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VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA:

O PARADOXO BRASILEIRO

Prof. Desirée Machado Teixeira

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VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA: O PARADOXO BRASILEIRO
Peralva, A.

Merton: Anomia = dissociação das condutas conforme sua


orientação em direção a fins ou aos meios para atingi-lo.
(sentido positivo à condutas definidas pela aceitação dos fins
e a recusa dos meios reconhecidos socialmente)

Durkheim: Anomia – decomposição das normas e dos


vínculos tradicionais introduz um individualismo destruidor
que se traduz no dinheiro a qualquer preço. Dessocialização
produz o encontro direto entre as necessidades sociais e a
recusa das regras. (sociedade contraditória que ameaça a si
mesma, expulsa e rejeita sua fraqueza, construindo uma
contracultura delinquente)
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Força de uma sociedade = força das instituições para
promover a integração social e capazes de lidar com o
desvio.

Sociedade débil: instituições que definem a normalidade


são impotentes e geram diversas formas de desintegração
social. (exteriorização dos problemas internos de uma
sociedade). Autoridade e conflitos pessoais substituem os
mecanismos institucionais.

Condutas em contradição com as normas sociais:

1. autodestrutividade;
2. violência física entre bandos rivais;
3. agressividade contra a ordem social
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=> Análise da experiência democrática a partir de 2 eixos
constitutivos: igualdade e liberdade.

• Sentimento de igualdade (primeira expressão histórica da


democracia) é a base da formação da democracia
burguesa (esboça a autonomia da sociedade civil).

• Estado social – operador da igualdade e limitador das


desigualdades sociais. Experiência democrática baseada
na crença que todos são iguais.

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Ditadura: crescimento econômico significativo. Sociedade
tinha se tornado mais livre e mais igual durante o regime
militar. A liberdade foi sendo construída na medida que os
movimentos sociais se formaram, experimentando outras
maneiras de fazer política (mais autônomas), impactando
imediatamente o sentimento de igualdade (clientelismo
debilitado) com consequências sociais (melhorias em
bairros populares e acesso a escolaridade longa).

CF 88 – expectativa se ser texto fundador da vida na


democracia. Congresso constituinte: espaço de
condensação de demandas díspares de grupos de pressão.

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• Transição democrática - ruptura progressiva com a
experiência institucional – vazio institucional possibilitando
o desenvolvimento da violência.

• Maior capacidade de uma coletividade em valorizar a


cooperação = maior capacidade de vincular o interesse
individual e o coletivo = menor violência.
• Sociedade brasileira manifestou alto grau de tolerância e
produziu estratégias de adaptação.

• Ressegregação: Insegurança como metáfora da hierarquia


enfraquecida. Ricos e pobres apelam para os guetos.

• O fim da ditadura redefine o conjunto de relações:


separação mais clara entre Estado e sistema político (volta a
ser sensível as demandas dos eleitores na forma de escuta
fragmentada).
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• Desafio: construir um Estado que controle o
funcionamento das instituições sem contradizer os
princípios das liberdades individuais.

• Para que o respeito a lei seja regra, é preciso que haja


uma reiteração simbólica da vontade de todos de
compartilharem uma existência comum (reconhecimento
do direito a vida como direito humano universal)

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A EXPERIÊNCIA DA DEMOCRACIA

• Democracia brasileira: uma crise que não acaba nunca com


raros períodos de trégua Ditadura deixou custo social alto para
o período de abertura política: dívida externa e inflação
resistente.

• Desafios posteriores: modernização do Estado e a


internacionalização da economia produzindo mudanças
socioculturais = generalização de um individualismo de massa
e exclusão econômica (desemprego).

• ONGs como alternativa ao déficit de políticas públicas


(práticas descentralizadas como recomendado pelas
organizações supranacionais -OCDE, UE) correspondendo a
cultura da democracia participativa - artigo 204 da CF.

• Ressalta-se que a ação do Estado é insubstituível. 8


• Desigualdade como centro da reflexão democrática.

• Paradoxo: redução relativa da pobreza em contexto de


crise econômica.

• Crise impactando menos as classes mais modestas por


causa dos benefícios indiretos: Políticas de urbanização,
elevação da escolaridade e estabilização da moeda –
apesar do desemprego. Redução da desigualdade no
desenvolvimento econômico e humano entre as regiões.

• Elevação geral do nível de vida relacionado aos


processos de generalização de um individualismo de
massa: transformações na relação de trabalho (perda da
influência da cultura operária).

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• Início de 1980 – Homens, chefes de família, reivindicavam
os valores do trabalho (provedores) enquanto os jovens se
viam como consumidores.

• A mudança afetou a estruturação do vínculo social. O


trabalho deixa de ser um elemento central da experiência
popular (meio de vida) e passa ser vetor do consumo
(ampliado) personalizado, não determinado pelas prioridades
coletivas da família.

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• Transformações na religião: declínio da Teologia da Libertação
(religiosidade militante) suplantada pelas novas denominações
protestantes (neopentecostais) com grande impacto na indústria
cultural (grandes investimentos em comunicação de massa).

• Influência evangélica penetra com mais amplitude entre as


camadas mais pobres e de baixo nível de escolaridade. Rap e funk
– mudança na conotação política de base.

• A crise econômica durante a abertura política não impediu o


ingresso em uma sociedade de massa. 3 vetores para os avanços
na igualdade: movimentos sociais, transformações urbanas e
progresso no consumo, escolaridade e participação cultural
(mecanismos de integração social).

• Efeitos: novos grupos sociais no espaço político, acesso a bens e


serviços urbanos para a população excluída lança o conflito social
em novas bases.
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LUTAS E MOVIMENTOS

✓ 1978- liberdade sindical – primeiras greves de resistência à


ditadura no ABCD. O setor público passa a liderar longas
greves (década de 80 – resistência às privatizações e contra o
arrocho salarial).

✓ A capacidade de organização do sindicalismo urbano se


ampliou e as greves afetaram setores estratégicos.

✓ Crescimento da taxa de sindicalização no meio rural foi mais


tardio. A democracia criou condições para surgimento de um
movimento político (disputas territoriais para além da
localidade). O MST traz para o cenário a questão do acesso a
terra. O MNMMR (UNICEF e Comunidades Eclesiais de Base)
traz a questão de crianças e adolescentes pobres, “o direito a
ter direitos”, criticando a internação e a repressão a crianças
“em situação de risco”. 12
✓ Movimentos identitários – negros e indígenas – modificando as
formas de definição da identidade nacional.

✓ ECA – 1990 – direito de livre circulação de adolescentes


(expectativas: tratamento e proteção compatíveis com a liberdade e
substituição de praticas educativas repressivas pelo diálogo e
negociação) enfrentou o preconceito social.

✓ Movimentos identitários – enfrentam a ideologia do “branqueamento


da raça” em oposição à diversidade cultural como traço característico
favorecendo a consciência de uma identidade coletiva. Fim dos anos
70 - tema da identidade emerge no espaço público

✓ Reconhecimento de Zumbi. reconhecimento das línguas


indígenas repercute no ensino da história do Brasil, uso da língua
indígena no ensino fundamental, LDB(96)

✓ maior tomada de consciência do caráter histórico pluricultural da


formação brasileira. 13
UMA PAISAGEM URBANA TRANSFORMADA

• Especulação imobiliária e a invenção pelas camadas populares de


novos espaços habitáveis (criação de novos bairros à margem da
lei). Mutirões. Associações de bairro

• Segregação simbiótica – modo de estruturação das relações


sociais.

• RJ – entre 62 e 73 – Política de remoções sistemáticas. Conflitos


privados: ocupante e proprietários (terrenos de difícil urbanização).
Construção de conjuntos habitacionais em subúrbios distantes.

• Motivos do fracasso: 1 – precariedade profissional e instabilidade


de renda da população alvo (repasse de contrato). 2 - Distância
dos bairros de origem e do local de trabalho (retorno a favela).

• Fim de 70, tem início as ações de urbanização na favelas (água,


luz, coleta de lixo, telefone, etc.)
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GUETOS VOLUNTÁRIOS

• Favelas – espaço notável de integração de migrantes do


interior.

• Catolicismo como regulador moral, baseado na ajuda mútua.


A precariedade facilitava os laços de solidariedade,
produzindo a percepção de um mundo a parte, com pouca
participação no lazer da cidade, tornando-as pólos culturais
que tiveram que se abrir para o exterior.

• O laço com a política passava mais fortemente pelas relações


de trabalho do que pelos problemas urbanos e habitacionais
(clientelistas).

• Com a urbanização, a maneira de fazer política também se


modifica, movida pela perspectiva de uma integração mais
estreita com a cidade. 15
• Acordos coletivos para viabilizar a urbanização. A metáfora
comunitária do discurso religioso (Teologia da Libertação)
deu forma ideológica à mobilização. O engajamento dos
favelados como atores coletivos permitiu que se reduzisse
os custos de uma urbanização.

• A eletrificação (48/58) foi o passo decisivo para a


urbanização das favelas. No processo, as características
demográficas passaram a ser melhor conhecidas. O
espírito democrático (fins de 70) implicou no acesso a
serviços dos quais estava privada até então.

• O lixo produzido nas favelas (1/3 do total) não tinha


tratamento. Mutirões de limpeza. Disposição espacial nem
sempre permitiam a coleta. Instalação de caçambas,
funiculares e containers. Garis comunitários.
• 16
• Estabilização de terrenos e fim da ameaça de remoção,
alterou as construções e hoje há forte integração com o
entorno. Indicadores socioeconômicos sugerem não haver
mais diferença entre os favelados e moradores de outros
bairros populares. A favela não pode mais ser vista como o
lócus da pobreza

• Formação de líderes locais mais autônomos. Serviços com


presença débil, sobrecarregaram as associações com
demandas, mergulhando os movimentos associativos em
tarefas administrativas, influindo no declínio da
mobilização.

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NOVOS TERMOS DO CONFLITO SOCIAL

• Mutação igualitária marca o ingresso em uma sociedade


formatada pelo individualismo de massa. Mecanismos de
regulação assentados na desigualdade social perdem
força. Conflito sociocultural decorrente demanda
compreender a nova maneira que as relações entre os
atores da cidade se dá.

• A cultura como elemento fundamental da dinâmica


igualitária (elevação da escolaridade contribui para o
sentimento de igualdade)

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A DESSEGREGAÇÃO

• A favela “desce” o morro mas mantém seus vínculos. Aspiração de


escolarização maior - demanda por cursos noturnos.

• A integração questiona as regras do jogo social (o jovem passa a


ser responsável pelo seu próprio processo de inclusão). A igualdade
é ativamente reivindicada. Universo intensamente relacional
(protetiva da dissolução na sociedade de massa).

• Interpenetração dos morros e da classe média (espaços públicos


de lazer diversificados). As relações sociais se democratizaram e se
projetam para fora da escola, mas sem reciprocidade (excluindo o
espaço privado)

• A religião serve para enfrentar angústias e incertezas (técnica de


gestão do eu íntimo).

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• Produz conflito: a defasagem entre o olhar da cidade
para os favelados, entre as formas simbólicas pelas quais
a identidade favelada é definida e a realidade material e
cultural efetivamente vivida.

Os termos do conflito

A tensão evidencia-se em 3 questões:

• ficar ou sair da favela (com relação a possibilidade de


manutenção de identidade pessoal, um lugar próprio esse
mundo integrado);
• como integrar-se com a diferença inscrita na sua história
pessoal;
• como lidar com a discriminação e o racismo.

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FATOS E INTERPRETAÇÕES

Taxa de homicídios no Brasil: 1980 – 11,68; 1990 – 22,20; 1997 –


25,37; 2016 – 30,3

4 eixos de análise:

1. continuidade autoritária: Dificuldades para a reforma das


instituições. O enraizamento das práticas violentas no seio da
população – oferta insuficiente de ordem legal e legítima
favorecendo essa expressão ideológica. .As falhas do Estado
favoreceram o mercado de segurança privada.

2. desorganização das instituições responsáveis pela ordem


publica: Obstáculos a reforma, com efeitos no aumento da
criminalidade. Demandas por direitos sociais.

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FATOS E INTERPRETAÇÕES

Taxa de homicídios no Brasil: 1980 – 11,68; 1990 – 22,20; 1997 –


25,37; 2016 – 30,3

4 eixos de análise:

3. a pobreza – a geografia das mortes e das intervenções policiais,


população carcerária relaciona com a violência. Interdependência
entre direitos e a construção da solidariedade. Questões relativas
ao engajamento no crime.

4. Impacto da mudança social - A mudança desfaz vínculos ao


mesmo tempo que cria outros. 2 tipos distintos de violência
surgem: 1- crescimento do racismo e da extrema direita; 2 –
manifestações que expressam a ausência de mecanismos de
regulação adaptados ao novo quando sociocultural nascente, que
engendram uma sociabilidade conflitiva.
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À SOMBRA DO CRIME

• Crescimento da criminalidade é inseparável da


desorganização das instituições (violência policial,
envolvimento de policiais com o crime, segurança privada).

• A modernização sociocultural associou-se à ideia de que a


vida tem maior risco do que no passado (antecipação).

• A incapacidade do Estado em garantir a ordem pública


produziu novas formas de violência e novos conflitos
socioculturais

• Violências de oportunidade - Policia (corrupta) ineficaz,


impunidade (1990 - 82% dos crimes sem investigação). A
criminalidade torna-se mais letal, com funcionamento em
rede. Relação entre criminalidade e política.
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• Privatização da segurança e justiça ilegal – Ineficiência das
instituições favoreceu a privatização da segurança, com duas
vertentes: forças profissionais privadas e justiçamento.

• O retorno a democracia generaliza comportamentos violentos –


fragilidade da relação com a lei (discurso de justificação e
legitimação – abolindo as barreiras simbólicas)

• falta de arbitragem legal - banalização da violência extrema.

Exemplos de violência não criminosa da juventude pobre:

• Surfe ferroviário (RJ 85/91) encenação espetacular e expressiva


do risco.

• Bailes funk -associado a um imaginário do medo.

• Arrastão (92) – meio de afirmação do direito de presença de forma


conflitiva
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Expressões da participação na sociedade de massa – a imagem e o
lugar dos pobres na vida moderna colocados em termos conflitivos.

A generalização do crime encobre os conflitos sociais decorrentes dos


aspectos positivos da democratização. Sob o impacto direto ou
indireto do crime, esses conflitos demoram a assumir forma política.

Risco e Modernidade
• Risco e autorrealização individual (projeção de futuro) se tornam
sinônimos. Mudança conferindo maior importância a
autorrealização individual em detrimento do que é legado.
• Tensões presentes na educação familiar: internalização de
categorias culturais e morais coletivas X reveladores de
potencialidades internas, permitindo a transformação destas em
competências específicas para agir no mundo, preparando as
condições subjetivas da autorrealização individual.

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3 ELEMENTOS DA PRODUÇÃO DE SI COMO INDIVÍDUO:

✓ referência coletiva (espelho da existência);

✓ engajamento em uma modalidade qualquer de risco

✓ e uma representação conflitiva desse ser autônomo em


oposição a representações sociais ou culturais que negam
essa autonomia.

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• O conflito pode assumir formas violentas quando sua
expressão política é impossível.

• Risco aceitável (Giddens) - Quanto mais débil a sociedade,


maior a primazia do privado e da família sobre a vida pública
(clientelismo). Cordialidade como inverso de civilidade.

• Os modernistas reconstruíram as representações relativas à


identidade nacional, antecipando o multiculturalismo
(Macunaíma)

• débil crença no Estado como apoio de condições solidárias


da ação coletiva. Estado autoritário impediu que fosse
reconhecido como garantidor da igualdade perante a lei.

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A ESCOLHA DO CRIME
• A oposição entre trabalhadores x malandros não existe mais
(identificação).

• A cocaína instaurou uma nova relação entre a favela e a cidade e a


geração mais jovem é a mais afetada.

• Guerra as drogas = guerra da cidade contra a favela – a guerra, a


morte e o medo dão forma de uma relação de força, sem se
expressão em termos políticos.

• O narcotráfico territorializa a favela como espaço físico com regras


próprias e como história comum compartilhada.

• A violência da guerra as drogas é tolerada pela cidade. A favela é o


inimigo da polícia, e esta intervém de forma ambivalente, já que a
outra face é a corrupção.

• Jovens entre o comercio ilegal e a instituição policial – como


manter distância (o narcotráfico divide a favela) 28
CONCLUSÃO

• Redemocratização - além de fato político. Violência


generalizada resultado da confluência de duas lógicas:
transformações no plano social e inépcia das instituições
encarregadas da ordem pública

• Débil enquadramento político dos novos conflitos – duas


consequências: a revolta que se expressa na incivilidade
(busca de seu lugar próprio no mundo); a participação, bem
como as estratégias de individuação se expressam num
engajamento em riscos extremos.

• A violência se explica pela debilidade institucional e pela


relação frágil do brasileiro com a lei (identificada com o
poder e a opressão), e não pela ausência de liberdade ou
pela desigualdade.
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CONCLUSÃO

• Valores coletivos mínimos da sociedade liberal: cooperação,


reconhecimento do outro e o direito a vida. Se esses valores não são
compartilhados, ocorre a generalização da violência. Para evita-la, a
democracia precisa garantir um equilíbrio (construção histórica)
entre igualdade, liberdade e a referência a uma lei comum.

• O Estado brasileiro tem a obrigação de abandonar repressão


militarizada em favor de uma abordagem técnica e investigativa
(eficiência). Redução da violência relaciona-se ao maior controle de
armas.

• A tolerância (adaptação) a respeito aos déficits das políticas publicas


elevou o nível dos riscos socialmente aceitos, alimentando a
violência. Diante do crime, a ambivalência (atributo da condição
moderna) reina.

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• Individualismo de massa: Comportamento mais reflexivo,
por isso, mais ambivalente.

• Aceitar a ambivalência como característica cultural positiva


e reafirmar que o direito a vida seja um princípio central.

• Reformulação da polícia e da justiça (instituições frágeis


não produzem dados confiáveis sobre os crimes).

• A ideia dos Direitos Humanos se interioriza mas as


instituições precisam ser eficazes.

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