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TEORIA DEMOCRÁTICA II

AULA 19
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA (2): IRIS MARION YOUNG E A POLÍTICA
DA DIFERENÇA
TEXTOS: YOUNG, IRIS MARION. « THE IDEAL OF COMMUNITY AND THE POLITICS OF
DIFFERENCE »

Semestre: 2023.1
Aulas: Terças e quintas, 09h30-11h10
Professor: Diogo Cunha
E-mail: diogo.accunha@ufpe.br
O ideal de comunidade e a política da
diferença
■ Teóricos radicais opõem ideal de comunidade e sociedade capitalista patriarcal, sem
articular uma definição de comunidade
■ Comunidade ⇒ Conceito disputado ⇒ Pontos comuns da crítica: o individualismo
liberal e crença no socialismo democrático como melhor forma de organização social.
■ Crítica de Young à noção de comunidade ⇒ Nega a diferença entre sujeitos e se liga
ao mesmo desejo de totalidade e homogeneidade que subjaz o racismo e o chauvinismo
étnico, de um lado, e o sectarismo político, do outro. Além disso, é utópica e ignora que
violência e alienação também ocorre nas relações entre indivíduos (e não apenas
mediada por instituições).
■ Proposta de Young ⇒ No lugar de comunidade como ideal normativo de emancipação
política, uma política da diferença.
A metafísica da presença
■ Principais conceitualizações utilizadas por Young ⇒ « Metafísica da Presença » (Derrida) e
« Lógica da identidade » (Adorno) ⇒ Pensamento em termos de unidade, representações do todo,
vida social como um sistema.
■ Tal lógica gera uma oposição hierárquica ⇒ sujeito/objeto, mente/corpo, cultura/natureza,
masculino/feminino ⇒ Qualquer tentativa de definir uma identidade ou uma totalidade fechada
leva à exclusão, a separação do que é considerado « puro » e « impuro ».
■ Críticas à metafísica da presença:
1. Tentativa de trazer as coisas a uma unidade está condenada ao fracasso; tentativas de criar
totalidades não cria uma, mas duas: dentro e fora.
2. Reprime ou nega a diferença.
■ Argumento de Young ⇒ O ideal de comunidade exibe um impulso totalizante e nega a diferença;
A oposição entre Individualismo e
Comunidade
■ Críticos do liberalismo evocam uma concepção de comunidade como alternativa ao
individualismo: ele não preexiste às relações sociais com desejos e objetivos prontos, sendo
o produto de uma identidade compartilhada com outros.
■ Na cultura burguesa, oposição individualismo/comunidade foi associada à oposição
masculino/feminino:
1. Individualismo/masculino ⇒ Autossuficiência, competição, igualdade formal de direitos.
2. Comunidade/feminino ⇒ Relações afetivas de cuidado, ajuda mútua e cooperação.
■ Simplesmente inverter essa relação não constitui uma alternativa à sociedade patriarcal
capitalista, pois são valores que emergem e pertencem à cultura burguesa.
■ Ambos os « lados » ou « colunas » de valores negam a diferença;
A oposição entre Individualismo e
Comunidade
Individualismo Comunidade
Masculino Feminino
Público Privado
Calculista Afetivo
Instrumental Estético
Definindo diferença no interior e entre
sujeitos
■ Rejeição de uma série de interpretações do ideal de comunidade ⇒ Carol Gould, a
partir da ontologia social de Marx, Seyla Benhabib e a ideia de posição do outro
concreto, Isaac Balbus, Roberto Unger, Dorothy Allison.
■ Ponto comum desses autores ⇒ Entendem comunidade como a unificação de pessoas
particulares por meio do compartilhamento de subjetividades: pessoas cessarão de ser
opacas, outras, incompreendidas para se tornarem fusionadas, mutuamente empáticas,
compreensivas consigo mesmas e com os outros ⇒ Tal ideal de subjetividade ou
transparência nega as diferenças na base da assimetria entre sujeitos.
■ Compartilhamento (comunidade) nunca é compreensão mútua e reciprocidade
completa; compartilhamento é frágil (não compreendemos o outro completamente) e
também leva a incomrpeensões, rejeição, retirada e conflito;
Definindo diferença no
interior e entre sujeitos
■ Ideia de « sujeito em processo », de Julia Kristeva, a partir
das noções de consciência/inconsciência) ⇒ Afirma que nossas
falas nunca têm um sentido literal e intencional: é feita de
ambiguidades, gestos, tons de voz, ritmos, o que contribui para a
heterogeneidade de sentidos não intencionais.
■ Como o sujeito não é uma unidade, não posso me conhecer
plenamente ⇒ Qualquer sujeito individual é um “jogo de
diferenças incompreensíveis”.
■ Se o sujeito é um processo heterogêneo, ele não pode ser
transparente e plenamente compreendido pelo outro.
Definindo diferença no interior e entre
sujeitos
■ Ideia de uma subjetividade compartilhada é uma impossibilidade e tem implicações
políticas indesejáveis.
■ Argumento de Young ⇒ Reconhecimento recíproco e identificação com o outro nega a
diferença e dificulta o respeito ao outro; é o mesmo sentimento que subjaz o racismo e o
nacionalismo étnico.
■ Racismo e chauvinismo étnico crescem com o desejo de compreender os outros
como nos entendemos e do desejo de ser compreendido como eu me compreendo ⇒
Na dinâmica do racismo e do nacionalismo étnico, a identificação do grupo se faz em
primeiro lugar pela rejeição do outro;
A negação da diferença como
distanciamento temporal e espacial
■ Vários teóricos defendem o ideal de comunidade como um tipo de relacionamento « face-a-face »,
sem mediações.
■ Young considera esse ideal problemático:
1. É ilusório ⇒ Mesmo o face-a-face mais imediato é mediado por gestos, vozes, espaço e temporalidade
e
2. Identifica mediação com alienação (implica um modelo de boa sociedade formada por pequenas
unidades descentralizadas).
■ Young ⇒ Não há fundamento conceitual para considerar as « relações face-a-face » mais puras e
autêntica do que relações distantes no tempo e no espaço; em ambas há a possibilidade de violência e
separação e de comunicação e consenso.
■ Por que, então, os comunitaristas privilegiam as relações « face-a-face »? Young: porque eles associam
erroneamente mediação com alienação
A negação da diferença como
distanciamento temporal e espacial
■ « Alienação », segundo Young ⇒ Situação em que as pessoas não tem o contrôle de suas
ações, das condições de suas ações e das consequências de suas ações, devido à
intervenção de outros agentes.
■ Estruturas que criam alienação e dominação ⇒ Burocracia e a mercantilização de todos
os aspectos da atividade humana;
■ Teóricos da comunidade ⇒ Projetam a comunidade ideal no futuro, criando uma
dicotomia entre o presente alienado e a comunidade autêntica do futuro não mediada ⇒
Uma política libertadora deve conceber o processo social em que nos movemos como
uma multiplicidade de ações e estruturas que coexistem e se contradizem, algumas delas
exploradoras e outras libertadoras.
A vida na cidade e a política da diferença

■ O desmantelamento das grandes cidades modernas para pequenas comunidades


centralizadas é utópica;
■ Young ⇒ Começar o processo de mudança a partir das grandes cidades é desejável ⇒
Despertam grande atração e até mesmo o sentimento de liberdade. Algumas premissas:
1. A produtividade da cidade pode prover a necessidade de todos;
2. Todos podem ter um trabalho que faz sentido e quem não pode trabalhar é provido com
dignidade;
■ Cidade como um tipo de relação entre as pessoas;
A vida na cidade e a política da diferença

■ Enquanto processo de relacionamento entre as pessoas, a vida na cidade incorpora a


diferença em todos os sentidos:
1. A cidade exibe o distanciamento e a diferenciação temporal e espacial que o ideal de
comunidade procura colapsar.
2. A diferenciação temporal e espacial que marca o ambiente físico da cidade produz uma
experiência de inesgotabilidade estética.
A vida na cidade e a política da diferença
3. A vida na cidade é o « estar-junto » de estranhos. Os estranhos encontram-se uns com
os outros, quer cara a cara, quer através dos meios de comunicação social,
permanecendo muitas vezes estranhos, mas reconhecendo a sua contiguidade de vida e
a contribuição de cada um para os outros.
4. Os espaços públicos da cidade são, simultaneamente, uma imagem das relações totais
da vida na cidade e uma forma primária de essas relações serem encenadas e vividas.
Um espaço público é um local acessível a todos, onde as pessoas se envolvem em
actividades individuais ou em pequenos grupos.
5. A vida na cidade implica uma inesgotabilidade social muito diferente do ideal da
comunidade face-a-face, na qual existe compreensão mútua e identificação e lealdade
de grupo.
A vida na cidade e a
política da diferença
■ Young afirma um ideal ⇒ A política da diferença.
Partindo do princípio de que a diferenciação de grupos é
um dado da vida social, como é que as relações de
identidades de grupo podem incorporar a justiça, o
respeito e a ausência de opressão? A relação entre
identidades de grupo e culturas na nossa sociedade está
manchada pelo racismo, sexismo, xenofobia, homofobia,
suspeita e escárnio. Uma política da diferença estabelece
meios institucionais e ideológicos para reconhecer e
afirmar grupos que se identificam de forma diferente em
dois sentidos básicos: dar representação política a
interesses de grupo e celebrar as culturas e características
distintivas de grupos diferentes.

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