-
recionamento era para a figura passiva do adulto, defrontando-se
agora com o desafio de ensinar a juventude?

Novas exigências para o exercício da docência

O olhar sobre as políticas implica pensar em “governo da


educação”, como afirma Tedesco (2010, p. 21), o que supõe, se-
gundo o autor, uma mudança conceitual respeitável, colocando
as políticas relativas aos docentes em um marco de governo, ou
de governos que se sucedem em uma sociedade, e não as tratando
como programas esparsos ou de forma genérica, sem ancoragem
(GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011).
Para discutir um governo de educação, há necessidade
de considerar o cenário sociocultural mais amplo em que nos

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


277

­ ovemos na sociedade globalizada e as políticas para a educação


m
e para os docentes.
É Tedesco (2010, p. 21) que lembra que:
[...] há algumas décadas, a educação, o governo
da educação, o trabalho dos professores, os cur-
rículos, entre outros aspectos relativos à esco-
larização, se definiam dentro de um projeto de
construção de um Estado-nação – a finalidade
das redes educacionais. Hoje, a finalidade está
situada, em tese, na construção de uma socieda-
de mais justa. O contexto atual é o da inclusão
de todos no que diz respeito aos bens públicos
educacionais e sociais, e isso não estava posto an-
teriormente nos projetos de Estado como nação.
Em decorrência, precisamos de ‘uma escola justa
e, para ter uma escola justa, precisamos de profes-
sores que assumam esse compromisso’.
Cada vez mais, os professores trabalham em uma situação
em que a distância entre a idealização da docência e a realidade
de trabalho tende a aumentar, em razão da complexidade e da
multiplicidade de tarefas que são chamados a cumprir nas esco-
las (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011). Nessa perspectiva,
cada vez mais, o professor precisa estar preparado para exercer
uma prática contextualizada, atenta às especificidades do mo-
mento, à cultura local, às diversidades dos alunos em sua trajetó-
ria de vida e expectativas escolares. O que acontece no contexto
da EJA é que os conhecimentos que os professores possuem são
desprovidos dessa construção defendida pelas autoras, pelo fato
de não receberem uma formação para atender a essa clientela.
Portanto, não possuem conhecimentos teóricos e metodológi-
cos que sustentem suas práticas pedagógicas nessa modalidade,
tampouco encontram espaços para refletir e discutir com seus
pares suas experiências, seus saberes e suas práticas pedagógicas
cotidianas. Nesse sentido, os conhecimentos que detêm sobre a

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
278

escola, o aluno, o conteúdo, seu papel social, enfim, conceitos,


concepção e metodologia são direcionados ao ensino regular,
como nos revela Di Pierro (2003, p. 17):
Os docentes que atuam com os jovens e adul-
tos são, em geral, os mesmos do ensino regu-
lar. Ou eles tentam adaptar a metodologia a
este público específico, ou reproduzem com os
jovens e adultos a mesma dinâmica de ensino-
-aprendizagem que estabelecem com crianças
e adolescentes.
Esses professores vivem realidades que exigem um conhe-
cimento e um fazer diferenciados, pois estão em contato com um
novo tipo de aluno, diferente em relação ao perfil, aos interesses
e às condições de vida. São desafios postos para esses professores,
cujo único espaço de formação e discussão dessa realidade se li-
mita a contatos aligeirados e temáticos em serviço, incentivados
pelas próprias instituições que ofertam a EJA.
As novas exigências para o exercício da docência nesses con-
textos estão assentadas em uma formação continuada, como sugere
Imbernón (2010, p. 49), capaz de “[...] fomentar o desenvolvimen-
to pessoal, profissional e institucional do professorado, potencia-
lizando um trabalho colaborativo para mudar a prática”. O autor
também chama a atenção para a importância de considerar os as-
pectos da subjetividade dos docentes, levar em conta as emoções,
os sentimentos, a autoestima, fazê-los compreender seus sentimen-
tos e emoções, reconhecer as emoções dos outros, exercitar a escuta
ativa e a empatia para que possam aprender com os outros.

A formação continuada de professores

O reconhecimento do papel do professor está atrelado


à oferta de uma educação com qualidade. Em contrapartida,
a sua formação inicial e continuada, os planos de carreira, as

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


279

c­ ondições de trabalho e a sua valorização profissional, entre ou-


tros a­ spectos, desafiam as políticas educacionais no Brasil.
A realidade das escolas públicas brasileiras mostra que
esse professor é submetido a precárias condições de trabalho, a
baixos salários e a exaustivas jornadas. Portanto, o exercício da
docência não se mostra atraente, recompensador, apresentando
uma formação com fragilidades, longe de atender às necessida-
des para a sua atuação. Dentro desse contexto, segundo Gatti,
Sá Barreto e André (2011, p. 11), para considerar “[...] o papel
dos professores na qualidade da educação, é preciso não apenas
garantir a formação adequada desses profissionais, mas também
oferecer-lhes condições de trabalho adequadas e valorizá-los,
para atrair e manter, em sala de aula, esses profissionais”.
Nesse sentido, as autoras Gatti, Sá Barreto e André (2011,
p. 198) fazem menção a aspectos que necessitam ser considerados
na melhoria das condições profissionais dos professores, como,
por exemplo, o problema da formação continuada baseada em
cursos realizados de maneira descontextualizada da escola, pois,
“[...] de modo geral, ainda prevalece uma concepção de formação
transmissiva, que se desenvolve sob a forma de palestras, semi-
nários, oficinas, cursos rápidos [...]”. Imbernón, citado por Gatti,
Sá Barreto e André (2011), estabelece uma série de premissas
para que a formação possa, de fato, contribuir para o desenvolvi-
mento profissional dos docentes:

• Fomentar maior autonomia na formação, com inter-


venção do professorado;
• Basear-se nos projetos da escola para que o professorado
decida o tipo de formação que melhor atenda às suas
necessidades;
• Criar espaços de reflexão sobre a prática em um contex-
to determinado;

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
280

• Fomentar a comunicação entre o professorado pela


criação de comunidades de aprendizagem.

Essas condições implicam abandonar as formas tradicio-


nais de formação, centradas em cursos, palestras, seminários de
experts acadêmicos, para voltá-las a modalidades em que os do-
centes tenham participação ativa e que sejam instigados a se de-
senvolver pessoal e profissionalmente pelo estudo, pela reflexão
constante sobre a prática ou pelo enriquecimento cultural.
O autor ainda aponta a relevância dos conhecimentos pro-
fissionais, ou seja, dos saberes diretamente vinculados ao ensi-
no, que permitirão ao professorado fazer com que seus alunos
aprendam.
Nessa perspectiva, em relação aos saberes, Tardif (2012,
p. 11) expressa que eles não podem ser considerados como uma
categoria autônoma isolada com os condicionantes e o contexto
do trabalho do professor:
O saber é sempre o saber de alguém que traba-
lha alguma coisa no intuito de realizar um ob-
jetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma
coisa que flutua no espaço: o saber dos profes-
sores é o saber deles, com a sua experiência de
vida e com a sua história profissional, com as
suas relações com os alunos em sala de aula e
com os outros atores escolares na escola, etc.
Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o
com esses elementos constitutivos do trabalho
docente.
O saber dos professores é um saber social por vários moti-
vos, os quais cita Tardif (2012, p. 12-14):
1) [...] porque é partilhado por um grupo de
agentes – os professores – que possuem
uma formação comum. O trabalho de cada

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


281

docente, por mais original que seja, ganha


sentido quando colocado em destaque em
relação à situação coletiva de trabalho;
2) [...] porque sua posse e utilização repousam
sobre todo um sistema que vem garantir a
sua legitimidade e orientar sua definição e
utilização: universidade, administração es-
colar, sindicato, associações profissionais,
grupos científicos, instância de atestação e
de aprovação das competências, Ministério
da Educação, etc.;
3) [...] porque seus objetos são objetos sociais,
isto é, práticas sociais;
4) [...] a história dos programas escolares e
a história das ideias e das práticas peda-
gógicas, o que os professores ensinam (os
‘saberes a serem ensinados’) evoluem com
o tempo e as mudanças sociais. No campo
da pedagogia, o que era ‘verdadeiro’, ‘útil’
e ‘bom’ ontem já não o é mais hoje. Des-
se ponto de vista, o saber dos professores
(tanto os saberes a serem ensinados quan-
to o saber-ensinar) está assentado naquilo
que Bourdieu chama de arbitrário cultural:
ele não se baseia em nenhuma ciência, em
nenhuma lógica, em nenhuma evidência
natural. Em outras palavras, a Pedagogia, a
Didática, a Aprendizagem e o Ensino são
construções sociais cujos conteúdos, for-
mas e modalidades dependem intimamen-
te da história de uma sociedade, de sua cul-
tura legítima e de suas culturas (técnicas,
humanistas, científicas, populares, etc.), de
seus poderes e contrapoderes, das hierar-
quias que predominam na educação formal
e informal, etc.;

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
282

5) [...] esse saber é social por ser adquirido no


contexto de uma socialização profissional,
onde é incorporado, modificado, adapta-
do em função dos momentos e das fases
de uma carreira, ao longo de uma história
profissional onde o professor aprende a en-
sinar fazendo o seu trabalho.
Portanto, o saber dos professores depende, por um lado,
das condições concretas nas quais o trabalho deles se realiza e,
por outro lado, da personalidade e da experiência profissional
dos próprios professores. Nessa perspectiva, o saber docente pa-
rece estar assentado em transações constantes entre o que eles
são (incluindo as emoções, a cognição, as expectativas, a história
pessoal deles, etc.) e o que fazem. “O ser e o agir, ou melhor, o
que Eu sou e o que Eu faço ao ensinar, devem ser vistos aqui não
como dois polos separados, mas como resultados dinâmicos das
próprias transações inseridas no processo do trabalho escolar”
(TARDIF, 2012, p. 16).
Atualmente, ao se pensar em educação de qualidade, o
pensamento remete à formação continuada de professores, a
qual, junto com a formação inicial, é considerada uma questão
fundamental nas políticas públicas para a educação.

Políticas públicas e a formação dos professores da EJA

As Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA referenciam


a formação dos professores em seu artigo 17, que diz:
A formação inicial e continuada de profissio-
nais para a Educação de Jovens e Adultos terá
como referência as diretrizes curriculares na-
cionais para o ensino fundamental e para o ensi-
no médio e as diretrizes curriculares nacionais
para a formação de professores, apoiada em: I
– ambiente institucional com organização ade-

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


283

quada à proposta pedagógica; II – investigação


dos problemas desta modalidade de educação,
buscando oferecer soluções teoricamente fun-
damentadas e socialmente contextualizadas;
III – desenvolvimento de práticas educativas
que correlacionem teoria e prática; IV – utili-
zação de métodos e técnicas que contemplem
códigos e linguagens apropriados às situações
específicas de aprendizagem.
Nessa perspectiva, a formação de professores de jovens e
adultos continua sendo um desafio a ser assumido como política
pública pelos poderes constituídos. Eles precisam ter uma for­
mação inicial e continuada que contemple concepções direcio-
nadas tanto aos indivíduos da educação regular como também a
outros sujeitos, jovens e adultos, idosos, empregados, desempre-
gados, trabalhadores informais, homens, mulheres e adolescen-
tes não alfabetizados, não escolarizados, bem como pessoas com
necessidades educativas especiais.
Segundo Tardif (2012, p. 23):
[...] a necessidade de repensar, agora, a forma-
ção para o magistério, levando em conta os
saberes dos professores e as realidades especí-
ficas de seu trabalho cotidiano. Essa é a ideia
de base das reformas que vêm sendo realizadas
na formação dos professores em muitos países
nos últimos dez anos. Ela expressa a vontade
de encontrar, nos cursos de formação de profes-
sores, uma nova articulação e um novo equilí-
brio entre os conhecimentos produzidos pelas
universidades a respeito do ensino e os saberes
desenvolvidos pelos professores em suas práti-
cas cotidianas.
Tanto a formação inicial quanto a formação continuada são
responsabilidades que cabem à União, aos estados, ao Distrito Fe-
deral e aos municípios, bem como às universidades, e­ xigindo-se

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
284

a educação de jovens e adultos como integrante dos cursos de


formação – Pedagogia e licenciaturas – com tratamento igual em
relação aos demais níveis e modalidades de ensino, com ênfase
nas suas complexas e ricas diversidades. Em relação à universi-
dade, é fundamental aliar as ações de formação às três funções
da universidade: ensino, pesquisa e extensão (MARTINS, 2000).
Embora seja perceptível o engajamento dos educadores
de EJA nos programas socioeducativos, é preciso também que
sejam mais valorizados e que tenham melhores condições de tra-
balho. Essa política foi uma das reivindicações do VII Encontro
Nacional de Educação de Jovens e Adultos (VII Eneja): definir
a formação dos professores das redes públicas como ação e com-
promisso efetivo das universidades públicas.
Segundo Antunes (2003, p. 23):
[...] não existem e não podem existir escolas
sem professores, assim como não pode existir
aprendizagem escolar significativa sem ajuda.
Resta agora mensurar qual seria o tamanho des-
sa ajuda e onde ela precisa começar e terminar
para que, ao contrário de ajudar, ela não acabe
complicando ainda mais a aprendizagem do
educando.
O olhar sobre as políticas públicas implica pensar em “go-
verno da educação”, como afirma Tedesco (2010, p. 20), o que
supõe, segundo o autor, uma mudança conceitual respeitável,
colocando as políticas relativas aos docentes em um marco de
governo, ou de governos que se sucedem em uma sociedade, e
não as tratando como programas esparsos ou genéricos, sem an-
coragem. Considerando que o “sistema educativo e seus proble-
mas de governabilidade não são mais que reflexo dos problemas
de governabilidade que existem na sociedade em seu conjunto”,
tem-se, como decorrência, que as linhas de ação governamen-
tal implementadas na direção das redes escolares adquirem sig-

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


285

nificado específico, a depender do contexto sociopolítico e do


momento em que são desenvolvidas. Questões de gestão, cen-
tralização, descentralização, financiamento, autonomia, ênfases
curriculares, avaliação, etc. adquirem sentidos diferentes em si-
tuações sociais e políticas diversas.
O princípio norteador da Educação de Jovens e Adultos
passa a ser a equidade, compreendida como:
[...] forma pela qual se distribuem os bens so-
ciais de modo a garantir uma redistribuição e
alocação em vista de mais igualdade, considera-
das as situações específicas [...]. Neste sentido,
os desfavorecidos frente ao acesso e permanên-
cia na escola devem receber proporcionalmente
maiores oportunidades que os outros. (BRA-
SIL, 2000, p. 40).
A EJA, portanto, é considerada um direito, o de acesso à
educação escolar pela universalização do Ensino Fundamental
e Médio, sendo compreendido o acesso à leitura e à escrita um
bem social.
As Diretrizes Curriculares Nacionais apresentam alguns
avanços do ponto de vista pedagógico, existindo uma preocupa-
ção com a especificidade etária e sociocultural dos jovens e adul-
tos atendidos no sistema educacional. Destacam a necessidade
de formulação de projetos pedagógicos próprios e específicos
para a Educação de Jovens e Adultos, que levem em conside-
ração na sua organização: o perfil e a situação de vida do aluno
(BRASIL, 2000); as necessidades e disponibilidades dos jovens
e adultos, buscando garantir aos alunos trabalhadores condições
de acesso e de permanência na escola (BRASIL, 1996); a experi-
ência extraescolar, validando-se os saberes dos jovens e adultos
aprendidos fora da escola e admitindo formas de aproveitamen-
to de estudos e de progressão nos estudos mediante verificação
da aprendizagem (BRASIL, 1996, 2000); organização curricular

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
286

através da transversalidade, sendo destacado o trabalho como


tema transversal (BRASIL, 2000).
É importante notar que houve uma mobilização do Go-
verno Federal nos últimos anos visando à ampliação da oferta
de ações para a formação dos professores da Educação Básica.
Ainda que estas, conforme sugere Freitas (2007), configurem
uma resposta fragmentada aos desafios sociais, cabe reconhecê-
-las para examiná-las cuidadosamente. É clara a intenção do Go-
verno Federal, por intermédio do MEC, de instituir um sistema
nacional de educação, assumindo maior responsabilidade pela
formação dos professores, com políticas que envolvem os entes
federados (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011). Porém,
em concordância com Freitas (2007), são iniciativas frágeis, que
pautam somente os aspectos técnicos da formação e não atingem
necessariamente a profissão.

Resultados

Os fatores que mais conduzem o aluno a buscar a moda-


lidade de ensino EJA são a evasão e a repetência, ocasionando a
defasagem entre a idade e a série. Como podemos analisar nos
dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no âmbito do estado do Rio
Grande do Sul (RS), conforme a tabela 1, e no âmbito do muni-
cípio de Pelotas, conforme a tabela 2. Nestas amostragens estão o
percentual total que envolve os alunos das redes de ensino fede-
ral, estadual e municipal no período de 2010 a 2014.

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


287

Tabela 1 – % Distorção idade-série dos alunos das redes de ensino


do RS
1o ao 5o ano 6o ao 9o ano
Ensino Ensino
Ano do Ensino do Ensino
Fundamental Médio
Fundamental Fundamental
2010 22,6 16,9 28,8 30,5
2011 22,9 17,6 28,7 29,5
2012 22,8 16,7 30,4 29,6
2013 22,2 15,3 30,9 28,2
2014 21,8 14,0 31,7 26,6
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

Tabela 2 – % Distorção idade-série dos alunos das redes de ensino


do município de Pelotas-RS
1o ao 5o ano 6o ao 9o ano
Ensino Ensino
Ano do Ensino do Ensino
Fundamental Médio
Fundamental Fundamental
2010 31,5 23,6 39,6 38,7
2011 31,4 4,0 38,8 37,1
2012 29,8 22,2 38,5 37,0
2013 29,0 20,4 38,8 38,0
2014 28,3 18,1 41,2 36,8
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

A análise das tabelas 1 e 2 mostra que a faixa de maior


distorção idade-série no Ensino Fundamental é do 6o ao 9o ano,
principalmente nas três primeiras séries finais do Ensino Fun-
damental, conforme as tabelas 3 e 4.

Tabela 3 – % Distorção idade-série dos alunos das redes


de ensino do Rio Grande do Sul no Ensino Fundamental
2o ano 3o ano 4o ano 5o ano 6o ano 7o ano 8o ano 9o ano
1o
Ano ou 1a ou 2a ou 3a ou 4a ou 5a ou 6a ou 7a ou 8a
ano
série série série série série série série série
2010 16,5 19,7 24,6 21,3 30,0 31,6 28,4 28,4 23,8
2011 2,4 15,4 20,9 22,1 28,1 31,0 30,7 28,2 23,6
2012 2,1 11,1 20,0 23,4 24,6 39,3 31,7 27,2 22,8
2013 1,9 4,9 17,9 25,5 25,5 33,8 39,7 27,8 21,8
2014 1,7 3,2 15,1 20,9 24,7 34,5 33,9 35,4 22,3
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
288

Tabela 4 – % Distorção idade-série dos alunos das redes de ensino


do município de Pelotas-RS no Ensino Fundamental
2o ano 3o ano 4o ano 5o ano 6o ano 7o ano 8o ano 9o ano
Ano 1o ano ou 1a ou 2a ou 3a ou 4a ou 5a ou 6a ou 7a ou 8a
série série série série série série série série

2010 5,3 29,9 25,8 29,7 26,2 41,2 42,9 37,8 34,5
2011 3,4 21,3 33,4 29,4 32,7 40,8 41,1 37,7 33,0
2012 3,4 13,0 26,6 35,6 31,4 47,9 39,0 33,3 30,8
2013 2,9 4,8 25,1 27,1 39,1 45,1 47,1 32,4 27,4
2014 2,9 4,4 23,1 26,4 28,7 51,6 42,6 40,6 27,1
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

Em relação ao Ensino Médio, observa-se que o 1o ano


apresenta o maior percentual de distorção de idade-série, con-
forme as tabelas 5 e 6, tanto no estado como no município.

Tabela 5 – % Distorção idade-série dos alunos das redes de ensino


do RS no Ensino Médio
Ano 1o ano 2o ano 3o ano
2010 36,5 27,0 21,4
2011 36,7 26,0 19,4
2012 37,2 26,3 18,2
2013 35,2 25,5 18,3
2014 33,3 24,3 17,3
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

Tabela 6 – % Distorção idade-série dos alunos das redes de ensino


do município de Pelotas-RS no Ensino Médio
Ano 1o ano 2o ano 3o ano
2010 45,9 34,6 28,0
2011 45,6 31,9 26,2
2012 45,4 33,5 23,1
2013 44,8 36,8 26,9
2014 42,8 34,7 28,5
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


289

Os dados apresentados justificam a crescente diversidade


etária na EJA, levando a refletir como os professores são desafia-
dos cotidianamente nesses espaços a exercerem a docência com
indivíduos que apresentam faixas etárias tão discrepantes.
Outro fator que agrega o interesse pela EJA é o ingresso
cada vez mais antecipado dos jovens no mercado de trabalho,
principalmente daqueles oriundos das camadas de baixa renda,
provocando uma grande demanda nos programas de educação
inicialmente destinados a adultos. Analisando-se o número de
alunos matriculados no município de Pelotas nas escolas públi-
cas municipais e estaduais no período de 2010 a 2014, constata-se
o aumento de 45,7% de procura pela EJA – Ensino Fundamental
e de 43,1% pela EJA – Ensino Médio.

Tabela 7 – Número de alunos matriculados na EJA em escolas pú-


blicas municipais e estaduais no município de Pelotas-RS
Ano EJA – Ensino Fundamental EJA – Ensino Médio

2010 2.269 652


2011 2.285 723
2012 3.315 883
2013 3.438 964
2014 3.306 933
Fonte: Dados obtidos no site do Inep (2015).

Os dados coletados em uma pesquisa realizada em uma


instituição particular de ensino, localizada na cidade de São Pau-
lo, por Braga (2011, p. 1), revelam que a heterogeneidade etária
é um desafio para o trabalho docente e que “[...] exige melhor
preparação das aulas e seleção do material didático que será uti-
lizado a fim de suprir tanto a necessidade do aluno mais jovem
quanto do aluno com mais idade”. A autora ainda constata que
não somente a diversidade etária como também a social, cultu-

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
290

ral, étnico-racial, sexual, entre outras, exigem do professor dessa


modalidade uma formação específica e continuada.
Portanto, o desafio da formação continuada do professor
da EJA está em perceber a necessidade de um olhar investigativo
para sua trajetória e prática pedagógica nesses contextos, a fim
de que sejam projetadas e propostas soluções.

Considerações finais

O presente artigo conduz à necessidade de refletir e anali-


sar os espaços de formação continuada de professores, principal-
mente na modalidade de ensino da EJA, para obter informações
mais concretas sobre o impacto destas na prática docente em sala
de aula, de modo que possa, junto com esse profissional, projetar
e propor soluções. Portanto, a formação continuada de profes-
sores deve estar assentada dentro da própria escola para que se
constituam espaços de produção de conhecimentos profissionais
e de reflexão sobre a prática desse professor de sala de aula com-
prometido com o meio social.
Outro aspecto é que a realidade da EJA exige uma forma-
ção especializada e com características próprias, mas são poucos
os cursos de formação de docentes e universidades que oferecem
essa formação específica aos que queiram trabalhar ou já traba-
lham com essa modalidade de ensino.
Nesse contexto, os processos de formação continuada assu-
mem grande importância no sentido de apoiar o trabalho desses
educadores e de ampliar seu desenvolvimento profissional. Por-
tanto, é preciso ter um olhar investigativo para saber de que forma
esses espaços de formação continuada na EJA estão qualificando
a prática pedagógica desses docentes e para questionar quem são
e como são escolhidos os formadores, como são implementadas e
quais são as motivações políticas, institucionais e epistemológicas
dessas formações continuadas para os professores desse contexto.

CARLA VARGAS BOZZATO • DANIELA GUERRA LUND


291

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A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E REFLEXÕES
294

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA


PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO DO ALUNO NO
ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO


Mestranda em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior, especialista em Docência do Ensino
Superior e tecnóloga em Gestão do Ensino Superior pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <hevelinerq@gmail.com>.

SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestra em Engenharia de Siste-
mas e Computação pela Univer­sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e graduada em Adminis-
tração de Empresas pela UFC. Professora associada da UFC, prestando assessoria à Pró-Reitoria de
Administração como diretora de controle.
E-mail: <suelicavalante@hotmail.com>.

LUANA BATISTA RODRIGUES


Especialista em Gestão Pública pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
-Brasileira (Unilab) e bacharel em Administração pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <lbrodrigues@globomail.com>.
295

Introdução

A sociedade vem sofrendo grandes transformações em sua


estrutura social, econômica e política, estabelecendo novas rela-
ções sociais e passando a exigir da escola a formação de um novo
cidadão, capaz de atuar na sociedade de maneira a transformá-
-la. A formação docente ao longo da história tem sido destacada
como necessária para que se cumpra um dos seus objetivos, que
é a formação de cidadãos, de tal forma que possam atuar como
críticos, que desenvolvam um pensar filosófico e que possam
contribuir na construção de novos valores.
Com as transformações da sociedade, a instituição de En-
sino Superior é desafiada a repensar seu papel diante do meio
social. Deve formar alunos mais capazes para o desenvolvimento
de habilidades cognitivas e de condutas que facilitem o enfrenta-
mento de situações dinâmicas. Além disso, deve preparar o aluno,
futuro profissional, para resolver problemas práticos utilizando
conhecimentos científicos e para buscar se aperfeiçoar continua-
mente, com responsabilidade, criatividade e c­ riticidade.
Com o término da formação acadêmica, o aluno se de-
para com desafios e descobertas próprias de uma nova fase de
vida profissional, podendo surgir, assim, a intenção de atuar
na carreira docente, assumindo, portanto, a figura do professor
iniciante.
Para tanto, percebe-se a importância de uma formação es-
pecífica para os novos ingressantes nessa dinâmica do ensinar.
O planejamento das aulas traz para o professor, seja iniciante
ou já experiente, elementos que são considerados essenciais na

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
296

prática docente, como: objetivos, metodologias, avaliação, con-


teúdos conceituais, recursos didáticos e tempo para a realização
das atividades.
A importância do ato de planejar, ao estruturar uma aula,
para o professor, especifica e operacionaliza os procedimentos
diários para a concretização dos objetivos da formação dos alu-
nos, organizando, de forma sequencial, todas as atividades que
devem ser desenvolvidas no decorrer dos momentos de intera-
ção professor-aluno.
O ensino, fenômeno complexo, enquanto prá-
tica social realizada por seres humanos com se-
res humanos, é modificado pela ação e relação
desses sujeitos – professores e alunos – histori-
camente situados, que são, por sua vez, modifi-
cados nesse processo. (PIMENTA; ANASTA-
SIOU, 2002, p. 48). 
A seleção e organização dos conteúdos não podem ser en-
tendidas como uma mera listagem. Kuenzer (2001) afirma que
os conteúdos a serem trabalhados devem desenvolver competên-
cias intelectuais voltadas para o enfrentamento de novas situa­
ções, que exigem reflexão, crítica, flexibilidade moral e intelec-
tual, além da capacidade de educar permanentemente. Assim, os
conteúdos passam a ser utilizados como estratégias para a forma-
ção cidadã e profissional. Os aspectos funcionais e pedagógicos
estão diretamente ligados ao desempenho do professor.
O processo de inserção de professores iniciantes na car-
reira docente tem se constituído em um fator de extrema impor-
tância, não apenas por ser um período de adaptação do sujeito
à profissão docente, mas, sobretudo, pelas implicações dele de-
correntes. Essas implicações colocam em pauta tanto a forma-
ção inicial desses professores quanto a instituição que os acolhe
como profissionais, revelando a necessidade de uma estreita re-
lação da formação de professores com a organização acadêmica.

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE •


LUANA BATISTA RODRIGUES
297

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo refletir


sobre os desafios da prática docente do professor iniciante para a
formação do aluno no Ensino Superior, observando a contribuição
do Projeto CASa (Comunidade de Cooperação e Aprendizagem
Significativa), programa de desenvolvimento de formação docen-
te para professores na Universidade Federal do Ceará (UFC).

A formação profissional do professor de Ensino Superior

O professor, em qualquer nível de escolaridade, é um su-


jeito sociocultural que constrói e reconstrói seus conhecimentos
conforme a necessidade e a demanda do contexto histórico e so-
cial, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais.
Portanto, o processo de formação do professor do Ensino Supe-
rior pode ter como ponto de partida as experiências vividas em
diversos espaços sociais, dentre eles a própria prática docente.
A prática docente se constitui num espaço formador por
excelência, uma vez que se apresenta relacionada às “[...] situa­
ções concretas que não são passíveis de definições acabadas, mas
exigem improvisações, habilidades pessoais e a capacidade para
lidar com situações mais ou menos transitórias” (TARDIF, 2002,
p. 49). Lidar com situações diversas é parte do processo forma-
dor, e a atuação do docente possibilita o desenvolvimento de ha-
bilidades que lhe permitirão enfrentar com maior segurança e
confiança os desafios da prática docente. Dessa forma, podemos
dizer que o ambiente educacional na prática profissional é um
lugar de formação.
A docência é uma prática que o professor, como ator plu-
ral, (re)constrói, continuamente, à medida que recorre às habili-
dades incorporadas por ele ao longo da trajetória de vida. Essas
habilidades podem ser produto de todo um trabalho de reflexão
com reformulação de estratégias, acumulado durante o tempo de
exercício da docência. Por isso é importante destacar a prática

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
298

como uma fonte de produção de saberes e novas metodologias


da docência.
Existem vários trabalhos na linha de reflexão sobre a prá-
tica docente no Ensino Superior. Bolfer (2008) apresenta as con-
tínuas reflexões realizadas em reuniões entre os professores e o
compartilhamento da complexidade da prática docente. Costa
(2010) conclui que a reflexão transforma a prática docente a par-
tir do pensar sobre o fazer, e isso agrega valor à postura dos pro-
fessores no exercício da docência. Petrilli (2006) faz um estudo
crítico sobre a formação docente a partir da ampla disseminação
e apropriação do conceito de professor e prática reflexiva. Con-
clui que a prática docente só se efetivará à medida que os profes-
sores se conscientizarem e ampliarem as práticas dentro da sala
de aula, compreendendo como as políticas públicas interferem
direta ou indiretamente na atividade docente.
O investimento que um(a) professor(a) faz em relação ao
aprimoramento de sua ação docente deriva de uma concepção de
formação profissional pessoal produzida por suas experiências
em instituições de formação de professores, em cursos de atuali-
zação, leituras, convivência com as diferentes linguagens e, prin-
cipalmente, com a percepção do papel social de uma instituição
educacional e da profissão de educador.

Professor iniciante: desafios da prática docente

O professor do Ensino Superior começa sua vida laboral


por meio de processos seletivos, com exigências de titulação para
atender à legislação que regula o sistema nacional de educação
superior brasileiro; quase nunca ou às vezes dispõe de prática
pedagógica eficaz. É uma possibilidade profissional que é cons-
truída ao longo do tempo.
Um aspecto relevante diz respeito ao que é específico na
ação docente. O professor, na Educação Superior, adquire s­ aberes

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE •


LUANA BATISTA RODRIGUES
299

acadêmicos e disciplinares, comportamentos, conhecimentos,


destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de
sua profissionalização docente. A autoavaliação de desempenho
e feedback tornam-se de extrema importância, principalmente
para os professores iniciantes, pois possibilita conhecer o desem-
penho na docência e, assim, facilitar o aperfeiçoamento com as
experiências vividas no ambiente educacional.
Aproximadamente, os primeiros cinco anos marcam o iní-
cio na carreira, considerando que é bastante complexo precisar
quando o professor deixa de ser “iniciante”, pois o predicativo
iniciante refere-se a uma categoria transitória e situacional.
Diversos autores, ao analisarem a prática de docentes em
início de carreira, observam que os mesmos passam por frustra-
ções, alegrias, medos e angústias próprias dessa etapa da docên-
cia. Esteves e Rodrigues (1995) e Veenman (1984) afirmam que
os profissionais da educação, ao chegarem à realidade escolar,
sofrem o que denominam de “choque de realidade”, que repre-
senta as dificuldades na nova profissão. Huberman (2007) res-
salta que o contato inicial, ou seja, entre os dois e os três primei-
ros anos de trabalho do docente, é marcado pelo choque com a
realidade e pela descoberta. É um momento de busca constante,
com dificuldades e fragmentações:
[...] o aspecto da ‘descoberta’ traduz o entusias-
mo inicial, a experimentação, a exaltação por es-
tar, finalmente, em situação de responsabilidade
(ter a sua sala de aula, os seus alunos, o seu pro-
grama), por se sentir colega num determinado
corpo profissional. (HUBERMAN, 2007, p. 39).
A docência não é só desgastante, mas também praze-
rosa, e o encontro de equilíbrio entre essas duas situações é o
diferencial de ser professor. É preciso aprender a se relacionar
com conflitos, fracassos e alegrias que caracterizam a docência

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
300

(­CARVALHO, 1999). O ato de se relacionar com as pessoas do


ambiente acadêmico, com alunos e demais sujeitos, é de suma
importância na carreira.
Perrenoud (2002) faz uma síntese das características pecu-
liares ao professor nesse período de início de carreira:
i. Está entre duas identidades, a de ser aluno
e a de assumir-se como professor;
ii. O estresse, a angústia, enfim, os diversos m
­ edos
e mesmo os momentos de pânico assumem
enorme importância, embora eles ­diminuam
com a experiência e com a confiança;
iii. Precisa de muita energia, de muito tempo
e de muita concentração para resolver pro-
blemas que o profissional experiente solu-
ciona de forma rotineira;
iv. A forma de administrar o tempo (prepa-
ração, correção, trabalho de classe) não é
muito segura, e isso lhe provoca desequilí-
brio, cansaço e tensão;
v. Passa por um estado de sobrecarga cogniti-
va devido ao grande número de problemas
que tem de enfrentar. Em um primeiro
momento, conhece a angústia da disper-
são, em vez de conhecer a embriaguez do
profissional que “joga” com um número
crescente de bolas;
vi. Geralmente se sente muito sozinho, dis-
tante de seus colegas de estudo, pouco
integrado ao grupo e nem sempre se sente
acolhido por seus colegas mais antigos;
vii. Está em um período de transição, os-
cilando entre os modelos aprendidos
durante a formação inicial e as receitas
mais pragmáticas que absorve no am-
biente profissional;

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE •


LUANA BATISTA RODRIGUES
301

viii. Não consegue se distanciar do seu papel e


das situações;
ix. Tem a sensação de não dominar os gestos
mais elementares da profissão, ou de pagar
um preço muito alto por eles;
x. Mede a distância entre o que imaginava
e o que está vivenciando, sem saber ain-
da que esse desvio é normal e que não tem
relação com incompetência nem com sua
fragilidade pessoal, mas que está ligado à
diferença que há entre a prática autônoma
e tudo o que já conheceu.
A condição pessoal influencia a prática do educador, já
que não há como desvincular o caráter profissional do pessoal.
Portanto, é significativo observar o sujeito professor, sua história
de vida e seus sentimentos (NÓVOA, 2007).
A identidade não é um dado adquirido, não é
uma propriedade, não é um produto. A identi-
dade é um lugar de lutas e conflitos, é um espa-
ço de construção de maneiras de ser e de estar
na profissão. Por isso, é mais adequado falar em
processo identitário, realçando a mescla dinâ-
mica que caracteriza a maneira como cada um
se sente e se diz professor. (NÓVOA, 2007, p. 16,
grifo do autor).
Diante do próprio aprendizado sobre a identidade pessoal
e profissional do ser professor, cabe-lhe ousar e inovar. Ousar,
assumindo a condição de aprendiz e mediador do conhecimento,
numa busca constante dos saberes necessários para sua prática
pedagógica, às regras e aos conceitos normativos, mantendo for-
te comprometimento profissional. Cabe-lhe ainda inovar a ges-
tão da sala de aula, com recursos pedagógicos que contribuam
para o processo de aprendizagem do aluno, afinal o professor se
torna professor em função de colaborar com o crescimento cog-

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
302

nitivo de pessoas. É uma exigência própria de sua atuação, que


até chega a ser um dilema, como destaca Franco (2000, p. 34):
1) Problemas em conduzir o processo de ensino
e de aprendizagem, considerando as etapas de
desenvolvimento de seus alunos e o conteúdo
a ser desenvolvido; 2) Problemas com a disci-
plina dos alunos e com a organização da sala
de aula.
Isto posto, percebe-se que o espaço escolar também é res-
ponsável pelo processo de formação docente, onde se estabelece
a relação entre teoria e prática e onde, portanto, constitui-se um
cenário de movimento da arte de educar. Logo, torna-se neces-
sário que as instituições de ensino busquem oferecer condições
próprias que as façam responsáveis de fato pelo processo de for-
mação dos professores iniciantes.
Não basta que a formação do professor desenvolva apenas
o pensamento e a reflexão do trabalho educativo; é necessário
que a instituição de ensino persiga princípios de abertura para
o ato de repensar e avaliar suas ações como organização social,
criando contextos que favoreçam seu desenvolvimento.

Projeto CASa UFC: ousar e inovar na formação do


docente iniciante

Tendo em vista a criação de um espaço de troca de ideias,


de informações e de conhecimentos que façam crescer as práticas
pedagógicas estratégicas para o desenvolvimento e a formação
docente, a Universidade Federal do Ceará (UFC) implantou o
Projeto CASa – Comunidade de Cooperação e Aprendizagem
Significativa, em 2009.
O Projeto CASa é um programa de desenvolvimento e for-
mação docente fundado pela Pró-Reitoria de Graduação da UFC,
que tem como objetivo oferecer um amplo e diversificado leque

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE •


LUANA BATISTA RODRIGUES
303

de atividades de caráter contínuo, dialógico e formativo, com o


propósito de construção cooperativa, envolvendo docentes (no-
vatos e veteranos), discentes (de graduação e de pós-graduação) e
técnicos das diversas unidades acadêmicas da UFC, mas aberto,
também, à participação da comunidade. Tem como alicerce os
seguintes princípios: heterogeneidade, trabalho coletivo, intera-
ção, solidariedade, equidade e transformação (UFC, 2016).
Atualmente, são oferecidos quatro grandes tipos de ativi-
dades para a formação docente (UFC, 2016):

I) Encontros Agendados: são encontros periódicos com


suas áreas temáticas subdivididas em:

a) Mentores da Docência: espaço para homenagear os


docentes que marcaram positivamente a vida de pro-
fessores da UFC. Na ocasião, os mentores comparti-
lham suas trajetórias na vida docente, inspirando prá-
ticas pedagógicas comprometidas e transformadoras;
b) Seminários Pedagógicos: palestras com temas volta-
dos à Pedagogia Universitária;
c) Encontros de Didática: encontros dinamizados por
docente-pesquisador de Didática, como espaço que
valoriza o fazer pedagógico fundamentado na reflexão
compartilhada sobre as práticas de ensino;
d) Espaço Temático: encontros para o compartilhamento
de experiências de docentes da UFC;
e) Diálogos CASa UFC: espaço para aproximar os do-
centes das diversas ações, recursos e projetos da UFC,
bem como promover a formação política do professor
universitário;
f) Encontros de Aprendizagem Cooperativa: espaço de
formação e fomento da metodologia da Aprendizagem
Cooperativa;

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
304

g) CASa de Filosofia: espaço para o exercício do diálogo


filosófico como instrumento de ampliação do discerni-
mento racional e de formação de uma visão de totalidade;
h) CASa de Artes: espaço estético para fruição das artes e
de diversas manifestações do sensível;
i) CASa de Ciência: espaço epistêmico para o compartilha-
mento de pesquisas em diversas áreas do conhecimento;
j) CASa de Religião: espaço destinado à investigação dos
valores e da formação mística humana, de diferentes
tradições, saberes, experiências e horizontes de compre-
ensão da experiência religiosa e do autoconhecimento.

II) Ambiências Temáticas (ATS): são comunidades cria-


das e gerenciadas por docentes da UFC, visando à construção
de aprendizagens compartilhadas em torno de um tema relacio-
nado ao desenvolvimento, formação e atuação docente no Ensi-
no Superior. Consistem em uma forma de a CASa considerar o
protagonismo e a trajetória de cada professor(a), por entender
que a (trans)formação ocorre no diálogo e no compartilhamen-
to, e não apenas por meios prescritivos e/ou instrutivos. Para
abrir uma Ambiência Temática (AT), é necessário que um grupo
mínimo de professores se reúna em torno de um tema comum
ao coordenador da AT e aos demais participantes e estabeleça
tanto a periodicidade dos encontros quanto a sua natureza, se
serão presenciais e/ou virtuais. Por exemplo, podem-se cadastrar
atividades vinculadas ao Núcleo Docente Estruturante (NDE),
reformulações de Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e outros
projetos relacionados à docência universitária.

III) Cursos de média e longa duração: são cursos oferecidos


por meio de parcerias interinstitucionais. São eles: Docência Inte-
grada às Tecnologias da Informação e Comunicação; Cursos sobre
temas específicos relacionados ao ensino e à pesquisa; Disciplina
de Didática no Ensino Superior.

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE •


LUANA BATISTA RODRIGUES
305

IV) Colaborações virtuais: correspondem às estratégias


que favorecem a veiculação de experiências docentes bem-suce-
didas, tais como: participação no programa da Rádio Universi-
tária; filmagem para o “Curta Docente”; produção do Blog da
CASa, onde são postados relatos de experiências, textos acadê-
micos e literários, resenhas e entrevistas.
O projeto em suas dimensões traz uma visão de univer-
sidade aberta ao novo papel do professor de Ensino Superior,
um papel de educador que se amplia em busca de uma educação
que inclua escutar o outro, na abertura, no diálogo, favorecendo
a travessia entre a subjetividade e a objetividade (SCOZ, 2000).
Esses elementos constituem-se em alguns dos saberes funda-
mentais à formação docente, para que desenvolva uma prática
educativa crítica, pois, segundo Freire (2004, p. 23), “[...] ensinar
não é transferir conhecimentos e conteúdos [...]. Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.
É fundamental que o professor participe do processo
de repensar a construção do conhecimento, numa perspectiva
construtivista, na qual a mediação e a interação são os pressu-
postos essenciais para que ocorra aprendizagem. O professor
pode trabalhar de maneira construtivista; nessa perspectiva, os
alunos constroem o seu conhecimento a partir da interação com
o objeto, e o professor torna-se mediador entre o conhecimento
e o aluno. Nas diversas atividades que o Projeto CASa está or-
ganizando, vale a pena ressaltar os Encontros de Aprendizagem
Cooperativa e a Docência Integrada às Tecnologias da Informa-
ção e Comunicação.
O professor pode utilizar vários tipos de recursos e me-
todologias para desenvolver os conteúdos em sala de aula, uti-
lizando recursos audiovisuais, textos reflexivos, jogos didáticos,
espaço externo à sala de aula, partindo para pesquisa de campo,
e outras estratégias para facilitar a interação do aluno com o co-
nhecimento e do aluno com a sua realidade.

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
306

Uma das práticas inovadoras que o Projeto CASa promove


é o curso que integra a docência às novas tecnologias. O domí-
nio das novas Tecnologias de Informação e Comunicação tem
a capacidade de potencializar a interação dessas tecnologias no
campo educacional. Esses são alguns exemplos que devem ser
contemplados na formação do profissional de educação para que
o mesmo possa responder às demandas do aluno inserido no am-
biente tecnológico.
Para Piaget (1991), o conhecimento é construído a partir
da interação do sujeito com o objeto. O desenvolvimento cogni-
tivo se dá pela assimilação do conhecimento das estruturas ante-
riores presentes no sujeito e pela acomodação dessas estruturas
em função do que vai ser assimilado.
Para que essa formação ocorra, todo o ambiente educacio-
nal precisa estar comprometido com o aluno, principalmente o
professor, que se torna o mediador entre o discente e o conheci-
mento. Essa mediação deve ocorrer de maneira consciente, crítica
e intelectual, buscando as melhores metodologias e estratégias de
aprendizagem e formação, como encontramos no Projeto CASa.
O docente pode adotar uma postura crítica ante a reali-
dade, atuando de forma responsável e participando do contexto
social no qual está inserido não meramente como crítico, mas
como sujeito reflexivo, capaz de perceber a realidade e, a partir
dela, assumir coerentemente uma postura educativa, com postu-
ra intelectual transformadora, capaz de pesquisar e produzir o
próprio conhecimento.

Considerações finais

Pensar em educação pressupõe pensar em formação docen­


te e prática pedagógica com qualidade. Assim, é preciso refletir
e entender a formação do professor para o desenvolvimento dos
saberes docentes, de forma dinâmica e contextualizada com a

RAIMUNDA HEVELINE RIBEIRO QUIRINO • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE •


LUANA BATISTA RODRIGUES
307

rea­lidade. É verdade que a formação não se dá apenas por mera


acumulação de conhecimentos, deve propiciar situações que via-
bilizem a reflexão e a tomada de consciência das limitações so-
ciais, culturais e ideológicas da profissão docente, considerando
como horizonte um projeto pessoal e coletivo.
Precisa-se, então, de uma classe de professores que esteja
sempre em preparação em face de um novo desafio, o de ser profes-
sor, formado para esse fim, com vocação e profissionalismo. Esse
preparo acontece em virtude da necessidade de esse profissional
ter clareza da importância de seu papel e da satisfação de ensinar. O
professor precisa entender como os alunos aprendem e saber iden-
tificar o seu papel nesse processo. É necessário preocupar-se com
a prática pedagógica e com a intenção de educar, produzir conhe-
cimento e desenvolvimento, proporcionando ao indivíduo uma
mudança de atitude. O professor deve estar inteiramente ligado ao
aluno, tornando-se responsável pelo processo de aprendizagem.
Para que essa desafiadora missão de ensinar se cumpra,
considera-se pertinente a preparação institucional universitária,
a afetividade pessoal, o amor e respeito à profissão e a percepção
da sala de aula como um ambiente prazeroso. É preciso pautar
o fazer docente na compreensão da aprendizagem como ato co-
letivo e contínuo, ir além da ação metodológica restrita à expo-
sição verbal e aos exercícios de fixação. Práticas orientadas para
atividades intelectuais dos alunos, por meio de problematização,
análise e confronto de experiência social desses sujeitos com os
conteúdos acadêmicos, podem transformar a rotina pedagógica
em ação didática geradora de desafios à aprendizagem em espa-
ços de interação e livre expressão.
Diante dessas perspectivas, conclui-se que a aprendiza-
gem é um processo dinâmico, que envolve a relação entre o pro-
fessor, o aluno e o meio, sendo preciso, para que isso ocorra com
êxito, que o professor esteja atento à sua formação, a fim de que
perceba os fatores que motivam os educandos a aprender. Enfim,

O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
308

cabe ao professor iniciante buscar continuamente adquirir sa-


beres acadêmicos e disciplinares, avaliar comportamentos, com-
partilhar conhecimentos, obter destrezas, atitudes e valores que
constituem a especificidade de sua profissionalização docente.

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O PROFESSOR INICIANTE E SEUS DESAFIOS NA PRÁTICA DOCENTE PARA A FORMAÇÃO


DO ALUNO NO ENSINO SUPERIOR: O PROJETO CASA DA UFC
310

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E


FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:
TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES


Doutora e mestra em Educação, especialista em Psicopedagogia e graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora adjunta na Universidade da Integração Interna-
cional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Com experiência em Ensino, Gestão e Avaliação Educa-
cional, atua como pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq/Capes), sendo a responsável pelo eixo de Formação e Ensino da Incubadora Tecnológica de
Economia Solidária (Intesol) da Unilab.
E-mail: <deboraleite@unilab.edu.br>.

MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestra em Educação, Arte e His-
tória da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e graduada em Pedagogia, com
habilitação em administração escolar, pela UFC. Atualmente é professora associada da UFC.
E-mail: <isabelfil@uol.com.br>.

SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Ceará (UFC), mestra em Educação
em Saúde pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e graduada em Pedagogia pela UFC. Professora
adjunta da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Desen-
volve pesquisas nas áreas de Formação de Professores, Violência na Escola, Mediação de Conflitos
Escolares, Direitos Humanos e Cidadania.
E-mail: <sinaramota@unilab.edu.br>.
311

Introdução

N a busca por ampliarmos a compreensão de um campo de


estudos bastante complexo, como é o da Estrutura e Funciona-
mento do Ensino em nosso país, nossa reflexão inicia-se por uma
análise de como a educação foi concebida no passado, uma vez
que o presente é, de fato, resultado de uma construção histórica
que determina circunstâncias próprias para a educação. Nesse
sentido, é importante refletir sobre fatos passados, a fim de com-
preendermos algo que o hoje por si nem sempre define.
Nessa perspectiva, com base nos estudos de Libâneo et
al. (2003), Saviani (2008), Vieira e Albuquerque (2008), dentre
outros, ressaltamos a importância de destacar a legislação da
educação brasileira como ponto de partida, privilegiando a his-
tória das disciplinas que abordam a Estrutura e Funcionamento
do Ensino, considerando inclusive aspectos etimológicos que
servem de suporte para a denominação das disciplinas que in-
tegram obrigatoriamente o currículo básico para a formação de
docentes no Brasil.
Segundo Vieira e Albuquerque (2008), é preciso saber que
a palavra “estrutura” tem sua origem no latim structura e deriva
do verbo struere, que significa construir. Entretanto, as múltiplas
análises sobre seu significado conferem-lhe uma natureza polis-
sêmica. Nesse sentido, Saviani (1996) defende que tal significado
deve ser definido de acordo com sua utilização.
Para uma melhor compreensão, faz-se imprescindível con-
siderar a articulação dos conceitos de estrutura e ­funcionamento,

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
312

conforme salienta Silva (1999, p. 21), quando afirma que “[...] a


estrutura e a função são provisórias, ainda que a função seja rela-
tivamente mais durável e a estrutura relativamente mais provi-
sória; são contraditórias e como tal estão ligadas por uma relação
indissolúvel”. Partindo dessa compreensão, pode-se inferir que
tanto a estrutura quanto o funcionamento do sistema educacio-
nal são influenciados pela transformação da realidade, produzi-
dos em determinados e diferenciados contextos.
Ainda segundo Vieira e Albuquerque (2008), é importan-
te ressaltar que é preciso atenção para não confundir os termos
“função” e “funcionamento”, pois não possuem o mesmo signi-
ficado. Para tanto, é interessante observar a analogia proposta
por Saviani (1996) quando estabelece uma comparação entre a
Estrutura e o Funcionamento do Ensino e a Biologia, associando
a “estrutura” do ensino à anatomia, visto que focaliza os diversos
órgãos que constituem suas características básicas. Por sua vez,
o “funcionamento” do ensino se relaciona à fisiologia, dado que
enfatiza o modo como funcionam os diversos órgãos que consti-
tuem o ensino. Por isso, pode-se inferir que, sendo ambos provi-
sórios, a estrutura e o funcionamento dizem respeito à organiza-
ção do sistema escolar.
Considerando que tanto a estrutura quanto o funciona-
mento são mutáveis – e que a primeira possui um caráter de-
terminante sobre o segundo –, conclui-se que, quando uma
reforma educacional modifica a organização geral do ensino,
possibilitando novas formas de acesso, de financiamento, dentre
outras, pode-se dizer que essa é uma reforma estrutural. Essa,
certamente, implicará mudanças no funcionamento do ensino,
sabendo, porém, que diversas formas de funcionamento podem
corresponder a uma mesma estrutura.

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
313

Contexto histórico das disciplinas que compõem a área


de Estrutura e Funcionamento do Ensino no Brasil

Situada em um contexto histórico e social, a disciplina de


Estrutura e Funcionamento do Ensino vem se desenhando na
história dos cursos de Pedagogia e demais licenciaturas desde
1939, quando emerge uma preocupação com os aspectos legais e
administrativos da escola, que na ocasião estavam agrupados na
disciplina denominada Administração Escolar.
Conforme Libâneo et al. (2003), somente mais tarde, preci-
samente em 1962, com o Parecer no 292/1962, do Conselho Fede-
ral de Educação (CFE), e com a resolução que fixava as matérias
pedagógicas dos cursos de licenciatura, implantou-se a disciplina
Elementos de Administração Escolar, cujo objetivo era conduzir o
futuro educador a conhecer a escola em que iria atuar, seus objeti-
vos, sua estrutura e os principais aspectos do funcionamento, além
de propiciar uma visão unitária do binômio e­ scola-sociedade.
Nessa perspectiva, a legislação do ensino estabelece, com
precisão, o campo e a natureza das disciplinas que tratariam so-
bre a estrutura e o funcionamento do ensino. Estabelece-se que
essas devem proporcionar ao profissional do magistério uma vi-
são ampla do processo de ensino, a fim de que esse possa alocar-
-se em seu trabalho escolar de forma integrada, sistematizada e
crítica. Diante disso, é importante enfocar que, no Parecer no
251/1962, acentua-se uma preocupação com o estudo do processo
de ensino mais do que propriamente com a estrutura da escola.
Anos depois, com o objetivo de adequar os currículos
de Pedagogia e das Licenciaturas à Lei no 5.540/1968, foram
homo­logados, respectivamente, os Pareceres no 252/1969 e no
672/1969, ambos emitidos pelo Conselho Federal de Educação
(CFE), que incluíram a disciplina então denominada Estrutu-
ra e Funcionamento do Ensino de 2o Grau, que substituiria a
discipli­na referente à Administração Escolar com o argumento de

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
314

que, m
­ antendo a antiga denominação, o aspecto administrativo
prevaleceria, sem considerar os aspectos específicos referentes à
estrutura e ao funcionamento do ensino. Com a nova nomencla-
tura, objetivava-se ampliar as discussões educacionais para um
contexto social mais abrangente. Nesse sentido, no Parecer no
379/1972 do CFE consta:
[...] em estrutura e funcionamento do ensino
serão estudados a partir dos fundamentos le-
gais, técnicos e administrativos do nível escolar
em que o futuro mestre irá atuar. Deve o futuro
professor saber utilizar os conhecimentos ad-
quiridos no estudo do diagnóstico do sistema
educacional no Brasil, tomando conhecimento
dos problemas, suas causas e conseqüências, a
fim de que, ciente de sua parcela de responsa-
bilidade, procure solucionar ou atenuar os pro-
blemas, diminuindo seus efeitos. Indispensá-
vel, por exemplo, desenvolver a habilidade no
manuseio de dados, gráficos e medidas estatís-
ticas utilizadas em educação, proporcionando
condições favoráveis à formação de uma atitude
crítica e objetiva em face de fatos, problemas,
soluções e decisões.
Apesar das definições legais e do espaço proporcionado à
disciplina pelo Parecer no 672/1969 do CFE constata-se, ainda
hoje, que o seu desenvolvimento ocorre de forma diferente, pois
o enfoque mais amplo, muitas vezes, é substituído por um mais
restrito, que se limita a discussões de estrutura do ensino. Isso
é oriundo de movimentos ocorridos na sociedade brasileira que
conduziram à adoção do paradigma funcionalista e que se refleti-
ram na educação brasileira, levando à predominância do aspecto
tecnicista no ensino.
A partir do surgimento do movimento em prol da refor-
mulação dos cursos de formação de educadores, no início da

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
315

­ écada de 1980, apareceram propostas curriculares alternativas


d
que contemplavam disciplinas com denominações diferentes:
Educação Brasileira, Políticas Educacionais, Organização do
Trabalho Pedagógico (ou Escolar), dentre outras nomenclaturas
cujo conteúdo disciplinar não diferia muito em relação àquele
proposto por Administração Escolar e por Estrutura e Funcio-
namento do Ensino.
Contudo, vale destacar que a implantação dessas discipli-
nas por força de lei e, sobretudo, pela maneira como são tratadas
em grande parte dos cursos de formação de professores, nos quais,
inúmeras vezes, só enfatizam os aspectos técnico-legais, refletindo
uma visão fragmentada, tendenciosa e ideológica de educação, im-
pede a formação de uma atitude crítica, indispensável ao educador.
Diante disso, há um questionamento pertinente: será que
a falta de motivação para as disciplinas da área de estrutura de-
corre do caráter antidemocrático de sua proposta ideológica de
governo, que interferiu diretamente na organização, estrutura e
funcionamento do ensino no Brasil, tendo em vista que professo-
res foram presos e demitidos; universidades foram invadidas; es-
tudantes foram encarcerados, feridos e até mortos nos confrontos
com a polícia; foram calados; e a União Nacional dos Estudantes
proibida de funcionar através do Decreto-Lei no 477/1969?
É relevante destacar que, no período anterior, de 1946 a
meados de 1964, atuaram educadores que marcaram época, por
exemplo: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho,
Carneiro Leão, Armando Hildebrand, Paschoal Lemme, Paulo
Freire, Lauro de Oliveira Lima, Durmeval Trigueiro, dentre ou-
tros, os quais, além de perpetuarem as suas ideias, muito contribuí­
ram com a educação nacional, tecendo registros importantes que
revelam, direta ou indiretamente, informações que influenciaram
no sentido de uma melhor compreensão quanto à organização,
estrutura e funcionamento da educação, enfocando, inclusive, as-
pectos relacionados à gestão educacional (CARON, 2007).

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
316

Nos parágrafos seguintes, busca-se revelar a trajetória


da disciplina em estudo e pretende-se elucidar questões como:
quais os fundamentos epistemológicos e filosóficos dessa disci-
plina? Quais os conteúdos trabalhados? Que contribuições con-
fere na formação de educadores? Qual tem sido a sua trajetória
no que diz respeito à determinação de seu objeto de estudo, seus
objetivos, temas e abordagens?
As respostas a tais questionamentos são a oportunidade
para o surgimento de novas concepções e reorganização de cur-
rículos para a formação inicial de professores. Posto isto, faz-se
necessário elencar e problematizar questões dessa natureza, su-
gerindo, caso necessário, um reordenamento de ideias para sus-
tentar a investigação educacional sobre as competências profis-
sionais dos educadores.
Na história das disciplinas da referida área em estudo, a
denominação Estrutura e Funcionamento do Ensino surge pela
primeira vez através da Resolução no 2/1969 do CFE, que fixou
os conteúdos mínimos a serem ministrados e a duração do curso
de Pedagogia, incluindo para esse curso a abordagem da estru-
tura na parte diversificada dos currículos em três formas: Estru-
tura e Funcionamento do Ensino de 1o Grau, Estrutura e Fun-
cionamento do Ensino de 2o Grau e Estrutura e Funcionamento
do Ensino Superior. A referida resolução priorizou elementos
na legislação que são básicos para a disciplina, como: a escola e
o ensino, sendo que, num primeiro momento, aborda-se especi-
ficamente sobre a organização e o funcionamento da escola e, no
segundo, priorizam-se aspectos ligados ao ensino, como: meto-
dologia, material didático, carga horária, dentre outros.
Essas duas abordagens conservam a concepção básica pre-
sente nos pareceres legais, que consiste em apresentar a escola e
o ensino como elementos prontos e acabados que fazem parte de
um sistema educacional racionalmente organizado e de uma so-
ciedade organicamente constituída e funcional. Partindo desse

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
317

pressuposto, Saviani (1987) compara a disciplina em evidência


ao modelo biológico, em que a estrutura indica a anatomia do
ensino (os órgãos que o constituem, suas características básicas)
e o funcionamento, sua fisiologia (o modo pelo qual funcionam os
diversos órgãos que constituem o ensino). Quanto ao sistema, o
referido autor traz uma problematização em torno do conceito
de sistema educacional, o qual apresenta a existência do sistema
educacional brasileiro como um instrumento para a unidade do
comportamento humano, assinalando, ao mesmo tempo, seu ca-
ráter de subsistema em relação ao sistema social.
Nessa perspectiva, Saviani (1987, p. 28) conceitua o sis-
tema educacional “[...] como um conjunto dinâmico, com seus
elementos interagindo, incorporando contradições e se compor-
tando, ao mesmo tempo, como condicionado e condicionante do
contexto em que está inserido”.
Por sua vez, Lima e outros, citados por Viana, Ciasca e
Sobral (2010), apresentam o termo “sistema” como oriundo do
latim tardio e do grego systema, de synistanai: juntar. Para os au-
tores, a noção de sistema consiste no entendimento deste como
reunir, ordenar e coligir, correspondendo ao resultado de uma
atividade sistematizadora. Cabe salientar que os sistemas exis-
tem inseridos noutros sistemas; são abertos e suas funções de-
pendem diretamente de sua estrutura.
Após a implantação da Resolução no 9/1969 do CFE,
responsável pelo estabelecimento dos mínimos de conteúdos e
da duração para os cursos de licenciatura, que, considerando a
necessidade de formação pedagógica, tinham a obrigatoriedade
de oferecer as chamadas disciplinas pedagógicas, a saber: Psi-
cologia da Educação, Didática, Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 2o Grau e Prática de Ensino, sob a forma de estágio
supervisionado. Posteriormente, a partir da aprovação da Lei no
5.692/1971, que instituiu o Ensino de 1o e 2o Graus, atualmente
denominados: Ensino Fundamental e Médio, respectivamente,

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
318

a denominação da disciplina passou a se chamar: Estrutura e


Funcionamento do Ensino de 1o e 2o Graus.
A partir de então, passou-se a considerar a legislação como
o cerne da referida disciplina, na qual os termos: escola e organi-
zação do ensino são expressões recorrentes. Assim, a então disci-
plina denominada Legislação do Ensino de 1o e 2o Graus, antes
obrigatória em algumas habilitações do curso de Pedagogia, tor-
nou-se a matéria-prima da disciplina Estrutura e Funcionamen-
to do Ensino. No que se refere à organização do ensino escolar,
privilegia-se a descrição dos órgãos e seu funcionamento, bem
como a análise de seus componentes administrativos e curricu-
lares, por meio de textos legais – leis, decretos, resoluções, pare-
ceres, dentre outros.
Atualmente, as propostas curriculares dos cursos de Pe-
dagogia e de licenciaturas apresentam várias denominações para
as disciplinas da área. Segundo Libâneo et al. (2003), as mais co-
muns são: Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental
e Médio (curso de Pedagogia e licenciaturas), Didática e Prática
de Ensino de Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamen-
tal e Médio (curso de Pedagogia).
As autoras deste artigo elegeram, a título de exemplo,
três instituições que apresentam nomenclaturas diferenciadas
para as disciplinas da referida área de estudos: a Universidade
­Federal do Piauí, campus situado em Floriano-Piauí, a Universi­
dade Federal do Ceará, campus situado em Fortaleza-Ceará, e a
Universidade Estadual Vale do Acaraú, campus situado em So-
bral-Ceará.
A Universidade Federal do Piauí denomina as ­disciplinas
da área como Legislação da Educação Básica, tanto para os de-
mais cursos de licenciatura quanto para o curso de Pedagogia
especificamente. Enquanto a Universidade Estadual Vale do
Acaraú utiliza como nomenclatura, na maioria de suas compo-
sições curriculares, o título de Estrutura e Funcionamento da

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
319

Educação Básica. Por sua vez, na Universidade Federal do Ceará,


adotam-se as seguintes nomenclaturas para as disciplinas da área
em estudo: para o curso de Pedagogia, Estrutura e Funciona-
mento da Educação Básica, por contemplar o nível da Educação
Básica desde a Educação Infantil; já para os cursos de licenciatu-
ra, utilizam-se duas denominações: Estrutura e Funcionamento
do Ensino Fundamental e Médio, para atender a uma proposta
curricular antiga, e Estrutura, Política e Gestão Educacional,
nomenclatura utilizada para atender ao currículo em vigor no
período desta pesquisa, que ocorreu entre os meses de fevereiro
de 2013 e maio de 2014.
As informações apresentadas por Libâneo et al. (2003)
atestam que, de forma geral, a disciplina denominada Estrutura
e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio é ofertada
no segundo ou no terceiro ano do curso de Pedagogia, com carga
horária anual que varia entre 60 e 128 horas, ministrada em seis
meses ou um ano, conforme o regime de funcionamento do cur-
so – créditos ou seriado. Para os cursos de licenciatura, a carga
horária também é a mesma, sendo que a disciplina aparece nos
currículos em períodos ou anos diferenciados, variando bastante
de instituição para instituição.
No Brasil, as disciplinas da área de Estrutura e Funciona-
mento do Ensino se estabeleceram por imposição legal a partir
da Resolução no 9/1969 do CFE, que as colocava como indispen-
sáveis na composição das disciplinas obrigatórias que conferiam
ao educando matriculado nos cursos de licenciatura o direito
para atuar na área do ensino e, consequentemente, em sua orga-
nização e administração.
Na UFC, por volta dos anos 2010/2011, com o estabeleci-
mento do Fórum das Licenciaturas, posteriormente denominado
Grupo de Trabalho das Licenciaturas (GTLS), um novo enfoque é
dado à importância das disciplinas afins à estrutura organizacio-
nal do ensino. Estas, e aqui se incluem as disciplinas da área de

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
320

Estrutura e Funcionamento do Ensino, por sua vez, ­atualizam-se


e ganham novas nomenclaturas. Nesse ensejo, as referidas disci-
plinas ganham relevo quando abrem espaço para discussões mais
apuradas no campo da política e gestão educacional e buscam
atender às necessidades do mercado de trabalho, que exige edu-
cadores que sejam não apenas excelentes professores, mas que
também sejam capazes de atuar como bons gestores.
Na prática, percebe-se que, partindo de uma abordagem
legalista e formal, os textos e os documentos legais são apresen-
tados e analisados sistêmica e funcionalmente. Assim, confor-
me Saviani (1987, p. 134): “[...] acabam por enfatizar o ideal em
detrimento do real, tomando o dever-ser pelo ser, a norma pelo
fato”. Compreende-se, então, que essa abordagem finda por ater-
-se à letra, às linhas, ao texto legal e/ou ao documento, o que torna
o estudo bastante árido, insípido e aversivo, o que j­ustifica, pro-
vavelmente, os altos índices de evasão e reprovação, bem como
de falta de motivação dos estudantes ante as disciplinas da área.
Para o referido autor, no que tange à abordagem político-
-ideológica, durante o desenvolvimento da disciplina, enfatizam-
-se os chamados textos críticos, em detrimento dos textos legais
e/ou documentos. Embora se evidencie certo engajamento por
parte dos alunos no processo de ensino-aprendizagem a partir
dessa metodologia, considera-se um risco procurar revelar o real
com base em uma visão político-ideológica, visto que essa aproxi-
mação vincula-se diretamente ao contexto, ao espírito e às entre-
linhas dos textos legais e/ou documentos. É preciso estar alerta e
ser cuidadoso para que o estudo não se torne parcial e partidário.
Contudo, considerando a abordagem histórico-crítica, o
autor defende que os textos legais e/ou documentos devem ser
usados como referencial para a análise crítica da organização es-
colar. Porém, nessa perspectiva, textos críticos servem à reflexão
e à análise crítica dos textos legais e/ou documentos, por isso
Saviani (1987, p. 134) afirma que “[...] não basta ater-se à letra

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
321

da lei; é preciso captar seu espírito. Não é suficiente analisar o


texto; é preciso examinar o seu contexto. Não basta ler as linhas,
é necessário ler as entrelinhas”.
Libâneo et al. (2003) defendem que é possível desfazer a
visão ingênua, acrítica, legalista, formal-idealista, reprodutora,
parcializada e partidária do processo educativo, o que somen-
te será possível a partir de uma postura inovadora. Assumindo
uma postura diferenciada, os autores acreditam que o estudo da
disciplina poderá tornar-se mais fértil, dinâmico, investigativo
e crítico-reflexivo, o que, de certa maneira, contribuiria para o
progresso na concepção da disciplina, principalmente quanto às
contribuições que as disciplinas da área de estrutura fornecem
para a formação de educadores.
Vale enfocar que, independentemente da denominação
que tais disciplinas recebam ou das abordagens nas quais são
trabalhadas, é certo que as referidas disciplinas são fortemente
marcadas por contextos e tendências históricas diferentes que
atuam, de maneira diferenciada e importantíssima, na produção
do conhecimento sobre a educação brasileira e por posiciona-
mentos e/ou formações bem diversificados dos professores.
Consoante as ideias de Monteiro (1995), quando conside-
ra questões referentes ao cerne metodológico, defende-se que o
desenvolvimento dos conteúdos na referida disciplina deve obe-
decer à articulação entre três elementos: a) visão oficial – conhe-
cimento da legislação educacional, programas e planos de gover-
no; b) visão da realidade – comparação da visão oficial com o que
acontece de fato no funcionamento do ensino (cotidiano vivo);
e c) visão crítica – após conhecimento das anteriores, procede-se
à crítica fundamentada para a geração de novos conhecimentos.
Ou seja, deve ser presente e atuante o elo entre teoria e prática,
a fim de viabilizar um ensino e aprendizagem úteis e marcantes.
Saviani (1987), por sua vez, assevera que devem ser con-
sideradas três etapas no exame crítico da legislação de ensino:

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
322

a) contato com a lei – análise textual para apreender a estrutura


do texto; b) exame das razões manifestas – leitura, por exemplo,
da exposição de motivos, dos pareceres, dos relatórios, etc.; e c)
busca das razões reais – implica o exame do contexto (processo
histórico/condicionantes socioeconômicos e políticos) e o exame
da gênese da lei, isto é, o processo de elaboração da lei, os atores
e seus papéis.
Contudo, corroborando as ideias de Coelho (1987) e Cunha
(1985), é importante salientar que, ao longo dos anos, os progra-
mas dessas disciplinas se apoiaram, quase que exclusivamente,
sobre os aspectos técnico-legais e priorizavam estabelecer um
quadro teórico que permitisse compreender basicamente a legis-
lação à luz de novas concepções no que se refere à formação do
educador e sua práxis de ensino, o que, de certa forma, dificultava
e impedia a formação de um educador crítico, capaz de compre-
ender o porquê dos problemas educacionais concretos, de pro-
por mudanças significativas tanto na atual estrutura educacional
como também no conjunto da legislação do ensino.
Em face do enfoque tecnicista que predominou no Bra-
sil a partir dos anos de 1970, acredita-se que o fato citado no
parágrafo anterior ocorreu marcado pelos dogmas da ditadura
militar, que partia do pressuposto de que as leis são boas e de
que as falhas ocorridas se davam em razão da falta de aplica-
bilidade. Nessa situação, envolvia-se a atuação do professor de
Estrutura e Funcionamento da Educação Brasileira, que, nesse
período, compreendia como prioritário tanto o conhecimento
quanto a subserviência à legislação como sendo sinônimos de
boa formação pedagógica. Partindo dessa compreensão, o bom
professor seria aquele cumpridor eficiente das normas legais e
técnico-burocráticas.
Por conseguinte, considerando os fatos positivos e nega-
tivos vivenciados na década de 1970, faz-se relevante destacar
também que a década de 1980 foi protagonista de um processo

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
323

de abertura política, posteriormente consolidado na década de


1990, que, por sua vez, trouxe novos enfoques de análise da rela-
ção entre educação e sociedade, tendo em vista que a moderni-
dade redimensionou o contexto sociopolítico e econômico, bem
como a função social da educação através do estabelecimento de
uma nova ordem mundial.
No que se refere ao desenvolvimento do conteúdo, de
acordo com os estudos de Libâneo et al. (2003), há quem sugira
trabalhar com relatos de pesquisas e/ou com temas-pretexto de
investigação. Para os autores, quando alguns temas da disciplina
(organização formal e informal da escola, financiamento do en-
sino, gestão democrática e participativa, dentre outros) são tra-
balhados com o auxílio dos textos legais, dos documentos e dos
textos críticos, com base no interesse em elucidar questões ou
problemáticas decorrentes da prática profissional ou mesmo de
situações norteadoras de investigação, deve-se buscar aliar o en-
sino à pesquisa, para tornar o processo de ensino-aprendizagem
mais dinâmico, reflexivo e significativo, além de proporcionar o
desenvolvimento de habilidades de investigação.
Baseando-se nesse princípio, o trabalho pedagógico não
se limitaria à transmissão-assimilação passiva dos conteúdos; ao
contrário, o conhecimento deve ser pesquisado, investigado e
produzido pelos próprios estudantes com a orientação e a media-
ção do professor, assim a investigação poderá exceder o conteúdo
dos textos legais, dos documentos e dos textos críticos, ou seja,
ultrapassar o convencional e rotineiro na sala de aula, contri-
buindo para uma aprendizagem mais significativa e prazerosa.
Na concepção de Mendonça e Lellis (1988), com o de-
senrolar da história, a disciplina foi deixando de enfatizar os
aspectos estruturais e formais do ensino para centrar-se priori-
tariamente nas questões relacionadas ao funcionamento do sis-
tema. Dessa forma, a perspectiva legalista, descontextualizada e
limitativa foi sendo modificada, a fim de privilegiar a discussão

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
324

de a­ lternativas para a reconstrução de escola e do sistema edu-


cacional brasileiro, que se desenvolveu de maneira diferenciada,
de modo a atender às novas exigências dessa sociedade que se
constitui desde o imediato período pós-ditatorial e continua to-
mando novas formas até os dias atuais.
Libâneo et al. (2003) assinalam que o tratamento de uma
escola e de um ensino genéricos vem transformando-se, uma vez
que, para a abordagem de uma escola e de um ensino concretos,
na perspectiva de transformá-los democraticamente, é preciso
realizar alguns questionamentos que se relacionam diretamente
às disciplinas da área de Estrutura e Funcionamento do Ensi-
no, por exemplo: a) se ocorreu mudança somente na abordagem/
compreensão do objeto; b) se o objeto de estudo da disciplina
continuou, então, a ser a escola e a organização do ensino; c) se
a legislação e os documentos constituem ainda o eixo básico da
apreensão do cotidiano da escola e do ensino.
Nota-se que, em relação à disciplina em estudo, no seu de-
correr histórico, partiu-se de uma visão tecnicista para uma ópti-
ca histórico-crítica, em que as políticas voltadas para a educação,
nas esferas mundial, nacional, estadual e municipal, passaram a
ser tratadas com maior seriedade e intensidade, uma vez que são
essas políticas que norteiam, em grande parte, a legislação edu-
cacional, responsável por reger a escola e o ensino. Esse entendi-
mento possibilita uma reflexão dialética acerca da compreensão
da organização escolar, especialmente no que se refere à relação
teórico-prática.
Posto isto, faz-se indispensável compreender que as dis-
ciplinas que compreendem a área de Estrutura e Funcionamen-
to da Educação precisam trabalhar com a legislação, porém de
forma não mitificada. Devem ser vistas como um campo para a
discussão sobre os embates sociais, constituído principalmente
por avanços e retrocessos que delimitam as possibilidades po-
lítico-pedagógicas dos profissionais da educação. Nesse caso,

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
325

e­ nfocar a formação do gestor educacional constitui-se como uma


inovação a ser considerada.
Nesse sentido, apresenta-se o desafio de redimensionar
as disciplinas de forma que elas possam servir de base para a
compreensão das relações entre as rápidas e profundas mudan-
ças que atravessam as sociedades modernas. Tal redimensiona-
mento deve possibilitar o apoio necessário à compreensão do
inter-relacionamento entre os sistemas educacionais; a atitude
crítica ante a realidade e o desenvolvimento da capacidade de
criação e decisão, com vistas a transformações na atual estrutura
e funcionamento da realidade educacional constatada a partir do
processo organizacional das escolas de Educação Básica e prin-
cipalmente da modificação para melhor dos resultados de apren-
dizagem através de uma gestão de qualidade.
Nesse contexto, a sociedade brasileira vem enfrentando
novos desafios e dificuldades, demandando políticas que po-
tencializem a melhoria da qualidade do Ensino Superior e da
formação profissional, que fomentem e reforcem a inovação, a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade nos programas acadê-
micos, bem como defendam a formação do cidadão crítico, ético,
criativo e socialmente comprometido com a sociedade, capaz de
produzir, organizar, difundir e controlar o conhecimento.
Nesse sentido, com vistas a atender às novas exigências so-
ciais contemporâneas e partindo da perspectiva pedagógica de um
diálogo interdisciplinar, defende-se aqui, como útil e necessária,
a prática de uma avaliação de disciplina que abranja as competên-
cias técnico-científicas, políticas e sociais, possibilitando a busca
aprofundada de uma concepção teórico-prática sobre as discipli-
nas da área de Estrutura e Funcionamento do Ensino, eximin-
do-a do enfoque tecnicista legalista e, sobretudo, inserindo-a na
relação teoria e prática da educação, com o escopo de encontrar
pontos possíveis de transformações no quadro caótico da realida-
de educacional brasileira. Para isso, acredita-se ser fundamental

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
326

desenvolver no estudante universitário criticidade, criatividade,


espírito científico e responsabilidade social, que são proposições
consideradas fundamentais e urgentes (­COELHO, 1987).
Ao aprofundar os estudos sobre esta questão, percebe-se
que o Ensino Superior não está isento dos problemas de ensino-
-aprendizagem e que, tanto na teoria quanto na prática, a estru-
tura, organização e funcionamento das escolas, bem como sua
gestão, têm, cada vez mais, sido abordados de um ponto de vista
burocrático, administrativo, envolvendo os níveis hierárquicos
de exercício do poder, os colegiados acadêmicos e as formas de
tomada de decisões. Embora esses aspectos sejam relevantes, é
preciso ressaltar o mais importante: tudo que ocorre na sala de
aula deve estar em consonância com o que ocorre no âmbito das
decisões em torno do projeto pedagógico do curso, dos objetivos
de ensino, do currículo, das relações entre professor e aluno, dos
procedimentos de ensino e, consequentemente, dos resultados
de aprendizagem.
Constata-se, portanto, que professores e estudantes uni-
versitários em geral estão submetidos às mudanças no campo
educacional, às diferentes metodologias de ensino, bem como
às distintas formas de avaliação. Porém, dentre estes, ainda se
mostra insuficiente o número daqueles que se dispõem a parar
para discutir, refletir e analisar as implicações, por exemplo, da
formação recebida através das disciplinas da área de Estrutura
e Funcionamento do Ensino para a prática profissional, ou ain-
da sobre como a dinâmica de desenvolvimento de determinada
disciplina contribuirá para aprendizagens significativas para a
prática profissional, dentre outras.
É importante também refletir sobre a formação de profes-
sores, uma vez que o Brasil, assim como grande parte do mundo,
passa por um momento de profunda crise social e ética, transfor-
mando o ato de formar professores, sobretudo professores-ges-
tores, numa árdua tarefa, principalmente porque implica fazer

DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
327

escolhas e posicionar-se em defesa da formação humana com


vistas a construir um novo projeto educacional e uma sociedade
diferente da que hoje se apresenta.
Assim, deve-se ter como indispensável um olhar avaliati-
vo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Básica e considerar várias questões,
dentre as quais as características do Estado, uma vez que a ele
compete a decisão política de planejar, promover e executar
ações de interesse público e formação de recursos humanos para
o sistema educacional que estejam em sintonia com os princípios
do bem-estar coletivo.
Atualmente, ao contrário de outros momentos históricos,
o Estado brasileiro se confunde quanto às suas funções de bem-
-estar social, assumindo um perfil de Estado mínimo, sob a égide
de governos que agem apoiados em práticas de uma política ne-
oliberal. Nesse contexto sociopolítico, as Diretrizes Curriculares
Nacionais, estabelecidas pelo Ministério da Educação e alteradas
pelo Conselho Nacional de Educação, representam as intenções
oficiais do Estado, nas quais deverão estar explicitados a visão de
mundo e os instrumentos teórico-práticos e científicos que da-
rão sustentação aos objetivos e às finalidades educativas e sociais
preconizados por essa ideologia política, que objetivam, sobre-
tudo, garantir uma formação intelectual, profissional e cultural
dentro de horizontes ideológicos previamente estabelecidos pela
lógica capitalista.

Referências

BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Fede-


rativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes
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DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
328

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DÉBORA LUCIA LIMA LEITE MENDES • MARIA ISABEL FILGUEIRAS LIMA CIASCA •
SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
329

VIANA, T. V.; CIASCA, M. I. F. L.; SOBRAL, A. B. E. (Org.).


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VIEIRA, S. L.; ALBUQUERQUE, M. M. G. Estrutura e fun-
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UECE, 2008.

DISCIPLINAS DA ÁREA DE ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ENSINO NO BRASIL:


TRAJETÓRIA, LIMITES E PERSPECTIVAS
330

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE


DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”: CAMINHOS
RUMO À DESCOLONIALIDADE

CAMILLA ROCHA DA SILVA


Doutoranda e mestra em Educação e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC).
E-mail: <camilla.pedagoga@hotmail.com>.

MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA


Doutora e mestra em Educação, respectivamente, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e
pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e graduada em Educação Física pela UFC. Professora ad-
junta do Instituto de Educação Física e Esportes da UFC.
E-mail: <melenih@hotmail.com>.

JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO


Pós-Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutor em Educação
Ambiental – Ecologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e mestre em Saúde Pública
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Ambiental Dialógica, Perspectiva Ecorrelacional e Educação Popular Freireana (GEAD). Professor
adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <joaofigueiredo@hotmail.com>.
331

Introdução

A o iniciar este artigo, esclarecemos que decidimos por apre-


sentar este estudo acerca das representações sociais de estudan-
tes de licenciaturas de uma universidade federal nordestina, por
reconhecermos, nestas reflexões, potenciais interessantes e per-
tinentes para problematizarmos a formação docente e vislum-
brarmos alternativas no contexto de uma lógica que contemple a
dialogicidade freireana e a descolonialidade nesse processo.
Consideramos que a maioria das práticas formadoras no
cenário da docência desconhece ou trata apenas de passagem o
fato de que a colonialidade/modernidade também repercute for-
temente nesses procedimentos usuais que acontecem no campo
da educação formal.
É difícil acreditar que ainda tenhamos marcas tão fortes e
tão presentificadas do ensino tradicional, colonializante, bancá-
rio, opressor e reprodutivista no Ensino Superior. Marcas essas
que ficam tatuadas nos corpos dos estudantes, que se veem dian-
te do desafio de tentar esquecer, em meio aos processos de ensino
a que são e estão submetidos em algumas áreas de conhecimento/
disciplinas, os (des)caminhos da docência.
A justificativa de inclusão de novos modos de pensar-vi-
venciar a formação se constata quando se ouve nos diálogos com
os estudantes o quanto se mantém uma lógica conteudista, co-
lonializante, bancária (FREIRE, 2005), de transferência de co-
nhecimentos. Modelo esse que se mantém ainda hegemônico,
respaldado numa perspectiva técnico-instrumental, com ênfase

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
332

na formatação d@s1 futur@s professores(as), para adaptar-se à


sociedade e manter as demandas do mercado e as regras de mer-
cantilização, com toda a carga de exclusão que a acompanha e a
produz.
Ao nos debruçarmos sobre esses temas, começamos a
compreender em boa medida o quanto temos que desvelar dessas
artimanhas formadoras que catequizam e formatam, ao deformar
pessoas que originalmente possuem ou possuíam um ideal soli-
dário, amoroso e crítico em alguma medida. Nessa (de)formação,
institui-se um(a) professor(a) que traz no bojo de sua profissio-
nalidade docente um conjunto de competências, técnicas e in-
formações que lhe qualificam para “ensinar” nessa lógica. Em
outras palavras, mantém-se, assim, a ideia retrógrada e ultrapas-
sada de que se é “capaz” de, com um conjunto de competências,
ensinar tudo a tod@s. Ou ainda, de maneira mais modesta, de
que seria suficiente um conjunto de técnicas didático-pedagógi-
cas para que qualquer um(a) se tornasse professor(a).
Aqui defendemos outra ideia. Consideramos que, para
além de uma tecnologia didático-pedagógica, faz-se essencial
que este(a) docente seja portador(a) de uma ideologia que con-
temple o reconhecimento de que ser professor(a) implica atuar
como educador(a) que é capaz de dialogar, freireanamente falan-
do, com @s educand@s.
Nossas pesquisas apontam que essa “hipótese” foi compro-
vada, senão vejamos como estudantes representam socialmente
o “ser bom/boa” professor(a). Para que noss@s leitores(as) nos
acompanhem o raciocínio lógico, propomos iniciar a apresenta-
ção com nossos aportes epistemo-metodológicos, praxiológicos,
melhor dizendo.

1 Com o símbolo @, estamos indicando simultaneamente os gêneros feminino


e masculino. Ao invés do uso gramaticalmente correto, utilizamos essa forma
gráfica para levantar a questão – política e cultural – do sexismo de nossa
linguagem.

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
333

A educação dialógica freireana

Diante do reconhecimento da situação de opressão ins-


taurada no mundo, Paulo Freire nos propõe um novo paradigma
educativo, que amplia a dimensão da educação e abrange as di-
mensões política, social e transformadora da educação. A Educa-
ção Dialógica Freireana (EDF) destaca o diálogo, sendo que este
não é mera conversa ou troca de ideias entre @s permutantes,
nem muito menos ação de depositar ideias em outr@.
Os fundamentos do diálogo, ou princípios dialogais, são
apresentados por Freire (2005) quando afirma que o diálogo não
pode existir sem que haja: amor, humildade, fé nos seres huma-
nos, esperança e pensar crítico.
Buscaremos explicitar brevemente a respeito do que se
trata cada um desses princípios, a começar pelo amor, que não se
restringe a atitudes piegas, contemplando um ato de coragem, de
confiança mútua, de compromisso. Esse amor à vida, ao mundo,
aos seres humanos e, tomamos a liberdade de acrescentar aqui,
também aos não humanos, é um ato de valentia, de liberdade, de
busca pela superação da situação opressora.
Além do amor, é necessário que haja humildade, para que
a práxis dialógica aconteça de forma adequada. Humildade de
reconhecer-se também ignorante e, com isso, aprender com @
outr@. Humildade de enxergar-se semelhante aos(às) demais,
diferente, sim, em sua singularidade, em suas particularidades,
mas jamais melhor ou pior. Humildade de reconhecer que cada
ser carrega saberes que podem contribuir para a ampliação dos
nossos saberes, pois “[...] não há ignorantes absolutos, nem sá-
bios absolutos, há [seres humanos] que, em comunhão, buscam
saber mais” (FREIRE, 2005, p. 93).
Outro princípio dialogal é a fé na capacidade criadora e
recriadora dos seres humanos e, com isso, na crença de que as
transformações e mudanças necessárias são possíveis de serem

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
334

realizadas. É também necessário que o diálogo se funde na espe-


rança, contrária ao desespero, que é “[...] uma espécie de silêncio,
de recusa do mundo, de fuga” (FREIRE, 2005, p. 95). É a espe-
rança ativa que leva à busca por recuperar a humanização, é a
esperança que incita a ação e impede uma postura de estagnação,
de “esperar de braços cruzados”.
Por fim, o diálogo deve se fundamentar e, ao mesmo tem-
po, estimular o pensar crítico, que possibilita que se perceba a re-
alidade como algo mutável, em um processo de constante “deve-
nir”, e não como algo que está posto, determinado, estático.

A colonialidade e sua relação com a educação

A colonialidade está, em nosso entendimento, relaciona-


da com a educação bancária, opressora, subalternizante. Nela,
@ educador(a) tem papel de protagonista e sua tarefa funda-
mental é encher os “a-lunos” com seus depósitos de conteúdos
e narrativas. Nessa prática educativa, @ professor(a) se com-
porta como aquele que sabe, que educa, que pensa, que diz a
palavra, que narra e que transmite conhecimento, aquele que
disciplina, que opta e que prescreve sua opção, que escolhe o
conteúdo (FREIRE, 2005).
Dentro dessa perspectiva, cabe aos(às) estudantes somente
o papel de objetos, em uma função subalterna nesse teatro de
ensinar e aprender. Eles(as) são depositários de um saber que
lhes é passado pelo professor e devem adequar-se docilmente a
isso. Esse modelo de educação é, em sua essência, colonializante,
como já o afirmamos, pois atende à lógica dos opressores, dos
detentores do poder, como especifica Freire (2005, p. 69):
Na medida em que essa visão ‘bancária’ anula o
poder criador dos educandos ou o minimiza, es-
timulando sua ingenuidade e não sua criticida-
de, satisfaz aos interesses dos opressores: para

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
335

estes, o fundamental não é o ­desnudamento do


mundo, a sua transformação.
Contribuindo com essa questão, lembramos Figueiredo
(2012, p. 82), que, ao tratar da questão da relação efetiva entre a
educação bancária e a colonialidade, destaca:
A concepção bancária de educação traz como
princípio a opressão, como estratégia a subjuga-
ção, como meio a alienação, como procedimen-
to a transmissão de conteúdos colonializantes,
como ideal a europeização, como epistemologia
a ciência moderna, como pressuposto a supe-
rioridade racial e ‘consequentemente’ intelec-
tual da civilização eurocêntrica, como propósi-
to alimentar o sistema capitalista, como sentido
a formação do sujeito-cidadão consumidor.
A colonialidade é um fruto da composição da modernida-
de e, ao mesmo tempo, constituinte desta. Para trazer esclareci-
mentos sobre esse tema da modernidade/colonialidade, apoiar-
-nos-emos nos estudos de Figueiredo (2011), Lander (2005),
Quijano (1991, 2005) e Walsh (2008).
A ideia de Colonialidade difere do conceito de coloniza-
ção e avança com relação a ele, pois esse último se caracteriza por
“[...] tomar posse do território ou região pertencente a outros;
impor valores e normas, lógica, cultura etc.” (FIGUEIREDO,
2011, p. 8), enquanto a colonialidade vai além, pois com ela se
impõe uma lógica hegemônica sobre as outras culturas, “[...] com
o intuito de dominar acima de tudo em seu aspecto cultural, sim-
bólico, imaginário, cognitivo-afetivo”.
Catherine Walsh (2008) esclarece que a c­ olonialidade apre-
senta-se por meio de pelo menos quatro áreas ou eixos interliga­
dos entre si. O primeiro desses eixos, a colonialidade do poder,
institui-se a partir de uma categoria mental originada na mo-
dernidade: o conceito de raça. Quijano (2005) mostra que, com a

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
336

conquista das Américas, os dominadores europeus estabeleceram


um sistema de classificação baseado na hierarquia racial, o que
justificou a exploração de indígenas, negros e mestiços. Afirma
que “[...] a idéia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade
às relações de dominação impostas pela conquista” (QUIJANO,
2005, p. 107).
O segundo eixo é a colonialidade do saber, que define uma
única lógica de conhecimento: o conhecimento científico euro-
cêntrico, identificado, sobretudo, com a racionalidade cartesia-
na. Com isso, descarta-se a existência de outras formas de co-
nhecer, pois a ciência passa a ser a única forma de conhecimento
válido, verdadeiro. As outras formas de conhecer, dos povos tra-
dicionais e das classes populares, por exemplo, não são somente
tomadas como inferiores, mas são até invisibilizadas.
Através desses dois eixos, funda-se o terceiro: a colonialida-
de do ser, que se exerce por meio da inferiorização, subalterniza-
ção e desumanização dos que não atendem aos padrões europeus
de indivíduo civilizado. Os colonizados são considerados seres
inferiores, sem alma, bárbaros, diminuídos em sua humanidade.
Há ainda o quarto eixo apontado por Walsh (2008), a colo-
nialidade da mãe natureza e da vida mesma. Ele encontra sua base
na divisão natureza/sociedade, o que leva à negação do sagrado
e da relação milenar entre os mundos biofísico, humano e espi-
ritual. A colonialidade da mãe natureza justifica a exploração e
controle da natureza não humana, pois esta é vista como produto
disponível para o consumo humano.
É importante ressaltar que a colonialidade atua tanto em
âmbito macro quanto microssocial. Assim sendo, afeta todos os
setores da vida humana, inclusive a educação, pois “[...] a escola
é um espaço de interações que reproduzem e/ou influenciam a
sociedade como um todo” (FIGUEIREDO, 2011, p. 76).

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
337

A colonialidade na formação docente

Também no contexto da formação docente é possível


identificar ainda características da colonialidade em seus pro-
cedimentos, nos modos de operar e agir, nos planos de ensino,
nas relações entre professor e estudantes. É possível verificar a
falta de uma preparação profissional adequada que contemple
minimamente as demandas advindas das problemáticas da colo-
nialidade/modernidade.
Os pressupostos de ensino-aprendizagem, nos programas
de formação, são fundados em um modelo didático que traz a
intervenção reguladora, que se contrapõe à experiência do pre-
sente, d@s autores(as) envolvid@s, com vistas a uma preparação
profissional para um futuro que, na maioria das vezes, existe so-
mente no imaginário. @s professores(as) ainda são considera-
d@s os principais detentores de um saber erudito que desmerece
os saberes populares; há uma intrínseca desvalorização d@s en-
volvid@s nas relações educativas.
Os currículos dos cursos de formação são normativos; os
saberes curriculares são trabalhados em disciplinas isoladas que
não dialogam entre si nem potencializam problematizações; a
fragmentação é uma nuance constantemente presente em todas
as esferas do processo de ensino-aprendizagem, o que favorece
a excessiva parcialização e o esgarçar do conhecimento, o que
torna até mesmo o “cientista”, o especialista em certo ramo, em
um ignorante especializado.
O paradigma dominante traz sempre a centralidade de
algo, de uma única referência, com influência direta na formação
humana e, por extensão, na formação docente; amplia a separa-
ção entre o conhecimento científico e os saberes contextualiza-
dos, do cotidiano, os saberes populares.
Ao desvelar essa lógica opressora e desumanizante, é pos-
sível pensar em movimentos de descolonialidade, pois, como

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
338

afirma Freire, o primeiro passo para a recuperação da humaniza-


ção é o reconhecimento da situação de opressão.
Nessa perspectiva, é importante ter em conta igualmente a
função descolonizadora da educação. Walsh (2008) nos estimula
a buscar a descolonialização através de lutas, ações e pedagogias
entretecidas que possam pôr em cena outras lógicas e conheci-
mentos, possibilitando repensar a organização social e o Estado
de maneira radicalmente distinta.
Esse papel descolonizador se encontra anunciado na pe-
dagogia freireana, como assevera Figueiredo (2012). A educação
dialógica carrega em si um potencial descolonizador, pois “[...] a
Pedagogia do Oprimido é a própria pedagogia descolonializante,
pois que traz como propósito e sentido a recuperação da humani-
dade, a conscientização da opressão e sua superação, a libertação,
a ação de libertar-se” (FIGUEIREDO, 2012, p. 79).

Caminhos metodológicos

Quanto às escolhas metodológicas da presente pesquisa,


apoiamo-nos na Teoria das Representações Sociais (TRS) (MOS-
COVICI, 1978), implementada através da Perspectiva Ecorrela-
cional (PER) (FIGUEIREDO, 2003, 2007), que potencializa o
alargamento dessa proposta para além de uma lógica apenas fe-
nomenológica, ao incorporar uma dimensão dialético-dialógica
que se instaura por meio da PER.
Lembramos que a TRS emerge através de Moscovici em
1961, quando da publicação de sua tese. Resgatando o conceito
originário da “representação coletiva” de Durkheim, inserin-
do-o numa estrutura teórico-metodológica e mesmo conceitual
diferenciada, a reflexão de Moscovici situa-nos na interface en-
tre a psicologia e a sociologia do conhecimento, proporcionando
possibilidades de verificação dos saberes que os atores sociais
possuem e seus processos de construção.

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
339

Representações Sociais (RS) seriam, na conceituação indi-


cada por Moscovici (1978), um modo de conhecimento particu-
lar presente no “senso comum”, constituído de imagem (figura)
e linguagem (significação), que orienta para a ação e proporciona
diretriz para a comunicação entre os indivíduos e o pensamento
socialmente elaborado.
A TRS viabiliza a identificação dos processos de absorção
dos conceitos no cotidiano d@s autores(as) sociais. Constitui-se,
basicamente, através de duas etapas processuais: a “ancoragem”,
que fornece um contexto inteligível ao “objeto” que classifica e
nomeia; e a “objetivação”, que duplica um sentido por uma figu-
ra, materializando o abstrato numa imagem.
As RS, como um campo delineado, representam um lugar
de proteção e legitimidade das identidades sociais, possuindo
uma função afetiva, além da intelectual. Manifestam os atributos
de um grupo, sendo sociais por possuírem um mínimo de con-
senso. Segundo Spink et al. (1993), as RS seriam um eixo do co-
nhecimento prático. Servem para explicar, justificar e questionar
a realidade, podendo transformá-la. Jodelet (1997), por sua vez,
defende intensamente esse poder transformador das RS desvela-
das e problematizadas. Segundo ela, mesmo que apresentem as-
pectos do que é instituído, trazem motivos dinâmicos geradores
de mudanças. Podemos, assim, considerar as RS como categoria
de pensamento, ação e sentimento.
Em nosso trabalho realizado por meio das RS constituí­
das pel@s estudantes de licenciaturas de uma universidade fe-
deral nordestina, buscamos favorecer o descentrar na busca de
entendimento da sua lógica e trajetória de sentido. Percebe-se,
então, que uma representação social em torno da prática didá-
tico-pedagógica de professores(as) se constitui na práxis como
“palavr-a-ção” edificadora. Ou seja, na tomada de consciência do
que consideram ser um(a) bom/boa professor(a), @s estudantes
avançam ao tornar uma vivência, extraída de suas memórias, em
uma experiência, no dizer de Larrosa (2002).

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
340

Com esse procedimento, o grupo vai se inteirando de ou-


tros componentes da representação social desse coletivo em tor-
no do ensinar-aprender e vai descobrindo inúmeras questões e
fatores envolvidos em sua própria formação como gente, como
estudantes, como professores(as) atuantes ou em potencial. A
formação vai se dando de modo dialógico, ecorrelacional. Sim,
pois que, ao se reconhecerem em dimensões até então invisíveis
ou normalizadas, eles(as) vão se dando conta do quanto estamos
mergulhd@s num mar de colonialidades, opressões e posturas
bancárias no ambiente da educação escolar/universitária. Com
essas revelações, torna-se possível efetuar escolhas. Podem pre-
ferir, daí em diante, outros modelos e paradigmas de formação,
de práticas pedagógicas, de didáticas, de educação.

No caminho da dialogicidade freireana: o encontro com


os resultados...

Neste exercício de investigação-intervenção engajada e


freireana, resolvemos aproveitar um procedimento didático-pe-
dagógico que temos utilizado na disciplina de Didática volta-
da para as licenciaturas, em que propomos ao grupo aprendente
(FIGUEIREDO, 2007) fazer uma viagem na memória e tentar
recordar aquele(a) docente considerad@ como um(a) bom/boa
professor(a) e descrever suas principais características. Na pes-
quisa aqui apresentada, trabalhamos com três grupos de estu-
dantes de diversos cursos de licenciatura, num total de 58.
Nesta ideia, temos como intencionalidade promover uma
conversão das vivências presentes em suas histórias de vida esco-
lar, na lógica da história de vida e formação (DELORY-MOM-
BERGER, 2006; FERRAROTTI, 1988; JOSSO, 2004; NÓVOA;
FINGER, 1988; SOUZA, 2006), em experiências formadoras
(LARROSA, 2002; DEWEY, 1976). Como procedimento meto-
dológico de análise, utilizamos elementos da TRS, já citada ante-

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
341

riormente, apoiada nos estudos de Lüdke e André (1986), que nos


possibilitam categorizar e refletir sobre esses diálogos entre nos-
sas referências e os depoimentos/narrativas desses(as) estudantes.
Foi na busca desse encontro que nos deparamos com a far-
ta riqueza desvelada nas falas desse profícuo diálogo entre nós.
Para favorecer melhor nossa própria compreensão, buscamos ca-
tegorias em Paulo Freire que nos ajudaram a destacar o quanto a
proposta de uma práxis dialógica na educação se manifesta nes-
ses(as) depoentes. Foi assim que entabulamos uma articulação
entre aquilo que o próprio Freire denominou de “Elementos da
Situação Educativa” – os princípios dialogais presentes na obra
Pedagogia do oprimido (FREIRE, 2005) – e os chamados “Sabe-
res Fundamentais à Prática Educativo-Progressista”, denomina-
ção freireana cunhada na obra Pedagogia da autonomia (FREIRE,
1996), na qual associa uma reflexão que pauta a formação docen-
te dentro dessa sua lógica que tende à superação da opressão, da
colonialidade.
Assim, a partir dessa “inter-ação”, chegamos aos seguintes
eixos articuladores das narrativas, distribuídas em cinco catego-
rias fundantes: 1) Relação Docência-Discência; 2) Valorização
do Espaço-Tempo Pedagógico; 3) Experiência Gnosiológica; 4)
Politicidade Ativa/Eticidade; 5) Mobilização pela Utopia-So-
nhos Possíveis. Constatamos que a categoria em que mais apa-
receram relatos foi a primeira, com um total de 23; seguida da
segunda, com 12; da terceira, com 11; da quarta, com 4; e da
quinta, com 3. Evidentemente, pelos limites de um artigo como
este, optamos por destacar algumas das narrativas.
Na categoria Relação Docência-Discência, foi possível
ainda destacarmos subitens, tais como: a relação horizontal; a
amorosidade da relação educativa dialógica; a esperança como
pressuposto dialógico; a fé no humano como elemento instiga-
dor do diálogo; a humildade como princípio essencial para dia-

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
342

logar freireanamente; a criticidade como orientadora do processo


do diálogo; os princípios essenciais à dialogicidade, conforme
são constatados no livro Pedagogia do oprimido.
Na segunda categoria, Valorização do Espaço-Tempo Peda-
gógico, enfatizamos a conexão com elementos presentes no Peda-
gogia da autonomia, como a rigorosidade metódica, dentre outros.
Ao nos referirmos à Experiência Gnosiológica, identifica-
mos fatores associados à elaboração do conhecimento, à curiosi-
dade, etc., constando nos livros Pedagogia do oprimido e Pedagogia
da autonomia.
A categoria que trata da dimensão Politicamente Ativa/
Eticidade e a categoria que retrata a dimensão Mobilizada pela
Utopia-Sonhos Possíveis se manifestam em ambos os livros an-
teriormente citados.
Pelo limite de páginas de que dispomos, vamos nos permi-
tir deixar de detalhar o movimento epistemológico que realiza-
mos na definição dessas categorias e partimos para a dialogicida-
de entre essas e as falas.
Quanto à categoria Relação Docência-Discência, encon-
tramos o maior número de anunciações destacando a relevância
dada nos depoimentos para esse fator da prática educativa. Sa-
lientamos que as singularidades que identificam essa categoria
encontram-se, usualmente, alienadas das práticas escolares e
acadêmicas em geral, anunciando-se aqui as situações de exce-
ção que marcaram esses(as) estudantes diante desses exemplos
de “ser bom/boa professor(a)”. Demonstraremos, em seguida, al-
gumas das narrativas escritas pel@s educand@s que apresentam
essas peculiaridades.
[...] é aquele que se preocupa com o aprendizado do
aluno e, consequentemente, aprende o que ensina. É
aquele que sabe e lembra que o aluno ainda é um ser
humano, assim como ele. É um professor rigoroso,
que cobra em sala o pensamento crítico do aluno,

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
343

mas que, para isso, ofereceu condições de trabalho.


(Estudante 2).
Professor atencioso, sempre disposto a ajudar,
paciente, se preocupa com o bem-estar da turma,
procura ver se alguém tem dificuldades, se o alu-
no está entendendo, bom domínio do assunto e da
turma, flexível, organizado, passa lições de vida,
é amigo do aluno, explica bem, cobra muito. (Es-
tudante 4).
O professor que se mostra sensível à particularidade
de cada aluno e de cada colega professor, tentando
se fazer compreendido por ambos em sua postura.
(Estudante 14).
[...] é aquele que sabe, apesar de impasses e dificul-
dades encontradas em si e nos alunos, estimular o
desejo de aprender cada vez mais e aprende junta-
mente com seus alunos, porque não adianta apenas
repassar conteúdos. Alunos não são caixas vazias,
eles também podem nos ensinar, e é preciso estar dis-
posto a aprender. (Estudante 16).
Faz-se importante destacar aqui uma das contribuições de
Freire que seguem também nesse caminho, quando o autor nos
leva a compreender as relações entre educador(a)-educand@ sob
outra lógica, diferentemente daquela proposta pela colonialida-
de, propiciando-nos reconhecer que @ professor(a), ao ensinar,
também aprende, mesmo diante do processo ideologizante que
marca os processos formativos, que têm @ docente como deten-
tor(a) de saberes. Como afirma Freire (2005, p. 79): “[...] o edu-
cador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é
educado, em diálogo com o educando, que, ao ser educado, tam-
bém educa”.
Ainda nos referindo à categoria Relação Docência-Dis-
cência, destacamos como pressupostos fundamentais o diálogo,
a parceria, o respeito à diversidade e pluralidade de ideias e pen-

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
344

samentos, a dimensão afetiva e a contextualização dos conheci-


mentos de modo a inter-relacionar-se com a vida, para além de
meros conteúdos sem sentido e significado, pois “[...] a prática
do educador, da educadora, consiste em lutar por uma pedagogia
crítica que nos dê instrumentos para nos assumirmos como sujei-
tos da história” (FREIRE, 2008). Para que possamos nos assumir
como autores(as) da própria história, é necessário, desde cedo,
que a prática educativa tenha como um de seus pressupostos as
características apresentadas e também as que foram referendadas
pel@s estudantes, tal como se lê nos trechos que seguem.
É aquele que sabe ensinar e, principalmente, escutar
os estudantes, pois estar em uma sala de aula exige
muita responsabilidade. (Estudante 23).
Aquele que gera uma discussão sobre o tema de
forma construtiva, administrando as opiniões dos
alunos e criando espaços de reflexão e interpretação
sobre o tema. (Estudante 32).
[...] que trata o aluno da forma com a qual gostaria
de ser tratado, que não se acomoda com seu conhe-
cimento atual e o expande e que, por fim, ama o que
faz. (Estudante 39).
[...] procura manter relações horizontais com seus
alunos. (Estudante 41).
É aquele que exala respeito, transmite amor e recebe
carinho. É aquele que está aberto a questionamen-
tos, que sabe ouvir, que tem um olhar sensível e que
não julga o aluno no primeiro contato. Ele ama o
que faz e faz com dedicação. (Estudante 47).
Aquele que transpõe as barreiras do ensino dentro da
sala de aula e educa para a vida, compartilhando
conhecimentos e facilitando o processo de aprendiza-
gem dos seus alunos. Preza pela qualidade de ensino
e se preocupa com a turma (coletivo) sem esquecer da
individualidade de cada um. (Estudante 51).

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
345

Para Freire (2008), não há situação educativa que não


aponte para objetivos que estejam mais além da sala de aula, que
não tenha a ver com concepções, maneiras de ler o mundo, an-
seios, utopias. Afirma ele ainda que “[...] uma das tarefas mais
bonitas e gratificantes que nós temos como professores e profes-
soras é ajudar os educandos e as educandas a constituir a inteli-
gibilidade das coisas, ajudá-los e ajudá-las a aprender a compre-
ender e a comunicar essa compreensão aos outros” (FREIRE,
2008, p. 26). Essa tarefa explicitada por Freire aparece de forma
marcante nos trechos das falas d@s estudantes, quando se refe-
rem ao(à) bom/boa professor(a).
É o professor que se relaciona com o seu aluno de
forma sincera. Onde a relação preserva o afeto, o
respeito, a admiração, a preocupação, a motivação
[...]. Um bom professor se preocupa com isso, não
fere a dignidade do seu aluno e o inspira. Um bom
professor ama o que faz e transmite esse amor a seus
alunos. (Estudante 54).
Ser disposto a ajudar o aluno na sua necessidade,
sendo esta grande ou não. Aquele que mostra a im-
portância de compartilhar o conhecimento e que tem
segurança no conhecimento que precisa comparti-
lhar. (Estudante 56).
É aquele que escolhe a docência para d­ edicar-se,
atuar com amor e empenho, reciclando-se, trazen-
do novas abordagens e experiências, sem medo de
errar. Sendo tolerante, paciente e compreensivo,
despertando novas perspectivas e reflexões. (Es-
tudante 58).
Em trânsito entre uma categoria e outra, temos estudantes
que definem bom/boa professor(a) como aquele(a) que tanto pos-
sui características que lhe identificam como integrad@ à catego-
ria associada à Relação Docência-Discência quanto aos critérios
que lhe identificam como um(a) profissional do magistério que

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
346

tem em alta conta o que Paulo Freire chama de Espaço-Tempo


Pedagógico. Nesse sentido, destacamos o cuidado com elementos
metodológicos, técnicas de ensino, domínio de conteúdo, reco-
nhecimento dos aportes epistemo-metodológicos compatíveis
com sua prática docente, etc. Nesse item, destacamos as seguin-
tes falas:
Um bom professor é, acima de tudo, alguém que sabe
dialogar, intermediando conflitos e passando seu co-
nhecimento de uma forma clara. (Estudante 34).
[...] que consiga interagir com os alunos de uma
forma positiva, que estabeleça diálogo professor/
turma ao longo do semestre, que seja organizado e
que trabalhe bem os principais temas da disciplina
abordada. (Estudante 35).
É aquele que planeja suas aulas. Dinamiza a forma
de compartilhar o conteúdo com o professor e aluno.
Dá importância não somente com a avaliação, mas
contando com a evolução contínua do aluno. (Es-
tudante 38).
Existem estudantes, porém, que consideram esta a grande
dimensão que configuraria a excelência professoral, afirmando,
portanto, que ser bom/boa professor(a):
É aquele que consegue compartilhar o assunto
de forma clara para facilitar o entendimento dos
alunos, assim ultrapassando a barreira de ensino-
-aprendizagem, incorporando vivências à metodo-
logia de ensino e fazendo os planejamentos para se
aperfeiçoar, se reciclando. (Estudante 41).
Eu tinha um professor de Matemática no Ensino
Médio que era engraçado, mas, na hora que precisa-
va ‘colocar moral na sala’, ele fazia; ele também res-
peitava o aluno e incentivava os alunos a quererem
algo mais na vida, buscarem uma faculdade, um
curso. Na universidade, tive um professor que fazia

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
347

a gente gostar da Química, falava de como devemos


nos portar na nossa carreira profissional, utilizava
coisas da Química para trazer ensinamentos da
vida, além de incentivar a aprendermos o conteúdo.
Tratava bem os alunos e respondia às nossas dúvi-
das com calma e clareza. (Estudante 3).
Um bom professor é calmo e divertido. Possui vários
saberes, tem muita curiosidade e é bastante atento.
O professor é amigo, mas sabe quais os limites da
relação aluno-professor. (Estudante 5).
Aquele que sabe se expressar, passar o conhecimen-
to adquirido, que fala alto e forte, passando res-
peito para os alunos, que conversa com os alunos.
(Estudante 11).
O bom professor é aquele cara alegre, dinâmico e
bem-humorado, que se prepara bem para as aulas
através de estudos que proporcionam a ele fazer um
bom esquema de aula e uma transmissão de saber
fácil, eficiente e responsável. Além disso, pode ser
também o cara exemplar e modelo para muitos es-
tudantes, por isso é necessária uma ‘boa postura’ em
relação à vida. (Estudante 20).
Um bom professor é aquele que se preocupa com o
aprendizado da turma, ou seja, é aquele que, quan-
do o resultado de uma avaliação for ruim, pode
refletir e buscar mecanismos para entender o que
aconteceu. É aquele que tenta buscar da turma o
máximo possível de retorno e, quando isso não for
possível, mudar os métodos de avaliação e explica-
ção de determinado assunto, buscando uma abor-
dagem diferenciada. É aquele que cumpre todo o
programa, até porque, dependendo da disciplina,
aqueles conteúdos servirão de base para outros mais
avançados que serão estudados posteriormente.
(Estudante 29).

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
348

A próxima categoria se refere à Experiência Gnosiológica.


Nela identificamos, como caracteres essenciais, o cuidado com
a epistemologia crítica, a elaboração do conhecimento, a curio-
sidade, etc., tal como constam nas principais obras freireanas.
Podemos evidenciar que há uma presença de traços de outras
categorias por nós escolhidas aqui, afinal as peculiaridades que
definem essa prática docente se misturam e se associam para for-
mar, neste macramê, alguém capaz de se destacar na leitura des-
ses(as) estudantes. Desse modo, @s estudantes assim anunciam
a importância dessa categoria:
Acredito que o bom professor deva ser compreendido
como aquele no qual devo me espelhar para exercer
a prática do ensino. [...] ele incentivava os alunos
a fazer perguntas que sempre nos levavam a outras
[...], atiçando a curiosidade de todos. (Estudante 1).
A fala d@ discente reflete o que Freire (2008, p. 28) expli-
cita quando afirma que “Não há prática docente sem curiosida-
de, sem incompletude, sem seres capazes de intervir na realida-
de, sem seres capazes de serem fazedores da história e ao mesmo
tempo sendo feitos por ela”. Ressaltamos que vemos também
traços da categoria 2 nos três primeiros relatos a seguir.
É aquele sensível para perceber a evolução e para
saber a melhor forma de lidar e compartilhar seus
conhecimentos com cada aluno. (Estudante 42).
É aquele que sabe fazer o seu conteúdo se tornar
interessante. É aquele que faz avaliações condi-
zentes com o que foi passado. É o que é preceptivo
às possíveis dificuldades ou opiniões dos alunos.
(Estudante 55).
Aquele que prepara uma aula com começo, meio e
fim, mas está disposto a abrir mão de algumas das
etapas quando percebe que a dinâmica da aula mu-
dou. (Estudante 56).

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
349

É aquele que sabe despertar o interesse do aluno


para o conhecimento, que deixa o aluno à vontade e
faz com que ele não tenha medo de errar, corrigindo
suas falhas delicadamente. (Estudante 18).
Um bom professor não apenas tem que dar uma
aula rica de informações e conhecimento, ele usa
métodos práticos para a melhor aprendizagem, ele
estabelece diálogos reflexivos com os alunos sobre
questões de vários âmbitos, seja social, moral, edu-
cacional. O bom professor aproveita bem o tempo
de aula para transmitir, de forma clara e concisa, o
conteúdo e sempre estabelece diálogo com os alunos.
(Estudante 19).
[...] alguém que ajuda o outro a ver as coisas de
outra maneira. (Estudante 23).
É construir conhecimento junto ao aluno, é entender
as limitações da turma, é ter paciência e, o princi-
pal, não tratá-los como se fosse superior, e sim como
um sujeito que está ali para melhor orientá-los sobre
algo. (Estudante 25).
É aquele que busca a formação integral do seu alu-
no. É aquele que desperta no aluno a vontade de
evoluir cada vez mais. Ele tem amor por sua profis-
são e por seus alunos. (Estudante 52).
Neste momento, anunciamos a próxima categoria de aná-
lise, a quatro, que define como destaque uma postura profissio-
nal d@ educador(a) Politicamente Ativa e uma relevância para
a Dimensão da Eticidade, um cuidado especial com a ética. Para
Freire (2008, p. 35), a politicidade é inerente à prática educati-
va, e isso significa que, como professores(as), devemos ter nossas
“[...] opções políticas próprias e claras, [nossos] sonhos”. Aqui
encontramos apenas poucos depoimentos, ainda mais inter-rela-
cionados com a categoria cinco. Vamos a eles:

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
350

Não sei, mas gostaria de poder ajudar meus alunos,


não só enfiando ‘conteúdo’ em suas cabeças. Mais
importante do que ‘formar’ profissionais, é ‘formar’
cidadãos, ‘formar’ pessoas. (Estudante 26).
É aquele que realmente gosta do que faz, que tem
compromisso com seus alunos, que acredita poder
resolver os problemas do mundo através do seu tra-
balho. (Estudante 44).
É aquele que abraça bem o compromisso de formar
não somente um profissional, e sim um cidadão para
a vida, independentemente de qualquer obstáculo.
(Estudante 48).
Significa também ter entusiasmo na sua profissão,
ética e respeito. (Estudante 50).
Finalmente, a categoria cinco anuncia que alguns(mas) es-
tudantes vislumbram um importante componente freireano para
a formação docente, o que Paulo Freire denomina de busca da
Utopia-Sonhos Possíveis. Eis os relatos:
A professora Esperança ama o que faz. Não se ima-
gina fazendo outra coisa da vida. É comprometida
com o papel da educação como um trabalho difícil,
mas não impossível de se cumprir com louvor. Na
sala de aula, trata seus alunos com respeito e impõe
respeito aos alunos, longe de parecer uma ditadora.
Observa com cuidado as deficiências de alguns, ten-
ta solucioná-las de forma didática. Não é daquelas
que só espera seu salário no início do mês. Quer se
especializar não só para ganhar mais um pouco,
mas sim para engrandecer seu conhecimento e para
adquirir novas técnicas para ser melhor profissional.
Professora Esperança não mudou o mundo, nem
mesmo seu país, mas foi capaz de plantar uma se-
mente nos seus próximos e em todos aqueles que a
tiveram como professora. (Estudante 15).

CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
351

Um bom professor é aquele que acredita na educa-


ção, muitas vezes é chamado de utópico por outros.
Um bom professor é aquele que estabelece metas,
estratégias para contribuir com o desenvolvimento
das capacidades dos alunos. É a­ quele que, mesmo
com as dificuldades do sistema escolar, faz o seu
trabalho com amor e procura compreender o aluno.
Mantém relações amistosas com os alunos e com os
demais da instituição de ensino. ­(Estudante 17).
[...] planeja com vontade as aulas e que nelas inclui
todos os alunos. Que se preocupa com seu futuro e
que lhe cobre de positividade. (Estudante 47).

Considerações

Faz-se premente uma retomada do poder da educação


libertadora. Isso implica um reordenamento das relações entre
educação, comunidade, comunicação e formação, de modo que
o ato de educar possa ser revisto no âmbito da interação edu-
cador(a)-educand@, como potente na superação da microcolo-
nialidade que se alimenta da educação bancária. Portanto, uma
educação dialógica carrega o poder de desvelar essa opressão e
reintegra o ser humano no ambiente de saberes relacionais, ha-
bilitadores de leituras críticas e libertadoras, na direção de uma
sociedade descolonializada, contextualizada, ambientalizada.
Aprender-educar dialogicamente exige o saber escutar
amorosamente, pois é nessa escuta que se aprende a falar com
@ outr@ numa postura dialógica, considerando-@ também
como ser de saber, autor(a) epistêmic@. Especialmente, exige
se disponibilizar para o diálogo na valorização da diferença e na
coerência entre o que se diz e o que se faz. Ensinar-dialogar exige
querer bem aos(às) educand@s, em uma amorosidade integra-
da à sua cognoscibilidade. Privilegia a sensibilidade, a abertura,

FORMAÇÃO DOCENTE E A CONCEPÇÃO DISCENTE DO SER “BOM/BOA PROFESSOR(A)”:


CAMINHOS RUMO À DESCOLONIALIDADE
352

ao benquerer como elementos próprios da alegria necessária ao


“quefazer” docente.
Portanto, consideramos pertinente pensar alternativas
que possam contemplar uma leitura de formação mais identifi-
cada com os pressupostos freireanos, pautados pela dialogicidade,
pelo saber parceiro, pela supra-alteridade e pela amorosidade
como eixos integradores para o processo de ensino. As múlti-
plas linguagens são ferramentas essenciais para a valorização dos
diferentes modos de compartilhamento dos conhecimentos. A
contextualização é instância fundamental para a problematiza-
ção e ambientalização do ensino. Ou seja, pretendemos uma for-
mação relacional, amorosa, politicamente intencionada, na di-
reção da descolonialidade, ambientalizada nos movimentos em
prol da sustentabilidade planetária e na solidariedade do bem
viver compartilhado.

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CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
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CAMILLA ROCHA DA SILVA • MARIA ELENI HENRIQUE DA SILVA •


JOÃO BATISTA DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO
355

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA


DE PROFESSORES ALFABETIZADORES PROMOVIDA
PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA


Doutora e mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista
em Planejamento Educacional pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo), em Gestão Escolar
pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e em Organização e Gestão da Educação
Básica pela UFC e graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Foi diretora
escolar e forma­dora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Atualmente é
coordenadora escolar do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professor José Neudson Braga e
atua como professora nas áreas de Avaliação Educacional, Prática de Ensino e Didática.
E-mail: <sandramariacoelho@yahoo.com.br>.

ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora adjunta do
Departamento de Teoria e Prática do Ensino (DTPE) da Faculdade de Educa­ção (Faced) da UFC. Foi
coordenadora adjunta do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) entre 2013 e
2014 e de outros programas de formação de professores alfabetizadores, a exemplo do Programa
de Alfabetização na Idade Certa (Paic) e do Sistema Alfa Bahia. Atualmente é coordenadora téc-
nica do Sistema de Monitoramento e Avaliação do Pro­grama Seguro-Desemprego, coordenadora
pedagógica do Programa Palavra de Criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e
coordenadora do curso de extensão Costurando Histórias. Coordenadora de projetos e acompanha-
mento curricular (Copac) da Pró-Reitoria de Graduação da UFC.
E-mail: <apmedeiros.ufc@gmail.com>.

EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


Doutor e mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em
Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em Direito Processual
pela Fa­culdade Sete de Setembro (FA7) e graduado em Peda­gogia pela UECE e em Direito pela Uni-
versidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Ceará (IFCE). 
E-mail: <eugenio.moreira@ifce.edu.br>.
356

Introdução

I nstituído em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na


Idade Certa (Pnaic) foi implementado no ano de 2013 e se cons-
titui como um acordo firmado pelo Governo Federal, estados e
municípios, cujo objetivo precípuo é assegurar a alfabetização
das crianças até os oito anos de idade, ou seja, ao final do ciclo
de alfabetização do Ensino Fundamental. O Pnaic emerge como
política nacional de combate ao analfabetismo escolar, bem como
resposta efetiva ao cumprimento do direito da alfabetização na
idade certa.
Nesse contexto, as ações do Pnaic sustentam-se por meio
de quatro eixos de atuação, assim especificados: formação conti-
nuada presencial para os professores alfabetizadores e seus orien-
tadores de estudo; materiais didáticos, obras literárias, obras de
apoio pedagógico, jogos e tecnologias educacionais; avaliações
sistemáticas; e gestão, controle social e mobilização.
Esta pesquisa trata do primeiro eixo de atuação referente à
formação continuada presencial de professores alfabetizadores e
seus orientadores de estudo, delimitando-se à vertente da forma-
ção destinada aos orientadores de estudo. Considera-se que esta
é uma das ações preponderantes do Pnaic por ter como objetivo
promover a reflexão sobre a prática docente e apoiar os profes-
sores que atuam no ciclo de alfabetização (1o, 2o e 3o anos) e nas
turmas multisseriadas a planejarem as aulas numa perspectiva
de alfabetização voltada para o letramento, bem como a utiliza-
rem de modo articulado os materiais e as referências curriculares

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
357

e pedagógicas ofertados pelo Ministério da Educação (MEC) às


redes que aderirem ao Programa.
Nessa perspectiva, a formação continuada de professores é
ofertada por instituições de Ensino Superior que, por meio de seus
formadores, trabalham junto aos orientadores de estudo, que, por
sua vez, são os responsáveis diretos em trabalhar com a formação
dos professores alfabetizadores nos diversos m
­ unicípios.
Os dados apresentados neste trabalho correspondem aos
registros e análises oriundos de um instrumento avaliativo apli-
cado aos orientadores de estudo do polo de Fortaleza, em de-
zembro de 2013. Na primeira parte do trabalho, apresenta-se a
caracterização geral da formação; na segunda, explicitam-se as
etapas e o método da investigação; na terceira, mostram-se os
resultados e as discussões da investigação realizada; e, por fim,
tecem-se as considerações finais.

Caracterização das formações com os orientadores de


estudo

No estado do Ceará, a instituição de Ensino Superior


responsável por realizar as formações definidas pelo MEC é a
Universidade Federal do Ceará. No ano de 2013, essas forma-
ções foram realizadas presencialmente com carga horária de 200
horas anuais para os orientadores de estudo e 120 horas para os
professores alfabetizadores, incluindo carga horária de ativida-
des extras. A ênfase do trabalho pedagógico no ano supracitado
foi em Língua Portuguesa.
O material utilizado nas formações teve como objetivo
mobilizar reflexões sobre as situações práticas vivenciadas no
cotidiano escolar que possibilitassem favorecer a alfabetização
na perspectiva do letramento e da inclusão, respeitando os direi-
tos de aprendizagens das crianças, buscando valorizar os sabe-
res docentes e aprimorar o conhecimento teórico. Englobaram

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
358

volumes impressos de cadernos para os cursistas; jogos de alfa-


betização, acervos do Plano Nacional da Biblioteca na Escola,
bem como acervos do Plano Nacional do Livro Didático – Obras
complementares.
Durante os encontros de formação com os orientadores
de estudo, algumas estratégias diversificadas foram utilizadas,
tais como: leitura para deleite, tarefas de casa e escola, estudo
dirigido de textos, planejamento de atividades a serem realizadas
junto aos professores alfabetizadores, vídeos em debate, análi-
se de situações práticas desenvolvidas em sala de aula, análise
de relatos de rotinas, sequências didáticas, projetos didáticos e
planejamento de aulas, análise de recursos didáticos, exposição
dialogada, etc.
As formações foram organizadas em oito unidades com
temáticas similares, mas com focos de aprofundamento distin-
tos para os três anos do ciclo de alfabetização. Os formadores da
Universidade Federal do Ceará ministraram as formações para
os orientadores de estudo, e estes, dando sequência ao processo,
trabalharam as referidas formações com os professores alfabe-
tizadores. Assim, com a ideia de oferecer aos professores alfa-
betizadores uma formação reflexiva e problematizadora, foram
propiciados momentos de estudo e discussão que versaram sobre
temáticas específicas da alfabetização.
Os orientadores de estudo, ao assumirem a função de re-
passarem aos professores alfabetizadores a referida formação,
tinham a flexibilidade de fazer as adaptações e ajustes que jul-
gassem necessários no planejamento, contudo não podiam ex-
cluir as temáticas centrais, tampouco reduzir a carga horária de
estudo de cada unidade, definida previamente pelo programa.
É indiscutível a importância da atuação docente e sua for-
mação inicial e continuada para a melhoria da qualidade educa-
cional, visto que é o professor quem planeja sua atuação em sala
de aula e tem que cotidianamente decidir sobre quais conheci-

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
359

mentos trabalhar com seus alunos, bem como quais as maneiras


mais adequadas de propiciar aprendizagens significativas.
O compromisso institucional [...] reside princi-
palmente na necessidade de promover espaços,
situações e materiais adequados nos momentos
de trabalho e reflexão, compreendendo que a
formação continuada não é um treinamento no
qual ensinam técnicas gerais a serem reproduzi-
das. Se concebermos os professores como sujeitos
inventivos e produtivos, sabemos que eles não se-
rão repetidores em suas salas de aula daquilo que
lhes foi aplicado na formação para orientar a sua
nova prática. Sabemos que, a partir de diferen-
tes estratégias formativas, eles serão estimulados
a pensar sobre novas possibilidades de trabalho
que poderão incrementar e melhorar o seu fazer
pedagógico cotidiano. (BRASIL, 2012).
Portanto, foi relevante abordar o processo de formação dos
orientadores de estudos, sujeitos responsáveis pela formação dos
professores alfabetizadores dentro do Pnaic, apresentando a visão
desses orientadores em relação ao processo de formação que tive-
ram e sobre as contribuições que julgaram ter em seu desenvolvi-
mento profissional, a partir das experiências vivenciadas por eles.

Metodologia da investigação

O estudo caracterizou-se como uma pesquisa documental


de abordagem qualitativa, uma vez que, de acordo com Bogdan e
­Biklen (1982), a pesquisa qualitativa ressalta mais o processo do que
o produto e atenta em retratar o ponto de vista dos p ­ artici­pantes.
Nesse mesmo pensamento, Silva (1998, p. 163) assevera que:
[...] Respaldado pela metodologia q ­ualitativa
cuja lógica segue um processo circular que p ­ arte
de uma experiência [...] e trata de interpretar em

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
360

seu contexto e sob diversos pontos de vista dos


implicados. Não se buscam verdades últimas e
sim relatos. O desenho é aberto à investigação; à
obtenção de dados e ao descobrimento; e à aná-
lise e à interpretação.
Os dados aqui analisados foram extraídos de um instru-
mento avaliativo contendo oito questões abertas, que possibili-
tou aos sujeitos expressarem livremente suas opiniões baseadas
na experiência vivida no curso de formação do Pnaic, ofertado
pela Universidade Federal do Ceará. O instrumento buscou co-
letar dados acerca da opinião dos cursistas sobre três eixos: (1)
formato das formações, (2) contribuição do curso para a forma-
ção profissional e (3) mudanças implementadas na prática peda-
gógica atribuídas ao curso. O instrumento também trazia uma
seção para a autoavaliação do cursista, porém esses dados não
foram incluídos neste estudo.
A aplicação do questionário foi realizada com 46 profes-
sores orientadores de estudo que participaram do curso de for-
mação do Pnaic durante o ano de 2013 no polo do município de
Fortaleza. Segundo Laville e Dione (1999, p. 183): “Para saber
a opinião da população sobre uma escolha [...] como a da pre-
servação dos programas sociais, é preciso, evidentemente, inter-
rogá-la”. O quantitativo da amostra foi bastante significativo e
quase alcançou a totalidade do universo de orientadores do polo
de Fortaleza, que era aproximadamente 50, os quais se encon-
travam distribuídos em três turmas identificadas nesse estudo
como turma A, turma B e turma C.
A metodologia de análise dos dados partiu dos objetivos
do curso expressos na Resolução no 4, de 27 de fevereiro de 2013,
em seu artigo 2o, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE):
A Formação Continuada de Professores Alfa-
betizadores tem como objetivo apoiar todos os

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
361

professores que atuam no ciclo de alfabetiza-


ção, incluindo os que atuam nas turmas mul-
tisseriadas e multietapa, a planejarem as aulas
e a usarem de modo articulado os materiais e
as referências curriculares e pedagógicas oferta-
dos pelo MEC às redes que aderirem ao Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e
desenvolverem as ações desse Pacto.
Como ponto de partida para analisar as opiniões dos sujei-
tos, foram considerados dois pilares que caracterizam o objetivo
do curso: planejamento das aulas e uso articulado dos materiais
e referências curriculares e pedagógicas. Desse modo, a análise
foi realizada extraindo-se dos relatos os pontos de congruência
entre o que o curso se propôs a fazer e o que os cursistas viven-
ciaram na prática.

Análise dos dados a partir das percepções dos


orientadores de estudo

O sentido que os professores orientadores de estudo ex-


põem sobre a formação continuada ofertada pelo Pnaic foi bas-
tante positivo, indicando contribuições significativas para a sua
formação, bem como indícios de transformações no fazer peda-
gógico. Reconheceram a importância de perceber o aluno como
sujeito da ação no processo de aprendizagem e demonstraram
a crença na importância da necessidade de repensar os proces-
sos de aquisição do Sistema de Escrita Alfabética (SEA), bem
como as relações de interações estabelecidas entre o educador e o
educando no cotidiano do ambiente escolar. Assinalaram que os
conhecimentos partilhados nas formações continuadas influen-
ciaram na mudança de prática do processo de ensino-aprendiza-
gem e, consequentemente, no desenvolvimento do aluno, pois
consideraram que interferem no entendimento acerca do pro-
cesso de alfabetização.

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
362

Acredita-se que avanços nessa dimensão tendem a con-


tribuir na melhoria da qualidade da alfabetização à medida
que mobilizam os sujeitos a enfrentarem conflitos metodoló-
gicos, como destacam Onaide Mendonça e Olympio Mendonça
(2008, p. 23):
Então, se podemos optar por desenvolver uma
alfabetização de qualidade, que considere a re-
alidade do aluno, que respeite o modo natural
como já fala, por que começar por uma unidade
vazia de sentido que em nada corresponde à sua
oralidade e só irá dificultar a compreensão do
sistema de escrita? Por que não iniciar o pro-
cesso através de uma palavra real, cujo signifi-
cado o aprendiz conheça [...]?
Outro aspecto a ser ressaltado é que os orientadores de
estudo foram unânimes em reconhecer a importância dos con-
teúdos abordados durante os cursos e os consideraram funda-
mentos importantes na formulação do conhecimento do SEA,
na perspectiva da alfabetização com letramento, vislumbrando a
relação com a prática.
As ações do Pnaic, com foco na formação do orien-
tador de estudos que atua diretamente com os pro-
fessores alfabetizadores, unem reflexões comuns
aos processos de alfabetização com letramento. Os
conteúdos abordados ampliaram e aprofundaram
os conhecimentos acerca de todos os processos que
norteiam a ação alfabetizadora. O nível de aprofun-
damento fez o link com a prática docente e as teorias
que a norteiam. (Professor 3 – Turma A).
Ao longo da minha prática nas turmas de alfabeti-
zação, tive a oportunidade de participar de vários
cursos referentes a essa temática. Porém, através
dos conteúdos, nível de aprofundamento e recursos
utilizados nesta formação, obtive um relevante sig-

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
363

nificado na minha totalidade enquanto professora


alfabetizadora [...]. Carrego fundamentos sobre as
múltiplas facetas da alfabetização e do letramento,
onde só foi possível após a oportunidade de partici-
par do curso. (Professor 7 – Turma A).
Todos os conteúdos foram oportunos para a reflexão
acerca da alfabetização e da prática pedagógica em
sala de aula. Os estudos foram aprofundados com
as leituras em sala, reflexões, esclarecimentos da
formadora, vídeos e indicações de outras leituras.
(Professor 5 – Turma B).
Os conteúdos abordados foram significativos,
pois, através dos estudos, passei a compreender
melhor a concepção de alfabetização numa pers-
pectiva de aprendizagem onde o aluno seja o foco
do processo ensino-aprendizagem. Ampliou meus
conhecimentos, oportunizando relacionar conhe-
cimentos prévios com as novas teorias. (Professor
8 – Turma C).
Sobre o pilar “uso articulado dos materiais e referências
curriculares e pedagógicas”, o Professor 3, da Turma A, ressal-
tou: “O nível de aprofundamento fez o link com a prática docente e
as teorias que a norteiam”. De tal assertiva infere-se que ele fala
da articulação entre teoria e prática. A palavra “link” (ligação,
em português) denota claramente a estreita relação teórico-prá-
tica que o professor vivenciou na formação. Na mesma linha, o
Professor 8, da Turma C, disse que o curso ampliou seus conhe-
cimentos e possibilitou “[...] relacionar conhecimentos prévios com
as novas teorias”.
Dessa forma, segundo a fala dos sujeitos, o referencial
teórico trabalhado nos cursos de formação do Pnaic favoreceu
o entendimento sobre diversas “[...] facetas da alfabetização e do
letramento” (Professor 7 – Turma A). Dentre os vários conteú-
dos trabalhados, um bastante importante foi o de que a escrita é

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
364

uma reconstrução real, baseada em um sistema de representação


historicamente construído pela humanidade e pela criança que
se alfabetiza. Ela já inicia essa aprendizagem antes mesmo de
iniciar seus estudos na escola, pois vive em uma sociedade letra-
da e convive constantemente com os usos da leitura e da escrita
nas situações mais diversas de seu cotidiano. Ver o processo de
alfabetização desde esse outro patamar reorienta, sobremaneira,
a forma de o professor atuar como mediador na condução do
processo de aquisição da linguagem escrita.
Sobre o pilar “planejamento das aulas”, os cadernos do
Pnaic de 2013 trouxeram uma rica coletânea de textos para dis-
cussão, bem como propostas para intercâmbio de experiências
docentes sobre esse assunto. Acerca dessa dinâmica, Imbernón
(2010) ressalta a necessidade de observar, em uma ação de forma-
ção, o contexto no qual se dão as práticas educativas e formati-
vas. Também enfatiza, dentre outros aspectos, a importância de
favorecer a aprendizagem coletiva, de trocar experiências, evi-
denciando a pertinência de estratégias formativas que favoreçam
a interação entre pares; a necessidade de se refletir criticamen-
te a respeito da prática durante o andamento da formação, bem
como de compartilhar boas práticas, valorizando as diferentes
experiências, e de escolher materiais de leitura que consolidem a
compreensão dos fenômenos estudados.
No que se trata da minha prática, percebo que hou-
ve uma mudança de paradigma. Reflito sobre a
importância desde o ambiente alfabetizador até a
maneira de pensar de cada aluno, as formas como
pode ocorrer a organização da turma, o método de
ensino na alfabetização, as estratégias diferencia-
das para inclusão das crianças, a utilização de gê-
neros textuais, o lúdico no processo de aquisição do
SEA, tudo é diferente. Como profissional da alfa-
betização, nasceu outra pessoa em mim. (Professor
7 – Turma A).

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
365

Na fala do Professor 7, da Turma A, observa-se que ele


admite que houve uma mudança no seu modo de agir e de pensar
sua prática. Ele destaca o quanto tudo se tornou diferente depois
que passou a participar do curso. Infere-se que agora a preocupa-
ção dele não reside apenas no fazer, mas em algo que o antecede,
ou seja, o planejar. O docente pontua que mudou sua forma de
refletir sobre coisas importantes no processo de alfabetização,
tais como o ambiente alfabetizador, a maneira de pensar de cada
aluno, as formas de organização das turmas, as estratégias para
a inclusão, a despeito de outros pontos mais comuns no planeja-
mento, como a eleição dos métodos de ensino, por exemplo.
Nessa nova perspectiva de alfabetização, o planejamento
das aulas passou a ser algo muito mais abrangente, pois o ensi-
no, na fase da alfabetização, deve contemplar os eixos da Língua
Portuguesa, quais sejam: oralidade, leitura, escrita e análise lin-
guística, em um movimento integrador com as outras áreas do
conhecimento e em uma dinâmica progressiva da aprendizagem
e das variadas formas de avaliar.
[...] hoje tenho um novo olhar para o processo de
alfabetização da criança dentro do ciclo, a impor-
tância da prática reflexiva, a perspectiva de uma
avaliação formativa. Observei mudança em minha
prática na compreensão melhor sobre o processo de
aquisição do SEA e a importância do lúdico no
processo de ensino-aprendizagem. (Professor 1 –
Turma B).
O Professor 1, da Turma B, sintetiza os pontos mais im-
portantes para ele na nova maneira de tratar a alfabetização das
crianças. Todas essas mudanças repercutem na necessidade de
se realizar um planejamento considerando os objetivos do ensi-
no para cada ano do ciclo de alfabetização, o que as crianças já
sabem, como os conteúdos podem ser distribuídos nas aulas e
quais as estratégias e recursos a serem adotados. Tudo isso exige

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
366

do professor que ele faça uma boa articulação entre o que ele
dispõe na escola, ou seja, os recursos, e as propostas pedagógicas
e curriculares definidas como oficiais.
O acervo documental do Pacto inclui textos legais e orien-
tadores do ensino no ciclo de alfabetização, os quais destacam
o tratamento didático dos quatro eixos da Língua Portuguesa
numa perspectiva progressiva de aprendizagem e integrada com
as demais áreas do conhecimento. Todas essas questões foram
trabalhadas ao longo das formações, adotando-se um caminho
que, de acordo com os relatos dos orientadores de estudo, propi-
ciaram momentos de formação que favoreceram a aprendizagem
coletiva, valorizando o diálogo entre a prática realizada em sala
de aula e os estudos teóricos, contribuindo para a valorização das
experiências relatadas e para a ampliação da compreensão das
temáticas abordadas no curso.
Os encontros foram bastante dinâmicos e con-
templaram as minhas expectativas. Os conteúdos
abordados foram contextualizados com a realidade
que encontramos no cotidiano escolar. O referen-
cial teórico foi bastante significativo, o que fomen-
tou a necessidade de pesquisa. (Professor 4 – Tur-
ma B).
Outro aspecto positivo foi a interação do grupo e
o intercâmbio de experiências e o fortalecimento
dos laços afetivos, entre outros. (Professor 6 –
Turma B).
Este curso contribuiu para a minha formação por-
que me levou a refletir sobre minha prática e am-
pliou os meus conhecimentos, causando um certo
impacto em minhas novas posturas e práxis. (Pro-
fessor 2 – Turma C)
Relevante é lembrar que, ao viabilizar, durante as forma-
ções, a socialização de relatos de experiências advindos tanto dos

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
367

registros nos cadernos de formação quanto das próprias vivên-


cias dos orientadores de estudo em práticas de sala de aula, hou-
ve o compartilhamento de práticas exitosas e a interação entre
os pares, o que mobiliza a exteriorização dos saberes docentes,
que se constituem. Segundo Tardif (2002, p. 54), tal prática se
constitui como um “[...] saber plural, formado de diversos sabe-
res provenientes de fontes diversas das instituições de formação
profissional, dos currículos e da prática cotidiana”.
Para Tardif (2002), a pluralidade dos saberes docentes não
existe de modo isolado, mas se integra num amálgama de dife-
rentes saberes oriundos de fontes diversas. Entretanto, o referido
autor atribui uma posição de destaque aos saberes experienciais,
os quais resultam do próprio exercício da atividade profissional
dos professores.
Assim, os saberes docentes serviram de suporte aos deba-
tes estabelecidos durante as formações, visto que os orientadores
de estudo tinham espaço para refletirem sobre suas práticas e
para aprofundarem seus estudos sobre os conhecimentos peda-
gógicos necessários ao professor alfabetizador. E, por meio dessa
exteriorização, foram incorporando experiências que influencia-
ram em seus hábitos docentes.
A proposta realizada pelo Pnaic, nessa perspectiva, trouxe
um alento aos pesquisadores, a exemplo de Pimenta (1996), que
são insatisfeitos com os programas de formação por não tomarem
as práticas docente e pedagógica escolar nos seus contextos e por
não as colocar como ponto de partida e de chegada da formação.
A referida autora assevera a importância de se “[...] ressignificar
os processos formativos a partir da reconsideração dos saberes
necessários à docência, colocando a prática pedagógica e docente
escolar como objeto de análise” (PIMENTA, 1996, p. 74).
Compreende-se que a experiência nessa formação contri-
buiu para o crescimento pessoal e profissional dos orientadores

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
368

de estudo, extrapolando os limites de uma mera formalidade ins-


titucional a ser cumprida. A partir de suas vivências durante o
curso de formação e de sua própria experiência em contribuir
para a formação dos professores alfabetizadores, o envolvimento
desses orientadores foi sendo ampliado continuamente. Houve,
assim, a mobilização para uma reflexão sobre um novo fazer des-
ses atores, referente às diversas realidades encontradas em suas
práticas, na busca de alternativas mais adequadas que atendes-
sem às diversidades advindas dos ambientes escolares.
Por entender a heterogeneidade como algo intrínseco às
relações humanas e ao fenômeno educativo, compete à escola fa-
vorecer situações diversificadas que deem conta do atendimento
às diferentes necessidades de cada aluno. A partir daí é funda-
mental que o professor saiba diagnosticar as aprendizagens de
seus educandos, a fim de planejar e organizar situações didáticas
adequadas à promoção da aprendizagem.
Esse processo foi viabilizado por meio de reflexões acerca
das práticas desenvolvidas em situações específicas vivenciadas
no ambiente escolar. Nesse sentido, de acordo com as afirmações
dos orientadores, esse processo foi favorecido pelas formações
do Pnaic.
Este curso foi simplesmente tudo de bom para o
meu enriquecimento pessoal e profissional, aprendi
demais e tenho certeza que meus professores alfabe-
tizadores também beberam dessa fonte tão preciosa.
Percebi mudanças em minha prática a partir das vi-
vências, fiquei mais curioso e tornei-me um professor
pesquisador, havia tempo que não estudava tanto.
(Professor 9 – Turma A).
Foi um divisor de águas para minha vida, pois foi
um desafio enfrentado com muita garra e responsa-
bilidade. Vencer os obstáculos me fez crescer como
profissional. Hoje tenho outro olhar da educação. O
fazer e o pensar pedagógico tiveram uma transfor-

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
369

mação no sentido de alinhar a prática com a teoria.


(Professor 6 – Turma B).
Nos registros dos sujeitos da pesquisa, percebe-se que esse
processo de formação continuada abordou diferentes facetas da
alfabetização e do letramento, dentre outros temas propostos.
Acredita-se ainda que essa experiência trouxe contribuições para
a constituição de conhecimentos que favoreceram a articulação
contínua entre a teoria e a prática educacional, na perspectiva
de construção de alternativas pedagógicas capazes de facilitar a
superação dos desafios vivenciados no ciclo de alfabetização da-
queles que atuam na sala de aula.
A crença é de que esse processo de formação, agregado a
outras ações de gestão, possa contribuir para mobilizar os orien-
tadores de estudo e, consequentemente, os professores alfabeti-
zadores, a fim de garantir que todas as crianças até os oito anos
de idade se alfabetizem nos três primeiros anos do ciclo de alfa-
betização do Ensino Fundamental. Essa ação precisa, portanto,
ser uma prioridade estabelecida por todos que fazem a escola.
Todavia, apesar da reconhecida relevância do curso de
formação atribuída pelos sujeitos participantes e da expressiva
satisfação no que se refere ao formato do curso, foram evidencia-
das algumas dificuldades que demandam melhorias em aspectos
estruturais apontados como não satisfatórios. As declarações in-
dicaram a necessidade de superação das seguintes dificuldades:
pouco tempo para planejamento e estudo dos orientadores dis-
ponibilizado pela Secretaria Municipal da Educação de Forta-
leza; transportes insuficientes para conduzirem os orientadores
às unidades escolares, com vistas ao cumprimento do proposto
pelo Pacto, que é acompanhar o desenvolvimento pedagógico
dos professores alfabetizadores; falta do pagamento da bolsa
em tempo hábil para os orientadores e os professores alfabeti-
zadores; ausência de material de estudo impresso na íntegra em
tempo hábil para a realização das formações com os professores

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
370

alfabeti­zadores; atraso na entrega dos jogos do Centro de Estu-


dos em Educação e Linguagem (CEEL) e acervo literário; não
cumprimento do calendário prévio para as formações; não rece-
bimento dos tablets e do pendrive de acordo com o que foi prome-
tido pelo MEC.
Edificar o caminho desse processo de formação continu-
ada dos professores alfabetizadores não é algo fácil, dada a com-
plexidade dessa tarefa, pois envolve muitos sujeitos nessa ação,
principalmente quando se pretende diferenciar formação e trei-
namento, como nos alerta Esteban (2001) ao criticar a vinculação
da formação ao treinamento.

Conclusão

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic)


iniciou suas ações no Brasil no ano de 2013, ­promovendo, dentre
outras ações, um curso de formação para todos os professores
alfabetizadores da rede pública de ensino, com ênfase em Língua
Portuguesa. O objetivo do curso foi “[...] apoiar todos os profes-
sores que atuam no ciclo de alfabetização [...] a planejarem as
aulas e a usarem de modo articulado os materiais e as referências
curriculares e pedagógicas ofertados pelo MEC [...]” (BRASIL,
2013). Partindo desse objetivo, buscou-se verificar, por meio das
respostas dos orientadores de estudo participantes do curso no
polo de Fortaleza, pontos de congruência entre o que o curso se
propôs a fazer e o que os cursistas vivenciaram na prática.
De acordo com as análises, o curso de formação ofertado
pelo Pnaic em 2013 proporcionou aos orientadores de estudos
a atualização dos fundamentos teóricos sobre a alfabetização na
perspectiva do letramento, bem como auxiliou na adoção de no-
vas práticas de planejamento, ensino e avaliação, articuladas com
as referências curriculares e pedagógicas que integram o acervo
documental e legal do Pacto.

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
371

No geral, os orientadores de estudo apresentaram um sen-


tido positivo sobre a formação continuada da qual participaram,
considerando-a de grande relevância para a melhoria das práti-
cas pedagógicas desenvolvidas nas escolas. Entretanto, também
foi apontada a necessidade de melhorias em pontos que envol-
vem as instâncias executoras do Pacto: MEC, Instituições de En-
sino Superior e Secretarias estaduais e municipais de educação.
Por fim, para que, de fato, as crianças estejam alfabetiza-
das ao final do ciclo de alfabetização do Ensino Fundamental e
tenham seus direitos de aprendizagem garantidos, é de funda-
mental importância que as ações de formação continuada sejam
cada vez mais ampliadas, agregando valor a outras ações também
importantes. É necessária também uma maior integração entre
as equipes pedagógicas e as institucionais de cada município na
colaboração dessa grandiosa tarefa.

Referências

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cação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994.
BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Resolução no 4, de 27 de fevereiro de 2013. Estabelece
orientações e diretrizes para o pagamento de bolsas de estudo e
pesquisa para a Formação Continuada de Professores Alfabetiza-
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Certa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 fev. 2013.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Pacto Nacional pela Al-
fabetização na Idade Certa: formação do professor alfabetizador:
caderno de apresentação. Brasília, DF: MEC, 2012.
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Janeiro: DP&A, 2001.
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Artmed, 2010.

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ALFABETIZADORES PROMOVIDA PELO PNAIC: A VISÃO DOS ORIENTADORES DE
ESTUDO DE FORTALEZA
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LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de


metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre:
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MENDONÇA, O. S.; MENDONÇA, O. C. Alfabetização: méto-
do sociolingüístico: consciência social, silábica e alfabética em
Paulo Freire. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
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digmas que informam nossas práticas de pesquisas. In: ROMA-
NELLI, G.; BIASOLI-ALVES, Z. M. M. (Org.). Diálogos meto-
dológicos sobre prática de pesquisa. Ribeirão Preto: Legis Summa,
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 4. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2002.

SANDRA MARIA COÊLHO DE OLIVEIRA • ANA PAULA DE MEDEIROS RIBEIRO •


EUGENIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA
373

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA


(PAIC): O IMPACTO DA FORMAÇÃO NA
APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DE 3O
ANO EM DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE
MARACANAÚ

MARIA DE LOURDES OLIVEIRA


Especialista em Gestão Pública pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
-Brasileira (Unilab) e graduada em Pedagogia, habilitação em Ensino Fundamental e Coordenação
Pedagógica, pela Faculdade de Ciências, Tecnologia e Educação. Atu­almente é professora efetiva da
Educação Básica, 3o ao 5o ano, da Secretaria da Educação de Maracanaú, Ceará.
E-mail: <lourdinhamil@yahoo.com.br>.

LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES


Doutora e mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em
Psi­copedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e graduada
em Pedagogia pela UFC. Formadora do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), no eixo de
Edu­cação Infantil, e técnica em Educação na Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza. Áreas
de estudo: Desenvolvimento Infantil, Formação de Professores e Avaliação Educacional.
E-mail: <lucianakellen2004@hotmail.com>.
374

Introdução

N os últimos 20 anos, a formação de professores tem sido


alvo de reflexões sobre o seu papel na melhoria do processo de
ensino-aprendizagem. De um lado, percebe-se essa reflexão de
forma efetivada em números e indicadores expressos por meio
das avaliações externas. De outro lado, a necessidade de que a es-
cola cumpra sua função social, realizando a inclusão dos educan-
dos no mundo letrado. Dessa forma, dar-se-á ênfase nos resul-
tados das avaliações diagnósticas do Programa de Alfabetização
na Idade Certa (Paic) e da Avaliação Nacional de Alfabetização
(ANA) do ano de 2013.
Na década de 1990, percebe-se o delineamento das leis
que orientam a educação nacional, transformando-a significati-
vamente de forma ampla. Nesse contexto, a formação continua-
da dos professores toma impulso com a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), Lei no 9.394/1996.
Nessa mesma década, o Governo do Estado do Ceará ela-
borou seu plano decenal e instituiu seu próprio Sistema Perma-
nente de Avaliação (Spaece) na busca dessa qualidade. Além de
outras ações, contemplou também a formação continuada com o
Programa de Capacitação Permanente para todos os professores
da rede pública, objetivando a valorização do magistério.
Atualmente, o desafio de avançar na temática da formação
continuada é cada vez maior. Em 2007, o Paic surge com uma
proposta de formação em serviço para os educadores que partici-
pam desse programa. O Programa tem como objetivo erradicar o

MARIA DE LOURDES OLIVEIRA • LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES


375

analfabetismo escolar e formar o professor em metodologias de


alfabetização.
O interesse pela pesquisa surgiu a partir da experiência da
pesquisadora como técnica da Diretoria de Avaliação e Monito-
ramento da Secretaria da Educação do Município de Maracanaú,
quando observou algumas incoerências no desempenho dos alu-
nos nas avaliações externas do Paic, que são aplicadas por pro-
fessores da própria escola, com os resultados apresentados nas
avaliações externas da ANA, aplicadas por avaliadores externos.
Nesse contexto, esta pesquisa teve por objetivo avaliar o
impacto da formação dos professores que participam do Paic a
partir do desempenho na escrita dos educandos do 3o ano nas
avaliações externas do Paic e nas avaliações externas da ANA no
município de Maracanaú/CE.
A pesquisa está organizada em cinco seções, sendo a pri-
meira uma abordagem contextual da formação continuada; a se-
gunda aborda o conhecimento do Paic, sua fundamentação teóri-
ca quanto à alfabetização e à formação docente; a terceira trata da
metodologia adotada; a quarta apresenta as análises e discussões
dos dados; e a quinta revela as conclusões parciais da pesquisa.

Paic: origem, concepções de alfabetização e letramento,


formação de professores

O Paic teve sua origem em 2004 no estado do Ceará, que,


preocupado com o baixo desempenho de aprendizagem dos alu-
nos do sistema público de ensino, instituiu o Comitê Cearense
para Eliminação do Analfabetismo Escolar (CEARÁ, 2015).
Esse comitê detectou por meio de pesquisa que apenas
15% das crianças matriculadas no 2o ano do Ensino Fundamen-
tal das escolas de 48 municípios cearenses foram capazes de ler,
compreender o texto lido e escrever pequenos textos, como tam-

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC): O IMPACTO DA FORMAÇÃO


NA APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DE 3o ANO EM DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE
MARACANAÚ
376

bém detectou que as universidades não possuíam estrutura cur-


ricular adequada para formar o professor alfabetizador (grande
parte dos professores não possuía metodologia adequada para
alfabetizar).
Diante dessa realidade, foi implementado o Paic, com
foco em cinco eixos: Avaliação da Aprendizagem; Gestão Educa-
cional; Alfabetização; Educação Infantil; e Literatura Infantil,
com adesão de 48 municípios. Em 2007, o Governo do Estado
transforma o Paic numa política pública, que foi sancionada pela
Lei no 14.026/2007, em regime de cooperação com todos os 184
municípios cearenses.
Quanto aos métodos de alfabetização, no Brasil, até a dé-
cada de 1970, coexistia uma verdadeira diversidade de métodos:
sintéticos1, analíticos2, globais, dentre outros, no campo da al-
fabetização. Entretanto, entende-se que, a partir da divulgação
da teoria da psicogênese da escrita com evidências no campo do
letramento, houve uma redução no estudo dos métodos.
O processo de aprendizagem no Paic alicerça-se nas con-
cepções construtivistas de Piaget (1991), de Ferreiro (2002,
2005), de Soares (2004) e de Simonetti (2009), autora da propos-
ta do Programa e coordenadora do Eixo de Alfabetização, tendo
como referencial a psicogênese3 da língua escrita e o conceito
de alfabetização e letramento, trazendo importantes descobertas
acerca do processo de construção da escrita realizada pela crian-
ça no processo de alfabetização.
Segundo Ferreiro (2002, p. 36), a função desses estudos
era de “[...] mostrar e demonstrar que as crianças pensam a pro-
pósito da escrita, e que seu pensamento tem interesse, coerência,
validez e extraordinário potencial educativo”. Afirma ainda que
1 O método sintético consiste, fundamentalmente, na correspondência entre o
oral e o escrito, entre o som e a grafia.
2 O método analítico defende que a leitura é um ato global e audiovisual.
3 Psicogênese: teoria que concentra o foco nos mecanismos cognitivos relacio-

nados à leitura e à escrita (FERREIRO, 2005).

MARIA DE LOURDES OLIVEIRA • LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES


377

os dados da pesquisa psicogenética não resolvem os problemas


do ensino, mas colocam novos desafios relativos aos problemas
clássicos da didática: “o que”, “como”, “quando” e “por que”
ensinar e avaliar (FERREIRO, 2005).
Entende-se que é de fundamental importância identificar
as especificidades e inter-relações dos processos de alfabetização
e letramento, como também é preciso ressignificar a alfabetiza-
ção, reconhecendo-a como necessária, como processo sistemá-
tico de ensino, e não só de aprendizagem da escrita alfabética
(SOARES, 2004).
Segundo Soares (2004, p. 14, grifos da autora):
Dissociar alfabetização e letramento é um
equívoco, porque, no quadro das atuais con-
cepções psicológicas, lingüísticas e psico-
lingüísticas de leitura e escrita, a entrada da
criança (e também do adulto analfabeto) no
mundo da escrita se dá simultaneamente por
esses dois processos: pela aquisição do siste-
ma convencional de escrita – a alfabetização
– e pelo desenvolvimento de habilidades de
uso desse sistema em atividades de leitura e
escrita, nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita – o letramento. Não são proces-
sos independentes, mas interdependentes e
indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se
no contexto de e por meio de práticas sociais de
leitura e de escrita, isto é, através de atividades
de letramento, e este, por sua vez, só se pode
desenvolver no contexto da e por meio da apren-
dizagem das relações fonema-grafema, isto é,
em dependência da alfabetização.
Contudo, na aplicabilidade dessa concepção, surgem di-
ficuldades a serem superadas no processo de alfabetizar e letrar,
para que alcance seu fim, em que um deles é a qualificação do

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC): O IMPACTO DA FORMAÇÃO


NA APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DE 3o ANO EM DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE
MARACANAÚ
378

professor para um adequado desempenho como mediador do


processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Demo (1992, p. 36):
[...] O professor torna-se o formador princi-
pal da capacidade de desenvolvimento na so-
ciedade e na economia, ligando-se, mais que
a produtos do conhecimento, ao processo de
construção da competência propedêutica do
conhecimento. É peça-chave do descortino do
futuro. Precisa estar à frente dos tempos, para
lhes sinalizar a rota.
Compreende-se, assim, a importância da qualificação do
professor, uma vez que ele é parte fundamental do conhecimento
preliminar que vai gerar novas alternativas para o desenvolvi-
mento da sociedade.
Assim, o Paic desenvolve uma formação continuada du-
rante todo o ano de caráter obrigatório para os professores alfabe-
tizadores, por detectar que eles não apresentavam, em sua maio-
ria, um método para alfabetizar. Essa formação é ministrada pelas
editoras contratadas pelos municípios. Em paralelo, o Eixo de
Alfabetização, com base nas rotinas pedagógicas, faz o acompa-
nhamento dessa formação, além de fazer formações esporádicas.
Toda a proposta de formação oferecida aos professores al-
fabetizadores consiste em uma formação em serviço e está arti-
culada ao uso do material estruturado que é distribuído pelas
Secretarias de Educação. Esse material é composto por apostilas
e cadernos de orientações didáticas com base em metodologias
de alfabetização, que propõem uma rotina diária de atividades
para a sala de aula.
Vale ressaltar que a concepção de avaliação do Paic está
pautada no campo teórico proposto por Libâneo (1985) e Luckesi
(1995) no que se refere ao caráter de diagnóstico e visam esclare-
cer aspectos acerca de habilidades e competências que englobam

MARIA DE LOURDES OLIVEIRA • LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES


379

conteúdos e metodologias coerentes com os níveis que se deseja


alcançar. Uma avaliação que identifica as dificuldades do aluno e
os seus conhecimentos prévios a fim de serem instrumentos de
trabalho nas práticas pedagógicas de sala de aula, utilizando-se
dos resultados com vistas a traçar metas e objetivos para interven-
ção ainda no início do mesmo ano de ensino, d ­ iferenciando-se,
assim, com relação a alguns sistemas de avaliação, como o Siste­ma
Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (­Spaece)
e o Sistema de Avaliação da Educação Básica  (Saeb), que se utili-
zam apenas do conhecimento do resultado que aquele ano emite
ao seu final.

Metodologia da pesquisa

Quanto à metodologia, a pesquisa se configura como estu-


do de caso e busca responder, de forma quantitativa, ao desen-
volvimento das ações de formação dos professores do Paic em
Maracanaú a partir do desenho proposto pelo Programa, tendo
por base o alinhamento dessa proposta com a aprendizagem dos
alunos, elucidando, dessa forma, as contribuições da formação
na prática docente.
Foram escolhidas duas escolas de um universo de 87 e­ sco­las
da rede municipal de Maracanaú. A Escola A foi escolhida por ter
apresentado resultados não condizentes com os objetivos do Pro-
grama nas avaliações externas do Paic em comparação com as ava-
liações da ANA/2013, e a Escola B foi selecionada por ter apresen-
tado desempenhos desejáveis nos resultados de ambas as avaliações.
A coleta de dados compreendeu o levantamento documen-
tal sobre a avaliação diagnóstica do Paic e da ANA/2013. A pri-
meira é aplicada pelos próprios professores, tendo por diagnósti-
co os níveis de leitura e escrita; e a segunda avalia a proficiência
de leitura e de escrita, considerando os fatores contextuais das
escolas que são apontados pelos indicadores socioeconômicos

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC): O IMPACTO DA FORMAÇÃO


NA APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DE 3o ANO EM DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE
MARACANAÚ
380

para uma melhor compreensão do desenvolvimento do trabalho


educativo e da adequação da formação docente.

Resultados e discussão

Em relação à compreensão dos professores alfabetizadores


sobre a concepção de alfabetização defendida na proposta, obser-
vou-se que os mesmos não apresentaram domínio nos níveis psi-
cogenéticos trabalhados na proposta de formação do Paic. Perce-
beu-se que esses professores apresentaram alguns equívocos na
compreensão dos níveis psicogênicos, demonstrando que ainda
se encontram em um processo de construção e reconstrução de
seus métodos de alfabetização e que esse processo interfere dire-
tamente na aprendizagem dos alunos.
Refletindo sobre o desempenho dos alunos das turmas de
3o ano das duas escolas pesquisadas, conforme boletim de resul-
tado dessa avaliação, constatou-se que a Escola A – que historica-
mente tem manifestado dificuldades em cumprir a função social
essencial, que é a garantia da aprendizagem como direito de to-
dos os alunos – apresentou no referido instrumento um desem-
penho de 39,6%, enquanto a Escola B – que historicamente tem
apresentado bons resultados – atingiu 56,6% de acertos. Pode-se
inferir que o instrumento utilizado nessa avaliação mostrou di-
ferenças significativas entre as turmas das escolas consideradas.
Ressalta-se que os resultados dessa avaliação, em relação aos
níveis de desenvolvimento da escrita, conforme as abordagens
teóricas da proposta do Paic, ainda estão em processo de análise
e interpretação.
Quanto à análise das escalas de proficiência da e­ scrita nas
avaliações da ANA/2013, que são compostas por quatro níveis
progressivos e cumulativos organizados da menor para a maior
proficiência, observou-se que os alunos da Escola B tiveram
maior expressividade na escrita, alcançando 32,0% no nível

MARIA DE LOURDES OLIVEIRA • LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES


381

quatro, que significa produzir textos narrativos a partir de uma


situação dada, atendendo ao uso de elementos formais e da textu-
alidade, evidenciando o atendimento à norma padrão da língua,
e 42,08% no nível três, que significa produzir textos narrativos
a partir das poucas inadequações relativas à segmentação, con-
cordância verbal e concordância nominal, embora com algum
comprometimento dos elementos formais e da textualidade, evi-
denciando uma aproximação à norma padrão da língua. A Escola
A apresentou 4,76% no nível quatro e 47,62% no nível três. Per-
cebe-se, então, que essa avaliação apresentou resultados signifi-
cativos entre as escolas investigadas.

Conclusões finais

A pesquisa apresenta dados que revelam que a formação


do Paic, neste caso específico, não tem atingido os objetivos de-
fendidos em sua proposta. Até o momento, percebem-se incoe-
rências na compreensão dos professores quanto ao diagnóstico e
avaliação dos alunos, na perspectiva da psicogênese, mostrando,
dessa forma, fragilidades na formação dos referidos professores.
Considerando todo o contexto da formação docente e sua
relevância nos resultados educacionais, a avaliação do impacto
da formação do Paic na aprendizagem das crianças de 3o ano do
Ensino Fundamental do município de Maracanaú pretende con-
tribuir na reflexão dos professores, bem como em toda a comuni-
dade escolar, buscando compreender por que a formação do Paic,
atualmente, não garante a real efetivação da aprendizagem dos
educandos, uma vez que os resultados das avaliações externas
nem sempre refletem mudanças qualitativas. Para a sociedade, as
contribuições desta pesquisa fomentam a garantia da efetivação
das aprendizagens necessárias para o atual contexto social.

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC): O IMPACTO DA FORMAÇÃO


NA APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DE 3o ANO EM DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE
MARACANAÚ
382

Referências

BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabele-


ce as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 21 dez. 1996.
CEARÁ. Secretaria da Educação do Estado do Ceará. Programa
Alfabetização na Idade Certa – PAIC: histórico, objetivos e eixos
do programa. Disponível em: <http://www.idadecerta.seduc.ce.
gov.br/>. Acesso em: 27 jul. 2015.
DEMO, P. Formação de professores básicos. Em Aberto, Brasília,
DF, v. 12, n. 54, p. 23-42, 1992.
FERREIRO, E. Alfabetização, letramento e construção de uni-
dades lingüísticas. In: Seminário Internacional de Leitura e Escrita
– Letra e Vida, promovido pela Secretaria Estadual de Educação
de São Paulo, 2005.
FERREIRO, E. Passado e presente dos verbos ler e escrever. São Pau-
lo: Cortez, 2002.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia
crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e
proposições. São Paulo: Cortez, 1995.
PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. 18. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense Universitária, 1991.
SIMONETTI, A. Proposta didática para alfabetizar letrando. 3. ed.
Fortaleza: Seduc, 2009.
SOARES, M. B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas.
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 5-17, 2004.

MARIA DE LOURDES OLIVEIRA • LUCIANA KELLEN DE SOUZA GOMES


383

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING


NA PERSPECTIVA DE FUTUROS PROFESSORES
DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

MÁRCIA MACHADO MARINHO


Doutoranda em Ciências Farmacêuticas e mestra em Biotecnologia pela Universidade Federal do
Ceará (UFC), especialista em Assistência Farmacêutica pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/
CE) e graduada em Farmácia pela UFC e em Química pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
E-mail: <marinho.marcia@gmail.com>.

GABRIELLE SILVA MARINHO


Doutoranda e mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Linha de
Pesquisa: Avaliação Educacional – Eixo Temático: Avaliação Institucional, e licenciada em Pedago-
gia pelo Centro Universitário Christus (Unichristus). Professora assistente da Universidade Estadual
do Ceará (UECE) – Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (Fecli) – Setor de Estudos:
Política, Planejamento e Gestão Educacional. Membro do Grupo de Pesquisa em Avaliação e Gestão
Educacional (Gpage).
E-mail: <gabrielle.marinho@uece.br>.

EMMANUEL SILVA MARINHO


Doutor e mestre em Bioquímica e graduado em Química pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Coordenador do curso de licenciatura em Química e professor adjunto de Química da Faculdade de
Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenador
do Grupo de Estudo de Ciências da Natureza – Fafidam/UECE, período 2015-2016. Coordena­dor do
Laboratório Didático de Ensino em Química – Fafidam/UECE. Membro da comissão pedagó­gica da
Fafidam/UECE, período 2014-2015.
E-mail: <emmanuel.marinho@uece.br>.
384

Introdução

A tualmente, os métodos de ensino-aprendizagem passam


por uma intensa revolução devido a algumas necessidades en-
frentadas pelos alunos, como relacionadas à locomoção e ao tem-
po. Problemas enfrentados também por profissionais que preci-
sam de capacitação periódica. Isto posto, emerge a necessidade
de mecanismos que permitam aos alunos e aos profissionais
continuarem a sua formação, mesmo ausentes da instituição de
ensino (SILVA; OLIVEIRA; BOLFE, 2013).
Diante do exposto, o presente estudo objetiva a avaliação
do grau de satisfação dos usuários de cinco aplicativos de simu-
lação utilizados em um laboratório de Química, ressaltando a
análise da motivação, bem como a usabilidade desses aplicativos
na perspectiva de futuros professores de Ciências da Natureza.
Diante da realidade na qual as novas Tecnologias da Infor-
mação e Comunicação (TIC) proporcionam oportunidades para
a utilização de ambientes de aprendizagem que ultrapassam as
possibilidades das tecnologias mais tradicionais, tais mecanis-
mos são adotados em diversas instituições, a exemplo daquelas
que utilizam a educação a distância (EaD) ou e-learning há al-
gum tempo para solucionar os problemas citados. O ­e-learning,
como uma ferramenta significativa no processo de ensino-
-aprendizagem, está em constante transformação, absorvendo
ou mesmo gerando novas tecnologias e ideias, como o m-learning
(­MASHUDA et al., 2010).
Assim, na busca de um ensino ainda mais interativo e di-
nâmico, tem-se aderido ao uso dos dispositivos móveis, através

MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
385

do mobile learning, m-learning, a aprendizagem com mobilidade.


Segundo Faccioni Filho (2008), o m-learning pode proporcionar
algumas ferramentas para o processo de ensino-aprendizagem,
tais como: aprender em qualquer lugar e com mobilidade, pre-
cisando apenas portar um dispositivo móvel; aprender intera-
gindo com outros indivíduos; criar arquivos de imagem, vídeos,
entre outros através dos recursos do equipamento.
O termo objeto educacional, learning object, pode ser en-
tão definido como qualquer recurso suplementar ao processo de
aprendizagem, reusado para apoiar a aprendizagem, projetado e
construído para maximizar as situações de aprendizagem (TA-
ROUCO; FABRE; TAMUSIUNAS, 2003).
Para classificar um aplicativo educacional, comumente se uti-
liza a classificação proposta por Rouiller (2003) para softwares edu-
cacionais, então classificados em seis categorias, detalhadas a seguir:

• Simulação e Modelagem: representa a realidade, cap-


tura a essência de conceitos e eventos e traduz na for-
ma de simulações e representações. São caracterizadas
como aprendizagem por descoberta, permitindo que os
aprendizes manipulem situações reais se apropriando
dos conceitos;
• Hipermídia/Hipertexto: forma não linear de aquisição
de conhecimento, a ideia central é interligar conceitos,
palavras-chave e tornar a aprendizagem ativa. Porém, a
não obrigatoriedade na sequência das informações pode
gerar dificuldades no processo de aprendizagem;
• Tutorial: consiste em instruções programadas. O apren-
diz não pode manipular o conteúdo como nas simula-
ções. Pode apresentar o conteúdo com mais riqueza de
detalhes do que nos meios convencionais, como livros
e apostilas, possibilitando a inserção de links, vídeos e
áudios como material de apoio;

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE FUTUROS


PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
386

• Jogos Pedagógicos: fonte de recreação com intuito de


aquisição de um determinado tipo de aprendizado. Para
isso, são utilizados recursos que despertem e motivem o
estudante;
• Exercício e Prática: tem por objetivo aprimorar habili-
dades e exercitar conteúdos já conhecidos pelo aluno.
Geralmente fornece exercícios de forma aleatória com
feedback de resposta às questões propostas;
• Tutores Inteligentes: sistema que busca interagir técni-
cas de inteligência artificial com a teoria de aquisição
do conhecimento. Os tutores inteligentes, através do
conhecimento do perfil de cada estudante, conseguem
conduzir uma aprendizagem personalizada.

Vale ressaltar que atualmente existem inúmeros objetos


educacionais para dispositivos móveis, como os aplicativos dis-
poníveis para o ensino de Ciências da Natureza, porém o presen-
te estudo dedica-se à avaliação dos aplicativos que se enquadram
como simuladores, posto que buscam promover a aprendizagem
por descoberta, através da manipulação de situações reais, roti-
neiras, em laboratórios didáticos de Química.
Em relação ao seu desenvolvimento, este artigo está estru-
turado em mais quatro seções, além desta introdução. A segunda
seção trata da metodologia do estudo, descreve como a pesquisa se
desenvolveu e os procedimentos utilizados. A terceira seção apre-
senta os resultados e a discussão. A quarta seção versa sobre as
considerações do estudo. Por fim, são apresentadas as referências.

Metodologia

O presente estudo configura-se como uma pesquisa explora-


tória, de natureza aplicada, com abordagem q­ ualiquantitativa de-
senvolvida em quatro momentos, os quais serão descritos adiante.

MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
387

No primeiro momento, foi realizada uma revisão biblio-


gráfica sobre m-learning e objetos educacionais para dispositivos
móveis. No segundo momento, foi feito um levantamento de
dados com vistas a identificar os cinco aplicativos que tiveram
maior número de downloads, para tanto foi realizada uma busca
no repositório Google Play, seguindo os descritores (metadados):
“laboratório reações químicas”. No terceiro momento, foi ana-
lisado o grau de satisfação dos usuários através dos dados dis-
poníveis no próprio repositório, desenvolvido através da escala
de Likert (1932), no qual o usuário indica em intervalo de 1 a 5
seu grau de satisfação, sendo o valor 5 referente ao maior grau
de satisfação e o valor 1 referente ao menor grau de satisfação.
No quarto momento, seguindo os critérios de motivação, usa-
bilidade, acessibilidade e designer propostos por Nesbit, Belfer e
Leacock (2003), os aplicativos elencados foram avaliados por 15
futuros docentes de Ciências da Natureza, alunos do semestre
2015.2 do curso de Licenciatura em Química da Faculdade de
Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), componente da Uni-
versidade Estadual do Ceará (UECE).

Resultados e discussão

Objetos educacionais são mais eficientemente ­aproveita­dos


quando organizados em uma classificação de metadados e arma-
zenados em um repositório integrável a um sistema de geren­
ciamento de aprendizagem, Learning Management System. O
metadado de um objeto educacional descreve características re-
levantes que são utilizadas para sua catalogação em repositórios
de objetos educacionais reusáveis, podendo ser recuperados pos-
teriormente através de sistemas de busca ou utilizados através de
Learning Management Systems (LMS) para compor unidades de
aprendizagem (TAROUCO; FABRE; ­TAMUSIUNAS, 2003).

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE FUTUROS


PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
388

Ao realizar uma busca no repositório Google Play com os


descritores (metadados) “laboratório reações químicas”, inten-
tou-se observar o retorno que o repositório oferecia quando sub-
metido à busca por esses descritores. A resposta do repositório à
busca ordenou os aplicativos por número decrescente de down-
loads, ordenando prioritariamente os aplicativos que continham
todos os descritores e posteriormente adicionou aplicativos que
continham parte dos descritores. Para este estudo, foram selecio-
nados os cinco aplicativos que tiveram o maior número de down-
loads, em ordem decrescente, como mostra o gráfico 1: Chemist
Free – Virtual Chem Lab®; Aprender Ciência Miúdos®; Cientista
louc Lab Experimento®; Chemistry Lab® e Lab. de Reações®.

Gráfico 1 – Quantidade de downloads por aplicativo

Fonte: Elaboração própria (2015).

MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
389

Quando analisado o grau de satisfação médio do usuário,


segundo a escala de Likert (1932), é possível observar, confor-
me evidencia o gráfico 2, que o aplicativo Chemistry Lab® obte-
ve o maior grau de satisfação média: 4,2. Vale ressaltar que, de
uma maneira geral, os usuários de todos os cinco aplicativos
analisados demonstraram estar satisfeitos, posto que o valor
médio do grau de satisfação calculado foi de 3,8, sendo que
esse valor é superior ao valor limite de 2,5 e que qualquer nú-
mero abaixo desse começa a demonstrar grau de i­nsatisfação
dos usuários.

Gráfico 2 – Grau de satisfação média dos usuários

Fonte: Elaboração própria (2015).

Devido à existência de um grande número de objetos


educacionais disponíveis na internet, Nesbit, Belfer e Leacock
(2003) propõem um sistema de avaliação baseado em nove itens,
que são:

• Qualidade de conteúdo: precisão e veracidade das in-


formações apresentadas;

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE FUTUROS


PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
390

• Alinhamento das metas de aprendizagem: alinha-


mento entre as metas de aprendizagem e as atividades
e avaliações propostas;
• Retorno: o objeto deve dar um feedback das ações rea-
lizadas pelo aprendiz durante a interação;
• Motivação: capacidade de motivar e despertar o inte-
resse dos aprendizes;
• Designer: apresentação visual e auditiva para reforço
de aprendizagem;
• Usabilidade: facilidade na navegação, qualidade nos
recursos e ajuda ao usuário;
• Acessibilidade: possibilidade de participação de alu-
nos com necessidades especiais;
• Reutilização: habilidade para ser usado em diferentes
contextos de aprendizagem;
• Compatibilidade: adesão às normas internacionais de
padrão e especificação.

Ressalta-se que cada critério proposto por Nesbit, Belfer e


Leacock (2003) deve ser avaliado seguindo uma escala adaptada
do modelo proposto por Likert (1932), no qual cada participante
do estudo escolhe um número entre 1 e 5, cujo valor 1 corres-
ponde ao menor grau de satisfação e o valor 5 corresponde ao
maior grau. Conforme mostra a figura 1, esses números podem
ser substituídos por ícones.

MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
391

Figura 1 – Escala de valores

Fonte: Nesbit, Belfer e Leacock (2003).

Neste estudo, deu-se ênfase em avaliar apenas dois crité-


rios propostos por Nesbit, Belfer e Leacock (2003), ligados dire-
tamente à facilidade de utilização e manuseio do objeto educa-
cional, ou seja, motivação e usabilidade.
Segundo Marçal, Andrade e Rios (2005), os recursos dis-
ponibilizados nas aplicações de m-learning podem propiciar in-
cremento da aprendizagem ao fornecer os seguintes benefícios:

• Apoiar e motivar o aprendizado em excursões, forne-


cendo cenários virtuais semelhantes aos reais acrescidos
de informações complementares (BRICKEN, 1993);
• Melhorar a compreensão sobre determinada obra ou
experimento, através de uma maior aproximação e de
uma visualização sob diferentes ângulos (ERICKSON,
1993);
• Permitir a simulação e a análise de experiências recém-
-vivenciadas, seja na própria sala de aula, no laboratório
ou em passeios educativos (MARÇAL; ANDRADE;
RIOS, 2005);

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE FUTUROS


PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
392

• Possibilitar a demonstração do funcionamento de equipa-


mentos, através de simulações, para auxiliar na resolução
de problemas técnicos no momento do atendimento, fun-
cionando como um manual tridimensional (3D) portátil
(MARÇAL; ANDRADE; RIOS, 2005).

Como um ambiente de apoio à aprendizagem, os ambien-


tes virtuais, como simuladores, disponibilizam aos educadores a
oportunidade de possibilitar aos alunos o aprendizado por expe-
rimentação, pois o aluno poderá movimentar-se, ouvir, ver e ma-
nipular objetos como se estivesse no mundo real (FERREIRA;
TAROUCO; BECKER, 2003).
Dispositivos móveis fornecem um novo e motivador pa-
radigma de interação, particularmente para as crianças, e várias
iniciativas têm sido desenvolvidas nessa área (DANESH et al.,
2001; OOSTERHOLT; KUSANO; VRIES, 1996). O critério de
motivação avalia a capacidade de motivar e despertar o interesse
dos usuários. O gráfico 3 mostra os resultados da avaliação consi-
derando a motivação para uso dos aplicativos em estudo:

Gráfico 3 – Motivação para uso dos aplicativos

   Fonte: Elaboração própria (2015).

MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
393

Conforme resultado exposto no gráfico 3, é possível infe-


rir que os usuários, em sua grande maioria, ficaram motivados
e interessados em utilizar o aplicativo Lab. de Reações®, mesmo
sendo este o que teve o menor número de downloads. Pode-se
inferir também que a maioria dos aplicativos desperta bastante
interesse, fato esse ressaltado pelos seguintes comentários:
Apesar de já ter usado vários aplicativos, nunca ti-
nha me tocado que eles viciam a gente a usar mais.
(Licenciando 3).
Esses aplicativos despertam a nossa imaginação!
Quero usar mais. (Licenciando 12).
Um aplicativo deve ser simples e fácil de usar, pois o usuá-
rio não tem como atividade-fim a utilização da aplicação móvel,
e sim o alcance de uma determinada finalidade através do apli-
cativo (AVELLIS; SCARAMUZZI; FINKELSTEIN, 2003). O
critério de usabilidade avalia a facilidade na navegação, qualida-
de nos recursos e ajuda ao usuário. O gráfico 4 expõe a usabilida-
de dos aplicativos em estudo:

Gráfico 4 – Usabilidade dos aplicativos

       Fonte: Elaboração própria (2015).

APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE FUTUROS


PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
394

Conforme o gráfico 4, o aplicativo Lab. de Reações® obteve


destaque na opinião dos futuros docentes, dado esse destacado
no registro dos participantes:
No começo, fiquei meio perdido com essa história de
3D, muito difícil de usar, mas aos poucos acabei me
acostumando. (Licenciando 1).
Poderia ser mais simples, deveria ter setinhas indi-
cando os passos a seguir; teve horas que fiquei meio
perdido. (Licenciando 6).

Em observância aos dados alcançados, bem como ao regis-


tro dos participantes, é possível inferir que alguns aplicativos de-
monstram ser complicados, o que dificulta a utilização por parte
do usuário e, por conseguinte, o alcance da finalidade para qual
foi desenvolvido, no caso a aprendizagem de assuntos referentes
às Ciências da Natureza.

Considerações

Diante do exposto, é perceptível que a aprendizagem com


mobilidade possibilita significantes avanços no processo de en-
sino-aprendizagem, posto que responde às necessidades de tem-
po e localização do usuário.
Com um alto percentual de satisfação, indica a ­necessidade
de se ampliar a quantidade e diversidade desses objetos, sensibi-
lizando, assim, os futuros professores quanto ao seu potencial
como ferramenta educacional, que contribui para a redução da
dificuldade de compreensão de conceitos abstratos e/ou de as-
suntos referentes às Ciências da Natureza.
A precária usabilidade, ou seja, a dificuldade de navega-
ção, a precária qualidade dos recursos e a ajuda ao usuário devem
ser observadas, bem como consideradas quando da adoção de
aplicativos como recursos educacionais, o que merece r­ eflexão.

MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
395

De modo geral, mesmo a aprendizagem com mobilida-


de, m-learning, constituindo um fenômeno relativamente novo,
demonstra potencialidade e usabilidade no tangente a assuntos
referentes às Ciências da Natureza, já que há certa paridade entre
motivação e usabilidade entre os usuários, pois, em sua grande
maioria, ficaram motivados e interessados no uso de aplicativos
com fins educacionais.
Quanto às limitações da pesquisa, emerge o viés do ama-
durecimento de autores que abordem o m-learning aplicado à
aprendizagem das Ciências da Natureza, o que restringe o arca-
bouço e debate teórico.
Recomenda-se, para pesquisas futuras sobre o tema em
questão, replicar o estudo para um maior número de licencian-
dos, bem como expandir a avaliação para um número maior de
aplicativos, visando verificar o percentual de conhecimento e
uso de objetos virtuais de aprendizagem na prática docente.

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APRENDIZAGEM COM MOBILIDADE: M-LEARNING NA PERSPECTIVA DE FUTUROS


PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
396

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MÁRCIA MACHADO MARINHO • GABRIELLE SILVA MARINHO •


EMMANUEL SILVA MARINHO
397

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS


DIGITAIS INTERATIVAS

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE


Mestra em Políticas Públicas e Gestão do Ensino Superior pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: <ticicm@yahoo.com.br>.

SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora.
E-mail: <sueli@pradm.ufc.br>.
398

Introdução

A realidade atual do Brasil é composta por uma sociedade


contemporânea em constante transformação que necessita inte-
ragir com o seu sistema educacional. Vive-se, em termos de glo-
balização, em um ambiente dinâmico que exige das organizações
esforços de contínua reflexão crítica acerca das novas condições
com as quais se tem que conviver.
O avanço das tecnologias da informação e comunicação
na sociedade gera impactos significativos, e o seu desenvolvi-
mento se dá numa velocidade imensurável, que, ao longo do
tempo, tem a capacidade de transformar o comportamento das
pessoas. Esse aspecto pode gerar um descompasso entre as gera­
ções de quem ensina e quem aprende, produzindo questões que
trazem consequências para a Educação e que precisam ser pen-
sadas criticamente.
As novas tecnologias invadem as salas de aula, visto que
os alunos são fruto desse meio digital e, portanto, não encontram
dificuldade para lidar com essa realidade. As instituições de en-
sino, em particular as universidades, não podem se furtar a essa
nova época, constituída em processo de desenvolvimento e mu-
dança. Nesse cenário, a orientação e o desenvolvimento de com-
petências e habilidades no estudante, voltados à sua adaptação ao
meio social, representam uma realidade que precisa ser refletida.
O governo tenta a cada dia inserir nas escolas ­equipamentos
e aparatos tecnológicos com o objetivo de democratizar a infor-
mação e ampliar os conhecimentos, daí a importância de estudar
a inclusão digital no ambiente escolar. Resta observar e anali-

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


399

sar se essa inclusão digital permite aos professores, verdadeiros


condutores do saber, um preparo para lidarem com essas tecno-
logias, visto que sua formação acadêmica não lhes permitiu par-
ticipar dessa transformação que veio com a globalização, a qual é
muito recente. A consequência desse fato é que esse processo de
informatização da sociedade no mundo contemporâneo coloca a
escola e, em especial, cada professor diante de desafios que exi-
gem respostas rápidas e posturas inovadoras.
Diante desse contexto, este artigo tem como objetivo re-
fletir sobre as novas competências docentes ante as tecnologias
digitais interativas, visando destacar o papel do professor diante
da cultura digital.

Tecnologia, tecnologia digital e interatividade

Veraszto et al. (2008) realizaram uma vasta revisão biblio-


gráfica no sentido de elaborar uma definição atual de tecnologia;
observou-se, então, a complexidade de se construir uma defini-
ção exata do termo. Quando se avalia o conceito, observa-se que
este varia de acordo com a história, sendo, portanto, construído
e concebido de forma distinta em cada época. Para Kruglianskas
(1996, p. 8), a tecnologia “[...] é o conjunto de conhecimentos
necessários para se conceber, produzir e distribuir bens e servi-
ços de forma competitiva”. Portanto, o termo tecnologia difere de
técnica ou artefatos tecnológicos, ela é mais que uma ferramenta e
se refere ao conhecimento que está por trás do artefato. Por isso,
a tecnologia digital é em grande parte responsável pela revolução
cultural, além da tecnológica.
A transição do analógico para o digital [...]
permitiu a criação e organização de elemen-
tos de informação, o estabelecimento de novas
formas de comunicação, assim como as simu-
lações e as estruturações evolutivas nos am-

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


400

bientes online de aprendizagem. (GARCIA et


al., 2011, p. 82).

De acordo com Garcia et al. (2011, p. 82):


[...] a interatividade [...] refere-se ao diálogo
possibilitado pela máquina e seu programa. A
interatividade pode assumir funções diferen-
tes e no contexto da educação importa quando
ocorre uma interação significante, isto é, sai de
algo mecânico para algo que dá sentido à ação
humana. Quando o objetivo perseguido é a
aprendizagem, é intencional e o sujeito sabe o
porquê utiliza determinado programa, então as
capacidades interativas da máquina possibili-
tam interações humanas significativas.

Na revisão bibliográfica de Veraszto et al. (2008), os au-


tores analisaram as definições existentes de interatividade para
compreender melhor o papel das tecnologias da informação e
comunicação no contexto educativo. Assim, foram identificados,
segundo os autores, os principais indicadores de tecnologia inte-
rativa, que envolvem na sua prática:
• O intercâmbio entre as máquinas; • O in-
tercâmbio entre os usuários e o software; • As
oportunidades de aprendizagem, entreteni-
mento, aquisição de informação, comunicação
em tempo real, comunicação remota; • Siste-
ma dinâmico; poder de decisão; • Feedbacks;
• Animações; • Vídeos; música; hipertexto e
jogos; • Simulações holográficas; • Similari-
dade com o real; • Imersão passiva ou ativa,
individual ou coletiva e; • Transformações do
entorno virtual. (GARCIA et al., 2012, p. 82).
Pode-se dizer, portanto, que tecnologia digital interativa
é uma produção criada pelo homem que necessita de uma co-
municação entre professor e aluno, na qual a ferramenta tecno-

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


401

lógica é a mediadora do processo, e não o fim. Nesse contexto,


torna-se essencial a formação de professores para a construção de
novas ­competências em face das tecnologias digitais interativas,
pois negligenciar essa necessidade, segundo Garcia et al. (2011,
p. 83), “[...] significa inviabilizar e até mesmo impedir a forma-
ção integral dos sujeitos, que não saberão agir com a criticidade
e competência necessárias na própria sociedade tecnológica da
qual fazem parte”.

A inclusão digital no ambiente escolar: alguns programas


de inclusão digital apoiados pelo Governo Federal

As escolas vivem um momento importante com a era da


informação. As facilidades trazidas pelo uso da internet têm che-
gado às salas de aula com grande rapidez. Há por parte do go-
verno um esforço conjunto para levar essa realidade aos alunos,
principalmente de escolas públicas, a se inteirarem de tecnolo-
gias que apropriem o sentido de informática educativa, tornan-
do-a mais democrática.
Para Menezes (2010), não se pode cobrar um bom desempe-
nho das escolas se elas estiverem décadas atrás do que já se tornou
trivial nas práticas sociais, e isto é uma realidade, pois há escolas
com salas de informática em que a estrutura física aparentemente
sustenta a ideia de escola munida de tecnologias, porém não há
apropriação das mesmas, o que acaba tornando o uso obsoleto,
uma vez que os professores, muitas vezes, não estão preparados
para utilizar essas tecnologias. Para Teixeira (2010, p. 39):
Assim, propõe-se o alargamento do conceito de
inclusão digital para uma dimensão reticular,
caracterizando-o como um processo horizontal
que deve acontecer a partir do interior dos gru-
pos com vista ao desenvolvimento de cultura de
rede, numa perspectiva que considere processos

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


402

de interação, de construção de identidade, de


ampliação da cultura e de valorização da diversi-
dade, para, a partir de uma postura de criação de
conteúdos próprios e de exercício da cidadania,
possibilitar a quebra do ciclo de produção, con-
sumo e dependência tecnocultural.
Quando um aluno é incluído digitalmente, ele está inse-
rido num contexto social que lhe permite direito livre de acesso
à informação.
Pensando no conceito de inclusão digital, o governo, em
parceria com instituições educacionais, vem tentando diminuir
a diferença social causada pela exclusão social, para isso vem de-
senvolvendo programas de inclusão digital. Dentre eles, desta-
ca-se o Programa Nacional de Informática na Educação ­(ProInfo),
que é desenvolvido pela Secretaria de Educação a Distância
(SEED), que tem como objetivo principal promover o uso da
informática através da inserção da tecnologias de informação e
comunicação nas escolas da rede pública de ensino.
O programa leva às escolas computadores, re-
cursos digitais e conteúdos educacionais. Em
contrapartida, Estados, Distrito Federal e Mu-
nicípios devem garantir a estrutura adequada
para receber os laboratórios e capacitar os edu-
cadores para uso das máquinas e tecnologias.
(BRASIL, 1997).
O Programa Casa Brasil também faz parte desses que visam
à inclusão digital. De acordo com Brasil (2003), estão envolvidos
nesse projeto: o Ministério da Ciência e Tecnologia, Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação, Ministério do Planeja-
mento, Ministério das Comunicações, Ministério da Cultura e
Ministério da Educação, além da Secom, Petrobrás, Eletrobrás/
Eletronorte, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O ob-
jetivo principal é a “implantação de espaços multifuncionais de

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


403

conhecimento e cidadania em comunidades de baixo IDH, por


meio de parcerias com instituições locais” (BRASIL, 2003).
Cada unidade de Casa Brasil abrigará um tele-
centro, com uso de software livre e pelo menos
mais dois outros módulos, que podem ser uma
biblioteca popular, um auditório, um estúdio
multimídia, uma oficina de produção de rádio,
um laboratório de popularização da ciência ou
uma oficina de manutenção de equipamentos
de informática, e um espaço para atividades
comunitárias, além de um módulo de inclu-
são bancária nas localidades onde for possível.
(BRASIL, 2003).
Outro programa instituído pelo Governo Federal diz res-
peito aos Centros de Inclusão Digital, cujo objetivo maior é pro-
porcionar à população menos favorecida o acesso às tecnologias
da informação, “[...] capacitando-a na prática das técnicas com-
putacionais, voltadas tanto para o aperfeiçoamento da qualidade
profissional quanto para a melhoria do ensino” (BRASIL, 2010).
De acordo com Brasil (2010), o Programa Computador para
Todos é outro plano de ação do governo que oferece computado-
res e acesso à internet por preços subsidiados com uma linha de
financiamento mais barata que permite à classe C o acesso às
informações através das novas tecnologias.
O Programa Estação Digital procura “aproximar o com-
putador da vida de estudantes, donas-de-casa, trabalhadores,
populações tradicionais e cooperativas, economizando tempo e
dinheiro, criando novas perspectivas e melhorando a qualidade
de vida da população” (BRASIL, 2008). É uma ação de parceria
entre Banco do Brasil e entidades não governamentais que tem
garantido maior acesso dessa classe às tecnologias.
Desde 2004 estão em funcionamento 202 uni-
dades pelo Brasil, 41 em processo de instalação

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


404

e mais 20 unidades aprovadas para implantação


até o final de 2008. Cerca de 56% das unidades
estão localizadas na região Nordeste, 16% no
Centro-Oeste, 15% no Sudeste, 11% no Norte
e 2% no Sul, com a capacidade para atender de
500 a 1.000 pessoas por mês, e integradas a ar-
ranjos produtivos locais. (BRASIL, 2008).
O Observatório Nacional de Inclusão Digital (Onid) objetiva
a criação de telecentros (espaços sem fins lucrativos com cone-
xão à internet). É uma ação do Ministério do Planejamento, Or-
çamento e Gestão e parceiros.
Estima-se um total de 5.000 unidades de tele-
centros em funcionamento no Brasil, articula-
das no âmbito federal, estadual e municipal. O
ONID também trabalha na seleção de materiais
de referência, tais como diretrizes, documen-
tos, manuais, estudos e experiências de sucesso,
para compartilhar melhores práticas entre os
interessados no tema. (BRASIL, 2010).
O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) tem como
principal objetivo:
[...] a inclusão digital, reduzir as desigualdades
social e regional, promover a geração de em-
prego e renda, ampliar os serviços de governo
eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos
serviços do Estado, promover a capacitação da
população para o uso das tecnologias de infor-
mação e aumentar a autonomia tecnológica e a
competitividade brasileira. (BRASIL, 2010).
Esses foram alguns dos projetos de esfera governamental e
ações privadas no sentido de democratizar e ampliar o conheci-
mento das novas tecnologias da informação e comunicação. No
entanto, a presença dessas ferramentas não significa necessaria-
mente uso adequado delas. Deve-se observar e compreender que

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


405

a relação inserção da tecnologia e educação vai muito além da


preocupação excessiva com relação à aquisição de equipamentos.
Para além de uma questão técnica de capacitar a instituição de
ensino com equipamentos tecnológicos, “[...] trata-se mais pro-
fundamente de tornar o docente um profissional crítico, reflexi-
vo e competente para o domínio das novas tecnologias digitais”
(GODOI, 2010, p. 3).
Há uma forte tendência de considerar que a proliferação
de programas de computadores para a educação e de softwares
educativos resolverá grande parte dos problemas educativos.
Para Godoi (2010, p. 5):
É preciso pensar como incorporá-la no dia a
dia da educação de maneira definitiva. Depois,
é preciso levar em conta a construção de con-
teúdos inovadores que usem todo o potencial
dessas tecnologias. Não basta usar os recursos
tecnológicos para projetar em uma tela a equa-
ção «2 + 2 = 4». Você pode escrever isso no
quadro negro com giz. A questão é como ensi-
nar a matemática de uma maneira que só é pos-
sível por meio das novas tecnologias, porque
elas fornecem possibilidades de construção do
conhecimento que o quadro negro e o giz não
permitem. Por fim, é preciso preocupar-se com
a avaliação dos resultados para saber se essas
políticas de fato fazem a diferença.
São necessárias a formação e a atualização de professores,
de forma que a tecnologia seja de fato incorporada no currículo
escolar, e não vista apenas como um acessório.

A natureza dos saberes docentes

Com o passar do tempo e com a mudança das relações so-


ciais, a prática docente ganhou destaque e vem sendo discutida

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


406

com bastante ênfase no papel do professor e nos saberes necessá-


rios ao processo de ensino-aprendizagem. A prática da discussão
de temas como a prática docente, o processo ensino-aprendiza-
gem, a relação teoria-prática no cotidiano escolar, etc. passou a
ser essencial para o entendimento do conceito desse “novo” pro-
fessor perante as mudanças do mundo contemporâneo.
Identificar a natureza dos saberes docentes inclui um
olhar especial sobre o papel do educador, convidando-o a ir mais
a fundo nos saberes curriculares, propondo ao docente ir ao en-
contro dos saberes da ação pedagógica que complementam e for-
mam os saberes necessários à prática docente. Alguns autores
abordam essa realidade com muita propriedade, como Gauthier
et al. (1998) e Tardif (2002), e procuram “[...] apresentar um es-
boço da problemática do saber docente e suas interferências na
prática pedagógica, identificando as características e os diferen-
tes tipos de saberes, a relação do professor com os saberes e a va-
lorização dos saberes da experiência nos fundamentos da prática
e da competência profissional” (NUNES, 2001, p. 32).
Tardif (2002) aborda em sua obra que os saberes são plu-
rais, formados pelos saberes da formação profissional, saberes
disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais. Nes-
se contexto, o professor é “[...] alguém que deve conhecer sua
matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos
conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia
e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência co-
tidiana com os alunos” (TARDIF, 2002, p. 39). Para o autor, os
saberes podem ser assim classificados:
Saber da formação profissional – conjunto de
saberes transmitidos pelas instituições de for-
mação de professores. Não se limitam a pro-
duzir conhecimentos, mas procuram também
incorporá-los à prática do professor [...], esses
conhecimentos se transformam em saberes
destinados à formação científica ou erudita dos

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


407

professores, e, caso sejam incorporados à práti-


ca docente, esta pode transformar-se em prática
científica, em tecnologia de aprendizagem. [...]
A articulação entre essas ciências e a prática
docente se estabelece concretamente através da
formação inicial ou contínua dos professores.
[...]. Saber disciplinar – saberes de que dispõe a
nossa sociedade, tais como se encontram hoje
integrados nas universidades, sob forma de
disciplina [...]. Os saberes disciplinares (por
exemplo, matemática, história, literatura, etc.)
são transmitidos nos cursos e departamentos
universitários independentes das faculdades
de educação e dos cursos de professores. [...].
Saber curricular – estes saberes correspondem
aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos
a partir dos quais a instituição escolar catego-
riza e apresenta os saberes sociais por ela defi-
nidos e selecionados como modelos da cultura
erudita e de formação para a cultura erudita.
Apresentam-se concretamente sob a forma de
programas escolares que os professores devem
aprender a aplicar (2002, p. 38). Saber expe-
riencial – baseados em seu trabalho cotidiano
e no conhecimento de seu meio. Esses saberes
brotam da experiência e são por ela validados.
(TARDIF, 2002, p. 36-39).

Gauthier et al. (1998) aprofundam os saberes da docência.


Em sua visão, os saberes são formados pelo saber disciplinar, sa-
ber curricular, saber das ciências da educação, saber da tradição
pedagógica, saber experiencial e saber da ação pedagógica. Para
Gauthier et al. (1998, p. 27), o ensino é “[...] a mobilização de
vários saberes que formam uma espécie de reservatório no qual o
professor se abastece para responder a exigências específicas de

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


408

sua situação concreta de ensino”. Os autores ampliam os saberes,


propondo:
Saber disciplinar – saber produzido por pesqui-
sadores e cientistas nas disciplinas científicas,
ao conhecimento produzido a respeito do mun-
do. Conhecimentos integrados à universidade
sob forma de disciplinas. A escola produz sa-
beres, a partir dos saberes da disciplina, atra-
vés da transposição didática (Chevellard). [...].
Saber curricular – a disciplina sofre transforma-
ções para se tornar programa, produzidos por
outras pessoas. Ele deve conhecer o programa
para planejar e avaliar. [...]. Saber das ciências da
educação – conhecimentos profissionais que in-
formam a respeito das facetas da educação (con-
selho escolar, carga horária, sindicato, noções
de desenvolvimento da criança [...]). Desco-
nhecido pelos cidadãos comuns e membros das
outras profissões. [...]. Saber da tradição pedagó-
gica – o mestre deixa de dar aulas individuais
para dar em grupo. Esta maneira se cristalizou,
cada um tem uma representação de escola mes-
mo antes de entrar nela. Essa representação, ao
invés de ser desmascarada e criticada, serve de
molde para guiar o comportamento do profes-
sor. [...]. Saber experiencial – a experiência e o
hábito estão relacionados; esta experiência tor-
na-se a regra, a experiência é pessoal e privada,
confinada nos segredos da sala de aula. Ela-
bora jurisprudência, truques e estratagemas,
seus julgamentos e as razões para tais nunca
são testados publicamente. [...]. Saber da ação
pedagógica – é o saber experiencial a partir do
momento em que se torna público, sendo tes-
tados e validados. A jurisprudência particular

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


409

que todo professor possui não serve para reco-


nhecimento profissional, pois não é validado
nem compartilhado. A ausência do saber da
ação pedagógica faz com que o professor use o
bom senso, a tradição, a experiência, que pos-
suem limitações e não o distinguem do cidadão
comum. (GAUTHIER et al., 1998, p. 29-34).
Nessa perspectiva apresentada, respectivamente, por Tardif
(2002) e Gauthier et al. (1998), é necessário superar o p­ aradigma
tradicional de formação de professores e repensar as competên-
cias docentes para lidar com necessidades atuais de formação, bem
como a organização da sala de aula, já que sua configuração não é
mais a mesma de anos atrás. Para atuar diante de tamanha com-
plexidade dos saberes docentes, faz-se necessário um olhar mais
apurado para as novas competências essenciais aos p ­ rofessores.

O saber tecnológico: competências necessárias

As rápidas transformações tecnológicas ditam ritmos di-


ferentes para a comunicação e exigem do professor a aquisição
de novas competências socioprofissionais embasadas na utiliza-
ção das tecnologias de informação. De acordo com Garcia et al.
(2011), são duas as competências que o professor precisa ter: a
competência intercultural e a competência tecnológica. A com-
petência intercultural se refere às diferenças culturais dos estu-
dantes, fruto do meio e contexto cultural em que vivem. A com-
petência tecnológica trata do letramento digital, ou seja, exige
do professor a aquisição de habilidades para o uso dessas tecno-
logias no processo de ensino-aprendizagem. Segundo os autores,
existem três competências básicas necessárias aos professores:
Competências tecnológicas: domínio de ferramen-
tas de criação e aplicações com o uso da internet.
Competências didáticas: capacidade de criar ma-

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


410

teriais e produzir tarefas relevantes para os alu-


nos, de adaptação a novos formatos e processos
de ensino, de produção de ambientes direciona-
dos à autorregulação por parte do aluno e utili-
zação de múltiplos recursos e possibilidades de
exploração. Competências tutoriais: habilidades
de comunicação, mentalidade aberta para novas
propostas e sugestões, capacidade de adaptação
a características e condições dos alunos e para
acompanhar o processo de ensino-aprendiza-
gem do aluno. (GARCIA et al., 2011, p. 83).
Essas competências vão trabalhar as necessidades volta-
das ao processo de ensino-aprendizagem, utilizando ferramentas
que contemplem a tecnologia e formando uma “teia” de interati-
vidade entre professor e alunos com vistas a afinar a comunica-
ção entre eles e promover a construção do conhecimento.
As novas competências exigem uma reflexão
sobre a finalidade da formação e da prática do
professor, que, enraizada na pedagogia tradi-
cional, se depara com um novo desafio: o de
ultrapassar a lógica transmissiva, centrada no
professor, e adentrar na lógica da arquitetu-
ra pedagógica aberta, que reconhece o caráter
provisório do conhecimento e valoriza didáti-
cas flexíveis e adaptáveis a diferentes enfoques
temáticos. (GARCIA et al., 2011, p. 83).
Assim, os avanços da tecnologia têm promovido uma mu-
dança no papel do professor diante da incorporação das tecnolo-
gias em seu trabalho pedagógico: de uma dimensão de detentor
do conhecimento para a de um profissional da aprendizagem
que incentiva, orienta e motiva o aluno, pois as informações já
existem no meio e são de fácil acesso.
Illera e Roig (2010) abordam a comunicação na era digi-
tal enaltecendo a relevância desta (wikis, blogs, fóruns, video-

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


411

conferência, chat, redes sociais, correio eletrônico, etc.) para a


educação.
Para Longhi, Behar e Bercht (2009, p. 133):
[...] não existe educação sem interação, logo,
deve-se levar em consideração as relações en-
tre professor, aluno e meio ambiente, pois estes
aspectos interferem diretamente nos processos
de aprendizagem, em especial nos que ocorrem
em ambientes virtuais, onde não se pode contar
com a presença dos gestos, expressões e tom de
voz. (GARCIA et al., 2011, p. 85).
A comunicação na internet e em ambientes virtuais de
aprendizagem não apenas amplia como também modifica as
competências tradicionais.
[...] pensar a competência comunicacional sig-
nifica pensar a capacidade de comunicar-se
linguisticamente dentro dessas novas formas
de comunicação a que nos referimos acima e es-
clarecem que são necessárias três competências
para o processo de produção da comunicação:
competências linguísticas, competências con-
textuais e competências interativas. (GARCIA
et al., 2011, p. 85).
O simples fato de criar uma mensagem multimídia impli-
ca uma série de competências necessárias que o professor deve
possuir para produzi-la. “Conhecer o código específico inerente
aos programas utilizados para a produção de conteúdos; adequar
a composição ao tipo de mensagem, aos interlocutores e ao con-
texto social específico em que se dá a comunicação” (GARCIA
et al., 2011, p. 85).
Todo esse esforço no sentido de pensar a educação junto às
mudanças tecnológicas tem o objetivo de potencializar o apren-
dizado dos alunos, através de uma melhor organização e acesso
ao conhecimento digitalmente disponível.

NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


412

A discussão sobre a incorporação das tecnologias pelo pro-


fessor no processo de ensino-aprendizagem é fundamental para
superar o desencontro entre professores e alunos na era digital.
Esse fato implica também a criação de uma nova cultura do ma-
gistério para que “[...] o uso das tecnologias não seja algo exóge-
no à docência” (GARCIA et al., 2011, p. 80).
A resistência de muitos professores em relação ao uso
das tecnologias se dá, muitas vezes, através do medo de que
sua função seja superada. No entanto, as novas tecnologias não
substituirão ou diminuirão a importância do professor, pois o
que elas fazem é ampliar e intensificar as possibilidades cogni-
tivas e interativas no processo de construção de conhecimentos
­(ASSMANN, 2000).
A formação contínua dos professores pode contribuir para
que o docente se sinta mais preparado e capacitado para o uso
didático das tecnologias. As tecnologias digitais interativas “[...]
instauram uma revolução antropológica, mais do que tecnológi-
ca, pois novas relações entre o ambiente e os seres humanos são
desencadeadas” (GARCIA et al., 2011, p. 61). Essa nova realida-
de exige do professor práticas mais dinâmicas e participativas
desenvolvendo a autonomia dos discentes.

Considerações finais

O professor educar ante uma sociedade que muda, ajudan-


do a desenvolver vários níveis de competência, faz-nos perceber
a importância da formação docente. Uma formação que deve es-
tar em sintonia com as tecnologias da informação, levando em
conta que devemos usá-las para transformar informação em co-
nhecimento. Negligenciar essa ideia resultará em perdas tanto
para os professores como para os alunos, pois atualmente apenas
o domínio da leitura escrita se torna insuficiente para o aprendi-
zado, já que só permite acessar uma parte da informação: a que
está veiculada através de livros, excluindo, assim, as informações

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


413

obtidas através de pesquisa pela internet, em que um vasto e pre-


cioso conteúdo se encontra.
O desafio dos professores em aliar tecnologias à educa-
ção se inicia com o treinamento de seu uso amplo no ambiente
educacional, uma vez que o uso das tecnologias em sala de aula
desperta nos alunos maior interesse e motivação pelo processo
de aprendizagem, além de auxiliar o professor nas tarefas extras,
como pesquisa no preparo das aulas, provas e trabalhos através
de materiais disponíveis na internet, dentre outras. Sendo as-
sim, a tecnologia deve ser vista como um recurso complementar
e necessário que simplifica a rotina docente e abre possibilidades
de novas formas de comunicação, interação com a informação e
socialização em contextos educativos.

Referências

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mação. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 29, n. 2, p. 7-15, 2000.
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NOVOS SABERES DOCENTES ANTE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS INTERATIVAS


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TEIXEIRA, A. C. Inclusão digital: novas perspectivas para a in-
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VERASZTO, E. V. et al. La educación y la interactividad: posi-
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Madrid, n. 2, p. 655-665, 2009.
VERASZTO, E. V. et al. Tecnologia: buscando uma definição
para o conceito. Revista de Ciências e Tecnologias de Informação e
Comunicação, Porto, n. 7, p. 60-84, 2008.

TICIANNA CARDOSO MARQUES ALEXANDRE • SUELI MARIA DE ARAÚJO CAVALCANTE


415

AS TECNOLOGIAS E A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA


EDUCAÇÃO SUPERIOR

MARCOS ANTONIO MARTINS LIMA


Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em Administração pela
Uni­versidade Estadual do Ceará (UECE) e graduado em Ciências Econômicas pela UFC. Professor
associado no Departamento de Fundamentos da Educação (DFE) da Faculdade de Educação (Faced)
da UFC. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Avaliação e Gestão Educacional (Gpage).
E-mail: <marcos.a.lima@terra.com.br>.

ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM


Doutoranda e mestra em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista
em Coor­denação Pedagógica pela Faculdade Sete de Setembro (Fa7) e graduada em Pedagogia
pela UFC. Bolsista de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes). Membro do Grupo de Pesquisa em Avaliação e Gestão Educacional (Gpage).
E-mail: <anapaula_tahim@yahoo.com.br>.

MARIA LUCIJANE GOMES DE OLIVEIRA


Mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especializanda em
Gestão Escolar pela Universidade Es­tadual do Ceará (UECE), especialista em Design Educacional
pelo Instituto Brasileiro de Desenho Instrucional (IBDIN) e graduada em Pedagogia pela UFC. Mem-
bro do Grupo de Pesquisa em Avaliação e Gestão Educacional (Gpage).
E-mail: <lucijane.oliveira@yahoo.com.br>.
416

Introdução

A tecnologia tem acompanhado o homem desde sua percep-


ção sobre a necessidade de construir seu próprio espaço e mate-
riais que facilitassem sua vida, utilizando-se, assim, de tudo que o
mundo lhe propicia, bem como de seu conhecimento sobre este,
entendendo da existência de possibilidades para resolver ques-
tões diversas que versam sobre sua vida individual e coletiva.
Correlacionada a esta temática, está a avaliação, em espe-
cífico a educacional, tratando sobre a temática de interesse da li-
nha de pesquisa em Avaliação Educacional do Programa de Pós-
-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do
Ceará (UFC), bem como dos interesses de formação profissional
dos pesquisadores deste artigo.
Dessa forma, para compreender mais sobre este assunto,
foi realizada uma busca sobre estas categorias no Google Acadê-
mico: tecnologia e epistemologia da tecnologia, sendo encontra-
dos 15 artigos que apresentavam relação direta com a intenção
deste estudo. Realizou-se também uma busca bibliográfica em
livros de referência dessa linha e em artigos científicos publi-
cados que fazem referência ao assunto tratado. Assim, teorias
de autores como Heidegger (2002), Feenberg (2003) e Popper
(2013) são apontadas, enriquecendo o tecer das reflexões sobre a
epistemologia da tecnologia.
Das pesquisas realizadas através da plataforma do Google
Acadêmico sobre as categorias técnica e tecnologia, foram loca-
lizados em uma primeira pesquisa sete trabalhos que tratavam
diretamente sobre o tema tecnologia; em um segundo m ­ omento,

MARCOS ANTONIO MARTINS LIMA • ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM •


MARIA LUCIJANE GOMES DE OLIVEIRA
417

outros oito trabalhos acadêmicos foram mapeados, inclusive


uma dissertação de mestrado. Desses 15 estudos, 14 apresen-
tam o autor Álvaro Vieira Pinto como referência e um apresenta
Martin Heidegger como foco de seu estudo.
Após estudos sobre as bibliografias utilizadas por esses
artigos, sentiu-se a necessidade da consulta primária a alguns
autores de referência. Dessa forma, contribuiu para apresentar o
autor Pinto (2002) aprofundamento necessário da fonte primária
de seus estudos.
Também colaboraram com a construção deste estudo teó-
ricos da avaliação como Hadji (2001), Sant’anna (1995) e Vianna
(2000), que tratam sobre as relações da avaliação para o ensino e
aprendizado.
Torna-se necessário compreender a relação entre as técni-
cas avaliativas e o processo de ensino, observando se essas técni-
cas da avaliação educacional têm servido à percepção de conteú-
dos que precisam ser retomados nos trabalhados em sala de aula,
ampliando, assim, as reflexões aqui iniciadas.
O trabalho desenvolvido em Instituições de Ensino Su-
perior (IES) nos fez refletir sobre muitas relações estabelecidas
sobre a formação docente dos professores quanto à tecnologia
e avaliação educacional e suas possibilidades para o ensino e
aprendizado. Assim, como elemento motivador para esta pes-
quisa, surge a inquietação oriunda das reflexões tecidas na disci-
plina de Epistemologia da Avaliação. Dessa maneira, a pergunta
que dirige este estudo é: quais as relações estabelecidas entre as
técnicas, as tecnologias e a avaliação?
Para tanto, o objetivo principal aqui pretendido versa so-
bre: apresentar um tecer reflexivo sobre as principais definições
de técnicas de ensino, tecnologias e avaliação, para, assim, perce-
ber-se a relação destas com o trabalho docente.
Assim, a pesquisa é de cunho bibliográfico exploratório
e descritivo (VERGARA, 2004). A pesquisa bibliográfica explo-

AS TECNOLOGIAS E A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR


418

ratória foi utilizada na busca do aprofundamento em relação ao


assunto objeto de estudo. Teve como principais fontes secundá-
rias publicações como livros, teses, dissertações, monografias,
publicações avulsas e pesquisas na internet que tratem do tema.
Conforme Lakatos e Marconi (1999, p. 44), “[...] a pesquisa bi-
bliográfica pode, portanto, ser considerada também como o pri-
meiro passo de toda a pesquisa científica”.
Gil (1999) reforça a relevância do estudo exploratório,
afirmando que, apesar da flexibilidade, ele possui um planeja-
mento e, na maioria dos casos, assume uma forma de pesquisa
bibliográfica juntamente com o estudo de caso. As pesquisas do
tipo exploratório propiciam uma visão geral do objeto de estudo
e preocupam-se em observar, registrar, analisar, classificar e in-
terpretar os fatos sem a interferência do pesquisador.
Para a organização desta pesquisa, utilizamos a s­ istematização
do mapa mental Canvas (FINOCCHIO JÚNIOR, 2013), definin-
do-se, então, durante as aulas da disciplina como os capítulos esta-
riam estruturados. Dessa maneira, estabelece-se um debate filosófi-
co com o tecer de ideias de epistemólogos como Heidegger (2002),
Pinto (2008) e Popper (2013) sobre as categorias epistemológicas
da tecnologia e da avaliação. Na construção teórica, são abordados
autores que apresentam conceitos de tecnologia e avaliação, como
Demo (1996), Klingle (s/d), Lima Filho e Queluz (2005) e Queral-
tó (1993). Posteriormente, discorre-se a respeito da apresentação e
discussão de resultados, encerrando-se com as considerações finais,
que proporcionam algumas análises reflexivas iniciais.

Desenvolvimento

A tecnologia e o homem

Mesmo com tantas controvérsias, Heidegger se estabele-


ceu diante da tradição do pensamento ocidental, chamada por

MARCOS ANTONIO MARTINS LIMA • ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM •


MARIA LUCIJANE GOMES DE OLIVEIRA
419

ele de metafísica, que faz com que fiquemos incapazes de ver sob
um formato diferente daquele com o qual não estamos habitua-
dos (CRITELLI, 2002).
Em sua segunda fase do pensamento, Heidegger vai tratar
sobre o “[...] desocultamento da essência da técnica moderna e
do seu reconhecimento” como a vocação moderna e contempo-
rânea (CRITELLI, 2002, p. 84). Dessa forma, Heidegger (1972,
apud CRITELLI, 2002, p. 84) postula que:
Se pensarmos a técnica a partir da palavra grega
téchne e de seu contexto, técnica significa: ter
conhecimentos na produção. Téchne designa
uma modalidade de saber. Produzir quer dizer:
conduzir à sua manifestação, tornar acessível e
disponível algo que, antes disso, ainda não esta-
va aí como presente. Este produzir, vale dizer o
elemento próprio da técnica, realiza-se de ma-
neira singular, em meio ao Ocidente europeu,
através do desenvolvimento das modernas ci-
ências matemáticas da natureza. Seu traço bási-
co é o elemento técnico, que pela primeira vez
apareceu, em sua forma nova e própria, através
da física moderna. Pela técnica moderna é des-
cerrada a energia oculta na natureza, o que se
descerra é transformado, o que se transforma é
reforçado, o que se reforça é armazenado, o que
se armazena é distribuído.
Os processos produtivos pertencem ao modo de agir do
homem e, assim, precisa-se dos saberes, produções e comporta-
mentos, então esse modo de agir transforma-se em técnica, um
modo técnico (HEIDEGGER, 1972 apud CRITELLI, 2002).

A tecnologia

Quando tratamos sobre a tecnologia, precisamos refle-


tir observando o processo de hominização de Pinto (2005 apud

AS TECNOLOGIAS E A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR


420

BANDEIRA, 2011), que discute sobre os aspectos fundamentais


que tratam da capacidade de projetar e de produzir o que se pro-
jetou. Assim, juntando-se esses dois conceitos, surge o conceito
de filosofia da técnica, que se configura como “[...] a arte de fazer
algo novo” (BANDEIRA, 2011, p. 111).
Porém, a técnica precisa ser vista como um agente de pos-
sibilidade libertadora. Seria um erro primordial analisar as coi-
sas produzidas somente pela técnica, mas, a partir da construção
de formas de convivência, esta deve propor a mudança coletiva,
não se restringindo apenas ao domínio de poucos, permitindo
que a periferia modifique sua condição de paciente receptor. A
forma como o homem vê o mundo tem como uma de suas causas
condicionadoras a natureza do trabalho que realiza e a qualida-
de dos instrumentos e processos que aplica (PINTO, 2005 apud
BANDEIRA, 2011).
Para tanto, Pinto (2005 apud BANDEIRA, 2011, p. 112)
postula que:
O conceito de ‘era tecnológica’ se tornou, portan-
to, um conceito ideológico de expressão de do-
minação por parte dos grupos dominantes, onde
a cultura do consumo dirigido é justificada por
metáforas, as quais consolidam os desníveis dos
países desenvolvidos entre subdesenvolvidos.
A própria tecnologia apresenta um conceito enraizado
sobre as discussões de segmentação entre os grupos ou classes
sociais, à medida que se apresenta como movimento de exclusão
daqueles que não possuem acesso a essa possibilidade da era tec-
nológica, permanecendo onde se deseja que permaneçam.

A avaliação da aprendizagem

Hadji (1997, p. 130) trata a avaliação como uma ação im-


portante entre a ação e a decisão:

MARCOS ANTONIO MARTINS LIMA • ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM •


MARIA LUCIJANE GOMES DE OLIVEIRA
421

Entretanto, também o é, objetivamente, como


momento forte em um processo de regulação.
O esquema (ação – (feedback – julgamento) –
ajuste) evidencia, de um lado, que a avaliação
é apenas um momento em um processo geral
de condução da ação, mas, de outro, que esse
momento é decisivo.

Complementando, Sant’anna (1995) afirma que a avalia-


ção vem dentro de um contexto social; e a importância da ava-
liação e seus procedimentos têm mudado no decorrer do tempo,
absorvendo valores que se modificam a cada época em função
do desenvolvimento científico e tecnológico. Por esse motivo,
por ser uma ferramenta que se modifica seguindo um contexto
histórico, a avaliação vem ganhando força e seriedade onde se
propõe sua utilização, possuindo, assim, todo um aparato espe-
cífico e próprio.
Quanto aos modelos de avaliação, Vianna (2000, p. 88) ex-
põe que “[...] a questão da diversidade das abordagens é resultado
de posições epistemológicas diferentes, preferências metodológi-
cas diversas e diferentes visões metafóricas da avaliação”. Enten-
de-se, portanto, da diversidade e complexidade de se avaliar, pois
a literatura pertinente e a prática laboral não são unânimes em es-
tabelecer um processo avaliativo único diante da diversidade que
vem da própria formação heterogênea no país (RIBEIRO, 1995).
Hadji (1997) propõe duas hipóteses com respeito à avalia-
ção. A avaliação como um ato sincrético essencialmente (e com
razão) baseado na intuição do avaliador, em que quem avalia
apresenta suas percepções sobre o que está sendo avaliado; e a
avaliação como um ato que tem mais função de explicar do que de
descrever. Dessa forma, preocupa-se com uma melhor explicação
do que acontece, e não apenas com o que é utilizado como ins-
trumento descritivo, pois, assim, perderia sua função de ­análise e
proposição de melhorias através dos elementos avaliativos.

AS TECNOLOGIAS E A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR


422

Avaliar é necessário em todos os aspectos. Todos possuem


critérios e modelos próprios de avaliação, levando em conta as-
pectos e vivências profissionais e pessoais. Não obstante, quan-
do se fala em processo avaliativo sobre o ensino e aprendizado
pelo docente dentro das IES, essa aparece dentro de um contex-
to macro, no qual se apresentam aspectos únicos de cada insti-
tuição educacional.
No decorrer da nossa história, a avaliação vem sendo lar-
gamente utilizada, seja de maneira formal ou informal. Várias
foram as mudanças ocorridas no contexto geral do termo “ava-
liação” desde sua primeira utilização até os dias atuais.
A vantagem desse processo é a grande possibilidade que o
professor tem em reconhecer e envolver os seus problemas a partir
da técnica avaliativa traçada. Na autoavaliação, a ênfase está na
participação de todos; assim, constroem-se resultados a partir de
olhares e lugares diversos, como: alunos, professores, f­ uncionários,
gestores e sociedade. A desvantagem é o risco de a falta de distân-
cia emocional e de os próprios envolvidos c­ onverterem a avaliação
em autojustificação, o que pode levar à falta de objetividade.

Considerações finais

Quando debatemos sobre a tecnologia e o homem, pode-


mos observar que este não vê diferentemente do habitual aquilo
com que está habituado, assim a técnica é uma modalidade de sa-
ber que precisa do agir, o qual só assim transforma-se em técnica.
A tecnologia, tão logo, trata da capacidade de fazer algo novo e
que precisa partir do habitual, desde que isso não a limite na
perspectiva da possibilidade libertadora como formas de convi-
vência, sugerindo a transformação social do coletivo. O conceito
de “era tecnológica” acabou por gerar diferenças dirigidas pelo
consumo cultural e dominante, segmentando grupos e classes.
Assim, a avaliação tem uma atividade que trará sobre a ação
e decisão, dentro do seu perceber sobre feedback e j­ulgamento,

MARCOS ANTONIO MARTINS LIMA • ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM •


MARIA LUCIJANE GOMES DE OLIVEIRA
423

valores, modificando-se de acordo com os contextos históricos.


A diversidade de abordagens surge dessas variadas investidas,
por isso observamos diferentes processos avaliativos como ato
essencial e de descrição, utilizando-se de critérios e modelos.
Perceber a técnica e a tecnologia como possibilidade ava-
liativa, dentro das diversas abordagens e conceitos, vem sendo
um desafio para o docente no Ensino Superior. Tornar o agir
em uma prática profissional dentro do habitual para promover
o ensino e aprendizado dentro das buscas contemporâneas desse
discente autônomo é ainda um movimento que precisa de uma
reflexão ativa.
Dessa maneira, este estudo é um rascunho inicial de um
estudo que precisa de aprimoramento e aprofundamento, pois
muito ainda é preciso ser discutido sobre a vivência do professor
dentro dessa esfera da técnica e tecnologia ligadas à prática ava-
liativa do ensino e aprendizado no Ensino Superior.

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AS TECNOLOGIAS E A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR


427

DECLARAÇÃO DE CORREÇÃO DO PORTUGUÊS

Declara-se, para constituir prova junto à Coleção Práticas Educativas,


vinculada à Editora da Universidade Estadual do Ceará (EdUECE), que,
por intermédio do profissional infra-assinado, foi procedida a correção gra-
matical e estilística do livro intitulado Estudos em educação: formação,
gestão e prática docente, razão por que se firma a presente declaração, a
fim de que surta os efeitos legais, nos termos do novo Acordo Ortográfico
Lusófono, vigente desde 1o de janeiro de 2009.

Fortaleza-CE, 7 de novembro de 2016.

Felipe Aragão de Freitas Carneiro

DECLARAÇÃO DE NORMALIZAÇÃO

Declara-se, para constituir prova junto à Coleção Práticas Educativas,


vinculada à Editora da Universidade Estadual do Ceará (EdUECE), que,
por intermédio do profissional infra-assinado, foi procedida a normali­zação
do livro intitulado Estudos em educação: formação, gestão e prática do-
cente, razão por que se firma a presente declaração, a fim de que surta os
efeitos legais, nos termos das normas vigentes decretadas pela Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Fortaleza-CE, 7 de novembro de 2016.

Felipe Aragão de Freitas Carneiro

APRESENTAÇÃO
428

COLEÇÃO PRÁTICAS EDUCATIVAS

01. FIALHO, Lia Machado Fiuza. Assistência à criança e ao adolescente in-


frator no Brasil: breve contextualização histórica. Fortaleza: EdUECE,
2014. 105 p. ISBN: 978-85-7826-199-3.
02. VASCONCELOS, José Gerardo. O contexto autoritário no pós-1964: no-
vos e velhos atores na luta pela anistia. Fortaleza: EdUECE, 2014. 63 p.
ISBN: 978-85-7826-211-2.
03. SANTANA, José Rogério; FIALHO, Lia Machado Fiuza; BRAN-
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APRESENTAÇÃO
Tel.: 3055.0102
Este livro, com o formato final de 14cm x 21cm, contém 431 páginas.
O miolo foi impresso em papel Off-Set 75g/m² LD 64cm x 88cm.
A capa foi impressa no papel Cartão Triplex 245g/m² LD 64cm x 88cm.
Tiragem de 300 exemplares.
Impresso no mês de dezembro de 2016.
Fortaleza-Ceará.

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