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Artigo 2

Disciplinas Saúde Pública e Coletiva nos cursos de Educação Física no


Brasil

Angela Rodrigues Luiz


Maria Alves Barbosa
Celmo Celeno Porto

RESUMO

O objetivo foi identificar o ensino de saúde nos cursos de graduação em


Educação Física. Foram investigados 1.267 cursos presenciais, dentre os
quais 583 ofertavam disciplinas nominadas com a palavra “saúde”. Foram
listadas 1.017 disciplinas, sendo que a maioria predomina nos cursos de
bacharelado vinculados às instituições privadas, e a mais recorrente
denomina-se Atividade Física e Saúde. Há um descompasso entre a
formação em Educação Física, as políticas públicas e a atuação
multiprofissional nos serviços de saúde. A existência de disciplinas
denominadas com a palavra “saúde” na matriz curricular pode ser o princípio
do debate sobre a reorientação da formação nos cursos de graduação em
Educação Física no Brasil.

DESCRITORES: Educação Física, ensino, currículo, saúde.

ABSTRACT

The goal was to identify the health teaching in graduation courses in Physical
Education 1.267 classroom courses were investigated, of which 583 offered
subjects nominated with the word "health" 1.017 subjects were listed, and in
the majority predominates in bacharelor courses linked to private institutions,
and the most recurrent is called Physical Activity and Health There is a
mismatch between formation in Physical Education, public policy and
multidisciplinary performance in services of health. The existence of subjects
named with the word "health" in the curriculum can be the beginning of the
debate about the reorientation of formation in graduation courses in Physical
Education in Brazil.

DESCRIPTORS: Physical education and training, education, curriculum,


health.

Publicações 42
INTRODUÇÃO

Em prol da melhoria da qualidade da assistência prestada à saúde da


população brasileira, um movimento transformador foi iniciado no Brasil
marcadamente a partir da década de 1970. Entre outras ações, foi suscitada
a reorientação da formação promovida nos cursos de graduação da área da
saúde, tendo em vista o cuidado primário e a formação de recursos
humanos para atuar nos serviços de saúde, principalmente no Sistema
Único de Saúde (SUS)1.

Documentos oficiais dos setores de saúde e educação passaram a


afirmar que a formação do profissional em saúde deveria contemplar o
sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral
em saúde. Aos cursos e universidades colocou-se a necessidade de rever
suas posturas pedagógicas e seus currículos, promovendo transformação na
concepção de saúde e na atenção ao processo saúde-doença2.

A expansão da educação superior no Brasil tem se materializado


fundamentalmente pelo aumento do número de Instituições de Ensino
Superior (IES), de cursos e vagas por eles oferecidos. Os cursos de
graduação em Educação Física apresentam um crescimento exponencial,
passando de 746 em 2006 para 1.452 cursos cadastrados em atividade na
Plataforma e-MEC no ano de 2015.

Com maior oferta de egressos no mercado de trabalho, a Educação


Física ampliou e diversificou os campos de atuação profissional. Junto aos
professores da educação básica, intensificou-se a formação de instrutores
para academias, personal trainers, preparadores físicos, técnicos esportivos,
gestores desportivos e profissionais para atuarem nos serviços de saúde3.

Em meio ao acelerado crescimento da oferta de cursos e vagas de


graduação em Educação Física, despontaram políticas públicas no setor de
saúde, que passaram a considerar o profissional de Educação Física como
componente de equipes multiprofissionais, primordialmente, no Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF) e Academia da Saúde4,5. Suas ações
profissionais foram preconizadas, desde o ano de 2006, pela Política

Publicações 43
Nacional de Promoção da Saúde (PNPS)6, para intervenção na rede básica
de saúde e na comunidade. Nesse contexto, faz-se oportuno acompanhar
como o conteúdo saúde tem sido abordado nos cursos de Educação Física
no Brasil.

Estudos sobre o ensino de saúde nos cursos de Educação Física são


pouco frequentes, e em sua maioria descrevem experiências locais7,8.
Possivelmente, o silêncio sobre a saúde ou acerca do SUS na formação em
Educação Física esteja relacionado à baixa visibilidade dos profissionais da
área na atuação e gestão dos serviços9.

Destaca-se que os egressos dos cursos de Educação Física


constituem um grupo de profissionais habilitados a intervir com atividades
educativas, lúdicas e desportivas que promovem saúde, debelando, dessa
maneira, os fatores de risco das doenças e agravos não transmissíveis.
Nessa atuação profissional, pode-se ressignificar a abordagem do processo
de saúde-doença e aproximar indivíduos dos serviços de atenção e
prevenção à saúde, favorecendo o alcance dos princípios de acessibilidade
e integralidade no acesso preconizado pelo SUS.

Sendo assim, faz-se atual estudar a tendência de ensino nos referidos


cursos frente ao compromisso de ampliar a abordagem corporal para além
das dimensões biológicas e biomecânicas, que privilegiam a aptidão física
individual em detrimento a outras percepções e concepções de corpo e
saúde10.

No âmbito dos cursos de Educação Física, as primeiras publicações


acadêmico-científicas que relatam iniciativas de reorientação da formação
para atender legislações da área da saúde, em consonância com a
legislação específica da Educação Física, datam de 20097,8,9. Naquele
momento, cursos em diferentes regiões do país foram criados ou
reestruturados para atender a demanda por uma nova interface com a
saúde.

Desencadeado por um processo ampliado de pensar o ensino das


profissões da saúde na universidade brasileira, este artigo tem por objetivo
identificar o ensino de saúde nos cursos de graduação em Educação Física,

Publicações 44
de modo a qualificar a atuação multiprofissional nos serviços de saúde. Os
dados descritos neste estudo integram a tese de doutorado desenvolvida
junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, da UFG, que
investiga os cursos de Educação Física no Brasil e suas interfaces com a
saúde.

MÉTODO

Estudo descritivo, transversal, quantitativo, utilizando dados da


Plataforma e-MEC e sites institucionais, coletados nos meses de março a
maio de 2015. Foram investigados 1.267 cursos de graduação em Educação
Física nas modalidades presencial, público, privado, bacharelado e
licenciatura. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital de Clínicas da UFG (Parecer nº 953.847/2015).

Amostragem

A amostra, representativa do Brasil e das cinco grandes regiões


geográficas, foi composta por 583 cursos de graduação em Educação
Física. Todos eles ofertam, no mínimo, uma disciplina de caráter obrigatório
que utiliza a palavra “saúde” em sua denominação.

Para a coleta dos dados, procedeu-se à leitura da matriz curricular de


cada curso e transcrição do nome das disciplinas denominadas com a
palavra “saúde” para uma Planilha Excel, versão 2010. Posteriormente,
esses dados foram tabulados, expressos em gráficos e tabelas, com a
utilização do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS ®),
versão 20.0, compondo a análise estatística deste estudo.

Variáveis estudadas

Publicações 45
Foram utilizadas para identificar os cursos (n=583) as seguintes
variáveis: nome e sigla da instituição; cidade e estado que oferta o curso;
categoria administrativa pública ou privada; modalidade licenciatura ou
bacharelado; número e ano de cadastro do curso junto ao MEC; e carga
horária total do curso.

A variável desfecho foi identificar quantas e quais disciplinas


nominadas com a palavra “saúde” (n=1.017) compõem a matriz curricular
dos cursos de Educação Física. Para tanto, foram coletados o nome, a carga
horária semestral e o período letivo de oferta da disciplina.

RESULTADOS

Na trajetória descritiva dos dados analisados, foi possível elaborar a


Tabela 1 para caracterizar os cursos de Educação Física brasileiros.
Observa-se a predominância dos cursos vinculados às IES privadas (1.013)
em detrimento dos cursos das IES públicas (254), bem como a maior
quantidade de cursos de licenciatura (718) em comparação com os cursos
de bacharelado (549) em Educação Física.

Tabela 1 – Quantidade de Cursos Presenciais de Educação Física no Brasil,


em 2015

Licenciatura Bacharelado Total


Categoria Administrativa
Pública 172 82 254
Privada 546 467 1013
Total 718 549 1267
Região
Sul 126 114 240
Sudeste 348 286 634
Centro-Oeste 60 45 105
Norte 68 33 101
Nordeste 116 71 187
Total 718 549 1267
Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

A Tabela 2 mostra a distribuição dos cursos públicos e privados de


Educação Física considerando suas localidades geográficas. No conjunto,

Publicações 46
predominam os cursos vinculados às IES privadas. Identifica-se, ainda, que
a região Sudeste concentra 50% dos cursos investigados, deixando aquém
as demais regiões brasileiras.

Tabela 2 – Distribuição dos cursos públicos e privados de Educação Física


por regiões geográficas do Brasil, em 2015
Público Privado Total
ƒ % ƒ % ƒ %
Sul 35 2,8 205 16,2 240 18,9
Sudeste 69 5,4 565 44,6 634 50,0
Centro-Oeste 19 1,5 86 6,8 105 8,3
Norte 62 4,9 39 3,1 101 8,0
Nordeste 69 5,4 118 9,3 187 14,8
Total 254 20 1013 80 1267 100
Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

Também foi possível mapear a distribuição dos cursos nas


modalidades licenciatura e bacharelado, expressos na Tabela 3. As regiões
Norte e Nordeste apresentam diferenças significativas quando comparados
seus valores percentuais referentes ao número de cursos de licenciatura e
de bacharelado.

Tabela 3 – Distribuição dos cursos de licenciatura e bacharelado em


Educação Física por regiões geográficas do Brasil, em 2015
Licenciatura Bacharelado Total
ƒ % ƒ % ƒ %
Sul 126 9,9 114 9,0 240 18,9
Sudeste 348 27,5 286 22,5 634 50,0
Centro-Oeste 60 4,7 45 3,6 105 8,3
Norte 68 5,4 33 2,6 101 8,0
Nordeste 116 9,2 71 5,6 187 14,8
Total 718 56,7 549 43,3 1267 100
Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

Publicações 47
A compilação desses dados possibilitou mapear a distribuição dos
cursos de Educação Física no país e subsidiou a descrição das disciplinas
nominadas com a palavra “saúde” encontradas nos cursos investigados.

Foi possível identificar que 583 (46,6%) cursos presenciais ofertam, no


mínimo uma, e, no máximo 13 disciplinas intituladas com a palavra “saúde”
dentro da proposta de formação inicial em Educação Física. A Tabela 4
representa a quantidade de cursos de licenciatura e bacharelado em IES
públicas e privadas que ofertam disciplinas denominadas “saúde”, bem como
a distribuição geográfica dos cursos.

Tabela 4 – Cursos de Educação Física no Brasil que ofertam disciplinas


denominadas “saúde”
Público Privado Total Licenciatura Bacharelado Total
Sul 18 127 145 66 79 145
Sudeste 37 236 273 110 163 273
Centro-Oeste 4 39 43 18 25 43
Norte 8 21 29 17 12 29
Nordeste 33 60 93 44 49 93
Total 100 483 583 255 328 583
Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

Verifica-se que 483 cursos que apresentam disciplinas denominadas


com a palavra “saúde” estão vinculados às IES privadas, enquanto 100
cursos são de IES públicas. De modo menos acentuado, constata-se a
diferença quantitativa do registro das disciplinas nas duas modalidades de
formação, posto que se somam 328 cursos de bacharelado e 255 cursos de
licenciatura.

A região Sudeste, que concentra o maior número de cursos quando


comparada às outras regiões geográficas, resulta também na maior
quantidade de disciplinas denominadas com a palavra “saúde” (273),
seguida das regiões Sul (145), Nordeste (93), Centro-Oeste (43) e Norte
(29), respectivamente.

Nos 583 cursos de Educação Física, há 1.017 disciplinas


denominadas com a palavra “saúde” (Tabela 5). Os cursos privados

Publicações 48
concentram 82,85% das disciplinas investigadas, enquanto 17,15% são
encontradas nos cursos públicos. A oferta de uma disciplina denominada
“saúde” é significativamente maior (60,3%) nos cursos em comparação
àqueles que ofertam duas (22,8%) ou mais disciplinas com a mesma
denominação.

Tabela 5 – Disciplinas com a denominação “saúde” nos cursos de Educação


Física
Quantidade Cursos Públicos Cursos Privados Total
Disciplinas
Saúde ƒ % ƒ % ƒ %

1 70 12,01 282 48,37 352 60,3


2 19 3,26 114 19,55 133 22,8
3 0 0 50 8,58 50 8,6
4 3 0,51 17 2,92 20 3,4
5 4 0,69 11 1,89 15 2,6
6 2 0,34 6 1,03 8 1,3
7 0 0 1 0,17 1 0,2
8 1 0,17 1 0,17 2 0,4
10 0 0 1 0,17 1 0,2
13 1 0,17 0 0 1 0,2
Total: 1017* 100 17,15 483 82,85 583 100
* Resultado da multiplicação das disciplinas pelos cursos correspondentes.
Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

Os dados coletados revelam que os 583 cursos da amostra possuem


carga horária média de 3.295 horas. Cada disciplina tem em média 59 horas.
A maior incidência de disciplinas “saúde” está no sétimo período letivo (164)
e a menor no primeiro período (42). Uma porcentagem significativa de
disciplinas é ofertada na segunda metade do curso (55,7%), seguida
daqueles cursos que as ofertam na primeira metade (33,8%) e de alguns
cursos que não informam (10,5%) o período letivo de oferta da disciplina
denominada “saúde”.
As 1.017 disciplinas foram dispostas em 13 grupos disciplinares
(Gráfico 1). As disciplinas do grupo “Atividade Física e Saúde” são mais
recorrentes (28,4%) que as do grupamento “Saúde Pública e Coletiva”

Publicações 49
(18,0%). O tema saúde compõe Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC),
pesquisas e outras estratégias de ensino (4,5%) e também é retomado nas
disciplinas sobre gestão, políticas e trabalho multiprofissional em saúde
(5,0%).

Gráfico 1 – Agrupamento das disciplinas denominadas “saúde”

Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

No grupo “Atividade Física e Saúde” a disciplina Atividade Física e


Saúde (102) é a mais recorrente, seguida das disciplinas Atividade Física
nos Modelos de Atenção Básica à Saúde (18) e Aptidão Física, Saúde e
Esportes (17). Neste grupo, a atividade física e saúde também estão
associadas ao exercício físico, qualidade de vida, envelhecimento e
prescrição de exercício.

Publicações 50
O grupo “Saúde Pública e Coletiva” reúne 183 disciplinas. As
nomenclaturas mais recorrentes são: Epidemiologia e Saúde Pública (65),
Saúde Coletiva (43), Saúde Pública (21), Saúde Coletiva e Atividade Física
(15). Essas disciplinas são ofertadas predominantemente nos cursos de
bacharelado e privados.

No grupo “Educação Física e Saúde” a disciplina Educação Física e


Saúde (43) é a mais recorrente, seguida das disciplinas Educação Física nas
Unidades e Programas de Saúde (29) e Educação Física e Saúde Coletiva
(20). Escola, saúde pública, atenção primária e sociedade são os temas que
se associaram à Educação Física e Saúde neste grupo disciplinar.

Aos cursos privados estão vinculadas 852 disciplinas sobre saúde,


enquanto 165 disciplinas pertencem aos cursos públicos (Gráfico 2). As
disciplinas dos grupamentos “Atividade Física e Saúde” (247), “Saúde
Pública e Coletiva” (162) e “Educação Física e Saúde” (131) são mais
recorrentes nos cursos privados. Nesses cursos, nota-se uma equalização
promovida pelas disciplinas dos grupamentos “Estágio Supervisionado em
Saúde” (41), “Gestão e Políticas de Educação Física e Saúde” (39) e
“Pesquisa, Seminário, Tópicos e TCC em Saúde” (40).

As disciplinas que compõem o grupo “Educação em Saúde” estão em


10 cursos públicos e em 10 cursos privados. Nos cursos públicos, com os
menores valores, há os grupos “Saúde e Socorros de Urgência” (3),
“Antropologia, Filosofia e Sociologia Aplicada à Saúde” (3) e “Educação
Física e Saúde na Escola” (3).

Publicações 51
GRÁFICO 2 – Distribuição das disciplinas denominadas “saúde” por tipo de
curso

Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

Ao distinguir os grupos disciplinares pelas modalidades de formação,


encontram-se 693 disciplinas vinculadas aos cursos de bacharelado e 324
vinculadas aos de licenciatura (Gráfico 3). A distribuição dos valores e
representação gráfica dos cursos privados do Gráfico 2 e os cursos de
bacharelado do mesmo são semelhantes. Destaca-se no gráfico seguinte
que a quantidade de disciplinas dos grupos “Saúde e Socorro de Urgência”,
“Educação em Saúde” e “Educação Física e Saúde na Escola” é maior nos
cursos de licenciatura que nos cursos de bacharelado.

Publicações 52
GRÁFICO 3 – Distribuição das disciplinas denominadas “saúde” por
modalidade de curso

Fonte: Dados levantados pela pesquisadora

DISCUSSÃO

Os dados apontam o predomínio de cursos privados em comparação


aos públicos. Essa constatação repete-se ao se analisar que a maioria das
disciplinas denominadas com a palavra “saúde” são ofertadas nos cursos de
Educação Física vinculados às instituições privadas (83,8%), quando
comparados aos cursos das instituições públicas (16,2%).

A expansão do número de instituições privadas pode se justificar pelo


crescimento econômico alcançado pela população no país nos últimos anos,
o que ocasionou a busca por qualificação, tanto na formação quanto nos

Publicações 53
serviços prestados. Aos estudantes das IES privadas oportunizou-se o
acesso à educação superior por meio da facilitação de financiamentos,
oferta de bolsas e subsídios financeiros. Por sua vez, a ampliação das
vagas, a interiorização das universidades, a abertura de novos câmpus e
novas instituições públicas não foram ações capazes de equiparar a oferta
de ensino entre os setores público e privado11.

Sobre o acesso e expansão da educação, faz-se oportuno mencionar


a ação para qualificar o ensino público, o Programa de Apoio à
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), prevendo
criar condições de ampliação do acesso e permanência na educação
superior12. A despeito das atuais críticas à sua estruturação e consolidação
nas universidades, o programa apresenta, desde 2007, metas específicas
para promover a revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos
cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-
aprendizagem. Essas metas corroboram a posição fundamental das IES
públicas no cenário acadêmico nacional, no processo de inovação científica
e tecnológica do país, ainda que estejam em número significativamente
menor que as instituições de iniciativa privada.

Em números absolutos, há uma significativa diferença entre os cursos


públicos e privados relacionados à quantidade de disciplinas intituladas com
a palavra “saúde”. Contudo, ao calcular a média simples do número de
disciplinas (1.017) por cursos (583), identifica-se que os cursos públicos
oferecem, em média, 1,65 disciplinas denominadas “saúde”, e os cursos
privados, por sua vez, ofertam 1,76 dessas disciplinas.

Considerando a média das disciplinas que podem priorizar o ensino


de saúde nos cursos de Educação Física, nota-se que os cursos públicos e
privados equiparam-se na promoção desse conteúdo durante a formação.
Além disso, a diversidade dos temas, conteúdos e denominações das
disciplinas relacionadas com a saúde tem sido alcançada pelos cursos
públicos e privados. Cabe ressaltar que essa afirmativa é feita com base na
análise do número absoluto dos cursos e disciplinas que compõem a
amostra, sem considerar suas respectivas cargas horárias.

Publicações 54
Os dados comprovam a predominância de disciplinas denominadas
com a palavra “saúde” nos cursos de bacharelado (68,1%) em detrimento
dos cursos de licenciatura (31,9%). A carga horária média dos cursos, de
3.295 horas, também ultrapassa de modo significativo o mínimo previsto
para os cursos de licenciatura. Para esses, a carga horária mínima, de 2.800
horas, foi estipulada pela Resolução 01/2002, que orienta a formação em
cursos de licenciatura para todos os professores para a educação básica.

O quadro das políticas públicas de educação superior não se


desvincula das concepções neoliberais e dos determinantes sociopolíticos e
econômicos do país. É preciso considerar que a origem dos cursos de
Educação Física está associada com a modalidade licenciatura, que levava
os egressos a ocuparem cargos públicos nas instituições municipais e
estaduais de educação básica. Contudo, a escassez dos concursos
públicos, somada à ampliação do mercado de trabalho no setor terciário, foi
propícia para a ampliação da formação nos cursos de bacharelado, ligados
às demandas de prestação de serviços privatizados12.

A discussão sobre a legitimidade da Educação Física na educação


básica e sobre a dupla formação nos cursos superiores são temas
recorrentes nos estudos, pesquisas e publicações científico-acadêmicas da
área. Novas discussões adensam-se para entender as contribuições das
disciplinas Saúde Pública e Coletiva nos cursos de Educação Física, tendo
em vista legitimar a propriedade do trabalho dos egressos do curso em
questão nas equipes multiprofissionais e nos serviços de saúde13,14.

A nomenclatura mais recorrente entre os dados analisados é


“Atividade Física e Saúde”, referendando estudos hegemônicos sobre a
relação entre Educação Física e saúde nas dimensões biológicas e da
aptidão física. Em sua produção para fomentar o debate sobre saúde na
Educação Física, Bagrichevsky15 reflete se o exercício físico gera saúde, ou
se a saúde conduz à prática de exercício e atividade física. Sem negar que o
sedentarismo representa um dos fatores de adoecimento, tampouco que os
exercícios físicos atuam no tratamento e recuperação de algumas doenças,
os estudos15,16 tensionam a relação de causa e efeito entre os atributos
físicos e saúde. A aptidão física exultada nas disciplinas que compõem as

Publicações 55
matrizes curriculares dos cursos analisados privilegia enfoques e atributos
biológicos em detrimento dos elementos socioculturais e econômicos que
incidem sobre o processo saúde-doença.

Ao deslocar a perspectiva de análise para considerar que as Ciências


Humanas e Sociais elaboraram interpretações e soluções satisfatórias ao
processo saúde-doença, faz-se necessário redimensionar o enfoque
biológico atribuído aos conteúdos de saúde nos cursos de Educação Física.
Um conceito ampliado de saúde, formulado durante a Conferência de Alma
Ata, agrega significado às condições de alimentação, educação, meio
ambiente, trabalho, lazer, e, dentre outros, o acesso aos serviços de saúde.
Assim, saúde é resultado das formas de organização social, de produção, as
quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida17.

Nessa direção, a existência de disciplinas denominadas Educação


Física e Saúde Pública; Educação Física e Saúde Coletiva; Antropologia e
Sociologia Aplicada à Saúde; Aproximação à Prática de Educação Física em
Saúde; Educação Física nas Unidades e Programas de Saúde; Gestão e
Políticas de Educação Física e Saúde; Implementação de Ações para a
Saúde; Fundamentos da Saúde Pública e Urgências nas Atividades Físicas;
Integralidade em Saúde; Noções Básicas de Saúde; Prática Integrada
Multiprofissional na Comunidade; Programas de Promoção de Saúde;
Trabalho Multiprofissional em Saúde Pública; dentre outras, indica a adesão
de alguns cursos à reorientação da formação dos profissionais de saúde
anunciada nos princípios do SUS e pactuada entre secretarias ministeriais
nos setores da saúde e educação.

Tendo respaldo nas proposições sobre o ensino de saúde e na


reorientação da formação profissional, os conteúdos abordados nessas
disciplinas tendem a estar mais vinculados às novas demandas do campo
saúde, seus programas e serviços correlatos. Espera-se que o ensino
integre o acadêmico à realidade e aos serviços de saúde desde os primeiros
períodos letivos, de forma a promover senso de responsabilidade social e
compromisso com a cidadania. Que sejam promovidas ações grupais,
educativas e preventivas articuladas aos saberes de múltiplos profissionais,
potencializando a alta capacidade resolutiva da APS. Que aproxime a

Publicações 56
formação inicial dos princípios de promoção, prevenção, recuperação e
reabilitação à saúde, preconizados nas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) de alguns cursos de graduação da área da saúde18.

Para capturar a relação da formação em saúde com a Educação


Física, optou-se por atribuir notoriedade às disciplinas denominadas “saúde”
e identificar a potencialidade das mesmas na qualificação da formação.
Acredita-se que o egresso é capaz de atuar nos serviços de saúde,
principalmente no SUS, balizado pelos conteúdos e determinantes históricos
da saúde pública e coletiva.

Faz-se oportuno destacar que as disciplinas que compõem os grupos


“Gestão e Políticas Públicas de Saúde” e “Práticas Corporais e Atividades de
Promoção da Saúde” são espaços privilegiados para romper o suposto
silêncio sobre o SUS, observado nas DCNs e na formação em Educação
Física. Além disso, elas podem aumentar a visibilidade dos profissionais
dessa área nas ações de gestão dos serviços e nas demandas por atuação
específica9.

Não há pretensão de desconsiderar as disciplinas básicas Anatomia,


Fisiologia, Bioquímica e Bioestatística e sua legitimidade científico-
acadêmica na área das ciências da saúde. Tampouco há negação dos
conteúdos de esportes, treinamentos, cultura corporal e escola, que
integram parte significativa da formação inicial nos cursos de Educação
Física. Entretanto, eles não foram abordados neste estudo em razão dos
objetivos e delineamento de investigar a interface da Educação Física com a
saúde, especificamente a saúde pública e coletiva.

A identificação de disciplinas e conteúdos sobre saúde pública e


coletiva nos cursos de Educação Física aponta para o compromisso da
formação atualizada, contextualizada e socialmente reconhecida. Sinaliza,
ainda, para uma atuação em saúde que priorize as noções de cuidado, de
encontro, da escuta, da dimensão ética e subjetiva de um profissional que
trabalhe com práticas de saúde pautadas na humanização da atenção e que
esteja atento aos princípios do SUS, dentre os quais destaca-se a
integralidade19,20.

Publicações 57
Em direção à reorientação da formação, vislumbra-se que essas
disciplinas sejam espaços de formação para formular saberes e práticas
sobre o SUS, aspectos sobre gestão em saúde, e análises sobre a
integralidade da atenção à saúde. Sendo assim, as disciplinas explicitam,
também, a necessidade de mudança na formação20 nos cursos de Educação
Física.

CONCLUSÕES

Ao mapear aspectos sobre saúde nos cursos de Educação Física,


este estudo demonstra que esse campo científico e de intervenção tem
reorientado com pouco impacto o ensino de saúde. Há indícios para
demonstrar a apropriação do conceito de saúde ampliada, saúde pública e
saúde coletiva a partir de nomenclaturas das disciplinas investigadas.
Também é possível mostrar um descompasso entre a formação e as
políticas públicas que balizam a Educação Física nas equipes
multiprofissionais e serviços de saúde.

Os dados, expressos pela quantidade de cursos e diversidade de


nomenclatura das disciplinas, apontam para expectativas promissoras de
ensino de saúde na formação inicial em Educação Física. A identificação de
disciplinas denominadas com as palavras gestão, políticas, saúde pública e
saúde coletiva pode significar que a área empenha-se em estabelecer outra
forma de relação com a saúde, referendando a perspectiva crítica,
humanista e social.

A quantidade de disciplinas denominadas com a palavra “saúde” é


incipiente para afirmar que os egressos dos cursos de graduação em
Educação Física são formados com adequabilidade, propriedade e domínio
dos conteúdos. Mas a existência de uma disciplina na matriz curricular pode
ser o princípio do debate sobre a reorientação da formação, a estruturação
dos serviços de saúde, os princípios do SUS, e os conceitos de saúde.

Este estudo limitou-se a identificar as instituições, os cursos e as


disciplinas denominadas com a palavra “saúde” que compõem as matrizes

Publicações 58
curriculares. Os dados instigam a continuidade de investigações detalhadas
sobre as ementas, vivências e conteúdos abordados em cada disciplina que
propõe abordar o tema saúde pública e coletiva.
Este estudo aponta desafios que podem ser assumidos pelas
propostas de formação nos cursos de graduação em Educação Física. No
que concerne à formação dessa área articulada com a saúde, espera-se que
a formação seja reformulada e que os saberes sobre saúde, em suas
especificidades públicas e coletivas, sejam referendados para qualificar a
formação e atuação profissional nos serviços de saúde.

REFERÊNCIAS

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NMSC. Projeto pedagógico e as mudanças na educação médica. Revista
Brasileira de Educação Médica. 2009; 33(Supl. 1): 44-52.

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no ensino e no trabalho da Saúde. Porto Alegre: UFRGS/EducaSaúde, 2014.
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Disponível em: <http://moodle.ufrgs.br>

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