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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MODA

ISABELA WOLF GROTTO

DO DESENHO AO DESENHO DE MODA

Trabalho de conclusão do curso de Bacharelado


em Moda – Habilitação em Estilista da
Universidade do Estado de Santa Catarina,
orientado pela Prof. Neide Köhler Schulte.

FLORIANÓPOLIS
2008
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 03
2 PROBLEMA.............................................................................................. 04
3 OBJETIVOS............................................................................................. 05
3.1 OBJETIVO GERAL................................................................................ 05
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................................. 05
4 JUSTIFICATIVA........................................................................................ 06
5 MÉTODOS E TÉCNICAS.......................................................................... 07
6 REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................ 08
6.1 O DESENHO.......................................................................................... 08
6.2 O DESENHISTA.................................................................................... 12
6.3 O DESENHO INSERIDO NO SISTEMA DE MODA.............................. 17
6.4 O DESENHO DE MODA........................................................................ 33
8 CONCLUSÃO........................................................................................... 43
9 REFERÊNCIA DAS ILUSTRAÇÕES....................................................... 44
10 BIBLIOGRAFIA...................................................................................... 45
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1 INTRODUÇÃO

O presente projeto tem como tema o croqui, ou seja, o desenho de moda


utilizado para representar de forma artística uma roupa, um traje ou acessório. O
croqui é a primeira representação do estilista, a primeira forma de concretizar uma
idéia, e é também o elemento que servirá de guia para a produção de outros
desenhos (como o desenho técnico, por exemplo) e conseqüentemente norteará a
produção de um produto de Moda.
Neste trabalho serão estudados tanto a história do croqui, por meio de uma
análise histórica do desenho, quanto o processo de desenhar, identificando a
importância do croqui no Sistema de Moda, e suas particularidades em relação ao
desenho de observação.
O desenvolvimento do tema foi dividido em 4 partes: a primeira, discute o
surgimento e desenvolvimento do desenho ao longo da história humana, e sua
importância tanto para o indivíduo quanto para a sociedade; na segunda, é feita
uma rápida explicação de como funciona o processo de desenhar no cérebro
humano, e como se dá seu aprendizado; a terceira parte, prossegue com a
evolução do desenho, inserindo-o no Sistema de Moda; e finalmente, na quarta
parte, são discutidas as particularidades de um desenho de Moda, e seu papel na
área.
Para tal, serão usados livros, artigos de sites, revistas e monografias que
abordem o desenho e o desenho e a moda.
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2 PROBLEMA

Para que o aluno e profissional de moda compreendam a importância do


desenho de moda, é necessário conhecer a sua evolução histórica. No entanto, há
pouca bibliografia em língua portuguesa que trate deste assunto.
O desenho de moda, que outrora teve tanta importância no segmento,
ainda é pouco abordado teoricamente; após um longo período em que o mesmo
caiu em desuso e se tornou um mero coadjuvante no processo de criação de
moda, atualmente o desenho de moda ganha uma nova importância, e passa a
ser valorizado como elemento artístico.
Portanto, acredita-se que é relevante uma abordagem analítica do desenho
de moda sob uma perspectiva principalmente histórica, procurando identificar o
momento e os fatores de seu surgimento, além de sua evolução e características
particulares.
Diante deste escopo, se levanta a seguinte questão: como surgiu e evoluiu
o desenho específico para a representação do produto de moda?
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3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Estudar a evolução e as transformações do croqui de moda desde o seu


surgimento, no contexto da história da Arte e da Moda, até a atualidade.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Relacionar a moda com a arte.


- Apontar o diálogo entre o desenho artístico e o desenho de Moda.
- Identificar fatores que possam ter desencadeado o surgimento de um desenho
específico para a representação de um produto de moda.
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4 JUSTIFICATIVA

O croqui, desenho de moda usado para representar um traje de forma


artística, é um elemento muito conhecido por todos, dentro e fora do mundo da
Moda. É o símbolo maior do estilista, reconhecido primeiramente, pelos leigos,
como um elemento de moda.
Para estudantes e profissionais de moda, é reconhecido que a moda não se
resume aos croquis, a uma simples habilidade de representar no papel o que as
pessoas vestem, mas ainda assim, o desenho sempre foi um objeto de grande
interesse. Foi justamente esse interesse, bem como o interesse pela Arte em geral
e toda a sua história e o interesse pela história da Moda que me levaram a
escolha deste tema para dissertação, pois desse modo pode-se avaliar a evolução
desses três temas: o croqui, a moda e a arte.
Ao iniciar a pesquisa, percebeu-se que o tema, apesar de ter muita
importância no trabalho de qualquer profissional de moda, quase não é discutido,
e a bibliografia sobre o mesmo é escassa.
Este fato contribuiu decisivamente para a continuidade da proposta de
pesquisa, pois acredita-se que é de extrema importância e relevância para a
Moda, como assunto acadêmico, que sejam discutidas a origem e peculiaridades
do croqui em relação ao seu estilo e variações.
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5 MÉTODOS E TÉCNICAS

O método utilizado neste projeto de pesquisa será o de levantamento


bibliográfico sobre o tema a partir de uma estrutura de pesquisa dividida em 4
(quatro) partes: O Desenho, O Desenhista, O Desenho no Sistema de Moda e O
Desenho de Moda, que orientarão a estrutura dos capítulos do TCC.
Será feito um levantamento de dados históricos e análise de fatores que
tenham desencadeado o surgimento e a evolução do croqui, bem como uma
pesquisa sobre os diversos modos de representação do mesmo, os estilos
pessoais e as técnicas usadas para a execução de um croqui de moda.
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6 REFERENCIAL TEÓRICO

6.1 O DESENHO

Desde que o ser humano diferenciou-se do macaco e foi capaz de


organizar idéias, guardar memórias, fazer previsões para o futuro, e criar
situações hipotéticas, ele desenhou. Ou seja, desde que o homem é homem, ele
desenhou. Não obstante, “os seres humanos são os únicos que desenham
imagens de coisas e pessoas em seu ambiente (...) desenhar imagens do que se
percebe é uma atividade restrita a seres humanos e possibilitada pelo nosso
cérebro” (EDWARDS, 2004: 50)

O homem primitivo já esboçava na pedra e na madeira, de forma chapada,


sem sombras e sem relevos, seus pensamentos, suas observações, e
oferecia aos olhos a figura dos objetos sobre os quais ele queria falar,
exprimir alguns sentimentos. (CHATAIGNIER, 1996: 57)

Expressar idéias e representar situações reais ou fictícias por meio de


elementos gráficos é um talento inato no homem, e este o vem expressando dos
mais variados modos, seja em pinturas rupestres em paredes, hieróglifos em
papiros, afrescos em paredes ou um simples rascunho no papel. “Quando o
cérebro se cansa de sua tagarelice verbal, o desenho é um modo de fazê-lo calar
e de obtermos um vislumbre da realidade transcendental” (EDWARDS, 2004:
268).

Desenhar também é uma forma de se expressar para o mundo, de


transmitir um pouco das idiossincrasias, exibir certas facetas e aspectos de nossa
personalidade que estão implícitas, escondidas pelo nosso papel na sociedade.
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Um desenho pode dizer muito da personalidade de uma pessoa, como essa


pessoa vê o mundo e como reage a ele. Sensações e opiniões que podem
parecer difíceis de serem expressas verbalmente ganham vida no desenho e
exibem aspectos subconscientes do indivíduo.

Desenhar não é fotografia, seu produto não é mecânico, não seletivo ou


previsível, seu objetivo nunca é o de total recordação de uma referência ou
informação em particular, mas sempre a imagem refinada, simplificada e
ordenada através de uma sensibilidade individual. É um processo tão antigo
quanto a própria civilização, tão natural e sofisticado como meio de fixar uma
experiência, quanto como veículo de informação e expressão, e sempre
capaz de surpreender e deliciar o olho informado e compreensivo.
1
(PACKER, 1983: 176)

A importância do desenho na história humana pode ser percebida pela


quantidade e variedade de desenhos realizados nas mais diversas épocas, e que
hoje são utilizados como referencias teóricos. O tema já foi abordado em algumas
publicações, sob diferentes perspectivas, como é o caso da publicação “Fashion
Drawing in Vogue”, de Willian Packer. Em seu livro, Packer faz uma homenagem
ao desenho, exibindo-o ao longo da história da maior revista de moda do mundo, a
“Vogue”, e ressalta sua importância na mesma. Segundo ele, “não há nenhum
agente mais potente da revocação do que a revista ilustrada, projetada só para
pegar o momento que passa, e assim, não conscientemente, quase
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distraidamente, o reserva para amadurecer como deve” (1983: 10) . E apesar de
atualmente as revistas apresentarem fotos, ao invés de desenhos, ilustrando suas
páginas, o autor relembra com saudosismo o tempo em que os artistas plásticos
reinavam na “Vogue”.

No entanto, o ato de desenhar bem, ou seja, ver e reproduzir em gravuras,


formar objetos facilmente identificáveis pelos demais, e que apresentem grande
semelhança com o objeto de inspiração é algo menos freqüente. Desenhar de
modo harmônico e esteticamente agradável, não é uma habilidade retida por
todos, e talvez por esse motivo, durante muito tempo, os desenhistas foram

1
Tradução livre.
2
Tradução livre.
10

considerados pessoas especiais, talentosas. Segundo Edwards “Uma vez que


somente umas poucas pessoas parecem possuir a capacidade de ver e desenhar,
os artistas costumam ser tidos como pessoas dotadas de um talento raro, divino.
Para muitos, o processo de desenhar parece misterioso e algo além da
compreensão humana”. (2004: 28)

De fato, o hábito de desenhar parece manifestar-se de forma instintiva para


alguns, mas apesar disso, qualquer pessoa, tendo habilidades ou não, alguma vez
em sua vida já recorreu ao desenho como forma de expressão, seja ao desenhar
um mapa ao dar direções ou exemplificando um plano ou objeto desconhecido a
alguém. Isso ocorre pelo simples fato de que o ser humano sempre buscou,
naturalmente, formas de expressão gráfico-visual para se comunicar. Até mesmo
a escrita é um exemplo disso, considerando-se que o alfabeto como o
conhecemos hoje, nada mais é do que símbolos visuais que representam
fonemas.

Se analisarmos os desenhos feitos pelo homem ao longo da história, é


possível perceber que o desenhista geralmente procura representar a realidade
em que vive. Obviamente existem exceções, como na arte religiosa ou abstrata,
mas mesmo estas não sendo representações fiéis da sociedade em que estão
inseridas e do tempo em que se situam, ainda assim sofrem influências desses
fatores.
De modo geral, todo desenho deixa transparecer valores da cultura material
do seu criador, assim como idéias, hábitos e comportamentos sociais da época
em que está inserido e para qual foi desenhado.

O desenho foi a primeira forma de documentação realizada pelo homem, e


é graças a ele que temos conhecimento das vestimentas usadas pelos povos da
pré-história, já que as roupas, por serem feitas de peles e outros matérias
orgânicos deterioraram-se ao longo dos anos.

Com o passar do tempo, o homem passou a documentar sua vida e seus


hábitos de outras formas, com documentos escritos, por exemplo, mas as
manifestações artísticas visuais, tais como as esculturas e obviamente, o desenho
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continuaram presentes, nos papiros do Egito antigo, nas esculturas Gregas e nas
inúmeras pinturas que foram produzidas durante toda a história da humanidade.
No entanto, estes desenhos não tinham o intuito de retratar a roupa, e sim os
membros da sociedade que a usavam. Com relação a isso, Chataignier (1996: 57)
observa que “entre todo o universo que (o homem) transmitia, lá estavam as
vestes, o gibão e, de certa forma, muito primitivamente, claro, uma idéia da moda”.

As referencias visuais para análise histórica, sociológica ou semiológica do


traje, acabam sendo na maioria das vezes, quadros, aquarelas, ou
esculturas, realizados por consagrados artistas durante vários séculos, com
a intenção de registrar um assunto definido, como por exemplo uma
paisagem, ou retratos de nobres, durante os mais diversos períodos e
movimentos da história da arte. (FERREIRA, 2000: 20)

Na verdade, estes desenhos não tinham o intuito de retratar a roupa, e sim


os membros da sociedade que a usavam, ou uma situação específica do cotidiano
da época, mas mesmo assim, servem como importantes fontes de informação,
graças ao alto nível de fidelidade com a realidade.

Conforme Braga (2004), esse tipo de retratação continuou durante toda a


história humana, e conforme o mundo foi se modernizando, os desenhos e
pinturas ficaram mais complexos e mais detalhados. São até hoje, o principal
referencial visual de trajes antigos, sendo que em certas épocas, como no
renascimento, por exemplo, as retratações eram feitas nos mínimos detalhes.
Packer (1983) ressalta que os mais poderosos, os mais ricos, ou senão os mais
bondosos ou heróicos foram aqueles tiveram suas imagens retratadas para a
posterioridade, se não como eram realmente, ao menos como gostariam de ser.

Para tal feito, eram contratados artistas, pintores, escultores, com o objetivo
específico de realizarem as retratações. Segundo James Laver, “na maior parte,
esses artistas pintaram indivíduos eminentes em suas roupas mais pomposas, os
pintores da época já faziam algo parecido com o estilismo” (2001: 86). É
justamente esse o motivo de as roupas que vemos em pinturas e gravuras
antigas, serem sempre tão luxuosas e terem tanta importância no contexto, já que
conferiam status e enalteciam os indivíduos representados. Os artistas não
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perdiam a oportunidade de reproduzir cada mínimo detalhe da vestimenta, cada


laço, cada renda, bordado ou dobra de tecido. Ferreira (2000) afirma ainda que,
nas cortes, os artistas contratados eram responsáveis pela realização dos
primeiros desenhos de moda, que eram feitos com a intenção de registrar uma
sugestão para a realização de um traje.

Packer (1983) afirma também que o interesse dos artistas pelas


vestimentas esteve evidente em toda a história, não sendo somente uma
obrigação de artistas contratados. Desde o modo como as pregas de tecido das
vestimentas da Grécia antiga, com suas complexas amarrações, às delicadas
rendas do período rococó, os detalhes das roupas eram cuidadosamente
copiados. A prática continuou com o tempo, e teve significativo aumento de
popularidade durante as épocas do renascimento e do barroco.

Porém, antes de continuar a evolução histórica do desenho e sua inserção


no mundo da moda, é relevante abrirmos um parêntese em forma de capítulo para
abordar a personagem central dessa evolução: o desenhista.

6.2 O DESENHISTA

De acordo com Edwards (2004), o ato de desenhar é algo que pode ser
aprendido por qualquer pessoa basta mudar a maneira de ver das pessoas. Este
assunto é bastante comentado, por diversos artistas que concordam com o fato de
que o talento de um artista é, na verdade, o talento de ver o mundo de forma
diferente, portanto “se você for capaz de enxergar da maneira especial que os
artistas experientes enxergam, então você será capaz de desenhar” (EDWARDS,
2004: 29)

Uma vez que o ato de desenhar uma forma que percebemos é


principalmente uma unção do hemisfério direito, é preciso impedir que o
hemisfério esquerdo se intrometa na tarefa. O problema é que o hemisfério
esquerdo é dominante e rápido, tendendo a acudir prontamente com
palavras e símbolos e até mesmo assumir tarefas que não consegue
executar muito bem (EDWARDS, 2004: 68).
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Conforme Edwards, o ato de desenhar consiste numa mudança do estado


de consciência plena, em que o hemisfério esquerdo do cérebro está dominando
inteiramente nossas ações para um estado de transição em que o que as
percepções feitas pelo hemisfério direito do cérebro consigam ser transmitidas
para o hemisfério esquerdo, e este, por sua vez, guiará nossas funções motoras e
moverá nossa mão de forma que esta possa representar graficamente o que é
percebido. Essa percepção, ou essa transição é, acima de tudo, fruto de prática,
portanto o treino constante é essencial.

É interessante observar que quando crianças, todos aprendem a desenhar


da mesma forma, e todos desenham de maneira parecida até certa época da vida,
que é chamada por Edwards de “o período de crise”. A partir daí, alguns
indivíduos parecem aprimorar essa habilidade e a continuam praticando, e outras
não, pois “poucas crianças têm a sorte de descobrir acidentalmente o segredo:
como ver as coisas de um modo diferente” (EDWARDS, 2004: 101).

Sharon Lee Tate e Mona Shafer Edwards, autoras do livro “The Complete
Book of Fashion Illustration” afirmam ainda que “as crianças têm uma habilidade
inata de desenhar” e que é a imposição de adultos e certas regras do desenho
realista que acabam acabando com sua criatividade espontânea (TATE, 1996: 1)3.

Isso ocorre porque justamente na fase “da crise”, o lado esquerdo de


cérebro se desenvolve muito, fenômeno que está, em parte, relacionado ao
método de ensino das escolas normais, onde são ensinadas matérias que
requerem grande uso da lógica, como matemática e ciências enquanto o
aprimoramento da percepção artística é deixado de lado. Aí então, o hemisfério
esquerdo do cérebro, dominante, acaba inibindo e oprimindo certas funções que
seriam muito melhor executados pelo hemisfério direito, e noções que antes eram
dominadas por crianças menores, como a de composição e distribuição de
espaço, acabam desaparecendo.

Por este motivo, a maioria das pessoas em idade adulta sente-se inibida e
frustrada em relação aos próprios desenhos, pois deixaram de praticá-los ao

3 Tradução livre.
14

serem crianças e estagnaram seus traços no nível que tinham ao parar de


desenhar. Mas quanto a isso Edwards (2004: 33) afirma: “em outras palavras,
você já sabe desenhar, mas velhos hábitos de visão interferem nessa habilidade e
a bloqueiam”.

O que acontece mais precisamente é que durante essa fase crucial da vida
de aprimoramento no desenho, a criança tenta reproduzir objetos da forma mais
realista possível. Isso explica o fato de, durante esse período surgirem desenhos
considerados “menos criativos”, ou seja, muito mais próximos da realidade e
desse modo, muito mais banais em nossa rotina.

Nesse momento, todos os conhecimentos já estabelecidos da realidade


vêm à tona no desenho, como por exemplo: ao desenhar um cubo, a criança sabe
que este deverá ter o número de faces que ela consegue ver. Aí então, surge a
tentativa de fazer um desenho extremamente realista, ou seja, expondo todas as
faces vistas e não mais utilizando um símbolo (no caso poderia ser um quadrado)
do modo como ela faria anteriormente.

Porém, ao não ter noções de perspectiva, a criança desenhará as três


faces do cubo da maneira como ela já as conhece, ou seja, iguais umas às outras,
e o que acontece é que o desenho não fica da maneira desejada. O fato do seu
desenho não ter ficado realista como o desejado já se torna a primeira frustração,
e a não ser que esta criança acabe desenvolvendo as noções de perspectiva
espontaneamente ao longo do tempo, seu desenho ficará estagnado neste
estágio.

Este assunto também é abordado por Aaro Toomela (2003), que em seu
artigo descreve a evolução do desenho infantil e a divide em fases: primeiramente,
a criança passaria pela fase de “Desenhos Involuntários”, onde ela simplesmente
rabiscaria todo e qualquer devaneio criativo, sem preocupação com a realidade.
Após esse estágio inicial, viria a fase do “Realismo Fortuito”, onde a criança
desenha objetos representados por símbolos, ainda não se assemelhando aos
reais, porém com a noção do que ela entende por real. Utilizando ainda o exemplo
do cubo, esta fase seria a que a criança representaria o objeto com a figura de um
15

quadrado.

A terceira fase, denominada por Toomela (2003) como a do “Realismo


Intelectual” é a que faz a criança desenhe mais de uma face para o cubo, afinal de
contas, ela sabe que um cubo tem mais de uma face, portanto acha lógico
representá-las, porém ainda não sabe como, o que causa a distorção do desenho.
Esta é a fase que gera confusão, pois o desenho não se parece com a realidade,
e muitas vezes isso pode gerar frustração.

Finalmente, vem a fase do “Realismo Visual”, onde a criança torna-se


capaz de representar o que vê, e do modo como vê, e desse modo o desenho
torna-se mais próximo da realidade.

Acima, Figura 1: Desenhos realizados por crianças na tentativa de representar


um cubo em perspectiva. Os desenhos são, da esquerda para a direita,
exemplos claros do que Toomela descreve como as fases de Realismo
Fortuito, Intelectual e Visual. (TOOMELA, 2003: 11)

A fase do Realismo Intelectual de Toomela (2003) pode ser comparada ao


que Edwards (2004) cjama de “período de crise”, quando a criança tenta desenhar
objetos de forma realista e não consegue. A razão pela qual isto ocorre é o fato
de, ao desenhar, as crianças nesta fase, e a maioria dos adultos tenta bi-
dimensionar a sua já conhecida tri-dimensão. Ou seja, desenhar as três faces do
cubo, ignorando o fato de que este processo implica a distorção dos mesmos que,
por serem já conhecidos por nosso cérebro, são associados a símbolos ao serem
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transcritos no papel.

...a principal dificuldade em ensinar desenho realista a pessoas, dos dez


anos em diante, reside no fato de que o hemisfério esquerdo (do cérebro)
parece insistir em utilizar seus símbolos de desenho, armazenados na
memória, quando estes já não são adequados à tarefa. É como se o
hemisfério esquerdo, infelizmente, continuasse a “pensar” que sabe
desenhar, quando há muito a aptidão de processar informações espaciais e
relacionais foi lateralizada ou transferida para o hemisfério direito. Diante da
tarefa de desenhar, o hemisfério esquerdo se apressa em evocar seus
símbolos, todos evocados a aptidões verbais; depois, ironicamente, o
hemisfério esquerdo prontamente emite seu julgamento desfavorável se o
desenho lhe parece infantil ou ingênuo. (EDWARDS, 2004: 108)

Tida como grande vilã nessa história, a perspectiva é realmente elemento


de grande dificuldade para a maioria das pessoas ao tentar desenhar. Porém o
próprio termo perspectiva, que remete ao “olhar distante” já explica a técnica que
teve o auge de seu aprimoramento durante o renascimento, pelos grandes
mestres iluministas. A perspectiva é justamente o motivo da distorção das três
faces do cubo que a criança tentou, frustradamente, representar. Algumas
pessoas acabam percebendo essa distorção dos objetos conforme o ângulo e a
distância em que estão de forma natural, outras, precisam de explicações teóricas
envolvendo conceitos como linha de visão e ponto de fuga, mas de um modo ou
de outro, qualquer pessoa é capaz de desenhar em perspectiva após sua
compreensão.

Da mesma forma que a perspectiva é passada despercebida, o mesmo


ocorre com outros elementos do desenho que seriam facilmente reconhecidos
pelo lado direito de cérebro, mas que foram inibidos pela dominância do esquerdo,
tais como a percepção de espaços vazios e o papel da luz e a da sombra, fatores
essenciais para a execução de um desenho proporcional e realista.

No entanto, tanto esses, como todos os demais conceitos de desenhos


podem ser ensinados, e a partir daí aperfeiçoados com a prática. Segundo
Ferreira (2000: 44) “as primeiras escolas de desenho apareceram na França e na
Inglaterra a partir do século XVIII, proporcionando uma formação artística mais
ampla, para servir as necessidades de setores como arquitetura, artes, engenharia
17

e também a moda”.

Tais conceitos de aprendizado e desenvolvimento do desenho não foram


muito explorados por autores do ramo, mas o livro escrito por Edwards,
justamente por ser um dos únicos a abordar o tema com um ponto de vista
científico tem sido bastante aceito e citado ao se tratar do assunto.

6.3 O DESENHO INSERIDO NO SISTEMA DE MODA

Como já foi mencionado anteriormente, é sabido que os artistas sempre


mostraram grande interesse na representação de roupas. No entanto, o desenho
feito especificamente para tal representação, provavelmente só apareceu depois
do surgimento do conceito de “Moda”, apesar de não haver documentos históricos
que provem tal acontecimento.

Segundo Ferreira (2000: 21) o propósito de utilizar o desenho para mostrar


uma criação de moda foi atingido com o uso de ilustrações, que têm origem a
partir do final do século XIV, e cuja função era servir de suporte para que
vestimentas e figurinos de óperas e balés fossem apresentados. No entanto,
prossegue dizendo que os primeiros esboços para a realeza eram realizados por
artistas contratados para esta função, prática que decorre do fim da Idade Média,
mas neste caso, os desenhistas não possuíam qualquer tipo de prestígio, não
podendo nem mesmo assinar suas obras.

Citando um trecho retirado do catálogo “Le dessin sous toutes sés


coutures”, Ferreira (2000) descreve como era o processo de apresentação de
desenhos de moda à nobreza. Segundo a descrição, o primeiro rascunho era feito
em bico-de-pena, e depois adaptado por assistentes a uma figura com cabeça e
mãos, em uma pose adequada aos costumes, e pintado com aquarela. Estes
desenhos eram então apresentados à nobreza, e sujeitos à aprovação ou a
modificações para depois serem levados aos alfaiates.

Conforme Gilda Chataignier (1996), a primeira “desenhista-estilista de


moda que se tem registro data do século XVIII. Era Rose Bertin, mais conhecida
como Mme. Bertin, que vestia a rainha Maria Antonieta, no estilo da época,
18

conhecido como rococó “(...). Era uma espécie de ministra da moda, título que se
outorgava, não sabendo ao certo se flutuava entre o seu imaginário e a realidade.”
A diferença entre ela e os demais desenhistas de moda da época está no fato de
que ela não era responsável somente pelo desenho, e sim por toda a criação,
interferindo na escolha dos tecidos e dos modelos também.

Mme. Bertin desenhava os modelos e os apresentava à aristocracia ociosa,


juntamente com miniaturas das roupas criadas por ela vestidas por pequenas
bonecas que eram enfeitadas com coroas de fitas, flores xales, penteados e uma
infinidade de acessórios, em rituais que eram uma mistura de desfiles teatrais com
brincadeiras infantis. Segundo Ferreira (2000: 31) essa prática foi “o primeiro
método para divulgação da moda”, já que os desenhos realizados em bico-de-
pena e aquarela eram muito perecíveis, ficando restritos somente ao processo
produtivo até que surgissem as gravuras impressas em catálogos e revistas de
moda, fato que, segundo Alice Mackrell (1997), ocorreu no século dezesseis, na
França.

A segunda metade do século dezessete anunciou uma nova fonte de


documentação visual: livros de trajes impressos. A invenção de tipos de
impressão móveis por Johannes Gutenberg em Mainz em 1454 significou
que livros poderiam ser impressos de forma barata, e muitos livros de trajes
foram publicados em diversas edições e traduções. (...) Livros de trajes
ilustravam a moda atual das grandes cidades da Europa, e descreviam
4
algumas modas passadas. (MACKRELL, 1997: 14)

Tais livros eram repletos de ilustrações minuciosas, da moda em voga na


Europa e em outros países e continentes, como a América, a Ásia e a África. Os
detalhes tinham extrema importância, cada figurino era retratado tanto de frente
como de costas, e durante a época elisabetana, em que os bordados tiveram seu
auge, havia livros especializados em retratar somente este tipo de trabalho,
repletos de motivos herbais e florais.

Mackrell (1997) prossegue a descrição da trajetória das publicações de


moda citando, em 1672, o surgimento da revista “Le Mercure Galant” que ela

4 Tradução livre.
19

considera a primeira revista a fazer cobertura de moda como conhecemos hoje.


Em suas páginas, eram publicadas notícias da corte e da realeza, os bailes,
festivais e casamentos; além de colunas sobre música, peças de teatro e,
obviamente, moda. A revista era direcionada principalmente às damas da alta
sociedade e teve enorme sucesso, fornecendo orientações de tendências e do
que deveria ou não ser usado na época. Além de divulgar os lançamentos e
novidades de moda, a publicação teve grande importância por ser, por si só, uma
ótima publicidade da moda francesa, divulgando-a com rapidez.

A prática de publicar ilustrações de moda continuou no decorrer dos


séculos dezessete e dezoito, o no século dezenove, teve um significativo
aumento, graças ao surgimento da impressão mecanizada, que potencializou a
produção e diminuiu o custo. Foi nesta época também, que os artistas passaram a
assinar seus trabalhos, sendo reconhecidos como ilustradores de moda.

Conforme a moda ia ganhando popularidade, iam ficando conhecidos


também seus representantes. Chataignier (1996) ainda cita, depois de Mme.
Bertin, outras personalidades significantes na categoria de desenhistas-estilistas,
como Charles Fréderic Worth, criador da alta-costura, em 1858; Jeanne Lanvin
que desenhava pescoços e braços alongados; Paul Poiret, cujo primeiro álbum de
croquis ilustrado por Paul Iribe, sempre com um sedutor ar oriental, data de 1908,
intitulado “Les Robes de Poiret”. O sucesso foi tanto, que três anos depois, Poiret
publicou um segundo volume, “Las Choses de Poiret”, desta vez, ilustrado por
Georges Lepape, e que continha gravuras coloridas, impressas em papel de luxo
e com detalhes em tinta metalizada prateada e dourada, como descreve Mackrell
(1997).

É relevante citar também, alguns nomes de desenhistas que não eram


estilistas, mas que se prestigiaram ao representar criações de outros profissionais
de moda, como os nomes já citados acima, no caso de Poiret. Nos Estados
Unidos, alguns nomes que se destacaram como ilustradores de moda foram os de
Gibson, no começo do século XX (Figura 2) e Carl Erickson (mais conhecido como
Eric). Na Europa, o espanhol Eduardo García Benito, os franceses Willaumez,
Bérard e Bouché, o inglês Francis Marshall, e o porto-riquenho Antonio.
20

Figura 2: Ilustrações
de Gibson, extraídas
da revista “Life”.

(MERCÉ, 19-- :18)

Marshall nasceu em 1901 e foi educado para servir à marinha, mas em


meados da década de 20, entregou sua carta de resignação e decidiu perseguir
seu sonho de ser artista. Após estudos, começou a trabalhar para a “Vogue”, em
1928, até ser recrutado novamente pela marinha para servir durante a Segunda
Guerra Mundial. Depois desse período, Marshall continuou a enviar seus
desenhos à revista, como freelancer, até sua morte, em 1980.

Francis Marshall foi um talentoso artista no quesito de observação social,


captando detalhes e indicadores do refinamento social que imperam na Inglaterra
até hoje. Soube como ninguém descrever o círculo social britânico, com suas
ilustrações de cavalos, bailes, e camarotes nas óperas (Figura 3).
21

Figura 3: Ilustração de Marshall,


extraída da “Vogue” britânica,
Fevereiro de 1936

(PACKER, 1983: 127)

Eduardo García Benito começou sua carreira no começo dos anos 20, e foi
o artista que se manteve em destaque por mais tempo dentre os seus
companheiros dessa geração de desenhistas do começo do século. Ele se
manteve sempre muito aberto a novas experiências e mais provocativo e
imprevisível do que seus colegas, o que resultou num trabalho altamente variado.
Benito era versátil, e esta característica é visível em seus trabalhos, que sofreram
influências dos mais variados movimentos artísticos modernistas; fez diversas
capas para revistas, um dos trabalhos mais importantes para um desenhista da
época (Figuras 4 e 5).
22

Na página anterior, Figura 4:


Ilustração de Benito, extraída da
“Vogue” britânica, Setembro de
1924. (PACKER, 1983: 38)

Ao lado, Figura 5: Ilustração de


Benito, extraída da “Vogue”
britânica, Janeiro de 1923.
(PACKER, 1983: 53)

René Bouët-Willaumez apareceu na “Vogue” pela primeira vez em 1929,


abandonando uma carreira de engenharia para se tornar artista em Paris. No
começo, tinha um trabalho descrito por Packer como “não notável, até mesmo
pedestre” (1983: 102) 5, mas após uma viagem a Londres, em 1931, seu estilo
definiu-se e passou a possuir linhas mais afiadas e incisivas do que qualquer um
de seus colegas, fluindo com uma energia mais nervosa, marcante.

Foi durante os anos 40, no período que antecedeu a guerra, que Willaumez
teve seu maior destaque. Representava a moda de forma dramática, com cores
ácidas e agudas, tonalidades pesadas, o brilho penetrante; as linhas, limpas e
precisas, e o sombreamento vigoroso foram fatores que, combinados, tornaram-se
umas das mais memoráveis imagens do período. Segundo Packer, “a arrogância
da elegância na moda dificilmente foi mais bem expressa” (1983: 102) 6 (Figuras 6
e 7).

5 Tradução livre.
6 Tradução livre.
23

Acima, Figura 6: Ilustração de


Willaumez, extraída da “Vogue”
americana, Abril de 1939.
(PACKER, 1983:125)

Á direita, Figura 7: Ilustração de


Willaumez, extraída da “Vogue”
americana, Dezembro de 1943.
(PACKER, 1983: 146)
24

Na mesma época, destacaram-se outros dois franceses, Christian Bérard, a


partir de 1935, e René Bouché, que teve um início de carreira tardio, em 1941.
Bérard - ou Bébé, como era chamado - era, como relata Packer, uma figura
extraordinária: gordo, imprevisível, depressivo, viciado em ópio e ainda por cima,
impontual. Mas apesar disso, era um excelente pintor e um desenhista notável.
Seus trabalhos foram expostos nos Museus de Arte Moderna de Paris e Nova
Iorque, e durante muitos anos associou-se ao mundo do teatro e do ballet, suas
paixões.

Residente em Paris, Bérard teve seu trabalho interrompido pela guerra, e


depois disso, morreu subitamente, em 1949, aos quarenta e sete anos e deixando
um vazio enorme tanto no meio artístico, quanto na moda. Segundo Packer, “ele
foi muito amado e muito velado. Dele foi o funeral do ano” (1983: 104) 7 (Figura 8).

Figura 8: Ilustração de
Bérard, extraída da
“Vogue” americana,
Setembro de 1938.

(PACKER, 1983: 113)

Já Bouché, fez uma boa impressão logo do começo, sendo imediatamente


contratado pela “Vogue” americana como um de seus desenhistas regulares.
Durante muitos anos, seu trabalho foi exclusivamente branco e preto, linhas firmes
e precisas com influências românticas e expressionistas. Diversas vezes, foi
autorizado a ultrapassar o limite da página, espalhando seu desenho pela página

7 Tradução livre.
25

dupla, sinal da ênfase e da proeminência que tinha na revista e que o fizeram tão
marcante.

Com o fim da guerra, seu estilo adquiriu maturidade e uma suavidade e


fluidez características. Foi uma época de auge, pois Bouché, juntamente com
Willaumez e o americano Eric, fizeram os últimos desenhos com o refinamento
artístico que marcaram toda uma era antes de perderem a popularidade. Bouché
morreu subitamente em 1963, fato muito lamentado, e que deu fim a uma carreira
curta e meteórica (Figura 9).

Figura 9: Ilustração de Bouché, extraída da


“Vogue” americana, Setembro de 1946.

(PACKER, 1983: 105)

O maior desenhista da história da revista “Vogue” foi, no entanto, o


americano Carl Erickson, que assinava seus trabalhos simplesmente como “Eric”.
Após estudar em uma escola de artes em Chicago, Eric começou a trabalhar
26

como tantos outros desenhistas, fazendo trabalhos free-lance até entrar para a
revista. Em 1920 ele casou com Lee Creelman, que também era ilustradora e teve
um papel muito mais significante do que o marido durante algum tempo.

A partir de 1930, Eric começou a aparecer e ganhar importância no meio da


moda, e em 1935 já era considerado uma grande estrela. Seu estilo era eclético e
versátil. Passou por períodos de experiências artísticas nas quais claramente
sofreu a influência de artistas modernistas europeus, como Matisse e Degas. As
linhas fluidas e sugestivas captavam o momento com um gentil ar de deboche e
divertimento, tornando sua obra espontânea, cheia de romantismo, com ares
propositalmente caligráficos.

Packer relembra Eric com citações feitas a ele por personalidades da


época, publicadas na própria “Vogue” em 1946 e que demonstram a importância
do desenhista em seu meio: “Eric faz a moda viver e se mover nas páginas da
Vogue – faz as mulheres se moverem nas roupas que desenha” (1983: 14) 8. Três
anos depois, uma exibição em Nova York foi montada para exibir todo o seu
trabalho e um longo artigo foi publicado sobre ele e sua obra.

‘Ele desenha somente o que vê. Mas sua genialidade está em ver o
essencial e infundi-lo com vida. Nos seus desenhos de moda, o detalhe
significante é realçado – o colarinho trabalhado, a bainha em baixo-relevo, a
fivela dourada do cinto – aqueles elementos que dão distinção. Seus
desenhos são tão verdadeiros que tendem a ampliar algo que é falso....Seus
desenhos são até mais verdadeiros do que a fotografia, pois por seletividade
9
e discriminação, ele revela somente o essencial.’ (PACKER, 1983: 16)

Ao falecer, uma nota foi publicada no obituário que mais sucintamente do


que todas as outras descrevia, seus trabalhos: “‘Para a moda parisiense, um
desenho de Eric era a mais desejada representação para uma criação’” (PACKER,
1983: 16) 10 (Figuras 10, 11 e 12).

8 Tradução livre.
9 Tradução livre.
10 Tradução livre.
27

Acima e à esquerda, Figura 10:


Ilustração de Eric, extraída da
“Vogue” americana, Junho de 1944.
(PACKER, 1983: 136)

Acima e à direita, Figura 11:


Ilustração de Eric, extraída da
“Vogue” americana, Dezembro de
1943. (PACKER, 1983: 140)

Ao lado, Figura 12: Ilustração de


Eric, extraída da “Vogue” americana,
Agosto de 1946. (PACKER, 1983:
159)

Antonio López pode ser considerado o último intérprete dessa classe de


ilustradores artistas. Segundo Ferreira (2000), teve seu auge na época em que as
ilustrações de moda começaram a desaparecer, na década de 60, quando a
revista “Elle” francesa publicou uma série de páginas com seus trabalhos.
Residindo em Paris, continua sua carreira destacando-se não somente como um
simples ilustrador, mas revolucionando as estéticas dos anos 60 aos anos 80.

Antonio estudou em Nova York, no Fashion Institute of Technology, e com


apenas dezessete anos, iniciou sua carreira, ficando logo conhecido e amigo de
28

diversas celebridades. Ele convivia com manequins, atores, artistas plásticos e


estilistas famosos, como Jerry Hall, Jessica Lange, Andy Warhol e Karl Lagerfeld.
Tinha um trabalho respeitado e reconhecido pelo dinamismo, com temas ousados,
mas técnicas conservadoras, como a aquarela. Chegou a trabalhar para os
japoneses, quando a moda oriental invade as passarelas ocidentais com suas
formas desestruturadas e inovadoras, na década de 80, até seu falecimento, em
1987. Após este fato, diversas exposições que recapitulavam sua carreira por
meio de seus desenhos foram montadas, em reconhecimento de seu talento.

No Brasil, a primeira estilista foi Mlle. Aran, suposta amante do Imperador


Napoleão Bonaparte. Depois dela, várias outras especialistas, nas artes de corte e
costura, vieram para terras brasileiras entre 1821 e 1822, todas provindas da
Europa, e trazendo as tendências de Paris, que aqui eram imitadas. De todas
estas elegantes madames e mademoiselles, a mais importante foi Mlle. Josephine,
pois foi a primeira a se estabelecer comercialmente, no Rio de Janeiro.

Os desenhos de moda destas estilistas não ficaram tão conhecidos como


seus nomes, os croquis que atingiam o público eram os das revistas e catálogos,
onde imperaram antes da fotografia dominar as páginas das publicações de moda.
Tais desenhos eram feitos pelos desenhistas cuja função era exclusivamente
representar criações já executadas por estilistas consagrados e desse modo
ilustrar as revistas de moda que cada vez iam ganhando maior importância no
mercado.

Ao serem publicados em periódicos, os desenhos e gravuras de moda


começaram a ter, a partir do século XIX, uma importância diferente da que tinham
antes, já que, segundo Ferreira (2000: 43) “passaram a ter a função de retratar a
moda de maneira realista, e não mais “fantasiosa e direcionada pelo gosto e poder
real”.

Em seu livro, “El dibujo de Modas”, J.B. Mercê destaca que o primeiro
desenho de moda publicado apareceu na revista francesa “Cabinet des Modes”,
em 1785 e os primeiros “figurinistas” como eram chamados os ilustradores das
revistas foram os desenhistas Watteau e Gavarni, reconhecidos como verdadeiros
29

artistas. A França sempre foi considerada o berço da moda, título este que ainda é
usado ao mencionarmos o país, devido à importância do mesmo na produção de
tendências e artigos de moda, o que inclui publicações (Figuras 13 e 14).

À esquerda, Figura 13: Ilustração de


Gavarni, 1840. (MERCÉ, 19--: 18)

Abaixo, Figura 14: Ilustrações de Watteau,


datadas do século XVIII. (MERCÉ, 19--: 17)

Porém, a partir de 1900, os Estados Unidos iniciam sua intervenção na


moda, iniciando uma verdadeira batalha entre os dois países pelo título de maior
produtor de moda. Com o surgimento da revista “Vogue”, os americanos
conquistam a primeira posição entre as publicações de moda, fato consolidado
depois com o surgimento de outras revistas de grande importância, como a
“Harper’s Bazaar”. Ainda segundo Mercé, o diretor da “Vogue” que assumiu este
posto em 1909, Condé Nast, “foi o homem que impulsionou o campo da moda,
11
estendendo suas fronteiras” (19--: 16) . Mais tarde, a revista expandiu com duas
edições internacionais: a “Vogue” inglesa, estabelecida em 1916, e a “Vogue”
francesa, a partir de 1920.

A fórmula idealizada por Nast, uma poderosa mistura de alta moda, alta
sociedade, artes, códigos sociais de vestimenta e comportamento, combinados a
uma pequena dose de fofoca esnobismo, provou-se um grande sucesso,

11 Tradução livre.
30

tornando-se uma revista de inquestionável importância e longevidade.

Já os catálogos de moda, segundo Ferreira (2000: 59), eram lançados


pelas próprias Lojas de Departamentos. A partir de 1914, as principais lojas
parisienses passaram a utilizar os catálogos para apresentar as novidades, e
continham todas as roupas reproduzidas por desenhos. A prática espalhou-se por
diversos países no mundo, adotada por lojas na Inglaterra e Estados Unidos.
Conforme Chataignier (1996), os primeiros catálogos de moda a chegarem no
Brasil, foram via reembolso postal, como o “A Estação”, “Magazin”, “Des
Demoseilles” e “La Mode Illustrée”, ricos em ilustrações de moda com figurinos
que eram prontamente copiados.

Segundo Ferreira (2000), o primeiro periódico feminino brasileiro foi lançado


em 1827, mas foi só depois da Primeira Guerra Mundial que surgem, no Brasil,
novas revistas de moda, de produção nacional, e direcionados à sociedade que
descobria o significado da palavra “identidade”. A partir daí, vale ressaltar alguns
nomes de caricaturistas que criticaram de forma humorística o contexto social e
assim ganham espaço e prestígio nos jornais e revistas.

Vale destacar o desenhista que foi considerado o maior dentre os atuantes


na imprensa do século XX, J. Carlos, que conquistou a todos com seus
personagens “A Melindrosa” e “O Almofadinha”, presentes em importantes
publicações como as revistas “Fon Fon” e “O Tico-Tico”. Mais para frente, Alceu
Penna, que fez sucesso com a revista mais importante do país entre 1930 e 1950,
a “O Cruzeiro”, ilustrando suas páginas com suas personagens “As Garotas”.

Com seus desenhos de mulheres jovens, bonitas e divertidas, Penna


influenciou os demais desenhistas de moda e ditou um padrão de estética e
comportamento. Suas garotas tinham raízes nas eternas “Pin-Ups”, ilustrações da
figura feminina altamente sensualizada, e utilizadas principalmente pela campanha
publicitária. Os desenhos de “Pin-Ups” foram precursores da fotografia erótica, e
tiveram sua origem nos Estados Unidos a partir de 1870.

As revistas de moda tinham, na época auge da ilustração, uma importância


tão grande na moda quanto têm hoje, com a diferença que antes de serem
31

repletas de fotografias altamente produzidas e retocadas como são atualmente, as


publicações antigas enchiam os olhos de suas leitoras com desenhos, que eram
verdadeiras obras de arte. A profissão era tão valorizada que Mercé a cita como
uma das grandes promessas do futuro, e em seu livro “El Dibujo de Modas” ensina
um passo-a-passo para se aprender o desenho de moda. Homens e mulheres ao
redor do mundo construíam uma carreira e ganhavam a vida desenhando para as
revistas. Segundo ele, “o desenho de moda tem um campo de possibilidades
infinitas para todo homem ou mulher com iniciativa e ambição”. (19--: 33) 12

No entanto, apesar da grande importância que tiveram durante um longo


período na história da comunicação impressa de moda, os desenhos de moda
foram, pouco a pouco caindo em desuso, sendo substituídos por fotografias de
moda como principal tipo de ilustração Quanto a isso, Packer afirma que tal
processo se deve à falta de um hábito editorial, afirmando que a prática regular de
impressão de gravuras, ao invés de somente fotos, estimularia a procura e
interesse de artistas e público quanto ao desenho de moda. No entanto, é
necessário que haja uma iniciativa por parte das próprias revistas, convidando
artistas capazes para fazer tal trabalho.

Esta tradição esteve, em nenhum sentido, em declínio até uma data


surpreendentemente tardia; não foi morta pela câmera, no final das contas; e
pode até mesmo ainda não estar morta, embora esteja moribunda durante
os últimos vinte anos. O uso de um bom desenho como um óbvio, efetivo e
distinto meio de determinada descrição, na prática não menos seletivo do
que uma fotografia, e sempre tão preciso e informativo quanto necessário,
foi vítima, não da competição, nem da falta de provisão de artistas, mas sim
13
do fracasso de um costume editorial. (PACKER, 1983: 14)

Segundo Packer, foi durante a década de 60 que os desenhos de moda


caíram em desuso nas revistas. Isso decorreu de uma profunda revolução que se
deu em todo o meio artístico, e que afetou também o ramo da moda. A partir daí,
os desenhos de moda continuaram a aparecer, mas de modo ocasional, a não
mais com a importância e o destaque de outrora. A partir daí, o papel da câmera
tornou-se absoluto, e os fotógrafos de moda adquiriram fama e status nunca antes

12 Tradução livre.
13 Tradução livre.
32

alcançados. O desenho foi jogado para segundo plano, e com isso, suas
características também mudaram, tornando-se assim, uma mera coadjuvante no
mundo da moda.

O desenho que realmente aparece teve sua natureza modificada; é agora


distante da refinada tradição artística de observação direta e coerência
estilística que [...] havia antes informado. Tornou-se, em vez disso, o próprio
produto do design de moda, tanto como a descrição maneirista dos artigos
de determinado estilista e uma auto-declaração de identidade, ou como uma
atividade subsidiária e delegada dentro da e escola ou casa de moda.
14
(PACKER, 1983: 171)

Em sua tese, Ferreira (2000) afirma que a substituição do desenho artístico


de moda pelo croqui, mais rápido, mais técnico e presente somente no processo
produtivo de um artigo de moda se deu após a Revolução Industrial, conseqüência
da necessidade de adaptação para acompanhar a velocidade da produção de
artigos, acelerada pela revolução. A partir daí, “a utilização do desenho pela
indústria requer cada vez mais rapidez e definição quanto às medidas, volumes e
proporções das roupas” (FERREIRA, 2000: 50).

A formação de um estilista deve preencher essa nova lacuna na criação e


fabricação de roupa. Não existe a necessidade de um desenho artístico,
como para a realização de uma ilustração, e sim croquis esquematizados e
desenhos técnicos. O desenho de moda perde um pouco de sua arte, mas
passa a exprimir de agora em diante, a imaginação e a criatividade aplicada
à roupa. (FERREIRA, 2000: 76)

7.4 O DESENHO DE MODA

O desenho de moda, em especial o croqui, é o desenho feito pelos estilistas


para representar um traje ou acessório, e é facilmente reconhecido por suas
peculiaridades.

“A técnica mais simples e elementar, o método de estudo mais positivo, é o


croqui. (…) O croqui é o meio mais rápido de captar a natureza com toda
sua realidade animada, anotando as impressões óticas que ajudam, mais
tarde, a recapitulação memórica. É o exercício que mantem
permanentemente desperta nossa faculdade de recordação. Sua prática é

14 Tradução livre.
33

uma ginástica que desenvolve a habilidade e estimula as faculdades


15
intelectuais.”(MERCÉ, 19--: 40)

O croqui, segundo a origem da palavra nada mais é do que um rascunho,


um desenho rápido, enfatizando-se somente as linhas mais essenciais e
desprezando-se detalhes que possam prolongar o trabalho. É uma técnica usada
por todos os artistas, pois é um modo de documentação instantânea, a captação
da essência de um momento que auxiliará a memória do artista na execução de
um trabalho mais elaborado.
É provável que não exista, ou tenha existido no mundo um artista que já
não tenha praticado um croqui, já que é um exercício eficiente para a memória
visual, treinando a capacidade de captar detalhes e reproduzi-los rapidamente. O
croqui é uma etapa fundamental na produção artística, é a primeira tentativa, o
desenho que gerará as primeiras noções do resultado final, e também um guia
que conduzirá o trabalho.
O termo foi incorporado na Moda para definir o desenho feito por um
estilista justamente por apresentar as mesmas características do croqui original: a
rapidez, fluidez e ausência de detalhes desnecessários. Além do fato de ser a
primeira etapa de produção de algo mais elaborado, e que exigirá muito mais
tempo para ser fabricado, como uma roupa, calçado ou acessório.
Uma das principais características do desenho de moda é o fato de ele ser
distorcido, ou seja, não ser exatamente igual à realidade. Os croquis não seguem
a proporção humana de 7 ½ cabeças, sendo mais alongados e podendo ter de 8 a
quantas cabeças o estilista desejar. Essa distorção se deve pelo fato de que a
figura humana alongada torna-se mais elegante, sendo assim um melhor “cabide”
para a roupa, exibindo-a melhor.
Porém, a distorção não pode ser aplicada aleatoriamente ao croqui, sendo
aconselhável sua concentração nos membros inferiores da figura, como destaca
Tate (1996). Segundo a autora, um corpo demasiadamente alongado pode fazer
as roupas parecerem estranhas e deselegantes.

15 Tradução livre.
34

Vale ressaltar que a distorção não é um recurso utilizado somente por


estilistas, sendo usado por artistas desde o movimento Maneirista, que sucedeu o
Renascimento, um ápice da pintura realista. Muitos artistas se utilizaram dessa
característica em suas pinturas para enfatizar um ou outro aspecto específico de
sua arte que não fosse meramente a semelhança com a realidade. Geralmente, a
distorção era feita para demonstrar um sentimento, uma sensação ou situação que
não poderia ser expressa simplesmente com o que é visto na realidade.
Hallawell (1994) exemplifica esse caso com o pintor El Greco, que
alongando suas figuras procurava representar o sofrimento humano. Ele afirma
que “os artistas se preocupavam cada vez mais com a interpretação e a
expressão do que com a representação realista” (HALLAWELL, 1994: 21) e essa
característica permaneceu durante todo o período da arte moderna, sendo
presente nas pinturas de artistas como Modigliani e Dalí.
A ligação da arte com a moda não se restringe às técnicas usadas por uma
ou por outra, mas é, na verdade, um longo diálogo que remete desde a época em
que o conceito de moda surgiu. Os ilustradores de moda, que não deixavam de
ser artistas, buscaram, além de influência, a inspiração em movimentos artísticos
para realizarem suas obras.
Exemplos claros disso podem ser vistos em revistas de moda, onde tais
trabalhos foram publicados, como por exemplo, uma capa da revista “Vogue”
americana, do ano de 1928 e de autoria do desenhista Benito, que faz referência
aos trabalhos do pintor expressionista Modigliani, característicos por suas
mulheres de pescoços alongados e olhos puxados, como “olhos de gato” (Figura
15).
35

Figura 15: Ilustração de


Benito, capa da “Vogue”
britânica, de Outubro de
1929, onde o desenhista
faz clara referência ao
pintor Modigliani.

(PACKER, 1983: 29)

Além do expressionismo (Figura 16), outros movimentos foram


homenageados pelos ilustradores de moda, como a Art Nouveau (Figura 17), o
Impressionismo (Figura 18), a arte japonesa (Figura 19) e o surrealismo. No último
caso, o intercâmbio foi tão íntimo que o inverso aconteceu, resultando em 1939,
na capa da revista “Vogue” produzida pelo pintor Salvador Dalí (Figura 20).

À esquerda, Figura 16: capa da “Vogue” americana, ilustrada por


Eric, com inspiração no movimento expressionista, Junho de 1932.
(PACKER, 1983: 25)

À direita, Figura 17: ilustração de Antonio, extraída da “Vogue”


britânica, Julho de 1970. Aqui, é possível perceber características da
36

Acima e à esquerda, Figura


18: Ilustração de Eric com
influências impressionistas,
extraída da “Vogue”
americana, Setembro de 1936.
(PACKER, 1983: 129)

Acima e à direita, Figura 19:


Ilustração de Bouché,
inspirada na arte japonesa,
extraída da “Vogue”
americana, Junho de 1957.
(PACKER, 1983: 200)

Ao lado, Figura 20: Ilustração


de Salvador Dali, capa da
“Vogue” americana, Junho de
1939. (PACKER, 1983: 28)
37

Segundo Ferreira (2000: 61) “além dos desenhos de artistas servirem ao


sistema de moda, com ilustrações de gravuras, a partir dessa nova relação, os
artistas passam a ter na moda mais um espaço para suas manifestações”.
Atualmente, a distorção, assim como outros recursos criados pelos pintores
modernistas, é usada por praticamente todos os caricaturistas e cartunistas, a fim
de enfatizar algum traço particular de um retratado, e é também amplamente
usado no desenho de moda. Vale ressaltar que no desenho de moda, a distorção
deverá restringir-se ao máximo à figura humana, enquanto a roupa deverá ser
representada com a maior semelhança possível ao que será posteriormente
confeccionado.
Segundo Mercé, o desenho de moda tende sempre à simplificação,
eliminando-se detalhes desnecessários, já que o desenho de moda não pretende
ser uma obra de arte realista, e sim uma representação sutil de um modelo de
roupa. O efeito pretendido é o de simplicidade, e por isso o autor recomenda a não
detalhar, e sim sugerir, eliminando elementos muito complexos. De acordo com
ele, “quanto mais simples for a obra, mais fresca e espontânea será sua
expressão”. (19--: 48) 16
Apesar de distorcido, (ou justamente por isso) o desenho de moda requer
grande conhecimento de conceitos como noção de espaço e distribuição de
elementos, visto que, o desenhista, ou estilista, deverá ter consciência de quanto
do papel utilizará para fazer cada uma das partes do croqui. Isso ocorre devido ao
fato de os membros, principalmente as pernas, serem anormalmente alongados,
implicando, portanto, numa redução do tamanho das demais partes do corpo.
Devido a essa peculiaridade, a execução do croqui pode se tornar uma tarefa um
pouco mais trabalhosa, inclusive para desenhistas com certa experiência.

Sendo o corpo humano, a base para o desenho artístico, o ensino de moda


começa dentro de Escolas de Arte, onde o desenho da anatomia humana
(modelo vivo) sempre foi disciplina obrigatória. Com as necessidades criadas
pelo desenvolvimento industrial, percebe-se a necessidade de uma
metodologia para o ensino do desenho de moda que atenda as
necessidades do mercado. O desenho precisa ser mais técnico, com

16
Tradução livre.
38

detalhes necessários pela indústria de confecção e cada vez menos


artístico. Várias Escolas de Moda começam a se estruturar desde o final do
século XIX, tendo como disciplinas fundamentais o desenho e a modelagem.
(FERREIRA, 2000: 18)

O desenho humano realista, com proporções semelhantes à realidade


parece demasiado achatado e “gordinho” para representar uma roupa. As figuras
magérrimas e longilíneas já tão conhecidas no mundo da moda de fato encaixam-
se muito melhor quando se representa uma vestimenta com detalhes, caimento e
movimento enfatizados (Figura 21).
Assim como qualquer tipo de desenho, o desenho de moda exige o
aprendizado de técnicas e posteriormente, muita prática. Quanto mais um artista
praticar, mais facilidade terá em executar seu trabalho, como acontece com quase
todas as tarefas executadas pelo homem. Mas para obter mais êxito, é preferível
que haja, previamente, uma boa formação, um aprendizado acadêmico, como é
oferecido atualmente em escolas e faculdades de Artes, Moda e Design,
presentes em diversos lugares do Brasil e do Mundo.
Segundo Mackrell (1997), a partir do final do século XIX e começo do
século XX. As gravuras de moda tornaram-se muito populares, estando presentes
em praticamente todas as publicações de moda, como revistas e catálogos, cuja
variedade de oferta crescia com rapidez. Com isto, a profissão de desenhista de
moda tornou-se muito valorizada e deu-se então o surgimento das primeiras
escolas de Arte com cursos focados nessa área. Uma destas escolas é citada por
Mackrell (1997) pelo fato de ter sido fundada pelo estilista Paul Poiret.

A nova escola de artistas de moda, iniciada por Poiret e que teve seu
apogeu com Vogel, renovou a ilustração de moda produzindo obras que
eram individualmente expressivas, vivas e coerentes, que adotavam as
outras artes como inspiração. Os artistas eram experientes em pintura,
ilustrações de livros e pôsteres artísticos. Para eles, a moda ilustrada era um
importante meio gráfico e eles elevaram a ilustração de moda a uma forma
17
de arte. (MACKRELL, 1997:166)

No mercado de moda, o desenho vem ganhando novamente um espaço de


prestígio, saindo das pranchetas em que era um simples rascunho de uma peça a

17 Tradução livre.
39

ser produzida para se tornar a personagem principal em campanhas publicitárias,


logos e editais. De acordo com Mackrell (1997), foi no final da década de oitenta e
começo da década de noventa que o desenho de moda de qualidade voltou a ser
visto em revistas. Hoje, cada vez mais explorado, o desenho de moda está ficando
mais elaborado e variado, e os desenhistas de moda, frutos da evolução de todos
os tipos de desenhista que já existiram, têm cada vez mais liberdade para se
expressar.
Segundo Ferreira (2000), o estilista milanês Gianfranco Ferré afirmou que o
desenho será sempre fundamental no funcionamento do sistema de Moda. A
autora continua ressaltando que atualmente, o estilista hoje tem seu processo
criativo dividido entre o uso do lápis e do computador, sendo que o segundo vem
sendo cada vez mais usado, principalmente em empresas de grande porte, onde
são executados desde o desenho técnico, plano, até a simulação tridimensional da
peça com o auxílio da computação.
O computador, citado por Tate (1996) como a nova ferramenta para
ilustradores e designers de moda pode ser utilizado de diversas formas, mas
geralmente o resultado obtido é mais rígido do que o manual, por seus traços não
terem a fluidez e flexibilidade do traço feito à mão. No entanto, a variedade de
resultados é enorme, variando conforme a forma e ferramentas utilizadas para sua
execução. Ao ser digitalizado, o desenho pode ser manipulado livremente quanto
à sua forma, cor, textura, e ainda podem ser inseridos efeitos, tais como reflexos,
sombras e padrões de estampa.
Quanto à formação do desenhista de moda como profissional no meio da
arte, Chataignier relata que “o artista confundia-se com o ilustrador, o figurinista
era o antepassado do estilista, o cartunista esboçava os exageros da moda. E por
aí se traçaram os perfis dos desenhos de moda, uma fina teia cheia de filigranas.
(1996: 58). Mackrell afirma ainda que “os desenhistas de moda continuam a
projetar uma imagem espelhada do mundo das roupas do século vinte”. (1997:
200)18

18 Tradução livre.
40

Mais do que um reflexo da moda e da sociedade, os desenhos podem


refletir também um pouco do próprio artista que os criou. Traços da personalidade,
bem como sentimentos, sensações ou opiniões e valores de uma pessoa podem
ser expressos no desenho, consciente, ou inconscientemente. Cada desenhista
tem um traço próprio, e isso faz parte de sua personalidade tanto quanto seu
temperamento ou aparência física. O desenho é parte do desenhista, e, desse
modo, criação e criador tornam-se inseparáveis.
Em seu livro, Tate (1996) afirma que a primeira figura humana que um
desenhista iniciante reproduz, normalmente reflete sua própria imagem mental ou
física. Desse modo, expõem eu seus traços características como alta ou baixa
auto-estima, partes do próprio que lhe agradam mais, entre outros fatores. Talvez
parte desse auto-representação perdure durante toda a vida artística de um
desenhista, o que poderia justificar, em parte, a grande variedade de estilos e
traços.
Ao criar um croqui, o estilista coloca muito de si mesmo no desenho. Às
vezes, o desenho pode conter traços que tentem representar algum conceito
contido na coleção, outras, um simples gosto pessoal, um referencial de beleza. O
fato é que cada estilista tem, em seu croqui, características tão particulares quanto
as próprias roupas que criou, e que do mesmo jeito, refletem a sua pessoa, o que
resulta na enorme variedade de estilos, formatos, cores.
A complexidade e variedade do desenho de moda foram os fatores que lhe
renderam tanto prestígio na área. As possibilidades infinitas de criação de formas,
cores, combinações, efeitos e mensagens no desenho fazem dele elemento
indispensável e querido no mundo da moda, despertando ainda a admiração de
muitos como uma verdadeira obra de arte.
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Figura 22: Croqui de Ana


Sílvia Paes Leme, aluna do
curso de Bacharelado em
Moda, da Universidade do
Estado de Santa Catarina.
(Acervo pessoal, cedido
pela autora, 2007).
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Figuras 23 e 24: Acima, dois croquis de estilos muito diferentes; o da


esquerda, realizado por Gláucia Cechinel, e o da direita, de Paula
Consoni, ambas alunas do curso de Bacharelado em Moda, da
Universidade do Estado de Santa Catarina. (Ambos de acervo
pessoal, e cedidos pelas autoras, 2007).
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8 CONCLUSÃO
O desenho foi desenvolvido pelo homem como uma maneira de
comunicação, de expressão. Desde que começou a fazer os primeiros esboços, o
homem não parou mais de desenhar, e esta prática foi acompanhando o
desenvolvimento da espécie humana, modificando-se e evoluindo junto com as
sociedades.
Representando cada aspecto do ambiente em que os seres humanos
estavam inseridos, o desenho passou a reproduzir também as roupas,
vestimentas e trajes que faziam parte de um contexto social. A partir do momento
em que surge o conceito de moda, o desenho é inserido no meio para expressar
idéias, e divulgar tendências e passa então a ser desenvolvido um tipo de
desenho com características exclusivas, e que se distingue dos demais que não
são voltados para o mercado de Moda.
Sempre em diálogo com a sua área de origem, a das artes plásticas, o
desenho de moda mantém características e técnicas do desenho e pintura
tradicionais, e busca ainda inspiração em grandes movimentos artísticos. O
desenho de moda requer aprendizado e aprimoramento como qualquer outro tipo
de desenho, e sua melhoria depende, em grande parte, da prática.
Das paredes primitivas, à folha de papel e finalmente para o computador, o
desenho se desenvolveu e auxiliou a moda em toda sua trajetória. Atualmente, o
desenho digital ganhou seu espaço, e democratizou o talento da representação
visual. Seus recursos são quase infinitos; sua forma não é mais sólida e palpável,
mas sim composta de luz, pixels e vetores mutantes e volúveis. Efêmero, ousado
e ilimitado: assim tornou-se o desenho, como o próprio sistema ao qual serve: a
Moda.
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9 REFERÊNCIAS DAS ILUSTRAÇÕES

Figura 1: TOOMELA, 2003: 11


Figura 2: MERCÉ, 19--: 18
Figura 3: PACKER, 1983: 127
Figura 4: PACKER, 1983: 38
Figura 5: PACKER, 1983: 53
Figura 6: PACKER, 1983: 125
Figura 7: PACKER, 1983: 146
Figura 8: PACKER, 1983: 113
Figura 9: PACKER, 1983: 105
Figura 10: PACKER, 1983: 136
Figura 11: PACKER, 1983: 140
Figura 12: PACKER, 1983: 159
Figura 13: MERCÉ, 19--: 18
Figura 14: MERCÉ, 19--: 18
Figura 15: PACKER, 1983: 29
Figura 16: PACKER, 1983: 25
Figura 17: PACKER, 1983: 212
Figura 18: PACKER, 1983: 129
Figura 19: PACKER, 1983: 200
Figura 20: PACKER, 1983: 28
Figura 21: TATE, 1996: 20
Figura 22: Acervo pessoal, 2007
Figura 23: Acervo pessoal, 2007
Figura 24: Acervo pessoal, 2007
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BIBLIOGRAFIA

BRAGA, João. História da Moda: uma narrativa. São Paulo: Editora Anhembi
Morumbi, 2004
CHATAIGNIER, Gilda. Todos os caminhos da moda: guia prático de estilismo
e tecnologia. Rio de Janeiro: Rocco, 1996
EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2004
FERREIRA, Manon de Salles. O Desenho e a Criação de Moda. São Paulo: Tese
de mestrado, Escola de Comunicações e Artes, USP, 2000.
HALLAWELL, Philip. À mão livre: a linguagem do desenho. São Paulo:
Companhia Melhoramentos, 1994
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989
MACKRELL, Alice. An Illustrated History of Fasshion: 500 Years of Fashion
Illustration. Londres: B.T. Batsford Ltd. 1997
MERCÉ, M.B. El dibujo de modas. Barcelona: L.E.D.A., 19--
MORELLI, Graziela. Ilustração de Moda – A moda perto da arte. In Santa Moda,
disponível em: http://www.santamoda.com.br/criadores.asp?codigo=1494 no dia 26/09/2007
PACKER, William. Fashion drawing in Vogue. Londres: Thames and Hudson,
1983
TATE, Sharon Lee e EDWARDS, Mona Shafer. The Complete Book of Fashion
Illustration. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 1996.
TOOMELA, Aaro. Developmental Stages in Children´s Drawings of a Cube
and a Doll. In Central and Eastern European Online Library, disponível em:
www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=9EF2CBBC-0615-4C1D-8447-
DBD026D3E5A3 no dia 20/06/2008

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