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Acredito que algumas questões mais importantes que devemos fazer, como professores,
mas também educadores em geral, e adultos, são essas:
Como podemos ajudar as crianças a encontrar o sentido daquilo que fazem e vivenciam?
Como podemos responder à sua busca pelo sentido das coisas, pelo sentido da própria
vida?
Como podemos dar respostas às suas constantes perguntas, aos seus “por quês” e
“comos”, à sua procura por aquilo que gostamos de pensar que é não apenas o sentido
das coisas, mas o sentido da própria vida, uma procura que começa no nascimento, no
primeiro “por quê” silencioso da criança, e vai até aquilo que, para nós, é o sentido da
vida?
Trata-se de uma busca difícil, especialmente para as crianças hoje, que têm tantos pontos
de referência distintos em seu dia a dia: a experiência da família, a televisão, os locais de
socialização. Crianças pequenas fazem um esforço enorme para juntar todos esses
fragmentos, normalmente desconexos, que elas encontram não durante toda uma vida, mas
no período de um único dia. E, nesse esforço, muitas vezes elas são deixadas sozinhas, tano
por suas famílias, quanto por suas escolas. Mas continuam sua busca mesmo assim, com
teimosia, sem cansar, cometendo erros e, em geral, sozinhas, porém, perseverando. Desistir
significaria abalar todas as possibilidades e esperanças, impedindo a oportunidade não só de
ter um passado, mas também de garantir um futuro. E as crianças fazem isso desde o
começo de suas vidas.
Essa procura pela vida e pelo “eu” nasce com a criança, e é por isso que falamos de uma
criança competente e forte, engajada nessa busca em direção à vida, em direção aos outros,
em direção às relações entre o eu e a vida. Uma criança, portanto, que não é mais
considerada frágil, sofredora, incapaz; uma criança que nos pede que olhemos para ela com
olhos diferentes, de modo a fortalecer seu direito de aprender e saber, de encontrar o sentido
da via e da própria vida, sozinha e com os outros. Nossa ideia e nossa atitude em relação à
criança pequena são diferentes, pois a vemos de forma ativa, todos os dias, assim como nós,
procurando entender alguma coisa, extrair um significado, capturar um pedaço de vida.
Desde a mais tenra idade as crianças tentam produzir teorias interpretativas, dar
respostas. Alguns podem considerar essas teorias ingênuas e inocentes, mas isso tem pouca
importância: o que importa mesmo não é apenas dar valor a alguma coisa, mas, acima de
tudo, entender o que há por trás dessas questões e teorias, e o que há por trás delas é algo
verdadeiramente extraordinário. Há a intenção de produzir questões e buscar respostas, o
que constitui um dos aspectos mais excepcionais da criatividade.
A criança competente tem um adulto que a enxerga desse jeito: o nível de expectativas é
um fator determinante. Acredito, por exemplo, que para nós, em Reggio Emilia, foi
fundamental o afastamento da ideia de “observação objetiva”, isto é, a eliminação da
objetividade em benefício do sujeito, mas em especial, a possibilidade de olhar para a
criança com amor, com cumplicidade1. Essa visão cúmplice também pode ajudar a
compreender que os elementos que fundamentam as observações das crianças são os seus
muitos “por quês”, suas tentativas de explicar para si mesmas por que uma flor é como é, por
que a mamãe diz flor e o que é uma flor. Mas na flor existe o sentido da vida, e no
relacionamento com uma flor existe o sentido da vida, e no relacionamento com uma flor
existe a busca pelo sentido da vida.
É por essa razão que eu gostaria de refletir um momento sobre aquilo que chamamos,
embora não seja original, a “pedagogia relacional e da escuta”, que se origina precisamente
da ideia de que as crianças não os mais ávidos investigadores do significado e da
1
Uso “cumplicidade” aqui no sentido de aliança ou solidariedade, que fazem as crianças e os adultos se sentirem
como se estivessem unidos, ligados por um desejo comum de compreender e conhecer e de serem capazes de
lutar e de se alegrar juntos.
significância, e produzem teorias interpretativas. Essa ideia constitui não apenas a gênese
dessa pedagogia relacional e da escuta, mas também a possível origem de uma “criatividade
relacional”. Tanto para adultos quanto para crianças, como afirmei anteriormente, entender
significa elaborar uma interpretação, o que chamamos de “teoria interpretativa”, ou seja, uma
teoria que dá significado às coisas e aos eventos do mundo, uma teoria no senso de uma
explicação satisfatória. Pegamos o termo “teoria”, que normalmente tem uma conotação
muito séria, e o transformamos num direito de todo dia, reconhecendo esse direito na criança
que definimos como “competente”.
Uma criança de três ou quatro meses de vida é capaz de desenvolver teorias? Gosto de
pensar que sim, porque sinto que essa convicção pode levar a uma abordagem diferente e,
em particular, aos conceitos de escutar e de criatividade relacional. Uma teoria, portanto, é
vista como uma explicação satisfatória, embora também provisória. É algo mais do que
simplesmente uma ideia ou grupo de ideias; deve ser prazerosa e convincente, útil e capaz
de satisfazer nossas necessidades intelectuais, afetivas e ainda estéticas. Ou seja, deve nos
dar a sensação de completude, que produz a sensação de beleza e satisfação.
De certa maneira, se possível, uma teoria deve ser prazerosa para os outros também, e
precisa ser ouvida pelos outros. Isso permite transformar um mundo intrinsecamente pessoal
em algo partilhado: meu conhecimento e minha identidade também são construídos pelo
outro. Compartilhar teorias é uma forma de resposta à incerteza e à solidão.
Eis aqui um exemplo. Uma criança de três anos disse o seguinte: “o mar nasce da mãe
onda”. Essa criança elaborou o conceito e está desenvolvendo a ideia de que tudo tem uma
origem. Reunindo todos os elementos que possui de modo criativo, ela formula uma
explicação satisfatória e, enquanto elabora o conceito, divide-a com os outros. Eis outros
exemplos:
A palavra “escutar”, então – não somente no sentido físico, mas também no metafórico – ,
deixa de ser apenas uma palavra e se torna uma abordagem sobre a vida. É assim que
entendemos seu significado: escutar é uma atitude que requer a coragem de se entregar à
convicção de que o nosso ser é só uma pequena parte de um conhecimento mais amplo;
escutar é uma metáfora para estar aberto aos outros, ter sensibilidade para ouvir e ser ouvido,
em todos os sentidos. É uma palavra que não deveria ser dirigida somente às crianças. Em
particular, escutar é dar a si próprio e aos outros um tempo para ouvir. Por trás de cada ato de
escuta, há um desejo, uma emoção, uma abertura às diferenças, a valores e pontos de vista
distintos. Por conseguinte, devemos escutar e dar valor às diferenças, aos pontos de vista dos
outros, sejam homens, mulheres ou crianças, especialmente para lembrar que, por trás de cada
ato de escuta, restam criatividade e a interpretação de ambas as partes. Desse modo, escutar é
dar valor ao outro; não imporá se você concorda ou não com ele. Aprender a escutar é uma
tarefa difícil; é preciso se abrir para os outros, e todos nós necessitamos disso. A escuta
competente cria uma profunda abertura e uma forte predisposição à mudança.
O conceito que mencionamos antes sobre o mar e a onda mãe foi provavelmente uma
resposta dada a uma questão, havia um contexto específico, e poderia ter sido ainda mais
maravilhoso e poderoso se pedíssemos à criança que o representasse graficamente. Para ser
mais explícita: vamos pegar o exemplo de um desenho feito por Federica (com idade de três
anos e dois meses) e ver como ela resolve o problema de retratar um cavalo correndo (ver figura
1).
Federica sabe que cavalos têm quatro patas; ela vira a folha de papel e desenha as
outras duas patas no verso (ver figura 2).
Ela conseguiu juntar linguagens múltiplas e aprendeu a codificá-las: isso é
expressividade, é criatividade. Uma solução semelhante foi encontrada por uma garotinha de
cinco anos que pegou o pedaço de papel e colocou contra a janela, fazendo traços no outro
lado.
Como sabemos, os seres humanos são equipados com duas formas de pensamento: o
pensamento convergente, que tende à repetição, e o pensamento divergente, que tende à
reorganização dos elementos.
O pensamento divergente é do tipo que vimos nesse exemplo. É a combinação de
elementos incomuns, que as crianças pequenas realizam com grande facilidade já que não
possuem nenhum fundamento teórico particular ou nenhum relacionamento fixo. Por que então,
é tão difícil para os adultos utilizar o pensamento divergente? Em primeiro lugar, porque o
pensamento convergente é conveniente, mas também porque mudar a mente em geral
representa perda de poder. As crianças, por outro lado, buscam o poder mudando a mente, com
a honestidade que têm em relação às ideias e aos outros, com a honestidade para escutar.
Entretanto, rapidamente aprendem que ter ideias divergentes das dos educadores ou dos pais e
expressá-las no momento errado não é algo positivo. Quando isso acontece, então, o que morre
não é o pensamento criativo, mas a legitimação da criatividade do pensamento.
O pensamento criativo pode, ainda, levar à solidão. A criatividade é relacional; precisa da
aprovação para se tornar um bem compartilhado. É muito comum, no entanto, termos medo
dessa criatividade, mesmo da nossa, porque ela nos torna “diferentes”.
Ao brincar, como observou Piaget, as crianças pegam a realidade nas mãos, de modo a
tomar posse dela; com liberdade elas a decompõem e recompõem, consolidando essa qualidade
de pensamento convergente e divergente. Por meio da brincadeira, as crianças confrontam a
realidade e a aceitam, desenvolvem o pensamento criativo e escapam da realidade, que é quase
sempre opressiva. É aqui que alguns dos nossos erros mais sérios criam raízes.
Por conseguinte, a dimensão do brincar (com palavras, “pregar” peças, e assim por
diante) é um elemento essencial ao ser humano. Se tirarmos essa dimensão das crianças e dos
adultos, estaremos eliminando a possibilidade do aprendizado, rompendo o relacionamento dual
entre brincar e aprender. O processo criativo precisa, em vez disso, ser reconhecido e legitimado
pelos outros.
Pensemos em nossa relação com a arte: com muita frequência, separamos a arte da vida
e, assim como a criatividade, a primeira não tem sido reconhecida como um direito cotidiano,
como uma qualidade da vida. O desenvolvimento disciplinar das ciências trouxe inúmeros
benefícios; mas também nos legou problemas, como a superespecialização e a
compartimentalização do conhecimento. Em geral, nosso sistema social também adere a essa
lógica de separação e fragmentação. Somos sempre ensinados a separar o que está conectado,
a dividir em vez de juntar as disciplinas, a eliminar tudo o que pode levar à desordem. Por essa
razão, é absolutamente indispensável reconsiderar nosso relacionamento com a arte como uma
dimensão essencial do pensamento humano. A arte da vida cotidiana e a criatividade da vida
cotidiana devem ser direitos de todos. Para que a arte seja, assim, parte de nossas vidas, de
nossos esforços para aprender e saber.
Concluo, então, em homenagem a Gianni Rodari, que inspirou esta apresentação, com
uma citação de seu livro Gramática da Fantasia: “Qualquer uso possível das palavras deveria se
tornar disponível para qualquer pessoa – isso me parece um bom lema, com sonoridade
democrática. Não porque todo mundo deva ser artista, mas porque ninguém deve ser escravo”.