Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“Não é habitual que uma sociedade não confie num gestual ritual ou
ritualizado, não é habitual que uma sociedade veja o comportamento
formal como inautêntico” (SENNETT, 1993, p. 383). A sociedade
capitalista moderna opera contra as energias presentes tanto nas
brincadeiras de criança quanto nos rituais religiosos. O jogo é uma
preparação para certo trabalho adulto. O conceito de jogo aqui não é o
mesmo que o identifica com a espontaneidade. “O aspecto de
treinamento estético que existe no jogo está no fato de que ele
acostuma a criança a acreditar na expressividade do comportamento
impessoal, quando estruturado por regras fictícias” (SENNETT, 1993, p.
383). Jogar é aceitar regras de sociabilidade que exigem paixão em
relação a uma situação impessoal, ou seja, um auto-distanciamento.
Este princípio se opõe à cultura narcísica.
Para Darwin, aquilo que uma pessoa sente se mostra sem que esta seja
sua vontade. O narcisismo leva isso à conclusão lógica extrema: o
princípio de expressão não pode ser negociado, como num jogo, pois
tudo que é artificial e convencionado é suspeito. “A lógica de tal
sociedade será a destruição desses instrumentos de cultura. Ela o fará
em nome de uma remoção das barreiras entre as pessoas, de uma
aproximação entre elas, mas só conseguirá fazer com que as estruturas
de dominação na sociedade sejam transpostas para termos
psicológicos” (SENNETT, 1993, p. 409).
Mas Sennett também tem um limite teórico. Ele não coloca em questão
a civilização e o fato de que o espaço público, tal como ele o concebe,
nem sempre existiu, mas é produto de um modo de vida centrado no
acúmulo e na expansão. Ao valorizar o espaço público, Sennett procura
valorizar a urbanidade. Porém, a experiência da vida urbana na
modernidade, mais precisamente o fenômeno das relações impessoais,
está diretamente relacionada à ascensão do capitalismo moderno e do
secularismo. Criticar o declínio do espaço público sem considerar sua
origem parece um erro. Relacionar a vida pública ao lúdico e ao ritual
parece uma escapatória pouco efetiva. Seria como se a urbanidade fosse
justificada como continuação lógica da atividade lúdica e do ritual. Para
defender de fato o espaço público vivo, seria preciso criticar muito mais
que o capitalismo e a modernidade. Seria preciso também criticar os
modos de vida não apenas anteriores à urbanização, mas opostos à
urbanização, nos quais o aspecto lúdico e ritualístico da vida jamais se
relaciona com uma experiência de urbanidade, mas justamente o
impede de se realizar. Diferente de Sennett, poderíamos concluir que a
vida pública é fenômeno relativamente recente na história humana. A
vida social original não era privada nem pública, e certamente não
apenas não era urbana como também não era civilizada. As
comunidades civis e tribos urbanas seriam apenas distorções das
comunidades originais. Por isso podemos reinterpretar a crítica ao
declínio do espaço público como uma crítica à civilização ao invés de
uma defesa.
Referência: