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XXVI JORNADA DE TRABALHOS DA BFC

A satisfação mãe-falo-bebê, uma questão


sobre as coincidências do objeto a

Felipe Casagrande
Curitiba, 2019

A satisfação mãe-falo-bebê é um aspecto normativo da constituição do sujeito.


Desde Freud, a fórmula bebê=pênis é explorada e determina como a mulher, a mãe,
suporta a experiência de ser o próximo assegurador desse organismo diante de seu
desamparo. A dita fórmula é explorada por Lacan quem modifica os seus termos, de pênis
a falo, e complexifica suas relações na medida em que “toda consumação da relação
dual, à medida em que dela nos aproximamos, faz surgir em primeiro plano este objeto
imaginário privilegiado que se chama o falo”. Se trata de uma tríade imaginária mãe-falo-
bebê, a equivalência bebê=falo tem um estatuto imaginário.
Lacan fala sobre essa relação no Seminário 4 de 1956-57 onde trata da relação de
objeto, mais precisamente das formas da falta de objeto, se tratando uma “posição central
quanto à teoria e à prática”, se afastando ainda mais das psicanálises inglesas, e
demonstrando três formas de falta de objeto, a privação como furo real, a frustração como
dano imaginário e a castração como dívida simbólica. A falta de objeto em questão se
refere ao falo, onde que o falo em cada um dos modos de tal falta recebe uma
denominação RSI, lembrando que falamos de RSI ainda no Seminário 4. A falta de objeto
na privação se trata do falo enquanto simbólico, na frustração do falo enquanto real, e na
castração do falo enquanto imaginário. Desse modo, Lacan retoma que é constituinte
para o sujeito que se faça de objeto para o outro.
O bebê para a mãe, “longe de ser apenas a criança” é introduzida nessa tríade
imaginária, mãe-falo-bebê, e “o que aqui está em jogo é a ligação que a criança
estabelece entre o falo e mãe”. Nesta relação se transmite ao bebê a questão da lei, a
função do pai, sendo que a psicose e a perversão estão ligadas justamente em impasses
relacionados a esse momento da constituição. A transmissão da lei, a questão da
metáfora paterna, é explorada no seminário posterior ao das relações do objeto, o
Seminário 5 sobre as formações do inconsciente.
Dessa forma, à entrada da primeira volta edípica do sujeito em constituição, estão
em questão esses modos de falta de objeto e de como isso funciona para o sujeito de fato
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na relação, que não é outro senão a mãe, e esse em constituição se trata de um


assujeito. Para tanto, a mãe que “pode estar presente ou ausente”, a mãe simbólica que
alterna presença em ausência, já transmite para o bebê o desejo de Outra coisa que não
ele (o falo real, que existe fora), e seu desejo se constitui pelo desejo do desejo desse
Outro que frustra suas demandas.
Assim, ao se fazer desejar pela mãe, a tríade se especifica e apresenta uma
problemática interessante e que talvez possa ser o foco dessas discussões. Se para a
mãe o bebê, nesse segundo momento, representa o falo imaginário (entre o to be or not
to be o falo) há a necessidade de um terceiro que prive a mãe dessa satisfação, que a
interdite, e instaure justamente a lei simbólica que possa fazer com que o sujeito que está
se constituído por essa relação se salve da abocanhadura do crocodilo, e posteriormente
de identifique ao pai para ter ou não ter o falo.
A tríade imaginária não é só imaginária, é RSI, e como vocês bem sabem, no
diâmetro do falo está o pai, e a estrutura edípica não é somente terciária, senão
quaternária. Porém, um dos modos de explorar a satisfação em questão, mão-falo-bebê,
se referindo a esse instante entre o primeiro e o segundo tempo edípico, é pensar
justamente na questão da instauração do circuito pulsional para esse sujeito que está se
constituindo. É, de fato, necessário para a inscrição da lógica da castração que o pai prive
a mãe do bebê, mas me parece necessário também que haja esse momento onde a mãe
goze do bebê e com o bebê.
O questionamento dessa satisfação é o que motivou essa discussão por algumas
coincidências, a primeira foi de ter escutado de uma paciente que sofreu a gestação,
sofreu demasiadamente, onde toda as experiências ligadas à maternidade foram
experiências extremamente difíceis, e que durante o tratamento de pouco menos de um
ano, pode explorar os traços que constituíam o seu sintoma conversivo que teve seu
início na vivência da maternidade, no momento da amamentação. Não cabe aqui entrar
em detalhes sobre o caso clínico, mas o que me chamou a atenção foi justamente um
testemunho de que a maternidade não tem nada de natural, e muito menos de romântico.
Não tenho como dizer ao certo como se dá essa experiência pois é impossível que
eu sinta como é ter um bebê crescendo dentro do meu corpo, aos moldes do Alien, o
oitavo passageiro, ou melhor, pelo menos o quarto passageiro. Mas essa mulher me
mostrou, e pude escutar dela como também para alguém que tem essa possiblidade
sexual de gerar uma vida a-ser-humana, essa experiência pode ser bizarra. É claro quem
nem todas tenham uma experiência tão complicada como ela.
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O que me chama a atenção, também, como uma segunda coincidência, que o


estabelecimento do circuito pulsional, normativo para a constituição do sujeito, se constitui
também nos momentos em que a mãe se satisfaz e deseja o corpo do bebê, marcando
esse corpo com seus significantes, e expulsando o soma, o corpo biológico, para fora do
registro psíquico. Para o bem ou para o mal, a mãe se satisfaz do corpo do bebê, e este é
o questionamento, o bem e o mal dessa satisfação e a relação disso com a ausência ou
presença do pai enquanto função.
A incidência do pai imaginário na privação real da mãe sobre o bebê enquanto falo
simbólico corresponde a um enlace bastante explorado por Freud, como diz Lacan, e em
nossas discussões nos referimos às falhas dessa incidência, às falhas da consistência da
privação, e geralmente pensamos nos efeitos desses modos incestuosos de relação,
sendo a fobia um desses efeitos. Ora, no filme do Coringa, como um suporte para as
discussões dessa mesa, o Arthur Fleck ainda como criança foi exposto sem nenhuma
ressalva às peripécias incestuosas de sua mãe que, aquém da discussão de sua estrutura
psíquica, o oferece uma posição intercambiável de satisfação, o “feliz”.
Porém, a relação com sua mãe era sim intermediada por uma face imaginária do
pai, o Sr. Wayne que apareceu em todas as vezes em que os dois conversavam, e que no
delírio dela, esse era seu pai. O ponto que aparece aqui é que esse pai não se articula
com a lei simbólica, se não que o Artur só existe na lógica desse gozo e não de uma
significação. A descoberta dessa farsa se dá, e posteriormente ele destitui todas essas
posições e se nomeia não mais pelo Nome-do-pai, mas de “Joker”, o coringa, o palhaço, o
brincalhão, ainda preso no signo “feliz” enquanto colado na satisfação materna
erotomaníaca.
Assim, se é necessária uma mãe cuja transmissão do desejo por Outra coisa tenha
em si inscrito o pai simbólico, a dimensão do Nome-do-pai, no caso da mãe do Coringa
como se daria essa transmissão? Seria ela possível? Como isso opera em uma mãe de
estrutura psicótica como parece ser o caso no filme? Isso para o mal. Se a mãe, enquanto
Outro primordial transmite também a lei e o desejo por Outra coisa, poderia o sujeito em
constituição sacar um desejo nesse Outro caso não encontre ali o elemento foracluído no
caso de uma psicose, o Nome-do-pai, se constituindo neuroticamente? O filme do Coringa
aponta para importantes impasses nesse sentido, mesmo que não tenhamos acesso à
pré-história do Artur antes de ser adotado pela Penny.
Mas e por outro lado, se é normativa a satisfação da mãe-falo-bebê, se
impreterivelmente, coincide no bebê o objeto a, causa do desejo e o falo, e a mãe goza
desse corpo, como se estrutura essa satisfação? Como a mãe se satisfaz do corpo do
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bebê, como a mãe goza do bebê sem que seu gozo seja excessivamente incestuoso,
como, enfim, a mãe goza do bebê? Qual o limite desse gozo? Quem inscreve esse limite
é o pai RSI, mas qual sua medida?
O motivo dos questionamentos desse sentido parte de uma questão principalmente
sobre as diferenças, ao nível da constituição subjetiva, da diferença entre falo e objeto a.
Parece que o conceito de objeto a poderia dar alguma medida para pensar essa
satisfação mãe-falo-bebê neste ponto específico que está sendo discutido, entre o
primeiro e o segundo tempo do édipo, antes da inscrição da lei do lado do sujeito em
constituição. Porém, este conceito, o de objeto a, é um conceito posterior aos Seminários
4 e 5, portanto, a direção dos meus estudos tem apontado para esse conceito, porque,
outra coincidência, estou estudando sobre a angústia no Seminário 10, onde Lacan
introduz esse conceito que tem construído.

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