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Especialista em Educação Infantil pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina. E-mail: lucimarecoelho@gmail.com.
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A intervenção pedagógica foi um projeto de trabalho realizado durante o Curso de Especializa-
ção em Educação Infantil NDI/UFSC e foi subsídio para este artigo.
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Muitas vezes, essa rotina passa despercebida, sem ser questionada, sem ser
compreendida. Tal tema, segundo Barbosa (2006), vem se apresentando de
forma significativa e central nas instituições educacionais infantis, mas pouco
ainda se discute e se estuda sobre ele.
Nas instituições de Educação Infantil, a tendência é limitar as múlti-
plas possibilidades de vivências das crianças em razão da valorização das
atividades que envolvem as rotinas dessas instituições, isto é, hora de brincar,
hora de comer, hora de dormir, etc. Os professores e as crianças parecem
estar submetidos a uma estrutura espaçotemporal preestabelecida que frag-
menta o processo educativo. No entanto, o que as crianças estão vivenciando
nas creches e pré-escolas passa longe de ser algo participativo e democráti-
co. Percebe-se que as prioridades giram em torno de uma pretensa homoge-
neidade, de um aparente ambiente harmonioso e da contribuição para a
construção de um sujeito passivo. Bujes e Hoffmann (1991, apud HOFF-
MANN e SILVA, 1995, p. 11), sobre as crianças nas creches, destacam:
O que elas podem ou não fazer é definido pelo adulto e essas decisões estão
a serviço da rotina e do conforto das pessoas que aí trabalham, mesmo que
inconscientes do seu significado e do autoritarismo nelas subjacentes.
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rotina das pedagogias da Educação Infantil deve ser vista “como um dos
elementos integrantes das práticas pedagógicas e didáticas que são previa-
mente pensadas, planejadas e reguladas com o objetivo de ordenar e opera-
cionalizar o cotidiano da instituição e constituir a subjetividade de seus
integrantes”. Quando possível, a rotina deve ser apresentada e discutida
também com as crianças. Por meio desse processo, o professor atua escu-
tando as necessidades das crianças, transformando-as em conhecimento,
juntamente com seus objetivos. Nesse sentido, o educador precisa ter um
olhar sensível, a fim de compreender a criança em suas múltiplas lingua-
gens. Na maioria das vezes, a linguagem verbal ainda não está desenvolvi-
da, sendo necessário estar atento aos gestos, aos movimentos, aos choros,
aos silêncios, aos olhares, às brincadeiras, às conversas entre as crianças,
para compreender as necessidades e as possibilidades de aprendizagens.
Nessas reflexões sobre as rotinas das instituições de Educação Infan-
til, os espaços ocupados pelas crianças merecem destaque. Quando fala-
mos em espaço físico para as crianças, entende-se um espaço que não é
uma simples medida arquitetônica, mas que possibilite as intenções, as brin-
cadeiras, as aprendizagens, enfim, o desenvolvimento da criança. O espaço
vem se constituindo como um recurso importante para o professor ao pla-
nejar sua prática com as crianças. Confirmando isso, Horn (2005, p. 29) diz
que “o espaço na educação infantil não é somente um local de trabalho, um
elemento a mais no processo educativo, é, antes de tudo, um recurso, um
instrumento, um parceiro do professor na prática educativa”. Neste senti-
do, há a necessidade de explorar mais esses espaços da creche, que, além de
serem seguros, serão mais acolhedores e terão mais possibilidades de expe-
riências e brincadeiras. Um olhar atento do professor pode tornar esse es-
paço, costumeiramente encontrado nas instituições como sendo calmo e
aparentemente sem atrativos, cada vez mais estimulante e desafiador para
as crianças. De acordo com Malaguzzi (1984, apud EDWARDS, 1999, p.
157):
Valorizamos o espaço devido a seu poder de organizar, de promover relacio-
namentos agradáveis entre pessoas de diferentes idades, de criar um ambiente
atraente, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividades, e a seu
potencial para iniciar toda espécie de aprendizagem social, afetiva e cogniti-
va. Tudo isso contribui para uma sensação de bem-estar e segurança nas
crianças.
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lidades. Muitas vezes, esses espaços são pouco explorados, por estarem em
função do tempo, que determina todos os momentos na unidade educativa.
Para Barbosa (2006, p. 141), “os tempos de grande parte das instituições
educacionais continuam, em sua maioria, sendo o tempo do início da mo-
dernidade, o tempo rígido, mecânico, absoluto”. Não importa se determi-
nada atividade está sendo significativa para as crianças e precisará se esten-
der um pouco mais, mas sim manter a organização do tempo e cumprir os
horários rigorosamente. Pois, em geral, as atividades interrompidas não
são retomadas com o mesmo entusiasmo e participação, o que resulta num
processo descontínuo e fragmentado.
Essas questões nem sempre são notadas pelos adultos que trabalham
nessas instituições. Por vezes, o professor observa e se manifesta contrário a
uma estrutura organizacional que interfere no desenvolvimento do traba-
lho pedagógico resultante de uma rotina preestabelecida. Outros, com insis-
tência, conseguem modificar, ainda que solitariamente, momentos da es-
trutura organizacional. Historicamente, sabe-se que mudar uma prática an-
tiga é muito difícil, mas é possível. Uma atitude nova, pequenas mudanças,
conversa com colegas de trabalho e discussões com as famílias são possibi-
lidades capazes de modificar práticas antigas, de ousar e contagiar uma
instituição com a proposta de experimentar novas ideias. Acredita-se que a
organização do espaço e tempo com planejamento prévio é um dos ele-
mentos fundamentais para se ter uma instituição cotidianamente acolhe-
dora capaz de possibilitar espaços lúdicos de inúmeras aprendizagens para
as crianças e transmitir confiança para seus familiares.
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O espaço organizado tradicionalmente significa manter o espaço como está colocado, posto,
na unidade, ou seja, móveis encostados na parede, brinquedos nas prateleiras, mesa no canto
da sala, tapete de frente para o armário da televisão, etc.
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1.3 A acolhida
Antes de iniciar com as intervenções pedagógicas, conversei com a
professora que já atuava com o grupo de crianças4 e com a direção da cre-
che, expondo o tema que pretendia explorar e minhas possibilidades de
atuação com as crianças. Com o apoio da equipe, iniciei a organização do
planejamento prevendo um espaço diferenciado e acolhedor que possibili-
tasse às crianças oportunidades de escolhas e aprendizagens, logo pelo iní-
cio da manhã. O planejamento foi essencial nesse processo, pois é a partir
dele que as práticas são efetivadas e revistas, sempre que for preciso. Como
ressalta Ostetto (2000, p. 1), “planejar é essa atitude de traçar, projetar, pro-
gramar, elaborar um roteiro pra empreender uma viagem de conhecimen-
to, de interação, de experiências múltiplas e significativas para com o grupo
de crianças”.
Dentre as atividades planejadas e desenvolvidas em minha interven-
ção, selecionei algumas que mais apresentaram situações para reflexão. A
primeira atividade que propus para as crianças foi contar uma história. Para
isso, sentamos no tapete, que já estava disposto na sala, com algumas almo-
fadas e cortinas fechadas, e, à medida que a história acontecia, eu me carac-
terizava com os personagens que nela apareciam. Algumas crianças demons-
traram desinteresse e procuraram outros brinquedos na sala. Depois, perce-
bi que em parte isto se deu pelo fato de eu ter planejado apenas uma ativi-
dade para este momento. Sobre isso, Rosa Batista (2001, p. 13) enfatiza:
Mesmo que se atribuam atividades padronizadas a todas as crianças em
função de uma rotina que tem como certo a previsibilidade dos aconteci-
mentos onde é possível prever o próximo ato, não se consegue evitar a im-
previsibilidade constituída na dinâmica do cotidiano plural onde se entre-
cruzam diferentes concepções de mundo carregadas de sentido e significado
construídos no contexto social e cultural do qual as crianças fazem parte.
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Nesta rede municipal são duas professoras por grupo de crianças com esta faixa etária e não há
auxiliar.
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A massinha é um material muito utilizado na Educação Infantil e pode ser feita com a criança
utilizando trigo, óleo, água e corante comestível.
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2 Considerações finais
Refletir sobre a rotina, e mais especialmente sobre o espaço e o tem-
po e o acolhimento diário das crianças, está sendo muito importante na
minha caminhada profissional. Levou-me a compreender a importância da
rotina, não da forma rígida, mas da forma flexível, capaz de se modificar
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Já que sua prática é receber as crianças na sala, na qual elas se dirigiam até um brinquedo e
esperavam que todos os colegas chegassem para lanchar às 8 horas e 30 minutos.
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Referências
BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na educação
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.
BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido.
2001. Disponível em:<http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/trosaba.pdf>. Acesso em:
04 abr. 2011.
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