Você está na página 1de 20

AdIi- Psiicdógia (1982).

1/2(lll): 47-66

Sobre a concepção de vinculaçao

JORGE BENTO PINTO (*)

1. INTRODUÇÃO o que tem uma importância grande para o


contacto com o outro. Ela surge como parte
A infância volta a estar novamente no de um diálogo i n t e r p o a l , embora tenha
centro das atenções de muitos psic6logos ei sido sobretudo estudada isoladamente.
das pessoas em geral. Muitas razões contri- Um outro aspecto extremamente interes-
buíram para este interesse renovado, mas sante é a transformação do bebé (que, na
limitar-nos-emos a enunciar algumas que concepção clássica, seria um ser apenas bio-
particularmente nos interessam. 16gico) em ser social no curto período do
1. Tem-seacentuado, nos últimos tempos, primeiro e segundo anos de vida, através
a importância do estudo do desenvolvimento da capacidade de utilização de uma ((lingua-
como possibilidade de nos fazer entender gem» eficaz na relação com o outro. Tal
melhor o comportamento no seu geral. Para
tal, uma parte substancial do estudo recai
como Schaffer evidencia e), este desenvol-
vimento da sociabilidade tem uma grande
sobre a criança, não a da idade pré-escolar importância no desenvolvimento cugnitivo
e escolar, mas da criança bebé.
do bebé.
Este novo olhar sobre a criança, assente
em estudos rigorosos, vem trazer, ti luz do Assim, se o bebé (e a criança) é um ser
dia, fictos que nos obrigam a rever con- actuante, que interage com os outros, a con-
cepções anteriores. fi o caso da constatação cepção clássica de ((infância)), como etapa
de que o bebé possui um aparelho perceptivo para a vida adulta, deve ser abandonada e),
já com uma certa organização, embora dis- e passar a ser entendida como uma realidade
tinto do do adulto. Um outro facto eviden- e uma época em si mesma, quer para os
ciado foi o de o bebé nascer com uma apti-
dão para participar em sequências compor-
(') Schaffer, H. R. (1971), The Growfh of
tamentais interpessoais de vários tipos.
Sociability, Penguin Books, Londres.
Por exemplo: a resposta de sucção é orga- (2) Esta concepção predomina em muitas cre-
nizada em micreritmos de alta sequência, ches, onde os bebés, até a idade de um ano.
passam a maior parte do tempo deitados, e o tra-
balho do adulto com eles resume-se a evitar o
(*) Docente no ISPA. contacto de uns com os outros...

47

, ....
bebés, quer para os pais, onde se podem 11. ALGUMAS CONCEPÇÕES SOBRE
cruzar sentimentos como a alegria, o amor, A CRIANÇA E O SEU DESENVOL-
a realização, a frustração, a raiva e a exaus- VIMENTO
tão.
Esta socialização da criança implica a sua Para William James, o bebé significava
ligação aos membros do seu grupo social. confusão e falta de organização. Para Freud,
Assim, a ligação particular do bebé com a o bebé seria sensível a alguns tipos de expe-
mãeC), pela sua importância neste pro- riências consoante as idades, mas a perso-
cesso, tem sido objecto de amplo estudo. nalidade futura jogar-se-ia na infância. Para
Esta ligação, que atinge a sua forma mais Watwn, a criança era um ser passivo, em
expressiva p r volta do primeiro ano, de- que tudo seria moldado a partir do mundo
exterior - o desenvolvimento seria um pro-
signa-se por dependêncicl, relqões objectais
cesso de sentido único.
ou de vinculqão. Cada um desta conceitos
Este sentido único era também defendido
está mais ou menos ligado a uma formula- por Gessel, mas de maneira inversa -tudo
ção teórica da origem do desenvolvimento era devido a maturação. Tudo o que a
das relações sociais precoces. criança poderia ser já lá estava, e emergiria
O conceito de dependência está ligado segundo uma determinada ordem, de acordo
principalmente às correntes behavioristas, com a idade.
embora este termo também seja utilizado Numa outra perspectiva surgem as abor- ,
pelas psicanalistas para caracterizar as rela- dagens cognitivistas, que estabeleciam como
ções pré-objectais da criança. O conceito de hipótese a existência de estruturas centrais
relações objectais está ligado à teoria psica- de suporte e de estímulos externos, os quais
nalítica do instinto. O termo «vinculação» determinariam a forma, a direcção e a se-
está ligado a autores pós-freudianos, como quência do desenvolvimento. A criança já
J. Bowlby, e que referem estas relações es- não é vista como estando mecanicamente
pecíficas -em que existe um laço afectivo presa quer a sua maturação, quer ao estí-
com o outro- do bebé com a mãe. mulo-resposta, mas como um ser que toma
A maneira de entender a vinculação não parte activa na sua experiência.
é a mesma para todos aqueles que a têm Uma das teorias mais completas a este
estudado, o que tem originado controvérsias respeito é a de Piaget. No entanto apesar
importantes, as quais contribuem para um de reconhecer a importância do ambiente,
melhor esclarecimento quer dos pontos de Piaget trata-o como uma constante, isto é,
vista, quer dos factos em si. como uma entidade abstracta, mais ou m e
2. Os diferentes pontos de vista sobre a nos igual para todos os sujeitos da mesma
vinculaçáo - função, desenvolvimento e idade. I2 curioso notar, sobre a t e ponto, a
quebra- estão ligados as diferentes con- posição da Wallon, contemporâneo de Pia-
cepções sobre o desenvolvimento da criança. get, que dá uma ênfase muito maior ao pa-
O objectivo que nos propomos consiste pel do meio social, meio este que se sobre
em traçar um quadro desses diferentes pon- poria a um meio apenas físico(4).
tos de vista sobre a vinculação, salientando
a evolução na compreensão dos factos.
(') «E a maturação do seu organismo que
permite A criança ter, com o ambiente, as rela-
ções recíprocas que são a base da sua existên-
(') Neste texto, o termo «mãe» não se refere cia. Este ambiente é, para a criança, um ambiente
& mãe biológica, mas A pessoa que dispensa cui- social)), in «Les étapes de Ia sociabiiité chez
dados ao bebé (caretaker). l'enfant)), Enf ance, Maio-Outubro, 1959.

48
Vemos, assim, que existe um leque va- comportamento de ligação (relationship)
riado de formas de entender a criança e o bebé-mãe é bastante complexo, e que a pro-
seu desenvolvimento, o que inevitavelmente cura de ajuda e aprovação não reflectem as
irá conduzir a diferentes modos de encarar mesmas bases intra-orgânicas que a procura
a natureza e a função do comportamento de proximidade e de contacto, sendo, por
de vinculação. É o que abordaremos no ca- outro lado, da mesma natureza as relações
pítulo seguinte. que o bebé estabelece com a mãe e com
outras pessoas.
Aqueles que entendem a ligação bebé-mãe
111. A VINCULAÇÃO - PRINCIPAIS através do condicionamento operante, con-
CONCEPÇÕES cordam em que a vinculação seria um ró-
tulo conveniente para certas formas de
1. Correntes behavioristas comportamento aprendido. Assim, a relação
com a mãe seria controlada por estímulos
O primeiro conjunto de hipóteses pressu- exteriores. A um determinado estímulo
põe que a ligação criança-mãe seria uma (comportamento da criança) corresponderia
aprendizagem secundária, realizada no con- uma resposta da mãe, o que constituíria um
texto da dependência da criança em relação reforço para o bebé. A função da mãe con-
a mãe. Este conjunto de hipóteses pode ser sistiria em fornecer ao bebé reforços posi-
desdobrado em duas conce@ies relaciona- tivos. Deste modo, a mãe tornar-se-ia pro-
das com as teorias da aprendizagem social, gressivamente num estímulo com caracterís-
ou com as teorias do condicionamento ope- ticas reforçantes, o que fortalecerá o com-
rante. Para as primeiras, a ligação m ã e portamento operante.
-bebé tem origem no estado de irremediável Estas posições têm sido, no entanto, con-
dependência desta fase a uma figura que testadas a vários níveis:
lhe assegura a gratificação das necessidades
fisiol6gicas básicas. É a mãe que habitual- a. Estudos em pássaros mostraram que
mente reduzirá essas tensões, e, assim, o esta ligação é formada na ausência de
bebé adquire o «impulso)>C)de estar perto qualquer forma de gratificação física;
da mãe e de procurar a sua atenção. Du- b. As experiências de Harlow (") com ma-
rante a aprendizagem, novos comportamen- cacos mostraram que as reacções con-
tos se vão juntando aos comportamentos de tactc+conforto são essenciais para o es-
dependência através dos quais o impulso é tabelecimento desta relação, e mesmo
expresso. Estas manifestações incluirão não mais importantes que a satisfação das
só a procura de proximidade e contacto fí- necessidades primárias, nomeadamente
sico, mas também a procura de atenção, a alimentação;
ajuda e aprovação. A extensão deste com- c. Muitas crianças formam relações com
portamento de vinculação a outras pessoas outras pessoas que não participam nas
não será mais da que a generalização deste rotinas de manutenção da criança;
impulso inicial. No entanto, Dollard e Miller d. Quando a criança está visceralmente
referem que estes impulsos secundários fica- excitada ou com fome, a sua atenção
riam ligados para sempre iis suas raízes de aos estímulos externos é baixa;
origem. Allport, no entanto, afirma que o

(O) «A Natureza do Amor#, Harlow, in L. So-


czka (org.), Ligações Infantis, L. Bertrand, Lis-
(7 Drive, em inglês. boa, 1976, 79-104.

49
e. Como explicar que a punição parental desenvolvimento das funções do Ego. O bebé
possa fazer fortalecer este comprta- e, a nascença, um organismo quase total-
mento?; mente mduerenciado. A sua experiencia va-
f . Os reiorços que são positivos para um ria entre graus de relativa tranquilidaae e
bebé, podem não o ser para outros; de tensão. Durante o primeiro ano, o bebé
g. Como explicar as respostas novas, mui- v5u atravessar três estádios-dum estádio
tas vezes imprevisíveis, do bebé? ind&renciado e sem objecto, em que a ener-
gia libidinal é contida e investida em si pró-
2. Teoria psicanalítica (relqões objectais) prio, até ao estádio das verdadeiras relações
objectais. O desenvolvimento destas está in-
A posição psicanalítica sobre esta questão timamente Iigado ao desenvolvimento do
é um pouco ambígua, uma vez que en- bgo, dependente, por conseguinte, da aqui-
quanto alguns teóricos se aproximam das sição de estruturas cognitivas que não exis-
concepções atrás descritas -a relação mãe tiam no nascimento.
-criança seria um processo secundário-, b) Outros autores -como Ferenczi e a
pam outros esta concepção não seria tão escola húngara de psicanálise- defendem,
nítida. no entanto, a existência das relações objec-
O conceito de relações objectais, no en- tais desde o início. Melanie IUein afirma:
tanto, está ligado a teoria psicanalítica do «a satisfação está tão relacionada com o
instinto. O objecto de um instinto é o agente objecto nutriente como a alimentação em
através do qual o objectivo instintual é al- si mesma»(7). Alice Balint salientou tam-
cançado, e considera-se que o primeiro bém o instinto de preensão e abraço como
objecto da criança é a mãe. De acordo com elemento importante desta relação objectal
a teoria dos instintos de Freud, um impulso inicial, em que o bebé desempenha alguma
instintivo tem uma origem e um fim genec actividade nesta ligação.
ticamente determinados, e será pouco in- Apesar destas várias concepções, por v e
fluenciado por variações ambientais, apesar zes algo ambíguas, pode afirmar-se que, para
de o objecto poder variar segundo circuns- a psicanáiise,
tâncias ambientais.
Apesar de Freud, em 1905, ter especifi- -os componentes libidinais começam a
cado que o primeiro objecto de amor da orientar-se para o pr6prio corpo;
criança é o seio materno, só mais tarde re- -as crianças se ligam de uma forma se-
conheceu o significado da relação duradoura cundária a mãe (embora, nesta formu-
da criança com a mãe, atribuindo-lhe então lação, tal não seja tão claro);
um fundamento filogenético. -as condutas sociais encontram a sua
Embora a teoria psicanalítica concedesse energia na líbido, o que parece remeter
importância e significado A relação mãe para um processo secundário.
-criança, tal não era muito explícito, o que
contribuiu para o aparecimento de divisões Primeiro existe a criança, com necessida-
entre os adeptos desta teoria acerca das on- des ou instintos, depois existe a mãe, que
gens e desenvolvimento desta relação. lhe satisfará as necessidades e assegurará o
a) Há, assim, alguns psicanalistas que, de-
fendendo a variabilidade dos objectos de
instinto, afirmam que a criança adquiriu a (') Ainsworih, M., ((Relações Objectais, De-
pendência e Vinculação; uma Análise Teórica
mãe como objecto através do seu estado de das Relações da Criança com a Mãe», h L. Soc-
dependência. Estes enfatizam o desenvolvi- zka (org.), Ligações Infantis. L. Bertrand, Lis-
mento das relações objectais no contexto do boa.

50
seu bem-estar. Secundariamente, a criança encontrar, no entanto, rela@e+s significati-
descobre que a fonte ou o meio de satisfa- vas entre atitudes parentais e comportamen-
-
ção dos instintos é o outro a mãe. Assim tos das crianças. Mais tarde, estes questio-
se mtabelecerá uma relação entre a criança nários vieram a revelar-se metodulogica-
e a mãe. mente insuficientes na abordagem desta
No entanto, as concepções até aqui abor- questão, pelo que têm vindo a ser abando-
dadas não explicam cabalmente estas rela- nados.
ções. Se é certo que a alimentação ou os
cuidados dispensados podem ter importân-
cia, não é possível estabelecer uma relação 3. Abordagem etológica das reloções mãe-
directa entre cuidados físicos e ligação mãe -criança
-criança. Schaffer, Peggy e Emerson(') tes-
Os et6logos, através da observação de
taram esta associação medindo a intensi-
animais em condições naturais, nunca de-
dade de ligação de crianças de 18 meses
fenderam que as exigências fisiológicas pu-
com as mães. Esta intensidade era relacio-
dessem determinar, por si s6s, os sistemas
nada com medidas de rigidez na alimenta-
primários do comportamento.
ção, idade do desmame, duração deste pe
Verificaram, pelo contrário, a existência
ríodo, idade em que começou o treino e
de comportamentos mais ou menos inde
severidade do respectivo treino. Não verifi-
pendentes das necessidades fisiológrcas, e
caram qualquer relação significativa, suce
cuja função era essencialmente social: asse-
dendo que, muitas vezes, as crianças tinham
gurar a integração e cooperação entre con-
rante. Para as primeiras, a ligação mãe+
fortes ligações a pessoas que não participa-
géneres. Uma vez que =te comportamento
vam nos cuidados de rotina. 8, pois, pouca
não era aprendido, deveria ter óases bioló-
gicas que só poderiam ser percebidas num
provável que a formação desta relação
contexto evolutivo. E se, por um lado, existe
surja no contexto da alimentação, no sen-
uma grande plasticidade nos comportamen-
tido que a psicanáiiss lhe confere.
tos humanos, dependente dos contextos, por
A alimentação pode ser importante na
outro lado, os psicólogos e psicanalistas
medida em que é um acto interactivo, como
começaram a interrogar-se sobre se não ha-
Schaffer refere (". Mas poder-se-ia argu-
veria também alguns sistemas de comporta-
mentar que não seria a alimentação consi-
mento relativamente estáveis -como os
derada isoladamente, mas inserida num con-
instintos- que sirvam para reduzir o risco
texto mais vasto das atitudes parentais -o
durante o período da imaturidade. Reg&
que reenviaria, então, para a noção de
tou-se então uma certa aproximação, na
«meioN em que a criança vive.
concepção da ligação mãecriança, relativa-
Realizou-se, nos anos cinquenta, uma sé-
mente ao imprinting observado em aves.
rie de estudos com o objectivo de medir as
Estes comportamentos teriam um ((resul-
atitudes parentais e, em seguida, as rela-
tado predizível)) de conduzir a criança e a
cionar com o comportamento da criança.
mãe a uma mais estreita proximidade, quer
As práticas parentais eram classificadas se-
através de sinais que atraiam a mãe, quer
gundo parâmetros como: calor-frieza, per-
através da própria actividade desta.
missividade-rigidez, amor-hostilidade, con-
trola-autonomia, etc. Não se conseguiram
(*) Schaffer, R. (1980), Mothering, Fontana,
4. Modelo de John Bowlby
Giasgow.
e) Schaffer, R. (1971), The Growth of Sociu- Em 1958 surgiram dois artigos que ((rev*
bility, Penguin Books, Londres. lucionaram)) a psicologia do desenvolvi-
mento, e particularmente a concepção da funcional -retomando aqui a concepção de
ligação mãecriança. Freud segundo a qual a relação da criança
Um é o artigo de Harlow, The Nature of com a mãe encontraria a sua origem na
Lme, em que o autor demonstra, pela pri- protecçiio contra os predadores.
meira vez, a independência da relação bebé- Por analogia com o comportamento ani-
-mãe face a alimentação. O outro é A Na- mal, o comportamento de vinculação seria
tureza da Ligação com a Mãe, no qual instintivo; no entanto, isto não significa que
John Bowlby procede a uma revisão dos fosse herdado - o que é herdado é um po-
trabalhos sobre esta matéria. No XXI Con- tencial para desenvolver sistemas compor-
gresso de Psicanálise, em 1959, defende a tamentais, cuja natureza e forma podem
sua nova concepção e propõe que a relação diferir dentro de certos limites, de acordo
mãe-criança passe a designar-se por win- com os diversos meios em que se processa
culação)) (attachement), significando um o desenvolvimento. Bowlby é dos primeiros
afecto específico dum indivíduo para com autores a referir a reciprocidade, e a en-
outro. A primeira ligação é geralmente es- tender este comportamento como uma in-
tabelecida com a mãe, podendo, no en- teracção, pelo menos do ponto de vista teó-
tanto, estender-se a outras pessoas. Uma rico. Afirma igualmente que os comporta-
vez formada, essa ligação perdurará. Na sua mentos da mãe são instintivos, ao mesmo
concepção, Bowlby tentou actualizar as con- tempo que são descritos como intencionais
cepções psicanalíticas com os dados recen- ou ((dirigidos para um fim». Nos seres hu-
tes da etologia, realizando o que seria, se- manos, o fim previsível é a proximidade da
gundo alguns, a intenção de Freud. mãe.
Para o seu modelo mais elaborado (1969), Para Bowlby, os sistemas de comporta-
baseia-se nas concepçõ’es etológicas de Hyn- mento nos seres humanos podem ser m r -
de, que alia o estudo do comportamento denados em sequências e ((corrigidos quanto
animal $ cibernética,
i e também nas obser- ao objectivo», em lugar das cadeias de pa-
vações e experiências sobre a relação mãe- drões de acção fixa. Esta organização é r e
-criança, que se estabelecem independente- gulada por um plano com um objectivo, em
mente da alimentação, salientando a sua du- que este seria proteger o bebé do perigo,
ração e importância para as relações sociais deste modo, o comportamento previsível se-
do indivíduo. ria a proximidade relativamente a mãe.
A sua tese é a seguinte: a vinculação do Ora, durante o primeiro ano de vida, o
bebé a mãe tem origem num certo número bebé não desenvolve as estruturas cogniti-
de sistemas de Comportamento caracterís- vas necessárias a elaboração desse plano.
ticos da espécie, relativamente independen- Este seria organizado em sistemas de acção
tes uns dos outros no início, os quais, emer- fixa e respectivas cadeias, para só a partir
gindo em tempos diferentes, se tornam orga- do segundo ano ser mais complexo e, tam-
nizados em relação a mãe -objecto prin- bém, mais maleável.
cipal- e servem para uma ligação mútua O afecto e a emoção são vistos, na teoria
entre a criança e a mãe. de Bowlby, como processos de avaliação,
Estes sistemas de comportamento, se- fornecendo um terreno, para o processo de
gundo Bowlby, seriam cinco: sugar, agarrar, recepção da informação, e comportamento
seguir, chorar, sorrir. subsequentes. Esta concepção de vinculação
Podemos distinguir, na concepção de tem em conta uniformidades intra-sspecífi-
Bowlby, um aspecto causal -activação dos cas, bem como os desvios que, não sendo
sistemas de comportamento tendo na proxi- adaptu!;vos, constituem a base para possí-
midade a figura materna- e um aspecto veis formas de patologias.
Bowlby dá também um grande contributo mento que, uma vez completamente desen-
ao definir operacionalmente, em termos de volvidos, terão como objectivo fixo a p r e
comportamento observáveis, todas as ques- ximidade da mãe. Esta proximidade é asse
tões relativas a vinculação. Assim, a sua gurada pela acção conjunta de comporta-
definição operacional de vinculação é a s e mentos agrupados em três classes: orienta-
guinte: quando várias respostas, no repor- cionais (vista e som), sinaléticos (choro,
tório comportamental, ficam organizadas sorriso, balbuceio), e executivos (gestos, se-
num sistema que é dirigido e corrigido em guir, agarrar). Quando a distância ideal se
função de um objectivo -procura e manu- quebra, estes comportamentos são activados
tenção duma proximidade espacia-temporal até a distância correcta ser restabelecida.
relativamente il mãe. Mas a manutenção desta distância im-
O aparecimento e organização destes com- plica obviamente o ((outro)) -que será a
portamentos são, para Bowlby, função de mãe na maior parte das vezes. Uma ques-
um desenvolvimento em quatro fases: tão importante é a de saber o que leva tam-
bém a mãe a procurar esta proximidade
Fase i - O bebé não se orienta nem e a respnder ao seu bebé.
emite sinais para uma figura Bowlby sugere, acerca desta questão, que
específica; é muito provável que a mãe tenha uma ten-
Fase 2 -o bebé discrimina figuras, orien- dência para responder ao filho devido ao
ta-se e emite sinais para essas seu estado hormonal pósparto. Seria pos-
figuras; sível que este a predispusesse a responder
Fase 3 - 0 bebé elege uma figura, ten- especialmente aos estímulos vindos do bebé.
tando manter a sua proximi- Parece-nos, no entanto, que esta p i ç ã o é
dade através, quer da locomo- pouco consistente, uma vez que outras pes-
ção, quer de sinais para essa soas (nomeadamente o pai) são capazes de
figura especifica; mostrar quer uma responsividade, quer
Fase 4-regista-se a formação de uma uma eficácia nos ((cuidados maternos)), s e
relação específica e recíproca melhantes às da máe(1').
com uma figura. O desenvolvimento da vinculação, se-
gundo as quatro fases descritas por Bowlby,
Há toda uma série de comportamentos seria universal. Consideram, no entanto, que
indicadores de que a vinculação está f o - podem ocorrer variações de bebé para bebé
rnada, tais como: seguir a mãe e usá-la quanto A ocorrência e duração das fases
como base nas siias exnlorac6es: verificar ou quanto ao modo de ligação. Assim, Bowl-
F ( X l h T ? W r i t t : onde está: recorrer a ela by distingue entre crianças seguramente
aiiandn mtii com medo: tranaiiiii7~-secom vinculadas (que podem assumir formas di-
I T P ~ C S da mãe: tocá-l:, no seu c o m , ferentes: polarizadas e simbióticas) e crian-
&C. ças ansiosamente vinculadas.
Miíltin1.is r-?xarvsriiPs indicam mie a Esta última forma de vinculação parece
vaior nirte daq rrianmc formrini p r siia$ não cumprir os objectivos «inscritos no pro-
nrimPirac vinciilpci(ps antra ns 6 P nc 12. grama)). Isto poderá ser consequência das
rnme?. sendo ido evidenciado mr dnis in- condições do meio: separações precoces,
dicadores: o nrazer belo anarecimmto da
mAe. P n devnsto neh pua nartida. CI aiia1
4 6 alidado nelo T ~ I Iremmo.
0 cnrnoortammto CIP vipciil:,cFn da crinn- ('O) Bowlby, John (1981), Attuchement and
ca é mediado por sistemas de commrta- Loss, vols. I, 11, 111, Penguin Books, Londres.

53
pouca ligação da mãe, ansiedade da mãe, Outras questões poderiam ser levantadas;
a qual saia transmitida a criança. no entanto, a explicação do attachement em
Para Bowlby, o tipo de experiência que termos de sistemas de auto-regulação com
a pessoa teve nas suas primeiras vinculações o objectivo da manutenção da proximidade
e o tipo de competência que atingiu em parecem-nos não responder de forma eficaz
aperceber-se das metas orientadas de outrem a estas questões.
( e em harmonizar isso com os seus próprios Em relação a função do attachement no
objectivos) terá, de uma maneira muito es- sentido da protecção contra os predadores,
treita -quase determinista - uma relação tal parece também improvável, pois impli-
com o seu sucesso em manter a proximi- caria uma raiz filogenética e uma actuali-
dade e a comunicação com novos objectos zação em termos genéticos.
de vinculação. Para Bowlby, a vinculação é definida em
Bowlby é, de certo modo, um defensor termos de busca de proximidade; além disso,
dos períodos sensíveis, em que tudo se joga a noção de attachement vai desde a relação
no início e num determinado período, sendo criança-mãe, até a de adulto-mãe. Será que
cruciais as primeiras experiências. Para isto a proximidade significa o mesmo para a
contribuem, claramente, as influências dos criança e para o adulto? Certamente que
discursos psicanalítico e etológica -embora não, e vemos que ela pode ir desde a pro-
w pr6prios etólogos se proponham, hoje, ximidade espacial aos modelos simbólicos de
abandonar tal concepção de período crí- relação. E o significado da relação será o
tico. mesmo? Parecenos que não.
Em suma: se a vinculação -e, em par-
O modelo de Bowlby é, no entanto, pas-
ticular, a vinculação mãe-criança - assume
sível de algumas críticas. A concepção de
uma função, não nos parece que seja de
períodos sensíveis, em que os comportamen-
tos de vinculação seriam activados de forma
protecção contra os predadores.
decisiva, mesmo irreversível, parece-nos d i s No entanto, e apesar das críticas que se
cutível. Até os et61ogos põem em questão podem tecer a Bowlby, este contribuiu de
que, mesmo para 05 animais, se possa falar forma marcante para uma viragem neste
em comportamentos de tudo ou de nada. terreno, quer pelo seu modelo, quer pelas
Verifica-se que 05 limites destes períodos vias que abriu -nomeadamente ao enca-
sensíveis não são imutáveis e podem alar- rar o comportamento de vinculação do bebé
gar-se. humano num contexto evalutivo e compa-
Como refere Schaffer ?I), as aprendiza- rável a comportamentos ((semelhantes) nou-
gens que ocorrem nestes períodos não são tras espécies, sem minimizar a complexi-
imediatas e permanentes, ao contrário do dade e flexibilidade nos humanos. Ao sa-
que se julgava. Esta teoria tem também lientar que a meta orientadora é essencial-
dificuldade em esclarecer as mudanças de mente a mesma -ainda que os meios difi-
objecto de attachement com a idade. Por- ram de espécie para espécie-, o modelo
que considerar a primeira vinculação como de Bowlby é já, de certo modo, interactivo:
principal e especial em relação a todas as o equipamento inicial do bebé estaria gene-
outras? Como se passa desta relação para ticamente programado e desenvolver-se-ia
as com os outros membros da família ou através da sua interacção com o ambiente.
com os companheiros de escola? No entanto, Bowlby ora põe ênfase na
mãe ora encara esta como um elemento do
(") Schaffer, R. (1980), Saber Ser Mãe, MO-
ambiente. A mãe! nunca é vista como um
raes, Lisboa. ser tão interactivo como o bebé, e que tam-

54
bém ela se empenha na construção da re- duta do bebé e o da mãe, e a estreita arti-
lação. culação entre eles. Como veremos, se um
sistema de interacção se revela inadequado,
5. A vinculqão afectiva como um compor- os sujeitos podem procurar outro mais efi-
tamento de socicrlizqão -perspectivas caz. Isto pode lançar alguma luz sobre as
actuais variações nas formas de crttachement, quer
do mesmo sujeito, quer de sujeitos dife-
A concepção de que o desenvolvimento rentes.
seria uma simples integração dos compor-
tamentos iniciais em sistemas cada vez mais A -Organização do comportamento da
complexos (que parece ser a concepção de criança
Bowlby), vem contrapor-se uma outra. O
desenvolvimento 6 hoje concebido A luz de Acreditou-se, durante bastante tempo,
dados recentes, como mudanças na organi- que o bebé, nas primeiras semanas de vida,
zação dos sistemas, quer do sujeito (p. ex., não tinha capacidade para receber e pro-
o bebé), quer do «outro» que está em in- cessar a informação ao nível dos órgãos dos
teracção com ele (p. ex., a mãe). sentidos -o que, associado h sua falta de
Não há, assim, nenhuma razão para con- capacidade para se movimentar e assegurar
ceber um sujeito activo e um objecto pas- as necessidades básicas, reforçava a con-
sivo, pelo que os comportamentos de vin- cepção de que o bebé não faria mais do
culação podem ser entendidos também desta que comer e dormir.
maneira. Pensava-se também que um importante
Por outro lado, há como que uma tenta- factor no desenvolvimento seria a regdari-
tiva de alargamento da noção de vinculação. dade das suas experiências, proporcionadas
Não se referindo apenas a uma relação es- principalmente pelos pais, o que teria um
pecífica com uma única figura, mas a todas efeito ((ordenador))no cérebro do bebé.
as relações que a criança estabelece com No entanto, como alguns investigadores
outro5 membros do seu grupo e que tenham têm salientado, o recém-nascido tem apti-
um carácter permanente. dões verdadeiramente notáveis, quer do
Considerando estes dois paradigmas, po- ponto de vista da organização, quer do pon-
demos situar os componentes de vincula- to de vista da regularidade. Basta analisar
ção no contexto da socialização, indispen- os sistemas de conduta do comer e do dor-
sável A sobrevivência da espécie. Para que mir.
a criança se ligue ao outro, é necessário 1. Como refere Schaffer cz),Parmellee,
que distinga o mundo dos objectos do das ao estudar o sono do bebé, concluiu que
pessoas. e que, destas pessoas, discrimine muito rapidamente os Modos de sono e
os familiares dos estranhos. A relação com vigília se vão concentrando (a noite e de
o outro irá fornecer um terreno privilegiado dia), o que mostra que os padrões internos
para aprendizagens de características da es- do beb6 são influenciados pelas pressões do
pécie. isto é, para aprender a reagir huma- ambiente.
namente. A mãe aparecerá, assim, como A alimentação -o ((reflexode sucção» -
o obiecto por excelência, uma vez que é é considerada uma resposta congénita (in
o mais familiar. mas mais que objecto, ela bom) e, apesar de constituir uma resposta
edabelece um tipo de interacção particular
com o bebé.
Conceber a vinculação como um processo
interactivo implica estudar o sistema de con-
r) Schaffer, R. (1980), Saber Ser Mãe, Mo-
raes, Lisboa.

55
organizada internamente, é altamente com- sui. Além disto, o bebé visualiza me-
plexa, sendo também variável em função lhor objectos a uma distância entre
do ritmo do fluxo de leite, dimensão, con- 20 e 30 centímetros, distância esta que
torno e compressibilidade do mamilo, e do é a comummente utilizada pela mãe
tipo de alimento. Mesmo no primeiro dia, quando alimenta, lava ou acaricia o
os bebés podem dar respostas diferentes a bebé. Poder-se-á dizer que, quando es-
tipos de alimentação diferentes. tão em interacção, a mãe e o bebé
Além disso, a sucção é apenas uma com- estão ambos a ver o que mais lhes
ponente do actos completo de alimentação, agrada.
o qual envolve: o roating reflex (virar a ca- b) A nível da conduta auditiva, obser-
beça para o mamilo), abrir a boca, agarrar vou-se também que o bebé é capaz
o mamilo com os lábios, chupar e engolir. de responder a algumas estimulações
Estes vários passos exigem, obviamente, ní- sonoras nos últimos meses de gesta-
veis importantes de coordenação e integra- ção; e que, durante a primeira semana
ção, mesmo no recém-nascido. de vida, pode discriminar a altura e
Parece, assim, que existem dois factores intensidade dos sons. Verifica-se tam-
fundamentais para a interacção social do bém, como John Hutt demonstra('s),
recém-nascido: a sua espontaneidade e a que o bebé manifesta uma preferên-
periodicidade -alternância cíclica de esta- cia pelos sons emitidos pelas pessoas,
dos, organização temporal de condutas- o e muito particularmente pela voz hu-
que permite ao outro antecipar as respostas, mana.
constituindo sequências interactivas que, por
sua vez, constituirão estruturas mais com- Podemos, assim, concluir que o compr-
plexas e flexíveis. tamento do bebé é ordenado, organizado,
2. Também ao nível do aparelho percep e possui características extremamente im-
tivo se constata que o bebé não é um ser portantes para a interacção social: espon-
passivo, que o bebé não é um ser cego e taneidade, periodicidade, selectividade.
surdo face ao que o rodeia -bem pelo
contrário- e, graças ao avanço das possi- 3. Mas a criança não é apenas um ser
bilidades de investigação, se conclui que o que procura e processa estfmulos sociais,
bebé é capaz de construir rapidamente um dispõe também de um sistema de sinais que
conjunto de informações acerca do mundo actuam de forma a assegurar a proximi-
exterior. dade e interacção com membros da espécie
-são eles, fundamentalmente, o choro e
a) As capacidades visuais estão já presen- o s(4TTiso.
tes no nascimento, ainda que de um
modo imaturo, mas desenvolver-se-ão a) O choro é uma conduta altamente or-
rapidamente. Uma característica cru- ganizada desde o nascimento. Wolf (1968)
cial da percepção é a sua selectividade, distingue, no período neonatal, três tipos
que está já presente na primeira se- diferentes de choro:
mana, como o demonstram as traba- -Padrão básico, ligado a factores como
lhos de Fantz, Bower e outros. Com a fome, começa arrítmico, de baixa
capacidade para seguir, fixar o olhar intensidade, tornando-se cada vez mais
e diferenciar algumas características forte e mais ritmado.
dos objectos, o recém-nascido mani-
festa preferência pelas características (13) Schaffer, R. (1971), The Growth of So-
estimuladoras que o rosto humano pos- ciability, Penguin Books, Londres.

56
-Choro de zanga, caracterizado pelas intercâmbio mais global, através de
mesmas sequências temporais que o cancias, palavras e ternura;
padrão básico. -a mãe tem uma conduta visual espe-
-Choro de sofrimento, constituído por cial para com o bebé, como é refe-
um grito prolongado a que se segue rido por D. Stem c4): olha o beM du-
um longo período de silêncio. rante aproximadamente 70Vo do tem-
A estes tipos de choro correspondem sec- po que dedica a amamentá-lo; mantém
ções diferenciadas da mãe, a qual, com a um olhar fixo nos olhos do beM, rom-
sua aproximação ou contacto, o reduz de pendo com o formalisma social, e co-
uma forma significativa. locando-se, a maior parte das vezes em
b) O sorriso, ao contrário do choro, não que interage com ele, ii distância per-
aparece no bebé desde o nascimento. Tra- ceptiva ideal; segue o olhar do beM,
ta-se de uma resposta claramente social, observando os objectos que lhe atraem
que tem como função favorecer a interac- a atenção, orientando o olhar do bebé
ção Iúdica e reforçar a mãe na sua função. para novos objectos, emitindo comem-
Durante as duas primeiras semanas, tário6.
podem ver-se sorrisos durante o sono Como também refere Stern, em t e
R. E. M. S . ou durante o período de sono- das as experiências visuais há inter-
lência. Este tipo de sorriso designa-se por câmbio e encontro mútuo;
«sorriso reflexo)). --a mãe rompe continuamente a distân-
Mas, entre as seis semanas e os três me- cia que os adultos mantêm numa si-
ses, o sorriso começa a ser solicitado por tuaçgo de frente a frente (50-70 cen-
acontecimentos externos, tornando-se 50- tímetros), além de tamMm procurar
cial, para ir evoluindo até constituir uma constantemente o olhar de olhos nos
conduta claramente selectiva (discriminan- 0lhOS;
do conhecidos e estranhos). -também ao nível da linguagem, quer
O choro e o sorriso são sinais que se com- gestual, quer verbal, a mãe manifesta
pletam, verificando-se que, habitualmente, uma conduta particular. Recorre aos
o primeiro vai dando lugar ao segundo. gestos com muito mais frequência, exe-
cutando-os de forma mais acentuada
B-Sistemas de condutas da mãe e lenta, o que facilitará uma melhor
percepção por parte do bebé.
B óbvio que A mãe cabe a responsabili- A linguagem verbal caracteriza-se
dade de asegurar que a experiência social pela sua simplicidade e redundância,
do bebé se estruture adequadamente. As- com muitas e longas pausas; a sintaxe
sim, a mãe põe em acção um sistema de é extremamente simples, usando tons
condutas, respondendo de forma adequada de falsete que não existem no seu idi*
às do bebé. As condutas da mãe são mar- ma, construindo assim um sistema
cadas por algumas características, extrema- mais sensível e carregado de afecto.
mente importantes para a relação: Como se pode ver, há, entre o bebé
-tendência para estabelecer um contac- e a mãe, um intercâmbio verbal sin-
to directo -acariciar repetidamente cronizado.
o bebé, apertá-lo junto a si, abraçá-lo,
etc.;
-tendência para não funcionalizar a sa-
tisfação das necessidades biológicas pri- r) D. Stern (1979), Bebé-Mãe: Primeira Re-
márias, mas para as enquadrar num la@o Humana, Moraes, Lisboa.

57
Mediante estas condutas, a mãe é capaz leva A determinação de idades dife-
de adaptar não s6 os conteúdos, mas tam- rentes para o aparecimento da discri-
bém as formas de comportamento, de modo minação da mãe.
a assegurar uma inter-relação com o bebé. Yarrow c') considerou, em 1967, vá-
A sensibilidade da mãe é uma característica rias respostas como indicadores desta
que sobressai das suas relações com o bebé, discriminação, tais como: mudanças de
permitindo respostas prontas e antecipação actividade, mudanças na aproximação
Bs condutas da criança, de tal modo que as e afastamento, na expressão facial, na
condutas de um influenciam as condutas vwalização, e, numa amostra de 100
do outro e vice-versa. crianças, concluiu que, no fim do
Uma questão importante é a de saber se 1." mês, 38 ?o das crianças mostravam
este intercâmbio é uma entidade que per- graus de variação nos afectos positi-
manece constante ao longo do tempo e em vos e movimentos de aproximação da
diferentes situações, ou se, pelo contrário, mãe; aos 3 meses, 81 Vo mostravam
se desenvolve através de uma construção sinais definitivos de reconhecimento
em que estão implicados os dois actores da mãe; e, aos 5 meses, estes tipos
- o bebé e a mãe. de respostas estavam definitivamente
adquiridos por tadas as crianças.
C -Evolução e natureza da vinculação Ainsworth, num outro estudo cita-
afectiva do por Schafferp'), tomou como pa-
drão o sorriso, e, num estudo em Afri-
O caminho até ?i vinculação é marcado ca, encontrou esta discriminação ao
por várias fases, e, apesar de haver ainda completarem-se as 10 semanas.
lacunas no conhecimento dm processos em De qualquer modo, este comporta-
jogo, podemos anotar etapas de desenvolvi- mento -que exige uma aprendizagem
mento e construção desta relação: perceptual envolvendo processos de
1. O bebé orienta-se, procura e usa si- representação - morre bastante cedo.
nais sociais, não discriminando, cm- O bebé vai preferindo gradualmente a
tudo, quem interage com ele. Alguns mãe, reagindo diferenciadamente a es-
autores consideram que este pen'odo tranhos. E assim se passa ?i terceira
duraria até ao terceiro mês: este mar- fase.
co é, contudo, problemático, até por-
que esta fase se articula com a se 3. O bebé interage de forma privilegiada
guinte. com a mãe, rejeitando desconhecidos.
2. O bebé interage de forma privilegiada Aproximadamente entre o 6." e o
com a mãe, mas não rejeita desconhe- 8." mês, as crianças elegem as figuras
cidos. Este quadro não é susceptível de attachement, procurando a sua pro-
de ser descrito com toda a clareza, ximidade, contacto, etc.
não se podendo dizer com exactidão Este comportamento foi designado
quando é que as crianças começam a por Spitz como «medo dos desconhe
discriminar a mãe. Como refere Schaf- cidos)), e interpretado como angústia
fer??, a escolha de indicadores desta de separação, em que a criança ma-
caractm'stica põe alguns problemas e nifestaria rejeição dos desconhecidos,
varia de autor para autor - o que não por serem desconhecidos, mas por
-
c") Schaffer, R. (1971), The Growth of So- ('O) Idem.
ciuóility, Penguin Books, Londres. r)Idem.
58

i'
não serem quem ela esperava. Con- rias),se podem fundamentalmente designar
tudo, Bowlby demonstrou que esta in- por: busca de proximidade, preferência por
terpretação era incorrecta, por várias figuras de ligação, preferência por estas fi-
razões: estes comportamentos podiam guras em momentos de aflição, base de
ocorrer na presença da mãe; a angús- apoio nas condutas exploratórias, apoio para
tia de separação e medo dos desco- exploração de um ambiente desconhecido.
nhecidos são fenómenos distintos; o
desconhecido só provoca esta reacção Após este apanhado geral, é posSivel ver
neste período. As explicações para es- com mais clareza a natureza social dos com-
tes factos não estão ainda completa- portamentos de vinculação. Assim, a sua
mente esclarecidas, mas é possível explicação pode ser enquadrada no desen-
pensar que, no início, todas as pessoas volvimento social da criança.
eram tratadas indiscriminadamente, Uma outra questão interessante é a que
como se todos os seres humanos ti- diz respeito i variedade das condutas de
vessem as mesmas características, às vinculação, quer na mesma criança, quer em
quais a criança responderia de igual crianças diferentes. Será que a criança es-
maneira. Mais tarde, e como resulta- tabelece uma relação principal e todas as
do da experiência , os adultos seriam outras são dependentes dessa?
tratados em função de dimensões como Esta posição foi a dominante durante
a familiaridade ou a novidade, e alvo bastante tempo. No entanto, é hoje posta
de respostas diferenciadas. em causa num trabalho de Schaffer e Emer-
son c8).Estes mostraram que a maioria das
Mas estas capacidades remetem para a crianças, na sua amostra, formavam as vin-
noção de representações centrais, uma vez culações iniciais com uma só pessoa; con-
que a criança reconhece a mãe, a qual não tudo, 29 9'0 delas formavam vinculações ini-
lhe aparecerá sempre da mesma maneira ciais com várias pessoas. Assim, o con-
-umas vezes mais perto, outras mais afas- ceito de monotropia, de Bowlby -afir-
tada, com roupas diferentes, umas vezes de mando que a criança tem uma tendência
frente, outras de perfil, proporcionando as- inerente para se ligar inicialmente a uma só
sim A criança a percepção das característi- pessoa, e que esta relação seria qualitativa
cas que a distinguem das outras pessoas. e quantitativamente diferente das outras -
Para o bebé fazer isto necessita de dispor era baseado em factos não observáveis.
de uma capacidade considerável ao nível Do referido estudo de Schaffer e Emer-
da consthcia perceptiva. son se pode concluir que, muito rapida-
O desenvolvimento destas duas vertentes mente, o bebé se liga a outras pessoas, isto
-respostas positivas a pessoas familiares e é, estabelece novas vinculações: aos 3 me
o evitar de estranhos- assinala o início da ses, 41 9'0 tinham uma única figura de &ta-
primeira relação social, em que as pessoas chement, enquanto, aos 18 meses, já só
não são já intermutáveis, em que a mãe se 139'0 tinham uma única figura. Com 1 mês,
tornou num objecto interiorizado e que po- o pai era já também uma figura de vincula-
de ser lembrado no tempo, independente- ção em 279'0 das crianças, para, aos 18
mente da sua presença. meses, esta percentagem passar para 75%.
Esta vinculação afectiva manifesta-se atra- Uma questão que se prende com a es-
vés de um conjunto de características que, colha das figuras de vinculação é a de sa&
embora difiram de autor para autor (p. ex.,
as de Bowlby já descritas; ou as de Mary (I*) Schaffer, R. (1971), The Grauth of So-
Ainsworth, que encontrou dezasseis catego- ciability, Penguin Books, Londres.

59
o que é que determina a preferência por o bebé adquirirá o conceito de diálogo en-
umas pessoas em detrimento de outras. volvendo duas características fundamentais:
Uma concepção, que esteve em voga, a reciprocidade e a intencionalidade.
considerava a quantidade de cuidados dis- Através deste diálogo, a criança verá que
pensados como o factor mais responsável aquilo que faz irá produzir um efeito nos
pela preferência. No entanto, segundo Scha- outros. Emitirá, assim, sinais intencionais
ffer, o mais importante não será a quanti- na expectativa de que eles venham a ter
dade mas a qualidade. Por outras palavras, uma resposta. Este diálogo é possível por-
será a responsividade aos sinais da criança que, por um lado, o comportamento infan-
e a quantidade de interacções que o adulto til tem uma sequência definida; por outro
espontaneamente inicia com a criança. As- lado, como evidenciou Daniel Stern(20)a
sim, a interacção e a «não burocratização)) estimulação fomecida é também apresenta-
das relações (o que permite a estas serem da de uma forma ordenada, e que poderia
mais flexíveis) são as características mais ser descrita com base em três tipos de uni-
importantes na formação dessas mesmas re- dades:
lações. 1. Uma elocução simples ou um movi-
mento que demora geralmente menos
D - Inter-relação bebé-mãe de 1 segundo;
2. Um fluxo formado por uma série de
A criança está, pois, pré-adaptada a uma frases, organizadas (relativamente ao
relação social, mas dizer isto não significa conteúdo e a duração) em repetições;
que se minimize o papel da interacção, co- 3. Um episódio de manutenção da intec
mo se tudo existisse já na criança. Por racção, constituído por uma série de
outro lado, também não seria correcto con- fluxos demorando 1 a 2 minutos, du-
ceber a mãe apenas como uma pessoa que rante 05 quais a atenção se centra na
se limitasse a seleccionar adequadamente a criança.
estimulação ambientalC9) de que o bebé Estes dados são da maior importância,
precisa para o seu desenvolvimento. pois permitem a criança formar expectati-
As relações (relationships) e o desenvol- vas acerca «do que vem a seguir)) e, ao
vimento em geral assentam, pois, numa re- adulto -uma vez que o comportamento
lação interactiva. Apesar de a mãe, no prin- do bebé tem sequências definidas- poder
cípio, ser responsável por esta interacção antecipar as suas acções, construindo assim
-através do saber como e quando respon- um diálogo rico e durável, que se vai de-
der i3 criança (características essenciais a senvolvendo progressivamente, devido às mu-
manutenção)- a chave própria desta rela- danças dos parceiros em acção.
ção é a reciprocidade. Mas em que terreno é que esta relação
A tarefa da mãe não é criar algo a partir frutificará? Para tentar responder a esta
do nada, mas enquadrar as suas respostas questão, vamos referir-nos ao «amor», ape-
na corrente contínua do comportamento in- sar de este ser um fenómeno ainda não
fantil, respeitando as suas características investigado de uma forma sistemática.
temporais e de conteúdo, para conseguir O que é o amor da mãe? Como se ma-
uma interacção fluida e um resultado pre- nifesta? Como evolui? -será que os pais
visível que, gradualmente, comece a ser têm sempre o mesmo amor pelo filho? Estas
claro também para o bebé. Desta forma, são, entre outras, questões que parecem per-

('7 Não consideramos aqui a discussão (im- ('O) Stern, D. (1979), Bebé-Mãe: Primeira Re-
portante) do que é a estimulação. lação Humana, Moraes, Lisboa.

60
tinentes, e para as quais não há respostas concepção e formação; abordarmos agora
consistentes. a outra vertente: a ausência desta relação
Poderemos, no entanto, dizer que o amor ou a sua distorção, e os seus efeitos na
constitui um envolvimento emocional com criança.
outra pessoa, em que o outro é importante Em 1951, Bowlby concluía que o amor
pelo que é; o sujeito é sensível ao outro materno era tão importante para a saúde
enquanto objecto do seu amor. mental como as vitaminas e as proteínas
Este terreno parece, assim, constituir um para a saúde física. Em contraste com esta
terreno privilegiado para a construção e de- posição, Cabler (1968) concluía que o orga-
senvolvimento de um diálogo através do nismo humano não precisava de amor ma-
qual se edifica uma relação. terno para funcionar normalmente. Ainda
Ora o nascimento de um bebé é, indis- mais recentemente, em 1969, Bowlby evi-
cutivelmente, um acontecimento importante denciava que os indivíduos com desordens
e, sobretudo para os pais, uma experiência psiquiátricas mostravam enorme dificuldade
emocional -a qual pode ser extremamente na sua capacidade relacional (de estabelecer
rica para uns e desgastante para outros, não ligações) e sugeria que talvez se tratasse de
os deixando nunca indiferentes. uma perturbação na ligação infantil a proL
Uma concepção antiga -e que hoje duzir tal desordem. Para outros ainda, o
ainda permanece, apesar dos disfarces - facto de haver uma maior ou menor quan-
afirma que o amor pelo filho é anterior ao tidade de estimulação sensorial traria modi-
nascimento deste. Tal será possível ao nível ficações no sistema nervoso (Hebb).
das representações dos pais, mas o que tam- Podemos ver, através destas concepções,
bém é certo é que esse amor se constrói na que, também nesta matéria, a controvérsia
relação entre os pais (parents) e o filho. é grande -o que, de resto, é perfeitamente
Este diálogo, marcado pela reciprocidade, compreensível, uma vez que as consequên-
e uma vez que a criança é amada, cria nela cias estarão largamente dependentes dos di-
própria uma sensibilidade cada vez maior ferentes modos de conceber a vinculação.
ao outro, isto é, amor retribuindo assim este Assim, o termo ((privação materna))
sentimento e podendo mais tarde transfe- -conceito introduzido por Spitz (1946),
ri-lo para outras pessoas, e ganhando assim Bowlby (1951) e Goldfarb (1955)- é polé-
confiança na reciprocidade das relações mico, pois designa coisas diferenta cun-
com os outros. soante os autores.
O attachement pode, deste modo, ser con- Mary Ainsworth, num trabalho sobre es-
cebido como um laço afectivo entre o bebé te assunto (realizado em 1961 para a Orga-
e a pessoa que lhe dispensa as atenções nização Mundial de Saúde), afirma que se
(caretcrker), que agem flexivelmente em ter- evitaria uma série de mal-entendidos e con-
mos de objectivos, influenciadas pelos sen- trovérsias se se tomasse consciência de que
timentos e em interacção com outros siste- o termo ((privação materna)) abarca factos
mas de conduta. de gravidade variável, e se se tivesse em
conta a existência de diversas estratégias de
investigação sobre a mesma matéria.
IV. PRIVAÇÃO MATERNA (‘l) Tendo em conta o que atrás vimos sobre
as várias concepções do desenvolvimento,
Abordámos, até agora, a vinculação única
e exclusivamente do ponto de vista da sua
saxónicos, e ao de ((carência afectiva)) ou de
(”’> Este
conceito corresponde, genericamente, (carência de cuidados maternos» nos trabalhos
ao de Maternal-Deprivation nos trabalhos anglo- franceses.

61
e, em particular, da vinculação, podemos foi referido, para o desenvolvimento
dizer que: do indivíduo.
1. Ós adeptos das teorias da aprendiza- As primeiras experiências são, para
gem não atribuem efeitos graves e ir- Bowlby, muito importanta, pois delas
reversíveis apenas ii situação de pri- depende o investimento em novas re-
vação. B neste contexto que A. Clar- lações. Consoante a natureza destas
ke diz que «as primeiras aprendiza- experiências, assim os efeitos a longo
gens, em si próprias, não têm mais prazo serão diversos. Constatou, a este
consequências do que as realizadas em propósito, que, p. ex., a delinquência
qualquer outro estádio do desenvolvi- e as perturbações psicopatológicas es-
mento -as quais só provocarão efei- tão associadas a múltiplas experiên-
tos a longo prazo se forem reforçadas cias de separação.
no decurso dos anos seguintes»(22). No entanto, as relações, mais ou menos
2. Para os adeptos da teoria psicanalítica, mecânicas, entre experiências precoces e
as experiências prococes são extrema- mnsiequências a longo prazo são hoje, por
mente importantes e determinantes, várias razões, postas em causa:
uma vez que fazem intervir determi- a) Tais estudos são habitualmente efec-
nados processos dinâmicos que ten- tuados em instituições onde se verifi-
dem a persistir, apesar das modifica-
cam constantes mudanças no staff, o
ções do ambiente. que dificulta a formação de vincula-
A reversibilidade dessas expriên- ções duráveis -ao passo que, nas
cias dependeria, assim, mais da possi- famílias, é diferente, o que põe pro-
bilidade ou não de romper com asas blemas quanto a generalização dos r e
processos defensivos, do que de uma sultados.
modificação do ambiente.
3. Segundo a perspectiva etológica, as b) No trabalho de B. Tizard, citado por
primeiras experiências seriam deter- Schaffer c4), com crianças que foram
minantes e irreversíveis, o que reme- criadas em instituições e posterior-
teria para a noção de «período sen- mente adoptadas, não se encontraram
sível» -se as primeiras experiências indícios concludentes no sentido pro-
não ocorrerem no devido tempo, todo posto por Bowlby.
o processo estará comprometido, ainda c ) Verifica-se que os efeitos da privação
que mais tarde elas se possam vir a materna não são os mesmos para t*
estabelecer ("3). das as crianças que a experimentam.
4. Para Bowlby há também um período d) Finalmente, a concepção interacci+
sensível, entre o começo da vincula- nista veio trazer uma nova luz nesta
ção e os 4-5 anos, para o desenvol- matéria. Se a vinculação é enquadrada
vimento das capacidades individuais no contexto do desenvolvimento se
de constituir relações. Estas relações cial do bebé, é fundamentaimente a
são duma importância vital, como já relação com o outro que deve ser ana-
lisada.

(") Schaffer, R. (1980), Mothering, Fontana,


Glasgow.
C') Pelo artigo de Martin Richards, «O Mito (") McGurck (1978), «The Role of the Mo-
da Ligação» (neste número), se pode ver como ther In Early Social Development», in Zssues in
esta concepção fez alterar as políticas hospitala- Childhood Social Development, Methuen, Lon-
res relativamente ao parto. dres.

62
Esta perspectiva centrada na relação com criança fica privada de qualquer figura &
o outro permite distinguir viirias experiên- qual e s t i v e ligada, é provável que a se
cias tradicionalmente designadas por «pri- paração deixe marcas. Se, pelo contrário,
vação materna)), bem como estudar os seus a separação se dá sem dramas, se a criança
efeitos, quer a curto, quer a longo prazo. fica com outras figuras de vinculação, é
Permite ainda avançar para um estudo des- provável que ultrapasse a situação sem gran-
tas experiências não como factos isolados, des problemas.
mas articuladas com a vida dos ((actores)) b) Pode dar-se, no entanto, um outro ca-
na sua globalidade. Assim, mais do que v e so, extremamente vulgar nos nossos dias,
rificar se as crianças são ou não separadas pelas mais diversas razões: a privação p) ou
das mães, interessa estudar quando e como distorção das relações de vinculação. O que
ocorreram essas separações. se passa então é uma quebra (ou, pelo m e
nos, uma insuficiência quantitativa) das re-
A -Diferentes experiências de ((privação lações, independentemente da presença ou
materna)) ausência da figura materna. Isto acontece
-quando, por exemplo, a criança vê que
Encontram-se, sob esta designação, expe- tudo aquilo que ela diz ou faz 6 hdi-
-
riências algo diversas a separação e a pri- ferente para os outros, ou acarreta mesmo
vação. Mas ainda dentro de cada uma delas, uma punição.
as condições objectivas da sua ocorrência Muitos psicoterapeutas estão convencidos
podem ser diferentes, o que certamente im- de que este aspecto está ligado a problemas
plicará diferentes consequências. emocionais futuros, como depressão, falta
a) Tratemos, em primeiro lugar, a sepa- de esperança, impulsos suicidas, etc.
ração. Esta implica uma dacontinuidade da Analisando, assim, estas diferentes situa-
relação com a figura'materna, independen- ções, podemos examinar os seus efeitos,
temente de haver uma quebra na ligação. quer a curto prazo -respostas imediatas
Podemos, assim, distinguir entre separa- A experiência de privação e comportamento
ções de curto prazo -em que não se c h e exibido durante os subsequentes- quer, a
gará a uma quebra do laço afectivo -e longo prazo -efeitos observáveis alguns
separações permanentes- em que se chega anos após uma experiência de privação ou
a u m a fase de desvinculação. separação.
Em relação a esta última, verifica-se que
as crianças reagem diferenciadamente A B-Efeitos a curto prazo
morte de um dos pais ou a um divórcio, e,
mesmo neste caso, as reacções das crianças Se os efeitos a curto prazo podem ser
não são uniformes, dependendo de vários estudados com clareza, já o seu significado
factores, tais como a vivência da situação, clínico, bem como os mecanismos psicol6gi-
o estádio de desenvolvimento e o sexo da cos em jogo, são bastante controversa
criança ("9. No entanto, numa experiência de sepa-
Estes aspectos vêm realçar o facto de a ração com crianças entre 1 e 3 anos de
severidade da separação depender, sobre idade, a vivência desta separação desenro-
tudo, da maneira como ela ocorre. Se a lou-se segundo três fases (devendo, no en-
separação é vivida como dramática, se a tanto, assinalar-se que elas não se verifi-
caram em todas as crianças):
('7 Hetherington, E. Mavis, «E1 Divórcio por
10s Hijos)), in Znfancia e Aprendizaje, 18 (2):
53-64. (2*) Deprivation em inglês.

63
1. Um período de protesto -em que a É, pois, difícil fazer hoje afirmações rigo-
criança manifesta desgosto, chama pela rosas acerca das relações entre privação
mãe e recusa-se a ser tratada por OU- materna e consequências a longo prazo.
tras pessoas. A propósito de a designação de «priva-
2. Um período de desespero -durante ção materna)) ser usada em situações com
o qual a criança se torna quieta e características variáveis e mal definidas, Mi-
apática, não se relacionando com os chael Rutter afirma (28): se este conceito
outros, manifestando desinteresse pe- «tem uma utilidade, chamando a atenção
los jogos. para falhas graves de cuidados maternos
3. Um período de desinteresse (desvin- que terão consequências graves, é também
culação) -em que a criança, a pri- evidente que se trata de uma «salada» com
meira vista, parece ter ultrapassado a efeitos muito variados, para que tenha ainda
questão. Volta a brincar com os ou- utilidade. Desempenhou o seu papel e deve,
tros e responde-lhes. Verifica-se, no agora, ser abandonado.))
entanto, que a ((ultrapassagem da Se é certo que «maus» cuidados produ-
questão)) é relativa. Quando a mãe vol- zem «maus efeitos)), é, então, importante,
ta, ela reage de uma forma diferen- precisar o que são os ((maus)) cuidados e
ciada relativamente aos outros adul- analisar separadamente os seus efeitos, es-
tos: ignora-a, olha-a como se não a clarecendo por que diferentes crianças dão
visse e não lhe responde. Esta situação diferentes respostas a situações idênticas e
demora um tempo variável, para dar outras dão respostas idênticas a situações
lugar, depois, a uma ligação ansiosa. diferentes.
Uma das vertentes que faltará esclarecer
C -Consequências a longo prazo nesta matéria respeita aos valores em que
as pessoas acreditam. Até que ponto as per-
Bowlby evidenciou que delinquência e turbações na ligação criança-mãe não serão
afecções patológicas estão associadas a múl- devidas a realização de autoprofecias? Isto
tiplas experiências de separação. Encontra- é: uma mãe que acredita que a separação
-se também uma certa relação entre priva-
tem consequências na relação com o filho
ção materna e depressão em adultos. após a separação -por acreditar nisso-
Por outro lado, as desordens na conduta,
poderá estabelecer uma relação distorcida
na personalidade, na linguagem, na cogni-
com a criança, aparecendo problemas d e
ção e no crescimento físico parecem en-
pois, a confirmarem as suas expectativas.
contrar-se associadas a crianças de fam’-
Trata-se de um aspecto ainda mal escla-
lias com graves perturbações no seu seio,
recido, mas que não deixa de ser pertinente,
o que também pode ser entendido ou rela- uma vez que todo o comportamento social
cionado com o conceito de ((privação ma- é mediado por expectativas de parte a parte.
terna)).
Se uma das características do ser humano
No entanto, como indica Michael Rut-
é a sua plasticidade de comportamento, e
ter e?),encontram-se deficiências metodo-
o poder de adaptação a novas situações, é
lógicas em estudos que apontam para graves
duvidoso que o seu futuro se jogue na sua
efeitos na personalidade e no desenvolvi-
primeira relação com os outros.
mento intelectual devido a ((privação ma-
É, assim, necessário libertar os pais das
terna)).
crenças (tão espalhadas quanto socialmente
(”) Rutter, M. (1981), Maternal Deprivation (”) Rutter, M. (1981), Maternal Deprivaiion
Reassessed, Penguin, Londres. Reassessed, Penguin Books, Londres.

64
úteis) de que o futuro se joga, em termos LOPEZ, Felix (1981). «Los Origines de la Socia-
definitivos, extremamente cedo -para que, zación: La Vinculacion Afectiva, h Znfancia
y Aprendizaje, 15 (3): 7-18.
quer pais, quer filhos, possam tirar o prazer
McGURK, (1978). uThe Role of the Mother in
e o gosto de uma relação tão importante, Early Social DevelopmentH in Zsswes in Child-
afinal, para ambos. hood Social Development, Methuen, Londres.
PARKE, Ross D., POWER, THOMAS G. et al
(1981). «E1 papel de1 padre en e1 sistema fa-
miliar)), in Znfancia y Aprendizuje, 15 (3):
BIBLIOGRAFIA 39-51.
RICHARDS, Martin (1980). «The Myth of Bon-
AINSWORTH, Mary. ((Relações objectais. De- ding, in Anblise Psicológica, neste número.
pendência e vinculação: Uma análise teórica RICHARDS, Martin (1980). Znfancy: World of
das relações da criança com a mãe*, in Liga- the Newborn, Multimedia Publications, Lon-
ções Infantis, Liv. Bertrand, Lisboa, 1976, dres.
155-224. RUTTER, Michael (1981). Maternal Deprivation
BOWLBY, John (1981).Attachement and Loss, Reussessed, Penguin Books, Londres.
vols. I, 11, 111, Penguin Books, Middlesex. STERN, Daniel (1979). Bebé-Mãe: Primeira Re-
BOWLBY, John (1979). The Making and Breu- lação Humana, Moraes Editores, Lisboa.
king of Affectionul Bonds, Tavistock Publi-
cations, Middlesex. WALLON, Henri (1959). a l e s Etapes de la So-
LANNOY, Jacques (1973). «Nature et fonction ciabilité chez I'enfanta, in Enfance, Maio-
de l'attachement (Discussion de la conception -Outubro.
de Bowlby)% in ia psychiatrie de l'enfmf, WRIGHT, Dereck (...). aAttachement8, artigo
vol. XVI, fasc. 1, 251-268. não publicado.

65
INSTITUTO SUPERIOR DE PSICOLOGIA APLICADA

TBIIIIEIBE LEITIIR DA BIBLIOTECA DO ISPA


(Rua Jardim do Tabaco, n." 44, 1100 Lisboa, Telef. 86 O9 54)

Últimas publicações periódicas recebidas:


BULLETIN DE PSYCHOLOGIE
-
Vol. 36 N." 16-17, 361 -JuilJAout 1983
CHILD DEVELOPMENT '
Vol. 53-N." 3-June 1982
CHILD DEVELOPMENT
-
Vol. 54- N." 1 Feb. 1983
COGNITION
Vol. 13-N." 3-May 1983
DEVELOPMENTAL PSYCHOLOGY
-
VOI. 19 N." 4- JUIY 1983
EDUCATIONAL PSYCHOLOGY
VOI. 3- N." 2- 1983
EUROPEAN JOURNAL OF SOCIAL PSYCHOLOGY
-
Vol. 13 N." 3 -Jul./Sept. 1983
JOURNAL OF ABNORMAL PSYCHOLOGY
Vol. 92-N." 2-May 1983
JOURNAL OF EDUCATIONAL PSYCHOLOGY
Vol. 75-N." 3-June 1983
JOURNAL OF OCCUPATIONAL BEHAVIOR
VOI. 4- N." 3 -JUIY 1083
JOURNAL OF PERSONALITY AND SOCIAL PSYCHOLOGY
VOI. 45-N." 1 -July 1983
MONOGRAPHS OF THE SOC. FOR REÇEARCH
IN CHILD DEVELOPMENT
VOI. 47- N." 4- 1982
PSYCHOLOGICAL ABSTRACTS
Vol. 70- N." 1 -JUIY 1983
REVUE INT. DU TRAVAIL
VOI. 122-N." 4-1983
SOCIOLOGIE DU TRAVAIL
3/1983 -Juil./AoCit/Sept.
H&0:
Das 10.30 Bs 13.00 horas
Das 16.30 as 20.30 horas

CONTRIBUA PARA TRANSFORMAR A BIBLIOTECA DO ISPA N U M CENTRO DE


DOCUMENTAÇAO VIVO E ACTUALIZADO. UTILIZE A INFORMAÇAO AO SEU DISPOR.
ENVIE SUGESTÕES E ESTEJA ATENTO AS NOSSAS PROPOSTAS

Você também pode gostar