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esde meados do século XX, com onipresente, indicam com alguma segurança
o desenvolvimento acelerado das que nossos estilos de vida serão fatalmente
tecnologias digitais, especial- alterados quando os microchips se tornarem
mente a partir da convergência tão abundantes que sistemas inteligentes
explosiva do computador e das serão espalhados aos milhões em todo canto
telecomunicações, as sociedades de nosso ambiente, incorporados às paredes,
complexas foram crescentemen- aos móveis, aos nossos aparelhos, nossa
te desenvolvendo uma habilidade casa, nosso carro, penetrando na estrutura
surpreendente para armazenar e de nossas vidas. Os ambientes irão se tornar
recuperar informações, tornan- inteligentes, transformando tudo à nossa
do-as instantaneamente dispo- volta, inclusive a natureza do comércio,
níveis em diferentes formas para quaisquer a riqueza das nações e o modo como nos
lugares. Pela mediação de interfaces do ser comunicamos, trabalhamos, nos diverti-
humano com as máquinas, o mundo está mos e vivemos. Em vez de se tornarem os
se tornando uma gigantesca rede de troca monstros vorazes retratados nos filmes de
de informações. Se podemos estar certos ficção científica, os computadores ficarão
de alguma coisa a respeito do futuro é que tão pequenos e onipresentes que se tornarão
a influência da tecnologia digital continua- invisíveis, estando em toda parte e em lugar
rá a crescer e a modificar grandemente nenhum, tão poderosos que desaparecerão
os modos como nos expressamos, nos de nossas vista. Esses dispositivos invisíveis
comunicamos, ensinamos e aprendemos, vão se comunicar uns com os outros e se
os modos como percebemos, pensamos e conectar automaticamente à Internet, que
interagimos no mundo. se desenvolverá até transformar-se em uma
O quadro que se apresenta é impressio- membrana composta por milhões de redes
nante. Kaku (2001, p. 18) sublinha que o computacionais de um planeta inteligente
conhecimento humano duplica a cada dez (Kaku, 2001, p. 29).
anos. Nas últimas décadas, foi gerado mais
conhecimento científico do que em toda a
história humana. O número de seqüências
de DNA que podemos analisar duplica *, -- / /"-Ê
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a cada dois anos. Quase diariamente, as
manchetes proclamam novos avanços em É curioso observar que, em meados dos
computação, telecomunicações, biotecno- anos 1980, quando a Internet estava emer-
logia e exploração do espaço. Mas essas gindo e a simbiose entre os seres humanos
mudanças rápidas, atordoantes, não são e as máquinas apenas se insinuava, em um
apenas quantitativas. “Elas assinalam as tipo de ficção que passou a ser conhecida sob
dores do parto de uma nova era.” a rubrica de ciberpunk, jovens escritores já
De fato, hoje são poucos aqueles que pressentiam os desenvolvimentos e comple-
ainda duvidam disso, tanto é que já parece xidades do estado atual e futuramente pro-
existir um certo consenso de que a revolução metido das tecnologias. Em 1986, Sterling
tecnológica que estamos atravessando é (apud Dyens, 2001, p. 73) dizia:
psíquica, cultural e socialmente muito mais
profunda do que foi a invenção do alfabeto, “A tecnologia dos anos 1980 cola-se à pele,
do que foi também a revolução provocada responde ao toque: o computador pessoal,
pela invenção de Gutenberg. Para muitos o walkman, o telefone portátil, as lentes de
analistas do social as mutações são vastas contato. Alguns temas centrais emergem
e profundas, atingindo proporções antro- repetidamente no ciberpunk. O tema da
pológicas tão ou mais impactantes do que invasão dos corpos: membros prostéticos,
foram as da revolução neolítica. circuito implantado, cirurgia plástica,
Os prognósticos atuais, no campo alteração genética. O tema ainda mais
emergente da computação “pervasiva” ou poderoso da invasão da mente: interfaces

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cérebro-computador, inteligência artificial, algo onipresente, mas que apresenta novas
neuroquímica – técnicas que radicalmente possibilidades para o prazer e a liberdade
redefinem a natureza da humanidade, a do indivíduo, bem como para sua destrui-
natureza do eu... Sendo híbridos eles mes- ção e escravização” (Kellner, 2001, pp.
mos, os ciberpunks são fascinados pelas 383, 402). Ao fim e ao cabo, para Kellner
interzonas”. (2001, p. 402), a ficção ciberpunk acaba
propondo
A palavra ciberpunk começou a ser usa-
da, em 1983, por Gardner Dozois, editor da “[…] profundas questões filosóficas sobre
Isaac Asimov’s Science Fiction Magazine, a natureza da realidade, da subjetividade
a partir de uma história homônima escrita e do ser humano no mundo da tecnologia:
por Bruce Bethke (ver Lemos, 2004). Desde o que é autenticamente humano quando
então, o termo passou a designar um tipo de se tornam indefinidas as fronteiras entre
ficção científica com características comuns humanidade e tecnologia? O que é iden-
que encontram sua exemplaridade na obra tidade humana, se ela for programável?
Neuromancer (1984), de William Gibson. O que sobra das noções de autenticidade
Nessa história, a personagem, como sanção e identidade numa implosão programada
por um dano cometido, é banida da imersão entre tecnologia e ser humano? O que é ‘rea-
em ambientes virtuais e condenada a viver lidade’, se ela é capaz de tanta simulação?
aprisionada nos limites de seu próprio cor- De que modo a realidade está hoje sendo
po. A construção de seres etéreos, de puro corroída, e quais são as conseqüências
software por meio da inteligência artificial, disso? Certamente, Gibson não responde
sugerida nessa novela, atingiu um clímax a essas perguntas, mas pelo menos suas
de popularidade depois do sucesso recente obras as formulam e nos obrigam a pensar
alcançado pela série de filmes Matrix e seus sobre elas”.
games correspondentes.
Nesse gênero de literatura, que une a Foi justamente no terreno sedimentado
ficção científica com outros códigos ge- por esse tipo de ficção e pelas inquietações
néricos populares, o estilo e as figuras do e indagações nela presentes que a expressão
movimento punk se amalgamam com outras “pós-humano” gradativamente tomou cor-
subculturas urbanas contestadoras. Segundo po. Conforme já indiquei em outra ocasião
Kellner (2001, p. 383), o punk denota “a (Santaella, 2003, p. 191), expressões simi-
rispidez e a atitude dura da vida urbana em lares, tais como “autômata bioinformático”,
aspectos como o sexo, as drogas, a violência “biomaquinal”, “pós-biológico”, foram
e a rebeldia contra o autoritarismo no modo aparecendo cada vez mais assiduamente em
de viver, na cultura pop e na moda”. Os dois publicações de arte e cultura cibernéticas
termos juntos, ciber e punk, “referem-se até que, em meados dos anos 1990, todas
ao casamento da subcultura high-tech com elas consolidaram-se no caldo da cibercul-
as culturas marginalizadas das ruas, ou à tura emergente. O sema comum que as une
tecnoconsciência e à cultura que fundem encontra-se no hibridismo do humano com
tecnologia de ponta com a alteração dos algo maquínico-informático, que estende
sentidos, da mente e da vida presente nas o humano para além de si. Assim, a con-
subculturas boêmias”. dição pós-humana diz respeito à natureza
O movimento ciberpunk abraça as tecno- da virtualidade, genética, vida inorgânica,
logias, mas de maneira rebelde, à margem ciborgues, inteligência distribuída, incor-
da lei, contra o Estado centralizador e as porando biologia, engenharia e sistemas de
grandes estruturas econômico-financeiras, informação. Por isso mesmo, os significados
sendo favorável, portanto, “a um uso sub- mais evidentes, que são costumeiramente
cultural mais descentralizado da ciência e associados à expressão “pós-humano”,
da tecnologia a serviço dos indivíduos”. unem-se às inquietações acerca do destino
Desse modo, enxerga “a tecnologia como biônico do corpo humano

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",*"-Ê*$-‡1 "-Ê cib(ernético)+org(anismo), foram Clynes e
Nathan Kline, em 1960, que criaram a pala-
vra, inspirados no experimento com o rato de
Segundo Dyens (2001, pp. 2-3), nos- Rockland, cuja bomba injetava em seu corpo
sos corpos são agora feitos de máquinas, doses controladas de substâncias químicas.
imagens e informações. Os corpos vivos Com o conceito de ciborgue, essa dupla bus-
estão borrados, moldados e transformados cava descrever o “homem ampliado”, melhor
pela tecnologia e a cultura está tomando adaptado para as viagens espaciais por meio
conta da biosfera. Do mesmo modo, Hayles de um coração controlado por injeções de
(1996, p. 12) considera que o pós-humano anfetamina e pulmões substituídos por uma
representa a construção do corpo como parte “célula energética inversa”, alimentada por
de um circuito integrado de informação e energia nuclear. Desde então, a idéia de um
matéria que inclui componentes humanos e ser humano ampliado pelas tecnologias co-
não-humanos, tanto chips de silício quanto meçou a se generalizar e, quando Haraway
tecidos orgânicos, bits de informação e bits fez uso do termo, o imaginário cultural
de carne e osso. acerca desse ser híbrido já estava suficien-
Um tal recorte semântico, pressagiando temente fertilizado pelo cinema e pela TV
o futuro de uma outra espécie de corpo, (ver Santaella, 2003, pp. 187-9).
nas interfaces do humano e do maquínico, São vários os termos aparentados a
é aquele que, sem dúvida, tem dominado “ciborgue” e nas vizinhanças da idéia do
no entendimento do pós-humano. Esse pós-humano que foram sendo introduzidos
predomínio tem sido grandemente devido à com a finalidade de caracterizar a mutação
apropriação política que as feministas fize- dos corpos como fruto das simbioses do ser
ram da expressão. O interesse das feministas humano com as próteses tecnológicas. Para
nas tecnologias políticas do corpo resulta do essa caracterização, desde 1998, nos meus
papel que o corpo, como figura socialmente trabalhos, e conforme explicitei em “O Cor-
construída, desempenha nos modos pelos po Biocibernético Revisitado” (Santaella,
quais a cultura é processada e orientada (Hal- 2004, pp. 53-64), tenho utilizado preferen-
berstam & Livingston, 1995). Reivindicar a cialmente o adjetivo “biocibernético” pelas
existência de corpos pós-humanos significa razões que volto a enunciar abaixo.
deslocar, tirar do lugar, as velhas identida- O sentido que dou a essa palavra “bio-
des e orientações hierárquicas, patriarcais, cibernético” é similar ao de “ciborgue”
centradas em valores masculinos. Entretanto, prefiro o termo “biocibernético”,
Nesse contexto ficou mundialmente de um lado, porque “bio” apresenta signifi-
famoso o “Manifesto Ciborgue: Ciência, cados mais abrangentes do que “org”, e, de
Tecnologia e Feminismo-socialista ao Final outro lado, porque “biocibernético” expõe
do Século XX”, de Donna Haraway (1985), a hibridização do biológico e do cibernéti-
no qual é proposta uma leitura progressista co de maneira mais explícita, além de que
e feminista do mito do ciborgue. Com seu não está culturalmente tão sobrecarregado
questionamento das dicotomias ocidentais quanto “ciborgue” com as conotações triun-
entre mente/corpo, organismo/máquina, falistas ou sombrias do imaginário fílmico
natureza/cultura, antinomias estas que e televisivo.
também davam suporte ao patriarcado, a Vêm sendo utilizados alguns outros
idéia do ciborgue penetrou intensamente na adjetivos para o corpo tecnologizado que
cultura, colocando em questão não apenas a ocupam regiões semânticas próximas às
relação do humano com a tecnologia, mas de biocibernético e de ciborgue, tais como
a própria ontologia do sujeito humano (ver “corpo protético”, “pós-orgânico”, “pós-
Härtel & Schade, 2000). biológico” e, na seqüência, “pós-huma-
Embora tenha notabilizado o termo “cibor- no”. Embora a palavra “prótese” seja bem
gue”, não foi Haraway quem o inventou. Nas- funcional para caracterizar as extensões
cido da junção de cyb(ernetic)+org(anism), tecnológicas do corpo, a meu ver o signi-

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ficado dessa palavra ficou muito colado
ao aspecto visível das extensões, idéia que
busco evitar, visto que, cada vez mais, as
extensões estão aderindo à fisicalidade de
nossos corpos e habitando seus interiores,
indicando uma tendência para se tornarem
invisíveis e mesmo imperceptíveis.
As expressões “pós-orgânico” e “pós-bio-
lógico” também são repetidas com freqüên-
cia. Sob o título de O Homem Pós-orgânico.
Corpo, Subjetividade e Tecnologias Digitais,
Paula Sibilia (2002) considera que, embora a
junção entre ser humano e tecnologia tenha
sempre existido, ela está se aprofundando
e se tornando mais crucial e problemática.
Peças-chave na tecnociência contemporânea
são a teleinformática e a biologia molecular.
Nesse contexto, segundo a autora, surge uma
possibilidade inusitada:

“O corpo humano, em sua antiga configura-


ção biológica, estaria se tornando obsoleto.
Intimidados pelas pressões de um meio am-
biente amalgamado com o artifício, os cor-
pos contemporâneos não conseguem fugir
das tiranias (e das delícias) do upgrade. Um
novo imperativo é internalizado, num jogo
espiralado que mistura prazeres, saberes e
poderes: o desejo de atingir a compatibili-
dade total com o tecnocosmos digitalizado.
Para efetivar tal sonho é necessário recorrer
à atualização tecnológica permanente: im-
põem-se, assim, os rituais do auto-upgrade
cotidiano” (Sibilia, 2002, p. 13).

Para Sibilia, esses fenômenos enqua-


dram-se na tradição fáustica do pensamento
ocidental sobre a tecnociência, o qual en-
xerga nesta a possibilidade de transcender
a condição humana. “Assim, valendo-se da
nova alquimia tecnocientífica, o ‘homem
pós-biológico’ teria condições de superar as
limitações impostas pela sua organicidade,
tanto em nível espacial quanto temporal”
(Sibilia, 2002, p. 14).
Dando a “pós-biológico” um sentido
distinto desse que é professado por Sibi-
lia, Roy Ascott não o entende no plano
ideológico de “certos sonhos fáusticos e
gnósticos que aspiram à transcendência”
e que “apelam para uma certa sacralização

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das tecnociências contemporânea, em sua carbono e a secura do silício. Por mais que as
fusão com o corpo humano, visando à liber- tecnologias se desenvolvam e se sofistiquem,
tação das restrições espaciais e temporais não as vejo como algo radicalmente estranho
ligadas à materialidade orgânica”. Segundo ao orgânico e biológico. São distintas, mas
Ascott (2003), o pós-biológico não se refere não estranhas. Tanto não são estranhas que
a sonhos, mas a processos reais, que nem estão hoje se misturando com o orgânico de
sempre podem ser explicados como frutos maneira cada vez mais inextricável.
de uma vontade humana demiúrgica, e que Quanto ao termo “pós-humano”, suas
sinalizam a emergência de uma era úmida conotações certamente implicam, mas ex-
(moist) que está nascendo da junção do ser trapolam de longe, a mera caracterização dos
humano molhado (wet) com o silício seco corpos. Não obstante incluam as mutações
(dry), e que se instalará especialmente a que as tecnologias estão provocando no real
partir do desenvolvimento das nanotec- do corpo, há dimensões antropológicas e
nologias, as quais, bem abaixo da pele, filosóficas implicadas nessa expressão que
passarão silenciosamente a interagir com a dotam de uma complexidade que envol-
as moléculas do corpo humano. ve, mas vai além da tecnologia e mesmo
O significado com que emprego o adjeti- da biologia.
vo “biocibernético” é similar ao significado
de “pós-biológico” para Ascott. Entretanto,
quando me refiro às transformações corpo-
rais, continuo preferindo “biocibernético” Ê
"  "Ê*$-‡1 
porque, mais do que seus possíveis subs-
titutos, esse adjetivo deixa explícita, como Embora o título do livro, Post-human
já foi mencionado acima, a hibridização Bodies (Halberstam & Livingston, 1995),
indiscernível entre o orgânico-biológico e o pareça restringir o “pós-humano” aos cor-
maquínico-cibernético, entre a umidade do pos, o conjunto de artigos de que o livro se
compõe tem como alvo discutir as profundas
mudanças tecnológicas, representacionais,
sexuais e teóricas nas quais os corpos estão
implicados. Para as organizadoras,

“Corpos pós-humanos são causas e efei-


tos de relações pós-modernas de poder e
de prazer, virtualidade e realidade, sexo e
suas conseqüências. O corpo pós-humano
é uma tecnologia, uma tela, uma imagem
projetada; é um corpo sob o signo da Aids,
um corpo contaminado, um corpo morto,
um corpo-tecno; ele é, como veremos, um
corpo gay. O corpo humano em si não faz
mais parte ‘da família do homem’, mas de
um zôo de pós-humanidades” (Halberstam
& Livingston, 1995, p. 3).

As autoras argumentam que a história,


concebida como história social e cronoló-
gica, está morrendo junto com o homem
branco da metafísica ocidental. Por isso
mesmo, os corpos pós-humanos não per-
tencem à história linear. São do passado
e do futuro vividos como crise. Essa crise

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presente “não desliza suavemente ao longo Nessa mesma esteira de reflexão, Felinto
de uma linha temporal unidimensional, mas (2006, p. 119) sublinha que o pós-huma-
irrompe e coalesce não localmente em um nismo pode ser entendido como “uma das
reino de significado que só é parcialmente mais relevantes ‘narrativas digitais’ com
temporalizável” (Halberstam & Livingston, que nos defrontamos hoje – uma narrativa
1995, p. 4). Dentro desse ideário, os artigos que encontra nos temas da transcendência,
do livro representam tentativas de dar conta do espiritualismo tecnológico, da informati-
do presente e processar identidades que “dei- zação do real e da expectação futurista utó-
xam traços nos corpos para se dissolverem pica alguns de seus elementos principais”.
no vórtice do que chamamos pós-moder- Todavia, ao tomar como base uma pesquisa
nismo, pós-humanismo, pós-colonialismo, cuidadosa realizada na Internet, Felinto
capitalismo pós-industrial”. Enfim, essa toma a precaução de distinguir entre um
proliferação de “pós-ismos” marca, ainda pós-humanismo semeado na Internet versus
segundo as autoras, simultaneamente, “a um pós-humanismo crítico. De fato, quando
falha necessária e lastimável de se imaginar se trata de uma questão como essa, sujeita
o que vem a seguir” e o reconhecimento a todos os tipos de exacerbação, há que se
daquilo que, no dizer de Derrida (1978, p. separar o joio do trigo. Senão vejamos.
293), sempre aparece como “o ainda não
nomeável que se proclama e só pode fazê-lo,
como é necessário, em qualquer momento
em que um nascimento está para se dar, 1Ê*$-‡1 -"Ê
apenas sob a espécie da não-espécie, na
ausência de forma, muda, infans, na forma 1-" -/
aterradora da monstruosidade”.
Na sua obra A Condição Pós-humana, A par de todas as instâncias de positivi-
o artista inglês Robert Pepperell (1995) dade que a Internet apresenta, ela também se
afirma que a expressão “pós-humano” pode constitui em terreno fértil para a proliferação
ser empregada em diversos sentidos. Os de ideologias obscuras e superficiais. Quan-
três sentidos em que ele a emprega podem do se trata de um tema como o pós-humano,
delinear seu significado geral, a saber: em prenhe de instigações complicadas, não é de
primeiro lugar, para marcar o fim do período estranhar que a Internet abra o flanco para a
de desenvolvimento social conhecido como expansão de interpretações impregnadas de
humanismo, de modo que pós-humano misticismo, que compreendem o humano
vem a significar “depois do humanismo”. como um estágio transitório na evolução da
Em segundo lugar, a expressão sinaliza o inteligência. Na seqüência dessa evolução,
fato de que nossa visão do que constitui o pós-humano significaria a superação das
o humano está passando por profundas fragilidades e vulnerabilidades de nossa
transformações. O que significa sermos condição humana, sobretudo do nosso des-
humanos hoje não é mais pensado da mesma tino para o envelhecimento e a morte. Tal
maneira em que era pensado anteriormente. superação seria atingida pela substituição
Em terceiro lugar, “pós-humano” refere-se de nossa natureza biológica por uma outra
a uma convergência geral dos organismos natureza artificialmente produzida que não
com as tecnologias até o ponto de tor- sofreria as limitações e constrangimentos
narem-se indistinguíveis. Para ele, essas de nosso ser orgânico, hoje obsoleto. A
tecnologias pós-humanas são: realidade meu ver, além de simplista, reducionista,
virtual (RV), comunicação global, protética essa compreensão é ilusionista. Embora
e nanotecnologia, redes neurais, algoritmos professe a idéia de uma evolução do ser
genéticos, manipulação genética e vida humano biológico para um ser liberto dos
artificial. Tudo isso junto deve representar limites do orgânico, falta a esse tipo de
uma nova era no desenvolvimento humano, compreensão justamente uma visão mais
a era pós-humana. clara do próprio evolucionismo e também

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do desenvolvimento antropológico da cons- coloca nas mãos do novo demiurgo humano
tituição simbólica do ser humano. para que ele conduza a pós-evolução, não
Certa está Sibilia (2002, p. 91) ao chamar apenas em nível individual como também
de “impulsos neognósticos” uma tal “retóri- quanto à espécie, hibridizando-se com as
ca mística e espiritualista, ligada aos novos diversas próteses bioinformáticas que já
dispositivos de saber e seus aparelhos tecno- estão à venda”.
lógicos”. É nessa corrente que se encontram
seitas radicais como a dos extropians (www. Embora, de fato, a condição pós-humana
extropy.org), que professam uma filosofia e a revolução biotecnológica que ela implica
“transumanista”, na qual o humanismo é estejam colocando a humanidade diante de
levado ao extremo, desafiando os limites dilemas éticos inéditos, é preciso reconhecer
humanos. Estes serão ultrapassados com a que a separação pressuposta entre a evo-
passagem para a condição transumana ou lução biológica e a evolução tecnológica
pós-humana. pode ser improcedente. Se partirmos do
Tais delírios pseudo-intelectuais, evi- pressuposto de que ambas as evoluções são
dentemente, não podem ser tomados como inseparáveis, conforme foi brilhantemente
definidores da problemática do pós-huma- discutido no livro de Merlin Donald, The
no. Infelizmente, na sua obra competente Evolution of Modern Mind. Three Stages
e bem informada, Sibilia (2002) generaliza in the Evolution of Culture and Cognition
sua compreensão crítica do pós-humano (1991), a atual aceleração tecnocientífica
dentro de um recorte que fixa a questão nas não representa outra coisa senão o terceiro
vizinhanças desses delírios. Ao citar um ciclo evolutivo do sapiens sapiens. Diante
artigo publicado na Scientific American, no disso, longe de ser determinada apenas pelos
qual é afirmado que a evolução tecnológica sonhos de onipotência humana, a condição
é dez vezes mais veloz do que a evolução atual pode estar inscrita no programa gené-
biológica, a autora lança uma pergunta, tico da espécie humana, um programa que
segundo ela, inevitável: “Como pretender não é determinista, mas imprevisível, pois
que o velho corpo humano – tão primitivo incorpora o acaso, e que teve início quando
em sua organicidade – não se torne obso- o humano se constituiu como tal, um ser
leto?”. A resposta imediata é que estamos paradoxal, natural e artificial ao mesmo
“inaugurando uma nova era: a da ‘evolução tempo, pois a fala que faz do humano o que
pós-humana’ ou pós-evolução, que supera ele é desnaturaliza-o, coloca-o, de saída,
em velocidade e eficiência os lentos ritmos fora da natureza. É muito justamente essa
da evolução natural” (Sibilia, 2002, p. 15). desnatureza congênita que a evolução tec-
A autora complementa: nocientífica atual está nos fazendo enxergar
em retrospectiva.
“As novas potências dos homens contempo-
râneos parecem estar marcando uma ruptura,
que muitos começam a apontar como o
fim da humanidade (seja celebrando-o ou *",Ê1Ê*$-‡1 -"Ê
condenando-o) e o início de uma nova era:
a pós-humanidade. Pois somente agora a
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criatura humana passaria a dispor, de fato,
das condições técnicas necessárias para se Tomando como base os argumentos
autocriticar, tornando-se um gestor de si na de Donald e outros similares, conforme
administração do seu próprio capital privado explanei em “Psicanálise e o Desafio do
e na escolha das opções disponíveis no merca- Pós-humano” (Santaella 2003, pp. 231-50),
do para modelar seu corpo e sua alma. Outro a meu ver, sem negar a originalidade das
corte radical emerge da dissolução das velhas mutações que a tecnociência está atualmente
fronteiras entre o organismo natural – o corpo introduzindo, não se pode deixar de conside-
biológico – e os artifícios que a tecnociência rar que elas estão na linha de continuidade

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e de aumento de complexidade daquilo que
tenho chamado de crescimento dos signos
na biosfera como fruto da externalização da
capacidade simbólica humana (Santaella,
2003, pp. 209-30; 1996, pp. 183-94), algo
que teve início no momento em que o ser
humano se constituiu como tal através da
posição bípede e da fala.
Trata-se de uma idéia similar àquela que
é defendida por Serres (1986, apud Bruno,
1999, p. 102), quando chama o homem de
animal cujo corpo abandona suas funções,
lançando-as no exterior, onde adquirem
novas funções. Assim, a boca evoluiu da
captura do alimento para a fala, a mão
deixou de ser pata e se soltou para pegar as
coisas, e mesmo fabricá-las, e, então, para
desenhar, escrever, etc.; a memória deixou
o cérebro para passar ao papel e agora aos
chips. Portanto, como lucidamente com-
plementa Bruno (1999, p. 102),

“[…] o homem que ‘abandona’ o seu corpo


é o homem que faz técnica, que se des-
prende do aqui e agora das circunstâncias,
das imposições do meio ou das urgências
vitais e produz, projeta o que não estava
aí. É aquele, portanto, que estabelece com
a natureza – com o seu corpo e com o seu
meio – não uma simples relação de acomo- De fato, se continuarmos a alimentar a
dação ou adaptação, mas de transformação. separação do corpo e da mente, da mente
Desse modo, não é o corpo nu ou natural e do cérebro, se continuarmos a alimen-
que estabelece a mediação ou a fronteira tar a dissociação entre esses últimos e as
entre o homem e o mundo, mas um corpo tecnologias, o inconsciente e destes entre
atravessado, modulado pela técnica – não é si, as reflexões sobre o pós-humanismo só
por acaso que esta também se define como poderão ficar atravancadas em estreitos
mediação. Mas isso não deve conduzir à pontos de vista parciais. Para evitar isso,
suposição de que a técnica seja um mero defendo a tese de que a técnica, hoje trans-
prolongamento das funções do corpo – aí mutada em tecnologia, remonta às origens
compreendidas as cognitivas –, pois, ao da constituição do ser humano como ser
disseminar suas funções no espaço externo, simbólico, ser de linguagem, de modo que
nem o corpo, nem o mundo permanecem as tecnologias atuais estão em uma linha de
os mesmos – o interior e o exterior, bem continuidade e representam uma crescente
como a mediação entre eles, ganham novos complexificação de um princípio que já se
contornos”. instalou de saída na instauração do humano.
Embora sob o disfarce insuspeito da natu-
Na mesma linha de pensamento, lançan- ralidade, a primeira tecnologia simbólica
do mão de um arco-íris histórico muito ex- está no nosso próprio corpo: a tecnologia
tenso, as idéias que tenho publicado buscam da fala. Certo estava Freud ao constatar,
reintegrar as posições fragmentárias que depois da virada dos anos 1920, que o ser
têm surgido no contexto do pós-humano. falante é um animal desnaturalizado. A fala

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nos arranca do mundo natural e nos coloca, As tecnologias simbólicas, ou tecnologias
sem retorno possível, no artifício. Falar não da inteligência, que hoje já começam a
é natural. Natural é sugar, chupar, comer, tomar conta também do nosso corpo, são
respirar. Falar, cantar, beijar, chorar e rir são extrassomatizações do cérebro humano.
funções inseparáveis de um mesmo artifício, Desde as primeiras imagens nas grutas e das
o artifício da maquinaria simbólica que está primeiras formas de escritura, o neocórtex
instalada em nosso próprio corpo. Dessa vem crescendo, expandindo-se na biosfera,
primeira maquinaria, de cuja fabricação não fora da caixa craniana.
participamos, pois ela foi paradoxalmente Por tudo isso e por acreditar que, dentro
instalada em nós pela natureza, todas as de um processo evolutivo que já vem de
outras maquinarias, técnicas, artifícios ou muito longe, a espécie humana está hoje,
tecnologias são prolongamentos, conforme de fato, ganhando contornos imprevisíveis,
venho argumentando há alguns anos (San- para me referir à heterogeneidade do cor-
taella, 1994, 2003). po hibridizado com as tecnologias, venho
A Internet já estava inscrita em nossa utilizando, desde 1998, o termo “biociber-
constituição simbólica no momento em nético” com um sentido mais amplo do que
que o ser humano se tornou bípede, a testa o de “protético” e de “ciborgue”, embora
se ergueu, o neocórtex se desenvolveu, inclua ambos, conforme já explicitei aci-
dando-se a emergência desse aconteci- ma. Para me referir à atual necessidade de
mento único na biosfera, a fala humana, repensamento do humano na pluralidade
até hoje tão inexplicável quanto a própria de suas dimensões – molecular, corporal,
vida. Falamos porque o aparelho fonador psíquica, social, antropológica, filosófica,
se organizou através do empréstimo de etc. – utilizo o termo “pós-humano”.
uma série de órgãos que servem a outras Em suma, nos meus escritos sobre o
funções que não a da fala. Por isso, a fala já tema, tenho buscado evidenciar o papel
é uma espécie de tecnologia, já é artificial. que a transformação tecnológica do corpo
Depois da fala, vieram as escritas e todas vem desempenhando para a emergência do
as máquinas para a produção técnica de pós-humano, este entendido não só como
imagens, sons, audiovisuais e, atualmente, resultado dessas transformações, mas,
da hipermídia junto com os avanços das sobretudo, como desconstrução das certe-
simulações computacionais na realidade zas ontológicas e metafísicas implicadas
virtual, robótica e vida artificial. nas tradicionais categorias, geralmente
Essas tecnologias não são tão estranhas dicotômicas, de sujeito, subjetividade e
a nós quanto parecem ser. São prolonga- identidade subjacentes às concepções hu-
mentos do nosso corpo e da nossa mente. manistas que alimentaram a filosofia e as
Ao mesmo tempo que o neocórtex não ciências do homem nos últimos séculos e
pode parar de crescer, ele não pode conti- que hoje, inadiavelmente, reclamam por
nuar crescendo dentro da caixa craniana. uma revisão radical.

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