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COPS > DORMBORA DABALA BLOCON peas 2 POLHAS ‘Dados tteracionas de Catalogaio ra Pubiagto (CtP) (Cems leases do Livro, SP, Bea ‘Teipo do trasieio = eudos de widica ebeeea/ Rena: te da Sika Quevoz orpintzader. Slo Paulo = Edtors SPNAC Sha Paulo, 200 si ISBN ssc89.145 1. elets = Culdor 2 Beleza Corpor 3.Corpo = mane 4 Beton 5 team corporal Quire Renata Sli, 198% noe copserz fedlces pars catdloga steno 1. Beters corporis Cuididot: Aparéneapesseal 64672 o corpo do brasileiro ESTUDOS DE ESTETICA £ BELEZA Renato da Silva Queiroz organizador pg tala ty San cig poral ¢ vitlo FEED cago verdad sentido 05 pete ser compreenclic 5) Apesar das numerosas diferengas, cambém © possive! Y tem Semelhangas mais profundas, como determi Se ies ‘premissas bisicas, que nos parecem titeis pari cee Sobre os ideais estéticos entre indlios basi 136 © corpo do brasilero ‘mera “aparéncia’, e no deve ser confundido com o mundo esti- vel @ verdadeiro representadlo pelas “esséncias” das coisas, En- quanto © primeiro é alcangado por meio do tato, do olfato, da visio, do gosto e da audigao dos fenomenos do mundo, 0 segun- clo emerge da busca de estados alterados da consciéacia humana atingiveis por meio de diversas tGenicas: ingestio de fumos ou substincias inebriantes, respiragdes ritmica ris repetitivos € restrigGes 0 consumo alimeatar € na sociabili- cade. Do ponto de vista indigena, 0 mundo das ess prioridade sobre o das aparéncias, 0 que pode ser confirmado ‘com a persisténcia, apesar de todas as mudancas trazidas pelo contato interéznico, de uma grande diversidade de ritos ¢ cexi- ménias, remetendo-nos aos ricos mundos transcendentais cons- truidos por nossos indios. A interligacio do mundo das aparéncias com o das essén- cias é feita por tradighes orais e estéticas, reativadas para cada nova genigio de criangas. Dada a sua grande importincia social, ‘05 mitos, os cantos, as dangas e as pinturas corporais tendem a ser mantidos em sigilo por especialistas € pelos chefes cerimo- niais, geralmente homens mais velhos ¢ xamas, estes tltintos, imermedidrios entre os seres humanos e as forcas transcendentais. Para os indios, o objetivo tiltimo da existéncia humana con- siste em compreender € comunicar-se com © mundo de forgas invisiveis, 0 que no quer dizer que eles no desejem possuir, a semelhanca dos civilizados, objetos industrializados, dinheiro ou dominio de novas técnicas, Segundo a visio de mundo dos indigenas, a vida humana algo mais do que ter ou acumular coisas materials, Estas no estio af para serem desprezadas, mas para falarem das quali¢ des morais do seu proprietirio, razio pela qual cada ser humano se empenhari em companilhé-las.Crescer como ser humano digno significa desenvolver os potenciais tanto da producto e da cristividade quanto da panitha dos recursos com os seus senie~ movimentos corpo- | | 1a beleta co corpo entre os indios brasiias Ihantes. Dessa forma, todo ser humino ten fe indissoluvelmente ligado a0 de outros homens, bem ¢ ‘guiras espécies de seres vivos que, material © espiniuualment fundamentam a existéncia de qualquer sociedade humana. Tal postura também impede que haja a finsia pelo luicro & acumulagdo como principais objetivos da vida humat mo tempo coloca o respeito como sendo primordial tanio enitte os homens quanto entre estes € 1ocos 0s Outros sere vivos A concepgio entre nossos indios de que devs W equiliorio imprescindivel entre tovos os seres vi80s «Ue 9 importincia. Cabe ressaltar aqui que, diferontemente dk nds 08 indios, a dlasse dos seres vivos, alé também e daces sobrenaturais, que se comunicam com os funianos je meio de oriculos, experiéncias insdlitas, sonho: Portanto, existe uma interdependéncia v setes que povoam a superficie terrestre, visi mais integradra do qu ave 2 dos seres biolégie! lui seres inanimaclos, fendmenos da nature Hentre os vie ode satiny set a nossa © que Se (radu? pos UL séncla de equllbrio entte a8 ciferentes caters pa um mesmo mundo. Este tipo de concepgio impele os indigenas 4 priticas sociais fundamentadas no respeito 4 hierarquia, 3 pase tlha ea etiqueta, cujo conhecimento nos permititi compreender um pouco melhor o que pensam os indios a respeito do ser humano ¢ das formas de beleza a ele associdas, como se veri seguir. (OS SERES HUMANOS NA Visio Dos iNDIos Como em qualquer cultura humana, também enire os indice a categoria ser humano representa uma construgio cultural feita fem cada sociedade particular, exigindo pesquisa :profundadta & cuidadosa interpretagao. 1880 porque também os estuciosos des sociedades indigenas devem evitar interpretar 08 fatos por meio de suas proprias lentes cutturais, 0 corpo do braiero Segundo Fénelon Costa, antropdloga que estudou com pro- fundidade a vida social dos indios Mehinaku do sho rio Xing, a imagem do homem envolve conceitos éticos ¢ estéticos. Assim, para 0s Mehinsku, sto “seres huntanes [todos cs individuos © grupos que demonstrarem) comportamento normal, alimentacao adequada, aspecto fisico mais préximo 20 tipo indigena, trats- mento do corpo com adornns tipices da area do alto Xingu’! denotarem auséneia de certas deformagdes anatomicas € mesmo insolitas, praticadas pelas tribos estrangeira ‘Também entre 0s indios Bororo da regio da Dacia do rio Sio Lourenco ¢ do rio das Gargas, no estado de Mato Grosso, *seres humanos [so aqueles que, tendo nascido del pais que respeitaram as prescrigdes de sexo € de alimentacio, recebem o corte de eabelo, nomes ¢ enfeites do set cla, fem cetribuicto ao que} devem integrar-se no cédigo de respeito reciproco, [além de] demonstrar bravura e generosidade"* A putir desses dois exemplos, é possivel observar que a definigio dle ser humano entre os indios envolve, além do corpo vivo de cada individuo representante cla espécie Homo sapiens, sua hist6ria social, no caso, a conduta (prineipolmente alimentar) dos seus genitores ¢ a realizagio de determinadas ceriménias de integraco social Essa concepgao impede que entre indios brasileiros se pos- 2 falar, tal como enire nds, de um corpo biolégico desvinculado do seu coniexto de vids social e espiritual. Quando falam de algum atributo corporal, seft ele a beleza ou @ feitra, os indios, além de caracteristicas visvels tais como marcas e insignias triba’, também consideram 0 comportamento ¢ as qualidades morsis dos seus portadores, Portanto, remetemrnos invariavelmente 3 idéia de uma totalidacle mais ampls socislmente engendrada Fenelon Costa, O mundo das Mebinau esas epresemuagieseisuats(BrosTia/ Ro de Janeiro. Edtors UnB/Ediora UPRY/CNPG, 1988), p. 97. Renate Bi Veter, As aldelas Borore aiguns aspestes cle sua organiza soe (S20 Paulo: Fundo de Pesquisas du Museu Paulista da USE, 1976) a belera do corpo enti os Indios brasieros E, mais do que isso. Os indios nos remetwn sus totalidade biopsicossoct: forma fn pela ligacio, correr do tempo, de um tinico corpo stuperte, WR Coad teh 105 com varias almas ou pritict fos cOsMcKS CHE, Conubi ach dle muitas formas, engenidram 0 proc durecimento e desanae so deo mento de cada indivichs Para marcar essas alteragdes do ciclo de vida, sim Iu set pregum-se gestos, prociamagées, dangas & sons, caja lunge) integrar os jovens no mundo ds alrnas ¢ dos ancestrais «kt sociedade, E, nesse processo historic de construgio sci ¢s corpo, eventuais mut de variedade de iusignias, omamentos ¢ pinturas corps lagdes corpora Mio vistas conto neces Fias para promover 0 desenvolvimento do controle: eniacion. salem de vit ‘ours quialiclades sociis Portanto, ao ciscutir a beteza de um corpo huniano, o italic necessariamente enveredari pela estética da(s) slnia(s) te 2s ciacla(s), f que beleza também implica satid cond stisrrcns te correta ¢, principalmente, generosidacle. Vale put 0 indi brasileiros a idéia, ja formulada por Rousseau, de que a grin virtude dos homens seja representada pelo sentiment de compat ‘to canalizado, no para si mesmo, its pars © seu senethiunt No mando indigena, © crieéeio qu fundamests y ges ao mesmo tempo emé cas © ticis € represemaue pelo comportamento real dos seres huinanos no contexte as 106: feitas em sociedacle, Assim, o individuo que se envolve em trocas beneficia a si mesmo ¢ aos outros, enquanto aquele que se omite ou delas se resguarcl é visto como um quisto, agente malético na medida em que dificslta © fluxo di vida social Engajar-se em boas to significa intensificar © Huxo de comunicagio de idéias e recursos materiais que, quando oferec dos aos outtos, revertem em importante fonte cle prestigio social para 0 doador £ belo, hom ¢ integro o ser humany que, ativa mente integrado na sia comunidade de vida, di € recede, nam incessame diilogo com o mundo € consigo mesmo. Aquele que 160 corpo do brasileiro ada da também deixa de recebe 2, por isso, ¢ ¥ sio como mau, avaro, triste, feio € perigoso. A tristeza é inn da feitira, pois 0 fo, na medida em que nada df nem faz para o seu seaelan- {bm no recebe cuidados corporais, omnamentos, presen- tes e oureas coisas alegres da vit a implica de perigo, pois o individuo mal intes te, marginalidade, express: grado € visto como alguém que despreza ¢ desafia os valores da sua comuniclade Quillidades como a beleza fisica do corpo, além de s6 pode- rem s#t compreendidas quando associadas a virtudes socials, ais coma a generosidacle, 0 respeito e a integridade moral, nos reme- tem também a fusio de uma série de outras dicotomias. Dentre lus cabe mencionar a dicotomia, o Familiar em nosso modo de pensar, entre seres animados € seres inanimados. Assim, para os indios, 4 beleza do caepo humano no poder ser dissociads juso de adomos & pinturs, por um taco, vistos como remédlios, por outro, sand qualidades & jovens ¢ imaturos. Meros seres inanimados dentio de nossa visto de*civilizados’, para os indios, os omamentos ¢ as pintures possu- em poderosas propriedsces profil associam a entidades sobrenaturais, espiitos e ancestas, do idlos como et des no corp dos icas & preventivas, porque se \domos labiais dos bebés de sexo mas- Entre 05 Hororo, os culino s20 vistes como recunos poderosos pass foralecé-los © fazé-los crescer, enquanto alguimas pinturas do 109 € do co7po tém a fungio de protegt-los contra doengas € maus espiritos, ‘ambém os artefatos necessirios as atividades produtivas, como arcos ¢ Nlechas, para os homens, ¢ cestos, abanicos e po- tes, para as mulheres, sio vistos como apéndices dos corpos al ‘mas dos seus respectivos donos, a ponto de serem enterrados ou incineradios junto com eles. Em suma, sle aeorelo com o pensimerte dos indios, falar das qualidades ou defeitos de um corpo humano significa refs rinse a representagdes sociais cuja comprcensiio envolve tr cender uma série de dicotomias que Nos sio familiares: muncto as: a beleza de corpo enti ot Indios brainer 5 fisico/mundo psiquico, mundo individual/uuniies x do ser/mundo do dever sor, ¢ muites outros Na visto dos indios, também nao se tais como fora/dentio, visivel/invisivel ou unc/muilipio. Asst, mesmo quando for forte e siti rado culpado por realgain dicotoui vel, wan bebe pe er acu yes crises sociais clecorrenies she kage een de 6 inimigos ou de epidemias, Entre os Bororo, em sity tgema tensio social, um bebe recem-nascido pode ser sieilicuc! pelo fato de ter sido associado s uum sonho rum — rie ulo fs to para a comunidade ~ de sua propria mie, poucs terapo sit do parto. $4.00 mun devem ser sum do a teoria di Jo alto-xinguano, nuscendes ach. jamente sacrificados logo apés © patio, Segu concepgao destes indios, u gerar um dinico filho por vez, de modo que a gertety de de representa um distirbio criado por algum sobienaturs!. Nan dida em que legitimo de um homem € 0 behé eagendrade womens sch 20 & possivel distinguir entre o hel cle andrimo, torna-se imperiose Apesar de severas, tis priticas slo perfeitameate compre siveis 8 luz da visio de mundo dos indigenas, muito conscientes da necessidacle de planejarem a sua reproducio de nxxdo ade quado 10 montante de recursos sociais & materiais disponiveis acrificar a ambo- Diga-se de passagem que, de mancira geral, as sociedtscles incl genas evidenciam maior coerencia entre ideais e pritices soci caracterizando-se por formas de vida social bem nitis harmon sas e menos predat6rias para o ambiente do que 45 ni sss E, como um hebé, para nés indefeso, pode ser visto como encarnagio de algum espirito maléfico, a flosofis de vide des indigenas também permite que um adulto, sem maiores atratives fisicos, segundo nossa dtica de “civilizados", posst chegar a ser ‘visto como helo e sedutor, na medida em que pode desenvolver uma série de virtudes e competéncias sociais. Dentre els, tase 0 comtrale das emogdes, qualidade pessoal bastante elo: zada pelas culturas indigenas, sesultante de uni proloug: 182 0 cerpe do brasileiro processo de educarto, fomentado por parentes proximos extie= mamente dedicados A beleza de um corpo sera sempre expressio de belezit interna propiciada por um grupo de parentes préximos a um individuo, que nele investiram amor, cuidzdos ¢ recursos, pro- pondo.se 2 consteuir um novo ser humano a partir do bebé apro- vado por rigorosa selegio social Para os fndlios, um ser humano serd tanto ma for pleno ¢ amadurecido 0 seu senso de responsabilidade, seja em relacio a si mesmo, aos seuis proximos ou aos outros seres vivos que 0 rodeiam. Por esta razao, a beleza no consti prer- rogativa dos jovens, natucalmente aquishoados por wma de vida favorivel ao vigor e 2 Integridade fisicos Porestarassociada 4s virtues socials, a beleza ambeen poxte ser alcangada por hontens € mulheres maduros ou mesmo fene- cidos que, com especial graca ¢ competéncia, chegam a encantar ¢ seduzir 03 seus semelhantes belo quanto Em suma, a estética dos indios imple amplo e espiritualizado de heleza, com efeitos profundamente integradores para 4 sua vida em sociedade, Ela € bem diferente da estética corporal concebida pelo senso comum ¢ vivida pelos ilizadlos": ume beleza corporal andnima desvinculando a aparéncia fisica de um oiganismo humane das virtudes e dos modos de ser do seu dono. Nos, “civiliz desmembramos este todo formado por um corpo dotado de alma © reiteramos © primado da materialiclud sobre a es clo corpo, o que propicia a construgio de estigma tos. E, junto com este processo selvagem de extrapolagio de imagens estereotipadas, desvalorizamos os velhos, por mais com- petentes que sejam, ¢ diseriminamos portadores de marcas fisi- cas associadas 20 munca dos oprimidos & dos diferentes. Ao mesino tempo, movem-se em nosso meio as engrenagens da grande roda das modas e vogas, alienando de si mesmos € tor nando infelizes todos aqueles que, sem os recursos necessitios, um conceite mais atin 2 beleza do corpo entre os Incios brasileiro: Mi tentam em vio corrigir 0 desenho dos seus compos ov distarc: certas particularidades fisicas que nfo estejam en: c com os padres estipulades, acessivcis apenas is elites econ cas. A medida que se camuflam as diterengas fisicss, eisltece um tipo de beleza irreal, genérica, andnima, despols seiva e vida prépria. Contudo, como todos as ser. dade, também os indios possem os seus precenccitos Ao ‘mo tempo que Valorizam e enaltecem os seus prdprios «ssi desprezam, ctiticam ¢ zombam da aparé dos “civilizados’, bem como dos representantes de outras et: Por isso, 0 belo se associa 20 mundo do semelbiante © co 0 cido, portanto, benéfico ¢ tana diferente, 20 desconhecido ¢ so imprevisivel, pou gos, morada de mats espiritos que, etemamente imagindrio de qualquer ser humano, Rese tipo de preconceito ent religio ao diferente v av cis SOM humunos gue vive 2ett so. fein remete mivcirontamn tante também existe entre nés, representantes de inuiide “civ zado’, que, desde os inicios de nossos contatos com os indion em terrus brasileiras, nos permitimos vocado, nao como culturalmente diferentes, 1s gens, pagios despudloeactos « vagsbundos asslicd-los, de mioclo equ ‘A BELEZA DO CORPO ENTRE OS INDIOS ALTO-xINGUANOS na drea do Macho de Segundo Pénelon Cosa do estado de Mato Grosse, es indios Mehis mundo dividido entre “gente”, “sobrer att conic turais”, “uninnis terre tres”, “peixes’, ‘aves’, “cobras” e *vegetais’, além dle sores ike medifrios, referidos em Op ett, 334 164 corpo do brailero Os sobrenaturais muito numerosos moram na floresta, nose € nas Aguas, além de serem associactos a tendmenos celestes ¢ ismdticos. Alguns deles possuem forma antropomorfa, 0 que pode ser consiatado por desenhos compilados pela antropdloxa, em que aparecem individuos, casais ou familias de “espirites” fos a plantas © a animais. Tais espiritos sto da maior importincia para a “gente”, 08 seres verdadesxamente humanos, que, dependendo da bx von- tade dos scbrenaturais, hes prestam homenagens com cantos € dangas, Desrespeitar os espiritos traz desgracas e infortdinios tals, como 0 nascimento de gémeos, doengas e mortes Para serem belos, os seres humanos devem ser concebidos ¢ gerados num contexto de harmonia com o mundo sobrenatu- ral, o que implica consumir alimentos adequados 20 petiodo de gestaglo ¢ 10 desenvolvimento dos recém-nascidos. Para obter a dieta certa 6 preciso que a fucura ma poss contr com a cooperacao dos parentes, em especial, de um r rido, © homem que assume as obrigagdes de pati social da erian= ca. Sem pai, filho ilegitimo ow. crianga gerada por unio nao desejada acaba por sofier discriminagdes ¢ tende a ser social- mente marginalizado, podendo desenvolver comportamento ins- tivel e ser acusado dle Feit pritica de feitigar 2 animais e seres sobrenaturais, nunca a seres humanos. ‘Assim, para poder desenvolver-se de modo harmonioso e “humanizar-se”, 0 bebe alto-xinguano necessita de um pai zeloso que, desde a mais tenra idade, dispense a ele atencio no tovante ria e moro, E, tal como 0 incesto, lerada aberrarite € anti-social, prdpria A dieta ¢ aos seus interesses sociais mais prementes, como rece- ber um nome e cuidaclos cosporais € psicolégicos imprescindi- veis a um bom crescimento. Dentre esses cuidados, ressalta-se a importincia da exearificaglo, écniea de arranhar ou sarjar a pele para causar sangrias, além des treinos em lutas corporais @ em habilidades na manufat a belere do corpo entre os indios brasieives Desenvolver a beleza dos jovens envolve cuitaclos co: rais e psicolégicos constantes de pu pentes prOxittios, SOM o tivo de estimular a forga e a resistincia fisicus, das emogoes. No alto Xingu, o homem ideal & representacte por iv duos que, de grandes fuiadores na juveatude, passaran importantes pajés e chefes cerimoniais alg do contr muaturidade. Jia aie Iher deve ser competente nas atividaekes proclutivas & reprochits além de expressar dodilidade © submissio ao: patentes. t denis culturais nosteiam 0 processo de educagio dos jovens xinguanos que, nas diversas treinados par: Entre tapas do seu ciclo de vide, sa podlerem assumir novos papéis a vida humana € demagcada por uu Conjunto de ritos e cerimOniss: a festa cht periuricao coletiv: Jobulos das orelhas dos meninos, seguida pelt reclusdo ten ia cos jovens de ambos os sexos, terminando const tealizss + ‘grandes cerimOnias do Kwarup. & s6 partieina ese be deste cerimonial 0 individuo que puder eontar von) a 20 moral e material de um grupo de parenies Um imporante passo para o desenvolvinent dos js alto-xinguanos € 0 aprendizado de tenicas de produce & 6. nhecimentos tradicionais durante 0 period de reclusdo, descrit pelo antropélogo Eduardo Gal elo da seguinte maneits: (Os joens sto revothilos logo qui derada pelos pais indicativa de vir reclusto das mogas, a dos rapazes ado € continu § stinjam maturidhidle, Con: jdade, #0 nt wetter periodos de recolhimento durante dois a tres meses a out tantos de liberdade: O local de reclusio é a proprin onde se improvisa, a um canto, uma tapagen com ¢ folhas de palmeiras ov cunas de ubé f..] 9 primeto me recluslo € especialmente severo: rapazes e mocas to pork tomar outro alimento, além de uma mistust dle dguit © mit de mandioca (kauin), Peixe de qualquer vatiedude ¢ protbido Eseas restricies sio relaxadas apés a primeies loa. Naniéni-s 156 compe do brailere porém, a de o individuo nfo se poder ausentar do retro senio A noite, para satisfazer as necessidades |,..] [o periodo de reclu- slo] dos rapazes se caracteriza como um periodo de aprendi- Zagem: 08 pais Ihes ensinam a manufitura de artigos como fechas, arcos, pentes, ete. e também a técnica do despoito preferido ~a lus eorponl{.}! © fim da reclusto corresponde ao Kwarup, a grande festa do funeral alto-xinguano, em que, a certa altura, 0s jovens svem da reclusio, apresentando-se em toda 2 sua beleza de novos “adultos” pele muito branes e corpos grossos e gorcios. Reap cem a luz do dia, como que ressuscitando do seu estido de letargia: as mogas, enquanto mulheres nube's, dangando de wma casa para outra, juntamente com os tocadores de flautas eruzan- do 0 piitio da aldeia; os rapazes, homens fortes ¢ lutadores, pre- parando.se para enfrenaroscampedes de aldeias vizinhas durante ais grandes competigdes intercomunitirias ‘A partir dessas constatagoes emognificas, € possivel obser- var que, no mundo alto-xinguano, a beleza do corpo nao é vi como um daclo da mas, sim, como fruto de um longo. processo de constnigio social intermediado elo grupo de pa- rentes do individu Pode parecer que esse proceso intencionalmente induzido por cuidados dietéticos, cosméticos e educativos no se distings do processo de educago dos jovens em nossi prépria socied- de. Contudo, tal educa cctiangas indgenas, tende a ser eegalia de poucas em nosso meio ‘octal. Voltando aos cuidados corporais dos indios alto-xinguanes, além da higiene e da alimentagio, responsiveis pelos hilitos ¢ nar também os rer: ‘Jo integrada, se é acessivel 3 maiorin das cheiros do corpo dos jovens, é preciso men intensos euidados com es cabelos € com a pele, + Eduatdo Galvao, Encontro de soctaudes nds ¢ brancos no Brast (Rio de Janeiro: Paz e Tetra, 1979), p, 103-4, nots 60. ‘aboleza de compo ante cx indies bratiiroe 6 Como homens e mulheres andam nus, exeeto pelo uso dx mindscula tanga uluri por parte das dikimas, todos devem sujes tar-se a depilar sistematicamente sobrancelhas, cilios, axils piibis.* Como nao dispunham de espelhos antes do cuntato cu 08 civilizados, tais cuidados intimos eram e continuam sen dispensados pelas mulheres, igualnente empentiacias en ext par 03 piolhos das cabeleiras dos parentes, Cuidar da beleza inciui necessariamente cortar os eabeios : moda alto-xinguana, As mulher rando-os apenas na fronte em linha reta, mas mantém recobe as orelhas, enquanta os homens usam cabelos curtos, aparaco: ‘em uma linha circular, logo acim clas orelhas" Durante « reclusio, quando estag isokiclas: do. e dos parentes da propria casa, ss joven usam os cabelos longe aktei muito clara, deixam crescer a frania par dangar durante o Kwarup, este! muito longa, encobrinide-tbe oan at ph que. quando rosto. Feita a danga das Nautas ng frente los visite « Se 0 Mito de reintegrugao das jovens ns Vids Soest « sio cortados, 0 que sigailica mulheres prontas para o casamento © p: Et ¢ brincos, sendo estes cltimos insignia homem alto-xinguano, Recent clara, os rapazes, depois de serem escariicados ¢ ueinados los pais, entram na disputa por prestigio social. Apresentam-se abelos pintados, pois acreditam que o unicu Pasir park unt stove: po fl prac mbém durante 6 Kwarup qu tusain clon filos cht reclusto, cle f° como corpo e os (© genipapo, 0 carvio © a tabatinga sejam bons remedios para conferir-Ihes agilidade e forga durante as lutas corpora. ‘A grande valofizagio da brancura cla pele enqusnito id estético alto-xinguano implica que, pura sereni |e: jovens, of individuos devem passar pela ceriménia du ree Sed 8 © eden, 168 © compe do brasliro pubertiria, perfodo em que sto alvo de intensos cuidados por parte do seu grupo de parentes préximos. Em outeas palavras, brancura da pele dos jovens que saem da reclusio pubertiria durante o Kwarup representa um objetivo alsamente integrador para a vida social do seu grupo. Associado a brancura da pele esta o ideal do forte, estet ‘duos magros, de estatura delgida, ‘amente expresso por estatura yrancle ¢ macica. Ind 10 considerados pouco sistentes ao trabalho © is lutas, loentios, feios e pouco desejiveis E, finalmente, além da pele © estaturt adequatas, 0 indivie duo belo também deve ter o cabelo liso. Cabelos crespos estra- vito estético do corte ¢, juntamente com a pele escura, sho considerados ingredientes de fealdade, Muito interligaca a este padrio de beleza fisica esti a id de que homens e mutheres belos devam ser alegres ¢ conunica- tivos, empenhados em agradsr, alegrar e fazer integragao de 10- dos os que 0s cercam. Mesmo dotado de bela aparéncia, o individuo deve revelar-se como belo do ponto de vista do seu cariter e de determinadas caracteristicas no convivio social, sem os quais poderé tornar-se feio, inspirando desconfianga e medo am o el de feitigaria ( ideal do individuo forte se manifesta na pratica de entolar cordéis nos bragos, joelhos, pernas e tornozelos durante as stivi- dades cerimoniais. O objetivo é tornar salientes bragos ea regio entre joethos e tornozelos, para que fiquem grossos e redondos, © que simboliza forga ¢ satide. Conseqientemente, ter a canela fina ¢ ingrediente de fealdade e reptidio por parte das mulheres, principalmente quando se trata de homens velhos ¢ de indivi- duos de “mau hilito"? Ainda de acordo com Fénelon Costa, expressio maxima da fealdade € 0 velho antepassado Morcego, um ser antropomérfico que, segundo os Mehinaku, tem a cara preta, 0 nariz comprido € jénelon Costa, op. et, p. 100 «a beleza'do corpo entre os indios brailezos 16 2 orelha fina. Feio também € o individuo que, apesar dle hele aparén a, chora ¢ vive muito triste. A tristeza humans € vi como uma doenga que acarreta a pera dt bel emagrecy na verdade, um sintoma visivel de distitbios graves «lt relay do individuo humano com © mundo sobrenatirit Feios ¢ perigosos também si os feiticeiros, seres hun! ma beleza, e prestigio ¢ as usullicses cas 5 que inveja as wii Aparecem retratactos nos desenhos come seis saitiynuis desprovidos de contomnes redondus, expressau ca beet sit, desfigurados pela inveja ¢ pelo morbidly ements ei dar doencas ¢ desgragas pura os outros: “quanto L-iti outro ganhar presente ou ¢: faz tetigo"? Em suma, 0 feticeiro representa um indivicivo social F COM MOKA HO € HE marginalizado, excluido da rede comunitirk que se confirma pelo fato de ele + apds a sua execugio, fadado a ser devorude pos aves citi as.” ° tentor de maior fealdade que os individuos estrunbos de aldcias ou wibos alto-xingusanas. # visto como tenide spares de macaco, com pélos no corpo no rosto, além de inckamett grotesca ¢ posturas exagerades. ‘ivilizado” € visto como “primitivo’ € “selvagem”, com caracw de wocas sociats,« Jo ser sepultado na ak ivilizado” 6 tido como particuliemente umbiviw ¢ «0 ‘elo como os sobre muturis, risticas nio-humanas, porque possui tanto hibits alimensar: inadequados quanto etiqueta e valores incomprecisiveis." Em suma, os Indios alto-xinguanos tém cm telagiio aos presentantes da sociedade brasileira a mesma atitucle etnoceuirica que estes tiltimos tém em relacio a eles, td, 99-100, © td. 108, Bid... 104, © thi, 1056, wo © corpe do brsiero a beleza do compo entre os Indios tras imprescindivel entre 0 mundo dos homens © 0 1 £, dentre as distintas variedades raciais de *civilizados’, negros Sto considerados ainda mais feios, jf que, alm de poss: em Isibitos estranhos, também possuem pele preta ¢ cabelos Logo apés 0 parto, os pais nitu deve trabalhut, limita crespos, atributes enfaticamente desvalorizados. Por outro lado, consumir cakdos dentry da casa escurecida Lo i seni 0 japoneses sto vistas como belos e desefiveis, pois se assent do. A esse respeito, dispomos de preciosas obset\agous fi. ham ao fendtipo dos proprios alto-xinguanos."™ pelos missionaries salesianos: Os pais, logo depois do parto, comes dura oko ou dez dias © que consis tos sélidos & de sigua muito tt, morn, sumo de cer 0s Bororo e os saus idezis de beleza ine nt ge: is carnes & Veyettis. Por uni espage Na visto dos Bororo, o mundo é habitado por diversas cate- mais dilatado, recusim carnes de cio, tatty & jac gorias de seres vivos, que incluem os seres antropomsrfices, di- Pai, dois dias depois do nasvimento, provoxirs: hes wari vididos em “seres humanos” (0s proprivs Bororo), “indios nao istricas, introduzindo pelo esdtago delyads ai; de 4. | 46 Bororo amigos”, “inimigos” € “civilizados’, Os antropomorfos tal da seriema, ou de vegetal de eins [..] Os suicide. ations habitam a terra seca junto com predadores, herbivoros ¢ roedo- que antigamente também algummas mites se eat a pritlea, Todas essas medidhts apds 0 faseimenio de uns ais res, diferentemente dos “animais do molhado*, que habitam pine tanos, lagoas € fundos dos tos. Além deles, ainds existem as ‘Ga slo destinadas, no pensamento bororo, a fortalecer 0 filho 4 preservivlo de cemtas doenyas infantis coms, por exempl, ‘aves’, 05 “peixes” € numerosis variedades de insetos, cobras, ose sem falar das muitas classes de vegetais e minerais. Além das espécies naturais, os Bororo também concebem Como se pode observar a partir desses dace uma grande variedade de espititos, considerados “donos’ ou "se- gris dietéiicas, também existe 4 prescrigdo dos vouuts nhores" de certos animais, plantas e fenémenos celestes ¢ clin Gjue:vina'a:puirmeacua araerat do Corp ea. UMD ticos, alem de “almas” de mortos que, de tempos em tempos, dos geniioces di ceania volar para os vivos sob a forma de animais de caga e peixes Portanto, entre os Bororo, para ser belo nio bast come 0 inicio da existéncia de um Bororo depende do contexto dieta adequada, 6 preciso suber como consumi-la, de vida desfrutado por sus aldeia natal Se tudo estiver em hit endo: icontvolar'a; pula enh Ga: entessce in ane monia € sua mie nio tiver tide sonhos ruins na véspera do parto, preciso comer pouco. Desvalorizamse todos aqueles que, o bebe podera viver; caso contririo, sera sumariamente ssfocudo mendo muito, comem como porcos, bem como aqueles que os e enterrado, tentam barrigas e adiposidades, sinal de indolénci © ineuntinéac Durante a gestacio, os pais devem abster-se de comer carne de filhotes de animais, sob pena de exporem-se & retaliaglio dos seus pais animais, o que demonstra bem a idéia de um equilitric sexual, Os Bororo tém horror a seres gordos @ moles, & cer °C albisette J, Venutell, Bnciclopédia Roruro (Canipe Grane: Museu Re nal Dom Bosco, 1962)... 1, p. 763 m © corpo do brasileiro mente io fariam os melhores comentitios, se fossem apresent- dos « uma jovern alto-xinguana recémsaich da reclusio! © ideal da esbekez se exprewsa pela propria indumentiria tradicional das mulheres bororo que, pelo fato de serem mais propensis a engordar no corpo, usavam, fortemente amarradas 0 ventre, largas faixas da emibira de pau-jangada, “de tal forma que os miiseulas ¢ a pele do abdome como que transbordam sobre 0 robusto cinturdo, formando um grosso refego".!* Assim, mulher é bela quando aparece vestida e “contida” nesta indumentiria, enquanto é belo 0 homem que veste 0 esto- jo peniano, simbolo da sua contengo sexual, Sto belos apens aqueles que, contendo a gula ¢ o desejo sexual, seguem adeq: damente as rexras institufdas, j4 que cada ato sexual envolve a perda irreversivel de energia vital, principalmente por parte do homem, fazenclo-o envelhecer e percer forca Se no alto Xingu as sangrias extemas feitas no corpo dos jovens visam “engrossae" bragos e pernas, entre os Bororo, elas fo © magro 0 sto intemnas ¢ visam afinar ¢ tornar leve, del corpo por meio de vomitos, principalmente em casais de pais de bebés recém-nascidos ¢ de rapazes solteitos. Os vomitos sto vistos como técnicas de purificagao ¢ de fortalecimento clo cor- po. Por meio deles, é possivel beneficiar 0 corpinho frégil das eriancinhas que sito vistas como prolongamentos vives dos cor- pos de seus pais. Assim, a pritica tradicional de vomitos de co- mica, sangue e sucos propiciava 20s bebés tornarem-se saudivel com compinhos dutos, geis na corrida ¢ leves ras longas cami- hada, antigamente feitas durante toda a estagio seca Esse ideal de homem forte mas leve € 4g setiemas, € coerente com o proprio padrio de adaptagio dos Bororo, uma sociedade de cagzdores, coletores e pescadores que, no passado, realizava intensivas migragdes para territ6tios dis- tantes de suas aldeias, no periodo das secas. O ideal de homem 8 thi, 9.89, atseezs dovcerpe antee of indins brasoivor forte mas teve, magro ¢ elegante contrasta com mem macigo, de formas arredondadas, apreciaclo jela » alto-xinguana que, tradicionalmente mais empenbiada i hiss cultura e na pesca, bem mais sedentiria, valoriz residencial Se para os Bororo © ser belo sigaiic corpo fino, 9 ideal estético do rosto € representa por de onga, testa e , pai de dois irmaos que so os herdis mais imporiani=s pester centes a um mito da tribo. Gabe 3 ch mole dos bebés, enquanto o p: senvolver a forga € a resisténei por meio de extenuantes exerci As partes muito moles das caberas dos jovens, ibis infer res dos menininhos e |ébulos das orethas dos jovens ve an 08 Sexos, ass sexu iz. achatados, semelluante se ssto. eh tom 10 de de dos fillios homens € solteitos Ci0s fisicos. dos A voltipis e & licenciosidade «to: r sto perfurados para serem ensije nos labiais € brincos. Isso porque, seji na diets, seit 11 dis pessoas, 0s Bororo nao gostam dis coisis moles © sult sem recato, sendo belo tudo 0 que for firme ¢ dijo, Lem: prepa doe amarrado Da mesma forma que a yostosa preci ser bem cozida ¢ cheirosa, scrvida em potes ou em bandejas, os individuos também devem se apresentar com boa aparéneia fis ca, bem cuidados ¢ perfumados com resinas, bem compostos. endurecidos © amarrados, para serem bem reccbides em set meio social De acordo com outro mito, es Bororo criginaram-se dle unt casal primevo formado por um heréi humano e um veado femes cujos primeiros descendentes tinham 0 corpo € 0 rosto como as. veados, como 0s “civilizados’, enquanto os seguiates nasceran com rostos humanas e pélos ne corpo ¢ 08 tiltimos, com rostus & corpos sem pélos. Portsnto, tal como a belezt do corp de individuo humano, a propria tasmanidade s6 pode ser construid Os poucos, passando por viirios esiis os de desenvolvinwnie, 174 © cerpe do brasileiro Ser humano signi que 08 tém sio nido-humanos, estigma de seres cujos hit chegam a ser compreendidos por eles, Assim como no alto Xingu, também entre os Boraro, a depi- igio do rosto e do corpo 6 reqiuisto fundamental A beleza cor poral, que tem como objetivo purificar certas partes do corpo € realgar 0 efeito estético de pinturas ¢ de adornos. Por essa 2710, também os Bororo acham fei0s 05 Fostos € os corpes dos “civilizados", alvo de chacotas € zombarias, representaclos por figuras barrigudas e desajeitadas em pantomimas que a todos alegram, Apesar de depitados, os seres humanos nia deisam de pos: suir cabeleiras. Apenas conheceram 2 auséncia total ce eabelos a partir do contato com os homens “civilizados”. A cabeleirt dos Bororo lem uma franja, cabelos curtos encobrindo as orelhas sem tampar 0s brincos usidos por ambos os sexos, ¢ cabelos Jongos atras. As mulheres, quando iniciam o luto, cortam os ca- belos até a raiz, enquanco as de luto adiantado ostentam longas cabeleiras sem franjas nem cortes. Além de associada a habitos corporais e alimentares desva- lorizados, 2 feitira clas “civilizados' também decorre da sua in- “no ter pélas’ no corpo, pois aqueles 10s no continéncia verbal, que contrasta vivamente coma tigida etiqueta de comunicagho verbal utlizada pelés Bororo. E, pior ainda: © assim chamado “civilizado” fala mas ndo cumpre, 0 que até hoje tanto desconcerta 0s Bororo ¢ cemais indios. Segundo os missionarias, logo apés 0 parto € 0 banho, © recém-nascido ¢ besuntaco com urucum e apresenta “tez clara cabelos longos, isos e pretos’, todos ingredientes de beleza api ciados pelos Bororo, além de tum outro, 0 choro mais Ou menos forte do bebé."* Portanto, como 0s indios alto-xinguanos, 0s Bororo valori- 2am 03 individuos de pele clara @ cabelos lisos, mas acham feios bid, p76. a bela docorpo entre a¢ nie brass: 68 individuos de pele escura e cabelos crespos. Ne eriangas com vor forte poderdo ser levadas a entusiasina-se | fos cantos que, quando realizados com excelaneis, eveauitin todos, ingrediente importante para a beleza e o ps 2 ie um homem Bororo, Ao ser indagade por que havia escothide dewseninadss nie ther para esposa sua “mulher € dese”ivel porque sabe chorar’. Iss) apesar de gorda © envelhecids, tos rituais com grande prerfeigio: posturs de corps es Profurda tristeza, movimentos onciulantes preta, voz cheia ose um velho Borozo respondeu que, ainels bi} nie gu continua reatizandey os pr resin Ia gratide cabelas ado entre solugos, MUIMIGrios © grit lancinantes, bragos © como des feitos durante funerais, A misica, a danga e as anes estio profundamente vinculadas com u 50 que, por sua vez, esti interligado a0 mundo cis atividade Produtivas. Assim, no c4so dos Bororo, todas as cugadas e pest: ras coletivas sdo necessariamente precesdidas por sessBes te realizadas na noite anterior & saida das excursdes 5 cantos tém como objetivo pedir re piritos e xos ancest dle animais de eas nhados por cones e cicauize s dos indios [srasileitc tic n mundo migivo-rel peitossmeEnie ei « que liberem as varias espécies de peixs para 0 consume desses indios, {fos grandes cantadores Bororo sto belos porque, quando tocain seuss choxie Ihos e cantam, seduzem com a musica os espititos detios dos animais, persuadindo-os a enviasem e enfeitar os Bororo, A beleza dos cantadores provem dat que entoam os longos cantos, que sprendetn thos desde a mais tenra idade. Provém ainda do fato de qu cantadores, extenuando-se por noites inteiras, sacrificani-se c prol dos beneficios de todos, pois é belo 0 homem, antes de tudo, generoso, proictor € provedor dos seus seiiethantes "ig € peixe part sbastecer raga € dy gubo con mc 176 0 corpo do brasbiro Enxutos, magros, disciplinados € flexiveis, os cantadores, homens maduros e maceraclos pelo tempo, representam um ideal de bele: interna, literalmente manifesta pelo seu fOlego em passar noites inteiras cantando para depois sair 4 caga. Quanto mais o individuo se empenhar em atividades visin- do 0 beneficio alheio, mais belo e desejfivel ele se toma. Isso porque dele emana no mera aparéncia, mas beleza velada, vie tude humana bisica: a compaixio com todos aqueles que care- cem de cuidlidos, especialmente os drfios € os enlutados, E, sendo belo por dentro, 0 individu se moveri para dar atenclo aos mortos e acs parentes préximos dos finados que, ageideci- dos, v0 torni-lo belo por fora também. Assim, 20s olhos dos Bororo, o dpice da beieza fisica € espi- ritual de um ser humano é atingido quando, sempre homem, nunea uma mulher, & escolhids para assumir os encargos de representagao de um(a) Bororo recém falecido(a) © escolhido € profusumente omamentado ¢ pintado para dangar durante a primeira fase dos funerais, nao em seu nome, s em nome do(a) finado(a) que representa. Depois, quando a ¢ entrega 4 familia do morto uma onea a titulo de desagra- vo, o representante € totalmente recoberto de urucum, ceceben- do enfeites, armas © um nome pessoal daquela familia, Em cerimOnia que também di inicio a0 ltto € redime os parentes préximos do finado, o homenageado, todo pintado de vermelho, G alimentado ¢ honrado como se fosse um filho forte, sauckivel, generoso belo como © Sol, abanado pelas mulheres para es- {iar 0 imenso calor ~ poder de atragio, sedugio para a vida - que dele emana. Recepticulo periédico ca alma ce um(a) finadlota), 0 Bororo, fal € come por dois ouiros: um, a alma do moto, que sau do corpo de um ser humano; ¢ outro, o espirito de uma ong abuts, A forga dla sua beleza emana do fato de represeniar um momento ue, além dla elegincia intrinseca, tamisém revela forga m: que 6, 2 um sé tempo, representante € cagaclor de ong, a belezs-do corpo entre os indos braieves amistosa & cerimonial de integracio MOMS! EL: 96s he nos e almas de mertos humans e de mortos sniinitis: Retlec af a idéia de que, pelo fato de mataremrse uns 4s H44t0S, Se humanos € nao-humanos cevem rela seem pe le igual de, nutrindo-se ¢ respeitando-se uns sos outtos A concepeao de mundo tos Bororo, bem como = de outie: indios, é a de que haia o equilibrio entre as diversas part cosino, que implica igualmente resp proprios fumanos e viela social rica em pri bens e riquezas No passado, para evitar brigas dentro das aldeias dos Boroxs jovens solteiras ati ito bonitas e cobigaclas enum obr clas a prose servigos sexuais a todos essis mos: n enfeites, peixes ¢ fechas, sence a sus fngao social altamente respeituc: tinham o direito de es ueles que as desejassem. Em In recel de mado que, ae engcavil scolher um inarido dente as

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