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A tirania da intimidade

Uma resenha crítica de O declínio do homem público, de Richard


Sennett.

A vida pública é esvaziada de sentido na medida em que as interações


com estranhos, pessoas de fora do círculo familiar e afetivo, se tornam
ameaçadoras; e o isolamento na própria personalidade se torna regra.
“(…) conhecer a si mesmo tornou-se antes uma finalidade do que um
meio através do qual se conhece o mundo” (SENNETT, 1993, p. 16). Para
Richard Sennett, a privatização da personalidade torna as pessoas
menos capazes de expressar seus sentimentos, e os principais fatores
envolvidos nesse processo são o capitalismo e a modernidade.

Junto com a vida pública, morre também a política. Um líder político,


por exemplo, é respeitado ou não pela pessoa que é, e não pelo que faz
ou pelo que defende. A psicanálise, que baseou-se na ideia de que
entender o ego (o eu sui generis) como distinto do superego (onde se
encontra a moralidade e ideias transcendentes sobre o bem o e mal),
libertou os indivíduos para viverem autenticamente de acordo com
“seus próprios desejos”, desde que individualistas. “Multidões de
pessoas estão agora preocupadas, mais do que nunca, apenas com as
histórias de suas próprias vidas e com suas emoções particulares; esta
preocupação tem demonstrado ser mais uma armadilha do que uma
libertação”. (SENNETT, 1993, p. 17).

Sennett defende que o ocidental tem se voltado mais para sua


interioridade do que para o outro, ainda que não possa definir o que há
dentro de si. Não se trata de um individualismo inflexível, mas de uma
crescente ansiedade em relação ao sentimento individual. Os indivíduos
neste contexto buscam continuamente pela autorrealização, e nesse
movimento realizam pouco mais do que a erosão da vida pública. Como
as pessoas se expressam em público? Não vão ao espaço público para
descobrir, em conjunto com outras, quem elas mesmas são, mas para se
ocultar umas das outras, apresentando uma máscara que intenta
proteger e isolar a si próprio.

Como resultado, os problemas públicos e questões impessoais não


atraem nenhuma atenção. O interesse público é um desinteresse
pessoal. O exemplo mais claro é a redefinição do amor físico, que deixa
gradativamente de ser erótico para se tornar sexual. “O erotismo
significava que a expressão sexual transpirava por meio de ações – de
escolha, representação, interação. A sexualidade não é uma ação, mas
um estado no qual o amor físico decorre quase como uma consequência
passiva” (SENNETT, 1993, p. 19). Ao invés de uma ação social
delimitada por uma construção compartilhada, o sexo se torna uma
realização do ego, o que para Sennett representa uma nova escravidão,
uma tirania da intimidade.

A sexualidade é o exemplo de algo que passa a ser visto como um estado


ao invés de uma atividade. Não pode ser dominada, apenas descoberta.
Não sendo mais interpretada como ato social, mas simplesmente como
afinidade emocional, o sexo não se relaciona com o compromisso
social, mas com algo de âmbito puramente autocentrado. “Ao nos
rebelarmos contra a repressão sexual, rebelamos-nos contra a ideia de
que a sexualidade tem uma dimensão social” (SENNETT, 1993, p. 21).
Trata-se de uma sociedade narcísica, em que o critério de sociabilidade
é a troca mercantil de relações íntimas. O narcisismo deve ser entendido
aqui como “a preocupação consigo mesmo que impede alguém de
entender aquilo que é inerente ao domínio do eu e da autogratificação e
aquilo que não lhe é inerente” (SENNETT, 1993, p. 21). O narcisismo
representa a busca obsessiva por uma experiência significante somente
para o eu, que resulta na insatisfação dessa mesma necessidade.

O compromisso limita as possibilidades de descobrir-se e exibir-se, por


isso tende-se a considerar que alguém só pode estar pronto para o
compromisso depois de ter tido experiências suficientes para exaurir a
si mesmo. Neste contexto, a necessidade de redefinir-se
constantemente gera a transitoriedade dos relacionamentos. “Todo
relacionamento sexual sob a influência do narcisismo torna-se menos
satisfatório quanto maior for o tempo em que os parceiros estiverem
juntos” (SENNETT, 1993, p. 22). O ego narcísico se culpa por sentir-se
decepcionado com o mundo e com as pessoas, pela sua incapacidade de
sentir algo intenso o suficiente para justificar a relação.
O comércio de relações íntimas passa a sustentar as relações
interpessoais. Na medida em que não há mais o que revelar ao outro, a
relação se rompe. O resultado é que “o tédio é a consequência da
intimidade” (SENNETT, 1993, p. 24). Junto o narcisismo, este comércio
de intimidades transformam a expressão de sentimentos em algo
destrutivo. Sennett parte daí para afirmar que o espaço público perdeu
seu sentido e sua força vital, tornando-se espaço público morto. O
espaço público morto caracteriza-se por não ser projetado para a
convivência entre estranhos ou a permanência de diferentes sujeitos.
Ele é projetado para ser espaço de passagem, com o único objetivo de
servir como via rápida e prática para se alcançar um destino. “A
tecnologia da movimentação moderna substitui o fato de estar na rua
por um desejo de eliminar as coerções da geografia” (SENNETT, 1993,
p. 28).

O espaço público morto, para atingir esta finalidade de ser espaço de


mero movimento, é tanto um espaço isolador quanto um espaço visível.
“Nesse conceito de projeto, a estética da visibilidade e o isolamento
social se fundem” (SENNETT, 1993, p. 27). Isso ocorre porque a
visibilidade termina por inibir a sociabilidade, devido à vigilância
mútua. “Quando todos estão se vigiando mutuamente, diminui a
sociabilidade, e o silêncio é a única forma de proteção” (SENNETT,
1993, p. 29). Esta lógica se operacionaliza com base nos pressupostos da
eficiência burocrática. Quebrar o silêncio no espaço impessoal ou fazer
contato visual prolongado com o outro é considerado um atentado
contra o direito individual de permanecer protegido em sua área de
conforto. O automóvel é a materialização deste espaço e do ideal de
movimentação livre sem real participação nos espaços públicos pelos
quais nos locomovemos.

O termo cosmopolita referia-se a um homem capaz de movimentar-se


sem preocupações em meio à diversidade, que permanece à vontade em
situações que não são familiares. Este seria o homem público ideal. Na
medida em que o excesso de complexidade pareceu fazer com que não
houvesse mais nenhum controle sobre o espaço público, este espaço se
tornou ameaçador, e as pessoas passaram a priorizar a habilidade de
proteger-se dele ao invés da habilidade de influenciá-lo. “No Antigo
Regime, a experiência pública estava ligada à formação da ordem social;
no século passado, a experiência pública acabou sendo ligada à
formação da personalidade” (SENNETT, 1993, p. 40). É este sentido que
se perde na atualidade, quando a formação da personalidade passa a ser
privativa e expressa passivamente. O sistema de expressão pública se
tornou um sistema de representação pessoal. O privado se sobrepõe ao
público. Quebrar o silêncio em público significa tornar-se vulnerável.
“Cresceu a noção de que estranhos não tinham o direito de falar, de que
todo homem possuía como um direito público a um escudo invisível,
um direito de ser deixado em paz” (SENNETT, 1993, p. 43).
Para analisar a erosão dos papéis públicos, tomemos, por exemplo, a
visão de mundo segundo a qual a sociedade é um palco de teatro em que
todos somos ao mesmo tempo atores e espectadores uns dos outros.
Entra aí o estudo de Goffman sobre a representação de papéis sociais.
Sennett encontra um limite teórico na abordagem de Goffman,
afirmando que este não colocou em questão o modo como os atores
modificam a cena com seus atos, ou o modo como forças históricas
moldam essas mesmas cenas. Para Goffman, as cenas da sociedade
seriam estéticas e sem história. O critério para as reações humanas seria
a busca pelo equilíbrio.

Para Sennett, a verdade fundamental da cultura moderna é que a busca


pelo pessoal obscurece as relações sociais. O estranho na rua é
observado como ator num palco. Não deve ser perturbado. Suas roupas
e seu comportamento indicam que papel ele representa. Não é preciso
fazer perguntas. Neste sentido, Baudelaire retratou bem o homem
moderno, uma vez que este é como o flâneur. Este mesmo personagem,
que existe somente para ser visto, é considerado como um ideal da
classe média também por Edgar A. Poe e Walter Benjamin. Paris e
Londres, no século XIX, deram uma mostra de como o processo
ocorreria no resto do mundo.

Segundo Rousseau, os costumes são corrompidos quando as pessoas


formam um estilo de vida que transcende o trabalho, a família e o dever
cívico. Huizinga definiu a atividade lúdica como uma liberação do
econômico, como algo que transcende o mundo da necessidade diária,
de tarefas e deveres de sobrevivência. “O jogo, nesse sentido, é inimigo
de Rousseau: o jogo corrompe” (SENNETT, 1993, p. 149). No lazer, as
pessoas agem como atores de teatro. Perdem sua independência, mas
obtém prazer em se perder. Por isso Rousseau teria condenado a ideia
de abrir um teatro em sua cidade.

De acordo com um ideal vindo do secularismo, as coisas deixam de ter


importância por si mesmas assim que morremos. O secularismo está na
raiz da perda do valor intrínseco das atividades ritualizadas. “As
crenças se tornaram cada vez mais concentradas na vida imediata do
próprio homem e nas suas experiências” (SENNETT, 1993, p. 191). A
proibição da idolatria se tornou valorização do imediato, da sensação e
do concreto. Como os deuses estão ausentes de mistério, o mistério
passa a ser a interioridade do homem. O real passou a ser a experiência
imediata. Ao mesmo tempo, as pessoas passaram a expressar sua
personalidade por meio de impressões imediatas.

O homem moderno é um ator sem arte, e nesse contexto Sennett faz


uma oposição entre o jogo e o narcisismo. “Na medida em que as
pessoas sintam que sua classe social é um produto de suas qualidades e
habilidades pessoais, será penoso para elas conceber o jogo da
representação com as condições de classe” (SENNETT, 1993, p. 327). A
classe deixa de ser vista como condição social, com regras que podem
ser mudadas. Essas condições só poderiam ser mudadas na medida em
que o indivíduo mudasse sua própria natureza, o que é demasiadamente
penoso. De modo semelhante, isto abre espaço para os líderes
carismáticos, cuja dominação tem mais a ver com uma defesa
psicológica do que com a ação social.

Os meios de comunicação de massa contribuíram com este processo.


Eles aumentaram o fluxo de informações sobre outros grupos sociais,
mas tornaram desnecessário o contato efetivo e inibiram a ação
política. A mídia eletrônica supriu uma necessidade moderna de se
retrair da interação social por meio da observação passiva. Isto significa
que os meios de comunicação intensificaram o silêncio isolador. “O
paradoxo da visibilidade e do isolamento ressurge: como na tecnologia
da construção moderna, a pessoa vê mais e interage menos”
(SENNETT, 1993, p. 346). Por sua própria estrutura, esses meios não
podem senão se concentrar na personalidade dos políticos. De outro
modo, a realidade da política seria tediosa e não se comunicaria com a
massa. O político moderno se aproxima de uma estrela da mídia.

“Não é habitual que uma sociedade não confie num gestual ritual ou
ritualizado, não é habitual que uma sociedade veja o comportamento
formal como inautêntico” (SENNETT, 1993, p. 383). A sociedade
capitalista moderna opera contra as energias presentes tanto nas
brincadeiras de criança quanto nos rituais religiosos. O jogo é uma
preparação para certo trabalho adulto. O conceito de jogo aqui não é o
mesmo que o identifica com a espontaneidade. “O aspecto de
treinamento estético que existe no jogo está no fato de que ele
acostuma a criança a acreditar na expressividade do comportamento
impessoal, quando estruturado por regras fictícias” (SENNETT, 1993, p.
383). Jogar é aceitar regras de sociabilidade que exigem paixão em
relação a uma situação impessoal, ou seja, um auto-distanciamento.
Este princípio se opõe à cultura narcísica.

Há basicamente duas formas de encarar os jogos: como uma atividade


cognitiva na qual se constroem símbolos cada vez mais complexos, ou
como comportamento em que se aprende a cooperar ou competir,
gerenciar o prazer e tolerar a frustração. Atividades lúdicas são
preparações para atividades criativas. Huizinga define três aspectos do
jogo: é voluntário, é desinteressado e é isolado de outras atividades.
“Huizinga quer dizer desinteressado no sentido de se estar afastado do
desejo imediato ou da gratificação instantânea” (SENNETT, 1993, p.
386). Sem isso não seria possível jogar com outros. Seu exemplo é o do
jogo de bolas de gude, no qual cada jogador está interessado em tomar
as bolas de gude os outros, mas ainda assim estabelecem entre si regras
que dificultam ao máximo a aquisição e planificam as habilidades dos
jogadores. “Jogar requer uma libertação de si mesmo; mas essa
liberdade só pode ser criada por meio de regras que estabelecerão uma
ficção de igualdade inicial de poder entre os jogadores” (SENNETT,
1993, p. 389).

Segundo alguns psicólogos, como Winnicott, dentro do espaço do jogo


as frustrações e constrangimentos da realidade podem ser
experimentados sem gerar retração ou apatia, exatamente por causa do
distanciamento em relação ao eu. “O jogo ensina a uma criança que, ao
suspender seu desejo pela gratificação imediata, e ao substituí-lo por
interesse pelo conteúdo das regras, ele completa seu senso de controle e
de manipulação sobre aquilo que expressa” (SENNETT, 1993, p. 391). É
por isso que Sennett afirma que a brincadeira é a energia para a
expressão pública. Por outro lado, o narcisismo é a ética ascética dos
tempos modernos. Como na análise de Weber sobre a ética protestante,
se trata da recusa de gratificação com propósitos de validação do eu. O
secularismo e o capitalismo conduzem a uma erosão da crença na
experiência externa do eu. “É porque a pessoa é insatisfeita que suas
energias se concentram em seu eu” (SENNETT, 1993, p. 407). O caráter
ascético do narcisismo resulta no temor pelo fechamento das
possibilidades e na indiferença em relação às experiências. O eu só pode
ser autêntico e real se permanecer continuamente não objetivado. E a
indiferença se dá pelo fato de que somente o que se sente é real, e nada
de real pode ser suficientemente sentido.

Para Darwin, aquilo que uma pessoa sente se mostra sem que esta seja
sua vontade. O narcisismo leva isso à conclusão lógica extrema: o
princípio de expressão não pode ser negociado, como num jogo, pois
tudo que é artificial e convencionado é suspeito. “A lógica de tal
sociedade será a destruição desses instrumentos de cultura. Ela o fará
em nome de uma remoção das barreiras entre as pessoas, de uma
aproximação entre elas, mas só conseguirá fazer com que as estruturas
de dominação na sociedade sejam transpostas para termos
psicológicos” (SENNETT, 1993, p. 409).

Nessas condições, os indivíduos estão presos pela rotina. A tirania da


intimidade é bem mais sutil que uma tirania da coerção brutal. As
pessoas são seduzidas por uma crença que serve de critério único para
interpretar a realidade. Estão dominadas pela crença na intimidade, que
desvaloriza toda interação que não possa ser íntima. Na medida em que
a sociabilidade passa a ser valorizada pelo grau de intimidade, o contato
íntimo também se torna cada vez mais frustrante. Isso se dá num
processo em que características antes associadas à natureza humana
agora são consideradas como parte da personalidade de cada um, como
um fenômeno individual. As mudanças trazidas pelo capitalismo e pelo
secularismo fizeram a ideia de natureza humana transcendente perder
o significado, sendo substituída pela ideia de que os homens são autores
de seu próprio caráter, que cada um é responsável pela definição da sua
própria personalidade. O espaço público perde o caráter de definidor da
individualidade.

A crença no valor superior das relações humanas diretas diminui a força


da crítica à dominação indireta e sutil. O medo da vida impessoal leva a
uma desconfiança em relação à vida pública, de modo que a busca por
relações intimistas se associa à incivilidade. Sennett defende uma
revalorização do espaço público contra as tiranias do bairrismo que
estão pressupostas na redefinição do conceito de comunidade. Isto
também implica numa redefinição do comportamento político, em que
a capacidade de agir para o bem impessoal se torna mais importante. A
cidade é o lugar onde “se torna significativo unir-se a outras pessoas
sem a compulsão de conhecê-las enquanto pessoas” (SENNETT, 1993,
p. 414).

Mas Sennett também tem um limite teórico. Ele não coloca em questão
a civilização e o fato de que o espaço público, tal como ele o concebe,
nem sempre existiu, mas é produto de um modo de vida centrado no
acúmulo e na expansão. Ao valorizar o espaço público, Sennett procura
valorizar a urbanidade. Porém, a experiência da vida urbana na
modernidade, mais precisamente o fenômeno das relações impessoais,
está diretamente relacionada à ascensão do capitalismo moderno e do
secularismo. Criticar o declínio do espaço público sem considerar sua
origem parece um erro. Relacionar a vida pública ao lúdico e ao ritual
parece uma escapatória pouco efetiva. Seria como se a urbanidade fosse
justificada como continuação lógica da atividade lúdica e do ritual. Para
defender de fato o espaço público vivo, seria preciso criticar muito mais
que o capitalismo e a modernidade. Seria preciso também criticar os
modos de vida não apenas anteriores à urbanização, mas opostos à
urbanização, nos quais o aspecto lúdico e ritualístico da vida jamais se
relaciona com uma experiência de urbanidade, mas justamente o
impede de se realizar. Diferente de Sennett, poderíamos concluir que a
vida pública é fenômeno relativamente recente na história humana. A
vida social original não era privada nem pública, e certamente não
apenas não era urbana como também não era civilizada. As
comunidades civis e tribos urbanas seriam apenas distorções das
comunidades originais. Por isso podemos reinterpretar a crítica ao
declínio do espaço público como uma crítica à civilização ao invés de
uma defesa.

Na civilização, a perda do espaço público é inevitável. O espaço público


foi resultado da imposição de certas condições de vida próprias de uma
sociedade voltada ao acúmulo de recursos e à expansão de território,
onde diversos grupos culturais, cada um com seus costumes próprios,
tiveram que ceder em nome de uma convivência forçada por relações de
comércio e de escravidão. Nenhuma comunidade humana seria grande
o suficiente para acomodar a experiência da urbanidade sem a
devastação ambiental para produção agrária, as guerras de conquista e
o uso de escravos. Compreender o jogo como base da sociabilidade não
significa tratar a experiência urbana como parte da natureza urbana. O
jogo e o ritual, assim como a tecnologia, não são realizações humanas
neutras. Não provocam, por si mesmas, o desenvolvimento de uma
sociedade urbanizada. O espaço público vivo de Sennett se assemelha a
um paraíso perdido, que talvez jamais tenha existido.

Logo, não é o espaço público o definidor original da individualidade, a


não ser que se defenda que a individualidade é também um fenômeno
recente, não encontrado em comunidades cujo laço principal sempre foi
a relação pessoal e familiar. Nessas comunidades originais, as relações
impessoais são sempre tensas. O mesmo se observa na relação entre
grupos distintos de qualquer outro mamífero que vive em bando. A
tirania da intimidade é de fato uma consequência do processo que criou
o capitalismo e o secularismo. Mas ao defender o espaço público vivo,
Sennett oferece uma visão demasiadamente otimista da urbanidade.
Não questiona que as cidades desde sempre foram formadas pela
violência e pelo interesse comercial, que é justamente para elas que se
desenvolveu o capitalismo e o secularismo, e o mais importante: que
não é nelas que os seres humanos devem necessariamente viver até o
fim de sua história.

Referência:

SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da


intimidade. São Paulo: Cia das Letras, 1993.

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