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Esse autor argumenta que, em torno dos des cognitivo-sociais que lhes permitem reco-
12-14 meses, as crianças são capazes de com- nhecer a si mesmas e construir o “outro” como
preender e de usar signos lingüísticos, o que um ser intencional com crenças, pensamentos
é determinante para justificar que são capa- e sentimentos. A seguir, analisaremos esses me-
zes de conhecer o outro como um agente in- canismos e processos.
tencional. O uso de um símbolo implica uma
perspectiva particular do falante em referên-
cia ao objeto referido. Assim, quando um adul- JEROME S. BRUNER: OS FORMATOS
to e uma criança se compromentem juntos na DE ATENÇÃO E AÇÃO CONJUNTA
construção de uma torre, podem se referir a
seus elementos como “vermelho”, “grande”, Ao longo do primeiro ano de vida, as con-
“quadrado”, etc. A possibilidade de que a secuções infantis significam uma autêntica re-
criança se envolva ativamente comporta obri- volução. É verdade que, conforme foi mostra-
gatoriamente que seja capaz de especificar do amplamente no Capítulo 3, o bebê chega a
algo do foco de atenção do adulto. O surpreen- este mundo equipado com um conjunto de con-
dente é que, nessas idades, a criança mostra dutas que, de uma perspectiva etológica, per-
tal capacidade e responde de forma adequa- mite a ele se reconhecer em sua espécie e, ao
da ao símbolo empregado pelo adulto e, in- mesmo tempo, permite que a espécie o trate
clusive, é capaz de “reproduzi-lo em circuns- de modo que se incorpore às suas característi-
tâncias novas apropriadas” (Tomasello, 1995, cas mais específicas – a linguagem e o entendi-
p. 112), mostrando, assim, que também pode mento. No início deste capítulo, assinalamos
adotar uma perspectiva particular sobre o re- que a comunicação e a representação formam
ferente no qual ambos, adulto e bebê, com- uma unidade, de modo que é na atividade so-
partilham sua atenção. cialmente organizada que o bebê se constrói
Nesse sentido, Tomasello (1995) não acei- como pessoa e constrói aos demais. Provavel-
ta a dicotomia de Camaioni (1993) sobre a ação mente tenha sido Jerome S. Bruner quem me-
conjunta e a atenção conjunta e, mesmo acei- lhor mostrou esse processo.
tando a mesma explicação para as protodecla- No início da vida, o interesse infantil está
rativas, acredita que as proto-imperativas po- quase que exclusivamente centrado na intera-
dem ser explicadas como “uma tentativa da ção eu-você do tipo intersubjetividade primá-
criança não só para obter o objeto, mas tam- ria, mas logo se interessa também pelos obje-
bém para mudar as intenções do adulto” tos. Assim, por volta dos seis meses, o foco de
(Tomasello, 1995, p. 111). Esse autor acredi- atenção da díade adulto-criança diversifica-se
ta que o determinante no progresso da comu- enormemente, e, além da própria díade, o mun-
nicação é, portanto, a construção de uma nova do exterior – o dos objetos – exige um grande
habilidade sociocognitiva pelos bebês, segun- interesse e se incorpora à relação com os de-
do a qual podem perceber os demais como mais em interações eu-você-objeto do tipo in-
seres intencionais, e isso se expressa tanto nos tersubjetividade secundária: nessa idade, o
procedimentos imperativos – exigências de bebê é capaz de seguir o olhar da mãe – olhar
objeto – como nos declarativos – exigências para onde ela olha – e de utilizar o olhar como
de atenção. um índice díctico (“aquilo”, “isso”) para mos-
Definitivamente, esse autor se mostra trar que compartilha um tema. É o momento
mais interessado pelo estudo das modalidades em que o adulto e o bebê se envolvem conjun-
por meio das quais os adultos guiam e condu- tamente em uma série de brincadeiras que ado-
zem a tarefa comunicativa dos bebês do que tam a forma de rotinas, cujas variações são
pela invocação de mecanismos inatos que a tor- previsíveis por parte dos bebês. Bruner (1975,
nam possível. A questão é conhecer os meca- 1982, 1983) estudou esse período e utilizou o
nismos e os procedimentos mediante os quais termo de formato para descrever as caracterís-
as crianças progridem em algumas capacida- ticas desse tipo de interação social.
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juntamente nessas atividades, porque o bebê adulto criou, controlou e dirigiu uma situação,
não só construiu sua própria subjetividade e, sempre a mesma, que o bebê, depois de parti-
portanto, já é um ser com intenções, como tam- cipar dela inúmeras vezes, já é capaz de “reco-
bém construiu o outro como um ser subjetivo nhecer” de forma global, de modo que, como
e, portanto, com intenções. O mais notável é já dissemos, conhece seus diferentes segmen-
que por volta de 12 meses, além de se conhe- tos, sua seqüência – o que vai primeiro, o que
cerem mutuamente assim, ambos são capazes vai depois e assim sucessivamente –, suas bre-
de “ler” intersubjetivamente suas intenções e chas e, portanto, os momentos em que pode
de agir de acordo com ela. agir, etc. Isso significa que, em relação ao exem-
Isso nos leva ao nosso segundo ponto de plo proposto, em um período de seis meses, o
discussão: o suporte. Se pegarmos novamente adulto e o bebê se envolvem conjuntamente
o exemplo de “dar-e-pegar” e estudarmos sua em uma profunda negociação de procedimen-
origem e evolução, observamos que em torno tos para realizar juntos uma atividade – nesse
de seis meses, quando o bebê começa a se inte- caso, o “dar-e-pegar”. Procedimentos arbitrá-
ressar pelos objetos, os adultos iniciam um ri- rios e convencionais e, portanto, culturais, que
tual que consiste em “ensinar” ao bebê que pode além da comunicação permitem que o bebê
ser um receptor de objetos. Concretamente, tenha acesso à subjetividade do adulto, que,
mostram-lhe um objeto, o agitam diante dele de forma mais inconsciente do que consciente,
e o estendem, ao mesmo tempo em que fazem tem um plano para incorporá-lo à comunida-
produções como “pegue-o”, “é seu” e outras se- de cultural à qual pertence.
melhantes, que normalmente acabam com o Intersubjetividade e suporte são duas fa-
adulto colocando o objeto na mão do bebê. Essa ces da mesma moeda. Graças a ambas as no-
situação se repete inúmeras vezes, de forma ções e ao veículo que as concretiza, o formato,
que, dois ou três meses depois, basta que o o bebê aprende a se comportar de forma situa-
adulto estenda o objeto ao bebê para que este da, que é, definitivamente, a característica mais
estenda o braço e pegue-o. É o momento em importante do comportamento cultural. Bruner
que o adulto faz com que seu partenaire saiba (1998, p. 125), dessa perspectiva, estende a
que também pode ser um agente da ação, e, noção de formato para além das brincadeiras
portanto, seus esforços se dirigem para conse- e fala da hora de comer, de ir para a cama, das
guir que, uma vez que o bebê tenha o objeto situações de boas-vindas ou de despedida, etc.
em sua mão, o passe a ele. As produções mu-
dam e se transformam em “me dá”, “passe-me”, Esses formatos oferecem facilmente à mãe
“é meu” e semelhantes, além de estender a mão e à criança oportunidades para tornar ex-
aberta e olhar diretamente para o bebê. Inicial- plícito o que têm em suas “mentes”. Em
mente, a situação costuma terminar com o adul- um sentido de futuro, também oferecem à
mãe um veículo (tanto utilizando-o como
to pegando o objeto da mão do bebê. Esse ritu-
não) para tornar explícito aquilo que a
al, repetido inúmeras vezes, termina próximo cultura pede. Mais tarde, definitivamen-
dos 12 meses, quando aparece o “dar-e-pegar” te, o que as pessoas acabam fazendo em
no sentido estrito, de modo que ambos brin- um escritório do correio é se comportar e
cam de passar um objeto de um para o outro. pensar no escritório do correio. O escritó-
Nesse momento, o adulto já pode retirar o “an- rio do correio também é um formato.
daime” que havia montado para dar suporte à
aprendizagem do bebê: ele já não precisa pe- A citação ilustra o pensamento desse au-
gar a bola da mão do bebê, nem sequer precisa tor, que, sem dúvida alguma, considera que,
pedi-la verbalmente. Interiorizada a situação além das capacidades iniciais do bebê no mo-
pelo bebê graças a todos os apoios iniciais do mento do nascimento, o que se constrói, gra-
adulto, tais apoios já não são necessários; ter- ças à maneira como o adulto dá suporte aos
minada a construção, o andaime é retirado. O comportamentos no âmbito da interação so-
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.1 101
cial, é uma aprendizagem sobre como se com- Por exemplo, um dos formatos mais es-
portar de forma adaptada em um contexto si- tudados é o que se conhece como “leitura de
tuado culturalmente. livros”. Esse formato consiste em que, conjun-
tamente, adulto e criança prestem atenção em
um grupo de imagens que, em nossa cultura,
O fundo de conhecimento cultural costuma ser comercializado em forma de li-
vro com grandes ilustrações coloridas nas
Não resta dúvida de que tudo o que já quais aparecem cenas de nossa vida cotidia-
sabemos sobre os formatos nos leva a pensar na ou uma coleção de objetos como animais,
que são um espaço privilegiado para o pro- brinquedos, pessoas, etc. A “leitura de livros”
gresso da comunicação e da representação e, é um formato que consiste em um vocativo
de maneira concreta, para o aparecimento da de atenção (“Ei, olhe, olhe...!”) para atrair a
linguagem, que emerge no âmbito da comu- atenção do partenaire para uma imagem ou
nicação por meio de um processo de substi- desenho e, após a olhada, uma pergunta do
tuição de procedimentos, processo no qual a tipo “o que” (“o que é isto?”), seguido de uma
linguagem será reconhecida como a mais efi- vocalização da criança (desde um “mmm”, até
caz e econômica para anunciar e cumprir as um “tato” ou até um mais acabado “gato”,
intenções infantis. No entanto, como acaba- conforme a idade) e um feedback do tipo:
mos de ver, Bruner (1983, 1998) vai mais lon- “Muito bem; sim, sim, é um gato” ou algo se-
ge e propõe que, por meio dos formatos, o melhante. Ninio e Bruner (1978) estudaram
bebê constrói também uma interpretação da essa situação e a relacionaram com a incor-
comunidade cultural à qual pertence, compar- poração da designação, isto é, dos rótulos com
tilhada com as pessoas adultas, graças ao es- que nomeamos a realidade e suas caracterís-
tabelecimento de um “fundo de conhecimen- ticas (nomes, adjetivos, verbos, etc.). O mes-
to” comum que o habilita para se adaptar e se mo Bruner (1998, p. 126) diz que:
comportar socialmente.
Seguidor de uma boa parte das idéias e [...] no plano superficial, a negociação era
intuições de Vygostky, Bruner postula que o sobre como se devia rotular uma coisa.
bebê se constrói como pessoa graças ao fato Mais profundamente, a negociação foi so-
de os adultos o tratarem como tal desde o iní- bre como as coisas denominadas devem
cio de sua vida. Isso significa que o adulto, os ser situadas, em qual fundo de conheci-
demais e a sociedade se envolvem com o bebê mento estabelecido e compartilhado.
em um processo de negociação ativa para que
construa um mundo compartilhado com a co- Concretamente, Bruner exemplifica essa
munidade. Conforme vimos, os adultos incen- afirmação dizendo que, uma vez que a criança
tivam os bebês a fazerem um determinado tipo é capaz de rotular corretamente após uma per-
de coisas com os objetos, a repetirem as con- gunta do tipo “o que é isto?”, o adulto diversifi-
dutas que antes eles fizeram, a experimenta- ca suas perguntas e passa a fazer perguntas como
rem um determinado tipo de emoções em fun- “o que faz?”, “onde está?”, “o que tem?”, etc.
ção da situação ou daquilo que acaba de acon- Isto é, uma vez compartilhado o foco de aten-
tecer ou a compartilharem pontos de vista so- ção e estabelecido o fundo de conhecimento, o
bre o mundo físico e social. Nas palavras de adulto o amplia na forma de comentários para
Bruner, adultos e bebês constroem conjunta- introduzir características ou propriedades e com-
mente, assim, uma microcultura. Em outros ter- partilhar outros contextos. Os adultos, diz
mos, o formato não serve só para ser incorpo- Bruner (1998), chegam até a imaginar um sis-
rado à linguagem – algo muito importante e tema para determinar o que já é conhecido por
decisivo para a adaptação cultural –, mas tam- ambos, o que faz parte de seu fundo de conhe-
bém para “institucionalizar” uma visão com- cimento compartilhado, e aquilo que é novo e,
partilhada do mundo. portanto, desconhecido para a criança. Por
102 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.
exemplo, usam perguntas “o que é isto?” em apóiam esse ponto de vista, pois, muito antes
tom descendente quando sabem que seu filho que a hipotética função simbólica apareça, as
conhece a resposta e em tom ascendente quan- crianças realizam usos lingüísticos que, evi-
do querem que ele entenda o novo rótulo. dentemente, não funcionam como símbolos,
As idéias de Jerome Bruner sobre os for- embora funcionem como signos. Uma posição
matos mostram como os adultos agem em re- que explique o aparecimento da linguagem em
lação às capacidades infantis e as estendem, uma linha de continuidade com o desenvolvi-
de modo que possibilitam que as crianças se mento comunicativo parece mais plausível do
incorporem à comunidade cultural à qual per- que a hipótese cognitiva.
tencem e se adaptem a ela. Provavelmente, Vimos como o adulto e a criança se en-
como diz Tomasello (1995), o estudo dos mo- volvem conjuntamente em atividades desde o
dos de interação adulto-criança traz mais luz ínicio da vida e como, nessas atividades, am-
para compreender como, pouco a pouco, o bebê bos se comprometem em uma negociação pro-
se constrói como um ser intencional e, ao mes- funda e ativa de procedimentos que permitem
mo tempo, constrói o outro também como in- levar a interação para um bom caminho. Como
tencional, do que invocar mecanismos inatos já sabemos, o que negociam é como mostrar
que permitem em um momento do desenvol- suas intenções, como saber até que ponto são
vimento “ler” a mente dos demais. reconhecidas pelo outro, etc. Inicialmente, o
bebê emprega o repertório de condutas com o
qual chega a este mundo (choro, sorriso, olhar,
O APARECIMENTO DA LINGUAGEM etc.), mas pouco a pouco vai incorporando ges-
tos mais arbitrários e, portanto, mais culturais,
Comunicação e representação se consoli- como, por exemplo, a sinalização. Isso é possí-
dam na linguagem. Ao longo do capítulo, vi- vel porque, como vimos, o adulto apresenta
mos como alguns autores (Bruner, 1983; situações pautadas, segmentadas, seqüencia-
Tomasello, 1995, 1996) que se interessam por das, etc., que se repetem várias vezes, de modo
ambas as capacidades consideram que o apa- que o bebê tem centenas de oportunidades para
recimento da linguagem representa um marco observar tanto as conseqüências de seus atos
no desenvolvimento de ambas. De fato, histo- como as dos demais e sempre em relação com
ricamente também foi assim, e Piaget, por o mesmo pano de fundo.
exemplo, entende o aparecimento da lingua- O aparecimento da sinalização é um bom
gem como a expressão da função simbólica ou exemplo. Perto dos seis meses, o bebê se inte-
semiótica (Piaget e Inhelder, 1969). Para este ressa pelos objetos e, entre outras coisas, pre-
autor, a linguagem é representação, da mes- tende pegá-los. Para isso, utiliza o “gesto de
ma forma que outras condutas – imitação alcançar”, que consiste em, estando sentado,
diferida, jogo simbólico, imagem e desenho –, esticar-se na direção do objeto, com o olhar
e aparece, junto com as outras, no final do fixo nele, os dois braços estendidos e as mãos
estágio sensório-motor, quando a criança con- abertas. Se não alcança o objeto, e o adulto
segue separar a forma geral de um esquema considera que pode tê-lo, a seqüência conti-
de ação de seu conteúdo particular, surgindo, nua com o adulto aproximando o objeto do
então, a função simbólica como capacidade bebê. Mas para isso tratou o “gesto de alcan-
cognitiva que permite todas essas condutas çar” como se fosse intencional: o adulto pres-
simbólicas (ver sobre isso a exposição feita supõe que o bebê quer o objeto e que tal gesto
no Capítulo 3). Para Piaget, o aparecimento é um sinal, dizendo coisas como, “claro, vou
da linguagem tem pouco a ver com a comuni- dá-lo a você”, ao mesmo tempo em que o mos-
cação, refletindo exclusivamente o desenvol- tra e em seguida, pega-o e o entrega. Passam-
vimento cognitivo da criança, por mais que se poucos meses, e o bebê estiliza seu “gesto
seu aparecimento melhore notavelmente as de alcançar”: mantém as costas retas, um bra-
capacidades cognitivas e comunicativas do ço ele mantém estendido, enquanto o outro fica
bebê. Os dados empíricos disponíveis não mais retraído, e, além disso, aparece uma mu-