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Políticas Públicas na Área

da Segurança
1. Introdução 4

2. Segurança Pública 8
O que se Entende por Segurança 9
Segurança Pública: Natureza e Conceito 11

3. A Segurança Pública Nas Constituições Brasileiras 15


A Segurança Pública na Constituição de 1824 15
A Segurança Pública na Constituição de 1891 17
A Segurança Pública na Constituição de 1934 19
A Segurança Pública na Constituição de 1937 21
A Segurança Pública na Constituição de 1946 22
A Segurança Pública na Constituição de 1967/69 23
A Segurança Pública na Constituição de 1988 24

4. Segurança Pública: Dever do Estado, Direito e


Responsabilidade de Todos 27
A Participação da Sociedade no Enfrentamento
da Violência: Conselhos Comunitários de Segurança 29
Os Conselhos Comunitários de Segurança como
Estratégias para Implementação de Políticas Públicas
de Segurança 31

5. Referências Bibliográficas 38

02
03
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

1. Introdução

Fonte: Pós Graduando1

O bserva-se, no Brasil, um agudo


quadro de conflitos sociais que
se estende por diferentes esferas.
A Constituição Federal do Bra-
sil de 1988 trouxe inovações impor-
tantes na seara da segurança pública
Áreas urbanas e rurais, bairros de se comparada ao padrão tradicional
diferentes classes, escolas públicas e de Segurança Pública incorporado à
particulares estão sendo palco de Segurança Nacional, ao estabelecer
agressões físicas e psicológicas qua- novas missões às instituições polici-
se diárias, gerando uma sensação de ais, bem como os:
insegurança e revolta na população Os princípios da gestão parti-
do país. cipativa na resolução dos problemas
A questão é agravada com a da violência, conforme se pode vis-
erosão das instituições que são res- lumbrar pela dicção do texto consti-
ponsáveis pela formação dos cida- tucional em seu Art. 144, in verbis:
dãos e pela segurança de todos. A fa- Art. 144. A segurança pública
mília, a escola, os órgãos de seguran- dever do Estado, direito e responsa-
ça pública, entre outros, são sempre bilidade de todos, é exercida para
citados por estarem falhando no preservação da ordem pública e da
cumprimento de suas funções soci- incolumidade das pessoas e do pa-
ais. trimônio, através dos seguintes ór-
gãos:

1 Retirado em https://posgraduando.com/

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I. Polícia federal; va-se a necessidade da participação


II. Polícia rodoviária federal; cada vez mais da sociedade nas dis-
III. Polícia ferroviária federal; cussões, sugestões e gestão da coisa
IV. Policiais civis; pública, em especial, na área da se-
V. Policiais militares e corpos de gurança pública. Os Conselhos Co-
bombeiros militares. [...] munitários de Segurança são insti-
tuições a serem estudados sobre a
§ 5º. Às polícias militares ca- articulação entre a sociedade civil
bem a polícia ostensiva e a preserva- organizada e o Estado/Polícia, na
ção da ordem pública; (negrito nos- perspectiva da prevenção da violên-
so) cia de forma compartilhada e res-
As inovações das políticas de ponsável. (BEATOS, 2001).
controle social e prevenção do delito Por outro lado, o modelo de
devem ser compreendidas à luz dos prevenção, que se apresenta como
processos de reorganização das novo, em suas expressões mais
competências estatais, que se tor- avançadas, constitui reação ao mé-
nam mais acessíveis à interação com todo penal tradicional de compreen-
instituições do setor privado e do se- são e tratamento dos conflitos soci-
tor público não governamental. ais e acena para uma política inte-
Trata-se de uma nova dinâ- gral de proteção e implementação de
mica social que questiona posturas direitos, na qual o Direito Penal ope-
centralizadas e desafia a abertura ra como componente “parcial e sub-
para o novo, construído no cotidiano sidiário” (BARATA, 2000, p. 4). O
das ações humanas que envolvem o modelo pode assim redirecionar o
pensar, o criar, o fazer, o agir, o inte- debate da segurança para além do
ragir, o confrontar-se e o indignar- marco da penalidade, da alternativa
se. Nesse cotidiano de movimenta- entre maior ou menor intervenção
ção ganha evidência a contribuição penal, e viabilizar novas possibilida-
de todos os segmentos sociais, con- des de gestão material dos proble-
siderando as etnias, o gênero, as fai- mas relacionados ao crime e a inse-
xas etárias, a inserção social política, gurança dos cidadãos.
econômica e cultural, em um esforço A expectativa é que, nesta di-
de aumentar a qualidade e as possi- nâmica de interação com outros
bilidades de vida para todos os cida- campos de intervenção, o sistema
dãos (SILVA, 1997, p. 209). penal possa ainda transformar-se
No contexto das políticas pú- internamente, revendo as suas pre-
blicas da gestão participativa, obser- missas, estruturas e práticas para

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emancipar-se de sua natureza estri-


tamente punitiva e ampliar o seu le-
que de respostas, tendo em vista a
natureza heterogênea dos proble-
mas e a necessidade de integrar a
resposta penal aos enfoques, méto-
dos e objetivos de outros instrumen-
tos de proteção de direitos (PIRES,
2004).
Apesar de sua limitada capaci-
dade de produzir segurança – por fa-
zer uma leitura descontextualizada
dos conflitos sociais e por intervir
em seu nível sintomatológico, res-
pondendo retroativamente a ações
puníveis de indivíduos - as chama-
das “políticas de segurança pública”
não têm sido avaliadas no plano de
sua eficácia. Pelo contrário, a inefi-
cácia da resposta repressiva costu-
ma reforçar a demanda punitiva, co-
mo se o problema estivesse na baixa
dosagem do remédio (número de
prisões, rigor da pena, idade da mai-
oridade penal) e não na escolha do
remédio em si. Instaura-se assim
um círculo vicioso de resposta penal
à frustração gerada pela ineficiência
da pena, desta forma as políticas de
prevenção da violência são coloca-
das em segundo plano (BARATA,
1999).

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2. Segurança Pública

Fonte: Jornal Araxá2

A criminalidade e a violência são


problemas sociais que mobili-
zam a opinião pública, pois podem
dever do Estado e responsabilidade
de todos.
Assim, por suscitar interesses
atingir a qualquer pessoa, tanto de e cuidados, a recrudescência da vio-
forma direta, por meio da delin- lência somada às altas taxas de cri-
quência ou da vitimização nos deli- minalidade traz a questão da segu-
tos, quanto indireta, como reflexo no rança pública ao debate contempo-
imaginário coletivo ou em decorrên- râneo. O que fazer? Como fazer?
cia dos seus custos. Esta temática Quando fazer? Onde fazer? Quem
está diretamente relacionada à segu- pode fazer? Quem vai fazer?
rança pública, por ser seu objeto de Gestão de governo, políticas
preocupação, e, consequentemente, públicas, posturas institucionais,
à governança e à democracia, haja vontade ou “coragem” política, par-
vista a disposição constitucional que ticipação popular, enfim, inúmeras
configura a segurança pública como são as atividades, os caminhos, as

2 Retirado em https://jornalaraxa.com.br/seguranca-publica-criminalidade-violenta-cai-24-em-minas-ge-
rais-no-primeiro-semestre-do-ano/

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atuações que podem inferir neste ideia do que está no seguro, ou é se-
processo de mudança para diminuir guro, para que se evitem prejuízos
a violência, buscar o desenvolvimen- em caso de danos ou riscos.
to humano-social e a proliferação da Segurança, qualquer que seja a
paz. sua aplicação, insere o sentido de
Portanto, estudar sobre segu- tornar a coisa livre de perigos, livre
rança pública, requer a elucidação de incertezas, assegurada de danos
do seu conceito, da sua origem ter- ou prejuízos, afastada de todo mal.
minológica e histórica, dos seus ca- Neste particular, portanto, traduz a
racteres ideológicos e deontológicos, ideia de seguridade, que é o estado,
bem como a sua ontologia constitu- a qualidade, ou a condição, de estar
cional, para melhor entendimento seguro, livre de perigos e riscos, de
da sua práxis. estar afastado dos danos ou prejuí-
zos eventuais. (SILVA, 2004, p.
O que se Entende por Se- 1266).
gurança A proteção aos perigos e às
possíveis perdas caracteriza a segu-
Derivado do verbo segurar - rança como instituto que se utiliza
que tem por significado tornar segu- da confiabilidade para o seu exercí-
ro, e por sinônimos fixar, firmar, ga- cio, aspecto este determinante no
rantir, assegurar, amparar -, termi- conhecimento do seu significado.
nologicamente, entende-se que o Tal assertiva coincide com a sua pro-
instituto da segurança expressa à veniência do latim securus que sig-
condição de seguro, de garantia, de nifica, salvo, garantido, confiável.
confiança, sendo entendido como “Por isso, segurança é a ausência de
instrumento de guarda e de prote- risco, a previsibilidade, a certeza
ção. quanto ao futuro. Risco é qualquer
Derivado de segurar exprime, fator que diminui a previsibilidade
gramaticalmente, a ação e efeito de e, portanto a certeza sobre o futuro.”
tornar seguro, ou de assegurar e ga- (MATOS, [s.d.], p. 1).
rantir alguma coisa. Pode-se fazer referência à se-
Assim, segurança tem sentido gurança em três perspectivas em
equivalente à estabilidade, pois o função a quem está destinada: indi-
que é estável é seguro: a garantia, a vidual, social e coletiva.
firmeza, a fiança. Garantia, firmeza, Vista a segurança como rela-
fiança, sem dúvida, dão sempre ção entre o segurado e o risco, este é

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

natural ou humano - uma dada ca- tação da temática, a fim de aprimo-


tástrofe física ou ação humana que rar o entendimento e aplicabilidade
ameaça o homem. O risco humano é, da matéria, pois a segurança, como
para igual dano, considerado pior do gênero, detém várias espécies de
que o natural, pois este é tido por classificação como: segurança jurí-
inevitável ao passo que o humano é dica, segurança social, segurança
considerado discricionário. A segu- nacional, segurança pública.
rança é individual, quando o amea- Na teoria jurídica a palavra
çado é um ser humano (caso do cri- “segurança” assume o sentido geral
me contra as pessoas ou a proprie- de garantia, proteção, estabilidade
dade); social, quando uma dada so- de situação ou pessoa em vários
ciedade, ou parte dela, é ameaçada campos, dependente do adjetivo que
por uma outra parte (sendo o conte- a qualifica. “Segurança jurídica”
údo da ameaça a subversão ou a re- consiste na garantia de estabilidade
volução); ou coletiva, uma espécie e de certeza dos negócios jurídicos,
do género social, se o risco para a so- de sorte que as pessoas saibam de
ciedade vem de outra organização antemão que, uma vez envolvidas
política. em determinada relação jurídica,
Quando analisamos uma orga- esta se mantém estável, mesmo se
nização política, a segurança conflita modificar a base legal sob a qual se
com a liberdade individual: quanto estabeleceu. “Segurança social” sig-
mais livre é o indivíduo, mais difi- nifica a previsão de vários meios que
culdade tem a organização política garantam aos indivíduos e suas fa-
em proteger dos riscos os seus mem- mílias condições sociais dignas; tais
bros. Com efeito, qualquer ação hu- meios se revelam basicamente como
mana, é um risco potencial, para os conjunto de direitos sociais.
restantes membros da sociedade e, [...] “Segurança nacional” re-
em muitos casos, para as outras so- fere-se as condições básicas de de-
ciedades. (MATOS, [s.d.], p. 1). fesa do Estado. “Segurança pública”
Dado as esferas possíveis de é manutenção da ordem pública in-
aplicabilidade da segurança - indivi- terna. (SILVA, 2005, p. 777).
dual, social e coletiva - visualiza-se a Por conseguinte, a especifica-
segurança como tema interdiscipli- ção que deve circunscrever, ou seja,
nar, que requer averiguação de di- a adjetivação que interessa vir asso-
versos apontamentos, sob vários as- ciada à palavra segurança, neste di-
pectos. Daí a necessidade de delimi- apasão, é a “pública”, haja vista a sua

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

finalidade está relacionada à manu- suas atividades sem perturbação de


tenção do estado democrático de Di- outrem, salvo nos limites de gozo e
reito, da ordem pública, entenden- reivindicação de seus próprios direi-
do-se por ordem pública a convivên- tos e defesa de seus legítimos inte-
cia pacífica entre os indivíduos em resses. (SILVA, 2005, p. 777/778).
sociedade sob a égide de um Estado, Isto é o que se entende por se-
“em que as autoridades exercem gurança, uma situação oposta à de-
suas precípuas atribuições e os cida- sordem, que resguarde a tranquili-
dãos as respeitam e acatam.” (SIL- dade e a salubridade, o bem-estar
VA, 2004, p. 988). “No conceito de coletivo, servindo de anteparo para a
ordem pública se compreende a or- defesa dos bons costumes e dos nor-
dem administrativa geral, ou seja, a mativos jurídicos.
normal execução do serviço público,
o regular andamento das obras pú- Segurança Pública: Natureza
blicas, o devido exercício das fun- e Conceito
ções da Administração pelas autori-
dades constituídas.” (MEIRELLES, A segurança pública é objeto
1989, p. 58). de estudo da Sociologia, da Antropo-
Ordem pública será uma situ- logia, da Psicologia, enfim, das ciên-
ação de pacífica convivência social, cias sociais e humanas e, consequen-
isenta de ameaça de violência ou de temente, das ciências sociais aplica-
sublevação que tenha produzido ou das, como o Direito, isto é, a ciência
que supostamente possa produzir, a jurídica. Desta forma, para se enten-
curto prazo, a prática de crimes. der e se conceituar segurança públi-
Convivência pacífica não significa ca é necessário o diálogo entre pen-
isenta de divergências, de debates, samentos e vivências, teorias, leis e
de controvérsias e até de certas rus- experiências, possibilitando encon-
gas interpessoais. Ela deixa de ser tal trar práticas de socialização e de de-
quando discussões, divergências, senvolvimento humano que caracte-
rusgas e outras contendas ameaçam rizem a compreensão sobre segu-
chegar às vias de fato com iminência rança pública.
de desforço pessoal, de violência e A segurança pública faz parte
do crime. A segurança pública con- do conjunto estrutural da sociedade,
siste numa situação de preservação apresentando-se como um dos ins-
ou restabelecimento dessa convi- trumentos que possibilita a organi-
vência social que permite que todos zação do Estado, a disposição neces-
gozem de seus direitos e exerçam sária para que outros institutos

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

cumpram a função as quais se desti- A segurança pública, assim, li-


nam, garantindo a ordem social, a mita as liberdades individuais, esta-
estruturação econômica e a política belecendo que a liberdade de cada
da sociedade. Daí a sua relação com cidadão, mesmo em fazer aquilo que
as ciências sociais, pois a teleologia a lei não lhe veda, não pode ir além
do objeto ao qual está destinada é in- da liberdade assegurada aos demais,
tegrante da averiguação e da linha ofendendo-a.
de pesquisa destas ciências, ex vi: o É da competência da União or-
homem em sociedade. ganizar e manter os seus órgãos e
Ademais, por deter a tutela po- instituições, a quem compete tam-
licial e penal, a segurança pública, bém legislar sobre a matéria.
igualmente, defende a ordem jurí- É dever do Estado e direito e
dica e a ordem política, assegurando responsabilidade de todos. Exerce-
a obediência às normas e a proteção se para a preservação da Ordem Pú-
das relações interpessoais, interins- blica e da incolumidade das pessoas
titucionais e entre os indivíduos e o e do patrimônio. São seus órgãos:
Estado, o que caracteriza a sua natu- polícia federal, polícia rodoviária,
reza de serviço público essencial polícia ferroviária, polícia civil, polí-
proveniente do Estado cuja finali- cia militar e corpo de bombeiros mi-
dade é garantir a incolumidade dos litar. (SILVA, 2004, p. 1268).
bens jurídicos e dos direitos funda- Outrossim, associa-se ao con-
mentais, “é o estado antidelitual que ceito de segurança pública o de segu-
resulta da observância dos preceitos rança do direito, por ser esta, ao
tutelados pelo ordenamento jurídi- mesmo passo, dever e direito, estado
co” (PESSOA, 1971, p. 7) podendo- de seguridade e de garantia legal, daí
se, portanto, conceituar segurança sobrevir a noção de ser um “estado
como instituto que traduz certeza e antidelitual, proveniente da obser-
convicção. vância das normais sanções, com
Assim, entende-se que segu- ações policiais repressivas ou pre-
rança pública: ventivas típicas, na limitação das li-
É o afastamento por meio de berdades individuais, mas sempre
organizações próprias, de todo peri- sob o prisma legal, sob pena de se-
go, ou de todo mal, que possa afetar rem ilegais”. (HOLANDA, 1988, p.
a ordem pública, em prejuízo da 43).
vida, da liberdade, ou dos direitos de Assegurar a tranquilidade pú-
propriedade do cidadão. blica, a ausência de desordem ou de

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atos de violência desabonadores da país dificilmente floresce, tanto do


boa convivência em sociedade, ga- ponto de vista econômico quanto do
rantir o cumprimento das normas, social. (CARDIA, 1997, p. 16).
manter a ordem pública é tornar cer- Esta abrangência de conteúdo
to a segurança, a segurança pública, nem sempre foi dada ao conceito de
conceituada no Projeto BRA 04/029 segurança. Ao longo do tempo, as-
Segurança Cidadã do Ministério da sim como as normas e o direito, os
Justiça, que fundamentou e valores mudam, há uma construção
representou a base para a 1ª Confe- constante, haja vista o aprimora-
rência Nacional de Segurança Pú- mento político e social da humani-
blica do Brasil: dade.
Segurança pública - conjunto [...] os direitos não nascem to-
de processos destinados a garantir o dos de uma vez. Nascem quando de-
respeito às leis e a manutenção da vem ou podem nascer. Nascem
paz social e ordem pública. Inclui quando o aumento do poder do ho-
ações para prevenir e controlar ma- mem sobre o homem - que acompa-
nifestações de criminalidade e de vi- nha inevitavelmente o progresso
olência, visando à garantia do exer- técnico, isto é, o progresso da capa-
cício de direitos fundamentais. cidade do homem de dominar a na-
Abrangem instrumentos de preven- tureza e os outros homens - ou cria
ção, vigilância, repressão, repara- novas ameaças à liberdade do indiví-
ção, garantia de liberdades individu- duo, ou permite novos remédios pa-
ais e defesa de direitos sociais. Deve ra as suas indigências: ameaças que
estar articulada com ações sociais são enfrentadas através de deman-
priorizando a prevenção e buscando das de limitações do poder; remé-
atingir as causas que levam à violên- dios que são providenciados através
cia, sem abrir mão das estratégias de da exigência de que o mesmo poder
ordenamento social. (PROJETO intervenha de modo protetor. (BOB-
BRA 04/029, 2008, p. 6). BIO, 2004, p. 26).
Segurança pública é pré-requi-
sito para consolidação dos processos
democráticos e, também, valor fun-
damental para que se tenha qualida-
de de vida. É ela quem garante a in-
tegridade física e moral do cidadão,
bem como o direito ao patrimônio
conquistado. Sem tal garantia, um

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

3. A Segurança Pública Nas Constituições Brasilei-


ras

Fonte: Rádio Senado3

D esde a primeira constituição


brasileira que se faz referência
ao instituto da segurança pública. A
uma nota de fundamentalidade no
ordenamento jurídico, e chega ao
discurso da efetividade como dever
princípio seu aspecto era tímido re- do Estado, todavia de responsabili-
lacionado à defesa do Estado nação, dade de todos.
sob o foco da “segurança nacional”,
hoje, descrito deste o preâmbulo, A Segurança Pública na
perpassando pelo artigo 5º, caput - o Constituição de 1824
que o caracteriza como cláusula pé-
trea -, pelo artigo 6º, garantindo-o O desenvolvimento prévio da
como direito social, e especificado sociedade, sob um regime colonial,
pelo artigo 144, o legislador demons- não criara, por si mesmo, uma na-
tra que a segurança pública tem sim ção. Mas dera origem a estamentos

3 Retirado em https://www12.senado.leg.br/radio/1/reportagem-especial/2018/04/20/historia-das-consti-
tuicoes-brasileiras

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

em condições econômicas, sociais e liberdade, a segurança individual, e


políticas de identificar o seu destino a propriedade, é garantida pela
histórico com esse processo. Desse Constituição do Império, pela ma-
modo, a constituição de um Estado neira seguinte.
nacional independente representava Estabelece como atribuição do
o primeiro passo para concretizar Chefe do Poder Executivo, artigo
semelhante destino. (FERNANDES, 102, inciso XV, prover a segurança
2008, p. 76). interna e externa do Estado, enten-
“O Diploma Constitucional do dendo-se segurança interna como
Império, fortemente influenciado segurança pública.
pelas ideias de Clermont Tonerre e Art. 102. O Imperador é o
Benjamin Constant, sobretudo na Chefe do Poder Executivo, e o exer-
formulação da dinâmica e estrutura cita pelos seus Ministros de Estado.
do Poder Moderador, foi a receita São suas principais atribuições:
institucional encontrada pelo impe- [...] XV. Prover a tudo, que for
rador para perpetuar-se no trono”. concernente a segurança interna, e
(BULOS, 2001, p. 25). externa do Estado, na forma da
Tida como pretensiosa, a Constituição.
Constituição outorgada de 1824, ins- Dispõe ainda, no artigo 133,
titui uma forma unitária de Estado, sobre a responsabilidade dos Minis-
com centralização do poder político- tros de Estado pelo que obrassem
administrativo nas mãos do impera- contra a segurança; e, no artigo 169,
dor, o que caracteriza a monarquia atribui às câmaras municipais a for-
como forma de governo. Divide o mação da postura policial.
território em províncias (municí- Art. 133. Os Ministros de Esta-
pios), consagra a religião católica co- dos serão responsáveis: [...] V. Pelo
mo oficial do Império e determina que obrarem contra a Liberdade, se-
quatro funções políticas: Modera- gurança, ou propriedade dos Cida-
dora, Executiva, Legislativa e Judici- dãos.
ária. Assegura, em seu artigo 179, ca- [...] Art. 169. O exercício de
put, a segurança individual como di- suas funções municipais, formação
reito fundamental, pois estava no das suas Posturas policiais, aplica-
pórtico dos direitos civis e políticos. ção das suas rendas, e todas as suas
Art. 179. A inviolabilidade dos particulares, e uteis atribuições, se-
Direitos Civis, e Políticos dos Cida- rão decretadas por uma Lei regula-
dãos Brasileiros, que tem por base a mentar. (Grifos nossos).

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

Instituída para fazer as vezes da. O código de processo penal


das Ordenanças e das milícias muni- (1832) “deu fisionomia nova aos
cipais, a Guarda Municipal foi criada municípios, habilitando-os a exer-
em 1831 sob a razão aparente de ga- cer, por si mesmos, atribuições judi-
rantir a ordem, contudo caracteri- ciárias e policiais, num renascimen-
zou-se como instrumento de domi- to do sistema morto desde o fim do
nação e perseguição de reacionários século XVII”. (FAORO, 2001, p.
(FAORO, 2001, p. 349). A ascensão 351). Contudo, após muitas discus-
à Guarda se dava por nomeação do sões e expectativas de reformas
Governo Central, apesar do encargo constitucionais, o Ato Adicional de
da segurança pública ser determi- 1834 não descentralizava os meca-
nado às câmaras municipais, a quem nismos de poder político nem conce-
era resguardada a administração das dia total autonomia às províncias.
cidades. Assim, a ilegitimidade que acompa-
Desta feita, a Constituição de nhava a figura do regente associada
1824 tornou-se a expressão do abso- à carência por um texto normativo
lutismo imperial caracterizado pelo que expressasse descentralização de
Poder Moderador, razão para insu- poder e províncias autônomas, de-
flar um clima de insegurança insti- monstrava o quão provisório seria
tucional em decorrência dos inúme- este modo de governo.
ros descontentamentos e embates
políticos, haja vista o sufocamento A Segurança Pública na Cons-
das casas legislativas e dos governos tituição de 1891
provinciais. (BONAVIDES; AN-
DRADE, 1990, p. 87-128). O que ocorreu com o Estado
A insatisfação com este pano- nacional independente é que ele era
rama instigou, ainda mais, os ideais liberal somente em seus fundamen-
liberais e a insurreição. tos formais. Na prática ele era ins-
A constituição de 1824 simbo- trumento da dominação patrimoni-
lizava, portanto, as ingerências anti- alista no nível político. Por essa ra-
democráticas e o despotismo do Im- zão, esdrúxula para os que não raci-
perador, instigando ânimos revolu- ocina sociologicamente, ele combi-
cionários, resultando na abdicação nou de maneira relativamente hete-
do trono em 7 de abril de 1831, dan- rogênea e ambivalente as funções da
do início às regências. Monarquia centralizada com as da
No período regencial a descen- Monarquia representativa. (FER-
tralização ficou um pouco acentua- NANDES, 2008, p. 90).

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

Impregnado pelo positivismo de, nos termos seguintes: (Grifo nos-


e com forte influência de Montes- so).
quieu (2004), o texto constitucional Outrossim, trata sob o aspecto
de 1891, separa a Igreja e o Estado, da segurança nacional, o fazendo em
mantendo o poder público neutro; seu artigo 34: inciso XVI, atribui ao
dispõe sobre as funções do Estado: Congresso Nacional a competência
Executiva, Legislativa e Judiciária; de adotar o regime conveniente à se-
prevê expressamente o habeas cor- gurança das fronteiras; inciso XX,
pus; caracteriza-se pela forma fede- utilizar a guarda nacional; inciso
rativa de Estado, com observância XXX, legislar sobre polícia.
do federalismo dualista, ou seja, se- Art. 34. Compete privativa-
paração de competência entre União mente ao Congresso Nacional:
e Estado-membro, estes passaram a [...] XVI - Adotar o regime con-
ter competência legislativa própria veniente à segurança das fronteiras;
em matéria eleitoral (BULOS, 2001, [...] XX - mobilizar e utilizar a
p. 26). guarda nacional ou milícia cívica,
A descentralização tão reque- nos casos previstos pela Constitui-
rida é enfim delimitada na Consti- ção;
tuição de 1891 e aplaudida como for- [...] XXX - legislar sobre a or-
ma de manutenção de governo. ganização municipal do Distrito Fe-
“Para que o laço federal possa durar, deral bem como sobre a polícia, o
primeiro a união há de ser livre, se- ensino superior e os demais serviços
gundo, há de reduzir-se a ação do que na capital forem reservados pa-
governo central ao mínimo possível, ra o Governo da União.
resumindo-se a regular exclusiva- Ocorre que a Constituição de
mente os interesses comuns dos Es- 1891, ao transcorrer sobre os inte-
tados brasileiros”. (VARELA, 2002, resses dos Estados membros, exce-
p. 48). Ademais, a primeira consti- deu os limites postos pelo próprio
tuição republicana garante a segu- federalismo, como é o caso do artigo
rança na sua declaração de direitos: 6º, n. 3, no qual a União pode inter-
artigo 72. vir no Estado para manter (impor) o
Art. 72. A Constituição assegu- federalismo, além de artigos que não
ra a brasileiros e a estrangeiros resi- ficaram bem definidos, como o 4º e
dentes no País a inviolabilidade dos o 8º, § 3º. Daí, sobrevieram várias
direitos concernentes à liberdade, à críticas apontando para a ineficácia
segurança individual e à proprieda- da constituição, e, muito principal-

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

mente, para os constituintes de 1891 Esta mesma limitada interven-


por terem criado uma nova legisla- ção tem de ser prática, para que nos
ção ao invés de aperfeiçoar a que já aproveite: jamais tentaremos reali-
existia, tomando como modelo o zar o ideal do aperfeiçoamento con-
perfil norte-americano, demons- cebível para cada caso: tão somente
trando que não houve sequer averi- o que apropriado às circunstancias
guação se os preceitos delimitados do meio político sobre que agirmos.
na Carta Política seriam aplicáveis Esta é a única racional atitude de um
ao Brasil, daí a instável situação da espírito reformador, este o critério
República. que deve inspirar seus labores. (VA-
[...] a atitude mental de quem RELA, 2002, p. 25).
pretenda reformar a constituição
política de um país, deve ser, não a A Segurança Pública na Cons-
de idear o mais belo plano, com os tituição de 1934
dados desta ou daquela filosofia, pa-
ra substituir o que existe; mas, sim, Marca de desenvolvimento do
observar qual a constituição histó- pensamento federalista nacional, a
rica da sociedade correspondente e, Constituição de 1934 nasce em meio
conhecida esta, adotar, como crité- aos proclames liberais de descentra-
rio, uma sã filosofia, não para desco- lização, positivando em seu corpo
brir a melhor forma de governo, sim elementos sócios ideológicos, cujo
aquela que lhe seja adaptável, isto é, compromisso era o social. Portanto,
uma filosofia que lhe ajude a desven- as primeiras constituições, de 1824 e
dar o que a constituição referida tem 1891, não designavam qualquer in-
de imutável e o que tem de modificá- tervencionismo na propriedade pri-
vel. As instituições que tal estudo vada, ao contrário, pregava a sua
nos revele serem imperecíveis e da plenitude. Somente após a reforma
essência mesma da própria socie- constitucional de 1926 é que fica
dade, cumpre que as respeitemos no atribuído ao Congresso Nacional le-
plano inovador: aquelas que tem ca- gislar sobre comércio exterior e inte-
ráter transitório e cuja oportunidade rior podendo autorizar limitações.
passou, é dever nosso eliminá-las, fi- Com a crise de 1929 a demo-
cando-nos ainda o arbítrio de me- cracia liberal e o liberalismo econô-
lhorar as primeiras, dentro dos limi- mico foram colocados à prova, le-
tes de variação dos fenômenos res- vantando correntes extremistas de
pectivos. direita e de esquerda e fazendo sur-

19
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

gir regimes fortes em várias partes bilidade do Presidente da República


do mundo. Internamente, a Revolu- se atentar contra a segurança in-
ção de 1930 exigia a reconstituciona- terna nacional (art. 57, alínea “e”); e
lização e a redemocratização do Bra- dispõe as polícias militares como re-
sil. (MENDES; COELHO; BRANCO, servas do Exército (art. 167).
2007, p. 156). Art. 5º. Compete privativa-
A partir daí a Constituição de mente à União:
1934 adere ao novo discurso, qual [...] V - organizar a defesa ex-
seja: de que a ordem econômica e so- terna, a polícia e segurança das fron-
cial será disciplinada pelo Estado. teiras e as forças armadas;
Implanta a Justiça do Trabalho, a [...] XI - prover aos serviços da
Justiça Eleitoral e o voto secreto; polícia marítima e portuária, sem
constitucionaliza os direitos sociais; prejuízo dos serviços policiais dos
garante o acesso das mulheres à ci- Estados;
dadania; institucionaliza o Ministé- [...] Art. 57. São crimes de res-
rio Público, o Tribunal de Contas e ponsabilidade os atos do Presidente
os Conselhos Técnicos; cria o man- da República, definidos em lei, que
dado de segurança e a ação popular; atentarem contra:
nomeia o Supremo Tribunal Federal [...] e) a segurança interna do
à “Corte Suprema”, composta por 11 País;
ministros; (BULOS, 2001, p. 27) en- [...] Art. 167. As polícias mili-
fim, assegura a todos os brasileiros à tares são consideradas reservas do
inviolabilidade do direito à seguran- Exército, e gozarão das mesmas van-
ça (art. 113), dispondo-o dentre os tagens a este atribuídas, quando mo-
direitos e garantias individuais. bilizadas ou a serviço da União.
Art. 113. A Constituição asse- Em verdade, a característica
gura a brasileiros e a estrangeiros re- marcante da Constituição de 1934
sidentes no País a inviolabilidade foi o viés democrático sob o foco dos
dos direitos concernentes à liberda- direitos sociais e da preponderância
de, à subsistência, à segurança indi- da coletividade, entretanto, este es-
vidual e à propriedade, nos termos forço tornou-se estéril, pois não
seguintes: houve como conciliar pensamento
Ademais, compete privativa- políticos e formas de governo tão di-
mente à União organizar a defesa vergentes.
nacional externa e prover a polícia O traço dominante da Consti-
marítima e portuária (art. 5º, inciso tuição de 1934 foi o seu caráter de-
V e XI); prevê o crime de responsa- mocrático, com certo colorido social,

20
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

traduzido no esforço, que acabou se Denominada de polaca, por


mostrando infrutífero, de conciliar a ser inspirada na carta ditatorial po-
democracia liberal com o socialis- lonesa de 1935, a Constituição de
mo, no domínio econômico-social; o 1937 resume-se na expressão: inter-
federalismo com o unitarismo, no venção estatal, pois ao revés da li-
âmbito político; e o presidencialis- berdade e da descentralização, des-
mo com o parlamentarismo, na es- caracterizou a autonomia dos esta-
fera governamental. (MENDES; CO- dos federados; concedeu ao presi-
ELHO; BRANCO, 2007, p. 158). dente da república autoridade su-
prema, com poder de influência até
A Segurança Pública na Cons- sobre decisões judiciais; reduziu os
tituição de 1937 direitos e garantias individuais,
além de outras providências de cu-
O golpe de 10 de novembro de
nho intervencionista.
1937 impôs uma carta constitucional
Na seara da segurança, já no
que encerrou o rápido período de vi-
preâmbulo dispõe sobre a defesa da
gência da Constituição de 1934, nas-
segurança; mantém a ideia da orga-
cida da Assembleia Nacional Consti-
nização da defesa da segurança ser
tuinte. Pode-se afirmar que até en-
de competência privativa da União
tão as Constituições haviam sido re-
(art. 15, inciso IV), que poderá, pri-
sultantes de debates e decisões cons-
vativamente, legislar sobre seguran-
tituintes.
ça, forças policiais e Exército (art.
Mesmo a Constituinte de
16, inciso V e XXVI); assegurou o di-
1824, outorgada por D. Pedro I, deve
reito a segurança individual (art.
ser considerada como fruto do tra-
122) e dispôs que a garantia dos di-
balho dos constituintes. Quando o
reitos terá limites na segurança da
texto já estava concluído, o Impera-
Nação (art. 123).
dor dissolveu a Assembleia, mas a
Art. 15. Compete privativa-
Carta que outorgou foi na sua inte-
mente à União:
gralidade, a que os irmãos Andradas
[...] IV - organizar a defesa ex-
e outros ilustres brasileiros haviam
terna, as forças armadas, a polícia e
preparado.
segurança das fronteiras;
Por isso, pode-se afirmar que a
[...] Art. 16. Compete privati-
Constituição de 1937, foi a primeira
vamente à União o poder de legislar
que dispensou o trabalho de repre-
sobre as seguintes matérias:
sentação popular constituinte. (BO-
[...] necessidade de unia regu-
NAVIDES; ANDRADE, 1990, p. 339).
lamentação uniforme;

21
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

[...] XXVI - organização, ins- autoritária de pensamento que sub-


trução, justiça e garantia das forças jugou nossas melhores esperanças
policiais dos Estados e sua utilização democráticas. [...] A constituição de
como reserva do Exército; 37 não respeitou nem mesmo seu
[...] Art. 122. A Constituição próprio texto, concentrando direitos
assegura aos brasileiros e estrangei- numa única pessoa (o Presidente).
ros residentes no País o direito à li- Ela foi o biombo de uma ditadura
berdade, à segurança individual e à que sequer tinha preocupações com
propriedade, nos termos seguintes; os disfarces. (BONAVIDES; AN-
[...] Art. 123. A especificação DRADE, 1990, p. 333).
das garantias e direitos acima enu-
merados não exclui outras garantias A Segurança Pública na Cons-
e direitos, resultantes da forma de tituição de 1946
governo e dos princípios consigna-
O fim da Segunda Guerra
dos na Constituição. O uso desses di-
Mundial criou um ambiente propí-
reitos e garantias terá por limite o
cio a novos textos constitucionais.
bem público, as necessidades da de-
Diferentemente não ocorreria com o
fesa, do bem-estar, da paz e da or-
Brasil, que promulgou a Constitui-
dem coletiva, bem como as exigên-
ção de 1946, após a queda de Getúlio
cias da segurança da Nação e do Es-
Vargas, redemocratizando o país, re-
tado em nome dela constituído e or-
tomando a autonomia aos municí-
ganizado nesta Constituição.
pios; recuperando o princípio fede-
A Constituição de 1937 foi
rativo; restabelecendo a liberdade
marcada por autoritarismo e frus-
de culto; condicionando a proprie-
tração institucional, limitada em sua
dade ao bem-estar da sociedade; as-
força normativa, dando asas à legis-
segurando o direito à segurança aos
lação ordinária e à conveniência do
brasileiros e estrangeiros residentes
regime ditatorial implantado por
no país (art. 141); determinando que
Getúlio Vargas.
as polícias militares fossem conside-
A Constituição de 1937, enfim,
radas auxiliares na segurança inter-
está na base do surgimento de uma
na e na manutenção da ordem (art.
burocracia estatal com pretensões
183).
legislativas, de um Poder Executivo
Art. 141. A Constituição asse-
centralizado e extremamente forte,
gura aos brasileiros e aos estrangei-
de um Legislativo pulverizado e con-
ros residentes no País a inviolabili-
vertido em Conselho Administra-
dade dos direitos concernentes à vi-
tivo. Ela é o reflexo de uma corrente

22
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

da, à liberdade, a segurança indivi- com a economia mundial”. (BONA-


dual e à propriedade, nos termos se- VIDES; ANDRADE, 1990, p. 429).
guintes: Em meio à necessidade de
[...] Art. 183. As polícias mili- uma reforma constitucional, a cons-
tares instituídas para a segurança tituição de 1967 surge, realmente,
interna e a manutenção da ordem para transformar, entretanto, esta
nos Estados, nos Territórios e no transformação não foi baseada nos
Distrito Federal, são consideradas, valores democráticos, mas no auto-
como forças auxiliares, reservas do ritarismo próprio do período ao qual
Exército. estava inserida: a ditadura militar.
Enfim, “a constituição de 1946 Foco finalístico do Estado, a
nos traz a certeza de que toda dita- segurança, foi alvo de ações e rea-
dura, por mais longa e sombria, está ções. O governo militar detinha a
determinada a ter um fim. E, no caso ideia de que os crimes passavam da
da ditadura de Vargas, pode-se dizer condição do indivíduo para conver-
que a luz que se seguiu às trevas foi terem-se em ataques ao Estado, esta
de especial intensidade: o libera- linha de raciocínio e postura institu-
lismo do texto de 46 deve ser motivo cional ficou tão demarcada neste pe-
de orgulho para todos os brasilei- ríodo que toda e qualquer pessoa po-
ros”. (BONAVIDES; ANDRADE, deria ser suspeita de subversão à or-
1990, p. 409). dem e aos bons costumes. Constitu-
Todavia, o texto constitucional cionalmente, competia a União or-
era longo, prolixo, minucioso, pleo- ganizar e manter a Polícia Federal
nástico, consequentemente, pouco (art. 8º, inciso VII); legislar sobre as
objetivo e pragmático tornando-se, polícias (art. 8º, inciso XVII); à polí-
assim, não muito eficaz. cia militar é atribuída a função de
manter a ordem (art. 13 § 4º) e asse-
A Segurança Pública na Cons- gura aos brasileiros e estrangeiros
tituição de 1967/69 residentes no país a inviolabilidade
do direito à segurança (art. 150).
“Queremos devolver o Brasil à Art. 8º. Compete à União:
democracia, diziam os militares, [...] VII - organizar e manter a
mas antes vamos aproveitar o mo- polícia federal com a finalidade de
mento para introduzir algumas re- prover:
formas e mudanças que possam ga- a. Os serviços de política marí-
rantir a longevidade de nossa “de- tima, aérea e de fronteiras;
mocracia” e a articulação do Brasil

23
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

b. A repressão ao tráfico de en- Constitucional de 1969, cujo aspecto


torpecentes; modificativo e supressivo, fizeram
c. A apuração de infrações pe- alguns alçarem-na ao patamar de
nais contra a segurança nacional, a constituição. Entretanto, as normas
ordem política e social, ou em detri- relativas à segurança pública e polí-
mento de bens, serviços e interesses cias não foram alteradas. O que a ca-
da união, assim como de outras in- racteriza como peça meramente ins-
frações cuja prática tenha repercus- trumental, “destinada tão-somente
são interestadual e exija repressão a dar fisionomia jurídica a um re-
uniforme, segundo se dispuser em gime de poder de fato”. (MENDES;
lei; COELHO; BRANCO, 2007, p. 169).
d. A censura de diversões públi-
cas; A Segurança Pública na Cons-
tituição de 1988
[...] XVII - legislar sobre:
[...] v) organização, efetivos, A transição democrática, sob a
instrução, justiça e garantias das po- perspectiva de descumprir o autori-
licias militares e condições gerais de tarismo, ansiava pela liberação polí-
sua convocação, inclusive mobiliza- tica e pela expansão e resguardo dos
ção. direitos e liberdades individuais. O
[...] Art. 13. § 4º. As polícias “Movimento das Diretas Já” mobili-
militares, instituídas para a manu- zou o país na esperança de eleições
tenção da ordem e segurança inter- diretas para a Presidência da Repú-
na nos Estados, nos Territórios e no blica, o que findou por ocorrer, con-
Distrito Federal, e os corpos de bom- sequentemente, em 1988, é procla-
beiros militares são considerados mada uma nova Carta Política de di-
forças auxiliares, reserva do Exér- reitos, fundada na soberania, na ci-
cito. dadania, na dignidade da pessoa hu-
[...] Art. 150. A Constituição mana, nos valores sociais do traba-
assegura aos brasileiros e aos es- lho e da livre iniciativa e no pluralis-
trangeiros residentes no Pais a invi- mo político.
olabilidade dos direitos concernen- No tocante à segurança, a
tes à vida, à liberdade, à segurança e Constituição de 1988, já no seu
à propriedade, nos termos seguin- preâmbulo, afirmar que esta deve
tes. ser entendida como diretriz geral
Sob o pretexto da ameaça soci- que origina e legitima as justificati-
alista, há a instauração da Emenda vas, objetivos e finalidades da nova

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

ordem constituída, pois mesmo não Ademais, o artigo 6º, caput,


constando do corpo prescritivo da elenca a segurança como direito so-
lex mater, as aspirações postas na cial, daí subtrai-se o entendimento
parte introdutória do texto constitu- de Herkenhoff (2006), que afirma
cional “sintetizam os fins primordi- ser este um direito do cidadão, para
ais da nova ordem implantada, tra- a cidadania, para a vivência em soci-
çando as diretrizes políticas, filosófi- edade.
cas e ideológicas do Estado” (BU- Art. 6º. São direitos sociais a
LOS, 2007, p. 380), haja vista o en- educação, a saúde, o trabalho, a mo-
tendimento de Peter Haberle (2001, radia, o lazer, a segurança, a previ-
p. 276) que os preâmbulos são “pon- dência social, a proteção à materni-
tes do tempo”, interligando o corpo dade e à infância, a assistência aos
da norma às origens, desejos e an- desamparados, na forma desta
seios que alicerçaram o pensamento Constituição.
e, consequentemente, os atos do Esse bem jurídico, a segurança
constituinte originário. pública, é serviço tutelado pelo Esta-
Garantia constitucional asse- do sob a mesma nomenclatura, en-
gurada como cláusula pétrea, à se- contrando-se discriminada no artigo
gurança encontra-se no artigo 5º, 144, que a legitima como dever do
caput, de forma a configurar direito Estado, direito e responsabilidade
fundamental (SANTI, 2004, p. 80), de todos, a ser exercida pelas polí-
difuso (ALVIM, 2006, p. 15-33), cias - por isso falar-se da norma co-
“transindividual, de natureza indivi- mo regra.
sível, de que são titulares pessoas in- Art. 144. A segurança pública,
determinadas e ligadas por circuns- dever do Estado, direito e responsa-
tâncias de fato” (SOUZA NETO, bilidade de todos, é exercida para a
2008, p. 86). preservação da ordem pública e da
Art. 5º. Todos são iguais pe- incolumidade das pessoas e do pa-
rante a lei, sem distinção de qual- trimônio, através dos seguintes ór-
quer natureza, garantindo-se aos gãos:
brasileiros e aos estrangeiros resi- I. Polícia federal;
dentes no País a inviolabilidade do II. Polícia rodoviária federal;
direito à vida, à liberdade, à igual- III. Polícia ferroviária federal;
dade, à segurança e à propriedade, IV. Polícias civis;
nos termos seguintes. V. Polícias militares e corpos de
bombeiros militares.

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26
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

4. Segurança Pública: Dever do Estado, Direito e


Responsabilidade de Todos

Fonte: Politize4

A pesar de disposta no texto


constitucional nos artigos 5º,
caput; 6º, caput; e 144; a doutrina
Verifica-se que, ao longo do
tempo, a finalidade e o modus ope-
randis da segurança sofreu transfor-
jurídica constitucional não discorre mações. Iniciada sob a perspectiva
com veemência sobre a temática da apenas de garantir a defesa das fron-
segurança, nem sobre a categoria te- teiras como sendo responsabilidade
leológica que se enquadra. Direito, única e restrita do Estado, a segu-
garantia, bem jurídico, interesse di- rança, com a constituição cidadã,
fuso e finalidade política são alguns chega ao patamar de direito funda-
dos discriminantes que podem ca- mental do ser humano, assegurada
racterizar a segurança. como regra e princípio constitucio-

4 Retirado em https://www.politize.com.br/seguranca-publica-brasileira-entenda/

27
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

nal determinando todos como res- brasileira, verifica-se que em meio a


ponsáveis pela sua consecução e ao tantas crises políticas vivenciadas,
Estado a obrigação de manter a or- dentre elas a queda do Império, o
dem e a incolumidade dos bens juri- predomínio das oligarquias, o coro-
dicamente tutelados. nelismo, o Estado Novo, a ditadura
Com efeito, o discurso de ou- militar, o movimento pelas diretas;
trora delineado - segurança vista da passagem do Estado liberal ao so-
unicamente como mecanismo de cial nunca houve um período de tan-
combate a práticas ilícitas, ou seja, tas incertezas e angústias quanto o
apenas sob o foco da repressão -, é atual, pois o Estado social não acon-
tomado pelo discurso da segurança teceu.
cidadã, da segurança inclusiva onde Visualiza-se que a Constitui-
a sociedade é chamada a participar ção de 88 é política, fundamentada
do processo de construção da cida- pela declaração de direitos huma-
dania, e neste panorama não pode nos, repleta de direitos individuais e
ser cerceada a ingerência sobre a se- sociais, mas entre a sua terminologia
gurança, instituto de fundamental legal e a efetivação prática há uma
importância para a ordem pública e distância considerável. Houve uma
social. mudança ocasionada pelo discerni-
Ao expor com tanta veemência mento teórico e desenvolvimento
sobre segurança pública e ditar a social sobre o instituto da segurança,
responsabilidade de todos sobre contudo esta é dissociada da práxis
esta, a Constituição de 1988 abre o desenvolvida pelas instituições res-
debate contemporâneo para edifica- ponsáveis pela sua consecução e pe-
ção de uma sociedade mais livre, la própria sociedade que se mantém
justa e solidária, para a efetivação do numa postura de omissão. Ou seja,
direito à segurança por meio da par- assegurar tais direitos se torna um
ceria entre Estado e sociedade. Ato processo bastante complexo visto
reflexo, quando da troca de ideias, ser o Brasil ainda marcado por pro-
há uma abrangência no tocante ao blemas sociais próprios de países ca-
mero conceito e delinear histórico, racterizados como periféricos.
desembocando o assunto - devido à O contexto social brasileiro no
inerência dos mesmos -, em gover- qual a segurança pública deve ser
nança, democracia, gestão de gover- garantida apresenta vários proble-
no, políticas públicas, posturas ins- mas que atrapalham a efetivação
titucionais, participação popular. Ao desse direito. Problemas como a in-
retomar a história constitucional gerência de valores de outras socie-

28
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

dades facilitada pela tecnologia, por O aumento da violência urba-


exemplo, acaba por enfraquecer a na, em grande parte fruto de uma
identidade nacional, apresentando política econômica de exclusão so-
como consequência uma sociedade cial, tem em muito contribuído para
alienada com ares de informatizada. a violação de direitos humanos e
Informação sim, conscientização para o aumento da criminalidade em
não. A “fala” é possibilitar à popula- nossas cidades. Diante de uma po-
ção o conhecimento das informa- pulação que se sente desprotegida, o
ções, que não existe predomínio de Estado (União, Estados e Municí-
nenhuma nação ou ideologia, entre- pios) tem que oferecer uma resposta
tanto, o sistema consagra o discurso imediata, pois apesar das causas so-
único, qual seja: o poderio do di- ciais, a criminalidade também tem
nheiro e do consumo. (SANTOS, caráter patológico, e deve ser com-
2005, p. 18-19). Fabulações que vul- batida em qualquer situação social,
garizam o ser em detrimento do ter. esta é uma responsabilidade obriga-
A falta de emprego, de mora- tória do Estado para com a popula-
dia, de educação e serviço médico de ção (ROCHA, 2005).
qualidade - que corroboram para Ao voltar o olhar para proble-
que a faixa de pobreza seja cada vez mas internos à segurança pública,
maior -; a inversão dos valores, a aponta-se a formação dos agentes de
corrupção, o egoísmo, a ausência de segurança direcionado para uma
ética, principalmente, dos que de- postura apenas repressiva como um
têm o poder, assolam a população, dos problemas que dificultam a
carente de responsabilidade social compreensão da segurança como
do sistema, dificultam a segurança responsabilidade de todos e o res-
pública do País. peito aos direitos humanos.
Este modelo de sociedade vi-
gente não favorece a solidariedade, A Participação da Socieda-
mas sim a concorrência; não o diálo- de no Enfrentamento da
go e o consenso, mas a disputa e a lu- Violência: Conselhos Co-
ta de todos contra todos. Por isso, as munitários de Segurança
virtudes humanas da sensibilidade
pelo outro e de colaboração desinte- No mundo atual, a questão da
ressada são secundarizadas para dar prevenção da violência vem se tor-
lugar aos sentimentos menores da nando cada vez mais uma prioridade
violência, da exclusão e da vantagem na gestão da segurança pública e da
pessoal. defesa social, tendo em vista que os

29
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

modelos tradicionais de Segurança ção ampla desse fenômeno social


Pública limitam-se apenas ao apare- complexo, in verbis:
lho repressor do Estado (a Polícia). O uso intencional da força fí-
Tal situação provocou uma reação sica ou do poder, real ou potencial,
da sociedade civil organizada que contra si próprio, contra outras pes-
reivindicou mudanças na postura da soas ou contra um grupo ou uma co-
Polícia e uma maior participação na munidade, que resulte ou tenha
busca de soluções para a violência, grande possibilidade de resultar em
conforme foi constatado por pesqui- lesão, morte, dano psicológico, defi-
sas no Reino Unido (BAYLEY; ciência de desenvolvimento ou pri-
SKOLNICK, 2001). Sob a ótica da vação. (OMS, 2000).
administração pública, prevenir Já em relação à participação
custa significativamente menos do da sociedade em tal discussão, pes-
que tratar as consequências de fenô- quisas desenvolvidas por Bayley e
menos sociais adversos, caso, por Skolnick (2001) demonstraram fis-
exemplo, da delinquência. suras no modelo tradicional de Se-
A violência é um fenômeno so- gurança Pública que previa como
cial, multidimensional, imprevisível único remédio às questões da vio-
e pluricausal (ZALUAR, 2000). Há lência a ação policial repressiva. A
entre os estudiosos da violência uma mesma pesquisa verificou experiên-
dificuldade de formular um simples cias positivas com outro perfil de
conceito que abarque a complexida- atuação policial no enfrentamento
de do tema violência, é por essa ra- da violência através da parceria com
zão que neste artigo científico será a sociedade, com uma atitude proa-
construído com base em autores co- tiva, a chamada doutrina de Polícia
mo Zaluar (2000), Pinheiro (2003) Comunitária.
e Foucault (2002), e também com o As políticas de gestão comuni-
auxílio da percepção dos atores soci- tária da segurança pública vão ao
ais que compõem os Conselhos Co- encontro de uma tendência, nesse
munitários de Segurança (CON- sentido, surgida nos Estados Unidos
SEG): comunidade, policiais, co- da América (EUA) por volta da dé-
merciantes, escolas, igrejas, sindica- cada de 1980, a partir dos estudos de
tos, associações de moradores, etc. Herman Goldstein, professor emé-
Na tentativa de conceituar o rito da Universidade de Wisconsin,
que é violência a Organização Mun- autor da obra clássica “Policiando
dial de Saúde (OMS) fez uma defini- Uma Sociedade Livre” - obra essa,

30
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

inclusive, já traduzida para o portu- e culturais, como também far-se-á


guês pela Editora USP (EDUSP). acompanhar, por um lapso de tempo
Tais políticas têm como corolário a difícil de estimar, da sobrevivência
premissa de que a comunidade co- de práticas, mentalidades e valores
nhece seus problemas de segurança nostálgicos de uma época pretérita,
pública, melhor inclusive que a pró- mais centralizadora (NOGUEIRA,
pria polícia. Assim, é preciso dar po- 1997, p. 9).
der à comunidade, ou “empoderá- Com o passar do tempo, bem
la”, num anglicismo (derivado da ex- como com a realização de estudos de
pressão “empowerment”) já de uso avaliação, espera-se a sedimentação
comum entre brasileiros. A comuni- de uma cultura de prevenção, nos
dade passa a ser, assim, objeto e su- moldes da moderna gestão cientí-
jeito das ações de prevenção, o que fica, com os atuais programas, e ou-
conota a expressão “Segurança Co- tros, sendo devidamente avaliados
munitária”. para que sejam ampliados e/ou des-
Com o modelo de gestão co- continuados. O horizonte disso, se-
munitária, as autoridades da segu- gundo as práticas mundiais adota-
rança pública passam a aprender das no enfrentamento da violência, é
com a comunidade, bem como com a expansão da prevenção como polí-
pesquisadores sociais que investi- tica pública básica de segurança, ou
gam, com rigor científico, questões voltado para o “proativo”, ao contrá-
relativas à violência. A Secretaria rio da praxe contemporânea, bas-
Nacional de Segurança Pública (SE- tante disseminada, que ainda privi-
NASP) vem buscando induzir, nos legia a reatividade e a repressão não
entes federativos, algumas práticas focada em locais específicos, nem
da segurança pública (gestão comu- em grupos de risco, tampouco em
nitária inclusive), disponibilizando, problemas comunitários costumei-
para tanto, verbas especificamente ros e antigos fenômenos por demais
destinadas para tal finalidade, e in- conhecidos da comunidade.
centivando a participação da socie-
dade. Os Conselhos Comunitários de
Precisamente por isso, exis- Segurança como Estratégias
tem motivos de sobra para se imagi- para Implementação de Políti-
nar que a implementação efetiva de cas Públicas de Segurança
um modelo de gestão descentrali-
zada e participativa não só encon- Os Conselhos Comunitários de
trará inúmeras resistências políticas Segurança (CONSEGs) compreen-

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dem o problema da violência e das de chavões e o grande repertório de


questões relacionadas à segurança conhecimento é muito disperso. A
pública com um olhar multidimensi- situação é bem, ilustrada pela crise
onal e um enfoque multicausal, o atual de paradigmas do saber crimi-
que colabora para a prevenção da vi- nológico. Para isso apontam-se in-
olência. (MARIANO, 2004). Esta é dagações básicas:
uma situação, ademais, que justifi-  Se as causas da violência são
cou a própria constituição dos Con- múltiplas, é preciso focar as
selhos Comunitários de Segurança. mais relevantes?
Como apreender, das diversas áreas  Quais são as intervenções mais
eficazes para cada uma delas?
de conhecimento e experiências nele
representadas, uma aplicação prag-
Se for possível atingir respos-
máticas do conceito unânime da
tas precisas a estas perguntas, estará
multicausalidade?
feita a síntese possível entre o saber
Este questionamento justifi-
teórico e a intervenção concreta
cou a formação dos CONSEGs na
(NETO, 2005).
busca de soluções para a prevenção
O mais importante, neste qua-
da violência. A ideia é envolver soci-
dro, é a possibilidade de identificar o
edade e polícia na prevenção da vio-
contexto das medidas já em execu-
lência. A certeza de que o problema
ção e das propostas, bem como os
de segurança pública não é só um
organismos responsáveis por sua s
problema de polícia não pode servir
execuções. Limitar os escopos de
para distrair as atenções. É de fato
cada um deles talvez seja a única
necessário identificar as responsabi-
forma de atingir algum resultado.
lidades específicas e as atuações
O fortalecimento dos vínculos
possíveis.
entre a polícia e a sociedade para
Um passo é necessário antes
uma segurança de prevenção por
da realização de um encontro com o
meio do respeito aos direitos huma-
imaginado. É preciso traçar com ob-
nos Inverso da desordem, do caos,
jetividade o grande quadro, o con-
da desarmonia social, porque visa
texto das medidas possíveis. Com
preservar a incolumidade da pessoa
frequência se diz que o diagnóstico
e do patrimônio, a ordem pública é
do problema da segurança já está
uma situação de pacífica convivên-
feito e agora as ações são necessá-
cia social, distante de ameaças de vi-
rias.
olências ou sublevação que podem
No entanto, o diagnóstico
gerar, inclusive, a curto prazo, a prá-
muitas vezes não passa de repetição
tica de delitos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

O Estado, por meio dos agen- leiras e gera um sentimento de gran-


tes de segurança pública possui o de- de insegurança entre todos os brasi-
ver de garantir a ordem, devendo se leiros.
manifestar “como a instituição de De um lado, a fala oficial da
defesa e segurança, cuja principal eficiência da polícia frente à cres-
função consiste em manter a ordem cente criminalidade e violência nos
pública, a liberdade, a propriedade e grandes centros urbanos; de outro, a
a segurança individuais” (SILVA, contestação aos métodos violentos e,
2004, p. 1054). Para a consecução principalmente, discriminatórios
desse fim conta com a participação dessa polícia. Em aditamento a estas
da sociedade “a segurança pública ações têm-se, não raros, os atos dis-
não se resume a uma questão de po- criminatórios às classes menos favo-
lícia, mas de toda sociedade. Tanto é recidas economicamente, como os
assim que a Constituição enuncia, casos de chacinas em favelas e parti-
no preceito em epígrafe, que ela é cipação da polícia em grupos de ex-
dever do Estado, direito e responsa- termínios.
bilidade de todos.” (BULOS, 2001, p. Os direitos humanos expres-
1024). sam condições necessárias e impres-
No entanto, em alguns países, cindíveis para que qualquer ser hu-
observa-se que muitas ações que vi- mano - sem distinção de sexo, raça,
olam direitos humanos são de auto- religião, opiniões políticas, condi-
ria do próprio Estado - no que con- ções socioeconômicas ou orientação
cerne à segurança pública, pelos sexual - possa existir, desenvolver-
seus próprios agentes. Como conse- se plenamente como pessoa e parti-
quência, as políticas estatais de se- cipar plenamente da vida. Estas con-
gurança pública vêm sendo alvo de dições são as mesmas para todos os
constante crítica pelos mais diversos membros da espécie humana, pois
segmentos da sociedade. Diaria- todos compartilham das mesmas
mente, os jornais escritos e televisi- necessidades básicas e possuem as
vos veiculam notícias de violência mesmas características: a faculdade
que assustam o país. Ações de gru- de pensar, a faculdade de sentir, a
pos organizados, chacinas, assaltos, faculdade de criar e a consciência (a
violência familiar e entre vizinhos, faculdade de se perceber como um
violência nas escolas, entre várias ser individual relacionado com os
outras. Esses fatos não estão restri- outros, de compreender-se a si
tos apenas aos grandes centros, mas mesmo e de compreender os de-
à quase totalidade das cidades brasi- mais).

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Afirmar a igualdade essencial mente, a todos na Constituição Fe-


dos seres humanos não significa dei- deral de 1988. Deste modo, a conso-
xar de reconhecer o valor da imensa nância entre a atuação policial e o
diversidade humana. (SEDH, respeito aos direitos humanos é de
2009a). suma importância para garantir o
Os direitos humanos são ga- exercício adequado das funções de
rantidores da liberdade, tanto sob o segurança pública de um país.
aspecto político quanto filosófico Os agentes de segurança pú-
como o de Direito; compreendendo, blica - dispostos nas polícias, militar
assim, os direitos individuais, políti- e civil, cuja atribuição, delimitada
cos e sociais. A admissão destes ca- pela norma, se caracteriza pelo poli-
racteriza a exigência de relações hu- ciamento repressivo e preventivo -,
manas dignas, especialmente entre muitas vezes, encontram dificulda-
governantes e governados. des no desenvolvimento de seu mis-
Friedrich Muller (1994, p. 537- ter em face do medo e da desconfi-
538) destaca que nas normas de di- ança que a sociedade lhes remete de-
reito humano se encontram as re- vido o envolvimento de alguns de
presentações dos valores da digni- seus membros com o crime, o que
dade, liberdade e igualdade de todos prejudica a imagem desses profissi-
os seres dotados de semblante hu- onais e da própria instituição (Polí-
mano. cia - Estado).
Ao se defender os direitos hu- Essa barreira invisível, porém
manos, ampara-se, protege-se, res- sentida, criada entre os agentes da
guarda-se a sociedade, o bem-estar segurança pública e a população di-
social, as garantias da existência de ficulta a cooperação entre eles no
comunhão entre as pessoas e entre sentido da realização de denúncias,
os povos, devendo as instituições, os na cooperação para o bom desenvol-
governos e as normas, enfim, toda a vimento de ações de segurança que
gente, cuidar para que assim seja, objetivem prevenir e reprimir a vio-
principalmente quem tem a função lência. O estigma negativo que às ve-
finalística de fazê-lo, como a polícia, zes acompanha a ação dos policiais,
ente encarregado da manutenção da como violentos, agressivos, corrup-
ordem social e da consecução dos di- tos, autoritários, contribui para criar
reitos. barreiras de comunicação e confi-
O tratamento digno e o res- ança entre esses profissionais e a po-
peito à incolumidade física e moral pulação (COSTA, 2004).
são direitos garantidos, indistinta-

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Para tanto, o combate a práti- argumentam que é preciso centrar


cas ilícitas requer do policial conhe- sua função na garantia e efetivação
cimento sobre o nexo de causalida- dos direitos fundamentais do cida-
de, ou seja, a relação entre a conduta dão e na interação com a comunida-
do sujeito e o resultado delitivo, so- de, estabelecendo a mediação e a ne-
bre os tipos penais, sobre a penalida- gociação como instrumentos princi-
de a ser imposta em relação ao fato pais (BENGOCHEA; et al., 2004, p.
delituoso, sobre as causas que origi- 119-120). Para os autores (2004, p.
naram o comportamento ilícito, e, 120):
sobretudo, sobre os direitos huma- No momento em que começa a
nos, a fim de que sua ação seja ade- existir essa transformação política e
quada ao conflito encontrado. social, a compreensão da sociedade
Bengochea e outros (2004, p. como um ambiente conflitivo, no
119) questionam a possibilidade de qual os problemas da violência e da
uma polícia diferente em uma socie- criminalidade são complexos, a polí-
dade democrática. Para eles, essa cia passa a ser demandada para ga-
possibilidade passa por alguns ei- rantir não mais uma ordem pública
xos: por mudanças nas políticas de determinada, mas sim os direitos,
qualificação profissional, por um como está colocado na constituição
programa de modernização e por de 88. Nesse novo contexto, a ordem
processos de mudanças estruturais e pública passa a ser definida também
culturais que discutam questões no cotidiano, exigindo uma atuação
centrais para as polícias, como as re- estatal mediadora dos conflitos e in-
lações com a comunidade, contem- teresses difusos e, muitas vezes, con-
plando a espacialidade das cidades; fusos. Por isso, a democracia exige
a mediação de conflitos do cotidiano justamente uma função policial pro-
como o principal papel de sua atua- tetora de direitos dos cidadãos em
ção; e o instrumental técnico e valo- um ambiente conflitivo. A ação da
rativo do uso da força e da arma de polícia ocorre em um ambiente de
fogo. incertezas, ou seja, o policial, quan-
No modelo tradicional de polí- do sai para a rua, não sabe o que vai
cia, a força tem sido quase o único encontrar diretamente; ele tem uma
instrumento de intervenção, sendo ação determinada a fazer e entra
usada frequentemente da forma não num campo de conflitividade social.
profissional e desqualificada, às ve- Isso exige não uma garantia da or-
zes até a margem da legalidade. Para dem pública, como na polícia tradi-
se ter um outro modelo de polícia, cional, sustentada somente nas

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ações repressivas, pelas quais o ato que para a maioria das pessoas a dis-
consiste em reprimir para resolver o tância dos riscos e dos perigos é uma
problema. O campo de garantia de necessidade. Já para os policiais isso
direitos exige uma ação mais pre- é uma profissão. Com foco no que se
ventiva, porque não tem um ponto entende por segurança pública, por
determinado e certo para resolver. polícia e por atuação policial, busca-
Deve-se ter sempre clara a se demonstrar que a eficiência dos
ideia de que a sociedade é complexa, agentes de segurança deve estar as-
ocorrendo conflitos de diversos ti- sociada ao conhecimento da realida-
pos todos os dias, e que para a reso- de dos conflitos, qualificação profis-
lução destes os órgãos de segurança sional e ao respeito aos direitos hu-
pública devem utilizar ações dife- manos. A manutenção de um Estado
renciadas. A polícia não pode utili- Democrático de Direito está funda-
zar um procedimento padrão, único, mentada pelo desenvolvimento da
para todas as formas de conflito, ela sociedade por meio da educação, do
precisa ter a capacidade de ampliar acesso irrestrito à justiça e da prote-
o espaço de decisão nas escolhas de ção aos direitos individuais e sociais.
ações e intervenções para cada fato A integração entre polícia e co-
que enfrenta. Assim, a postura me- munidade, expressa um caminho
diadora passa a ser uma função im- por meio do qual a segurança públi-
portantíssima na ação da polícia ca passa a ser compreendida e vivida
(BENGOCHEA; et al., 2004, p. 120). como responsabilidade de todos, fa-
Para que a segurança pública cilitando a resolução dos conflitos
seja preventiva ela precisa, solucio- por gerar reciprocidade de confiança
nar os problemas existentes para entre policial e comunidade. Definir
que deles não decorram novos con- o perfil do policial, nesse novo con-
flitos e, ao mesmo tempo, incluir. O texto da segurança, estimula a ne-
modelo do policial mediador de con- cessidade de uma formação fundada
flitos aponta para um policiamento nos direitos humanos.
de maior proximidade, uma forma
dialogada e consensual de se fazer
segurança, portanto, inclusiva.
A responsabilidade funcional
de manter a ordem pública faz com
que ser policial não seja apenas um
ofício, e sim uma causa. Percebe-se

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POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SEGURANÇA

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