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O que é...o falo?

 A partir dessa pergunta fundamental para a investigação


sobre o Inconsciente e a Diferença Sexual, o psicanalista francês e
interlocutor na XXI Jornada da EBP-MG, Pierre Naveau, respondeu algumas
questões. Você poderá ler aqui no L’incs #3 alguns trechos dessa
esclarecedora conversa. A entrevista original está publicada em Revue de
Psychanalyse La Cause du Desir, 95, avril de 2017, Navarin Editeur, pp. 25-
32.Uma versão traduzida será publicada na íntegra na próxima Revista
Curinga.  

A comédia do falo

Pierre Naveau

Anaelle Lebovits-Quenehen – É possível dar uma definição do falo?

Pierre Naveau – Digamos de uma só vez. O falo que é, antes de mais nada,
um semblante,  pode, segundo Lacan, ser definido, como significante ou
como órgão, ou ainda como função que escreve um gozo.

Enquanto significante, ele pode ser aquele do desejo ou aquele do gozo. Mas
ele pode ser também um significante sozinho. E isso, mesmo que ele esteja
excluído do lugar do significante e que ele não tenha significado.

Em seu Seminário A Angústia[1], ele é considerado por Lacan como sendo


um órgão que conhece diferentes vicissitudes: ereção certamente; mas após
a tumescência, vem a detumescência.

Enquanto função enfim, ele escreve aquele entre os gozos que é o  fálico.

A.P. – Como passamos do falo como significante de uma falta ao falo como
escrita de uma função que faz suplência a não relação sexual?
P.N. – Suplência e falta, efetivamente, se opõem. A questão é, portanto, sutil.
A modificação diz respeito à letra (PHI). Ela designava até há pouco tempo
um buraco. Ela reenviava, por exemplo, ao intervalo que existe entre os
significantes, ao enigma e ao mistério de uma falha que existe na linguagem.
Ela escreve agora alguma coisa que faz suplência a um buraco. Não se trata
mais de um precipício, mas da ponte lançada por cima de um precipício.

A função do falo PHI se define então segundo o modo pelo qual a


variável x  vem lhe dar suporte. Esse é o ponto de partida da invenção, de
Lacan, do que ele chamou as fórmulas da sexuação, que repartem o sexo do
lado homem e do lado mulher.

Helene Bonnaud – No seminário XX, Lacan apresenta o gozo fálico


relacionando-o com a masturbação e depreciando-o. O que o é gozo fálico?
É “o gozo do idiota[2]”, ele responde. Uma análise permite encontrar uma
saída com relação a esse gozo Um?

P.N. – Isso depende. No nível do desejo sexual, é uma questão


de contingência. O desejo, diz Lacan efetivamente no Seminário XX, se
inscreve de uma contingência corporal.  O modo, segundo o qual se escreve
então a função fálica, é aquele da contingência que, assim, surge, muito
precisamente, no instante em que uma tal inscrição do desejo se efetua. O
falo cessa então de não se escrever: PHIx . Mas, é preciso aí um dizer, isso
não vai sem um dizer! Um reencontro tem lugar nesse momento, que deixa,
para o sujeito assim surpreso, a marca de seu acontecimento.

O fantasma inconfessável, que, em silêncio, prevalece em uma certa


perversão masculina ou em um certo tipo de erotismo feminino, é justamente
aquilo que impede o reencontro.

Além disso, de um lado, Lacan pôde dizer que apenas é um homem aquele
que abre para uma mulher, o caminho em direção a um outro gozo que é o
gozo dela – aquele do qual essa mulher não sabe nada, do qual ela não fala
e que a deixa só com ela mesma.

De outro lado, isso conduz a se interrogar sobre o gozo da fala enquanto


gozo fálico. Isso significa na verdade que o gozo da fala é da ordem do gozo
Um? Isso significaria que não há diálogo, que apenas há diálogo possível,
sem que saibamos, como monólogo. “O inconsciente, pôde dizer Lacan, é
que em suma, falamos (...) sozinhos”[3] (tradução livre)

Venhamos ao idiota.  Podemos nos interrogar sobre esse termo. É uma


alusão à solidão e à ingenuidade do príncipe Mychkine? Mas, não é
necessário compreender o uso desse termo no sentido em que o idiota é
aquele que goza sozinho, na medida mesmo em que, na realidade, é o órgão
que goza enquanto separado do corpo, como fora do corpo, e que, por
consequência, apenas faz do jeito que quer, não pergunta sua opinião?

Lacan pôde dizer, no Seminário XXII, que o homem é  atravancado  pelo falo
ou que ele é aphligé[4] por ele. O falo seria assim um atravancamento, ou
mesmo uma aflição.

De toda maneira, o falo faz objeção. Àquele que tem um corpo de homem,


ele barra o caminho que o levaria, se a coisa fosse possível, em direção ao
gozo do corpo do Outro. Freud dizia, lembra Lacan, que o falo é feliz.
Entretanto, ele criaria para o parlêtre, mais um embaraço do que qualquer
outra coisa, ele o tornaria mais precisamente um infeliz. É justamente sobre a
barra, que coloca em jogo esse embaraço, que vem tropeçar a comédia do
falo.

Tradução

Bruna Simões de Albuquerque

Pedro Braccini Pereira

Pierre Naveau é psicanalista, membro da École de la Cause Freudienne. Colocar a trabalho


os conceitos da psicanálise: este é o objetivo da rubrica “o que é?”. A equipe da redação da
“La Cause du désir” endereçou suas questões à Pierre Naveau por email, que concordou
em respondê-las on line.

[1] Lacan J., Le Séminaire, livre X, L'Angoisse (1962-1963), texte établi par J.-A. Miller,
Paris, Seuil, coll. Champ Freudien, 2004.
[2] Lacan J., Le Séminaire, livre XX, Encore, op. cit., p. 75.

[3] Lacan J., Le Séminaire, livre XXIV, « I:insu que sait de l'une-bévue s'aile à mourre»,
leçon du 11 janvier 1977, Ornicar ?, n" 14, 1978, p. 7.

[4]Neologismo de Lacan em que aflito é escrito com ph de phallus.

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