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Aula 11

Gestão Participativa no SUS


MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção Primária à Saúde
Departamento de Prevenção e
Promoção da Saúde

Projeto Cuida APS

Curso de Extensão EaD


Gestão dos Serviços da APS e o
Monitoramento do Cuidado das Pessoas
com Condições Crônicas

Aula 11
Gestão Participativa no SUS

Marco Antonio Silva dos Santos

São Paulo – SP
2021-2023
Créditos

MINISTÉRIO DA SAÚDE HOSPITAL ALEMÃO OSWALDO CRUZ


Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Diretor Presidente:
Único de Saúde - PROADI/SUS José Marcelo de Oliveira
Projeto Cuida APS: Cuidado das Pessoas com Doenças Crônicas Diretora Executiva de Sustentabilidade e Responsabilidade Social:
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EQUIPES DIRETIVAS Saúde Digital:
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Ministra da Saúde: Gerente de Projetos:
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Secretaria de Atenção Primária à Saúde:
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Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde: Fernando Freitas Alves
Andrey Roosewelt Chagas Lemos Flávia Landgraf
Coordenadora-Geral de Prevenção às Condições Crônicas na Gilmara Lúcia dos Santos
Atenção Primária à Saúde: Lara Paixão
Gilmara Lúcia dos Santos Marcela Alvarenga de Moraes
Samara Kielmann
CONASEMS
Presidente:
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FECS - FACULDADE DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
Secretário Executivo:
Diretoria Acadêmica
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Coordenação Geral de Pós-graduação:
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Secretaria Acadêmica e Apoio:
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EQUIPE TÉCNICA DO HOSPITAL ALEMÃO OSWALDO CRUZ (HAOC)


Coordenadora: Gestão dos Processos de EaD:
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Lara Paixão Coordenação do Curso:
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Iara de Oliveira Lopes Revisão Textual:
Leonardo Graever Emilene Lubianco de Sá
Patrícia Sampaio Chueiri

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 03


Sumário

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS

Apresentação da Aula ................................................................................................................................................................................................. 05

Objetivos de Aprendizagem ................................................................................................................................................................................. 06

Participação: princípio do SUS ............................................................................................................................................................................ 07

SUS: a história de uma conquista da participação ....................................................................................................... 07

Conselhos de Saúde: a gestão participativa enraizada no SUS ......................................................................... 09

Funcionamento dos conselhos de saúde .............................................................................................................................. 10

Gestão participativa para além dos conselhos de saúde ........................................................................................... 11

Conceitos e desafios da gestão participativa .......................................................................................................................................... 14

Breves conceitos sobre participação .......................................................................................................................................... 14

Determinantes sociais da saúde: marginalização x participação ...................................................................... 16

Decisões coletivas e decisões centralizadas ......................................................................................................................... 17

Participação burocrática ....................................................................................................................................................................... 19

Praticando a gestão participativa .................................................................................................................................................................... 20

Elementos da gestão participativa ............................................................................................................................................. 20

Diálogo ............................................................................................................................................................................................. 21

A conversa coletiva ............................................................................................................................................................... 22


Condições, estrutura e recursos ................................................................................................................................ 23

Dez ações para a gestão participativa ................................................................................................................. 23

Exemplos práticos ..................................................................................................................................................................................... 26

Pequenas equipes ................................................................................................................................................................. 26

Equipes maiores (Unidade de Saúde) ................................................................................................................. 27

Comunidade imediata ...................................................................................................................................................... 27

Conselhos locais de saúde ............................................................................................................................................. 28

Esferas centrais da gestão participativa ............................................................................................................ 29

Considerações Finais ................................................................................................................................................................................................... 30

Anexo I - Legislação sobre a participação no SUS ............................................................................................................................... 31


Referências ............................................................................................................................................................................................................................ 33

O Autor ..................................................................................................................................................................................................................................... 35

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 04


Projeto Cuida APS

Apresentação da Aula

Olá, gestores(as) e trabalhadores(as) do Sistema Único de Saúde (SUS)!

Sabe aquele dia em que a gente acorda e lembra: ”Vixe! Hoje tem conselho
gestor!”, ou “tem reunião com a comunidade!”. Muitos, assim como a Marilda, já passaram
por isso. Não tem como escapar. A participação é uma tarefa do gestor e dos conselhos
definidos por lei. A história deles é muito bonita e se funde à história do SUS.

Sempre ouvimos que o SUS foi uma das grandes conquistas da Constituição de
1988. Por ser uma conquista, teve luta, teve força coletiva. E por nascer da luta coletiva, a
participação foi incorporada no funcionamento da saúde. No fundo, o objeto de nossa
conversa nesta aula é a luta coletiva que travamos cotidianamente trabalhando nas
Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Nós, profissionais da saúde, temos a nobre missão de acolher, amenizar a dor e


promover saúde. A missão do SUS é garantir que ninguém fique sem amparo. Por isso,
cuidar da saúde é um ato de cidadania. Garantir cidadania é garantir mais participação.
Mais participação é garantir mais saúde? Acreditamos que sim.

Na primeira parte, veremos a participação no SUS, sua história e sua forma


enraizada na legislação, assim como os conselhos de saúde. Essa parte pode ser meio
árida, mas em seguida abordaremos a participação além dos conselhos, refletindo sobre
como a nossa gestão pode ser mais participativa no dia a dia. Na segunda parte,
olharemos um pouco para os conceitos e desafios da participação. Na terceira parte, para
finalizar, vamos nos aproximar da prática participativa por meio de seus elementos e de
exemplos concretos, principalmente nas videoaulas.

No Anexo 1 vocês encontrarão um quadro com links de acesso a leis, resoluções e


regimentos que poderão orientá-los sobre o trabalho dos conselhos gestores de saúde e
a participação no SUS.

Caros(as) colegas gestores(as) e trabalhadores(as) do SUS, a diversidade


humana é fascinante e nos permite descobrir sabedorias e reconhecer limites. A
gestão participativa, embora trabalhosa, é uma janela que sempre amplia horizontes.

Faça chuva ou faça sol, é importante abri-la!

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 05


Projeto Cuida APS

Objetivos de Aprendizagem

Ao final desta aula, vocês serão capazes de:


✓ compreender o papel da participação e dos conselhos de
saúde na constituição do SUS;
✓ entender como funcionam os conselhos de saúde do SUS,
conhecendo sua estrutura legal;
✓ aprender como encontrar informações e modelos para
trabalhar com conselhos;
✓ refletir sobre as dificuldades e limitações da gestão
participativa e dos conselhos de saúde;
✓ refletir sobre a gestão participativa na prática cotidiana de
uma UBS, para além dos conselhos;
✓ conhecer estratégias e ferramentas para o exercício da gestão
participativa no SUS, através de exemplos práticos.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 06


Projeto Cuida APS

Participação: princípio do SUS

Iniciaremos esta aula com uma breve caminhada pela história do SUS, que é
ligada a conselhos populares de saúde. Passaremos pelas leis que regem nosso sistema
de saúde, como incluem a participação e como funcionam os conselhos gestores de
saúde do SUS. Finalizando essa etapa, abordaremos a participação para além dos
conselhos.

SUS: a história de uma conquista da participação

Antes de entender como se dá a gestão participativa no SUS, é fundamental


compreendermos como chegamos a um sistema de saúde que tem a participação como
princípio formalizado em lei.

O SUS é uma conquista democrática. Entre o final dos anos 1970 e início dos anos
1980, o Brasil passou por uma importante transformação política, saindo de uma ditadura
militar, iniciada em 1964, para a Nova República, iniciada em 1985. Em meio à luta por
direitos civis, a luta pelo direito à saúde teve grande destaque. Além da formulação
acadêmica por um sistema de saúde que incluísse as pessoas desassistidas, movimentos
populares se organizaram para defender melhorias dos equipamentos de saúde.
Destacou-se o movimento de saúde da Zona Leste da cidade de São Paulo, que
organizou conselhos populares, chegando a realizar eleições com a participação de mais
de oito mil pessoas. O vídeo abaixo mostra como foi esse movimento. Não deixem de ver!

Saiba Mais
Vejam o vídeo sobre a história dos conselhos populares da Zona
Leste de São Paulo, movimento precursor e inspirador dos
conselhos gestores do SUS, clicando aqui.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 07


Projeto Cuida APS

Um momento marcante dessa luta que celebra a confluência de um projeto


técnico do SUS com a luta dos movimentos sociais foi a 8ª Conferência Nacional de
Saúde ocorrida em 1986. Diferentemente de todas as outras conferências, essa foi a
primeira conferência que contou com a participação da população usuária, não se
resumindo a gestores e técnicos da área da saúde. A 8ª Conferência Nacional de Saúde
formulou as bases das propostas que, levadas à Assembleia Nacional Constituinte,
consolidou a saúde como direito de todos e dever do estado. A Constituição cidadã de
1988 representa um grande avanço nos direitos civis do país, e o direito à saúde é uma
das conquistas mais importantes.

Saiba Mais
No material anexo a esta aula vocês encontram a referência para o
Art. 198 da Seção II “Da Saúde”, da Constituição Federal, que tem a
diretriz: PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE.
Para um aprofundamento na história e nos valores participativos
que fundam o SUS, assistam ao discurso do professor Sérgio
Arouca na abertura da 8ª Conferência Nacional de Saúde, com o
tema Saúde e Democracia, clicando aqui.

Figura 1. Ginásio onde ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde

Fonte: Revista Consensus – CONASS (p. 37)1.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 08


Projeto Cuida APS

Conselhos de Saúde: a gestão participativa enraizada no


SUS
É uma tarefa dos(as) gestores(as) da saúde organizar e atuar nos espaços de
participação do SUS. Já sabemos que essa é uma árdua tarefa que temos que cumprir.

É obrigação legal constituir os conselhos e conferências, e é por meio deles que a


participação no SUS se enraíza no cotidiano dos serviços de saúde. A Lei nº 8.080/1990,
que regula o SUS, ratifica a participação como diretriz. A Lei nº 8.142/1990 cria as
conferências e conselhos de saúde municipais e estaduais. As conferências devem ser
periódicas, com um intervalo máximo de 4 anos2,3.

Nesta aula, focaremos mais nos conselhos, e não tanto nas conferências. Os
municípios são obrigados a ter um conselho municipal de saúde e realizar as
conferências de saúde. Alguns municípios passaram a organizar conselhos dentro de
uma cidade, criando conselhos distritais e locais como os conselhos das Unidades Básicas
de Saúde. Esses conselhos não são obrigados por leis nacionais, e dependem da
legislação de cada município. Esse processo de capilarização dos conselhos de saúde foi
referendado por diversas resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS), dentre as
quais a Resolução nº 453/2012 é a mais recente. E em seu município, como os conselhos
de saúde são organizados? Vocês já participaram ou participam frequentemente das
reuniões e debates?

Conceito-chave
Um conselho de saúde tem caráter permanente e deliberativo, é órgão
colegiado e “[…] atua na formulação de estratégias e no controle da
execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive
nos aspectos econômicos e financeiros”4.

As resoluções do conselho de saúde devem ser homologadas e publicizadas pelo


responsável da instância correspondente (prefeito, governador ou gestor da UBS) em um
prazo de 30 dias. Decorrido o prazo, caso as resoluções não sejam homologadas nem
justificadas, os integrantes do conselho de saúde podem buscar a validação das
resoluções, recorrendo à justiça e ao Ministério Público, conforme resolução do Conselho
Nacional de Saúde4.

Acreditem, o SUS tem uma das legislações de participação na saúde mais


avançadas do mundo. Os usuários dos serviços dividem com trabalhadores e gestores o
poder de decidir os rumos dos serviços e sistemas de saúde.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 09


Projeto Cuida APS

Funcionamento dos conselhos de saúde

É da natureza burocrática da legislação a determinação de minúcias e regras.


Para apoiar nossos(as) colegas gestores(as), colocamos aqui breves tópicos sobre o
funcionamento de um conselho de saúde. Disponibilizamos adiante referências pelas
quais podem ser obtidas informações sobre legislação: existe uma ampla literatura e
muitos materiais disponíveis na internet sobre os conselhos e conferências. Procurem por
cadernos de leis e modelos de regimento que possam ajudar a organizar a tarefa
burocrática. Ressaltamos que a apropriação das regras potencializa a comunicação e o
encaminhamento das resoluções, dando força às instâncias participativas.

Quadro 1. Organizando os conselhos de saúde

Regimento

Deve ser formulado pelo próprio conselho, em consonância com as


legislações das esferas superiores, e deve organizar a quantidade de
participantes, o funcionamento das reuniões e a distribuição de tarefas
com sua própria realidade. Na videoaula 1, apresentamos como
exemplo o regimento de um Conselho Local de Saúde Indígena (CLSI),
que incorpora o modo de decidir da comunidade.

Composição

O tamanho deve ser definido pelo regimento ou pela legislação da


esfera correspondente, mas sempre deve ter a seguinte proporção: 50%
representantes de usuários; 25% de representantes de trabalhadores da
área de saúde; e 25% de representação de gestores, incluindo entidades
prestadoras de serviços. São exceções os CLSIs e o Fórum de
Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena.

Reuniões

Devem ser mensais, podendo ocorrer sessões extraordinárias. Devem


ser abertas à participação e manifestação da comunidade.

Deliberações

O Pleno do Conselho de Saúde deverá manifestar-se por meio de


resoluções, recomendações, moções e outros atos deliberativos.

Fonte: elaboração própria.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 10


Projeto Cuida APS

Se vocês estão pensando que o conselho gestor da sua unidade não está
organizado nem funcionando dessa forma, ainda é tempo de propor essa organização e
sentir os efeitos desse movimento. Vamos tentar?

Saiba Mais
Colocamos aqui alguns compilados de legislação feitos por
municípios, que podem ser usados para pesquisa e referência
pelos(as) gestores(as):
• Florianópolis
• Fortaleza
• São Paulo

Gestão participativa para além dos conselhos de saúde

Respirem fundo, colegas gestores(as), esta parte da conversa é mais prática!

Entendemos que a gestão participativa não deve ser compreendida como mera
tarefa burocrática. Trabalhamos com a gestão dos serviços de saúde e devemos cumprir
essa tarefa reconhecendo que ela terá mais sentido à medida que estivermos ligados às
origens da participação no SUS. A boa gestão participativa é uma ação de promoção de
saúde.

Pensando Fora da Caixa


O que cabe na promoção da saúde? Considerando a íntima relação
entre saúde e autonomia, pensada como capacidade de autocuidado
e de exercício pleno da vitalidade, promover serviços de saúde em que
todos possam contribuir para os rumos do cuidado individual e
coletivo é promover saúde.

Sendo assim, colocamos aqui um importante desafio de participação: as


atividades cotidianas da gestão dos serviços de saúde podem e devem incorporar o
princípio da participação nos diversos espaços coletivos.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 11


Projeto Cuida APS

As atividades de uma Equipe de Saúde da Família, uma reunião dos trabalhadores


da Unidade de Saúde e encontros com os usuários nos diferentes espaços podem
potencializar a participação.

As reuniões entre trabalhadores da Unidade de Saúde devem dar voz aos


diferentes pontos de vista, experiências e realidades do serviço. Os arranjos de encontros
devem se adaptar às necessidades e aos processos de trabalho. Ampliar a participação
implica ter todas as categorias representadas e todo trabalhador ter um espaço
garantido no qual possa se manifestar. Promover um momento em que toda a UBS
esteja junta, olho no olho e com voz garantida fortalece os pactos e legitima as decisões.

É importante ter atenção às diferentes expertises individuais e potencializá-las.


Uma perspectiva participativa deve estar atenta ao fato de que a diversidade implica
na complementaridade das capacidades. A participação se realiza na diversidade de
contribuições para soluções aos problemas. Compartilhamos da ideia de que o
trabalhador que enxerga no resultado do trabalho sua força e sua criatividade será um
profissional mais realizado e mais produtivo.

Ligando Pontos
Na Aula 10 – Gestão de Pessoas, foi abordado o papel do gestor e
o trabalho em equipes.

Encontros com usuários dentro da unidade (grupos, salas de espera etc.) são
oportunidades de amplificar a escuta sobre os problemas do serviço. É bom ouvir mais
pessoas além daquelas que ocupam os espaços formais de participação. Aproveitem
essas oportunidades e favoreçam esses encontros. Na Videoaula 1 - Participação da
Comunidade, apresentamos como exemplo um caso de ampliação de multiplicadoras
de um grupo de alimentação saudável que ocupavam e atuavam nos espaços
administrativos da Unidade de Saúde.

Videoaula
Vocês podem acessar a Videoaula 1 -
Participação da Comunidade por este
QR Code (aponte a câmera do celular
para visualizar) ou clicando aqui.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 12


Projeto Cuida APS

As ações fora dos muros da unidade têm papel fundamental na troca entre
comunidade e serviço. Segundo a definição de território que compõe a formulação da
Estratégia Saúde da Família (ESF) expressa nos documentos oficiais, propõe-se uma
territorialização dos equipamentos que supera o olhar burocrático da área de
abrangência e avança para a compreensão do modo de vida, dos contextos ambientais,
urbanísticos e culturais da comunidade atendida. O território é definido também pela
abrangência dos espaços de participação nos conselhos de saúde na Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB) de 20125.

Consolidar canais de comunicação com movimentos sociais e com outros


equipamentos do território também pode ser compreendido como uma gestão
participativa. Mais adiante, nesta aula, no tópico 3, “Praticando a gestão participativa”, em
especial na Videoaula 2 - Dimensão territorial da participação, abordaremos exemplos
sobre a dimensão territorial da participação.

Ligando Pontos
A aula 3, sobre Planejamento em Saúde, traz o conceito de
território de Milton Santos, que inspira a perspectiva de território
que tratamos aqui.

Fonte: Imagem - Webdoc Brasil, aqui tem SUS/Levante Filmes/Conasems©.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 13


Projeto Cuida APS

Conceitos e desafios da gestão


participativa
Como vimos até aqui, a participação no SUS se funde com a sua história. O SUS
surge da mistura dos sonhos de uma sociedade saudável e democrática, e sua trajetória
consolida os conselhos e as conferências, instrumentos importantes de participação.

Nesta parte da aula, abordaremos os breves conceitos da gestão participativa e


seus obstáculos e contradições. Um equívoco comum, nos parece, é o de idealizar a
participação, achando que ela será uma força sempre resolutiva e justa. Não será. A
existência de um conselho gestor de saúde não garante imediatamente que uma
gestão seja participativa e democrática.

Além disso, apesar de os conselhos serem deliberativos por lei, muitas vezes suas
deliberações não serão capazes de se impor, prevalecendo a decisão de quem detém o
poder administrativo. Existem políticas públicas que acabam por ser implantadas à
revelia das conferências, por exemplo. Por isso, trabalhar com conselhos demanda
atenção às complexas correlações de forças em nossa sociedade.

Breves conceitos sobre participação

Mas, enfim, o que é participação? O que são conselhos? Ao longo de nossa


conversa, tocamos em vários conceitos sem defini-los. Não temos essa pretensão
extensiva aqui, mas faremos uma breve síntese.

A participação está em toda parte na sociedade civil e faz parte da realidade social
mesmo quando não está estruturada, podendo ser considerada uma necessidade
humana. Sua natureza é relacional e é fruto e consequência da transformação da
sociedade, variando de lugar para lugar com os contextos sociais e históricos. A
participação é um conceito amplamente utilizado, seja no senso comum, seja na política
e nas ciências humanas, e tem uma quantidade imensa de significados. Nas análises
teóricas sobre participação, frequentemente se considera uma gradação de intensidade.
Seu significado pode ser forte ou fraco: existem concepções e práticas fracas, meramente
informativas e simbólicas, que decidem questões de menor importância, e existem
concepções e práticas fortes, com caráter deliberativo real sobre questões importantes6.

A Figura 2 ilustra esse processo de participação.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 14


Projeto Cuida APS

Figura 2. Diagrama de intensidade de participação


Controle

Dirigentes

Membros

Maior participação

Fonte: adaptada de Bordenave (p. 31)7.

Nós nos alinhamos com uma perspectiva forte da participação, definida, conforme
Carlos Milani, da seguinte forma:

[…] a participação social cidadã é aquela que configura formas de


intervenção individual e coletiva, que supõem redes de interação variadas
e complexas determinadas (provenientes da “qualidade” da cidadania) por
relações entre pessoas, grupos e instituições como o Estado. A
participação social deriva de uma concepção de cidadania ativa. […] a
participação se desenvolve em esferas sempre marcadas, também, por
relações de conflito e pode comportar manipulação (p. 560)8.

Os conselhos também fazem parte das sociedades há muito tempo, desde a


antiguidade ou além, sendo passível de muitas interpretações. Segue uma descrição de
Labra, de 2005, citada por Martins et al., sobre os conselhos de saúde, e que ressoa com
nosso ponto de vista:

[…] conselhos [de saúde] são considerados uma estratégia institucional,


que tem por finalidade não somente abrir as portas do setor saúde à
participação da sociedade civil organizada, mas reforçar a dinâmica social,
no sentido de sua organização em associações de interesse, facilitando a
disseminação da cultura participativa própria de uma comunidade cívica,
que encontra na justiça, na equidade, na solidariedade, na confiança e na
tolerância seus princípios fundamentais (p. 106)9.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 15


Projeto Cuida APS

Determinantes sociais da saúde:


marginalização x participação
Parceiros(as), olhem à sua volta, para seu município ou sua região e reflitam: o SUS
realiza com plena qualidade um sistema universal de saúde?

Os avanços são muitos; os retrocessos, também. O fato é que temos muito a


trilhar. O acesso à saúde segue muito desigual, reflexo de um dos países mais desiguais
do mundo. Existe uma farta literatura mostrando que quanto piores as condições sociais,
maior o índice de adoecimento.

Bordenave propõe como exercício considerar o que constitui o contrário da


participação e identifica que é a marginalização7. O Brasil, em sua história, carrega as
marcas de marginalizações estruturais, e a mais marcante delas é a escravidão que,
mesmo depois de abolida, sustenta até hoje suas mazelas. Não é coincidência que o
Congresso Nacional conte com a participação de apenas um indígena e menos de 25% é
de pessoas pretas ou pardas.

No nosso cotidiano de trabalho na Atenção Primária, essa realidade salta aos


nossos olhos, não importando a região. Sabemos que os mais marginalizados têm as
maiores dificuldades de cuidar da saúde. Por outro lado, experimentamos no SUS a
importância de uma porta aberta para todos. A participação, ousamos aqui dizer, é a
própria luta pela existência do SUS. Assim como as portas de um sistema universal de
saúde, as portas dos conselhos devem estar abertas para qualquer cidadão.

Nesse sentido, a participação é um vetor que rema contra a corrente para superar
a desigualdade, talvez a pior doença do nosso país.

Fonte: O SUS em fotos : promoção da saúde, produção de sentidos. Biblioteca Virtual em Saúde. Imagem: Radilson Carlos
Gomes da Silva.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 16


Projeto Cuida APS

Decisões coletivas e decisões centralizadas

Gostaríamos de destacar dois obstáculos que sempre estarão presentes para a


gestão participativa: o tempo que as decisões coletivas demandam e o tamanho dos
coletivos representados. Bordenave destaca que quanto maiores os coletivos, mais difícil
fica a participação nas decisões, e essa condição demanda delegar e promover
representantes, distanciando cada indivíduo da decisão7.

Quanto aos prazos, muitas vezes a velocidade com que as necessidades se


apresentam não permite que todas as decisões sejam tomadas coletivamente. É
fundamental que o(a) gestor(a) equilibre as ações que devem ter presteza na execução
com aquelas que não podem deixar de ser tomadas nos fóruns participativos amplos. Por
exemplo, a forma como cada Unidade de Saúde definirá os fluxos de marcação de
consulta deve ser pactuado com a comunidade e com os trabalhadores. Na Videoaula 2 –
Dimensão territorial da participação, vocês verão um relato sobre isso!

Minissérie
Vocês se lembram da minissérie do curso? No
Episódio 7 podemos perceber a importância de
Marilda ouvir as necessidades de todas e todos
para melhor atender à população. Decisões que
precisam ser tomadas com urgência podem ser
submetidas ao coletivo para que sejam avaliadas
e ratificadas. A formação de pequenos grupos
consultores pode ser uma saída útil para a
tomada de decisões sensíveis e que exijam
presteza ou confidencialidade.
Vocês podem acessar a minissérie por este QR
Code (aponte a câmera do celular para visualizar)
ou clicando aqui.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 17


Projeto Cuida APS

É preciso reconhecer a importância das decisões centrais quando se referem a


territórios de escalas mais amplas, como um município de grande porte ou um estado.
Por exemplo, os fluxos de encaminhamento para os níveis secundário e terciário terão
pouca governabilidade local. A consolidação de dados para a construção de indicadores
gerais deve ser padronizada. A pactuação desses pontos dificilmente será imediata e
demandará representação.

Aqui vale um alerta, caro(a) gestor(a): se é fundamental respeitar os processos


centralizados que dizem respeito a amplos coletivos, o contrário também é válido.

Quem nunca ficou transtornado com uma orientação geral vinda de esferas
centrais (às vezes distantes), que determinaram um procedimento que não condiz com a
realidade local? Houve uma época em que diziam: “— Brasília que mandou!” — Aí não
dava nem para brigar com “a Brasília”!

Esse fenômeno é um dos mais adoecedores do trabalho da APS, na nossa opinião.


Gestores locais, com sua função de coordenação, devem estar atentos a esse processo e
devem tanto buscar formas de comunicar os níveis centrais, como formular, em conjunto
com sua equipe, respostas técnicas e saídas práticas. É importante evitar uma inversão da
força ordenadora do processo de trabalho. Nunca devemos perder de vista que nosso
objeto fundamental são as necessidades reais de saúde da população, e não as
burocracias.

Isso não é, em hipótese alguma, uma recusa aos processos de avaliação e


produção de indicadores. Estarmos atentos às atividades burocráticas essenciais, priorizá-
las e dar retornos consolidados e periódicos aos trabalhadores e usuários motiva e, ainda,
qualifica a produção de dados. No sentido contrário, evitar processos de trabalho que não
contribuem para o cuidado da população produz coesão e respeito entre os
trabalhadores que se sentem cuidados e defendidos. Como exemplo, na videoaula 3
citamos a importância de se evitar trabalhos burocráticos duplicados.

Ligando Pontos
Na aula 12, sobre Saúde do Trabalhador, será possível identificar
como a organização do processo de trabalho e a sobrecarga podem
adoecer os profissionais da saúde. Muitos casos de assédio moral
podem estar relacionados com regras e metas institucionais.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 18


Projeto Cuida APS

A unidade e a força dos conselhos gestores podem ser muito efetivas em apoiar o
gestor na mediação entre as necessidades locais e as instâncias centrais da gestão.
Nunca devemos nos esquecer que tais conselhos são deliberativos e têm poder de
decisão sobre o processo de trabalho.

O papel de centralidade da coordenação deve cuidar das funções executivas: o


acompanhamento das ações; a avaliação do cumprimento das decisões; a identificação, a
comunicação e o cumprimento dos pactos realizados coletivamente. Isso é chato, mas
alguém tem que cumprir essa tarefa. No exemplo da videoaula 3, podemos ver como os
pactos coletivos podem ajudar nos momentos em que se faz necessária uma ação de
correção ou até de sanção.

Participação burocrática

Outro obstáculo importante à participação são as situações de acomodação e


cooptação das forças participativas. Por vezes, os conselhos podem ficar numa posição
pouco crítica e pouco ativa frente às necessidades de saúde da comunidade, escondendo
as divergências, cumprindo uma exigência burocrática em vez de ser um instrumento de
participação real. Outras vezes, os conselhos podem virar um amontoado de demandas
individuais e com dificuldade de olhar para as necessidades coletivas.

Devemos estar atentos a esses processos. Como mostramos na Figura 2, quanto


maior o controle dos membros em relação aos dirigentes, maior é a participação; ou seja,
as pessoas podem participar mais ativamente de decisões importantes e cruciais. Uma
participação meramente simbólica, que se apresenta apenas para informar e consultar
para decisões pouco importantes (como a cor da parede da unidade de saúde) pode ser
um tipo de armadilha que limita uma participação real.

Resumir a participação aos conselhos pode anestesiar outros movimentos


espontâneos e independentes, muitas vezes legítimos e importantes. Para além do fórum
participativo, a participação se faz com implicação e mobilização. Os conselhos e gestores
devem respeitar, acolher e tentar somar forças com os diferentes atores sociais do
território. A força real de transformação é a capacidade de mobilização e de manifestação
de uma parcela significativa e visível da comunidade, e não apenas uma decisão com
poucas pessoas.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 19


Projeto Cuida APS

Praticando a gestão participativa

Como fazer? Neste tópico, nos aproximaremos mais da prática.

Abordaremos, na primeira parte, elementos que compõem a gestão participativa.


Na segunda parte, traremos exemplos práticos e reais, que podem ajudar no
enfrentamento de situações com as quais os(as) gestores(as) comumente se deparam no
dia a dia. Naturalmente escolhemos exemplos de situações bem-sucedidas, mas muitas
vezes as coisas não dão certo. Não existe fórmula mágica para a gestão participativa.
Existe paciência, persistência e muita disposição para o diálogo.

Elementos da gestão participativa

Inicialmente, destacamos dois elementos fundamentais da participação: o diálogo


e as conversas coletivas. Em seguida, observamos as necessidades estruturais. E, para
finalizar o tópico, organizamos uma lista de ações que nos ajudam a garantir uma gestão
participativa.

Fonte: Imagem - Webdoc Brasil, aqui tem SUS/Levante Filmes/Conasems©.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 20


Projeto Cuida APS

Diálogo

Caros(as) gestores(a), permita-nos apresentar as nossas últimas reflexões teóricas.


Depois de tudo que falamos até aqui, fica claro que o que dá sentido à gestão
participativa não é a existência de conselhos e fóruns, mas o princípio ético de
compartilhar os rumos e as decisões. Para isso, sempre foram de muita ajuda os
ensinamentos do grande intelectual brasileiro Paulo Freire, que nos ensina que a
garantia da palavra ao outro é a ferramenta fundamental para a transformação do
mundo. Não haverá participação real se não estivermos conscientes de nossa
hipossuficiência como indivíduos e profundamente abertos para o diálogo:

Não é no silêncio que os homens [e mulheres] se fazem, mas na palavra,


no trabalho […] Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho […] é
transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns […] mas
direito de todos […] Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra
verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com
o qual rouba a palavra aos demais. Esta é a razão por que não é possível o
diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a
querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os
que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim
se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra,
reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante
continue (p. 90)10.

A gestão participativa deve ser um instrumento da reconquista da palavra


para transformar o mundo.

Saiba Mais
O livro Pedagogia da Autonomia é um ótimo caminho para
introduzir a obra de Paulo Freire. É nele que se apresentam os
fundamentos de uma prática que visa à construção coletiva,
portanto participativa, da transformação da realidade.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 21


Projeto Cuida APS

A conversa coletiva

O cenário central da gestão participativa sempre será a conversa coletiva pela qual
se constitui um grupo.

Podemos compreender as reuniões de conselho gestor e mesmo as reuniões de


equipe como um grupo operativo, conceito do psicanalista argentino Pichon Rivière, que
pode ser definido como um grupo de pessoas reunidas num mesmo momento e lugar
que se propõe de forma explícita ou implícita a uma tarefa que constitui sua finalidade.

Em outras palavras, um grupo operativo é aquele que tem uma tarefa comum.
Para as conversas coletivas, fiquem atentos(as) e planejem:

• a finalidade (qual a tarefa comum?);

• a coordenação e os papéis;

• o funcionamento (tempo, dinâmicas, conclusão e encaminhamentos);

• os recursos necessários.

Em situações mais tensas, com divergências e concentração do debate em


poucas vozes, pactuem inscrições, tempo de fala, comunicando delicadamente e
claramente os excessos. Vejam o Quadro 2, que apresenta as ações para uma gestão
participativa. Incorporem as ações 1 e 6. Cuidem de quem tem menos espaço de fala.
Lembrem-se da minissérie, em que a gerente Marilda tem uma atuação bastante
interessante na reunião com a comunidade!

Fonte: Imagem - Webdoc Brasil, aqui tem SUS/Levante Filmes/Conasems©.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 22


Projeto Cuida APS

Condições, estrutura e recursos

A gestão participativa é condicionada por diversos fatores que permeiam as


instituições e, especificamente, as UBS:

• a estrutura física;

• a disponibilidade de recursos;

• a disponibilidade de dados e informações;

• as características individuais dos atores;

• os padrões e valores das relações sociais estabelecidos em cada coletivo;

• o tamanho do coletivo.

Reconhecer esses condicionantes e identificar as limitações é importante para


promover ações que superem os obstáculos e favoreçam a participação. Buscar espaços
para a reunião, destacar pessoas da gestão que ajudem a secretariar, organizar e divulgar
as atividades dos conselhos, disponibilizar recursos, como materiais (computadores) para
reuniões etc., são ações importantes para permitir o trabalho de conselheiros. Vale
lembrar que a Resolução nº 453/2012 do CNS indica que o conselho deve ter
disponibilizado recursos para sua organização4.

Dez ações para a gestão participativa

Tentando promover uma síntese, elencamos abaixo dez ações que podem
orientar a prática da gestão participativa e que podem ser apropriadas e desenvolvidas
pelos(as) gestores(as) do SUS:

1. garantir a palavra;

2. garantir informação;

3. garantir a presença na instituição;

4. garantir a presença comunitária;

5. promover e garantir os espaços de convergência;

6. garantir o espaço formal da divergência;

7. garantir que as pactuações não ocorram fora dos fóruns decisórios;

8. garantir que os fóruns acolham, analisem e reparem as injustiças institucionais;

9. monitorar e avaliar o cumprimento das pactuações;

10. garantir os espaços legitimados e regulados de medidas disciplinares.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 23


Projeto Cuida APS

O Quadro 2 detalha e classifica essas ações.

Quadro 2. Ações para a gestão participativa

Natureza da ação Ação Descrição

Garantir que todos e todas possam se


expressar mesmo quando suas falas
sejam desconexas e divergentes.
1 – Garantir a palavra Atenção a pessoas e grupos com
maior dificuldade de expressão.
Diálogo e Vejam na videoaula 1 um exemplo de
Comunicação aplicação e repercussão desta ação.

Garantir informações (indicadores e


dados da UBS) claras e acessíveis é
2 – Garantir informação
fundamental para uma participação
real.

Promover a presença dos usuários na


3 – Garantir a presença UBS, escutar adequadamente suas
na instituição demandas e promover o espaço para
os encontros.

Estar no território, conhecer seus


4 – Garantir a presença
aspectos culturais e geográficos e
comunitária
seus atores amplifica a participação.

Promover espaço e tempo para que


Território as pessoas* possam formular arranjos
5 – Promover e garantir
(equipes dinâmicas) de acordo com
Espaços e Fóruns os espaços de
as necessidades concretas ou por
convergência
afinidades de projetos, permitindo a
criatividade, a satisfação e a inovação.

Os fóruns decisórios como o


Conselho Gestor, mas também a
6 – Garantir o espaço reunião de trabalhadores da UBS,
formal da divergência devem garantir o debate das
divergências e buscar caminhos para
as resoluções.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 24


Projeto Cuida APS

Garantir que as diretrizes tenham


7 – Garantir que as sempre passado pelo crivo da
pactuações não ocorram coletividade, permitindo que as
fora dos fóruns decisórios responsabilidades pelo cumprimento
das pactuações estejam claras.
Decisões

8 – Garantir que os fóruns Garantir a manifestação de qualquer


acolham, analisem e sentimento de injustiça, acolhendo o
reparem as injustiças indivíduo com a devida análise e, se
institucionais procedente, reparando o problema.

É fundamental que as decisões dos


9 – Monitorar e avaliar o fóruns tenham consequência e que
cumprimento das seus resultados sejam
pactuações sistematicamente devolvidos aos
Monitoramento e fóruns.
avaliação
É importante avaliar e cumprir de
10 – Garantir espaços
forma clara os combinados
legitimados e regulados de
relacionados às faltas com as
medidas disciplinares
responsabilidades e pactuações.

* Essa orientação é direcionada mais à participação de profissionais, mas pode ser


estendida aos usuários.

Fonte: elaboração própria.

Videoaula
Conhecendo os principais passos para a gestão
participativa, vamos agora aos exemplos práticos.
A videoaula 1 aborda a importância da presença dos
usuários no serviço.
Vocês podem acessar a Videoaula 1 - Participação
da Comunidade por este QR Code (aponte a
câmera do celular para visualizar) ou clicando aqui.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 25


Projeto Cuida APS

Exemplos práticos

Passada a aridez das leis e das reflexões abstratas, terminamos com mais leveza. A
intenção é ampliar o repertório de possibilidades de atuação para que vocês
desenvolvam roteiros e ferramentas na sua prática.

Pequenas equipes

As pequenas equipes são espaços privilegiados de participação, dentro dos quais


os profissionais podem ter um maior conhecimento dos processos de trabalho e um
maior nível de autonomia. A gestão pode garantir que as pequenas equipes (como uma
equipe de ESF), possam ter espaço, tempo e liberdade para se encontrar e formular os
melhores caminhos para seu processo de trabalho e suas características pessoais. Além
das equipes já existentes, favorece a promoção de arranjos específicos de pessoas por
parte dos trabalhadores, produzindo a equipe mais adequada para a resolução do caso
ou do problema, ou ainda para a elaboração de um projeto por afinidade e interesse. Essa
condição diz respeito à ação 5 do Quadro 2. Na videoaula 3, falamos de exemplos
concretos sobre esse tópico.

Fonte: Imagem - Webdoc Brasil, aqui tem SUS/Levante Filmes/Conasems©.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 26


Projeto Cuida APS

Equipes maiores (Unidade de Saúde)

A participação dentro das equipes deve contar com: reunião, pauta, pacto,
avaliação, cumprimento de combinados e execução das sanções. Deve-se garantir que
haja momentos nos quais todos estejam juntos, escutando atentamente e olho no olho,
como falamos anteriormente.

Relembrem as ações de 6 a 10 do Quadro 2 e assistam às videoaulas 1 e 3 que


exemplificam esses pontos. Pensem sobre suas práticas!

Comunidade imediata

Caros(as) colegas gestores(as), sempre que possível, vão para a rua! Conheçam o
território e os atores sociais, saibam como vivem, como se divertem e como sofrem as
pessoas das quais a unidade de saúde cuida. Uma territorialização que supera uma
divisão burocrática é um poderoso instrumento de participação, conforme já
descrevemos na ação 4 do Quadro 2. Na videoaula 2, falamos da dimensão territorial da
participação.

Videoaula
Na Videoaula 2 – Dimensão territorial da
participação, vocês verão um relato sobre isso!
Vocês podem acessá-la por este QR Code
(aponte a câmera do celular para visualizar) ou
clicando aqui.

Se devemos ir para a comunidade, também devemos garantir o acesso e a escuta


dos usuários dentro da unidade de saúde. Na videoaula 1, temos exemplos concretos
também dessa prática.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 27


Projeto Cuida APS

Conselhos locais de saúde

Os conselhos sempre voltam! Amigos(as) gestores(as), a participação exige


espaços de divergências. Nos conselhos, existirá diversidade de projetos, e isso torna difícil
o trabalho realmente participativo.

A atuação de Marilda na minissérie ilustra como é possível impor limites,


organizar as ideias e acolher opiniões divergentes e críticas. Lembrem-se de como
ela usou os espaços de discussão com os usuários e profissionais para aprofundar o
conhecimento sobre os princípios da APS e, com isso, aguçar a capacidade coletiva
de formular decisões melhores.

A participação exige tolerância, paciência e abertura. Os conselhos são espaços de


educação em saúde.

Ligando Pontos
Lembrem-se da Aula 9, sobre Educação Permanente. Os conse-
lhos e as reuniões das equipes são espaços importantes para que os
aprofundamentos teóricos e as capacitações técnicas estejam
voltadas para as necessidades reais do trabalho.

Fonte: O SUS em fotos : promoção da saúde, produção de sentidos. Biblioteca Virtual em Saúde. Imagem: Radilson Carlos
Gomes da Silva.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 28


Projeto Cuida APS

Esferas centrais da gestão participativa

Existem outros fóruns participativos importantes no SUS, embora esse não é o


objeto central desta aula. Os conselhos estaduais e nacional de saúde (e até o municipal,
no caso das grandes cidades) estão, muitas vezes, distantes do cotidiano dos gestores da
UBS. Entretanto, é bom saber que eles existem e considerar de que forma podem ser
espaços que amplifiquem os efeitos da participação. As conferências de saúde
municipais, estaduais e nacionais são, em tese, os espaços deliberativos máximos do SUS.
Suas deliberações tensionam o rumo da saúde, mas também disputam com diversos
poderes e interesses. São espaços de intensas trocas e aprendizados.

Videoaula
Na videoaula 3 são apresentados exemplos
práticos da gestão participativa no trabalho
com a equipe.
Vocês podem acessar a aula Participação no
Processo de Trabalho na UBS por este QR
Code (aponte a câmera do celular para
visualizar) ou clicando aqui.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 29


Projeto Cuida APS

Considerações Finais

DEMOCRACIA É SAÚDE
Caros(as) colegas gestores(as), depois de tanta conversa, vamos nos apegando,
mas é hora de nos despedirmos.

Esperamos que, ao longo deste trajeto, tenha ficado clara a importância da


participação na história e no funcionamento do SUS, e que algumas ferramentas e
modelos aqui apresentados possam ajudá-los no seu dia a dia. Esperamos também que,
no dia em que vocês acordarem e se lembrarem que é dia de Conselho Gestor, vocês
tenham um tanto mais de energia e esperança de enfrentá-lo.

Por fim, esperamos que fique alimentada em cada alma a mensagem de que,
para além dos cuidados técnicos, remédios e procedimentos que devemos realizar com
competência para cuidar da saúde de nossos pacientes, a participação é uma prática
transformadora de um sistema de saúde (e de uma sociedade) que ainda tem muito para
avançar até que garanta uma cidadania plena e uma atenção à saúde de qualidade para
todos.

Se opressão adoece, democracia é saúde!

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 30


Projeto Cuida APS

ANEXO 1
Legislação sobre a participação no SUS

Quadro A. Leis, resoluções e regimentos

Exemplos e modelos para o trabalho formal com os Conselhos Gestores de


Saúde

Instrumento Descrição Acesso aos materiais

http://conselho.saude.gov.br/
Seção II da Seção do Capítulo sobre
web_sus20anos/20anossus/l
Constituição de seguridade social que fala
egislacao/constituicaofedera
1988 sobre Saúde
l.pdf

http://www.planalto.gov.br/c
Lei n. 8.080/1990 Institui e regula o SUS
civil_03/leis/l8080.htm

Institui e regula os http://www.planalto.gov.br/c


Lei n. 8.142/1990
Conselhos de Saúde civil_03/leis/l8142.htm

Descreve as normas de
https://conselho.saude.gov.b
Resolução 453/2012 funcionamento e as
r/resolucoes/2012/Reso453.p
do CNS competências dos conselhos
df
de saúde

Regimento do https://cmsf.sms.fortaleza.ce.
Conselho Regimento de uma cidade gov.br/wp-
Municipal de de grande porte content/uploads/2020/04/re
Fortaleza (CE) gimento_interno.pdf

https://leismunicipais.com.br
/a/sc/p/pomerode/decreto/2
Regimento do
021/398/3977/decreto-n-
Conselho Regimento de uma cidade
3977-2021-homologa-o-
Municipal de de pequeno porte
regimento-interno-do-
Pomerode (SC)
conselho-municipal-de-
saude-de-pomerode

Fonte: elaboração própria.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 31


Projeto Cuida APS

Regimento de
Conselho Gestor
Exemplo de Regimento de
de Saúde da
um Conselho Sub Municipal Consultar o material
Supervisão Técnica
de um distrito de mais de complementar.
de Saúde do
300 mil pessoas
Butantã, São Paulo
(SP)

http://www.docidadesp.impr
ensaoficial.com.br/NavegaEd
Regimento do
icao.aspx?ClipID=DL1LR4GK
Conselho Gestor Exemplo de Regimento de
06NKIe5AFVK6L7Q6J95&Pal
da UBS Jardim um conselho gestores de
avraChave=regimento%20int
D’Abril, São Paulo saúde de uma UBS
erno%20do%20conselho%20
(SP)
gestor%20da%20ubs%20jard
im

Regimento do Exemplo de regimento de


Conselho Local de uma um conselho local do Consultar o material
Saúde Wajãpi, Sistema Especial de Saúde complementar.
Amapá Indígena do SUS

Exemplo de como
Regimento Consultar o material
estabelecer as regras para a
Eleitoral de UBS complementar.
eleição de uma UBS

Fonte: elaboração própria.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 32


Projeto Cuida APS

Referências

1. Rosa T. Conferência Nacional de Saúde: é preciso mudar? Consensus.


Jul/ago/set 2014 [acesso 27 fev 2022];12(4):36-40 Disponível em:
https://www.conass.org.br/biblioteca/edicao-12-julho-agosto-e-setembro-de-
2014/.

2. Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990.


Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de
Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, dez 1990 [acesso em 2 mar 2022]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm.

3. Brasil. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para


a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 20 set 1990 [acesso em 9 mar 2022. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 453, de


10 de maio de 2012. Define o funcionamento dos Conselhos de saúde. Diário
Oficial da União, Brasília, maio 2012 [acesso em 2 mar 2022]. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2012/res0453_10_05_2012.html.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica Brasília: Ministério da
Saúde; 2012. Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf

6. Gohn MG. Teorias sobre participação social: desafios para a compreensão das
desigualdades sociais. Cad CRH. Jan/abr 2019 [acesso 27 fev 2022];32(85):63-81.
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ccrh/a/Lc4THRCyDjMdgWmHHJhpdzb/?format=pdf&lan
g=pt.

7. Bordenave JED. O que é participação? 8ª. ed. São Paulo: Brasiliense; 1994.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 33


Projeto Cuida APS

8. Milani CRS. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas


locais: uma análise de experiências latino-americanas e europeias. Rev. Adm.
Pública. Maio/jun 2008 [acesso 27 fev 2022];42(3):551-79. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rap/a/w8Sd7tHxv3dHcLmgW5DrpZs/?format=pdf&lang=
pt.

9. Martins PC, Cotta RMM, Mendes FF, Franceschinni SC, Priore SE, Dias G, Batista
RS. Conselhos de saúde e a participação social no Brasil: matizes da utopia.
Physis. 2008 [acesso em 2 mar 2022];18(1):105-21. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/physis/a/hgVTrtn7Vfswpq5MB37xjPr/?format=pdf&lang=
pt.

10. Freire P. Pedagogia do oprimido. 40ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2005.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 34


Projeto Cuida APS

O Autor

Marco Antônio Silva dos Santos

Médico de Família e Comunidade, especialista em Saúde


Indígena e geógrafo. Atuou na UBS Jd Boa Vista na cidade de
São Paulo entre 2005 e 2010 como médico da ESF e gestor da
unidade. Foi coordenador da executiva do Conselho Gestor da
Supervisão Técnica de Saúde do Butantã entre 2012 e 2013 e
assessor de participação da mesma supervisão entre 2013 e
2014 também em São Paulo. Atua com Saúde Indígena desde
2012. Entre 2012 e 2014 apoiou a organização do Conselho
Local de Saúde Indígena da etnia Wajãpi no Amapá. Foi
supervisor do Programa Mais Médicos pelo Brasil e do
PROVAB (Ministério da Saúde) em áreas indígenas do Pará e
do Mato Grosso do Sul entre 2013 e 2017. Desde 2017 atua na
ESF indígena que atende a comunidade Pankararu na UBS
Real Parque na cidade de São Paulo sendo membro do
Conselho Gestor de Saúde local.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 35


Projeto Cuida APS

Este material integra a coleção de e-books do Curso de Extensão “Gestão dos Serviços da
APS e o Monitoramento do Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas”. O curso faz
parte do conjunto de ofertas do Projeto Cuida APS: cuidado das pessoas com doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT), iniciativa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) em
parceria com o Ministério da Saúde (MS) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
Saúde (CONASEMS), estabelecida por meio do Programa PROADI-SUS, para o triênio de
2021-2023.

O curso teve elaboração e produção de seus materiais educacionais iniciada em 2021 e se


estendeu até a abertura da primeira oferta do curso, ocorrida entre julho de 2022 e janeiro
de 2023. Portanto, os referenciais técnico-políticos estiveram em consonância com o seu
momento de produção. Uma segunda oferta do curso foi realizada no período de junho a
novembro de 2023.

Os recursos gráficos e educacionais e a linguagem abordada foram escolhidos para atender


às necessidades formativas do público do curso. Todos os textos, imagens, vídeos e outros
materiais são protegidos por direitos autorais e outros direitos. O direito de propriedade dos
materiais é do Ministério da Saúde e poderão ser utilizados apenas para fins de forma
gratuita, condicionada à citação do autor, conforme licença Creative Commons.

Aula 11 - Gestão Participativa no SUS 36

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