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1ª edição
Brasília/DF, 2021.
Elaboração
Sarah Soler
Produção
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Marjorie Gonçalves Andersen Trindade, CRB-1/2704
R467t
88 p.
Recurso online: e-book
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-89869-08-5
391:7.05
Sumário
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS................................ 9
CAPÍTULO 1
AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS.......................................................................... 9
UNIDADE II
A MODA COMO COMUNICAÇÃO ...................................................................................................... 30
CAPÍTULO 1
AS LINGUAGENS DA MODA .................................................................................................... 30
UNIDADE III
A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE.................................................................................................. 42
CAPÍTULO 1
AS CONEXÕES DO DESIGN E DA MODA................................................................................. 42
UNIDADE IV
O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS........................................................................................ 63
CAPÍTULO 1
OS NOVOS DISCURSOS NA CONTEMPORANEIDADE ............................................................... 63
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 85
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
6
Introdução
A moda é um espelho das sociedades, não tão somente como negócio lucrativo, mas
como algo complexo e cultural, pois “reflete as atitudes sociais, econômicas e políticas de
seu tempo”1. Ela conta a história sobre o desenvolvimento das sociedades. Ao observar a
história da humanidade, é possível notar que o ato do vestir sempre esteve presente nas
sociedades e foi o que principalmente serviu de base para estudos sobre determinados
períodos. A roupa age como fronteira ao demarcar as identidades sociais, como por
exemplo, na distinção dos supostos povos bárbaros pelos europeus, que passavam a
impor determinados padrões de vestimentas aos dominados2.
Ao longo das unidades serão apresentadas como as teorias de moda são estudos
realizados pelos grandes pensadores – filósofos, sociólogos, antropólogos –, como
forma de explicar e ajudar a compreender a natureza, os movimentos e as transições,
bem como as transformações que sofreu a moda dentro das sociedades das quais fez
parte.
Objetivos
» Compreender quais são e a importância das principais teorias de moda e
design.
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INTRODUÇÃO À
TEORIA DA MODA: AS UNIDADE I
CONTRIBUIÇÕES DOS
GRANDES TEÓRICOS
CAPÍTULO 1
As contribuições dos grandes teóricos
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
» selvageria primitiva;
» barbárie;
» e estágio civilizado.
No estágio da selvageria primitiva, ele diz que aspectos comuns nas sociedades
de consumo, como a inveja e a dominação, não poderiam existir, visto que tais
características só podem surgir em sociedades nas quais exista abundância material.
Essa época também não definia de forma clara as divisões de trabalho ou a divisão de
gêneros em linhas de trabalho.
O ócio significava, naquele contexto, o tempo gasto em atividades que não fossem
produtivas; como as atividades de lazer – que simbolizavam alto status e poder, como a
caça, por exemplo – que podiam ser demonstradas aos outros e que geravam, portanto,
honra. O trabalho tornou-se nessas sociedades de classes ociosas, inferior, e a busca
pelo ócio era a forma de obter respeito dos outros. O ócio deve ser sempre ostensivo,
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
lugar como símbolo de respeito nas sociedades que caminham para a mobilidade e
crescente individualização, apesar de não oferecerem à classe ociosa retorno algum:
nem lucrativamente e nem em comodidade.
O fato de uma classe mais baixa imitar o consumo de uma classe mais alta faz com que
os objetos desse consumo deixem de possuir seu status material para se tornar símbolo
de estratificação social – conceito abordado com mais ênfase mais à frente – fazendo
com que o consumo deixe de ser material e passe a ser simbólico.
Você acha que existe diferença entre o cobrir-se e o vestir-se? Pois Veblen aponta
as diferenças entre os atos, concordando que não são facilmente visíveis, mas que
são frutos do desenvolvimento social-econômico: apesar da necessidade física e
de proteção do corpo, as vestes são usadas muito mais como representações de
ostentação e símbolos do que propriamente o simples cobrir-se. O vestir-se, em
sua percepção, desenvolveu-se primeiro e só então surgiu o ato do cobrir. Um
pouco complicado? Vamos lá:
Svendsen (2004, p.44) ao falar sobre a teoria de Veblen, diz que ele considerava
a modernidade como uma “orgia irracional de consumo”, quando Veblen
relaciona moda e mobilidade social, dizendo que as sociedades ocidentais
modernas são mais afetadas pela moda devido à expansão das cidades, a vida
urbana e a riqueza, que geram o consumo conspícuo.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
Nesse trecho, funcionam dois dos princípios que são fundamentais no sistema de
moda: a diferenciação, que é dirigida às pessoas da própria classe – a elite –, e a
imitação das classes altas pelas classes baixas.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Georg Simmel
Georg Simmel (1858-1918) é considerado um dos pensadores clássicos mais
importantes sobre a teoria da moda. Sua análise das engrenagens da moda é
densa, pois ele utiliza a sociologia para seus estudos sob várias perspectivas,
ao contrário das análises de Veblen, que são focadas muito mais na economia.
Simmel analisa os mecanismos da sociedade, suas tensões e interações que
resultam na socialização, individuação e no surgimento do sistema de moda.
Ainda que entre os filósofos, de acordo com Svendsen (2004, p.19), a moda seja
um tema superficial, portanto não considerado um objeto de estudo satisfatório
no campo, Georg Simmel e Gilles Lipovetsky foram os únicos filósofos a
escreverem livros sobre o assunto. As teorias de Simmel sobre a moda são
utilizadas ainda hoje como forma de compreender não somente as sociedades
do passado, como as nossas de hoje também. Sua principal abordagem situa-se
na contextualização dos dispositivos da moda em relação à hierarquização
social.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
áreas que estão sujeitas à moda, porque estas são, de longe, as mais
acessíveis à imitação externa. [...] (SIMMEL, 2014, p. 29).
Sua explicação para a difusão da moda, portanto, é que ela sempre nasceria no topo da
pirâmide, gotejando para o restante dela, e renascendo no topo outra vez. A mudança
ou quebra desse ciclo seria para as classes elevadas, a perda de seu poder e posição
privilegiada, e para elas, tudo deveria permanecer como estava.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Ele defendia que apenas no espaço das cidades a moda consegui desenvolver-se,
pois somente as grandes cidades acentuavam a ideia de individualidade, fazendo
com que as pessoas passassem a se importar mais com o cuidado pessoal de suas
aparências, ajudando a tornar a moda um elemento fundamental da exteriorização
dessas individualidades.
Parte do funcionamento da moda é que, quando algo passa a ser parte do sistema de
mudanças da moda, mais versões baratas e cópias existirão, pois, ele será desejado
pelas massas, que na maioria das vezes não possuem dinheiro para comprá-los.
Dessa forma, quanto mais rápido a moda se desenvolve, mais baratos serão os
produtos, e mais rápido a moda se renovará. Isso coincide com o que Simmel diz
sobre o fato de que a moda sempre carrega a sua própria morte. A adoção rápida de
algo faz com que isso morra para algo novo nascer.
Dessa forma, é o grupo que conduz o indivíduo, simplesmente transmitindo a ele seu
comportamento, libertando-o da responsabilidade da escolha.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
Apesar de a moda ser estratificadora de classes, segundo as teorias de Veblen, ainda que
seus estudos se concentrem muito mais no aspecto econômico das sociedades –, Simmel
em Filosofia da Moda, enfatiza e defende o vínculo que ela possui com a identidade.
Como veremos mais adiante, a roupa é essencial para a construção do eu. A partir das
teorias que explicam o processo de diferenciação do sujeito, começa-se a compreender
o conceito de identidade e a forma como a moda auxilia nessa construção. Ele observou
ainda em seu tempo, que a moda
Dessa forma, não se trata apenas da definição do status social, mas também
do equilíbrio das necessidades humanas que são opostas, como por exemplo,
a individualidade e a conformidade, ou a liberdade e a dependência. Esses
são os paradoxos do sistema da moda. Ao auxiliar o indivíduo no sentido de
construção, ela se torna ambígua, ao oferecer tanto a diferenciação do sujeito
em um meio, quanto à identificação de tal sujeito a um grupo. Ela se torna o
que conecta o individual e o coletivo.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
A moda só é possível em sociedades nas quais existam classes sociais e nas quais o desejo
de diferenciação é maior que o impulso socializante, pois afinal, ela pressupõe mudança.
Portanto, para Simmel, a moda é algo poderoso que tem a intenção de individualizar e
de socializar os sujeitos, conferindo-lhes diferenciação e coesão. Promete autonomia,
ainda que esta faça parte do ciclo da imitação e gere obediência a ele.
Pierre Bourdieu
Pierre Bourdieu, apesar de ser um contemporâneo sociólogo do século XX, é também
considerado um pensador clássico. Assim como Simmel, ele possui estudos em
diversas áreas, e suas críticas são profundas no que diz respeito aos mecanismos
das desigualdades sociais – a estrutura social é tida por ele como um sistema
hierarquizado de poder e privilégio, determinados pelas posições econômicas,
simbólicas (status) e culturais (intelectualidade). Dessa estrutura, advém a desigual
distribuição de recursos e poderes – chamados de capital econômico (salários,
imóveis), capital cultural (conhecimentos comprovados por títulos acadêmicos),
capital social (relações sociais que podem ser convertidas em capital) e capital
simbólico (prestígio, honra).
Para ele, as práticas da cultura – modos de ser e de fazer – são responsáveis pela
produção de comportamentos e símbolos, sendo a expressão cultural o conjunto
de valores e sentidos dados pelos grupos e indivíduos aos objetos, a partir de suas
vivências sócio-históricas. Podem ser consideradas práticas culturais os gestos e
ações mais banais do dia a dia, como o vestir, uma opção de lazer ou um gosto por
uma estética específica. Porém, ainda que banais, todas elas derivam de influências
sociais e culturais, que resultam no pertencimento do indivíduo a uma estrutura
social.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
O gosto seria então cultivado por meio do disciplinamento social, em que as estruturas
sociais determinam as ações e preferências das pessoas, a um nível inconsciente, de
forma que elas próprias não tenham consciência dessas preferências.
Além do conceito de habitus, Bourdieu dialoga muito sobre a questão do gosto, que
para ele é uma categoria negativa, que opera pela exclusão.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Convém destacar que o gosto age como forma de distinguir os sujeitos uns dos
outros pela forma como estes distinguem entre o que é belo e o que é feio, o
comum e o vulgar, revelando a posição desses sujeitos a partir de seus gostos
particulares. Nesse ambiente distintivo, percebe-se a relação do gosto com as
experiências do indivíduo – habitus – e suas condições econômicas e materiais.
O bom gosto, para Bourdieu, traz retorno não somente econômico – como
Veblen defendia – mas também funciona como indicador cultural, pois para ele,
todas as formas de capital estão sujeitas à inflação, fazendo com que os valores
distintivos dos objetos mudem: o valor de qualquer coisa depende do que os
outros não têm, e não somente ao que o portador possui. Para ele, o capital
econômico é somente um caso especial do capital simbólico.
A principal diferença nas teorias de Veblen e Bourdieu é que para Veblen, tudo
depende do capital econômico. O capital simbólico só importa como evidência
do capital econômico.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
Naquela época, foi por meio da significação que principalmente os teóricos, passaram a
pensar o mundo moderno, e a princípio, deve-se ter conhecimento de que a semiologia
para Barthes,
[...] tem por objeto, então qualquer sistema de signos, seja qual for
sua substância, sejam quais forem seus limites: imagens, os gestos, os
sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que se
encontram nos ritos, protocolos ou espetáculos que, se não constituem
“linguagens”, são, pelo menos sistemas de significação (BARTHES,
2006, p.11).
Quando começou – ainda que timidamente – a fazer parte dos estudos sociológicos,
históricos e culturais, a moda era apresentada sobretudo por meio das características
de seus usos e tais importâncias disso para a evolução das sociedades, reciclando o que
já havia sido estudado e dito sobre moda. Ao lançar uma obra que estuda a moda sob o
viés da semiologia, Barthes causou furor nos anos 1960, ao propor algo tão diferente.
As proposições feitas por ele, ainda que de forma complexa, cheia de gráficos, conceitos
e reflexões, auxiliam no estudo e no entendimento da moda como comunicação,
apresentando veículos, suportes e agências. Mostram o poder que as mídias impressas
possuem de dar significados aos objetos de moda – a roupa.
Hoje é fácil enxergar que existem diversas coisas que contribuem na construção de
significados nos objetos de moda. Pense no poder das marcas, na publicidade, nos
desfiles, nas mídias e nos materiais gráficos, como embalagens, etiquetas, cheiros etc.;
tudo isso faz com que a moda em si seja mais atrativa, simbolize mais coisas. Geram
desejo de consumo ao agregar valor à marca e à roupa. Porém, naquela época, os
estudos sobre moda focavam quase exclusivamente no fator de mudança social que a
moda desempenhava.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Barthes critica a forma como os autores antes dele tratavam o vestuário como um
acontecimento histórico, datado e classificado como se ela apenas mimetizasse
o caráter moral de uma época; e não tratando-a como um sistema que fosse
possível de ser decodificado, pois, para ele, a moda é uma combinação que
possui infinitas regras e elementos de transformações.
Em suas análises, ele não toma a moda, a vestimenta real, e sim o que é escrito
sobre ela em revistas sobre o assunto, pois considera que ela é antes de tudo,
produtora de significados. Ele não quer o real, o objetivo, mas sim a moda
constituída pela linguagem, construção social e sentido. A produção de sentido e
os discursos da moda motivariam o seu consumo, ao tecerem ao redor do objeto,
uma gama de imagens, sentidos e estímulo para o seu uso.
1 BARTHES, Roland. O Grão da Voz: entrevistas 1962-1980. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2004.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
O vestuário real por outro lado, não pertence ao âmbito da língua. Vê-se nele uma
forma pessoal de uso.
Apesar de não se aprofundar sobre a questão do vestuário imagético, ele diz ser
necessário se atentar ao fato de que o vestuário real só é acessível por meio de suas
representações, dessa forma precisaríamos de representações que constituíssem
a moda para que o real que ela institui possa ser alcançado.
O vestuário imagético também, segundo ele, sempre apresenta o que está na moda,
sendo o primeiro significado atribuído à representação do objeto do vestuário, a
própria moda enquanto valor. Dessa forma, a representação do vestuário, por meio
dos ícones, é um meio de identificação do produto, enquanto o vestuário escrito
atribui-lhe o valor. O vestuário imagético estabelece uma relação de semelhança ao
produto do vestuário representado.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Sua ideia é estudar as roupas escritas sem sua função prática, pois segundo Svendsen
(2004, p.75), quando sua função é removida, sobra apenas seu significado. Dessa
forma, a roupa escrita não contém uma temporalidade vaga, fazendo com que seu
estudo seja sobre a moda estática, congelada. Por isso o “estar na moda” nada tem a
ver com as características materiais da roupa, mas sim com os discursos construídos
pela moda.
Ao dizer que o objeto real do vestuário não significa nada, ele quer dizer que o
objeto não se relaciona igualmente ao significado, encontra-se desvinculado dele;
sendo as formas do vestuário apenas abstrações, necessitando de um conjunto de
elementos para que possam aludir algum significado. Em outras palavras, a roupa
por si só, apenas adquire significado quando e se inserida sob algum contexto.
Ao longo de sua pesquisa, ele sugere que a moda possa ser tratada como uma verdadeira
mitologia do vestuário, colocando-a num lugar mítico da modernidade. Para Svendsen,
as análises de Barthes sobre a moda mais serviriam para desmitificá-la, revelando-a
como um mito de forma que as pessoas possam dela se emancipar.
Segundo o autor, Barthes diz que a moda é tirânica e seus signos, arbitrários; por
isso ela transforma o signo em algo natural – como foi exposto anteriormente
pelo exemplo da saia – de forma que não existe motivo pelo qual as pessoas
devem sentirem-se presas a ela.
Em outros textos que trata sobre a moda, Barthes faz uma análise em revistas
de moda que relacionam a estação do ano com determinadas padronagens de
cores, e afirmações do gênero, que têm a intenção de transformar o usuário
em estereótipos como por exemplo, a romântica, naturalizando um discurso
construído pela publicidade que tem a intenção de criar novas necessidades de
consumo, descartando o que já possui, de forma a se manter “atualizado”.
Uma das análises que Barthes realizou, em um de seus artigos sobre a moda,
constituiu em estudar a aproximação entre vestuário e arquitetura, mobiliário
e qualquer outro objeto que refletisse o espírito do tempo, algo presente em
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
outros trabalhos sobre moda, que falavam como se a moda mimetizasse o jeito
de uma sociedade e uma época, quando os chapéus e cartolas passaram a imitar
as chaminés de fábricas na época da revolução industrial. Essas tentativas de
interpretação segundo o autor, eram redundantes.
O sistema da moda é então, para ele, parte de uma estrutura maior que tem
por objetivo a significação do sensível, o relacionado à experiência. Ele sugere
ainda a possibilidade de definir as sociedades de acordo com o seu poder de
transformar o que é real em signo, e em transformar o signo em máscara da
realidade – uma representação da realidade. O sistema da moda também se
constitui da reprodução que ela realiza sobre si mesma, por meio das significações
que constrói para si e também para o mundo.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Vale relembrar que, de acordo com os outros autores estudados anteriormente, a moda
começou a ser observada no período que compreende o final da Idade Média (século
XIV), com o desenvolvimento dos centros urbanos e a partir da diferenciação entre os
trajes femininos e masculinos; para Lipovetsky, isso pôde dar realidade e legitimidade
aos desejos de promoção social das classes que eram sujeitas ao trabalho. A moda
nasceu no luxo da alta classe, composta por nobres e aristocracia. Segue-se o ciclo
da imitação, observado por Veblen, Simmel e Bourdieu: enquanto o rei e os grandes
senhores tornam-se alvo dos olhares da corte, a cidade tem os nobres e a corte como
referência no que se refere à moda em vigor. A imitação é tanto pelo prestígio quanto
pela tentativa de pertencimento. O mundo aristocrático cede lugar ao mundo burguês.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
O ideal da moda a partir desse período, não é imitar as elites por busca
e afirmação de posição social. O indivíduo é movido pelo desejo da
juventude, e o “novo” guia o sujeito à busca pela distinção individual,
fazendo com que o consumo se torne estético e até mesmo terapêutico.
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UNIDADE I │ INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS
Segundo alguns dos autores utilizados nessa pesquisa, Lipovetsky parece confundir
“democratização” com “massificação”. Apesar de o consumo tornar a moda acessível
por meio da confecção industrial, não quer dizer que se trate de um mecanismo de
democratização, pois tem o intuito de promover o consumo massivo; a moda da elite
continua sendo designada à elite e o acesso às mercadorias é diferenciado conforme
as classes. Ainda existe hierarquização, pois ela é uma condição para instituição
social que é a moda, ainda que o objetivo não seja mais o de ascensão.
Alguns dos apontamentos do autor são tidos como “exagerados”, pois sua visão
sobre a moda é muito otimista, quando ele defende que existe a total liberdade
de escolha e a diminuição das diferenças sociais no perídio contemporâneo.
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INTRODUÇÃO À TEORIA DA MODA: AS CONTRIBUIÇÕES DOS GRANDES TEÓRICOS │ UNIDADE I
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A MODA COMO UNIDADE II
COMUNICAÇÃO
CAPÍTULO 1
As linguagens da moda
Até agora vimos que as roupas são capazes de carregar os mais diversos significados,
desde signos que revelam e sustentam posições sociais, econômicas e culturais até
mesmo signos que representam a individualidade, autonomia e diferenciação, seja ela
sutil ou não.
Claro signo de indicador da identidade dos sujeitos, ainda que hoje a roupa não
dê mais conta de ser completamente o único denominador visível da identidade,
continua ser através dela que tiramos nossas conclusões sobre os outros.
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A MODA COMO COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
Durante a Contra Reforma (1545), a Igreja pregava que o corpo era a fonte do
pecado, era algo indigno, doença, carne passível de sucumbir ao desejo, à velhice e
à morte. Era apenas uma veste da alma. Ele foi então depreciado e maltratado, pois
por meio dele o homem corria o risco de perder-se. O medo do corpo, em especial
do corpo da mulher, reforçou a precaução e as condenações. Fala-se em carne,
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UNIDADE II │ A MODA COMO COMUNICAÇÃO
esta que origina o desejo sexual. Nessa época, surgem as práticas de autoflagelo, a
destruição do corpo físico para compartilhar dos sofrimentos de Cristo.
Ao mesmo tempo em que ele é pecado, foi somente através dele que a encarnação
ocorreu. Por intermédio de Cristo, Deus ganha rosto e se torna visível aos homens. Isso
aproxima o homem de Deus, e o corpo passa a ser celebrado. O corpo torna-se belo,
como pode ser visto nas representações das artes do Renascimento.
Na Grécia Antiga, as imagens dos deuses como se conhece hoje foram inspiradas na
glória da juventude e beleza dos heróis dos jogos olímpicos, pois esse era um ideal
glorioso de beleza que os elevava à categoria do divino; o corpo humano serviu de
reflexo à criação imagética dos deuses.
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A MODA COMO COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
Além de oferecer proteção, função que teve desde o início, a roupa, como
vimos anteriormente, foi ganhando novas significações e funções dentro das
sociedades.
Aqui, a roupa é entendida como extensão do corpo, uma segunda pele dada ao
sujeito por meio da interação social, e atua na sua definição e diferenciação a
2 Iconodulia: veneração de ícones e imagens religiosas. Iconoclastia: movimento político-religioso contra a iconodulia durante o
Império Bizantino (séc.VIII a séc. IX).
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UNIDADE II │ A MODA COMO COMUNICAÇÃO
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A MODA COMO COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
O corpo seria a figura visível das nossas intenções, o suporte pelo qual os
desejos são exibidos. É algo visível, porém, existem muito mais coisas não
visíveis a respeito dele. É também o meio pelo qual o homem consegue ter
experiências, e a condição do homem “é corpórea, suas fronteiras são traçadas
pela carne, limite físico, que o compõe e o distingue de outro indivíduo”
(CASTILHO, 2002, p.64).
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UNIDADE II │ A MODA COMO COMUNICAÇÃO
Para além de expressar algo por meio das formas e das cores, para Lipovetsky, a
moda é a prática dos prazeres ocasionado pela mudança, que agrada, surpreende
e ofusca. Além de forma de distinção social, ao mostrar por meio do que se
tem, seu poder econômico, é atrativo que serve de prazer aos olhos; serve como
protetora de climas naturais ao mesmo tempo que dissimula e atrai atenção e
olhares, ornamenta e expõe a sedução do corpo. Através desse olhar e dessa
vontade de ser visto pelo outro, que vai ter um efeito na forma que o sujeito
passa a ver a si próprio, a moda tem efeito sob a maioria das atitudes que a
pessoa tem em relação a si própria e ao mundo.
A expressão pelo vestuário e a leitura literal das roupas sempre foram de amplo
conhecimento na maioria das sociedades, através de imaginários culturais, e isso
é tão interiorizado, que quando os códigos são quebrados ou subvertidos, eles
ainda moldam jeitos de ser e de parecer, como por exemplo, o uso de peças
do vestuário masculino por mulheres, que geram significados como resistência,
rebeldia e inconformismo com as concepções de gênero dominantes.
A moda é construção de linguagem que utiliza o corpo como suporte para tal
manifestação, sendo um grande gerador de linguagens, e as intervenções e adornos
funcionam como suporte para os discursos que ela articula sobre o corpo. Corpo este
que é o suporte para o traje, e por isso é submetido a modificações de acordo com
cada período estético regente. Dessa forma, a moda altera o corpo e sua estrutura
física, tornando-o parte por meio dos novos traços, linhas e formas, cores e volumes,
da época e da cultura, e o apresenta como suporte de significados e revelações sobre
36
A MODA COMO COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
Isso pode ser enxergado muito facilmente na moda do Antigo Regime (século XVIII),
no espetáculo presente no vestuário e comportamento do Rei Sol (Luís XIV) e pouco
depois, de Maria Antonieta.
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UNIDADE II │ A MODA COMO COMUNICAÇÃO
Já parou para pensar em como o conceito de indivíduo é comum? Fica até difícil
de imaginar que um dia isso não existia, não é mesmo?
Mas foi algo construído socialmente, de forma que pode muito bem desaparecer.
Os grandes estudiosos caracterizam a individualidade como sendo construída
por características naturais herdadas geneticamente (adaptados ao longo da
vida no meio social) e aspectos incorporados socialmente. A primeira vez que o
termo “indivíduo” foi utilizado no mundo, foi durante a Idade Média: os filósofos
escolásticos encontraram o latim individum, que foi utilizado para designar um
caso singular numa espécie.
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A MODA COMO COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
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UNIDADE II │ A MODA COMO COMUNICAÇÃO
» Quem eu sou?
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A MODA COMO COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
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A MODA E O
DESIGN EM UNIDADE III
SOCIEDADE
CAPÍTULO 1
As conexões do design e da moda
Mas sempre acabamos tendo que voltar no tempo para compreender algo de
natureza complexa, e com o design não será diferente: esse capítulo abrange o
surgimento do design e a sua relação com a sociedade, a fim de entender como
os movimentos estéticos de vanguarda tiveram influência design e na moda.
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Mas design não é o mesmo que artesanato? Não. Historicamente, uma das
principais diferenças entre design e artesanato é que o primeiro projeta algo para
ser construído industrialmente, e o segundo o produz manualmente. Hoje em
dia, muitos designers buscam resgatar o fazer manual daquela época, tanto por
motivos de qualidade, quanto por resgate ao “antigo”.
Segundo Rafael Cardoso (2012), a primeira vez que o termo designer apareceu, foi no
século XIX, na Inglaterra, para designar principalmente – mas não exclusivamente,
trabalhadores da indústria têxtil, ligados a confecções e ornamentos. O autor ainda
diz que o design é resultado de três grandes acontecimentos da história mundial:
a industrialização, a urbanização e a globalização. Todos os três podem ser vistos
claramente como influências e catalisadores do sistema capitalista e da crescente
demanda de consumo.
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
alheio” (CARDOSO, 2008, p.77), tentativas de educar as pessoas sobre o que elas
estavam consumindo – de acordo com algum padrão estético, normalmente o
dos próprios “educadores” – artistas, arquitetos, governos, museus e instituições
de ensino, procuravam melhorar o bom gosto da população. Antes atividades
silenciadas, as atividades de projetar e fabricar objetos ganharam destaque nos
meios industriais e se expandiram para os centros políticos, sociais e econômicos
da sociedade.
O surgimento das classes médias no século XIX trouxe cada vez mais possibilidades
de individualidade também no consumo, com a crescente circulação de impressos
e imagens. A moradia da classe média foi o primeiro local onde o design encontrou
espaço para a personalização: a preocupação com a aparência, segundo conta
Cardoso (2008, p. 63), como indicador de status serviu como estímulo para que
outras áreas da vida pudessem se tornar focos do design também.
O gosto pela diferenciação e pelo luxo migrou das elites para as novas classes médias,
num mesmo sentido ao estudado anteriormente no sistema de moda! Com os grandes
centros urbanos e as multidões nas ruas, tornou-se cada vez mais primordial a
individualidade e a expressão desta; o ser visto.
Mas e a diferença entre arte e design? Existe muito diálogo sobre a questão da arte e do
design: sobre como uma é superior a outra ou sobre como uma está ligada a outra. A
concepção de arte para Held et al. (2015, p.374) é de que esta é puramente conceitual,
44
A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
não possui intenção de ser reproduzida industrialmente. Não que o design seja somente
reprodução industrial. Não é. Mas uma de suas características que o difere da arte é
justamente esta.
Morris sabia que não havia como fugir da industrialização que só avançava cada vez
mais, por isso procurou unir técnicas de produção com a expertise dos artistas-artesãos-
designers para produzir com qualidade e acabamentos superiores.
A noção de que a forma deve seguir a função foi lema do design por muito tempo,
sendo questionada apenas em 1960 pelos movimentos de contracultura. Os debates
sobre as funcionalidades do objeto, no século XX, correspondiam a simplesmente olhar
um objeto e decidir se ele era ou não funcional. Nesse período chamado “modernismo”,
os objetos ornamentados eram descartados por não se encaixarem na funcionalidade,
pois a ornamentação era contrária à ideia da função.
Para Cardoso (2012, pp.37-41), a ideia de forma é muito complexa para dizer que ela
determina ou não a funcionalidade de algo, pois é fruto de transformações e adquire
novos significados:
45
UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Artes e ofícios foi movimento estético e social inglês, surgido na segunda metade do
século XIX, idealizado em resposta à mecanização e aos excessos de padronização dos
artefatos e às condições de trabalho trazidas com a industrialização.
46
A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Fonte: Morris, Marshall, Faulkner e CO. Estampa do papel de parede Pimpernel. Disponível em: <https://www.cliquearquitetura.
com.br/artigo/arts-a-crafts.html>. Acesso em: 18/2/2020.
Vale ressaltar que o Arts and Crafts não conseguiu popularizar a arte e o design, tendo
influenciado apenas a classe com maior poder de consumo.
Foi o movimento que sucedeu ao Arts and Crafts, incorporando algumas de suas
técnicas e alguns poucos valores, mas que, diferentemente do anterior, pôde
alcançar influência estética mundial, o que significa que o movimento em outros
países possuía princípios em comum.
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
não age como resposta à industrialização, mas sim utiliza-se dela por meio dos
materiais e das técnicas de produção para integrá-los à arte, procurando unir
arte, cultura de massa e industrialização que desafiassem princípios básicos da
produção em série, como a utilização de materiais baratos e de baixa qualidade
pela indústria. Foi um movimento desenvolvido por pensadores, designers,
arquitetos, artistas.
Fonte: VICAN. Pingente de libélulas feito de ouro e pedra preciosa, [18--?]. Disponível em: http://www.thejewelleryeditor.com/
media/images_thumbnails/filer_public_thumbnails/filer_public/c5/9f/c59f549d-8ea2-4841-885e-bbee8db1a3a7/lot-61-vican-
art-nouveau-glass-and-enamel-pendant.jpg__760x0_q75_crop-scale_subsampling-2_upscale-false.jpg. Acesso em: 23/3/2020.
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Cubismo
Fonte: Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, 1907, óleo sobre tela. (Museum of Modern Art, New York). Disponível em:
<https://www.khanacademy.org/humanities/art-1010/early-abstraction/cubism/a/picasso-les-demoiselles-davignon>. Acesso
em: 18/2/2020.
Futurismo
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Ao design, contribuiu com a noção de utilizar tipografias, cores e formas para dar a
ideia de movimento, de continuidade e até de sons. Defende a experimentação técnica
e de estilo, ocasionando na quebra do layout simétrico e o sentido de movimento, que
em seguida influenciaram outros movimentos como o The Stijl, Bauhaus, Dadaísmo e
Construtivismo europeus.
Dadaísmo
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
era belo, e contestar o que era realmente arte. Para ele, a obra deveria ser analisada pelo
seu conceito.
No design gráfico, influenciou a ideia cubista e o uso da tipografia como elemento visual
e não apenas como texto; mostrou aos designers que elementos fora do comum podem
ser utilizados nos meios visuais.
Surrealismo
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Fonte: René Magritte. La trahison des images (A traição das imagens). 1929. Disponível em: https://http2.mlstatic.com/poster-
rene-magritte-la-trahison-des-images-29cm-x-42cm-D_NQ_NP_751375-MLB31856532858_082019-F.jpg. Acesso em: 18/2/2020.
Construtivismo
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Fonte: Aleksandar Rodčenko, Knjige, poster. 1924. Disponível em: < https://citymagazine.rs/clanak/umetnicki-eksperiment-ruska-
avangarda-u-beogradu>.
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Fonte: Wiley, Clarkson; Harry, Friedman. Sinclair Building. 1930. Disponível em: https://i.pinimg.com/originals/90/75/ee/9075ee06
d9be2c08b53909752f41ecaa.jpg. Acesso em: 18/2/2020.
Foi um estilo inicialmente pensado para a elite, pois utilizava materiais de luxo como
jade, marfim e laca. Após alguns anos, passou a se relacionar com a industrialização
e o uso de materiais mais simples de serem reproduzidos em massa. O custo baixo da
produção leva à massificação e popularização do movimento, especialmente no cinema
hollywoodiano nos Estados Unidos.
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Fonte: Gerrit Rietveld. Red and Blue Chair, 1923. Disponível em: <https://www.theartstory.org/movement-de-stijl.htm>. Acesso
em: 18/2/2020.
Bauhaus
Formada pela união da academia de belas artes e a escola de artes e ofícios já existentes
em Weimar, na Alemanha industrializada em 1919. Bauhaus se encontrava no meio
da tensão política da Alemanha pós-Primeira Guerra e início dos movimentos de
partidos comunistas. É considerada a mais influente e famosa escola de arte do século
XX. Foi uma tentativa de unir arte e artesanato aos recursos das novas tecnologias: “a
ideia de que o aprendizado e o objetivo da arte se ligam ao fazer artístico, o que evoca
uma herança medieval de reintegração das artes e ofícios” (ENCICLOPÉDIA ITAU
CULTURAL, 2019).
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Fonte: Marcel Breuer, The Wassily Chair, 1925. Disponível em: <https://www.knoll.com/the-archive?detail=b32>.
O legado da escola para o design é notável, mas também cheio de complexidade, pois
contribuiu para a solidificação de um pensamento sobre o que é design como estilo
específico, especialmente no conceito de que a forma do objeto deveria ser determinada
por sua função – a forma segue a função – e para o distanciamento entre design, arte e
artesanato, apesar da proposta inicial ser justamente a união dos saberes.
Criada sobretudo com um ideário socialista, foi fechada em 1933 com a ascensão ao
poder do partido nazista.
Pop Art
A Pop Art foi um movimento estético cultural que surgiu sobretudo na Inglaterra e nos
Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960. Defendia uma parte mais popular (pop),
em que os símbolos e a estética do movimento seriam retirados do imaginário popular
de massas da sociedade de consumo. É um movimento que se coloca contra a separação
de arte e vida, de fácil acesso, consumível e de baixo custo, que defende o acesso da arte
a todos.
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Figura 11. Lata de Sopa Campbelle e Marilyn Monroe ambas obras de Warhol.
Fonte: Andy Warhol. Lata de sopa Campbell’s, 1969. Marilyn Monroe, 1967. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/
PopArte/0,,MUL1537673-7084,00-SUPERSTAR+DA+POP+ART+ANDY+WARHOL+E+TEMA+DE+MEGAEXPOSICAO+EM+SP.html>.
Acesso em: 18/2/2020
Esse foi um dos movimentos que influenciou muito tanto as artes gráficas quanto as
imagens comerciais, por apresentar uma gama de cores, técnicas de reproduções e o
simbolismo que os itens da cultura de massa passaram a ter no meio artístico.
A questão do gosto – do belo e não belo – serve o design desde sempre, e é afetado
pelo tempo e pelo desenvolvimento da sociedade em que, assim como estudado
anteriormente, cada período definia o que era aceito no quesito vestuário e no quesito
gosto no geral. As mudanças estéticas e funcionais das coisas são observadas na
sociedade quase que de forma linear, por meio das influências dos movimentos estéticos
no design e na moda.
O “ready-made às avessas” (ARGAN, 2015 apud MARTINS, L.; MARTINS, S., 2013,
p.86) é o design produzido com ares dos objetos de arte, itens de colecionadores –
como os designs de Philippe Starck –, um produto da moda que é feito em quantidades
limitadas e vendidos a preços altos. Nesse sentido, esse conceito se entrelaça com a
alta-costura da moda.
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
O desejo do ser humano pós-moderno é o de possuir o belo em seu dia a dia. Por isso,
criações que possam parecer absurdas quando consideradas suas funções – ou a falta
dela, como o espremedor de limão de Philippe Starck –, são ícones desse “ready-made
às avessas”.
O design caiu nas massas e hoje é possível encontrar cópias e releituras dos objetos
mais cobiçados do mundo do design – produzidos em pequena escala, porém vendidos
por grandes preços. A estética cai no gosto popular e é copiada e reinventada até fazer
parte do cotidiano das pessoas que também anseiam por serem “únicas”: “o objeto mais
ordinário se transforma em uma experiência estética da cultura popular” (MARTINS;
MARTINS, 2013, p.93).
O saber técnico e a arte unem design e moda – áreas do saber criativo, em que
uma passa a interagir com a outra, em uma relação de interdisciplinaridade.
No modernismo, o design sofreu bastante influência de conceitos como forma e
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A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
funcionalidade, o que acabou por afastá-lo da esfera da moda, está sempre atrelada
à arte. Isso fez com que o design ficasse cada vez mais ligado à industrialização e
produção de objetos. A partir da segunda metade do século XX, o design deixa de
ser totalmente focado à indústria para se atentar ao consumidor e ao sistema de
consumo.
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Para Nicchelle (2011, p.11), a moda a partir do design tomou seu lugar como parte
integrante da competitividade do mercado, e hoje em dia é possível encontrar no campo
vários estudos e cursos sobre a moda como estratégia mercadológica. O design, como
projeto, auxilia a moda a pensar além do consumo, e até mesmo em pensar formas
diferenciadas de experiências, usos e consumo.
A obsolescência programada
A televisão, além de ser um bem de consumo, ainda era o espaço no qual a propaganda
mais influenciou o consumismo nas pessoas: a publicidade era, no final dos anos
1950, um fenômeno cultural. “É em torno da televisão que se cristaliza um dos
conceitos fundamentais do design e do marketing no mundo pós-moderno: o que
foi batizado em inglês de lifestyle, ou estilo de vida” (CARDOSO, 2008, p.205). O
lifestyle consistia em ser uma ideia de que a mercadoria não fosse projetada apenas
para um propósito, como função ou forma, mas sim como algo que pudesse ser
inserido na vida e nas relações sociais das pessoas – e que gerasse uma imagem
do consumidor/usuário.
60
A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE │ UNIDADE III
Existe, porém, “um grande envolvimento das pessoas com a moda e a preocupação
ambiental está evoluindo, onde aparece uma forte necessidade por ações no
campo da moda sustentável”, diz Araújo, Broega e Mota-Ribeiro (2014, p.45). O
consumidor deixa de lado a aquisição de produtos apenas por status e passa a
consumir pela identificação com algo e pela estética, e o consumo passa a ser
orientado pelos valores individuais, emocionais e psicológicos.
“Quanto mais se joga fora, mais oportunidade se gera para produzir de novo o
mesmo artigo, o que ajuda a manter uma taxa positiva de crescimento” (CARDOSO,
2008, p.165). Essa foi a filosofia que levou muitas empresas, na década de 1950
e 1960, a dar início ao processo da obsolescência programada dos objetos:
fabricar produtos que não durariam muito tempo. Dessa forma, aumenta-se o
consumo e abre-se espaço para as novidades, que chegariam sempre como a
última novidade do mercado.
Cardoso (2008, pp.152-154) diz que existem quatro fatores determinantes que
explicam o processo de significação dos artefatos, e seus significados ao longo de
seus ciclos de vida. São eles:
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UNIDADE III │ A MODA E O DESIGN EM SOCIEDADE
Dessa forma, vemos que os artefatos refletem o estado de nossa cultura, pois são
expressões dos pensamentos e dos comportamentos das pessoas. Quanto mais eles
agregam e simbolizam valores importantes e conhecidos, mais resistentes eles se
tornam ao esvaziamento de seus sentidos e ao descarte. Mas com a efemeridade dos
produtos que temos hoje, fica difícil estabelecer uma conexão tão forte assim, visto que
na maioria das vezes, como no caso das roupas e eletrônicos, não duram tanto tempo.
O próximo capítulo vai tratar sobre a questão das novas tecnologias e das diversas
formas de consumo consciente, tema de discussões fundamentais da nova ordem da
moda.
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O CONTEMPORÂNEO: UNIDADE IV
NOVAS LINGUAGENS
CAPÍTULO 1
Os novos discursos na
contemporaneidade
Com a vida cotidiana tornando-se cada vez mais comercializada, buscamos saciar
nossos desejos e necessidades pelo consumo de mercadorias e serviços. Da sociedade
de produção do início da era moderna, em que os indivíduos eram moldados para serem
produtores, hoje somos moldados para sermos consumidores. Somos produtores em
uma parcela da vida, mas somos consumidores do nascimento à morte.
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UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
Nessa unidade, que encerra a apostila sobre teoria da moda, vamos abordar as questões
que rodeiam a indústria e a preocupação com a moda de hoje. O consumo, o poder das
imagens e das mídias e, principalmente, a questão da sustentabilidade são os temas da
moda do novo século. Quase no fim da secunda década, sentimos como se absolutamente
tudo muda todos os dias. E, de fato, isso acontece. Então, como compreender as
preocupações e as transformações que a moda vem sofrendo?
A importância das marcas nos dias de hoje é cada vez mais central no consumo
de massa, visto que se paga pelo logotipo, pela ideia da marca e não só pela
roupa. Um exemplo é o símbolo do crocodilo da Lacoste, que se torna o fator
principal da compra. As marcas agem desde o final do século XX com muito
impacto no mundo da moda, apresentando etiquetas cada vez maiores nas roupas
e acessórios, sendo alvo de cópias baratas para as massas que jamais poderiam
consumir uma peça original. O prestígio acumulado pelas grandes marcas e
maisons ao longo dos anos torna-as presentes no dia a dia da sociedade atual,
fazendo parte do imaginário de todos os consumidores.
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O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
A arte para Svendsen (2010) sempre esteve entre o capital e a arte, por vezes tendo
que ignorar seu lado artístico em prol do financeiro. Ainda que a alta-costura tenha
perdido o seu poder de norma, ela ainda influencia, seja pela publicidade ou de seu
próprio poder de marca, e ainda faz parte da economia, mesmo que não da forma como
aconteceu em seus dias gloriosos. A moda tem se transformado ao longo dos anos, e
hoje é difícil falar sobre moda da mesma forma que falamos na unidade I, por exemplo,
tais são suas mais diversas variações. Mas hoje domina-se o pluralismo estilístico, em
que existe inúmeras opções de modas e estilos a serem consumidos.
Assim como a arte, a moda é uma cultura material que expressa diversos significados
e pode ser observada sob diversas perspectivas. Ambas são geradas e criadas por meio
de uma rede cultural que envolve segundo Crane (2011, p.13) “criadores culturais,
vendedores, compradores e público”, mas que estariam sendo suplantadas pelo advento
da globalização, das multinacionais com imenso recurso econômico que acabaria por
exercer poderosas influências sobre essa forma de cultura.
A arte sempre foi considerada alta cultura, a pintura, teatro, as artes plásticas, a
dança, por exemplo, enquadrar-se-iam nessa classificação em oposição ao cinema de
Hollywood, à televisão, música popular e a moda, partes da cultura popular que possui
interesses comerciais. O termo cultura popular é de certa forma utilizado com sentido
pejorativo, quando se eleva um tipo de cultura – elite – em detrimento de outro –
massas. Hoje, essa cultura é pluralista. A moda e o design do luxo contribuíram ainda
no século passado para que essa linha divisória fosse diluída, quando passam a fazer
parte de ambas as culturas. Não existe mais um padrão universal de qualidade, pois
ambas as culturas são socialmente construídas.
As obras de Marcel Duchamp na virada do século continham uma crítica ao que era
considerado, ainda, alta cultura: ao expor um mictório, um objeto banal como obra de
arte, ele demonstra que a alta cultura é intercambiável com a cultura popular. O debate
nessa época não chegou a uma conclusão específica, apenas deixou claro que o consenso
quanto à natureza da alta cultura contemporânea é algo difícil a se chegar, apenas que
esse tipo de cultura é produzido, mantido e exposto em classes sociais elevadas.
Hoje, a cultura popular que é difundida para a massa não cabe mais no estereótipo
da cultura popular de antes. O uso da tecnologia para a produção de objetos
culturais tornou a cultura popular uma cultura de vanguarda. A alta cultura não é
mais considerada superior e nem as culturas dominantes mais importantes que as
culturas das minorias, devido às mudanças políticas, sociais e culturais entre os
grupos das sociedades, pois todos os diversos tipos de culturas misturam aspectos
e temporalidades de outras culturas.
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UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
66
O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
vivemos desde o século passado, pela acumulação de bens e serviços apenas para
satisfazer nossos desejos.
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UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
O hiperconsumo
Uma frase de Lipovetsky (2007, p.344) pode ser utilizada para sintetizar esse
momento que vivemos hoje, da conscientização do consumo, que, para ele, “trata-
se de comprar de maneira ‘inteligente’, como um sujeito, não como um fantoche-
consumidor”. A moda, ao longo das décadas, funcionou como um dispositivo de
criação de necessidades e desejos, por meio de seus signos, tornando possível
que o funcionamento do consumo fosse ocorrendo cada vez mais exageradamente.
O enriquecimento econômico das pessoas, trazido pela globalização e pelo
aumento das produções de bens e consumos, trouxe novas formas de desejo e
de necessidades, sempre com prazos de validades. Como vimos anteriormente, o
pressuposto da moda foi a diferenciação, seja pelas classes, seja pelas identidades.
Mas quanto mais se consome, mais se quer consumir. É o ciclo do consumo.
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O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
O consumo narcísico
A gratificação imediata que fala Lasch (1983) citado por Almeida e Held (2018,
p.124), importa mais do que o interesse pelo mundo exterior a ele. O consumo
funciona como uma forma de afastar o indivíduo do mundo, oferecendo a ele
“segurança” e felicidade. Mas na verdade, quanto mais se consome, mais o ser
humano experimenta as sensações de incompletude, vazio, solidão e insegurança,
pois ele se afasta do social por uma ilusão da felicidade e do bem-estar. Como
já vimos anteriormente, é a partir da sociedade e da cultura que os sujeitos se
constroem, então, quando o indivíduo se afasta disso tudo por uma ilusão de
completude pelo consumo, esses sentimentos de negatividade surgem e fazem
com que um novo ciclo se projete na vida dele: o do consumo infinito, na ilusão
de preencher os vazios. O consumidor sempre vai desejar um produto que lhe
traga satisfação infinita, mas esse produto não existe. “Haverá sempre um abismo
entre o produto tal como imaginado e o objeto real” (SVENDSEN, 2010, p.131), e
é o que já estudamos anteriormente, quando vimos o vestuário representado e o
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UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
vestuário real de Barthes: o desejo sempre será pelo vestuário representado, mas
só poderemos ter o real.
Ainda que não haja uma “lavagem cerebral” nos consumidores, por parte das marcas
e do marketing, uma vez que ele pode sim tomar decisões por conta própria, existe o
consenso sobre o consumo como forma de preencher os vazios existenciais produzidos
pelas sociedades globalizadas.
Dessa forma, o consumo é mais do que apenas econômico, é algo psicológico, e pode ser
visto como um ato social.
A partir do momento em que objetos passam a ser apenas auxílio para o indivíduo,
uma nova forma de consumo passa a existir e a aumentar cada vez mais, uma em
que os objetos são totalmente descartáveis, possuem prazos pequenos de vida
pois logo serão substituídos por outros, o que alimenta o ritmo da produção de
consumo. O consumidor projeta uma expectativa sobre o objeto cada vez mais
novo, já que o velho perde em pouco tempo seu desejo de encantar.
“Que é que seduz, na compra de produtos não correntes, a não ser, ao menos em parte,
a emoção nova, por mínimo que seja, que acompanha a aquisição de uma coisa?”
(LIPOVETSKY, 2007, p.67). O autor joga a questão e nos faz refletir sobre como tal
emoção é momentânea, visto que por maior que ela seja, vai ser logo esquecida e haverá
outra forte necessidade de ir atrás de tal emoção novamente.
Para Almeida e Held (2018, p.127), o excesso é aliado do lixo, pois as pessoas
esperam que os ciclos regenerativos da Terra deem conta de tanto consumo e
descarte, e que, por meio do consumo, suas situações sociais e emocionais
melhorem, sem prestar atenção ao processo de consumo ao qual dão continuidade.
É nesse cenário que entra um movimento que tem ganhado destaque nos
jornais, canais eletrônicos de notícias e, principalmente, debates sobre moda e
sustentabilidade, em que a questão da produção do vestuário e a sua investigação
agem como forma de conscientizar a população a respeito da negativa forma
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O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
Nunca foi segredo que a indústria da moda, assim como qualquer outra, desloca a
maior parte de sua produção em países emergentes, como China, Camboja, Índia e
Bangladesh. Nunca foi uma preocupação alarmante, no entanto, as situações precárias
e a forma de trabalho a que são submetidos os funcionários da indústria têxtil nesses
países. Com as questões e preocupações a respeito da sustentabilidade e do consumo
consciente de moda, pôde-se tratar do assunto ao expor essas realidades e cobrar as
grandes marcas de suas responsabilidades sociais e ambientais.
Segundo a pesquisa de Almeida e Held (2018, pp. 127-128), a plataforma Walk Free
Foundation (Fundação Internacional que luta contra a escravidão moderna) revelou
que até 2017, 40 milhões de pessoas no mundo trabalhavam em regimes análogos à
escravidão e, constitui-se por escravidão contemporânea o tráfico de pessoas, trabalho
forçado, trabalho sem remuneração, servidão por dívida, e casos em que os filhos
dos funcionários tornam-se “propriedades” dos empregadores, casamento forçado,
retenção de salários, trabalho infantil, péssimas condições de trabalho.
71
UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
Por muito tempo, houve a neutralização dessas práticas, pois em primeiro plano sempre
esteve o desejo de consumir mais e mais, e a imagem social que esse consumo ajudava a
criar sobre a identidade dos consumidores. A individualidade e o narcisismo levaram o
indivíduo a nem sequer se perguntar se haveria algo de errado por trás de seus desejos
imediatos para o meio ambiente e para a sociedade. O diálogo e a exposição de tantos
casos envolvendo a exploração da mão de obra na moda e o tráfico de pessoas abriu
espaço para se pensar a sustentabilidade por completo e permitiu ao designer agir
responsavelmente.
Para Carvalhal (2016, p.26), nós “deixamos de nos ver como parte da natureza e do
outro”, pois perdemos o propósito com o planeta para nos satisfazer com nossos
próprios interesses.
O documentário River Blue (2016) traz uma abordagem sob o ponto de vista do
ecossistema e como ele é afetado pela indústria têxtil, mostrando a degradação
dos principais rios desses países pobres que recebem toda a produção têxtil, e
a forma com que as pessoas passam a ter que viver em meio à tanta poluição
química despejada pelas fábricas têxteis.
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O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
1. Pré-produção.
2. Produção.
3. Distribuição.
4. Uso.
5. Descarte.
» o social;
» o ambiental;
» e o econômico.
A preocupação do design e a forma com que ele deve ser pensado hoje, está relacionado
aos processos da sustentabilidade, pois algo sustentável deve possuir como requisito
básico: a utilização de recursos renováveis, otimizar o emprego de recursos não
renováveis e acima de tudo, não acumular lixo.
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UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
Para Cardoso (2008, p.125), “O design tem exercido historicamente a tarefa de criar
objetos de uso. [...] a falha trágica do design é que todas as formas são efêmeras, em
maior ou menor grau.”
A inovação tornou-se a principal premissa no campo do design, que busca por novas
soluções para os problemas que a sociedade enfrenta e possa vir a enfrentar. O
consumo consciente pode ser considerado uma forma de inovação, em que as marcas
assumirão o mesmo compromisso na hora da produção. A questão ambiental, social
e econômica se tornou um dos principais desafios ao designer nos dias de hoje. Não
basta apenas criar. Deve-se ter a responsabilidade pelo serviço-produto até o fim.
O Ecodesign tem como função diminuir o impacto do ser humano no planeta. Trata
também da redução do impacto de um produto, ao conservar suas qualidades de
uso, funcionalidade e desempenho. Para a eco concepção de um produto por meio
do design, considera-se o ciclo de vida de um produto e pode-se atribuir ao serviço/
produto um destino sustentável após a perda de sua função inicial, de uma forma
que não prejudique o meio ambiente.
Quando adquirem novos usos, os artefatos ganham uma sobrevida às vezes muito
maior do que à “vida útil” que lhes foi atribuída por seus fabricantes. É nisso que
se insere o diálogo sobre o ciclo de vida dos produtos. O ciclo de vida do produto
é realmente um ciclo. De nascimento e renascimento. Ou deveria ser. Atualmente,
os designers buscam alternativas de reaproveitamento dos objetos após o descarte,
apesar da dificuldade em fechar o ciclo. O que compõe o ciclo de vida vai desde a
74
O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
fabricação até o descarte do objeto, mas ele não desaparece no mesmo instante. E
vivemos uma gravíssima crise ambiental.
Cardoso (2008) cita algumas formas de reverter o fim de um produto, e a primeira delas
é a reversibilidade, que consiste em aproveitamento imediato de peças de produtos
que possam ser desmontados, diminuindo o acúmulo de lixo. É o caso do design para
o desmonte, utilizado na indústria automobilística. Compreende como parte desse
sistema ainda, o sistema modular do design.
É aí que o consumo consciente passa a atuar na nossa relação com as roupas, nos novos
significados que elas terão para nós e para o mundo. É por isso que cada vez mais vêm
se notando uma crescente preocupação em mudar isso.
Por isso mesmo que hoje as pessoas estão mais à procura de saber o que existe por trás
das marcas, como uma forma de buscar conexões e como uma busca por marcas que
sejam “reais” para se relacionar. É muito importante, portanto, que a própria marca
tenha plena consciência de sua existência, seus conceitos, e principalmente, suas
responsabilidades e causas. Assim como as pessoas, as marcas também têm seu papel
no mundo. Tudo o que ela criar, deve conter o que ela acredita e defende.
Pensando nos erros, quem consome algo vai querer participar mais do
processo de melhorias, levando em conta que as empresas têm uma
força de imposição cada vez menor. Praticar a autocrítica e a retratação
75
UNIDADE IV │ O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS
As marcas nos últimos anos têm passado por transformações muitas vezes radicais, em
seu discurso sobre valores morais que não necessariamente, são os valores apenas de
seu nicho mercadológico. Os novos consumidores esperam posicionamento de todas
as marcas no geral, visto que as causas sociais, econômicas e políticas são diversas.
Não consumimos mais as marcas estampadas nas roupas e acessórios como status.
Procuramos na moda coisas que nos representem e representem nossas ideias, e que
dialoguem com as nossas vivências e ética. Questionamos o papel social das marcas. O
status não é mais financeiro, ele é ideológico, e as marcas já começaram a se alinhar
com as principais causas da atualidade.
O termo transparência vem aparecendo com muito mais frequência nos nossos dias
hoje; queremos transparência em tudo, até mesmo nas empresas. Antes não sabíamos
de onde vinham e como eram produzidos nossos produtos. Era muito bom permanecer
na ignorância, não é mesmo? Mas hoje, a transparência nos ajuda a compreender
melhor esse mundo complexo e a nos conscientizar com as causas. A relação entre
marca e consumidor também evoluiu para a transparência. O consumidor quer saber o
que se passa na cadeia produtiva dos produtos, e as marcas cada vez mais têm tido que
se adaptar a isso.
Ainda hoje as grandes marcas seguem “escondendo o jogo”, tornando quase impossível
encontrar alguma informação sobre a sua produção têxtil em seus produtos, websites ou
relatórios imensos, isso quando estão mesmo disponíveis. O projeto procura despertar
uma consciência maior sobre a questão da transparência e das responsabilidades que a
marca evita ter com relação ao meio ambiente e à sociedade, ajudando-as a serem vistas
como aliadas e aos consumidores a fazer escolhas conscientes no que consomem.
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» Políticas e compromissos.
» Governança.
» Rastreabilidade.
» Tópicos em destaque.
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de forma sustentável mas muitas vezes esses discursos entram em conflito com alguma
outra característica da marca. São os valores incorporados nas práticas das marcas que
vão conseguir dialogar com os indivíduos.
Slow Fashion
Derivado do Slow Design, que destaca que o papel do design deve ser fundamentado
em três aspectos: o individual, o sociocultural e o bem-estar ambiental. A produção
é feita de forma lenta e reflexiva, levando em conta os resultados a serem alcançados
pelo produto. Eleva o design para além da fabricação para o consumo. Não se trata
mais de só produzir, vender e lucrar. Deve-se pensar no futuro do meio ambiente e
da sociedade. O Slow Fashion, então, “conjuga prazer em criar, inventar e inovar com
prazer em consumir” (BERLIM, 2012, p. 54), resultando num despertar consciente com
o consumo desenfreado da moda, utilizando-se da criatividade para desenvolver algo
sem pressa, mas com qualidade para assim encontrar a sustentabilidade na moda.
Armário Cápsula
Surgiu lá na década de 1970, mas foi trazido de volta em meados de 2015, por uma norte-
americana chamada Caroline Rector e consistia em um armário com 37 peças de roupas
versáteis para serem usadas em todas as estações do ano. “A ideia era consumir menos
e com mais consciência, já que durante três meses as mesmas roupas seriam usadas
e na mudança de estação apenas se compraria o que fosse essencial. Dessa forma, as
peças seriam atemporais e duráveis” (ALMEIDA; LOURENZO; HELD, 2017, p. 99).
Lowsumerism
Baixo consumo, menos é mais, ou até mesmo, consumo equilibrado (BIZ, 2015) –
tornou-se famoso em 2015, quando a empresa especializada em pesquisas e conteúdo
de tendências Box1824, por meio de um vídeo na plataforma Youtube, apresentou
de maneira clara a autodestruição que os processos do consumo vem causando ao
planeta. A ideia de viver com o necessário desperta a curiosidade e a consciência
de um consumo que respeite os ritmos do planeta e das pessoas. Mas o consumo
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O CONTEMPORÂNEO: NOVAS LINGUAGENS │ UNIDADE IV
desenfreado faz parte da nossa cultura, então, como consumir menos e de forma
consciente?
No Noise Branding
O conceito de branding do silêncio (No Noise Branding) surge com uma proposta
de clarear e minimalizar o excesso visual contido nas identidades visuais das marcas,
desde o conteúdo gráfico – materiais – ao conteúdo digital. Afinal,
Em prol de uma comunicação mais simples e menos invasivo, as marcas têm optado
por adotar essa postura mais minimalista, que preza pela experiência mais simples.
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Fashion Revolution
É um movimento global que faz campanha a favor de uma moda mais consciente e mais
transparente em sua cadeia de produção. No Brasil, há 5 anos, a ideia é conscientizar
sobre os impactos socioambientais, procurando mudar a forma como pensamos a
moda, com perguntas do tipo: “Quem faz minhas roupas?” – é a campanha atual do
movimento, que nos leva a questionar como funcionam as produções da peça de roupa
em todo o ciclo da cadeia. Incentivam a transparência nas marcas e realizam eventos
como o Fashion Revolution Week.
Fonte: Fashion Revolution Brasil/divulgação. 2018. Costureira segurando a placa do movimento “Quem faz minhas roupas?”.
Disponível em: https://www.fashionrevolution.org/brazil-blog/transparencia-e-tendencia-indice-de-transparencia-da-moda-
brasil/. Acesso em: 18/2/2020.
Zero waste
Zero waste, ou lixo zero, é um movimento que promove a não produção de lixo, ou pelo
menos, a redução e a produção consciente do lixo, ao fazer com que o indivíduo pense e
repense sobre o descarte dos produtos que consome. Isso acaba por se tornar um estilo
de vida, pensar sobre as funções e os usos de um produto que não necessariamente
precisa ter um tempo programado de descarte. O vestuário se inclui nesse movimento
também, de acordo com Cannalonga (2015). Isso mostra como o consumo, nos dias
de hoje, promove uma abordagem em que ele se alinha com os valores das pessoas a
respeito da sociedade.
Banco de tecido
É um espaço físico que reúne retalhos, sobras e cortes de tecido que qualquer pessoa
pode comprar ou até mesmo depositar tecidos. É uma alternativa ao material de
descarte das confecções, que não são reutilizados e iriam para o lixo. Funciona como
compra/venda e troca. E o melhor é que os tecidos voltam para o ciclo de consumo
sem gerar prejuízo para quem vende e sem impacto no meio ambiente!
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Algumas empresas têxtis já contam com a tecnologia para a utilização de resíduos que
antes era descartado e com as fibras recicladas para a produção de novos tecidos e
matérias-primas.
Upcycling
É uma técnica que reaproveita objetos para a criação de novos produtos. É conhecido
especialmente na moda, que nos últimos anos possui inúmeros adeptos e marcas que
investem na técnica como uma solução para os problemas do consumo e do descarte
de peças “ultrapassadas”. Reaproveitam resíduos têxteis para a composição de novos
designs.
Brechós
Roupateca
Moda Limpa
Bio couture
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Roupa Livre
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Carvalhal (2016) diz que ainda existem poucas marcas que parecem interessadas
no que as pessoas vivem e estão sentindo. Mas também existem novos mercados
que entendem como as marcas se constroem e os consumidores também se
tornam cientes disso, o que facilita na cobrança de um consumo mais humano.
E, não foi apenas o consumidor que mudou: características como idade, gênero
e classe social não determina mais um tipo de público nem comportamento.
A fluidez atinge também os consumidores contemporâneos que possuem à
disposição informação sobre qualquer coisa.
A moda é a segunda indústria do mundo que mais polui o meio ambiente - perdendo
apenas para a indústria do petróleo – poluindo rios com dejetos químicos, infertilizando
solos com pesticidas e fertilizantes, emissões de gases estufa no ar.
Mas é também a indústria que mais produz empregos. A que mais empodera mulheres,
ainda que esteja na transição de vincular imagens de mulheres reais. Possui o poder
de criar e disseminar tendências e comportamentos que afetem outras esferas da
sociedade. Isso é muito poder.
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Graças à internet, o conhecimento está ao alcance geral. As marcas de moda podem ter
acesso às mesmas tecnologias de produção, de criação e de gestão que as concorrentes.
O que vai diferenciar, tornar o produto valioso e fidelizar as pessoas é a forma pela qual
elas escolhem utilizar esse conhecimento.
Ao falar menos sobre a roupa em si, abrimos espaço para pensar sobre nós mesmos.
Para a moda mudar (o mundo) é preciso mudar a forma como ensinamos, aprendemos
e trabalhamos. É preciso mudar a nossa relação com a política. E até mesmo a forma
como nos alimentamos, nos organizamos e vivemos (CARVALHAL, 2018, p.61).
A situação da moda nos dias de hoje é que não existe mais um padrão. Temos nossas
vidas nas mãos para fazer o que quisermos. A moda não é mais a única saída para a
nossa construção ou uma forma de entrada em algo. Não existe mais a dependência dos
padrões. Você consegue notar isso, em seu círculo social/familiar/de consumo?
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Referências
BARTHES, Roland. Sistemas da moda. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2009.
BARTHES, Roland. Inéditos. Imagem e Moda – volume 3. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2005.
BIZ, Eduardo. Lowsumerism: entenda. In: Ponto Eletrônico. Disponível em: http://
pontoeletronico.me/2015/ lowsumerism-entenda//>. Acesso em: 23/3/2020.
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify,
2012.
CARVALHAL, André. Moda com propósito. São Paulo: Cia das Letras, 2016.
CRANE, Diana. A Moda e seu Papel Social. São Paulo: Ed. Senac, 2006.
DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do design. São Paulo: Edgard
Blücher, 2000.
FLETCHER, Kate; GRASE, Lynda. Moda & Sustentabilidade: Design Para Mudança.
São Paulo: Editora Senac, 2011.
GODART, Frédéric. Sociologia da moda. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.
HELD, Maria Sílvia Barros de; SANCHES, Regina Aparecida; MARCICANO, João Paulo;
ITALIANO, Isabel Cristina. A arte, o design, a moda e a criação hoje: interfaces.
Trabalho apresentado no Congresso Internacional DESIGNA 2015, promovido pela
Universidade da Beira Interior, Covillhã, Portugal, 2015.
MARTINS, Leilane Rigatto; MARTINS, Sérgio Régis Moreira. Ars – moda, design, arte
e técnica. Projética, V.4, n.1, , pp. 83-100, 2013.
MACKENZIE, Mairi. .... Ismos para entender a moda. São Paulo. Globo, 2010.
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REFERÊNCIAS
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