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Conceito de gozo

Antônio Carlos Caires Araújo *

Dei este título inicial ao trabalho, logo mais acrescentei ao conceito o termo Novo. Nomear
conceitualmente alguma coisa é em si mesmo um desafio e, quando o precedente é de acesso
difícil, maior será a dificuldade para se explicar. Chamá-lo de Novo em nossos dias, e nestes
últimos tempos, é uma impossibilidade, quando se sabe da novidade, pode-se estar falando do
obsoleto. O instantâneo devora o tempo e arrebata o espaço em um só trago. Mal se acaba de
falar do novo, ele já se foi, ultrapassado se tornou anacrônico.

O imediato - negação da mediação – é o modo de operar o gozo para o Senhor nos tempos
modernos, com a mesma velha estrutura do imperativo categórico determinante do discurso
da maestria. Representa um sujeito que ao invocar o poder de determinar a produção de um
mais de gozar, produz o saber ser de si mesmo, como uma nova modalidade de gozo. O gozo
aliou-se ao saber e requer estar sempre bem informado, informatizado.

Arranjar-me com o uso do termo gozo, como se fosse um conceito e não só uma modalização,
fica difícil ser aplicado direta e imediatamente no mundo da psicanálise. Lacan, retomando os
termos de Freud, formulou os quatro conceitos fundamentais da psicanálise: o inconsciente, a
repetição, a transferência e a pulsão. Redefinindo-os atados pela topologia que os sustenta na
função única do real. Ou seja: o real da psicanálise é o ser de gozo, como o aparelho da
linguagem é o estofo da estrutura pulsional para abertura ou fechamento do inconsciente na
transferência, por efeito do desencontro na falha da repetição.

Essa nova formalização dos conceitos modalizada no gozo não me surpreendeu, pois já havia
articulado este saber sobre o gozo, em correlação à repetição (tiquê) e o real, a pulsão
(automaton) com a ordem simbólica e a transferência com o fenômeno imaginário. Atados em
um único nó enlaço pelo real da alíngua no inconsciente. Mantenho-me ao lado da prática
freudiana da psicanálise, descortinada na primazia fálica do final das análises. No homem
diante do rochedo da castração e na mulher anelado na inveja do pênis.

Tudo começa a mudar com advento instituído por Jacques Lacan na escritura do discurso do
mestre ou do inconsciente, ao colocar os significantes da divisão do sujeito trabalharem para
produzirem algo que vem na suplência da falta de gozo oriundo da castração, que ele mesmo
nomeou como o mais de gozar. O significante mestre no lugar do senhor representando o
sujeito e do outro lado, o outro significante do saber, mais para responder pelo lugar do
escravo, trabalhando na produção do gozo. Logo, o significante produz o gozo, que rege,
comanda e faz convergir todos os outros significantes.

Esse significante de comando, como se vê, já dá uma amostra de como se concerne o gozo
pelo lado do significante original, o falo, tendo em mente os registros do Real, Imaginário e
Simbólico. Diz Lacan em "Significação do Falo", desde que a operação parta do complexo de
castração inconsciente tem a função de nó na estruturação dinâmica dos sintomas, no sentido
analítico do que é analisável nas neuroses, nas perversões e nas psicoses. Sem o qual o sujeito
não encontra o seu lugar no inconsciente, nem pode identificar-se com o tipo ideal do seu sexo
e nem mesmo poderá acolher sua cria.

Michel Foucault em passagem pela Bahia, disse na conferência proferida na Escola de Filosofia
da UFBª, que os filósofos esperaram por séculos a chegada de Freud, para anunciar como tudo
começou. Ao ler Totem e Tabu" na obra de Freud,na tentativa de se acercar ao princípio do
poder, referindo-se que a organização social primitiva do homem moderno, inicia com o
assassinato do Pai.

Freud repete-o no capitulo VII no "Mal estar da civilização" para dar lugar ao saber sobre uma
verdade do sentimento de culpa, por onde o ato se desenvolve na função precípua do
superego. Um ideal ético, que para Lacan é quem impele o sujeito a gozar desde o imperativo
categórico kantiano: goza! Segundo o analista, o neurótico responde a ordem: eu ouço. Nesta
primeira vertente é que procederei para chegar a modalização do gozo fálico, em torno do
qual gravita o mecanismo do recalque neurótico, do desmentido perverso e da forclusão no
psicótico.

Descrever o mito moderno freudiano sobre o assassinato do pai, para se obter em seu lugar o
poder gozar de todas as mulheres ou da mulher toda. Um gozo sem limite do pai mítico para
quem não havia regra, era absoluto. A repetição desse ato é o começo da organização social, o
estabelecimento da Lei, e com isso o lugar do pai permaneceria vazio, desejável, mas nunca
mais poderia vir a ser ocupado. Óbvio que o ideal humano tentou erigir uma figura para
representar neste campo o semblante do pai. Mas o que ficou assegurado foi à presença do
superego substituto dessa instância que garante a ameaça de se repetir o ato parricida e
prevaricar no incesto. Foi para consubstanciar o complexo de Édipo dentro da universalidade
do ser falante, que Freud trouxe o mito que o opera pela castração simbólica.

O pai real é ainda quem vigia o ponto desta complexa castração simbólica, como uma dívida da
libra de carne, que não se paga por este gozo e se verificou que o gozo era furado e o objeto
falo a ser alcançado estava perdido. O pai real engendra a marca, a castração é a própria
interdição e o objeto imaginário é negativo, posto que ausente. Mais adiante, Lacan pôde
estabelecer como uma metáfora, sob a égide do NP e daí é, que recebe na significação fálica
imaginária de um objeto, que falta o seu valor daquilo que para o Outro é significado como
desejo, o falo simbólico operador da castração. Se a lei do nome do pai, substitui o caprichoso
gozo sem lei do desejo da mãe DM, ordenando-o, teremos o êxito do significante fálico ao
extrair o gozo do sexual do falo à fala.

Porém se este recurso fracassa, ocorre um deslizamento metonímico e se consegue apenas a


metáfora delirante de um retorno no real sem a mediação da lei simbólica. Na assunção do
lugar do pai, assistimos o Dr Schreber ao querer ser o falo que falta à mãe, na impossibilidade
da significação fálica, restou-lhe ser a mulher de Deus. O empuxo a mulher em Schreber, bem
exemplifica o Outro gozo, que iremos alcançar por outra via, a de Das Ding ou pelo lado do
S(A) – significante da falta no Outro.

Antes é necessário prosseguir um pouco mais como essa metáfora foi locada na lógica
proposicional e veio com o mito freudiano do Pai, transmudar-se no matema do todo e não-
todo. Este mito do Pai abre a vertente de se sustentar uma estrutura para apoiar a leitura do
gozo fálico correlacionado à castração. Apesar de questionado por sua exceção existencial,
vale ser lembrado até mesmo para nos permitir veicular por uma das vias em que melhor se
pode chegar mais didaticamente, quando se comenta as fórmulas lógicas proposicionais da
sexuação em relação ao falo. Estabelecendo de saída na busca do gozo sexual, no não todo, a
confirmação universal do para todos. A exceção que afirma a impossibilidade de se sustentar o
registro da relação sexual, que não há para todos os falantes.

A Lei da interdição cunha um saber que barra ao sujeito ultrapassar um limite do gozo, e este
limite lhe é dado pelo prazer. O circuito do desejo para o prazer é muito curto e é por isso que
o sujeito é empurrado a repetir, na busca do retorno a um estado inicial de inércia, o mais
além do princípio do prazer. O princípio de realidade ou de desprazer não sujeita por completo
o empuxo ao prazer. Sua substância se emaranha na incoercível busca para preencher a falha
fálica imaginária, pela suplência do objeto a, para o ressarcimento do gozo perdido ao entrar
no reino da linguagem.

Se por um lado chegamos ao gozo fálico pela égide do nome do pai, a outra via para se chegar
a um outro gozo, de acordo com a metáfora paterna, é pelo lado do DM formulado no encalço
dos fundamentos dos processos primários, na perspectiva de todo o poderoso princípio do
prazer em correlação ao princípio de realidade e o resto no mais de gozar.

Das Ding, figura desbordada da experiência do Nebemensch ou do Outro próximo, permanece


coesa como uma coisa, que não se modifica pela experiência da linguagem, fora linguagem e
para-sexuada. Foi identificada por Lacan, como o gozo do Outro sexo, o gozo feminino
inalcançável, podendo ser observado no semblante do místico e em algumas vivências
psicóticas. Pode-se ainda ser correlacionado ao insaciável DM, ao querer se reproduzir na ação
específica, não uma descarga de tensão para o prazer e sim a própria reprodução do prazer em
recuperar a experiência de satisfação de se reencontrar A Coisa. O Bem Supremo é Das Ding, a
Mãe objeto do incesto. O gozo real para o qual o sujeito estremece e a voz emudece. O Texto
de Freud a cabeça de Medusa, dá-nos a dimensão.

A função do pai,servir-se dele e depois poder prescindir do seu amor é o caminho percorrido
na transferência para a travessia da fantasia. Freud descobriu um novo amor, o da
transferência, mas não descobriu uma nova perversão ou outra versão do pai. Quanto ao gozo,
sua modalização - ao que quis chamar do novo conceito - ao nível da transferência nós
dissemos que estava colocado na experiência imaginária, onde Lacan o aproxima com a libido
freudiana, no texto "Posição do Inconsciente". Este mais de gozar produzido no discurso do
inconsciente, em torno do qual faz girar a estrutura de linguagem, que se organiza nos
matemas dos discursos. Passa ao discurso analítico como objeto a - causa de desejo. Agente
que traga, aspira e alia na experiência analítica: o gozo ao saber e irmão da verdade.

Ou seja, uma suposição de saber sobre a verdade velada do sintoma, no discurso da histérica,
que é o outro quem sabe, questiona o mestre produzir o saber, tal qual na ciência e para si ela
guarda a preciosidade do gozo enigmático, misterioso para o qual não há palavra e nem
resposta: - "Che Vuoi?".

Cabe observar com atenção que o gozo, nada tem de natural e muito pouco se expressa no
exercício sexual da cópula, por seu lado fálico, e tenha sido aplicado com distinção na
masturbação, denominado o gozo do idiota. Por apego a essa função imaginária não se alcança
o simbólico e nesta pregnância é que se observa que o gozo tem uma memória, não nas
marcas e sim em sua falta, e por aí pensa, calcula e julga ao criar no vazio da castração a
instância do inconsciente. O alicerce da repetição, por onde circula a pulsão e o gozo, dá o
semblante no fenômeno da transferência.

BIBLIOGRAFIA:

LACAN, J. – O Seminário Livro 20, "mais, ainda" – 2ª edição. Jorge Zahar Ed. Rio de Janeiro,
1989. [ Links ]

________ – Outros Escritos Campo Freudiano no Brasil, Jorge Zahar Ed. – Rio de Janeiro, 2005.
[ Links ]

________ – O Discurso Capitalista – Discurso na Universidade de Milão em 12 de maio de


1972. Publicado na Revista: Lacan na Itália. Paris,1978. [ Links ]

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