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Direito de Proteção às

Vítimas de Crimes

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Vitimização e Políticas
Públicas

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Conteudista:
Rosana Cathya Ragazzoni Mangin, (Conteudista, 2021);

Talita Arantes Cazassus Dall’Agnol (Coordenadora, 2021);

Katia Silene Macedo Medeiros (Coordenadora, 2021);

Diretoria de Desenvolvimento Profissional.

Enap, 2021

Enap Escola Nacional de Administração Pública


SAIS - Área 2-A -70610-900 - Brasília, DF

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Sumário

Unidade 1 – Políticas Públicas relacionadas às vítimas de crime......................................4


1.1 Rede de cuidado e proteção às vítimas de crime e de controle da criminalidade...................... 5

1.2 As políticas de saúde, assistência social e segurança pública relacionadas às vítimas de crime........6

Referências................................................................................................................................................................ 9

Unidade 2 – Órgãos do Sistema de Justiça e ações relacionadas às vítimas de crime......10


2.1 Órgãos do Sistema de Justiça....................................................................................................................11

2.2 - Justiça Restaurativa...................................................................................................................................14

Referências..............................................................................................................................................................18

Unidade 3 - O Poder executivo e outras instituições de apoio às vítimas.................... 19


3.1 O Poder executivo e ações de proteção às vítimas de crime...........................................................19

3.2 Instituições não governamentais e ações de proteção às vítimas de crime...............................22

Referências..............................................................................................................................................................24

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MÓDULO

4 Vitimização e Políticas Públicas


Olá, caro(a) leitor(a), tudo bem?

Agora que você chegou neste módulo, depois de ter refletido sobre diversos e diferentes conteúdos que
se inter-relacionam, é o momento de pensar mais um pouco; desta vez, sobre sistemas públicos, às vezes
com participação da iniciativa privada por meio de suas organizações e grupos, que atuam na assistência,
no cuidado, orientação e proteção das pessoas vítimas de crime ou de alguma outra forma de violência.

É o momento de conhecer cada uma dessas estruturas do Estado brasileiro e as iniciativas de organizações
da sociedade civil.

Fonte: autor desconhecido, licenciada em CC BY-NC

Unidade 1 – Políticas Públicas relacionadas às vítimas de


crime
As políticas públicas podem ser realizadas por órgãos federais, estaduais ou municipais e, ainda, auxiliados
por entidades e instituições da sociedade civil organizada. Nesta unidade, serão apresentados os
Sistemas de Saúde (SUS), Assistência Social (SUAS) e Segurança Pública (SUSP), que envolvem ações
interministeriais e intersetoriais no sentido de criação, desenvolvimento e fortalecimento de redes que
possam auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade, justamente em razão de sua condição de vítimas
de crime ou outras formas de violência.

Todos esses sistemas públicos que serão aqui trabalhados não nasceram da noite para o dia. Surgiram e
se fortaleceram após muitos processos de discussão e de participação da sociedade civil organizada, e se
mantêm graças a ações do Estado brasileiro no sentido de tutela da vida cidadã para todas as pessoas.

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1.1 Rede de cuidado e proteção às vítimas de crime e de controle da
criminalidade

Caro(a) leitor(a): você sabia que um sistema ou campo da política pública (saúde, segurança, educação,
assistência social...) pode ajudar de forma mais eficaz às pessoas na situação de vítima de crime ou
outra violência quanto mais for capaz de se relacionar com outro sistema ou campo da política? A isto
dá-se o nome de intersetorialidade e é sobre isto que você estudará nesta sequência.

Fonte: Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em CC BY-NC-ND

Um exemplo inicial possível de ser ilustrado aqui Pensar em rede de cuidado implica observar como
é o da mulher vítima de violência doméstica; o que, a partir de um ponto específico (o crime, no caso
caso será melhor atendido, se a vítima puder deste curso), é possível construir ações integradas e
receber atenção tanto na esfera da saúde inter-relacionadas de atendimento, com políticas que
(atenção à sua condição física e psicológica), considerem a integralidade da pessoa atendida, ou
quanto na assistência social (em alguns casos, seja, seus aspectos físicos e psíquicos, mas, também,
há a necessidade de abrigo em equipamento de moradia e outras necessidades específicas para si
público a fim de preservar a sua integridade e para outras pessoas envolvidas.
pessoal) e, no limite, necessitará do sistema de
segurança pública no sentido de afastar qualquer As taxas de criminalidade e de violência se mantêm
possibilidade de ofensa maior do que aquela até o elevadas no Brasil. É como se o país estivesse visando
momento produzida pelo agressor. conter um mal de difícil solução. Desse modo, o que
fazer para diminuir a dor de quem, por algum motivo,
Esse exemplo inclui neste curso a noção de rede foi vítima de um crime ou dessa violência?
de atenção. Por que rede? A ideia conceitual é que
se possa imaginar a forma como qualquer ponto Não há um histórico de políticas abrangentes
de uma rede vai se inter-relacionando com outro para o tema de Vítimas de Crime em geral, além
ponto; como a tecitura da rede, sua execução vai da experiência dos CEAVs (Centros Estaduais de
se fazendo de forma a preencher cada ponto de Apoio às Vítimas); há, contudo, políticas focalizadas
modo que, olhando sozinho, não se pode dizer o por segmentos específicos, encontrando-se
que cada ponto da rede significa, mas, interligado, especialmente, aquelas relacionadas à violência
se configura num objeto importante e útil. doméstica e violência sexual.

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Neste curso, propõe-se uma reflexão sobre como três sistemas ou campos das políticas públicas se
relacionam com as vítimas de crimes numa rede de cuidado e atenção. São eles: a saúde, a assistência
social e a segurança pública.

Talvez, você que prestigia este curso já precisou de auxílio na condição de vítima de um crime e sabe da
dificuldade que foi conseguir um espaço para atender suas necessidades, não é mesmo? Então, caro(a) leitor(a),
vamos verificar algumas possibilidades de atenção e cuidado às vítimas de crime distribuídas pelas políticas de
saúde, assistência social e segurança pública?

1.2 As políticas de saúde, assistência social e segurança pública relacio-


nadas às vítimas de crime
Dentre as políticas públicas que estão inseridas nas normativas de direitos humanos e direitos sociais,
inclui-se a saúde, a assistência social, a segurança pública, o trabalho e emprego, dentre outras. Neste
curso, o foco se concentra nestas três primeiras grandes áreas ou campos da política pública em razão
de sua importância essencial para a garantia do direito das vítimas de crime.

Políticas de saúde e cuidado às vítimas de crime

No caso do direito à saúde no Brasil, universalizado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), os
preceitos constitucionais estão previstos entre os artigos 196 e 200 da nossa Constituição Federal. Ali
pode-se ler que:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de do-
ença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (art. 196).

Como eixo central da política de saúde espera-se uma rede regionalizada e hierarquizada, ou seja, uma
ordenação dos serviços por níveis de atenção e do estabelecimento de fluxos assistenciais.

As Leis nº 8.080 e nº 8.142, ambas de 1990, regulamentam “as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes” e “a
participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde”, respectivamente. Essas leis, que depois
de 1990 tiveram algumas alterações, são poderosos instrumentos de proteção ao direito à saúde da
população brasileira. Elas podem ser encontradas, na íntegra, em:

• Lei nº 8.080 de 1990

• Lei nº 8.142 de 1990

O SUS, por meio da universalização do acesso a todas as pessoas, facilita o atendimento, inclusive, das
pessoas vítimas de crimes e mantém profissionais especializados(as) para recepcionar e auxiliar estas
pessoas em suas necessidades, sejam estas de atendimento médico, ou integradas como nos casos de
violência sexual, conforme disciplinado na Lei 12.845 de 2013, denominada “Lei do Minuto Seguinte”,
que visa integrar ações de segurança pública e de saúde em prol das vítimas desse tipo de violência.
Clique aqui e conheça mais sobre essa lei.

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Políticas de Assistência Social e cuidado às vítimas de crime

A Assistência Social é uma política de Estado calcada no campo dos direitos fundamentais, que prevê,
também, a universalização das práticas e a responsabilidade do Estado brasileiro na sua execução. A Lei
nº 12.435 de 06 de julho de 2011, disciplina o funcionamento do SUAS (Sistema Único de Assistência
Social). Você pode conhecê-la na íntegra clicando aqui .

Pode-se dizer que, além dessa última Lei, outras duas normativas federais, as de nº 12.470, de 31 de
agosto de 2011, conhecida como a Lei que organiza o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a
Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, que dispõe e organiza a rede privada de Assistência Social
(entidades da sociedade civil com caráter beneficente), constituem o tripé legal, operacional e formal
da Assistência Social no país. Você encontrará essas normativas nos respectivos links, abaixo:

• Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011

• Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009

• Política Nacional de Assistência Social PNAS/ 2004

Os níveis de proteção social estabelecidos no SUAS são a Básica e a Especial (de média e de alta complexidade).

Resumidamente, pode-se dizer que, na proteção BÁSICA, oferecida pelos CRAS, estão
concentrados os seguintes serviços:- O PAIF (Programa de Atenção Integral à Família); o
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, o Serviço de Proteção Social Básica para
Pessoas com Deficiência e Idosos, o Programas Bolsa Família (PBF) e o Benefício de Prestação
Continuada (BPC).

É na proteção social ESPECIAL que se dá o acolhimento a vítimas de violência física, psicológica,


sexual, abandono, trabalho infantil, dentre outros. Nos serviços de média complexidade,
oferecidos nos CREAS, estão concentrados os serviços:

• Centro POP (pessoas em situação de rua) e Centro Dia com as ações do PAEFI (Atendimento
especializado às famílias e indivíduos), das medidas socioeducativas em meio, do serviço
de proteção para pessoas com deficiência, idosos e famílias, do serviço especializado para
pessoas em situação de rua, e do serviço especializado em abordagem social.

Na proteção ESPECIAL de alta complexidade (ainda com referência aos CREAS) estão os serviços de
acolhimento institucional, tais como, abrigos, casas, lares, residências inclusivas, repúblicas, família
acolhedora e serviço de proteção em situações de calamidade e de emergência.

Assim, como apontou-se para o SUS, também o SUAS deve ser avaliado quanto à possibilidade de
conceder ainda maior atenção às situações de vitimização e à busca da articulação com os demais
serviços públicos que podem atuar em benefício das vítimas.

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Conheça um exemplo:

Foi por meio da integração entre o CREAS e os demais componentes da rede que A.D.A.S., 20
anos, vítima de abuso sexual dos 7 aos 14 anos, pôde ter sua vida reorganizada e seus direitos
sociais garantidos. Como em muitos casos em que o agressor é alguém conhecido da vítima,
para A.D.A.S. não foi diferente: ela foi abusada pelo próprio pai. A jovem se dividia entre as
casas da mãe e do pai. O período em que passava na casa do pai foi o início do martírio que
durou sete anos. Agressões, violência sexual e o alcoolismo do pai fizeram parte do dia a dia
da adolescente. Um dia, a jovem, em total desespero com a situação, foi à delegacia de polícia
mais próxima da casa de seu pai e contou todo o absurdo de situações que estava passando.
“Os policiais me levaram até a casa de minha mãe e, com o apoio dela, tive coragem de depor e
prestar queixa contra meu pai”. A.D.A.S. foi encaminhada pela Delegacia de Apoio à Mulher ao
CREAS. No local, ela e sua mãe receberam atendimento psicossocial, jurídico e socioassistencial.
No acompanhamento, a adolescente foi, por meio de articulação intersetorial, encaminhada a
cursos profissionalizantes. “Aqui no CREAS passei quatro anos e aqui eu fui resgatada para a
vida”, diz. Quanto ao pai da jovem, o Ministério Público atuou no caso e o agressor foi processado
e aguarda julgamento. Atualmente, A.D.A.S. está matriculada em um curso profissionalizante de
Rádio e TV, além de estagiar como agente administrativa. “Desejo muito poder fazer a faculdade
de Psicologia e mostrar às vítimas que sofreram ou sofrem as mesmas violências pelas quais
passei que é possível, sim, recomeçar. Com apoio e determinação, estou projetando uma nova
vida”, afirma. A jovem foi atendida no CREAS de Rio Branco/AC e seu depoimento está na
Revista do CREAS no link

E para concluir este item, pode-se indicar a você que chegou até aqui, que faça um passeio pela página
do Ministério da Cidadania. Ali você terá acesso a importantes dados relacionados ao tema, além de
notícias sobre esta importante esfera da política pública nacional. Visite clicando aqui .

Políticas de Segurança Pública e cuidado às vítimas de crime

Agora que você já conheceu os aspectos relacionados ao SUS e ao SUAS, chegou a vez de conhecer
também o SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. Criado no ano de 2003, esse sistema foi
pensado com o fim de implantar um modelo diferente, na gestão do Estado, no que diz respeito ao
controle da violência e da criminalidade. Uma das ideias, dentre outras, é a de articular ações e políticas
nas áreas da segurança pública e da justiça criminal.

Considerando o direito das pessoas ou os direitos da cidadania, lançou-se no Brasil, em 2007, o


PRONASCI (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), que previa a articulação de ações
de segurança pública com políticas sociais a serem realizadas, de forma integrada, pelos governos
municipais, estaduais e federal, com um forte componente de interlocução junto às comunidades locais.

O Decreto nº 9.630, de 26 de dezembro de 2018, instituiu no Brasil, o Plano Nacional de Segurança


Pública e Defesa Social, neste encontramos a formulação conceitual de segurança cidadã, ou seja, o
princípio de que todo plano de segurança e defesa estatais deve levar em consideração a questão dos
direitos de cidadania, o que não é pouca coisa.

O SUSP deve ser capaz de aperfeiçoar seus serviços de abordagem e atendimento a situações conflituosas,
garantindo mais do que a busca pela elucidação de um crime e a imposição de penas ao ofensor; deve
incrementar a atenção à pessoa vitimada, garantindo-lhe proteção, mitigando sua exposição frente ao
pretenso criminoso no âmbito do atendimento e das investigações, fornecendo informações e possibilitando
que a vítima participe ou acompanhe o processo investigativo.

São inúmeras as possibilidades de ações praticadas pelos Sistemas apresentados e se espera que você tenha
aproveitado o conhecimento. Lembre-se sempre de buscar apoio e auxílio em caso de violência, está bem?

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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art14. Acesso em: 10 de junho
de 2021.

BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Governo do Estado de Alagoas (GPSE/


SAS/SEADES-AL). s/d. Acesso em: 06 de junho de 2021.

BRASIL. Decreto nº 9.630, de 26 de dezembro de 2018.


Institui o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/
D9630.htm. Acesso em: 06 de junho de 2021.

Revista CREAS: Centro de Referência Especializado de Assistência Social. -- Ano 2, n. 1, 2008.


– Brasília: MDS, 2008. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/
assistencia_social/Revista/RevistaCreas.pdf. Acesso em: 06 de junho de 2021.

SECRETARIA NACIONAL ANTI-DROGAS. Prevenção ao uso indevido de drogas: Curso


de Capacitação para Conselheiros Municipais. 4 ed. Brasília: Presidência da República,
Secretaria Nacional Antidrogas, 2008. Disponível em:
https://mppr.mp.br/arquivos/File/Projeto_Semear/Material_Capacitacao/Curso_
Prevencao_ao_uso_indevido_de_Drogas_Capacitacao_para_Conselheiros_e_
Liderancas_Comunitarias_2011_SENAD.pdf. Acesso em 23 de junho de 2021.

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Unidade 2 – Órgãos do Sistema de Justiça e ações rela-
cionadas às vítimas de crime
O Sistema de Justiça brasileiro está estruturado termo originalmente concebido pelo professor de
de acordo com o que determina a Constituição Direito da Universidade de Harvard, Frank Sander.
Federal de 1988 e é representado por vários
órgãos com competências distintas. Esse sistema Esse sistema permite ampliar a concepção de
foi concebido a partir de um modelo tradicional justiça e de atuação dos órgãos responsáveis por
com foco em ações voltadas, principalmente, para implementá-la, oferece um rol de possibilidades
o combate à criminalidade e atenção ao ofensor, de resolução de conflitos, para escolha da técnica
sendo, em sua origem, um sistema essencialmente mais apropriada para o fenômeno que se apresenta,
retributivo e reativo. buscando tornar o judiciário mais eficiente, célere,
acessível e próximo das demandas sociais.
No entanto, ampliando o olhar a respeito do Sistema
de Justiça, identificam-se, atualmente, iniciativas Nesta unidade de estudo, portanto, você conhecerá
direcionadas também às vítimas. Assim, diante a estrutura do Sistema de Justiça, alguns de seus
da necessidade de atuar de modo integrado e de projetos em relação à vítima de crime e, mais
oferecer, também à vítima, a atenção necessária, especificamente, a Justiça Restaurativa, por sua
o Sistema de Justiça brasileiro passou a utilizar-se, importância na atenção aos direitos e necessidades
no judiciário, da concepção de “múltiplas portas”, das vítimas de crimes.

Reflita: quanto você conhece sobre a estrutura e o funcionamen-


to dos órgãos do Sistema de Justiça de seu país?

Interessa, pois, à vítima conhecer, mesmo que brevemente, quais são os órgãos que integram esse
Sistema, apresentados, basicamente no seguinte esquema:

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2.1 Órgãos do Sistema de Justiça
A partir de um olhar sobre o alto potencial de conflito presente na sociedade brasileira, Maria Tereza
Sadek refere que:

O sistema de justiça é mais amplo do que o poder judiciário. A rigor, o juiz é apenas uma peça
de um todo maior (...) O sistema de justiça envolve diferentes agentes: o advogado, pago ou
dativo; o delegado de polícia; funcionários de cartório; o promotor público e, por fim, o juiz, o
qual, para a maior parte da população é o representante do sistema de justiça.

Pode-se considerar que a estrutura de justiça vigente no país, coloca o cidadão comum (neste caso, aquele que
não tem formação específica nas ciências jurídicas) distante do judiciário, seja pela complexidade deste, ou pela
linguagem mais técnica.

Abaixo, serão apresentadas as principais competências determinadas pela Constituição Federal brasileira aos
órgãos que compõe o sistema de justiça nacional (polícias – poder judiciário, ministério público e defensorias e
sistema prisional):

• As polícias militar e civil (dentre outros órgãos) integram a Segurança Pública e têm como função primordial
exercer a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144);

• Ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis. (art. 123);

• A Defensoria Pública presta orientação jurídica e atua para a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral
e gratuita, aos necessitados (art. 134);

• A Defensoria Privada, representada pelos advogados e advogadas, é indispensável à administração da


justiça (art. 133) e é responsável por defender os interesses de particulares;

• O Poder Judiciário, que comporta uma complexa estrutura em graus e competências (art. 92 e
seguintes), é responsável pela tomada de decisão frente aos conflitos que lhe são encaminhados;

• O sistema prisional, órgão vinculado ao poder executivo, é encarregado da execução da pena imposta
pelo judiciário a determinada pessoa infratora.

Veja, caro(a) leitor(a), não há, nessa estrutura, órgãos com competências especificadas quanto às vítimas
de crimes, mas é possível identificar ações, que visam garantir direitos das vítimas, assim como a legislação
específica aplicada a estes casos.

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Algumas leis nacionais que podem auxiliar a vítima a garantir seus direitos:

• Lei nº. 9.099 de 1995, que dispõe sobre os • Lei Complementar nº. 80 de 1994 que cria
Juizados Especiais Cíveis e Criminais e menciona, no e organiza a Defensoria Pública da União, do
art. 62, a obrigação de reparação aos danos da vítima; Distrito Federal e dos Territórios e prescreve
normas gerais para sua organização nos Estados.
• Código de Processo Penal que dispõe no art. Órgão fundamental na assistência judiciária
387, IV, sobre a reparação dos danos causados pela gratuita às pessoas de baixa renda;
infração; no art. 28 sobre a comunicação à vítima a
respeito do arquivamento do inquérito policial ou • Lei nº. 5.467 de 1986 (no âmbito do SP)
de quaisquer elementos informativos da mesma que dispõe sobre a criação das Delegacias
natureza, se a vítima, ou seu representante legal, Especializadas no Atendimento à Mulher. Há
não concordar com o arquivamento do inquérito um Projeto de Lei no Congresso Nacional (PL
policial, poderá (...) submeter a matéria à revisão nº. 501/2019 que obriga os Estados a criar
da instância competente do órgão ministerial Delegacias da Mulher em suas microrregiões,
e no art. 28-A, inciso I, sobre a reparação do possibilitando melhor assistências às vítimas por
dano ou restituição da coisa à vítima, exceto na violência de gênero);
impossibilidade de fazê-lo, nos casos de acordo
de não persecução penal; • Lei nº. 11.340 de 1996 que cria mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra
• Lei nº. 9.807/1999 que estabelece normas a mulher;
para a organização e manutenção de programas
especiais de proteção a vítimas e a testemunhas • Lei nº. 13344/2016, que dispõe sobre
ameaçadas, institui o Programa Federal prevenção e repressão ao tráfico interno e
de Assistência a Vítimas e a Testemunhas internacional de pessoas e sobre medidas de
Ameaçadas e dispõe sobre a proteção atenção às vítimas;
de acusados ou condenados que tenham
voluntariamente prestado efetiva colaboração à • Para finalizar este recorte legislativo,
investigação policial e ao processo criminal; aponta-se que, no Congresso Nacional, há um
Projeto de Lei, o de nº. 65, de 2016, que cria o Ato
• Código Penal que dispõe no art. 91, a Nacional dos Direitos das Vítimas de Crimes,
obrigação de indenização do dano causado à visando garantir que as vítimas de crimes ou de
vítima como um dos efeitos da condenação penal; atos infracionais, se beneficiem de informação,
apoio e proteção necessários, bem como, que
• Lei nº. 13.431 de 2017 que estabelece o tenham direito ao devido ressarcimento, de serem
sistema de garantia de direitos da criança e do ouvidas e de participarem adequadamente da
adolescente vítima ou testemunha de violência; investigação, do processo e da execução penal,
de forma a proteger e fazer valer seus direitos
• Lei nº. 12.845 de 2013 que torna obrigatório humanos. Você encontra informações sobre
o atendimento integral de pessoas em situação de esse PL clicando aqui.
violência sexual, dispondo ente outros aspectos,
sobre a obrigação dos hospitais de oferecer
às vítimas de violência sexual atendimento
emergencial, integral e multidisciplinar, visando
ao controle e ao tratamento dos agravos físicos
e psíquicos decorrentes de violência sexual, e
encaminhamento, se for o caso, aos serviços de
assistência social;

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Portanto, engana-se quem entende que o cuidado e proteção à vítima caberia somente à polícia, por sua
atuação na proteção social; ou ao juiz, por, possivelmente, condenar o ofensor; ou, ainda, ao poder executivo,
por sua responsabilidade na implantação de determinados serviços. Toda a ação deve ser integrada,
harmoniosa e multidisciplinar, incluindo, portanto, profissionais de diferentes áreas ou campos de estudos.

Saiba mais

Alguns países, incluindo os Estados Unidos e o Canadá, oferecem às vítimas a


oportunidade de se fazerem ouvir ao permitirem as declarações de impacto da
vítima. Um dos objetivos dessas declarações consiste em permitir que a pessoa,
ou as pessoas mais diretamente afetadas pelo crime, possam dirigir-se ao tribunal
quando do processo de tomada de decisão com uma abordagem que venha a
personalizar o crime e elevar o estatuto da vítima. Você poderá conhecer mais
sobre as possibilidades de intervenção da vítima no processo penal em outros
países, no link.

Reflita, caro(a) leitor(a), quantas marcas de produtos você conhece, mesmo em relação àqueles que você não
consome. Provavelmente, você conhece o nome de várias “marcas”, como, redes de fast food, roupas, bebidas,
entre outros. Esses indicadores são muito difundidos nos relacionamentos sociais. Mas, reflita agora, qual é
seu conhecimento em relação aos recursos constitucionais disponíveis para a garantia de direitos? Menciona-
se a seguir dois deles à disposição de todas as pessoas, obviamente, também das vítimas:

• HABEAS CORPUS (art. 5º, LXVIII): recurso que visa garantir proteção contra ilegalidade ou abuso
de poder que fira a liberdade pessoal, o direito de locomoção, de ir e vir; pode ser concedido para
evitar que se concretizem certas violências e pode ser requerido por qualquer pessoa; é um dos
pouquíssimos institutos que não requer advogado.

• MANDADO DE SEGURANÇA (art. 5º, LXIX e LXX): recurso colocado à disposição de qualquer
pessoa, natural ou jurídica, para proteger direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão pela
autoridade pública de qualquer categoria que seja.

Finalizando este tópico, indicam-se a seguir alguns projetos de atenção à vítima de crime implementados
pelo Sistema de Justiça, para que você os acione ou incentive outras pessoas a buscá-los.

• Projeto Cantareira, do Ministério Público de SP: realiza mediação em casos de conflito penal. Você
poderá encontrar mais informações a respeito clicando aqui.

• Núcleo de atendimento a vítimas, do Ministério Público do CE: atendimento psicossocial de apoio


às vítimas. Veja mais informações clicando aqui.

• Campanha “Você foi vítima de um crime?”, do Ministério Público do RJ: orientação às vítimas de
crimes sobre seus direitos e os papéis desempenhados pelas instituições que compõem o sistema
de Justiça Criminal. Conheça a Campanha clicando aqui.

Você pode conhecer outros projetos de atenção à vítima acessando o site do Tribunal de Justiça do seu estado.

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2.2 - Justiça Restaurativa
A Justiça Restaurativa (JR) está fundamentada em práticas de composição de conflitos e representa
importante mudança de paradigmas, expressando uma percepção mais ampla sobre o fenômeno delitivo
e sobre a relação vítima-ofensor, focando-se nas singularidades de todas as pessoas envolvidas no
conflito e, também, na comunidade integrada por elas, considerando que o crime afeta a toda a sociedade.

Veja no quadro a seguir possíveis diferenças entre a Justiça Tradicional e a Justiça Restaurativa:

Este quadro foi adaptado do artigo de Renato Pinto, “Justiça Restaurativa: é


possível no Brasil?”

Veja “A Canção dos Homens” em:


https://www.youtube.com/watch?v=5D9ZOaOArj0.

É um lindo e sensível ritual realizado por tribos africanas que envolve a comunidade na solução
dos conflitos, afastando o foco da vingança ou do castigo e privilegiando os laços comunitários.

Saiba mais

Os primeiros registros de programas de JR, mais estruturados, sistematizados e


incorporados ao regime estatal, datam do final da década de 1970, tendo como
pioneiros, os neozelandeses. Desde então, iniciou-se um movimento supranacional
para a regulamentação da JR, que culminou com uma Resolução da ONU sobre
o assunto, a de nº 2002, de 2012. Você pode conhecê-la na íntegra clicando aqui.

No Brasil, a Resolução nº. 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça, representa um importante marco
para a consolidação da JR. O documento dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no
âmbito do Poder Judiciário e conceitua JR como:

“conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e


atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores rela-
cionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência”.

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Os princípios da JR são, portanto, a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às
necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação,
o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.

Imagine um grupo de pessoas com origens,


histórias, vivências e perspectivas diferentes. Elas,
provavelmente, terão múltiplos olhares sobre um
mesmo fenômeno, o que pode produzir conflitos.
Mas, você já parou para pensar que os conflitos são
inerentes à vida e que não são necessariamente
destrutivos? Conflitos todas as pessoas têm, o modo
como lidam com eles e os recursos colocados à
disposição para solucioná-los é que irão determinar
a resolução com maior ou menor sofrimento, ou
ainda, sem sofrimento.

Fonte: Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em


CC BY-NC-ND

Pense em uma situação em que você vivenciou ou


presenciou um conflito (quiçá, uma violência). Como
você se sentiu? Quais recursos possuía para lidar
com o conflito? Obteve ajuda ou sentiu-se sozinho e
desamparado? Estas questões são essenciais para
seu autoconhecimento e para aprimorar seu jeito de
lidar com os desafios da vida.

Fonte: Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em


CC BY-ND

Os conflitos podem ter um caráter intrapessoal (da pessoa consigo mesma), interpessoal (da pessoa
com outra, como no caso de vítima e ofensor) ou entre grupos ou nações, por exemplo, em casos de
disputa por território.

A boa resolução do conflito requer uma comunicação autêntica, com integração e harmonia entre
o comportamento verbal e não verbal; requer, ainda, um sistema de linguagem compreensível para
todas as pessoas que nele estão envolvidas, considerando-se possíveis relações de poder e diferenças
socioculturais, evitando-se juízos precipitados e oferecendo receptividade.

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A JR permite que as pessoas envolvidas no conflito, sejam elas, indivíduos, grupos ou comunidades,
possam sair da queixa superficial (posição) e adentrar no âmago do conflito (interesse).

A clássica imagem do iceberg auxilia na compreensão


desse pensamento: enquanto a posição (parte
superficial, acima do nível do mar) defendida
pelo indivíduo, contém pensamentos rígidos,
sentimento de vingança, relação dualista (vencedor/
vencido), visão de mundo limitada e efeitos que
se esgotam em curto prazo; o interesse favorece
múltiplas emoções, diversidade de percepções e
de pensamentos e comportamento mais flexível,
além de uma relação mais respeitosa e solidária,
com efeitos mais duradouros, o que, sem dúvida,
constitui-se em fatores de grande importância no
suporte para as vítimas de crimes.

Fonte: Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em


CC BY-NC-ND

É o que se estimula com a comunicação não-violenta, alicerçada em quatro pilares básicos, conforme
ensinou Marshall Rosenberg: observação, sentimentos, necessidades e pedidos. A comunicação é uma
necessidade básica do ser humano, um atributo do ser social e compreende qualquer tipo de informação
em qualquer modo de transmissão. A comunicação não violenta estimula a escuta sem prejulgamentos
e auxilia as pessoas a identificar seus próprios sentimentos.

Veja um breve vídeo sobre Comunicação não-violenta em:


https://www.youtube.com/watch?v=6pbpOV7_8RY

Na JR todas as pessoas envolvidas no conflito têm lugar, vez e voz, participando ativamente de todo o
processo. Desse modo, são explicitadas as violações de direitos e a vítima pode falar a respeito de seus
sentimentos, suas necessidades e seus desejos frente aquela violação.

No Brasil a JR é utilizada, principalmente, em casos de crimes de menor potencial ofensivo, mas vem
avançando para oferecer a mesma possibilidade em casos de ofensa a bens fundamentais, como a vida.

16
Saiba mais

São muitas as possibilidades para a utilização da JR e seus possíveis benefícios.


Petronella Boonen, autora do artigo “Diálogos entre subjetividades na construção
da Justiça Restaurativa”, relata exemplos de casos reais com a utilização da JR, nos
quais apresenta a atribuição de sentido/significado sobre o conflito para a vítima.
Leia a seguir um desses casos, ocorrido na Bélgica no ano de 2005:

“(...) a mãe de um jovem assassinado e jogado no rio pediu um encontro


com a pessoa que assassinou seu filho. O ofensor estava preso e
condenado a uma sentença longa. A mãe queria encontrá-lo para que
ele lhe explicasse, entre outras coisas, exatamente o lugar onde o filho
havia sido jogado no rio. Essa pergunta sobre o lugar exato não é uma
pergunta de interesse no âmbito da instituição jurídica. A verdade dos
fatos já fora estabelecida, o corpo já havia sido encontrado. No tribunal
não havia espaço para esse tipo de indagação, aliás, ela não faz sentido no
jogo estabelecido com regras universais. Mas a necessidade dessa mãe
não parava de clamar, pois ela queria honrar o morto, depositando flores
no exato lugar da violência e da morte. Portanto, esse detalhe fazia toda
a diferença para essa mãe e, possivelmente, somente para ela. Saber o
exato lugar, depositar flores, honrar a memória do filho, são elementos
fundamentais para essa mãe apreender a realidade, atribuir sentido e
tentar reconciliar-se com esse mundo, no qual ela foi atingida brutalmente
por essa experiência traumática”.

Você pode imaginar o desejo dessa mãe em homenagear o filho, não? Espera-se
que ela tenha conseguido.

Você encontrará outras situações descritas pela autora cllicando aqui.

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Referências

BRASIL. Conselho Nacional De Justiça. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de


Mediação Judicial, 6ª Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.
br/wp-content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf. Acesso em: 27
de maio de 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.


gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art14. Acesso em: 31 de maio de 2021.

INTERNACIONAL BAR ASSOCIATION. Direitos Humanos na Administração da Justiça: Um


Manual de Direitos Humanos para Juízes, Procuradores e Advogados, 2010. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/11/human%20rights%20in%20the%20
administration%20of%20justice%20portuguese.pdf. Acesso em: 06 de junho de 2021.

PINTO, R.S.G. Justiça Restaurativa: É possível no Brasil? In: Slakmon, C. R. V.; De Vitto,
R. C. P. e Pinto, R.S. G. (Orgs.). Justiça Restaurativa: coletânea de artigos. Brasília-DF:
Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005.
Disponível em: https://www.academia.edu/37517501/JUSTI%C3%87A_RESTAURATIVA_
Colet%C3%A2nea_de_Artigos. Acesso em: 23 de junho de 2021.

ROSENBERG, M. B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos


pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.

SADEK, M. T. (org.) O sistema de justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas


Sociais, 2010. 137 p. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/59fv5/pdf/
sadek-9788579820397.pdf. Acesso em: 28 de maio de 2021.

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Unidade 3 - O Poder executivo e outras instituições de
apoio às vítimas
A estrutura do poder público brasileiro é dividida entre o poder Legislativo, o Judiciário e o Executivo.
Basicamente, cabe ao primeiro elaborar as leis, ao segundo, fazer cumpri-las e, ao terceiro, que mais
nos interessa neste momento do curso, executá-las por meio de políticas públicas.

A organização político-administrativa brasileira compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e


os Municípios, todos órgãos autônomos, ou seja, não há hierarquia ou subordinação entre eles, mas
há competências específicas, conforme determina a Constituição Federal nos artigos 18 e seguintes.

Veja a tabela a seguir: provavelmente você identificará que o Poder Executivo atua nos três âmbitos,
federal, estadual e municipal.

Os órgãos que compõem a estrutura político-administrativa devem atuar de modo integrado e


harmonioso, oferecendo à população serviços públicos de qualidade e que atendam suas necessidades.
Os programas e projetos de atenção e cuidado em relação às vítimas, podem e devem ser desenvolvidos
em todos os âmbitos da federação.

Agora é o momento de conhecer algumas ações do poder executivo e de instituições não governamentais
em relação às políticas públicas de apoio, cuidado e atenção às vítimas de crimes.

3.1 O Poder executivo e ações de proteção às vítimas de crime


Conforme assevera Alfredo Moffatt, psicólogo social argentino, uma crise se manifesta pela invasão de
uma experiência de paralisação. De repente nos sentimos confusos e sós, o futuro nos apresenta vazio
e o presente congelado.

Tendo essa perspectiva teórica sobre o conceito de crise,


pense na vítima de crime; que tipo de sentimentos e sensa-
ções ela pode experimentar?

Raiva, angústia, confusão, letargia, ansiedade, reações fisiológicas,


motoras, cognitivas?

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Sim, podem ser estas ou outras manifestações; mas, todas, em geral, carregadas de efeitos
desagradáveis.

Desse modo, enfatiza-se a importância da realização de um trabalho integrado, multidisciplinar e sistêmico


de atenção às vítimas, muitas vezes chamado de “Rede de Proteção”. Efrem Milanese enfoca a importância
das redes, porque estas comportam as relações, interconexões e interdependências que se formam na raiz
das dinâmicas conflitivas e do exercício do poder. Segundo o autor, a aproximação de “Redes” considera a
pessoa como centro de vínculos e relações que atravessam contextos relacionais diferentes.

Veja o esquema a seguir e pense na sua “Rede” familiar, social, de serviços públicos e comunitária.

Trabalhar com redes não é uma estratégia recente e tem sido utilizada pelo poder público na construção
de políticas, ações e programas, especialmente, quando se deseja enfrentar desafios complexos, como
a atenção às vítimas de crimes.

As Políticas Públicas são uma forma de reconhecimento e prevenção da violência. Desse modo,
não devem cuidar somente das ações diretas e posteriores à ocorrência criminal; o cuidado com o
ambiente público e a oferta de condições de vida dignas, são fundamentais, como, saneamento básico
e equipamentos adequados de saúde, e educação, ou seja, atendimento às necessidades básicas da
população previstas no art. 5º da CF/88.

Quanto ao Governo Federal e seus órgãos diretamente relacionados, como os Ministérios,


destacam-se ações relacionadas ao Disque 100 (Disque Direitos Humanos), o Disque 180
(Central de Atendimento à Mulher), programas coordenados pelo Ministério da Mulher, Família
e Direitos Humanos (MMFDH). Estes dois canais de comunicação de violações de direitos
podem auxiliar as vítimas em suas denúncias.

Memorize estes números, pois eles podem ser importantes para você, ou para que você auxilie alguém.

Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/543357-ligue- Fonte: http://crianca.mppr.mp.br/pagina-3.html


180-e-o-mais-importante-projeto-de-enfrentamento-a-
violencia-contra-a-mulher-diz-secretaria/

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Outros programas sob a coordenação do MMFDH (você poderá encontrá-los na íntegra no site do
Ministério no link ) são os referentes ao Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, voltados aos adolescentes autores de ato infracional.

Há, ainda, os programas de proteção especial a pessoas ameaçadas, como abaixo explicitados:

• PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte), que tem por
objetivo preservar a vida das crianças e dos adolescentes ameaçados de morte, com ênfase na proteção
integral e na convivência familiar. Você pode obter mais informações sobre o programa clicando aqui.

• PPDDH (Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos), que visa articular medidas
protetivas para garantir ao defensor de direitos humanos permanência em seu local de atuação
e exercício de sua militância em segurança, protegendo-o de risco ou situação de ameaça, e
avaliação para retirada provisória do defensor do seu local de atuação, em casos excepcionais e
emergenciais. Você encontrará mais informações sobre este programa clicando aqui.

• O Projeto em Frente Brasil, sob coordenação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que
propõe ações coordenadas entre o governo federal, os estados e os municípios; embora não
se trate de uma atenção direta à vítima de crime, a expectativa original é de que o combate à
criminalidade possa reduzir o número de ocorrências, provocando, de certa forma, uma proteção
às vítimas em potencial. Mais informações sobre este projeto você encontra clicando aqui.

Nos governos estaduais também se encontram importantes iniciativas. Veja algumas delas, a seguir:

• O Programa da Secretaria de Justiça e Cidadania do governo do estado de São Paulo, CRAVI


(Centro de Referência e Apoio à Vítima) que visa dar apoio às vítimas diretas e indiretas de
crimes contra a vida. Conheça mais sobre este programa clicando aqui .

• O “Programa Mulher, Viver sem Violência”, que tem como objetivo integrar e ampliar os
serviços públicos voltados às mulheres em situação de violência, mediante a articulação dos
atendimentos especializados no âmbito da saúde, da justiça, da segurança pública, da rede
socioassistencial e da promoção da autonomia financeira. Você poderá conhecer mais sobre
este programa clicando aqui .

• No Distrito Federal destaca-se o programa destinado a vítimas de violência doméstica,


intrafamiliar, psicológica, física, sexual e institucional, e seus familiares, oferecendo atendimento
psicossocial. Veja mais informações clicando aqui .

• No Rio de Janeiro destaca-se o programa de atenção à vitimização de policiais, com foco na


saúde mental das vítimas e de seus familiares. Veja mais informações clicando aqui .

• O programa #vocêtemdireitos é uma campanha do MMFDH que visa conscientizar a população


sobre os direitos das vítimas. Você pode acessar um vídeo sobre o programa e conhecer melhor
essa importante iniciativa clicando aqui .

• O PROVITA, criado a partir da Lei nº. 9.807 de 1999, visa proteger vítimas ou testemunhas
ameaçadas de morte. Segundo dados divulgados no site do Ministério da Mulher, Família e
Direitos Humanos (MMFDH), nem todos os estados da federação possuem seus próprios
programas, para aqueles que ainda não têm esse serviço estruturado, as vítimas e testemunhas
são acolhidas pela equipe federal do programa. A inserção de uma pessoa nesse programa de
proteção tem que ter sempre a perspectiva da porta de saída e da restauração da autonomia.
Neste link você encontrará uma lista com os contatos estaduais do PROVITA.

21
3.2 Instituições não governamentais e ações de proteção às vítimas de crime
As leis, estatutos, tratados, e outros documentos que contêm dispositivos relacionados aos direitos
das vítimas de crime, nem sempre se efetivam em ações de políticas públicas. Para uma parcela da
população, há grande distância entre o que se propõe em termos legislativos e o que se coloca a serviço
da comunidade. Assim, muitos serviços são oferecidos por meio de parcerias do ente público com a
sociedade civil organizada, e outros, são ofertados essencialmente por essas organizações.

Você tem conhecimento de que há muitos organismos internacionais


que atuam na defesa e promoção dos Direitos Humanos, nos quais
você pode solicitar (por si, ou por terceiros) providências em casos de
violação de direitos e ou para apoio e auxílio em casos de vitimização?

O Brasil possui milhares de Organizações da Sociedade Civil, entidades sem fins lucrativos, também
chamadas de “Terceiro Setor”, que oferecem serviços à população em diversas áreas, como saúde e outras.

Saiba mais

Segundo notícia divulgada no site do Observatório do Terceiro Setor, há atualmente


no Brasil, 781.921 entidades dedicadas à realização desse trabalho; com certeza,
muitas delas podem prestar auxílio à educação para as vítimas de crime. Você
poderá ler a notícia na íntegra clicando aqui.

Algumas entidades recebem denúncias de violação de direitos humanos e auxiliam no encaminhamento


para outros equipamentos estatais ou não. Outras entidades mantêm projetos de atendimento a pessoas
em situação de vulnerabilidade e a vítimas de violência e de crimes.

Como você deve ter notado, o elevado número de instituições que oferecem serviços sociais impediria a
divulgação neste curso, mas aponta-se a neste link o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, onde você
poderá encontrar diversas entidades, selecionando-as por município e por tema, de acordo com sua necessidade.

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Com estas informações encerra-se este módulo, que procurou oferecer a você, leitor(a), conhecimentos
essenciais sobre o funcionamento do sistema estatal brasileiro e de organizações da sociedade civil,
constituindo-se como uma rede de cuidado e proteção integral a vítimas de crime e de outras violências.

Parabéns, cursista! Você concluiu o programa previsto e, finalizando este curso sobre “Direitos
das Vítimas de Crime”, espera-se que você tenha apreendido o bastante para poder proteger-
se e auxiliar na proteção das pessoas de seu grupo familiar ou sua comunidade, em casos de
perigos que, eventualmente, possam ser evitados.

Em casos de situações de riscos e violências é possível que, também, possa se beneficiar do conteúdo
apresentado, ao conhecer seus direitos e os direitos das pessoas próximas a você, que se encontrem na
condição de vítimas e, assim, auxiliá-las no sentido de diminuição do sofrimento e da dor causados pela
situação de violência, procurando o serviço de atenção e cuidado mais apropriado e mais próximo de vocês.

Espera-se que você seja um(a) poderoso(a) agente multiplicador(a) das informações disponíveis neste programa.

Até mais!

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Referências

BENJAMIN, W. Imagens do Pensamento. In: Walter Benjamin, obras escolhidas volume II,
“Rua de mão única”; São Paulo: Brasiliense, 1995.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art14. Acesso em: 31 de maio de
2021.

FERREIRA, A. Brasil tem 781,9 mil organizações da sociedade civil. Disponível em: https://
observatorio3setor.org.br/noticias/brasil-tem-781-mil-organizacoes-da-sociedade-
civil/. Acesso em: 06 de junho de 2021.

MILANESE, E. Tratamento comunitário: manual de trabalho I, 2ª ed. Instituto Empodera, 2012.


Disponível em: http://www.technopolitik.com.br/files/TratamentoComunitarioManualVrp.
pdf. Acesso em 06 de junho de 2021.

MOFFATT, A. Terapia de crisis: la emergência psicológica. Buenos Aires: Edición Bancavida, 2007

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