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Material de apoio didático da Prof. Dra. Renata Wirthmann


O presente material é exclusivo para fins didáticos e foi elaborado a partir das seguintes
referências:

Alberti, Sônia. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Sahar, 2010.

Flesler, Alba. A criança em análise e as intervenções do analista. São Leopoldo: editora Discurso, 2021.

Flesler, Alba. A psicanálise de crianças e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

Fink, Bruce. O sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

Capanema, Carla Almeida, & Vorcaro, Ângela Maria Resende. (2017). A condição do ser falante no nó borromeano. Estilos da
Clinica, 22(2), 388-405. https://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i2p388-405

Nominé, Bernard. (2019). Conferências de Bernard Nominé. Stylus (Rio de Janeiro), (39), 13-35. Recuperado em 04 de junho de 2023,
de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2019000200002&lng=pt&tlng=pt.
Na clínica psicanalítica com crianças e adolescentes se recebe os pais mas se aponta
para o sujeito. Recebemos os pais para sabermos sobre o lugar da criança no campo do
Outro que permitirá a essa criança assumir-se como sujeito e conquistar um lugar no
mundo. Esse lugar a ser conquistado depende da amarração entre três elementos:
amor, desejo e gozo. O propósito de receber os pais é orientar o nó borromeano
composto, justamente, por esses três elementos. Podemos tomar o amor como
imaginário, Desejo como simbólico e o gozo como real. Na intersecção entre os três
elementos, encontramos o objeto a.

Fundamental localizar de que modo esses três elementos se amarram em cada tempo
do sujeito numa engrenagem sempre dinâmica, sempre em constante movimento e que
exige diferentes orientações a cada tempo. Por isso perguntamos na primeira entrevista
com os pais o por que os pais decidiram trazer seu filho à um analista. Escutamos o
motivo dos pais para termos as coordenadas necessárias para conduzir o tratamento,
para o estabelecimento da transferência, para localização da criança no desejo do
Outro, para orientação do nó borromeano… (Flesler, 2021, p. 54).
O nó borromeano descreve a clínica da vida amorosa -, esses três verbos só podem se
articular sob a condição de que assim se coloque:
“o que eu te demando, não é isso que eu quero; o que eu te ofereço, também não é isso
que tu queres; e é, portanto, ao título do 'não é isso' que tu tens todas as razões para
recusá-lo a mim”.

O famoso “não é isso” representa o lugar do objeto a no centro do nó: “é de um nó de


sentido que emerge o objeto a” (Lacan, 1971-1972, p. 64).
Tempos do Predomínio Descrição da relação entre o sujeito e o Outro Orientação ao nó dos pais
Sujeito do Registro
1 Ser ou não Imaginário O Outro propõe e o sujeito responde sim e se aliena A orientação neste momento é que o Outro
ser o falo na proposta por isso seu corpo e suas manifestações materno ofereça seus objetos pulsionais (voz,
não são próprias ainda, o bebê, neste primeiro olhar, toque) pois ao assujeitar-se ao Outro, o
tempo, encontra-se assujeitado ao Outro. bebê ganha um sentido pois se inaugura no
mundo como um sujeito “da linguagem” ou “na
linguagem” o que equivale dizer que tanto o
Outro quanto a criança aceitam, nesse tempo,
escutar as necessidades como algo que pode
ser representado por palavras e por uma
antecipação do desejo: “você quer mamar,
bebê?” “mamãe vai te dar mamar”. Essa
escolha de sujeição é necessária para que o
indivíduo advenha como um sujeito e possa
avançar para o próximo tempo em que poderá
responder sim ou não ao que o Outro vai
propor.
2 Primeiro Real Tr a t a - s e d e u m i n s t a n t e , a l g o p o n t u a l e Em termos de orientação aos pais, nesse
despertar surpreendente (Real) em que a criança tem a momento recomendamos a alternância. A mãe
sexual ou percepção (instante de olhar) que o Outro primordial, que antes ofereceu seus objetos pulsionais
Instante de o Outro materno, possui uma falta e isso leva a agora alterna: ora a criança chora e ela vem,
olhar criança a uma descoberta, no sentido de que a ora a criança chora e ela não vem. Ora é a mãe
ilusão fica descoberta, a ilusão não se sustenta. A que vem, ora é outra pessoa. Esse movimento
ilusão, no primeiro tempo, garantia que a resposta do do Outro materno leva a um importante
sujeito ao Outro fosse sempre sim. Com a ilusão despertar da criança e consolida esse segundo
descoberta a resposta pode ser outra, ou seja, a tempo do sujeito. (o estágio do espelho
criança não tem mais a garantia de poder ser o falo inaugura-se aqui)
da mãe, nesse momento ela descobre que a mãe
pode ter outros interesses que não somente ela.
3 Ser ou ter o Imaginário Nesse momento “o sujeito que antes disse sim” à Há aqui a necessidade de uma reorientação e
falo criança do Outro, deve responder “não” e permitir uma redistribuição do gozo, aceitando que a
que a separação se opere. Alienação e separação criança também participa dessa partilha. O
são dois tempos do sujeito, tempos em que o sujeito Outro materno deve mostrar sua incompletude,
se efetua como resposta” (Flesler, p.74). A operação falibilidade ou deficiência para a operação de
de alienação e separação exigirá uma modificação separação se concretizar e para o sujeito vir a
pois a ilusão do primeiro tempo não sustenta mais a ser $ diante de um Outro que é, na verdade, um
relação do sujeito com o Outro. A separação envolve sujeito desejante.
o confronto do sujeito alienado com o Outro não
mais como linguagem, mas como desejo. A criança
quer saber se é desejada/amada por seus pais e, por
isso é necessário que os pais ofereçam à este
sujeito a antecipação e a nominação deste como um
sujeito de desejo e não mais como ser o falo, o que
permitirá ao sujeito vir a ter um falo.
4 Latência ou Simbólico Quando o sujeito conseguir suportar a ideia de que o Neste momento é imprescindível que as teorias
tempo de Outro é, na verdade, um sujeito desejante e que ele infantis sejam notadas e valorizadas. Que a
compreend próprio também é um sujeito dividido se dará o início criança encontre espaço para contar, elaborar e
er do longo período de latência, no qual a criança vai ampliar suas elaborações e construções. A
buscar entender o mundo ao seu redor para poder criança fará perguntas e todas devem ser
localizar seu lugar. “A criança compreende o que é recebidas e dialogadas, trata-se mais de se
indecifrável no discurso dos pais. (…) A criança tenta abrir ao diálogo com a criança do que
ler entre as linhas para decifrar por quê: Ela diz X, responder prontamente ou, pior, inibir a criança
mas por que ela está me dizendo isso? o que quer de perguntar ou teorizar. Interessante, neste
de mim? o que deseja em geral? Os porques período, fazer a memória dessas teorias
intermináveis das crianças não são, na opiniaõ de infantis.
Lacan, o sinal de uma cruriosidade insaciável com
relação ao funcionamento das coisas mas mostram
uma preocupação com o lugar em que elas se
encaixam, que posição ocupam, que importância têm
para os pais. As crianças estão preocupadas em
assegurar um lugar para si mesmas” (Fink, p. 77).
No tempo de compreender o brincar da criança
muda, ela costuma se interessar mais por jogos
devido a este interesse pelas regras: “Trata-se da
busca de regras para mensurar e dar certa ordem
legítima ao gozo” (Flesler p. 77).
5 Segundo Real Esse tempo é um instante, como foi o primeiro A orientação aqui aos pais é que não
despertar d e s p e r t a r. U m a c o n t e c i m e n t o p o n t u a l e banalizem ou desconsiderem a brutalidade
ou início do surpreendente (Real), como o primeiro despertar. Se desse segundo despertar, não ridicularizem
drama o primeiro despertar inaugurou uma abertura para a nem rivalizem com esse acontecimento.
puberal construção de um saber sobre seu corpo e suas
manifestações não mais alienado ou assujeitado ao
Outro, nesse segundo despertar encontraremos o
“ressurgimento do empuxo pulsional que visa uma
nova forma integradora de modalidades inovadoras
no desejo, no gozo e no amor” (Flesler p.78). Nesse
segundo despertar o corpo e suas manifestações
que foram percebidos no primeiro despertar, agora
terá seus poros reabertos, após uma certa
suspensão ocorrida na latência. Essa reabertura é
dramática e brutal ao sujeito e exige atenção do
Outro.
6 Momento RSI Trata-se da conclusão da infância. Esse processo A orientação aos pais aqui é a seguinte: A
de concluir não é fácil ou rápido e é definitório (não definitivo) presença e a persistência dos pais na
ou pois nesse tempo o sujeito deverá concluir a fantasia adolescência é de extrema importância para o
precipitado que vai orientar seu desejo e seu acesso ao gozo filho adolescente, mesmo que pareça, muitas
fantasístico para além do âmbito familiar. vezes, o contrário. De uma forma
aparentemente paradoxal a presença dos pais
é indispensável, junto ao adolescente, antes de
mais nada, para que este adolescente possa
desempenhar sua função de separação.
Exemplo do lugar dos pais em relação aos tempos do sujeito o segundo despertar sexual e o precipitado fantasístico, a partir
do livro da Psicanalista Sonia Alberti chamado “O adolescente e o Outro”.
Qual o lugar dos pais para os filhos adolescentes?
Do mesmo modo que as crianças chegam ao consultório através das queixas e demandas dos pais, os adolescentes também nos
chegam, fundamentalmente, através das queixas e demandas dos pais. Excepcionalmente um adolescente busca tratamento partindo
do seu próprio desejo e é importante apontar que isso tem acontecido cada vez mais pela popularidade que o campo psi tem ganhado
nas séries e nas redes sociais. Mas, partindo do fato de que, na grande maioria a procura inicial ainda é dos pais, nossa primeira
pergunta é quem são os pais para os filhos adolescentes?
Alberti inicia seu livro com essa questão que pode ser lida de um modo mais direto: A presença e a persistência dos pais na
adolescência é de extrema importância para o filho adolescente, mesmo que pareça, muitas vezes, o contrário. De uma forma
aparentemente paradoxal a presença dos pais é indispensável, junto ao adolescente, antes de mais nada, para que este adolescente
possa desempenhar sua função de separação. Afinal como se separa daquele que não está lá?
Assim é justamente porque os pais do adolescente existem e estão lá é que o adolescente pode escolher realizar a tão importante
separação da melhor forma possível o que significa dizer que se os pais nunca estiverem presentes o adolescente não poderá fazer
sequer essa escolha, imagina todas as outras que ele ainda terá que fazer pela frente?
Esse sujeito adolescente tem duas grandes tarefas: a primeira um longo trabalho de elaboração das escolhas e a segunda tarefa
um longo trabalho de elaboração da falta do Outro.
Aprofundando a primeira tarefa, que é um longo trabalho de elaboração de escolhas, precisamos falar da importância dos pais
não desistirem de desempenhar sua função de pais. Muitas vezes, na clínica com adolescentes, temos que chamar os pais a não
desistir da tarefa de permanecer sendo pai daquele filho adolescente. Apesar de todos esses desafios é importante que os pais não se
separem dos filhos antes que os filhos possam, eles mesmos, executar essa importante separação dos pais sem haver, portanto, a
inversão dos papéis. Quando os papéis se invertem, e os pais se separam do adolescente e não o adolescente se separa dos pais, este
adolescente se vê abandonado e passa a lutar desesperadamente para chamar a atenção daqueles que o abandonaram.
Sônia Alberti nos alerta que, para grande parte dos pais, é muito difícil sustentar a adolescência dos seus filhos até porque as
manifestações mais difíceis de um filho adolescente aponta para os pontos mais fracos e mais vulneráveis do seu pai e da sua mãe, que
o adolescente conhece muito bem.
Para que o processo de separação dos pais possa ocorrer é fundamental que antes disso tenha ocorrido a incorporação dos pais,
quanto mais sólida essa incorporação, maior terá sido a herança que servirá como ferramenta para o sujeito adolescente fazer suas
escolhas.
Uma importante observação que temos visto na clínica hoje é que os pais estão extremamente abalados e duvidam de suas
próprias capacidades como pais e, portanto se vêem com uma enorme dificuldade de transmitir a seus filhos uma forma de barrá-los,
mesmo sabendo que é imprescindível fazer tal barra. Por que isso? Temos percebido pais que tem medo de perder o amor de seus
filhos e, diante desse risco, recolhem suas barras (falar de sujeito barrado, castrado).
Se Freud pôde observar que a separação da autoridade dos pais é o maior trabalho da adolescência, ele jamais negou que isso
fosse um processo que se desenvolve paulatinamente, com altos e baixos, idas e vindas. O importante é os pais perceberem que
apesar das constantes negativas que os adolescentes lhes dirigem, é fundamental que não só as suportem como possam mostrar que
suas opiniões, diretivas e observações têm bastante solidez, não são opiniões, diretivas e observações inabaláveis, mas que advêm de
elaborações que não foram feitas às pressas, de maneira oportunista e que sua modificação também exige uma mesma elaboração
prévia, pensada e aprofundada.
Assim como os filhos podem aprender muito com seus pais, os pais também podem aprender com seus filhos! Mas para que tal
aconteça é necessário que: a) tanto uns quanto outros possam expor suas opiniões, b) que não se desista de fazê-lo e c) sobretudo,
que não se abra mão da responsabilidade de acompanhar os filhos em suas trajetórias só por-que se pensa que já não se é ouvido,
levado em conta etc. O efeito da desistência é normalmente assustador: o adolescente se vê deixado cair. Desesperado e perdido, o
adolescente então inicia uma busca que pode ser uma completa catástrofe na tentativa de alcançar novamente a mão dos pais o que,
como numa bola de neve, tem cada vez mais dificuldade de conseguir.
Para a psicanálise os pais devem ser falhos (castrados), mas não inconsistentes. E o adolescente é, sempre, um transgressor.
Ou seja, para haver uma separação é preciso que efetivamente o Outro possa ser dialetizado, relativizado, no sentido de lhe ser
impossível uma onipotência que impediria ao sujeito fazer o que quer que fosse escapando à sua presença.
Essa transgressão do adolescente parece apontar para uma importante questão: quem sou eu? “Quem sou eu?” implica o furo do
saber do sujeito que perdeu as referências sólidas às quais estava atrelado como filho, irmão, herói imaginário de seriados de TV e que,
chegando na puberdade, foram abaladas. Se o maior trabalho a ser feito na puberdade é o do desligamento do ideal dessas referências
infantis, a questão então é: se deixar de ter essas referências às quais eu estava amarrado até agora em minha vida, como fico?
O sujeito adolescente se vê levado a construir suas próprias referências, por um lado, e não poucas vezes, a partir daquelas
designadas pelos próprios pares, os outros adolescentes; mas sobretudo, e por outro lado, passíveis de se estabelecerem através da
introjeção dos pais da infância. É preciso coragem para escolher por que cada escolha aponta para um esforço de separação do Outro
que, por sua vez, forneceu os elementos que constituiram o sujeito. Em resumo: a adolescência exige do sujeito pagar o preço da
separação dos pais assumindo que só é possível contar com o Outro no nível simbólico.
A adolescência exige do sujeito pagar o preço da separação dos pais assumindo que só é possível contar com o Outro no nível
simbólico. O adolescente é esse sujeito que escolhe sustentado na alienação ao Outro mas inscrevendo, na relação com o Outro, a
vertente da separação. O trabalho da adolescência se inscreve na elaboração desse binômio: alienação e separação. Atravessá-la é
também suportar o fato humano de que somos todos alienados e, ao mesmo tempo, poder tirar conseqüências absolutamente
singulares dessa mesma alienação — e se servir dela!

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