Você está na página 1de 8

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM ENCONTRAR O SEU PAPEL

TERAPÊUTICO NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL INFANTIL.

Orozimbo Cordeiro Junior1

Resumo

O presente artigo visa aprofundar as questões teóricas e práticas que envolvem a educação
física enquanto um dos elementos presente na equipe multidisciplinar em um Centro de
Atendimento Psicossocial Infantil, especificamente no Caps’i Água Viva. Neste contexto é
necessário apontar: a) uma breve revisão do papel cumprido pela educação física ao longo de
sua história; b) os três principais eixos orientadores da educação física; c) A falta de
reconhecimento dos profissionais de educação física na área da saúde e d) algumas das
dificuldades da prática da educação física no Caps’i Água Viva e) alguns apontamentos do
trabalho da educação física na saúde mental infantil.

Palavras-Chave: Saúde, Educação Física, Formação.

Abstract

1
Professor de Educação Física no Centro de Atendimento Psicossocial Infantil Água Viva.
E-mail orozimboj@bol.com.br . Tel contato (62) 35241660
Professor convidado no Departamento de Educação Física e Desporto da Universidade Católica de
Goiás.
Introdução

Analisando a história da Educação Física (EF) de forma crítica, entendemos que


dois modelos de ensino, ainda hoje, têm repercussões sobre a sua prática pedagógica. O
primeiro modelo caracterizava-se por uma forte orientação MILITAR e predominante nas
décadas de 30 e 40. Estabelecia uma relação do tipo Professor-Instrutor e Aluno-Recruta. Essa
orientação possuía traços Higienista, no sentido de que o professor deve ser o MODELO a ser
seguido e copiado, sendo este modelo trazia como parte de sua formação a responsabilidade
de disciplinar a juventude brasileira dentro de ideais patrióticos. (CASTELLANI, 1988;
GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988).
O segundo modelo, o ESPORTIVO, surge após II guerra mundial, torna-se
hegemônico na cultura européia, mas tem ênfase no Brasil, nas décadas de 60 e 70 nos clubes,
academias, mas principalmente nas escolas. Sua orientação estava baseada no esporte de alto
nível, seu conteúdo focado no esporte. Estabelecia uma relação profissional do Professor-
Técnico e Aluno-Atleta. O papel desempenhado pela educação física seria o de desenvolver a
Aptidão Física da população, descobrir e priorizar os talentos esportivos, compor equipes para
competições nacionais e internacionais.
Estes dois modelos possuem influência ainda hoje, na prática de vários
profissionais de Educação física. Desta forma o professor de educação física carrega a
responsabilidade de ser um modelo físico a ser seguido, com características autoritárias como
a de um técnico de futebol. Eliminando qualquer característica democrática numa relação
entre pessoas, sintetizando na prática de “eu mando e você obedece”, sob pena de retirar e
suspender a criança da atividade.

OS TRÊS PRINCIPAIS EIXOS ORIENTADORES DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Estas práticas se constituíram numa forma tão conservadora e excludente para


maioria das crianças nas escolas que em 1985, o então Presidente da República José Sarney
instituiu uma comissão de especialistas com 33 integrantes, através do decreto de 91.452 de
19 de Julho2, o a fim de apresentar novos caminhos para o esporte brasileiro. Com essa
medida buscava-se um novo conceito a essa prática, aspirando um novo conceito de homem e

2
O aprofundamento destas questões está no livro: Repensando o Esporte Brasileiro, Manoel José
Gomes Tubino (Organizador). E no livro: A Educação Física cuida do corpo e “Mente” do Profº João
Paulo Medina.
de sociedade, uma vez que a sociedade também buscava valores diferentes dos aspectos
militares e esportivos.
Essa comissão concluiu que, existia no interior das instituições educacionais o
processo de exclusão dos menos habilidosos e a ênfase nos habilidosos, nas regras e
competições. Essa mesma comissão apontou que as políticas públicas para o esporte teriam
que apontar para três áreas distintas que são:
• O Esporte de Rendimento ou Competição;
• O Esporte Participação;
• O Esporte Educacional.
O Esporte de Rendimento caracteriza-se pela ênfase nas competições, regras,
resultados esportivos, quebra de recordes, e tudo que envolvesse o fenômeno esportivo.
O Esporte Participação compreende toda a população de forma geral, a
necessidade das pessoas em praticar atividades físicas no contexto urbano, a ocupação de
praças públicas, e que o trabalhador utilizasse as suas horas de lazer praticando caminhadas,
pedalando e outras atividades.
O Esporte Educacional caracteriza-se pela inclusão de todos os alunos sob a ótica
democrática de oferecer práticas corporais que auxiliasse na formação do cidadão, o
desenvolvimento físico diversificado e harmonioso, criando hábitos de uma vida saudável,
desvinculada do sistema esportivo.

A FALTA DE RECONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS

DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ÁREA DA SAÚDE

Um dos principais problemas apresentados pela área de educação física é sua


caracterização enquanto área de intervenção. Não é difícil pensarmos que: Educação Física é
saúde ou que a prática de atividades físicas auxiliam significativamente para que as pessoas
adquiram saúde.

A falta de reconhecimento dos profissionais de educação física na saúde continua


sendo um dos grandes obstáculos a serem superados. Se de fato intervimos em processos de
prescrição de exercícios, orientações às práticas corporais sistematizadas dentro dos limites de
segurança fisiológica de cada indivíduo, entendendo que o exercício faz parte de um
programa de prevenção as doenças advindas do sedentarismo urbano e passando o
profissional em educação física a integrar as equipes multidisciplinares de saúde. Esse
reconhecimento não acontece de direito, uma vez que nossa atividade profissional não está
reconhecida no Ministério da Saúde3. O que existe são algumas portarias que regulam a
participação do profissional em educação física nas equipes multidisciplinares de saúde,
principalmente na área da saúde mental.

O reconhecimento possibilitaria aproximar a educação física das discussões sobre


saúde que acontecem nas instituições públicas de saúde como: CAIS, CAP’s, Unidades de
saúde especializadas em transtornos mentais e dependência química. Estabelecendo uma
discussão sobre o que é saúde pública, saúde coletiva, importância do SUS no atendimento as
pessoas carentes, e que não poderiam pagar pelo atendimento médico.

Neste contexto é importante refletirmos: como a educação física poderia


contribuir na construção de um modelo de atendimento de saúde público e gratuito. E a
resposta seria com a contratação de profissionais em educação física, e estes por sua vez,
deveriam buscar subsídios teóricos a fim de cumprir com essa função.

Desta forma, os currículos de formação de professores, em educação física,


sentiriam profundas mudanças, uma vez que na sua maioria, os cursos de formação estão
voltados na perspectiva de formação de professores para a escola.

Os profissionais de educação física que atuam na saúde, assumem de forma


pessoal o processo de formação continuada buscando informações e formações que ofereçam
subsídios para a sua prática na saúde, sem o apoio institucional do governo.

Mesmo que de forma superficial ao tratar deste assunto, levanto o questionamento


o porque do não reconhecimento dos profissionais na área da saúde. Seria econômico, por que
uma vez reconhecido, a importância da participação do profissional em educação física em
uma equipe multidisciplinar de saúde, o governo teria que gerir recursos para a contratação
deste profissional. Seria política, pois a falta de ação coletiva dos profissionais, a não atuação
do Conselho Federal de Educação Física (Confef), colocariam a educação física num quadro
de estagnação, sendo poucas a publicações e pesquisas que envolvem a educação física
atuando na saúde4.

3
Essa discussão pode ser aprofundada no livro: Atividade Física, Saúde Mental e Qualidade de vida de Maika
Arno Roeder
4
Esse debate encontra referencias no livro EXERCÍCIO E SAÚDE: como se prevenir de doenças
usando o exercício como seu medicamento do Dr. Ph. David C. Nieman.
Na formação destes profissionais, poderia estar faltando de uma visão mais
ampliada sobre saúde, pois existe um grande quantitativo de profissionais nas universidades
que vislumbram sua intervenção profissional nas academias particulares.

ALGUMAS DIFICULDADES DA PRÁTICA

DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO CAPS’I ÁGUA VIVA..

Na estruturação do trabalho de educação física no Caps’i está colocado de forma


inicial e ainda fragmentado. Percebe-se isso claramente porque nos espaços ocupado por
qualquer profissional, lidamos sempre com a expectativa do que as outras pessoas têm com
relação ao seu trabalho. E com a educação física não é diferente.

Antes de pontuarmos as contribuições da educação física no Caps’i Água viva


temos que colocar os obstáculos que dificultam um trabalho multidisciplinar da educação
física.

O primeiro diz respeito ao nível de ansiedade que alguns pais têm sobre a
educação física, pois esperam uma atitude autoritária e disciplinadora. Não é difícil ouvir de
alguns pais “se ele não obedecer professor, tira ele da atividade”, “ Esse menino é muito
agressivo, qualquer coisa se ele brigar, coloca ele de castigo”, com estas duas falas
observamos que de forma a-crítica e conservadora os pais pedem e auxiliam para que o
processo de exclusão continue. Assim como um técnico de futebol, o profissional agiria de
forma arbitrária, cabendo a criança o papel de obedecer. Os pais não conseguem entender que
o papel terapêutico e educacional é o de incluir.

O segundo diz respeito ao conflito existente entre crianças, nesse processo de


convivência diária, os conflitos aparecem, ameaças são feitas, xingamentos, gritos e o que
alguns pais ainda esperam seria um ambiente calmo e harmonioso numa unidade que trata de
crianças que possuem transtornos mentais. E que o médico prescreva algum medicamento que
deixe seu filho mais calmo.

O terceiro diz respeito a pouca condição de trabalho com relação aos materiais de
educação física. São poucos os materiais existentes (faltam bóias para oficina de natação,
bolas, colchões, colchonetes e cordas, sala ampla e arejada para a pratica de dança e
ginástica).
O quarto diz respeito aos colegas de equipe multidisciplinar, que esperam uma
atitude recreativa do profissional em educação física, dizendo: “eu estou atendendo a mãe
deste menino, brinca com ele um pouquinho”, outros dizem “que vida boa, só brincando
com os meninos na piscina”, que lamentavelmente não consideram uma visão mais ampliada
sobre o corpo e a importância das atividades físicas, diminuindo assim as possibilidades
terapêuticas da educação física com outras áreas da saúde.

ALGUNS APONTAMENTOS DO TRABALHO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

NA SAÚDE MENTAL INFANTIL.

O trabalho da educação física no Caps’i está atualmente estruturado em oficinas


de futebol, tênis de mesa e natação. È fato que a oficina mais considerada seja a de natação,
pois o nível de expectativa e de ansiedade das crianças é alto com relação a esta prática.

A piscina neste sentido não serve com uma escolinha de ensinar técnicas de
movimento da natação, mas como um espaço de convivência do grupo onde os aspectos da
ludicidade e das brincadeiras se fazem presentes. Além dos aspectos psicomotores de:
lateralidade, coordenação, equilíbrio e outros. A piscina é um centro de observação dos
corpos, levando em consideração que o caps’i é uma rede proteção à criança com transtornos
mentais e vítimas de violência. Constatamos de forma rotineira que muitas crianças são
agredidas fisicamente: sinais de cintadas, chineladas, até mesmo fio de cobre, quando esta
situação é diagnosticada, o professor notifica a equipe multidisciplinar para que medidas
sejam adotadas de proibir esse abuso, notificando os conselhos tutelares e as delegacias
especializadas na proteção da criança e do adolescente.

A oficina de natação ainda oferece a maior condição para o professor –terapeuta


de aproximação das crianças formando vínculos, estabelecendo diálogos, fomentando a
amizade e cooperação no grupo.

Na oficina de tênis de mesa é exercitada a questão da concentração da ação que se


pratica, na situação do jogo perceber aonde pode a bolinha vai estar, nas respostas mais
rápidas aos problemas, na condição de enfrentar as dificuldades, superar seus próprios limites.

Na oficina de futebol é estabelecido o respeito ao colega, uma vez que preciso do


“outro”, para que o jogo aconteça. Não é raro que nas oficinas um mais habilidoso apareça e
queira fazer tudo sozinho. Mais o grupo é estimulado pelo professor, a utilizar-se dos passes
para superar aquela situação. Evidenciando que sozinho pouco se faz e que juntos podemos
alcançar alguns objetivos. Mostrando que o interesse coletivo supera o individual.

Desta forma, está organizado inicialmente o trabalho no Caps’i Água Viva, na


área da educação física. Mas o meu grande objetivo é tratar da questão da violência física
através de uma oficina temática de lutas, que pelas limitações deste artigo, não teria condições
de desenvolver este raciocínio. Mas um projeto inicial já começou, pois este trabalho foi
adotado no Livro Didático Público5, no Ensino Médio do Estado do Paraná, na área de
Educação Física.

BIBLIOGRAFIA
5
Este trabalho pode ser visualizado na internet: www.diaadiaeducacao.pr.gov.br. No livro Didático
Público da Secretaria do Estado da Educação do Paraná. Na seção Educação Física, Conteúdo
Estruturante Lutas no artigo intitulado: Judô: A prática do caminho suave escrito em parceria com
Profº Drº Felipe Sobczynski Gonçalves.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. SP: Cortez, 1992.

FILHO, Álvaro Melo et al. Repensando o esporte brasileiro. Manuel Gomes Tubino
organizador. São Paulo: Ibrasa, 1988.

GEABA, Ademir et al. Educação Física & Esportes: Perspectivas para o século XXI. Wagner
Wey Moreira organizador. Campinas, SP: Papirus, 1993.

MEDINA, João Paulo Subirá. A educação Física cuida do corpo e “mente”. Campinas:
Papirus, 1989.

NIEMAN, David C. Exercícios e Saúde: como se prevenir de doenças usando o exercício


como seu medicamento. São Paulo: Editora Manole, 1999.

ROEDER, Maika Arno, Atividade Física, Saúde Mental e Qualidade de vida. Rio de Janeiro:
Shape, 2003.

SCHWARTZMAN, Michael. Pais Ansiosos: como superar sua insegurança na educação dos
filhos: Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1996.

SMITH, Manuel J. Sim, você também pode dizer não: um guia para aumentar a capacidade de
afirmação de seu filho. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Você também pode gostar