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http://reocities.com/Athens/Acropolis/9741/articulos/art13.html

O movimento de saúde e direitos reprodutivos no Brasil:


revisitando percursos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
por
 
Maria Betânia Ávila e Sonia Corrêa
Índice
 
Discurso no Percurso
 
Premissas do Movimento pela Saúde e Direitos Reprodutivos
 
O Trajeto no Tempo
 
Teoria e Ação: Premissas em Movimento
 
Partidos Políticos: Instável Aliança
 
Médicos e Controlistas: Conflitos e Parcerias  
 
Normas Religiosas: O Embate sem Fim
 
Da Privatio a Res Publica: Aggiornamento e Persistência
           
           
 
          
 
Discurso no Percurso
 
                        “ Tanto quanto a formação histórica de uma classe
trabalhadora não é o efeito de relações de produção, a formação de um
movimento não é o resultado de uma relação causal, miséria -
demanda ou opressão reivindicação ou ainda inversamente: expansão
de serviços públicos - necessidades: mas a formulação de demandas,
reivindicações ou necessidades coletivas passam pela construção de
uma idéia de direitos, pelo reconhecimento de uma coletividade. É
deste processo que a análise da participação das mulheres nos
movimentos pode ser reveladora”. (Elizabeth de Souza Lobo   1987)
           
Numa perspectiva histórica, stricto sensu, a trajetória do movimento social
que legitimou, na esfera pública brasileira, as noções de saúde da mulher ou se
quisermos saúde e direitos reprodutivos é muito recente [1] . Embora tenha
apenas duas décadas, esta trajetória desvela uma enorme riqueza em termos de
transformações micro-sociais e macropolíticas que ainda não foi examinada,
extensa e profundamente, como já ocorreu com processos de mesma natureza
que tem alterado a cena política brasileira contemporânea.
 
            A trajetória do movimento por saúde e direitos reprodutivos foi, sem
dúvida, analisada por algumas autoras e autores ( Barroso 1987,   Barroso   e
Corrêa 1990, Corrêa 1994, Pitanguy 1994, Martine 1996, Ávila
1993).   Entretanto, permanece inexplorado e disperso um grande volume de
informações não compiladas, assim como memórias pessoais que não foram
recolhidas e sistematizadas. As reflexões que se seguem devem ser lidas,
portanto, como um novo esforço de   aproximação    acerca de objeto de análise
cuja extensão e complexidade extrapola de muito o investimento que foi possível
realizar para produção deste texto.
 
            Às dificuldades de natureza metodológica soma-se um segundo desafio:
nós, as autoras, temos estado imersas no cenário que analisamos. Este cenário,
por sua vez corresponde a uma experiência coletiva, plural. As reflexões aqui
desenvolvidas são inevitavelmente “posicionadas", ou seja, os percursos que
privilegiamos tendem a se sobrepor às nossas trajetórias pessoais, conceituais e
políticas.   O lugar a partir do qual falamos permite, eventualmente, captar
elementos e momentos distintivos que cristalizam as motivações, embates,
direções do movimento. Contudo, também pode ofuscar a distinção entre empatia
e julgamento. Fatos, relatos e interrogações relevantes os quais seriam,
possivelmente sublinhados por outros/outras analistas nos escapam. Na medida
em que eles permanecem vivos e inexplorados à margem deste texto, fica a
expectativa de que este exercício possa estimular outros esforços   que permitam
examinar a partir de outros pontos de vista este trajeto,   fértil e singular, da
construção da cidadania no Brasil do fim do século 20.
 
 
Premissas do Movimento pela Saúde e Direitos Reprodutivos no Brasil
 
A idéia de natureza como paradigma legitimador servirá aqui para
sancionar que o lugar da mulher continue sendo a natureza, com
as conotações que tinha no primeiro sentido (no Antigo Regime)
como aquilo que deve ser dominado, controlado, domesticado. A
mulher é agora natureza por "natureza"; é a própria natureza, a
ordem natural das coisas, que a define como parte da natureza.
Assim para Rousseau (o filosofo do "Contrato Social"), por
natureza o homem pertence ao mundo exterior e a mulher ao
interior - encaixando assim na dicotomia natureza -cultura a
dicotomia interior-exterior - que adquire especial relevância na
sociedade burguesa capitalista.(Amorós, 1985).
 
 
 
            A proposição de cidadania para as mulheres emerge no ocidente como
teorização e expressão pública no final do século 18. O marco histórico
fundamental é a Revolução Francesa que traz as luzes para os ideais
modernos de cidadania. No entanto, a cidadania que se institui com a
revolução burguesa tem apenas os homens proprietários e europeus (brancos)
como destinatários. Na epígrafe desta seção Célia Amorós   analisa a
construção ideológica acerca da relação sociedade natureza, a partir da qual
seriam definidos novos esquemas categoriais para fundamentar a ordem social
moderna   e burguesa. Mas o projeto da modernidade, não pode se esquivar de
um conflito entre o fundamento jurídico da igualdade e da cidadania e a
remissão das mulheres para um lugar de diferença desigual determinada pela
natureza.   Com base nas premissas iluministas, durante os últimos dois
séculos   as mulheres tem reivindicado a   igualdade.   Mas, "o que
reivindicavam elas?   O direito ao trabalho, à instrução, ao divórcio e,
sobretudo, mao exercício de seus direitos cívicos, como cidadãs plenamente
reconhecidas. Sem jamais recolocar em questão os deveres próprios de seu
sexo, essas mulheres desejavam a todo custo ser igualadas aos homens, e
participar, como eles, da soberania popular. (Badinter, 1991).
 
O século 19 e primeira metade do século 20 assistiram, com fluxos e
refluxos, a luta do movimento de mulheres por igualdade com ênfase nos
direitos à educação e ao voto. A conquista desses direitos em muitos países
trouxe uma nova condição de inserção social para mulheres.   Entretanto até a
década de 60 deste século persistiu, no âmago da demanda das mulheres por
igualdade,   a perspectiva de serem, formalmente, iguais aos homens. Estava
ausente desta agenda a   crítica da desigualdade como um componente das
relações sociais baseadas na dominação de sexo que hierarquiza as relações
de gênero enquanto relações de poder e constitui uma das bases fundamentais
da ordem liberal.   Esta ordem seria, porém, desafiada pela teorização
feminista dos anos 60 e 70   que   elabora uma proposição de ruptura com a
ordem social existente, visando - como diz Bourdieu (1996) -   romper com a
pretensa naturalidade da opressão feminina, ou seja desmontar esquemas
categoriais tradicionais e heterônomos.
 
A preocupação das feministas com os temas da reprodução também
remonta ao século 19. Contudo no contexto de radicalidade política e cultural
que envolveu o feminismo contemporâneo estas questões seriam retomadas
com vigor e propiciariam o surgimento de grupos informais, instituições e as
mais diversas iniciativas voltadas para a questão da saúde das mulheres .
"Nosso corpo nos pertence",   palavra de ordem que percorreu o mundo na
década de setenta, capturou a imaginação das mulheres nos mais diversos
continentes, motivou micro rebeliões e demandas públicas como a legalização
do aborto.  
 
A idéia de reapropriação do próprio corpo contida na afirmação "nosso
corpo nos pertence"   se ancora no reconhecimento de que o corpo de cada
uma/um é o lugar primeiro da existência humana, lugar   a partir do qual
ganham sentido as experiências individuais no cotidiano e nos processos
coletivos da história. A afirmação se vincula tanto a dimensões materiais
quanto a dimensões simbólicas da existência. Diz respeito à existência corporal
(biológica), à a existência social e política, mas também ao "ser no mundo"
enquanto pessoa. Contempla tanto os aspectos associados a individuação das
mulheres, quanto sua relações na vida coletiva.   A existência ganha sentido na
relação com o outro, mas para isso é necessário uma apropriação de si para
ter uma existência própria e a partir daí   ganhar   e dar sentido em   relação
com o outro.
 
            Desfazer o lugar do corpo ( da anatomia)   como destino,
desconstruir   a heteronomia em que estiveram ( e continuam) mergulhados os
corpos femininos são os fundamentos de uma concepção renovada de
cidadania a qual incorpora as vivências da sexualidade e da reprodução e por
este caminho abre campo para   que seja superado   o “despossuimento de si”
experimentado pelas mulheres nesta duas esferas.   Tal perspectiva exigia,
inevitavelmente, a elaboração de novos direitos sem os quais a cidadania plena
das mulheres não seria realizável. Pensar cidadania como prerrogativa que se
aplica também às esferas da reprodução e da sexualidade, exige a
desnaturalização dessas dois domínios, exige a desconstrução do paradigma
que biologiza o feminino no social, demarcando seu lugar (no privado)   e
limitando sua ação na esfera pública. Esta radicalidade continua sendo
necessária pois - como já foi lembrado anteriormente - o projeto da
modernidade continha ( e contém) contradições de fundo no que se refere ao
lugar social e político das mulheres. Entre estas contradições está a de que -
embora sendo formalmente iguais perante a lei - o corpo feminino que reproduz
continuou sendo   um corpo apropriado e subordinado as definições de ordem
privada e ordem pública.
 
Para romper esta lógica complexa de apropriação o feminismo
contemporâneo firmou uma premissa inegociável de autonomia, ou seja a de
que as mulheres podem e devem ter um projeto,   uma existência com
significado próprio. Entre os anos 70 e 90 este projeto se construiria em muitos
terrenos, mas sobretudo a partir da experiências das mulheres e suas
necessidades nos campos da sexualidade e da reprodução. Isto porque na vida
cotidiana as condições materiais assim com a representações sociais se
demonstram desfavoráveis a um projeto cujo sentido filosófico está voltado
para o prazer, a partilha de responsabilidades e o direito de escolha. Este
entendimento é o que inspira a elaboração e aprimoramento das noções de
direitos reprodutivos e direitos sexuais.
 
A liberdade de decisão nos assuntos da reprodução e da sexualidade foi
um ponto de partida de onde se desdobrariam proposições as mais diversas:
novos marcos legais, nova produção de saber sobre o corpo feminino,
instalação de novos serviços de assistência a saúde a partir de parâmetros
criados pelas próprias mulheres.   No Brasil, e no mundo, a emergência política
e legitimação das questões relativas à saúde feminina é um componente
crucial de uma agenda que combina a    valorização das experiências corporais
das mulheres com estratégias que visam transformar discursos e práticas
sociais que fazem destas experiências corporais um locus de subordinação.
Assim nos esforços teóricos e na ação desenvolvida pelas feministas ganha
posição de destaque a demanda pelo livre exercício da sexualidade, que tem
na demanda por aborto legal e o acesso contracepção não coercitiva seus fios
condutores.
 
Esta pauta seria incorporada pelos grupos de mulheres que   surgem no
Brasil ao longo dos anos 80, resultando em uma tendência à especialização
temática em torno da saúde. Saúde   e direitos reprodutivos como temas
privilegiados pelo movimento de mulheres assumiriam um perfil público e
funcionariam como alavancas para pressionar por mudanças legislativas e
políticas públicas. No   espectro das reflexões e   reivindicações que dizem
respeito à saúde da mulher, desde um primeiro momento, esteve presente o
interesse e o questionamento acerca do saber e do poder médico. Isto porque
todas a concepções de  saúde ou de assistência a saúde das mulheres com
que as feministas se defrontaram  estavam ancoradas num conceito de
natureza feminina, entendida como frágil e descontrolada devendo ser dirigida
exclusivamente a reprodução social como lugar inferior e herdeiro da condição
biológica. O saber médico era tanto um saber disciplinador como também um
saber que justificava a   hierarquia entre os sexos.
 
 
Assim, o tema da saúde se sobressai no cenário do feminismo em um
primeiro momento como um lugar de desvendamento das cadeias   que
aprisionavam as mulheres no lugar da procriação com a conseqüente redução
da sua dimensão humana. Por isso Labra (1989) citando Enrenreich e English
(1976) ao analisar o conteúdo do debate emergente sobre saúde das mulheres
no Brasil escreveria que: " Para as mulheres, a saúde é um elemento potencial
que transcende a classe e a raça. O sistema médico, mais do que qualquer
outra instituição da sociedade, nos reduz a uma categoria biológica, nos
despoja de nossas ocupações, estilos de vida e individualidades".
 
  A preocupação original do feminismo contemporâneo foram
as   próprias mulheres (nós mesmas) enquanto sujeitos da experiência e
agentes de mudança. A partir das vivências individuais e sociais
chegaríamos, pari e passu   aos nosso temas centrais. Não houve uma
definição a priori sobre a importância de se levantar reivindicações com relação
à assistência médica, com base numa premissa teórica como por exemplo : "A
saúde é um território fundamental para exercício da cidadania feminina". Muito
ao contrário, foi a reflexão sobre nossas vidas e de outras mulheres que nos
colocou diante dos limites e das possibilidades de mudança que se apresentam
na relação entre o sistema de saúde e a população feminina. O interesse das
feministas pelas questões relativas à saúde tem hoje mais de vinte
anos.   E,   parece-nos muito significativo que estejamos realizando este
balanço quando estão definitivamente legitimadas tanto no plano global quanto
entre nós as noções de saúde reprodutiva, direitos reprodutivos e direitos
sexuais.
 
Hoje, sem dúvida, esta agenda precisa ser ampliada, sobretudo para
incorporar a questões de saúde ocupacional das mulheres e aspectos relativos
à saúde mental e ao envelhecimento.   Entretanto é preciso reconhecer que
enquanto implementação efetiva de leis e de políticas ela não foi plenamente
realizada, nem mesmo em suas dimensões mais convecionais como a
prevenção do câncer cervical ou assistência ao pré-natal e aparto. Da mesma
forma, no plano teórico, se faz necessário expandir nossas analises com base
numa perspectiva mais ampla e complexa de gênero e saúde. Entretanto isto
não significa, ao nosso ver, abdicar das premissas básicas de saúde da mulher
e direitos reprodutivos. Entre outras razões porque ela nos lembra que os
sistemas de sexo/gênero   articulados   a lógicas de dominação de classe e
raça - "operam de forma mais aguda na etapa reprodutiva da vida das
mulheres"   (Barbieri 1993).
 
 
O Trajeto no Tempo
 
O movimento de mulheres por saúde no Brasil construiu um caminho
muito próprio em termos de tendência política feminista. Na sua origem ele é
de inspiração sexista, na medida em que identifica as relações que se dão na
esfera da sexualidade como bases fundamentais da opressão das mulheres.
Quando revisitamos o cenário dos anos 70 veremos que, então,   o movimento
aliava elementos do "sexismo"   a concepções marxistas da luta de
classe,   ecoando a atmosfera   mais ampla do debate feminista internacional
(Millet   Firestone). Entretanto, se o feminismo brasileiro sempre guardou
vínculos com o movimento internacional também foi um ator crucial no
processo de luta pela democracia em um país de profunda desigualdade social.
O feminismo no Brasil pautou sua ação, desde sempre, numa perspectiva de
luta pela   "cidadania real" na expressão de Touraine (1984).
 
Neste sentido, suas   premissas originais   seriam   reequacionadas de
modo a articular a teoria e ação das feministas ao processo mais amplo da
democratização. O caminho encontrado foi o de fundamentos de autonomia
das mulheres e de justiça social, buscando fazer com que nesta conjugação o
sentido da democracia se estendesse para as dimensões da vida cotidiana.
Barsted (1992)   ilustra bem o sentido estratégico desta opção:  
 
"...os temas da reprodução e da sexualidade não inauguraram a primeira
pauta do feminismo contemporâneo brasileiro. A conjuntura política do
regime militar, a aliança com a Igreja e com os partidos de esquerda eram
fundamentais na luta contra o arbítrio e, em função disto, as questões
referentes à sexualidade e reprodução tiveram que ficar estrategicamente
fora do emergente discurso feminista. A inclusão desse temário no final
do anos 70 tem vários significados: superação do tabu, ampliação dos
espaços democráticos dentro da oposição ao regime e ao mesmo tempo,
”descompressão", política por parte do regime autoritário. O debate sobre
o aborto, a sexualidade, que coloca o corpo como tema da política, se
instala nos anos 80. As feministas trazem uma grande contribuição para
expandir a agenda da luta política por democracia. A chegada de
mulheres brasileiras do exterior, com a promulgação da Anistia Política
em 1979, representa uma profunda contribuição aos termos desse debate
no Brasil em função da experiência de militância feminista em outros
países, o que já apontava para a internacionalização do debate no Brasil.
Os temas básicos que vão configurar a agenda dos direitos reprodutivos
no país, tem um peso importante da experiência vivida lá fora".
 
 
Na primeira metade da década de 80, essa trama de temas e novas
formas de organização comporia a ampla mobilização pelo fim do regime
militar, cristalizando-se na luta por eleições diretas. Um governo civil eleito pelo
povo foi a grande aspiração do momento. A chegada do que se denominou a
Nova República trouxe o governo civil, mas não trouxe as eleições diretas e
ficou registrada na experiência dos movimentos sociais como   "transição
negociada". A consolidação da democracia passaria   a ser a meta política e o
pilar para a construção de uma nova sociedade onde o direito de representar,
escolher e exprimir opiniões eram fundamentais.
 
A partir dos meados do anos 80, o campo da saúde das mulheres ou
saúde reprodutiva receberia grande atenção e investimento por parte do
movimento feminista. Esta densidade estava associada às premissas originais
do movimento mas seria, por outro lado,  uma decorrência da nova conjuntura
política da democratização. Neste novo contexto, a criação do Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), da   Comissão Nacional de Estudos
dos Direitos da Reprodução Humana no Ministério da Saúde e,   mais
especialmente, a formulação do PAISM - Programa de Assistência Integral ã
Saúde da Mulher - são referências fundamentais, pois expressam a
institucionalização da agenda feminista pelo Estado.
 
A partir daí a associação entre feminismo e saúde e direitos reprodutivos se
tornaria tão estreita que muitas vezes, na percepção da sociedade,   são
percebidos como campos intercambiáveis. Mas é interessante pensar como o
faz Barroso ( 1987) que a legitimação de uma noção de direitos relacionados a
reprodução imprimiu, no caso brasileiro, uma marca feminista   nos debates da
democratização e, sobretudo, nos processo que se desenrolam, desde os anos
80, na arena de formulação de políticas públicas:
 
 
"Se a história tem mostrado a ingenuidade de separar os direitos
reprodutivos dos demais direitos, a experiência recente das feministas
brasileiras mostra que o foco nos direitos reprodutivos pode atuar como
catalisador da ampliação da consciência crítica.
 
           
            Quando, em 1980, vários grupos elegem a saúde como tema nucleador
de sua ação, revertem a tendência do feminismo como prática política das
camadas médias da população para expandir-se às camadas de baixa renda,
onde a saúde tem sido, historicamente, uma reivindicação prioritária. A luta por
saúde ganha expressão em todos os setores organizados da sociedade, é um
componente central das demandas dos movimentos populares. Neste cenário o
movimento sanitarista avançaria no sentido de   formular uma proposta em que
se combinavam a reivindicação por saúde como direito a um novo desenho de
política pública cristalizado,   anos mais tarde, no Sistema Único de Saúde
-SUS.
 
 
Na trajetória dos grupos feministas autônomos, por sua vez, a idéia de
um novo modelo de assistência à saúde da mulher gereminaria também no
início do anos 80. Neste período são realizados encontros e seminários
regionais e nacionais nos quais esta questão é discutida e onde são
elaboradas as propostas conjuntas contendo os novos conceitos desta
assistência que tem como fundamento ideológico os princípios de integralidade
e autonomia da mulher. São exemplos desses momentos o Encontro Feminista
do Nordeste realizado em 1983 em Natal e o I Encontro Nacional de Saúde,
acontecido em Itapecerica da Serra em 1984. Deste encontro resultou um
documento intitulado "Carta de Itapecerica", cujo conteúdo apresentava uma
forte crítica a realidade do país seguido de propostas para a saúde das
mulheres. Para introduzir as propostas foi criado um item chamado "Nosso
conceito de saúde". Os documentos que resultavam desses encontros eram
divulgados e serviam de base para a ação dos grupos.
 
Mas seria com o advento da Nova República e dentro das
transformações gerais que ocorreram na relação da sociedade civil com o
Governo Federal que o movimento de mulheres iniciaria, de fato, uma longa
caminhada através das instituições. Formulado em 1983, pelo Ministério da
Saúde, o PAISM contaria   com feministas em sua coordenação até 1988 e
também com   a colaboração técnica de grupos autônomos em atividades
como capacitação e produção de material didático.   Entre 1985 e 1989 a
agenda de saúde da mulher, tal como definida pelo PAISM,   também seria
objeto de investimento e atenção por parte do CNDM.   O CNDM teve um papel
fundamental como articulador dos eventos nacionais, como repassador de
informações para todos os grupos do país e como um órgão de defesa dos
direitos da saúde feminina e da reprodução; atuou com veemência junto aos
MInistérios da Saúde e da Previdência; garantiu também, a publicação e
disseminaçôa de cartilhas de apoio para a realização dos trabalhos educativos
em saúde da mulher.
 
 
Neste etapa, dois momentos são particularmente relevantes: Assembléia
Nacional Constituinte (1986-1988) e a Primeira Conferência de Saúde da
Mulher.
Na elaboração da nova Constituição, por efeito da pressão do movimento, com
apoio do CNDM, foi aprovado o artigo do planejamento familiar e impediu-se
inclusão da premissa de “direito à vida desde a concepção”   no preâmbulo
Constitucional,   agenda mobilizada pela Igreja Católica e pela bancada
evangélica. Significativamente,   estas duas bases legais do texto constitucional
legais continuam balizando o debate e as iniciativas políticas nos anos 90. A lei
do Planejamento Familiar foi finalmente aprovada em 1997 e encontra-se em
processo de implementação. Da mesma forma, a evolução do debate sobre o
aborto - incluindo-se aí a implementação de serviços para realizar o
procedimento nos dois casos previsto pelo código - teria tomado caminhos
radicalmente diversos caso os setores anti-aborcionistas tivessem vencido a
batalha da Constituinte.
 
 
            A Primeira Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher,
ocorreu em outubro de 1986 como um desdobramento da VIII Conferência
Nacional de Saúde, realizada em março do mesmo ano (com patrocínio do
CNDM, Ministério da Saúde e Ministério da Previdência e Ação Social). O
evento merece destaque especial pela sua amplitude, pela qualidade e
diversidade da representação política das mulheres, e pelas repercussões que
teve. Em todos os estados da União foram realizadas conferências
preparatórias,   onde eram escolhidas as delegadas e definidas prioridades.   O
movimento de mulheres teve uma ampla participação neste evento, tanto em
termos de representação política quanto na sua concepção e
organização.   Embora, patrocinada pelos Ministérios do Governo Federal, a
Conferência se converteu em fórum de debates onde se levantaram críticas
profundas e arraigadas com relação à falta de ação e compromisso do governo
com a questão da saúde, e mais especialmente a saúde das mulheres.
 
              Os grupos de mulheres que se estruturam em torno do tema saúde,
surgem numa segunda fase do novo feminismo brasileiro.   Por um lado a
democratização e   consciência dos problemas sociais traria a   necessidade de
romper com os círculos fechados dos grupos de consciência e criar conexões
com as mulheres dos extratos populares.   Ao mesmo tempo, apesar da
heterogeneidade das idéias e diversidade das atividades desenvolvidas pelos
grupos autônomos,   configura-se a tendência para especialização dos temas
de trabalho. Entretanto, essa especialização temática, longe de implicar num
estreitamento dos horizontes   permaneceria   fiel à herança deixada pela etapa
inicial do feminismo, quando todos os aspectos da condição da mulher eram
integrados de forma abrangente e integrada.  Na verdade, é com a vista
voltada para o entendimento da situação sócio-política-afetiva da mulher, que a
saúde é enfocada pois, como afirma Arruda (1987), a saúde é uma das peças
chave no caminho da (re)construção da identidade feminina.
 
            Neste sentido, a colaboração entre os grupos feministas e o Programa
de Assistência Integral a Saúde da Mulher (PAISM), nos meados da década de
80, representou uma experiência inédita e fundamental no sentido de traduzir
para a política pública os conhecimentos e práticas gerados no espaço
feminista. O movimento pela implantação do PAISM canalizou uma
parcela   importante da ação dos grupos autônomos que estavam envolvidos
com a questão, não só no que diz respeito às ações de mobilização,
organização e representação política, mas também àquelas relativas à
produção e difusão de informação e conhecimento.
 
            Tal processo teve significados diferenciados para as mulheres de
classe média e mulheres do meio popular envolvidas com o movimento. Para
os segmentos médios   o movimento e seus resultado teve como significado a
construção da cidadania feminina com base em princípios gerados a partir da
concepções, estudos,   vivências e reflexões das próprias mulheres. Para as
mulheres do meio popular, a luta pela saúde com espaço para  construção da
cidadania tinha um sentido mais urgente de transformação da qualidade de
suas vidas, pois sendo elas usuárias do sistema de saúde pública eram as
principias vítimas de sua ineficiência e distorção.
 
Os grupos de classe média experimentaram o dia a dia da pressão
política, da interlocução, dos conflitos com os técnicos do Ministério da Saúde e
da participação nas instâncias governamentais federais onde ocorriam os
debates de ordem técnica e política. As mulheres do meio popular participaram
sobretudo da pressão e representação políticas locais, e dos grandes eventos
nacionais - a grande maioria deles realizados em Brasília. Pode - se   dizer que
para as mulheres do meio popular este movimento estava ligado ao movimento
geral por melhoria de condições de vida, e para os grupos de classe média a
perspectiva tinha um conteúdo mais ideológico no sentido de qualificar o
processo de democratização política e social com um conteúdo feminista. A
articulação entre eles, contudo,   se fazia em prol da viabilização do
PAISM   entendido por todas como um direito social necessário e inadiável. É
muito significativo registrar, por exemplo, que nos grandes momentos de
encontro e mobilização feministas de classe e organizações de mulheres do
meio popular raramente estiveram articulados numa lógica do tipo "vanguarda
x massa", mas sim numa perspectiva de colaboração e parceria.
.
 
 
 
Premissas em Movimento
 
Partidos Políticos:   A Instável Aliança
 
            O movimento de saúde, a partir de seu projeto comprometido com a
justiça social como elemento chave para construção da autonomia e da
cidadania das mulheres, pressupunha que os partidos do setor considerado
progressista - a "esquerda"   com significado ampliado - constituiriam o campo
partidário prioritário de suas relações. De fato constituíram e seguem sendo
aqueles de maior compromisso na defesa dos direitos reprodutivos. No entanto
essa relação de “aliança” não tem sido linear ou automática.  
 
Quando da emergência do movimento feminista,   ainda sob o regime
militar, havia uma clara distinção entre esquerda e direita e o movimento
feminista, no geral, se situou historicamente no campo da esquerda.     Porém
se   caracterizarmos o movimento de mulheres por saúde reprodutiva como um
exemplo do que Touraine (1984) denomina   "ação social"   verificamos que é
difícil transitar da narração fragmentada sobre episódios da vida social para
uma análise sobre relação entre um movimento e partidos.
 
            Ao refletir sobre os acontecimentos da relação feminismo - partidos
políticos, no Brasil, muitos   episódios sugerem que esta   relação nunca
consubstanciou um compromisso que poderíamos chamar "histórico". Ou seja,
um compromisso com a história que se desenrola a partir da ação de um
movimento e passa a integrar projeto de sociedade tal como formulado por um
partido político, ou pelo menos que passe a integrar,  sistematicamente,   os
compromissos de campanha dos partidos.   Até hoje, a saúde reprodutiva e os
direitos reprodutivos e sexuais não constituem prioridades partidárias.   Seu
significado enquanto agenda política não leva os partidos a repensar suas
propostas de organização social, tampouco constitui tema. Na verdade o , o
debate em torno dos conteúdos desta agenda provoca, no interior dos
partidos   muito mais um efeito de desagregação do que uma dinâmica de
unidade partidária.   Além disto é importante salientar que, no Brasil a relação
movimentos de mulheres - partidos tem sido desde sempre marcada pela
interferência da Igreja Católica,   assim como pela crítica do feminismo aos
pressupostos da organização partidária.   Esta crítica se dá também com
relação aos partidos de esquerda, pois o movimento recusar a hierarquia rígida
de organização, identifica limites na   democracia representativa e tem apreço
pela democracia direta.  
 
            A ação do   movimento - que protagoniza essas demandas -
visa   movimentar a sociedade através da construção de novas práticas sociais
e da difusão de idéias que tragam conquistas que alterem de fato a vida
cotidiana. Já do lado dos partidos trata-se, sobretudo de agregar partidários,
permanentes ou eleitorais. O movimento, por sua vez,   não tem comando que
dirija suas opções,   não estimula a filiação a partidos, nem organiza sua ação
em torno da disputa do poder no sentido clássico. Muito embora a cultura
política no interior do movimento favoreça as opções à   "esquerda" - porque
suas integrantes se sentem  parte dessa tradição e tem compromisso com a
justiça social - não define opções eleitorais prioritárias, não recruta   militantes
para campanhas políticas nem orienta, partidariamente,  as mulheres nos
momentos eleitorais.
 
            É difícil classificar e analisar essa "relação" entre formações políticas de
natureza tão diferenciada - como são os partidos e movimento feminista -
pois   os referencias que normalmente se aplicam às relações políticas se
restringem a   considerar como legítimos os processos e regras da democracia
representativa que como se sabe está centrada na lógica da organização
partidária.   Como   “falar” da instabilidade desta relação sem correr o risco de
evacuar o significado político da ação por saúde reprodutiva. Isto porque na
lógica dominante das   ciências sociais e da ciência política são os partidos que
dão significado ao que é político na sociedade.  
 
No entanto, se ousarmos pensar de outra maneira constataremos que a
agenda da saúde reprodutiva e   dos direitos reprodutivos e   sexuais, na
verdade, revela que a lógica política dos partidos é fragmentada, eleitoreira e,
com freqüência determinada   por projetos individuais e concepções privatistas.
Este entendimento, porém , não elimina a necessidade dos movimentos sociais
- e, no caso, do movimento de mulheres por saúde reprodutiva - de buscar
meios para   visibilizar sua ação sócio-política e reforçar canais mais eficazes
de expressão e participação na esfera pública [2]
 
           
Entretanto qualquer estratégia neste campo exige com que
reconheçamos que os “aliados “ na maioria dos casos, não defendem as
proposições feministas integralmente e, com freqüência, as abandonam no
meio do caminho, seja porque tem outras prioridades, seja   porque descobrem
que "a radicalidade" da causa se choca com seus interesses eleitorais. Além
disto a sustentação de uma agenda de direitos reprodutivos e sexuais está
sempre vulnerável face à interferência da igreja católica,   em qualquer
instância que sejam colocados como pauta de negociação política. O confronto
com a Igreja neste campo é sempre considerado pelos partidos como uma
ameaça a suas bases de sustentação e popularidade.  
 
A experiência na luta pela legalização do aborto e pelos direitos sexuais
desde a década de 80 já nos ensinou que ao buscar aliados para nossas
pautas “radicais” devemos sempre contar com uma reconfiguração dos atores
entre os campos   progressista e conservador. Em geral, são as posições
individuais de deputados, senadores e executivos do Estado que prevalecem,
rompendo com as determinações coletivas das instâncias partidárias onde
estão inseridos.   Assim nem sempre é possível contar com a totalidade da
bancada de um partido progressista para apoiar a legalização,    mesmo
quando esta é uma definição programática. Entretanto é possível contar com
apoio de representantes de partidos conservadores onde se concentram
setores radicalmente contrários a qualquer modificação da lei. No interior desta
trama complexa a relação do movimento com os partidos termina por ser
definida a partir de lógicas subjetivas ou da pessoalidade.   A defesa de
plataformas específicas é negociada através de indivíduos considerados
"aliados/as".  Caberia refletir o quanto estes meandros terminam por implicar
um razoável grau de "despolitização", pois a disputa de poder se converte em
mera questão de apoio.
 
 
Médicos e Controlistas: Do Antagonismo ao Diálogo
 
            Ao final dos anos 70, ao projetar uma agenda que tinha como objetivo
instaurar novas percepções e práticas tanto nos serviços de saúde e quanto no
plano das decisões reprodutivas da mulheres, o movimento encontrou, de
imediato, um Estado autoritário, sem compromisso com as necessidades
básicas da maioria da população. Em seguida se deparou com dois outros
mecanismos discursivos e institucionais poderosos: a hegemonia da
perspectiva biomédica na construção de representações sobre o corpo
feminino e o lugar social da mulher; os agentes institucionais que
implementavam no país   programas de planejamento familiar desde a década
de 60.
 
            Esta   não seria a primeira nem a última vez, na   história moderna, em
que as feministas   enfrentariam a ordem médica e os planejadores familiares.
No contexto desta relação conflitiva e sinuosa, que vem se desenrolando ao
longo do século 20 (Boston Collective 1980;   Donzelot   1980;   Hartmann
1987, Gordon 1976; SOS Corpo, 1991)   a experiência brasileira representou
um capítulo singular. Num contexto caracterizado por desigualdades sociais
agudas, machismo renitente e condições políticas autoritárias, não foi tarefa
simples isolar os muitos fatores que comprometiam a qualidade dos serviços
de saúde e a autodeterminação das mulheres.
 
Num primeiro momento, as feministas interpretaram o que viam como
mero efeito da convergência entre patriarcado, Estado autoritário e imperalismo
das políticas de controle populacional.   Cabe lembrar que, ao final dos anos
70, materializavam-se, no mundo inteiro, as orientações adotadas pela
Conferência de População de Bucareste de 1974 (Corrêa 1994) , sendo os
programas não governamentais de planejamento familiar amplamente,
denunciados por setores de esquerda,   no Brasil e no plano internacional,
crítica que foi de imediato absorvida pelo movimento [3] . Entretanto, a imersão
do movimento na experiência vivida pelas mulheres, sua aproximação
gradativa com a realidade dos serviços produziu inflexões nesta
perspectiva original.  
 
 
A primeira "descoberta" das feministas foi a de que, mesmo sob pressão
de fatores desfavoráveis ( as externalidades extensamente mencionadas
por   economistas e demógrafos ) as mulheres pobres queriam regular sua
fecundidade e buscavam meios para tal (Barroso 1987 , Corrêa 1983, Ávila e
Barbosa 1984).   Este achado fundamentou a argumentação feminista de que
as experiências e motivações das mulheres deveriam ser tomadas como um
elemento central nas análises transição demográfica e da ampliação da
prevalência contraceptiva no país.
 
Por outro lado, à luz desta evidência, as distorções dos programas   não
governamentais de planejamento familiar - então denominados entidades
privadas - assumiram outra feição. Estávamos diante de uma cena mais
complexa do que a co e rçãopura e simples. As mulheres queriam meios de
regulação da fecundidade, mas   o Estado não os oferecia. Nos programas não
governamentais o a utoritarismo das operações, a falta de informação
adequada e a má qua lidade dos serviços oferecidos fazia com que as
mulheres vivessem experiência trágicas ao usar os métodos
oferecidos,   terminando por desacreditar anticoncepção reversível e se
orientando gradativamente para a opção preferencial pela esterilização. Nos
início dos anos 80   já estava tomando forma no país um “mercado”    de
demanda e oferta de laqueadura tubária ( Corrêa, 1983,   Ávila e Barbosa 198 4).
 
Num s egundo passo , as   feministas distinguir am entre a posição do
Estado, com relação ao crescimento populacional e as premissas de controle
demográfico que inspiravam as instituições não governamentais de
planejamento familiar. O malthusianismo internacional havia, sem dúvida,
influenciado áreas do aparato estatal d urante a ditadura: o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (1975) incluíra uma meta de redução do crescimento
populacional [4] , a BE MFAM tinha estabelecido convênios com Estados e
municípios, especialmente no Nordeste; personalidades políticas defendiam,
publicamente, o controle populacional.   No final dos anos 70, a formulação do
Programa de Prevenção de Gravidez de Alto Risco foi interpretada - pela
esquerda, feministas e defensores do planejamento familiar [5] - como um
avanço da posição malthusiana no interior do Estado.
 
 
Entretanto continuava m, de fato,   muito atuante s no aparato
estatal premissasnatalista s: a idéia de que uma nação poderosa é
necessariamente populosa era, por vezes, vocalizada por altas patentes
miltares. Sobretudo, a orientação da política de saúde “voltada pa ra as
mulheres no anos 70 ” - o Programa Materno-Infantil - se não era abertamente
natalista, confinava a mulheres ao lugar de reprodutoras. No início da década
de 80, as feministas perceberam que duas dimensões intimamente associadas
na experiência reprodutiva das mulheres - a maternidade e a anticoncepção -
eram oferecidas por sistemas institucionais isolados ( às vezes
incompatíveis). Num momento em que prevaleciam análises sobre a natureza
implícita das políticas de controle demográfico do regime militar, a crítica
feminista sublinh ou, sobretudo, a omissão do Estado com relação a
demanda das mulheres por contracepção ( a chamada ‘ não política ” ) , que
d eixava o campo aberto paraas operações das entidades privadas .  
 
Foi no contexto deste debate que se deu a aproximação entre as
feministas e o mundo da demografia, desdobrando-se, em anos subsequentes
num diálogo   fértil e fundamental em termos da qualificação conceitual e
técnica do movimento para enfrentar o debate com os controlistas [6] .
Sobretudo, nesta nova etapa, as feministas identificaram no discurso e na
prática médica um   óbice crucial a ser enfrentado, quer na política de saúde de
corte maternalista implementada pelo Estado, qu er no âmbito dos prog r amas
paralelos de planejamento familiar . O abuso e desrespeito às mulheres era
flagrante tanto nas clínicas e programas comunitários de planejamento familiar,
quanto na assistência ao pré-natal e parto e na atenção ginecológica oferecida
pela pública de saúde (Ávila e Barbosa 1984, Ávila e Leocádio   1988).
 
Foi com base nestes esforços de pesquisa e reflexão que se firmou no
movimento a premissa que o acesso à anticoncepção era um direito básico de
cidadania das mulheres e deveria ser oferecida na rede pública de saúde como
um componente de uma política mais ampla de saúde reprodutiva que incluiria:
assistência de qualidade ao pré-natal, parto e puerpério; prevenção de DSTs e
do câncer cervical e de mama; atenção às adolescentes e á menopausa, ou
seja o PAISM.
 
            Entretanto, o embate com a lógica biomédica dos serviços de saúde se
desdobraria no tempo. Nos anos subsequentes, sob impacto do pensamento
de Foucault e de autoras feministas, a movimento refinaria sua crítica ao poder
médico, questionando em profundidade: a representação fragmentada do corpo
feminino e dominante no discurso biomédico; a subsunção das mulheres ao
“seu lugar” na função reprodutiva reiterada por programas e serviços; o
privilégio das técnicas curativas em detrimento das ações de prevenção e
promoção; a biologização da reprodução e sexualidade que, com freqüência,
faz convergir a posição dos médicos com a norma religiosa, como no que se
refere ao aborto.
 
            Os estudos realizados pelas feministas também revelaram viéses de
classe e raça na relação entre   profissionais médicos e usuárias.   E, no âmbito
das análises sobre a oferta e acesso ao procedimento de esterilização
feminina, o movimento tornou visível a lógica de mercado que orientava a
prática de alguns setores médicos, assim como seus vínculos com o
clientelismo político (CPI da Esterilização Nacional e PE )   Entre os anos 80 e
90, a explicitação destas críticas em discussões acadêmicas, programas de
treinamento e no debate público colocou as feministas, freqüentemente, em
confronto aberto com os médicos. A partir dos meados da década de 80, estas
tensões se condensariam ao redor de dois temas: as   tecnologias
contraceptivas e a crescente incidência da esterilização. Esta condensação se
deve a que neste dois terrenos se dá, de fato, uma franca convergência entre
poder médico, racionalidade instrumental (da perspectiva malthusiana), busca
de soluções técnicas para problemas sociais complexos, a lógica do lucro e
limitação da autodeterminação das mulheres (1986 (Corrêa e Barroso
1995;   Corrêa, 1998; Dacach e Israel 1993).
 
            No âmbito dos conflitos e debates sobre novas tecnologias, o episódio
mais significativo diz respeito ao cancelamento da pesquisa do
NORPLANT   em 1986.. Entre 1991 e 1994, por sua vez,   cristalizaram-se
tensões - externas e internas ao movimento - no que se refere ao tema da
esterilização. Este momento foi pontuado por eventos significativos: a CPI da
Esterilização, a realização da ECO 92, a formulação do projeto de
regulamentação do planejamento familiar, as preparações para a Conferência
do Cairo onde a questão teve grande visibilidade. Neste percurso, registra-se o
crescente protagonismo do movimento de mulheres negras, cuja
análise   acentua a dimensão racial do fenômeno,   caraterizando a vertiginosa
incidência da esterilização como uma expressão de genocídio racial.
 
            Entretanto dizer das tensões é também falar de uma trajetória instável
de  aproximação e diálogo entre as feministas, ginecologistas, obstetras e
pesquisadores da área de reprodução humana. Ainda em 1984, realizou-se
uma mesa sobre saúde da mulher no Congresso Brasileiro de Ginecologia e
Obstetrícia (São Paulo). Um primeiro diálogo formal entre as feministas e os
pesquisadores em contracepção e novas tecnologias reprodutivas ocorreu em
1987 - imediatamente após o cancelamento da pesquisa do NORPLANT. Este
evento coincidiu no tempo com   iniciativas de mesma natureza nos Estados
Unidos e antecipa, em alguns anos, o estabelecimento de diálogos similares,
seja no plano internacional (IWHC 1992- Reunião de Genebra 1991), seja em
outros países do Sul. Uma mesma composição caracterizaria os seminários
sobre Mortalidade Materna (1990) e Aborto (1991). Estas iniciativas
constituíram uma estratégia deliberada de aproximação entre os dois
campos [7] .
 
            A construção de pontes entre o feminismo e o poder médico não teria
se dado, caso outros elementos não tivessem contribuído para tanto. Entre
eles, desempenharam um papel crucial as inúmeras mulheres médicas
atuantes ou vinculadas a grupos e organizações feministas desde o início da
década de 80. Estas médicas ao longo dos anos tem ocupado posições
relevantes no sistema de saúde; antes do SUS, no INAMPS e   particularmente
nas estruturas relacionadas à implementação do PAISM. Também tem tido
posições de destaque nas associações profissionais médicas e no parlamento,
infundindo neste espaços a perspectiva do movimento de mulheres [8] . Um
fenômeno similar pode ser identificado no caso das profissionais de
enfermagem e assistentes sociais com impacto vital em nível dos serviços e de
suas organizações profissionais e políticas [9]
 
            O diálogo e parceria entre o movimento de mulheres e os sanitaristas,
embora tensos em alguns momentos, também contribuiria para abrir espaços
de interlocução   com a corporação médica.   Na medida em que sanitaristas e
feministas se reforçaram, mutuamente, na crítica com relação aos limites e
distorções da perspectiva estritamente biomédica e da medicina curativa   o
impacto desta crítica se ampliou e estimulou reações por parte da “ordem
médica”. No mesmo contexto, os programas de sensibilização e treinamento
para saúde da mulher, implementados a partir de 1986 como estratégia de
implementação do PAISM, também, constituíram uma oportunidade privilegiada
de exposição dos médicos às perspectivas feministas. Muito embora os
treinamentos tenham sido, com freqüência, palco de controvérsias agudas,
possibilitaram a infusão de novas idéias e premissas através da rede de
serviços. Também possibilitaram o recrutamento de “novas militantes” entre
médicas e enfermeiras, assim como a construção de parcerias com médicos
homens (por mais que isto pudesse parecer impossível num primeiro
momento).
 
            Outro terreno que favoreceu a quebra da   distância entre a perspectiva
feminista e o poder médico foram as instituições acadêmicas. Neste caso tem
grande relevância: a incorporação de premissas e inserção de docentes
feministas nas escolas médicas e centros de treinamento especializados;
programas conjuntos entre ONGs e faculdades de medicina; os cursos de curta
duração em saúde reprodutiva e sexualidade [10] . Mais recentemente,   a
implantação de serviços de abortamento nos casos permitidos por lei tem
significado um espaço privilegiado de sinergia entre a perspectiva feminista da
saúde e dos direitos reprodutivos e a   expertise dos profissionais médicos.
 
            No tocante à relação entre o movimento e os planejadores familiares,
porém, a dinâmica de rechaço e aproximação foi sempre mais áspera e
turbulenta.   Seus contornos atuais, devem ser analisados à luz da articulação
entre as dinâmicas nacionais e processos que se desenrolavam,
simultaneamente,   no plano global. Isto porque, desde o final da década de 80,
expandiram-se e legitimaram-se, no plano internacional as críticas com relação
às políticas controle populacional, processo que culminaria com a Conferência
do Cairo em 1994, cujas recomendações significativamente legitimam no plano
global   as premissas que havia sido definidas quando da formulação do PAISM
dez anos antes: políticas e programas amplos de saúde reprodutiva em que o
planejamento familiar é apenas um componente e   respeito com relação aos
direitos individuais das mulheres.   
 
            Estes trajetos de aproximação não significam que a trincheira política e
ideológica entre feministas, gineco-obstetras e profissionais envolvidos com
planejamento familiar tenha sido inteiramente superada. Contudo, no momento
atual, o cenário é radicalmente diverso daquele que marcou os anos 80. Desde
então a colaboração entre o movimento e profissionais médicos se
desenvolveu em campos decididamente estratégicos: os serviços de aborto
nos caso previstos por lei; a prevenção ao HIV-AIDS entre as mulheres;
programas de introdução de tecnologias contraceptivas,   a redução da morbi-
mortalidade materna e feminina; a prevenção do câncer cervical. Mais
recentemente, tal colaboração tem se convertido em parceria política efetiva e
permanente. São exemplos o trabalho conjunto em nível dos mecanismos de
controle social do SUS [11] , comitês de mortalidade materna e, mais
especialmente   as campanhas “Pela Vida das Mulheres (aprovação do projeto
de lei 20 de 1991 relativo a implementação dos serviços de aborto nos casos
previstos por lei pelo SUS) e “Parto Normal é Parto Natural” [12] .
 
 
Normas religiosas: o embate sem fim
 
Quando nos anos 80 o debate estava polarizado entre controle e
natalismo a Igreja era uma voz importante contra o controle o que
condizia com sua "opção pelos pobres” , e critica as pressões
internacionais e sobretudo americanos para dimuinir o
crescimento populacional no Brasil. Mas isto vinha junto com uma
recusa mais radical em aceitar planejamento familiar em função
da "igreja no Brasil ser bastante dependente do Vaticano, evitou
por muito tempo divulgar qualquer declaração favorável à
anticoncepção, mesmo quando clérigos europeus o faziam. Esses
fatores produziram uma curiosa combinação de grande tolerância
às práticas anticoncepcionais no nível individual e, até
recentemente uma rejeição absoluta a qualquer tipo de programa
oficial de planejamento familiar .   (Barroso e Bruschini, 1989).
 
            A Igreja Católica tem historicamente interferido nos assuntos ligados à
reprodução e à sexualidade. Tendo como princípio a relação sexual para a
procriação, esta instituição não admite comportamento diferenciado da sua
norma, mesmo para aquelas pessoas que não comungam da sua doutrina e/ou
não querem se submeter a sua lei, o que constitui inclusive uma prerrogativa
fundamental da liberdade de credo garantida na Constituição Brasileira. Sua
ação não se restringe apenas a pregação pastoral para manutenção da
hegemonia no campo religioso, mas também tem como uma de suas metas o
controle das políticas sociais na área da saúde reprodutiva   e da legislação
sobre os direitos reprodutivos e direitos sexuais. Isto faz com que o diálogo
com os representantes dos poderes Executivo e Legislativo esteja sempre sob
a interferência da ação organizada da Igreja Católica, muitas vezes apoiada por
outras igrejas do campo evangélico.
 
            Tal situação tem trazido impasses na implementação de programas
sociais e aprovação de projetos de lei fundamentais para cidadania das
mulheres. São exemplos disso o próprio PAISM que na década de oitenta teve
sua declaração como programa oficial retardada em função do embate que
essa Igreja travou para retirar o DIU (dispositivo intra-uterino) como um dos
métodos contraceptivos a ser oferecido no serviço público. A polêmica se
resolveu pela inclusão do método, mas o setor religioso ganhou um amplo
espaço na divulgação e orientação dos métodos contraceptivos denominados
de "naturais". Além disso, conseguiu embargar episodicamente e, em alguns
casos definitivamente, muitos dos materiais que foram elaborados pelos grupos
feministas para o Ministério da Saúde. Episódios mais recentes
dizem   respeito ao projetos de lei que regulamentam o Planejamento Familiar
e o atendimento aos casos de aborto previstos em lei, (gravidez resultante de
estupro e risco de vida da gestante). Estas duas iniciativas legislativas tem sido
definidas pelo movimento feminista como instrumentos fundamentais para
democratizar e implantar serviços de saúde reprodutiva na   rede pública de
saúde,   favorecendo, sobretudo,  as mulheres das camadas mais pobres da
sociedade.
 
 
            Essas circunstâncias produzem uma relação paradoxal envolvendo a
Igreja Católica e as mulheres brasileiras.   Nos trabalhos comunitários que
desenvolve no campo da saúde apoia-se na ação das mulheres como agentes
centrais para efetivação de seus trabalhos pastorais, com base no trabalho
voluntário, capacidade de servir ao próximo, etc. Sua ação ganha
reconhecimento público e apresenta resultados considerados positivos do
ponto de vista de alivio da pobreza. Por outro lado, essa forma de atuação
contribui fortemente para manter serviços sociais a baixo custo em uma
perspectiva que se enquadra bem nos moldes dos programas de ajuste
estrutural.
 
            As mulheres, e sobretudo as mulheres pobres são os agentes básicos
para cumprir sua missão social da Igreja. Enquanto membros da estrutura
oficial da Igreja, as mulheres constituem a parcela mais pobre e desprovida de
poder. No trabalho comunitário são as religiosas e as laicas vinculadas a
estruturas pastorais que são encarregadas de manter a ação cotidiana das
mulheres. A Igreja não apenas dá apoio a projetos e programas que visam
melhorar a qualidade de saúde das próprias mulheres pobres como também se
manifesta,   de forma apropriada e veemente, contra a falta de ação
governamental no campo das políticas sociais. Porém, luta ferozmente pelo
embargo de qualquer proposta que seja voltada para auto-determinação sexual
e reprodutiva das pessoas.
 
            As mulheres abortam em condições miseráveis, esterilizam-se em
condições inadequadas e sofrem abusos sexuais cotidianamente, morrem de
AIDS e câncer de colo do útero e vivem os partos dramaticamente, a Igreja ao
condenar políticas de saúde no campo dos direitos reprodutivos e direitos
sexuais passa ao largo de tudo isso, ditando as regras a partir de um mundo
abstrato. No entanto, no cotidiano da vida nas comunidades as/os
representantes da igreja têm que fazer a mediação entre esse plano abstrato
da alta hierarquia e as necessidades oriundas das experiências concretas das
mulheres.
 
Como analisa Rosado (1991)   a ação da Igreja Católica desenvolvida nas
periferias trouxe uma nova integração social e política para as
mulheres.    Através de pesquisa essa autora constata que a Igreja teve um
papel fundamental para mudança de vida dessas mulheres.  Analisando
depoimentos das mulheres participantes das   Comunidades Eclesiais de
Base  (CEBs) Rosado (1991) constata:   “Há para elas, um corte nítido entre o
‘antes’ e o ‘depois’ de sua integração nas atividades das comundiades.   Foi
a   ‘participação nas lutas’ que para elas abriu um novo horizonte , permitindo-
lhes novos   contatos e até mesmo uma certa desestabilização nas relações
‘familiares’ tradicionais.”
 
Afirma ainda essa autora que no que concerne as questões da vida sexual e
reprodutiva em particular do controle da prole, pode-se fazer a “proposição
contrária”   e tece a seguinte consideração: “Isto é, as alterações das práticas
reprodutivas e da sexualidade mais largamente, decorrem antes das mudanças
pelas quais passaram estas mulheres, do que de modificações/transformações
substantivas da parte da Igreja”.   
 
            Nos anos 90, porém, grupos e lideranças feministas têm estabelecido
um movimento de aproximação com agentes sociais ligados a Igreja. Do ponto
de vista do movimento de mulheres por saúde reprodutiva, o fato mais
relevante neste campo é a fundação da organização no Brasil das "Católicas
pelo Direito de Decidir". Organizadas em torno da defesa dos direitos
reprodutivos e dos direitos sexuais, os sujeitos que compõem este setor
pronunciam suas falas a partir de seu pertencimento à Igreja. A partir da ação
dessas mulheres, que já contam com o apoio e parceria de homens, que
acontece uma reconfiguração das relações entre a Igreja e o feminismo, tanto
do ponto de vista da produção do conhecimento quanto das relações políticas.
Ao falarem como parte da Igreja Católica esse novo ator provoca uma fissura
na representação social sobre a Igreja e seu discurso hegemônico.
 
Neste novo contexto a fala pública das mulheres ligadas a Igreja   Católica que
divergem da posição oficial em relação aos temas da reprodução e da
sexualidade tem causado polêmica e já ocasionou uma situação de punição,
quando Ivone Gebara que pertence a uma ordem religiosa concedeu entrevista
a revista Veja, na qual defedeu a legalização do aborto dentro de determinadas
condições e a partir de reflexões profundas sobre a questão da ética e dos
principios na religião.   A ação   mulheres   leigas e religiosas que fazem a
conexão entre o feminismo e a religião   se desenvolve tanto no plano
político   e educativo quanto naquele da produção do conhecimento, revisitando
aí a teologia e trazendo   como contribuição novas reflexões e novas
interpretações   dos textos e dos princípios religiosos .  
 
Falando sobre a questão dos princípios Gebara   (1991) faz a seguinte
reflexão:   “...A universalidade de nossos princípios na realidade é uma
linguagem que utilizamos para falar da universal aspiração humana do
bem.   Mas   esta universalidade esbarra sempre com as diferentes culturas, os
diferentes grupos sociais, as diferentes pessoas, os diferentes sexos, os
diferentes problemas.   A universalidade   de nossas aspirações é portanto
vivida no concreto de nossas possibilidades de vida.   Se assim não fosse
nossos princípios poderiam se tornar opressivos, autoritários, exteriores a nós
mesmas e servir para a manutenção do privilégio de minorias. Isto sem dúvida
pode ser verificado em muitos acontecimentos de nossa história passada e
recente. Por isso, cada vez mais precisamos estar atentas às afirmações com
pretensão absoluta mesmo se estas estiverem revestidas de uma   ‘capa’
religiosa”.
 
 
Da privatio a res publica : Aggiornamento e Persistência
 
....   A acumulação e experiências em grupos alternativos   de auto-
ajuda e de reflexão - que se multiplicaram por todos os cantos do país
- mostrou que a educação participativa é crucial para o exercício da
liberdade de opção quanto a reprodução. Essa é entendida em dois
níveis: num nível imediato, a auto-educação coletiva das mulheres
através da discussão em grupo de suas experiências pessoais ajuda
a cada uma a tomar as decisões que mais atendam às suas
necessidades dentro dos limites objetivos que se interpõem à sua
liberdade de opção); num segundo nível,   a reflexão sobre as
causas destes limites permite às mulheres enquanto cidadãs assumir
uma posição de questionamento do sistema que os
reproduz. (Barroso, 1987)
 
            Autores que tem analisado os primeiros passos da transição democrática
na América Latina consideram que as iniciativas silenciosas e submersas de
organização como os grupos de defesa dos direitos humanos e associações
comunitárias - cujas formas e práticas eram muito semelhantes aos coletivos
feministas da década de 70 - foram vitais para a recriação da esfera pública
(Weffort, 1984). Porém, a maioria destes analistas - com exceção das feministas
(Alvarez 1989) - não deram, até recentemente, maior visibilidade à contribuição
das organizações de mulheres ao processo inicial da democratização.  
 
Há, sem dúvida, trabalhos que interpretam a emergência do feminismo
como um epifenômeno da democratização, ou seja as mulheres se organizaram
porque a sociedade se democratizou. Entretanto, quase nunca se afirma que a
sociedade se democratizou, de fato, porque as mulheres se organizaram e se
tornaram protagonistas no domínio público. Sobretudo, permanece praticamente
inexplorado o significado deste presentar público das mulheres num contexto
onde prevalecem até hoje representações e práticas muito peculiares no que se
refere à articulação entre o privado e o público.
 
            Numa cultura política em que, durante séculos, a casa prevaleceu sobre a
rua (da Matta   1987) e a lógica privada tem invadido, de forma sistemática, a
estrutura do Estado, não é nada   trivial que as mulheres tenham passado a ter
voz e ação na esfera pública. O efeito deste processo não deve ser interpretado
como sendo imediata e automaticamente positivo. As mulheres, com freqüência,
se apoiam em lógicas privadas para aceder à política partidária e à disputa pela
poder, sobretudo, nas esferas excutiva e legislativa. Também carregam consigo
vícios privados que acentuam distorções já atuantes na gestão da coisa
pública [13] . Seja como for, a crescente ocupação da esfera pública pelas
mulheres brasileiras,   tem produzido um aggiornamento inequívoco da política
brasileira e não teria sido possível sem a transformação de mentalidades
impulsionada pelo feminismo.  
 
             Neste cenário, a legitimação e ampliação do movimento pela saúde e
direitos reprodutivos tem relevância em vários sentidos. Os conteúdos de sua
agenda de reivindicação perante o Estado e de promoção do debate na própria
sociedade incidem, diretamente, sobre elementos constitutivos da lógica que
simultaneamente dissocia e articula público e privado: a subsunção das mulheres
ao papel de mães; as normas referentes à sexualidade e da reprodução,
geralmente concebidas como sendo pré ou não jurídicas; o papel da ordem
médica e da norma religiosa no ordenamento entre os dois domínios; a lógica
privada atuante no sistema público de saúde.
 
            A natureza desta agenda - que desde sempre respondeu a inquietações
cotidianas das mulheres - também tem favorecido uma capilaridade social
surpreendente e pouco analisada. As primeiras experiências educativas do SOS-
Corpo são neste sentido exemplares.   No início da década de 80, estipulamos
estratégias cautelosas para introduzir questões da sexualidade e contracepção
no trabalhos comunitários. Esta cautela se apoiava na suposição de que as
mulheres do meio popular não se interessariam pelo tema seja porque estariam
mais preocupadas com sua sobrevivência econômica (viés marxista), seja por
que eram influenciadas pelos agentes pastorais da Igreja progressista, com quem
não pretendíamos produzir fricções (viés basista).  
 
Entretanto, a experiência demonstrou que estes   eram os temas que, de
fato, mobilizavam a imaginação e a fala da mulheres (e não os temas políticos e
econômicos). Muito embora, em alguns contextos, tenham eclodido conflitos com
os agentes católicos (especialmente freiras), alguns anos mais tarde, o desafio
era pensar estratégias para que os grupos populares, incorporassem novos
temas, pois era quase impossível ir além da conversa sobre sexualidade.   O
material recolhido em grupos focais pelo projeto IRRRAG  entre 1994 e 1995 no
sertão pernambucano indica que essas conversações hoje se desenrolam em
áreas supostamente isoladas, por efeito da capacidade de mobilização das
mulheres rurais.  
 
A mesma pesquisa   nos diz que estes temas são também objeto das
conversações masculinas e que não seria exagerado afirmar que   em algumas
áreas do país- esta difusão de idéias pela via da ação político-pedagógica
-     tem contribuído para a   transformação das mentalidades tanto quanto os
discursos da televisão.   Outro   desdobramento pouco divulgado e analisado da
estratégia educativa, no anos 90,   é a capacitação de vendedoras de comésticos
(de uma marca amplamente conhecida) em questões de saúde, direitos
reprodutivos e sexualidade, direitos reprodutivos e sexualidade [14] .   A
legitimação de um discurso público renovado sobre sexualidade e reprodução
no   Brasil não pode ser inteiramente compreendida sem referência as estas
conversações dispersas e invisíveis que proliferaram em centenas de lugares
pelo Brasil afora nos últimos   vinte anos.
 
 
Na outra face dessa capilaridade micro-social está, sem dúvida o impacto
sobre a mídia que, em condições democráticas, é um locus fundamental da
esfera pública. No caso específico da agenda de saúde e direitos reprodutivos,
esta relação, de fato, remonta ao primórdios da emergência feminista.   Sua
expressão inicial pode ser encontrada nas matérias sobre aborto, sexualidade e
contracepção na imprensa alternativa que proliferou no ocaso do regime militar,
quer seja nas publicações feministas, quer em outras [15] .   Durante os anos 80 e
90 os temas desta agenda foram amplamente tratados pela produção alternativa
de vídeo. Contabilizam-se também neste trajeto as experiências feministas de
radialismo onde, com freqüência os temas de saúde e direitos reprodutivos tem
sido priorizados [16] .
 
Entretanto, é preciso reconhecer também que alguns destes temas foram,
desde sempre,   objeto de interesse da grande mídia. Ao longo do tempo, seu
caráter tem sido considerado seja escandaloso, seja criminoso, ou simplesmente
controvertido. Desde a década de 70, em circunstâncias específicas, isto
favoreceu a visibilidade dos temas priorizados pelas feministas. São exemplos
"inaugurais" a mobilização o Círculo de Mulheres do Rio quando do fechamento
de uma clínica de aborto em 1979; na metade da década de 80, o debate na
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em torno ao projeto para assegurar
serviços de aborto nos casos permitidos pelo código penal. Entretanto, como bem
se sabe, os enfoques adotados pela mídia no caso de episódios trágicos ou
“escandalosos” nem sempre abre espaço para ou favorece a intervenção
feminista. Não sem razão   até hoje  a interlocução entre as feministas e a mídia (
sobretudo televisiva) continue marcada por tensões e conflitos (Cfêmea-
RedeSaúde 1998).
 
Seja como for, o peso e significado das questões da vida cotidiana   tem
ampliado espaço para as mesmas nas pautas da grande imprensa e da televisão,
em especial nas novelas e séries especiais [17] . Tampouco parece excessivo
afirmar que é no movimento por saúde e direitos reprodutivos onde se
identificam, no momento atual, algumas das iniciativas mais criativas do
feminismo e da comunidade não governamental no que diz respeito à relação e
incidência sobre a grande mídia [18] .   Entre 1995 e 1997, a evolução política do
debate sobre aborto no Brasil, esteve diretamente associada à qualidade do
tratamento da questão pela mídia, em grande medida determinada pelas
estratégias definidas pelo movimento.
 
            Finalmente, há que se considerar as dimensões propriamente
institucionais que se observam no trânsito do movimento das margem para o
centro da esfera pública. Uma primeira evolução significativa foi a transformação
dos grupos informais do final da década de 70 e início dos 80 em organizações
não governamentais, com estatuto jurídico de sociedades civis sem fim lucrativo e
acesso a financiamentos internacionais, ou seja o momento instituinte analisado
por Moraes (1985). Ao longo da década de 80, esta evolução obedeceu a ciclos
que estiveram associados às   instabilidades da transição democrática no plano
do Estado (Corrêa 1997), culminando com a criação da Rede Nacional Feminista
de Saúde e Direitos Reprodutivos em 1991.
 
Esta nova feição institucional do movimento tem sido problematizada por
cientistas sociais e ativistas, segundo as quais a mutação dos grupos/coletivos
feministas em ONGs significado perda de autonomia política e deflagra uma nova
lógica de poder no interior do movimento.   Entretanto, na perspectiva que orienta
a presente análise parece-nos, ao contrário, que o processo instituinte e, mais
especialmente a f undação da Rede consolida  num novo patamar a trajetória
do movimento.   A existência e sustentabilidade, na sociedade brasileira,   de
instituições que tem como prioridade a defesa da saúde e dos direitos sexuais
reprodutivos   e sexuais assegura organicidade   da ação social, continuidade
desta agenda no âmbito da própria    sociedade. Ou seja, de fato, garante   a
autonomia do movimento, num  contexto em que se tornam mais complexos e
exigentes os requisitos da presença na esfera pública e, mais especialmente
da relação com os aparatos estatais e as dinâmicas globais.  
           
A terceira dimensão fundamental da trajetória do movimento em direção
ao centro da esfera pública diz respeito exatamente à relação com e incidência
sobre o Estado. Quando se constata, retrospectivamente, que o PAISM foi
anunciado em 1984 e contou desde então com a colaboração dos "grupo de
mulheres" fica   flagrante que a pauta do movimento se traduziu em proposta de
política pública precocemente. À diferença de outros movimentos sociais, cuja
interlocução direta com o aparato estatal só se daria muito mais tarde, as
feministas da saúde e direitos reprodutivos estiveram, desde o final do regime
militar, envolvidas em árduas disputas não apenas na esfera legislativa, mas
também no   executivo, em seus vários níveis. Esta interlocução está hoje
intensificada pela via da participação em instâncias de controle social e
acompanhamento das políticas públicas como é o caso do Conselho Nacional e
de Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde de Saúde [19] . Mas também se
materializa na presença de feministas como gestoras das divisões de saúde da
mulher, seja no plano federal seja nos níveis estaduais e municipais [20]
 
Parece não restar dúvida   que ao longo dos últimos vinte anos o
movimento, ganhou legitimidade, visibilidade e espaço. Embora sua agenda
seja pervasiva nas instituições   sua  marca nem sempre é reconhecida. Talvez
porque já não é tão barulhento. Sem dúvida,   o movimento se distanciou do
núcleo original de suas proposições revolucionárias, adotando uma estratégia
política de reforma. Aprendeu a estabelecer alianças e parcerias (Ávila 1997),
sem portanto, submeter sua agenda a agenda dos outros. Acrescentamos à
nossa capacidade de abrir conflitos, a habilidade de transitar entre dinâmicas
de conflito e lógicas de cooperação.
 
Mas   a cada passo do penoso processo de democratização do país
temos  retomado,   com insistência, os conteúdos de nossa   radicalidade
original. Nos espaços conquistados promovemos   uma estratégia contínua de
"confronto organizado"    que,  constantemente,   sublinha a perspectiva
feminista.   Para compreeder melhor o papel do movimento na radicalização da
democracia é interessante ter como referência a análise de Beck (1995):
 
“ A revolta das mulheres...é uma revolução   que avança
furtivamente, uma sub-revolução que se comporta como um gato:
suavemente, mas sempre com a garras afiadas. Onde ele toca ,
modifica o lado inferior sensível da   sociedade industrial, a esfera
privada e daí ( e do passado?) parte para alcançar o apogeu da
dominação e da certeza masculina. A sub-revolução das mulheres, que
vai minando o sistema nervoso da ordem cotidiana da sociedade,
apesar dos reveses, pode certamente proporcionar á sociedade uma
face diferente”.
 
 
No plano da transformação das mentalidades o discurso feminista
sobre saúde, sexualidade e reprodução tem proporcionado à
mulheres   (e homens? ) um suporte para reposicionar suas experiências
e identidades e reordenar a articulação entre privado e público. Na
esfera pública, propriamente dita,   a tenacidade com que o movimento
tem sustentado a luta pela legalização de aborto, como problema de
saúde mas também como prerrogativa de autodeterminação é,
possivelmente, o traço mais marcante do que Beck qualifica como
“garras afiadas”.
 
Entretanto a persistência com   que o movimento tem buscado -
na difícil relação com um Estado -   estratégias que materializem uma
política efetiva de saúde reprodutiva é também um signo de radicalidade.
Nos anos 80,   o desafio era imprimir, nas concepções transformadoras
da saúde pública,   uma perspectiva de reconhecimento das mulheres
como sujeitos de direitos e portadoras de necessidade específicas. Hoje
trata-se de transformar o Estado -pressionando de fora e por dentro -
para adequar   suas formas de gestão e realizar   os investimentos
necessários nesta direção.    Isto não é tarefa trivial   em um contexto   -
como o brasileiro- em que a desigualdade social não foi alterada e, hoje,
setores poderosos da sociedade estão pondo em questão os princípios
de integralidade, equidade e universalidade os quais  fundamentam   as
premissas da   política de saúde hoje consubstanciadas no SUS.      
 
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[1] 
Na sua origem, no início da década de 80, o movimento se definiu como sendo um movimento
pela saúde da mulher, termonologia que, inclusive, permanece na denominação da política
pública em que foram traduizidas sua demandas, ou seja o PAISM- Programa de Assistência
Integral à Saúde das Mulheres. Entretanto, no anos 90 esta terminologia foi sendo
gradativamente substituída por saúde reprodutiva. Tal inflexão decorre da inserção do movimento
brasileiro no debate internacional e está cristalizada no nome da Rede Nacional por Saúde e
Direitos Reprodutivos. Entretanto, persiste no interior do movimento um debate inconcluso acerca
da adoção definitiva e ampla da terminologia “saúde reprodutiva”. No contexto deste artigo
optamos pela terminologia “saúde reprodutiva”, deixando claro que ela pode, ainda, significar
para as participantes do movimento saúde da mulher .
[2] 
Fica o desafio de interrogar   a falta de referencias conceituais mais sólidas para
analisar esta relação, assim como de avançar na   auto-reflexão das feministas sobre o que
tem sido a experiência de fazer a saúde e dos direitos reprodutivos uma agenda partidária.  
 
[3] 
Naquele momento,    uma contribuição fundamental   na construção da argumentação crítica
quanto ao controle populacional foi produzida por demográfos progressistas, com quem as
feministas estabeleceriam, desde então, um diálogo   fértil e consistente.
[4] 
Meta   que, entretanto,   nunca foi   implementada.
[5] Conversa informal com o Dr. Hélio Aguina 
ga ( 199 4).
[6] 
  No âmbito desta parceria uma referência fundamental tem sido a Professora Elza Berquó,
cujos aportes no contexto do movimento tem sido inestimáveis .
[7]   Em que desempenharam um papel fundamental Carmen Barroso, assim como o apoio do
International Women’s Heallth Coalition.
[8] Uma listagem, ainda incompleta,   incluiria   Eliana Ribeiro,   Ana Maria Costa, Ana Regina
Reis, Maria Helena Bottona, que   foram da coordenação nacional do PAISM quando de sua
formulação e, hoje Elcylene Leocádio.   Maria do Espírito Santo que ocupava   um cargo no
IINAMPS também à época inicial de elaboração do programa e Giselle Israel   na DIMED-
MS.   Maria José Araújo,   Tânia Lago, Lilian   Vidal , Cristina Boareto,  Albinéiar Plaza
Pinto,   Kátia Ratto, Márcia Camargo Sarah Sorrentino ,Tisuko Shirawa   que estiveram ou
estão   envolvidas com o   programa em níveis estaduais ou municipais.   No mundo acadêmico
e das ONGS, contam-se Simone Diniz,   Elizabeth Mellloni, Regina Barbosa, Wilza Villela,
Gislene Carvalho,   Marina Réa,  Silvia Cordeiro, Stella Aquino,   Sandra Valongueiro, Bertini
XXXX. Ana Lipcke foi da direção do CREMERJ-RJ durante cinco anos; Fátima Dourado foi
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher no Ceará e  Albertina Duarte tem tido
um papel fundamental no campo da saúde das/dos adolescentes. E, em nível  parlamentar,
estão Lúcia Souto (AL- RJ) e Jandira Feghali, deputada federal também pelo Rio de Janeiro.   
[9] São exemplos, entre muitas outras,   Maria José de Lima, Janine Schirman,   Vera Baroni, ,
Irotildes Gonçalves Ferreira.
[10] 
No primeiro caso são exemplos: Escola Paulista de Medicina (SP), CEMICAMP (Campinas),
Instituto Materno Infantil de Pernambuco, o Centro Integrado Amaury de Medeiros-FESP (PE),
Escola Nacional de Saúde Pública (RJ), Maternidade Assis Chateaubriand (CE). No segundo
podem ser enumerados os programas desenvolvidos pela CEPIA junto a Faculdade de
Mediciona da UFRJ e pelo Coletivo de Sexualidade e Saúde junto a centros formadores de São
Paulo. Uma última referência são cursos de curta duração inaugurados no NEPO-UNICAMP
em 1993 foram recentemente ampliados para o IMS-UERJ e o MUSA-UFBA
[11] 
Conselho nacional de Saúde, Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher; Conselhos
Estaduais e Municipais de Saúde.
[12] 
No primeiro caso, envolvimento formal da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia
juntamente com a Redesaude, Comissão de Cidadania e Reprodução, Católicas pelo Direito de
Decidir, CUT e UNE. No segundo participação ativa de feministas na iniciativa do Conselho
Federal de Medicina.
 
 
[13] 
As ilustrações, no primeiro caso,   são conhecidas: esposas e filhas que se elegem com base
no capital político de maridos, ex-maridos e pais. No segundo caso, o exemplo mais contundente
é, sem dúvida, o de Zélia Cardoso de Mello que conseguiu borrar inteiramente , e no mau
sentido, as fronteiras entre vida privada e responsabilidade pública.
[14] 
Projeto desenvolvido pela AVON, desde 1993, inicialmente em parceria com o Conselho
Estadual dos Direitos da Mulher de São Paulo. Desde então a iniciativa tem envolvido ativistas
de vários lugares do país e já sensibilizou/ capacitou cerca de   X   agentes de vendas
domiciliares.
[15] 
Um episódio significativo neste sentido foi a publicação de uma matéria sobre aborto no jornal
Repórter em 1979. O subgrupo do Ação Mulher, de Recife, que se ocupava de questões
reprodutivas escreveu uma carta para o jornal criticando a matéria. Esta carta longa foi publicada
com o título: "Cadê o pai do aborto?". O Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris, teve acesso ao
jornal e escreveu uma segunda carta apoiando a posição do Ação Mulher. Esta foi a primeira vez
que as duas autoras deste artigo estiveram juntas na esfera pública, enquanto Sonia Corrêa
integrava o grupo que escreveu a primeira carta, Betânia Ávila do grupo que fez a segunda carta.
[16] 
São exemplos os programas de rádio produzidos pelo SOS-Corpo entre os anos 1983 e 1986
em rádios AM do Recife; o projeto de rádio desenvolvido pela Cemina desde 1988 e o papel
desempenhado por Mara Régia em vários rádios de Brasília, também desde os meados da
década de 80.
[17] 
Numa palestra para os bolsistas da Fundação Mac Arthur, em 1995, o jornalista Gilberto
Dimenstein já anunciava que uma mudança de pauta ia ter lugar na grande imprensa escrita.
Segundo ele, os editores e diretores de jornais começavam a perceber que, em função da
consolidação democrática,   os temas até então dominantes na imprensa - política e economia -
precisavam ser equilibrados por conteúdos mais diretamente vinculados ao cotidianos do leitores.
Já naquela ocasião ele sugeria que bolsistas e pequisadores em saúde e direitos reprodutivos
ficassem atentos a esta inflexão e buscassem incidir de forma mais consistente sobre esta
terreno da esfera pública.
[18] 
  São exemplos: a   assessoria de comunicação estabelecida pelo SOS-Corpo em 1992,   o
projeto de monitoramento Aborto e Mídia, desenvolvido por Jacyra Mello em estreita
colaboração com a RNSDR, o boletim Olhar sobre a Mídia , elaborado pela Comissão de
Cidadania e Reprodução desde 1996; e muito recentemente o Seminário Mulher e Mídia de
que resultou uma publicação de excelente qualidade.
[19] 
São também exemplos: a Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher; o Conselho Nacional
de Direitos da Mulher, revitalizado a partir de 1994; a Comissão Nacional de População e
Desenvolvimento.
[20] 
Dras. Elcylene Leocádio e Janine Schirman no Ministério da Saúde; Dra. Tania Lago na
SES de São Paulo; Dra. Diana Valadares na SMS do Rio de Janeiro; Dra. Lilian Vidal na SES
de Pernambuco.

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