Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
a importância da escolha do que se quer observar. Se tudo é igualmente importante, não vemos
nada.
A comunicação com as famílias é outro aspecto da documentação que demanda
cuidados. Se dedicarmos tempo para elaborarmos instrumentos, faltará tempo para aprofundar
nos significados. É um problema dar muitas coisas às famílias sem priorizar a qualidade sobre a
quantidade. Como exemplos desse tipo de comunicação Davoli cita o calendário mensal
disponível para as famílias, painéis e espaços dedicados à participação das mesmas, e a agenda
diária, que, além de instrumento de comunicação, pode ser entendida como uma forma de
escrever a história de um grupo de crianças ou como instrumento da escrita diária do processo
vivido. Manter um registro ou notas das reuniões com as famílias, contendo tanto as
contribuições delas quanto as nossas, também é posto como importante pela autora.
Sobre as produções das crianças, em Reggio, algumas vão para casa uma vez por ano,
outras mantidas na escola durante os três anos, disponíveis nas prateleiras para crianças e
famílias. Há, logo, oportunidades de possibilitar encontros entre as crianças com suas produções
mais antigas, estabelecendo momentos de reflexão e aprendizagem a partir desses documentos.
Não há receita para documentar, a própria pessoa precisa organizar a maneira de
documentar a experiência, declarando “Isso é o que eu entendi, coletei, interpretei e escolhi”.
Por isso a mesma situação, se documentada por quatro pessoas diferentes, resultaria em quatro
experiências diferentes.
Sem a documentação nenhum processo pedagógico se consolida, pois ela serve para
reflexão e, se bem-feita, torna-se uma mina de recursos que mesmo depois de anos continua a
ser fonte de informação produtiva.
Quem documenta sempre cai na tentação de documentar tudo, mas é impossível; é
necessário fazer escolhas, pois a documentação tem um sentido externo, já que dá visibilidade
ao trabalho e identidade à escola, e um sentido interno, sendo útil aos indivíduos e grupos a fim
de estudar os processos vividos. A escolha, logo, pauta-se na seguinte questão: “da realidade, o
que escolho para destacar e transmitir a mensagem?”.
Podemos chamar especialistas quando são úteis, mas apenas os educadores podem se
encarregar da documentação de experiências e processos relacionados à educação de meninos e
meninas.
A documentação é um aspecto fundamental do trabalho do professor, já que uma das
suas finalidades é manter a memória do caminho percorrido e do que, frequentemente, nos
esquecemos. Também, ela representa um relatório ou, pelo menos, um primeiro passo para um
relatório; ela torna visível a escola ao exterior, tanto aos pais como aos professores, colegas de
outras escolas; ela oferece a oportunidade de falar sobre algo concreto, por isso é um exercício
útil para o desenvolvimento da empatia (ouvir opiniões dos demais sobre o que fazemos é um
ato necessário) e nos permite ver que tanto opiniões como evoluções são diferentes e
enriquecem o processo. Quando se pratica constantemente, a documentação serve ainda para ver
as diferenças entre as pessoas e para ver uma determinada pessoa evolui de forma diferente em
relação aos problemas.
Se da documentação participam os meninos e as meninas aparecem elementos
importantes sobre a vida dos pequenos que nos levam a entrar no campo do meta-conhecimento,
isto é, as crianças tornam-se conscientes do que estão fazendo e de sua evolução. Para elas a
documentação, além disso, permite melhorar a memória e a compreender o projeto. Há um
equívoco de que em Reggio criam-se pequenos artistas, porém eles expressam o que têm dentro:
trata-se de se expressar não apenas em termos de informações, como também, e especialmente,
em termos de emoções. Se tiverem acumulado muitas emoções sobre uma coisa em particular,
aparecem produções muito ricas.
Dolci disserta também sobre a técnica da documentação. Inicialmente, é importante
levar em conta o receptor da documentação: se são pais e mães que passam rapidamente pela
4
escola, as imagens devem ser grandes e com poucos comentários, se são professores, os detalhes
metodológicos são importantes.
A participação das crianças tem que ser, em primeiro lugar, organizada pelos
educadores, que recolhem os desenhos e demais materiais e depois solicitar a intervenção dos
meninos e meninas perguntando-lhes sobre o que fez ou pensou antes ou depois - mostrando
interesse sobre como foi procedendo em sua atividade. Quando as crianças espontaneamente
fazem algo que pode ser um embrião de documentação precisamos fazê-los perceber isso e
envolver os outros. É essencial que a criança saiba que a documentação é importante.
O autor também explica que em Reggio há três níveis de documentação: a simples
sequência temporal do que aconteceu (documentação “denotativa”), na qual o fio narrativo é
cronológico e constitui-se como uma lista dos diferentes momentos vividos, é indicada para
documentar um item, mas não para documentar um processo; a documentação na qual aparecem
teorias, hipóteses e pensamentos das crianças de maneira implícita; e a documentação na qual
não aparecem apenas os pensamentos e teorias das crianças, mas também os da escola, e, se
bem feita, transmite informações importantes sobre os porquês realizam-se determinadas
atividades, seus sentidos, etc. Não se trata, porém, de níveis de importância: cada um desses
níveis pode ser útil em alguns campos e também porque podem juntar-se e complementar-se, a
fim de ajudar a ter uma visão mais ampla dos processos.
Em Reggio é comum criar uma “declaração de intenções”, para pautar, no processo de
documentação, a escolha do foco. Porém quando percebe-se que a direção escolhida não é
produtiva é possível voltar atrás. Além disso, algumas vezes há situações que emergem e que
depois percebe-se que não são aquelas que estávamos procurando, e em outras a mesma
investigação nos leva a fazer descobertas inesperadas e surpreendentes, e que não têm a ver com
as nossas intenções iniciais.
episódios individuais, mas deve relacionar, em uma narrativa única e coerente, episódios
significativos de um projeto para o bem-estar das crianças e famílias.
No processo de documentar o cotidiano da escola, as pequenas coisas comuns tornam-se
extraordinárias, porque há alguém que as percebe, as registra e as torna memória para si mesmo
e para os outros. O objetivo, nesse sentido, é oferecer aos que passam pela instituição
testemunhos do valor da infância que tornem visíveis as competências e necessidades dos
meninos e meninas através dos pensamentos e palavras dos adultos que deles e delas cuidam. A
documentação deixa marcas permanentes do trabalho educativo e das experiências das crianças.
Trata-se, logo, de uma busca de sentido, que envolve crianças e adultos em busca de um
percurso de conhecimento recíproco, capaz de restaurar histórias comuns e compartilhadas, e de
ativar sensibilidades e consciências sobre o que as crianças sabem fazer.
A documentação, ainda, contribui para a criação de contextos educativos e acolhedores,
quando fala do valor da infância e não é apenas “atrativa” - mas rica em conteúdo. Ela é o
primeiro sinal por parte da escola da capacidade de colocar-se em sintonia com a necessidade
das famílias de conhecer a realidade da escola, isto é, de saber como está organizada e como se
apresenta às crianças, o que propõe e o que incentiva, quando inicia um diálogo permanente e
assim promove a participação. Viver um espaço significa senti-lo como próprio, como familiar,
para que não se constitua como um espaço anônimo.
É possível e necessário documentar para as crianças, para os professores, para as
famílias e para a comunidade.
Em relação às crianças, por meio da documentação, oferece-se a elas a oportunidade de
se dar conta de suas próprias conquistas e de melhor interiorizar a experiência vivida. Assim,
elas percebem que seu fazer é importante, já que dá forma e valor à identidade do grupo. A
documentação, nessa perspectiva, cria memória enfatizando o que cada criança contribuiu para
o grupo e também para própria individualidade e, quando percebe o clima emocional, repleto de
pequenas coisas que as crianças realizam juntas, oferece um presente a elas.
A documentação em relação aos professores contribui para a construção de
conhecimento através da experiência vivida e da reflexão sobre ela, pois é possível perceber o
que não funcionou e que poderia funcionar melhor. Nesse sentido, o processo de restituição dos
fatos não se finaliza com sua explicação, mas a partir do pensar, da discussão, favorecendo a
auto formação compartilhada pelo grupo e o crescimento profissional destes sujeitos.
Para documentar é necessário observar, e para implementar estratégias de observação é
necessário valorar os momentos de experiência do grupo. Ao transcrever o que fazem e dizem
as crianças, aprendendo sobre como elas são, os educadores aproximam-se delas. Essa atitude
de observação exige refletir sobre o material coletado, selecioná-lo e escolher as linguagens
mais eficazes para apresentá-lo. Desta maneira, além de os professores estarem capazes de
preparar experiências adequadas e material apropriado para despertar interesses, eles
compreendem melhor as preferências, ritmos e estilos de conhecer das crianças.
A documentação, em relação às famílias, contribui porque permite aos pais lerem
experiências do cotidiano que não veem, sentindo-se parte da experiência dos filhos e
interessarem-se pelo que acontece durante o tempo em que ficam na escola. Também, ela é
importante para compartilhar e reforçar elementos do projeto educativo, destacando a identidade
da escola.
Professores e educadores, ao documentar, fazem emergir também sua presença e
compartilham sua experiência didática, pois a documentação informa de maneira eficaz e
relevante sobre a experiência escolar sem limitar-se a ocasiões especiais ou diferentes, não se
reduzindo, sendo superficial ou inoportuna.
Documentar para a comunidade, por fim, torna o trabalho da escola transparente e
contribui para gerar um sentimento de pertencimento e adesão à escola e ao seu valor educativo,
já que fortalece as vozes das crianças, pais e dos educadores. Nesse processo, constrói-se a vida
da escola, que se constitui em grande valor para toda a comunidade. A documentação dá a cada
escola uma identidade, que reflete as pessoas que estão ali envolvidas e dá um sentido que
continuidade para os que ali trabalham.
8
- O conceito de andaimes ou estrutura de apoio (a maneira pela qual um sujeito mais competente
ajuda a criança a organizar seus próprios comportamentos e a participar nas sequências
interativas mais competentes;
- O conceito de formato ou moldura (formas estruturadas de interação social, propostas primeiro
pelos adultos e em seguida controlado pelas crianças);
- O conceito de zona de desenvolvimento próximo (Vygotsky);
- O conceito de conflito sócio cognitivo (conflito de comunicação que se estabelece entre
colegas mais ou menos competentes, e que promove o progresso cognitivo individual
produzindo uma mudança).
Assim, cada modelo organizativo e os projetos educacionais que eles envolvem estão
impregnados de teoria.
A qualidade de um projeto é alimentada com a capacidade de quem o prepara de
assumir a responsabilidade educativa de preparar os contextos capazes de acolher diferentes
pontos de vista e de reconhecer a cada protagonista a mesma dignidade de ser competente e
diferente. Também, exige-se flexibilidade e disponibilidade para mudança, além da confiança
nas potencialidades das crianças e de uma curiosidade em relação à qualidade e às
características das relações (inclusive aprofundando a capacidade de observar as interações
entre crianças de mesma idade e de diferentes idades, interações de duplas ou pequenos grupos,
e experiências cotidianas compartilhadas por todo o grupo).
O contexto, dessa maneira, deve ser adequado ao objetivo que se coloca, cabendo
levantar hipóteses, experimentar, interpretar a experiência com os novos elementos que surgem,
remodelar o projeto. Isto é, se se reconhece valor às interações entre crianças, o projeto de modo
que favoreça as relações e lhes dê suporte. Perguntar sobre quais elementos do contexto podem
intervir e como torná-lo capaz de corresponder aos anseios e às necessidades de exploração das
idades representadas é um exercício que exige que os educadores explicitem sobre as
necessidades de exploração e sobre os processos de conhecimento que caracterizam os
primeiros anos de vida.
A reconstrução narrativa do que acontece entre as crianças e com as crianças permite
que se consolidem os significados compartilhados e enquadramento cultural e de regras, onde os
significados tomam forma. Se a relação não se identifica com o simples contato, importa nos
atentar nas maneiras como os professores se relacionam com as crianças: estas devem levá-los
para além dos estereótipos e preconceitos relacionados à idade nas expectativas sobre os
comportamentos das crianças e nas atitudes educativas que devem ser assumidas.
Há a necessidade, desta forma, de uma reflexão sobre as responsabilidades do professor
no oferecimento de espaço para as relações entre crianças de idades diferentes, já que essas
diferenças requerem que o professor interaja com cada criança e com o grupo, considerando as
diferenças nos níveis de autonomia e às zonas de desenvolvimento próximo. É possível, desta
maneira, observar que as relações que se formam neste grupo expressam tanto um interesse pela
diversidade como uma capacidade precoce de reconhecimento das diferenças. Se o que temos é
uma forte consciência do valor da interação entre pares, o professor deve abandonar sua
centralidade e integrar-se às situações proporcionando espaço e tempo ao desejo de proximidade
e descoberta das crianças, mantendo sempre um olhar participativo e interessado capaz de
promover a evolução dos intercâmbios a níveis mais elevados de competência.
O potencial cognitivo e de exploração das crianças demanda contextos apropriados para
expressar-se, requerendo atenção e sensibilidade, além da renúncia deste papel de protagonismo
excessivo do professor. É importante que este coloque à disposição das crianças contextos
organizados para promover o encontro, a relação e o compartilhamento; isto é, assumindo a
responsabilidade por definir o contexto (onde, que grupo, que materiais, quando, para quê, quais
instrumentos de documentação). Isso não significa desistir da identificação dos objetivos, mas
ter a consciência de que processos individuais e interindividuais de desenvolvimento podem ser
diferentes, e que manter no centro a ideia das crianças como um recurso que enriquece e
complexifica positivamente, introduz leituras inesperadas das possibilidades oferecidas. O
percurso para direções não previstas pelo adulto pode ser um estímulo eficaz para a descoberta
de significados novos e originais.
10