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TEXTO DE APOIO
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ISCED – TEXTO DE APOIO DE SOCIOLINGUÍSTICA
Índice
Objectivos ....................................................................................................................... vii
Como está estruturado o Texto? ................................................................................. vii
Ícones de actividades ................................................................................................... viii
Habilidades de estudo.................................................................................................. viii
Precisa de apoio? ........................................................................................................... ix
Avaliação ........................................................................................................................ ix
Capítulo 5: O Bilinguismo 30
5.1. Introdução ............................................................................................................... 30
5.2. Critérios para classificação de bilinguismo:............................................................. 33
Páginas introdutórias;
vii
Um índice completo;
Conteúdo do módulo
Outros recursos
Ícones de actividades
Habilidades de estudo
viii
possibilidade de estudar o módulo pelo menos quatro horas por
semana.
Precisa de apoio?
Avaliação
ix
Capítulo 1: Introdução ao estudo da linguagem no contexto social
Objetivos desta Unidade:
Descrever um panorama dos estudos da língua como um
facto social;
Conhecer alguns pressupostos básicos da Teoria da Variação
e Mudança Linguística;
Refletir sobre a questão do preconceito linguístico.
Conteúdos
1.1. Introdução
Para entender melhor os pressupostos teóricos da Sociolinguística,
vamos inicialmente contextualizar, em termos gerais, os estudos da
linguagem no século XX. A atribuição de estatuto científico à
linguística costuma ser creditada a Saussure, no início do século XX.
De facto, com seu Curso de Linguística Geral, Saussure inaugura a
linguística moderna, delimitando e definindo seu objecto de
estudo, estabelecendo seus princípios gerais e seu método de
abordagem. Saussure é um marco do estruturalismo, segundo a
qual a língua (i) é tomada em si mesma, separada de factores
externos; (ii) é vista como uma estrutura autónoma, valendo pelas
relações de natureza essencialmente linguística que se
estabelecem entre seus elementos. Ou seja, para Saussure, a
1
linguística tem por único e verdadeiro objecto a língua
considerada em si mesma e por si mesma.
Saussure postula algumas dicotomias e vai isolando o que, segundo
ele, seria de interesse da ciência linguística.
A partir de meados do século XX, a área da Linguística sofre
mudanças significativas. É nesse momento que ocorre a chamada
virada paradigmática. Isto é, os estudos linguísticos passam a se
interessar não pelo sistema da língua em si, mas também pelo seu
uso. Assim, surgem diversos campos de investigação que
promovem uma relação interdisciplinar. Assim, a Linguística
articula-se com a filosofia e com outras ciências humanas como a
sociologia, a antropologia, a psicologia, a neurociência, a semiótica
etc.
Para nós nesta disciplina interessa a articulação dos estudos da
língua com os estudos sobre a sociedade. Tal junção permitiu o
surgimento da Sociolinguística. Esta disciplina estuda as línguas na
sua relação com as sociedades que as usam. Ela procura responder
a questões do tipo “quem diz o quê?, onde?, quando?, como? e por
quê?” Busca mostrar que toda e qualquer língua é constituída de
diversas formas de uso, a depender de quem usa a língua, sua
idade, o contexto social, etc.
Na perspectiva da Sociolinguística, o ser humano é por natureza
plurilíngue (usa diversas línguas). E mesmo quando usamos nossa
língua, esta se apresenta de diversos modos: por exemplo, em casa,
usamos o idioma familiar; na escola, modificamos o nosso modo de
usar a língua e interagimos com outras pessoas, colegas e
professores, que trazem modos de usar a língua diferentes do
nosso. Isto acontece em qualquer língua, seja ela o Português ou as
Línguas Bantu.
2
As línguas então são um aglomerado de níveis de expressão,
atestando que nenhuma comunidade é inteiramente homogênea.
De fato, cada falante é, ao mesmo tempo, usuário e agente
modificador de sua língua, nela imprimindo marcas geradas pelas
novas situações com que se depara.
3
sociolinguistas todos aqueles que entendem por língua um sistema
de comunicação, de informação e de expressão entre os indivíduos
da espécie humana (Tarallo, 1982).
Entre sociedade e língua não há uma relação de mera casualidade.
Desde que nascemos, um mundo de signos linguísticos nos cerca, e
suas inúmeras possibilidades comunicativas começam a tornar-se
reais a partir do momento em que, pela imitação ou associação,
começamos a formular nossas mensagens. Sons, gestos e imagens
cercam a vida do homem moderno, compondo mensagens de toda
ordem, transmitidas pelos mais diferentes canais. Em todos, a
língua desempenha um papel fundamental, seja ela visual, oral ou
escrita.
Desse modo, a corrente Sociolinguística, iniciada na década de 60,
buscava desenvolver uma nova concepção do estudo da Linguística.
A Sociolinguística ocupava uma posição central no processo de
rompimento com a visão estruturalista da época. Isso fez com que
a Sociolinguística se tornasse uma das candidatas à sucessão do
Estruturalismo como modelo hegemônico da ciência Linguística. A
partir dessa contradição, surge não apenas a Sociolinguística, mas
também outras duas correntes ou programas de pesquisa: a
Etnografia da Fala e a Sociologia da Linguagem, capitaneadas
respectivamente por Dell Hymes e Joshua Fishman.
Hymes destaca a importância da diversidade que caracteriza a
dimensão sócio-histórica do fenômeno linguístico dentro do seu
programa de pesquisa; ao passo que Fishman enfatiza a interação
entre língua e sociedade. Sendo que nessas duas correntes, a língua
deve ser entendida como forma verbal e comunicação social,
institucionalizada por uma comunidade de usuários. De forma
geral, essa nova disciplina tenta dar conta da dimensão sócio-
histórica do fenómeno linguístico, ou seja, dos factos concernentes
4
à variação e à mudança Linguística e à interação entre a língua e a
sociedade.
Assim, atribui-se à Sociolinguística o estudo das relações entre
língua e sociedade. Aqui, língua deve ser entendida como um
sistema de vários níveis integrados num todo historicamente
estruturado. A Sociolinguística se ocupa, do estudo da possível
incidência das forças sociais sobre os estratos fonológicos,
morfológicos, sintáticos e semânticos das línguas.
William Labov voltou a estudar a relação entre língua e sociedade e
na posição, virtual e real, de sistematizar a variação existente e
própria da língua falada.
Assim, William Labov inaugura os estudos desta nova disciplina em
1963, quando analisa o inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard,
no estado de Massachusetts (EUA). Após esta pesquisa, várias
outras surgiram: como a estratificação social do inglês falado na
cidade de Nova York (1966); a língua do gueto, entre outros.
Labov inaugura uma vertente de estudos de orientação anti-
saussuriana, ou seja, contrária à corrente dominante e que deu
origem ao Curso de Linguística Geral. Assim, ao invés da langue -
língua, como fez Saussure, Labov centra seus estudos na parole-
fala/uso. E ainda enfoca o estudo da fala/uso de um ponto de vista
social e não individual.
A língua então funciona como elemento de interação entre o
indivíduo e a sociedade em que ele atua. É através dela que a
realidade se transforma em signo, pela associação de significantes
sonoros e significados arbitrários, processando, assim, a
comunicação Linguística.
Preti (1977, p. 2) afirma que a sociedade não é possível a não ser
pela língua; e pela língua também o indivíduo.
5
Referências Bibliográficas
ALKHMIN, T. Sociolinguística. In: MUSSALIM, F. e BENTES, A. C. (org.).
Introdução à Linguística. Domínios e fronteiras. Vol.1. São
Paulo: Cortez, 2001.
6
Capítulo 2: Linguagem e Cultura
Conteúdos
2.1. Introdução
A Linguagem e a cultura são claramente sinais da mundialização em
curso desde o final do século XX. Essa mundialização tem
estabelecido novos olhares sobre antigas questões das relações
humanas. Ao primeiro olhar, vemos que essa aparente
aproximação de informação e de ideias tem manifestado duas
tendências complementares: a primeira nos iguala como sujeitos -
com base em princípios teóricos totalizantes, universais e
positivistas - e a segunda nos mantém afastados, ao estabelecer a
realidade dentro de fronteiras rígidas. Portanto, a ideia de
incomunicabilidade está impressa nessas duas tendências, seja nas
relações pessoais ou nas relações institucionais das pessoas e dos
povos. Na direção oposta a essa visão uniformizadora de conceitos
e manifestações culturais que reduz a realidade ao que existe
convencionalmente e não ao que é possível , alguns estudiosos de
7
diferentes áreas defendem uma linha de pensamento pós-moderno
que questiona as significações fechadas e predeterminadas
(Tavares, 2005).
8
não considerar a possibilidade de uma constante e dinâmica
tessitura dos fenômenos sociais, que nos leva a acreditar num
sujeito mais criativo e agente de suas (re)considerações, buscas de
significados e reinvenções. Um sujeito que é capaz de produzir,
transmitir, receber e alterar formas simbólicas.
9
ser humano se construir enquanto tal. Importante salientar aqui
que há inúmeras possibilidades de ser humano (França, 2005).
Ao falarmos em humanidade, cultura, sociedade, trazemos à baila
questões como relacionamento, comunicação e linguagem.
Comunicar-se implica na apropriação de um repertório
compartilhado como linguagem, significados e símbolos.
Como elemento mediador das relações, a linguagem, com os
significados possíveis, adquire caráter generalizante e, com isso,
permite duas das mais importantes funções da linguagem
articularem-se ao pensamento. São elas as funções comunicativa e
representativa que mantêm relação entre si. Essas estão
estreitamente ligadas aos processos de contextualização e
descontextualização. (Vygotsky, 1998).
10
como acto social cuja própria realidade é, permanentemente,
constituída e/ou modificada por seus actores sociais e pelo
contexto. Estuda-se a língua com os olhos voltados para os estudos
socioculturais. Mais do que isso, há uma feliz interdisciplinaridade
pela conexão de ideias de várias áreas da ciência. A linguagem e a
cultura são consideradas fontes ricas em
execução da interação social e, assim, excelentes objectos de
observação científica (GUMPERZ, 1982; LEVINSON, 1983; DREW e
HERITAGE, 1992; MOITA LOPES, 1996; KOCH, 1997).
Portanto, isso leva-nos a afirmar que a língua, as práticas sociais e
cultura são indissociáveis, conforme observado anteriormente.
Referências Bibliográficas
ATKINSON, M.; HERITAGE, J. (Ed.). Structures of social action: studies in
conversation analysis. Cambridge: Maison de Sciences de
l'Homme & Cambridge University Press. 1984.
GUMPERZ, J. J. Discourse strategies. Cambridge: Cambridge University Press.
1982.
JOHNSON, A. G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem
sociológica. Tradução: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
1997.
ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4.
ed. São Paulo: Pontes. 1996.
11
Capítulo 3: Variedades Linguísticas
dimensão interna;
Reconhecer diferentes tipos de variação linguística
motivados por fatores externos a língua;
Identificar fenómenos em variação na língua, nas dimensões
interna e externa.
Conteúdos
3.1. Introdução
No capítulo anterior, vimos que a dado momento a língua deixa de
ser vista apenas como instrumento de comunicação e passa a ser
estabelecida como actividade entre indivíduos de uma sociedade,
como acto social cuja própria realidade é, permanentemente,
constituída e/ou modificada por seus actores sociais e pelo
contexto. De agora em diante, vamos discutir com mais vagar sobre
as teorias de variação linguística, a começar pela Sociolinguística
Variacionista, fundada principalmente sobre as pesquisas de
William Labov.
12
Contudo, antes de mais avançamos com co conceito de variação
que é visto como um processo pelo qual duas formas podem
ocorrer no mesmo contexto linguístico com o mesmo valor
referencial, ou com o mesmo valor de verdade, isto é, com o mesmo
significado.
Daí, dois requisitos devem, pois, ser cumpridos para que ocorra
variação: as formas envolvidas precisam (i) ser intercambiáveis no
mesmo contexto e (ii) manter o mesmo significado.
Neste capítulo, apresentamos alguns dos principais conceitos
teóricos da proposta laboviana, que nos ajudarão a compreender
qual é exatamente o olhar sobre a língua(gem) que ela assume, bem
como sobre a complexa relação entre língua(gem) e sociedade, de
que formas ela se opõe a certas concepções vigentes em linguística
até hoje.
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regras e relações internas dos componentes da gramática são
suficientes para uma descrição adequada do objecto. Ademais, de
acordo com essas propostas, o sistema a ser descrito pela linguística
era um constructo homogêneo, ou seja, não eram consideradas
eventuais variações ou influências típicas da fala sobre os
elementos da língua. Desse modo, a variabilidade (o facto de que
pode haver mais que uma forma expressando o mesmo
significado), o valor social das formas linguísticas e o estudo
empírico das mudanças na língua ficavam excluídos da agenda.
Foi a partir desse pressuposto que William Labov, na década de
1960, questiona e propõe um novo olhar sobre a estrutura das
línguas e especialmente sobre os fenómenos da variação e da
mudança linguísticas. Em seu livro Padrões sociolinguísticos
(Sociolinguistic patterns, 1972), Labov apresenta os principais
postulados teóricos e a metodologia de trabalho empírico com a
linguagem dessa nova proposta em reação aos modelos
saussureano e chomskiano.
14
Por outras palavras,tudo o que acontece na língua é
motivado e explicado por meio da própria estrutura da
língua, pela actuação de forças internas, sem influência
de nenhuma força externa;
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(a)gramaticalidade das frases, e esses dados intuitivos
são usados na construção de teorias.
Em suma, para Labov não existe uma comunidade de fala
homogênea, nem um falante-ouvinte ideal. Pelo contrário, a
existência de variação e de estruturas heterogêneas nas
comunidades de fala é um facto comprovado. Existe variação
inerente à comunidade de fala. Não há dois falantes que se
expressam do mesmo modo, nem mesmo um falante que se
expresse da mesma maneira em diferentes situações de
comunicação. A busca por julgamentos intuitivos homogêneos é
falha. Os linguistas não podem continuar a produzir teoria e dados
ao mesmo tempo. Para lidar com a língua, é preciso olhar para os
dados de fala do dia a dia e relacioná-los às teorias gramaticais o
mais criteriosamente possível, ajustando a teoria de modo que ela
dê conta do objecto.
16
a theory of language change), publicado em 1968 por Uriel
Weinreich, William Labov e Marvin Herzog e o já mencionado
Padrões sociolinguísticos (Sociolinguistic patterns), publicado por
Labov em 1972. A partir de então, Labov desenvolveu inúmeros
trabalhos voltados para o estudo da língua em seu contexto social,
focalizan-do especialmente a variação fonológica na língua inglesa.
Seu grupo de pesquisa, sediado na Universidade da
Pensilvânia/EUA, tornou-se o centro irradiador dessa nova e
instigante abordagem da língua.
17
O que ocorre aí nada mais é do que o fenómeno que vimos
discutindo até agora: a variação linguística. Para um sociolinguista,
o facto de em uma comunidade, ou mesmo na fala de um indivíduo,
conviverem tanto a forma tu quanto você não pode ser considerado
marginal, acidental ou irrelevante em termos de pesquisa e de
avanço de conhecimento. Como já vimos, a variação é inerente às
línguas, e não compromete
o bom funcionamento do sistema linguístico nem a possibilidade de
comunicação entre falantes. De facto, palavras ou construções em
variação, em vez de comprometerem o mútuo entendimento, são
ricas em significado social, e têm o poder de comunicar a nossos
interlocutores mais do que o significado representacional pelo qual
“disputam”. As diferentes formas que empregamos ao falar e ao
escrever dizem, de certa forma, quem somos: dão pistas a quem
nos ouve ou lê sobre (i) o local de onde viemos, (ii) o quanto
estamos inseridos na cultura letrada dominante de nossa
sociedade, (iii) quando nascemos, (iv) com que grupo nos
identificamos, entre várias outras informações.
É essa realidade, acima descrita, que o sociolinguista tenta captar,
sem qualquer tipo de ideia preconcebida, tanto como linguista
(acreditando, por exemplo, que a variação é mero acidente na
língua, que não pode ser estudada com rigor e que o sistema a ser
descrito está num plano mais abstrato que o da fala) quanto como
cidadão (acreditando, por exemplo, que um falante que diz nós vai
tem menos capacidade de pensar e de se expressar do que o falante
que diz nós vamos).
Esse é o olhar sobre a língua e sobre o fenómeno da variação que
um sociolinguista adopta ao trabalhar com dados reais (produzidos
por falantes reais, em uma comunidade real). Seu objetivo é
descobrir quais os mecanismos que regulam a variação, como ela
18
interage com os outros elementos do sistema linguístico e também
da matriz social em que ocorre e como que ela pode levar à
mudança na língua. Portanto, “cabe à Sociolinguística investigar o
grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, diagnosticar
as variáveis que têm efeito positivo ou negativo sobre a emergência
dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento
regular e sistemático” (Mollica, 2008: 11).
Contudo, o conceito de variedade, não deve ser confundido com o
de variável ou o de variante: variedade representa a fala de uma
comunidade de modo global, considerando-se todas as suas
particularidades, tanto categóricas quanto variáveis; é o mesmo
que dialecto e variável corresponde a um aspecto ou categoria da
língua que se encontra em variação, o caso, os pronomes tu e você
descritos anteriormente e; por fim variantes são as formas
individuais que “concorrem” em uma variável.
Em um caso de variação, as formas variantes costumam receber
valores distintos pela comunidade. Trabalharemos com o
significado social das variantes logo mais, mas por enquanto vale
estabelecermos a diferença entre as variantes padrão e não
padrão. As variantes padrão são, grosso modo, as que condizem
com as prescrições dos manuais de norma padrão; já as variantes
não padrão se afastam desse modelo.
Mesmo que não seja a variante mais usada por uma comunidade, a
variante padrão é, em geral, a variante de prestígio, enquanto a não
padrão é muitas vezes estigmatizada por essa comunidade – pode
haver comentários negativos à forma ou aos falantes que a
empregam. Ademais, as variantes padrão tendem a ser
conservadoras, fazendo parte do repertório linguístico da
comunidade há mais tempo, ao passo que as variantes não padrão
tendem a ser inovadoras na comunidade.
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Mais um aspecto importante relacionado à variação é o fato de que
esse fenômeno não está limitado a um dos níveis da gramática:
encontramos variação no nível fonológico, bem como no
morfológico, no sintático, no lexical e no discursivo.
No nível fonológico, note que podemos realizar certos ditongos
tanto de maneira plena quanto reduzida, como em caixa/caxa e em
outro/otro; no morfológico, encontramos variação, por exemplo,
na marcação do infinitivo dos verbos (andar/andá, beber/bebê
etc.); na sintaxe, encontramos variação na realização das orações
relativas (Esse é o livro de que eu gosto – Esse é o livro que eu gosto
– Esse é o livro que eu gosto dele)
Em suma, como vimos constatando, a variação linguística não só é
um fenómeno inerente às línguas naturais, mas também se
manifesta em qualquer nível de análise que se tome.
Agora que já tratamos dos conceitos de variável e de variantes, e
que vimos como estas se encontram em todos os níveis da
gramática, passemos para os condicionadores linguísticos e
sociais, também tratados por variáveis independentes (ou grupos
de factores), enquanto a variável propriamente dita também pode
ser tratada por variável dependente.
Os condicionadores ajudam o analista a delimitar quais exatamente
são os contextos mais propícios para a ocorrência das variantes em
estudo.
Eles são divididos em dois grandes grupos, em função de serem
mais ligados a aspectos internos ao sistema linguístico ou externos
a ele. No primeiro caso, são também chamados de condicionadores
linguísticos; exemplos são a ordem dos constituintes, a categoria
das palavras ou construções envolvidas, aspectos semânticos etc.
No segundo caso, são também chamados de condicionadores
20
extralinguísticos ou sociais; entre eles, os mais comuns são o
sexo/gênero, o grau de escolaridade e a faixa etária do informante.
Com o controle refinado da frequência de ocorrência de formas
variantes e em função dos condicionadores linguísticos e sociais
selecionados para nossa análise, podemos traçar um quadro
respaldado por resultados quantitativos precisos de quais
condicionadores favorecem ou desfavorecem a ocorrência das
formas em consideração.
Para que vejamos isso de modo mais claro, retomemos nosso
exemplo da variação entre tu e você. Que aspectos do próprio
sistema linguístico e/ou da sociedade que o emprega poderiam
influenciar na escolha de uma das duas formas?
Como já adiantamos, a região de origem do falante parece ser
decisiva nesse caso: há falantes que usam apenas você, outros em
que o tu é predominante e outras em que as duas formas convivem,
havendo uma diferenciação no uso por outros factores – o grau de
intimidade entre os interlocutores, por exemplo. Temos aí dois
condicionadores externos ao sistema linguístico, os quais, como já
deve ter ficado claro, de modo algum são rejeitados em uma
pesquisa sociolinguística; pelo contrário, eles são mais
possibilidades disponíveis ao analista para que este desvende os
mecanismos da variação.
21
v) as explicações para as escolhas dos falantes por uma ou
outra variante linguística são buscadas pelo controle de
fatores condicionadores (variáveis independentes);
Referências Bibliográficas
CALVET, L. Sociolinguística: uma introdução crítica. Trad. de
Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.
CAMACHO, R. Sociolinguística: parte II. In: MUSSALIM, F.; BENTES,
A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e
fronteiras. V. 1. São Paulo: Cortez, 2001.
ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Oxford: Blackwell,
2000.
FARACO, C. A. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da
história das línguas. São Paulo: Parábola, 2005.
FIGUEROA, E. Sociolinguistic metatheory. Pergamon, 1994.
GÖRSKI, E.; COELHO, I. L.. Variação linguística e ensino de
gramática. Working Papers em Linguística, Florianópolis,
UFSC, 2009.
LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. Trad. de M. Bagno; M. M. P.
Scherre; C. R. Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008
[1972].
LABOV, W. Principles of linguistic change: social factors.
Cambridge: Blackwell Publishers, 2001.
MARTINS, M. A. Entre estrutura, variação e mudança: uma análise
sincrônica das construções com –se indeterminado no PB.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1995
[1916].
TARALLO, F. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1985.
WEINER, J.; LABOV, W. Constraints on the agentless passive.
Journal of Linguistcs, v.19, n.1, 1983 [1977].
WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos empíricos
para uma teoria da mudança lingüística. Trad. de Marcos
Bagno. São Paulo: Parábola, 2006 [1968].
22
Capítulo 4: Linguagem, Socialização e Classe
Social
Conteúdos
4.1. Introdução
O homem é um ser eminentemente social. Portanto, nós nos
tornamos sociais quando nascemos, ou até mesmo antes, devido
nossas condições históricas. Como isso acontece?
23
Então, convido você a conhecer um pouco mais sobre nós mesmos!
O propósito deste capítulo é levá-lo a compreender a relação
indissociável entre indivíduo, sociedade e cultura; e a entender o
que é identidade social, a partir do processo de socialização do
indivíduo.
24
específicas, identificadas por cada um, de acordo com seu
interesse.
O indivíduo tem, para si, claras as características que o diferencia
dos demais, como seus fatores biológicos, seu corpo físico, seus
traços, sua psiquê que envolve emoções, sentimentos, volições,
temperamento.
25
O processo de socialização ocorre durante toda a vida do indivíduo
(SAVOIA, 1989); por isso, esse processo é dividido em etapas:
socialização primária: ocorre na infância com os agentes
socializadores citados anteriormente, que exercem uma
influência significativa na formação da personalidade social;
socialização secundária: ocorre na idade adulta.
Geralmente, nessa etapa, o indivíduo já se encontra com sua
personalidade relativamente formada, o que caracteriza
certa estabilidade de comportamento. Isso faz com que a
ação dos agentes seja mais superficial, mas abalos
estruturais podem ocorrer, gerando crises pessoais mais ou
menos intensas.
Nesse momento, surgem outros grupos que se tornam agentes
socializadores, como grupo do trabalho;
socialização terciária: ocorre na velhice. Pela própria fase
de vida, o indivíduo pode sofrer crises pessoais, haja vista
que o mundo social do idoso muitas vezes se torna restrito
(deixa de pertencer a alguns grupos sociais) e monótono.
Nessa fase, o indivíduo pode sofrer uma dessocialização, em
decorrência das alterações que ocorrem, em relação a
critérios e valores. E, concomitantemente, o indivíduo,
nesta fase, começa um novo processo de aprendizagem
social para as possíveis adaptações a nova fase da vida, o
que implica em uma ressocialização. Todo esse processo de
socialização que os seres humanos vivenciam está ligado à
cultura do indivíduo, como também a uma estruturação de
comportamentos, à medida que aprendemos e os
internalizamos. Essa estruturação e atribuição de
significados ocorrem por meio da interação com os outros.
Isso faz com que crieamos expectativas sobre esses
26
comportamentos diante do grupo social, desenvolvendo
papéis sociais, pois o processo de socialização pode ser visto
também como um processo pelo qual cada indivíduo
configura seu conjunto de papéis.
27
solitário. Porque desempenhamos vários papéis sociais (de filha(o),
pai ou mãe, patrão ou empregado), estes podem se cruzar por meio
de uma situação divergente gerando conflito de papéis. Essas
incompatibilidades podem ocorrer por diferentes motivos, como,
por exemplo, o conflito de valores, que Pisani (1996:140) cita: “um
cientista pode perceber que seus valores religiosos não se
coadunam com a experiência de laboratório que precisa
desenvolver”. O que se percebe é que o conflito de papéis pode
variar quanto à intensidade, diante da importância que se dá a cada
papel de conflito, o que pode provocar perturbações na pessoa.
Além disso, dependendo do papel que o indivíduo exerce, ele
adquire um lugar na sociedade que é denominado de status, que,
juntamente com os papéis sociais, determinam sua posição social
(PISANI, 1996). Então, papel é o comportamento, a ação, enquanto
que o status é o prestígio que se adquire. Savoia (1989:60) afirma
que “o papel é o comportamento que os outros esperam de nós e
o status é o que acreditamos ser”. Nesse sentido, os papéis que
desempenhamos e os status que acreditamos ter, diante da
sociedade, explicam nossa individualidade, nossa identidade social
e consciência de-si-mesmo que adquirimos, a partir das nossas
relações sociais.
Em jeito de conclusão podemos afirmar que o ser humano, na
verdade, é fruto das relações sociais. Ao mesmo tempo em que ele
é individual, é também colectivo, pois vive em um processo
constante de transformação, desde o nascimento até sua morte,
por meio de interações grupais (família, vizinho, trabalho), sendo
influenciados por padrões culturais. A cultura fornece regras,
padrões, crenças, etc., que são aprendidas no contexto das
atividades grupais. Então, é a partir dessa realidade sócio-histórica
que nos socializamos. Por isso, também estudamos os agentes
28
socializadores do processo de socialização que são: família, a escola
e os meios de comunicação em massa. E à medida que nos
socializamos, que ampliamos nossas relações, vamos também
adquirindo novos papeis sociais e status que determinam nossa
posição social na sociedade. A partir da compreensão desses
fenômenos sociais, temos condições de explicar por que somos do
jeito que somos e entender a nossa identidade social. Mas vimos
que tudo isso depende da capacidade de termos consciência de si-
mesmo, que também adquirimos, a partir das relações sociais e dos
papeis que desenvolvemos.
Referências Bibliográficas
PISANI, Elaine Maria. Temas de psicologia social. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1996.
SAVOIA, Mariângela Gentil. Psicologia social. São Paulo:
McGraw-Hill, 1989.
SAWAIA, Bader (Org.). As artimanhas da Exclusão: análise
psicossocial e ética da desigualdade social. 6. ed.
Petrópolis, 2006.
STREY, Marlene Neves (Org.). Psicologia Social
Contemporânea. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
29
Capítulo 5: O Bilinguismo
Conteúdos:
5.1. Introdução
Actualmente, com movimento migratório e maior permeabilização
das fronteiras culturais entre os países, é comum que uma pessoa
saiba falar outras línguas além da sua língua materna. Esse
conhecimento, no entanto, pode ser desde o uso de algumas
palavras bastante conhecidas, como o c’est la vie, do francês, ou o
gracias, do espanhol, até um conhecimento pleno, a um nível alto
de proficiência.
O facto é que mesmo uma pessoa que conhece bem uma outra
língua, além da sua língua materna, a pode conhecer bem em
30
determinado nível de competência linguística, e não em outro. O
que pode acontecer no meio académico, por exemplo, é saber-se
ler tranquilamente um texto na área de competência do estudante,
de forma a compreendê-lo e replicá-lo ao seu estudo, sem,
necessariamente, conseguir comunicar-se naquela língua: essa
pessoa não tem a competência da compreensão auditiva e de
expressão, embora tenha a de leitura.
Há o caso de quem passa a viver em outra região do mesmo país ou
mesmo outro país, e acaba se inserindo culturalmente e aprende a
língua do local. Com o passar dos anos, compreende a língua
completamente, a usa todos os dias, de modo que esta pode acabar
substituindo a sua língua materna na questão da frequência de uso.
Existem pessoas que nascem em famílias onde existem duas línguas
sendo usadas ao mesmo tempo: o pai é nyanja e a mãe é changana,
por exemplo, com possibilidade de aprender a língua portuguesa
quando começam a ir para a escola.
Enfim, há muitas situações que podem levar um indivíduo a ter
contacto com duas ou mais línguas e a usá-las em circunstâncias
diversas.
31
Haugen, até mesmo o mero uso do c’est la vie, por exemplo,
poderia ser considerado bilinguismo.
Conforme Edwards (2006), em termos gerais, as primeiras
definições tendiam a restringir o bilinguismo ao domínio de duas
línguas no mesmo nível, enquanto as definições mais tardias já
permitiam uma maior variação na competência. O autor diz que,
modernamente, se tem entendido que qualquer discussão razoável
acerca da definição de bilinguismo tem que ser levada tendo-se em
conta um contexto específico e para finalidades específicas.
Grosjean (1994) baseia seu conceito de bilinguismo na ideia de uso:
bilingues são pessoas que utilizam duas ou mais línguas ou dialetos
no seu dia a dia. Segundo o autor, essa definição inclui desde o
imigrante que fala com dificuldade a língua do país que o acolheu
até o intérprete profissional que é totalmente fluente nas duas
línguas.
Entre esses extremos, há o estrangeiro que interage com amigos, o
cientista que lê e escreve artigo em uma segunda língua (mas que
raramente fala), o membro de uma minoria linguística que usa a
língua minoritária somente em casa e a majoritária nos outros
lugares, a pessoa surda que utiliza a língua dos sinais com seus
amigos, mas gestos com pessoas que não são surdas, etc. Para o
autor, o importante é que, para além da grande diversidade
existente entre essas pessoas, todas elas compartilham algo em
comum: levam suas vidas com duas ou mais línguas.
O conceito de bilinguismo, portanto, está muito ligado ao contexto
ou a proposta do que se quer dizer com ele, sempre tendo como
parâmetro o grau ou nível de fluência do indivíduo. Parece razoável,
também, a proposta de Grosjean porque não adstrita à mera
consideração da capacidade linguística do falante na segunda
32
língua, mas ligada ao uso que se faz dessa língua na rotina e nas
mais diversas circunstâncias em que isso ocorre.
33
autores consideram que existe um período ideal para o
desenvolvimento da linguagem pela criança e que, depois desse pe-
ríodo crítico, a aquisição se torna muito mais complicada, até deixa
de ser um processo genuíno de aquisição e passa a se configurar
como um processo de aprendizagem de habilidades. Outros
acreditam que os argumentos utilizados até hoje não são
completamente convincentes para assumir esse período crítico.
34
status elevado na sociedade em que seus falantes estão
inseridos.
35
5.3. Reflexões sobre a educação bilíngue
36
Na literatura sobre o bilinguismo e educação bilingue o programa
de enriquecimento mais conhecido é o de imersão do Francês
desenvolvido no Canadá há mais três décadas, de forma voluntária.
Algumas crianças falantes do Inglês, maioria dominante no Canadá
são expostas ao programa integralmente conduzido em Francês
desde o início da sua escolarização. Este tipo de programa promove
o pluralismo linguístico e está associado ao bilinguismo do tipo
aditivo que faz com que a criança possa acrescentar mais línguas à
sua aprendizagem sem pôr em causa a sua L1. O êxito deste
programa consiste, sobretudo, no facto de que tanto o Inglês como
o Francês gozam de muito prestígio, considerando-se, por isso, que
este tipo de programa tem mais possibilidades de êxito em
contextos como o que foi descrito. Outro tipo de programa de
educação bilingue é conhecido como de segregação. De acordo com
Hamel (1989:37), caracteriza-se pelo objectivo de querer
desenvolver nos alunos uma competência avançada na L2.
Geralmente são orientados para crianças de uma minoria ou
maioria etnolinguística às quais se recusa explicitamente a
possibilidade de se integrarem na sociedade dominante.
O caso mais conhecido é o que era usado pelo regime do apartheid
na África do Sul, em que o objectivo era que a maioria negra não
adquirisse de forma plena, em inglês, as habilidades académico-
cognitivas avançadas que eram reservadas à minoria branca. Este
tipo de programa está associado ao bilinguismo do tipo subtractivo
em que os alunos, muitas vezes, não desenvolvem plenamente,
nem a L1, nem a L2, ocorrendo o que Baker, (1993) e Skutnabb-
Kangas, (1984) denominam de semilinguismo.
Um terceiro programa de educação bilingue, o mais disseminado
em várias partes do mundo é o de assimilação. Este, geralmente,
37
pode tomar contornos de submersão total ou relativa e transição
sistemática à L2, de acordo com os objectivos educativos (Hamel,
1989). Os programas de submersão total são associados à metáfora
aquática em que os alunos são jogados numa piscina esperando-se
que aprendam a nadar, o mais rápido possível, sem ajuda de bóias
ou aulas especiais de natação, sendo que a língua da piscina é a
língua dominante (Baker, 1993: 220). Os alunos de minorias
linguísticas ou maiorias tratadas como minorias são submetidos a
um processo de ensino somente na L2, sem nenhum tipo de recurso
à sua L1. O objectivo deste tipo de programa é forçar os alunos à
assimilação da sociedade envolvente. Tanto o professor como os
alunos só podem usar a L2 na sala de aula. Na escola não se
reconhece a importância da primeira língua sendo que esta é
sistematicamente substituída pela L2.
Os programas de submersão relativa não excluem totalmente o uso
da L1. Em Moçambique, o programa de educação monolingue em
Português enquadra-se nesta categoria.
Referências Bibliográficas
FLORY, Elizabete Villibor; SOUZA, Maria Thereza Costa Coelho.
Bilinguismo: Diferentes definições, diversas implicações.
Revista Intercâmbio, volume XIX: 23-40. São Paulo. 2009.
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Wiley. 1967.
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Bentes, C (orgs). Introdução à Linguística: domínios e
fronteiras. Vol.2. São Paulo: Cortez. 2012.
PATEL, Samima Amade. Olhares sobre a educação bilingue e seus
Professores em uma região de moçambique. UNICAMPI:
Instituto de estudos da linguagem Campinas. Dissertação de
Mestrado. 2006.
38
Capítulo 6: Política Linguística
Conteúdos
- A Política Linguística como um campo multifacetado
- Políticas linguísticas em Moçambique
- Propostas de políticas linguísticas inclusivas
6.1. Introdução
O capítulo pretende discutir a dimensão política
Política Linguística. Na verdade, trata-se de explicitar, na medida do
possível, as relações de poder inscritas em algumas práticas de
descrição e intervenção na relação entre as línguas, as línguas e a
tecnologia, as línguas e os sujeitos, e as línguas e uma dada
geopolítica.
O capítulo é constituída, de forma geral, por dois eixos interligados:
Política Linguística e Planificação Linguística. O primeiro eixo tem
tradicionalmente se voltado para uma prática de caráter estatal-
legislativo, debruçando-se, por exemplo, sobre a oficialização de
línguas, a escolha de alfabeto para a representação gráfica de uma
língua, a hierarquização formal das línguas (línguas de trabalho,
oficiais, nacionais, por exemplo), entre outros. O segundo eixo tem
focado a implementação das decisões sobre a língua através de
estratégias (políticas), como as políticas educacionais, com vistas a
39
influenciar o comportamento dos sujeitos em relação à aquisição e
uso dos códigos linguísticos (COOPER, 1989).
O conceito de planificação linguística foi utilizado inicialmente, em
contexto académico ocidental, por Einer Haugen (1961) em seu
trabalho intitulado Planning in modern Norway, no qual analisou a
situação da língua norueguesa na fase de independência da
Noruega.
O “nascimento” da Política Linguística como campo científico
disciplinar (EUA e Europa) se deu concomitante à emergência da
Sociolinguística, ambas tendo como marco um evento organizado
por William Bright na Universidade da Califórnia, em 1964, onde
estiveram presentes nomes vinculados tanto à Política Linguística
como à Sociolinguística, entre os quais Haugen, Labov, Gumperz,
Hymes e Ferguson. Em 1968, coroando a consolidação do campo,
houve a publicação do trabalho Language problems of developing
nations, assinado por Fishman, Ferguson e Dasgupta (1968)
(CALVET, 2007; BIANCO, 2004; MANLEY, 2008).
Essa fase inicial de configuração da Política Linguística no Ocidente
como um campo disciplinar foi atravessada por esforços de
sistematização e racionalização de um modelo aplicável aos
estudos de descrição da relação entre as línguas e de seu
funcionamento (político) nos limites do Estado. Tal esforço buscou
fundar as regras de formação e legitimação da Política Linguística
como campo de saber com estatuto científico, dado que “[...] uma
disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de
métodos, um corpo de proposições consideradas verdadeiras, um
jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos.”
(FOUCAULT, 1996, p.30). Exemplificando o processo de formação
da Política Linguística como disciplina, os métodos de
sistematização da relação entre as línguas incluíam classificações
40
hierárquicas das línguas (vernácula, padrão, clássica, crioula e
pidgin), das suas funções (língua de ensino, oficial, internacional,
veicular, religião e gregária), de seus atributos, dos seus diferentes
níveis de favorecimento/desfavorecimento (escala GIDS de
Fishman), entre outros (CALVET, 2007; BIANCO, 2004).
41
Um outro traço indicador da heterogeneidade do campo da Política
Linguística abrange tanto os contextos (nacionais, pós-coloniais)
estudados, como os níveis macro, meso e micro de intervenção. É
o que se percebe, por exemplo, em estudos de caso em torno da
especificidade da política linguística em contextos pós-coloniais
(CANAGARAJAH, 2005; HILL, 2010; SEVERO, 2011a, 2011b); ou no
desmembramento da intervenção da política linguística em três
eixos: oficial, educacional e geral, estando o primeiro vinculado às
decisões sobre o estatuto oficial das línguas, o segundo ao ensino
das línguas e o terceiro às línguas da comunicação de massa, dos
negócios e das relações com os estrangeiros (NOSS, 1971 apud
GADELII, 1999). Diferentemente desse desmembramento do nível
macro de intervenção da política linguística, Spolsky (2004 apud
BONACINAPUGH, 2012) propõe uma aproximação entre as políticas
e as práticas locais, indicando os seguintes elementos como
constitutivos dos diferentes níveis da política linguística: a gestão
das línguas, que lida com uma política explícita e oficializada de uso
das línguas; as crenças e ideologias linguísticas, que afetam os usos
linguísticos; e as práticas linguísticas, que se vinculam aos padrões
interaccionais. Neste caso, as fronteiras entre política e planificação
linguística tornam-se mais tênues. Comparando as propostas de
Noss e Spolsky, notam-se, de início, duas dimensões políticas em
jogo: uma que vincula a dimensão política mais fortemente às
atuações institucionais, verticais, oficiais e jurídicas; e outra que
prioriza uma política vinculada às crenças e práticas locais, às
ideologias e às motivações que levam os sujeitos a fazerem uma ou
outra opção linguística.
Assim como a política linguística, o conceito de planificação
linguística também não é uniforme e homogêneo. Para ilustrar a
complexidade desse conceito, considera-se o trabalho de Einer
42
Haugen (1966) intitulado Language conflict and language planning:
the case of modern Norwegian. O autor sistematizou quatro níveis
envolvidos na planificação linguística da língua norueguesa: seleção
da norma, codificação/padronização da norma,
implementação/aceitação e elaboração/modernização da língua
pela disseminação de novos termos. Esses níveis foram
posteriormente desdobrados por outros estudiosos em: práticas de
planificação de corpus (codificação, elaboração de alfabetos,
gramatização, sistematização do léxico, manuais literários, entre
outros), planificação do status (designações e usos da língua
pautadas por leis e decretos), planificação das formas de aquisição
(políticas de ensino e aprendizagem das línguas), planificação de
usos (políticas de divulgação e uso das línguas) e planificação de
prestígio (avaliação dos usos linguísticos). Os dois primeiros
foram tratados por Kloss (1967), o terceiro foi adicionado por
Cooper (1989) e o último foi proposto por Baker (2003) (MANLEY,
2008; BIANCO, 2004; COOPER, 1989).
O papel da planificação de prestígio, embora reconhecido, não é
tomado como uma questão central no campo da Planificação
Linguística:
É compreensível que as questões de planificação linguística se
relacionem a julgamentos de valor. Contudo, uma teoria do
planificação linguística não precisa, necessariamente, enquanto teoria,
assumir uma posição de juízo de valor (COBARRUBIAS; FISHMAN, 1983,
p.6).
43
sobre as línguas, o que afeta diretamente os usos linguísticos. Este
nível, contudo, parece se aproximar da planificação de prestígio,
sendo que o autor não esclarece a diferença entre ambos.
Ainda para problematizar a heterogeneidade dos conceitos de
política e planificação linguística, mencionam-se os estudos de
Cooper (1989) sobre quatro casos envolvendo questões de língua:
a fundação da Academia Francesa, em 1635, por Richelieu, a
revitalização da língua hebraica na Palestina a partir do século XIX,
o movimento feminista americano da década de 1960, e a
campanha de alfabetização em massa na Etiópia conduzida por
estudantes universitários em 1974. O autor expande o
entendimento clássico dos conceitos para incluir maneiras de
resolução de problemas, em âmbito macro e/ou local, que
envolvam questões linguísticas de natureza política. Cooper (1989),
ao revisar doze conceitos de política linguística, identificou uma
questão comum a todos eles: “Quem planifica o que para quem e
como?”. Subentende-se daí que há, pelo menos, quatro instâncias
envolvidas em políticas e planificação linguística:
a instância legisladora/regulamentadora vinculada,
tradicionalmente, embora não unicamente, aos órgãos
governamentais;
o campo de intervenção que vai da documentação e
descrição do sistema linguístico (planificação de corpus) à
distribuição, designação e normatização das línguas e dos
usos linguísticos (planificação de status);
o público-alvo e os efeitos da intervenção linguística e;
os procedimentos implicados na execução da política
linguística com vistas, por exemplo, ao aumento do número
de falantes (planificação da aquisição).
44
Destrinchando os participantes (quem faz e para quem), o objecto
(o que)
e as metodologias (como) envolvidos na política e na planificação
linguística,
tem-se, de forma geral:
(i) Quem e para quem – as instâncias envolvidas na planificação das
políticas
linguísticas são diversas, como: os poderes executivo e legislativo,
as esferas jurídica, administrativa, de negócios, educacionais,
midiática, as academias literárias, as organizações civis, entre
outros. Tradicionalmente, os actores envolvidos na gestão de
políticas linguísticas se vinculam, directa ou indiretamente, às
esferas governamentais como representantes de um discurso
oficial. Contudo, uma abordagem mais crítica tem defendido a
incorporação de crenças e ideologias como variáveis diretamente
envolvidas na prática de política linguística. Nesta perspectiva, “[...]
política e planificação linguística são processos ideológicos que
contribuem para a manutenção de relações de poder desiguais
entre grupos linguísticos maioritários e minoritários.” (BONACINA-
PUGH, 2012:216).
Além dos participantes oficiais e das crenças e atitudes dos sujeitos,
há ainda uma terceira via, embora não excludente das demais, que
propõe incorporar as práticas como alvo das políticas linguísticas.
Neste caso, trata-se de averiguar a maneira pela qual uma dada
política linguística pode ser construída em práticas interaccionais
(BONACINA-PUGH, 2012) ou, em outros termos, de que maneira
certos padrões linguísticos são reiterados em diferentes práticas
interaccionais, que não são espontâneas, mas obedecem a regras
(implícitas) que actuam tanto regulando como inovando o
comportamento linguístico.
45
(ii) O que – o objeto privilegiado de intervenção da política e
planificação linguística envolve a planificação do corpus, que inclui
as seguintes acções: criação, reforma e padronização do sistema
ortográfico; especificação de pronúncias, escolha da grafia,
expansão vocabular e terminológica; alterações na estrutura
gramatical; criação de registos simplificados para fins específicos;
cultivo e valorização dos diferentes estilos e géneros; produção de
cartilhas, manuais e livros didácticos voltados para a alfabetização;
tradução de obras variadas; produção de dicionários e gramáticas;
produção de textos escritos vinculados a diferentes géneros; e
criação de órgãos especializados em questões linguísticas (GADELII,
1999).
46
da África do Sul e conduzido pelos municípios – terceiro nível do
governo – em busca de uma valorização positiva do uso das línguas
locais em contexto público, envolvendo tanto agentes
governamentais municipais, como representantes da comunidade
civil local (WEBB, 2009). Trata-se de um tipo de planificação
centrada na comunidade local, priorizando “[...] o envolvimento
activo da comunidade, especialmente de pessoas pobres, por
forma a melhorar a qualidade dos planos e serviços, ampliar o
controle comunitário sobre o desenvolvimento e empoderar as
comunidades para que elas ajam.” (Relatório do DPLG apud WEBB,
2009:3). Tal iniciativa de planificação linguística na África do Sul
visou a lidar com a ineficácia da abordagem tradicional (de cima
para baixo) de planificação linguística para uma realidade
multilíngue, em que as línguas africanas não têm o mesmo status
(econômico, político, cultural) que o inglês. Nesta política linguística
ascendente (bottom-up), dois requisitos foram tomados como
necessários para a sua efetivação (WEBB, 2009): que os
representantes locais fossem legitimados pela comunidade e, por
isso mesmo, pudessem falar por ela; que as organizações e os
representantes locais fossem munidos de conhecimento e
capacidade para lidar com a questão, neste caso, uma política local
das línguas. A intervenção sobre a promoção e circulação das
línguas locais implica a mobilização das mídias de massa
(programas de rádio e TV locais), de mídias impressas (revistas,
jornais e boletins locais) e de mídias digitais (internet), de forma
que elas se tornem instrumentos tanto de veiculação como de
legitimação das línguas locais. Além disso, há a promoção das
línguas em contexto educacional, com o investimento em educação
bi-multilingue o que implica, por exemplo, a elaboração de material
didático específico, entre outros.
47
Ainda no âmbito governamental de nível micro, em Moçambique,
algumas iniciativas têm oficializado línguas de grupos e comunidade
locais. É o caso, por exemplo, da introdução das línguas
moçambicanas no ensino através da modalidade de Ensino Bilingue
que nos referimos no capítulo 5.
48
muitas línguas bantu de Moçambique eram tratadas como línguas
“Kafirializadas ou Cafrializadas1” que, literalmente, significam
“línguas de cães”, em que pese serem línguas de patrimônio do
país.
Nos anos 80, inicia-se uma viragem nesta tendência e começam a
emergir novas opiniões, algumas delas vindas de entidades do
estado, as quais, sem pôr em causa a oficialização do português,
argumentavam em favor da promoção das línguas indígenas ou
nativas (KATUPA, 1980 apud FIRMINO, 1998). Trata-se de uma
mudança significativa, uma vez que até aquele momento, era um
“tabu” sugerir a possibilidade de usá-las no domínio institucional e
educacional, pois, àquela altura, se alguém falasse nestas línguas
poderia facilmente ser qualificado de tribalista, identidade negativa
naquele período.
Na perspectiva de Firmino (1998), considera que na sua essência,
estas novas opiniões defendiam a definição de uma política
linguística que, além de reconhecer o português como língua oficial
e símbolo da unidade nacional, apoiava também o uso das línguas
bantu, partindo do princípio de que a reconstrução nacional, assim
como, a participação e identificação total com a nação-estado
eram/são inatingíveis sem se recorrer a estas línguas, pois, a língua
portuguesa não é falada por todos moçambicanos e a maioria deles
conduzem as suas vidas diárias apenas nas línguas Bantu.
Tempo depois, estas ideias começam a ganhar mais interesse em
estudos que se interessam pelo desenvolvimento das línguas bantu.
1
Proveniente de Cafre em português (Kafiri na língua Sena, uma língua bantu
moçambicana) refere-se ao africano negro, diferenciando-o do muzungo, pessoa
de cor branca. Segundo Lopes (2002), o termo Kafir vem do árabe, que significa
infiel ou infiéis, usado pelos árabes para se referir a qualquer indivíduo que não
fosse muçulmano ou que não professasse o islã. Durante a colonização
moçambicana por Portugal o significado destes termos restringiu-se, passando a
ser utilizado de forma pejorativa. No português do Brasil, equivaleria ao uso
pejorativo para caipira, quando este é tomado como atrasado, roceiro. Ver,
ainda, o que Silva (2007, p. 67) define sobre Cafre.
49
A este grupo, Ngunga e Bavo (2011) chamaram de “Grupo de
Pressão”. Portanto, praticamente nessa altura começam, ainda
titubeantes, a fazer-se ouvir algumas vozes de académicos que
defendem a necessidade de promoção do uso das línguas
moçambicanas através do alargamento do número de línguas na
comunicação social, bem como da sua introdução no sistema da
educação como forma de assegurar a participação da maioria dos
moçambicanos no processo de desenvolvimento (NGUNGA; BAVO,
2011:4).
Daí em diante, mais vozes se fizeram ouvir em diferentes
literaturas, aumentando, deste modo, o número de membros do
“grupo de pressão” constituído por académicos, pedagogos,
profissionais da comunicação social, religiosos e outros praticantes
de línguas.
Essas vozes tinham propostas tais como a) a possibilidade de se usar
as línguas nativas em contextos institucionais, sempre que o
português constituísse uma barreira para os moçambicanos e que
a aplicação das políticas propostas deveria depender das condições
de cada local; b) uso das línguas Bantu em contextos como a
educação formal (nas primeiras classes de escolarização), na
administração (para a feitura dos requerimentos, petições ou
publicação de informações oficial), nos tribunais e em atividades
económicas (anúncios publicitários; em campanhas de saúde nas
áreas rurais etc.) (FIRMINO, 1998). Portanto, eram propostas de
políticas que mantinham um equilíbrio entre as línguas usadas em
Moçambique e reconhecidas pela sociedade como moçambicanas,
através da sua equiparação ao nível estatuário e político, embora o
português mantenha considerado como língua oficial principal.
Estas ideias vêm sendo secundadas por Lopes (2004). Este autor
defendia que
50
se as línguas são um factor base para a identidade e satisfação das
necessidades humanas, elas devem, de uma forma gradual, ser
usadas co-oficialmente (com o português), pelo menos nos
seguintes domínios: Na alfabetização inicial, na educação primária
(do primeiro ao sétimo ano de escolarização (1ª a 7ª classes), na
alfabetização de adultos, cultura, administração pública, na justiça
(sobretudo nos tribunais), no parlamento, no desenvolvimento
rural e agricultura, em cuidados de saúde, nutrição infantil,
planificaçãp familiar, indústria de pequena escala, meios de
comunicação de massas e religiosa (LOPES, 2004).
Porém, para que estas ideias fossem concretizadas em um país que
se baseia nos princípios de direito democrático e de legalidade
como Moçambique, é preciso que as mesmas estejam patentes em
documentos oficiais como, por exemplo, na Constituição da
República, uma vez que esta reconhece os direitos, deveres e
liberdades fundamentais dos cidadãos e serve como base
fundamental de todas as leis que existem em Moçambique.
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SEVERO, C. G. Política(s) linguística(s) e questões de poder. Alfa: São
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51