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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Em psicanálise, as Estruturas Clínicas, conforme Kernberg (1991) são padrões de


funcionamento psicológico subjetivo, estáveis e duradouros, que diante de situações
específicas, organizam o comportamento, experiências e percepções do indivíduo. A
formação, desenvolvimento e funcionamento dessas Estruturas Clínicas, estão muito atreladas
às relações vivenciadas com as figuras primárias da vida do indivíduo. Tais figuras primárias
referem-se à figura materna e paterna.
Desde que nasce a criança já inicia seu desenvolvimento psicossexual. Conforme
Zimerman (1999), a psicossexualidade é um processo evolutivo, de forma não-linear, é uma
construção, considerando tanto aspectos inatos da criança, quanto os aspectos adquiridos pela
influência do meio externo, principalmente os referentes aos pais. Tais fatores, segundo o
autor, estão em constante interação e influenciam na formação da personalidade. Deste modo,
o desenvolvimento da psicossexualidade, constitui-se de fases: Oral, Anal, Fálica, Período de
Latência e a fase Genital, as quais auxiliarão na definição da personalidade. Além disso, o
desenvolvimento também é marcado por Complexos, sobretudo o de Édipo, o qual as figuras
primárias, paterna e materna, exercem sua função.
No Complexo de Édipo, segundo Freud (1924), o pai desempenha papel
importantíssimo ao trazer o filho à luz da realidade externa, configura-se como o fenômeno
central do desenvolvimento psicossexual. Sendo o mesmo, de caráter decisivo, pois é através
da sua dissolução, que as Estruturas Clínicas originam-se.
Tais Estruturas formam-se a partir do modo que o sujeito lida com a Castração. Assim,
de maneira sucinta, se o sujeito reconhece a castração, configura-se Neurótico. Se a Castração
é inscrita, porém o sujeito a denega, ou seja, reconhece a Castração, mas a nega,
configurando assim a Estrutura Perversa. E por fim, se não reconhece a Castração, a Estrutura
é Psicótica.

2.1 FUNÇÃO MATERNA

A figura materna é essencial para a sobrevivência do bebê, visto que é ela, quem
remeterá os primeiros cuidados à criança, a qual se encontra em dependência absoluta, além
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de estabelecer com a criança, conforme aponta Brenner (1987), a primeira relação de objeto,
onde a mãe, para ambos os sexos, configura-se como esse primeiro objeto o qual o bebê
investe sua libido.
Para tanto, conforme aponta Alt e Benetti (2008), a maternidade envolve um processo
de identificação entre a mãe e a criança, englobando tanto vivências reais e subjetivas da mãe
e características da criança.
Ainda, conforme as autoras anteriormente citadas, para exercer a função materna de
forma “eficiente” é necessário que a mulher tenha internalizado experiências consideradas
boas com suas próprias figuras cuidadoras, e mais ainda, a sua própria experiência, quanto à
dissolução dos seus Complexos de Édipo e de Castração.
A função materna, além dos primeiros cuidados, e da identificação, também influencia
na saída do Narcisismo para o Édipo, sendo responsável pela mediação entre pai e filho,
podendo facilitar ou dificultar essa entrada de uma terceira pessoa para a instauração do
Complexo de Édipo (ROHDE apud SOUZA, 2007). Freud, em relação à Estruturação
Psíquica, enfatizou mais a função paterna, porém, não deixou de considerar a importância da
figura materna, no que concerne ao facilitar a entrada de uma terceira pessoa na relação, no
caso, o pai.
Contudo, distanciando do paradigma edípico proposto por Freud, alguns teóricos,
como Melanie Klein e Winnicott atribuíram à mãe a função central no desenvolvimento da
criança. Melanie Klein, em sua obra, dá grande ênfase à função materna, ou seja, uma
concepção, conforme aponta Zimerman (1999, p. 98) “seiocêntrica”, a qual atribui à mãe uma
função significamente maior na Estrutura Psíquica da criança. Deste modo, as relações
primitivas do bebê com a mãe, mais precisamente com o objeto parcial seio, é dividido em
“seio bom” e “seio mau”, e é de extrema importância para tal desenvolvimento.
Conforme Winnicott (apud Brum e Schermann, 2004), a mãe tem função primordial
no desenvolvimento emocional do bebê, de dependência para independência. Sendo que a
dependência é absoluta quando o bebê nasce, mas diminui ao longo da vida. A mãe
“suficientemente boa” propicia a integração do bebê, juntando as partes soltas em um mesmo
corpo, e identificando-se com ele numa mesma unidade.
Ainda, segundo Winnicott (1971), o rosto da mãe funciona como um espelho, o qual
auxilia no desenvolvimento emocional da criança, pois olhando para o bebê, “aquilo com o
que ela (mãe) se parece, se acha relacionado com o que ela vê ali”. (WINNICOTT, 1971, p.
154, grifo meu)
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Bowlby (apud BRUM e SCHERMANN, 2004), assim como Winnicott, considera


importante as primeiras relações da mãe e bebê para o desenvolvimento. Porém diverge de
Winnicott em alguns pontos, como por exemplo: considera que estar apegado a uma figura
materna e ser dependente de uma figura materna (Winnicott) são coisas distintas, apesar de ter
base numa relação mãe-bebê. Além disso, o apego, segundo Bowlby está ausente no
nascimento e começa ganhar força nos primeiros meses de vida.
Bion (apud BLEICHMAR e BLEICHMAR, 1992, p.253), um pós-Kleiniano, defende
a idéia de que há um vínculo, desde o nascimento, entre mãe e bebê, onde o bebê apresenta,
além das necessidades corporais, necessidades psicológicas também. Já a mãe, configura-se
como uma espécie de continente que, quando a angústia do bebê for intolerável, este pode
descarregar em sua mãe, a qual se possuir certas capacidades emocionais, “poderá absorvê-
las, metabolizá-las, devolvendo-as de maneira menos angustiante, e, portanto, mais
assimilável para seu filho”. Ainda, segundo Zimerman (1999), a teoria de Bion, tem um valor
eqüitativo, pois considera tanto o meio externo (extremo valorizado na teoria de Winnicott),
quanto o mundo interno (extremo assumido por Klein) para a formação e desenvolvimento do
psiquismo humano.
Contudo, sendo teoria “seiocêntrica” ou não, a importância da função materna não é
descartada e nem perde sua importância. Conforme apresenta Zimerman (1999, p.106), a
função materna pode ser normal ou patológica, e tem conseqüências diretas na estruturação do
sujeito. Segundo o autor e de acordo com o que o presente trabalho se propõe de modo
sucinto, uma adequada maternagem caracteriza-se pela não frustração ou não gratificação
excessiva, ou mesmo, a privação da frustração ou gratificação. Assim, uma normalidade da
função materna deve, acima de tudo, visar uma “dessimbiotização” e abrir caminho para a
entrada de uma terceira pessoa na relação, um pai, respeitado e valorizado como tal. Desta
forma, a mãe está promovendo a passagem para a Triangulação Edípica, fato precursor e
decisivo para a formação das Estruturas Clínicas.

2.2 FUNÇÃO PATERNA

A principal função paterna no desenvolvimento da criança é a aproximação do pai


com a dupla mãe-filho, para efetuar o “corte” em tal relação, ou seja, conforme palavras de
Zimerman (1999, p. 107), o pai é que faz o papel de “terceiro”. Ou ainda, segundo Katz e
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Costa (1983), o pai é a segunda identificação parental da criança e vai servir para “puxar” a
criança do colo da mãe, evitando a prolongação da díade mãe-bebê.
Para tanto, conforme Rohde et al (1991), o pai pode agir de forma indireta nessa
relação, a partir do apoio que o mesmo dispensa à sua esposa, e também pode agir
diretamente, caracterizando-se pela interação direta do pai com seu filho.
Segundo Katz e Costa (1983), citando Freud, a figura paterna é responsável por: a)
proteger a dupla mãe-bebê; b) ajudar o filho a se separar da mãe; c) direcionar a criança ao
Princípio de Realidade; d) e por fim, se for um pai presente, permitirá à criança notar as
diferenças entre identidade, sexo e etc. Ainda conforme as palavras de Gomes e Resende
(2004), o pai tem função estruturante, a partir da instauração do Complexo de Édipo.
Conforme Rohde et al (1991, p.129), além da função de terceiro, no rompimento da
díade mãe-bebê, salienta, ainda, a função do pai como “sustentáculo” para a mãe, dando
suporte na área emocional, ajuda com os cuidados com o bebê, suporte financeiro, e a
condição para que a mulher fique segura e livre para envolver-se nas suas funções maternas,
não necessitando ocupar de seu tempo para outros afazeres “dispensáveis” em tal momento.
Para Freud (apud KATZ e COSTA, 1983) o pai logo após o nascimento do filho, é
dispensável à sobrevivência da criança, sendo somente mais tarde alvo de interesse dessa
criança, justamente quando esse pai aparece na relação como o Outro, configurando a
Triangulação Edípica.
Porém há situações em que esse pai não aparece, pelo menos de forma adequada,
nessa relação. Por isso, Katz e Costa (1983, p.210), definiram de “privação paterna a
ausência, debilidade ou inadequação das funções paternas no desenvolvimento emocional da
criança”. Ou seja, se o pai não é ativo em suas funções, mostra-se silencioso diante da
simbiose mãe-bebê, consequentemente não realiza-se o “corte” necessário, acarretando
complicações quanto à organização subjetiva que essa criança desenvolverá, após a resolução
dos Complexos de Édipo e o de Castração. As mesmas autoras caracterizam cinco tipos de
pais, que apesar de sua presença, não desempenham suas funções de forma satisfatória, a
conhecer: “pais autoritários”; “pais perfeitos”; “pais que negam as diferenças”; “pais
maternizados” ; e os pais de personalidade “como se”.
No que concerne as consequências de tal privação, as mesmas autoras, argumentam
que pode causar uma série de transtornos emocionais, incluindo psicoses; problemas
comportamentais; e a “pseudomaturidade”.
E as causas da privação paterna, apresentadas por Katz e cols. (1989), sugere a “má”
resolução do pai, dos seus próprios Conflitos Edipianos. Assim, podemos afirmar que, do
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mesmo modo como a identificação mãe-bebê, passa pela experiência da própria mãe, quanto a
sua infância, o pai também carrega uma história de vínculos do seu desenvolvimento e
Estruturação Psíquica. Conforme aponta Zimerman (1999 p.107):

É útil saber como foi o vínculo dele com seu respectivo pai, e até que ponto ele está
repetindo com seu filho; qual é a representação interna que ele tem da esposa (mãe
da criança) e que influirá bastante naquela que o filho terá da mãe, e também qual o
‘lugar’ que o pai ocupa no desejo e na representação que a esposa tem dele.

De acordo com o mesmo autor anteriormente citado, a figura paterna também exerce a
importante função de colocação e reconhecimento de limites e a aceitação das diferenças.
Desta forma, o pai auxilia o filho na passagem do Princípio do Prazer para o de Realidade,
condição necessária para o desenvolvimento emocional, pois a criança, volta-se agora para o
social, ou seja, para o pai, irmãos e amigos. Porém, quando a função paterna falha, esta
passagem do Narcisismo ao Édipo não é bem sucedida e acarreta consequências à criança.
Uma das consequências, segundo Jerusalinsky (apud Kupfer, 2000), é a psicose.

2.3 COMPLEXO DE ÉDIPO

Antes de explicitarmos o que é Complexo de Édipo e qual sua função, faz-se


necessário, primeiramente, sabermos o que é Complexo para a psicanálise. Segundo
Laplanche e Pontalis (1998, p. 70) Complexo define-se como:

Conjunto organizado de representações e recordações de forte valor afetivo, parcial


ou totalmente inconscientes. Um Complexo constitui-se a partir das relações
interpessoais da história infantil; pode estruturar todos os níveis psicológicos:
emoções, atitudes, comportamentos adaptados.

Ainda conforme Lacan (2003), fatores culturais determinam o Complexo, sendo que o
mesmo é compreendido conforme a sua referência com o objeto, porém com uma
representação inconsciente.
O Complexo de Édipo, segundo Freud (1924) constitui-se como um fenômeno central
e decisivo no desenvolvimento sexual da primeira infância. Conforme Laplanche e Pontalis
(1998, p. 77), “Complexo de Édipo é o conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que
a criança sente em relação aos pais”. Conforme Reis (1984), o Complexo de Édipo é um
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drama vivenciado pela criança, por volta do terceiro ao quinto ano de idade, e constitui-se
como a noção central da personalidade, na teoria freudiana.
Para explicar a origem do Complexo de Édipo, as quais nasceram as restrições morais,
organização social e a religião, Freud (1913) descreve um mito, “Totem e Tabu”, o qual, um
pai detinha o poder e todas as mulheres do grupo, e por inveja e temor, os filhos o mataram e
o devoraram. Porém, depois de tal fato, sem a proteção do pai e com o sentimento de culpa,
instaurou-se uma nova ordem social, com a proibição do incesto e assassinato e instituindo a
exogamia.
Assim, a questão Edípica está vinculada com a interdição do incesto, ou ainda, com a
introjeção da lei, a partir do qual o sujeito percebe que não é possível realizar ou fazer tudo
que deseja, de modo que ele necessita organizar-se a partir das leis.
Desta forma, segundo Brenner (1987), as experiências e acontecimentos dessa fase
edípica têm significado e influência na vida da maior parte das pessoas, visto que os desejos
incestuosos existentes na infância e os conflitos oriundos destes são uma experiência comum
a toda humanidade, assim dando ao Complexo Edípico um caráter de universalidade.
É durante a fase fálica do desenvolvimento psicossexual, que o Complexo de Édipo se
desenvolve. Tal Complexo configura-se como um agrupamento das relações de objetos, a
qual, de maneira inconsciente, o indivíduo apresenta fantasias de incesto com o genitor do
sexo oposto aliando os intensos sentimentos de ódio e ciúme ao genitor do mesmo sexo,
configurando-se como um verdadeiro caso de amor (BRENNER, 1987).
Conforme o mesmo autor, no início de tal Complexo, para ambos os sexos, a relação
de objeto com a mãe, é mais forte, seguido do desejo de possuir o amor e admiração da mãe
com exclusividade e de dar bebês à mãe assim como fez o pai. Porém, concomitantemente
com esse desejo incestuoso pela mãe e de ser o único objeto de amor para ela, vem os desejos
de destruição e desaparecimento dos possíveis rivais, que seriam o pai e irmãos, despertando
na criança, conflitos graves. Estes conflitos são principalmente, pelo temor tanto da retaliação
(castração), quanto pela perda do amor do genitor, devido seus desejos ciumentos.
Com o desenvolvimento emocional, a instância “Superego” ou “Ideal do Ego”,
instaura-se e segundo Freud (1923, p.48) ele é “o herdeiro do Complexo de Édipo”, pois
herdará as leis, como a proibição do incesto, e desta forma, constitui um método de obter
controle sobre o Id.
Porém, conforme Freud (1924), o Complexo Edipiano, apresenta-se diferente para
meninos e meninas. Nos meninos, após a visão dos órgãos femininos, o caso de perder o seu
pênis, torna-se um fato possível e a ameaça de castração já ganha efeito antecipado. Desta
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forma, se o preço que o mesmo terá que pagar pelo amor a esse objeto parental custar-lhe-á o
pênis, origina-se o conflito entre seu interesse narcísico (permanecer com o órgão) e a catexia
libidinal nas figuras parentais, normalmente, prevalecendo a escolha do manter seu pênis
intacto e recusar esse amor, sendo as catexias desses objetos abandonadas e substituídas por
identificações. A partir daí, a autoridade e as proibições dos pais são internalizadas,
constituindo o núcleo do superego. Porém todo esse processo ocasionou a perda da função do
órgão genital, deixando-o sem sua função e assim marcando a entrada do menino no período
de latência. Desta forma, o “ideal” seria uma verdadeira abolição e destruição do Complexo,
contudo, pode haver somente uma repressão, o que Freud (1924) adverte que o mesmo
continuará persistente mesmo que no estado inconsciente no Id, e poderá manifestar mais
tarde seu efeito patológico.
O desenvolvimento do Complexo Edipiano nas meninas apresenta-se de forma
diferente dos meninos, no que concerne à organização fálica e no Complexo de Castração.
Sendo que a menina explica o fato de não possuir um órgão grande como o menino,
presumindo que anteriormente possuía-o, porém o perdera porque foi castrada. Desta forma,
Freud (1924, p. 223) aponta-nos que: “Dá-se assim a diferença essencial de que a menina
aceita a castração como um fato consumado, ao passo que o menino teme a possibilidade de
sua ocorrência”. Porém no Complexo Edípico na menina, a renúncia do pênis vai surgir,
seguida por uma tentativa de compensação, ou seja, na menina o desejo “desliza” de um pênis
para um bebê. Desta maneira, ela volta-se para o pai com o desejo de dar-lhe um filho.
Para Lacan, conforme Dor (1989) anuncia em sua obra, a metáfora do Nome-do-Pai,
que articula a função fálica1 à ocorrência do Complexo de Castração, é o significante que irá
estruturar e delimitar toda a trajetória Edipiana. Assim:

Segundo Lacan, a função fundamental do Édipo aparece como coextensiva à função


paterna. Trata-se, aqui, de uma função que deve ser entendida como algo
radicalmente distinto da presença paterna, bem como de suas ocorrências negativas,
tal a ausência, a carência e todas as outras formas de ‘inconsistência’ paternas.
(Lacan apud Dor, 1989, p. 77-78)

Segundo Dor (1989, p. 81), conforme sua obra de introdução à teoria Lacaniana, o
Complexo de Édipo é composto por três momentos. No primeiro momento, a criança ainda
apresenta-se numa relação quase fusional com a mãe, pois se identifica como sendo o objeto
que faltava à mãe. No segundo momento, aparece a oscilação dessa identificação, pois a
1
Segundo Nasio (2007), o Falo não é o pênis enquanto órgão, ele é um pênis fantasiado, idealizado, símbolo
de onipotência, ou seja, de poder absoluto.
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criança é introduzida no registro da Castração e a questão entre “ser ou não o falo” aparece.
Desta forma, nesse segundo momento, o pai já desempenha função fundamental na relação
mãe-criança. E o terceiro e último momento condiz com o declínio do Complexo de Édipo e a
simbolização da lei.
Outro ponto que difere entre os sexos é a questão do Complexo de Castração, sendo
pertinente anunciá-lo no presente trabalho, visto que se apresenta muito relacionado com o
Complexo de Édipo. De acordo com Laplanche e Pontalis (1998, p.73) Complexo de
Castração caracteriza-se como: “Complexo centrado na fantasia de castração, que proporciona
uma resposta ao enigma que a diferença anatômica dos sexos (presença ou ausência de pênis)
coloca para a criança. Essa diferença é atribuída à amputação do pênis na menina.”
Conforme Reis (1984) o Complexo de Castração constitui o âmago do Complexo de
Édipo. Desta forma, no menino, segundo Nasio (1995), o Complexo de Castração organiza-se
de maneira muito diferente a da menina. Contudo apresenta certas semelhanças no que se
refere à universalidade do pênis, o que é precondição para a constituição do Complexo de
Édipo; e quanto à importância do papel da mãe, ocorre a separação da díade mãe-filho, depois
de a criança descobrir-se castrada, o qual o menino separa-se com angústia e a menina com
ódio.
Conforme Nasio (1995) há duas diferenças quanto à Castração masculina e feminina.
A primeira refere-se que no menino o Complexo de Castração termina numa renúncia ao
amor pela mãe, sendo que a menina abre-se para o amor Edipiano pelo pai. Assim, o autor
afirma: “o Édipo do menino nasce e se encerra com a Castração. O Édipo da menina nasce,
mas não termina com a Castração”. (NASIO, 1995, p. 18).
A segunda diferença, conforme o mesmo autor está no fato de a separação do
Complexo de Castração ser a repetição de uma separação anterior vivenciada pela menina.
Sendo essa primeira separação, a perda do seio materno. Desta forma, na menina reaparece,
por ocasião do Complexo de Castração, o ressentimento e ódio anteriormente recalcados de
forma “inexorável”. Assim, ressurge na filha o ódio, sob a forma de hostilidade e rancor, até
pelo fato de tê-la feito menina. Essa atualização de “sentimentos negativos” em relação à mãe
marca o fim do Complexo de Castração. Logo, a mãe está presente no início e no término do
Complexo de Castração da menina.
Ainda, Zimerman (1999), destaca a importância de outro Complexo, o Fraterno, no
desenvolvimento emocional da criança. Este Complexo, segundo o autor, também se trata de
um conjunto de sentimentos, tanto hostis quanto amorosos, mas experimentados em relação
aos irmãos. Os irmãos são objetos de duplos investimentos, onde o primeiro investimento
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refere-se aos duplos sentimentos, a ambivalência entre amor e ódio, ciúme e inveja para com
os irmãos. O segundo investimento é o deslocamento para os irmãos de pulsões libidinais, ou
agressivas, que seriam enviadas aos pais.
Diante dessas experiências no desenvolvimento psicossexual infantil, principalmente
dos Complexos de Édipo e o de Castração, têm-se a formação das Estruturas Clínicas, ou seja,
uma organização psíquica subjetiva. Conforme Lacan (1966), toda Estrutura se define por um
conjunto de elementos e de leis de composição interna aplicadas a esses elementos. Ainda,
Dias (2004), em sua tese de Doutorado, citando Lacan, explicita que Estrutura Clínica é a
estruturação de uma questão, sendo tal questão relacionada à posição do sujeito frente ao
Édipo e à sua própria sexualidade.
Dias (2004, p.103) ainda acrescenta: “A organização destas estruturas psíquicas
decorre das dificuldades relacionadas à Castração, dos amores Edipianos, da interferência dos
desejos recíprocos da mãe, do pai e da criança em relação ao objeto fálico.”
Contudo, segundo Bergeret (1998), não é possível estabelecer se determinada
Estrutura é patológica ou “normal”. O que pode ser feito refere-se a:

Estabelecer uma hierarquia das maturações sexuais, dos níveis de elaboração dos
processos mentais, dos graus atingidos pela força do ego, dos níveis de constituição
de superego, das possibilidades de relação ou de independência objetal, etc.

Desta forma temos três grandes Estruturas, a saber: Neurose, Psicose e Perversão. O
sujeito neurótico é aquele que reconhece a Castração, e recalca-a, internalizando regras e
obedecendo-as, pois se transgredí-las tem em seguida culpa e sofrimento. O perverso, por sua
vez, reconhece a Castração, porém a denega, e não receia em transgredir regras e normas. Por
fim, o psicótico é aquele que não reconhece a Castração, o ego rompe com a realidade, sendo
que o sujeito vive conforme o Princípio de Prazer e do Processo Primário.

2.4 ESTRUTURAS CLÍNICAS

Anteriormente à instauração do Complexo de Édipo2, as crianças não se diferenciam


de acordo com o sexo, pois não vêem diferenças entre meninos e meninas. Eles brincam,
2
Freud situou o Complexo de Édipo por volta dos três anos de idade. Para Melanie Klein, a situação Edípica
ocorre bem mais cedo, por volta dos seis ou oito meses de idade (ZIMERMAN, 2001)
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tocam-se, sobem um em cima do outro, roçam-se, porém tanto para essas crianças quanto para
os adultos que presenciam tal brincadeira, é normal e próprio da idade. A isso Freud (1923)
chama de perversão3 polimorfa, para designar a sexualidade infantil, e que segundo
Laplanche e Pontalis (2001, p. 342), ocorre quando essa “sexualidade infantil está
estreitamente ligada à diversidade das zonas erógenas, e na medida em que se desenvolve
antes do estabelecimento das funções genitais, propriamente ditas” .
Desta forma, conforme expõe Delouya (2003, p.208): “A Bissexualidade Originária
forma uma espécie de substrato sobre o qual se trabalha e se processa o Édipo”. Ainda de
acordo com o mesmo autor, a elaboração dessa Bissexualidade Originária é um ponto crucial
e determinante para o destino do Édipo, quanto sua dissolução e formação do seu herdeiro, o
Superego. Assim, a resposta perante a Castração, seja negando-a, desmentindo-a ou
rejeitando-a, implica em uma transformação da Bissexualidade Originária (DELOUYA,
2003).
A transmissão tanto da Bissexualidade Originária quanto do programa Edípico é de
ordem hereditária e cultural. Ou seja, essa transmissão é do inconsciente dos pais para criança,
visto que em sua infância, os pais já viveram, presenciam e elaboraram essas mesmas etapas.
Esta transmissão faz parte do desenvolvimento dos indivíduos e da espécie (FREUD, 1923).
Melanie Klein (1996) menciona em sua obra a importância de certas experiências
infantis no desenvolvimento da sexualidade. A primeira delas está ligada à observação do
coito. Klein afirma que quando essa observação se dá após o período de desenvolvimento, ela
poderá caracterizar um trauma na criança. Porém, ao contrário, se essa observação ocorrer em
idade precoce, a criança também sofre alguns riscos, como ficar fixada em uma fase do
desenvolvimento psicossexual. O outro tipo de experiência que Klein (1996, p. 226) refere-se
é as:
Relações sexuais que as crianças pequenas têm entre si, ou entre irmãos e irmãs ou
amiguinhos, que consistem nos atos mais diversos: olhar, tocar, defecar juntos,
felação, cunilíngua e muitas vezes tentativas diretas de realizar o coito.

Assim, conforme a mesma autora, tais experiências são cruciais para a formação do
Complexo de Édipo, a resolução de tal Complexo e para suas relações sexuais posteriores.
Ainda, conforme a obra de Aberastury (1996), Klein descreve que no menino, há um
período de homossexualidade logo no início do Complexo de Édipo, que segundo a mesma

3
Na psicanálise, a perversão é vista somente no âmbito da sexualidade e de uma forma geral, pode ser
determinada como comportamentos psicossexuais atípicos para a obtenção do prazer sexual (LAPLANCHE
& PONTALIS, 2001). Ainda, de acordo com Pajazckowska (2005), psicanaliticamente, perversão é uma
atitude sexual, mas não necessariamente uma atitude genital (tendo em vista, que o conceito de sexualidade,
para a psicanálise, é mais abrangente que a simples relação genital).
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teórica, começa bem mais cedo (por volta de um ano de idade) em relação à descrição feita
por Freud.
Quanto à Bissexualidade, como uma opção sexual, Jorge (2007), em seu artigo a
cerca do centenário da obra de Freud, relata que embora alguns psicanalistas (como Fliess)
acreditassem que a Bissexualidade era uma predisposição biológica, para Freud, a
Bissexualidade caracteriza-se como uma disposição psicológica, mas precisamente na escolha
do objeto – homossexual ou heterossexual.
Segundo Laplanche e Pontalis (2001, p. 55) a Bissexualidade é:

Noção que Freud introduziu na psicanálise por influência de Wilhem Fleiss: todo ser
humano teria constitucionalmente disposições sexuais simultaneamente masculinas
e femininas que surgem nos conflitos que o sujeito enfrenta para assumir o seu
próprio sexo.

De acordo com Zimerman (1999), Freud em seus estudos clínicos, especialmente na


análise do “Pequeno Hans”, comprovou a existência de “teorias” na mente das crianças.
Essas “teorias” têm o propósito de ajudá-las a decifrar o mistério do nascimento. Além de
tentar decifrar o grande enigma de sua existência, a criança, de acordo com Zornig (2008, p.
76), constrói, “através de sua fantasia, um lugar subjetivo que lhe permite deslocar-se da
posição de alienação original no discurso parental”. Desta forma, Zimerman (1999, p. 43)
também evidencia que Freud caracterizou a criança como um perverso polimorfo, devido as
suas “fontes de excitação serem múltiplas e variadas”, caracterizando a Bissexualidade
Originária.
Fenichel (1981, p. 55), citando Freud, descreve algumas diferenças da sexualidade
infantil em relação à sexualidade adulta. Entre elas, temos que a maior excitação, na
sexualidade infantil, não se localiza necessariamente nos órgãos genitais, mas sim em diversas
zonas erógenas. Outro ponto que difere é quanto aos objetivos, que não levam
necessariamente ao contato sexual. Deste modo, o autor complementa:

A criança pequena é criatura instintiva [...], cheia de uma sexualidade total ainda
indiferenciada. [...] Toda ordem de excitação que se produz na criança pode tornar-
se fonte de excitação sexual: estímulos mecânicos e musculares, afetos, atividade
intelectual e até a dor. Na sexualidade infantil, a excitação e a satisfação não estão
nitidamente diferenciadas.

Contudo, devido ao desenvolvimento sexual infantil, esse período dará lugar a outro
caracterizado pelo funcionamento dos órgãos genitais como a principal zona erógena. Desta
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forma, Fenichel (1981, p. 56) enfatiza que a “sexualidade pré-adulta” pode ser dividida em
três principais períodos: o período infantil, o período de latência e a puberdade. Assim, como
expõe Zimerman (2001, p. 55) “a bissexualidade, tanto a biológica quanto a psicológica, até
um determinado grau é uma característica normal e universal.”
Conforme vimos anteriormente e de acordo com Person et. al. (2007) o papel materno
e o paterno exercem grande influência no desenvolvimento psíquico da criança, sendo que a
criança internalizará alguns aspectos destes primeiros relacionamentos em sua vida. Ainda
conforme o mesmo, além destas influências parentais, a criança também está sujeita a
influenciar-se pelos relacionamentos com irmãos (até os “meio-irmãos”), avós, membros da
família extensa (tio, tia, primos), parentes pelo segundo casamento, pessoas que não fazem
parte da família, animais (estimação, animados ou inanimados) e alguma representação divina
que a criança venha acreditar.
Desta forma, a seguir passar-se-á ao estudo das Estruturas Clínicas, focando o papel
do complexo de Édipo e as funções materna e paterna na formação de cada uma delas.

2.4.1 Neurose

Conforme seu texto “Dissolução do complexo de Édipo”, Freud (1924, p. 221-222)


afirma:

Não vejo razão para negar o nome de ‘repressão’ ao afastamento do ego diante do
complexo de Édipo [...]. O processo que descrevemos é, porém, mais que uma
repressão. Equivale, se for idealmente levado a cabo, a uma destruição e abolição do
complexo. Plausivelmente podemos supor que chegamos aqui à linha fronteiriça –
nunca bem nitidamente traçada – entre o normal e o patológico. Se o ego na
realidade não conseguiu muito mais que uma repressão do complexo, este persiste
em estado inconsciente no id e manifestará mais tarde seu efeito patogênico.

Desta forma, segundo Freud, o recalque ou ‘repressão’ é um dos destinos possíveis


ao Complexo de Édipo, sendo que esse recalque pode ser de duas maneiras distintas: ou ele é
um recalque eficaz, que dá conta da abolição total do complexo de Édipo (o que Freud
considera como uma ‘saída normal’) ou tal censura apenas mantêm o Édipo no inconsciente,
sendo que o mesmo se manifestará mais tarde, na forma de sintoma.
O sintoma, conforme Zimerman (2001, p. 388):
20

É a expressão de um conflito inconsciente, geralmente a de um desejo proibido


sofrendo um recalcamento de uma instância repressora, que só permite a
manifestação indireta do desejo, camuflado e disfarçado sob a forma de um sintoma,
de forma análoga ao que se passa no fenômeno do sonho.

Freud no seu texto ‘O sentido dos sintomas’ (1917, p. 265) afirma que “os sintomas
têm um sentido e se relacionam com as experiências do paciente”. No texto ‘Fixação em
Traumas’ (1917, p. 287), Freud ainda acrescenta que não só o sentido do sintoma é
inconsciente, “mas também existe uma relação inseparável entre este fato de os sintomas
serem inconscientes e a possibilidade de eles existirem”. Ou seja, tal sentido deve ser
inconsciente, sendo que o sintoma não se forma a partir de processos mentais conscientes.
Desta forma, Freud conclui que “os sintomas neuróticos têm, portanto, um sentido, como as
parapraxias e os sonhos, e, como estes, têm uma conexão com a vida de quem os produz”
(FREUD, 1917, p. 265).
Em “análise terminável e interminável”, Freud (1937) lembra-nos que o
desaparecimento de tal sintoma só se concretiza quando os processos mentais inconscientes
envolvidos tornam-se conscientes, ou seja, quando o reprimido torna-se consciente, sendo este
um dos objetivos da análise.
O complexo de Édipo para Lacan (1957) configura-se em três tempos: sendo o
primeiro tempo, quando o filho situa-se com o falo materno, como sendo o único a satisfazer
completamente a mãe. O pai neste primeiro tempo ainda não tem participação como terceiro,
nesta relação; O segundo tempo caracteriza-se com a intervenção de um terceiro, ou seja, a
figura paterna, fazendo com que a criança se depare com a questão da falta; e finalmente o
terceiro tempo que é marcado pela posição da criança de ter ou não ter o falo, e não mais pela
ser ou não ser. Desta forma, a criança, através da falta, passa a ser um sujeito desejante.
Desta forma, para Lacan (1957), a neurose é a Estrutura Clínica caracterizada pela
presença do recalque e do efeito patogênico que o mesmo causa no inconsciente, surgindo
assim os sintomas. Desta maneira, a neurose configura-se como a estrutura de uma questão,
sendo que a discussão do sujeito gira em torno da indagação “Quem eu Sou?” (LACAN,
1957)
Esta pergunta, conforme Faria (2003), citando Lacan, nos leva a entender que a
relação entre o Complexo de Édipo e a Neurose, se refere à falta do Outro e a queda da
posição fálica que o sujeito enfrenta frente à Castração. Ou seja, é somente quando a criança
percebe que ela não é o falo da mãe, e desta maneira busca entender, através de indagações,
de quem é ela, ou então “o que este Outro quer de mim”?
21

Desta maneira, é conforme as significações que a criança dará frente a estas


indagações, que a situará em alguma categoria de neurose. Conforme Zimerman (2001), estas
categorias são: Neurose atual, Neurose de angústia, Neurose de caráter, Neurose mista,
Neurose narcísica, Neurose traumática, Neurose fóbica e Neurose obsessiva. Contudo, por
não se tratar do objetivo do presente trabalho não apresentaremos tais categorias
individualmente, mas sim das Estruturas Clínicas (Neurose, Perversão e Psicose) que são o
foco do trabalho.

2.4.2 Perversão

Conforme relembra Person et. al. (2007, p. 121) “a perversão carrega três significados:
o de doença, o de sanção moral e o da própria sexualidade humana”. Porém na psicanálise, o
objetivo não é “condenar” ninguém, seja pelo mesmo burlar alguma regra socialmente aceita
ou por se tratar de uma ‘anormalidade’ perante a sociedade. Por sua vez, homossexuais e/ou
bissexuais são reconhecidos como pervertidos, perversos pela sociedade em geral, contudo, a
escolha sexual não é sinônima de doença ou transtorno mental. Deste modo, acrescenta-se que
“a sexualidade não tem nada intrinsecamente a ver com saúde ou doença mental” (PERSON
et. al., 2007, p. 122).
Na psicanálise, conforme enfatizado anteriormente, segundo Laplanche e Pontalis
(2001), a perversão é vista somente no âmbito da sexualidade e de forma geral, pode ser
determinada como comportamentos psicossexuais atípicos para a obtenção do prazer sexual.
Zimerman (2001) lembra que a perversão quanto Estrutura Clínica, se organiza como defesa
contra angústias.
Deste modo, de acordo com Dias (2004), citando Freud, na perversão, o indivíduo
reconhece a falta, porém a denega. Assim, para o perverso não importa leis, pois o que lhe
importa é somente seu desejo e não o do outro, além de não querer perceber-se como
incompleto, com falta, e por conseqüência a não-castração. Além disso, o autor complementa:

Aceitar a castração sob reserva de transgredi-la continuamente é o que ocorre nas


perversões, cujas origens situam-se entre dois pólos, o da angústia da castração e os
mecanismos defensivos destinados a neutralizá-las (a angústia da castração) (DIAS,
2004, p. 108).
22

Ainda, conforme Dias (2004), esses mecanismos defensivos são: fixação (e a


regressão) e a denegação da realidade, como forma de recusa em reconhecer a castração da
mãe. Ou seja, a criança até reconhece a diferença entre os sexos, porém a denega, sendo que
ela não aceita que a mãe não tem o objeto fálico e que ela (criança) não é o objeto de desejo
materno e sim que este desejo encontra-se endereçado ao pai.
De acordo com Lacan (1957), recordando os três tempos do Édipo, o primeiro tempo é
caracterizado pela identificação do falo, porém, tal consideração é vista como normal, sendo
que a posição da criança neste primeiro tempo é caracterizada como ‘perversão imaginária no
plano imaginário’. Contudo, quando a criança reconhece que ela não é o único desejo materno
é que a leva para o segundo tempo do Édipo. Assim, no segundo tempo, tem-se a entrada de
um terceiro na relação, o pai, fazendo aparecer na criança a falta. Porém, quando a mesma não
aceita tal dado é que a situa na Estrutura clínica perversão. Logo, sendo na passagem do
segundo para o terceiro tempo do Édipo que acontece a entrada efetiva do pai no complexo
Edípico, é que se situa também a identificação perversa neste tempo.
Assim, conforme aponta Faria (2003), citando Lacan, é exatamente no momento em
que o pai entraria na relação como o terceiro, ditando a lei, (através da qual, ele passaria a
mensagem de que o filho não é o único desejo da mãe) que não ocorre na perversão. Quem
passa a ditar tal lei é a mãe, como se ela fosse detentora do falo, sendo que a mesma oferece o
suporte para que tal ruptura na relação entre ela e o filho não ocorra. Desta maneira, a mãe
não convoca a figura paterna para tal relação, e a partir da negação.
A negação do perverso configura-se em negar a questão do desejo materno estar
voltado ao pai e a negação das diferenças entre os sexos (DIAS, 2004). Assim, com base no
mecanismo da negação, a criança retorna para a mãe como uma segurança contra a castração.
Ou seja, a mãe, assim como a figura paterna, tem papel fundamental para a instauração de tal
ruptura simbiótica (FARIA, 2003).
Ainda, convêm lembrar que, conforme Laplanche e Pontalis (2001, p. 341),

Que existe perversão, quando o orgasmo é obtido com outros objetos sexuais
(homossexualismo, pedofilia, bestialidade, etc.), ou por outras zonas corporais (coito
anal, por exemplo) e quando o orgasmo é subordinado de forma imperiosa a certas
condições extrínsecas (fetichismo, travestismo, voyeurismo e exibicionismo,
sadomasoquismo); estas podem mesmo proporcionar, por si sós, o prazer sexual.
23

Estas categorias apresentadas por Laplanche & Pontalis (2001), que são:
homossexualidade, pedofilia, bestilidade, fetichismo, travestismo, voyeurismo, exibicionismo,
masoquismo e sadomasoquismo, não serão trabalhados por não se tratarem do foco do
presente trabalho.

2.4.3 Psicose

O termo Psicose foi criado no século XIX como substituto do termo ‘loucura’. Freud,
em 1911, através da publicação “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um
caso de paranóia”, o conhecido ‘Caso Schreber’, analisou tal Estrutura (ZIMERMAN, 2001).
De acordo com Faria (apud Lacan, 2004), a psicose ocorre porque a operação de
introdução da Lei paterna fracassa. Assim, para explicar teoricamente a origem do mecanismo
psíquico psicótico, tem-se o conceito de Foraclusão, que segundo Nasio (1995, p. 149) é:

[...] o nome que a psicanálise dá à falta de inscrição, no inconsciente, da experiência


normativa da castração, experiência crucial que, na medida em que é simbolizada,
permite à criança assumir seu próprio sexo e, desse modo, tornar-se capaz de
reconhecer seus limites.

Conforme expõe Lacet (2004, p 2), “Os significantes foracluídos, diferentemente do


que ocorre no recalque, no qual são reintegrados ao inconsciente via simbólico, retornam de
fora pela via do real, como é o caso dos fenômenos alucinatórios”.
Assim, de acordo com Lacan, a psicose ocorre a partir de uma falta da função paterna
no desenvolvimento da criança, ou seja, quando necessário a presença da função paterna para
que a criança reconheça a castração (diferença entre os sexos e a aceitação de que a mãe tem
outros desejos, além do filho), e se instaure assim a Lei paterna (LACAN, 1957). Desta
forma, o psicótico é aquele que nem reconhece a Castração.
Ainda, segundo Lacet (2004, p.5):

O psicótico situa-se fora da lógica fálica, principal consequência da operação


paterna [...] e quando a significação fálica não advém, , cria, no discurso,
consequências avasssaladoras para o sujeito, que fica sem rumo frente a uma
enxurrada de significações.
24

A “psicose propriamente dita” (ZIMERMAN, 2001, p.339), apresenta manifestações


psicóticas, sendo as alucinações ou delírios. Tais manifestações, conforme Nasio (2001) são
consideradas defesas do psicótico contra algo que causa dor e muito sofrimento (NASIO apud
FREUD, 2001).
Desta maneira, conforme Nasio (2001, p. 36) “o eu expulsa para fora um idéia que se
tornou intolerável para ele, por ser demasiadamente investida, e, com isso, separa-se também
da realidade externa da qual essa idéia é a imagem psíquica”. Assim, o eu acaba separando de
si uma parte sua, porém tal representação deixada de lado também carrega consigo a
realidade, sendo que ao fazer tal ação, o eu separa-se, em todo ou em parte, da realidade.
Desta maneira, “o eu é vazado em sua substância, e a esse furo no eu corresponde um furo na
realidade”.
Assim, temos três grandes momentos, o superinvestimento do eu para com uma
representação psíquica, a rejeição completa de tal representação, constituindo um furo na
realidade da qual a representação fazia parte e por fim, a percepção pelo eu da parte rejeitada,
sob a forma de um delírio ou alucinação que não deixa de ser uma realidade, tanto externa
quanto interna (NASIO, 2001).
Porém, como sabemos o inconsciente fala com o sujeito através das “escapadas”, para
voltar ao ouvido do sujeito e assim surpreendê-lo. Desta maneira, para o psicótico as
alucinações e delírios são estas “escapadas” do inconsciente, porém, diferentemente do
neurótico, ele não reconhece como sendo do seu eu e sim como algo externo, que vem de
fora, e tendo a “convicção dolorosa e inabalável de ser vítima de uma voz tirânica que o
aliena” (NASIO, 2001, p. 39). Ainda conforme acrescenta Meyer (2008, p. 4), “É desta

forma que o sujeito se apresenta [...] completamente exposto à ação do

significante, falado e boicotado pelos fenômenos elementares (alucinações auditivas)

e do automatismo mental”.

2.4.4 As Estruturas na clínica psicanalítica

Conforme aponta Quinet (1997, p. 24), cada Estrutura Clínica tem uma forma
particular quanto à forma de negação da Castração e como tal fenômeno se apresenta na vida
25

do indivíduo. Para tal compreensão, o mesmo autor, apresenta um quadro ilustrativo (Tabela
1) :

Quadro 1: Estruturas Clínicas e suas respectivas formas de negação da Castração, local de retorno e o fenômeno
pelo qual retorna a representação psíquica recalcada.

ESTRUTURA FORMA DE
LOCAL DE RETORNO FENÔMENO
CLÍNICA NEGAÇÃO

Recalque
Neurose Simbólico Sintoma
(Verdrãngung)
Desmentido
Perversão Simbólico Fetiche
(Verleugnung)
Foraclusão
Psicose Real Alucinação
(Verwerfung)
Fonte: QUINET, 1997, p. 24.

Assim, na Neurose, como já vimos, o Complexo de Édipo é recalcado, porém, o


mesmo retorna na forma de sintoma, sendo que é através de tal sintoma, que temos acesso à
organização psíquica do indivíduo, visto que tal sintoma traz consigo um desejo que não pode
ser atendido na forma consciente, porém ele volta de forma “disfarçada”, visando à satisfação.
Um exemplo disso está no caso do Homem dos Ratos, onde o mesmo apresentava a idéia
obsessiva de que se visse uma mulher nua, seu pai teria que morrer. Desta forma, a
representação do desejo da morte do pai obsessiva, que fora recalcada, retorna na forma de
sintoma e expressa bem sua estrutura edípica, ou seja, proibição de ver uma mulher nua,
ligada ao pai (QUINET, 1997).
Contudo, Freud (1924) nos alerta acerca de um erro que pode vir a ocorrer na prática
analítica: fundamentar o diagnóstico através do sintoma e não a partir da fala do paciente.
Ainda, tal hipótese diagnóstica serve apenas para direcionar o tratamento, visto que cada
Estrutura Clínica apresenta uma demanda diferente, e não para “rotular” ou classificar o
paciente.
Já na perversão, há o desmentido de tal Castração, e o retorno constitui-se no
fenômeno fetiche, como por exemplo:

Freud expõe o caso de um paciente cuja condição do desejo é atrelada a um


determinado “brilho no nariz” do outro. A análise desvenderá um jogo de palavras
translinguístico que permite entender tal atrelamento: brilho, em alemão glanze, é
26

homófono a glance que, em inglês, significa olhar. O segredo desse fetiche residia
no fato deste sujeito ter vivido os primeiros anos de sua infância num país de língua
inglesa. Eis a pista da constituição desse fetiche que demonstra sua determinação
pelas coordenadas simbólicas da história do sujeito, denotando, como todo fetiche, o
objeto pulsional em questão (o olhar) (QUINET apud FREUD, 1997, p. 25).

Na psicose, a qual não há o reconhecimento de tal Castração, o retorno aponta “a


relação de exterioridade do sujeito com o significante”, aparecendo nos distúrbios de
linguagem, como as vozes alucinadas (QUINET, 1997, p. 25). Por exemplo, o sujeito que
ouve vozes, considera-se como vítima de alguém que com uma voz aterrorizante faz dele um
refém, sendo que o psicótico não entende que tais vozes não são ditas por um terceiro, alguém
do mundo externo, mas sim, de uma representação, anteriormente superinvestida, que o seu
ego, por não suportar tamanha dor e sofrimento, arrancou-o de si. Porém a realidade a qual
esta representação pertence, também é aniquilada do ego, fazendo com que esta instância
psíquica fique com um furo, um vazio, sendo que é a partir da percepção de tal “buraco” que
surge as alucinações, que não deixam de ser realidade (NASIO, 2001).
Ainda algo importante quanto ao tratamento analítico de um psicótico refere-se à que o
analista deve estar ciente, de que este nunca tornar-se-á um neurótico, ou conforme Freud
(1924), o analista não pode prometer inserir o psicótico na norma fálica, tornar o psicótico em
um neurótico. Desta forma, o analista, conforme Lacet (2004, p. 11): “ Está aí um lugar
possível ao analista, como secretário do alienado, fazer circular sua produção e procurar junto
a ele um significante que possa reorientar sua posição subjetiva”.
Ainda, conforme D’Avila (apud Freud, 2005, p. 143), outro aspecto intimamente
ligado ao Complexo de Édipo e de suma importância no tratamento analítico, é a tranferência,
aspecto essencial para dar-se início ao tratamento, sendo que “a tranferência é, grosso modo,
reedições de conteúdos edípicos”, ou seja, compulsão à repetição por parte do analisante.
Deste modo, ao analista é incubido o papel materno, paterno ou até ambos. Contudo, é
necessário o manejo desta transferência, para que o indivíduo pare de repetir sintomas e preste
atenção à suas queixas, para que o tratamento prossiga.

2.4.5 Considerações sobre o capítulo

O Complexo de Édipo mostra-se como um organizador do funcionamento psíquico,


sendo que o mesmo contempla vasta gama de sentimentos, como amor X ódio por um mesmo

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