Você está na página 1de 12

ENTRE OS AÇOITES E AS ARMAS: A ESSENCIALIDADE DA

PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO ESCRAVIZADA NA REVOLUÇÃO DE


1817 E SEUS DESDOBRAMENTOS

Erika Fernanda da Silva Bandeira 1


Lucas Leon Vieira de Serpa Brandão ¹

Mizrayane Tayane Siqueira Sales ¹

Resumo

Pensar a Revolução de 1817, ocorrida no Recife, é pensar sobre a ótica e a lógica


majoritária e hegemônica a partir da compreensão dos acontecimentos da época e revela
um silenciamento de outras narrativas e perspectivas caras a compreensão dos fatos
sociais e das narrativas históricas. Pensar a perspectiva da população negra escravizada
e a relação mantida com a revolução, revela pontos que colocam em cheque os conceitos
de igualdade e liberdade pregada pela revolução. Liberdade e igualdade para quem?
Diante disso, esse artigo – de caráter exploratório configurado como revisão
bibliográfica – tem por finalidade analisar os cursos da história e dos fatos sociais que
permitiram a participação da massa escravizada em função primordial para manutenção
da república pernambucana, a que se deveu essas narrativas e quais seus desdobramentos.

Palavras-chave: revolução de 1817; escravidão; insurreição pernambucana; negros;


trabalho escravo

Abstract
To think of the Revolution of 1817, held in Recife, is to think about optics and the
majority and hegemonic logic from the understanding of the events of the time and reveals
a silencing of other narratives and perspectives dear to the understanding of social facts
and historical narratives. Thinking about the perspective of the black enslaved population
and the relationship maintained with the revolution reveals points that check the concepts
of equality and freedom preached by the revolution. Freedom and equality for whom? In
view of this, this article - an exploratory character set up as a bibliographical review - has
the purpose of analyzing the courses of history and social facts that allowed the
participation of the enslaved mass in a primordial function for the maintenance of the
republic of Pernambuco, to which these narratives were owed and which their unfolding.

Keywords: revolution of 1817; slavery; insurrection from Pernambuco; blacks; slavery

1
Graduandos em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade de Pernambuco.
APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS

A história sistematizada do território brasileiro, inicia-se no século XVI com a


vinda de colonizadores europeus para extraviar e explorar as terras brasileiras. É também
neste século que o tráfico de pessoas negras na condição de escravizadas expande-se
assustadoramente, marcando profundamente a sociedade e a própria história.
Coisificadas, objetificadas e animalizadas, as pessoas negras – consideradas até
mesmo objetos móveis pelo Código Criminal de 1830 – foram subalternizadas como
forma de controle para evitar a reflexão a respeito da própria condição. Castigadas e
marcadas fisicamente como medida de manutenção política e de poder, as pessoas negras
escravizadas eram corriqueiramente sujeitadas a açoites como “procedimento punitivo
recomendável”.
Segundo Sá Netto (2010) o castigo físico sustentava-se na violência física,
baseada no sofrimento de intensidade variável como reparação a qualquer que fosse o
prejuízo, diante da percepção ilógica da condição inferior da pessoa negra escravizada e
a “impossibilidade” de aplicação de penas que não fossem cunhadas pela violência física.
Aqui, longe de suas raízes, desumanizadas e negadas a subjetividade, essas
pessoas eram obrigadas a trabalhar em situação degradante, vivendo em espaços precários
e punidas frequentemente. Troncos, correntes, cepos, mordaças de flandres e palmatórias
eram instrumentos típicos para a prática do açoitamento e largamente utilizados pela
sociedade escravista brasileira para punição.
As relações sociais marcadas profundamente por uma diferença social gritante,
traduz a história e a percepção das condições de vida das pessoas negras escravizadas no
Brasil. Para Cardoso (2011) aqueles que viveram em condições de escravidão imprimiram
e influenciaram ações em todos os atores sociais que a vivenciaram.
A relação senhor-escravo – estabelecida e garantida também pela lei – é marcada
por uma despreocupação pela dor do outro e a eloquente miserabilidade da humanidade,
segue uma lógica produtiva e exploratória através do processo de transformação da
subjetividade da pessoa negra escravizada em materialidade e detenção sobre ela a
manifestação de uso objetificante, desprezando qualquer traço de humanidade que a cabe.
Pereira (2012), descreve a relação patológica entre pessoas negras e pessoas
brancas no período de escravidão no Brasil:
Os negros, arrancados de seu país e separados de seus familiares, foram
obrigados a suportar a arrogância do branco e também sua covardia,
estando, durante o descarregar dos navios negreiros à mercê da coação,
do chicote, do tronco e de correntes, além de serem transportados
doentes, famintos e amontoados, tais como objetos, expostos à
humilhação que, de forma patológica, alimentava o vazio da alma de
seus futuros compradores. (PEREIRA, 2012, p. 1)

É nesse sentido, que Freyre (1961) contribui trazendo a diversidade corporal das
pessoas negras escravizadas a partir das marcas ocasionadas tanto pelos açoites e as
condições desumanas que eram impostas, quanto pelos trabalhos forçados, que nos clareia
a visão em perceber os traços da escravidão e objetificação desumana praticada pelos
senhores brancos contra as pessoas negras escravizadas:

Há (...) os de dentes limados; os de dedos torados; os de orelhas


furadas; os de pés apalhetados; os de pernas arqueadas; os marcados por
açoites; (...) os assinalados por doenças também deformadoras do
corpo: as boubas, as impigens; a tinha, as bexigas; há os cegos, os
coxos, os manetas, os aleijados; (...) e há os deformados no corpo pelas
ocupações ou atividades em que o sistema patriarcal de trabalho
determinava que eles se especializassem: a atividade de cozinhar, a de
lavar roupa, a de pescar, a de remar, a de costurar, a de cuidar de bois
ou de cavalos, a de lavrar a terra, a de plantar cana, café ou tabaco, os
vários trabalhos num engenho de açúcar ou numa fazenda de café.
(FREYRE, 1961, p. 76)

Nestes termos, é natural que pensemos a série de revoltas sociais ocasionadas pela
população negra na tentativa de cessar os demandes, os açoitamentos e reivindicar a
liberdade, além do reconhecimento como cidadãos na construção da sociedade e da
cultura brasileira. No alvorecer do século XIX, já nos anos de 1807, 1809 e 1814
(FERRETI, 1988), uma série de revoltas de pessoas negras escravizadas, pessoas negras
que experimentaram a escravidão e seus descendentes, iniciam-se na busca pela liberdade
e melhores condições de vida. Silenciados, mortos e açoitados em praça pública as
revoltas se abafaram até 1826, quando retomam as insurreições.
A apesar das revoltas, a situação da população negra escravizada em nada se
alterava, pelo contrário. A quantidade de navios e pessoas escravizadas tendia ao aumento
exponencial. Somente entre os anos de 1816 e 1820, chegaram ao Brasil mais de 188 mil
pessoas negras para serem escravizadas2.Já no ano de 1817, foram encomendados em
Pernambuco 6.3053 pessoas negras para serem submetidas a escravidão, dessas, 589
morreram durante transporte. As pessoas negras que aqui chegaram se incluíram na massa
da população já escravizada e assim, forçadamente, receberam um novo estilo de vida.
Contudo, um episódio rearranja a forma de pensar a relação dos brancos com as
pessoas negras escravizadas. Em 6 de março de 1817, eclode em Recife uma revolução
separatista que institucionalizaria a república durante 75 dias em Pernambuco. Movida e
influenciada por ideais iluministas, lideranças políticas e religiosas proclamaram a
independência, por seguinte a república, aboliram impostos, institucionalizaram a divisão
dos poderes e estabeleceram a liberdade de credo e de imprensa. As pessoas negras
escravizadas – embora o movimento esboçasse um padrão liberal – coube ainda a
manutenção do trabalho escravo para não influenciar no conceito de propriedade imposto
pelo pensamento liberalista.
O ineditismo da Revolução Pernambucana de 1817, e sua relação com as pessoas
negras escravizadas, reside na permissão a essas em portarem armas e defenderem com a
própria vida os princípios da revolução. Outro fator que nos chama atenção é que mesmo
armadas, as pessoas negras escravizadas não se revoltaram durante esse período contra
os desmandes dos senhores de escravos ou sequer confabularam uma revolta por dentro
da revolta.
Diante disso, este artigo tem por objetivo analisar os cursos da história e dos fatos
sociais que permitiram a participação da massa escravizada em função primordial para
manutenção da república pernambucana, a que se deveu essas narrativas e quais seus
desdobramentos. Este artigo é parte da conclusão do curso de Aspectos da História do
Brasil – A Revolução de 1817, ministrado pela Professora Doutora Andrea Bandeira da
graduação em Licenciatura em Ciências Sociais, da Faculdade de Enfermagem Nossa
Senhora das Graças, da Universidade de Pernambuco.

2
Fonte: IBGE – Brasil 500 anos: Território Brasileiro e Povoamento - Negros
3
Fonte: Slave Voyages
DE ESCRAVOS A HENRIQUES: HIERARQUIA, CONDIÇÕES DE VIDA E AS
RELAÇÕES SOCIAIS EM PERNAMBUCO NO 1817

Atrás apenas de Rio de Janeiro e Salvador, Recife foi a terceira capital com maior
contingente de pessoas negras escravizadas do Brasil, onde a população escravizada
representava mais que 51% da população total local (COSTA, 2013). Aqui, essas pessoas
assumiam posições diferentes dentro da hierarquia social imposta pela população branca.
Divididas em castas de acordo com os tipos de trabalhos realizados, as pessoas negras
escravizadas seguiam uma espécie de cartilha de comportamento e roupas a serem
utilizadas para diferenciação entre as funções exercidas nessa sociedade escravista.
As condições de vida e alocações dentro dos engenhos seguia à risca a hierarquia
social imposta. Em 1711, André João Antonil, escreve o livro “Cultura e Opulência do
Brasil’, uma obra caracterizada pelas orientações sociais para controle e manutenção da
sociedade colonial, bem como instruções sobre cuidados e trajes para as pessoas negras
escravizadas (ANTONIL, 1982). As roupas e o comportamento dessas pessoas revelavam
socialmente o prestígio dos senhores e senhoras de engenho, embora, retomemos, que os
trajes deveriam ser adequados ao tipo de serviço prestado.
Destarte, as pessoas negras escravizadas eram tratadas de maneira similar,
contudo respeitando uma hierarquia social. Aquelas que trabalhavam no campo,
geralmente, estavam descalças, apenas vestidas com uma camisa longa e andavam,
portanto, seminuas. Permaneciam maltrapilhas a maior parte do tempo pelo desgaste
causado pelo trabalho forçado e braçal; sendo as mais maltratadas em condições de vida
e por açoitamentos corriqueiros. Essa nudez não assustava a sociedade que estava
inteiramente imersa as regras de comportamento impostas socialmente.
As que trabalhavam na casa-grande, por modos e decência, vestiam calças ou
vestidos, usavam sapatos, cabelos curtos ou raspados, e poderiam fazer uso de joias que
carregavam consigo a incumbência de demonstrar a riqueza dos senhores.
Em seus corpos, marcados por uma enorme quantidade de cicatrizes e marcas de
açoites, as pessoas negras escravizadas carregavam a estrutura social e demonstravam a
todos as “práticas corretivas” aplicadas pelo bem entender dos senhores de engenho. Os
castigos praticados como dominação do corpo foi um mecanismo de poder, adequado aos
interesses das elites (SANTOS, 2013). Nesse sentido, Souza (2017) acrescenta que as
hierarquias sociais estabelecem o exercício do poder como questão central em toda
sociedade escravista. Esse exercício deveria ser legitimado e sistêmico, garantindo a
estrutura e o funcionamento da sociedade.
A estrutura social do período ainda anterior à 1817 se alterava à medida que as
pessoas negras passavam a nascer já libertas, portando um status social radicalmente
diferente de seus precedentes, essa mesma população era vista constantemente como uma
ameaça a manutenção do sistema.
A própria natureza da escravidão, tão fortemente arraigada no Recife de 1817,
incumbia a essas pessoas a estigmatização e a ocupação de funções sociais consideradas
subalternas e nada luxuosas. Era natural, dessa maneira, o emprego das pessoas negras
livres em funções de batalhas e na composição de milícias ou exércitos paramilitares na
defesa dos interesses impostos pela estrutura social da sociedade escravista, além de servir
como uma tentativa de repreensão a insurgências pelos seus semelhantes. Nesse sentido,
acrescentando a ideia de participação da massa escravizada, Carvalho (2006) acrescenta
que os proprietários considerados “patriotas” costumavam armar as pessoas negras
escravizadas em busca de proteção pessoal.
O processo de constituição de um novo grupo social e atribuição miliciana a seus
indivíduos, segundo Silva (2013), causa uma troca de exponentes: de desumanizado a
conversão em coisa, e logo em seguida uma ressocialização, re-humanização no novo
sentido de uma nova identidade a ser adotada pelo assujeitamento dos sujeitos a uma nova
função social mais prestigiosa que a condição de escravo.
Ainda para Silva (2013) há um processo chamado de psicogênese, onde

(...) significa que homens de cor comprometidos com suas hierarquias,


com sua lealdade à Coroa, que se distinguiam dos demais pelo uso de
fardas, armas e barretes, criavam coletivamente um self que foi
perfeitamente compreendido pelas autoridades coloniais. Esta
psicogênese engendrou bases para o controle social da população de cor
para além de sua capacidade de instrumentalizá-la para a guerra contra
exércitos de impérios coloniais rivais, contra outros homens de cor –
como quilombolas – ou ainda contra indígenas resistentes à
colonização. Tal processo psicogenético tornou possível aos milicianos
controlarem a si mesmos a partir de seu self e afirmarem sua lealdade e
identificação com a defesa da ordem do Antigo Regime na América,
um meio tão diverso e mais violento que a Europa. (SILVA, 2013, p.
121-122)
A esses regimentos de pessoas negras a partir da década de 1720, dá se o nome de
“Terço dos Homens Pretos” ou “Terço da Gente Preta dos Henriques”, batalhões
compostos inteira e exclusivamente de pardos e negros, sendo estes últimos, os
considerados “Henriques”. (SILVA, 2013)

A VIDA PELA LIBERDADE: A PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS NEGRAS


ESCRAVIZADAS NA REVOLUÇÃO DE 1817

É de se estranhar e até mesmo pontua o ineditismo da Revolução de 1817 que o


Correio Braziliense (1817), em sua edição 18, de junho de 1817, refletida sobre a
revolução ocorrida em 6 março daquele mesmo ano, não fale ou traduza a participação de
“Henriques” nesse momento exato da Revolução, mas traga a seguinte declaração

Ora pois, naõ (sic) havendo deliberaçaõ (sic) sobre este importante
objeto, na manhã do dia 7, pelas seis horas, correram talvez 400
pessoas de todas as cores, e idades, descalços e quasi (sic) nus pela
maior parte, armados de chuços, espingardas, e espadas, à testa dos
quaes (sic) se vê D. J. Martins, e mais cabeças da desordem (...)
(CORREIO BRAZILIENSE, 1817, p. 662)

O recorte supracitado, revela diretamente a participação de pessoas negras ainda


escravizadas em condições de assujeitamento ao trabalho de campo, que podem ser
compreendidas assim, pelo enxerto anterior, revelado neste pelas condições de
vestimentas e calçados que são descritas trajando, causando o estranhamento pertinente a
participação da massa escravizada.
Isso se deve em parte, como posto em Quintas (1985), aos revolucionários que
procuraram a participação das pessoas negras escravizadas, formando batalhões e
oferecendo a alforria em troca do auxílio nas frontes de resistência. Além disso, oferecia-
se o título de cidadão aos negros escravizados, bem como uma determinada quantia em
indenização aos senhores. Com o fim da batalha, todos seriam considerados libertos e
cidadãos.
É nesse sentido que se dá a participação das pessoas negras escravizadas na
Revolução de 1817: que da condição de açoitamento, empunharam armas e se rebelaram
a manutenção dos desmandes da corte portuguesa no Rio de Janeiro. Essa por sua vez, se
dá dessa forma, a partir do incentivo a participação e conquista de suas próprias
liberdades. Defenderam assim, a liberdade da pátria e a liberdade enquanto sujeitos com
as próprias vidas.

GERTRUDES MARQUES: A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NEGRA


ESCRAVIZADA NA REVOLUÇÃO DE 1817

Embora apagadas ou esquecidas em diferentes pontos da história, a participação


das mulheres, e sobretudo das mulheres negras, na Revolução de 1817, sem dúvidas, teve
sua fundamental importância para suporte, fornecimento de condições básicas e difusão
das informações que possibilitaram o avanço e a manutenção dos dias de república aqui
instituídos.
Boa parte das mulheres negras escravizadas, no período correspondente da
Revolução de 1817, ocupavam a função “de ganho”. Tal atividade consistia na elaboração
de quitutes ou prestação de serviços a outros – que não os senhores ao qual pertenciam –
em troca de quantias em dinheiro, onde parte deveria ser retornada ao senhor. Assim, boa
parte dessas mulheres ocupava o pequeno comércio informal urbano. Foi dessa forma que
muitas mulheres conseguiram a sua autonomia, através da compra de suas alforrias,
garantindo assim que seus filhos nascessem livres.
Nos Autos da Devassa da Revolução de 1817, vemos a presença de uma dessas
mulheres. Gertrudes Marques. Pouco se sabe dela, apenas que ficou presa durante 45 dias,
levando açoitamentos pela manhã e pela tarde.
É de se imaginar que a essas mulheres, foi permitido uma maior qualidade de vida
durante o período de institucionalização da república. O preço dos alimentos sendo
reajustados pela negativa ao pagamento de impostos, a maior segurança nas ruas e a
horizontalização da pirâmide das classes sociais, permitiu a elas um maior fomento as
causas da revolução e sem dúvida as permitiram a sua defesa sem saber o quanto isso
custaria principalmente a população negra.

DESDOBRAMENTOS DA PARTICIPAÇÃO DOS NEGROS NA REVOLUÇÃO

Próximo ao fim da Revolução de 1817, era claro o sentimento de que as pessoas


negras escravizadas não seriam libertas pelos “patriotas”, mas que a “ajuda” era precisa
e a chegada iminente das tropas enviadas ao Recife para cercear e combater a revolução
precisava ser combatida, não restou alternativas a não ser a mobilização mais uma vez da
massa escravizada. (CARVALHO, 2006)
Dessa vez, contudo, possivelmente assustados com uma possível revolução
causada pela negativa as propostas de liberdade anteriormente oferecidas, decide-se pelo
desarmamento e retorno das pessoas negras escravizadas as suas funções como cativas,
uma vez que a opção dada referente ao armamento era bastante arriscada para todos. Por
sua vez, a presença dos “Henriques” foi essencial na tomada dos fortes – sendo no Forte
do Brum o último manejo de canhões contra as tropas imperiais que já haviam fechado o
porto do Recife. (KOSTER, 1817)
Segundo Carvalho (2006), a derrota da Revolução de 1817 foi marcante para
todos, principalmente para as pessoas negras escravizadas – até mesmo aquelas que
sequer tiveram participação na Revolução

(...) A violência das tropas não respeitou as noções de honra da classe


senhorial. Encerrada a rebelião, um parecer do Juiz da devassa
aconselhava que os escravos encontrados com armas deveriam receber
logo de manhã duzentos açoites na praça pública ou nas guardas
principais. Além disso, foram também confiscados (na prática presos e
revendidos) escravos de proprietários envolvidos na rebelião.
A iminência do castigo deve ter encorajado os cativos envolvidos a
desertar e fugir. Da perspectiva deles, envolver-se na rebelião, mesmo
como capanga, significava correr o risco de ser severamente punido.
Além disso, empunhar armas contra à ordem imperial representava um
risco de vida real, afinal de contas teriam que enfrentar as forças
imperiais e não apenas as tropas particulares de outros proprietários,
como devia ser rotina nas querelas entre senhores de engenho que
costumavam armar seus cativos. Da perspectiva da classe senhorial,
equipar escravos para uma revolta contra a coroa, sem fazer concessões
mais amplas, poderia significar um outro tipo de risco: vê-los fugir,
simplesmente. Não é implausível que as fugas possam ter aumentado
naqueles meses de incerteza e brutalidade. (CARVALHO, 1991, p.6)

Ainda para Carvalho (2006), a fuga – apesar de ser considerada uma escolha
radical - foi uma das principais forças de resistência após a Revolução de 1817 e com isso
a formação de novos quilombos ou a tentativa de se agregar a algum já existente. A
escolha não era simples, se esperava abandono de algumas características de vida dentro
dos engenhos, além de saúde. Além disso, o açoitamento para aqueles que fugiram para
um quilombo era ainda mais brutal.
Assim, deixando os assujeitamento aos açoites, se desligando da falsa promessa
de liberdade, igualdade e fraternidade pregada pela revolução, impulsionada pelos ideais
da Revolução Francesa e obrigados a esquecer da porventura condição de cidadão, as
pessoas negras escravizadas escreveram uma nova narrativa histórica. Dessa forma,
caíram na ilegalidade mas marcaram momentos na constituição de quilombo.
Para boas pessoas negras escravizadas fugidas, restou a formação do Quilombo
do Catucá4, um resultado e subproduto do caos político instituído pela Revolução de 1817.
Esse quilombo desenvolveu-se em um alto grau de complexidade, e foi findado em 1835.
(CARVALHO, 1991)

CONCLUSÕES

A partir dos acontecimentos aqui narrados, pode-se verificar que a população


negra, seja ela escravizada ou não, tiveram papel de extrema importância nos
desdobramentos políticos no período da Revolução Pernambucana.
Personagens pouco citadas na história e pouco conhecidas – até mesmo apagadas
na lista de mártires da Revolução - como Gertrudes Marques, trouxeram à tona o teor de
justiça e igualdade seletiva que impulsionava a revolução, mostrando ao mesmo tempo o
grau de subalternidade e subserviência impostas ao serem subjetivamente ignoradas, mas
açoitadas e repelidas quando começaram a mexer nos interesses dos grandes senhores de
engenho na época, representantes da elite pernambucana. Estes, em dado momento viram
como latente ameaça a participação das pessoas negras escravizadas.
Talvez, a leitura errônea a época, de um liberalismo nefasto e problemático,
poderia ter colocado fim ao período mais obscuro e temeroso da história brasileira. Se, de

4
Sobre a localização do Quilombo, Carvalho (1991), descreve: “serpenteava a área mais populosa da
província, a zona da mata seca, ao norte do Recife. Cortada por muitas estradas e picadas, ela começava
nos limites de Beberibe, antigo subúrbio do Recife, passava pelo sítio dos Macacos e por São Lourenço,
mais a oeste da capital, lançando-se entre os engenhos costeiros e a serra a oeste do Recife em direção ao
norte. Passava pelos mangues e rios da região, chegando não muito longe da costa em Paratibe e daí a
Pasmado, perto da ilha de Itamaracá, até o povoado de Tejucupapo, próximo à vila de Goiana, já quase na
fronteira com a província da Paraíba. O centro do quilombo estava num pedaço dessa floresta, situada
entre as matas dos engenhos Timbó e Monjope, entre as freguesias de Paratibe, Paulista e Recife, um
local de terreno acidentado, cortado por riachos e brejos, conhecido como Cova da Onça.”
certa forma, tivessem optado por enxergarem a expressividade da igualdade humana e a
nefasta posição escravagista, poderiam ter, assim impulsionado e fortalecido os
movimentos pelo fim da escravidão na nova república e o fortalecimento imensurável
desta.
Embora seja um período bastante floreado, detém em si uma série de contradições
incondizentes com o pensamento ao que o baliza. De fato, durante a revolução e ao fim
dela, a escravidão foi mantida, mas o espírito luta deixado pelo sonho de se tornar uma
república independente, ficou vivo após seu fim da república, e impulsionou
enormemente a população negra nos anos seguintes a continuarem a luta pela liberdade
de seu povo e sua história, e principalmente, aqueles que fugiram, regozijando o fim dos
açoites.

REFERÊNCIAS

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3. ed. Belo Horizonte:


Itatiaia/Edusp, 1982. (Coleção Reconquista do Brasil).
CARVALHO, Marcus Joaquim M. de. O outro lado da Independencia: Quilombolas,
negros e pardos em Pernambuco (Brazil), 1817-23. Luso-brazilian Review, [s.l.], v. 43,
n. 1, p.1-30, 1 jun. 2006. University of Wisconsin Press.
http://dx.doi.org/10.1353/lbr.2006.0024.
CARVALHO, Marcus Joaquim M. de. O Quilombo do Catucá em Pernambuco. Caderno
Crh, Salvador, v. 0, n. 15, p.5-26, jul. 1991. Semestral.
COSTA, Valéria Gomes. O Recife nas Rotas do Atlântico Negro: tráfico, escravidão e
identidades no oitocentos. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 1, n. 7,
p.186-217, jan. 2013.
FERRETTI, Sérgio Figueiredo. Revoltas de Escravos na Bahia em início do Século
XIX. Cad. Pesq São Luís, Maranhão, p.65-86, jan. 1988. Semestral.
FREYRE, Gilberto. O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX.
São Paulo, 1961.
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. 221. ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1942. (5). Escrito em 1817
NETTO, Rodrigo de Sá. A Punição do Escravo Negro segundo os Relatos Jesuíticos. In:
ENCONTRO REGIONAL DA ANPUH-RIO, 14., 2010, Rio de Janeiro. Anais XIV
Encontro Regional da ANPUH - Rio / Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro: Anpuh,
2010. p. 1 - 9.
PEREIRA, Olga Maria Lima. A Dor da Cor: Reflexões sobre o papel do negro no
Brasil. Cadernos Imbondeiro, João Pessoa, v. 2, n. 1, p.1-10, jan. 2012.
SANTOS, Vilson Pereira dos. Técnicas de Tortura: Punições e castigos de escravos no
Brasil escravista. Enciclopédia Biosfera: Centro Científico Conhecer, Goiânia, v. 9, n.
16, p.2393-2404, jan. 2013.
SILVA, Luiz Geraldo. Gênese das Milícias de Pardos e Pretos na América Portuguesa::
Pernambuco e Minas Gerais, Séculos XII e XVIII. Revista de História, São Paulo, v.
169, n. 1, p.111-144, jul. 2013. Semestral.
SILVA, Luiz Geraldo. Negros de Cartagena y Pernambuco en la era de las revoluciones
atlánticas: trayectorias y estructuras (1750-1840) Anuario Colombiano de Historia
Social y de la Cultura, Universidad Nacional de Colombia. Bogotá, Colombia, v. 40, n.
2, 2013, pp. 211- 240
SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato, São Paulo: Editora
Leya, 2017. 242p.

Você também pode gostar