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Aula 06

Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com


Condições Crônicas

Módulo 4
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção Primária à Saúde
Departamento de Promoção à Saúde

Projeto Cuida APS

Curso de Aperfeiçoamento
Qualificação do Processo de Trabalho e
do Cuidado de Pessoas com Condições
Crônicas na APS

Eixo 1
Fortalecimento do Processo de
Trabalho da APS

Módulo 4
Gestão do Cuidado: Ferramentas e Tecnologias
para Qualificar a Prática Clínica

São Paulo – SP
2022
Projeto Cuida APS

Créditos
MINISTÉRIO DA SAÚDE FECS - FACULDADE DE EDUCAÇÃO EM
Programa de Apoio Desenvolvimento CIÊNCIAS DA SAÚDE
Institucional do Sistema Único de Saúde - Coordenação geral de pós-graduação:
PROADI/SUS Paula Zanelatto Neves
Projeto Cuida APS: Cuidado das Pessoas com Secretaria Acadêmica e Apoio:
Doenças Crônicas Não Transmissíveis Juliana Leite dos Santos
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EQUIPES DIRETIVAS
EQUIPE TÉCNICA DO HOSPITAL ALEMÃO
MINISTÉRIO DA SAÚDE
OSWALDO CRUZ (HAOC)
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Autoras:
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Patrícia Lisboa Izetti Ribeiro Clarissa Willets Bezerra
Samara Kielmann Mariana Duque Figueira
Revisão Técnica:
Thais Coutinho de Oliveira
Clarissa Willets Bezerra
Fernanda Rocco Oliveira
Revisão de Conteúdo Digital:
Fernanda Ferreira Marcolino

03
Projeto Cuida APS

Sumário

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas

Objetivos de Aprendizagem ................................................................................................................................................................................. 06

Apresentação da Aula ................................................................................................................................................................................................. 07

Mito 1. A elevação da pressão arterial é sinônimo de diagnóstico de Hipertensão Arterial Sistêmica

(HAS) .......................................................................................................................................................................................................................................... 09

Hipertensão do avental branco ........................................................................................................................................................ 11

Mito 2. O aumento da pressão arterial causa dor de cabeça ..................................................................................................... 12

Mito 3. Pressão "muito alta" é sempre uma emergência .............................................................................................................. 14

Mito 4. Uma pessoa com medida elevada de pressão não pode realizar um procedimento

ambulatorial na UBS ..................................................................................................................................................................................................... 16

Mito 5. Bronquite é uma doença mais leve que asma .................................................................................................................... 18

Mito 6. As bombinhas de asma viciam e fazem mal ao coração ........................................................................................... 19

Mito 7. Toda crise asmática deve ser tratada em um serviço de emergência ............................................................ 21

Mito 8. Quem tem asma não pode realizar atividade física ........................................................................................................ 21

Mito 9. A medida da glicemia capilar em jejum é o melhor método para se avaliar o controle do

diabetes ................................................................................................................................................................................................................................... 23

Mito 10. Todo paciente diabético necessita fazer controles frequentes de glicemia capilar ........................ 26

Mito 11. Insulina vicia ...................................................................................................................................................................................................... 26

Mito 12. Quadros de disfunção sexual só devem ser abordados quando o paciente se queixa
espontaneamente do assunto ............................................................................................................................................................................ 27

Considerações Finais .................................................................................................................................................................................................... 29

Referências ........................................................................................................................................................................................................................... 30

As Autoras .............................................................................................................................................................................................................................. 32

04
Projeto Cuida APS

Aula 06

Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas


com Condições Crônicas

Clarissa Willets Bezerra


Mariana Duque Figueira
Projeto Cuida APS

Objetivos de Aprendizagem
Ao final desta aula vocês serão capazes de:
✓ conhecer a fisiopatologia da hipertensão arterial;
✓ saber reconhecer sintomas de pseudocrise hipertensiva, pressão alta
descontrolada e das verdadeiras urgências e emergências
hipertensivas;
✓ reconhecer em que situações se deve adiar um procedimento de um
paciente hipertenso com medida elevada da pressão arterial;
✓ conhecer a fisiopatologia da asma;
✓ conhecer a farmacologia de bombinhas de asma e sua importância
para o tratamento dos pacientes asmáticos;
✓ reconhecer uma crise asmática;
✓ entender a importância da atividade física para os pacientes asmáticos;
✓ conhecer as principais maneiras de se medir a glicose em um paciente
diabético;
✓ conhecer as indicações da medição de glicemia capilar nos diabéticos
na UBS (Unidade Básica de Saúde);
✓ entender o papel do tratamento com insulina na história natural do
diabetes;
✓ entender a importância de se investigar ativamente disfunção sexual
em pacientes diabéticos.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 06


Projeto Cuida APS

Apresentação da Aula
Dor de cabeça é sintoma de pressão alta? Bombinha de asma vicia? É preciso
medir a glicemia capilar de todos os pacientes diabéticos?

Nesta aula, vamos refletir sobre alguns dos principais mitos relacionados ao
cuidado de pessoas com três condições crônicas bastante frequentes no dia a dia das
unidades de saúde, a saber: hipertensão arterial, asma e diabetes, de modo que você
possa ter conhecimento para realizar orientações a seus pacientes de forma
fundamentada em evidências científicas e contextualizada.

Fonte: Freepik/ Shuterstock©

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 07


Projeto Cuida APS

CASO CLÍNICO 1

Marineide tem 45 anos e é uma mulher


negra, baixa, de cabelos curtos e
encaracolados. Comparece à UBS (Unidade
Básica de Saúde) para uma consulta
odontológica, mas resolve passar no
acolhimento à demanda espontânea pois
está com muita dor de cabeça. Ela não tem
nenhuma doença conhecida e está com
Fonte: Shutterstock©
todos os exames “em dia”.

Quando o técnico em enfermagem Roberto a chama, começam a


conversar e ele descobre que ela tem dormido muito mal porque sua
filha Mariana acaba de ter um bebê, Iago, há 20 dias. Marineide
trabalha como faxineira cinco vezes por semana e, às noites, auxilia a
filha nos cuidados com o neto recém-chegado. É a única provedora da
casa, na qual mora com quatro filhos: Mariana (15 anos), Maísa (13 anos),
Marcelo (11 anos) e Enzo (4 anos). Marcelo tem passado o dia na rua e se
envolvido com “más companhias”, o que a preocupa muito.

Ao medir a pressão arterial, Roberto identifica o valor de 176 x 98


mmHg. Quando questionada sobre a intensidade da dor de cabeça,
Marineide dá a ela nota 8 de 10. Roberto fica muito preocupado com a
pressão e chama rapidamente o médico que está de plantão no
acolhimento.

Perguntas provocadoras

1. Toda pessoa que apresenta medida elevada de pressão é


hipertensa?

2. Pressão alta causa dor de cabeça?

3. Quando a pressão alta é realmente uma emergência?

4. Uma pessoa hipertensa com medida elevada de pressão pode


realizar um procedimento odontológico na UBS?

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 08


Projeto Cuida APS

Mito 1. A elevação da pressão arterial é


sinônimo de diagnóstico de Hipertensão
Arterial Sistêmica (HAS)
A medida da pressão arterial é simplesmente a medida da pressão que a coluna de
sangue dentro dos vasos sanguíneos exerce sobre suas paredes (Figura 1). Nossa pressão
arterial é oscilante e isso é absolutamente necessário para o dia a dia. As paredes das
artérias são musculosas e aumentam ou diminuem seu calibre, a fim de variar a velocidade
do fluxo sanguíneo para mais ou para menos, a depender das nossas necessidades do
momento. A contração da musculatura provoca aumento do fluxo e da pressão que é
exercida sobre as paredes da artéria. Por isso, a pressão tende a aumentar conforme a
maior necessidade de gasto energético.

O que queremos dizer é que o aumento da pressão arterial é um mecanismo


absolutamente saudável de resposta do nosso organismo. Isso ocorre quando, por algum
motivo, nosso corpo precisa que o sangue chegue mais rapidamente a determinado local,
por exemplo: ao realizarmos alguma atividade física ou em momentos de estresse.
Lembre-se que somos descendentes dos homens das cavernas e que a maioria das nossas
respostas ao estresse se remetem a situações de fuga e luta.

Além desses momentos, quando nos sentimos ansiosos ou quando consumimos


algumas substâncias como café, chás e chocolate, nossa pressão aumenta e isso não nos
causa problemas. Em todas essas situações, o aumento da pressão, além de não configurar
doença, não causa qualquer sintoma. Da mesma forma, quando estamos relaxados ou
dormindo, a pressão arterial cai.

Figura 1. Pressão arterial.

A pressão arterial é a medida da


pressão que a coluna de sangue
exerce sobre as paredes arteriais.

Fonte: Shutterstock©

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 09


Projeto Cuida APS

No caso das pessoas hipertensas, a pressão arterial está aumentada acima de um


valor de corte definido arbitrariamente e de forma contínua, mesmo em condições de
repouso e relaxamento. Neste caso, se faz necessário o tratamento com dieta, exercícios e,
eventualmente, medicamentos. Assim como nas situações fisiológicas (ex: exercício físico,
estresse), o aumento de pressão arterial nos pacientes hipertensos é assintomático1,2.

Conceito-chave
O diagnóstico de hipertensão arterial não se dá a partir de
uma medida isolada da pressão. Ele deve ser sempre
confirmado através de medições repetidas, em condições
ideais (Quadro 1), em duas ou mais visitas no intervalo de
dias a semanas3.

Quadro 1. Condições ideais para medida de pressão arterial

Estar em repouso por Não ter realizado


pelo menos 5 minutos exercício físico há pelo
menos 60 minutos

Não estar sentindo


Estar de bexiga vazia dor, medo ou
apreensão

Não ter fumado por Não ter tomado café


pelo menos 30 por pelo menos 30
minutos minutos

Manter os pés apoiados


Não conversar durante no chão (sem cruzar as
a medida pernas)

Manter o braço esticado na altura do coração

Fonte: elaborado a partir de Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (p.25-26)3

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 10


Projeto Cuida APS

Pensando fora da caixa


Você sabia que há uma corrente de médicos e cientistas
que questionam se a hipertensão arterial deveria ser
considerada uma doença? Essa corrente da saúde aponta
justamente para o fato de que na hipertensão não há
sintomas e, então, perguntam: há doença se não há
sintoma?

Esses profissionais sugerem que a pressão arterial seja considerada um fator de


risco, uma vez que a sua presença, por si só, não causa sintomas4. O real problema da
hipertensão arterial é que ela favorece o aparecimento de outras doenças, estas sim
perigosas, tais como: infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca e acidente vascular
cerebral.

Dessa forma, a hipertensão funcionaria da mesma maneira que o sedentarismo ou


o tabagismo, que consideramos fatores de risco. De fato, embora a hipertensão continue
sendo considerada um fator de risco importante para essas doenças, a maior parte dos
hipertensos, mesmo os não tratados, jamais experimentará qualquer sintoma e qualquer
tipo de doença.

Hipertensão do avental branco

Passar por uma consulta médica ou vir


ao posto de saúde para resolver um problema é,
frequentemente, uma fonte de ansiedade para
os pacientes. Seja porque estão apreensivos por
estarem sob avaliação, seja porque saíram da
sua rotina e tiveram que correr para não se
atrasar, é frequente ficarem ansiosos na sala de
espera.

Diante disso, não é raro que um paciente


apresente medidas altas de pressão na UBS e
relate que são normais em casa. Isso pode ser
real e é, na verdade, muito comum. A
hipertensão do avental branco representa
uma medida não ideal de medida de pressão,
pois o paciente está apreensivo no momento da
medida diante do profissional de saúde.
Fonte: Shutterstock©

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 11


Projeto Cuida APS

Minha prática
Há algumas coisas que você e sua equipe de saúde
podem fazer para lidar com os pacientes com suspeita de
hipertensão do avental branco:
• pedir para o paciente fazer um controle de pressão na
própria UBS, mas não em dia de consulta;
• fazer uma visita domiciliar para medir a pressão;
• verificar se há alguém que possa emprestar o aparelho
para a pessoa por alguns dias para que ela faça o
controle em casa (não esqueça de orientar as
condições ideais para a medida conforme descritas no
quadro 1).

Mito 2. O aumento da pressão arterial


causa dor de cabeça

Conceito-chave
Embora muitas pessoas digam que sentem quando sua
pressão está aumentada, seja porque sentem dores de
cabeça (cefaleia), seja por outros sintomas, o aumento da
pressão arterial é um fenômeno assintomático e não
causa dor de cabeça1,2.

Com exceção das verdadeiras urgências e emergências hipertensivas (cujos


diagnósticos, sinais e sintomas veremos adiante), a presença concomitante de dor de
cabeça e de pressão arterial elevada, na enorme maioria das vezes, representa:

• uma coincidência: quando um fator não tem nenhuma relação de causa e


consequência com o outro, apenas estão ocorrendo ao mesmo momento;

• ou uma pseudocrise hipertensiva: quando um sintoma, como uma cefaleia,


causa o aumento da pressão arterial, e não o contrário 3! (Figura 3).

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 12


Projeto Cuida APS

Figura 3. Mitos e possibilidades de associação verdadeiras entre a elevação da pressão


arterial e dores de cabeça

Mito! A hipertensão arterial é um fenômeno


Causando assintomático. O valor de corte pra pressão
Pressão alta Dor de cabeça alta é definido arbitrariamente.

Pseudocrise hipertensiva: Este fenômeno é


muito frequente! A pressão arterial sobe como
Causando consequência de uma dor ou desconforto.
Dor de cabeça Pressão alta Neste caso, não é preciso tratar a pressão, mas
sim a dor.

Hipertensão descontrolada: Aqui, o paciente


pode estar com a pressão elevada por outras
Em razões (por exemplo, por má adesão
Pressão alta associação Dor de cabeça medicamentosa) e, coincidentemente, está
com
com dor de cabeça ao mesmo tempo. Não há
nenhuma relação de causa e consequência
entre a pressão alta e a dor de cabeça.

Urgências e emergências hipertensivas que


cursam com cefaleia: É um fenômeno raro e o
diagnóstico depende da avaliação de outros
Causando
Emergências sinais e sintomas, bem como de dados
Dor de cabeça
hipertensivas epidemiológicos. A pré-eclâmpsia e o acidente
vascular cerebral (AVC) são dois exemplos de
quadros que cursam com dor de cabeça.

Fonte: elaboração própria.

CASO CLÍNICO 1

O que está acontecendo com Marineide é, provavelmente, uma


pseudocrise hipertensiva. Ou seja, sua pressão arterial está elevada
porque ela está com dor de cabeça . Para chegar a essa conclusão,
primeiro ela deve ser avaliada para excluir os sinais e de
urgência/emergência hipertensiva .

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 13


Projeto Cuida APS

Mito 3. Pressão "muito alta" é sempre uma


emergência
É muito comum na UBS que os profissionais se sintam aflitos quando chega uma
pessoa com PA muito elevada. Mas, raramente essa situação é, de fato, uma urgência ou
emergência hipertensiva. Há quatro situações em que pessoas com " pressão muito alta"
podem se enquadrar. Vamos apresentar cada uma delas.

Mas, antes, vamos falar sobre o valor da pressão. Tem um valor a partir do qual
devemos nos preocupar mais? Bem, embora a maior parte das urgências e emergências
hipertensivas ocorram com PA > 180 x 120 mmHg, o principal determinante não é o nível
da PA, mas sim os sintomas associados, como veremos no Quadro 1.

Quadro 1. Sinais de alarme para suspeita de urgências e emergências hipertensivas

Sintomas e sinais neurológicos Desorientação, sonolência, irritação


(de encefalopatia hipertensiva, meníngea, alterações visuais, dificuldade
hemorragia intraparenquimatosa e de fala, dificuldade na marcha e equilíbrio,
hemorragia subaracnóidea, acidente perdas de força sensibilidade objetivas,
vascular cerebral) tontura, convulsão, exame fundoscópico
anormal
Sintomas e sinais cardiológicos Dor no peito ou dorso, palpitações, falta
(dissecção aguda de aorta, edema agudo de ar, edemas, ausculta cardiológica
de pulmão, insuficiência cardíaca, anormal (sopros novos, B3, arritmia, estase
aneurisma de aorta e síndrome jugular), pulsos e PA assimétricos entre os
coronariana aguda, incluindo infarto membros
agudo do miocárdio)
Sintomas e sinais renais Oligúria ou poliúria (diminuição ou
(glomerulonefrite aguda) aumento da urina nos últimos dias ou
horas)
Sinais e sintomas adrenérgicos Palpitações, sudorese, palidez, agitação
(feocromocitoma ou abuso de cocaína) psicomotora, sensação de morte iminente
Sinais e sintomas de eclâmpsia Gestantes com PA maior ou igual a
(gestantes) 140x90 mmHg que apresentem dor
abdominal, alterações visuais, convulsão
ou coma

Fonte: elaboração própria.

Agora, vejamos as situações nas quais uma pessoa com pressão muito alta pode se
encontrar:

Pressão alta isolada: Uma única medida elevada da pressão ou um sinal de


01
hipertensão não controlada (picos constantes), sem a presença de qualquer
sintoma, ou sinais de alarme (Quadro 1). O valor deve ser registrado no cartão do
paciente e no prontuário e uma consulta breve necessita ser marcada no caso de
os valores elevados estarem se tornando frequentes no histórico de medidas da
pessoa.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 14


Projeto Cuida APS

Pseudocrise hipertensiva - pressão elevada com sintomas decorrentes de


02 causas que não diretamente a hipertensão: Conforme vimos no mito 2, a
medida elevada está relacionada a fatores como dor (causa muscular, cólicas,
enxaqueca), ansiedade, estresse ou mal-estar e a pessoa não possui sinais de
alarme (Quadro 1). Nestes casos, devemos medicar visando o alívio do sintoma,
seja dor, ansiedade ou desconforto (prescrição de analgésicos ou outros
sintomáticos) para assim impactar na pressão, e não buscar baixar a pressão
arterial com uso de anti-hipertensivo simplesmente por baixar.

03 Urgência hipertensiva - pressão elevada com risco potencial de lesão aguda e


novas complicações em curto prazo: O paciente permanece estável, sem sinais
de alarme do Quadro 1. Nesses casos, a diminuição da pressão não precisa ser
imediata, pode ocorrer em até 24-48h com o uso de medicações orais.

04 Emergência hipertensiva - Pressão elevada com lesão aguda de órgãos-alvo e


risco iminente de morte: Os pacientes apresentam sintomas graves e sinais que
mostram que algum órgão do corpo está sendo severamente afetado.
Necessitam de encaminhamento imediato ao serviço de emergência para
tratamento adequado.

Portanto, ao receber uma pessoa com PA elevada na UBS, deve-se ter cautela para
evitar gerar ansiedade e intervenções desnecessárias no indivíduo e na fila de espera. A
maior parte das pessoas não possui sinais de alarme e não necessitará de maiores
cuidados.

A primeira coisa a ser feita após identificar que alguém apresenta uma PA bastante
elevada é perguntar se ela apresenta algum outro sintoma. Lembre-se que os sintomas
associados são mais importantes do que os níveis pressóricos.

Embora não haja um nível de corte a partir do qual a PA torna-se perigosa, uma boa
regra geral é priorizar para avaliação médica todos os pacientes que apresentem:

• PA elevada associada a algum sintoma (especialmente algum dos sinais de


alarme do Quadro 1);

• PA maior ou igual a 180x120 mmHg, mesmo sem sintomas.

O médico, então, deverá realizar anamnese e exame físico cuidadosos, revendo a


presença de sinais de alarme e buscando classificar o paciente entre as quatro situações
acima descritas: pressão elevada sem sintomas, pseudocrise hipertensiva, urgência ou
emergência hipertensiva.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 15


Projeto Cuida APS

Minha prática
Uma medicação bastante utilizada nas UBS para
diminuição da pressão arterial é o captopril. A
administração sublingual do captopril não é
recomendada, pois a apresentação de comprimido não
permite a absorção da dose adequada do medicamento
desta forma. Os pacientes devem ser orientados sempre
a deglutir o comprimido6.

Conceito-chave
O diagnóstico de uma emergência ou urgência
hipertensiva está relacionado principalmente aos sinais e
sintomas apresentados pelo paciente (seu quadro clínico)
e não necessariamente aos valores da pressão arterial3. Ou
seja, uma pessoa pode apresentar pressão arterial acima
de 180x110 mmHg e não se tratar nem de uma emergência
nem de uma urgência hipertensiva, como foi o quadro
apresentado por Marineide.

Mito 4. Uma pessoa com medida elevada


de pressão não pode realizar um
procedimento ambulatorial na UBS
As pessoas hipertensas que vão realizar algum procedimento cirúrgico na UBS
(unha encravada, procedimento odontológico cirúrgico de urgência, etc.) têm
recomendação de terem seu procedimento adiado quando a pressão estiver em valores a
partir de 170x110 mmHg. Nos casos em que a medida estiver acima de 160x100 mmHg,
uma boa prática é discutir com o médico de referência sobre o caso antes da decisão sobre
a realização do procedimento6 ,7.

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Projeto Cuida APS

CASO CLÍNICO 2

Jandacira tem 27 anos e desde que nasceu


é paciente da UBS. Ela é parda, tem longos
cabelos castanhos que gosta de usar presos
em trança e quase não vem ao posto, vem
"somente quando precisa mesmo".

Tem vida corrida, trabalha como vendedora


em uma loja de chocolates e faz faculdade
de enfermagem à noite. Fonte: Freepik

Quando pequena, usava muito a unidade pois tinha frequentes crises de


“bronquite”, necessitando de inalação com Berotec® (fenoterol). Já
chegou a ficar internada por duas vezes e, em uma delas, foi
desenganada pelos médicos, pois precisou ficar entubada. Tinha apenas 2
anos de idade.

Hoje em dia sente-se bem, mas quando corre para pegar o ônibus ou
joga futebol com seus sobrinhos, às vezes tem crise de tosse e sente chiar
o peito. Quando muda o tempo, também sente chiar o peito.

Da última vez que passou com sua médica de família, foram prescritas
duas bombinhas de asma: uma para usar todos os dias e outra para usar
se se sentir mal. Jandacira não gosta da ideia da bombinha todos os dias,
tem medo, pois sua tia lhe falou que ela vicia. Então usa somente quando
fica muito mal, o que acontece à noite, umas duas vezes por semana.

Hoje, veio à UBS porque perdeu a hora do trabalho, por ter acordado
muitas vezes à noite com tosse. Quando a enfermeira Mara a examina,
percebe que a frequência respiratória está aumentada: 45 respirações por
minuto e Jandacira está claramente cansada. A saturação periférica de
oxigênio (oximetria) está em 94% e a frequência cardíaca, em 98
batimentos por minuto.

Perguntas provocadoras

1. Asma e bronquite são doenças diferentes? Uma é mais grave que a


outra?

2. As bombinhas viciam? Fazem mal ao coração?

3. Toda crise asmática precisa ser tratada em serviço de emergência?

4. Quem tem asma tem alguma restrição para a realização de


atividade física?

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Projeto Cuida APS

Mito 5. Bronquite é uma doença mais leve


que asma

Conceito-chave
A asma - popularmente chamada de bronquite, bronquite
alérgica ou bronquite asmática - é uma doença das vias
aéreas que cursa com inflamação crônica e com
episódios de obstrução (diminuição ou fechamento)
dessas vias, dificultando e por vezes até impedindo a
passagem do ar8.

Os sintomas ocorrem mais à noite ou ao acordar e podem variar desde uma tosse
com chiado no peito, uma sensação de falta de ar ou até uma dificuldade para respirar
grave que necessite de internação hospitalar e intubação. Esses sintomas aparecem devido
ao que chamamos de hiper-responsividade brônquica, mecanismo de reação exagerada
que algumas pessoas com predisposição genética apresentam quando entram em
contato com alguns estímulos do ambiente: os músculos da parede dos brônquios do
pulmão contraem, a produção de secreção aumenta e há inflamação. Tudo isso diminui o
calibre dos brônquios e vai, ao longo do tempo, engrossando a parede dos mesmos
(hipertrofia), consequentemente limitando o espaço para a passagem do ar (Figura 5).

Os estímulos para essa reação, chamados gatilhos, estão muito presentes no nosso
dia a dia e podem ser a poeira doméstica, o pólen, uma mudança de tempo, um resfriado,
a atividade física, o mofo, a fumaça de cigarro, a poluição, emoções fortes, pêlos de animais
e até alguns alimentos8.

Figura 5. Fisiopatologia da asma


Ar preso
nos alvéolos
pulmonares

Músculos lisos
relaxados Músculos
lisos
contraídos

Parede inflamada
e hipertrofiada
Via aérea normal Via aérea asmática Via aérea asmática
durante ataque
Fonte: Shutterstock©.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 18


Projeto Cuida APS

Portanto, o que as pessoas chamam de "bronquite asmática" normalmente é asma.


Não há uma outra doença com este nome. Asma é uma doença muito importante,
causando internação e morte em muitas crianças e adultos. A boa notícia é que seu
tratamento pela atenção primária é bastante eficaz e consegue evitar com muita
segurança esses eventos.

Mito 6. As bombinhas de asma viciam e


fazem mal ao coração
Os medicamentos mais utilizados para o tratamento da asma são de uso inalatório,
as famosas bombinhas (Figura 6), e podem ser divididos em dois tipos:

• medicamentos de manutenção (tratamento preventivo): são a parte principal


do tratamento da asma e precisam ser utilizados mesmo com os sintomas
controlados ou ausentes e inclusive durante a gravidez, pois possuem atividade
anti-inflamatória, controlam a hiper-responsividade (os pacientes apresentam
menor sensibilidade aos estímulos do ambiente), melhoram a função pulmonar
e diminuem a chance e a gravidade de crises futuras.

• medicamentos de alívio (tratamento da crise): atuam agudamente revertendo


a contração da musculatura (dilatam/abrem os brônquios) e aliviando os
sintomas. São indicados sempre que houver episódios de crise, para evitar a
insuficiência respiratória.

Minha prática
Para o tratamento da asma, estão disponíveis pelo
SUS através da RENAME (Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais)9 bombinhas na forma
de sprays pressurizados ou de dispositivos de pó
seco.
Os sprays podem ser utilizados com espaçadores,
de forma a facilitar a absorção adequada do
medicamento e a diminuir a chance de efeitos
colaterais.
• Medicações para tratamento preventivo7:
(Propionato de) Beclometasona, Budesonida e
(Fumarato de) Formoterol associado a
Budesonida.
• Medicações para tratamento da crise7: (Sulfato
de) Salbutamol e (Bromidrato de) Fenoterol.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 19


Projeto Cuida APS

Figura 6. Dispositivos inalatórios de spray pressurizado para o tratamento da asma

Fonte: Shutterstock©.

Essas medicações inalatórias não “viciam”, ou seja, não estão entre as classes de
substâncias que sabidamente causam o fenômeno que chamamos de dependência, que é
quando a pessoa apresenta sintomas de abstinência quando para ou quando diminui o
uso do medicamento. As bombinhas também não causam o fenômeno da tolerância, que
é quando a pessoa fica menos sensível à substância ao longo do tempo, necessitando de
doses cada vez maiores e mais frequentes do medicamento para obter o mesmo efeito no
alívio dos sintomas.

O que acontece com a asma, é que como ela é uma doença de controle e não de
cura, as pessoas sempre precisarão das bombinhas preventivas para controlar a inflamação
e a hiper-responsividade brônquica, então toda vez que interromperem seu uso,
necessitarão com muito mais frequência das bombinhas de alívio, porque seus sintomas
ficarão descontrolados e mais intensos.

As bombinhar são também dispositivos muito seguros e sem grandes efeitos


colaterais, mesmo em crianças, pela substância ser administrada em doses muito
pequenas (microgramas) diretamente nas vias aéreas. Os efeitos colaterais mais comuns
acontecem com as bombinhas de alívio da crise: o aparecimento de tremores e o aumento
transitório dos batimentos cardíacos, que duram poucos minutos e não fazem mal ao
coração.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 20


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Mito 7. Toda crise asmática deve ser


tratada em um serviço de emergência
As crises asmáticas são episódios de piora aguda dos sintomas e da função
pulmonar em relação ao usual daquela pessoa. Os principais gatilhos para as crises são as
infecções virais (gripe e resfriado) e o abandono do tratamento.

O estreitamento da via aérea por conta da contração da musculatura brônquica e


da produção de muco é que produz o som sibilante ou chiado à passagem do ar. Além do
barulho característico e da tosse, o estreitamento da via aérea pode causar falta de ar e
queda da saturação de oxigênio (oximetria).

Em crises graves, o paciente asmático pode evoluir para insuficiência respiratória e


morte. Se passar muitos anos sem tratamento, a inflamação decorrente do estado de asma
não controlado pode causar lesões irreversíveis, como doença pulmonar obstrutiva
progressiva, à semelhança do enfisema causado pelo cigarro.

Uma história de asma quase fatal com entubação pregressa e a má adesão ao


tratamento, como no caso de Jandacira, são fatores de risco para uma crise asmática
grave10. A maioria dos casos de crise consegue ser tratada na UBS, porém pacientes que
apresentam crises graves – aquelas com frequência respiratória maior que 30 respirações
por minuto, frequência cardíaca maior que 120 batimentos por minuto ou saturação de
oxigênio menor que 90% em ar ambiente - precisam ser encaminhados ao serviço de
emergência.

Mito 8. Quem tem asma não pode realizar


atividade física
A prática de atividade física deve ser incentivada para todos os pacientes asmáticos
pelo efeito benéfico no condicionamento físico, devendo ser evitada apenas durante um
episódio de crise.

Algumas pessoas precisam utilizar a bombinha de alívio alguns minutos antes de


realizar algum exercício para impedir o surgimento de uma crise, pois o exercício pode ser
gatilho para a hiper-responsividade brônquica (asma desencadeada por exercício).

Não há evidência de superioridade de nenhum tipo específico de exercício para a


asma, mas há cada vez mais estudos demonstrando que a natação em crianças apresenta
efeitos de condicionamento cardiopulmonar e melhora na função pulmonar11.

A expectativa de vida de pessoas com asma controlada é a mesma que a da


população geral12.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 21


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CASO CLÍNICO 3

Estanislau é um homem de 64 anos,


diabético e hipertenso. Muito simpático,
conhece todo mundo do posto. Mora em
frente à UBS, onde fica sua tapeçaria. É
branco, obeso e tem cabelos brancos.

Três vezes por semana, passa na unidade


para medir sua glicemia e sua pressão
arterial, pois é muito atento à sua saúde e
toma seus medicamentos direitinho:
Metformina 500 mg duas vezes ao dia e Fonte: Shutterstock©.
Enalapril 10mg uma vez ao dia.

Seu último exame de hemoglobina glicada, feito há 40 dias, estava


8,8%. Foi indicado o tratamento com insulina, mas Estanislau não
quer tomar porque acha que não precisa e porque tem medo de
ficar dependente da medicação.

Nos últimos tempos, tem se sentido “para baixo”, pois está com
dificuldades para ter relações sexuais com sua esposa, Dona Helga,
de 44 anos. Todos os dias em que vai à UBS, planeja comentar com
Gerson, seu enfermeiro, sobre isso, mas termina não tendo
coragem.

Hoje pela manhã, sua glicemia capilar em jejum estava 100mg/dL.

Perguntas provocadoras

1. A glicemia capilar é a melhor maneira de avaliar o controle do


diabetes?

2. Todo paciente com diabetes necessita fazer controles


frequentes de glicemia capilar?

3. Insulina vicia?

4. O profissional de saúde só deve abordar quadros de disfunção


sexual quando o paciente se queixa espontaneamente de
algum sintoma?

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 22


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Mito 9. A medida da glicemia capilar em


jejum é o melhor método para se avaliar o
controle do diabetes
Existem três maneiras principais de medir o açúcar no sangue em um paciente
com diabetes:

• hemoglobina glicada: é considerado o melhor exame para a avaliação do


controle do paciente diabético pois prediz melhor a chance de complicações
crônicas da doença. Ele estima a média da glicose dos últimos três meses
através da porcentagem das células sanguíneas em que a hemoglobina está
ligada à glicose (glicação): quanto maior o valor de hemoglobina glicada, maior
a concentração de glicose no sangue13. Valores abaixo de 7% são considerados
ideais para o controle na maioria dos pacientes, mas os alvos devem ser
individualizados e podem ser menos rigorosos em pessoas com baixa
expectativa de vida, múltiplas comorbidades com complicações ou efeitos
colaterais de risco como hipoglicemias frequentes (Figura 7).

O exame mais recente de Estanislau indica que seu diabetes está descontrolado.

Figura 7. Fatores considerados na individualização dos alvos glicêmicos dos pacientes com
diabetes

Abordagem para Individualização de Alvos Glicêmicos


Paciente/ Características da doença Mais rigoroso  HbA1c 7% → Menos rigoroso
Riscos potencialmente associados
à hipoglicemia e outros efeitos

Normalmente não modificável


adversos de medicamentos Baixo Alto

Duração da doença
Diagnóstico recente Diagnóstico antigo

Expectativa de vida
Longa Curta

Comorbidades importantes
Ausentes Poucas/ Leves Severas

Complicações vasculares
estabelecidas Severas
Ausentes Poucas/ Leves
modificável
Potencialmente

Preferência do paciente
Altamente motivado, excelentes Preferência por terapia
capacidades de autocuidado menos onerosa

Recursos e sistema de
suporte
Prontamente disponível Limitado

Fonte: Glycemic Targets: Standards of Medical Care in Diabetes - 2022 (p.7)14

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 23


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• glicemia de jejum: é coletada do sangue periférico (Figura 8) assim como a


hemoglobina glicada e estima a taxa de açúcar no sangue após o período de
horas de jejum, sendo um valor relevante para o diagnóstico de diabetes e para
se mensurar o controle da doença, mas que isoladamente não permite a
avaliação de variações da glicose ao longo do dia nem de sua média. Valores
abaixo de 130 mg/dL em jejum são considerados adequados para a maioria dos
pacientes.

Figura 8. Coleta de sangue periférico para avaliação da glicemia de jejum

Fonte: Shutterstock©.

• glicemia capilar (dextro capilar): é realizada através da inserção de uma gota


de sangue retirada da ponta do dedo em uma fita descartável para leitura
imediata por um dispositivo chamado de glicosímetro (Figura 9). Sua principal
vantagem é a rapidez no resultado. Portanto, ela deve ser utilizada
principalmente em três situações:

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 24


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• para ajuste de prescrição em pessoas que usam insulina e estejam


descontroladas;

• para pessoas com insulinização plena, em uso de insulina regular, para


correção de picos (conforme orientação e prescrição médica);

• em caso de sintomas de hipoglicemia, para identificação de


hipoglicemia sintomática.

Ou seja, a glicemia capilar é supervalorizada na UBS, muitas vezes sendo utilizada


como procedimento na triagem de pacientes diabéticos que vêm à UBS por outras razões.
Seu resultado, porém, tem pouca ou nenhuma utilidade clínica nessas situações,
configurando um desperdício de recursos e gerando ansiedade e preocupação nas
pessoas.

Figura 9. Glicosímetro para realização de glicemia capilar

Fonte: Shutterstock©.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 25


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Mito 10. Todo paciente diabético necessita


fazer controles frequentes de glicemia
capilar
O monitoramento do diabetes através de glicemias capilares frequentes é
preconizado a todos os pacientes em uso de insulina, sejam portadores de diabetes do
tipo 1 ou tipo 2, de forma a reduzir o risco de hipoglicemias e a ajudar na tomada de
decisão sobre o ajuste das doses da medicação13.

Até o momento, não há evidência clara deste mesmo benefício que justifique
recomendar o monitoramento de rotina para os pacientes diabéticos que fazem uso
apenas de medicamentos orais13.

Minha prática
Na UBS, a aferição da glicemia capilar tem indicação de
ser realizada sempre nas seguintes situações: quando o
paciente apresenta sintomas sugestivos de hipoglicemia
ou hiperglicemia e quando há ajuste de dose ou início de
uso da insulina em pacientes que ainda não têm
glicosímetro em casa. Todas as gestantes com diabetes
também precisam fazer controle glicêmico através da
glicemia capilar.
Na sua UBS, você identifica medições fora desse
contexto?

Mito 11. Insulina vicia

A insulina é uma substância produzida naturalmente pelo pâncreas de quase todos


nós e é necessária a nossa sobrevivência pelo seu papel fundamental no metabolismo da
glicose. Nos pacientes com diabetes do tipo 1, sua suplementação é necessária desde o
diagnóstico, porque há uma destruição das células produtoras da insulina devido a um
mecanismo autoimune do corpo.

No diabetes tipo 2, ela acaba sendo introduzida em algumas situações específicas


(alto grau de descompensação ao diagnóstico, durante infecções, em internações ou
período perioperatório) e, na maioria dos casos, após anos de doença, quando o pâncreas
acaba não se tornando mais capaz de produzir a insulina na quantidade e na qualidade
necessárias devido a uma disfunção progressiva das células que a produzem.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 26


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Nos pacientes com diabetes do tipo 2, o tratamento com insulina normalmente é


iniciado com doses baixas associadas aos medicamentos orais, e vai progredindo ao longo
dos anos para doses cada vez maiores, até substituir completamente o uso dos
medicamentos orais para o diabetes. Isso acontece porque os medicamentos orais
funcionam aumentando a capacidade de produção e de funcionamento da insulina, mas
dependem diretamente da capacidade das células do pâncreas para funcionarem, de
forma que em algum momento não conseguirão mais agir de maneira suficiente no
tratamento da doença (falência das células pancreáticas) e haverá a necessidade de
suplementação da insulina já pronta e funcionante.

Conclusão de uma ideia


É daí que vem a ideia de que a insulina vicia, porque
quando comparamos com o início do tratamento, as
doses das quais um paciente necessita vão aumentando
em quantidade e em número de aplicações ao longo do
tempo. Mas como foi explicado, isso é reflexo da
incapacidade progressiva do pâncreas das pessoas com
diabetes de produzirem insulina, faz parte da história
natural de evolução da doença e não está relacionado
com o fato da insulina ser uma medicação que causa
dependência ou tolerância, como algumas outras classes
de substâncias bastante conhecidas e estudadas
(exemplos: medicamentos ansiolíticos benzodiazepínicos
e medicamentos analgésicos opioides).

Mito 12. Quadros de disfunção sexual só


devem ser abordados quando o paciente
se queixa espontaneamente do assunto
A disfunção erétil (DE) é a incapacidade recorrente de se conseguir uma ereção
peniana que permita um desempenho sexual satisfatório, sendo a idade, a hipertensão e o
diabetes fatores de risco importantes para o quadro, tais como apresentados por
Estanislau15.

Mais da metade dos homens com diabetes apresenta algum grau de disfunção
erétil, estando ligada ao tempo de doença, controle glicêmico e à idade do paciente.
Homens com a doença controlada têm maior sucesso no tratamento da disfunção de que
aqueles com controles glicêmicos inadequados15.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 27


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Vergonha, crenças pessoais e a ideia de que não há tratamento eficaz são


obstáculos comuns para o relato desta queixa pelo paciente nas consultas16.

Pela sua alta prevalência associada ao grande impacto na diminuição da qualidade


de vida, é uma boa prática que a disfunção erétil seja um tema investigado ativamente
pelo profissional de saúde nos pacientes com fatores de risco relevantes. Inclusive, há
estudos publicados17 em que a maioria dos homens relatou que prefere que o profissional
que o acompanha aborde a questão, ao invés de terem de relatá-la espontaneamente.

Minha prática
Você acha que as idas de Estanislau frequentes à UBS
podiam ter dado pista à equipe de que ele tinha uma
demanda oculta (no caso, a DE)? Será que o foco da
equipe majoritariamente no diabetes e na pressão alta
pode ter prejudicado o cuidado integral de Estanislau?

Saiba mais
Neste artigo intitulado “Como se estuda o que não se diz:
uma revisão sobre demanda oculta” e publicado na Revista
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, você
encontra uma revisão de artigos que abordaram a questão
da demanda oculta no contexto clínico entre os anos de
2000 e 2014.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 28


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Considerações Finais

As condições crônicas que mais afetam a população provocam preocupações e


geram diálogos na comunidade que contribuem com o autocuidado. No entanto, neste
processo, alguns mitos podem ser produzidos e perpetuados ao longo das gerações. Como
profissionais de saúde, carregamos nossos saberes técnicos, aprendidos em nossos cursos
de formação, mas também carregamos conosco noções construídas ao longo de nossas
vidas, que podem afetar nossa prática. Por isso, é nossa responsabilidade, enquanto
profissionais de saúde, repensarmos constantemente nosso trabalho e nos mantermos
abertos a novos conhecimentos e mudanças no sentido de buscar cada vez mais uma
atuação baseada em evidências científicas e em um cuidado custo-efetivo, centrado na
pessoa.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 29


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Referências

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Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 30


Projeto Cuida APS

10. Pizzichini M et al. Recomendações para o manejo da asma da Sociedade Brasileira de


Pneumologia e Tisiologia – 2020. J Bras Pneumol [revista em Internet] 2020; acesso em
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15. Kim ED. Disfunção erétil - BMJ Best Practice. [publicação na web]; 2022 acesso em 08
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16. Modesto AAD, Figueira MD. Abordagem do paciente com disfunção erétil e ejaculação
precoce pelo médico de família e comunidade. In: Augusto DK; Umpierre RN. (Org.).
PROMEF - Programa de Atualização em Medicina de Família e Comunidade: Ciclo 8.
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17. Baldwin KC, Ginsberg PC, Harkaway, RC. Erectile Dysfunction: Workup and
Management Tactics. J Urol 2000;163(suppl):243. Abstract 1080.

Aula 06 – Desfazendo Mitos no Cuidado das Pessoas com Condições Crônicas 31


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As Autoras

Clarissa Willets Bezerra

Médica com residência em Medicina de Família e Comunidade –


Universidade de São Paulo (USP). Doutora em ciências –
Universidade de São Paulo (USP) Médica de Família e Comunidade
do município de São Paulo e tutora do programa de residência de
Medicina de Família e Comunidade da Universidade de São Paulo
(USP) entre 2013 e 2021. Atualmente é Professora Assistente da
Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein – Curso de
Medicina

Mariana Duque Figueira

Médica de família e comunidade pela USP-SP, especialista em


Medicina de Família e Comunidade pela AMB-SBMFC, pós-
graduada em preceptoria de Residência Médica pelo IEP – Sírio
Libanês, especialista na Gestão de Projetos em Saúde pelo Hospital
Albert Einstein e professora do curso de graduação de medicina.

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