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98 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

Esse autor argumenta que, em torno dos des cognitivo-sociais que lhes permitem reco-
12-14 meses, as crianças são capazes de com- nhecer a si mesmas e construir o “outro” como
preender e de usar signos lingüísticos, o que um ser intencional com crenças, pensamentos
é determinante para justificar que são capa- e sentimentos. A seguir, analisaremos esses me-
zes de conhecer o outro como um agente in- canismos e processos.
tencional. O uso de um símbolo implica uma
perspectiva particular do falante em referên-
cia ao objeto referido. Assim, quando um adul- JEROME S. BRUNER: OS FORMATOS
to e uma criança se compromentem juntos na DE ATENÇÃO E AÇÃO CONJUNTA
construção de uma torre, podem se referir a
seus elementos como “vermelho”, “grande”, Ao longo do primeiro ano de vida, as con-
“quadrado”, etc. A possibilidade de que a secuções infantis significam uma autêntica re-
criança se envolva ativamente comporta obri- volução. É verdade que, conforme foi mostra-
gatoriamente que seja capaz de especificar do amplamente no Capítulo 3, o bebê chega a
algo do foco de atenção do adulto. O surpreen- este mundo equipado com um conjunto de con-
dente é que, nessas idades, a criança mostra dutas que, de uma perspectiva etológica, per-
tal capacidade e responde de forma adequa- mite a ele se reconhecer em sua espécie e, ao
da ao símbolo empregado pelo adulto e, in- mesmo tempo, permite que a espécie o trate
clusive, é capaz de “reproduzi-lo em circuns- de modo que se incorpore às suas característi-
tâncias novas apropriadas” (Tomasello, 1995, cas mais específicas – a linguagem e o entendi-
p. 112), mostrando, assim, que também pode mento. No início deste capítulo, assinalamos
adotar uma perspectiva particular sobre o re- que a comunicação e a representação formam
ferente no qual ambos, adulto e bebê, com- uma unidade, de modo que é na atividade so-
partilham sua atenção. cialmente organizada que o bebê se constrói
Nesse sentido, Tomasello (1995) não acei- como pessoa e constrói aos demais. Provavel-
ta a dicotomia de Camaioni (1993) sobre a ação mente tenha sido Jerome S. Bruner quem me-
conjunta e a atenção conjunta e, mesmo acei- lhor mostrou esse processo.
tando a mesma explicação para as protodecla- No início da vida, o interesse infantil está
rativas, acredita que as proto-imperativas po- quase que exclusivamente centrado na intera-
dem ser explicadas como “uma tentativa da ção eu-você do tipo intersubjetividade primá-
criança não só para obter o objeto, mas tam- ria, mas logo se interessa também pelos obje-
bém para mudar as intenções do adulto” tos. Assim, por volta dos seis meses, o foco de
(Tomasello, 1995, p. 111). Esse autor acredi- atenção da díade adulto-criança diversifica-se
ta que o determinante no progresso da comu- enormemente, e, além da própria díade, o mun-
nicação é, portanto, a construção de uma nova do exterior – o dos objetos – exige um grande
habilidade sociocognitiva pelos bebês, segun- interesse e se incorpora à relação com os de-
do a qual podem perceber os demais como mais em interações eu-você-objeto do tipo in-
seres intencionais, e isso se expressa tanto nos tersubjetividade secundária: nessa idade, o
procedimentos imperativos – exigências de bebê é capaz de seguir o olhar da mãe – olhar
objeto – como nos declarativos – exigências para onde ela olha – e de utilizar o olhar como
de atenção. um índice díctico (“aquilo”, “isso”) para mos-
Definitivamente, esse autor se mostra trar que compartilha um tema. É o momento
mais interessado pelo estudo das modalidades em que o adulto e o bebê se envolvem conjun-
por meio das quais os adultos guiam e condu- tamente em uma série de brincadeiras que ado-
zem a tarefa comunicativa dos bebês do que tam a forma de rotinas, cujas variações são
pela invocação de mecanismos inatos que a tor- previsíveis por parte dos bebês. Bruner (1975,
nam possível. A questão é conhecer os meca- 1982, 1983) estudou esse período e utilizou o
nismos e os procedimentos mediante os quais termo de formato para descrever as caracterís-
as crianças progridem em algumas capacida- ticas desse tipo de interação social.
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Ratner e Bruner (1978), após estudarem Intersubjetividade e suporte*


a brincadeira de esconde-esconde (por exem-
plo, o adulto pergunta “onde está o bebê?”, As idéias que subjazem à noção de for-
ocultando o rosto e convidando a criança a mato se referem à intersubjetividade e ao su-
imitá-lo) em duas díades adulto-criança, pro- porte. Sobre a primeira, já dissemos alguma
põem que essas brincadeiras apresentem as se- coisa que analisaremos um pouco mais a se-
guintes características: guir; a segunda está relacionada com o con-
ceito vygotskiano de zona de desenvolvimen-
1. Limitam e tornam muito familiar o to proximal introduzido no Capítulo 1. Bruner
domínio semântico em que são em- acredita que um adulto e um bebê podem se
pregadas as diferentes produções do envolver conjuntamente em uma atividade –
adulto. isto é, fazer algo juntos –, porque entre ambos
2. Oferecem uma estrutura da tarefa existe intersubjetividade ou, em outras pala-
altamente previsível com claros mo- vras, porque ambos são capazes de reconhecer
mentos de corte ou “brechas”, nas suas próprias subjetividades e, portanto, “ler”
quais um e outro podem introduzir mutuamente suas intenções. Se isso não fosse
funcionalmente suas vocalizações. dessa maneira, seria impossível que ambos
3. Permitem papéis reversíveis aos par- participassem em situações rotineiras, pauta-
ticipantes, de modo que, nesse caso, das e seqüenciadas em que cada um faz o que
por exemplo, alguém pode esconder lhe cabe em relação ao outro para que a
um objeto e o outro fazê-lo reapare- interação se mantenha. Por exemplo, em uma
cer ou vice-versa. situação de “dar-e-pegar” (um passar uma bola
4. As tarefas envolvidas são muito ver- ao outro), basta simplesmente que um dos dois
sáteis, podendo incorporar elemen- estenda a mão para o objeto que está com o
tos e conteúdos diferentes. outro, ao mesmo tempo em que olha, para que
5. O clima da brincadeira evita qualquer se inicie o jogo de passá-la mutuamente. A in-
referência ao “castigo”, aos erros ou tenção de “querer brincar de passar um obje-
aos enganos infantis; enganar-se po- to” não se pode ver, não é translúcida, faz par-
de ser até divertido, por isso a situa- te da subjetividade de um dos participantes.
ção comporta sempre uma atitude No entanto, basta simplesmente um gesto,
positiva para a inovação. acompanhado do olhar e de uma vocalização
(por exemplo, um “venha” ou “me dá” do adul-
Inicialmente, Bruner aborda o estudo des- to) para que o bebê reconheça a intenção, e
sas situações, ou formatos, para compreender vice-versa. Além disso, não só há um reconhe-
seu papel no processo de aquisição da lingua- cimento intersubjetivo das intenções mútuas,
gem e, no final, no progresso das habilidades como também, dadas as características des-
comunicativas. Concretamente, o autor se in- sas situações – repetitivas, seqüenciadas, re-
teressa por elas, porque, do seu ponto de vista, versíveis, etc. –, ambos sabem “tudo” o que
nesses formatos ou “microcosmos” da cultura, acontecerá posteriormente e, portanto, “como
as relações sociais estão em consonância com devem agir” para que a situação progrida e
os usos da linguagem no discurso. No entanto, não seja interrompida.
seu próprio ponto de vista foi se modificando, Da mesma forma que disse Tomasello
e, ainda mantendo essa posição, acrescenta (1995), adulto e bebê podem se envolver con-
que, além disso, os formatos servem para cons-
truir conjuntamente um “fundo de conhecimen-
to” entre o adulto e a criança, que permite a
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esta operar em uma cultura determinada N. de R.T. Andamiaje no original, que também sig-
(Bruner, 1998). nifica andaime.
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juntamente nessas atividades, porque o bebê adulto criou, controlou e dirigiu uma situação,
não só construiu sua própria subjetividade e, sempre a mesma, que o bebê, depois de parti-
portanto, já é um ser com intenções, como tam- cipar dela inúmeras vezes, já é capaz de “reco-
bém construiu o outro como um ser subjetivo nhecer” de forma global, de modo que, como
e, portanto, com intenções. O mais notável é já dissemos, conhece seus diferentes segmen-
que por volta de 12 meses, além de se conhe- tos, sua seqüência – o que vai primeiro, o que
cerem mutuamente assim, ambos são capazes vai depois e assim sucessivamente –, suas bre-
de “ler” intersubjetivamente suas intenções e chas e, portanto, os momentos em que pode
de agir de acordo com ela. agir, etc. Isso significa que, em relação ao exem-
Isso nos leva ao nosso segundo ponto de plo proposto, em um período de seis meses, o
discussão: o suporte. Se pegarmos novamente adulto e o bebê se envolvem conjuntamente
o exemplo de “dar-e-pegar” e estudarmos sua em uma profunda negociação de procedimen-
origem e evolução, observamos que em torno tos para realizar juntos uma atividade – nesse
de seis meses, quando o bebê começa a se inte- caso, o “dar-e-pegar”. Procedimentos arbitrá-
ressar pelos objetos, os adultos iniciam um ri- rios e convencionais e, portanto, culturais, que
tual que consiste em “ensinar” ao bebê que pode além da comunicação permitem que o bebê
ser um receptor de objetos. Concretamente, tenha acesso à subjetividade do adulto, que,
mostram-lhe um objeto, o agitam diante dele de forma mais inconsciente do que consciente,
e o estendem, ao mesmo tempo em que fazem tem um plano para incorporá-lo à comunida-
produções como “pegue-o”, “é seu” e outras se- de cultural à qual pertence.
melhantes, que normalmente acabam com o Intersubjetividade e suporte são duas fa-
adulto colocando o objeto na mão do bebê. Essa ces da mesma moeda. Graças a ambas as no-
situação se repete inúmeras vezes, de forma ções e ao veículo que as concretiza, o formato,
que, dois ou três meses depois, basta que o o bebê aprende a se comportar de forma situa-
adulto estenda o objeto ao bebê para que este da, que é, definitivamente, a característica mais
estenda o braço e pegue-o. É o momento em importante do comportamento cultural. Bruner
que o adulto faz com que seu partenaire saiba (1998, p. 125), dessa perspectiva, estende a
que também pode ser um agente da ação, e, noção de formato para além das brincadeiras
portanto, seus esforços se dirigem para conse- e fala da hora de comer, de ir para a cama, das
guir que, uma vez que o bebê tenha o objeto situações de boas-vindas ou de despedida, etc.
em sua mão, o passe a ele. As produções mu-
dam e se transformam em “me dá”, “passe-me”, Esses formatos oferecem facilmente à mãe
“é meu” e semelhantes, além de estender a mão e à criança oportunidades para tornar ex-
aberta e olhar diretamente para o bebê. Inicial- plícito o que têm em suas “mentes”. Em
mente, a situação costuma terminar com o adul- um sentido de futuro, também oferecem à
mãe um veículo (tanto utilizando-o como
to pegando o objeto da mão do bebê. Esse ritu-
não) para tornar explícito aquilo que a
al, repetido inúmeras vezes, termina próximo cultura pede. Mais tarde, definitivamen-
dos 12 meses, quando aparece o “dar-e-pegar” te, o que as pessoas acabam fazendo em
no sentido estrito, de modo que ambos brin- um escritório do correio é se comportar e
cam de passar um objeto de um para o outro. pensar no escritório do correio. O escritó-
Nesse momento, o adulto já pode retirar o “an- rio do correio também é um formato.
daime” que havia montado para dar suporte à
aprendizagem do bebê: ele já não precisa pe- A citação ilustra o pensamento desse au-
gar a bola da mão do bebê, nem sequer precisa tor, que, sem dúvida alguma, considera que,
pedi-la verbalmente. Interiorizada a situação além das capacidades iniciais do bebê no mo-
pelo bebê graças a todos os apoios iniciais do mento do nascimento, o que se constrói, gra-
adulto, tais apoios já não são necessários; ter- ças à maneira como o adulto dá suporte aos
minada a construção, o andaime é retirado. O comportamentos no âmbito da interação so-
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cial, é uma aprendizagem sobre como se com- Por exemplo, um dos formatos mais es-
portar de forma adaptada em um contexto si- tudados é o que se conhece como “leitura de
tuado culturalmente. livros”. Esse formato consiste em que, conjun-
tamente, adulto e criança prestem atenção em
um grupo de imagens que, em nossa cultura,
O fundo de conhecimento cultural costuma ser comercializado em forma de li-
vro com grandes ilustrações coloridas nas
Não resta dúvida de que tudo o que já quais aparecem cenas de nossa vida cotidia-
sabemos sobre os formatos nos leva a pensar na ou uma coleção de objetos como animais,
que são um espaço privilegiado para o pro- brinquedos, pessoas, etc. A “leitura de livros”
gresso da comunicação e da representação e, é um formato que consiste em um vocativo
de maneira concreta, para o aparecimento da de atenção (“Ei, olhe, olhe...!”) para atrair a
linguagem, que emerge no âmbito da comu- atenção do partenaire para uma imagem ou
nicação por meio de um processo de substi- desenho e, após a olhada, uma pergunta do
tuição de procedimentos, processo no qual a tipo “o que” (“o que é isto?”), seguido de uma
linguagem será reconhecida como a mais efi- vocalização da criança (desde um “mmm”, até
caz e econômica para anunciar e cumprir as um “tato” ou até um mais acabado “gato”,
intenções infantis. No entanto, como acaba- conforme a idade) e um feedback do tipo:
mos de ver, Bruner (1983, 1998) vai mais lon- “Muito bem; sim, sim, é um gato” ou algo se-
ge e propõe que, por meio dos formatos, o melhante. Ninio e Bruner (1978) estudaram
bebê constrói também uma interpretação da essa situação e a relacionaram com a incor-
comunidade cultural à qual pertence, compar- poração da designação, isto é, dos rótulos com
tilhada com as pessoas adultas, graças ao es- que nomeamos a realidade e suas caracterís-
tabelecimento de um “fundo de conhecimen- ticas (nomes, adjetivos, verbos, etc.). O mes-
to” comum que o habilita para se adaptar e se mo Bruner (1998, p. 126) diz que:
comportar socialmente.
Seguidor de uma boa parte das idéias e [...] no plano superficial, a negociação era
intuições de Vygostky, Bruner postula que o sobre como se devia rotular uma coisa.
bebê se constrói como pessoa graças ao fato Mais profundamente, a negociação foi so-
de os adultos o tratarem como tal desde o iní- bre como as coisas denominadas devem
cio de sua vida. Isso significa que o adulto, os ser situadas, em qual fundo de conheci-
demais e a sociedade se envolvem com o bebê mento estabelecido e compartilhado.
em um processo de negociação ativa para que
construa um mundo compartilhado com a co- Concretamente, Bruner exemplifica essa
munidade. Conforme vimos, os adultos incen- afirmação dizendo que, uma vez que a criança
tivam os bebês a fazerem um determinado tipo é capaz de rotular corretamente após uma per-
de coisas com os objetos, a repetirem as con- gunta do tipo “o que é isto?”, o adulto diversifi-
dutas que antes eles fizeram, a experimenta- ca suas perguntas e passa a fazer perguntas como
rem um determinado tipo de emoções em fun- “o que faz?”, “onde está?”, “o que tem?”, etc.
ção da situação ou daquilo que acaba de acon- Isto é, uma vez compartilhado o foco de aten-
tecer ou a compartilharem pontos de vista so- ção e estabelecido o fundo de conhecimento, o
bre o mundo físico e social. Nas palavras de adulto o amplia na forma de comentários para
Bruner, adultos e bebês constroem conjunta- introduzir características ou propriedades e com-
mente, assim, uma microcultura. Em outros ter- partilhar outros contextos. Os adultos, diz
mos, o formato não serve só para ser incorpo- Bruner (1998), chegam até a imaginar um sis-
rado à linguagem – algo muito importante e tema para determinar o que já é conhecido por
decisivo para a adaptação cultural –, mas tam- ambos, o que faz parte de seu fundo de conhe-
bém para “institucionalizar” uma visão com- cimento compartilhado, e aquilo que é novo e,
partilhada do mundo. portanto, desconhecido para a criança. Por
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exemplo, usam perguntas “o que é isto?” em apóiam esse ponto de vista, pois, muito antes
tom descendente quando sabem que seu filho que a hipotética função simbólica apareça, as
conhece a resposta e em tom ascendente quan- crianças realizam usos lingüísticos que, evi-
do querem que ele entenda o novo rótulo. dentemente, não funcionam como símbolos,
As idéias de Jerome Bruner sobre os for- embora funcionem como signos. Uma posição
matos mostram como os adultos agem em re- que explique o aparecimento da linguagem em
lação às capacidades infantis e as estendem, uma linha de continuidade com o desenvolvi-
de modo que possibilitam que as crianças se mento comunicativo parece mais plausível do
incorporem à comunidade cultural à qual per- que a hipótese cognitiva.
tencem e se adaptem a ela. Provavelmente, Vimos como o adulto e a criança se en-
como diz Tomasello (1995), o estudo dos mo- volvem conjuntamente em atividades desde o
dos de interação adulto-criança traz mais luz ínicio da vida e como, nessas atividades, am-
para compreender como, pouco a pouco, o bebê bos se comprometem em uma negociação pro-
se constrói como um ser intencional e, ao mes- funda e ativa de procedimentos que permitem
mo tempo, constrói o outro também como in- levar a interação para um bom caminho. Como
tencional, do que invocar mecanismos inatos já sabemos, o que negociam é como mostrar
que permitem em um momento do desenvol- suas intenções, como saber até que ponto são
vimento “ler” a mente dos demais. reconhecidas pelo outro, etc. Inicialmente, o
bebê emprega o repertório de condutas com o
qual chega a este mundo (choro, sorriso, olhar,
O APARECIMENTO DA LINGUAGEM etc.), mas pouco a pouco vai incorporando ges-
tos mais arbitrários e, portanto, mais culturais,
Comunicação e representação se consoli- como, por exemplo, a sinalização. Isso é possí-
dam na linguagem. Ao longo do capítulo, vi- vel porque, como vimos, o adulto apresenta
mos como alguns autores (Bruner, 1983; situações pautadas, segmentadas, seqüencia-
Tomasello, 1995, 1996) que se interessam por das, etc., que se repetem várias vezes, de modo
ambas as capacidades consideram que o apa- que o bebê tem centenas de oportunidades para
recimento da linguagem representa um marco observar tanto as conseqüências de seus atos
no desenvolvimento de ambas. De fato, histo- como as dos demais e sempre em relação com
ricamente também foi assim, e Piaget, por o mesmo pano de fundo.
exemplo, entende o aparecimento da lingua- O aparecimento da sinalização é um bom
gem como a expressão da função simbólica ou exemplo. Perto dos seis meses, o bebê se inte-
semiótica (Piaget e Inhelder, 1969). Para este ressa pelos objetos e, entre outras coisas, pre-
autor, a linguagem é representação, da mes- tende pegá-los. Para isso, utiliza o “gesto de
ma forma que outras condutas – imitação alcançar”, que consiste em, estando sentado,
diferida, jogo simbólico, imagem e desenho –, esticar-se na direção do objeto, com o olhar
e aparece, junto com as outras, no final do fixo nele, os dois braços estendidos e as mãos
estágio sensório-motor, quando a criança con- abertas. Se não alcança o objeto, e o adulto
segue separar a forma geral de um esquema considera que pode tê-lo, a seqüência conti-
de ação de seu conteúdo particular, surgindo, nua com o adulto aproximando o objeto do
então, a função simbólica como capacidade bebê. Mas para isso tratou o “gesto de alcan-
cognitiva que permite todas essas condutas çar” como se fosse intencional: o adulto pres-
simbólicas (ver sobre isso a exposição feita supõe que o bebê quer o objeto e que tal gesto
no Capítulo 3). Para Piaget, o aparecimento é um sinal, dizendo coisas como, “claro, vou
da linguagem tem pouco a ver com a comuni- dá-lo a você”, ao mesmo tempo em que o mos-
cação, refletindo exclusivamente o desenvol- tra e em seguida, pega-o e o entrega. Passam-
vimento cognitivo da criança, por mais que se poucos meses, e o bebê estiliza seu “gesto
seu aparecimento melhore notavelmente as de alcançar”: mantém as costas retas, um bra-
capacidades cognitivas e comunicativas do ço ele mantém estendido, enquanto o outro fica
bebê. Os dados empíricos disponíveis não mais retraído, e, além disso, aparece uma mu-

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