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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA


CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

RAPHAEL DUARTE REIS

EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE:


Uma análise sobre a abordagem do tema “saúde” nos Projetos Pedagógicos
dos cursos de Educação Física de Universidades públicas do Estado do Rio de
Janeiro

NITERÓI, RJ
2020
RAPHAEL DUARTE REIS

EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE:


Uma análise sobre a abordagem do tema “saúde” nos Projetos
Pedagógicos dos cursos de Educação Física de Universidades públicas do
Estado do Rio de Janeiro

Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao curso de
Licenciatura em Educação
Física da Universidade Federal
Fluminense, como requisito
parcial para obtenção do Grau
de Licenciado.

Orientadora:
Prof.ª Drª Claudia March Frota de Souza
Coorientador:
Elizandra Garcia da Silva

NITERÓI, RJ
2020
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu filho Eros


e aos meus falecidos avós, que sempre
me apoiaram nesta jornada.
AGRADECIMENTO

Agradeço a todos e todas aquelas que me apoiaram e fizeram parte nesse processo.
Com toda certeza, eu não teria conseguido chegar até aqui sem vocês do meu lado.
Não teria como eu deixar de citar meu filho Eros nesse primeiro momento. Cada
dificuldade, cada tropeço e falha, sempre foi a primeira pessoa a quem remetia
meus pensamentos. A certeza que tenho é que esse trabalho não existiria caso você
não existisse. Espiritualmente eu sei que você nunca saiu do meu lado, nem por um
segundo.
À minha família agradeço por todo amor e apoio que me prestaram. Filho de
Professor, vi em meu pai as alegrias e tristezas dessa profissão. Minha mãe, dona
de casa, sempre esteve do meu lado me incentivando a cada curto passo que dei.
Aos meus irmãos, cada abraço representa um desabafo pelas angústias,
rapidamente amenizadas pelo amor, carinho e companheirismo que temos um pelos
outros.
Aos meus amigos, que jamais saíram do lado, e nos momentos mais difíceis,
sempre estenderam a mão e ofereceram seus ombros para cada lágrima, que não
foram poucas. Agradeço também, aos amigos que conheci através da UFF, e que
deram um sentido mais descontraído e interessante para que essa longa e exaustiva
caminhada. Destaco aqui também os amigos e colegas do Movimento Estudantil –
ExNEEF que me ajudaram a ampliar minhas visões frente à Educação Física e a
sociedade como um todo. Jamais me esquecerei dos Encontros Nacionais e
Regionais que participei com vocês.
Por último, e não menos importante, às minhas orientadoras Claudia March e
Elizandra Garcia, que desde o início deste trabalho até o último dia de escrita,
acreditaram no meu potencial – até mais do que eu mesmo em muitos momentos.
São pessoas incríveis, maravilhosas e que pretendo trabalhar muito com vocês. E a
UFF que me proporcionou uma experiência inesquecível de vida.
RESUMO

O presente trabalho propõe um estudo sobre a formação dos professores de


Educação Física, especificamente no que diz respeito às abordagens em saúde.
Assim, nos utiliza-se de fundamentos teórico-metodológicos que sustentam os
conceitos de saúde e de Educação Física, e que permitem materializar essas
concepções no contexto histórico-social. Esses conteúdos permitem entender uma
questão pertinente sobre a Educação Física, que é a presença do tema saúde nos
currículos dos cursos de formação de professores. Essa relação histórica é
construída a partir de interesses, segundo a forma de organização da sociedade,
que é representada por um projeto hegemônico capitalista e dividida em classes. Os
interesses hegemônicos, ou seja, da classe burguesa, são impostos à classe
trabalhadora, visando a manutenção de seus poderes e privilégios. Assim, a
Educação física e a saúde são identificadas a partir desse cenário, e suas diversas
abordagens representam planos de sociedade antagônicos, e, portanto, o seu
reconhecimento se torna necessário. Objetivou-se analisar os Projetos Pedagógicos
de cursos de Educação Física de quatro (04) Universidades públicas do Rio de
Janeiro, em busca de identificar os conceitos de saúde presente em cada um,
entendendo a importância de lutar pela ampliação dos conceitos do tema e a
superação do modelo biomédica, biologicista e positivista, onde a própria profissão
sofre com a não adequação com o campo do trabalho em saúde. O resultado desta
pesquisa corrobora com outros estudos referentes às Universidades e de outros
Estados, indicando que os cursos de EF oferecem uma formação que se utiliza de
conceitos de saúde com características biologicistas, curativas e biomédicas
(ALMEIDA, 2018; ANJOS; DUARTE, 2009; COLLIER; SOUZA, 2015; OLIVEIRA;
GOMES, 2020; SANTIAGO; PEDROSA; FERRAZ, 2012).

PALAVRAS-CHAVES: Educação Física. Saúde Pública. Currículo


RESUMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

This paper proposes a study on the training of Physical Education teachers,


specifically with regard to health approaches. Thus, we use theoretical-
methodological foundations that support the concepts of health and Physical
Education, and that allow materializing these concepts in the historical-social context.
These contents allow us to understand a pertinent question about Physical Education,
which is the presence of the health theme in the curricula of teacher training courses.
This historical relationship is built from interests, according to the form of organization
of society, which is represented by a hegemonic capitalist project and divided into
classes. The hegemonic interests, in other words, of the bourgeois class, are
imposed on the working class, aiming at the maintenance of their powers and
privileges. Thus, physical education and health are identified from this scenario, and
their diverse approaches represent antagonistic society plans, and therefore, their
recognition becomes necessary. The objective was to analyze the Pedagogical
Projects of Physical Education courses of four (04) Public universities in Rio de
Janeiro, seeking to identify the health concepts present in each one, understanding
the importance of fighting for the expansion of the concepts of the theme and
overcoming the biomedical, biologicist and positivist model, where the profession
itself suffers from non-adequacy with the field of health work. The result of this
research corroborates with other studies referring to Universities and other States,
indicating that PE courses offer training that uses health concepts with biological,
curative and biomedical characteristics (ALMEIDA, 2018; ANJOS; DUARTE, 2009;
COLLIER; SOUZA, 2015; OLIVEIRA; GOMES, 2020; SANTIAGO; PEDROSA;
FERRAZ, 2012).

KEYWORDS: Physical Education. Public health. Curriculum


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO
2. ABORDAGENS ACERCA DA FORMAÇÃO EM EF E O PROCESSO
HISTÓRICO DA SAÚDE NO BRASIL
2.1 CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO EM EF E SUAS EXPRESSÕES NO
TEMA SAÚDE AMPLIADA
2.2 OS CONCEITOS DE SAÚDE E A HISTÓRIA DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS NO BRASIL

2.3 ANÁLISE DOS PP DOS CURSOS DE EF DAS UNIVERSIDADES


PÚBLICAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

2.3.1 PP DOS CURSOS DE EF DA UERJ

2.3.1.1 DO BACHARELADO

2.3.1.2 DA LICENCIATURA

2.3.2 PP DO CURSO DE LICENCIATURA EF DA UFF

2.3.3 PP DOS CURSOS DE EF DA UFRJ

2.3.3.1 DO BACHARELADO

2.3.3.2 DA LICENCIATURA

2.3.4 PP DO CURSO DE LICENCIATURA EF DA UFRRJ

3. CONCLUSÃO
REFERENCIAS
LISTA DE ABREVIATURAS

AIS – Programa de Ações Integradas em Saúde


BA – Bahia
CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensão
CDS – Conselho de Desenvolvimento Social
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CONASP – Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
DCNEF – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Física
DSS – Determinantes Sociais da Saúde
EF – Educação Física
EEFD – Escola de Educação Física e Desporto
ENEFD – Escola Nacional de Educação Física e Desporto
FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
IAP – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IAPAS – Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social
IEFD – Instituto de Educação Física e Desporto
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde
LOS – Lei Orgânica da Saúde
MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
OMS – Organização Mundial de Saúde
PET-SAÚDE – Programa Educação pelo Trabalho em Saúde
PIASS – Programa de Interiorização das Ações em Saúde
PNPS – Política Nacional de Promoção da Saúde
PPA – Plano de Pronta Ação
PPC – Projeto Pedagógico de Curso
PP – Projeto Pedagógico
PPP – Projeto Político-pedagógico
PREV-SAÚDE – Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PRONAM – Programa Nacional de Nutrição e Alimentação
SADT – Serviço Auxiliar de Diagnóstico e Terapia
SAMHPS – Sistema de Atendimento Médico-Hospitalar da Previdência Social
SIMPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
VER-SUS – Vivências e Estágios na Realidade do SUS
1 INTRODUÇÃO

A Educação Física/EF possui uma proximidade histórica com o campo da


saúde. A medicina, com destaque nesse campo, influenciou diretamente as
interpretações acerca do conceito hegemônico adotado para a explicação do que
seria a saúde, em diferentes momentos desses entrelaçamentos históricos.
Mas essas interpretações de saúde não foram sendo estruturadas em si,
como um fenômeno independente. Diferente de uma análise centrada no fenômeno,
buscaremos evidenciar o contexto social em que saúde, medicina, EF, e a formação
em EF e o temário saúde, se inserem, para, a partir das contradições existentes,
problematizarmos e buscarmos explicações destoantes com as hegemônicas, já
sabidas.
O estreitamento entre saúde, medicina e EF se concretiza desde a Europa,
nos séculos XVIII e XIX, tendo a ginástica como conteúdo majoritário, desenvolvidas
em seus diferentes modelos; alemão, francês, inglês e sueco.
Considerando essa proximidade histórica, os conceitos de saúde terminam
por refletir na EF uma variedade de ideias (até mesmos antagônicos) sobre o seu
próprio objeto de estudo e trabalho: o movimento e as expressões do corpo humano.
Compreender essas abordagens se torna necessário para a nossa formação e
atuação como professores de EF, independente do espaço em que estejamos
inseridos.
Buscando ampliar a compreensão de formação em EF, ou seja, não
restringindo às explicações dessa área ao campo da saúde, mas também não
negando esse aspecto como um dos constituintes da mesma, objetivamos, nesse
estudo, analisar o modo com que a saúde é tematizada por cada Projeto
Pedagógico das Universidades públicas do estado do Rio de Janeiro, quais sejam:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, Universidade Federal
Fluminense/UFF, Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ.
Justificamos a importância desse objeto de estudo desde o fato de ter
passado pela experiência como bolsista do Programa de Educação pelo Trabalho
para a Saúde (PET-Saúde) e ter identificado os limites de atuação em consonância
com a proposta do Programa, considerando a minha formação, ainda em curso, na
universidade.
Sendo assim, olhando para a realidade empírica do trabalho realizado,
enquanto acadêmico, me questionei sobre a correlação entre a EF e o conceito de
saúde que vinha sendo discutido dentro da minha formação. O trabalho de
conclusão de curso, então, me daria a oportunidade de analisar, de forma científica,
como os currículos de EF propõem e discutem essas concepções, exclusivamente
nas Universidades Públicas do Estado do Rio de Janeiro.
Na presente pesquisa perseguimos a hipótese de que os cursos de EF
estudados se utilizam, preponderantemente, de abordagens que aproximam a EF do
conceito biologicista da saúde, que a luz das referências críticas mais generalistas
até as particulares, Determinação Social, nos permites elaborar algumas análises e
considerações. Para realizar as análises e considerações pretendidas, nos
utilizamos como percurso teórico metodológico a pesquisa qualitativa. Após fazer o
levantamento do Estado da Arte, sistematizei as abordagens da saúde e suas
implicações. Em seguida, fiz a busca pelos Projeto Pedagógico de Curso/PPC, com
os objetivos de encontrar essas abordagens, expondo-as e analisando suas
contribuições ao longo do projeto, a sua grade curricular e a ementa de cada
disciplina. Silveira e Córdova (2009) destacam que esse modelo é centrado na
compreensão e explicação da dinâmica de relações sociais. Os autores completam
que os dados analisados são não-métricos e se valem de diferentes abordagens.
O levantamento do Estado da Arte foi feito a partir do uso dos termos: saúde,
Educação Física, Promoção da Saúde, Professor de Educação física, SUS, História
da Educação Física, Políticas Públicas de Saúde e Atenção Básica. A fonte de
pesquisa desse material foi o Google Acadêmico, Bases Lilacs. Após identificação
das produções realizamos escalas de seleção do material, que foram desde o título,
passando pelo resumo, introdução ou apresentação, e até as produções na íntegra.
Para cada escala de seleção da literatura encontrada foi criada uma pasta,
em notebook próprio, e acessada sempre que necessário durante toda a elaboração
do Trabalho de Conclusão.
Além das referências do levantamento do estado da arte, nos valemos, para
as análises, de referências trabalhadas no interior de disciplinas cursadas durante o
processo de formação em EF. E ainda, literatura circulante por espaços de
divulgação, como congressos e encontro da área e áreas afins.
Os passos sequenciais que antecederam a análise foram a de
sistematização dos documentos, totalizando seis PPC, sendo dois PPC para UERJ
(bacharelado e licenciatura), um PPC para a UFF (licenciatura), dois PPC para a
UFRJ (bacharelado e licenciatura) e um PPC para a UFRRJ (licenciatura).
Posteriormente a leitura dos documentos, identificando os núcleos de sentido
relacionados à temática do tema saúde, incluindo a sua relação com a EF;
identificação de disciplinas que abordam a temática e análise das concepções de
saúde nas ementas e planos de ensino. Por fim, a análise, em diálogo com o
referencial teórico e com as pesquisas produzidas sobre a mesma temática.
Posterior a leitura dos documentos, identificamos os núcleos de sentido
relacionados ao tema saúde, e em especial em suas aproximações ou
distanciamentos em sua relação com a EF. Levantamos ainda as disciplinas que
abordam a temática saúde em suas ementas e planos de ensino, sobre os quais nos
debruçamos buscando compreender e analisar as concepções de saúde que legam
sustentação aos componentes desses percursos formativos, e, a partir dessas
análises, entender o perfil de professor de EF que essas universidades estão
formando, no tangente a suas relações e trabalho profissional na área.
A partir da hipótese de que esses cursos se utilizam de abordagens que
aproximam a EF do conceito biologicista da saúde, pudemos conferir que apenas a
UFRRJ busca uma discussão que fuja desse padrão, ainda que em alguns
momentos ela se aproxime dessa visão. A UERJ possui um diálogo muito forte com
esse modelo, enquanto a UFRJ apresenta uma formação mais esportivizada, mas
que também incorpora esse conceito dentro do seu currículo.
A análise do PP de EF da UFF foi o mais difícil, pelo fato de ter participado
dessa graduação. Alguns momentos essa relação pessoal com o curso me
trouxeram um olhar especial, o que demandou mais cuidado sobre as minhas
interpretações. Portanto, procurei me desvencilhar o máximo possível dessa
vivência para que a análise recebesse o menor das suas influências.
Por estar ao final da graduação e ter tido experiências com estágio em uma
unidade básica de saúde, vejo a necessidade de uma formação que dê condições
ao futuro profissional da área, elementos suficientes para que as suas ações no SUS
sejam benéficas e coerentes, principalmente. Portanto, essa pesquisa tem como
objetivo demonstrar em que passo as Universidades envolvidas estão no que diz
respeito à formação em saúde. Para atender ao proposto, esse manuscrito se
apresenta: iniciamos com a discussão de formação em EF e a abordagem de saúde.
Perpassamos por uma parte da história das políticas públicas brasileiras,
evidenciando as expressões da saúde dentro do contexto político, social e
econômico, destacando o modelo de serviço do SUS e o seu entendimento quanto a
saúde.
Assim, defendemos a abordagem da Determinação Social do processo
saúde-doença utilizada como base pelo Movimento da Reforma Sanitária para a
formulação do SUS. Destacamos a necessidade de incorporação desse conceito
dentro dos cursos de EF, considerando a nossa importante participação dentro da
área da saúde, e ainda a utilização de concepções que restringem a visão e atuação
dos futuros professores.
2. ABORDAGENS ACERCA DA FORMAÇÃO EM EF E O PROCESSO HISTÓRICO
DA SAÚDE NO BRASIL

2.1 CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO EM EF E SUAS EXPRESSÕES NO TEMA


SAÚDE AMPLIADA

Nesse capítulo abordaremos um tema que corrobora para a mudança de


perspectiva no que diz respeito ao homem: o currículo, mais especificamente, da
formação em EF. Portanto, a partir da influência deste sobre a formação do futuro
profissional é de grande importância, principalmente se tomarmos como ponto de
partida o papel da educação para a sociedade como um todo, e suas possibilidades
de emancipação ou alienação do ser.
Tomamos como ponto inicial, a relação explícita que envolve a EF e a
medicina, ao longo de todo o processo histórico da humanidade. A sua conceituação
apresenta uma diversidade, e que devemos expô-las antes de buscarmos suas
expressões por meio dos currículos. Assim, Soares (1994) nos ajuda a entender o
papel importante da medicina para a manutenção da classe dominante.
Encaminhando a análise por esse ponto de vista é possível constatar, segundo
Soares,

Podemos afirmar que o conhecimento médico, ao curar doenças,


conter epidemias, e, neste sentido, aumentar o tempo de vida útil dos
indivíduos, significou uma certa “libertação” para o homem e para a
sociedade. Entretanto, não podemos deixar de apontar o caráter
contraditório deste conhecimento que, ao mesmo tempo que liberta,
aprisiona; transforma-se em mecanismo de controle por parte do
Estado, que o reconstrói em poder disciplinar e, de modo ora sutil,
ora acintoso, utiliza-o para o controle das grandes massas urbanas
(SOARES, 1994, p. 21).

Todavia, esse controle se estende ao corpo estético, através de modelos e


padrões que busquem uma imagem que simbolize a saúde, e que uma maioria
significativa não pode alcançar por conta das suas condições de vida. A figura do
belo corpo, musculoso, desenvolvido através dos exercícios físicos e da ginástica,
exerce uma cruel influência sobre o ser, por meio de um trabalho árduo, insistente e
interminável, que resulte no “corpo saudável” (FOUCAULT, 1985, apud. SOARES,
1994, p.21).

O foco na determinação biológica do humano, é, na verdade, uma estratégia


de sobrepor a doença e sua cura aos verdadeiros problemas relacionados à saúde.
Dessa forma, características físicas, naturais e morais tornaram-se prevalentes, que
por meio de uma concepção higienista, de caráter moralizador, normativo e
adaptativo-educativo, voltado para hábitos, costumes, valores e crenças das famílias
em seu contexto particular (SOARES, 1994).

Essa concepção higienista se estende entre os séculos XVIII e XIX, na


Europa, tendo como foco maior o controle da classe trabalhadora, pois para a classe
dominante era reproduzida uma ideia de que viviam mal, possuíam um espírito
vicioso, uma vida sem regras, e por isso necessitava de educação higiênica e bons
hábitos morais. Era também uma defesa às teorias da medicina social predominante,
que correlacionava a alta mortalidade e as eventuais epidemias às péssimas
condições de vida, moradia e trabalho, principalmente.

Concomitantemente à família, o Estado e suas imposições higienistas e


sanitaristas fortalece o seu trabalho junto a instituições sociais, em especial a
educação escolar, juntamente às políticas de saúde. Acentuada no século XIX, e
como alvo a estrutura familiar, os conteúdos e as vivências em escolas exerceram
funções de reorganização disciplinar da classe trabalhadora. Sendo assim, a família
acaba sendo primordial para que esse padrão moral, de valores e crenças possa ser
usado como poder da classe dominante (SOARES, 1994).

Entretanto, como a própria autora assinala, a educação, e a escola


enquanto espaço institucional, em uma sociedade de classes possui a função de
delimitar o que cada uma delas necessita saber, controlando as formas de
pensamento e a ação do corpo social. “Educar” não é um ato acidental, e por isso,
as regras de higiene, a saúde do corpo biológico, voltado aos conceitos da medicina,
e o exercício físico eram postos como uma terapia, com doses quantificadas, que
dará aos praticantes a saúde necessária para uma “vida saudável” (SOARES, 1994).

Já no século XIX, a burguesia se viu na necessidade de reorganizar o seu


sistema educacional, pois com os avanços das fábricas e máquinas modernas,
precisava-se de trabalhadores que soubessem ler pelo menos. Por outro lado,
deveria “(…) ‘Regenerar’, ‘revigorar’ esse corpo debilitado e aviltado, devolver-lhe a
‘saúde física’, sem, entretanto, alterar substantivamente suas condições de vida e de
trabalho (…)” (SOARES, 1994, p. 48).

Dessa forma, o exercício físico recebe um significado utilitário na educação.


A valorização dos conhecimentos do corpo biológico, que por um lado evidenciou as
causas das doenças que até então eram tidas como castigo de Deus, os cuidados
com o corpo e os benefícios do exercício físico, por outro limitou a entendimento do
homem a fatores biológicos. A sociedade passou a ser explicada a partir das
ciências físicas e biológicas, e por tanto as questões sociais passam a ser “naturais”
(SOARES, 1994).

Evidenciar os aspectos da biologização e naturalização do homem e da


sociedade se faz necessário, uma vez que a Educação Física, no século
XIX, constitui-se, basicamente, a partir de um conceito anatomofisiológico
do corpo e dos movimentos que este realiza. O seu referencial estará
carregado de intenções como: regenerar a raça, fortalecer a vontade,
desenvolver a moralidade e defender a pátria. As ciências biológicas e a
moral burguesa estão na base de suas formulações praticas (SOARES,
1994, p. 49).

Soares (1994) cita Rousseau como um dos primeiros autores a sistematizar


a Educação Física dentro da escola, e que o exercício físico é tido por ele como
parte integrante da formação moral e intelectual do cidadão, e a educação deve ser
usada como instrumento de ascensão social capaz de promover igualdade de
oportunidades. Baseada nas suas concepções, a ginástica na escola, enquanto
componente curricular, aparece de forma experimental no século XVIII, na Alemanha,
com o objetivo de formar cidadãos com uma vida mais útil e feliz.

No início, por toda Europa, existiam escolas divididas entre as maiores, para
os filhos da classe trabalhadora, e as menores, pra ricos e de classe média. Nelas,
as atividades curriculares eram distintas, pois os filhos das classes superiores
devem ir mais longe, enquanto as crianças das classes mais baixas devem se
adequar a vida do trabalho braçal. Portanto, nas escolas maiores, metade do tempo
era dedicado a atividades manuais, enquanto nas menores as crianças deveriam
estudar mais. Como Soares expõe o lado da Educação física escolar

(…) alargado o preconceito contra a classe trabalhadora, o pensamento


pedagógico deixa claro em qual dessas escolas, a dança, a música, a
equitação e a esgrima figurariam como componentes curriculares; em qual
dessas escolas ocorreria o resgate da "educação dos sentidos" de que tanto
falara Rousseau (SOARES, 1994, p. 45).

A autora ainda aprofunda sua análise que, inclusive, são tão perceptíveis
não só no campo de trabalho da Educação Física, mas na sua formação de
professores. O tecnicismo dos movimentos e a sua domesticação, um modelo de
corpo (que prática atividade física, saudável), a esportivização das práticas com
todas as suas regras e normas, acompanhada do falso discurso de igualdade para
vencer – no jogo e na vida, foram abraçadas pela Educação Física no sentido de
“educar” principalmente a classe trabalhadora (SOARES, 1994).

Essas características advindas tanto do liberalismo, quanto do positivismo


em ascensão à época foram determinantes pra que se fortalecesse a estrutura
social com a burguesia no poder. E no sentido de defender o exercício físico e
legitimar a sua permanência no âmbito escolar, como sinônimo de algo benéfico,
cria-se essa relação com a saúde. Soares, no entanto, esclarece que a Educação
Física

(…) é sistematizada em “métodos”, ganha foros científicos e é disseminada


como “grande bem” para todos os “males”, como protagonista de um corpo
saudável… saudável porque faz exercícios físicos. Entretanto, o exercício
físico não e saudável em si, não gera saúde em si, é apenas e tão somente
um elemento, num conjunto de situações, que pode contribuir para um bem-
estar geral e, neste sentido, aprimorar a saúde, que não é um dado natural,
um a priori. Ao contrário, saúde é resultado, porque, mais que o vigor físico
corporal, compreende o espaço de vida dos indivíduos, dai não ser possível
medi-la, nem avaliá-la apenas pela aparência de robustez ou de fadiga
(SOARES, 1994, p.50).

Dessa forma, a Educação Física ganha um certo protagonismo no século


XIX, enquanto prática social, de um projeto de higienização da sociedade.
Construída sem relação com o lado histórico-social da humanidade, que fortalece a
saúde e os hábitos de vida é tida como necessidade num conjunto de cuidados com
o corpo, mas que na verdade têm a intenção de solucionar problemas advindos da
sociedade industrial, de neutralizar conflitos sociais e equilibrar a vida do mundo do
trabalho (SOARES, 1994).

Ao longo do século surgiram outros modelos de “escola de ginástica”, dentre


os principais, além da já citada Alemanha, Suécia, Inglaterra e França. E a
semelhança característica dentre elas, são: regeneração da raça; promoção da
saúde (não das condições de vida); desenvolver aspectos que favorecessem maior
produção dos trabalhadores nas indústrias e os exércitos nas guerras; e desenvolver
a moral (degradando as tradições e costumes dos povos). Em momentos diferentes,
o Brasil se utilizará dos seus métodos e modelos, tanto na área educacional, tanto
nas demais (SOARES, 1994).

Baseada no modelo médico higienista, a Educação Física no Brasil, ao fim


do século XIX, enquanto componente curricular, com caráter higiênico, eugênico e
moralista, que se instalavam e se adequavam ao novo, ao científico, digno das suas
raízes coloniais europeia. Voltada para as famílias mais ricas, a ginástica foi usada
para representar a classe dominante e raça branca, no sentido de diferenciação
anatômica, e atribuindo-lhes superioridade (SOARES, 1994).

Como constata a autora, os Colégios foram fundamentais para a


institucionalização da pedagogia médica higienista. Ao confrontar os ditos “maus
hábitos” da elite com a sua cientificidade, a educação seria primordial para
assegurar a saúde dos filhos das classes mais altas. Por tanto, a alimentação, o
exercício físico, e os hábitos rotineiros dos Colégios, bem como arquitetura do
ambiente, eram elaborados através do pensamento médico. Tudo isso em nome de
um novo homem, uma nova sociedade (SOARES, 1994).

Nesse primeiro momento, do início do século XX, a Educação Física teve


forte influência da medicina, o que lhe deu um certo status social, principalmente
voltado para as elites. Em busca de indivíduos fortes e saudáveis, e com interesses
diferentes, a classe trabalhadora, em outro momento, fez parte de uma educação
que assegurasse que as doenças causadas pelas péssimas condições de trabalho e
a falta de estrutura das cidades, principalmente, não afetassem o crescimento da
população (MELLO, 2009).

Fruto do liberalismo, o modelo Educação Física higienista (que era


hegemônica até os anos 30), ganhou força, acompanhada do pensamento de que a
educação e as escolas seriam a base para se construir uma sociedade democrática
e livre de problemas sociais. Com a questão da saúde em primeiro plano, esta
participava de um projeto de “assepsia social”, vista a sua ação direta no corpo
humano sadio e forte, sob o sentido de afastar as pessoas do que possa “deteriorar
a saúde e a moral” individual e coletiva. Portanto, nada mais era que uma forma de
tentar resolver um problema de saúde pública através da educação (GHIRALDELLI
JUNIOR, 1994, p. 17).

Após a década de 30, sob forte influência do cenário de guerras, inclusive


mundiais, a Educação Física pautada no militarismo chega ao Brasil no sentido de
formar indivíduos para defender a pátria, e seus aspectos nacionais de identidade
cultural como a ética, a moral, os hábitos e os valores deveriam ser preservados.
Bem como a higienista, a Educação Física militarista se preocupa com a saúde
individual e coletiva, no entanto, seu principal objetivo é a de fortalecer a juventude
para a luta, o combate, a guerra (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

Sob inspirações do fascismo, a Educação Física militarista, sob forte


influências do exército francês, visa impor à sociedade padrões de comportamento
estereotipados. Ela se difere do modelo higienista principalmente no que diz respeito
ao conceito de saúde: a saúde da pátria prevalece sobre a individual e pública. Daí
surgiram as ideias voltadas ao corpo-máquina, adestrado, disciplinado, obediente,
prontos para defender a pátria (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

Para que fosse efetivamente capaz de preparar os jovens, bem como o seu
exército, era necessário selecionar as elites condutoras, ou seja, seu foco é na “(…)
‘colaboração no processo de seleção natural’, eliminando os fracos e premiando os
fortes, no sentido da ‘depuração da raça’ como coloca Ghiraldelli Junior (1994, p. 18).
Assim, a ginástica e o desporto eram usados para eliminar os incapacitados, além
de buscar a coragem, a vitalidade, o heroísmo, a disciplina exacerbada, visando a
formação do “cidadão-soldado”.
Portanto, nesse modelo militarista a relação da Educação Física e a saúde
permanece restrita ao corpo físico, porém com um grau acentuado de autoritarismo.
A técnica e a repetição viram os principais pilares do movimento, e valências físicas
(força, agilidade, resistência, velocidade…) tidas como principais parâmetros
avaliativos, passíveis de exclusão ou exaltação. Como Ghiraldelli Junior (1994)
esclarece, não se resume apenas a prática militar de preparo físico, mas uma
concepção que tem como objetivo “elevar a Nação” para servir e defender a Pátria.

A influência da medicina na Educação Física permanecia durante esse


momento, apesar de ela já demonstrar um certo valor social (ainda que sob
conceitos militaristas). Ela não se resume somente ao ambiente da escola básica,
mas também da formação de professores:

No final dos anos trinta, surge a Escola Nacional de Educação Física e


Desportos, integrada à Universidade do Brasil (atual UFRJ). Entre os
diversos cursos de formação de professores que surgiram nessa época foi,
inegavelmente, o mais importante. Teve o seu corpo docente treinado por
médicos e professores. Estes últimos, egressos de um Curso de
Emergência orientado didaticamente pela Escola de Educação Física do
Exército. A Educação, depois de se desvencilhar do Ministério da Instrução
Pública, Correios e Telégrafos, havia feito parte do Ministério da Justiça para,
agora, inserir-se no Ministério da Educação e Saúde. Aqui estava, também,
a Educação Física. (….) (OLIVEIRA, 1983, P. 26)

Essa tentativa de propor a Educação Física como um desdobramento da


área médica (e não de forma independente, participante do campo da saúde) se
prolongou por todo século XX. O modelo competitivista dos anos 60-70, baseada no
treinamento esportivo, considerava diversos temas voltados pra medicina desportiva,
o que favoreceu o crescimento da literatura voltada para disciplinas de cunho
biológico: anatomia, fisiologia e biomecânica, por exemplo (GHIRALDELLI JUNIOR,
1994).
Com um conceito mais tecnicista, voltado ao atleta-vencedor, as
competições eram uma forma de amenizar conflitos da sociedade contra o governo
militarista (ditador) da época. O estreitamento entre a Educação Física e o desporto
foi significativo, e com uma grande preocupação sobre a performance e a técnica
dos movimentos, torna-se o nosso paradigma e com raízes bem fortes, que
mesclada com outros modelos, marcaram o pensamento social brasileiro
(GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

Surgiram outras concepções de Educação Física ao longo do século XX,


como a pedagogicista e a popular, que não são menos importantes, porém não cabe
análise por este trabalho. Não foram elas as concepções que balizaram uma ideia
de Educação Física em função da medicina, aquela que somente se preocupa com
os aspectos biológicos do corpo. Entretanto, como Ghiraldelli Junior afirma,

Existe pelo menos um ponto em comum entre as várias concepções de


Educação Física: a insistência na tese da Educação Física como atividade
capaz de garantir a aquisição e manutenção da saúde individual. Com maior
ou menor ênfase, as concepções de Educação Física, de um modo geral,
não deixam de resgatar versões que, em última instância, estariam presas
no lema “mente sã em corpo são”. (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 17)

Todos esses modelos, de uma forma ou outra, ajudaram em diversos


estudos e na produção de conhecimento sobre vários temas, e isso devemos
ressaltar. O que de nada nos acrescentou, em questão de identidade, é o modo
como a formação e o trabalho da Educação Física foi balizado pela medicina
durante todo esse tempo citado. Até a nossa influência na saúde possuí equívocos
provocados pelo campo médico.

No livro “O que é Educação Física?”, do Vitor Marinho, o autor procura


destrinchar um pouco sobre essa identidade, sobre os diversos paradigmas nos
quais já nos debruçamos, observando todo o seu processo, as diversas
aproximações que fazem parte da história da nossa área (com a medicina, a cultura,
o esporte). Na introdução da obra o autor afirma que a identificação com a medicina
nos deu um certo status enquanto profissão, e que por isso nos distanciou da nossa
própria missão (OLIVEIRA, 1983).

Entretanto, como já citamos aqui, a Educação Física se legitimou ao


longo da história sob o argumento de melhorar a saúde, e dessa forma foram
inclusas dentro das escolas. A partir da medicina, os efeitos positivos da atividade e
do exercício físico foram enaltecidos, analisados através dos conhecimentos
orgânicos e dos sistemas do corpo humano, e por isso o médico se tornou peça
fundamental nos diversos espaços que ela alcança (educacionais, clínicas,
academias, clubes…). Dessa forma, a Educação Física e a medicina se entrelaçam,
e o problema surge ao entender onde uma começa e a outra termina (OLIVEIRA,
1983).

Exemplo disso é o processo que acontece quando um indivíduo


adoece e posteriormente ao seu tratamento e cura, busca fazer alguma atividade
física. Daí podemos entender que este deve ser orientado pela área médica durante
seu processo de adoecimento e cura, e o professor de Educação Física é o
profissional habilitado para lidar com as práticas que ele virá a realizar. No entanto, a
“recomendação médica”, ainda que para o não doente, permanece se sobrepondo à
nossa formação, e assim, acabamos sendo dispensáveis numa escala hierárquica
do conhecimento (OLIVEIRA, 1983).

Por outro lado, há na Educação Física uma introdução de saberes


biológicos do corpo que deve ser levado em conta. Porém, seria a prática física
composta apenas por esse elemento? Incorporar outros aspectos não seria tão
benéfico para o nosso trabalho e para o praticante? Essa associação também é uma
herança da nossa aproximação com a medicina, preocupada com suportes
biológicos e com os conhecimentos anatomofisiológicos (OLIVEIRA, 1983).

(…) Até hoje, quando um acadêmico de Educação Física pretende valorizar-


se intelectualmente, busca socorro biomédico e faz um formidável discurso
sobre aparelho circulatório, osteologia ou neuro-fisiologia. (…) (OLIVEIRA,
1983, p. 28)

Será esse o papel da nossa área com a saúde? Se resumir a um mero


desdobramento da medicina? Ou melhor, como indaga Oliveira (1983, p. 37) “Quais
são as suas expectativas? Qual deveria ser a sua função na sociedade?”. Por mais
ampla que seja a sua inserção, o nosso objeto científico permanece o mesmo

A característica essencial da Educação Física é o movimento. É movimento.


(…) A sua essência. Aquilo que realmente ela é. Enquanto processo
individual, a Educação Física desenvolve potencialidades humanas.
Enquanto fenômeno social, ajuda este homem a estabelecer relações com o
grupo a que pertence. (OLIVEIRA, 1983, p. 45)

Portanto, se apropriando do movimento, a Educação Física construirá


relações, nesse caso, com a saúde, através não somente dos conhecimentos
biológicos, mas também sociais, culturais, históricos, pedagógicos, psicológicos e
políticos. Vai se utilizar de elementos da ginástica, do esporte, da luta, da dança para
atingir os seus objetivos nas suas intervenções. Não é porque participamos do
campo da saúde que devemos perder nossa característica essencial, ou nos deixar
levar por outras áreas de conhecimento, como a medicina (OLIVEIRA, 1983).

Nesse sentido, devemos compreender que a Educação Física tem sim suas
propriedades exclusivas da nossa área. A nossa independência necessita que de
fato reconheçamos nas nossas práticas educativas os costumes, as classes sociais,
a política, a ética, a estética, ou seja, o contexto existencial mais amplo que envolve
tanto o professor, quanto o estudante/aluno (MEDINA, 2007).

Sob essa lógica, é necessário buscarmos novos modelos culturais e lutar por
novos padrões de vida, onde a preocupação com o ser humano, a permanente
crítica social, a sensibilidade às formas de repressão nos quais estamos sujeitos
estejam inclusas, e que ajude as pessoas a compreender seus determinismos e a
superar seus condicionamentos. Ou seja, que façamos nosso papel de ajudá-las a
serem mais livres e humanas.

Vivemos numa sociedade de consumo, por tanto, o valor do lucro acaba por
desviar a nossa busca pelos valores de vida mais expressivos. Como Medina (2007)
nos esclarece, a moda enquanto fenômeno social, produz tendências
comportamentais de uso ou prática de certos hábitos. Ela é explorada ao máximo
pela sua potencialidade de consumo e lucro. Portanto, cuidar, moldar, curtir o corpo
é tornado em moda pelo mercado que quer vender tudo como mercadoria

O excesso de gordura, o desempenho sexual, o visual, a necessidade de


competir: todas elas são postas dentro de um padrão cultural, criado pelo mercado.
Criada a demanda, nesses casos, lá está a Educação Física para atendê-la, e seus
profissionais orientados a ocupar esse amplo campo que se cria. E daí perdemos a
nossa identidade, meros ocupantes do trabalho acrítico, a-histórico, alienador e
sempre atento para as suas atualizações supérfluas. Como Medina nos ajuda a
pensar esse tema:

(…) É por meio desse tipo de relação que, segundo me parece, é possível
analisar parte da falência dessa disciplina como proposta de real valor:
aquela educação física compreendida como disciplina que se utiliza do
corpo, por meio de seus movimentos, para desenvolver um processo
educativo que contribua para o crescimento de todas as dimensões
humanas (MEDINA, 2007, p. 34).

Essa “falência”, abordada pelo Autor, faz parte de um processo de


fragmentação do corpo, no qual sempre se objetivou fazer, não em nível de
conhecimento do homem, mas das inúmeras formas explorá-lo. No nosso caso, o
movimento acompanha diversas variáveis, muita das vezes desprezada pelos
próprios professores. Para ampliarmos as suas possibilidades concretas
considerando suas diversas dimensões, é preciso tornar esse objeto – o movimento
– mais próximo da sua realidade, mais humanizada (MEDINA, 2007).

(…) As consciências precisam ser agitadas e estimuladas no sentido de


uma ampliação de suas possibilidades. E isto a Educação Física não tem
levado em consideração. O seu papel tem sido muito mais o de uma
domesticação, reforçando as consciências intransitivas e ingênuas, do que
de uma superação (libertação) das limitações e dos bloqueios com os quais
estamos envolvidos em termos de pensamento, sentimento e movimento
(MEDINA, 2007, p. 63).

A Educação Física não é um elemento à parte na natureza, no ambiente, na


sociedade, e, portanto, suas particularidades não estão desassociadas das mesmas.
Dessa forma, tratar o homem sem essas considerações, é tratá-lo fora do mundo
real, da sua vida, da sua consciência. Se compactuarmos com isso, estaremos cada
vez mais tornando a nossa área desprezível, sem identidade, sem finalidade para
com a essência do humano: ampliar as potencialidades, de forma consciente, os
níveis mais altos de vida.
Compreender essa função é uma tarefa difícil, e que deve preceder diversos
questionamentos. Qual a nossa real função? Como justificar a nossa presença nos
diversos espaços? Quais são os nossos valores? Medina afirma que

(…) O certo é que a Educação Física não sairá de sua superficialidade


enquanto não se posicionar criticamente em relação aos seus valores, ou,
em outras palavras, não se questionar quanto ao real vaIor de sua prática
para as pessoas e para a comunidade a que serve (MEDINA, 2007, p.73).

Para Medina (2007) os profissionais da EF não são capazes de justificá-la


ou definir a sua identidade de maneira clara. A variedade conceitual sobre o homem
e mundo nos levou a diversidades de objetivos, finalidades, conteúdos, métodos, e,
portanto, o propósito a seu respeito. As mais recentes reformas que a nossa área
tem recebido, pautadas em cima de interesses hegemônicos de uma minoria, de
nada tem contribuído para nos definirmos.

Sobre as concepções que ao longo do processo sócio-histórico da


humanidade foram se formando, Medina (2007) evidencia três (03) principais
modelos, que de forma alguma estão desconexas entre si. Muito pelo contrário, elas
representam interesses e ideias sobre homem e mundo, nas quais a EF vai se
utilizar em busca de uma identidade. São elas a EF Convencional, a Modernizadora,
e a Revolucionária.

Medina (2007) define a EF convencional como aquela que se apoia no


senso comum, com uma visão simplista de homem e mundo. Pautada na pedagogia
tradicional, desvaloriza o corpo, fragmentando-o (corpo – mente – espírito), não
considerando este para além dos limites biológicos. Os aspectos psicológicos e
sociais possuem papéis periféricos ou irrelevantes.

Enxerga a EF como “educadora do físico”, adestradora, um conjunto de


conhecimentos e atividades específicas que visam o aprimoramento físico das
pessoas. Possui maior preocupação os aspectos anatomofisiológicos, físicos da
saúde e o rendimento motor do homem, não respeitando suas individualidades. Se
utiliza dos antigos métodos de ginástica e do desporto da segunda metade do século
XIX. Podemos assimilá-la àquele conceito higienista que já tratamos aqui pelas suas
características (MEDINA, 2007).

A EF modernizadora amplia sua visão ao se preocupar em “educar através


do físico”. Como Medina (2007, p. 80) afirma, ela é “a disciplina que, através do
movimento, cuida do corpo e da mente”. Apesar de considerar as necessidades
psicológicas, mantém uma visão dualista ou pluralista, dividindo o homem em corpo
– mente e/ou espírito.

Se utilizam da ginástica, esportes, jogos e da dança como meios específicos


da Educação, num sentido mais amplo. Porém, entende que ela age no âmbito
individual, bem como suas transformações, e dessa forma não busca interferir nas
estruturas sociais. Consegue compreender a realidade como algo importante, mas
não enxerga as causas reais dos seus problemas, preservando-os (MEDINA, 2007).

A EF revolucionária é aquela no qual nós defendemos, pois compreende a


realidade de forma dinâmica, na sua totalidade, ou seja, o homem, suas dimensões
e suas relações entre si e com o mundo. Preocupada em agir sobre o todo, ou seja,
considera o corpo como o próprio ser humano, bem como suas manifestações e
significações (MEDINA, 2007). Define a EF, segundo Medina, como

(…) a arte e a ciência do movimento humano que, por meio de atividades


específicas, auxiliam no desenvolvimento integral dos seres humanos,
renovando-os e transformando-os no sentido de sua auto-realização e em
conformidade com a própria realização de uma sociedade livre e justa (...)
(MEDINA, 2007, p. 81).

Seus adeptos entendem que é preciso compreender e trabalhar sobre


nossos determinismos e condicionamentos, com o objetivo de renovar e transformar
a sociedade. Portanto, lutam por uma Educação libertadora, crítica, que busca
combater repressões, opressões e domesticações advindas da sociedade. Para isso,
devem ser seres políticos, a fim de ajudar a formar indivíduos mais conscientes da
sua realidade, e não entendem o ato de educar como algo ingênuo, mas sim como
uma possibilidade de transformar ou manter estruturas sociais (MEDINA, 2007).
Analisando essa última, é possível perceber o seu complexo trabalho, no
âmbito individual e coletivo. Ainda que tenhamos diversos exemplos passados e
atuais, ela se encontra longe de ser algo concreto, com métodos e aplicabilidades
prontas. É necessário um enorme esforço conjunto de classe (trabalhadora) em
busca dessa renovação, com objetivos bem estruturados, comprometidos com a
possibilidade libertadora da Educação e a superação de valores hegemônicos que
não corresponde aos seus interesses. Quanto a isso, Medina conclui:

Uma concepção verdadeiramente revolucionária só pode ser concebida por


categorias críticas de pensamento. Não é possível projetar essa nova
perspectiva utilizando-se de uma forma de raciocínio apoiada no senso
comum prevalente em nossa sociedade. Essa constatação nos permite
concluir que uma mudança de concepção implica uma gradual mudança de
percepção da nossa realidade, vale dizer, de uma gradual mudança de
consciência. (...) (MEDINA, 2007, p. 89).

O que é possível notar é que uma EF revolucionária possui objetivos bem


próximos do conceito de saúde que tratamos no início deste capítulo. A
compreensão do indivíduo como um todo, suas determinações, com foco em ampliar
seu potencial de desenvolvimento, preocupada em aumentar as suas possibilidades
para isso. O movimento, suas manifestações, bem como todos os seus benefícios,
não podem estar disponíveis apenas para uma minoria, e que muitas das vezes a
utiliza por seus efeitos secundários (estéticos, fisiológicos e atléticos).

Da mesma forma, sua contribuição com a promoção da saúde também deve


ser nesse sentido, integrado, que dentro de diversas políticas públicas a prática de
atividades físicas esteja diretamente voltada para favorecer a vida das comunidades
de maneira equitativa. Se deixarmos de observar a realidade social brasileira, suas
características específicas, as desigualdades e contradições que aqui existem,
justificaremos a realidade na qual vive a EF brasileira:

Mais recentemente, o fenômeno da proliferação das academias de ginástica,


ainda se nutre, mesmo que minimamente, nessa crença, mais forte nas
classes médias, de que existe uma real possibilidade de aquisição de saúde
e beleza através da Educação Física. O cuidado com o corpo surge, então,
desprendido das possibilidades (ou impossibilidades?) que cada indivíduo,
inserido nesse sistema social, possui para adquirir e preservar a saúde e
manter o padrão estético-corporal imposto pela mídia. (GHIRALDELLI
JUNIOR, 1994, p. 24)

Um movimento renovador que começa a surgir a partir da década de 1970,


com a grande procura pela prática de atividade física e crescimento do número de
academias de ginástica, desperta uma preocupação em se falar tanto de saúde
quanto de qualidade de vida, embora esses dois fatores oscilassem bastante quanto
aos seus conceitos. A partir daí

(…) inicia-se na área da Educação Física um amplo debate e instala-se uma


profunda crise de identidade em relação aos pressupostos e a
especificidade que resultou na elaboração de algumas abordagens
pedagógicas para a área como, por exemplo, as abordagens: psicomotora,
desenvolvimentista, construtivista, saúde renovada, crítico-superadora,
sistêmica critíco-emancipatória, cultural entre outras. Fundamentadas em
diferentes teorias como as biológicas, psicológicas, sociológicas e filosóficas
(…) (DARIDO, RODRIGUES E NETO, 2007).

Não cabe analisar todas elas uma por uma, pois nem todas elas possuem
uma preocupação de fato com a saúde em específico. Contudo, a abordagem da
saúde renovada busca um novo trato da EF dentro dessa área. Ela considera a vida
e os desafios cotidianos do homem, e o estado saudável de forma dinâmica, porém,
centra essas questões no indivíduo, construído de forma singular (DARIDO,
RODRIGUES E NETO, 2007).

Voltado para a área esportiva e de alto rendimento, a maior produção de


estudos até a década de 80 foram em laboratórios, o que justificava uma atenção
maior para os fatores biológicos. Já a partir da década de 90, incorpora-se esses
conhecimentos ao âmbito escolar na busca de superar os modelos higienistas e
eugênicos presentes ao longo da história da EF (DARIDO, RODRIGUES E NETO,
2007).

Nesse sentido, há uma enorme preocupação através dessa abordagem de


propor a atividade física, incluindo suas contribuições anatomofisiológicas, quanto
aos benefícios que ela pode trazer (redução do stress, redução do sedentarismo,
tratamento de problemas cardíacos), porém sem deixar de identificar as suas causas,
as limitações dos indivíduos e os fatores extrínsecos (sociopolítico-econômico) que
se fazem presentes em suas vidas. Nesse sentido, DARIDO, RODRIGUES E NETO,
conclui:

Vale destacar que as discussões envolvendo a Educação Física e a saúde


não podem configurar-se como uma aproximação superficial, merecendo
ser aprofundada tendo em vista a sua complexidade e a possibilidade
diversificada de olhares que seguramente extrapola as discussões
relacionadas ao exercício físico exclusivamente. (DARIDO, RODRIGUES E
NETO, 2007, p. 8)

É uma perspectiva revolucionária aquela que se compromete em aumentar


potencialmente as possibilidades de vida do homem, através do movimento e suas
diversas manifestações (ginástica, dança, jogos, esportes), seus benefícios culturais,
sociais, biológicos e psicológicos de forma equalizada, não deixando de considerar
os fatores que envolvem o indivíduo, suas coletividades, e o ambiente em que este/s
vive. Essa é a concepção em que este trabalho defende dentro dos diversos
espaços em que a EF se faz presente.
Essas diversas abordagens apontadas acima se fazem presentes de formas
distintas dentro dos currículos, principalmente os de graduação em EF. As
concepções de educação, inclusas na formação, transparecem, sobretudo, um
modelo de sociedade, que ora favorece o desenvolvimento da vida humana, ora
prepara o futuro profissional para o mercado de trabalho. Importante destacar que
essas concepções se apresentam de forma antagônicas, visto que este mercado
impõe à classe trabalhadora uma série de condições exploratórias e desiguais, no
que se refere a produção da vida.
Como Freire (1996) bem afirma, a educação é uma forma de interferir no
mundo, e por isso, ela pode ir a favor de uma lógica dominante ideologicamente, ou
ir contra ela, no sentido de desmascarar e contestar o seu modelo. Entendendo os
conflitos produzidos pela sociedade de classes, a educação ocupa papel relevante
nesse cenário, e que a sua ação pode libertar ou aprisionar o humano de diversos
tipos de opressões (ocultando a própria realidade) advindos de um sistema criador
de desigualdades, ou seja, o capitalismo.
Freire (1996) também ressalta sobre os saberes técnicos e a desassociação
da sua realidade, das injustiças sociais que circulam a vida da classe trabalhadora.
Sobre isso, a ausência dessa análise termina por aprisionar o humano às suas
mazelas e desigualdades, sendo a educação aquela que entrega aos indivíduos os
conteúdos científicos necessários para uma vida idealizada, acrítica, comprometida
com o modelo social hegemônico.

A educação é então, segundo Freire (1996), ideológica visto as suas


possibilidades de encobrir ou evidenciar a nossa realidade. Se por um lado ela pode
ajudar a formar bons trabalhadores, eficientes à lógica do mercado, dotados amplo
conhecimento técnico-científico, alienante, por outro ela também pode fazer parte
de um processo comprometido com a valorização dos interesses da humanidade,
da liberdade de homens e mulheres acima do mercado, de possibilitar condições de
vida favoráveis à reprodução da humana.

Sendo assim, a educação não é algo “por acaso”, que simplesmente


acontece, principalmente se buscarmos compreender os humanos como seres
participantes da história. É assim, a formação do homem comprometida com a
realidade sobre a qual ele atuará ao longo de sua vida. É em cima desse cenário
que toda a herança cultural produzida pela humanidade deve ser passada adiante,
através da sua contextualização teórico-prática, seus efeitos e suas problemáticas.

A educação, a partir daí, vai trazer ao indivíduo uma visão da relação


humano-mundo e humano-humano, comprometida com a produção da humanidade
ou do mercado. Então, o ato de educar assume um papel de mediar ou depositar o
conhecimento ao próximo, de modo crítico ou alienante, de libertar ou aprisionar, de
compor um campo que vise quebrar ou manter estruturas sociais que favorecem
uma minoria sustentada por uma maioria.

Portanto, a educação se faz presente como instrumento determinante na


formação de professores, onde o direcionamento das suas ações vai perpassar pela
sua concepção de homem e mundo e de sociedade. A própria visão dele enquanto
profissional pode torná-lo mero ser que reproduz um conteúdo adiante ou aquele
que almeja um objetivo maior, comprometido com a sua importância social e
transformadora, e que acredita na superação e emancipação dos indivíduos perante
a sua realidade.
Como Pinho (2011) aprofunda a sua análise nessa questão, o capitalismo
se apropria da educação enquanto ferramenta de alienação ideológica, de
desvalorização da qualificação profissional e do trabalho humano para manter o seu
sistema de produção. Sendo assim, ela termina por atuar de forma mais distante da
realidade, propondo limites ao acesso às diversas formas de conhecimento
produzidas pelo homem a uma pequena parcela da sociedade, ou seja, as classes
mais favorecidas.

É nesse sentido que a educação se coloca como ferramenta fundamental


para a emancipação da classe trabalhadora, ao se apropriar do conhecimento
produzido pelo homem, poderão compreender melhor o mundo, os conflitos
existentes na sociedade, a situação da sua própria classe e suas condições de vida.
Nesse sentido, as instituições educacionais, como escolas e universidades,
possuem papel fundamental no direcionamento desse aprendizado, pois como já
mencionado anteriormente, elas podem libertar ou aprisionar ainda mais os
indivíduos (PINHO, 2011).

Assim atuarão os projetos político-pedagógicos dessas instituições, que


estarão comprometidos com a manutenção de uma sociedade limitada a uma lógica,
formadora de mão de obra para o mercado capitalista, ou da construção de um
plano combativo, que seja conscientizante e que fomente as lutas da classe
trabalhadora em seu campo ideológico. É assim que a formação profissional se
expressa na disputa de um propósito comunitário alternativo ao atual (PINHO, 2011).

Se levarmos em conta esse contexto, a formação de professores de EF


possui peculiaridades, principalmente ao analisarmos a saúde dentro de seus
currículos. Assim, concordamos com Pinho (2011) sobre a necessidade de ampliar o
trato com o conhecimento científico acerca desses temas, e as possibilidades de
disputa de um projeto de homem, ciência e sociedade, numa perspectiva mais geral
de combate às estruturas capitalistas.

Portanto, se levarmos em conta a função dos projetos político-pedagógicos,


para além da formação profissional, ou seja, é aquele que reproduz um
entendimento sobre o homem e aquilo que ele construiu (e constrói), assim como
aquilo que o envolve intrínseca e extrinsecamente. E assim, tanto a saúde, quanto a
EF possuem uma variabilidade nas suas concepções e que historicamente
representam uma visão ora mais simplicista, ora mais ampliada da relação do
indivíduo com o espaço que ele compõe, já discutidos no primeiro capítulo deste
trabalho.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) atuam nesse sentido, e a sua


formulação passa por um processo de disputa por projetos de sociedade distintos, e
que a sua última composição, de 2018, se demonstrou bem clara sobre os seus
entendimentos ao observarmos as propostas da formação em EF. Através dela,
podemos entender que apesar de apresentar uma proposição sobre a inclusão da
saúde no seu eixo interdisciplinar, sendo o SUS como figura central desse conteúdo,
pouco se desenvolveu sobre a importância da compreensão do tema para nós.

As DCN (2018) apresentam o conteúdo sobre a saúde coletiva e o SUS,


direcionando o seu arcabouço teórico e metodológico apenas à modalidade do
bacharelado, restando ao licenciado o território pedagógico e a educação escolar
(BRASIL, 2018). Nesse sentido, Collier e Souza (2015) ressaltam a importância da
formação em EF incorporar as bases críticas da promoção da saúde e os conceitos
que permeiam o sistema brasileiro. Sobre isso, Bagrichevsky (2007) compreende
que a discussão desses temas é importante para o debate do nosso papel e das
nossas intervenções nesse campo.

Todavia, isso retira da licenciatura um tema transversal de grande


importância, que é compreensão tanto do que vem a ser saúde e a suas etapas de
promoção, prevenção, tratamento e cura – muita das vezes interpretados e
propostos através de atividades de forma equivocada no âmbito das escolas. Além
disso, o SUS prevê como política pública imprescindível a educação em saúde, que
tem a intenção de promover uma maior autonomia dos indivíduos e das
comunidades, sugerindo, inclusive, uma aproximação entre as unidades básicas de
saúde e outros serviços, como as escolas (BRASIL, 2008).

E essa aproximação deve ser feita com foco em formar um profissional


capaz de atuar segundo a pluralidade existente na EF, visto os elementos que
incorporam o movimento humano. Daí a importância de unirmos conhecimentos da
fisiologia aos elementos socioculturais, por exemplo, visando a autonomia dos
indivíduos perante a sua saúde, que contemple parte dos seus múltiplos aspectos, e
que contribua, mesmo que minimamente, para uma melhora nas suas condições de
vida. No entanto, segundo Scabar, A. Pelicioni e M. Pelicioni (2012):

(…) a formação em Educação Física apresenta-se de forma distanciada da


demanda imposta pelos serviços públicos de saúde. A associação da área
da Educação Física com a atividade física ainda predomina e isso evidencia
que o preparo do profissional tem sido centrado na prescrição de
diagnóstico e avaliação, protocolos regidos por parâmetros puramente
biológicos. O processo de formação do profissional da educação física deve
considerar as necessidades de atuação como profissionais da saúde nas
esferas da gestão e da promoção da saúde, dotando-os de conhecimentos
e experiências que favoreçam o atendimento às necessidades sociais em
saúde, a partir da promoção da autonomia dos sujeitos (ANJOS; DUARTE1,
2009 apud SCABAR; A. PELICIONI; M. PELICIONI, 2012)

Assim, a EF apresenta um processo em que a sua função social, bem como


a suas bases epistemológicas, corresponde a dois modelos de saúde, onde um
deles apresenta conceitos advindos de uma medicina marcada pelo individualismo
em seu trato, um modelo curativista e higienista; por outro lado, uma outra visão,
que considera o homem e suas expressões através da sua história, assim como a
sua determinação multifatorial.

É possível compreender então que a EF, que centraliza o movimento


humano como seu objeto de trabalho e investigação, deve evidenciar este tal como
a sua complexidade arquitetada por toda uma história e sobre isso Medina (2007, p.
87) define “(…) Há uma extrema coerência entre o que somos, pensamos,
acreditamos ou sentimos, e aquilo que expressamos por meio de pequenos gestos,
atitudes, posturas ou movimentos mais amplos”.

Partindo dessa ideia, é possível compreender a importância de uma


formação mais humanizada, que considere todo o contexto dos indivíduos, sendo o
nosso desafio identificar essas variações e aplicá-las de forma adequada através
das nossas ações. O professor de EF, independente do seu campo de atuação,
possui um papel social nesse sentido, e isso deve estar incluso nos currículos de
graduação. Sendo assim, como afirma Medina:

1 ANJOS, T. C., DUARTE A.C.G.O. A Educação Física e a Estratégia de Saúde da Família: formação e
atuação profissional. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, 2009.
O currículo de uma faculdade de Educação Física deveria servir como
referencial básico para a formação do futuro profissional, incluindo as
disciplinas fundamentais consideradas de forma dinâmica e flexível. Isso
significaria um currículo aberto às constantes transformações e à evolução
do conhecimento científico e pedagógico voltado para a arte e a ciência do
movimento humano (2007, p. 87).

Como desafio para a EF, que já possui em seu passado uma aproximação
com o modelo curativo, de relação causa e efeito entre saúde e doença, numa visão
que prioriza os aspectos biológicos do corpo, a formação se torna essencial para
que os profissionais estejam atentos ao tipo de abordagem na qual irão se basear
nas suas práticas. De modo geral, Ceccim e Bilibio faz um resgate histórico sobre a
EF e a sua identidade, onde o seu reconhecimento evidencia ideias até hoje
enraizadas na nossa formação:

Historicamente ligada ao processo de higienização (física e moral), à


eugenização (da espécie e da sociedade), à militarização dos corpos
(corpo disciplinado, forte e saudável em uma sociedade ordenada, limpa e
moralizada), à ordem médico-preventivista (purificação do corpo e
capacidade de defesa contra doenças) e à normalização escolar
(melhoramento dos costumes e ajustamento do corpo às normas sociais), a
educação física foi sendo associada aos saberes da atividade física e
saúde e à prática da aptidão física (2007, p. 48).

Portanto, essas características ainda presentes nos currículos contribuem


pra um maior distanciamento até mesmo da área da saúde, já que diversas
percepções sofreram mudanças nesse campo, e a visão integralizada do indivíduo
ganhou espaço, evidenciando a sua relação complexa com o mundo, através do
conceito da determinação social. Sendo assim, os conteúdos da graduação em EF
devem ser reformulados e adaptados a essas concepções, tendo em vista o modo
isolado que se apresentam, e como Medina (2007) propõe

(…) Além de não se poder compreender com propriedade o corpo humano


e o homem por meio de estudos exclusivamente setoriais ou isolados de
Anatomia, Psicologia, Biometria, Fisiologia, Sociologia etc., esses estudos,
por sua vez, são comprovadamente mal assimilados pelos estudantes, que
não conseguem perceber muita relação entre essas ciências e a sua futura
atuação prática. Não se percebe qualquer sentido de totalidade. (…) As
disciplinas não se identificam com a Educação Física. Não abordam,
mesmo que do seu ângulo, a problemática mais ampla do corpo. (…) Não
se preocupam em desenvolver com eles uma psicologia do movimento,
uma sociologia do movimento ou uma pedagogia do movimento. (MEDINA,
2007, p. 88)

Oliveira e Gomes (2020) ressaltam a importância de estudos que


demonstram a interdisciplinaridade e a transversalidade da saúde na EF,
introduzindo nesse campo, diversas áreas de conhecimento, compreendendo a
necessidade de se promover atividades conjuntas com as populações. Dessa forma,
discutir a formação, com objetivo de aproximar essas disciplinas ao tema da saúde
coletiva, significa romper com a hegemonia de um modelo individualizado,
biologicista e que não corresponde mais as demandas da nossa sociedade.

Portanto, se analisarmos alguns estudos sobre a formação de professores


de EF no Brasil e o entendimento do seu trabalho na área da saúde, é nítida a
distância para um conceito mais ampliado, em uma concepção holística, ou seja, as
relações que envolvem o homem e o mundo como um todo. A presença de cursos
que ainda possuem em seus currículos que privilegiam uma visão biologicista,
individualista e não compreende o indivíduo de forma integral e que de fato
corresponde às demandas das quais esse profissional se deparará na realidade.

Almeida (2018) buscou analisar o currículo de três (03) universidades de


Feira de Santana – BA, sem diferir entre licenciatura ou bacharelado. Nessa
pesquisa, o autor constatou que nenhuma delas oferece uma concepção de saúde
ampliada em sua formação. E ainda primam pelos aspectos biológicos do corpo e
tratam a relação da Educação Física/Saúde e doença como uma relação causa e
efeito.

Anjos e Duarte (2009) verificaram que entre quatro (04) universidades do


Estado de São Paulo, nenhuma delas possui um conjunto de disciplinas voltadas
para o tema saúde coletiva e Saúde Pública. Foram identificadas, entretanto, grande
relação com a visão prescritiva/curativa. Não possuem direcionamentos, em sua
formação, para os serviços de saúde. Além disso, não possuem espaço
institucionalizado para a prática de estágio nessa área.
Com outro olhar, Santiago, Pedrosa e Ferraz (2012) evidenciam as ações
que apoiaram a formação do professor de EF na saúde. O Projeto Ensino pelo
Trabalho (PET-Saúde), Programa Nacional de Reorientação da Formação
Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Estágio de Vivência no SUS (VER-SUS), são
algumas delas. Como atividades extracurriculares, elas também possuem um papel
bem interessante no aprendizado e na inserção do graduando na área.

Sendo assim, como foco do trabalho os autores analisaram o Projeto Político


Pedagógico do curso de EF da Universidade Federal do Piauí – UFPI. Através dos
planos de ensino das disciplinas do currículo, puderam identificar influências do
modelo biologicista na relação atividade física e saúde, distanciando assim, de uma
concepção ampliada de saúde. Também relataram a ausência de disciplinas que
discutam Saúde Coletiva/Pública na grade curricular.

Já as autoras Collier e Souza (2015), entrevistaram estudantes graduandos


do curso de EF da Universidade Federal Fluminense (UFF) e que atuavam como
bolsistas no PET-Saúde. A partir das entrevistas, puderam concluir que o PET
produz uma resposta satisfatória no modo de se pensar saúde através da Educação
Física, segundo as indicações da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS).

Ainda ressaltaram que os conhecimentos relativos as abordagens críticas da


Educação Física, presentes na licenciatura, ajudaram os estudantes a elaborarem
ações mais humanizadas. Entretanto, no que diz respeito a formação, não supre a
demanda por conhecimentos na área de saúde pública. Além disso, nos campos de
atuação dos bolsistas do PET, as orientações por parte de outros profissionais os
leva a práticas prontas e que não se encaixam no contexto da própria Educação
Física.

Esses são alguns dos estudos que corroboram pra essa hipótese de que na
grande maioria das Universidades, sendo públicas ou particulares, possuem em
seus cursos de EF, seja na modalidade da licenciatura ou bacharelado, um
distanciamento do que é proposto enquanto conhecimentos da saúde coletiva, com
poucos exemplos de tentativas de aproximação de maneira crítica. Além disso,
faltam também artifícios maiores para que ao menos dê a oportunidade dos
graduandos de conhecerem esses espaços através projetos e programas de estágio.
Este presente estudo também busca extrair de determinados currículos,
conteúdos que nos permitam identificar suas intencionalidades frente ao papel social
da educação. De forma geral, os Projetos Político-Pedagógicos (PPP) apresentam
uma intenção, uma estratégia em determinada direção, tendo também o seu papel
de realizar uma reflexão sobre a relação do homem com o mundo. Logo, o PPP
expressa a sua ideia de sociedade, contribui para a construção ou manutenção de
um modelo, que pode estar baseado no desenvolvimento humano ou não
(COLETIVO DE AUTORES, 1992).
1.2 Os conceitos de saúde e a história das políticas públicas no Brasil

Neste capítulo abordaremos uma breve história das políticas de saúde


desenvolvidas ao longo do século XX no Brasil, sob a perspectiva de entendermos o
porquê do Sistema Único de Saúde (SUS) significar um projeto tão amplo e
importante para o país. Embora ainda sejam necessários muitos esforços para
alcançar o que é previsto na Constituição de 1988, o SUS é um modelo de proteção
social mundialmente reconhecido.
Para diversas áreas que compõem o campo da saúde, o SUS é referência
tanto na formação quanto no trabalho. A sua compreensão de homem e mundo vai
além de um simples sistema, onde se oferece promoção, proteção e recuperação da
saúde dos usuários, mas as suas ações e tomada de decisões incluem a
participação de toda comunidade, entendendo assim que a participação social é um
dos seus principais pilares.
Antes de adentrarmos ao tema saúde, devemos expor aqui como o seu
conceito se desdobra através da vida humana e em suas relações com a natureza.
Dessa forma, as interpretações frentes às políticas públicas, bem como o próprio
funcionamento da sociedade, a partir da sua abordagem, nos ajuda a entender a
dinâmica dos fenômenos da vida humana (política, cultura, economia, saúde,
educação e outros).
Como aponta Albuquerque e Silva (2014), o grau de domínio sobre a
natureza e a realidade, levando em consideração os diferentes modos de se
interpretar o sentido da vida humana, as suas necessidades e interesses,
dominantes, com relação ao corpo e seu uso ao longo da história, influi sobre as
diversas concepções do que já representou o termo “saúde”.
Entendendo a relação ser humano-natureza e os efeitos orgânicos da
organização da sociedade, considerando seu aspecto histórico, com a saúde, é
possível compreender a base do conceito de Determinação Social da Saúde. E para
analisar essa concepção, deve-se buscar a essência da existência humana, o modo
como ela se organiza para produzir e reproduzir a sua existência, com suas
complexas características, a começar pela diferenciação do modo como se dá a
relação dos diferentes seres vivos com a natureza. Ou seja, somente nos é possível
compreender a saúde na unidade e indissociabilidade do homem em suas
dimensões orgânica e inorgânica.
Albuquerque e Silva (2014) citam três (03) exemplos, onde consideram a
relação das plantas, dos animais (não humanos) e dos humanos com a natureza,
partindo do princípio que esta lhes propõe condições de crescer e se desenvolver,
de acordo com seus potenciais. As plantas voltadas para os seus nutrientes do solo,
ar e sol, além do desenvolvimento das suas estruturas (raiz, caule, flor e outro); os
animais, em geral, voltados para a sua alimentação, sobrevivência, proteção e
reprodução; os seres humanos, apesar de necessitar das mesmas condições dos
demais animais, busca novas possibilidades para realizar essas atividades e em
diferentes ambientes.
A diferença que garante que essas espécies de fato cumpram essas tarefas
são as condições específicas que são oferecidas pela natureza (se a planta não tiver
luz, assim como se os animais não tiverem o alimento adequado no seu habitat, não
se desenvolverão ou sobreviverão). O que coloca o ser humano em uma posição
especial é a capacidade de interferir ou resistir sobre as condições que lhe são
postas (alimentação, temperatura, proteção entre outros), aumentando as suas
possibilidades de sobrevivência (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014).
As plantas e os animais podem se adaptar às novas condições que lhes são
impostas, embora isso demore gerações para que aconteça, através da genética. Os
humanos buscam interferir propositalmente na própria natureza, através dos
recursos naturais necessários para seu domínio, ou seja, atuam de forma teleológica,
com o intuito de cumprir suas atividades, independente dos fatores extrínsecos ao
seu organismo. Dessa forma, em uma mesma geração, é possível que ampliem o
seu potencial de desenvolvimento sem depender dos fatores genéticos
(ALBUQUERQUE; SILVA, 2014).
É a partir dessas características que o humano produz a sua existência
através de novas necessidades, superando e produzindo novas condições a partir
da relação com a natureza. A moradia, o transporte e a vestimenta são tecnologias
criadas que nos favorecem, por exemplo, mas que demandam um trabalho
complexo, que envolve conhecimento, materiais específicos e mão de obra para a
sua elaboração, basicamente. E existem dois fatores fundamentais, historicamente,
que nos permitem produzir e aperfeiçoar essas tecnologias: a divisão do trabalho e o
modo de nos organizarmos em sociedade (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014).
Essa divisão do trabalho vai permitir que a humanidade produza em maior
quantidade, aperfeiçoando seus produtos e em um período de tempo menor. Mas
para que isso funcione é necessário que o ser humano viva em sociedade e opere a
partir do bem comum da espécie, visto que sozinho não seria possível sobreviver
sob as mesmas condições que nos são impostas hoje. Portanto, os setores que
produzem conhecimento, cuidados, estruturas e etc, devem dialogar em prol da
condição humana (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014).
Reunindo esses conceitos podemos destacar o seguinte entendimento: a
saúde é o modo como o humano se apresenta, através das condições de realizar
suas possibilidades, considerando as potencialidades alcançadas pela humanidade
em um determinado momento histórico. Dessa forma, torna-se importante que todos
os avanços já alcançados sejam disponibilizados aos seres humanos, e assim eles
estarão em condições de atingir o seu potencial enquanto espécie. Portanto,

(...) essa objetivação depende não somente da regularidade


anatomofuncional do corpo, mas também da possibilidade de apropriação
daquilo que a humanidade produziu. Os produtos humanos aos quais
estamos nos referindo e dos quais necessitamos para nos objetivarmos
incluem: alimentos, moradia, educação, meio ambiente, transporte, serviços
de saúde, hábitos ou estilos de vida, entre outros, denominados de
‘determinantes sociais de saúde’. (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014, p. 957)

Os determinantes sociais de saúde são, portanto, produtos do avanço da


humanidade, e que hoje são necessários para o nosso desenvolvimento, em que
cada um deles influenciam diretamente sobre nossa vida, e também são
influenciados por ela. Isso significa que não ter acesso a esses determinantes é não
possuir elementos suficientes para alcançar a totalidade do potencial humano
produzido pela humanidade. E para analisar essa relação – entre determinantes e
humanos –, devemos considerar os modos de produção e as relações sociais que
deles decorrem, os quais acabam por direcionar o modo como a sociedade se
organiza e produz esses bens e os distribui (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014).
Para isso, devemos partir da ideia de que o modo de produção capitalista
vem arrastando, ao longo de sua existência, o princípio oposto da essência humana:
a desigualdade entre os homens. Entende-se, a partir dele, que é necessário que
uns tenham mais acesso às condições de desenvolvimento, outros menos e outros
não tenham, de acordo com a classe à qual pertence. Os determinantes sociais da
saúde devem ser interpretados a partir do modo de produção capitalista, de sua
ideologia e de seus efeitos na sociedade.
São questões sobredeterminadas e como destacam Albuquerque e Silva
(2014, p. 959) “(…) no capitalismo as coisas são produzidas pelo seu valor de troca
e não pelo seu valor de uso e que, frequentemente, a produção de valores de troca
prejudica ou mesmo impede a produção de valores de uso”.
Isso significa que dentro do sistema capitalista o modo de produção se
baseia na exploração de uma classe pela outra, que tem como consequência a não
distribuição igualitária de renda. Portanto, para analisar a má distribuição de renda, a
desigualdade, a pobreza e outros determinantes, é necessário compreender o
próprio sistema como criador dessas condições. Como bem sinalizam Albuquerque e
Silva (2014), essas relações sociais historicamente construídas determinam as
condições de existência sob esse modo de produção.
Se a sociedade é determinada pelo grau de desenvolvimento dela mesma,
baseada nas forças de produção, há também um objeto incluso nesse meio: o modo
como se dá as relações de produção, não só das pessoas com a natureza, mas
entre elas mesmas. E como vivemos num modelo social divido em classes, há
diferenças entre as suas interações e suas disposições de acesso, e, ao
considerarmos a sociedade produtora de mercadorias, bem como a oportunidade de
consumo dessas mercadorias, como os determinantes da saúde, que vão definir,
dessa forma, suas condições de se desenvolver e possibilidades de viver, adoecer e
morrer (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014).
Então, a partir da sua classe social e da sua interação com as forças de
produção, as pessoas ou compõem o pequeno grupo dos proprietários desses
meios (dominante), ou da maioria que vende a sua força de trabalho para sobreviver
(trabalhadora). Dada essa posição, encontra-se relações diferentes entre cada
classe com a produção e o consumo. Como Laurell explica,

Existindo uma articulação entre o processo social e o processo de saúde e


doença, este deve assumir características distintas conforme o modo
diferencial com que cada um dos grupos se insere na produção e se
relaciona com os grupos sociais restantes. (LAURELL, 1982, p. 7)
Portanto, a determinação de classe e suas relações de produção e consumo,
estão diretamente ligadas aos determinantes sociais da saúde. Para todos os efeitos,
o ser humano necessita de novas possibilidades para se adaptar, mas também
precisa dos suportes produzidos para isso, das tecnologias que ela mesma criou.
Dessa forma, o conceito de determinação social da saúde considera o perfil de cada
população quanto às doenças e a sua frequência em um grupo e momento
específico (perfil patológico).

(...) o perfil muda para uma mesma população de acordo com o momento
histórico. Ainda assim, as diferentes formações sociais apresentam perfis
patológicos que, a nível geral, distinguem-se conforme o modo particular de
combinar-se o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais
de produção. Finalmente, é possível comprovar que o processo patológico
dos grupos sociais de uma mesma sociedade se apresenta diverso quanto
ao tipo de doença e sua frequência. (LAURELL, 1982, p. 9)

A relação entre saúde e doença, que varia de acordo com a história, reflete
ainda as respostas aos problemas do ser humano, que são interpretados não só
pelos avanços da sociedade, mas também pelo seu impacto na produção, como já
afirmado. Almeida e Gomes (2014) explicam que a concepção hegemônica de saúde
faz parte do sistema capitalista, necessita de condições adequadas da sua força de
trabalho, e através dela delimita condições normais e patológicas. E Laurell
aprofunda essa análise com foco no processo saúde-doença e os interesses
envolvidos:

(...) a análise histórica mostra como as necessidades das classes


dominantes, que se expressam como se fossem as necessidades da
sociedade em seu conjunto, condicionam um ou outro conceito de saúde e
doença. Na sociedade capitalista, por exemplo, o conceito de doença
explícita está centrado na biologia individual, fato que lhe retira o caráter
social. O conceito de doença oculta, quer dizer, que está subjacente na
definição social do que é doença, refere-se à incapacidade de trabalhar, o
que a coloca em relação com a economia e eventualmente com a criação
da mais-valia e possibilidade de acumulação capitalista. (CONTI, 1972 2
apud. LAURELL, 1982, p. 9)

O modelo de determinação social, embasada principalmente por Marx e


Engels, recebeu grande importância no século XIX pela medicina social na Europa,
por representar um modelo que correlacionava o período de industrialização e suas
características (aumento do desemprego, excessiva carga horária de trabalho, falta
de moradia) ao aumento expressivo dos problemas de saúde. Essa teoria chocou
tanto com os avanços do capitalismo, quanto com os interesses hegemônicos
(PETTERS; DA ROS, 2018).
Antes de entendermos como o modelo de determinação social do processo
saúde-doença influenciou as expectativas em saúde no Brasil, devemos constatar
também o modo como o SUS trouxe à população brasileira um status de cidadania
que ainda não havia tido na história do país, fruto de intensas lutas sociais, e em
especial, nas lutas no campo da saúde. Para entendermos os conceitos de
cidadania e de proteção social tomaremos como base o trabalho da Sônia Fleury e
do Assis Ouverney (2008), sobre as políticas de saúde de um ponto de vista social.
Como Fleury e Ouverney (2008) conceituam, a cidadania necessita, antes
de tudo, da inclusão dos indivíduos à comunidade política que ele se insere. Além
disso, estes devem partilhar de um sistema de crenças relacionadas ao poder
público, à sociedade e aos direitos e deveres que são atribuídos aos cidadãos. Para
tanto, cada um necessita ter participação ativa na máquina pública, com respaldo
jurídico e político.
Nesse sentido, a cultura cívica se torna a base da cidadania, que vai
depender das concepções da comunidade como um todo. Ela também pressupõe a
integração e a sociabilidade dos indivíduos, e dessa forma, demanda a sua
recriação a cada momento histórico de cada sociedade. A cidadania possui três
elementos principais na sua formação, frutos dessa cultura cívica: Civil, Político e
Social (FLEURY; OUVERNEY, 2008 apud MARSHALL, 19673).
O elemento civil corresponde ao direito à liberdade (de expressão, ir e vir, de
informação); o elemento político que é o direito do indivíduo à participação do poder

2 CONTI, L. “Estructura social y medicina", in Medicina y sociedade, Barcelona, Fontanella, 1972, p.


287-310
3 MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
político, enquanto membro de determinado ambiente (direito ao voto em eleições de
diversas instâncias); e o elemento social refere-se ao direito de condições
econômicas mínimas, além de participar diretamente da herança social, no sentido
de se inserir nos padrões de civilidade prevalecentes na sociedade (FLEURY;
OUVERNEY, 2008 apud MARSHALL, 19673).
A relação dos poderes do Estado e a ordem social é tida como um fator
primordial, principalmente no fortalecimento das relações capitalistas. Isso porque,
no período que antecede essas relações, não se buscava privilegiar as forças de
mercado, no entanto, também não se almejava garantir o bem comum. Sob a lógica
de manter a ordem social, existiam algumas iniciativas pontuais de características
assistenciais, e identificadas como protoformas de políticas sociais, como aponta
Behring (2006). Sobre isso, Fleury e Ouverney nos ajudam a entender essa
transição das relações entre Estado-cidadão:

A relação de poder entre os indivíduos e o Estado representou uma grande


transformação na estrutura social da modernidade. De um lado, um Estado
que atua por procedimentos racionais e legais e que funda seu poder nos
indivíduos constituídos como cidadãos. A existência de uma burocracia de
carreira, que não deve favores ao soberano é condição imprescindível para
que todos os indivíduos sejam tratados da mesma maneira diante do poder
político, da lei, ou seja, é a garantia da existência da cidadania. De outro
lado, só os cidadãos podem garantir e assegurar a legitimidade do exercício
do poder político (FLEURY; OUVERNEY, 2008, p. 4).

O Estado possui um papel fundamental frente as estruturas sociais. A partir


dos seus interesses, ele elabora diversos meios de garantir uma determinada
ordem, com a intenção de manter os privilégios da classe burguesa, controlando os
anseios da classe trabalhadora, sob a lógica capitalista. Behring nos ajuda a
entender as bases do processo das políticas sociais:

Em geral, é reconhecido que a existência de políticas sociais, é um


fenômeno associado à constituição da sociedade burguesa, ou seja, do
específico modo capitalista de produzir e reproduzir-se. Evidentemente que
não desde os seus primórdios, mas quando se tem um reconhecimento da
questão social inerente às relações sociais nesse modo de produção, vis à
vis ao momento em que os trabalhadores assumem um papel político e até
revolucionário. [...] (BEHRING, 2006, p. 1-2).
É nesse sentido que Fleury e Ouverney (2008) destacam o surgimento das
preocupações voltadas à proteção social. Os efeitos provocados pelo
desenvolvimento exponencial do capitalismo e da consequente industrialização
sobre as condições de vida das pessoas, como a miséria e as más condições de
trabalho, necessitava de políticas sociais que ao menos minimizassem esses
problemas, e não interrompesse a expansão da produção capitalista.
Surgem então os Estados de Bem-Estar Social, do qual consiste em um
amplo sistema de serviços de diversos setores e que visem o bem-estar da
população. No contexto socioeconômico, são políticas integradas que visam ampliar
as oportunidades de vida, promovendo a seguridade e a igualdade entre os
cidadãos. Por outro lado, possui características que buscam amenizar os efeitos da
modernização, portanto, em favor do modo de produção capitalista (FLEURY;
OUVERNEY, 2008).
A partir daí, Fleury e Ouverney (2008) destacam três (03) modelos ideais de
proteção social. É possível comparar e entender que o Brasil perpassou por todos
eles em momentos distintos, coexistindo em diversos períodos históricos e em
diferentes âmbitos das políticas públicas. São eles: a assistência social, o seguro
social e a seguridade social. Cada um deles representa um modo de organização
das políticas públicas entre Estado e sociedade, e assim a forma como se descreve
a cidadania.
No modelo de assistência social, caracterizado pela capacidade dos
indivíduos de adquirir bens e serviços, e seu viés economicamente liberal, de
ausência do Estado no setor, valorizando o individualismo e a igualdade de
oportunidades. É também chamado de residual, pois sobra ao Estado o papel de
solucionar as demandas das parcelas “incapazes” de se manter no mercado,
organizando fundos e doações, sob uma perspectiva educadora e de caridade aos
pobres (FLEURY; OUVERNEY, 2008).
No que diz respeito às ações, são de natureza emergencial e pontual, de
grupos vulneráveis, que mesmo reconhecidos como beneficiários, não eram
considerados como indivíduos portadores de direitos. Sendo assim, nesse modelo a
cidadania é denominada como cidadania invertida, pois os indivíduos acabam sendo
reconhecidos e objeto de uma política em decorrência do seu próprio “fracasso
social” (FLEURY; OUVERNEY, 2008).
O modelo de seguro social já possui um olhar voltado aos trabalhadores,
onde os benefícios são decorrentes da inserção no mercado de trabalho, de forma
meritocrática e burocrática, inclusive por legitimar a diferença entre os grupos sociais.
Por um lado, o seguro é voltado para o mercado formal, e por outro, a assistência é
voltada aos pobres (FLEURY; OUVERNEY, 2008).
O seu financiamento é feito através da contribuição percentual do
empregador e do empregado, de forma obrigatória. O seu intuito é manter as
condições socioeconômicas dos seus beneficiários, bem como suas capacidades de
trabalho e produção. Da mesma forma, os benefícios eram proporcionais ao valor da
contribuição, que não corresponde às maiores demandas, advindas justamente dos
que menos contribuíam (FLEURY; OUVERNEY, 2008).
Na proposta do seguro social, a cidadania é denominada como cidadania
regulada, pela forma de estratificação social justificada por lei, onde o cidadão é
aquele indivíduo que ocupa um posto de trabalho reconhecido pelo Estado, e os
direitos da proteção são designados apenas a eles (FLEURY; OUVERNEY, 2008).
Já no modelo de seguridade social, que é baseado nos princípios da justiça
social, há a garantia a todos os cidadãos a um conjunto de direitos sociais,
relacionados às condições de vida. A seguridade social possui um caráter igualitário
e universal, pois não exige contribuições anteriores, e a utilização dos serviços
oferecidos é de acordo com as necessidades dos indivíduos (FLEURY; OUVERNEY,
2008).
Esse modelo também é composto por um conjunto de políticas públicas, no
sentido de corrigir desigualdades socioeconômicas. A inclusão de instituições
públicas, que executem e coordenem essas políticas, além do papel do Estado no
financiamento e administração ajudam a garantir a manutenção dos serviços.
Portanto, nessa concepção entende-se por cidadania universal, pois o direito aos
benefícios é assegurado enquanto política social, de acordo com as demandas de
cada cidadão (FLEURY; OUVERNEY, 2008).
É sobre esse modelo de proteção social e de cidadania que o Brasil
perpassou ao longo do século passado. A seguir buscarei evidenciar a nossa história
no que diz respeito às políticas públicas de proteção social, em particular a política
de saúde, e o modo como ela se relaciona de acordo com os interesses de diversos
grupos, inclusive públicos e privados, até a construção do sistema vigente, que até
hoje ainda enfrenta severas dificuldades.
O que se tinha no início do século XX era um modelo de saúde totalmente
diferente. Na época, o aumento da demanda por mão de obra nas lavouras de café,
no seu armazenamento e exportação esbarraram nas diversas epidemias que
atingiam os trabalhadores devido às péssimas condições de saneamento, e por isso,
acabara por atrapalhar o crescimento econômico (BAPTISTA, 2007). O
entendimento sobre saúde e doença ganhava novos elementos, e que serviram de
justificativa para algumas políticas do Estado.
O modelo de determinação social, elaborado para analisar as relações no
interior da estrutura do modo capitalista de produção, embasada principalmente por
Marx e Engels, recebeu grande importância no século XIX pela medicina social na
Europa, por representar um modelo que correlacionava o período de industrialização
e suas características (aumento do desemprego, excessiva carga horária de
trabalho, falta de moradia) ao aumento expressivo dos problemas de saúde. Essa
teoria chocou tanto com os avanços do capitalismo, quanto com os interesses
hegemônicos (PETTERS; DA ROS, 2018).
Já no fim do século XIX e início do XX, através da descoberta da bactéria
por Pasteur, e do Relatório Flexner em 1910, elaborou-se um modelo biomédico que
desenvolveu um novo olhar sobre o processo saúde-doença. Entendia, então, por
um modelo unicausal que desconsiderava uma série de características que
interferiam nas condições de vidas dos indivíduos, evidenciando outras. É
reconhecido pelo seu foco especificamente na doença e sua cura (curativo), no
tratamento individual, centrado nas instituições hospitalares (hospitalocêntrico), cujo
foco de intervenção é o corpo em sua dimensão biológica (biologicista) (PETTERS;
DA ROS, 2018).
Por um lado, a teoria marxista atrelava as condições de vida aos processos
biológicos e sociais, colocando os indivíduos mais próximos do processo saúde-
doença de forma desigual, considerando sua classe dentro da sociedade capitalista.
Por outro, a descoberta da bactéria e o desenvolvimento da visão biológica sobre a
saúde-doença, colaborava por retirar a importância e o entendimento do fator social
dessa análise.
Dessa forma, a partir de 1902, um conjunto de obras voltadas para
saneamento e urbanização, e alguns esforços para conter doenças epidêmicas
representaram significativas mudanças nas políticas públicas de saúde. A
Constituição pós Proclamação da República determinou aos Estados produtores de
café o poder preponderante nas decisões nacionais, além de definir a saúde como
área de poder exclusivamente estatal. Dessa forma, as ações eram voltadas a
região centro-sul (produtora de café) (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).
O diretor-geral de saúde pública, Oswaldo Cruz, implementa a partir de 1903
a primeira reforma da saúde, que promulga um código sanitário, que inclui
desinfecção, prevendo até mesmo a demolição de edifícios consideradas nocivas à
saúde pública, a notificação permanente de doenças como a febre amarela e peste
bubônica, além da instalação da polícia sanitária. A sua grande estratégia de
vacinação obrigatória no combate às doenças, com invasões domiciliares inclusive,
resultou em um movimento popular conhecido com a Revolta da Vacina (BAPTISTA,
2007).
O Governo de Rodrigues Alves, naquela época, se utilizou de uma vertente
da saúde, de caráter higienista, no qual foi usada como campanha política, e que
tinha Oswaldo Cruz como principal figura. Dessa forma, além das campanhas de
vacinação, as pessoas doentes que não conseguiam se isolar em lugares distantes
eram submetidos ao tratamento nos hospitais gerais, sem convívio social. Porém, o
maior objetivo não era o de recuperar os enfermos, mas o de fazer com ele não
contaminasse outras pessoas, e por isso, a maioria morria ainda que internados
(BAPTISTA, 2007).
A histórica articulação entre a medicina e a saúde pública facilitaram com
que os estudos científicos estruturassem uma base sob as práticas sanitárias,
centralizando as ações na doença e não na saúde (CZERESNIA, 1999). Dessa
forma, a doença recebeu uma concepção que minimizava o sujeito ao incorporar
aspectos morfológicos e funcionais, baseados nos conhecimentos da anatomia e
fisiologia (PALMA; ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2003).
Sua característica curativista antagoniza essa relação entre saúde-doença,
ao entender uma como ausência da outra. Por compreender como unicamente
orgânica, a doença afeta o indivíduo e termina por se resumir ao diagnóstico e seu
tratamento (ALVES JUNIOR, 1992). Além disso, põe o medicamento como meio de
cura, o que termina por criar uma relação de causa e efeito sobre sua determinação
biológica do corpo (PALMA; ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2003).

Dentro dessa perspectiva, o indivíduo é observado como um somatório de


órgãos e sistemas, e a doença como algo que prejudica os seus funcionamentos.
Prioriza-se o tratamento individual ao não considerar o seu fator social; o modo de
vida e práticas pessoais; e os fatores de risco afeta, portanto, cada ser humano de
maneira única, não o incluindo em um coletivo. Considera ainda, que a
responsabilidade de prevenção é apenas do sujeito, excluindo fatores externos
(PALMA; ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2003).

Portanto, os hospitais se tornam o lugar para se tratar as doenças, e suas


mais modernas estruturas e tecnologias o principal meio de investimento em saúde.
O médico passa a ser o centro do processo entre tratar-curar; o medicamento como
elemento mais importante para combater a doença; estilo de vida individual e
aspectos biológicos do corpo desassociado ao componente social e determinantes
da saúde de cada um. Tudo isso se tornou um modelo hegemônico, defendido pelo
sistema capitalista, onde tudo é tido como mercadoria, que lucra com a doença
através do hospital, dos remédios, dos exames e da medicina especializada.
(ALMEIDA; GOMES, 2014).

Como Baptista (2007) nos esclarece, o fato da população não receber do


Estado o conhecimento necessário sobre as doenças e as vacinas, como resposta a
essa falta de explicação, as revoltas foram extensas, até mesmo por conta do modo
autoritário que se realizavam as campanhas. Entretanto, é importante ressaltar que
apesar desses fatores negativos, já em 1907 algumas doenças já haviam sido
erradicadas, como a febre amarela, e outras já em estado de controle. O
conhecimento sobre elas também é algo registrado, por conta do grande movimento
de cientistas que se mobilizaram na época.
Posteriormente, entre as décadas de 10 e 20, uma segunda fase do
movimento sanitarista buscou preocupar-se em expandir as suas ações às áreas
rurais. Os médicos que realizavam expedições por essas áreas acabaram por tomar
conhecimento da situação de saúde no território nacional, entendendo que havia
necessidade de desenvolver uma política sanitarista de Estado nesses locais
(BAPTISTA, 2007).
Então em 1920 é criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, onde a
saúde começou a ser interpretada como questão social, e dessa forma o Estado
passou visar a extensão de serviços de saneamento para além da higiene (industrial
e materno-infantil), atingindo áreas urbanas e rurais no geral. Os primeiros encontros
de sanitaristas nessa época já abordavam a necessidade de uma “educação
sanitária”, buscando soluções mais concretas no âmbito da saúde (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996).
Essas ações de saúde acompanhava os discursos liberais da época, visto
que as ações de saúde pública ainda deixavam grande parcela da população
desamparada que não tinha recursos para pagar pelos serviços necessária. Embora
as ações fossem feitas de forma coletiva e preventiva, não havia interesse dos
governantes implementar uma política de proteção social, ou seja, saúde enquanto
direito integral (BAPTISTA, 2007).
Com a crise que surgiu dentro do setor de exportação, através das
demandas capitalistas que ampliou o padrão dos serviços e produtos, cada vez mais
exigentes quanto a qualidade, o Estado brasileiro sofreu algumas represálias pela
higiene insalubre nas suas mercadorias, nas embarcações e portos. A partir daí,
foram necessárias novas medidas de saúde e políticas públicas, e dentro delas, a
criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), em 1923 (BAPTISTA,
2007).
As pressões dos movimentos populares por melhores condições de trabalho,
saneamento fizeram com que as CAP surgissem como forma de assistência
individual aos trabalhadores das áreas ferroviários e portuárias, além de algumas
organizações mais atuantes na política e economia ligados ao setor de exportação.
O nascimento da previdência não se resumia somente às aposentadorias e pensões,
mas também na prestação de serviços de consultas médicas e fornecimento de
medicamentos (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). Como Bravo demonstra, o
funcionamento das CAP se dava da seguinte forma:

Neste período, também foram colocadas as questões de higiene e saúde do


trabalhador, sendo tomadas algumas medidas que se constituíram no
embrião do esquema previdenciário brasileiro, sendo a mais importante a
criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) em 1923,
conhecida como Lei Elói Chaves. As CAPs eram financiadas pela União,
pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Elas eram organizadas
por empresas, de modo que só os grandes estabelecimentos tinham
condições de mantê-las. O presidente das mesmas era nomeado pelo
presidente da República e os patrões e empregados participavam
paritariamente da administração. Os benefícios eram proporcionais às
contribuições e foram previstos: assistência médica-curativa e fornecimento
de medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez,
pensão para os dependentes e auxílio funeral. (BRAVO, 2006, p. 3)
As CAP não eram administradas pelo Estado. Este apenas se encarregava
de legalizar essas organizações e de controlar o funcionamento no sentido de evitar
conflito de interesses, ainda que não fosse uma prioridade dos governos da época
se mostrar presente na atuação dessas caixas, comandadas por empresas e
trabalhadores, numa espécie de seguro social a partir de um direito contratual
(BAPTISTA, 2007).
Com a crise mundial do café em 1929, acabou por mudar os interesses do
Estado e acelerar o processo de industrialização e urbanização, onde muitas
pessoas saíram dos campos em direção às cidades (êxodo rural), porém acabou por
também resultar no aumento das epidemias, visto que a rápida expansão
populacional e a falta de infraestrutura sanitária e consequente piora nas condições
de vida. Nesse momento, o Estado decide assumir o papel regulador da economia
(BERTOLOZZI; GRECO, 1996).
A então “Revolução de 30”, consistiu numa mudança de política por conta do
Estado, principalmente no âmbito econômico e institucional. Este era projeto político-
ideológico de construção nacional, baseado na industrialização buscou investir na
área de energia, siderurgia e transportes, absorvendo a mão de obra advinda do
campo. Por outro lado, acompanhando essas transformações, é importante destacar
a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública/MESP e o Ministério Trabalho,
Indústria e Comércio/MTIC. Isso passou a marcar a história da EF, no trabalho junto
aos sanitaristas (BAPTISTA, 2007; GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).
O MESP foi responsável por centralizar o debate de duas áreas
especialmente importantes para qualquer modelo de proteção social. Embora na
pasta da saúde houvesse novas políticas, estas ainda eram direcionadas à
cobertura de certos grupos de trabalhadores. No que tange às medidas sanitárias,
ainda eram voltadas às condições mínimas de infraestrutura necessárias para
favorecer a população que chegava às cidades, ainda bem limitados por não
fazerem parte da política de gastos do Estado (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).
Enquanto no MESP apresentava toda essa inconstância aos seus projetos, o
MTIC apresentava políticas claras e específicas de proteção ao trabalhador,
inclusive no âmbito da assistência médica individual previdenciária, a partir de um
arcabouço jurídico e material. O chamado Estado Novo, através das suas medidas
populistas, comandado por Getúlio Vargas, foi marcado pela expansão e
consolidação de direitos trabalhistas, dentre eles a carteira de trabalho (obrigatória
ao trabalhador urbano) (BERTOLOZZI; GRECO 1996; BAPTISTA, 2007).
Vargas então, ao receber o reconhecimento dos trabalhadores, garantiu uma
mão de obra aliada aos interesses econômicos do Estado. A aceleração do ritmo
industrial, bem como o aumento nos seus investimentos e o estabelecimento do
salário-mínimo (que se limitava aos gastos de sobrevivência) somaram-se ao
cenário de alta inflação da época, que terminou por acentuar na piora das condições
de vida (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). Com um outro olhar, Bravo explicita esse
momento da seguinte forma:

A conjuntura de 30, com suas características econômicas e políticas,


possibilitou o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem
às questões sociais de forma orgânica e sistemática. As questões sociais
em geral e as de saúde em particular, já colocadas na década de 20,
precisavam ser enfrentadas de forma mais sofisticada. Necessitavam
transformar-se em questão política, com a intervenção estatal e a criação de
novos aparelhos que contemplassem, de algum modo, os assalariados
urbanos, que se caracterizavam como sujeitos sociais importantes no
cenário político nacional, em decorrência da nova dinâmica da acumulação.
Este processo, sob domínio do capital industrial, teve como características
principais a aceleração da urbanização e a ampliação da massa
trabalhadora, em precárias condições de higiene, saúde e habitação.
(BRAVO,2006, p. 4)

Esses fatores resultaram em um aumento da demanda por melhores


condições de vida, que após a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAP), começaram a fornecer serviços de assistência médica, visando amparar os
trabalhadores sobre as questões de saúde. Os IAP ampliaram o papel das CAP já
esboçando um sistema de proteção social, mesmo que esse ainda fosse voltado
apenas aos trabalhadores contribuintes (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).
Um ponto importante que deve ser ressaltado é que os IAP eram para
algumas categorias (e não mais por empresas, como as CAP) reconhecidos pelo
Estado como mais importantes economicamente, como comércio, os marítimos e
ferroviários. Portanto, acabava por excluir outros profissionais, e a proteção
previdenciária como um privilégio e não um direito. Além disso, cada IAP possuía
sua própria organização, que ia desde a contribuição do trabalhador, até os serviços
de assistência médica prestada de acordo com cada categoria (BAPTISTA, 2007).
Como Bravo aponta ainda sobre esse momento:

A previdência preocupou-se mais efetivamente com a acumulação de


reservas financeiras do que com a ampla prestação de serviços. A
legislação do período, que se inicia em 30, procurou demarcar a diferença
entre “previdência” e “assistência social”, que antes não havia. (BRAVO,
2006, p. 5)

Isso serviu para reproduzir uma lógica de desigualdade social, pois nem
sempre os profissionais que necessitavam de mais serviços eram os que tinham a
suas demandas atendidas. E por outro lado, não se poderia contar com os serviços
públicos, já que o MESP ofertava serviços de forma estratégica, com o objetivo de
cuidar do controle e prevenção de doenças transmissíveis. Além disso, ainda
restavam a caridade e o assistencialismo de hospitais e profissionais da saúde
(BAPTISTA, 2007).
Após o fim da segunda guerra mundial, no meado dos anos 40 o Brasil se
apresentava em profunda crise política e econômica. Nas décadas seguintes então,
a agricultura, principal fonte econômica do país, foi dando lugar a um processo de
industrialização, com consequente urbanização e ampliação do contingente de
operários e operárias, e consequente aumento da demanda por serviços de saúde
(BAPTISTA, 2007).
Dessa forma, a expansão rápida e progressiva dos serviços de saúde, dos
hospitais, das tecnologias mais complexas de diagnóstico e terapêutica, assim como
a crescente especialização do trabalho em saúde e da formação dos trabalhadores
de saúde não foi acompanhada do acesso do conjunto da população aos serviços
de saúde, resultando em um encarecimento da assistência em saúde e torna o
hospital como seu centro de atendimento. Surgem então cada vez mais convênios-
empresa, na tentativa de solucionar a grande demanda que crescia (BAPTISTA,
2007). Essa nova configuração constitui um importante ponto para a implementação
das políticas neoliberais no âmbito da saúde na atualidade (BERTOLOZZI; GRECO,
1996).
O cenário Pós-Guerra fez com que países europeus elaborassem os
Estados de bem-estar social, voltados para a recuperação econômica, a construção
de Estados fortes, compromissados com a democracia e a justiça social.
Preocupados com emprego e serviços sociais universais (saúde, habitação,
transporte, educação, por exemplo) e assistência aos que estão à margem do
sistema produtivo, num sentido de obter resultados expressivos, econômica e
socialmente (BAPTISTA, 2007).
Contudo, o Brasil em uma tentativa de elaborar políticas que alavancassem
a situação do país, apontou uma correlação entre pobreza-doença-
subdesenvolvimento, e levou, dos anos 50 e início de 60, ao começo de discussões
sobre o direito a saúde e a proteção social, num sentido de garantir o crescimento
socioeconômico do país, principalmente a partir de um grupo chamado de
“sanitaristas-desenvolvimentistas”, que alertavam sobre o estado do qual o país
apresentava (BAPTISTA, 2007).
A partir dos anos 50, a estrutura hospitalar privada ganhou corpo, e já
indicava a criação das empresas médicas como seu foco. Essa parte do setor
pressionava o Estado em busca da privatização desses serviços, principalmente no
âmbito do seu financiamento estatal. As empresas tinham o interesse de lucrar sobre
as atividades assistenciais oferecidas pela previdência, e que faziam parte
majoritariamente dos serviços fornecidos pelos próprios IAP. Essa situação se
perdurou até os meados dos anos 60 (BRAVO, 2006).
Embora houvesse esse movimento, na prática a lógica de organização do
setor ainda distanciava as políticas de saúde pública e aquelas ofertadas pelo
sistema previdenciário, onde a primeira ainda correspondia ao controle e prevenção
de doenças transmissíveis e o segundo restrito aos contribuintes e dependentes,
com ênfase em uma medicina curativa, voltado apenas para a reinserção do
trabalhador ao sistema produtivo (BAPTISTA, 2007).
No que diz respeito ao aspecto político, Bertolozzi e Greco (1996) ressaltam
sobre a divisão do Ministério da Saúde em 1953, que antes ocupava espaço com a
pasta da Educação nos governos anteriores. No entanto, a saúde ficou com um
terço do orçamento destinado ao antigo MESP, com uma estrutura fragilizada, o que
representa uma menor ação dentro do setor por parte do Estado.
Como Bertolozzi e Greco (1996) apontam bem, o interesse do Estado de
manter essa estratificação social que se firmava era resultado do crescimento
industrial, onde a força de trabalho precisava estar em condições de produção,
assim como a sua reintegração rápida. Paralelamente a isso, cresce o setor
farmacêutico, o que contribuiu também para uma progressão da medicina curativa,
em detrimento dos serviços preventivos.
O Estado, sob políticas desenvolvimentistas, passou a se preocupar com o
setor da saúde, visto o potencial econômico e a mobilização de recursos que
apresentava (indústria farmacêutica e de equipamentos, a construção de hospitais e
ambulatórios). Nos meados dos anos 60, paralelamente ao golpe militar, estabelece
então a expansão e consolidação do complexo médico-empresarial (BAPTISTA,
2007).
É importante mencionar sobre a III Conferência Nacional de Saúde (CNS),
em 1963, onde diversos trabalhadores da área buscaram discutir pela primeira vez
um plano nacional de saúde pública sob um modelo tripartite entre União, Estados e
Municípios. A 1ª e a 2ª, datadas em 1941 e 1950 respectivamente, CNS focaram em
discutir sobre elementos mais específicos, como estratégias no combate às doenças
transmissíveis e a legislação quanto à limpeza e higiene no trabalho (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996).
A partir de 1964 então, o Estado buscou valorizar a assistência médica, o
setor privado e ampliação do sistema previdenciário, incluindo outras parcelas da
população. Em 1966, o governo militar se encarrega de unir os IAP, criando o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Isso significava melhor distribuição
dos benefícios, no entanto acabou causando certa insatisfação de uma parcela dos
contribuintes dos IAP, principalmente os trabalhadores que pagavam valores mais
altos (BAPTISTA, 2007). Sobre isso, Bravo complementa

A unificação da Previdência Social, com a junção dos IAPs em 1966, se deu


atendendo a duas características fundamentais: o crescente papel
interventivo do Estado na sociedade e o alijamento dos trabalhadores do
jogo político, com sua exclusão na gestão da previdência, ficando-lhes
reservado apenas o papel de financiadores. (BRAVO, 2006, p. 6)

Isso porque os Institutos que recebiam maior contribuição passaram a ser


usufruídos por trabalhadores de outros IAP, que tinham menor contribuição e oferta
de serviços de assistência. A superlotação de hospitais, o crescimento de filas de
atendimento e outros fatores acabaram por causar uma insatisfação generalizada
com o tempo (BAPTISTA, 2007). Sob a justificativa de fortalecer a economia, o
governo militar ampliou os poderes do setor privado, buscou reprimir os movimentos
sociais, e visando o crescimento da produtividade, aumentou a carga horária de
trabalho e reduziu o poder aquisitivo do salário-mínimo (arrocho salarial). Nesse
momento, a desigualdade social subiu, visto que houve também uma elevada
concentração de renda entre outras parcelas da sociedade (BERTOLOZZI; GRECO,
1996).
A privatização de serviços médicos, a partir do favorecimento na compra e
contratação da rede privada pelo setor previdenciário, em detrimento dos próprios
serviços do INPS, e que representava o fortalecimento do complexo médico-
empresarial. Com o aumento da demanda por esses serviços, o Estado buscou
desburocratizar e descentralizar a execução dessas atividades por sua parte,
embora os INPS ainda estivessem sob seus poderes (BAPTISTA, 2007;
BERTOLOZZI; GRECO, 1996). Colaborando com esse entendimento, Bravo aponta

A medicalização da vida social foi imposta, tanto na Saúde Pública quanto


na Previdência Social. O setor saúde precisava assumir as características
capitalistas, com a incorporação das modificações tecnológicas ocorridas no
exterior. A saúde pública teve no período um declínio e a medicina
previdenciária cresceu, principalmente após a reestruturação do setor, em
1966. (BRAVO, 2006, p. 6-7)

No entanto, o INPS ainda possuía muitos problemas, como aumento de


gastos decorrentes da priorização de um modelo de atenção à saúde que privilegia a
dimensão curativa, hospitalar, incorporadora de tecnologias de apoio diagnóstico e
tratamento (SADT), cada vez de maior custo; aumento de gastos decorrentes da
compra de serviços do setor privado em detrimento de serviços próprios. A
fragilidade e a falta de transparência por parte da relação do Estado com as
empresas que prestavam seus serviços médicos causaram diversas dúvidas acerca
dos seus funcionamentos, e que

Foi nesse momento que o INPS passou a ter o terceiro orçamento da nação,
ocupando o espaço primordial da prestação da assistência médica.
Paradoxalmente a esse quadro, houve no INPS, um déficit orçamentário por
conta das inúmeras fraudes que ocorreram na compra de serviços privados
de assistência à saúde mascarando, de fato, o volume de unidades de
serviço. Ainda nesse momento, ocorreu a expansão da cobertura da
assistência médica aos trabalhadores rurais, empregados domésticos,
autônomos e para os casos de acidentes de trabalho. (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996, p. 388)

A década de 70 teve grande importância no cenário político e econômico do


Brasil. Logo no início, o Estado sob regime militar já demonstrava as suas primeiras
fissuras por conta de diversas contradições internas, e por uma série de fatores já
acabou perdendo a legitimidade popular na qual os militares se debruçavam.
(BERTOLOZZI; GRECO, 1996; BAPTISTA, 2007).

A lógica biomédica, que vinha sendo o foco das ações em saúde


mundialmente, já não conseguia responder aos problemas da população voltados
para mudanças no perfil epidemiológico e sua amplitude sociopolítico e cultural
(PETTERS; DA ROS, 2018). Dessa forma, a saúde virou alvo de discussão sob dois
olhares distintos: o conceito biologicista, curativo, com foco na doença e no
tratamento individual; e o modelo mais amplo, multifatorial, coletivo, voltado pra
proteção e promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e
manutenção da saúde (FLORINDO et al., 2016).

A promoção, que seria o ponto de partida do modelo de saúde coletiva, foi


conceitualmente pensada a partir das condições de vida dos seres humanos. Como
Buss (2000) aponta, desde o século XVIII diversos estudos já correlacionavam
questões sociais (pobreza, más condições de trabalho, nutrição) como principais
causas de doenças, e que inspirados nos pensadores e nos movimentos pioneiros
da saúde pública e da medicina social, buscaram respostas sobre os efeitos dessa
integralização multifatorial na vida do indivíduo e da população. A promoção da
saúde torna-se, portanto, um importante elemento do ponto de vista conceitual e
prático.

O termo começa a aparecer mundialmente em textos científicos no ano de


1946, com Henry Sigerist. A partir de 1950, ele vem se propagando sempre de forma
contextualizada por diversas literaturas, embora muito voltada para a medicina
(FERREIRA; CASTIEL e CARDOSO, 2007). Porém, apenas em 1974 a Promoção
da Saúde surge em documentos oficiais, com o Informe Lalonde. Neste, os aspectos
biológicos humano, meio ambiente e estilo de vida recebem a mesma importância
que as estruturas do sistema no que diz respeito aos problemas de saúde
(FERREIRA; CASTIEL; CARDOSO, 2007). Segundo o relatório, a relação saúde-
doença deve ser interpretada incluindo fatores extrínsecos ao indivíduo,

(…) os riscos auto-impostos e o meio ambiente são os fatores principais ou


pelo menos importantes entre as cinco maiores causas de morte de 1 a 70
anos de idade; [assim] só se pode concluir que, a menos que o meio
ambiente seja modificado e que os riscos auto-impostos sejam diminuídos,
as taxas de morte não serão significativamente reduzidas (LALONDE, 1974,
p. 15).

Dessa forma, dos meados para os fins dos anos 70, com o objetivo de
equilibrar suas relações com a sociedade civil, o Estado se volta para as políticas
sociais, apaziguando as pressões e insatisfações populares. No entanto, essa era
uma estratégia reformista do Estado, que visava manter a supremacia social da
burguesia, e suas consequências políticas, econômicas e sociais (BRAVO, 2006).
Com essas pressões, algumas ações acabaram sendo postas em prática, em
1974, como a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), que
buscava financiar programas sociais; a formação do Conselho de Desenvolvimento
Social (CDS), que organizava as ações do Estado nas áreas sociais; a implementa
do Plano de Pronta Ação (PPA), onde se buscava expandir a cobertura do
atendimento em saúde e já sinalizando sua possível universalização (BAPTISTA,
2007).

O FAS apesar de se apresentar um programa em prol do desenvolvimento


de melhores condições de vida da população, a preponderância dos recursos
direcionados às instituições privadas significou uma ajuda financeira para a
ampliação de hospitais e a compra de equipamentos tecnológicos. Nesse momento
que se fortalece institucionalmente o complexo médico-empresarial (BAPTISTA,
2007).

Em 1975, após essas medidas, destaca-se a 5ª CNS, que dentre outros


assuntos, a implementação de um Sistema Nacional de Saúde, que apontava para
um conjunto de ações integradas nos três (03) níveis de governo. Além disso,
direcionava a assistência individual e curativa à Previdência Social, enquanto que os
cuidados preventivos e de alcance coletivo se tornaram responsabilidade do
Ministério e das secretarias de saúde (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

Outro ponto importante discutido pela CNS e incorporado pelo Estado foi a
necessidade de expansão dos serviços para a zona rural e regiões nordestinas. Sob
péssimas condições de saúde e saneamento, o governo não possuía políticas
efetivas no combate a epidemias, o que foi externado pelo próprio Conselho. Dessa
forma, em 1976 foram criados o Programa de Interiorização das ações de Saúde e
Saneamento (PIASS) e o Programa Nacional de Nutrição e Alimentação (PRONAM)
(BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

Essas medidas já significavam uma reformulação na área da saúde com


medidas que estimulassem a universalização do setor. A participação do movimento
sanitarista crescia cada vez mais, já que, apesar do governo ainda sob regime
militarista autoritário, as indicações feitas por ele ganhavam apoio popular. A
abertura política progressiva dava cada vez mais força para que essas mudanças
nesse cenário ocorressem.

No entanto, algumas mudanças acabaram por burocratizar a reorganização


do sistema de saúde. A criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social (SIMPAS) e do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
(INAMPS), em 1977, sob justificativa de organizar e reorientar o setor da saúde e da
previdência no âmbito do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).
(BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

O SIMPAS congregou o Instituto de Administração da Previdência e


Assistência Social (IAPAS), que cuidava dos fundos da previdência; o INPS, que
fornecia os benefícios e os programas de assistência; o INAMPS, que fornecia os
serviços de atendimento médico individual aos trabalhadores, dentre outras. Na
prática, essas medidas acabaram por fragmentar os poderes e dividir as tarefas da
Previdência, que não fazia parte das intenções do governo (BERTOLOZZI; GRECO,
1996).

No cenário mundial, acontece em 1978 a I Conferência Internacional sobre


Cuidados Primários em Saúde, em Alma Ata – URSS, convocada pela Organização
Mundial da Saúde (OMS). Esse evento evidenciou diversos debates, como: saúde
enquanto um direito fundamental, a defesa da democratização na tomada de
decisões na área da saúde, da redução das desigualdades e a vinculação da saúde
aos determinantes políticos, sociais e econômicos (FERREIRA; CASTIEL;
CARDOSO, 2007).

No Brasil, com o Movimento da Reforma Sanitária, o modo de se pensar a


Saúde Pública passou por diversas medidas e reformulações, e após a Conferência
em Alma Ata, ela assume um conceito mais abrangente. Esse evento foi importante
pois trouxe a público, diversos debates que ainda não eram reconhecidos por muitos
países, como: saúde enquanto um direito fundamental, a defesa da democratização
na tomada de decisões na área da saúde, da redução das desigualdades e a
vinculação da saúde aos determinantes políticos, sociais e econômicos (FERREIRA;
CASTIEL; CARDOSO, 2007).

Apesar dos avanços, o documento final ainda apresentava alguns equívocos


nas suas entrelinhas. Com um olhar voltado para o bem-estar, que inclui aspectos
físicos, mentais e sociais ao seu conceito, de forma implícita, indica a
impossibilidade de se alcançar um status de saúde completo, vista as dificuldades
de se atingir um completo bem-estar. Apesar de buscar relações com o lado social
dos indivíduos, não expõe o seu caráter dinâmico, simplificando-o (PALMA;
ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2003).
Nesse sentido, o direito à saúde, enquanto garantia do Estado, era muito
maior do que apenas a assistência médica aos trabalhadores e o controle de
doenças epidêmicas. A população necessitava de condições de vida adequadas,
ainda que existissem uma parcela fora do sistema de produção. Além do acesso
universal ao Sistema de Saúde, de forma igualitária, outros aspectos deveriam
incorporar as políticas do país, incluindo saneamento, educação, moradia, entre
outros.
Era necessário, portanto, uma reforma de Estado, que até então arquitetava
suas bases em cima das desigualdades, da concentração de poderes de forma
burocrática, e por isso apenas um novo Sistema de Saúde somente não daria conta.
Baptista sintetiza essa ideia:

Os 100 anos de história do Brasil tinham enraizado uma cultura política de


Estado enfaticamente concentradora do poder decisório nas mãos de uma
parcela pequena da sociedade (poder oligárquico), ou dos recursos
produzidos no âmbito do Estado, mantendo um grande fosso entre grupos
sociais e regiões, reproduzindo, dessa forma, uma situação de
desigualdade. Assim, o processo político também estava comprometido em
uma rede imbricada de poder instituído na burocracia estatal, na
organização política e partidária e na cultura social (BAPTISTA, 2007, p. 45).

A década de 80 já se iniciou com uma crise política, social, econômica e


também institucional no Estado. A expectativa pela redemocratização do Estado
aumentava na medida em que movimentos sociais, a imprensa e diversas forças
populares de oposição ao governo militarista lutavam pela anistia de seus líderes e
de figuras importantes que estavam presos ou exilados.
Na saúde, o modelo de financiamento, expressado na seguridade social, e
com foco na iniciativa privada se demonstrou falido. O movimento sanitarista,
através de um novo paradigma científico que compreende o processo saúde-doença,
passa a se utilizar do conceito de Determinação Social da Saúde dentro do seu
campo de análise. Isso resultou no conflito de interesses com o modelo de
assistência médica da previdência, que abarcava as intenções de lucro do setor
privado (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). Como descreve Bravo

A saúde, nessa década, contou com a participação de novos sujeitos sociais


na discussão das condições de vida da população brasileira e das
propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para um
amplo debate que permeou a sociedade civil. Saúde deixou de ser interesse
apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando
estreitamente vinculada à democracia. (BRAVO, 2006, p. 8)

A VII CNS, em 1980, mobilizava os trabalhadores da saúde, o movimento


sanitário, partidos políticos de oposição ao atual governo, e os movimentos sociais,
que discutiram a reformulação e reestruturação dos serviços do setor, apresentou
como proposta o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE),
onde se considerava novas políticas voltadas para as condições de vida da
população. Dentre seus pontos mais importante, destaca-se também a proposta de
um Sistema hierarquizado, onde a atenção básica seria a porta de entrada dos
usuários e a participação comunitária (BERTOLOZZI; GRECO, 1996; BAPTISTA,
2007).
No entanto, por ser considerada uma proposta “progressista”, acabou não
sendo aprovada. O conflito principalmente com os grupos da medicina liberal e do
segmento médico-empresarial, do setor privado contratado e as resistências
burocráticas do INAMPS impediram que o PREV-SAÚDE fosse posto em prática. O
ponto positivo foi o expressivo crescimento de grupos reformistas, que viram nesse
programa, diversas propostas que de fato favorecessem o setor (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996; BAPTISTA, 2007).
Uma das decisões tiradas da Conferência em Alma Ata foi propor a meta de
“saúde para toda a população até o ano 2000”. A proposta desse Programa
significava um passo importante nesse sentido, já nele continham diversas medidas
de expansão da rede de serviços, dos cuidados primários que incluíam a
regionalização das suas áreas de cobertura, que significava aproximar a saúde
pública das comunidades mais isoladas (WHO, 1978).
O Estado então, tratou de elaborar uma proposta que reorientasse as
proposições do PREV-SAÚDE, criando de forma autoritária, pois não contava a
participação de profissionais da saúde e da comunidade, o Conselho Nacional de
Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), reduzindo os custos de
assistência médica. Bertolozzi e Greco definem bem como era essa proposta:

O plano proposto pelo Conselho representava um reforço nas políticas


racionalizadoras e na organização da assistência médica pela Previdência.
Apresentava como princípios, a priorização das ações primárias com ênfase
na assistência ambulatorial, a integração das instituições nos três níveis -
federal, municipal e estadual - a partir de um sistema regionalizado e
hierarquizado, bem como a utilização plena da capacidade de produção e a
participação complementar da iniciativa privada (BERTOLOZZI; GRECO,
1996, p. 390).

Através de um diagnóstico realizado pelo CONASP feito sobre a atuação


dos mecanismos assistenciais de saúde demonstrou alguns pontos importantes,
como serviços inadequados, desintegração dos seus diversos prestadores, recursos
financeiros insuficientes e incalculáveis e a superprodução dos serviços prestados.
Portanto, isso tudo demonstrava uma ineficiência desse sistema, sem integração
das suas ações, sendo propícia à fraude e desvio de recursos (BAPTISTA, 2007).

Havia uma desarticulação entre o INAMPS e os serviços oferecidos pelo


Estado, nos níveis estaduais e municipais. Dessa forma, não possibilitava uma
programação do sistema, tanto nas suas ações quanto na previsão dos seus gastos
e investimentos. Na tentativa de reestruturação do setor, foram elaboradas algumas
propostas, como a criação Programa de Ações Integradas em Saúde (AIS) e o
Sistema de Atendimento Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS), dentre
os seus principais (BAPTISTA, 2007).

O AIS representava um formato de acordo entre o INAMPS e os estados e


municípios, para o repasse de recursos na construção de unidades de saúde que
atendessem toda a população, não somente aos conveniados da previdência. Esse
programa significou um grande passo na busca pelo direito à saúde de forma
universal, de maneira unificada, entre o setor público e privado, e de maneira
regionalizada e hierarquizada de atendimento (BAPTISTA, 2007).

Já o SAMHPS controlava os recursos do setor privado principalmente


quanto aos gastos por internações. O gerenciamento quanto aos procedimentos
médico-cirúrgicos, representado pelo número de pacientes internados simbolizava
uma forma de controlar as fraudes que haviam até então quanto a esse tipo de
serviço. Assim como o AIS, o SAMHPS representava uma nova estrutura em busca
de políticas públicas de saúde de forma unificada, integrada e descentralizada
(BAPTISTA, 2007).

Com o fim do regime militar autoritário em 1985, o Brasil viveu longos anos
de reestruturação em busca de um Estado de modelo democrático. Como em
diversos setores, a saúde passava por um momento de reformulação, e através do
movimento sanitarista, buscava uma forma de organização que de fato
correspondesse às demandas da sociedade.

A entrada de integrantes do movimento sanitarista em cargos importantes,


como o Ministério da Saúde e o INAMPS, resultou em novas políticas, agora de
interesse comunitário, também dentro do sistema previdenciário. A partir daí, as
medidas que favoreciam os órgãos privados deram lugar àquelas que visavam
melhorias no setor público (BAPTISTA, 2007).
No cenário mundial, a década de 80 também apresentou mudanças quanto
a saúde. Em 1986 na cidade de Ottawa, Canadá, visando responder as crescentes
expectativas por uma nova saúde pública, a OMS organiza a Primeira Conferência
Mundial Sobre Promoção da Saúde. Ainda que o termo já circulasse por relatórios e
documentos, havia muita imprecisão e interpretações acerca do seu conceito.
(WHO,1986).

Como produto dessa conferência foi apresentada a Carta de Ottawa, em que


não só conceituava a Promoção da Saúde como também trazia os caminhos que as
políticas públicas deveriam percorrer, como: reorientação dos serviços de saúde,
educação para a saúde, ação comunitária na tomada de decisões, definição e
implementação de estratégias, ambientes favoráveis e oportunidades de que
permitam fazer escolhas por uma vida mais sadia (WHO, 1986).
Essa carta teve grande impacto sobre o movimento sanitarista aqui no Brasil,
já que nela continham diversos temas que já eram discutidos pelos trabalhadores da
saúde. Além disso, a concepção de promoção da saúde trazida por esse documento
sinalizava uma reformulação nas políticas públicas do Estado, que era crucial para o
desenvolvimento da Nova República brasileira.
Para que de fato as transformações ocorressem em busca de um tratamento
mais pluralista, foi necessário mudanças nas políticas públicas que permeiam a
promoção da saúde: modo de vida, condições de trabalho, cultura, educação e
outros determinantes e condicionantes da saúde (GOTARDO, 2011).
Além disso, enaltecer os cuidados primários em saúde ao incluir em seu
conceito a educação em saúde (prevenção e controle de doenças), importância do
saneamento básico para a comunidade, cuidados em saúde materno-infantil,
planejamento familiar, imunização e fornecimento de medicamentos (FERREIRA;
CASTIEL; CARDOSO, 2007).
Ainda em 1986, o Ministério da Saúde, e com participação do movimento
sanitarista, convocou a VIII CNS, que diferente das Conferências anteriores, esta
que configurou um saldo democrático pela sua amplitude, contava com a
participação dos trabalhadores, técnicos e gestores da saúde, usuários, a sociedade
civil, partidos políticos e sindicatos. Com a temática mais ampla e em busca de
novos caminhos para esse setor, o evento terminou por encaminhar pontos
importantes como: Saúde como Direito, Reformulação do Sistema Nacional de
Saúde e Financiamento Setorial (BRASIL, 1986).
Outras discussões foram importantes para a construção de uma nova
proposta de saúde: ampliação do conceito de saúde e responsabilidade institucional,
incorporando as diretrizes da promoção da saúde; necessidade de expansão e
fortalecimento do setor público, considerando a participação do serviço privado
enquanto direito público concedido sob normas do Estado; e a separação da saúde
e da previdência, entendo a diferença entre os setores. (BRASIL, 1986)
Através da teoria da Determinação Social da Saúde, que foi a base do
movimento sanitarista no Brasil, somado ao conceito de Promoção da Saúde que se
discutia nos diversos fóruns nacionais e internacionais na época, passa-se a
compreender a saúde como algo amplo, complexo e

(…) resultante das condições de alimentação, habitação, renda, meio


ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse
de terra e acesso aos serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o
resultado das formas de organização social da produção, as quais podem
gerais grandes desigualdades nos níveis de vida. (MINAYO 4, 1992 apud.
PALMA; ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2003, p. 30)

A partir da VIII CNS, o grupo sanitarista passa a incorporar não somente


trabalhadores e técnicos da saúde, mas também todos os grupos que participaram
do evento. Como resultante disso, nasce uma organização, obviamente mais ampla,
com objetivos maiores e com um programa que reformulasse todo o âmbito do setor:
o Movimento da Reforma Sanitária, como descrita no relatório final da Conferência
(BRASIL, 1986). Como descreve Bravo

As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram a


universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e
dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema
Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um
novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do
processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento
efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de
gestão – os Conselhos de Saúde. (BRAVO, 2006, p. 9)

4 MINAYO, M.C.S., A saúde em estado de choque. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1992.
Dentro dos encaminhamentos, o relatório propôs a criação do Sistema Único
de Saúde (SUS), sob as diretrizes da universalidade, integralidade das ações e a
participação comunitária, a atualização do conceito de saúde, como direito do
cidadão e dever do Estado. Isso acabou pressionando o momento político no qual se
encontrava o período da Nova República, e as propostas da VIII CNS acabaram não
sendo atendidas de imediato (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

Em 1987, é criado então o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde


(SUDS), que buscava reduzir a atividade previdenciária no nível estadual, a
transferência dos serviços de saúde para estados e municípios e um único gestor da
saúde em cada esfera de governo. Isso significava descentralizar as decisões na
saúde, bem como o seu orçamento, garantindo maior autonomia e favorecendo as
estratégias de regionalização, hierarquização e universalização (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996; BAPTISTA, 2007).

No ano seguinte, foi convocada a Assembleia Constituinte, que determinou a


criação do SUS, tomando como base o relatório final da VIII CNS. Na Constituição a
saúde é descrita pelos pensamentos do movimento da reforma sanitária. Além disso,
um fato importante justificou diversos pontos não aprovados para a Constituição: a
disputa e o conflito entre os reformistas e os prestadores de serviços privados
(BERTOLOZZI; GRECO, 1996; BAPTISTA, 2007). Segundo o Capítulo II, Sessão II,
Artigo 196 da Constituição,

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas


sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

Embora isso não tenha afetado na aprovação do SUS, alguns pontos


importantes não foram inclusos como o financiamento do setor, as ações no âmbito
da saúde dos trabalhadores, a regulação do setor privado, além da estratégia para
centralização e unificação do sistema, dentre outros. Isso fez com que o modelo
médico assistencial e individual se mantivesse intacto, assim como a figura do
médico (BERTOLOZZI; GRECO, 1996; BAPTISTA, 2007).
No sentido de se definir em novas leis e portarias, o SUS via à sua frente um
obstáculo: o Presidente Fernando Collor de Melo, eleito em 1990, com as suas
propostas neoliberais, com a intenção de diminuir o papel do Estado em prol do
favorecimento do setor privado. Isso diminuiu a qualidade de todo sistema estatal, e
acabou resultando no adiamento da IX CNS e o veto de diversas partes da Lei
Orgânica da Saúde (LOS) 8.080/1990 (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

A LOS 8.080 representava um grande avanço pro SUS, ela aborda as


condições para promover, proteger e recuperar a saúde, além da organização e o
funcionamento dos serviços relacionados à saúde. Dentre seus vetos mais
importante se destaca o que dava poderes de controle e execução de políticas de
saúde pelos conselhos de saúde, a transferência direta de verba para Estados e
Municípios e o plano de carreira, cargos e salários para o SUS em cada esfera de
governo (BERTOLOZZI. GRECO, 1996).

Pouco tempo depois, buscou-se renegociar os vetos, bem como a


regulamentação de novos pontos através da LOS 8.142/1990, que dispõe da
participação comunitária na gestão do SUS e os recursos financeiros de forma
intergovernamental. Entretanto, no que diz respeito à obrigatoriedade do plano de
carreira, este novamente não fora aprovado, mantendo uma irregularidade nos
vínculos empregatícios nos serviços de saúde (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

A IX CNS foi ocorreu em 1992 e destaca-se pela grande mobilização, até


maior que a VIII. Os temas discutidos, como sociedade, governo e saúde,
seguridade social, implementação e controle social fizeram retomar diversas
proposições da Conferência anterior, além de se constituir como um movimento
mobilizador da campanha de impeachment do Presidente Collor pelos escândalos
de corrupção. Em seu relatório final exigia a implementação do SUS, sob a palavra
de ordem “Cumpra-se a lei” (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).

O SUS representa um modelo de saúde pública amplamente reconhecido


pelo modelo de seguridade social do qual ele se utiliza. Baseado nas necessidades
dos indivíduos e suas coletividades, que atua em cima das demandas sanitárias,
possui princípios e diretrizes, que são as bases do sistema, uma forma de direcionar
o modo como este atuará, em todos os níveis de atenção em saúde.
Quanto aos princípios do SUS: universalidade, que garante o direito em
saúde, conjunto de ações e serviços oferecidos; integralidade, que reconhece
distintas dimensões relacionadas ao processo saúde-doença, com prestação de
serviços e ações continuadas nos níveis de promoção, proteção, cura e reabilitação
para sujeitos e coletividades; equidade, que prioriza a oferta de ações e serviços às
populações que possuem maior risco de adoecer ou morrer em função de questões
socioeconômicas (VASCONCELOS; PASCHE, 2007).
Já as diretrizes do SUS: descentralização, com direção única em cada
esfera de governo; atendimento integral, prioriza as atividades preventivas, além dos
serviços assistenciais; participação da comunidade em ações e serviços da saúde
(BRASIL, 1988).

É sobre esses princípios e diretrizes que o SUS atua e propõe as suas


ações, buscando cobrir territórios onde a demanda por serviços de saúde é maior. O
SUS possui ainda diversos programas voltados para grupos específicos, entendendo
a existência de especificidades entre eles, como a população negra, saúde do idoso,
gestantes, saúde mental, hipertensos e diabéticos, dentre outros.

Sob essa perspectiva que o SUS se torna importante para todas as áreas
específicas da saúde, com o sentido de não olhar somente para a doença, mas
primeiramente olhar para o indivíduo e suas condições de vida. E para que isso
aconteça em campo, a formação dos profissionais deve ser adequada aos
parâmetros do sistema.

Os conceitos de homem e mundo, além da concepção de saúde e sua


determinação são necessários para que se reproduza dentro do SUS o que é
previsto para compreender todo o processo de saúde-doença em que os indivíduos
perpassam. Nesse sentido, os cursos de graduação vinculados à saúde necessitam
dessa consonância, comprometido com a formação de profissionais comprometidos
com a vida das pessoas pra além da doença.

É importante destacar que a hegemonia neoliberal frente aos interesses do


Estado tem trazido consequências para a sociedade brasileira, e que ganhou espaço
novamente a partir da década de 90. A redução dos direitos sociais e trabalhistas, o
desemprego, desmonte da previdência pública, além do sucateamento dos serviços
estatais da saúde e educação são alguns dos alvos e efeitos. Portanto, está em
percurso um projeto de amplificar esses interesses sobre diversas áreas,
aumentando, sobretudo, a desigualdade social. (BRAVO, 2006)

Sobre a saúde, Bravo (2006) ressalta o descumprimento do que se é


proposto ao SUS, seja pelos elementos constitucionais, quanto pelas legais. A
autora também cita a omissão do Estado na regulamentação e fiscalização das
ações de saúde, e destaca em seguida:

Algumas questões comprometeram a possibilidade de avanço do SUS


como política social, cabendo destacar: o desrespeito ao princípio da
eqüidade na alocação dos recursos públicos pela não unificação dos
orçamentos federal, estaduais e municipais; afastamento do princípio da
integralidade ou seja, indissolubilidade entre prevenção e atenção curativa
havendo prioridade para a assistência médico – hospitalar em detrimento
das ações de promoção e proteção da saúde. A proposta de Reforma do
Estado para o setor saúde ou contra-reforma propunha separar o SUS em
dois: o hospitalar e o básico. (BRAVO, 2006, p. 14)

Esses fatores favorecem uma outra perspectiva de saúde, da qual apresenta


um impacto social que não atende as demandas da população. O SUS, desde a sua
criação e concretização via Constituição de 1988, carece do seu financiamento
adequado, considerando o estado precário em que se encontra. Ainda que neste
trabalho este debate não esteja presente mais profundamente (no tocante às suas
políticas de financiamento), esse tema é de extrema importância.

Embora este seja o real estado do nosso Sistema, o desenvolvimento de


novas estratégias e programas se mantiveram, resistindo aos ataques cada vez
maiores ao setor público de saúde. É importante reconhecer a abrangência do SUS
e defendê-lo principalmente, expondo todo o projeto de sucateamento por trás dessa
precariedade citada, com o objetivo de fortalecer a iniciativa privada.
2..3 ANÁLISE DOS PP DOS CURSOS DE EF DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Nessa parte do trabalho buscamos identificar as concepções de saúde a


partir dos PP dos cursos de EF das Universidades Públicas do RJ, eles seguem uma
ordem alfabética: UERJ, UFF, UFRJ e UFRRJ. Seguindo essa lógica, dois cursos
apresentam as duas habilitações, bacharelado e licenciatura, como os casos da
UERJ e UFRJ. Estes estarão apresentados na ordem alfabética.

2.3.1 Dos PP dos cursos EF da UERJ


2.3.1.1 Do curso de Bacharelado

O curso de EF da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), criado a


partir do Instituto de Educação Física e Desportos (IEFD) foi criado em 1970 “com a
finalidade de implantar a chamada ‘ginástica obrigatória’ para o ensino superior”. O
curso é dividido em duas formações, a licenciatura, criada em 1974, e o bacharelado,
criado em 2008 (UERJ-a, 2014, p.20).
O Projeto Pedagógico (PP) do curso de EF, no que concerne a habilitação
do bacharelado, da UERJ apresenta a sua organização didático-pedagógica, o perfil
acadêmico-profissional do graduado, a sua estrutura e matriz curricular e outros
componentes. Nesse sentido, buscamos analisar alguns pontos importantes que
pudessem nos demonstrar com qual concepção filosófica de saúde, entendendo que
esta engloba uma concepção de homem e mundo, e suas correlações com corpo e
movimento, e a cultura corporal, ou seja, o próprio conceito de Educação Física.
Essa concepção começa a ser expressa no terceiro “capítulo”, Organização
Didático – Pedagógica, logo em seu início, é possível compreender que o termo
“qualidade de vida” fundamenta a proposta de formação desse curso. O Projeto
afirma que o termo se refere ao “[...] bem-estar físico, mental, psicológico e
emocional […] também a saúde, educação, trabalho, poder de compra, habitação,
saneamento básico e outras circunstâncias da vida. É a busca por condições dignas
de vida.” (UERJ-a, 2014, p.18).
Conforme já abordamos anteriormente, o conceito de “qualidade de vida”
ganhou uma certa ênfase desde o século passado, de forma equivocada, no sentido
de caracterizar a saúde enquanto responsabilidade dos indivíduos, retirando o papel
estatal no setor. Apesar de se considerar os DSS, o que em nossa leitura sinaliza
para um avanço comparado à perspectiva biologicista, apontamos que o referido
Projeto se exime de radicalidade, ao não evidenciar o contexto desses
determinantes. Ressaltamos o importante papel das relações estruturais da
sociedade dividida em classes, e que Laurell nos chama atenção:

Este modo de entender a relação entre o processo social e o processo


saúde-doença aponta, por um lado, o fato de que o social tem uma
hierarquia distinta do biológico na determinação do processo saúde-doença
e, por outro lado, opõe-se à concepção de que o social unicamente
desencadeia processos biológicos imutáveis e a-históricos e permite
explicar o caráter social do próprio processo biológico. Esta conceituação
nos faz compreender como cada formação social cria determinado padrão
de desgaste e reprodução e sugere um modo concreto de desenvolver a
investigação a este respeito. (LAURELL, 1982, p. 15)

Assim, analisar a saúde, educação, saneamento básico, ou seja, os DSS,


sem uma avaliação prévia do sistema de produção da própria vida, consideramos
um equívoco. Isso, pois, é a partir das relações capitalistas, baseada nas
desigualdades e nas condições de vida para sobrepujar uma classe dominante,
detentora de bens, serviços e poderes, em detrimento da força de trabalho de outra
classe, a trabalhadora. Ou seja, os aspectos sociais, a partir dessa lógica, é vista
como negócio, possibilidade de obtenção de capital e lucro, e não como
fundamentais para o desenvolvimento da vida humana.
Sobre isso, Albuquerque e Silva (2014) nos atentam para o perigo de
correlacionar esses determinantes a fatores econômicos, sociais, comportamentais,
psicológicos, sem se aprofundar nas formações existentes na sociedade. Ao
corrermos esse risco e não radicarmos os determinantes em sua origem de conflito
entre as classes, outro risco pode ser desprendido; a culpabilização individual. Assim,

A determinação social da saúde está muito além de determinantes isolados


e fragmentados que, sob uma perspectiva reducionista, são associados com
fatores clássicos de riscos e estilos de vida individuais. Não devemos
permitir que o conceito de determinantes sociais seja banalizado, ou
reduzido, simplificando-o ao tabagismo, ao sedentarismo, ou a uma
inadequada alimentação. O que precisamos reconhecer é que por trás
dessas práticas, existe uma construção social baseada na lógica de uma
cultura hegemônica […] (CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE,
2011 apud ALBUQUERQUE; SILVA, 2014, p. 958)5

As concepções filosóficas utilizadas pelo PP buscaram atender às


exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN de 2004, onde buscou-se
evidenciar alguns trechos importantes para a sua incorporação. Assim, destacam o
art.3º dessa resolução que trata da EF como “[…] uma área de conhecimento e de
intervenção acadêmico-profissional […]” capaz de atuar “[…] nas perspectivas da
prevenção de problemas de agravo da saúde, promoção, proteção e reabilitação da
saúde […]”, através do seu objeto de estudo e aplicação: o movimento humano,
considerando as diversas “[…] formas e modalidades do exercício físico […]” (UERJ-
a, 2014, p. 22).
Apesar de o modelo de saúde preventiva ser uma das nossas possibilidades
enquanto campo de atuação, a correlação com possíveis “agravos” expõe uma
condição de causa e efeito entre a prática de atividade física e a saúde. Sendo
assim, acaba por remeter um pensamento higienista e hegemônico da EF na
explicação das relações saúde e doença, que foi disseminado pela sociedade
brasileira como forma de controlar processos epidêmicos, e sendo também uma
forma de estabelecer um certo padrão de vida em nome de uma elite, contribuindo
com o processo de higienização social, em prol do desenvolvimento industrial
nacional

A Educação Física, construída de maneira autônoma em relação a


sociedade que objetiva o corpo dos indivíduos em configurações precisas e
determinadas historicamente, coloca-se como uma pratica "neutra", capaz
de alterar a saúde, os hábitos e a própria vida dos indivíduos. E é assim que
ela começa a ser veiculada como uma necessidade, passando a integrar o
conjunto de normas que tratam dos "cuidados com o corpo", cuidados esses
que, no discurso, passam a ser um problema do Estado.

Vale ressaltar que, em plena Revolução Industrial, o trabalhador se


transforma em simples acessório das máquinas e necessita, cada vez mais,
atenção e saúde para suportar as intermináveis horas sem descanso e em
posições absolutamente nocivas ao seu corpo. Dai, a importância atribuída

5 CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE. O debate e a ação sobre os determinantes sociais da


saúde: posição dos movimentos sociais. 2011, p. 1.
ao exercício físico, este novo "remédio" para os males "necessários" da
nova ordem. (SOARES, 1994, p. 51)

No PP também podemos encontrar uma certa preocupação com a formação,


mais especificamente na saúde. Em seus princípios norteadores a fundamentação
teórica aparece como imprescindível para a “aplicação social” (UERJ-a, 2014, p. 25)
na área. Sendo o SUS o local central descrito no documento como âmbito dessa
atuação, foi possível perceber algumas contradições no que diz respeito ao perfil
estético corporal hegemônico e ao seu entendimento aos diversos aspectos do
corpo, seus movimentos e expressões (cultural, histórico, biológico, social).
Um conceito utilizado pelo documento exalta à possíveis questões advindas
do conceito de “belo” e “beleza” e a influência que estes possuem no cenário atual
da EF. No entanto, assume uma leitura que compactua com um projeto hegemônico
de sociedade ao entrar em conformidade com as características exigidas pelo
mercado capitalista, propondo à nossa área como uma possibilidade de sanar essas
exigências. O trecho traz:

Esse tema do belo ou da beleza com suas respectivas problemáticas e


questões terá relevância na formação de um bacharel em Educação Física
por que uma “fatia” significativa do mercado de trabalho é representada pela
prática das atividades físicas em academias de ginástica e que a clientela
das mesmas se dirige a tais espaços movidos, essencialmente, para
suprirem carências de natureza estética (UERJ-a, 2014, p. 26)

Chamamos atenção que essa concepção de corpo privilegia aspectos


biológicos e anatomofuncionais do corpo, através das academias de ginástica. No
entanto, essa não é a concepção defendida pelo SUS, que propõe uma visão
corporal mais ampla, que inclui esses fatores, mas em uma visão integral,
associando a eles, outros elementos: histórico, social, cultural, político. O que se
expressa acima correlaciona uma ideia escultural do corpo, beleza e saúde.
Esse entendimento, que também fez parte de um modelo higienista e
militarista no Brasil, exalta aspectos estéticos e biológicos como sinônimo da saúde.
Assim, compactua novamente com um modelo que não atende à grande parte da
população, e expõe uma ideia de causalidade entre os determinantes – nesse caso,
a atividade física e a imagem corporal – e a saúde, sem uma leitura crítica da
realidade. Além disso, põe as academias de ginástica como espaço adequado pra
que esses padrões inalcançáveis, de corpo e de vida, estejam cada vez mais
presentes para a EF. Como já nos forneceu subsídios para esse entendimento,
Ghiraldelli Junior nos ajuda a encaminhar essa discussão ao afirmar:

(…) o fenômeno da proliferação das academias de ginástica, ainda se nutre,


mesmo que minimamente, nessa crença, mais forte nas classes médias, de
que existe uma real possibilidade de aquisição de saúde e beleza através
da Educação Física. O cuidado com o corpo surge, então, desprendido das
possibilidades (ou impossibilidades?) que cada indivíduo, inserido nesse
sistema social, possui para adquirir e preservar a saúde e manter o padrão
estético-corporal imposto pela mídia (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 24).

Ainda nas concepções filosóficas, o PP assume uma visão sobre o objeto de


estudo na intenção de dar sentido ao tipo de conhecimento que determinada área
assume. No caso da EF, o Projeto denomina como “movimento humano”,
entendendo o “humano” como a perspectiva “formal” (que dá o sentido lógico para a
organização desse conhecimento), e o “movimento” como a dimensão “prática/
material” (que é um meio para se alcançar esse objetivo ou fim referido). Explica-se
que o “movimento” representa as modalidades do exercício físico e atividades físicas
e motoras.
Quanto ao termo “humano”, necessita de maior aprofundamento sobre a sua
interpretação, visto a sua vasta amplitude conceitual, onde relata-se que há “[…]
uma preocupação para com o termo em tela a ponto de alguns Programas de
Educação Física terem retirado ou suprimirem o termo humano da nomenclatura que
os identifica academicamente”. Sendo assim, busca-se uma leitura a partir da
Antropologia Filosófica para esclarecer questões relativas ao que vem a ser o
“humano”.
A partir daí, o PP expõe uma visão do que vem a ser o termo “cultura” e a
sua assimilação ao “movimento humano”. Apesar de não negar que exista uma
relação entre os dois, o projeto afirma que, para a formação de um profissional de
EF, essa conotação enriquecida (cultural)
[…] significa, a nosso ver, ampliar a “pobre” ou a pouco abrangente
concepção de cultura em que a mesma fica restrita exclusivamente à
dimensão sócio-histórica ou fenomenológica do movimento humano,
deixando de lado ou excluindo o também importante aspecto bio-físico ou
fenomênico do mesmo.(UERJ-a, 2014, p. 30)

A expressão “movimento humano”, ao se desassociar do seu valor cultural,


demonstra um certo alienamento, a partir de uma padronização acrítica, centrado na
técnica do “fazer” e não no contexto do “porque fazer”. Isso, pois, a cultura é o que
representa os valores morais, os costumes e as tradições de uma determinada
população. Portanto, o “movimento humano” sem essas condições se esvazia de
significado, se torna acrítico, desconsidera todo o passado e a sua construção sócio-
histórica, retirando do homem toda a intencionalidade sobre tal ato (OLIVEIRA,
1983).
A cultura é produto histórico da humanidade, que vai desde o jeito de andar,
de se alimentar, de sobreviver, até os simbolismos religiosos, a moda de vestimentas
e tecnologias usufruídas por nós. Portanto, ela é uma forma de representar a
realidade vivida pelo homem dentro de um contexto, considerando seus valores
(concretos e abstratos) de vida. (BOSI, 1992)
Se imaginarmos o ato de correr, por exemplo, ele possuía um outro padrão
simbólico, voltado para as necessidades de sobrevivência do homem; hoje ela
possui outros sentidos, desde prática de atividade física, do lazer, até as
modalidades esportivas que consolidaram a corrida como elemento importante para
o seu desenvolvimento. Essa análise é necessária, do ponto de vista da produção
humana, visto que este não é um evento do qual os indivíduos sempre foram
dotados, desde a sua origem existencial. Assim, é possível entender que nós (e
nossos antepassados) não nascemos com a habilidade de correr, e sim, que ela é
passada enquanto conhecimento cultural.
Dessa forma, a análise do aspecto “bio-físico” por si só não explica a
realidade e tampouco o valor da produção do “movimento humano”. Se observarmos
a partir dos determinismos, como a cultura, esta também é determinada pelo modo
de produção, através de uma relação dialética com o homem, que através do
trabalho produz a cultura humana e assim construindo o próprio homem. A própria
leitura orgânica do movimento ganha mais significado se considerarmos os
elementos sócio-históricos culturais como origem de cada conhecimento. Assim,
Na perspectiva da reflexão sobre a cultura corporal, a dinâmica curricular,
no âmbito da Educação Física, tem características bem diferenciadas das
da tendência anterior. Busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o
acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido
no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos,
danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo,
mímica e outros, que podem ser identificados como formas de
representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente
criadas e culturalmente desenvolvidas (COLETIVO DE AUTORES, 1992,
p.38).

Portanto, diferente do que o PP aponta, não há a intenção de excluir o lado


“bio-físico” do movimento. O que o conceito de cultura corporal propõe é uma
análise ampliada e contextualizada daquilo que o homem produziu, a partir do seu
próprio interesse. Busca-se ainda, assistir cada movimento pela sua totalidade, na
sua inter-relação entre homem e natureza. Sendo assim,

É fundamental para essa perspectiva da prática pedagógica da Educação


Física o desenvolvimento da noção de historicidade da cultura corporal. É
preciso que o aluno entenda que o homem não nasceu pulando, saltando,
arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas atividades corporais
foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a
determinados estímulos, desafios ou necessidades humanas (COLETIVO
DE AUTORES, 1992, p. 39).

Assim, consideramos que o PP aqui analisado reproduz uma visão


biologicista do conceito de EF e do “movimento humano”, visto que se preocupa com
fatores intrínsecos, biológicos e funcionais do corpo. Como visto, esta é uma
abordagem muito utilizada para justificar historicamente as lógicas militaristas e
higienistas, e que reforçam interesses da classe hegemônica. Essa é uma forma de
manter certa dominação da elite social, através da disciplinarização e domesticação
dos corpos e dos movimentos desprovidos de sentido crítico. (GHIRALDELLI
JUNIOR, 1994).
Com relação aos objetivos propostos pelo PP, novamente apresenta uma
postura conciliadora frente aos interesses e as estruturas da sociedade capitalista.
Assim, afirma que busca preparar o graduado “para enfrentar os desafios das
rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de
exercício profissional” (UERJ-a, 2014, p. 21). Ou seja, este futuro profissional deve
estar apto a essas transformações, maleável, que se adapte ao que está posto a ele
de forma resiliente.
Sob um pensamento positivista, de “desenvolvimento” contínuo das
ferramentas capitalistas, e meritocrático, quanto as condições de trabalho, a sua
importância profissional e social, e a sua capacidade de adaptação ao mercado,
termina por colaborar com a manutenção de estruturas hegemônicas. Corroborando
com essa ideia, o documento afirma que tem como objetivo formar um profissional
com as seguintes características:

O perfil profissional a ser almejado e construído em nosso curso inclui as


dimensões éticas e humanísticas, e técnicas e profissionais, visando à
obtenção das competências e habilidades do bacharel em Educações Física,
discutidas e apresentadas nas Diretrizes Curriculares para os cursos de
Educação física, e a seguir apresentadas, de modo a atender as
demandas da sociedade e do mercado de trabalho. Assim sendo, busca-
se formar um profissional crítico, autônomo, ético, social e criativo
(UERJ-a, 2014, p. 30, grifo nosso).

Se buscarmos analisar o termo “mercado de trabalho”, observaremos uma


relação entre quem oferece a força de trabalho e quem procura por determinado
serviço. Assim, a mão de obra se torna a mercadoria do trabalhador, que passa a ser
explorada pelo “comprador”, o patrão. Daí é possível entender como se desenha a
sociedade divididas em classes, seus conflitos, e a má distribuição tanto de renda,
quanto de poderes entre si.
A partir da relação de poderes entre com compra (patrão) e quem vende
(trabalhador) a força de trabalho, estabelece-se as classes dominante e a dominada.
Nesse formato se projeta o sistema capitalista, através da propriedade privada e do
lucro sobre o capital, e regida pela desigual oferta (menor) e demanda (maior) por
trabalho. Esse cenário é um dos fatores que favorece a hegemonia da classe
dominante no mercado, pois dessa forma é possível controlar o valor a ser pago
pela mão de obra do trabalhador.
Portanto, há ideias contraditórias entre profissionais para “atender o
mercado de trabalho” e as características almejadas por uma formação de caráter
humano. Nessa lógica, ora trabalhador da área deverá se identificar dentro da classe
trabalhadora, as suas nuances e conflitos, ora compactuar com as estruturas que
historicamente expõe a vida do proletário a uma situação exploratória. Uma
formação nesse sentido, segundo Taffarel, “[…] implicam também a consciência de
classe, a formação política e a organização revolucionária.” (TAFFAREL, 2006, p.
169)
Assim, a consciência de classe (trabalhadora ou hegemônica) o despertará
para as suas próprias demandas e interesses; a formação política vai orientá-lo para
composição de um projeto de sociedade, que vai de acordo com os interesses
também de classe; e a organização revolucionária é o que vai situá-lo a partir de um
outro modelo social, construído por e para os trabalhadores, baseado nos interesses
de desenvolvimento das possibilidades da vida humana.

No sentido de organizar o currículo que orienta os graduandos, o PP


apresenta o formato em que o mesmo se compõe. Assim, precedendo o hall de
disciplinas, articulando as unidades no seguinte modelo: Formação Propedêutica,
Formação Específica e o Núcleo Temático de Aprofundamento. Essa divisão
perpassa ao longo da graduação, não acontecendo de forma de sequencial, embora
elas sejam explicadas da seguinte forma:

A Formação Propedêutica é formadora da base fundamental para a


assimilação dos conteúdos pertinentes à Formação Específica. Ela
contempla as dimensões do conhecimento (subáreas) relação ser humano-
sociedade, biológica do homem e a produção de conhecimento científico e
tecnológico.
A Formação Específica compreende os conhecimentos Identificadores da
Educação Física contemplando as dimensões (subáreas) culturais do
movimento humano, técnico instrumental e didático-pedagógica.
O Núcleo Temático de Aprofundamento compreende conhecimentos
específicos, de um ou mais núcleos de conhecimento, que tratam de
particularidades de âmbitos de intervenção acadêmico-profissional do
bacharel. (UERJ-a, 2014, p. 34).

Ao adentrarmos à grade curricular apresentada pelo curso, a fim de buscar a


partir desta, disciplinas que possam dialogar de alguma forma com a temática
“saúde”. Após elencada(s), analisarei a(s) devida(s) ementa(s), correlacionando-a(s)
com o conceito à que essa se aproxima desde eixo central “saúde”, que se propõem
através Formações Propedêutica e Específica. São elas: Políticas Públicas de
Saúde em Educação Física; Nutrição Aplicada à Atividade Física; e Educação Física
e Gerontologia.
Sobre a primeira busca, encontramos uma única disciplina, que evidencia a
“saúde” em seu título, como território de debate “Políticas Públicas de Saúde em
Educação Física”. Ela une dois elementos importantíssimos dos quais este trabalho
busca discutir. Sendo assim, esta apresenta a seguinte ementa: “Conceito de política
pública de saúde; a Promoção da Saúde como ideário balizador de políticas de
saúde; programas de promoção da atividade física na perspectiva da Promoção da
Saúde, estratégias e bases teóricas” (UERJ - a, 2020, p. 1).
Ainda que se preocupe em discutir sobre os temas “promoção da saúde” e
“políticas públicas de saúde”, a disciplina não apresenta o conceito de saúde
estruturado. Como já debatido anteriormente, o discurso da promoção, enquanto
atividade preventiva, pode evidenciar alguns aspectos determinantes, de forma
totalmente descontextualizada. Sendo assim, perde-se uma leitura prévia da
determinação social, da sua posição social no sistema produção, levando a
equívocos, como por exemplo, a culpabilização do indivíduo por hábitos e costumes.
Enquanto objetivo, a disciplina se busca

Compreender e discutir o significado de política pública de saúde;


compreender e discutir a Promoção da Saúde como ideário balizador de
políticas de saúde; analisar criticamente ações desenvolvidas no campo da
Educação Física sob a égide da Promoção da Saúde (UERJ - a, 2020, p. 1)

Apesar de concordarmos com a necessidade de se “compreender e discutir”


os conceitos de “política pública” e “promoção”, há um elemento central que balizam
ambos termos nesse caso. Se a “saúde” é ponto comum entre eles, a sua
concepção vai influenciar diretamente. Partindo do princípio que ela possui uma
relação de causa e efeito com a doença, e assim, elemento individual, numa visão
micro do contexto, vamos caminhar em busca de ações e serviços mais específicos.
Outras duas disciplinas apresentam o termo “saúde” em suas ementas e
objetivos. São elas: “Nutrição Aplicada a Atividade Física” e “Educação Física e
Gerontologia”. A primeira trata da “importância dos nutrientes para a manutenção da
saúde” e sua relação com o “bem-estar da população”. A segunda busca discutir
elementos da “promoção da saúde” com foco na “autonomia do idoso” e na prática
de “atividades físicas” (UERJ-b, 2020).
Embora a disciplina “Nutrição Aplicada a Atividade Física” proponha
elementos importantes para a formação, ela não caracteriza a saúde como eixo
transversal tão claramente, não expondo também sob qual conceito de saúde ela se
apresenta. No entanto, ela parece se preocupar muito mais com conteúdos
específicos da Nutrição do que uma abordagem interdisciplinar. Basta analisar os
seus objetivos:

- Fornecer informações para a compreensão de conhecimentos básicos de


nutrição aplicados à atividade física;
- Analisar as funções dos vários nutrientes;
- Distinguir as interações entre componentes da dieta alimentar;
- Conhecer as funções e importância dietética das fibras alimentares;
- Conceituar e criar análise crítica sobre suplementação alimentar;
- Identifica a importância dos nutrientes para a manutenção da saúde, bem
como a sua relação como bem-estar da população;
- Identificar os nutrientes antioxidantes e suas funções em momentos de
estresse gerado pela atividade física. (UERJ-b, 2020, p. 1)

Sendo assim, foi optado direcionar essa disciplina no sentido de minimizar


um debate acerca da promoção da saúde, a partir da sua concepção mais ampla,
considerando a determinação social e os determinantes da saúde, sobre o acesso
restrito a uma boa alimentação, sobre produtos industrializados e processados, aos
quais, grande parte da população, pertencentes à classe trabalhadora, usufruem por
diversas questões: renda, grande carga horária e jornada dupla de trabalho,
composição familiar, falta de conhecimento acerca dos benefícios de certos
alimentos, e muitos outros.
Percebe-se então que há um direcionamento muito maior para questões
técnicas da Nutrição. Isso resulta em um esvaziamento dos debates que surgem
acerca dessas duas áreas, e uma despreocupação com um contexto ampliado dos
determinantes (nesse caso, da alimentação) como fator social que influência a
promoção da saúde enquanto política pública. Assim, é possível entender que existe
um conceito de saúde biologizante, teoricamente tecnicista, não compondo uma
abordagem coletiva em seus objetivos.
Já a disciplina “Educação Física e Gerontologia” une a atividade física a uma
população que necessita de atenção através de políticas públicas específicas. Assim,
como ementa ela apresenta aspectos importantes enquanto conteúdo, como
conhecer a Política Nacional, o Estatuto e o Conselho Nacional do Idoso; o ideário
da promoção da saúde, da atividade física e da autonomia desse público-alvo; além
do “gerenciamento de programas de atividades físicas para idosos”.
Talvez, esta seja a disciplina que mais se aproxime de uma concepção
ampliada de saúde, visto a sua preocupação com fatores histórico-sociais que
influenciam a população idosa. Isso porque ela propõe uma análise de alguns
documentos que garantem a esses indivíduos os seus devidos direitos. Somente
após esse momento, introduz-se elementos próprios da EF, numa perspectiva
preventiva, como a prática e prescrição de atividades físicas, sob uma leitura ampla
e contextualizada adequadamente. Assim, apresentam seus objetivos:

Apresentar e discutir a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso.


Tecer relações entre os referidos textos e a prática de exercícios por
indivíduos idosos. Discutir elementos da promoção da saúde, remetendo-se
à questão da autonomia dos idosos. Apresentar programas de atividades
físicas para idosos no Brasil e discutir aspectos de seu gerenciamento.
Discutir aspectos básicos da prescrição de atividades físicas para idosos
(UERJ-c, 2020, p.1).

A partir deles é possível perceber a articulação entre os fatores sociais, com


a conquista de direitos dos idosos, as questões relacionadas a saúde pública e a EF.
Essas questões fazem parte de todo um processo histórico, e não busca avaliar ou
se basear em elementos unicamente funcionais, ou que evidencie o risco de
doenças desse grupo. Logo, os entendimentos acerca desse assunto proporcionam
uma dimensão maior das interseções desses conhecimentos.
Seguindo a leitura e a análise de todo o PP, incluindo os princípios
norteadores, concepções filosóficas e objetivos, concluímos que nem todas suas
visões se materializam na grade curricular. Sob um outro olhar, o conjunto de
disciplinas reflete uma outra lógica, que diferente do que se propõe, há uma
perceptível distância de uma formação humanista. Essa, enquanto conceito, explicita
uma ideia fundamentar o desenvolvimento humano, voltada para ampliação das
suas possibilidades, e que se configura de forma antagônica ao que prevê o
mercado capitalista, como é defendido pelo próprio Projeto.

2.3.1.2 DO CURSO DE LICENCIATURA

O Projeto Político (PP) do curso de licenciatura em EF da UERJ, apesar de


na regulamentação estabelecida pelas Diretrizes de 2004 indicar como local de
atuação a educação básica, e o graduado o ambiente não escolar, pudemos
constatar que a concepção filosófica sobre saúde está muito próxima. Assim, expõe
o seu objeto de estudo do “movimento humano”; a valorização da estética do corpo
no mercado de trabalho; o foco na “prevenção de agravos da saúde”; e o de uma
fundamentação teórica da saúde a partir dos princípios do SUS são alguns. Portanto,
há um alinhamento entre os dois cursos quanto às concepções de EF, corpo, saúde
e, de certa parte, de mundo também.
Como particular da licenciatura, o PP do curso busca a formação de
professores para atuarem na educação básica. Reúne então, uma série de
princípios norteadores expressões em documentos legais como “Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB 9394/96), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de
Licenciatura de graduação plena (Resolução CNE/CP nº 1/2002), as Diretrizes
Curriculares Nacionais para cursos de Educação Física em nível de graduação
plena (Resolução CNE/CES nº 7/2004” (UERJ-b, 2014, p. 9).
De acordo com o PP, balizado pelo Parecer 0058/2004 e Resolução nº 7 de
2004, o graduado em EF deverá:

[…] estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela
intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes
manifestações e expressões do movimento humano, visando à formação, a
ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as
possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável,
atuando na escola nos campos da prevenção e da promoção da saúde, da
formação cultural, da educação e reeducação motora, do lazer e da gestão
de projetos educacionais relacionados às atividades físicas, recreativas e
esportivas. Em síntese, atua no sentido de proporcionar o desenvolvimento
integral (físico, ético-moral, cognitivo, motor, social e mental) dos indivíduos,
o domínio de conhecimentos e habilidades relevantes para a adoção de um
estilo de vida ativo (manutenção da saúde/prevenção primária), a recreação
e o lazer, entre outros. (UERJ-b, 2014, p. 20)
Sendo assim, o PP concorda que torna papel do professor de EF contribuir
para o pleno desenvolvimento humano, considerando sua função social no
entendimento do movimento e expressões dos indivíduos. Todavia, sobre o perfil
profissional do graduado, os objetivos da licenciatura pouco contextualizam o
ambiente escolar como seu campo de trabalho específico. Se observarmos alguns
trechos, veremos a parte pedagógica da EF escolar aparece em segundo plano,
como

Intervir acadêmica e profissionalmente de forma deliberada, adequada e


eticamente balizada no campo da educação básica visando à promoção e
proteção da saúde; formação cultural; educação motora; o rendimento
físico-esportivo, ou seja, do treinamento escolar desde que proposto no
projeto pedagógico da escola de educação básica; o lazer; a organização
de projetos pedagógicos relacionados às atividades físicas, recreativas e
esportivas. (UERJ-b, 2014, p. 32, grifo nosso)

Visar a “promoção” nesse caso, considerando a “proteção da saúde”, parece


direcionar essas intervenções de forma individual, já que reduz o entendimento da
relação EF-saúde a essas práticas. A configuração da “promoção da saúde” se
aproxima de uma abordagem que enfoca nos inúmeros determinantes (da DSS) de
forma desassociada da realidade social em que eles estão inseridos. Ainda que a
ementa não exponha uma concepção, atentamos para um certo cuidado quanto o
conceito de saúde, e sobre o risco se visar a promoção da saúde sem pressupor
uma leitura contextualizada da sociedade. Nesse tocante, Souza nos chama a
atenção da seguinte forma:

[…] Daí a importância de se reportar a uma teoria social que apreenda a


realidade como ela é, como totalidade que se move dialeticamente, não
fragmentada, na qual os diversos complexos se determinam reciprocamente,
sendo o complexo do trabalho o que exerce a determinação predominante.
Portanto, uma teoria que alcance o caráter processual da realidade,
considerando-a síntese de contradições, o que implica aceitar que os
opostos (como saúde e doença) não se excluem, uma vez que um só existe
em relação ao outro. Por isso, saúde e doença são dois momentos de um
mesmo processo. (SOUZA, 2016, p. 343)
Há uma interpretação equivocada ao que se tem enquanto educação para
saúde. Partindo do conceito da Determinação Social, ambos setores aparecem
associados, visando políticas públicas concretas sobre as condições de vida das
pessoas. Além disso, seus determinantes, possuem entendimentos em comum,
como a compreensão da sociedade de classes, os seus conflitos, e os interesses
antagônicos entre elas. Portanto, se a saúde é posta como instrumento fundamental
para favorecer um projeto capitalista, a educação sofre as mesmas consequências.
Historicamente ambos são utilizados, segundo Soares, da seguinte forma:

Ao tratarmos (…) de instituições sociais que contribuíram para a


disciplinarização da classe trabalhadora, não podemos deixar de fazer
referencia a Instituição Escolar, a qual complementa de modo orgânico o
processo de construção do homem novo idealizado pelo Estado burgues. As
politicas de educação escolar, juntamente com as politicas de saúde em
suas expressões higienista e sanitarista, completam o cerco ao trabalhador.
(SOARES, 1994, p. 34)

Essa leitura, ao ser desassociada desses fatores, contribui por esse projeto
de sociedade que privilegia classes mais ricas, em detrimento das mais pobres. E
assim, o debate sobre a promoção da saúde, mesmo que dentro da escola, deve
buscar essas perspectivas também, e não só as comportamentais. Isso também se
encontra no debate sobre “formação cultural” e “lazer”, que aparecem
descontextualizadas, sem um aprofundamento maior, deixando aquém das
interpretações sobre os temas.
Em seguida, o PP novamente deixa em aberto essas interpretações. Não há
uma busca real sobre um entendimento contextual da sociedade capitalista. Assim,
afirma que é necessário

Diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades dos


educandos (crianças, jovens, adultos, pessoas portadoras de deficiência) de
modo a planejar, ensinar, orientar, controlar e avaliar os programas de
Educação Física nos sistemas de ensino brasileiro nas perspectivas da
prevenção, promoção e proteção da saúde, da formação cultural, da
educação motora, do rendimento físico-esportivo, da recreação e do lazer.
(UERJ-b, 2014, p. 32)
Nesse sentido, o diagnóstico sobre os anseios dos estudantes fica restrito
aos “programas de EF”, direcionando esse professor a recair sobre estratégias
limitadas sobre a saúde, cultura, “educação motora”, dos esportes e do lazer. O
esvaziamento desse debate, também tem a intenção de conciliar com projeto
hegemônico, dando continuidade no processo, e não o expondo e confrontando-o.
Assim, após o diagnóstico desses interesses (dos estudantes), não busca discutir as
suas origens no modelo social, mas planejar e ensinar a partir do que está posto, e
daí chegar aos determinados conhecimentos. Finalizando essa lógica, o futuro
docente deve estar preparado para

Pesquisar, conhecer, compreender, analisar, avaliar a realidade social para


nela intervir acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e
expressões do movimento humano, tematizadas, com foco nas diferentes
formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte,
da luta/arte marcial, da dança, visando à formação, a ampliação e
enriquecimento cultural da sociedade para aumentar as possibilidades de
adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável. (UERJ-b,
2014, p. 32, grifo nosso)

Ao centralizar o estilo de vida fisicamente ativo e saudável, o PP expõe uma


aproximação com a perspectiva higienista e individualizada. É importante ressaltar
que esse estilo de vida não representa as reais demandas de saúde, e estão
voltadas para a afirmação dos interesses hegemônicos como padrão para a classe
trabalhadora. Como Soares assinala:

Ao tratarmos (…) de instituições sociais que contribuíram para a


disciplinarização da classe trabalhadora, não podemos deixar de fazer
referencia a Instituição Escolar, a qual complementa de modo orgânico o
processo de construção do homem novo idealizado pelo Estado burgues. As
politicas de educação escolar, juntamente com as politicas de saúde em
suas expressões higienista e sanitarista, completam o cerco ao trabalhador.
(SOARES, 1994, p. 34)

Considerando essas ideias, compreendemos que ela se afasta de uma


perspectiva de totalidade, como incorporada pela abordagem da Determinação
Social do processo saúde-doença, tendo em vista o “estilo de vida” que não possui
uma contextualização frente a organização da sociedade. Logo, tomando a escola
como espaço de atuação desse licenciado, une novamente a EF a um modelo
higienista, tendo a educação como articulador das intervenções.
A organização do currículo, como apresentado no PP da licenciatura, se
aproximam ainda da mesma linha de pensamento do Projeto do bacharelado. A
formação é dividida também pelas duas áreas temáticas Propedêutica e Específica,
e que se propõe uma base para entendimento um entendimento mais aprofundado,
respectivamente. Ao buscarmos pela Matriz Curricular o termo “saúde” não
encontramos uma disciplina que contemplasse o tema, embora esta tenha sido
citada no perfil acadêmico-profissional do graduado sob a possibilidade de
intervenção no campo da educação básica em prol da promoção e proteção da
saúde, já citada acima.
Todavia, o PP apresenta dentro das disciplinas eletivas oferecidas pela
Faculdade de Educação da UERJ, do Departamento de Estudos da Educação
Inclusiva e Continuada, duas disciplinas que carregam o termo “saúde” em seu título.
São elas: “Educação e Saúde” e “Saúde Vocal do Professor”. Analisaremos as suas
respectivas ementas e objetivos a fim de entender seu entendimento sobre o
assunto, bem como suas devidas concepções de saúde.
A disciplina “Educação e Saúde” apresenta na sua ementa, então:

Diferentes abordagens da educação e saúde. Educação e saúde direito a


ser conquistado pela população organizada. Participação da escola nesse
processo. Noções básicas dos direitos constitucionais no âmbito da
educação e saúde. Análise crítica das causas. (UERJ-d, 2020, p. 1).

A partir da ementa, é possível entender que há uma certa intenção de


investigar as abordagens da saúde e educação. Ressaltar ambos enquanto direito
constitucional é um grande passo em busca de se ampliar a visão sobre ambos os
campos. Apesar de a disciplina não defender um conceito de saúde claramente,
propõe ao menos identificar diferentes ideias das mesmas. Quanto aos seus
objetivos:
- Investigar as políticas públicas referentes a Educação e a Saúde no Brasil
e no Rio de Janeiro.
- Analisar as variáveis envolvidas na promoção da Saúde da criança e do
adolescente.
- Discutir o processo de crescimento e desenvolvimento do escolar e o
fracasso deste.
- Avaliar as relações existentes entre educação e ambiente de vida.
- Propor a viabilização de escolas promotoras da saúde. (UERJ-d, 2020, p.1)

Observando seus objetivos é possível perceber que o foco da saúde recai


sobre a lógica da promoção da saúde. Ainda que ela seja importante para se pensar
e elaborar políticas públicas nos níveis de Governo, e que a sua associação à
educação é indispensável, a disciplina não busca desenvolver um pensamento que
confronte o projeto da sociedade capitalista sob qual ambos setores estão postos.
Ela já traça um caminho a partir do que está posto, ou seja, a partir da lógica
hegemônica.
Nesse mesmo sentido, a análise das variáveis de determinados grupos, do
processo de crescimento e desenvolvimento e o fracasso escolar, e as relações
entre a educação e ambiente de vida já pressupõe a sociedade capitalista como sua
base, mas sem citá-la. Novamente, todos os objetivos são importantes, a partir das
suas análises e discussões, no entanto, centralizada nos DSS sem preceder o
conceito de determinação social do processo saúde-doença, e que acaba por não
considerar as relações e processos sociais sobre os quais essas políticas públicas
deveriam atuar.
Já a disciplina “Saúde Vocal do Professor” possui um direcionamento
específico ao tema saúde. Ainda assim, vamos analisá-la de acordo com o que é
proposto pelo presente trabalho, com o objetivo de esmiuçar uma ideia acerca da
saúde. Sendo assim, a ementa propõe

Visão dos conceitos básicos para compreensão e melhor utilização do


aparato vocal (anatomofisiologia da fonação); técnicas de relaxamento,
respiração e coordenação fonorespiratória; ressonância; articulação; gesto
como complemento da palavra. Promoção da saúde vocal (UERJ-e, 2020,
p.1).
Ao analisar a ementa, é possível identificar uma certa banalização do termo
“promoção da saúde vocal”, que se apresenta um tanto confuso se evidenciarmos o
conceito de promoção da saúde, além de não considerar diversas questões relativas
às condições de precarização do trabalho. E a nomenclatura, que não é adequada,
já propõe uma certa relação de causa e efeito entre saúde-doença, tendo em vista a
problemática da disciplina que é a utilização da voz do professor. Devemos, então,
verificar se os seus objetivos vão nessa mesma direção ou não.

Mostrar a importância da voz como instrumento de trabalho do professor;


Apresentar técnicas que permitem uma melhor utilização da voz com uma
maior economia, fazendo um trabalho preventivo de lesões vocais (UERJ-e,
2020, p. 1).

Se olharmos os objetivos, podemos entender que eles de fato consideram


uma relação de causa e efeito entre saúde e a doença. E ainda, carregam “técnicas”
que previnam possíveis agravos, mas sem contextualizar o cenário que está posto
por trás de tais “lesões”. Por mais específica que seja, essa disciplina poderia
debater outros aspectos tão importantes que corroborasse com uma abordagem de
saúde ampliada, como por exemplo, as altas cargas horárias das quais os
professores necessitam enfrentar, número de estudantes por turma, locais de aula
inapropriados, e que são fruto de uma sociedade que não valoriza a função social da
profissão.
Seguindo pelas análises, encontramos uma disciplina obrigatória que já foi
discutida e analisada no PP do bacharelado: “Nutrição Aplicada à Educação Física”.
Ao fazer a busca pela ementa e objetivo, ambos permanecem os mesmos. Sendo
assim, pouparemos a duplicação da análise, mas acrescentando que ela deveria ser
aproveitada de uma outra forma, ainda que na matriz curricular da licenciatura da EF,
trazendo debates acerca da alimentação escolar dos estudantes, e que em muitos
casos a merenda se torna a principal refeição, por exemplo.
Terminamos a análise do PP do curso de licenciatura em EF da UERJ
evidenciando que o mesmo não apresenta em seu hall de disciplinas obrigatórias
uma disciplina que promova um debate sobre o conceito de saúde. Assim,
descumpre o que o próprio projeto planeja enquanto perfil acadêmico-profissional do
graduado ao indicar que o futuro professor consiga trabalhar com conceitos relativos
à saúde, considerando a promoção e a prevenção. A única forma do estudante ter
acesso é através de uma disciplina eletiva, ocultando a importância desse tema para
a sua formação.
Chamamos a atenção para a ausência de disciplinas que tratem da saúde a
partir do SUS, e o seu diálogo com a escola. O Sistema possui programas que
tratam da educação, no seu aspecto intersetorial, dando um outro entendimento às
diversas questões do próprio ambiente escolar. Portanto, ao ocultar o SUS e
apresentando o tema “saúde” de forma transversal, ela acaba por se submeter ao
conjunto de concepções do currículo do que do debate específico dos seus
conceitos.
Nesse sentido, o curso não oferece ferramentas suficientes (dentro da grade
curricular) para um trabalho específico de educação em saúde dentro das escolas.
Isso é muito importante, tendo em vista as comunidades, já que a escola se
apresenta como espaço interessante para se discutir elementos da promoção da
saúde, visando ações intersetoriais entre saúde/educação. No entanto, a ausência
de uma formação conceitual acerca da saúde pode evidenciar um discurso do senso
comum, de culpabilização do indivíduo, ou sequer ser proposto de forma pedagógica
dentro da sala de aula.

2.3.2 DO PP DO CURSO DE LICENCIATURA EM EF DA UFF

A coordenação de EF da Universidade Federal Fluminense (UFF), única


instituição de Ensino Superior pública da cidade de Niterói/RJ, foi inicialmente
pensada, antes da criação do curso de licenciatura, com a finalidade de atender as
exigências do Ministério da Educação. Assim, buscava-se oferecer, a todos
estudantes matriculados na universidade, práticas esportivas obrigatórias, prevendo
futuras atividades de ensino, pesquisa e extensão. Após diversas experiências com
o público adultos ao longo dos anos, passou-se a discutir diversos conceitos acerca
da área, em busca de uma abordagem mais ampliada e inclusiva.
Implementada a Coordenação de Educação Física, em 1975, o
Departamento de EF e Desportos foi criado apenas em 1984 apesar da participação
recorrente em diversos Grupos de Estudos e Pesquisa, bem como projetos de
Extensão até mesmo fora dos muros da UFF. Em 1991 cria-se então o curso de Pós-
graduação latu sensu na área da EF Escolar, com objetivo de atender às demandas
dos professores e professoras do Estado que buscavam a formação continuada.
Após diversas experiências, foi implantado o curso de Licenciatura em EF em 2007.
Segundo o seu PP, o curso se dispõe a discutir criticamente diversos
conceitos atrelados a EF, como as atividades esportivas, a ginástica, a musculação e
outras. Assim, explora uma leitura a partir do corpo sobre diversas esferas que o
correlaciona com o mundo e a sociedade, possibilitando assim, reconhecê-lo, criticá-
lo, e assim, transformá-lo. Afastando-se de uma concepção restritamente biológica,
parte de uma visão da cultura corporal, entendendo-a como uma possibilidade de
participação e inclusão, menos alienante e consumista, ou seja, em busca de uma
abordagem holística.
O PP apresenta seus princípios norteadores considerando às diferenciadas
demandas da sociedade contemporânea, a partir da variedade de atividades
relacionadas a EF, seus níveis e modalidades de ensino. Assim, o Projeto elenca os
seus princípios gerais da seguinte forma:

• Princípio da formação para a vida humana, forma de manifestação da


educação omnilateral (totalidade) de mulheres e homens;
• Princípio da docência como base da formação profissional;
• A incorporação da pesquisa como princípio de formação;
• Sólida formação teórica relacionada à cultura em todas as atividades
curriculares e ampla formação cultural. (UFF-a, 2018, p. 2)

Analisando-os, é possível enxergar uma certa preocupação no que diz


respeito à ideia de homem, partindo do pressuposto da formação para a vida
humana, considerando os aspectos que o circulam. Sendo assim, promove a cultura
como elemento principal para formação do indivíduo, sendo essa dotada de sentido
no seu contexto sócio-histórico. Portanto, a concepção omnilateral compreende a
tudo aquilo envolve o “ser”, os múltiplos fatores que o determinam e o configura
enquanto “sujeito”. Sob esse entendimento, apresenta-se seus princípios específicos:
• A Educação Física como espaço de relações humanas e sociais com
crença na inclusão de todos os alunos, independente da sua competência
técnica, desempenho ou condição no mundo (raça, gênero, classe, etc.);
• Compreensão da Educação Física como viabilizadora de práticas
corporais que ampliem a concepção de saúde com foco no prazer e na
melhoria da qualidade de vida; (UFF-a, 2018, p. 3)

Corroborando uma visão do homem e sua relação dialética com a sociedade


e o mundo, entende o espaço da EF como uma possibilidade de se compreender as
relações humanas e sociais em sua totalidade, para além das questões técnicas e
físicas apenas, com foco na inclusão independente das suas condições. Assim,
propõe as práticas corporais como possibilidade de melhoria da qualidade de vida,
buscando um conceito mais ampliado da saúde. Nesse sentido, considera a
expressão “qualidade de vida” sob a perspectiva do prazer e não somente da
atividade física.
Se por um lado a “qualidade de vida” acompanha a ideia da desigualdade
social, por outro a melhoria desta necessita de aprofundamento. Ao apresentar
“práticas corporais” o PP expõe uma ideia de valorização cultural, já que ela engloba
as atividades físicas para além das suas tradicionais modalidades, como as
esportivas. Sendo assim, as práticas corporais trazem um caráter lúdico e reconhece
o fator social como importante ferramenta dessas práticas, exaltando todo o contexto
corporal dentro das suas dimensões internas e externas.
O Projeto também aborda alguns Princípios advindos das DCN para a
Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica:

• Integração e interdisciplinaridade curricular.


• Fomento à pesquisa e a extensão como princípios pedagógicos que
ampliam a construção do conhecimento
• Viabilização do acesso às fontes e aos processos que estimulem pesquisa
sobre a educação básica;
• Criação de condições que contribuam para o exercício do pensamento
crítico, a resolução de problemas, o trabalho coletivo e interdisciplinar, a
criatividade, a inovação, a liderança e a autonomia;
• Atualização dos processos de formação docente em consonância com as
mudanças educacionais e sociais, acompanhando as transformações
gnosiológicas e epistemológicas do conhecimento;
• Estímulo ao uso competente das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) para o aprimoramento da prática pedagógica e a
ampliação da formação cultural dos(das) professores(as) e estudantes;
• Defesa da consolidação da educação inclusiva através do respeito às
diferenças, reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial, de
gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre outras. (UFF-a, 2018, p.
3)

Através desses Princípios, o curso se coloca a favor da inclusão social


dentro da EF. Essa é uma forma de buscar um outro modelo de sociedade,
discutindo suas problemáticas, e valorizando as diversidades e individualidades dos
sujeitos.
Nesse sentido, o PP oferece uma proposta comprometida com mudanças e
transformações, a partir de algumas disciplinas, como as Dimensões Ético-Política,
Político-Pedagógica e Estético-Cultural. Elas são balizadas pela articulação entre os
Princípios das DCN e os elaborados pelo próprio curso. A Dimensão Ético-Política
prevê que:

[…] os estudantes deverão refletir, analisar e discutir as diversas formas de


compreensão da realidade, como possibilidade efetiva de construção de
uma sociedade mais justa, igualitária e includente. Nessa perspectiva, a
atuação do professor não pode estar voltada apenas para a dinâmica
interna de sua disciplina, mas, articulada com as demais disciplinas num
processo de interação, diretamente comprometida com os desafios do seu
próprio tempo. O curso deve ser compreendido como lócus privilegiado
para se repensar as mais variadas práticas educativas da sociedade
contemporânea. (UFF-a, 2018, p. 4, grifo nosso)

O PP considera, então, que há a necessidade de se construir um outro


modelo de sociedade, mais justa, igualitária e includente. Esse ponto demonstra que
há intenção política de se superar o projeto que está posto para nós, de uma
sociedade produtora e reprodutora de desigualdades.
Já a Dimensão Político-Pedagógica propõe que

[…] o estudante deve assumir uma postura crítica e reflexiva, na busca


constante do processo de democratização das relações e dos espaços
sociais, através da especificidade de seu trabalho docente, ou seja,
preocupado com os processos contextualizados de construção e
reconstrução de saberes.(UFF-a, 2018, p. 4, grifo nosso)
A partir daí, o PP mantém uma postura firme à construção de um novo
modelo de sociedade, sob os valores da igualdade, justiça social e inclusão. Sendo
assim, a democratização das relações e espaços sociais, tais como a própria
Universidade, traduz a operacionalização desses valores, e que devem ser a base
do futuro docente. Portanto, torna-se importante entender como se dão essas
relações sociais e o acesso, muita das vezes restrito a determinado grupo ou classe.
Quanto a Dimensão Estético-Cultural:

[…] o estudante deve assumir a prática pedagógica como um processo


desprovido de preconceitos, predisposto à construção de uma
interpretação aberta às diferenças e diversidades e de incontestável
respeito nas relações humanas. (UFF-a, 2018, p. 4, grifo nosso)

Sobre essa Dimensão, o Projeto assegura uma visão sobre as relações


humanas, entendendo que os demais espaços sociais, bem como os indivíduos,
possuem características próprias e diversas. Nesse sentido, as práticas pedagógicas
devem incluir o combate aos diversos tipos de preconceitos, considerando as
diferenças como algo próprio de cada ser. Essas interpretações buscam uma leitura
mais humanista, cultural e social, preservando as características multifatoriais das
pessoas, grupos e classes.
Seguindo o desenvolvimento do PP, é apresentado o objetivo geral do curso,
oferecendo uma formação generalista, humanista e crítica. Quanto aos objetivos
específicos é proposto:

• Articular, na estruturação curricular, saberes específicos da área às novas


demandas de formação do Licenciado em Educação Física, a partir das
Diretrizes Curriculares para a formação de professores da Educação Básica.
• Construir um corpo de conhecimentos em Educação Física que
permita atuar em todos os níveis de ensino, que contribuam tanto para a
formação pedagógica, quanto para o conhecimento de teorias gerais e
específicas abrangentes nessa área;
• Estabelecer a compreensão e reflexão da Educação Física na
conjuntura de cada momento histórico, no contexto econômico,
político, social e educacional da sociedade brasileira, tendo em vista
uma formação do profissional crítico e criativo que contribua para o
processo de construção de conhecimentos para melhoria dos sistemas de
ensino;
• Compreender Educação Física como fenômeno social e cultural em
seu dinamismo e diversidade, comprometida com a inclusão de todas as
pessoas.
• Possibilitar ao licenciando em Educação Física experiências docentes, de
extensão e pesquisa ligadas ao ensino, em especial o ensino público,
formando professores cuja ação pedagógica tenha como lócus a articulação
entre as teorias, conhecimentos e saberes determinados e originados na
prática e elaborados na pesquisa educacional;
• Adquirir conhecimentos do universo da cultura de movimento
utilizando diferentes linguagens e tecnologias na promoção da
aprendizagem, contextualizando o conhecimento e mantendo o processo
dialético da ação-reflexão-ação, num processo relacional entre ciência,
tecnologia e sociedade. (UFF-a, 2018, p. 5-6, grifo nosso)

Ao considerar a construção de conhecimentos em EF, de acordo com teorias


gerais e específicas, mantém a estrutura de se entender os múltiplos aspectos
humanos, incluindo a compreensão e reflexão acerca da história nos diversos
contextos apontados. E ainda, trata a área como fenômeno social e cultural, seus
fatores dinâmicos e diversos visando a inclusão de todas as pessoas.
Além disso, valoriza os conhecimentos relativos à “cultura do movimento”,
dando um sentido não só das áreas biológicas, mas das sociais, humanas e
culturais. Esse entendimento parte de um princípio sócio-histórico e que nos permite
compreender de forma mais ampla e contextualizada os fenômenos que envolvem a
EF e a sociedade como um todo. Assim, preserva-se todo o processo de construção
dos conhecimentos, oportunizando diversas análises, críticas e reflexões de forma
dialética (ação-reflexão-ação), levando em conta a ciência e a tecnologia como
artifícios indispensáveis para o desenvolvimento humano.
O PP tem como Perfil do Profissional a formação de professores habilitados
para atuar no magistério da EF, com ênfase na Educação Básica, tendo à docência
como base da sua identidade. Assim, assegura-se uma formação generalista,
humanista e crítica. Reitera-se ainda, a intencionalidade do curso perante o seu
papel social, e que não se limita apenas à formação ou a área da EF.
Quanto à Organização Curricular, o curso de Licenciatura em EF da UFF é
oferecido em horário integral, tendo sua carga horária dividida da seguinte forma:
disciplinas obrigatórias, optativas e das atividades complementares. A partir deles, o
Projeto apresenta os diferentes Eixos: Específico, que inclui a Cultura do Movimento
Humano, Técnico-Instrumental e Metodologia Específica da EF; Pedagógico,
composto pelas disciplinas Organização da Educação no Brasil, Didática, Psicologia
da Educação e Libras; Ampliado, sobre a Relação Ser Humano e Sociedade,
Biologia do Corpo Humano e Produção do Conhecimento Científico e Tecnológico; e
Complementar, que é representado através da Prática como Componente Curricular,
Estágio Supervisionado e Atividades Acadêmicas Complementares.
Trazendo o nosso objeto de análise, ou seja, a concepção de saúde
presente no PP, observa-se que ele aparece no Eixo Ampliado, incluso no conteúdo
de estudos “Biologia do Corpo” da seguinte forma:

- Conhecer o funcionamento do corpo humano em suas manifestações


biológicas como parte do conhecimento do profissional de Educação Física
para poder realizar sua intervenção na busca de uma melhoria da
qualidade de vida dos praticantes através de uma adequada promoção da
saúde. (UFF-a, 2018, p. 16, grifo nosso)

Apesar de todas as indicações sobre a sua visão de homem, mundo e


sociedade, a saúde permanece muito associada ao aspecto biológico do corpo. Ora
se remete um discurso sobre as práticas corporais e seu valor cultural, ora se
promove, através do “funcionamento do corpo humano em suas manifestações
biológicas”, uma melhoria na qualidade de vida. Há nesse trecho, uma vinculação,
visando essa melhoria através da promoção da saúde, de uma EF preocupada com
a saúde, porém limitada aos fatores orgânicos e funcionais.
Portanto, ao invés do termo saúde pertencer aos conteúdos da “Relação Ser
Humano e Sociedade”, trazendo os conceitos de Determinação Social e
Determinantes da saúde, o PP aborda esse tema segundo um modelo biologicista,
curativo e voltado para os conhecimentos anatomofisiológicos e funcionais. Ou,
ainda que ela aparecesse em mais de um Eixo, como o da Cultura do Movimento
Humano, em que se pudesse aprofundar os elementos corporais e culturais como
parte do trabalho da EF na área da saúde, aproveitando o diálogo das “práticas
corporais” existente entre elas.
Dando sequência à proposta de análise do currículo, buscaremos através da
estrutura curricular as disciplinas que possuam conteúdos relativos à saúde. Foram
encontradas as seguintes disciplinas: “Atividade Física e Promoção da Saúde” e
“Prescrição de Exercícios para a Promoção da Saúde” foram as únicas que
carregam em seu título o termo “saúde”. Quanto às ementas, a primeira apresenta:
INTRODUÇÃO AOS CONCEITOS DE SAÚDE E PROMOÇÃO PARA
SAÚDE. ESTUDO DA EPIDEMIOLOGIA DA ATIVIDADE FÍSICA
REUNINDO: SEU HISTÓRICO EM RELAÇÃO À PREVENÇÃO DE
DOENÇAS; SUAS RELAÇÕES COM O TRABALHO E TEMPO LIVRE;
CONHECIMENTO DOS ESTUDOS MAIS IMPORTANTES, AS CAUSAS DA
EVOLUÇÃO DO COMPORTAMENTO SEDENTÁRIO. ORIENTAÇÃO DA
ATIVIDADE FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE DE ACORDO COM: TIPO,
INTENSIDADE, FREQUÊNCIA E DURAÇÃO. ENSINO APLICADO DOS
ELEMENTOS DA APTIDÃO FÍSICA: FORÇA, FLEXIBILIDADE,
CAPACIDADE AERÓBIA. ORIENTAÇÃO À BUSCA BIBLIOGRÁFICA. (UFF-
a, 2020, p.1)

Apesar de iniciar a ementa objetivando discutir os conceitos de saúde, ao


correlacionar a “epidemiologia”, “atividade física” e “prevenção de doenças” exalta
uma abordagem que coloca a doença como ponto central dos problemas de saúde.
Finalizando essa ideia, o trabalho da EF se resume à prescrição de atividades
físicas, levando em conta o “tipo, intensidade, frequência e duração” e os elementos
da aptidão física “força, flexibilidade e capacidade aeróbia”.
A partir da ementa, fica claro a compreensão de saúde segundo
características curativistas, prescritivas (como solução de possíveis agravos),
exaltando os aspectos biológicos do corpo. Ao citar a promoção da saúde, retira todo
o seu caráter enquanto políticas públicas voltadas para diminuição de desigualdades.
Assim, se a EF colabora com a promoção da saúde através das atividades físicas
(segundo as aptidões elencadas), e sendo essas diretamente relacionadas à
prevenção de doenças, adota-se uma visão individualizada, biomédica focada no
tratamento dessas doenças, retirando o caráter social do processo saúde-doença.
Sobre a segunda disciplina, “Prescrição de Exercícios para a Promoção da
Saúde”, a sua ementa traz como conteúdo:

ESTUDO DE ASPECTOS FISIOLÓGICOS, CINEANTROPOMÉTRICOS E


BIOMECÂNICOS RELEVANTES PARA A PRESCRIÇÃO E AVALIAÇÃO
FÍSICO COM OBJETIVO DE PROMOVER SAÚDE E CONDIÇÃO FÍSICA.
(UFF-b, 2020, p. 1)

Ambas as disciplinas contemplam basicamente os mesmos objetivos ao se


observar a atividade física. Sob os olhares prescritivos, os aspectos
anatomofisiológicos e funcionais são colocados como foco das intervenções da EF.
Por fim, a avaliação física deverá determinar o “nível” de saúde, através da
“condição física” e tornando essa a possível contribuição da nossa área para a
promoção da saúde.
Utilizando dos conceitos mais restritos da saúde, que hegemonizavam as
explicações sobre a EF no início do século XX, com caráter higienista e militarista,
exalta-se a performance e imagem corporal como sinônimo de saúde. Além disso,
não pressupõe uma leitura ampliada sobre essa área, buscando uma concepção
ampliada e multifatorial. Portanto, nega-se as dimensões social, econômica, política
e cultural como parte do processo do qual a saúde está posta. Exclui-se as
condições impostas de existência material com a finalidade de se “ter saúde”.
Com relação as disciplinas optativas, duas propõe uma discussão ampliada:
“Trabalho Multiprofissional em Saúde”, “Políticas de Saúde no Brasil” e “Tópicos
Especiais em Educação, Saúde e Sociedade”. Sobre a primeira, sua ementa
apresenta:

NECESSIDADES SOCIAIS EM SAÚDE. TRABALHO EM SAÚDE. OBJETO


DE ESTUDO E OBJETO DE TRABALHO EM SAÚDE. OBJETO DE
ESTUDO E OBJETO DE TRABALHOS DAS DIFERENTES PROFISSÕES
DE SAÚDE. TRABALHO MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE. (UFF-c, 2020,
p. 1)

Ao abordar o aspecto social, a disciplina já demonstra um olhar bem


diferenciado das obrigatórias (já discutidas) ao que concerne à saúde. Sendo assim,
parte de um princípio de que esta sofre influências diretas da sociedade, e que por
isso, o seu entendimento deve partir dela. Essa disciplina traz consigo uma visão
muito próxima do que prevê o conceito de Determinação Social, que considera um
entendimento ampliado, sobre as condições de vida e modo de produção em que os
indivíduos se inserem. Portanto, além das “necessidades”, busca uma discussão
acerca do “trabalho em saúde” e de seu “objeto de trabalho e estudo” geral e
específico das diversas áreas que a incorporam.
Como finaliza, a disciplina pretende proporcionar aos estudantes um
entendimento sobre o “trabalho multiprofissional em saúde”, que visa atingir o
princípio da integralidade do trabalho em saúde, como previsto pelo SUS. Assim, os
diversos cursos que participam dessa disciplina têm a oportunidade de discutir o
trabalho integrado em saúde. Portanto, prevê um diálogo entre as áreas,
centralizando as intervenções no indivíduo como um todo, sendo uma complementar
à outra.
Sob esse olhar, a disciplina propõe uma vivência diferenciada sobre o tema
“trabalho em saúde”, o que contribui para o melhor entendimento dos diversos
campos de conhecimento. Balizada pelas necessidades sociais, a saúde recebe um
olhar ampliado, dando a possibilidade de reflexão frente as intervenções específicas
de cada área. Logo, esse conceito aparece com certa dinâmica, como se apresenta
na realidade, partindo das perspectivas gerais das condições de vida, até as
próprias de cada disciplina.
Quando a disciplina “Políticas de Saúde no Brasil”, apresenta os seguintes
conteúdos:

HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL; ANTECEDENTES


DA REFORMA SANITÁRIA; O PROCESSO DA REFORMA SANITÁRIA E O
DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO CONSTITUCIONAL; A
IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE; DILEMAS E
PERSPECTIVAS DO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE NO BRASIL. (UFF-b,
2018, p. 1)

Com a intenção de abordar questões sócio-históricas das políticas públicas


aqui no Brasil, essa disciplina possui grande importância no que tange à saúde.
Como já discutido em outrora, o conceito de saúde, refletido nas ações e serviços
em saúde, demonstra que esta desencadeia diversos e diferentes interesses do
Estado. Então, se o Estado utiliza uma lógica de produtividade, baseada nos
preceitos capitalistas, diversos setores serão moldados para atender suas
demandas. Por outro lado, se há a intenção de favorecer o desenvolvimento humano
e social, suas conformações podem ser até antagônicos no que se refere a
intervenção pública nos setores que determinam a saúde.
Assim é a história da saúde no Brasil, e que deve ser compreendida sob
olhar crítico, a fim de compreender o que de fato significou (e significa) o SUS para a
população brasileira. E ainda, é necessário discutir os diversos aspectos que
rodeiam o sistema, e que estão inseridos no contexto de crise econômica que
interfere em todas as determinantes, como a estrutura precarizada, por exemplo, na
oferta de serviços. Assim, os dilemas e perspectivas recebem um olhar politizado,
conforme as intenções governamentais, sob quais estão postas.
Importante destacar também a luta pelo direito à saúde, previsto na
Constituição brasileira, e a importância para a nossa história. Garanti-la como direito
significa dar suporte para todas as populações, de extrema importância para o
desenvolvimento da humanidade, incluindo os mais pobres. Através de diversos
programas específicos, o SUS possibilita que diversos grupos garantam
minimamente suas condições de sobrevivência, visando a redução de
desigualdades sociais. Claramente, seu trabalho não dá conta de forma isolada,
restando ao Estado propor estratégias intersetoriais, visando superar os aspectos
capitalistas postas sobre a sociedade.
Por último, a disciplina Tópicos Especiais em Educação, Saúde e Sociedade
apresenta a seguinte ementa: “Estudo aprofundado de tópicos e específicos de
importância e interesse em Educação e Saúde.” (UFF-d, 2020, p. 1). Portanto, não é
possível analisar quaisquer conceitos abordados, apesar da possibilidade de trazer
diversas discussões importantes por ela, tendo em vista as três (03) áreas que
possuem relações diretas e indiretas entre si.

2.3.3 DOS PP DOS CURSOS DE EF DA UFRJ


2.3.3.1 DO CURSO DE BACHARELADO

A Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD) foi criada em


1939, com o objetivo de balizar a formação em nível nacional atrelada à ainda
Universidade do Brasil, foi a primeira instituição de ensino superior em EF ligada a
uma Universidade. Instalada na Ilha do Fundão a partir da década de 60, a ENEFD
passou a se chamar Escola de Educação Física e Desportos (EEFD), sendo assim
até hoje. A EEFD configura como uma das mais importantes e antigas escolas de
formação na área da EF do Brasil.
A licenciatura, sempre fez parte da EEFD, enquanto o bacharelado foi criado
em 1994, no sentido de oferecer aos trabalhadores a oportunidade de acesso ao
ensino superior no turno noturno. O objetivo era, como destacado no PP, de fato
cumprir com a função de atender a sociedade brasileira. O curso nessa segunda
habilitação, tem como finalidade formar Graduados em EF para atuar nos diversos
campos de trabalho voltadas para a cultura corporal (UFRJ, 2006).
Um fato curioso chama a atenção, que é sobre os documentos que serviram
como base o PP. São resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE),
instituídas pelas DCN para a formação de Professores de Educação Básica em nível
superior, CNE/CP n.º 1 de 18/02/2002, e as que estabelecem as DCN do curso de
Graduação em EF, CNE/CES n.º 7/2004. Portanto, vale ressaltar que se trata de um
Projeto vigente desde 2006, quando foi implementado.
Sobre as concepções de currículo adotadas para a elaboração do PP,
afirma-se:

A exemplo de outras áreas profissionais, também na Educação Física,


surgiram inúmeras mudanças. É preciso criar nos novos profissionais a
consciência e a motivação para a sua formação contínua, acompanhando as
evoluções do seu tempo. Hoje, não há mais espaço no mercado de trabalho
para profissionais que concluam seus cursos de graduação e cessem a sua
formação. É necessária uma busca permanente pelo aprimoramento e pelos
estudos mais avançados do seu campo de atuação. Mesmo com os seus
limites a presente proposta curricular pretende colaborar nesse sentido,
visando a formação de um novo profissional. (UFRJ, 2020, p. 1)

O trecho elabora uma visão sobre formação continuada que concordamos


em parte. Busca por novos conhecimentos, sobre a atualização do debate de
determinados conteúdos, bem como apoiar a manutenção dessa formação é algo
interessante, pois fomenta a produção científica e novas descobertas na área.
No entanto, com todas as problemáticas acerca do que vem a ser o
“mercado de trabalho”, termina por distorcer essa lógica de uma formação que
apenas atenda o mercado, sem pautar a formação humana. Isso, pois, a expressão
remete uma lógica capitalista que, contraditoriamente, necessita da exploração do
trabalhador, reafirmando a concorrência profissional, retirando a produção científica
sem o seu foco central.
Entendemos esse “novo profissional”, como já observado em outro PP, como
aquele que resiliente, que necessita obter mais conhecimento para “ganhar” as
disputas no mercado, ainda que sob exploração. Uma formação assim teria
características conteudistas e acrítica, retirando a importância social da EF e do
professor. Assim, o debate e a discussão sobre determinados temas entrariam em
segundo plano, sendo mais importante obter o conteúdo do que saber utilizá-lo
como ferramenta de trabalho, de debate, da construção de um novo projeto de
sociedade, objetivando algo maior do que apenas ganhar um espaço no mercado.
Tendo em vista a lógica da formação continuada, o PP relata uma
preocupação acerca da aproximação do tripé ensino-pesquisa-extensão como uma
lógica da Graduação. Assim, busca reunir pressupostos teóricos, metodológicos e de
organização curricular sob a proposta de educação como prática social
multidimensional. E ainda, propõe que o “[…] docente deve expressar, a capacidade
de interpretar e problematizar, com autonomia, a realidade educacional em
diferentes contextos políticos, sociais e econômicos. […]” (UFRJ, 2020, p. 1, grifo
nosso)
Apesar da proposta oferecida pelo PP, de buscar uma formação autônoma e
crítica, com a capacidade interpretar e problematizar diversos contextos, não
apresenta de fato uma posição sobre o modelo de sociedade da qual o curso
pretende construir. Isso se reflete no momento em que estas palavras aparecessem
sem uma leitura conjuntural e estrutural, sobre onde a Universidade atua e qual
projeto no âmbito social ela quer construir: o hegemônico, que já está posto; ou um
revolucionário.
Quanto aos objetivos gerais, um chama bastante atenção: “Preparar
profissionais no campo da Educação Física para uma atuação reflexiva, crítica,
transformadora e democrática em função dos direitos, necessidades e interesses da
maioria da população brasileira;” (UFRJ, 2020, p. 1). Nele, não é possível
compreender sobre o sentido da atuação “transformadora” dos profissionais. Isso,
porque não expõe “o que” se pretende transformar. Além disso, os “interesses da
maioria da população brasileira” aparece desassociado de qualquer grupo ou classe
social.
Dos objetivos específicos, o PP elenca

- Desenvolver as competências técnicas para o planejamento, execução e


avaliação das atividades docentes na área de educação física, dirigidas aos
diversos segmentos da sociedade nos âmbitos:
- dos esportes e da cultura da atividade física;
- da saúde preventiva;
- da promoção da boa qualidade de vida;
- do atendimento às demandas provenientes do envelhecimento da
população;
- do lazer;
- da pessoa portadora de necessidades especiais; e
- das minorias sociais. (UFRJ, 2020, p. 1)

Apesar não apresentar um conceito claro, o Projeto prevê que estudante


consiga atuar na área da saúde, na lógica preventiva, e também sobre a “promoção
da boa qualidade de vida”. Ainda sobre os objetivos, trata sobre “minorias sociais”,
porém, sem especificar se elas dizem respeito aos direitos e ao acesso à bens e
serviços públicos de qualidade, ou se remete a uma classe menor quantitativamente,
mas com grande poder sobre os meios de produção. Essas especificações, que não
aparentam ter tanta importância em um primeiro olhar, configuram ideias
antagônicas, e que promovem ampla interpretação em direções opostas. (UFRJ,
2020, p. 1)

Por outro lado, assumem uma certa preocupação com a atuação da EF na


saúde, mas sem trabalhar qualquer tipo de conceito acerca do tema. Embora não
expressem uma abordagem, o termo “qualidade de vida” remete a um movimento de
reafirmação dos interesses e padrões culturais elitistas. Como já citado no presente
trabalho, no Brasil a nomenclatura foi fortemente atrelada a EF, como forma de
disciplinar e domesticar a classe trabalhadora através dos costumes, e dos hábitos
em prol de um moralismo que servisse aos mais dirigentes políticos e econômicos
da época. (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994)

Ainda assim, o Projeto não pretende visualizar os aspectos extrínsecos aos


indivíduos, o que converge para uma manutenção de um projeto capitalista. Ou seja,
longe de um plano combativo e que de fato ofereça condições positivas para o
amplo desenvolvimento humano, ela se resume em estratégias que responsabilizem
os indivíduos pelo seu modo de vida, e que remete exatamente aos costumes e
hábitos da população.

Quanto o perfil do egresso, o PP elenca 3 competências a serem alcançadas


na formação: conceituais, procedimentais e atitudinais, voltadas para a interpretação
do trabalho pedagógico do profissional, sobre o papel do movimento no processo de
transformação individual e social, da utilização de ferramentas tecnológicas como
possibilidade nas suas práticas, e compreensão da realidade socio-cultural-
econômico-política do país.
Um outro parágrafo, ainda sobre o perfil do egresso, onde ele prevê que o
mesmo

demonstre capacidade de argumentação de modo que saiba justificar e


articular sua visão de mundo e sua prática profissional, bem como balizar
sua intervenção profissional à luz das teorias produzidas a partir dos
campos de conhecimento específicos e afins; (UFRJ, 2020, p. 1, grifo nosso)

O PP, sob essa lógica, demonstra uma postura “neutra” sobre a visão de
mundo e a prática profissional. Ao não elaborar previamente uma visão própria e
uma proposta revolucionária da sociedade, ela deixa aquém dessa interpretação.
Sendo assim, ela converge para um projeto hegemônico que já está posto, restando
ao profissional associar sua própria visão (já influenciada historicamente pelo
sistema capitalista) às suas práticas e intervenções. A Universidade torna-se então
uma instituição reprodutora da lógica hegemônica capitalista.

Tomando como esse princípio, o Projeto dá indícios sobre as bases que


essa formação é colocada. O conceito de saúde então, que não se desvencilha
dessa leitura, convergindo para as concepções que vão contra a que nós
defendemos neste trabalho: da Determinação Social do processo saúde-doença.
Prosseguindo com a análise, o tema saúde aparece dentro daquilo que se espera do
egresso após a sua formação.

demonstre capacidade para desenvolver, fundamentado nos pressupostos


científicos e éticos, intervenção profissional no atendimento às carências
típicas da pessoa portadora de necessidades especiais, às demandas
típicas do envelhecimento da população e dos integrantes dos grupos de
risco; (UFRJ, 2020, p. 1, grifo nosso)

Quando se evidencia uma “intervenção profissional no atendimento” de


“integrantes dos grupos de risco”, olhamos para a doença como foco principal da
prática do egresso. Ainda que essas populações necessitem de um olhar específico,
a saúde em uma concepção ampliada, que considera as condições de vida das
pessoas, as determinações sociais que as envolve, e que se inserem nos grupos de
risco as pessoas mais prejudicadas pelas desigualdades criadas pela sociedade
capitalista.

Portanto, a saúde recebe interpretações muito mais específicas, e que


desconsideram o todo sobre o qual ela está envolvida. A falta de uma análise maior
sobre o atual cenário social, econômico e político, bem como das suas relações para
com a saúde, minimiza as reais causas dos fatores de risco que atingem esses
grupos. Assim, por mais que ele desenvolva estratégias de intervenção, elas não
atingirão as origens desses problemas.

A Organização Curricular é dividida entre as disciplinas obrigatórias, e as


disciplinas de livre escolha (está tendo uma quantidade mínima a ser atingida). Além
delas, é preciso cumprir certos requisitos referentes a carga horária de Atividades
Complementares.

Sobre as disciplinas obrigatórias, elas são subdivididas pela formação


ampliada, específica e cultural do movimento humano. A formação ampliada engloba
as seguintes áreas temáticas: Relação Ser Humano-Sociedade; Produção do
Conhecimento Científico e Tecnológico; Biológica do Corpo Humano. A formação
específica inclui: Técnico-Instrumental; Didático-Pedagógico. E a formação cultural
remete às diversas formas e modalidades do exercício e atividade física, e dos
esportes.

Analisaremos agora, então, o conjunto de disciplinas através das suas


ementas, com o objetivo de expor se alguma(s) dela(s) trata da saúde como
componente curricular a partir das especificidades da EF. Pelo título, encontramos a
“Teoria Prática das Atividades Físicas para Grupos de Risco” como a única que
proponha uma intenção de cruzar as duas áreas de conhecimento. Quanto a sua
ementa, propõe:

Estudo crítico da atividade física como fator de prevenção nos indivíduos


com lesões progressivas de risco, com o objetivo de facilitar a interrupção e
ou revisão dos fatores causais nas diversas populações (UFRJ, 2020, p. 1)
A partir desta, podemos observar que há uma clara aproximação com uma
concepção de saúde curativa, que evidencia os “fatores causais” e as “lesões
progressivas de risco” sobre o indivíduo, sem uma visão maior acerca do processo
saúde-doença. Entende, também, a “atividade física” e a “prevenção” quase um
meio de cura (ao centralizar a doença) para esses grupos (citado no título). Assim,
sequer busca correlacionar suas condições de vida como forma de interpretar os
elementos extrínsecos que os afetam.

Essa ideia de uma relação de causa e efeito entre a saúde e a doença nos
leva a práticas que não dão conta por si só de solucionar esses “agravos”. Além
disso, a atividade física, que é importante para o tratamento de algumas doenças,
acaba por se resumir somente a isso. Assim, fica restrita à prescrição de exercícios,
atuando de forma isolada, desconsiderando todo o contexto sociopolítico-econômico
que também atinge essas populações.

Ao procurar alguma correlação entre a saúde e a EF pelo conteúdo das


ementas, não encontramos trechos que pudessem nos levar a uma síntese. No
entanto, o currículo se destaca pela quantidade de disciplinas voltadas para o
esporte e para a área biológica (fisiologia, biomecânica, anatomia, bioquímica e
cinesiologia). Concluímos então, essa forma de organização curricular é voltada
para uma formação esportivista e que prioriza o entendimento biológico do homem,
corroborando para uma visão fragmentada deste.

2.3.3.2 DO CURSO DE LICENCIATURA

O curso de licenciatura em EF da UFRJ possui um PP elaborado em 2006. A


estrutura do seu Projeto se assemelha bastante ao do Bacharelado, principalmente
no que tange as DCN e as Resoluções que regulamentam sua construção, das
quais se utilizaram as mesmas para sua elaboração. A intenção do presente curso é
a de formar professores de EF para atuarem nos diferentes níveis da educação
básica.
Em seu PP para a Licenciatura, a UFRJ assume a mesma postura que o
bacharelado quanto a questão da formação continuada, considerando também a sua
preocupação com a preparação para o “mercado de trabalho”, e que vai contra a
formação humana. Sob essa perspectiva, entendemos que o Projeto defende que o
professor das escolas necessite se continuar se formando, com o objetivo de
disputar este mercado, ofuscando o seu trabalho pedagógico e educacional. Assim,
a proposta do currículo não tem o intuito de promover um plano social revolucionário,
emancipatório e anticapitalista.
O PP da licenciatura apresenta objetivos gerais com as mesmas
problemáticas do bacharelado. Reafirma preparar professores que atuem sobre as
“necessidades e interesses da maioria da população brasileira” sem especificar
novamente quem se encaixa essa “maioria”. Ainda que se possa enxergar que a
maioria da população contempla a classe trabalhadora nessa proposta, a amplitude
dos termos nos leva às diversas interpretações.
Quanto ao perfil do egresso, mantém a mesma estrutura do Projeto do
Bacharelado. Como já apresentado, ele não possui um posicionamento que enfrente
o modelo da sociedade capitalista, se conformando com as atuais e históricas
problemáticas que dele emergem. Não evidenciar a visão de mundo sobre qual a
formação está posta, deixando suas interpretações em aberto, é uma forma de
aceitar o que está posto. A educação, tanto do nível superior, quanto básico, a partir
daí servirá como reprodutor do atual sistema de produção e provedor de
desigualdades.
A organização curricular do PP da licenciatura é também dividida nos
mesmos moldes do bacharelado. A divisão entre a formação ampliada, específica e
cultural do movimento humano é mantida, englobando as mesmas áreas temáticas.
A partir dela, buscamos alguma disciplina que pudesse propor uma discussão sobre
a saúde, todavia nenhuma foi encontrada, seja pelo título ou pela ementa. Porém,
encontramos disciplinas não obrigatórias e que dialogam de alguma forma com a
saúde.
Além da disciplina do bacharelado “atividade física para grupos de risco”,
encontramos a “educação física e saúde”. A primeira, já analisada, aponta para uma
abordagem da saúde e da atividade física voltada para os aspectos biológicos, e
uma relação de causa e efeito entre elas. Devemos trazer aqui então, da segunda,
sua respectiva ementa e objetivo, a fim de extrair a visão compreendida sobre a
relação das duas áreas. A sua ementa apresenta:
Evidências epidemiológicas da associação da atividade física regular
habitual com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT, foco
Obesidade, Doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes e síndrome
metabólica) e mortalidade por todas as causas; Medidas da atividade física
habitual e do comportamento sedentário; Recomendações para a
prática de atividades físicas e de estilo de vida relacionados à saúde;
Atividade física no contexto da Política Nacional de Promoção da Saúde;
Papel do educador físico na promoção de saúde no Sistema Único de
Saúde, Escolas e Empresas (incluindo programas de ginástica laboral);
Noções básicas de elaboração de Projetos relacionados à atividade física e
saúde. (UFRJ, 2020, p. 1, grifo nosso)

A associação entre atividade física e saúde se mantém consolidada na


relação causa-efeito. Entender as diversas doenças apresentadas é importante, no
entanto, todas elas estão ligadas as condições de vida da população e a história da
humanidade. Sendo assim, a compreensão de fatores que comprometem essas
condições, como trabalho, moradia, saneamento básico e a má distribuição de renda,
por exemplo, é necessário para visualizar esses problemas de um modo geral.
Portanto, essas doenças são oriundas de todo um processo, que perpassa por
diversos elementos que não somente a ausência de atividade física na vida das
pessoas.
E se a saúde apresenta diversos fatores, ela também está ligada às relações
sociais e do homem com o mundo. Nesse sentido, o “estilo de vida” se apresenta
como uma expressão contraditória, já que para se adotar determinado “estilo” é
preciso condições para isso. Porém, frente às diversas desigualdades existentes na
nossa sociedade, ela fica mais próxima da classe dominante, tendo em vista seu
poder aquisitivo, enquanto a classe trabalhadora, que possui maior incidência
dessas doenças, é a que mais se distancia desse tal “estilo de vida”.
Quanto ao papel do “educador físico” no SUS, seguindo uma proposta da
promoção da saúde, este é um assunto de extrema importância para a EF (UFRJ,
2020, p. 1). Ainda que se tenha diversas pesquisas que tratem desse tema, ainda há
muito o que estudar e produzir, com o objetivo de consolidar propostas efetivas para
além das atividades físicas tradicionais. Por isso, não devemos recair sobre a lógica
das academias e clubes que buscam vender uma ideia de promoção da saúde
segundo o mercado, e se eximindo de apreender a mesma no conjunto de
determinantes e da totalidade das relações sociais. Deve-se considerá-la enquanto
políticas públicas e contextualizadas segundo a comunidade e suas demandas.
Além da sua ementa, devemos analisar os seus objetivos para que
possamos concluir as reais intenções dessa disciplina. São eles:

Entender e compreender conceitos básicos de epidemiologia da atividade


física; • Conhecer alguns programas nacionais que envolvem a prática de
atividade física para promoção de saúde; • Conhecer noções básicas para
elaboração de projetos relacionados à atividade física e saúde; •
Desenvolver pensamento crítico e científico baseado na relação da área de
educação física e saúde. (UFRJ, 2020, p. 1)

A partir dos seus objetivos é possível perceber uma preocupação em


compreender a relação entre a EF e a saúde. Todavia, não há nenhum objetivo que
direcione essas áreas para uma leitura partindo das relações sociais e entre o
homem e mundo. Ainda que seja importante conhecer conceitos da epidemiologia, e
programas que envolvem a atividade física e promoção da saúde, elas precedem
uma visão de saúde ampliada ou não. Assim, ela fica restrita a tratar das duas áreas
sem considerar as discussões que as acompanham.
A conclusão que chegamos é a de que o PP de licenciatura da UFRJ não
busca discutir a saúde de forma mais ampla, reduzindo as expressões da EF nesse
campo com uma visão biologicista. Ao deixar de trazer o conceito da Determinação
Social do processo saúde-doença para o seu campo conceitual, não reconhece o
seu fenômeno social, limitando as intervenções do futuro professor ao aspecto
biológico.
2.3.1 DO PP DO CURSO DE LICENCIATURA EM EF DA UFRRJ

A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) criou, em março de


1976, o curso de Licenciatura Plena em EF, reconhecido somente em 1979. O
objetivo da criação do curso foi formar professores generalistas para atuarem nos
ambientes escolares e na área “técnica esportiva”. Tal objetivo perdurou até a
aprovação da Resolução 07/2004, quando as deliberações internas do corpo
docente se deram no sentido da oferta apenas da modalidade de licenciatura. Hoje,
os formados possuem habilitação necessária para o pleno exercício nas etapas da
educação básica, somente, ou seja, oferecem apenas a modalidade da Licenciatura.
(UFRRJ-a, 2020)
O Departamento de Educação Física e Desporto pertence ao Instituto de
Educação, que também é composto por outros três (3) Departamentos, quais sejam:
Departamento de Teoria e Prática de Ensino, o de Psicologia e também o de
Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade. O curso apresenta como
“missão” o fornecimento de bases sólidas para a formação dos professores na área,
contribuindo para a reflexão acerca das suas problemáticas e da atuação
profissional. Como objetivo geral, o PP se propõe a:

Formar professores de Educação Física dentro de uma visão holística para


atuarem, prioritariamente, na Educação Básica, contribuindo para o
desenvolvimento regional do Estado do Rio de Janeiro e para o pleno
exercício da cidadania. (UFFRJ-b, 2020, p. 1)

Sobre esse objetivo, é interessante incluir uma “visão holística”, que é


interpretação de diversos elementos de uma mesma totalidade, a partir da relação
integral e dialética do ser humano com o mundo, e não de forma fragmentada
(homem biológico, homem social, homem político). Essa visão de totalidade precisa
ser explícita, tendo em vista o conceito marxista, que elabora uma ideia sobre a
correlação entre as partes específicas. Como

A totalidade social na teoria marxista é um complexo geral estruturado e


historicamente determinado. Existe nas e através das mediações e
transições múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas – isto
é, as “totalidades parciais” – estão relacionadas entre si, numa série de
interrelações e determinações recíprocas que variam constantemente e se
modificam. A significação e os limites de uma dada ação, medida, realização,
lei, etc. não podem, portanto, ser avaliados, exceto em relação a apreensão
dialética da estrutura da totalidade. Isso, por sua vez, implica
necessariamente na compreensão dialética das mediações concretas
múltiplas (…) que constituem a estrutura de determinada totalidade social.
(BOTTOMORE, 2001, p.381)

Um curso de EF que prioriza essa missão, busca um entendimento ampliado


do que vem a ser o corpo, o movimento, os sujeitos, promovendo um olhar que
supera as perspectivas tradicionais da EF, em especial os relacionados a saúde. A
análise dos objetivos nos permite avançar na compreensão das concepções de
saúde, da formação em EF, do homem e mundo:

 Preparar docentes com sólida formação crítica, política e técnica para


participarem de equipes interdisciplinares de investigação e intervenção
científica e pedagógica;
 Propor uma prática de ensino voltada para a realidade educacional do país,
buscando ações de campo reais, em consonância com a futura ação
docente do licenciado.
 Preparar profissionais para a docência e para o trabalho com pessoas com
necessidades especiais, numa visão de inclusão escolar, social e de
Educação Física adaptada.
 Implementar ações significativas nas áreas de educação, saúde,
desporto, lazer e recreação, envolvendo pessoas, grupos diversos,
organizações e comunidades.
 Estimular na população, através da educação física, o desenvolvimento
de hábitos e atitudes com vistas à qualidade de vida e ao conceito
ampliado de saúde, segundo a visão da Organização Mundial da Saúde.
 Aprofundar as visões contemporâneas e críticas acerca do conceito de
corporeidade e sua importância para a Educação Física Escolar.
 Possibilitar uma formação ampliada para o exercício consciente da
cidadania, para os valores humanos e éticos, seja na formação geral e
específica.
 Propiciar o desenvolvimento de competências gerais como: criatividade,
comunicação, liderança, tomada de decisões, senso crítico, atenção à
saúde, administração e gerenciamento de processos educativos e de
capacitação continuada.
 Desenvolver metodologias de ensino voltadas para as necessidades da
terceira idade, através de projetos de extensão e ações sociais da
universidade.
 Propiciar o desenvolvimento de competências profissionais que
permitam a reflexão, o gerenciamento e a implementação de ações nas
áreas de gestão esportiva, políticas públicas, projetos sociais, de lazer e
saúde. (UFRRJ-b, 2020, p. 1, grifo nosso)

Ao analisarmos os objetivos, é possível entender como o PP compreende os


aspectos referentes à sociedade, direcionando os futuros professores de EF à
implementação de ações em diversas áreas de atuação, não só na educação, mas
sobre as comunidades, grupos e organizações. Sendo assim, mais do que valorizar
componentes do mercado de trabalho, enriquecem a formação através de uma
abordagem mais social para a saúde, para a educação, para o lazer, para as
políticas públicas, considerando os valores humanos e éticos. Assim, propor ações
sobre as áreas educacionais e da saúde, considerando grupos, organizações e
comunidades, significa uma proposta que não fique restrita à atividade física e às
dimensões individuais, mas engloba todo o contexto em que se apresentam.
Sobre o conceito de saúde, apesar de incluir um conceito ampliado, como é
proposto pela OMS, acaba por se prender aos “hábitos e atitudes” dos indivíduos.
Como já expusemos nesse trabalho, essa é uma forma de responsabilizar as
populações pelas suas condições de saúde. Considerando ainda o termo “qualidade
de vida”, esta carrega também uma ideia que já considera as desigualdades a partir
dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS), mas sem uma proposta de
enfrentamento real. Dessa forma, exclui-se a abordagem da determinação social do
processo saúde-doença e todas as questões que ela expõe, como a sociedade de
classes e suas lutas, contrariando a própria visão holística inclusa na formação.
Os DSS, vale destacar, compõem uma série de elementos que envolvem o
indivíduo e a sociedade, como cultura, saneamento básico, moradia, renda e
trabalho. A aproximação ou distanciamento dessas produções humanas, acaba por
proporcionar aos indivíduos melhores ou piores condições de vida. Logo, as
comunidades, grupos e classes, segundo esse entendimento, estarão expostos aos
problemas de saúde de formas diferentes. Portanto, como explica Albuquerque e
Silva,

Se entendermos, assim, que saúde significa ‘estar vivo e em condição de


nos objetivarmos como humanos, de realizarmos em cada um de nós o
máximo dentro do que a humanidade já estabeleceu como possibilidade’,
torna-se muito claro que essa objetivação depende não somente da
regularidade anatomofuncional do corpo, mas também da possibilidade de
apropriação daquilo que a humanidade produziu. Os produtos humanos aos
quais estamos nos referindo e dos quais necessitamos para nos
objetivarmos incluem: alimentos, moradia, educação, meio ambiente,
transporte, serviços de saúde, hábitos ou estilos de vida, entre outros,
denominados de ‘determinantes sociais de saúde’. (ALBUQUERQUE; SILVA,
2014, p. 957)

Ainda que se leve em consideração a correlação desses fatores com a


saúde, entendendo que esses produtos construídos pelo humano favorecem as
condições de vida, há uma visão social incompleta, que não enxerga as
problemáticas mais afundo. Então, não basta somente visualizar os DSS e suas
problemáticas, mas também através deles, como as de origem das classes sociais.
Assim, o conceito de determinação social do processo saúde-doença se destaca,
pois se aprofunda nessa visão social, e como destacam Albuquerque e Silva, onde

A possibilidade da apropriação de tais produtos (determinantes da saúde)


está dada ou sobredeterminada pela formação social que os produz. O
acesso aos objetos humanos, produtos do trabalho social, se dá, para cada
grupo, de diferentes formas, na dependência de como se organiza a vida
em cada sociedade. Ou seja, a forma como se organiza a produção na
sociedade determina diferentes limites e possibilidades de realização da
vida para os diferentes grupos sociais. (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014, p.
960-961)

É importante destacar também, que embora o conceito de DSS seja limitado


na sua perspectiva social, dentro do contexto da luta de classes e suas nuances, ela
representa um avanço que contrapõe a visão estreitamente biológica. Logo, ela é
considerada pela correlação entre a origem biológica e a social do processo saúde-
doença, ainda que de maneira não tão aprofundada. Laurell faz essa reflexão da
seguinte forma

[…] uma proposição sobre a interpretação da determinação do processo de


saúde-doença tem que encarar a unidade deste processo, tal como o
expusemos anteriormente, e seu caráter duplo, biológico e social. Isto
significa reconhecer a especificidade de cada um e, ao mesmo tempo,
analisar a relação que conservam entre si, o que implica conseguir as
formulações teóricas e as categorias que nos permitam abordar seu estudo
cientificamente.(LAURELL, 1982, p. 15)

Nesse sentido, o objetivo de propiciar o desenvolvimento de competências


profissionais que permitam a reflexão, que possa gerenciar e implantar ações nas
políticas públicas, projetos sociais de lazer e saúde. Isso é muito importante na
formação, do ponto de vista da função social da Universidade e do futuro docente,
estando esse mais próximo da realidade e comprometido também com seu papel
educacional, político e cultural. Essas características se refletem no perfil do egresso
apresentado pelo PP. A compreensão que se tem em torno de uma visão mais
humanista e social se reflete da seguinte forma:
O licenciado em Educação Física deverá ser formado para esclarecer e
intervir, profissional e academicamente no contexto social, político,
histórico-cultural, científico e da cultura corporal, a partir de
conhecimentos da natureza técnica, científica, pedagógica e cultural.
(UFRRJ-c, 2020, p. 1, grifo nosso)

Considerando os elementos sociais, políticos, histórico-culturais, além da


cultura corporal, a formação busca uma visão holística do homem e da sua relação
com a sociedade, contextualizando esses conhecimentos. Assim, os fatores
exteriores ao indivíduo dão outro sentido aos estudos mais específicos, através das
suas associações. Portanto, mais do que compreender os aspectos esportivos,
biológicos, pedagógicos e didáticos na graduação, o curso proporciona uma
concepção mais ampliada e enriquecida dos conteúdos, considerando os elementos
determinantes acima citados (cultural, social, político, histórico), que venham a ser
trabalhados, corroborando para a formação humana.
De acordo com essa ideia, o PP não se limita a formar professores de EF
que saibam “apenas” dar aula, mas que tenham uma base suficiente para atuar,
através da educação, de acordo com as demandas da sociedade. Portanto, além de
uma concepção pedagógica e científica de EF, no âmbito da “cultura corporal”, o
Projeto apresenta esses contextos histórico-cultural, político e social como
ferramenta de formação mais ampliada. (UFRRJ-c, 2020, p. 1)
A partir dessas análises, buscaremos pelo termo “saúde” incluso nas
“ementas e programas analíticos” apresentados pela UFRRJ. Encontramos então as
seguintes disciplinas: “Educação Para Saúde” (que na grade curricular aparece
como “Higiene Aplicada a Atividade Física”). Já as disciplinas que apresentam
termos correlatos à saúde encontramos a disciplina “Núcleo de Ensino e Pesquisa IV
– Qualidade de vida”. Verificando somente a ementa, encontramos a “Nutrição
Aplicada à Atividade Física”.
Sobre a disciplina “Educação Para Saúde” (“Higiene Aplicada a Atividade
Física”) instantaneamente já nos deparamos com um termo presente tanto na EF
quanto na Saúde. A “higiene”, que é enfatizada pela medicina, que visa a prevenção
de doenças através de diversas normas e preceitos, considerando diversos hábitos
que conduzam a preservação da saúde. Partido desse pressuposto, o higienismo foi
um movimento muito importante na história do Brasil, principalmente nos séculos
XIX e XX, e que L. Araújo e B. Araújo nos ajuda a refletir esse momento:
[…] A burguesia percebe que precisa tomar providências quando constata
que a classe operária passou a se organizar e que suas epidemias podem
atingir também a classe dominante. (...) O discurso da burguesia prega que
as classes populares vivem mal porque estão impregnadas de vícios, de
imoralidade. Através da Educação Física, objetiva-se promover uma
educação higiênica, com o objetivo de instaurar uma moralização sanitária.
Além disso, a classe dominante visa conter os avanços do movimento
operário e desenvolver um sistema de valores e ideias capaz de determinar
“cientificamente” o lugar de cada um na sociedade. (L. ARAÚJO; B.
ARAÚJO, 2013, p. 2)

Visto que essa concepção carrega valores e costumes da elite, esta


favoreceu para o estabelecimento de uma concepção hegemônica de EF e saúde, e
que serviu de base para outros movimentos como o da EF militarista. Esses
aspectos são relevantes para um conceito de saúde que não se prenda apenas a
determinar hábitos diários, já que eles pouco impactam sobre condições de vida de
uma comunidade. Dando andamento às análises, a ementa da disciplina apresenta-
se da seguinte forma:

Conceituação de higiene e saúde coletiva. Teoria e prática de educação em


saúde: visão crítica e transformadora. O profissional de educação física
como educador de elementos da equipe de saúde e prevenção.
Identificação e análise dos recursos existentes na saúde e suas relações
educativas. Saúde x doença. Toxicologia e alcoolismo. Educação sexual.
Organização de trabalhos e pesquisas sobre educação para a saúde.
(UFRRJ-d, 2020, p. 1)

Considerando sua ementa, é possível destacar que há uma certa progressão


sobre os assuntos que são propostos a se discutir. Nesse sentido, é perceptível que
há uma lógica de se discutir o conceito de saúde-doença, de higiene (este pode
aparecer com uma crítica, considerando aspectos históricos da área ou não), saúde
coletiva e educação para saúde, para em seguida inserir a EF e assuntos
específicos. Esse afunilamento acerca dos assuntos programados é muito
importante, pois valoriza-se todo o processo que ambas as áreas perpassaram e as
abordagens contextualizadas.
No entanto, a disciplina não parte da ideia sobre os DSS, ou da
determinação social do processo saúde-doença, onde essas questões recebem um
outro entendimento. Considerando esses determinantes, o processo educativo
aparece uma das possibilidades de intervenção, sendo necessário estratégias de
políticas públicas também fora do âmbito educacional. Vamos expor aqui, se os
objetivos reproduzem essa lógica, a fim de dar maior sentido ao que se pretende
abordar. São eles:

Apresentar e desenvolver os conceitos de higiene e saúde coletiva;


Construir através da relação entre teoria e prática de educação em saúde;
Problematizar a atuação do profissional de educação física como
educador de elementos da equipe de saúde e prevenção; Desenvolver e
analisar as problemáticas sobre os recursos existentes na saúde e suas
relações educativas; Criar, avaliar e experimentar as técnicas utilizadas nos
diferentes setores da relação existente entre educação e saúde; Elaborar e
investigar através de mapeamentos e organizações de trabalhos de
pesquisas os grupos e os diferentes recursos de saúde e educação da
região; Discutir conceitos sobre saúde x doença e processos
biopsicossociais. Analisar intervenções como educador nas áreas de
toxicologia, alcoolismo e educação sexual. (UFRRJ-d, 2020, p.1, grifo nosso)

Apresentado os objetivos, consideramos que há uma lógica de expor os


conceitos mais amplos da saúde e suas expressões frente a sociedade, como os
processos biopsicossociais e a prática da educação em saúde. Assim, a
interpretação da relação entre saúde e doença recebe uma abordagem mais
ampliada, incluindo fatores extrínsecos ao indivíduo. Nessa perspectiva, a
conceituação de higiene e saúde coletiva se aproxima de uma discussão sobre até
onde os hábitos e individuais contribuem para as populações, contrapondo a
comunidade como foco das ações e dos serviços.
Todavia, é necessário ressaltar que considerar os “processos
biopsicossociais” como ponto central dos aspectos da saúde, se aproxima da
concepção dos DSS, ou seja, busca atuar sobre fatores determinantes e não sobre
processos estruturais na sociedade. Ainda que ela favoreça um conceito ampliado
da saúde, que entenda a importância das ações coletivas, ela não busca um
tensionamento sobre as relações sociais, frutos do modelo de produção capitalista,
que produz e reproduz condições desiguais de vida entre as classes (PETTERS; DA
ROS, 2018).
Após esses debates, faz se necessário incluir e discutir a atuação dos
profissionais da saúde, e nesse caso, dos professores de EF. Configurando estes
como trabalhadores importantes sob a perspectiva preventiva dentro das equipes de
saúde, constrói-se uma ideia do papel da EF no SUS, entendendo suas possíveis
contribuições dentro do setor e para a comunidade. Portanto, assim como no setor
da educação, o discente perpassa pelas abordagens da saúde, que possui
características específicas e que necessitam ser reconhecidas antes de se projetar o
trabalho desse professor nesse campo.
É importante destacar que o documento relativo a essa disciplina apresenta
também o conteúdo programático, diferente dos demais PP, e que nele prevê o
estudo acerca dos conceitos de saúde, doença, dos fatores condicionantes e
determinantes. Além disso, propõe uma unidade específica sobre a promoção da
saúde e o SUS, e os programas elaborados a partir deles. Por fim, traz elementos da
EF e o do seu trabalho geral e específico dentro do sistema.
Já a disciplina “Nutrição Aplicada à Atividade Física” apresenta a ementa da
seguinte forma:

Nutrição Básica: funções, fontes alimentares, recomendações nutricionais


dos nutrientes; Relação entre Nutrição, Saúde e Desempenho Físico;
Nutrição nos Estados Fisiológicos Específicos. Aspectos nutricionais da
obesidade e desnutrição; Enfoque nutricional em casos especiais
relacionados ao exercício; Nutrição e suplementação para o Atleta. (UFRRJ-
d, 2020, p. 1)

Como discutido anteriormente, a disciplina relacionada à área da nutrição


aparece em alguns currículos de EF. Apesar de ser interessante essa aproximação,
o foco nos conteúdos técnicos acaba por suprimir diversas discussões. Nesse
sentido, o termo “saúde” aparece entre as duas, emergindo um conceito mais restrito,
de qualidade de vida, como se ela dependesse apenas das variáveis atividade física
e a alimentação. Sendo assim, os fatores sociais, econômicos e políticos são
excluídos ou restritos à dimensão biológica da relação homem-alimento-saúde-
movimento.
Após esse breve comentário, trazemos aqui os objetivos da disciplina:

1. Proporcionar conhecimentos básicos de Nutrição;


2. Demonstrar a importância da Nutrição para a manutenção da saúde;
3. Oferecer bases nutricionais e de suplementação aplicadas ao rendimento
do atleta e do praticante da atividade física, bem como, conhecimento
teórico para trabalho em equipes multidisciplinares. (UFRRJ-d, 2020, p.
1, grifo nosso)

Considerando seus objetivos, entende-se que ela é mais voltada para a


parte técnica, apesar de se destacar a sua importância para a manutenção da saúde.
É importante destacar, que a alimentação é importante para o indivíduo, mas que
esse conteúdo precisa ser discutido sob outros olhares também. Trazer aspectos
socioculturais, econômicos, políticos é necessário para a aplicabilidade desses
conhecimentos, e que são fundamentais para o trabalho multidisciplinar numa
perspectiva integralista do indivíduo.
Ao consultar os conteúdos programáticos não foi possível encontrar esses
aspectos mais amplos (sócio-histórico, cultural, econômico, político) como elementos
que contribuem para a leitura da saúde. Apresentam, análises relativas aos macros
e micronutrientes, discussões sobre obesidade e epidemiologia, mas sem indícios
de que inclua um olhar mais ampliado desses temas, no sentido dos determinantes
sociais da saúde.
A última disciplina encontra no currículo de EF da UFRRJ foi a de “Núcleo de
Ensino e Pesquisa IV – Qualidade de Vida”. Como já visto nesse presente trabalho,
o termo “qualidade de vida” exalta uma série hábitos e costumes, crenças e valores
produzidos pela elite, com a intenção manter uma cultura hegemônica. Dessa forma,
a sua ementa é posta da seguinte forma: “Leitura e discussão de textos. Elaboração
de propostas de intervenção para trabalhar a temática da Saúde como promoção e
prevenção da Saúde no contexto escolar”. (UFRRJ-d, 2020, p. 1)
Apesar de não expressar um conceito de saúde propriamente dito, a
disciplina apresenta uma proposta interessante ao propor a escola como local
específico para se discutir tais temas. No entanto, vale ressaltar que sob os mesmos
interesses, a EF higienista no início do século XX recorreu às instituições de ensino
para disseminar sua ideia de saúde. Ainda que a promoção e a prevenção sejam
estratégias importantes para contribuir na melhoria das condições de vida, a
abordagem da saúde vai direcioná-las para ações ampliadas e coletivas, ou
específicas e individuais.
Os objetivos dessa disciplina são:
Explicar as orientações sobre condutas e procedimentos no uso de
exercícios profissionais do educador físico como elementos principais ou
complementares na atenção à saúde. Discutir através das práticas
corporais de qualquer natureza, promover ações no âmbito da saúde e
do meio ambiente, na educação formal e informal, em conjunto com
outros profissionais da educação. (UFRRJ-d, 2020, p. 1, grifo nosso)

Como discutido anteriormente, o debate da saúde dentro das escolas, sob a


perspectiva da educação em saúde, deve ser cuidadosamente discutido. Trazer as
práticas corporais como possibilidade de intervenção educativa, incorporadas às
ações em saúde, é um modo unir diferentes conhecimentos com a finalidade de
melhorar as condições de vida, com uma intencionalidade pedagógica e não
impositiva. Dessa forma, trazer outros profissionais da educação para compor essa
tarefa é um modo de aproximar a realidade dos estudantes, contextualizando os
diversos conteúdos que lhes são apresentados. Assim concordamos com Collier et
al. sobre o papel da EF na saúde

As vertentes críticas da Educação Física pensam numa perspectiva


diferente de atuação em saúde pública. Para tais correntes de pensamento
o papel da Educação Física no campo da saúde é promover a compreensão
dos aspectos multifatoriais, além de dinamizar a educação para a saúde,
que está ligada diretamente com a conscientização individual e coletiva,
visando dar condições de autonomia aos sujeitos em suas práticas
cotidianas. (…) (COLLIER et al., 2013, p. 11)

Assim, apesar de o PP do curso de licenciatura em EF da UFRRJ não


apresentar uma defesa mais clara sobre um modelo de sociedade do qual se
pretende construir, nele contém ideias que consideram os valores sociais e humanos.
Ao abordar a saúde através de uma perspectiva coletiva, levando em conta os
aspectos biopsicossociais, compreende a necessidade de se atender demandas
multifatoriais dos indivíduos e das comunidades. Portanto, com a intenção de
ampliar essa visão, a exposição da sua concepção política fica aquém, pois a partir
dela é que compreendemos o seu entendimento sobre as origens mais profundas
dos problemas da saúde.
3. CONCLUSÃO

Neste presente trabalho, buscamos elementos que pudessem nos dar


fundamentos para a discussão da formação em EF nas universidades públicas do
Estado do RJ. Para tal, recorremos ao estudo do contexto sócio-histórico em que se
inserem esses conceitos. Evidenciamos então como a relação dessas áreas vêm
compondo os currículos dos cursos de a formação dos professores de EF.
A fundamentação teórico-metodológica foi essencial para que o trabalho
assumisse uma postura crítica frente as análises dos PP de cada curso estudado.
Além disso, a sistematização das abordagens da saúde colaborou para que
pudéssemos realizar uma escrita mais aprofundada, e que nos permitiu encontrar
outros assuntos que emergiram ao longo dessa jornada.
Sobre esse ponto, trouxemos aqui elementos que nos permite compreender
o homem dentro do seu processo histórico, a formação da sociedade e o trabalho
como forma de produção e reprodução da própria vida humana. Esses temas
imprimiram o nosso entendimento do homem enquanto ser social, e o trabalho como
modo de potencializar as possibilidades da humanidade.
Essa discussão se desdobra sobre a saúde e a EF, onde os seus conceitos
representam ideias hegemônicas e expõem diversas contradições frentes ao modelo
de sociedade e de produção vigente. Como ambas ideias expõem projetos
antagônicos de sociedade, se torna necessário definirmos nossas posições e
proposições, considerando os entendimentos e interesses pessoais e coletivos.
Nesse contexto, entendemos que a formação de professores carrega uma
função social importante: a de levar o conhecimento produzido pela humanidade de
forma organizada e sistematizada. Essa, como está imposta pelas lógicas
capitalistas, busca esconder suas contradições, visando a conciliação de classes e a
manutenção das suas estruturas. Portanto, tentamos aqui, no presente trabalho,
discorrer sobre alguns pontos gerais e específicos desse cenário, sinalizando a
importância da EF, da saúde e da formação para a classe trabalhadora, a partir de
uma conceituação de saúde ampliada e que contemple sua necessidade de
formação humana e não apenas voltada ao mercado.
Ao observarmos a história da EF no Brasil, entenderemos que a nossa área
foi incorporada ao campo da saúde a partir dos interesses da medicina e da elite
social, política e econômica. Através de abordagens que centralizavam o corpo
biológico, a EF ainda apresenta fortes laços com essa visão, limitando suas
intervenções nos diversos espaços em que ela ocupa.
Por outro lado, reconhecemos uma outra concepção, sob uma perspectiva
contra hegemônica, humanizada, e que foi importante para a construção do SUS, o
conceito da Determinação Social do processo saúde-doença. Consideramos esta
abordagem como aquela que deve estar incorporada nos currículos, nesse caso, de
EF.
A partir desses entendimentos, buscamos analisar os o PP dos cursos de EF
de quatro (04) Universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro: UERJ, UFF,
UFRJ E UFRRJ. Através dos seus contextos, objetivos, perfil de egresso propostos,
grades curriculares e ementa das disciplinas identificamos os conceitos de saúde
utilizados no processo de formação de professores.
A UERJ possui dois cursos de EF, tendo as habilitações de Bacharelado e
de Licenciatura. Constatamos que há proximidade entre os cursos quanto ao
entendimento da EF, valorizando uma ideia de estética corporal, e desconsidera o
entendimento da cultura corporal. Com relação ao conceito de saúde evidenciam a
visão biologicista, lhe atribuindo características biomédicas ao longo do seu PP. E
ainda, revelam a intenção de preparar os futuros professores para o mercado de
trabalho, contribuindo para um projeto hegemônico de sociedade.
O PP da UFF foi o currículo mais difícil de ser analisado, por ter perpassado
pelo curso e ter vivido o modo como os conteúdos se materializam dentro da sala de
aula. No entanto, busquei me distanciar ao máximo dessa experiência para que isso
não pesasse sobre o trabalho. Contudo, procurei encaminhar uma escrita que segue
o mesmo padrão comparado ao que expus sobre as demais Universidades.
O Projeto apresenta seus entendimentos sobre a EF a partir da cultura
corporal, compreendendo uma visão de totalidade do seu objeto de estudo. Assim,
prevê incluir aos conteúdos, os fatores que o integram de forma mais ampla,
contribuindo para uma visão de mundo contra hegemônica. Entretanto, a sua grade
curricular não apresenta essa mesma leitura no que diz respeito à saúde. Esta se
apega ao conceito biologicista, e de forma bem clara, se utiliza de uma abordagem
biomédica, curativa, enfatizando a doença como ponto central do seu processo.
A UFRJ oferece as duas habilitações, Bacharelado e Licenciatura, e que
assim como a UERJ, as duas formações se aproximam no que diz respeito ao seu
entendimento da EF. Com traços esportivizados ao longo de suas grades
curriculares, os cursos oferecem formações que convergem para uma visão
tecnicista. Quanto o conceito de saúde, dialogam com uma visão biologicista,
individualizada e exaltam a doença como foco principal das suas intervenções.
O PP da UFRRJ, que oferece somente a habilitação da Licenciatura, foi a
que mais se aproximou das concepções defendidas por este trabalho. Parte de uma
visão de totalidade do homem e do mundo, entendendo suas diversas e complexas
relações. No que se refere a EF, ressalta a importância da cultura corporal como
instrumento teórico-metodológico para a formação de professores. Sobre a saúde,
destaca-se ênfase dada ao seu trato coletivo, considerando o tema educação em
saúde, através de uma visão biopsicossocial.
Embora essa abordagem biopsicossocial não seja aquela que aqui
defendemos – a Determinação Social do processo saúde-doença – entendemos que
ela é um avanço comparada à concepção biologicista. A crítica, portanto, vai na
direção sobre a sua tentativa de construir um conceito de saúde sem incluir uma
leitura aprofundada dos DSS e suas raízes mais profundas. Desconsidera os efeitos
do modo de produção capitalista sobre qual estão postos, reduzindo a dimensão do
processo social ao considerar apenas as condições desiguais dos diversos
determinantes.
Os resultados dessa pesquisa nos levaram a compreender que não há o
interesse de se discutir a relação entre a EF e a saúde, numa abordagem coletiva e
a partir de uma teoria marxista. Privilegia-se um olhar biologicista, individualizado,
curativista e biomédico, e que a história das políticas públicas nos revela que essa
visão não supre as demandas das populações e comunidades. Ressalvamos que a
última Universidade analisada considera um olhar biopsicossocial, mas está ainda
carece de maior reconhecimento do processo social enquanto parte do processo
saúde-doença.
Portanto, identificamos a necessidade dessas Universidades reconhecerem
esses conceitos e os seus desdobramentos perante a sociedade. Fica claro, através
das análises, que os cursos de EF não desenvolvem uma ideia do papel da relação
entre EF e saúde sob uma perspectiva contra hegemônica.
Considerando as limitações do presente trabalho, assim como a
provisoriedade do conhecimento, apontamos para a formação de professores e o
modo como ela vem se aproximando à lógica do mercado, nos moldes capitalistas.
Dessa forma, aqui buscamos contribuir para um movimento contrário a essa lógica,
e que consiga de fato compreender, refletir e responder as demandas da classe
trabalhadora. Objetivamos então, colaborar com a possibilidade histórica da
construção de um projeto socialista, que ao nosso entendimento perpassa pela
formação humana em busca de um modelo de sociedade mais igualitário e justo.
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