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PACTO PELA VIDA DE QUEM?

: ANÁLISE DO PLANO ESTADUAL DE SEGURANÇA


PÚBLICA DE PERNAMBUCO A LUZ DO PROCESSO DE INCLUSÃO SOCIAL

Lucas Leon Vieira de Serpa Brandão

Universidade de Pernambuco

GT: Políticas Públicas de Segurança

1. INTRODUÇÃO

Criado em 2007, através de uma construção coletiva encabeçada pelo então governador
do Estado de Pernambuco, Eduardo Campos, como uma política de governo, o Pacto Pela Vida
consiste em um plano de ações para prevenção e repressão de crimes violentos letais
intencionais (CVLI), versando sobre a preservação da vida como a principal meta a ser atingida.
O documento é composto por 138 frentes de ações que viabilizam, ao menos do ponto de vista
teórico, a política pública de redução da letalidade onde pode-se destacar, de modo geral, a
reestruturação da segurança pública do estado e práticas gerenciais qualitativas para melhorar
o atendimento de ocorrências.

Durante 6 anos1, o Programa Pacto Pela Vida foi, nacionalmente e internacionalmente,


emblemático e norteador em políticas públicas de segurança pública no que tange a redução de
homicídios e articulação entre secretarias, servindo como exemplo também para as políticas da
Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Além disso, foi perceptível a diminuição
da taxa de homicídios no estado em contrapartida ao aumento destes em outros estados da
região nordeste (SILVEIRA NETO et al, 2014).

Contudo, a partir de 2014 a taxa de homicídios começa a ter um crescimento


exponencial, revelando problemáticas em torno do plano, despertando, por seguinte, a
necessidade de reavaliação da política pública de segurança pública e a análise das reais frentes
de atuação de forma a melhor compor os planos de ação, permitindo assim a flexibilização do

1
Vide site da Secretaria de Defesa Social
plano, abarcando as novas formas de criminalidade e pensando um contexto mais complexo
que a própria natureza do crime.

Para Freire (2005), é um grande desafio à sociedade a necessidade permanente do Estado


em rever os conceitos e aprimorar as políticas de segurança pública. Além disso, é caro a
sociedade a revisão de paradigmas a respeito da criminalidade e o emaranhado complexo da
gênese do crime, uma vez que a política pública de segurança é vista para mais como
instrumento de controle social do que como objeto de permissão para o bem-estar social e
conscientização.

Ainda para Freire (2005), a violência transcende valores sociais e culturais, ultrapassa a
realidade social e somente a participação ativa e efetiva dos cidadãos e da sociedade é que
poderá se instaurar um verdadeiro pacto – o que pouco é visto em termos diretos no programa
Pacto Pela Vida. As problemáticas e hipóteses que envolvem o “não dar certo” do plano podem
ser muitas e plausíveis, fazendo-se necessário salientar que a política pública é desenvolvida a
partir de uma dada realidade, e é sobre humano a capacidade de dar conta da complexa rede de
relações sociais e imaginar todas as possibilidades de erro e propor soluções.

É salientável ainda que a política pública é um instrumento vivo e adequável, mutável


em frente as necessidades de atuação e extremamente flexível – mediante planejamento – em
possibilitar mudanças que atendam às necessidades concretas da sociedade. Sendo assim,
partindo desse pensamento, em forma de ampliar a atuação da segurança pública em suas falhas,
o que versa o pacto pela vida a respeito do processo de inclusão social e a participação ativa
dos atores sociais em seu documento? Qual a necessidade de inclusão social em políticas
públicas de segurança?

Para responder tais perguntas foi realizado uma pesquisa com levantamento
bibliográfico qualitativo de natureza exploratória a respeito dos temas trabalhados a partir de
nomes referenciados na políticas públicas de segurança.

2. PROBLEMÁTICAS TRANVERSAIS DA SEGURANÇA PÚBLICA E A EXCLUSÃO


SOCIAL

Podemos pensar, de modo diretivo, que a exclusão social é fator fundamental para a
gênese da violência e compreender esta como fundamento incube um desafio direto a qualquer
política pública de segurança. Segundo o Pacto Pela Vida (2007), em dados de 2003, as
agressões intencionais entre jovens de 15 a 19 anos correspondiam a 55% do todo, neste
contexto, cerca de 52% das famílias, somente da Região Metropolitana do Recife, estavam
abaixo da linha da pobreza, das quais 57% dos integrantes eram negros ou pardos. Segundo o
Atlas da Violência (2017) do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, reforçando o recorte social e racial da criminalidade, homens, jovens,
negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas dos crimes violentos letais intencionais

O que para Ramalho (2008) seriam características e os indícios do crime se relacionando


com as características e indícios da pobreza, possibilitando uma ligação direta entre o crime e
os grupos sociais mais pobres, torna-se mais visível pelo tipo de abordagem policial,
evidenciando ainda mais os processos de exclusão social e caracterizando fortemente a política
pública de segurança pública como objeto de segregação e exclusão social.

Para Freire (2005) esse tipo de abordagem, evidente pelo processo de exclusão social,
emerge da noção de controle social, que é desestruturante no sistema capitalista, em virtude das
condições de desigualdade que alimentam a violência social. As instituições nesse sentido,
perdem a garantia e se aprofunda ainda mais a exclusão social de forma a proporcionar a
marginalização e aumento dos índices de criminalidade.

Segundo Porto (2000) os excluídos de direitos tornam-se alvos fáceis e atores imediatos
da violência. Contudo, a violência não surge diretamente dessa relação. As mudanças sociais e
as novas formas de violência interpelam novos significados e novas explicações para os fatos.
Responder pontualmente sobre a motivação da criminalidade é complexo e é muito mais
necessário e urgente a análise do contexto.

É evidente também uma crise geral do Estado em cometer violência institucional em


não atender as necessidades sociais no que diz respeito a tríada educação, saúde e segurança
das camadas mais pobres. Sendo a desesperança, a insegurança e a criminalidade as revelações
concisas desta ausência. A negativa a educação e a saúde e a segurança pública pensada como
fator punitivo fomentam a exclusão social e ratificam o abandono do estado, fazendo as
políticas públicas de segurança, embora bem planejadas, ultrapassadas e desestruturadas a partir
da realidade.

Para Foucault (1999) são dados diferentes, mas não incompatíveis. É próprio do estado
o processo de exclusão simbólica dos indivíduos. Uma técnica própria de repartição analítica
do poder, fomentando a individualização dos excluídos e possibilitando controles disciplinares.
Afugenta-se, dessa forma, a ideia de inclusão social. O afastamento do indivíduo “fora-da-lei”,
segundo o autor, demarca a criminalidade como uma região de refúgio, repleta de desemprego,
pobreza e recusa as obrigações da lei.

3. PENSANDO A MARGINALIZAÇÃO NO PLANO DE SEGURANÇA

O afastamento de políticas públicas proporciona a vulnerabilidade e a fragilização


social, por seguinte, a exclusão social. É função social do Estado a realização de programas que
permitam a inclusão social, para além da política pública de segurança que possui uma função
muito específica. Definir a exclusão social e marginalização e por seguinte a inclusão social
exigiria uma conceituação ampla que vai desde a negação de direitos básicos à conceituação de
pobreza, empurrando os indivíduos para as margens da sociedade pela falta de oportunidades
ao longo da vida.

A força que empurra a marginalização abre brechas para o não convívio social e o
cumprimento do contrato e do papel socialmente posto torna-se irrelevante. Silva (2010)
acrescenta

Ameaçado em algumas de suas dimensões humanas/sociais o indivíduo reage, seja


pela ameaça ordem social ou por algo que o atinge em sua formação interpessoal, em
que há o reconhecimento, a dignificação, a identificação territorial, étnica, familiar e
religiosa. (SILVA, Enio. 2010. p. 15)

Seria, por tanto, a ausência de políticas públicas de inclusão social o cerne do problema?
Possivelmente, mas obviamente existem outras explicações e abordagens que dão conta de
outras problemáticas que envolvam a inclusão social e o problema de segurança pública e da
criminalidade. No que tange o Pacto Pela Vida, a ausência de transversalidade em termos de
inclusão social fomenta um fortuito que abre espaço a considerações.

Para Cerqueira, Lobão e Carvalho (2005) a criminalidade tem como combustível a


exclusão, desigualdade socioeconômica e a marginalização, sendo essa tese defendida por
inúmeros autores. Para eles é importante defender uma democracia participativa, propondo,
inventando e apoiando. Sendo contra ou a favor as políticas de estado/governo. Porém, pensar
dessa forma proporcionaria a inverdade de trazer à tona soluções eficientes, duradoras que
reconhecessem os problemas da desigualdade social e econômica, revisão estrutural do estado,
o que seria um processo muito mais longo, complexo e demorado.

Por outro lado, é preciso desvendar assuntos ocultos, mas bastante conhecidos que
envolvem a política pública de segurança de forma direta para uma atuação pontual e
significativa, como a marginalização, que é um problema social evidente para o acionamento
de uma política pública de segurança de qualidade e permite uma ampliação da atuação desta,
que dê conta da redução dos CVLI e permita o bem-estar social. É importante a desnaturalização
da violência como uma relação social, mas possibilitar essa política de ir ao cerne do problema
e trabalhar com ações de base, compreendendo que a coerção e a repressão são medidas de
último caso.

É importante perceber a política pública de segurança como um processo integrado de


inclusão social que venha a agir antes da gênese da violência e da criminalidade, e não somente
após os feitos como uma medida puramente extensiva, socioeducativa, de reintegração social e
de retirada do mundo do crime, como posto no Pacto Pela Vida.

É evidente que o Pacto Pela Vida não traz considerações claras e objetivas no que diz
respeito a situação social dos indivíduos vítimas dos CVLI, traçando explicações didáticas
sobre as reais necessidades locais. Versa apenas de projetos, interdisciplinares entre secretarias
de maneira a repreensão e evitar a reincidência no crime. Nada trata sobre processos de inclusão
social que manifestem melhoras nos índices de criminalidade ou na redução dos CVLI.

4. CONCLUSÕES

É incongruente confundir política pública no aspecto social com política pública de


segurança. Contudo, o diálogo entre as duas deve ser permanente e qualificado para maior
avanço das instituições sociais e a possibilidade de um bem-estar social referenciado. Afinal, a
política pública de segurança garante uma atuação pontual, à espera de outras políticas públicas
que baseiem e norteiem sua atuação.

O Pacto Pela Vida (2007), a princípio, não traz uma abordagem no que diz respeito ao
processo de inclusão social. Irá versar muito mais incisivamente sobre essa perspectiva em
projetos post factum, ou seja, aqueles ligados a já realização da criminalidade e destinados para
a não reincidência dos CVLI. Por outro lado, traz também a perspectiva de debates nas escolas
através da secretaria de educação – fato não observado de maneira empírica e poderia dar outros
desdobramentos aos quais não nos focamos neste trabalho.

Embora o programa seja baseado num modelo à frente do seu tempo e importante para
entender as causas da criminalidade e testar políticas públicas de segurança, é perceptível
também seu balizamento na cultura da violência e na valorização das forças policiais de modo
a garantir a segurança. Contudo, é também urgente sua reformulação face as novas mudanças
sociais e anseios da sociedade, bem como um entendimento mais amplo das motivações do
CVLI.

A inclusão social tornou-se para a sociologia uma noção chave para o entendimento de
diversos discursos e práticas sociais por demandar de um conceito amplo, responsável por
justificar as mazelas sociais e possibilitar a criação de soluções que horizontalizam o acesso as
políticas públicas.

Se por um lado, tempos um programa estadual de segurança pública neoliberal que


acredita que o

monopólio da violência pelo Estado é um meio legítimo de assegurar os direitos


individuais. Nesse contexto, o uso da coerção figura como uma possibilidade - sob o
manto da lei - de alcançar esse objetivo, caracterizando uma dimensão inescapável
das sociedades complexas, plurais e democráticas. Em outros termos, não existem
sociedades contemporâneas que possam prescindir das organizações policiais e
prisionais. (PACTO PELA VIDA, 2007. p. 63)

por outro, temos uma parcela da sociedade que acredita no processo de inclusão social como
mais fundamentado para o fim da criminalidade, a partir de uma justiça restaurativa e em
processos desenvolvidos para emancipação política, social e econômica.

A força policial desmedida do Estado só leva a descrença e ao desenfreamento da força


que empurra a marginalização, levando os indivíduos a acreditarem que “o crime compensa”,
pela ausência de possibilidades de ascensão social, e sem a participação ativa do Estado no
processo de inclusão, quer seja por políticas públicas de segurança, quer seja por políticas
públicas específicas que atendam as reais necessidades sem proselitismo ou partidarismo
político.

Se a inclusão social não pode justificar diretamente a gênese da criminalidade, pode de


forma pontual “acender uma luz” que facilita a compreensão da natureza do crime e os
complexos processos ligados a criminalidade, permitindo uma nova ótica, muito mais
humanizada nas relações entre o Estado e os indivíduos das camadas mais pobres que sofrem
exacerbadamente com a violência cotidiana.

É importante salientar também que o Pacto Pela Vida cumpriu seu papel social de
maneira magistral, porém há uma necessidade clara e pungente de ser reavaliado a partir de
uma ótica humanista, contrária aos seus preceitos neoliberais, de forma a responder ao que de
fato está ocorrendo na sociedade no que diz respeito ao aumento da violência e o aumento quase
linear dos crimes violentos letais intencionais que põem em cheque a função e aplicabilidade
do programa.

Afinal, são onze anos de um programa que deixa de ser uma política pública para se
tornar uma política de governo, sem investimos ou ampliações. Sem a possibilidade de reavaliar
questões e que insiste na falácia que polícia é sinônimo de segurança pública, onde, de maneira
falaciosa, o programa continua dando certo mesmo diante de tantas problemáticas que são caras
e ao mesmo tempo invisíveis ao poder público.

É necessária uma resposta pública - no que diz respeito a uma política pública eficiente
de segurança pública - para a sociedade que dê conta do processo de inclusão social, que
possibilite a identificação dos padrões de ocorrências, visualização as áreas vulneráveis para
atuação específica, a orientação para resolução de conflitos envolta de atividades sociais
emancipadoras que deem aos indivíduos a capacidade de se sentirem responsáveis pelo bem-
estar social.

O contrário disto, é o que temos: uma política pública de segurança baseada no


encarceramento produzindo efeitos indesejáveis e um aumento exponencial da criminalidade.

BIBLIOGRAFIA

PERNABUCO. Pacto pela Vida: Plano Estadual de Segurança Pública, 2007

FREIRE, Ivone Costa. Polícia e Sociedade: gestão de segurança pública, violência e controle
social. Salvador: Edufba, 2005. Livro Eletrônico.

SILVA, Enio Waldir da. Sociologia da Violência. Ijuí: Unijuí, 2010. Livro Eletrônico.
RAMALHO, José Ricardo. Mundo do Crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro: Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. Livro Eletrônico.

CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir; CARVALHO, Alexandre X. de. O Jogo dos Sete
Mitos e a Miséria da Segurança Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 2005.

SILVEIRA NETO, Raul da Mota et al. Avaliação de Política Pública para Redução da
Violência: o caso do programa pacto pela vida do Estado de Pernambuco. In: XLI ENCONTRO
NACIONAL DE ECONOMIA, 41., 2014, Foz do Iguaçu. Anais. Foz do Iguaçu: Anpec, 2014.
p. 1 – 17

FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. Tradução de Raquel
Ramalhete.

PORTO, Maria Stela Grossi. A violência entre a inclusão e a exclusão social. Tempo Social,
São Paulo, v. 12, n. 1, p.187-200, maio 2000.

CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência. Rio de Janeiro: Ipea, 2017. 69 p.

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