Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Abordagem Familiar
Módulo 4
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção Primária à Saúde
Departamento de Promoção à Saúde
Curso de Aperfeiçoamento
Qualificação do Processo de Trabalho e
do Cuidado de Pessoas com Condições
Crônicas na APS
Eixo 1
Fortalecimento do Processo de
Trabalho da APS
Módulo 4
Gestão do Cuidado: Ferramentas e Tecnologias
para Qualificar a Prática Clínica
São Paulo – SP
2022
Projeto Cuida APS
Créditos
MINISTÉRIO DA SAÚDE FECS - FACULDADE DE EDUCAÇÃO EM
Programa de Apoio Desenvolvimento CIÊNCIAS DA SAÚDE
Institucional do Sistema Único de Saúde - Coordenação geral de pós-graduação:
PROADI/SUS Paula Zanelatto Neves
Projeto Cuida APS: Cuidado das Pessoas com Secretaria Acadêmica e Apoio:
Doenças Crônicas Não Transmissíveis Juliana Leite dos Santos
Bruna Aparecida de Souza Manoel
EQUIPES DIRETIVAS
EQUIPE TÉCNICA DO HOSPITAL ALEMÃO
MINISTÉRIO DA SAÚDE
OSWALDO CRUZ (HAOC)
Ministro da Saúde:
Coordenadora:
Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes
Flávia Landgraf
Secretaria de Atenção Primária à Saúde:
Analistas:
Raphael Câmara Medeiros Parente
Ana Cecília Miranda de Araujo
Diretoria de Promoção da Saúde:
Daniela de Almeida Pereira
Juliana Rezende Melo da Silva
Tauana Sequalini
Coordenadora-Geral de Prevenção de Doenças
Assistente Administrativo:
Crônicas e Controle do Tabagismo:
Julia Victoria Costa Maximino
Patrícia Lisboa Izetti Ribeiro
Assessores, consultores e pesquisadores:
Adelson Guaraci Jantsch
CONASEMS
Presidente: Alexandre Sizilio
Wilames Freire Bezerra Clarissa Willets Bezerra
Secretário Executivo: Iara de Oliveira Lopes
Mauro Guimarães Junqueira Leonardo Graever
Fernanda Ferreira Marcolino
HOSPITAL ALEMÃO OSWALDO CRUZ Fernanda Rocco Oliveira
Diretor Presidente: Lara Paixão
José Marcelo de Oliveira Mariana Fonseca Paes
Diretora-executiva de Sustentabilidade e Luciana Soares de Barros
Responsabilidade Social: Patricia Sampaio Chueiri
Ana Paula N. Marques de Pinho Gestão dos Processos de EaD:
Diretora Executiva de Educação, Pesquisa, Débora Schuskel
Inovação e Saúde Digital: Gestão do Ambiente Virtual de
Maria Carolina Sanchez da Costa Aprendizagem:
Diretor do Centro Internacional de Pesquisa: Rafael Santana Santos
Álvaro Avezum Produção Áudio Visual:
Direção Acadêmica da Faculdade de Educação Jefferson Araújo de Oliveira
em Ciência da Saúde (FECS): Designer Instrucional:
Letícia Faria Serpa Alessandra Takada Kamijo
Gerente de Projetos: Camila Ferrarini Soares
Samara Kielmann Jéssica Esther Machado Farias
Help Desk (atendimento ao usuário):
Jorge dos Santos Duarte
GRUPO EXECUTIVO DO PROJETO
Flávia Landgraf Coordenação do Curso:
Fernando Freitas Alves Clarissa Willets Bezerra
Fernanda Rocco Oliveira
Lara Paixão
Marcela Alvarenga de Moraes Supervisão de Processos Digitais:
Marina Rios Amorim Fernanda Ferreira Marcolino
Autor:
Pâmela Santiago Mariath Vidal
Patrícia Lisboa Izetti Ribeiro Daniel Trindade Araujo do Espirito Santo
Samara Kielmann Revisão Técnica:
Clarissa Willets Bezerra
Thais Coutinho de Oliveira
Fernanda Rocco Oliveira
Revisão de Conteúdo Digital:
Fernanda Rocco Oliveira
03
Projeto Cuida APS
Sumário
Família ......................................................................................................................................................................................................................................... 11
Referências ........................................................................................................................................................................................................................... 43
O Autor ..................................................................................................................................................................................................................................... 45
04
Projeto Cuida APS
Aula 07
Abordagem Familiar
Objetivos de Aprendizagem
Ao final desta aula vocês serão capazes de:
✓ conceitualizar os paradigmas biopsicossocial e sistêmico;
✓ definir família e seus variados tipos;
✓ indicar situações sensíveis à Abordagem Familiar na APS;
✓ reconhecer os ciclos de vida familiar e os principais desafios de cada
um deles;
✓ construir genogramas e círculos familiares, identificando tensões
familiares das narrativas contidas neles e que são sensíveis à
Abordagem Familiar;
✓ conhecer a ferramenta da conferência familiar para a resolução de
conflitos e problemas complexos.
Apresentação da Aula
Olá, pessoal!
Depressão Câncer
Hipertensão arterial Diabetes
Sedentarismo
Maus hábitos alimentares
Obesidade Tabagismo
Alcoolismo
Competitividade Traições
Desvalias Lutos Perdas
Valores sociais Violência
Problemas familiares
Poluição Maus-tratos
Falta de lazer Não pertencimento
Com base nesses conceitos, podemos nos orientar sobre qual paradigma mais se
encaixa em nossa prática diária de trabalho. O paradigma Biomédico é dominante e
transitar pelo Biopsicossocial pode ser difícil, mas não impossível, sobretudo se
reconhecemos sua importância. A fim de entender como a Abordagem Familiar se
explica, é necessário aceitar pelo menos dois novos paradigmas, o Biopsicossocial e o
Sistêmico.
Família
Vamos visitar nossas famílias? Antes de dar continuidade à leitura, poderia parar por
dois minutos e citar, pelo menos, duas características importantes para caracterização do
termo Família?
Conceito-chave
Família pode ser definida como um grupo social que
influencia os seus membros por meio de crenças,
valores e comportamentos vivenciados em seu seio de
convivência. A família carrega um patrimônio afetivo e
cultural, com o qual participa na construção da cultura
e sociedade em que se insere, o que configura uma
realidade social complexa.
O que acharam dessa definição? Concordam? Pode ser que vocês tenham pensado
na própria família ou em outra que conhece bem, sobre como os integrantes da casa têm
características comuns, exercem influência sobre você e outras pessoas de um modo
peculiar. De repente, surgiram em sua memória as figuras mitológicas, as ovelhas negras,
as histórias de orgulho, as festas tradicionais, as brigas que não escaparam às fofocas da
vizinhança, a família que lhe parece modelo, os problemas ditos insolúveis etc.
Segurança Sociabilidade
É nas relações familiares que vamos nos percebendo, a partir dos olhares e do que
dizem sobre nós no primeiro grupo social de convivência intensa e longa. Nesse lugar, há
formação de vínculo, geração de identidade e autoestima. Uma pessoa investida de amor e
afeto, vivendo com segurança, torna-se capaz de alcançar suas necessidades materiais
básicas, através de recursos econômicos suficientes. Na família, aprende-se regras gerais
para convivência em sociedade, desenvolve-se uma forma de comunicação, reconhecendo
os próprios limites e sendo respeitado em suas individualidades. Essas são algumas das
funções e das importâncias da família para o amadurecimento de um indivíduo saudável.
A Figura 4 pode ilustrar o vínculo afetivo entre mãe e filhas que se educam (na
próxima página).
Saiba Mais
Assista o trecho de uma entrevista com dois estudiosos
de famílias, Humberto Maturana e Ximena Davila, que
ressaltam a importância do afeto para com as crianças
em um ambiente familiar e comunitário. Para assistir a
entrevista, clique aqui.
• Você tem se sentido pertencente e legitimado no seu núcleo familiar ou nos grupos
em que convive?
• Se você conseguisse priorizar mais horas de ócio e lazer, acha que sua saúde poderia
melhorar? Quem, na sua família, poderia te ajudar nesse projeto?
• Mãe, percebi que seu filho não obedece nem considera suas ordens, você tem tido
dificuldade de impor limites e autoridade aos seus filhos sem se tornar autoritária e
violenta? Os pais contribuem entre si para restabelecer autoridade com os filhos?
Conceito-chave
Segundo As cartas de promoção de saúde5, elaboradas
em conferências promovidas pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) desde a década de 1980, a saúde é
também determinada por fatores sociais como um meio
físico limpo e seguro, que possibilite o lazer e o
desenvolvimento de personalidade e de habilidades
pessoais para atuar em comunidade forte, integrada,
sem exploração e que celebre tradições culturais.
O pensamento negativo persistente nessas famílias sobre a própria vida pode nos
gerar tristeza, um dos sentimentos mais capazes de conectar seres humanos. Em muitas
ocasiões, a empatia com o paciente permite entender o drama familiar, ou a necessidade
de controlar os resultados de exames, de perder peso etc. Por esse encontro ser emocional,
cuidamos também do nosso próprio sentimento, quando determinada história familiar
repercute nas nossas, evitando se misturar ao relato do paciente.
Certa vez, durante uma roda de terapia comunitária integrativa (TCI), uma paciente
emocionou a todos contando a própria história marcada por maus tratos da sua mãe,
abuso sexual pelo seu pai e trabalhando desde os 9 anos. “Eu nunca pude brincar na
minha vida!” Atualmente, aos 40 anos, tudo o que mais desejava era receber carinho da
própria filha, mas também se sentia rejeitada por ela. Embora a narrativa seja marcada
pela rejeição, o grupo ofereceu a esta mulher a devolutiva de que ela era carinhosa na
maneira de falar com as pessoas. Essa paciente aprendeu a dar afeto através da carência
deste sentimento em sua vida. A família não foi capaz de ofertar necessidades básicas,
possivelmente por viver desafios além do que podiam superar. Ainda assim, a criança
desenvolve competências que a fizeram sobreviver. A paciente relatou ao final da roda que
nunca tinha se sentido tão importante, com tanta gente escutando o que ela falava,
observando sua forma carinhosa de falar. O grupo (Figura 5, a seguir) formado pela TCI se
tornou a família que ela sonhou, mesmo que por alguns minutos.
A terapia narrativa
Podemos perceber, pelo que discutimos até agora, a importância das narrativas de
nossas famílias e dos pacientes que atendemos. Esse recurso é central na Abordagem
Familiar, na medida em que procuramos modificar relações familiares conflituosas e que
trazem sofrimento. O profissional escuta de modo ativo e qualificado, faz perguntas
terapêuticas, tem olhar apreciativo sobre a narrativa carente de pontos positivos, facilita a
resiliência de uma história difícil, conforme a situação. Para a Abordagem Familiar
acontecer, não precisamos aplicar todas as técnicas de uma vez, porém a técnica narrativa
sempre estará presente, auxiliando na obtenção de informações sobre os tipos familiares,
Ciclos de Vida e outros detalhes importantes para esse recurso.
Saiba Mais
Veja este vídeo detalhando o processo de escuta ativa,
clicando aqui.
Podcast
Neste momento da aula, acessem o Podcast 1 - Caso
Complexo da Família de Antônia pelo QR Code ao lado
(aponte a câmera do celular para visualizar) ou clique aqui.
Este podcast é apresentado em formato de vídeo legendado,
oferecendo acessibilidade a todas as pessoas!
Ligando Pontos
A Abordagem Familiar, para facilitar a modificação de um
contexto familiar inadequado ou disfuncional, focaliza
também nas pessoas dessas famílias, como vimos no
estudo do Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), na
Aula 1 deste Módulo 4. O interesse pela história do
paciente não é para conhecer bastidores e fofocas, nem
deve ser realizado com perguntas aleatórias. No entanto,
queremos facilitar a compreensão da experiência do
adoecimento para cada pessoa, conferindo autonomia no
processo decisório dos cuidados e fortalecendo a relação
entre elas e o profissional.
Profissional Paciente
Parece que
você está
carregando
uma mochila Doutor, o meu
de pedras. pensamento é
um rio
subterrâneo.
O doutor falou
dois quilos
sem eu
entender uma
grama.
A terapia narrativa salienta que as pessoas têm muitas histórias, algumas delas
recebem maior importância, ganhando caráter épico, de tragédia. Outras se tornam
esquecidas, a depender dos diferentes pontos de vista familiares. Em algumas situações, as
histórias elegem protagonistas “problemáticos”, que, se encarnados pelo personagem,
terão dificuldades de se livrar dessa alcunha, fazendo-os sofrer. Como diz Michael White6:
“[…] as pessoas acabam por acreditar que os problemas são internos aos seus ‘selves’, ou ao
de outros – que elas ou os outros são, na verdade, o problema” (p.19).
Esses problemas não estão nas pessoas, mas nas histórias que reproduzimos.
São criados socialmente, nas relações, e podem ser decifrados a partir da interpretação
narrativa da consulta. Assim como foi criado o problema, ele pode ser desconstruído e
esta é a finalidade terapêutica: aliviar o sofrimento do paciente diante de uma história
impossível. Há problemas que têm soluções a curto, médio e longo prazo, outros são
insolúveis, a menos que uma nova narrativa focalize em outra maneira de viver,
independente da questão. Como na fala da paciente: “Hoje, passado tanto tempo, já nem
me preocupo mais com isso!”.
Família reconstruída
Família nuclear
A família reconstruída é
A família nuclear é formada
composta por membros de
pelos familiares consanguíneos
uma família que em um dado
da pessoa referência, ou seja,
momento teve outra
um núcleo. Um exemplo é o
configuração, sofreu uma
casal e seus filhos.
ruptura e passou a ter um
novo formato. Por exemplo,
um casal que é constituído por
dois pais separados.
Família institucional
Família extensiva
A família institucional tem a
A família extensiva é
função de criar e desenvolver
constituída por mais de uma
afetivamente a criança, o
geração, podendo ter também
adolescente ou grupos afins.
vínculos colaterais, como tios,
Podemos citar como exemplo
primos e padrinhos.
um convento ou um abrigo.
Saiba Mais
Uma crise normativa comum é a chamada “síndrome do
ninho vazio”. Vejam o vídeo disponível a seguir que
explica essa situação familiar, para assistir clique aqui.
a) diferenciação do eu em
relação à família de origem;
Aceitar a responsabilidade
Jovens solteiros saindo de casa b) desenvolvimento do
emocional e financeira.
relacionamento íntimo com
adultos iguais.
a) formação do sistema
marital;
Um novo casal: a união de Comprometimento com um b) realinhamento dos
família no casamento. novo sistema. relacionamentos com a
família ampliada e amigos do
cônjuge.
Continuação.
a) permitir ao adolescente
movimentar-se para dentro e
Aumentar a flexibilidade das
para fora do sistema familiar;
Famílias com filhos fronteiras para incluir
b) novo foco nas questões
adolescentes. independência dos filhos e
conjugais e profissionais;
fragilidade dos avós.
c) cuidar da geração mais
velha.
a) renegociar o sistema
conjugal;
b) relação entre adultos com
Lançando os filhos e seguindo Aceitar as várias entradas e
os filhos;
em frente. saídas no sistema familiar.
c) incluir netos;
d) lidar com a incapacidade e
com a morte.
Nem sempre as famílias entram em crise, pois podem superar os desafios sem
necessariamente deflagrar conflitos ou comportamentos momentaneamente
disfuncionais. No entanto, a família em crise tem dificuldade de se adaptar às novas
circunstâncias, sejam impostas por realidades socioeconômicas perversas, psicológicas
diversas, ou pela própria rigidez do núcleo familiar em questão. Pode haver padrões
transgeracionais que se destacam por evitar a exploração de alternativas que visem a
superação de problemas. Esse comportamento pessimista pode ser transmitido de
geração em geração10.
Como se não bastasse um evento estressor inesperado, como morte de uma pessoa
jovem, violências, tabus podem deflagrar contendas ainda mais graves, ao que chamamos
crise paranormativa, por não ser prevista no ciclo de vida. As histórias de superação para
problemas assim costumam refletir o futuro dessas famílias.
A enfermeira Carla fez o acolhimento de uma adolescente e sua mãe, que estava
preocupada vendo a filha cheia de escoriações por automutilações, justificadas como
modo de alívio do sofrimento. A adolescente concordou que não queria acabar com a
própria vida, mas com a angústia que não sabia nomear. Carla se lembrou que no ciclo da
adolescência o desafio era desenvolver paulatinamente autonomia e identidade com
aprovação dos pais, e fez perguntas sobre isso. Quem era aquela garota? Como ela se
descrevia? Como a família enxergava a adolescente e como ela gostaria de ser vista? Que
tarefas a adolescente realizava em casa colaborativamente? Mãe e filha concordaram que
a mãe não reconhecia a filha em suas individualidades e que a filha não assumia sequer
pequenas tarefas da casa de maneira colaborativa.
Após interconsulta com o médico de família e comunidade, Carla deu a tarefa para as duas
mulheres continuarem a negociação de mudanças no sistema familiar e foi agendado
retorno, além de consulta com o psicólogo da equipe multiprofissional. Se a adolescente
persistir com a angústia, avançamos em outras hipóteses clínicas e da Abordagem
Familiar. O objetivo deste enfoque foi favorecer a readaptação pós-estressores do Ciclo de
Vida de uma família com filhos adolescentes.
Podcast
Ouçam agora, no Podcast 2, a continuação do Caso Complexo
da Família de Antônia. Você pode acessar o Podcast 2 pelo QR
Code ao lado (aponte a câmera do celular para visualizar) ou
clique aqui. Este podcast é apresentado em formato de vídeo
legendado, oferecendo acessibilidade a todas as pessoas!
Videoaula
Círculo familiar
de Antônia
Julho/22
A importância do contexto
Saiba Mais
Vejam no vídeo a seguir como o contexto pode mudar
nosso entendimento. Para assistir, clique aqui.
Modelos de Famílias
Patriarcal
Pai: papel de provedor, protetor e
investido de uma autoridade “natural”
sobre os filhos e a mulher.
Mãe: papel de procriadora, cuidadora,
amorosa, nutridora e dependente.
Filhos: vistos como propriedade privada
dos pais, deveriam obedecer.
Contemporânea
A emancipação feminina, o
anticoncepcional, o divórcio, o aumento
da longevidade, o teste de DNA,
trouxeram novos padrões de
convivência familiar.
A família pode ser entendida como um sistema dinâmico que busca o equilíbrio.
Segundo Minuchin15, a organização, a estrutura e os padrões de interação de uma família
são responsáveis por selecionar e qualificar as experiências de seus membros. Assumindo
este caráter de equilíbrio dinâmico, o sistema familiar pode se deslocar para relações
saudáveis ou disfuncionais, sendo nosso objetivo facilitar o primeiro tipo. Assim como um
ecologista observa os sistemas ecológicos (figuras 10 e 11), podemos observar as famílias e
ampliar a forma de observá-las, sob novas perspectivas.
Saiba Mais
Acessem a videoaula disponível no link a seguir, que
explica as origens da Teoria Sistêmica. Para assistir,
clique aqui.
Para Minuchin: “Às vezes o terapeuta deve agir como um tradutor, interpretando o
mundo dos filhos para os pais e vice-versa. Pode também ter de ajudar o subsistema a
negociar fronteiras nítidas, mas viáveis de serem cruzadas.” (p. 64)15.
Sequência de Comportamento
A circularidade na entrevista
A abordagem dos conflitos não tem modelo, lidamos com surpresas. No entanto,
existem algumas sugestões para lidar com esses problemas, como evitar sustentar o papel
de juiz, defendendo alguém, escutando argumentos das pessoas que tentam provar para o
profissional de saúde que estão com a razão. A todos é dado direito de se manifestar, mas
também o dever de escutar o ponto de vista do outro familiar, o que pode provocar
desconforto. Afinal, ninguém disse que seria confortável! O foco é mudar a situação e
pensá-la diferente! Escutar a mesma história, sem perguntas que suscitam modos
diferentes de pensar, não será proveitoso. Como gostaríamos de dispensar o nosso
tempo hoje, repetindo as mesmas reclamações ou pensando em como ficar livres
delas?
Segundo Pessôa: “Os conflitos fazem parte das interações sociais. A palavra conflito
geralmente é vista como uma discordância, desentendimento ou mesmo luta. Contudo é
possível entender um conflito de modo mais construtivo, como parte da evolução e
transformação social” (p. 46 )18.
O conflito pode ser negado, sobretudo quando a família não reúne condições para
dissolvê-lo sozinha. Veja adiante as possíveis causas para os conflitos relacionais:
• Experiência de frustração;
A partir das narrativas de cada familiar podemos entender as ideias sobre o conflito,
os papéis desempenhados por cada familiar que contribuem para manutenção ou
dissolução do conflito. Quais afetos seriam mobilizados nestas relações e como ocorre esta
troca comunicacional? Até mesmo a indiferença e o silêncio comunicam desprezo ou
desesperança, por exemplo. As palavras têm poder! O silêncio também! O paciente que
acredita estar isento pode não perceber que seu silêncio pode ser um grande fator
contribuinte para o conflito. Isto dependerá do contexto onde o conflito se instaura.
O foco da Abordagem Familiar está nas interações entre as pessoas e como este
fenômeno dinâmico pode interferir na vida das pessoas. As pessoas estão em constante
transformação, que pode ser facilitado se ampliando as visões sobre o contexto. Como
salienta Cecching20, deve-se evitar a utilização do verbo “ser” e priorizar o verbo “estar”,
considerando que estamos sempre em equilíbrio dinâmico e passíveis de mudanças.
Minha Prática
No cotidiano de trabalho da APS e na assistência a pessoas
com condições crônicas, você observa a força da família e
a considera na análise sistêmica sobre o sintoma/queixa?
Na aula você conseguiu reconhecer ferramentas possíveis
para auxiliar na abordagem aos pacientes e famílias? Você
imagina que terá desafios neste trabalho? Quais seriam?
Quais estratégias e caminhos são possíveis dentro do
cotidiano de trabalho da APS?
Considerações Finais
As famílias possuem uma série de recursos para perpetuar os equilíbrios, sejam eles
saudáveis ou não. Ao procurar alterar a lente que vemos esses conjuntos sociais,
procurando novos pontos de vista e uma noção contextual mais ampla nos permitirá ser
mais capazes de propor mudanças naqueles contextos desfavoráveis. E esses inputs
podem ser gerados por qualquer pessoa, dentro ou fora da família. O que a abordagem
sistêmica deseja salientar é que para cada história que uma família trouxer é essencial
desestabilizar os contextos disfuncionais, estimulando um novo equilíbrio mais saudável.
Assim vamos finalizando este encontro, na expectativa de que vocês estejam mais
atentos ao poder das relações familiares e como elas estão relacionadas com sintomas.
Esperamos também que se sintam mais confortáveis para utilizar intervenções em
Abordagem Familiar, sejam breves ou mais longas, como nas visitas domiciliares com a
rede intersetorial para casos extremamente complexos, cientes do quanto pode ser
satisfatório o resultado dessa atitude em saúde, fruto de muito estudo e experiências
exitosas mundo afora.
Até a próxima!
Referências
1. Kuhn TS. A estrutura das revoluções científicas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva; 1998.
3. Anderson MIP, Rodrigues RD. In: Gusso G, Lopes JMC, Dias LC, organizadores. Tratado
de Medicina de Família e Comunidade: princípios, formação e prática. 2ª ed. Porto
Alegre: Artmed; 2019. p.299-333.
4. Young JE, Klosko JS, Weishaar ME. Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-
comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed; 2008.
5. Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, 1986, Ottawa. Carta de Otawa. In:
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da
Saúde. As cartas da promoção da saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2002 [acesso
em 12 jul 2022]. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartas_promocao.pdf.
10. Andolfi M, Angelo C. Tempo e mito em psicoterapia familiar. Porto Alegre: Artes
Médicas; 1989.
11. Gomes LB, Bolze SDA, Bueno RK, Crepaldi, MA. As origens do pensamento sistêmico:
das partes para o todo. Pensando fam. 2014 [acesso em 7 jul 2022];18(2):3-16. Disponível
em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2014000200002&lng=pt&nrm=iso.
14. Dias LC. Abordagem Familiar. In: Gusso G, Lopes JMC, Dias LC, organizadores. Tratado
de Medicina de Família e Comunidade: princípios, formação e prática. 2ª ed. Porto
Alegre: Artmed; 2019. p.848-878.
15. Minuchin, S. Famílias: funcionamento & tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.
17. Barreto AP. Terapia Comunitária: passo a passo. 5ª ed. Fortaleza: Gráfica LCR; 2019.
18. Pessôa LR, organizadora. Manual do gerente: desafios da média gerência na saúde. Rio
de Janeiro: Ensp; 2001.
O Autor