Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Currículo e
Diversidade Cultural
2ª EDIÇÃO
2014
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro
s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG)
Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089
Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214
Ministro da Educação Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/
José Henrique Paim Fernandes Unimontes
Maria das Mercês Borem Correa Machado
Presidente Geral da CAPES
Jorge Almeida Guimarães Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes
Antônio Wagner Veloso Rocha
Diretor de Educação a Distância da CAPES
João Carlos Teatini de Souza Clímaco Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes
Paulo Cesar Mendes Barbosa
Governador do Estado de Minas Gerais
Alberto Pinto Coelho Júnior Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes
Mariléia de Souza
Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
narcio Rodrigues da Silveira Chefe do Departamento de Educação/Unimontes
Andréa Lafetá de Melo Franco
Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
João dos Reis Canela Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes
Rogério Othon Teixeira Alves
Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros -
Unimontes Chefe do Departamento de Filosofia/Unimontes
Maria Ivete Soares de Almeida Ângela Cristina Borges
Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Fundamentos do currículo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Escola, currículo e ensino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Currículo e interdisciplinaridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Planejamento curricular e diversidade cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Apresentação
Caro(a) acadêmico(a):
Seja bem-vindo (a) à disciplina “Currículo e Diversidade Cultural” do curso de licenciatura em
Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil (UAB) da Unimontes.
Ao longo deste curso, vocês tiveram acesso a uma série de teorias nas várias disciplinas que
estudaram e, certamente, muitos conceitos estudados servirão de base para a compreensão das
temáticas de que trataremos ao longo das unidades de estudo da disciplina “Currículo e Diversi-
dade Cultural”.
Trata-se de uma disciplina que comporta uma discussão de extrema importância para sua
formação! Isso porque o currículo está na base do trabalho que você realizará futuramente como
docente, e a diversidade cultural representa uma questão vinculada à organização e realização
desse trabalho, já que a escola lida com a formação de subjetividades, não podendo desconside-
rar a diversidade cultural que perpassa a ação educativa.
Além de necessário ao professor(a), o estudo que realizaremos nesta disciplina comporta
uma discussão bastante instigante e densa, adentrando o exame de uma série de temas e polê-
micas que envolvem a atuação do Pedagogo.
Para facilitar o seu processo de aprendizagem,tivemos o cuidado de utilizar aqui uma lin-
guagem clara e dialógica, bem como de contemplar os aspectos fundamentais presentes na dis-
cussão sobre o currículo e a diversidade cultural. O conjunto de temáticas que serão aqui aborda-
das foi organizado em quatro unidades de estudo, a saber:
Como você pode ver, as unidades contemplam uma série de temáticas relacionadas ao tema
central da disciplina. O estudo dessas temáticas se encontra assentado nos seguintes objetivos:
Geral
Possibilitar o exame e posicionamento crítico no que concerne à organização do currículo
escolar.
Específicos
• Identificar as contribuições, significado e o papel do currículo no contexto da educação es-
colar.
9
UAB/Unimontes - 3º Período
Esperamos que o estudo dos temas que compõem esta disciplina possa ajudá-lo (a) na com-
preensão crítica do trabalho educativo escolar. Mais que isso: Esperamos que possa auxiliá-lo nas
suas futuras escolhas como pedagogo, pois:
Aprender as artes de lidar com a totalidade das experiências humanas que per-
passam o tempo de escola e aprender a fazer escolhas para dar conta dessa
pluralidade de dimensões humanas, que entram nos jogos educativos, são ar-
tes constitutivas da peculiaridade do ofício de mestre-educador. São artes não
previstas no texto provisório das mudanças curriculares (ARROYO, 2009, p. 232).
Tenha uma ótima jornada de estudos! Apostamos que será muito envolvente e profícua!
As autoras.
10
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Unidade 1
Fundamentos do currículo
1.1 Introdução
Gostaríamos de convidá-lo(a) a iniciar conosco o estudo sobre currículo. A nossa intenção,
pautada no objetivo deste caderno, não é realizar um estudo exaustivo sobre currículo, mas tra-
zer algumas contribuições para que possamos entender seu significado e seu papel no contexto
da educação escolar. Se você ainda não se ocupou com o estudo desta temática, julgo que não
seja descabido afirmar que algumas perguntas devem ter-lhe ocupado. Podemos inferir algumas:
• O que é currículo?
• Quando ele surgiu?
• Do que ele se ocupa?
• Qual é sua função?
Porém, apesar dos anúncios pessimistas, toma corpo na década de 1970 um movimento
chamado de “reconceptualista” que, baseado em diversos aportes teóricos, impulsiona e revigora
os estudos no campo do currículo.
11
UAB/Unimontes - 3º Período
Bem, até aqui nos esforçamos para apresentar uma definição do que seja currículo. Você já
deve ter percebido que esta não é uma tarefa fácil, como poderia parecer à primeira vista. Po-
demos afirmar que esta dificuldade ocorre porque, ao tentarmos encontrar uma definição, nos
deparamos com um conceito multifacetado.
Isto porque historicamente o conceito sofre modificações de acordo com realidades, tem-
pos e espaços distintos. Justamente porque, como assinala Sacristán (2000), são os contextos
onde o currículo se insere que lhe dão significado. Portanto,
sua construção não pode ser entendida separadamente das condições reais de
seu desenvolvimento, às condições estruturais, organizativas, materiais, dotação
de professorado, à bagagem de idéias e significados que lhe dão forma e que o
modelam em sucessivos passos de transformação (SACRISTÁN, 2000, p. 21).
Na busca por entender melhor esse campo de estudo, queremos convidá-lo(a) a explorar a
obra de Silva (2005), entendendo que ela pode, nesse ponto, ser uma referência a nos fornecer
suporte para nosso empreendimento. No seu livro “Documentos de identidade: uma introdução
às teorias do currículo”, o autor analisa as teorias do currículo. Ele inicia abordando suas origens
dentro de um quadro conceitual que vai das teorias tradicionais às teorias críticas e finaliza com
a análise da contribuição das teorias pós-críticas.
Segundo o autor em pauta, o ponto central presente em qualquer teoria do currículo é estabe-
lecer qual conhecimento deve ser ensinado e os motivos que justificam a escolha de alguns em de-
trimento de outros. Porém, extrapolando a questão do “o quê” ensinar, Silva (2005, p. 15) adverte que
Vamos continuar com nosso estudo de modo a entender melhor as consequências para a
sociedade, como um todo, de se optar por esse ou aquele modelo, por essa ou aquela teoria do
currículo.
Se, como vimos anteriormente, a questão central que se coloca para toda teoria do currículo
é selecionar um corpo de conhecimento ideal para se formar um tipo de homem ideal, precisa-
DICA mos perguntar-nos como e por que essa seleção se processa.
Você já havia pensado Podemos responder a essa pergunta afirmando que a escolha do conhecimento válido para
sobre o poder que tem ser desenvolvido pela escola opera dentro de uma lógica de poder. Isso porque, segundo as teo-
a escola, através do seu rias pós-estruturalistas, selecionar um tipo de conhecimento e eleger como ideal um tipo de
currículo, de influen-
ciar na construção de identidade ou subjetividade é uma operação que indica poder. Esse é o ponto central que distin-
nossa subjetividade e gue as teorias tradicionais das críticas e pós-críticas do currículo.
identidade? Enquanto as teorias tradicionais alegam seu estatuto de neutralidade e cientificidade, para
as teorias críticas e pós-críticas , ao contrário, as relações de poder são inerentes a toda teoria. Se,
para as teorias tradicionais, a pergunta central é que tipo de conhecimento e como organizá-lo,
as teorias críticas e pós-críticas se ocupam em indagar “o por quê” de selecionar esse e não aque-
le corpo de conhecimentos. Isso porque, segundo Apple (2006, p. 84), “O currículo das escolas
responde a recursos ideológicos e culturais que vêm de algum lugar e os representa”.
No intuito de auxiliar na compreensão das diferentes teorias curriculares, vamos reproduzir
no QUADRO 1 os conceitos que elas empregam e que as distinguem umas das outras.
QUADRO 1
Teorias do currículo e seus conceitos
Teorias Conceitos
Tradicionais Ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planeja-
mento, eficiência, objetivos.
Críticas Ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, rela-
ções sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo
oculto, resistência.
Pós-críticas Identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-
-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo.
Ao analisar o QUADRO 1, somos levados a concordar com Silva (2005, p. 21), quando esse
afirma que,“de certa forma, todas as teorias pedagógicas e educacionais são também teorias so-
bre o currículo”.
Com o objetivo de dar continuidade ao nosso estudo, propomos que nos detenhamos com
mais atenção na emergência e na trajetória das teorias sobre o currículo.
Vamos fazer uma leitura de uma reflexão sobre currículo apresentada pelo educador Rubem
Alves (BOX 1)?
BOX 1
RUBEM ALVES
‘Curriculum’, no latim, quer dizer ‘corrida’, ‘lugar onde se corre’; na corrida entre
diferentes, todos ganham
Havia crianças com síndrome de Down. E todas elas trabalhavam com a mesma concen-
tração que as outras crianças. Pareciam-me integradas nas tarefas escolares, como as crianças
ditas “normais”. Perguntei ao diretor sobre o segredo daquele milagre. Ele me deu uma respos-
ta curiosa. Não me citou teorias psicológicas sobre o assunto. Sugeriu-me ler um incidente do
livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Fazia muitos anos que eu lera aquele livro.
E eu o lera como literatura do absurdo, coisa para crianças.
Alice, seduzida por um coelho que carregava um relógio, seguiu-o dentro de um buraco
que, sem que ela disso suspeitasse, era a entrada de um mundo fantástico. De repente, ela se
viu dentro de um mundo completamente desconhecido e maluco, com o chapeleiro e o gato
que ria.
No incidente que nos interessa, encontramos Alice e seus amigos completamente molha-
dos-haviam caído dentro de um tanque. Agora, tinham um problema comum a resolver: ficar
secos. O que fazer?
A turma da Alice, que era formada pelo pássaro Dodô, esse pássaro existiu de verdade,
mas foi extinto, um rato, um caranguejo, uma marmota, um pombo, uma coruja, uma arara,
um pato, um macaco, todos diferentes, cada um do jeito como seu corpo determinava, todos
eles pensando numa coisa só: o que fazer para ficar secos.
O pássaro Dodô sugeriu uma corrida. Correndo o corpo esquenta e fica seco. Mas Alice
queria saber das regras. O pássaro Dodô explicou:
“Primeiro marca-se o caminho da corrida, num tipo de círculo (a forma exata não tem im-
portância) e então os participantes são todos colocados em lugares diferentes, ao longo do
caminho, aqui e ali. Não tem nada de ‘um, dois, três, já’. Eles começam a correr quando lhes
apetece e abandonam a corrida quando querem, o que torna difícil dizer quando a corrida
termina.”
Notem a desordem: Um círculo de forma inexata, os participantes são colocados em lu-
gares diferentes, aqui e ali, e não tem “um, dois, três, já”, começam a correr quando lhes apete-
ce e abandonam a corrida quando querem.
Assim, a corrida começou. Cada um corria do jeito que sabia: pra frente, pra trás, pros
lados, aos pulinhos, em zigue-zague... Depois que haviam corrido por mais ou menos meia
hora, o pássaro Dodô gritou: “A corrida terminou!” Todos se reuniram ao redor do Dodô e per-
guntaram: “Quem ganhou?”. “Todos ganharam”, disse Dodô. “E todos devem ganhar prêmios.”
Acho que o Lewis Carroll estava expondo, de forma humorística, as suas ideias para a re-
forma dos currículos da Universidade de Oxford, ideias essas que ele não tinha coragem de
tornar públicas, por medo de perder seu lugar de professor de matemática.
“Curriculum”, no latim, quer dizer “corrida”, “lugar onde se corre”. Uma corrida, para fazer
sentido, tem de ser entre iguais, não faz sentido por araras, ratos e caranguejos correndo jun-
tos. Não faz sentido colocar os “diferentes” a correr junto com os “iguais”.Àquilo a que se dá
o nome de integração em nossas escolas é colocar os “portadores de deficiência” correndo a
mesma corrida dos chamados de “normais”. Nessa corrida, os “deficientes” estão condenados a
perder. A corrida do pássaro Dodô é diferente: Cada um corre do jeito que sabe e pode, todos
ganham e todos recebem prêmios.
13
UAB/Unimontes - 3º Período
A citação acima reforça o que vimos anteriormente (você se lembra?) sobre currículo e rela-
ções de poder. Goodson (2003, p.33), ao comentá-la, conclui
[que ao lado de] seu poder para determinar o que devia se processar em sala
de aula, descobriu-se outro: o de poder diferenciar. Isto significa que até mes-
mo as crianças que frequentavam a mesma escola podiam ter acesso ao que
representava ‘mundos´ diferentes através do currículo a elas destinados.
O sentido que hoje atribuímos ao conceito de currículo é muito recente. Sua influência che-
gou à França, Alemanha, Espanha e Portugal através da literatura americana da área educacional
(SILVA, 2005). O marco do surgimento do currículo, como campo especializado de estudo, pode
GLOSSÁRIO ser situado em 1919 com o livro “The Curriculum”, de Bobbitt.
Taylorismo: conjunto A teoria curricular surge marcada pela influência americana. Na sua origem, ela se baseia
de princípios e técnicas na proposição do estabelecimento de uma racionalidade e cientificidade permeando os projetos
de organização e educacionais e as implementações curriculares. Bobbitt e Tyler são dois importantes expoentes
gestão do processo de dessa que é chamada de teoria tradicional no campo do currículo.
trabalho, que recebeu A obra de Bobbitt surge em um contexto onde se buscavam respostas sobre as finalidades
essa designação por ter
sido sistematizado por e as formas da educação de massa. Período em se procurava responder, em relação à educação
F.W. Taylor, nos EUA, escolarizada, a questões sobre: os objetivos da educação, o que ensinar, as fontes do conheci-
no início do século. mento, o que deveria situar-se no centro do ensino.
Tais idéias são também Também se perguntava:
conhecidas como admi-
nistração científica do em termos sociais,quais deveriam ser as finalidades da educação: ajustar as
trabalho (ARANHA, crianças e os jovens à sociedade tal como ela existe ou prepará-los para trans-
2000, p. 321). formá-la; a preparação para a economia ou a preparação para a democracia?
(SILVA, 2005, p. 23).
A proposta veiculada por Bobbitt fazia uma opção conservadora marcada pelo compromis-
so claro com a economia. Para ele, a escola deveria funcionar como uma fábrica ou outra em-
presa qualquer. Baseada nos princípios tayloristas, próprios da organização fabril, a palavra de
ordem a orientar a organização e o funcionamento da escola deveria ser “eficiência”.
Assim como na indústria, a educação deveria estabelecer padrões a serem alcançados.
De acordo com Bobbitt,
O pensamento de Bobbitt foi de tal modo marcante, que ele se configura como uma das
vertentes mais influentes da educação nos Estados Unidos durante o século XX. Em 1949, é lan-
çado o livro “Basic principles of curriculum andinstruction”, que iria consolidar definitivamente o
modelo de Bobbitt. Seu autor: Ralph Tyler.
14
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Entendendo, assim como Bobbitt, que o currículo é um instrumento meramente técnico, Ty-
ler coloca a organização e o desenvolvimento do currículo como pontos essenciais de seu mode-
lo. Na introdução, ele já deixa claro sua intenção ao afirmar que
este pequeno livro procura desenvolver uma base racional para considerar, DICA
analisar e interpretar o currículo e o programa de ensino de uma instituição
educacional (TYLER, 1976, apud PEDRA, 1997, p. 39, grifo nosso). Para entender o taylo-
rismo, veja o filme Tem-
pos Modernos (1936)
A proposta racional de Tyler procurava responder a quatro questões: de Charles Chaplin.
• Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?
• Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcan-
çar esses propósitos?
• Como organizar eficientemente essas experiências educacionais?
• Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? (PEDRA, 1997;
SILVA, 2005)
15
UAB/Unimontes - 3º Período
E quanto às perspectivas críticas e as pós-críticas? O que têm elas a dizer sobre o currículo?
DICA
Que contribuições elas oferecem à construção de uma teoria do currículo? Devido à extensão
Sobre essa discussão das abordagens, acompanharemos a argumentação de Silva (2005), através de uma apresenta-
empreendida por Paulo ção sintética das diferentes contribuições.
Freire, consulte as
obras:
FREIRE, Paulo. Pedago-
gia do oprimido. 17. ed. 1.2.2.1 Teorias críticas
Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Educa- • Michael Apple defende a não neutralidade do currículo. Segundo ele, o currículo se con-
ção como prática da
liberdade. 17. ed. Rio figura de forma a representar as estruturas econômicas e sociais mais amplas de forma he-
de Janeiro: Paz e Terra, gemônica. O conhecimento selecionado pelo currículo é de natureza particular e represen-
1986. ta os interesses do grupo dominante. Enquanto os modelos
tradicionais se perguntam como organizar o currículo, para
Apple, importa o “porquê” um conhecimento é mais impor-
tante que outro.
• Para Henry Giroux, diferentemente dos teóricos re-
produtivistas, existe espaço para mediações e ações no inte-
Figura 1: Henry Giroux. ► rior da escola e do currículo que podem opor-se às relações
Fonte: Disponível em: ifrs- de poder e controle. Segundo ele, o potencial de resistência
-blogeducare.blogspot. de alunos e professores pode ser canalizado para desenvol-
com. Acesso em: 18 set.
2011. ver uma pedagogia e um currículo de conteúdo claramente
político. A FIG.1 traz a imagem do autor.
Segundo Paulo Freire (1986) e (1987), o currículo tradi-
cional é distante da vida real. O currículo precisa voltar-se
para as experiências concretas dos educandos. Ele trabalha
com o conceito de educação bancária (tradicional) em con-
traposição ao conceito de educação emancipatória (liberta-
dora). A FIG. 2 ilustra o referido autor.
A FIG. 3 faz uma alusão à chamada educação tradicional,
objeto de análise de Freire. Observe-a com cuidado.
Figura 2: Paulo Freire. ►
Fonte: http://www.viade-
acesso.com.br. Acesso em:
15 set. 2011.
Figura 3: Educação ►
tradicional.
Disponível em: http://
www.pedagogiaaopeda-
letra.com. Acesso em: 15
set. 2011.
• Demerval Saviani critica a teoria de Freire pela sua ênfase nos métodos em detrimento da
aquisição de conhecimento. Segundo a pedagogia histórica-crítica ou pedagogia social dos
conteúdos, defendida por Saviani, a apropriação pelas classes dominadas do conteúdo (ins-
trumento cultural), veiculado pela escola, é fundamental para que elas possam empreender
uma luta política mais ampla. A FIG. 4 destaca o autor.
16
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
◄ Figura 4: Demerval
Saviani.
Fonte: Disponível em:
professoralaisa.zip.net.
Acesso em: 18 set. 2011.
• Nova Sociologia da Educação (NSE). Tendo como marco o livro “Knowledge and Control”,
organizado por Michael Yuong, em 1971, a NSE via o currículo como construção social. O
currículo e o conhecimento escolar resultavam de disputas e conflitos a respeito da seleção
dos conhecimentos que deveriam constar nele. Resumidamente, “a questão básica da NSE
era a das conexões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distri-
buição do poder” (SILVA, 2005, p. 67).
• Basil Bernstein se voltou para a questão de como o currículo está estruturado. Ele distin-
guia dois tipos de organização estrutural do currículo: o tipo coleção e o tipo integrado. No
primeiro tipo, coleção, as áreas e campos do conhecimento estão bastante isoladas (currícu-
lo tradicional). No currículo tipo integrado, as distinções entre as áreas são menos marcadas
(currículo interdisciplinar). Devido à complexidade de sua linguagem, a teoria de Bernstein
não teve muita repercussão.
Bem, antes de finalizarmos essa parte da nossa exposição, gostaríamos de analisar junto a
vocês o que a teoria do currículo denomina de “currículo oculto”. Você sabe do que se trata? Já
ouviu falar sobre isso?
Libâneo, Oliveira e Toschi (2007), assim como Moreira (1997), informam que há três tipos de
currículos escolares: o currículo formal, o currículo real e o currículo oculto.
O currículo formal, também denominado de “Oficial”, currículo “Prescrito” ou “Explícito”, diz
respeito ao currículo estabelecido pelos sistemas de ensino através de diretrizes e parâmetros
curriculares, de programas de ensino que devem nortear o trabalho educativo escolar. Já o cur-
rículo real ou “Currículo em ação” compreende o que,de fato, ocorre na sala de aula e na escola,
em decorrência das percepções e práticas de professores e alunos, ou seja, diz respeito a como o
currículo formal é efetivamente ensinado e apreendido. O currículo oculto, como indica o termo,
refere-se a conteúdos e práticas de ensino que não se manifestam claramente no planejamento,
mas que são ensinadas e apreendidas na escola. Segundo uma definição do termo, dada por Sil-
va (2005, p. 78),
17
UAB/Unimontes - 3º Período
18
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
ricular. O currículo como narrativa étnica e racial, procura evidenciar que a diferença de classe,
em que pese sua importância, não era suficiente para explicar a desigualdade de oportunidades
educacionais.
Vamos agora ver um pouco da teoria queer. Você já ouviu falar sobre ela? Bem, ela nasce
nos Estados Unidos e na Inglaterra e se apresenta como uma forma de unificar os estudos lés-
bicos e gays. À pedagogia queer não interessa somente um currículo que aborde informações
corretas sobre as identidades sexuais, mas pretende, sobretudo, a configuração de uma metodo-
logia que possa analisá-las e compreendê-las. ATIVIDADE
Bem, vimos até aqui sobre o desenvolvimento do campo do currículo de modo geral. Mas Você já parou para ob-
podemos perguntar-nos: E no Brasil? Quando podemos identificar a emergência destes estudos servar a quantidade de
em nosso país? Vamos estudar um pouco sobre este assunto? estudantes negros que
frequentam a universi-
dade no Brasil?
Tarefa 1: Pesquisar
Assim, tomando como base a literatura disponível, podemos afirmar que o movimento da
chamada Escola Nova deu origem aos estudos sobre o currículo no Brasil. A partir daí, as refor-
mas educacionais adotaram uma forma de conceber e elaborar o currículo, tendo à frente adep-
tos do movimento escolanovista.
Tomando como referência as ideias pedagógicas da época, difundidas por diversos autores
europeus e norte-americanos, os pioneiros buscavam superar a tradição enciclopédica e jesuítica
presente no contexto educacional brasileiro.
Assim, autores europeus como Claparède, Decroly e Montessori além das ideias progressitas
de Dewey e Kilpatrick, contribuíram para consolidar as raízes do pensamento curricular no Bra-
sil e influenciaram de forma marcante o cenário educacional brasileiro. Essas ideias foram muito
presentes no cenário educacional brasileiro até o início da década de 1960.
Moreira (2003) nos informa que os pioneiros, ao iniciarem as reformas que tinham por ob-
jetivo organizar o sistema educacional brasileiro, partiram de uma realidade centrada em uma
19
UAB/Unimontes - 3º Período
tradição curricular apoiada no positivismo de Herbart, de Pestalozzi e dos jesuítas. De modo su-
mário, as tendências curriculares no Brasil “podem ser caracterizadas por: a) ênfase em disciplinas
literárias e acadêmicas; b) enciclopedismo; e c) divisão entre trabalho manual e intelectual” (MO-
REIRA, 2003, p. 85).
O período subsequente à primeira Guerra Mundial inaugura uma crítica de caráter elitista
do currículo e do ensino. Inicia-se também uma pressão para a expansão do sistema educacional,
forçada pela percepção tanto da burguesia industrial quanto das elites intelectuais, dos danos
causados pela grande massa de analfabetos existente no país.
Em um contexto onde os analfabetos não podiam votar, a burguesia industrial via na alfabe-
tização das massas a possibilidade de provocar a derrota das oligarquias rurais. Os intelectuais,
por sua vez, viam na massa analfabeta a explicação para a grande pobreza reinante no país.
Devido a esses fatores, as primeiras décadas do século XX presenciaram a emergência de
diversas campanhas a favor da educação. Esse período presenciou o chamado entusiasmo pela
educação. No cenário internacional, podemos presenciar o aumento da influência norte- ame-
ricana na esfera econômica e cultural. Como veremos mais adiante, esse cenário é fator decisivo
na estruturação futura do campo curricular brasileiro.
Mas vejamos os primeiros movimentos que pavimentaram a trajetória de como o campo do
currículo se organiza no Brasil. Para isso as reformas educacionais de alguns estados brasileiros
foram de importância fundamental. Vejamos quais foram.
Alguns estados que se destacaram na implementação de reformas em seus sistemas de en-
sino neste período foram: São Paulo, Bahia, Minas Gerais e o Distrito Federal.
Antônio de Sampaio Dória, em 1920, procurou erradicar o analfabetismo de São Paulo, ao
tentar tornar obrigatório dois anos de escolaridade. A ênfase posta no projeto comportava um
viés nitidamente quantitativista, que veio a sofrer alterações a partir das ideias progressistas vei-
culadas pela Escola Nova.
Na Bahia, Anísio Teixeira reorganiza a instrução pública, legando pela primeira vez às disci-
plinas escolares o papel de preparar os indivíduos para viverem em sociedade. Elas deixam de
ser um fim em si mesmas, como era de praxe no sistema anterior.
Na reforma preconizada por Teixeira, ele chama a atenção para a implantação de um currí-
culo voltado para as necessidades e interesses das crianças. Essas ideias são consideradas como
o primeiro esforço no sentido de introduzir os princípios escolanovistas que, mais tarde, viriam a
ser difundidos no Brasil.
Segundo Moreira (2003), a reforma organizada em Minas Gerais por Francisco Campos e Má-
rio Casassanta sistematiza com clareza o pensamento da Escola Nova. Segundo o mesmo autor
20
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Para ilustrar, selecionamos um dos principais representantes desse período, Anísio Teixeira (FIG. 7).
Criado em 1938, tendo como primeiro diretor Lourenço Filho, o INEP tinha
como objetivo realizar estudos e formar profissionais para atuar no campo do
currículo através do oferecimento de programas de treinamento e cursos (RO-
CHA, 2003).
21
UAB/Unimontes - 3º Período
Logo após o golpe de 1964, todas as transformações citadas (políticas, econômicas e ideo-
lógicas), em concomitância com a influência americana, contribuíram para a implantação da ten-
dência tecnicista, tornando-se essa tendência dominante no pensamento educacional brasileiro,
inclusive no campo do currículo. Todavia, é válido lembrar que as ideias progressistas também se
fizeram presentes nessa época. Podemos tomar como exemplo os trabalhos de Paulo Freire.
Em 1968, a Reforma Universitária instaurada após o golpe militar de 1964 tornou possível,
com a reorganização em 1969 do curso de pedagogia, consolidar uma base institucional univer-
sitária voltada para o campo curricular. A disciplina currículos e programas (CP), que foi introdu-
zida, em 1962, como eletiva no curso de pedagogia, passa, em 1969, a ser oferecida de forma
compulsória aos futuros supervisores educacionais nos cursos de pedagogia.
Porém, foi no início da década de 1970, que o campo do currículo no Brasil alcançou, de
fato, sua maturidade. Esse período viu surgir os primeiros cursos de mestrado na área de currí-
culo, sendo que diversos outros cursos adotaram a disciplina currículo em sua grade curricular,
proporcionando, consequentemente, o lançamento de artigos e publicações sobre diversos en-
foques que envolvem a temática curricular.
Nessa mesma década, ocorre o rompimento com o padrão da rigorosidade tecnicista e há
um flexionamento que se volta para a direção do ecletismo. Essa postura eclética, segundo Mo-
reira (2003), é observada na prática pedagógica e no pensamento curricular brasileiro.
Os anos 1980, regidos sob a influência da tendência crítica, volta sua atenção para o currícu-
lo da escola fundamental. Esse período distingue-se pela intensificação de debates, além de en-
saiar novas conceitualizações de seu campo disciplinar. A década de 1980 chega ao seu final com
maior grau de autonomia em relação à influência americana no contexto educacional, abrindo,
sobretudo, espaço para os autores europeus.
Todavia, é fato que nessa década, embora existissem pontos de concordância entre diversos
teóricos em relação à importância de defender a escola pública para as camadas populares, hou-
ve divergências profundas no que tange ao currículo a ser desenvolvido nessa mesma escola. A
22
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
pedagogia dos conteúdos e a educação popular, as duas principais orientações, colocavam ques-
tões bastante discordantes uma da outra. Vamos ver se compreendemos esse processo histórico
até aqui.
Na década de 1920 (década em que se origina o pensamento curricular brasileiro), mesmo
com as reformas nos sistemas educacionais propostas pelos “Pioneiros da Escola Nova”, faltava
ainda uma sistematização na abordagem das questões curriculares. Era explícita a preocupação
com o aumento da qualidade do ensino primário, que se modificaria sob a influência das ideias
progressistas.
Já o PABAEE foi responsável por promover os primeiros cursos sobre currículo no Brasil, com
a proposta de tentar adaptar os ingredientes americanos às peculiaridades dos contextos socioe-
conômicos e políticos do Brasil.
Do início dos anos 1960 ao final dos anos 1970, o desenvolvimento do campo do currículo
no Brasil se difunde de forma considerável. Exemplo disso é a introdução de currículos e progra-
mas no curso de pedagogia, garantindo seu espaço nas faculdades de educação.
A década de 1970 foi marcada pelo advento dos primeiros mestrados em currículo, alcan-
çando, assim, esse campo sua maturidade.
Logo, destacamos:
23
UAB/Unimontes - 3º Período
dos estudos no período. A ideia predominante era de que a compreensão do currículo passava
por sua contextualização política, econômica e social.
Em meados dessa década, as discussões tomam outro rumo e o pensamento curricular bra-
sileiro ganha novas roupagens pós-modernas e pós-estruturais, incorporando o pensamento de
autores como Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Já a segunda metade da década de
1990, é marcada pelo hibridismo cultural, objetivando-se compreender o processo histórico, teó-
rico e social acerca do pensamento curricular brasileiro.
Bem, após esta exposição sobre as diferentes teorias no campo do currículo e a emergência
de seu estudo no Brasil, gostaríamos de levar você a nos acompanhar, na próxima unidade, em
uma abordagem sobre seu impacto na escola e no ensino.
Referências
APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 11. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vo-
zes, 2009.
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização.
4.ed. São Paulo: Cortez, 2007.
PEDRA, José Alberto. Currículo, conhecimento e suas representações. Campinas, SP: Papirus,
1997.
ROCHA, Genylton Odilon Rêgo. A pesquisa sobre currículo no Brasil e a história das disciplinas es-
colares. In: GONÇALVES, Luiz Alberto de Oliveira. Currículo e políticas públicas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003, p. 41-62.
SACRISTÁN, J.Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
24
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Unidade 2
Escola, currículo e ensino
2.1 Introdução
Quando nos propomos a estudar o currículo, como é o caso do presente texto, faz-se im-
prescindível trazer para a arena de discussão suas implicações e impactos sobre a escola e, con-
sequentemente, sobre o ensino que nela se realiza.
Abordar a escola em todos os seus âmbitos e contradições é uma tarefa árdua, já que evi-
dencia algumas questões que nos convidam a pensar sobre o currículo e o próprio ensino no dia
a dia, que se realiza dentro das mais diversas instituições escolares.
Para que possamos entender o papel do currículo na configuração das mais diversas pro-
postas e projetos educacionais, precisamos perguntar-nos sobre o contexto educacional mais
amplo que o requer e sua estrutura.
Você se lembra da parte inicial de nosso texto onde discutimos a não neutralidade do currí-
culo? Caso sinta necessidade, sugerimos que volte ao início do caderno didático, pois a discussão
que lá realizamos o ajudará a entender melhor o porquê da abordagem que iniciaremos a seguir
sobre a escola, já que ela é o locus onde o currículo se desenvolve.
Abordaremos a escola a partir de dois grandes eixos onde se assenta a teoria educacional.
De um lado se situam as perspectivas denominadas conservadoras, de cunho liberal, de outro, as
perspectivas críticas.
Enquanto a escola conservadora centra seu foco na realização de propósitos ligados primei-
ramente ao indivíduo, de modo a prepará-lo para desempenhar os mais diversos papéis sociais,
a progressista tem como foco a preocupação em preparar o indivíduo para atuar criticamente
frente ao contexto sociopolítico e cultural.
Vamos abordar o tema mais de perto, com o intuito de melhor apreendê-lo?
A escola, de acordo com sua face conservadora, tem hoje, seus pressupostos,
predominantemente ligados à teoria liberal. Sua preocupação básica é o cul-
tivo individual, a fim de preparar o homem para o desempenho de papéis so-
ciais (VEIGA, 1995, p. 77).
25
UAB/Unimontes - 3º Período
Ainda segundo Veiga, para que o currículo seja planejado e realizado de forma efetiva, é ne-
cessária a manifestação de três atos que estão estreitamente relacionados, quais sejam: o ato de
situar, o ato de elaborar e o ato de executar.
A) O ato de situar: identifica três etapas imprescindíveis:
26
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Portanto, na elaboração do currículo, deve-se questionar “o que”, “para que”, “como” e “para
quem” ele se destina. Não podemos perder de vista que o currículo, comprometido com os
pressupostos de uma pedagogia crítica, tem como horizonte de sua ação o compromisso com
a transformação social. Isso significa que o currículo deve ter como objetivo estabelecer metas
voltadas para as necessidades sociais, perdendo seu caráter de neutralidade.
Podemos identificar outros dois fatores importantes, relacionados aos conteúdos curricula-
res, que se referem à finalidade, ou seja, à intencionalidade do conteúdo curricular, como tam-
bém à qualidade de suas informações.
A triagem e o aparelhamento dos conteúdos curriculares devem considerar sua relação com
a autenticidade social do aluno, incentivando este para que se torne sujeito participativo de seu
processo de aprendizagem.
C) O ato de executar: É o ato de efetuar, de colocar em prática o que foi deliberado e de-
terminado anteriormente, verificando os pontos fortes e fracos e assinalando o que necessita de
mudanças ou ajustes. É o processo de avaliação do currículo, questionando a sua verdadeira fun-
ção como instrumento metódico e formal com o propósito de transformação social.
Veiga (1995) alerta que, na escola progressista, o ato de executar envolve a proposição de
medidas objetivas voltadas à ação coletiva, de modo a alcançar os objetivos que atendam ao in-
teresse das camadas populares.
É importante destacar dois pontos, diretamente ligados à execução, que merecem especial
atenção. O primeiro é o cuidado com a formação continuada de professores e funcionários; o se-
gundo se refere às condições materiais e físicas necessárias ao desenvolvimento curricular.
Outro aspecto importante na elaboração diz respeito à avaliação da aprendizagem. Esta,
para que seja compatível com a proposta de uma educação transformadora, deverá considerar,
dentro de uma postura crítica, a qualidade do processo ensino – aprendizagem.
A avaliação que ocorre orientada pelos pressupostos da pedagogia crítica necessita conhe-
cer a realidade da escola, fazer uma leitura crítica da realidade encontrada e propor alternativas
de ação.
27
UAB/Unimontes - 3º Período
As contribuições dos aspectos sociais como eixo estrutural na elaboração do currículo apon-
tam três fatores fundamentais: “o aluno e o cotidiano na sala de aula, a socialização do saber ela-
borado e as exigências de formação do homem contemporâneo” (SAVIANI, 2000, p. 38).
A escola cumpre uma importante função como ferramenta de reprodução, produção e legi-
timação do saber.
A educação desempenha um importante papel na formação da consciência crítica e na des-
mistificação do saber, principalmente quando permite ao aluno questionar e buscar respostas
a partir da sua própria vivência. Autores diversos, que defendem a Educação Popular, tomando
como referência a visão do educador Paulo Freire, compartilham uma concepção comum de
educação como forma de emancipação humana e de conscientização.
Como um instrumento que serve à reprodução, a escola seleciona e reparte seu conheci-
mento da mesma forma como a sociedade se organiza. Deste modo,
o currículo nada mais é que uma seleção da cultura, uma filtragem de conhe-
cimento de modo a torná-lo acessível aos diferentes grupos, conforme as ne-
cessidades do controle social e da maximização da produção (SAVIANI, 2000,
p. 39).
Esta postura é fundamental para romper com uma concepção acrítica que desenvolve o tra-
balho em sala de aula a partir de um discurso tecnicista, reprodutor de determinadas relações
sociais de poder.
No entanto, o entendimento de uma consciência crítica, principalmente na área do ensino
e do currículo, pressupõe compreender a inter-relação do conhecimento científico com o sen-
28
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
so comum, para que, através das disciplinas, perceba-se a realidade do cotidiano comunitário. O
conhecimento, nesta dinâmica, é compreendido como um processo, onde as respostas para as
questões trazidas para a sala de aula se pautam no cotidiano e na cultura do aluno.
Em relação ao saber socialmente elaborado, a perspectiva histórico-crítica propõe a sua
conversão em saber escolar e defende sua socialização. Espera-se que a escola cumpra seu papel
sistemático, propiciando conhecimentos e habilidades aos alunos. Entretanto, mais que isso, es-
pera-se que assuma sua função de socializar o conhecimento sistematizado.
Nesse enfoque, o currículo se volta especificamente para a tarefa da escola, que é ensinar.
Segundo a Pedagogia Histórico-Crítica, a democratização do ensino passa pela socialização do
saber e o conhecimento é visto como indissociável da vida em sociedade, onde as relações que
os homens estabelecem entre si e com o meio resultam em um processo de constantes mudan-
ças e transformações. “O conhecimento, portanto, não é produto da subjetividade, mas da reali-
dade, não é neutro, mas histórico e socialmente determinado” (SAVIANI, 2000, p.40).
Outro enfoque dos aspectos sociais em relação à estrutura curricular é o fato de que a edu-
cação deve incentivar reflexões e propostas voltadas para uma educação futurista. Essa educa-
ção pressupõe a compreensão da história e das ações humanas, tanto sociais quanto individuais,
e o reconhecimento das transformações sociais. Tal ponto de vista caracteriza o processo de en-
sino como uma atividade consciente entre professores e alunos, com o intuito de produzir novos
conhecimentos.
Entretanto, frequentes transformações sociais remetem à inevitável necessidade de mudan-
ças também no contexto educacional, haja vista que, atualmente, a sociedade se vê frente a no-
vos desafios, novas peculiaridades postas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, que in-
fligem, consequentemente, maiores cobranças à educação. O processo de ensino-aprendizagem,
portanto, deve ser entendido como propiciador do desenvolvimento cognitivo, onde o aluno
possa ampliar suas capacidades mentais.
Podemos ressaltar em cada uma dessas etapas, a predominância das atividades motora, per-
ceptiva e mental, respectivamente, onde o desenvolvimento da aprendizagem acontece por as-
similação, de acordo com as estruturas cognitivas incorporadas aos dados de sua realidade.
Entendida assim, a aprendizagem não é concebida puramente como reação aos estímulos
do meio, ou como comportamento casual, mas de acordo com a concepção piagetiana, é per-
cebida a partir das noções de equilíbrio e acomodação: Para se atingir o equilíbrio, é necessário,
diante das transformações ocorridas no meio, acomodar-se, ou seja, adaptar-se às novas realida-
des apresentadas.
29
UAB/Unimontes - 3º Período
Todavia, Saviani (2000) nos informa que as interpretações inadequadas da teoria de Piaget
podem causar confusões e ambiguidades, que se expressam nas atividades curriculares que se
desenvolvem na sala de aula, quais sejam:
A) O fracasso e a falta de ajustamento do professor ao desenvolvimento curricular derivam-
se, em grande parte, pelo fato de o educador iniciar suas atividades não pela prática, mas por
métodos figurativos e abstratos.
B) O conhecimento não é concebido, na prática, como construção, e sim como transmissão.
C) Não se levam em conta as estruturas cognitivas do aluno no processo de ensino-aprendi-
zagem.
Essas considerações nos remetem à formação dos professores cujas orientações apresenta-
das no decorrer da sua formação mostram-nos uma incompatibilidade entre a realidade dos alu-
nos e a proposta curricular.
No entanto é possível, a partir das constituições de Piaget, pensar em possibilidades de mu-
dança nos fundamentos de desenvolvimento curricular, como, por exemplo:
A) O processo de aprendizagem deve acontecer em conformidade com o nível de desenvol-
vimento do aluno.
B) A interação entre o sujeito que aprende e a condição em que se aprende.
C) O reconhecimento da construção evolutiva das estruturas cognitivas.
É preciso estar atento, contudo, para que a estrutura curricular corresponda à capacidade do
aluno em determinado domínio, sem se prender puramente ao estágio do desenvolvimento em
que este se encontra, para que a ação pedagógica tenha realmente resultados efetivos.
Vejamos agora as observações de Saviani (2000) acerca das contribuições de Vygotsky e Ru-
binstein, que dedicaram seus estudos às funções psíquicas superiores.
Segundo Vygotsky, as funções psíquicas superiores são consideradas como um processo de
constante movimento e transformação, sendo fundamental a observação das mudanças qualita-
tivas do desenvolvimento da criança, estudando suas relações, contradições e mediações ineren-
tes ao processo de formação de seus conceitos (SAVIANI, 2000).
Em seus estudos, Vygotsky nos apresenta a noção e distinção entre conceito espontâneo e
científico, afirmando que tais conceitos adotam posturas contraditórias, onde
Já Rubinstein, em seus estudos, busca ultrapassar os limites da lógica formal, tendo como
objeto de estudo a compreensão do pensamento como foco da atividade cognitiva mental. Para
ele, a base de sua investigação psicológica é a compreensão do pensamento. Tanto, que afirma
que a teoria cognitiva e psicológica do pensamento são indissociáveis (SAVIANI, 2000).
30
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Em relação aos aspectos antropológicos, optamos por extrair e apresentar seu significado e
relevância a partir do contexto das políticas públicas educacionais. Porém, para iniciarmos nossa
discussão, faz-se necessário esclarecer algumas questões. Primeiramente precisamos nos repor-
tar aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e seus Temas Transversais.
Os PCNs se caracterizam por um conjunto de diretrizes emanadas do Ministério da Educa-
ção, com o objetivo de:
Os Temas Transversais, como indicado nos PCNs, constituem-se como esforço e compromis-
so do Estado brasileiro em dar tratamento no âmbito da escola a questões sociais que afetam
tanto a vida de seus cidadãos.
Assim, os Temas Transversais elegeram como temática: a ética, meio ambiente, saúde, plu-
ralidade cultural e orientação sexual, além de temas locais, específicos de cada escola ou região.
Para os propósitos do nosso trabalho, interessa-nos o tema Pluralidade Cultural devido a sua
abordagem dos aspectos antropológicos inerentes ao currículo voltado para o tratamento da di-
versidade étnico-racial presente em nosso país.
Ao abordar a diversidade humana, procurando compreendê-la e valorizá-la em sua comple-
xidade e riqueza, os PCNs incorporam aos conteúdos escolares um tema de importância funda-
mental, principalmente frente a uma dinâmica de conflitos mundiais movidos por intolerâncias
diversas, entre as quais podemos citar as raciais, étnicas, religiosas e culturais.
Portanto, a relevância dos aspectos antropológicos como impactantes da configuração do
nosso currículo nacional se assenta no fato de que
31
UAB/Unimontes - 3º Período
Figura 8: Tolerância. ►
Fonte: Disponível em:
blogdatolerancia.blogs-
pot.com. Acesso em: 18
set. 2011.
Ao eleger a Pluralidade Cultural como tema relevante a ser abordado em seus currículos, a
escola brasileira revela seu compromisso em formar cidadãos comprometidos com o respeito ao
outro, independentemente dos diversos aspectos e características físicas, religiosas, culturais e
estilos de vida que os possam diferenciar.
Referências
BRASIL Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução
aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/
SEF, 1997.
SILVA, Teresinha Maria Nelli. A construção do currículo na sala de aula: o professor como pes-
quisador. São Paulo: EPU, 1990.
VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Escola, currículo e ensino. In: VEIGA, I.P.A.; CARDOSO,
M.H.F.(org.). Escola fundamental: currículo e ensino. Campinas, SP: Papirus, 1995.
32
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Unidade 3
Currículo e interdisciplinaridade
3.1 Introdução
Nesta parte do trabalho, vamos nos voltar para o estudo da interdisciplinaridade dentro de
um conteúdo que tem o currículo como foco. Talvez você esteja se perguntando onde reside a
importância de discutir este assunto.
Antes de tudo, gostaríamos de afirmar que a adoção de uma postura interdisciplinar na edu-
cação, e seu consequente impacto no currículo desenvolvido pela escola, tem se tornado, cada
vez mais, uma temática recorrente entre educadores e pesquisadores devido à complexidade
dos fenômenos com os quais nos deparamos na atualidade.
As instituições de ensino, de todos os níveis, têm sido desafiadas a adotar uma postura inter-
disciplinar nos seus programas de curso ou disciplinas, ou seja, não é possível ignorar seu impac-
to no campo do currículo.
Isso ocorre porque vivemos em um mundo onde os problemas se apresentam com tal or-
dem de complexidade que as contribuições de campos ou áreas isoladas de conhecimento, mui-
tas vezes, não têm dado conta de explicá-los e resolvê-los.
Heloisa Lück, em seu livro “Pedagogia Interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos”,
atenta para o fato de vivermos em “um universo cultural extremamente rico e complexo e que
somos incapazes de compreendê-lo todo” (LUCK, 2002, p. 19).
Muitos são os exemplos que podemos perceber no dia a dia que sustentam este argu-
mento. Tomando um exemplo bem prático, vale lembrar que os graves problemas ambientais
apresentam desafios múltiplos que só podem ser equacionados através de um trabalho e um
esforço coletivo de profissionais e pessoas oriundas de campos de trabalho e áreas de estudo
diversificadas.
Sabe-se que a contribuição somente das disciplinas específicas do campo das ciências natu-
rais tem seus limites, ou seja, elas não são mais suficientes para dar conta de uma realidade que
se apresenta tão complexa e problemática.
Isso significa que cada vez mais é preciso recorrer também às disciplinas do campo das
ciências humanas e sociais como economia, história, sociologia, antropologia, para entender,
por exemplo, o grave problema da poluição ambiental, assim como seus impactos e possíveis
soluções.
A entrada em campo dessas áreas torna-se necessária porque a forma de uso dos recursos
naturais está diretamente ligada a fatores econômicos, sociais e culturais. Gostaríamos que você
nos acompanhasse na análise de um exemplo concreto de como esta ligação entre diversos cam-
pos e áreas de conhecimento se estabelece.
Você deve concordar conosco que, atualmente, devido ao seu grau de desenvolvimento, a
biologia e a química conseguem, com bastante precisão, identificar os efeitos que determinado
agente poluidor pode causar ao meio ambiente e à vida das pessoas.
A partir dessa constatação, bastaria então tomar uma decisão para cessar ou modificar a ati-
vidade ou ação que causa a poluição para o problema ser resolvido. Questões como essa aconte-
cem a todo o momento, em todos os lugares do planeta. Isso nos leva a perguntar por que então
ainda não foram resolvidas.
Podemos afirmar que os problemas não foram resolvidos porque sua solução não comporta
somente decisões baseadas em aportes de natureza técnica fornecidos pelas ciências naturais e
pela área tecnológica.
Para responder a esta pergunta, é preciso lançar mão também dos modelos teóricos e meto-
dológicos de análise desenvolvidos pelas ciências humanas e sociais.
Essas ciências nos auxiliam a entender e analisar qual modelo de desenvolvimento e quais
interesses econômicos sustentam o uso predatório dos recursos ambientais e quem se beneficia
desta situação.
33
UAB/Unimontes - 3º Período
As ciências humanas e sociais também indagam as razões pelas quais as populações dos
países mais pobres são as que mais sofrem com esses problemas.
Como você pode perceber, as questões ambientais precisam ser analisadas de diversas pers-
pectivas, se quisermos resolver de fato este problema. Ou seja, os problemas ambientais exigem
a adoção de um olhar interdisciplinar sobre suas causas, consequências e possíveis soluções.
Atualmente existe, cada vez mais, a compreensão de que os problemas e conflitos ambien-
tais atingem o campo dos direitos humanos e sociais, motivo pelo qual as ciências humanas e
sociais têm se referido a eles como problemas e conflitos socioambientais.
A FIG. 9 nos lembra do problema da poluição ambiental. Este é um entre tantos problemas
que nos desafiam e nos convidam a adotar uma postura interdisciplinar na educação. Vamos en-
tão entender melhor a pedagogia interdisciplinar?
Figura 9: A poluição do ►
Meio Ambiente.
Fonte: Disponível em:
http://meioambiente.
culturamix.com/natureza/
desenhos-sobre-a-polui-
cao-do-planeta Acesso
em 28 abr. 2014.
3.2 Interdisciplinaridade:
discutindo conceitos
Feita essa breve introdução, continuaremos nossa exposição procurando entender o que é
Interdisciplinaridade. A primeira constatação de quem se aventura a estudar este tema é que não
há consenso sobre seu conceito.
É possível encontrar posições como as de Héctor Ricardo Leis (2005) que, em um artigo in-
titulado “Sobre o conceito de interdisciplinaridade”, afirma que acha prudente evitar os debates
teórico-ideológicos sobre interdisciplinaridade e propõe partir direto para uma discussão sobre
como se apresenta esta atividade atualmente no campo acadêmico.
Leis (2005) parte do pressuposto de que esta é uma prática em andamento, em construção,
derivando daí seu caráter inovador e experimental. O autor argumenta que
34
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Apesar da dificuldade em lidar com uma definição clara, existem tentativas de se construir
um conceito que atenda minimamente à necessidade de estabelecer um limite conceitual sobre
as características do que seja uma abordagem interdisciplinar.
Tomando como base uma definição clássica, interdisciplinaridade é um termo usado
quando existe uma prática ou mesmo uma tentativa de se estabelecer uma relação de interação
de, no mínimo, dois campos diferentes do saber. Segundo Germain apud Lenoir, (1998, p. 46), a
interdisciplinaridade tem como pressuposto “a existência de ao menos duas disciplinas como re-
ferência e a presença de uma ação recíproca”, como apresentado na FIG. 10.
◄ Figura 10:
Interdisciplinaridade.
Fonte: Disponível em:
http://images.google.com.
br/images?gbv=2&hl=en&
as=1&q=interdisciplinarid
ade&btnG=Search+Image
s&aq=f. Acesso de 24 maio
2013.
Porém, esse processo de interação pode acontecer em níveis diferentes, o que acarreta o
surgimento de outros termos como multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.
Por multidisciplinaridade entende-se um processo que opera com o nível mais elemen-
tar de interação. Um trabalho multidisciplinar adota a prática de escolher um determinado tema
para ser abordado por diversas disciplinas.
Porém, neste modelo, os professores não se comunicam, não dialogam entre si. Cada qual
se ocupa isoladamente do assunto em pauta dentro de sua matéria. Com isso fica impedida uma
cooperação entre as disciplinas. Este modelo de abordagem oferece ao aluno visões fragmenta-
das e estanques de determinado assunto ou matéria. Esta é a prática mais usada nas escolas.
Na transdisciplinaridade, o nível de integração e reciprocidade entre as disciplinas ultra-
passa aquele que ocorre na interdisciplinaridade.
Enquanto nas perspectivas disciplinar e interdisciplinar o limite das disciplinas é mantido,
na transdisciplinaridade a barreira entre as disciplinas desaparecere, dando lugar a um tipo de
conhecimento ou saber inteiramente novo.
A perspectiva transdisciplinar é algo ainda muito novo. Porém, como colocado anteriormen-
te por Leis, mais importante do que definir multi-, inter- e transdisciplinaridade é discutir como
esses conceitos têm sido trabalhados na prática. Um local privilegiado de abordagem da prática
interdisciplinar tem sido a escola.
Vejamos, portanto, como se opera a prática interdisciplinar para que possamos apreender
melhor esse conceito.
35
UAB/Unimontes - 3º Período
Essa perspectiva adota uma visão que exclui a hierarquização existente e valoriza a contri-
buição de cada disciplina no processo de formação. Segundo Lenoir (1998, p. 58), “trata-se de
afirmar que cada disciplina escolar detém um lugar e uma função específica no seio do currículo”.
Porém, para que a interdisciplinaridade curricular possa se concretizar, é preciso que seja in-
troduzido um trabalho didático também de caráter interdisciplinar.
Achamos importante deixar claro que o que se interroga não é o descarte das disciplinas do
sistema de ensino, mas sim a necessidade de superar o enorme abismo que existe em cada uma
delas, propondo uma abordagem que tenha como propósito abarcar os problemas sociais den-
tro de uma visão integrada.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade apresenta-se como uma forma de abordagem que
procura superar a visão fragmentada do currículo e sua tendência em tratar de maneira hierar-
quizada as disciplinas, segundo uma suposta ordem de importância (SAVIANI, 2000).
A interdisciplinaridade didática se encontra no segundo nível. Ela “se caracteriza por suas
dimensões conceituais e antecipativas e trata da planificação, da organização e da avaliação da
intervenção educativa” (LENOIR, 1998, p. 58). O objetivo da interdisciplinaridade didática é articu-
lar os conhecimentos que devem ser ensinados, inserindo-os nas situações de aprendizado. A ela
caberia configurar, planejar e sistematizar a interação proposta no nível curricular.
Segundo José (2008, p. 86),
36
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
uma atividade prática, que ocorre dentro de uma situação real de sala de aula, Lenoir (1998, p.
58-59) chama atenção para uma gama de variáveis que podem interferir nesta prática, como
Fazenda (2008) nos alerta para a necessidade de uma imersão profunda nos conceitos de
escola, currículo e didática quando tratamos dos diversos níveis da interdisciplinaridade escolar
para evitar o equívoco de confundir interdisciplinaridade escolar com interdisciplinaridade cien-
tífica. Diferentemente dos saberes que constituem a ciência, os saberes escolares estão subordi-
nados a uma perspectiva educativa.
Portanto, “na interdisciplinaridade escolar, as noções, finalidades (sic) habilidades e técnicas
visam favorecer, sobretudo, o processo de aprendizagem, respeitando os saberes dos alunos e
sua integração” (FAZENDA, 2008, p. 21).
Documento do Programa de Educação Continuada do Instituto Paulo Freire (vide INSTITUTO
PAULO FREIRE: Programa de educação continuada, disponível em: www.inclusão.com.br/proje-
to_textos_48.htm. Acesso em: 15 maio 2009). Destaque de alguns princípios que devem ser leva-
dos em conta quando se adota uma postura interdisciplinar no campo escolar que são:
1- o fator tempo: a aprendizagem ocorre a todo o momento, sem hora ou data prevista para
ocorrer. O aluno está o tempo todo exposto a situações de aprendizagem que ocorrem também
em espaços outros que não a sala de aula;
2- aluno como sujeito da aprendizagem: não há como transferir conhecimento. Quem
aprende é o aluno. Ele é quem estabelece uma relação direta com o saber. Portanto, o papel da
escola deve ser ensinar o aluno a aprender;
3- totalidade do conhecimento: apesar de a escola tratar o conhecimento como estanque,
formado de partes fragmentadas e isoladas de conteúdo, ele é uma totalidade.
4- significado do conhecimento: o aluno aprende mais e melhor quando o que aprende tem
significado para ele. Portanto, a aquisição de conhecimentos e o projeto de vida do aluno devem
ter como base a sua biografia.
Ainda segundo o mesmo documento citado acima:
37
ma complexidade.
UAB/Unimontes - 3º Período
Apoiada em Morin, Lück (1994, p. 25) chama a atenção para o fato de que
GLOSSÁRIO
Dada a complexidade do conjunto cultural humano, a sociedade defronta-se,
Holístico: diz respeito todos os dias, com inúmeras situações ambíguas, contraditórias e conflitivas
à totalidade, sendo que o homem individual e socialmente organizado deve resolver e que o dei-
utilizado para designar xam angustiado, caso leia, efetivamente, os sinais reais que as situações emi-
a compreensão do real tem.
em sua totalidade e
não de forma fragmen-
tada (FAZENDA, 1997, Assim, “entender a complexidade e as inúmeras interações dos múltiplos componentes da
p. 31). realidade torna-se, portanto, uma necessidade inadiável” (LUCK, 1994, p. 28). Esta realidade com-
plexa vem exigir um olhar e uma postura mais abertos, não limitados e presos a modelos estan-
ques e rígidos de compreensão. É possível concluir que
38
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
BOX 2
INTERDISCIPLINARIDADE
Termo que deriva de disciplina. Disciplina pode significar: (1) obediência às regras e aos
superiores; (2) ordem, bom andamento; (3) método, regularidade; (4) ramo do conhecimen-
to, matéria (HOUAISS, 2008). Observa-se uma similaridade entre os quatro sentidos apresen-
tados, uma vez que ao ordenar/organizar o conhecimento/currículo em campos ou áreas do
conhecimento, promove-se o seu ordenamento, tornando-o metódico e sujeito às regras de
organização previamente definidas. A organização do conhecimento escolar em disciplinas é
uma das marcas da era Moderna (séculos XV ao XVIII), caracterizada pela “consolidação dos
ideais de progresso e desenvolvimento, que reforçou o pensamento racionalista e individua-
lista, valores burgueses que poriam fim ao universo ideológico feudal, estruturando-se uma
nova ordem sócio-político-econômica”. (VICENTINO, 1997, p. 172). Nas artes e nas ciências,
os movimentos racionalistas e estruturalistas foram determinantes na reorganização das di-
ferentes áreas do saber em partes menores, em especialidades. Essa maneira de organização
dos saberes e das ciências atravessou o tempo e, somente na segunda metade do século XX,
emergiu um movimento de reação ao processo de fragmentação dos saberes, fortemente in-
tensificado com o expansionismo industrial e com a disseminação das idéias fordistas. Geor-
ges Gusdorf sistematizou a proposta desse movimento e abriu os debates sobre os efeitos
da excessiva fragmentação do conhecimento na formação acadêmica (GUSDORF, 1992). No
Brasil, o conceito interdisciplinar foi introduzido por Japiassu (1976) e Fazenda (1991). O pri-
meiro aborda o conceito no campo epistemológico e a segunda no campo pedagógico, e
ambos consideram a abordagem disciplinar como uma doença que precisa ser superada por
meio das práticas interdisciplinares. Concentram as suas análises na necessidade de os su-
jeitos mudarem as suas atitudes diante do seu objeto de estudo, de modo a abrir o diálogo
com as outras áreas/disciplinas. Consideram que somente mediante a comunicação entre os
profissionais de várias áreas será possível a concretização do projeto interdisciplinar. Nesse
movimento, o termo interdisciplinaridade passa a ser utilizado para expressar um enfoque
científico e pedagógico que se caracteriza por buscar, “algo mais do que a justaposição das
contribuições de diversas disciplinas sobre o mesmo assunto, e se esforça por estabelecer um
diálogo enriquecedor entre especialistas de diversas áreas científicas sobre uma determina-
da temática” (ASSMANN, 1998, p. 162). O termo também se aplica a problemas, atividades e
projetos que ultrapassam a capacidade de uma só área disciplinar. Essa proposta encontrou
solo fértil em um tempo de grandes transformações culturais, científicas e técnico-informacio-
nais, em que a organização rígida do conhecimento demonstra sinais de esgotamento. Para
Sousa Santos, na ciência Moderna, o conhecimento avança por meio da especialização, pois
ela está assentada na divisão e classificação do conheciment,o para então determinar relações
sistemáticas entre o que separou. A pós-modernidade contrapõe-se a essa lógica, pois vê na
disciplinarização um limite à reflexão, reprimindo e limitando os profissionais (SANTOS, 1998,
p. 64). Ainda segundo esse autor, “o conhecimento disciplinar tende a ser disciplinado, repri-
me as tentativas que visem transpor as fronteiras das disciplinas. A excessiva parcelização do
saber científico faz do cientista um ignorante especializado” (SANTOS, 1998, p.64). Outro con-
ceito fundamental que contribui para a compreensão dessa proposta é a transdisciplinaridade
como possibilidade de ruptura com as fronteiras disciplinares. Segundo Assmann, a transdis-
ciplinaridade não pretende desvalorizar as competências disciplinares específicas. Ao contrá-
rio, pretende elevá-las a um patamar de conhecimentos melhorados nas áreas disciplinares, já
que todas elas devem embeber-se de uma nova consciência epistemológica, admitindo que
seja importante que determinados conceitos fundantes possam transmigrar através (trans-)
das fronteiras disciplinares (ASSMANN, 1999, p. 182). Nos anos de 1990, surgiu um movimento
de crítica à matriz epistemológica, na qual se baseiam as concepções sobre o conhecimento
interdisciplinar até então predominantes. Segundo Jantsch e Bianchetti, a interdisciplinarida-
de vem sendo abordada no âmbito da filosofia do sujeito, que decorre de uma perspectiva
ligada à filosofia idealista, na qual prevalece a autonomia dos sujeitos pensantes sobre os ob-
jetos. Para esses autores, as discussões predominantes remetem a uma concepção a-histórica
do objeto filosófico-científico denominado interdisciplinaridade. Tal concepção caracteriza-se
por privilegiar a ação do sujeito sobre o objeto, de modo a tornar o sujeito um absoluto na
construção do conhecimento e do pensamento (JANTSCH E BIANCHETTI, 1997, p. 23).
39
UAB/Unimontes - 3º Período
*ASHAVAGHOSHA, The Awakeningof Faith, apud CAPRA, F. O Tao da Física, São Paulo, Cultrix, 1986, 2. ed. São Paulo, p. 26.
Referência Bibliográfica: FAZENDA, Ivani (org). Práticas Interdisciplinares na Escola. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
Referências
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade-transdisciplinaridade: visões culturais
e epistemológicas. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. (2008) (org.). O que é interdisciplinarida-
de. São Paulo: Cortez, 2008.
40
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
41
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Unidade 4
Planejamento curricular e
diversidade cultural
4.1 Introdução
Prezado(a) acadêmico(a), todo o estudo que você desenvolveu nas unidades anteriores cer-
tamente o auxiliará nesta unidade de trabalho, cujo tema central é o planejamento curricular.
Ao examinarmos este tema, também nos adentraremos na reflexão acerca da diversidade
cultural e das condições reais de vida de acadêmicos e professores. Tencionamos, por meio desta
unidade de estudo, possibilitar uma análise crítica a respeito do planejamento curricular. Preten-
demos, em específico, que, ao final do processo, você possa:
• compreender a importância e a necessidade do planejamento como processo contínuo de
organização e transformação da prática educativa na escola;
• diferenciar planejamento educacional, planejamento escolar e curricular e planejamento de
ensino;
• identificar os requisitos fundamentais para o planejamento do currículo escolar;
• situar a questão da diversidade cultural e das condições reais de vida de acadêmicos e pro-
fessores;
• reconhecer a relevância de se considerar a diversidade cultural e as condições reais de vida
de alunos e professores no processo de planejamento curricular.
Você deve estar se perguntando: Qual é a importância desta unidade de estudo para o meu
processo formativo? Esclarecemos que se trata de uma unidade que abarca conhecimentos ex-
tremamente importantes para a formação docente, isso porque remete à compreensão de ques-
tões que perpassam diretamente a função social da escola, ou seja, questões que dizem respeito
ao trabalho com a cultura que a escola veicula, os objetivos e estratégias de veiculação dessa
cultura e a organização crítica desse processo.
Conforme assinala Maués (2003, p. 111), o trabalho do professor e o currículo estão conecta-
dos ”na medida em que o próprio trabalho docente se materializa tendo o currículo como base.”
De acordo com a autora, o campo do currículo e o campo da formação docente se aglutinam e
contribuem
Daí porque não podemos nos furtar de refletir sobre o planejamento do currículo, e a nos-
sa atuação na escola não pode prescindir de questionamentos como: o que é o conhecimento
escolar? Que conteúdos a escola deve ensinar e por quê? Como e com qual propósito esses con-
teúdos devem ser abordados e avaliados? Tais questões estão vinculadas a uma questão central
para a formação docente: o que é e como fazer o planejamento do currículo escolar? Para res-
ponder à questão central aqui postulada, objeto desta nossa unidade de trabalho, entendemos
ser pertinente realizar, com base na literatura produzida, um exame teórico-prático sobre tal
questão.
Assim, tomaremos esse caminho para, inicialmente, discutir o conceito de planejamento,
sua importância e a definição de planejamento curricular.
A seguir procederemos à discussão dos requisitos fundamentais para o planejamento do
currículo escolar. Por fim, deter-nos-emos na abordagem da questão da diversidade cultural e
das condições reais de vida de acadêmicos e professores. Pronto (a) para começar? Vamos lá!
43
UAB/Unimontes - 3º Período
44
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
também, que esta definição passa pela compreensão crítica da relação daque-
les elementos com as condições e as necessidades materiais, políticas e ideo-
lógicas predominantes na realidade social e determinantes do ensino (DAMIS,
1996, p. 174).
DICA
Mas o que se observa na prática educativa, em grande parte, é o predomínio de uma ten-
dência tecnicista de organização do trabalho. E por que isso ocorre? A história nos ajuda a en- A Tendência Tecnicis-
tender essa questão. Damis (1996) nos explica que a ênfase atribuída ao processo de planeja- ta compreende uma
tendência que confere
mento está intimamente ligada ao processo de desenvolvimento da sociedade. Reportando-se ênfase à técnica, à
à realidade brasileira, a autora elucida que, na década de 1930, “as relações sociais de produção, organização racional e
predominantemente oligárquicas e rurais, foram superadas por formas de organização industrial científica do processo
e urbana” (DAMIS, 1996, p.174). Nesse bojo, a sociedade deveria adequar-se às condições postas educativo, e que con-
pela estrutura capitalista em processo de implantação e à instalação desse “novo” modelo de Es- fere ao planejamento a
capacidade de garantir
tado burguês que provoca uma “nova forma de organizar” (DAMIS, 1996, p. 174) as instituições eficácia e eficiência da
existentes. ação educativa.
Assim, o planejamento passou a ser compreendido “como um meio capaz de conduzir as
instituições sociais no caminho do crescimento e do progresso visados pelo Estado burguês
emergente”, e a escola não ficou isolada dessa ênfase no planejamento, já que este era apresen-
tado “como meio de garantir a eficiência e a eficácia” da ação educativa escolar (DAMIS, 1996, p.
175-176).
Segundo Damis (1996, p. 176), a ênfase no planejamento e na organização de planos com
delimitação de objetivos, previsão de estratégias e controle dos resultados do trabalho pedagó-
gico, iniciada em 1930, “entre 1960-1970, foi desenvolvida e ampliada”. Assistiu-se, nesse período,
a uma total aceitação do Planejamento. A autora avalia que a contribuição do planejamento para
a prática escolar é então sinônimo de DICA
planejar racionalmente essa prática para garantir a adaptação e a integração Conforme Damis
do aluno às condições e às necessidades colocadas pela sociedade. Assim jus- (1996), esse relatório da
tificados, o planejamento e a elaboração de planos escolares tornaram-se os UNESCO foi elaborado
principais tópicos dos programas curriculares que habilitam o profissional da em uma Conferência
educação (DAMIS, 1996, p. 176). Internacional sobre
Planejamento em
Educação realizada por
Ainda segundo Damis, em relatório da UNESCO elaborado na ocasião, o planejamento é co- essa organização em
locado “como meio para a escola desempenhar com eficiência e eficácia sua função social”. Nesse agosto de 1968.
relatório, aliando educação e desenvolvimento nacional, propõe-se a expansão quantitativa da
educação, “acompanhada pela organização racional da estrutura, dos conteúdos e dos métodos
utilizados pela escola” (DAMIS, 1996, p. 177).
No final da década de 1970, a prioridade conferida à organização racional da educação foi
abalada pelas teorias da reprodução. O planejamento passa a ser criticado pelo seu papel de
contribuir “para operacionalizar os meios educativos disponíveis com a finalidade de reproduzir,
no interior da prática pedagógica, a dominação do capital” (DAMIS, 1996, p. 179).
Assiste-se, então, a uma negação do planejamento, a uma rejeição desse processo em fun- DICA
ção de se entender que de nada adiantaria planejar porque a escola atuava numa perspectiva de
Você já estudou as
reproduzir a ordem social vigente, sendo impossível a transformação da realidade. No entender Teorias da Reprodução
de Damis (1996, p. 179), sendo concebido e as Teorias Críticas na
disciplina Educação e
como expressão da dominação capitalista, o processo do planejamento escolar Sociedade, lembra-se?
foi secundarizado e, até mesmo, sua importância e sua necessidade foram des- Caso sinta necessidade,
cartadas pela prática escolar que se pretendia crítica. recorra ao material
dessa disciplina para
A partir dos anos 1980, a importância do planejamento para a escola é retomada e amplia- melhor situar o assunto
em pauta.
da, isso porque o planejamento passa a ser concebido como um meio que, simultaneamente, or-
ganiza a prática educativa e contribui para manter-superar a função capitalista da escola. Nesse
processo, relevante papel pode ser creditado às teorias críticas da educação que, considerando
45
UAB/Unimontes - 3º Período
o caráter dialético do real, propõem que o planejamento, embora não seja um processo que ga-
ranta a eficácia do trabalho escolar, constitui um processo fundamental para a transformação do
real.
Damis (1996) assinala que, atualmente, tendo ultrapassado a crítica pela crítica, o papel da
DICA escola na sociedade capitalista pode ser recolocado, assim como o papel do planejamento, já
Essa citação de Gan- que o ato de planejar pode ser compreendido
dim (1995) pode ser
encontrada no prefácio como condição indispensável para a superação da realidade predominante.
das primeiras edições Esta compreensão será possível na medida em que a escola utilizar as condi-
do livro “Planejamen- ções e necessidades produzidas pelo desenvolvimento histórico do homem
to: Projeto de Ensi- como meio de compreender, analisar e vivenciar, criticamente, a realidade pro-
no-Aprendizagem e duzida pelo capital (DAMIS, 1996, p. 179-180).
Projeto Político-Peda-
gógico” - Autor: Celso Depreende-se, como quer Damis, que o “planejamento escolar sintetiza o caráter conserva-
dos S. Vasconcellos. São
Paulo: Editora Libertad. dor-transformador da escola e da sociedade que o define”, porque contribui, simultaneamente,
para “manter-superar a função, exclusivamente capitalista” da escola (DAMIS, 1996, p. 174).
Embora reconheçamos que, no cotidiano das escolas, ainda deparamos, com frequência,
com concepções e práticas tecnicistas, assentadas no caráter burocrático do planejamento, que
conferem pouco ou nenhum sentido ao planejar, também nos deparamos com concepções e
práticas mais críticas desse processo – que consideram os limites e possibilida-
des de transformar o real e reconhecem o ato de planejar como algo radical-
mente necessário.
Conforme nos sugere Gandim (1995, p. 09):
planejamento: educacional,
br. Acesso em: 16 maio
2011.
escolar e curricular e
planejamento de ensino
Já compreendemos que planejar é “antever uma intervenção na realidade” (VASCONCELOS,
1995, p. 27), é ”estabelecer fins e construí-los por meio de uma ação intencional” (LUCKESI, 2002,
p.102). No campo educativo, esse processo ocorre em diferentes níveis: em um nível mais amplo,
que corresponde ao planejamento da educação ou planejamento educacional; e em um nível
mais específico, no âmbito das escolas, envolvendo o planejamento escolar ou institucional, o
planejamento curricular e o planejamento do processo de ensino-aprendizagem.
Vasconcelos (1995, p. 53) explica que “na educação escolar, podemos ter planejamento em
vários níveis de abrangência” e cita: o planejamento do sistema de educação; o planejamento da
escola; o planejamento curricular; e o planejamento de ensino-aprendizagem.
O planejamento educacional corresponde às políticas públicas de educação, que envolvem
a definição de objetivos, estratégias de ação e de avaliação dos resultados no âmbito educacio-
nal. Assim, os governos federal, estaduais e municipais cuidam de planejar a educação nas suas
esferas de competências por meio da construção de políticas, programas e projetos – o que re-
presenta um processo de planejamento educacional.
46
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
47
UAB/Unimontes - 3º Período
Ressalta o autor que, entre outras funções do planejamento, está a de “assegurar a racionali-
zação, organização e coordenação do trabalho docente”, o que remete à administração do tempo
DICA de ensino-aprendizagem, evitando a improvisação e tendo a qualidade do trabalho como refe-
Partimos da acepção rência.
freireana de sonho Administrar o tempo é condição fundamental para um trabalho que se pretende de qualida-
como “projetos pelos de, ou seja, de um trabalho comprometido em assegurar o desempenho significativo de todos os
quais se luta”, e de
esperança não como alunos, de distintos contextos socioeconômicos. O planejamento não garante, por si, a aprendi-
algo que se espera zagem de todos, mas ajuda a otimizar o tempo de ensinar-aprender!
acontecer, mas que se Vasconcelos (1995, p. 35) entende que, além da racionalização do tempo, o planejamento
trabalha cotidianamen- apresenta outras contribuições. O autor aponta uma série de contribuições do planejamento
te para que aconteça. para a práxis pedagógica, entre as quais:
Ver: FREIRE, Paulo.
Pedagogia da Indigna- • a organização do currículo;
ção:cartas pedagógicas • a integração entre professores;
e outros escritos. São • a autoformação do professor;
Paulo: Editora UNESP, • o estabelecimento da comunicação com os alunos;
2000. Ver também: • a superação da expropriação vivida pelo professor em relação ao fazer docente, ou seja, o
FREIRE, Paulo. Peda-
gogia da autonomia: pensar o seu trabalho não ficando à mercê de determinações de outrem.
saberes necessários à Pode-se depreender que, em qualquer nível, o planejamento coloca-se como tarefa essen-
prática educativa. São cial e que o professor deve ter clareza quanto às concepções, finalidades e níveis do planejamen-
Paulo: Paz e Terra, 1996. to, quanto às suas concepções, opções e ações, e deve ter clareza quanto ao seu sonho (projeto),
lutando esperançadamente por ele.
Conforme nos lembra o célebre educador Paulo Freire (2000, p. 117):
48
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
49
UAB/Unimontes - 3º Período
50
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
como a atenção às condições do processo ensino-aprendizagem e dos atores envolvidos nesse DICA
processo mostra-se fundamental. É importante assinalar
Aprofundando nossas análises, podemos acrescentar que, para a tarefa de planejar o cur- que o professor, mesmo
rículo, é necessário clareza acerca de nossa concepção de currículo e das finalidades da escola. no caso de atuar ape-
Mostra-se igualmente fundamental considerar que, sendo o planejamento curricular uma tarefa nas no ensino funda-
que remete à reflexão acerca dos conteúdos escolares, é preciso estar claro o que a escola e os mental, precisa ter uma
visão longitudinal do
professores compreendem por “conteúdo escolar”. ensino, ou seja, precisa
Esta questão remete à reflexão acerca do trabalho com a cultura – essência do trabalho edu- observar o que essas
cativo. Daí porque precisamos nos indagar: o que entendemos por cultura? No interior da cultu- propostas apresentam
ra, o que tomaremos como conteúdo escolar? em termos de objetivos
Sacristán (2000, p. 297) assinala que: e conteúdos do ensino
ao longo de toda esco-
laridade. Portanto, veja
Se planejar o currículo é lhe dar forma pedagógica, é evidente que a reflexão a proposta dos CBCs na
em torno de seus conteúdos é capital para os professores. No final das contas, íntegra. Visite o Centro
se a cultura do currículo escolar não é uma mera justaposição de retalhos do de Referência Virtual do
que denominamos cultura elaborada, deve implicar uma cuidadosa seleção e Professor do estado de
ordenação pedagógica, ou seja, uma “tradução” educativa de acordo com o Minas Gerais no sítio:
papel que cumprirá na educação do aluno. E essa é a função capital do planeja- www.crv.educacao.
mento curricular. mg.gov.br.
51
UAB/Unimontes - 3º Período
Conforme Zabala (1998), quando indagamos o que se deve ensinar-aprender na escola, pre-
cisamos considerar conteúdos de natureza diversa: fatos, conceitos, habilidades e atitudes. As-
sim, para o autor, os conteúdos podem ser classificados em: factuais, conceituais, procedimentais
e atitudinais. Esclarece que os conteúdos factuais estão relacionados ao
52
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Em muitos casos não temos clareza de que o nosso proceder, a metodologia que utilizamos, DICA
também contribua para a construção de determinados conhecimentos e, por conseguinte, de- Para refletir sobre a
terminado tipo de “cidadão”. Zabala (1998) explica que o modo como atuamos e os materiais que questão dos precon-
utilizamos têm um impacto na formação de nossos alunos. ceitos, sugerimos a lei-
Assim, atrás de tura do seguinte livro:
TRINDADE, Azoilda L. e
qualquer proposta metodológica se esconde uma concepção do valor que se SANTOS, Rafael (Orgs.).
atribui ao ensino, assim como certas idéias mais ou menos formalizadas e ex- Multiculturalismo: mil
plícitas em relação aos processos de ensinar e aprender (ZABALA, 1998, p. 27). e uma faces da escola.
2.ed. Rio de Janeiro:
DP&A Editora, 2000.
É preciso, pois, clareza quanto às finalidades e objetivos da educação, de modo a avaliarmos Recomendamos, em
sua coerência com a proposta curricular que adotamos ou pretendemos adotar. especial, a leitura do
Assim, se quisermos formar um cidadão mais indagador, por exemplo, a pesquisa deve ser primeiro texto desse
um procedimento presente em nossa proposta curricular. Em se tratando dos recursos didáticos, livro, de autoria de
Azoilda L. da Trindade,
se quisermos capricho dos nossos alunos, não poderemos utilizar um material feito de qualquer intitulado “Olhando
jeito. Se quisermos combater preconceitos, teremos que atentar, por exemplo, para a utilização com o coração e sentin-
crítica de imagens e textos. Aqui também deve residir um cuidado especial: a seleção e uso do do com o corpo inteiro
livro didático. no cotidiano escolar”.
Em muitos casos, o planejamento curricular, dadas as difíceis condições de trabalho do pro- Para uma análise crítica
do uso do livro didá-
fessor (incluindo a escassez de materiais didáticos e de tempo para planejar), acaba por funda- tico, recomendamos
mentar-se em uma visão estreita de currículo – como uma “grade de disciplinas” e “listagem de a leitura de uma obra
conteúdos a serem trabalhados”. Nesses casos, é comum limitar os conteúdos do currículo esco- clássica sobre o tema:
lar aos conteúdos contidos no livro didático adotado pela escola. FREITAG, Bárbara; MOT-
O trabalho com o livro didático demanda uma análise crítica de seu conteúdo – dos conhe- TA, Valéria Rodrigues; e
COSTA, Wanderly Fer-
cimentos que ele veicula. Desse modo, precisamos retomar nossa concepção de currículo: se qui- reira. O livro didático
sermos possibilitar uma ampla formação aos nossos alunos, o currículo não pode ser planejado e em questão. 3. ed. São
trabalhado somente a partir do livro didático! Paulo: Cortez, 1997.
Ademais, se partirmos de uma acepção de currículo que questiona a visão tradicional
(que conceba o currículo como mero rol de disciplinas e de conteúdos obtidos, exclusiva-
mente, a partir de uma dita cultura elaborada), e se entendermos que o currículo, assim como
aponta Sacristán (2000), constitua um “projeto cultural”, os conteúdos escolares não poderão
limitar-se a contemplar a “cultura elaborada”, mas deverão ser selecionados e trabalhados, ob-
servando-se a diversidade cultural presente na realidade social – questão que abordaremos no
tópico a seguir.
Assim, podemos considerar, em resumo, que o processo de planejamento curricular requer
da escola e dos professores:
• atenção às determinações legais e cumprimento das mesmas;
• análise e posicionamento crítico em relação às propostas oficiais;
• compreensão crítica de sua realidade concreta de atuação (macro e micro realidade da esco-
la, incluindo as condições do processo ensino-aprendizagem e dos atores envolvidos nesse ATIVIDADE
processo); Você já ouviu falar de
• clareza quanto à concepção de currículo (e de conteúdo escolar) e as finalidades e objetivos algum outro requisito
que nortearão o trabalho escolar; para o planejamento
• determinação de princípios que orientarão o trabalho escolar, incluindo o compromisso curricular? Faça uma
com o acesso à escola e a permanência e aprendizagem de todos os estudantes; pesquisa empírica
sobre o assunto. Troque
• discussão e definição coletiva de sua proposta, contemplando a justificativa das Disciplinas/ ideias com colegas e
Áreas de Estudo, a metodologia e os recursos de ensino-aprendizagem que serão adotados, profissionais do ensino
os conteúdos que serão trabalhados nas diferentes disciplinas/níveis de ensino; e os crité- e registre suas desco-
rios, procedimentos e instrumentos de avaliação do processo de ensino-aprendizagem; bertas no Fórum de
• registro das decisões. discussão.
Ademais, a discussão acerca da diversidade cultural é, também, requisito nesse processo!
Reiteramos que esse assunto é pauta de nossa discussão a seguir.
53
UAB/Unimontes - 3º Período
A escola exerce importante papel na constituição das identidades dos sujeitos que a fre-
quentam, devendo o processo educativo escolar atentar para o fato de que a diversidade cultural
precisa ser reconhecida como uma característica da nossa sociedade e uma constituinte do nos-
so processo de humanização. Ou seja, vivemos em um país marcado pela diversidade de culturas
– por distintos modos de conceber o mundo, por práticas sociais diversificadas – e a escola preci-
sa problematizar essa questão.
Gomes e Silva (2006, p. 22) assinalam que a educação escolar
As autoras advertem que a nossa responsabilidade social face à diversidade cultural que ca-
racteriza nossa sociedade exige de todos nós educadores
uma tomada de posição diante dos sujeitos da educação que reconheça e va-
lorize tanto as semelhanças quanto as diferenças como fatores imprescindíveis
de qualquer projeto educativo e social que se pretenda democrático (GOMES e
SILVA, 2006, p. 31).
54
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Se a escola tem a importante tarefa na construção da identidade dos sujeitos, há que ques-
tionar como essas identidades são construídas, o que implica considerar que a identidade é uma
construção contínua que se dá na relação entre os sujeitos, sendo influenciada por questões so-
cioculturais, econômicas e políticas. Implica ainda considerar que a identidade não é algo fixo,
mas se altera conforme os espaços que o sujeito ocupa e as relações que estabelece (AMORIM,
ALVES e IDE, 2010).
Para Woodward (2000), a construção da identidade é marcada pelas diferenças porque de-
pende “de algo fora dela”, porque, para existir, depende de outra identidade – uma identidade
distinta. Daí advém a compreensão de que as diferenças são produzidas socialmente em um pro-
cesso de tensionamento com a “normalidade”. Sendo uma produção social, as diferenças care-
cem de ser problematizadas no interior da escola (SILVA, 2000), buscando, entre outras questões,
superar a ideia de deficiência como algo negativo (FERRE, 2001).
A problematização das diferenças requer uma revisão da postura de tolerância para com o
outro, que é diferente, supostamente fundada na generosidade, e geralmente pautada na ideia
de superioridade por parte de quem tolera. Demanda indagar o que é a diferença e como ela é
produzida, entendendo, como quer Aquino et al. (1998) a amplitude que o tema diferenças abar-
ca, incluindo aspectos socioculturais, cognitivos, étnico-raciais, entre outros.
Assim, compreender as diferenças implica questionar a realidade, onde a normalidade é
pautada no que a sociedade coloca como “modelo ideal”, onde o parâmetro é a uniformidade.
Compreender as diferenças implica considerá-las como um direito e, por sua vez, compreender o
direito à igualdade.
Mas a ideia de que todos nós somos iguais encontra-se vinculada à ideia de uma identidade
única, que desqualifica as diferenças, porque parte do pressuposto de que todos nós temos os
55
UAB/Unimontes - 3º Período
mesmos direitos, escamoteando as desigualdades sociais e a lógica excludente em que nos en-
contramos imersos (AMORIM, ALVES e IDE, 2010).
Bittar e Almeida (2006, p. 200-201) nos ajudam a entender essa questão quando apontam a
emergência de um novo paradigma que
Nesse bojo, é preciso entender a diversidade como o resultado da luta dos movimentos so-
ciais em defesa do “tratamento democrático e igualitário das diferenças” (GOMES e SILVA, 2006,
p.26). Igualmente necessário se faz não igualar o diverso, mas entender a diversidade como cons-
trução histórica, social e cultural das diferenças, “que ultrapassa as características biológicas ob-
serváveis a olho nu, e que se insere no contexto de relações de poder” (AMORIM, ALVES e IDE,
2010, p.07).
Sodré (2008) nos alerta para o necessário posicionamento político da escola em favor da in-
clusão, que requer não apenas a incorporação dos ditos diferentes, mas o trato ético e democrá-
tico que contemple todos os estudantes. Requer defesa e compreensão da legitimidade da luta
DICA pela igualdade de direitos, articulada à luta pela superação das desigualdades sociais, porque
Assista ao vídeo em as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando as diferenças
que Sodré (2008) apre- os inferioriza, e o direito de ser diferentes, quando as desigualdades os desca-
senta esses argumen- racteriza. (SANTOS, 2006, p. 462).
tos. O vídeo, intitulado
“A ignorância da diver-
sidade”, encontra-se Nessa direção, Sodré (2008) nos alerta sobre a importância da existência da diversidade por-
disponível em: http:// que, conforme o autor, apenas na diversidade e nas relações que ela possibilita, é que podemos
www.youtube.com/ tecer uma rede de relacionamentos e de afeições, tão caras para configuração de uma nova reali-
watch?v=WfmEABJ- dade mundial. Uma realidade que, entre outras questões (FIG. 19), precisa considerar a importan-
Veu4 Acesso em 01 de
maio de 2013.
te contribuição das diferentes culturas para a constituição da nação brasileira.
Desse modo, se entendemos que a diversidade é resultado da luta dos movimentos sociais
para o reconhecimento e trato democrático das diferenças, cumpre-nos assumir que o tratamen-
to da diversidade cultural no âmbito do currículo escolar remete-nos à incorporação e valoriza-
ção de diferentes culturas no processo de escolarização – o que demanda uma modificação nas
práticas, pautadas na transmissão de uma cultura dominante e na homogeneização dos sujeitos.
Gomes (2007, p. 22) nos explica que, ao tomarmos a diversidade cultural como objeto de dis-
cussão, “não podemos nos esquecer de pontuar que ela se dá lado a lado com a construção de
processos identitários” e “se constrói em determinado contexto histórico, social, político e cultural”.
Conforme essa autora:
56
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
A diversidade cultural varia de contexto para contexto. Nem sempre aquilo que
julgamos como diferença social, histórica e culturalmente construída recebe
a mesma interpretação nas diferentes sociedades. Além disso, o modo de ser
e de interpretar o mundo também é variado e diverso. Por isso, a diversidade
precisa ser entendida em uma perspectiva relacional. Ou seja, as característi-
cas, os atributos ou as formas “inventadas” pela cultura para distinguir tanto o
sujeito quanto o grupo a que ele pertence dependem do lugar por eles ocu-
pado na sociedade e da relação que mantêm entre si e com os outros (GOMES,
2007, p. 22).
Adverte a autora que é preciso considerar que “essa sociedade é construída em contextos
históricos, socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processos de colonização e domi-
nação”, e que o trato da “diversidade na escola não é um apelo romântico do final do século XX e
início do século XXI” (GOMES, 2007, p. 22). Trata-se de um amplo processo histórico de luta. Diz:
Na realidade, a cobrança hoje feita em relação à forma como a escola lida com
a diversidade no seu cotidiano, no seu currículo, nas suas práticas faz parte de
uma história mais ampla. Tem a ver com as estratégias por meio das quais os
grupos humanos considerados diferentes passaram cada vez mais a destacar
politicamente as suas singularidades, cobrando que as mesmas sejam tratadas
de forma justa e igualitária, desmistificando a idéia de inferioridade que paira
sobre algumas dessas diferenças socialmente construídas e exigindo que o elo-
gio à diversidade seja mais do que um discurso sobre a variedade do gênero
humano (GOMES, 2007, p. 22-23).
E questiona:
57
UAB/Unimontes - 3º Período
Para melhor entendermos essa proposta multicultural, convém destacar que a escola tem
sido cada vez mais questionada sobre o papel que desempenhou, desempenha ou vem desem-
penhando na constituição das identidades dos diferentes sujeitos que a frequentam.
Nesse sentido, é preciso abandonar uma posição de ingenuidade quanto a uma possível
neutralidade da escola em relação a seus conteúdos e seus objetivos. A escola é uma instituição
que ensina muito mais do que habilidades de leitura e escrita. Ela veicula e reforça, através de
suas práticas e rituais, um ideário de homem e de sociedade. Portanto, os conteúdos de ensino
veiculados pela escola não são neutros, mas permeados de intencionalidades.
Esses conteúdos têm, historicamente, se colocado
a serviço dos grupos que detém o poder e que procuram disseminar, como na-
tural e legítima, uma determinada visão de mundo compatível com seus ideais
e interesses (AMORIM e IDE, 2008, p. 19).
58
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Ganha sentido, portanto, uma abordagem multicultural, que valorize o diverso, que incor-
pore e valorize a cultura popular, o saber do cotidiano, que preconize a representação e valoriza-
ção da diversidade de sujeitos e culturas na prática educativa escolar.
Fleuri (2000) considera que, no âmbito da proposta de multiculturalismo (ou pluriculturalis-
mo) na educação, é possível pensar alternativas para as minorias. Contudo, adverte para o risco
dessa proposta criar guetos culturais, perpetuando desigualdades e discriminações sociais. Esse
autor advoga que, para além da posição reducionista entre monoculturalismo e multiculturalis-
mo, emerge a perspectiva intercultural. Trata-se de uma perspectiva que surge
mais do que criar novos métodos e técnicas para se trabalhar com as diferenças
é preciso, antes, que os educadores e as educadoras reconheçam a diferença
enquanto tal, compreendam-na à luz da história e das relações sociais, cultu-
rais e políticas da sociedade brasileira, respeitem-na e proponham estratégias
e políticas de ações afirmativas que se coloquem radicalmente contra toda e
qualquer forma de discriminação (GOMES e SILVA, 2006, p. 19-20)
Para as autoras, ao adotarmos essa postura, é necessário “também considerar que a propos-
ta de construção de uma pedagogia multicultural, que valorize e respeite as diferenças, significa
lidar com os conflitos, os confrontos, as desigualdades” (GOMES e SILVA, 2006, p. 19-20),
Esse conjunto de proposições demarca a complexidade e a relevância de um posicionamen-
to crítico da escola no que concerne ao trato da diversidade de culturas no cotidiano escolar,
pois, como nos lembra Gomes (2007, p. 41):
Isso posto, entendemos que a diversidade cultural consiste em uma questão complexa que
carece ser discutida quando tratamos de definir nossas opções e ações, no que tange à organiza-
ção do currículo escolar.
Conforme sugere a FIG. 22, mais do que constatar que a diversidade é uma característica da
nossa sociedade, precisamos comprometer-nos com a valorização e representação das culturas
diversas no currículo escolar, se pretendemos contribuir com a construção de um mundo mais
justo e fraterno.
59
UAB/Unimontes - 3º Período
60
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Temos que compreender que nossas concepções e opções esbarram, muitas vezes, em limi- DICA
tes postos pela organização escolar, pelas propostas oficiais e pelas condições de trabalho. O uso de “novas tec-
Assim, em se tratando da organização escolar, por exemplo, o tipo de gestão – administrati- nologias” vem sendo
va e pedagógica (se democrática ou autoritária), certamente, trará maior ou menor abertura para colocado como uma
a discussão/definição coletiva da proposta curricular da escola – para que manifestemos nossas “competência” necessá-
concepções e as submetamos ao debate. ria ao docente – e não
estamos aqui negando
As propostas oficiais também colocam, além de limites, novas exigências para o nosso tra- sua importância no
balho de planejar o currículo. Já pontuamos que essas propostas acabam sendo cobradas como contexto atual e escolar
“programa oficial”, que “tem” que ser trabalhado (e que as avaliações sistêmicas dão conta dessa – essa “exigência” con-
cobrança), cerceando, de certa forma, nossa autonomia para planejar o currículo. Aprofundare- trasta com a realidade
mos a discussão sobre a questão da autonomia mais adiante. de muitas escolas.
Novas exigências para o trabalho docente também figuram em propostas oficiais que vêm
sendo implementadas no bojo das reformas educacionais ocorridas no Brasil a partir dos anos
1990 – exigências que esbarram em nossa falta de preparo e de condições concretas de atua- DICA
ção para realizar o que é preconizado. Exemplo disso podemos encontrar na implementação dos
A FIG. 23 nos remete
PCNs. à reflexão acerca das
Ao examinar essa política Mizukami (1999, p. 58) ressalta que os PCNs colocam novas exi- condições de trabalho
gências para a formação e a prática docente, entre as quais a atuação do professor como “pla- do professor. Quan-
nejador do currículo e do ensino” - incluindo competências como a avaliação contínua, o uso de do o uso de “novas
tecnologias” vem sendo
novas tecnologias, o uso de recursos da comunidade, etc. Para a autora, apenas na área de pla-
colocado como uma
nejamento do currículo, essas são algumas entre tantas competências que são postas para o do- “competência” necessá-
cente, em mais sete áreas diversas, de modo a operacionalizar a proposta educativa presente nos ria ao docente – e não
PCNs. estamos aqui negando
sua importância no
contexto atual e escolar
– essa “exigência” con-
trasta com a realidade
de muitas escolas...
Confiram!
61
UAB/Unimontes - 3º Período
As autoras advertem que a formação docente para o trato pedagógico da diversidade re-
quer a criação de espaços de discussão que possibilitem a reflexão sobre a diversidade e a igual-
dade de direitos, os preconceitos, o reconhecimento e a aceitação do outro, a ética e os valores.
(GOMES e SILVA, 2006).
Mas, aliado à formação, temos que considerar nossas condições de trabalho. Sobre esse as-
pecto é importante que avaliemos nossa autonomia para planejar o currículo escolar.
Quando falamos em autonomia, não entendemos que se trata simplesmente de “fazermos o
que queremos fazer”, mas de fazermos o que é necessário fazer no cumprimento de nosso dever
de educar, dever esse comprometido com o acesso e permanência de todos os estudantes na
escola, bem como com a aprendizagem desses.
Essencial, pois, coloca-se a autonomia para pensarmos o nosso trabalho, para planejar o cur-
rículo. Nessa direção Sacristán (2000, p. 291) pontua:
Esclarece o autor que isso se dá, primeiramente, “porque o conteúdo e sentido do mesmo
são diferentes e, em segundo lugar, porque a autonomia profissional tem diferentes margens de
ação em um caso e em outro”( SACRISTÁN, 2000, p. 291).
Apesar da relativa autonomia que o docente tem, o autor entende que os planos curricula-
res advindos do sistema educacional podem e devem ser vistos como “ferramentas de ajuda que
provoquem a experimentação dos professores, ao invés de lhes deixar o papel de meros aplica-
dores” (SACRISTÁN, 2000, p.291).
Ainda conforme o autor, esses planos são importantes, especialmente em realidades onde
o professor não conta com sólida formação pedagógica e cultural – o que certamente dificulta a
realização da tarefa de planejar. O que não deve ocorrer é a apresentação de “modelos para pro-
gramar” que limitem a capacidade de decisão dos professores, planos distantes das condições da
realidade em que serão aplicados (SACRISTÁN, 2000, p. 291).
Insiste o autor:
62
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Cumpre-nos pensar quem somos, o que nos propomos a operacionalizar em termos de cur-
rículo escolar, quais são os limites e possibilidades para cumprir o que nos propomos.
Nas condições reinantes, certamente encontraremos uma capacidade limitada de atuação, é
certo que a “taylorização dos currículos” vem subtraindo de nós o papel de participar ativamente
da seleção e organização dos conteúdos escolares, mas é fundamental entender que não somos
meros agentes de forças exteriores, mas temos um campo de autonomia, ainda que relativo, e
que devemos fazer uso dessa autonomia vislumbrando o desenvolvimento da profissionalização
docente – que abarca a formação e as condições de trabalho.
Referências
ANDRÉ, Lenir Cancella. Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegre: Sagra-DC Lu-
zzatto, 1996.
AMORIM, Mônica Maria Teixeira; ALVES, Maria Railma; e IDE, Maria Helena de Souza. A imple-
mentação da Lei Federal Nº 10639/2003: Reflexões sobre ética, diversidade e educação no
enfrentamento das desigualdades sociais e raciais. Montes Claros: Unimontes, 2010. Disponível
em: http://www.coloquiointernacional.unimontes.br/images/trabalhos/4_universidade/31_mo-
nica_amorim.pdf. Acesso em: 16 maio 2011.
AMORIM, Mônica Maria Teixeira e IDE, Maria Helena de Souza. Escola, cultura e relações étnicas.
In: Revista Educação, Escola e Sociedade. n.1, v.1. Universidade Estadual de Montes Claros. De-
partamento de Métodos e Técnicas Educacionais, 2008.p.17-27.
AQUINO, Júlio Gropa (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas.
São Paulo: Summus, 1998.
BITTAR, Mariluce e ALMEIDA, Carina E. Maciel. Mitos e controvérsias sobre a política de cotas para
Negros na Educação Superior. In: SILVA JR, João dos Reis; OLIVEIRA, João Ferreira e MANCEBO,
Deise (Orgs.). Reforma universitária: dimensões e perspectivas. Campinas: Editora Alínea, 2006,
p.187-202.
DAMIS, Olga Teixeira. Planejamento escolar: Expressão técnico-política de sociedade. In: VEIGA,
I.P.A. (Org.). Didática: o ensino e suas relações. Campinas: Papirus, 1996. p. 171-183.
DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG,
2006.
FERRE, Núbia Perez de Lara. Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta. In:
LAROSA, Jorge e SKLIAR, Carlos (Orgs.). Habitantes de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2001,
p.195-232.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. Cartas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Organização do docu-
mento: Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Minis-
tério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag4.pdf.Acesso em: 16 maio. 2011.
63
UAB/Unimontes - 3º Período
GOMES, Nilma Lino e SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves (Orgs.). Experiências étnico-culturais
para a formação de professores. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MAUÉS, Josenilda. Vestígios de investigações sobre currículo e formação de professores. In: GON-
ÇALVES, Luiz Alberto Oliveira (Org.). Currículo e Políticas Públicas. Belo Horizonte: Autêntica,
2003, p. 105-126.
MINAS GERAIS, SEE. Sociologia. Proposta Curricular. Ensino Médio. Disponível em: http://
crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/banco_objetos_crv/%7B37608C14-8C84-40B2-A-
402-0284660E91D3%7D_PC%20SOCIOLOGIA%202008%20EM.pdf. Acesso em: 16 maio 2011.
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Os Parâmetros Curriculares Nacionais: dos professores que
temos aos que queremos? In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani e SILVA JUNIOR, Celestino Al-
ves (Orgs.). Formação do educador e avaliação educacional. Avaliação institucional, ensino e
aprendizagem, v. 4. São Paulo: UNESP, 1999. (Seminários e debates), p. 51-71.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: ArtMed,
2000.
_____________. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da e MOREIRA, Antonio
Flávio (Orgs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. 6. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004. p. 82-113.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Pau-
lo: Cortez, 2006.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu
(Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p.
73-133.
SILVA, Teresinha Maria Nelli. A construção do currículo na sala de aula: o professor como pes-
quisador. São Paulo: EPU, 1990.
SODRÉ, Muniz. Cultura, diversidade cultural e educação. In: TRINDADE, Azoilda Loretto e SAN-
TOS, Rafael (Orgs.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000,
p.17-32.
TEIXEIRA, Inês Castro. Os professores como sujeitos sócio-culturais. In: Dayrell, Juarez (Org.). Múl-
tiplos olhares sobre educação e cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p.179-194.
TURRA, Clódia Maria Godoy; ENRICONE, Délcia; SANT’ANA, Flávia Maria e ANDRÉ, Lenir Cancella.
Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegres: Sagra-DC Luzzatto, 1996.
VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Escola, currículo e ensino. In: VEIGA, I.P.A.; CARDOSO, M.H.F.
(Org.). Escola fundamental: currículo e ensino. Campinas: Papirus, 1995.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, To-
maz Tadeu (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vo-
zes, 2000, p. 07-72.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
64
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Resumo
UNIDADE I
• O currículo, como campo de estudo, surge nos Estados Unidos;
• O currículo, desde sua emergência, apresenta preocupação de estabelecer padrões de orga-
nização e controle sociais;
• A obra que marca o surgimento do currículo é o livro de Bobbitt, publicado em 1949, intitu-
lado “The Curriculum”.
• Segundo as teorias pós-estruturalistas, selecionar um tipo de conhecimento e eleger como
ideal um tipo de identidade ou subjetividade é uma operação que indica poder.
• As teorias tradicionais alegam seu estatuto de neutralidade e cientificidade, para as teorias
críticas e pós-críticas , ao contrário, as relações de poder são inerentes a toda teoria.
• O marco do surgimento do currículo como campo especializado de estudo pode ser situado
em 1919 com o livro “The Curriculum”, de Bobbitt.
• A teoria curricular surge marcada pela influência americana. Na sua origem, ela se baseia na
proposição do estabelecimento de uma racionalidade e cientificidade, permeando os proje-
tos educacionais e as implementações curriculares.
• As teorias pós-críticas se ocupam de conceitos como identidade, alteridade, diferença, sub-
jetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia,
sexualidade e multiculturalismo.
• Segundo a teoria crítica, o currículo multiculturalista apresenta duas concepções quais se-
jam: pós-estruturalista e marxista.
• A literatura que se ocupa da investigação sobre o campo de estudo ligado ao pensamento
curricular no Brasil situa sua origem na primeira metade do século XX.
UNIDADE II
• A escola conservadora reproduz a ideologia capitalista dominante, sem questionar suas
contradições e se apresenta como uma instituição neutra.
• O currículo e o ensino funcionam como instrumentos de controle da prática pedagógica.
• As instituições escolares, portanto, funcionam como transmissoras de conhecimentos, valo-
res, crenças e ideias que contribuem para manter a ordem vigente.
• A escola seleciona e reparte seu conhecimento da mesma forma como a sociedade se orga-
niza.
• A escola cumpre uma importante função como ferramenta de reprodução, produção e legi-
timação do saber.
• À educação escolar cabe proporcionar métodos e maneiras que favoreçam a formação do
conhecimento pela atividade mental do indivíduo.
• A psicologia se preocupa em estudar as atividades mentais do indivíduo (como resultado
das formas do pensamento científico), enquanto a teoria do conhecimento se debruça so-
bre o desenvolvimento histórico desse tipo peculiar de pensamento.
• Os PCNs se caracterizam por um conjunto de diretrizes emanadas do Ministério da Educa-
ção com o objetivo de orientar a organização dos currículos das escolas brasileiras;
• Os Temas Transversais, conforme indicam os PCNs, constituem-se como esforço e compro-
misso do Estado brasileiro em dar tratamento, no âmbito da escola, a questões sociais que
afetam tanto a vida de seus cidadãos.
UNIDADE III
• A adoção de uma postura interdisciplinar na educação, e seu consequente impacto no cur-
rículo desenvolvido pela escola, tem- se tornado cada vez mais uma temática recorrente en-
tre educadores e pesquisadores.
• As instituições de ensino, de todos os níveis, têm sido desafiadas a adotar uma postura inter-
disciplinar nos seus programas.
• A contribuição das disciplinas específicas do campo das ciências naturais tem seus limites,
ou seja, elas não mais suficientes para dar conta de uma realidade complexa e problemática.
• As questões ambientais precisam ser analisadas de diversas perspectivas se quisermos re-
solver de fato este problema.
65
UAB/Unimontes - 3º Período
UNIDADE IV
• A nossa ação sobre o mundo pode dar-se de forma aleatória ou planejada.
• O ato de planejar faz parte do nosso cotidiano e requer o estabelecimento de finalidades e
sua construção por meio de uma ação intencional.
• O ato de planejar não é neutro, trata-se de um ato político, ideologicamente comprometido.
• O planejamento, concebido como reflexão crítica sobre a realidade, demanda atenção às
possibilidades e limites de transformação do real, requer uma compreensão dessa realidade
numa perspectiva dialética de mudança-manutenção.
• Ao planejarmos o trabalho educativo escolar, precisamos ter consciência da finalidade de
nossa ação sobre a realidade e dos condicionantes dessa ação.
• A ênfase atribuída ao processo de planejamento está intimamente ligada ao processo de
desenvolvimento da sociedade.
• Em uma perspectiva crítica, o planejamento do trabalho educativo escolar consiste em um
rigoroso processo de reflexão que remete a uma ação refletida sobre a realidade visando
sua transformação. Embora entenda tratar-se de uma prática que não garante a eficácia do
trabalho escolar, é concebido como uma ação importante, necessária, fundamental para a
transformação do real.
• Em uma perspectiva tecnicista, o planejamento do trabalho educativo escolar é concebido
como um processo burocrático destinado a cumprir exigências meramente administrativas.
Trata-se de uma prática concebida e orientada para a eficácia do trabalho escolar.
• No campo educacional, o planejamento encontra-se presente em vários níveis de abran-
gência: o planejamento do sistema de educação; o planejamento da escola; o planejamento
curricular; e o planejamento de ensino-aprendizagem.
• O planejamento educacional corresponde às políticas públicas de educação, que envolvem
a definição de objetivos, estratégias de ação e de avaliação dos resultados no âmbito educa-
cional. Trata-se de um planejamento de maior abrangência.
• O planejamento escolar ou institucional corresponde ao planejamento da escola, à defini-
ção de objetivos, estratégias de ação e de avaliação dos resultados no âmbito institucional.
• O planejamento curricular é parte integrante do planejamento da escola e pode ser conce-
bido como um processo de construção da proposta de experiências de aprendizagem que
serão ofertadas pela escola ao longo de todos os níveis de escolarização.
• O Planejamento de Ensino refere-se à sistematização da proposta de trabalho que será reali-
zada pelo professor junto aos seus alunos.
66
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
67
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Referências
Básicas
ANDRÉ, Lenir Cancella. Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegre:Sagra-DC Lu-
zzatto, 1996.
AMORIM, Mônica Maria Teixeira; ALVES, Maria Railma; e IDE, Maria Helena de Souza. A imple-
mentação da Lei Federal Nº 10639/2003: Reflexões sobre ética, diversidade e educação no
enfrentamento das desigualdades sociais e raciais. Montes Claros: Unimontes, 2010. Disponível
em: http://www.coloquiointernacional.unimontes.br/images/trabalhos/4_universidade/31_mo-
nica_amorim.pdf.Acesso em: 16 maio 2011.
AMORIM, Mônica Maria Teixeira e IDE, Maria Helena de Souza. Escola, cultura e relações étni-
cas. In: Revista Educação, Escola e Sociedade. n.1, v.1. Universidade Estadual de Montes Claros.
Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais, 2008.p.17-27.
AQUINO, Júlio Gropa (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas.
São Paulo: Summus, 1998.
BITTAR, Mariluce e ALMEIDA, Carina E. Maciel. Mitos e controvérsias sobre a política de cotas para
Negros na Educação Superior. In: SILVA JR, João dos Reis; OLIVEIRA, João Ferreira e MANCEBO,
Deise (Orgs.). Reforma universitária: dimensões e perspectivas. Campinas: Editora Alínea, 2006,
p.187-202.
DAMIS, Olga Teixeira. Planejamento escolar: Expressão técnico-política de sociedade. In: VEIGA,
I.P.A. (Org.). Didática: o ensino e suas relações. Campinas: Papirus,1996.p.171-183.
DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006.
FERRE, Núbia Perez de Lara. Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta. In:
LAROSA, Jorge e SKLIAR, Carlos (Orgs.). Habitantes de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2001,
p.195-232.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. Cartas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Organização do docu-
mento: Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Minis-
tério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag4.pdf. Acesso em: 16 maio. 2011.
69
UAB/Unimontes - 3º Período
GOMES, Nilma Lino e SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves (Orgs.). Experiências étnico-culturais
para a formação de professores. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização.
4.ed. São Paulo: Cortez, 2007.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MAUÉS, Josenilda. Vestígios de investigações sobre currículo e formação de professores. In: GON-
ÇALVES, Luiz Alberto Oliveira (Org.). Currículo e Políticas Públicas. Belo Horizonte: Autêntica,
2003, p.105-126.
MINAS GERAIS, SEE. Sociologia. Proposta Curricular. Ensino Médio. Disponível em: http://
crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/banco_objetos_crv/%7B37608C14-8C84-40B2-A-
402-0284660E91D3%7D_PC%20SOCIOLOGIA%202008%20EM.pdf. Acesso em: 16 maio 2011.
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Os Parâmetros Curriculares Nacionais: dos professores que
temos aos que queremos? In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani e SILVA JUNIOR, Celestino Al-
ves (Orgs.). Formação do educador e avaliação educacional. Avaliação institucional, ensino e
aprendizagem, v.4. São Paulo. Editora: UNESP, 1999. (Seminários e debates), p.51-71.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: ArtMed,
2000.
___________. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da e MOREIRA, Antonio
Flávio (Orgs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. 6. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004. p. 82-113.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Pau-
lo: Cortez, 2006.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
SILVA, Teresinha Maria Nelli. A construção do currículo na sala de aula: o professor como pes-
quisador. São Paulo: EPU, 1990.
SODRÉ, Muniz. Cultura, diversidade cultural e educação. In: TRINDADE, Azoilda Loretto e SAN-
TOS, Rafael (Orgs.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000,
p.17-32.
TEIXEIRA, Inês Castro. Os professores como sujeitos sócio-culturais. In: Dayrell, Juarez (Org.). Múl-
tiplos olhares sobre educação e cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 179-194.
TURRA, Clódia Maria Godoy; ENRICONE, Délcia; SANT’ANA, Flávia Maria e ANDRÉ, Lenir Cancella.
Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegres: Sagra-DC Luzzatto, 1996.
70
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, To-
maz Tadeu (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2000, p. 07-72.
VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Escola, currículo e ensino. In: VEIGA, I.P.A.; CARDOSO, M.H.F.
(Org.). Escola fundamental: currículo e ensino. Campinas: Papirus, 1995.
ZABALA, Antoni. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
Complementares
APPLE. Michael. A Política do Conhecimento Oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional?
In: MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomaz T. da (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 1995. p. 59-91.
AZANHA, José Mário Pires. Parâmetros Curriculares Nacionais e Autonomia da Escola. Dispo-
nível em: http://www.hottopos.com/harvard3/zemar.htm. Acesso em: 30 jul. 2011.
___________, MEC. SEF. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transver-
sais. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/
SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.pdf. Acesso em: 16
maio 2011.
___________, MEC, SEF. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério
da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
ENGELS, F. A humanização do macaco pelo trabalho. In: Dialética da natureza. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1991, p.215-228 apud LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar.
13. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria Rodrigues; e COSTA, Wanderly Ferreira. O livro didático em
questão. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
71
UAB/Unimontes - 3º Período
MINAS GERAIS. Proposta curricular: Conteúdos Básicos Comuns – CBC. Disponível em:www.crv.
educacao.mg.gov.br. Acesso em: 20 maio 2011.
ROCHA, Genylton Odilon Rêgo. A pesquisa sobre currículo no Brasil e a história das disciplinas es-
colares. In: GONÇALVES, Luiz Alberto de Oliveira. Currículo e políticas públicas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003, p. 41-62.
TRINDADE, AzoildaLoretto e SANTOS, Rafael (Orgs.). Multiculturalismo: mil e uma faces da esco-
la. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000.
Suplementares
ANDRE, Marli. Pedagogia das diferenças em sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.
ARANHA, Antônia. Taylorismo. In: Dicionário da Educação Profissional. Belo Horizonte: UFMG,
2000.
AQUINO, Júlio Gropa (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas.
São Paulo: Summus, 1998.
ASSIS, Lúcia Maria de. Interdisciplinaridade. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Can-
cella; VIEIRA, Lívia Fraga. (Org.). Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Hori-
zonte: Faculdade de Educação – UFMG, 2010. CD-ROM.
CANDAU, Vera Maria (Org.). Didática, Currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A Edi-
tora, 2000.
FAZENDA, Ivani (Org.). Práticas Interdisciplinares na Escola. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
GOMES, Nilma Lino. Escola e diversidade étnico-cultural: um diálogo possível.In: Dayrell, Juarez
(Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
p.85-91.
______. Por uma cidadania intercultural. In: Presença Pedagógica. v. 14, n.84, nov/dez, 2008. p.
5-12.
PILETTI, Nelson e PILETTI, Claudino. História da Educação. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995.
72
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
SILVA, Tomaz Tadeu e MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa (Orgs.). Territórios contestados: o currí-
culo e os novos mapas políticos e culturais.6. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 114-143.
73
Pedagogia - Currículo e Diversidade Cultural
Atividades de
Aprendizagem - AA
1) As afirmativas abaixo tratam dos vários conceitos que o termo currículo comporta. Leia – as
atentamente e marque V para as Verdadeiras e F para as Falsas.
a) ( ) Documento que “trata de educar um ser humano comprometido não com a manutenção
da sociedade de exploração, mas sim com o engajamento na luta e na construção de uma nova
sociedade”.
b) ( ) O termo diz respeito a um “conjunto de modos de fazer e pensar, de crenças e práticas, de
mentalidades e comportamentos sedimentados ao longo do tempo e compartilhados no seio
das instituições educativas”.
c) ( ) Um documento escrito: voltado para o âmbito e a estruturação do programa educativo.
d) ( ) Um projeto que orienta as atividades desenvolvidas na escola.
e) ( ) um conjunto de experiências e programa de conhecimentos.
2) Para que o currículo seja planejado e realizado de forma efetiva, é necessária a manifestação
de três atos, que estão estreitamente relacionados, quais sejam: o ato de situar, o ato de elaborar
e o ato de executar. Relacione as principais características dos mesmos.
75
UAB/Unimontes - 3º Período
4) Em relação às ideias do Manifesto dos Pioneiros da Educação no Brasil é correto afirmar, EXCE-
TO
7) A charge nos sugere que o currículo escolar se encontra fundamentado em uma perspectiva:
a) ( ) Crítica
b) ( ) Pós-crítica
c) ( ) Tradicional
d) ( ) Neutra
8) Estabelecendo uma relação com a charge, é CORRETO afirmar que o planejamento curricular:
a) ( ) É uma tarefa simples, que remete à definição de conteúdos, metodologias, recursos e pro-
cedimentos de avaliação que serão adotados pela escola.
b) ( ) Demanda uma modificação nas práticas pautadas na transmissão de uma cultura domi-
nante e na homogeneização dos sujeitos.
c) ( ) Requer uma decisão mais acertada na escolha do livro didático, de modo que esse possa
ser utilizado como plano curricular da escola.
d) ( ) Deve constituir-se em um trabalho técnico de definição das disciplinas que devem compor
e daquelas que devem sair do currículo escolar.
9) De acordo com Paulo Freire, quais são os princípios que devem ser levados em conta quando
se adota uma postura interdisciplinar no campo escolar?
76