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artigo de revisão
UMA ÓTICA EVOLUTIVA DO TREINAMENTO
DESPORTIVO ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Helio Franklin Rodrigues de Almeida
Ms. em Fisiologia do Exercício – Profº. da Universidade Federal de Rondônia – UNIR

Dulcenira Coutinho Magalhães de Almeida


Esp. em Saúde Pública – Estagiária do Laboratório de Fisiologia do Exercício da UNIR

Antonio Carlos Gomes


Dr. em Treinamento Desportivo – Profº da Universidade Estadual de Londrina – UEL

RESUMO RESUMO
O objetivo deste estudo é propor um novo escalonamento da evolução do treinamento desportivo através da
história, correlacionando tal evolução com o contexto político e ideológico que o jogos olímpicos sempre
evidenciaram, com o início do desenvolvimento das bases de uma ciência do desporto, iniciadas a partir da
segunda metade deste século, analisando também os contributos empíricos das civilizações antigas, que
culminaram no rigor científico e tecnológico da atualidade, subsidiado evidentemente por uma estratégia
altamente eficiente geradora de recursos financeiros: o mercantilismo desportivo.
Palavras chave: jogos olímpicos, civilizações antigas e mercantilismo.

ABSTRACT ABSTRACT
The objective of this study is to propose a new echelonation of the sportive trainning evolution thru the
history, correlationship such evolution with the political and ideological context in wich the olimpic games
always show up, and with the beginning of the bases development of a sporting science, initialized in the
second half of this century, also analysing the empirics contributes of the ancient civilizations, wich culmi-
nated in a scientific and technological rigour of the actuality, subsidieted obvious for a higher efficient
strategy generated by finatial funds: the sportive marketing.
Key words: olimpics games, ancient civilizations and marketing.

1 – INTRODUÇÃO método ou filosofia de treinamento são expostos ao


mundo, chegando ao conhecimento público (PEREI-
Quando consultada a literatura específica, ve-
RA DA COSTA,1972; FERNANDES, 1979; TUBINO, 1985;
rifica-se que as referências abordando a evolução
DANTAS, 1995).
histórica do treinamento desportivo, estão sempre
relacionadas aos Jogos Olímpicos. Tal relação se Na literatura nacional, PEREIRA DA COSTA
ampara no fato de serem estes jogos, por excelência, (1972), estabeleceu um escalonamento inicial, divi-
a vitrine onde os sucessos ou fracassos, de cada dindo em períodos a evolução histórica do treina-
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mento, o qual foi modificado inicialmente por FER- 2º- Período da Improvisação – Duração:
NANDES (1979), sendo corroborado por TUBINO - do surgimento do Renascimento (século XV)
(1985), e posteriormente DANTAS (1995) sugeriu um - até as I Olimpíadas da Era Moderna (1896 - Atenas)
novo escalonamento, sendo este último mais evi-
denciado na comunidade científica. 3º- Período da Sistematização – Duração:
- das I Olimpíadas da Era Moderna (1896 - Atenas)
Ao nosso entender trata-se de uma maneira
- até das XI Olimpíadas (1936 - Berlim)
incompleta de analisar o tema. É necessário consi-
derar que antes dos jogos olímpicos serem instituí- 4º- Período Pré-Científico – Duração:
dos na antiga Grécia como manifestação desportiva, - das XI Olimpíadas (1936 - Berlim)
já haviam surgido práticas empíricas diversificadas
- até as XIV Olimpíadas (1948 - Londres)
em relação as múltiplas atitudes buscando um me-
lhor rendimento físico, não nos cabendo nesse mo- 5º- Período Científico – Duração:
mento discutir a eficiência das mesmas, e sim a - das XIV Olimpíadas (1948 - Londres)
usuabilidade destas. - até as XXI Olimpíadas (1972 - Munique)
Pode-se considerar que muitas dessas práticas
6º- Período Tecnológico – Duração:
se processavam de forma inconsciente, como na pré-
- Das XX Olimpíadas (1972 - Munique)
história, onde o homem objetivava apenas e tão so-
- Até as XXV Olimpíadas (1992 - Barcelona)
mente a sua sobrevivência cotidiana em relação aos
animais predadores, bem como os de sua própria es- 7º- Período do Mercantilismo Desportivo – Duração:
pécie, através de um excepcional condicionamento
- A partir das XXV Olimpíadas (1992 - Barcelona)
físico adquirido no cotidiano. Posteriormente com a
evolução do homem, principalmente na Grécia e Roma
antiga, estas práticas apesar de muito diferirem das 1.1 – O Período do Empirismo
linhas gerais seguidas no treinamento desportivo e suas referências:
atual, passaram a obedecer a um senso lógico, bus-
Muitos dos diferentes processos que implicam
cando além da estética corpórea (a beleza corporal
na complicada estrutura esportiva atual, tem sua
era considerada um elemento significativo para ele-
origem na mais remota civilização. Desde o começo
var o cidadão comum, a uma condição social mais
elevada), também a preparação para as guerras, bem da aventura do homem sobre a terra, foi transmitida
como para outras competições desportivas menos de geração em geração uma série de práticas utilitá-
importantes que as Jogos Olímpicos, como os Jogos rias, que observadas e imitadas, possibilitaram-lhe
Augustos e os Jogos Capitolinos. vivendo em um meio hostil, apurar melhor seus sen-
tidos. Iniciando pela pré-história, período onde o
Com objetivo de iniciar uma nova discussão
homem primitivo tinha sua vida cotidiana, assinala-
sobre o assunto, sugerimos atualmente para a evo-
da por duas grandes preocupações: atacar e defen-
lução do treinamento desportivo na história, a se-
der-se, passando pela antigüidade, na qual os povos
guinte ordem cronológica:
do Oriente, Ocidente e Novo Mundo, apresentavam
1º- Período do Empirismo – Duração: um notável interesse em cuidar do “adestramento”,
- dos métodos arcaicos de preparação física das antigas civi- alimentação, regime de vida e performance dos indi-
lizações; víduos, até atingir o rigor tecnológico e científico
- até o surgimento do Renascimento (século XV). de nossos dias.
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Percebe-se que o exercício físico, através dos A era romana começou a ser superada, dando
jogos, da ginástica, do desporto, da dança, do excur- início a época cristã, atingindo um novo ápice cul-
sionismo, das massagens e saunas, já naquela época tural, quando então as atividades físicas assumiram
era orientado para os aspectos profiláticos, estabili- um outro direcionamento.
zadores e terapêuticos tendo por objetivo geral coo-
A partir do século XV, caracterizou-se a transi-
perar no desenvolvimento integral do indivíduo.
ção da mentalidade medieval para a moderna, atra-
Observa-se na antigüidade, a enorme contri- vés do movimento renascentista originado na Euro-
buição dos povos gregos e romanos para o desen- pa, com amplo alcance intelectual atingindo os se-
volvimento deste período. Na Grécia antiga, além de tores das artes, ciências e filosofia, e suas implica-
se pregar o culto ao corpo, era significativo o núme-
ções na construção de uma nova sociedade mais ra-
ro de jogos existentes, tendo como principal evento
cional, baseada no progresso das ciências e na difu-
desportivo os Jogos Olímpicos.
são educacional dos conhecimentos entre os homens.
Para TUBINO (1985), pode-se dizer que a pre-
Para COTRIM (1987), com o advento do Renas-
paração dos atletas helênicos em muito se asseme-
lhava ao treinamento empregado em nossos dias, com cimento surgiram os humanistas os quais encarrega-
uma preparação bastante eclética (corridas, marchas, ram-se de transmitir a seus contemporâneos a ne-
lutas, saltos etc.), usavam sobrecargas para melho- cessidade de desenvolver amplamente a capacidade
ria do rendimento, tinham um prepara psicológico do homem, como também a interpretação da vida de
apoiado no sofrimento, utilizavam o aquecimento uma maneira mais completa. Conseguiram ampliar, a
no início e a volta à calma acrescida de massagens exemplo dos antigos gregos, horizontes verdadeira-
ao final da sessão de treino, e já possuíam a exem- mente amplos conduzindo os propósitos dos indiví-
plo das concepções científicas modernas, os chama- duos como realmente era necessário: com amplitude
dos ciclos de treinamento, denominados na época e profundidade, compreendendo de forma bastante
de “tetras”, e ainda estabeleciam dietas especiais criteriosa as mais importantes tendências da perso-
nos períodos de treino e competições. nalidade humana em todos os aspectos.
Por outro lado, os romanos na época “senho- Dessa forma postulamos que este período se
res do mundo”, atuando como conquistadores, des- iniciou com os métodos arcaicos de preparação físi-
viaram totalmente os objetivos propostos através do ca das antigas civilizações, que não passavam de
esporte pelos gregos. Aproveitando os conhecimen- práticas empíricas, tenso se finalizado com o surgi-
tos esportivos dos mesmos passaram a treinar seus
mento do Renascimento, onde a busca pelo conheci-
soldados a fim de torná-los imbatíveis em combate,
mento passou a ser uma constante. O que postula-
e foi ainda sob a égide dos romanos que passou-se a
mos, tenha influenciado também em importantes
profissionalizar o esporte de forma degradante.
modificações na educação física e nos desportos.
Como nos relata HEGEDUS (1969), possivel-
mente inspirados no modelo já existente na Grécia, 1.2 – O Período da Improvisação e
o povo romano criou os Jogos Augustos e os Jogos
suas referências:
Capitolinos, onde o suborno e a violação se torna-
ram fatos comuns, transformando os jogos olímpicos A característica principal deste período foi a falta
em verdadeiras feiras esportivas, onde se apresenta- de qualidade nos treinamentos, justificando-se tal fato,
vam espetáculos com características muito diferen- em função dos conhecimentos sobre biologia humana
tes das de sua época de esplendor. serem na época, sumamente insipientes.
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É Importante mencionar que a partir do renas- Neste período, alguns pesquisadores através de
cimento, os humanistas inspirados pelos estudos bi- obras próprias orientaram o treinamento além das
ológicos de Hipócrates e Galeno, passaram a reco- questões desportivas, enfatizando os aspectos profi-
nhecer o movimento, como uma das maiores possi- láticos da atividade física orientada, sendo impor-
bilidades para satisfazer as necessidades intrínsecas tante salientar a influência do médico Thomas Elyot
do ser vivente, principalmente a partir do momento, (1490 - 1546), que através do livro “The Governous”
que a máquina começou a ocupar um lugar de desta- o qual foi dedicado ao rei Henrique VIII, catalogou
que no cotidiano do homem. Reconheceram portan- exercícios físicos de diversas espécies todos direcio-
to que esta possibilidade de movimento, necessita- nados a promoção da saúde.
va ser aplicada de forma urgente e devidamente me-
todizada, para enfrentar o futuro incerto que pro- Nesse sentido, também merece destaque a obra
metia a quietude do conforto. do pedagogo Roger Asham (1516 - 1569), “The Scho-
ol Master”, que propunha para as crianças a partir dos
HEGEDUS (1969), sugere que a valorização 14 anos de idade, o fortalecimento através de exercíci-
prática dos valores humanísticos destacou-se de os de corrida, saltos, natação, boxe, esgrima, etc.
maneira diferente: os países europeus, evidente-
mente pelo fato de apresentarem aspectos cultu-
1.2.2- Tendência norte-americana
rais diferentes, direcionaram-se de forma diferen-
de treinamento desportivo
ciada às práticas esportivas em relação a outros
países, originando na época, duas principais “ten- Por volta de 1850, os treinadores norte-
dências” metodológicas com relação a dinâmica americanos influenciados pelas formas de traba-
do treinamento desportivo, as quais resumidamente lho utilizadas pelos ingleses, começaram a “expe-
relacionamos a seguir. rimentar” diversas combinações entre os métodos
existentes. Treinadores da época como Dean
1.2.1- Tendência inglesa Cronwell, Lawson Robertson e Mike Murphy se
de treinamento desportivo destacaram no panorama competitivo, quando pro-
A Inglaterra foi o primeiro país a sentir a ne- puseram dividir a distancia total da corrida em
cessidade de orientar as massas para aspectos quase frações, as quais eram percorridas em velocidades
inexistentes até então, do treinamento nos despor- próximas a máxima, e entremeadas com um inter-
tos competitivos. De todas as atividades esportivas valo para recuperação orgânica, orientando assim
recomendadas pêlos ingleses, era notável a prefe- o treinamento mais para a capacidade velocidade,
rência dos mesmos às corridas atléticas, em especial estabelecendo uma corrente contrária a tendência
as de longa duração, as quais além de serem utiliza- inglêsa de treinamento. Surgia assim, os primei-
das como recreação passaram a integrar a prepara- ros conceitos do treinamento com princípios nos
ção do exército britânico, sendo utilizadas também intervalos e as pausas entre as repetições de cada
para disputas entre entregadores de correspondên- corrida, que chamamos hoje de “treinamento fra-
cia que percorriam grandes distâncias no seu traba- cionado”. Assim , os norte-americanos enriquece-
lho. A esses entregadores deram a denominação de ram o método inglês, criando o seu próprio méto-
corredores profissionais, nos quais eram confiadas do que constava da marcha / treinamento de du-
vultosas apostas em dinheiro. ração / treinamento de tempo, passando com isso
Mais tarde, começaram a se interessar também a melhorar os recordes da época, o que levou os
pelas distâncias mais curtas, criando a corrida da europeus a se ajustarem a esse novo tipo de tra-
milha para incentivar as provas mais rápidas. balho (FERNANDES, 1981).
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Com intuito de demonstrar a superioridade, destacando-se o treinador Lauri Pihkala que por
os norte-americanos começaram a realizar confron- volta de 1912 desenvolveu o sistema finlandês de
tos com os ingleses. Foi criada uma corrida de três treinamento. Suas idéias se voltaram para o treina-
dias, vencida pelo atleta inglês Crossland, que per- mento multilateral, aplicando o conceito ondula-
correu um total de 471 km, lançaram a corrida da tório, que é o aumento da intensidade do trabalho,
hora, para se saber quantos metros se conseguia partindo do trote lento até a velocidade máxima.
correr em 60 minutos. Seus alunos faziam 4-5 vezes 100 a 200 metros com
Começaram também a incursionar sobre as dis- esforços intensos e pausas de 10-20 min; por esse
tâncias mais curtas (100, 440 jardas e meia e uma motivo, muitos dizem que foi Pihkala o criador do
milha). Em 1879, Lon Myers correu 440 jardas em interval-training. O seu método apresentava as se-
49”1 e em 1895 contra os ingleses, Hilpatrick cor- guintes características:
reu meia milha em 1’53”2. a) Inclusão de treinamento de velocidade para meio-fun-
distas e fundistas;
Como sugere TUBINO (1985), observa-se já b) Alternar corridas curtas e intensas com intervalos lon-
neste período, que as novas concepções de treina- gos para recuperação orgânica;
mento sempre surgiram no atletismo, estendo-se c) Incrementar significativamente tanto a quantidade como
depois, para os demais desportos individuais, para também a qualidade dos treinamentos.
muito mais tarde chegar aos desportos coletivos.
Dessa forma postulamos que este período se 1.3.2 – Tendência alemã
iniciou com o surgimento do Renascimento e durou de treinamento desportivo
até as I Olimpíadas da Era Moderna (1896 - Atenas).
Por volta de 1920, na Alemanha os estudos de
Krummel, estudioso seguidor da tendência norte-
1.3- O Período da Sistematização e americana, em seus trabalhos constatava:
suas referências
a) Existir diferenças entre resistência e endurance;
Neste período, evidencia-se a necessidade de b) Ser vantajoso utilizar intervalos entre estímulos;
planejar previamente o ordenamento e controle as c) Ser possível adquirir resistência e endurance através da
cargas de trabalho a serem ministradas durante o aplicação de pequenas distâncias no treinamento.
treinamento, estabelecendo-se pontos básicos e ca-
minhos a seguir em direção a uma meta previamente 1.3.3 – Tendência sueca
estabelecida. de treinamento desportivo
Este processo foi facilitado, uma vez que ape-
A partir de 1930 na Suécia, começou a ser
sar das dificuldades de comunicação na época, o
criado o método dos finlandeses, com várias cor-
continente europeu adaptou seus métodos de trei-
rentes de trabalho surgindo tendo o mesmo de-
namento de acordo com as “inovações” norte-ameri-
canas, emergindo neste período outras tendências nominador comum, que era a adaptação aos mei-
de treinamento desportivo. os que a natureza oferece, a fim de desenvolver
as reservas naturais do homem por meio de es-
1.3.1- Tendência finlandesa forços prolongados.
de treinamento desportivo Com essa intenção, precisamente na cidade
HEGEDUS (1969), postula que o primeiro país sueca de Bosöm, O treinador Gosse Holmer desen-
a tomar a iniciativa neste aspecto foi a Finlândia, volveu o “Fartlek”, partindo do princípio de que
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os atletas deveriam evitar em seus treinamentos, o Mesmo com essa divisão de preferência, o
contato direto com os locais de competição como progresso no rendimento dos atletas foi muito sa-
as pistas, utilizando os bosques, campos, etc., que tisfatório e a contribuição desses treinadores é
seriam os locais mais favoráveis para o desenvolvi- notada na atualidade, cuja tendência se volta para
mento das capacidades funcionais como a veloci- uma mescla dos dois tipos de treinamento preco-
dade e a resistência. nizados na Suécia.

O método constava em sua forma original de: Postulamos que este período se iniciou com
a primeira olimpíada da era moderna (1896 – Ate-
a) Esforços realizados em plena natureza, portanto longe
da pista de corridas com 1 ou 2 horas de duração;
nas), durando até as XI olimpíadas (1936 – Ber-
b) Existência de uma combinação de todos os tipos de dis-
lim), quando Adolf Hitler promoveu a primeira
tâncias durante o seu transcorrer, com uma variação de grande manifestação ideológico-político dos jo-
50 até 3.000 metros; gos olímpicos, construindo toda uma estrutura que
c) Intensidade dos esforços de acordo com a distância das permitisse tentando mostrar ao mundo a pseudo
corridas;
supremacia dos alemães arianos sobre os outros
d) A pausa entre os esforços de acordo e em relação com as
povos e raças.
características das corridas, realizadas de tal maneira que
o intervalo de recuperação fosse realizado em forma de
marcha ou trote. 1.4 – O Período Pré-científico
Este método de treinamento após passar para e suas referências
várias modificações ao longo dos anos, ainda hoje Acreditamos que este período iniciou-se um
é largamente utilizado em todas as modalidades pouco antes da II Guerra Mundial, durando alguns
desportivas. anos após o final da mesma. Caracterizam esta épo-
ca, o surgimento das primeiras tentativas de ex-
Ainda em 1930 também na Suécia, na cidade
perimentos científicos relacionados a preparação
de Valadalen Gosta Olander avultava o cenário es-
física, tendo como fundamentação, as observações
portivo da época, criando um método que recebeu o
empíricas até então vigentes. Estes ensaios foram
nome de Treinamento de Valadalen, o qual era ca-
sensivelmente prejudicados pela escassez de re-
racterizado por:
cursos financeiros, uma vez que o mundo voltava
a) Alternar treinamentos “duros” e “suaves” para obter o
efeito restaurador no organismo; suas atenções para o advento da guerra, estabele-
b) Utilizar terrenos com alto grau de dificuldade (pântanos cendo-se nesta época uma profunda recessão eco-
e morros); nômica, o que não impediu o surgimento de novas
c) Alegria e correção técnica durante a execução dos trabalhos. tendências de trabalho com relação ao treinamen-
to desportivo.
A escolha do tipo de trabalho que deveriam
executar, provocou uma divisão entre os atletas de
1.4.1 – Tendência alemã
acordo com suas preferências por um desses dois trei-
de treinamento desportivo
nadores suecos. Holmer primava pelo trabalho rela-
tivamente prolongado com variação de esforço, ao Apesar da escassez de recursos financeiros, vá-
passo que Holander fazia um trabalho mais curto rios cientistas continuaram contribuindo para que a
onde observava algumas sessões com grande inten- evolução do treinamento desportivo não fosse estag-
sidade, uma vez que ele dava preferência ao princí- nada, desenvolvendo outros métodos de trabalho.
pio da intensidade em relação à quantidade. Destaca-se o treinamento proposto pelo fisiologista
46 ALMEIDA, ALMEIDA & GOMES

alemão Woldemar Gerschller em 1936 na cidade de 1.4.2 – Tendência checa


Friburgo, cujas características principais eram: de treinamento desportivo
a) Volta dos treinos às pistas; Constata-se a contribuição do corredor tcheco
b) Incluir corridas curtas e longas alternadamente; Emil Zatopeck, o qual por volta de 1945, a partir
c) Sessões mais curtas de trabalhos; dos conhecidos trabalhos de Toni Nett, modificou
d) Incluir treinos específicos de velocidade;
paulatinamente sua forma de treinar, começando a
e) Controle do tempo nos percursos.
utilizar intervalos de recuperação entre as corridas.
Com esta proposta metodológica, Woldemar Posteriormente promoveu algumas mudanças na pro-
Gerschller foi o primeiro cientista a enfocar o posta original preconizada, até desenvolver seu pró-
princípio da especificidade do treinamento, reali- prio método que constava de:
zando as sessões de treino dos corredores em épo- a) Uma diminuição nas distâncias empregadas anteriormente;
cas próximas as competições importantes, na pis- b) Uso somente das distâncias: 200 e 400 metros;
ta de atletismo. Com isto, obtinha um elevado nível c) Utilização de até 70 repetições das distâncias;
de adaptabilidade funcional às exigências especí- d) Utilização de 60 segundos de intervalo entre as repetições.
ficas da performance. Surgia assim o treinamento de intervalos,
Outro estudioso a destacar-se ainda neste pe- com o qual Zatopeck, surprenderia o mundo des-
ríodo, é o alemão Toni Nett, que aborda em seus portivo da época com resultados considerados
estudos datados de 1940, questões relacionadas ao fantásticos, apesar de hoje tornarem-se absole-
que hoje consideramos aspectos fundamentais den- tos a ponto de serem conseguidos com facilidade
tro de uma estrutura técnico-organizacional de trei- por vários atletas.
namento desportivo os quais resumidamente cita-
mos a seguir: 1.4.3 – Tendência húngara
a) Ordenação de todos os sistemas de trabalho, classifican- de treinamento desportivo
do-os de acordo com seus objetivos;
Verifica-se também no ano de 1948 ano a uti-
b) Proposição de tabelas de treinamento;
lização de esforços físicos intervalados fora da Ale-
c) Organização de toda uma temporada de treinamento.
manha e tchecoslováquia, pelo médico e treinador
Muito embora as primeiras concepções orga- húngaro Mihaly Igloi, o qual ganhou notoriedade
nizacionais de treinamento desportivo não sejam por considerar o fato dos atletas possuírem dife-
originárias deste período, uma vez que na antiga rentes condições hereditárias, os planos de treina-
Grécia, o tempo total do treinamento físico era mento deveriam ser individualizados. Hoje sabe-se
dividido em partes, aplicando-se 3 dias de cargas ser esta a pedra angular, sobre a qual deve ser edi-
crescentes de trabalho, intercalados por um dia ficado todo o processo de treino, porém pela pri-
de repouso, ao que os gregos chamavam de “te- meira vez observa-se na história a preocupação com
tras”, pode-se sugerir que Toni Nett foi o precur- a individualidade biológica. O seu método de trei-
sor da periodização, pelo fato do mesmo compor namento se baseava em:
uma perfeita organização do tempo disponível para a) Uma grande dose de trabalho diário (20 a 40 quilômetros);
b) Cargas de treino estritamente individualizadas.
treinamento, estabelecendo objetivos a serem al-
cançados a curto, médio e longo prazo, obtendo Consideramos que este período tenha durado
uma eficiência no treinamento inimaginável nos das XI Olimpíadas (1936 - Berlim), até as XIV Olim-
períodos anteriores. píadas (1948 – Londres).
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1.5 – O Período científico feitamente a um dos princípios do atual treinamen-


e suas referências: to de duração, cujos esforços prolongados são reali-
zados sob um ritmo e intensidade especiais.
Este período apesar de iniciar-se ainda sobre
os resquícios pouco fundamentados do período an- Resumindo, Cerutty não era favorável ao trei-
terior evoluiu rapidamente, com o mundo desportivo namento de intervalos porque julgava ser um siste-
sendo estimulado por uma multiplicação impressio- ma oriundo de laboratório, cujos resultados nem sem-
nante de laboratórios de investigações científicas do pre estavam de acordo com a prática. Achava que
esforço físico, e se constituindo de três grandes ten- para se adquirir a resistência geral e a específica,
dências desportivas. era necessário executar trabalhos prolongados e ex-
tensos e nunca esforços rápidos e breves (HEGEDUS,
1969; FERNANDES, 1981).
1.5.1 – Tendência australiana
de treinamento desportivo 1.5.2 – Tendência neozelandesa
No início da década de 50, a Austrália inicia de treinamento desportivo
uma época inovadora no treinamento desportivo, Contemporaneamente na Nova Zelândia, Arthur
através da proposta de Percy Cerutty, que em 1952 Lydiard procurou extrair os pontos fortes do treina-
foi a Helsinque, a fim de assistir aos Jogos Olímpi- mento de intervalos e do treinamento de duração,
cos, quando aproveitou a oportunidade para visitar fazendo uma mescla dos dois sistemas. Assim, de
Gosta Holander e aprender seu sistema de treina- acordo com a temporada de competições do seu país,
mento. De volta à Austrália, procurou adequar a dividia o ano em várias etapas de treinamento, nas
metodologia de Holander às possibilidades naturais quais se buscava um distinto objetivo:
de seu país. Para isso escolheu um local da costa
oceânica entre Melbourne e Portsea, com um exten- 1 – Etapa Pós-competitiva
são de 80 a 100 quilômetros, que passou a ser o No final da temporada de competições dava-se
centro de treinamento do qual participaram corredo- início a esta etapa do treinamento. Nela, os corre-
res australianos e de outros países. dores treinavam 6 vezes por semana, correndo em
Cerutty foi partidário de um trabalho muito in- estradas e bosques, realizando um trote de 1 hora de
tenso e até esgotador. Seus mais destacados atletas duração, no qual gastavam uma média de 7 minutos
percorriam até 150 quilômetros semanais no período por milha, durante 2 ou 4 semanas.
de preparação geral e 100 quilômetros no período de
2 – Etapa de competições nacionais de cross-country
competições. Utilizava as dunas de areia, buscando a
aquisição da resistência muscular localizada, para a qual Nesta etapa era exigido do corredor um traba-
os americanos e alemães recorriam ao treinamento de lho feito nas mais diversas condições de terreno
tempo (time-training) realizado na pista de corridas. (areia, lama, pedras, etc.), bem como nas mais di-
versas condições climáticas.
O argumento utilizado por Cerutty era de que,
Na primeira metade da semana eram feitos
nas dunas o atleta necessita desenvolver maior esfor-
apenas trotes, para em seguida ser intensificado o
ço na unidade de tempo, superior às solicitações de
trabalho, incluindo uma grande variação de esfor-
uma competição. O corredor desenvolveria dessa ma-
ços, que iam desde as 50 jardas até a milha, chegan-
neira, uma condição física muito especial, perante o
do às grandes quilometragens feitas aos domingos.
sofrimento provocado por semelhantes esforços.
Isto era feito durante 12 semanas, quando começa-
Indubitavelmente, seu método se ajusta per- vam as competições de cross-country;
48 ALMEIDA, ALMEIDA & GOMES

3 – Etapa de Treinamento da Maratona Lydiard não utilizava o treinamento de in-


Quando terminavam as competições de cross- tervalos porque considerava as pausas muito lentas,
country, era iniciado o treinamento visando às altas o que acreditava não levar a resultados. Preferia uma
quilometragens, atingindo uma média de 100 milhas mescla da velocidade pura, velocidade prolongada e
semanais. O ritmo desenvolvido nas corridas era ajus- longas distâncias. Assim, seus corredores de meio-
tado à capacidade de cada um dos corredores e mai- fundo faziam tanto velocidade prolongada quanto
or número de quilometragem era percorrido aos sá- devia fazer um meio-fundista e o mesmo número de
bados num ritmo mais baixo que os dias anteriores, quilômetros que fazia um corredor de fundo.
cerca de 7min/milha.
1.5.3- Tendência alemã
O total em quilômetros a serem percorridos
de treinamento desportivo
durante a semana era distribuído de forma a alter-
nar um dia com carga menor que o outro, cuja inten- Por volta de 1952, estabeleceu-se uma corren-
sidade do trabalho variava conforme o terreno a ser te totalmente contrária aos métodos continuados
utilizado para a corrida. adotados pelas tendências australiana e neozelan-
desa de treinamento desportivo. Assombrados pelos
4 – Etapa de treinamento em terrenos variados fantásticos resultados alcançados por Zatopeck com
Totalizando 6 semanas, esta etapa dava conti- o treinamento intervalado, Gerschller, em conjunto
nuidade ao período anterior, onde o local utilizado com Herbert Heindel e seus colaboradores Helmut
se constituía em um terreno bastante acidentado com Roskamm e Joseph Keul, realizaram várias investi-
longos aclives, intercalando com partes planas e tam- gações clinico-médicas, observando as alterações fi-
bém descidas, para exigir uma grande variedade de siológicas ocorrentes nos atletas quando submeti-
ritmos para a corrida. O percurso possuía uma dis- dos a diferentes variações desta forma de treinamento
tância de 3.200 metros e o total percorrido em cada Assim, Gerschller, que já havia sistematizado
dia atingia uma média de 20 quilômetros. No final o treinamento de intervalos, voltou a modificar esse
da semana, era feito um treinamento de maratona método de treinamento. Encurtou a distância dos
de 2 a 2,5 horas de duração. esforços, controlou rigidamente as pausas, a frequ-
ência cardíaca, a intensidade das corridas, bem como
5 – Etapa de treinamento em estradas o número de repetições das mesmas. Fez com que o
Nesta etapa já se iniciava a preparação para as atleta caminhasse ou deitasse de costas durante as
competições em pistas. Os corredores percorriam 13 pausas e eliminou o trote de recuperação utilizado
quilômetros por dia durante 4 semanas, fazendo uma por Zatopek.
mescla do treinamento de duração com corridas de Em resumo, Gerschller passou a utilizar as
tempo e séries de sprints, portanto, um trabalho distâncias de 100-200 metros, com 100 repetições
bastantes semelhante ao fartlek. e pausas de 45-60 segundos onde o atleta deitava
ou caminhava; enquanto Zatopek realizava corri-
6 – Etapa de treinamento em pista
das de 200-400 metros, em 70 repetições com
Após todo a etapa de preparação que antece- pausas de 60 segundos em forma de trote. Portan-
dia as competições, iniciava-se o treinamento de to, houve um encurtamento das distâncias com
pista, com uma duração de 12 semanas, período que aumento do número de repetições e diminuição
eram realizadas as competições. das pausas para descanso.
R EVISTA T REINAMENTO D ESPORTIVO 49

Dessa forma, os estudos constataram que o mais estudos biomecânicos das referidas modalidades com
importante no treinamento de intervalos é o fato de o corredor Pietro Menéa e o nadador Mark Spitz,
haver um maior proveito ou benefício do treinamen- dois fenômenos desportivos da época.
to, produzido durante as pausas e não durante os
esforços. Por esse motivo, essas fases intermediárias
1.6 – O Período Tecnológico
entre cada esforço (corrida) foram denominadas de
e suas referências
“pausas ativas ou proveitosas”, o que levou o méto-
do a ser chamado de treinamento de intervalos ou Após o período científico os resultados des-
interval-training. A partir desse embasamento fisio- portivos já em evidente crescimento, foram vertigi-
lógico o método passou a ter significado científico. nosamente ascendentes. Isto se deve não somente
Evidencia-se neste período, que além do sur- ao surgimento de uma metodologia de treinamento
gimento de vários métodos de treinamento físico com bases científicas, como também a uma cons-
cientificamente comprovados em laboratórios de fi- tante evolução da tecnologia na fabricação dos equi-
siologia do exercício como: cross-country, marathon- pamentos e confecção da indumentária usada pelos
training, power-training, cross-promenade, aerobics, atletas de alto nível (TUBINO, 1985; DANTAS 1996).
hipoxing-training entre outros, que diversas outras
As novas concepções aliaram-se ao crescente in-
concepções sistêmicas sobre treinamento físico de
teresse político pelo grandes resultados desportivos,
rendimento foram enunciadas em diferentes partes
que vinham sendo evidenciados como supremacia das
do mundo. Neste aspecto destaca-se o belga Raul
nações e até mesmo ideologias pelos países socialistas,
Mollet em 1963, que foi o primeiro a considerar o
desde os XI Jogos Olímpicos (Berlim – 1936), fazendo
processo de treinamento desportivo dentro de uma
globalidade, enunciando-o como: do esporte de alto rendimento um eficaz meio de pro-
paganda de seu sistema político. Os países ocidentais
“Uma filosofia de apreciação de atividade
aceitaram prontamente o desafio, de tal forma que atu-
desportiva, em função de todas as suas componen-
almente em defesa de suas ideologias políticas, as na-
tes que, através de uma programação racional, pro-
ções investem orçamentos milionários na preparação
cura desenvolver as técnicas, as táticas e as quali-
de seus atletas, o que fica evidenciado quando obser-
dades físicas, apoiando-as na alimentação apropria-
vamos as competições internacionais.
da, numa atitude psicológica favorável, nos regra-
mentos dos hábitos de vida, na adaptação social Não obstante a tudo isso, constata-se que o
adequada e no planejamento das horas de lazer”. uso da informática passou a ser fundamental no di-
Passou-se então, a considerar, o atleta como agnóstico morfo-funcional e psicológico dos indiví-
um ser social inteligente, interagindo não só com duos, na planificação do treinamento, na prescrição
outras partes envolvidas no processo de treinamen- dos exercícios sobre as linhas guias de volume e in-
to, mas também com o meio ambiente, instituindo- tensidade, bem como na correção de gestos técnicos
se assim o “Treinamento Total”: e análise tática das situações de competição. Tais
fatores podem ser considerados determinantes, em
Postulamos que este período começou com
se tratando da moderna ciência da preparação física.
as XIV Olimpíadas (1948 - Londres), finalizando-se
com as XXI Olimpíadas (1972 - Munique), onde re- A partir daí os meios esportivos passaram de
gistra-se pela primeira vez a utilização de computa- acordo com suas tradições, a utilizar as mais varia-
dores nas provas de atletismo e natação das e os das formas de pesquisas que pudessem trazer algum
50 ALMEIDA, ALMEIDA & GOMES

benefício em prol do desporto de competição. Ini- principais componentes. Esta tendência tinha o in-
ciou-se assim uma nova etapa dentro do processo de tercâmbio técnico-científico facilitado pela situação
evolução do treinamento, com o aparecimento de geográfica dos países europeus, com o Brasil muito
diferentes filosofias orientando de formas diferenci- se beneficiando mediante estágios realizados em
adas as direções quando da preparação dos atletas. seus principais centros de treinamento e pesquisas
científicas, como Colônia e Mainz e outros situados
1.6.1 – Tendência saxônica nos demais países partidários de sua doutrina (FER-
de treinamento desportivo NANDES, 1981;TUBINO, 1985).
Tinha como líder os Estados Unidos, seguido
pelo Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do 1.6.1 – Tendência asiática
Sul, onde a universidade se constituia na principal de treinamento desportivo
fonte de pesquisas dentro da mais sofisticada condi-
ção tecnológica, oferecendo total apoio aos seus Dentre os países que faziam parte esta escola
atletas, os quais recebiam em troca os estudos na destacavam-se principalmente o Japão, as Coréias
própria universidade, além da orientação dos melho- e ainda a China. Nesses países, além do estrito pla-
res técnicos desportivos do país, bem como utiliza- nejamento educacional, o desporto já recebia uma
vam uma tecnologia e material desportivo de alto- grande ajuda das numerosas indústrias lá existen-
nível. (FERNANDES, 1981;TUBINO, 1985). tes, com as fábricas se formando equipes desporti-
vas. A característica mais marcante dessa tendên-
1.6.2 – Tendência socialista cia, é que naquela época já evidenciava-se aspec-
de treinamento desportivo tos capitalistas, e a cultura era usada como meio
Liderada pela União soviética, abrangia todos de motivação (TUBINO 1985). Os principais cen-
os demais países do bloco socialista, onde o Estado tros de investigação científica localizavam-se nas
tinha a completa responsabilidade sobre a educação universidades, principalmente em Tóquio (FERNAN-
física e o desenvolvimento desportivo, encaminhan- DES, 1981;TUBINO, 1985).
do desde muito cedo a criança para a atividade des-
portiva em que a mesma pudesse ter maiores possi- 1.7 – O Período do mercantilismo
bilidades de sucesso no futuro. esportivo e suas referências
Esses países possuíam a exemplo da tendência O esporte se tornou sem dúvida um dos mais
capitalista, importantes centros de investigação ci- eficientes produtos para divulgação do nome e mar-
entífica dirigidos para a ciência dos desportos além
ca de seus anunciantes e patrocinadores, porque lhes
da orientação dos melhores técnicos desportivos do
permite aproximarem-se dos seus clientes e do mer-
país, bem como utilizavam uma tecnologia e materi-
cado. O sucesso que o esporte transmite aos seus
al desportivo de alto-nível. (FERNANDES, 1981;TU-
participantes é inconscientemente atribuído às em-
BINO, 1985).
presas que o promovem e, o que é mais importante,
aos seus produtos (NETO,1986).
1.6.3 – Tendência européia-ocidental
de treinamento desportivo Dessa forma atualmente não existem mais re-
Comandada pela antiga Alemanha Ocidental, lutâncias: é notório o surgimento do desporto-espe-
tinha nos países europeus não-socialistas os seus táculo, e investir no esporte se consolidou um exce-
R EVISTA T REINAMENTO D ESPORTIVO 51

lente negócio com grandes retornos publicitários em gação de seus produtos, investem orçamentos
termos de divulgação, melhoria de imagem, lucros milionários no financiamento da preparação de
financeiros e vantagens fiscais. atletas ou equipes, (que são considerados verda-
deiros astros) bem como, promovem e adminis-
É dentro desse enfoque que as empresas pas- tram eventos desportivos.
saram a se interessar pela promoção institucional
do esporte, consolidando na atualidade a existên- A universidade, a exemplo do período anterior,
cia de apenas duas grandes orientações de treina- se constituí ainda na principal fonte de pesquisas.
mento desportivo, independente das condições só-
cio econômicas, opções políticas, tradições ou mes- 1.7.2 – Tendência socialista
mo posições geográficas, as quais a seguir descre- de treinamento desportivo
vemos resumidamente.
Abrange todos os países do bloco socialista,
onde o estado tem a completa responsabilidade
1.7.1 – Tendência capitalista
sobre a educação física e o desenvolvimento des-
de treinamento desportivo
portivo. A base dessa tendência é o regime de
Tem como componentes os países capitalistas governo que entrega ao estado a educação inte-
do globo, independente de sua situação geo-políti- gral das crianças.
ca, com os clubes e associações, quase sempre sub-
Esses países possuem importantes centros de
sidiadas pelas empresas oferecendo total apoio aos
investigação científica dirigidos para a ciência dos
atletas, que recebem em troca além de salários con-
desportos (FERNANDES, 1981;TUBINO, 1985).
siderados, outras vantagens financeiras.

A característica mais marcante dessa ten- 2- CONCLUSÃO


dência, é que as competições de alto nível tor-
naram-se verdadeiros shows, independente do Corroborando com TUBINO (1992), provavel-
nível profissional ou pseudo-amador das mesmas, mente o esporte como negócio tonar-se-á o novo
nas quais utilizando-se de estratégias promocio- paradigma deste final de século, e regerá todas as
nais as grandes empresas interessadas na divul- atividades desportivas, uma vez que em países mais

QUADRO 1 – Quadro demonstrativo das modificações técnicas, administrativas e organizacionais do treinamento


desportivo em função dos últimos períodos.

OLIMPÍADAS E
ESPORTE DE
GERENCIADO CAMPEONATOS MEETING E GRAND
PERÍODOS ALTO NÍVEL
POR : MUNDIAIS PRIX UM MEIO DE:
UM MEIO DE:
COMO:
CIENTÍFICO ao TECNOLÓGICO
Prestígio Órgãos Forma de aferir o
De Londres – 1948 Objetivo Final
Político Diretivos grau de treinamento
Até Barcelona - 1992
Empresas Alta valorização
Mídia
MARKETING Após 1992 nacionais e financeira do Objetivo principal
alternativa
Multinacionais atleta
Modificado de DANTAS (1995)
52 ALMEIDA, ALMEIDA & GOMES

avançados o esporte competição já foi incrementa- centros de pesquisa, cujo intuito é de disponibilizar
do desde algum tempo, através da mídia, merchan- contributos teóricos efetivos para fazer progredir a
dising, o marketing, o patrocínio e outros aspec- meio desportivo. Esta visão, emerge de um contexto
tos, modernizando as antigas concepções então vi- político e ideológico a que o jogos olímpicos natu-
gentes, e proporcionando uma nova dimensão do ralmente não se furtaram (HEGEDUS, 1969; PEREIRA
esporte como negócio, sem necessariamente esque- DA COSTA, 1972; FERNANDES, 1981; TUBINO, 1985;
cer suas maiores riquezas: os seus valores, a sua CONSTANTINO, 1992; MARQUES, 1992; TUBINO, 1992;
moral e a sua ética. DANTAS, 1995), até o início do desenvolvimento das
bases de uma ciência do desporto iniciadas a partir
Dessa forma o esporte competição ocupa
da segunda metade deste século, as quais se funda-
espaços cada vez maiores na mídia em geral, o
mentam atualmente na formação de uma forte co-
que evidentemente implicou paulatinamente em
munidade científica internacional, com um elevado
modificações técnicas, administrativas e organi-
número de publicações periódicas especializadas nas
zacionais, na complexa estrutura de um treinamen-
varias disciplinas da ciência do desporto, sendo po-
to desportivo de rendimento, se consubstancian-
rém inegável os contributos empíricos das civiliza-
do em algumas importantes modificações que po-
ções antigas, que culminaram no rigor científico e
dem ser vistas no QUADRO 1.
tecnológico da atualidade, subsidiado evidentemen-
Pode-se dizer, que há hoje um imenso hori- te por uma estratégia altamente eficiente, no senti-
zonte científico a ser pesquisado em laboratórios e do de geração de recursos financeiros.

3 – BIBLIOGRAFIA MOLLET, Raul - L’entrainement total. Bruxelas, Consell


International de Sport Militaire, 1963.
CONSTANTINO, J.M. Geopolítica dos resultados olímpicos
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COTRIN, G. Educação para uma escola mais democráti- PEREIRA DA COSTA, L. Fundamentos do treinamento
ca: história e filosofia da educação. 1ª ed., São desportivo. Caderno Didático. Departamento de Edu-
Paulo: Saraiva, 1987 cação Física. 1972.
DANTAS, E.H.M. A prática da preparação física. 4. ed., TUBINO, M.J.G. Metodologia científica do treinamento
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HEGEDUS, J. Entrenamiento deportivo. Buenos Aires:
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HEGEDUS, J. Treinamento Desportivo. Coleção Educa- Helio Franklin Rodrigues de Almeida


Av. Campos Sales, 3611 – Olaria – Porto Velho – RO – CEP 78902-080
ção Física Escolar v. I, São Paulo: Esporte e Educação
Ltda, 1969. Dulcenira Coutinho Magalhães de Almeida
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MARQUES, M. Os jogos olímpicos e a ciência do desporto. Antonio Carlos Gomes
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