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Diuvani Tomazoni Alexandre
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Mauro Luís Vieira
RESUMO. Este estudo teve como objetivo identificar a relação de apego entre crianças institucionalizadas que vivem em
situação de abrigo. Participaram do estudo quatorze crianças de ambos os sexos, com idades compreendidas entre 3 e 9 anos.
Os dados foram coletados através da técnica de observação do sujeito focal. Os principais resultados foram: a) os irmãos mais
velhos demonstraram-se responsivos às solicitações de afeto e cuidado em relação aos irmãos mais novos; foi registrada
interação significativa entre as meninas mais velhas com os meninos mais novos; b) a brincadeira social mostrou ser uma
situação favorável ao estabelecimento das interações afetivas; c) a imagem da família aparece representada pela figura
materna. Conclui-se que, na falta de um adulto significativo, crianças em situação de abrigo acabam formando relações de
apego umas com as outras e que a rede de apoio social representa um importante aspecto na resiliência destas crianças.
Palabras clave: apego, criança institucionalizada, interação criança-criança.
ABSTRACT. The present study had as propose to identify the attachment relationships among institutionalized infants.
Fourteen infants, living in a shelter, of both sexes, aged between 3 and 9 years old, took part in this study. For the recording of
the behaviors, the observational technique known as “focal-subject” was used. The main results permit us to identify: a) eldest
brothers demonstrate responsive affect and care solicitations to the youngest brothers; it was registered significant interaction
among older girls and younger boys; b) the play social showed to be a favorable situation for the settlement of the affective
interactions; c) family image appears represented by the mother figure. Therefore, it is concluded that, when the absence of a
significant adult occurs, children living in a shelter situation can development attachment relationships among themselves and
that a social support network represents an important aspect in the resilience of these children.
Key words: attachment, institutionalized child, child-child interaction.
* Docente de Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem do Instituto Cenecista Fayal de Ensino Superior de Itajaí, SC.
Pedagoga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
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Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, SC. Doutor em Psicologia Experimental
pela Universidade de São Paulo, SP e pós-doutorado pela Dalhousie University (Canadá).
claramente identificado, por exemplo, a mãe. Assim, a possibilidade de se trabalhar com os problemas
característica essencial comum entre apego e experimentados pelas pessoas que se encontram em
comportamento de apego é que dois parceiros tendem a condições desfavoráveis, como, por exemplo, pobreza,
manter-se próximos um do outro (Klaus, Kennell & desemprego, envolvimento com drogas, e,
Klaus, 2000). principalmente, com crianças que crescem no
Um fator importante no comportamento de apego é abandono, longe da convivência familiar (Rutter,
a intensidade da emoção que o acompanha. Essa 1997). Os autores que apontam a resiliência como uma
emoção surge conforme acontece a relação entre a adaptação positiva relatam que algumas pessoas,
pessoa apegada e a figura de apego. A partir dessas vivendo em ambientes desfavoráveis, revelam uma
considerações, Lebovici (1987) reforça que, se tudo capacidade notável para se desenvolver de forma
está bem, há satisfação e um senso de segurança; saudável (Infante, 2001; Rutter, 1997). Em síntese,
porém, se esta relação está ameaçada, existem uma segura relação de apego reduz os efeitos das
ansiedade e angústia. Caso ocorra uma ruptura, há dor adversidades e auxilia na resiliência.
e depressão. No caso de privação materna, seja este Ao falarmos da criança institucionalizada,
afastamento de ordem física ou emocional, muitas são observamos que, mesmo recebendo cuidados
as conseqüências, tanto de ordem física quanto alimentares, higiênicos e médicos, ela caminha
intelectual e social, podendo, inclusive, protagonizar o tardiamente, demora a falar e tem dificuldade para
aparecimento de enfermidades físicas e mentais estabelecer ligações significativas (Rizzini, 1995). A
(Oppenheim, Koren & Sagi, 2001). autora assinala que abandonar uma criança ou enviá-la
Desta forma, uma criança que tem pais afetivos e para um abrigo é privá-la de ter uma família, onde
vive em um lar bem-estruturado, no qual encontra existem intimidade e cumplicidade. Não é possível
conforto e proteção, consegue desenvolver um relacionar-se assim em abrigos, pois há uma proporção
sentimento de segurança e confiança em si mesma e em grande de crianças em relação a adultos. Assim, o
relação àqueles que convivem com ela (Bowlby,1990). eventual afeto recebido dos funcionários tem que ser
Do contrário, conforme o autor, se uma criança cresce dividido entre as crianças.
em situação irregular (afastada da vida familiar), Desta forma, observa-se que, mesmo diante das
pressupõe-se que sua base de segurança tende a inúmeras tentativas legislativas de amparo à infância
desaparecer, o que pode prejudicar suas relações com (ECA, 1990), a realidade apresenta lacunas não
os outros, havendo, assim, prejuízos nas demais preenchidas, no que diz respeito ao abandono infantil. É
funções de seu desenvolvimento. essencial o entendimento de que a privação de laços
Outro aspecto importante é que o apego é a base afetivos durante a infância interfere no desenvolvimento
para a identificação e a determinação de relações saudável da criança, podendo afetar suas relações com o
duradouras e mútuas, que são a base para a formação outro e com o meio que a cerca. A este respeito, observa
de uma rede de apoio social. A rede de apoio social Santos (2000, p. 87), ”O princípio que deve nortear a ação
origina-se das relações de apego iniciais da criança e dos que trabalham com crianças em situação de abrigo
da disponibilidade dos pais em atender às suas deverá ser sempre o de garantir à criança as condições
necessidades (Tyler, 1984). A esse respeito, Newcomb necessárias para o seu pleno desenvolvimento, tanto no
(1990) sustenta que a rede de apoio social começa a se presente quanto no futuro”.
formar quando a criança se expande socialmente, O objetivo deste estudo consistiu em investigar se
relacionando-se com pessoas não familiares, como crianças abrigadas desenvolvem apego umas às outras, e
aqueles com quem convive nas creches, por exemplo. se este apego pode ser semelhante ao do adulto-criança, ou
Aponta, ainda, que a rede de apoio é dinâmica e seja, uma relação constituída por um vínculo afetivo e
construída ao longo da vida de um indivíduo e que pode recíproco, em que os cuidadores, satisfazem as
proteger a pessoa de efeitos negativos causados por necessidades daqueles que são cuidados.
adversidades. Tal rede corresponde à oportunidade de
aprofundamento dos relacionamentos, permitindo que a
criança obtenha melhores condições para seu MÉTODO
desenvolvimento, tornando-se, dessa forma, uma
criança resiliente, ou seja, capaz de enfrentar as Amostra
situações adversas, ajustando-se a elas com mais A amostra constituiu-se de 14 crianças de ambos
facilidade (Tyler, 1984). os sexos, sendo 5 meninas e 9 meninos, com idades
Do ponto de vista social, o estudo sobre resiliência compreendidas entre 3 e 9 anos, atendidas em uma
é de suma importância, uma vez que representa a instituição privada que se caracteriza por “Abrigo”.
Das crianças selecionadas, algumas estão abrigadas em geral, quando as crianças se aproximam umas das
conseqüência do abandono, outras foram acolhidas na outras e quando uma criança se afasta do grupo,
instituição por serem vítimas de violência doméstica sendo seguida pelo olhar das que permanecem no
(física e sexual) ou negligência parental. local da observação.
O abrigo que atende as crianças está localizado em • Rir: o som é variável. Uma série curta de
uma cidade do litoral de Santa Catarina. Existe desde expirações repetidas ou expirações longas. As duas
1989, funcionando como uma Sociedade Civil de fileiras de dentes ficam visíveis. Os olhos
Caráter Assistencial, sem discriminação de raça, geralmente ficam bem abertos, voltados para a outra
nacionalidade ou religião, tendo como finalidade a criança.
proteção e educação da criança, com duração
• Aproximar: a criança anda em direção a outra
indeterminada e sem fins lucrativos.
criança, reduzindo a distância entre elas, mas não
Atualmente, o abrigo atende 26 crianças, com
encosta nenhuma parte do corpo na outra criança.
idades compreendidas entre 0 e 17 anos. De acordo
com o estatuto interno da instituição, o atendimento • Falar: inclui movimento dos lábios e expulsão de ar
deveria ser apenas para crianças até 12 anos, porém, se através deles. A língua é colocada de tal modo que
lhes for negado o direito de permanência na instituição são formadas palavras. Estas podem ser emitidas
após 12 anos, essas crianças serão novamente pelas crianças entre si ou por outras pessoas quando
excluídas, acabando por viver nas ruas. eram com a criança. Quando eram incompreensíveis
As crianças chegam a esta instituição por para o observador, as verbalizações foram
determinação judicial (vara da Infância e da Juventude) registradas como verbalizações indefinidas.
e pelo conselho tutelar da comarca e das comarcas • Estender os braços: a criança estende os braços,
circunvizinhas. São vítimas de abandono, negligência em geral, para a frente, podendo também inclinar o
parental, violência doméstica, abuso sexual. Algumas corpo em direção a uma pessoa (mais
são portadoras de HIV e de necessidades especiais. freqüentemente em direção a outra criança). Pode
encostá-los de leve em alguma parte do corpo do
outro ou segurá-la com firmeza. Em geral seguram
a mão ou o braço. A criança pequena levanta a
PROCEDIMENTOS mão, abrindo-a e fechando-a em seguida, em
direção ao outro que pretende alcançar (às vezes
Para a coleta de dados utilizou-se a técnica de fala que “quer colo”).
observação do sujeito-focal e a técnica de registro de Neste estudo, também foi utilizada a estratégia de
comportamento (como observar) denominada de observar várias crianças durante um curto espaço de
“amostragem de tempo” (Martin & Bateson, 1986). Os tempo, a qual é denominada “estudo transversal”
comportamentos foram registrados a cada 30 segundos. (Miller, 1998). Num diário de campo foram
Foram realizadas 10 sessões - de 10 minutos cada uma registrados, em dias e períodos alternados, quarenta e
- para cada criança, em dias alternados, durante os nove episódios das interações sociais entre as crianças,
períodos matutino, vespertino e noturno. Todas as observados no ambiente de pesquisa. Registrou-se o
crianças foram observadas uma vez e, posteriormente, local em que o evento ocorreu e a fala dos
esse processo repetiu-se até se completarem as dez interlocutores. Para preservar em sigilo a identidade
sessões. A partir da análise do material observado, das crianças participantes deste estudo, foram-lhes
identificaram-se seis categorias de comportamento: atribuídos nomes fictícios.
• Contato físico: Envolve contato mútuo, de alguma
parte do corpo (em geral ombros) do sujeito focal
com a outra criança. No caso, o sujeito pode estar
RESULTADOS
sentado ao lado da outra criança ou em pé. O
contato pode durar apenas um momento ou persistir
por mais de um minuto. Inicialmente, apresenta-se uma análise das
porcentagens de ocorrência de cada categoria
• Olhar: compreende um comportamento visual
(comportamentos de apego) em relação ao total de
através do qual, a partir da posição dos olhos do
intervalos considerados, acompanhada de uma análise
sujeito e/ou posição da face, verifica-se que seu
qualitativa de episódios de interação, a fim de analisar
olhar está dirigido a alguma pessoa (Rossetti-
as atividades realizadas pelas crianças e o(s)
Ferreira, 1986). Esse comportamento ocorre, em
contexto(s) no(s) qual(is) tal atividade ocorreu.
mesma família. Mas não temo mãe. Mas aproximação ou acompanhava a separação,
temo nossos irmão mesmo, né”? funcionando como um indicador de apego.
“Isso, mas eu vou sair daqui quando fizer 16
anos. Eu vou ganhar na mega sena e daí só Análise quantitativa e qualitativa de episódios de
vou ajudar os meus amigos grande. interação social em diferentes contextos
Nenenzinho não preciso ajudar, porque as tia A análise da interação entre as crianças foi feita a
vêm e levam para adoção. Já ajuda daí”.
partir de um protocolo de observação, no qual os
registros apresentavam episódios interacionais
Tais discursos serão detalhados adiante, na análise
ocorridos durante a brincadeira, enquanto as crianças
do conteúdo.
assistiam a televisão, faziam suas refeições, entre
Em seguida, aparece a categoria “aproximar”, com
outros eventos (atividades de higiene, acompanhamento
um percentual de 13,02% no grupo I. Quando as crianças
pedagógico, horário de visita). Também foram
desse grupo aproximavam-se umas das outras, faizm-no
analisadas as interações sociais entre as crianças,
para pedir algo ou mostrar um objeto. Nas observações,
quanto ao gênero.
apareceram situações que confirmam esse dado, quando
A figura 2 apresenta os diferentes contextos em
Bruninho se aproximou de Lucas e falou : “Olha meu
que ocorrem as interações sociais.
carrinho”; ou quando Édson se aproximou de Márcio e
pediu: “Dá pra mim essa pipa”?.
Observou-se que, no grupo II, esse comportamento
alcançou 15,61% de freqüência e apenas 11,57% no
grupo III. Constatou-se que nos grupos II e III, quando
uma criança se aproximava da outra, fazia-o para
oferecer ajuda ou para realizarem alguma tarefa juntas.
Esses dados serão relatados durante a análise
qualitativa de episódios de interação.
Outra categoria analisada foi o rir. Averiguou-se
que as crianças do grupo I (13,12%) e do grupo II
(11,12%) riam alto e esse riso era contagiante, pois,
sempre que uma criança de qualquer grupo ria, Figura 2. Porcentagem dos intervalos de observação
despendido pelas crianças em cada uma das categorias
provocava uma resposta semelhante no(s) parceiro (s).
de comportamento registradas durante diferentes
No grupo III, o rir aparece em menor proporção
contextos de interação social
(8,71%). Deve-se, contudo, ressaltar que, neste grupo,
encontram-se apenas três participantes. Isto pode Considerando-se a figura 2, verifica-se que, na
indicar que o comportamento “rir” para o grupo III não amostra observada, as crianças passaram, em média,
é menos relevante que o dos grupos I e II. 62% do tempo envolvidas com brincadeira livre. É
Por fim, constatou-se um percentual de 5,29% no nesse momento que elas têm oportunidade de
grupo I para a categoria “estender os braços”. Nesse estabelecer suas interações, pois ficam longe da
grupo, este comportamento provoca pegar no colo ou vigilância das atendentes e das represálias. Como
aproximar-se de outra criança. Verificou-se que os não tinha um adulto dizendo o que elas tinham que
meninos do grupo I procuravam as meninas do grupo fazer, as crianças corriam livremente pelo gramado
III ou os irmãos do grupo II quando desejavam colo. e cooperavam umas com as outras espontaneamente.
Raramente dirigiam-se às atendentes. No grupo II, o Um exemplo disto eram as brincadeiras do faz-de-
resultado com relação a estender o braço foi de 4,05%. conta e os jogos imaginativos. Observou-se que essas
Aqui, o gesto indica um convite ao parceiro para brincadeiras permitiam que todas as crianças
brincar. Entre as crianças do grupo III, este participassem, não apresentando dificuldade de estar com
comportamento atingiu 4,14%. Neste grupo, o gesto é o outro, dividir com o outro, uma vez que combinavam,
dirigido, com maior freqüência, às crianças do grupo I, sem discutir, os papéis que cada um interpretaria e os
em resposta ao “pedido de colo”. brinquedos que utilizariam nas respectivas brincadeiras,
No geral, conclui-se que a categoria mais sugestiva havendo assim, cooperação e consentimento mútuos. As
encontrada nesta análise se refere a “contato físico”. crianças mais novas eram orientadas pelas crianças mais
Entretanto, as pequenas diferenças encontradas não velhas em situações como brincar de pipa, em que os
foram significativas. No referente ao “olhar”, vale pequenos aprendiam que, para erguer a pipa, é preciso
ressaltar que a troca de olhares possibilitava a
que um segure enquanto o outro vai puxando e soltando o 1.1 - Quando fala de si
barbante, até que a pipa ganhe altura para depois ser Através da fala das meninas (não foi observada
puxada contra o vento. É importante ressaltar que os esta fala no discurso dos meninos) verificou-se a
meninos do grupo II confeccionavam as pipas e, nesse formação de uma imagem pequena em relação ao valor
momento, planejavam e trocavam idéias no que dizia e aparência que elas têm de si mesmas. Por exemplo:
respeito ao tamanho, modelo, cores e tipo de rabiola.
Alertavam os pequenos sobre o perigo de cerol e de a pipa “Quando nós fizemo xixi na cama, fede tudo,
ficar presa na fiação elétrica, conforme dados a seguir: “ daí nós ficamo pior ainda, umas fedida,
Não pode passar cerol, porque corta o pescoço da porque só ficamo um pouquinho cheirosa
pessoa e ela morre. Essa brincadeira é perigosa se tiver quando tomamos banho” (Cátia).
cerol. Se não tiver, é uma brincadeira legal e colorida”
ou “Tinha que ter um pipódromo aqui no Abrigo, porque 1.2 - Quando fala do outro
é perigoso soltar em qualquer rua, por causa dos fio. Se Como pôde ser observado na fala de duas crianças,
a pipa enrolar no fio, não pode tentar puxar senão fica o discurso adotado é o de que o “outro” é sempre o
preso e morre todo queimado. Daí é triste e perigoso. melhor, o “outro” é aquele que consegue facilmente o
Tem que brincar certinho”. que deseja. A diferença entre elas e o “outro” está
relacionada à idade cronológica e à beleza física, como
Análise das categorias temáticas pode ser exemplificado nos discursos a seguir:
Os resultados mostraram que a interação dialógica
entre as crianças destaca-se como um aspecto “A Cláudia acha que passear na casa das
relevante. família é ser adotado. Levar pra passear não é
Constatou-se que a criança “fala alto” sobre seus adotar, né tia? O Gustavo foi adotado, porque
era nenenzinho e muito lindo” (Tereza).
planos interiores, seus desejos e suas ações. Dessa
forma, foi definido um grupo temático, que se
Categoria 2
subdividiu em dez categorias e onze subcategorias,
apresentadas no tabela abaixo: 2. O desejo de ir embora
A categoria exposta acima revela que o desejo das
Tabela 1. Falas das crianças registradas no diário de crianças participantes desse estudo, com exceção das
campo que foram divididas em categorias e meninas do grupo III, é ter uma família, e que elas não
subcategorias com base no seu conteúdo fazem exigência no que diz respeito aos futuros pais,
Categorias Subcategorias pois pedem às pessoas que as visitam que as levem
1 - Baixo auto-estima - Quando fala de si para suas casas. Isto pode ser comprovado nas
- Quando fala do outro subcategorias em destaque:
2 - Desejo de ir embora 2.1 - Família biológica
2.2 - Família adotiva 2.1 - Família biológica
3 - Sentimentos em relação à 3.1 - Defesa
mãe biológica 3.2 - Culpa
Nesta subcategoria, ficou evidente o desejo das
4 - Elogio crianças de voltar para a família de origem, quando
5 - Ninguém liga para mim recebiam a visita da mãe biológica. Esses argumentos
6 - Saudade apareceram de maneira mais freqüente no grupo I,
7 - Preocupação com o irmão 7.1 - Necessidades básicas
7.2.- Situação de conflito
como, por exemplo:
8 - Preocupação com os outros 8.1 --- Necessidades básicas
8.1 --- Situação de conflito “A minha mãe vai pedir pro juiz pra ela me
8.2 --- Cuidado em troca de benefício levar pra casa com ela. Se ele é bom, ele vai
9 - Segurança deixar eu ir com a minha mãe” (Daniel).
10 - Agressão Verbal
durante certo tempo, buscando a companhia dos outros indicado como o responsável pelo cuidado dos
irmãos. Como exemplo, citamos: pequenos desempenhou a tarefa com facilidade,
demonstrando manter o controle sobre os irmãos
Pára, seu trouxa. A minha irmã não parece menores, protegendo-os em situações de risco, sem usar
nenhum bicho morto de fome, seu palhaço agressão física.
(Cátia). Este estudo demonstrou que uma rede de apoio
social e afetiva é fundamental para as crianças, uma
vez que lhes possibilita condições de se desenvolver
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
adequadamente. É importante ressaltar que tais
crianças demonstraram-se resilientes, e isso pode estar
A partir dos resultados, pode-se afirmar que as
relacionado ao fato de poderem contar com um
crianças institucionalizadas que participaram deste
conjunto de fatores de proteção, incluindo-se laços
estudo mantêm relações afetivas umas com as outras,
afetivos positivos com os irmãos mais velhos que
apresentando responsividade e comportamento similar
vivem no mesmo abrigo ou com os funcionários da
ao referenciado por Bowlby (1984), em relação ao
instituição. Não se pode descartar a hipótese de as
apego estabelecido entre a díade mãe-bebê. Os dados
crianças encontrarem suporte emocional fora do abrigo
apresentados neste estudo revelaram alguns aspectos
- por exemplo, com os professores ou colegas das
relevantes, dentre os quais destacaremos: o apego entre
creches e escolas que freqüentam, ou com pessoas que
irmãos e com os pares; o apego no contexto da
são voluntárias e visitam freqüentemente o abrigo.
brincadeira e apego x representação da família.
Nesse sentido, tal fenômeno ocorre devido à rede de
O apego entre irmãos e com os pares apoio, no modelo apresentado por Britto e Koller
(1999), quando afirmam que existe um movimento de
Os resultados revelam, observando-se a figura 1, pessoas que se incluem e se excluem das redes de apoio
que, na interação criança-criança, todas as categorias de outras no decorrer da vida.
estiveram representadas, em maior ou menor grau. O
relacionamento entre os irmãos e os pares participantes O apego no contexto da brincadeira
do estudo foi caracterizado principalmente pela ênfase Como se pôde constatar na apresentação dos
no contato físico e busca constante pela presença do resultados, através de uma análise qualitativa, na
outro. interação criança-criança predominou a brincadeira,
Foi possível reconhecer na interação com os pares visto que a rotina do abrigo para as crianças
que as meninas do grupo III são sensíveis e responsivas participantes deste estudo caracteriza-se, em sua maior
aos sinais e comunicações dos meninos do grupo I. Tais parte, por brincadeiras livres. Este mesmo resultado foi
meninas manifestaram comportamentos de cuidado e observado por Carvalho (2002), cujo estudo verificou
proteção em relação aos meninos do grupo I. Tal
que, no orfanato, as crianças, em intensa convivência
comportamento é semelhante ao apresentado pelas
umas com as outras, dispõem de longos períodos para
mães em relação aos filhos, referenciado por Bowlby
recreação livre e têm mais oportunidades para se
(1989). Nesta discussão, é importante ressaltar que,
envolver com brincadeiras.
nas relações de afeto e de cuidado, os papéis
Um dado favorável, na análise do apego no
desempenhados pelos irmãos mais velhos e pelos pares
contexto da brincadeira, foi o fato de não haver
assumem um significado muito específico e de grande
excluídos da brincadeira, ou seja, constatou-se que
importância para o desenvolvimento social, afetivo e
nenhuma criança ficou isolada das brincadeiras do
cognitivo das crianças menores. Este dado demonstra
grupo, por demonstrar dificuldade de estabelecer
que, após a separação da família, um amigo do abrigo
relações com as demais crianças ou porque seu
passa a ser uma figura de apego.
desempenho fosse rejeitado pelo grupo. Dessa forma,
Outra indicação que os dados fornecem é a de que
os resultados deste estudo possibilitaram verificar que a
os irmãos mais velhos demonstram preocupação com os
brincadeira proporciona o exercício das relações de
irmãos mais novos. Uma característica marcante,
apego entre as crianças pesquisadas. É no abrigo que
observada no discurso dos irmãos mais velhos, é a
elas começam o processo de aprendizagem,
agressão verbal, como pode ser visto no quadro das
descobrindo a si mesmas e descobrindo os outros, pois
categorias temáticas, quando se trata de defender o
muitas das primeiras experiências com pessoas da
irmão mais novo. Sobre isso, Ferreira e Mettel (1999),
mesma idade e vivência aconteceram na instituição. Ao
em um estudo realizado sobre a interação entre irmãos
mesmo tempo em que elas brincam com as outras
em situação de cuidados formais, salientam que o filho
crianças, percebem que não estão sozinhas e não são
as únicas que vivem em situação de abrigo. Assim, pode-se dizer que as crianças participantes deste estudo
começam a conviver em grupo e a (re)significar seus se debatem entre as duas imagens de família.
mundos, reciclar suas emoções e reinventar suas Nos depoimentos dos participantes, foi possível
realidades, confirmando que brincar é essencial à saúde observar que o pai é figura ausente na vida destas
física, emocional e intelectual do ser humano crianças. Para Weber (1999), este fato pode dever-se ao
(Kishimoto, 1996). fato de que a maioria das crianças que chega às
Ao brincarem, as crianças deixavam transparecer instituições é pertencente a famílias monoparentais (nas
um pouco da sua história de vida e das situações quais somente a mãe e os irmãos estão presentes).
vivenciadas no abrigo. Enquanto brincavam, buscavam Sobre a figura materna, observou-se que a mãe
por contato físico e riam constantemente umas com as ocupou um lugar privilegiado no discurso dos meninos
outras. Nas brincadeiras, envolviam-se de forma participantes desta pesquisa. No entanto, a visão que
compenetrada e, além dos brinquedos utilizados, as eles têm da mãe é mais idealizada do que real,
crianças menores assumiam papéis designados pelas atribuindo a ela a função de tirá-los do abrigo e levá-
crianças maiores. Na brincadeira de “casinha”, por los para casa, para serem cuidados e amados. Percebe-
exemplo, as meninas do grupo III eram sempre “mães” se, também, que alguns meninos dos grupos I e II
e os meninos do grupo I, os “filhinhos”, na maioria das defendem suas mães quando ouvem alguém criticá-las.
vezes, “bem-cuidados e amados”. Os dados indicam Alguns acabam justificando a atitude da mãe, sentindo-
que não houve a reprodução de experiências a como vítima, e acreditam na idéia de que elas nunca
traumáticas ou do ambiente no qual elas ocorreram. O desistirão do pátrio poder e, portanto, em breve, virão
trabalho de Mello (1999), com crianças vítimas de buscá-los. Sobre o desenvolvimento do amor materno,
violência doméstica, contém conteúdos expressos no vale lembrar Badinter (1985), o qual, ao fazer
brincar semelhantes a esse, demonstrando que as referência ao amor materno, assinala que é um
crianças não traduziram a realidade das violências que sentimento humano e, como tal, é incerto, frágil,
sofreram. imperfeito, podendo sofrer mudanças com a época, com
Podemos concluir que brincar é fundamental para o tipo de sociedade e com as condições culturais, como
a vida destas crianças. Por meio das brincadeiras, elas qualquer sentimento.
Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito
desenvolvem a sociabilidade e demonstram o afeto que
ao desejo que algumas crianças manifestaram de serem
sentem umas pelas outras. Para estas crianças,
adotadas. É importante ressaltar que as crianças não
brincadeira não é apenas diversão. Brincando, elas
apontam características para as famílias substitutas. Do
expressam sentimentos, revelam o seu interior,
contrário, dados como os da pesquisa realizada por Weber
interpretando o mundo que as cerca, à sua própria
(1999), sobre os desejos e expectativas de pessoas
maneira. Elaboram situações desprazerosas da sua
cadastradas para adoção, em Curitiba, Paraná, apresentam
vivência, buscando soluções, a fim de torná-las
o desejo dos adotantes, ao traçarem o perfil de crianças a
prazerosas (Kishimoto, 1996).
serem adotadas, como: sexo feminino, cor branca, idade
Diante disso, sugere-se aos profissionais que lidam
inferior a 3 anos. Tais dados coincidem com a fala da
com as crianças que vivem em situação de abrigo ficarem menina Sofia, observada na presente pesquisa, ao dizer:
atentos ao comportamento destas durante a brincadeira, “queria ser adotada, mas já tenho 9 anos e ninguém
pois tal investigação pode fornecer subsídios para adota menina grande”.
intervenções que visam melhorar a qualidade da interação De forma geral, no discurso das crianças, ficou
social destas crianças, uma vez que a pesquisa evidenciou evidente o desejo e a necessidade de manter o vínculo com
uma vinculação positiva entre os pares no contexto da suas mães, com suas famílias de origem ou famílias
brincadeira. substitutas. No entanto, foi possível observar o apego entre
as crianças pesquisadas, constatado através do cuidado
Apego x representação da família que os irmãos mais velhos apresentavam em relação aos
De acordo com o agrupamento dos núcleos irmãos mais jovens e entre os pares.
temáticos, verificou-se que as falas da maioria das
crianças expressam o desejo de ter uma família. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas crianças revelaram a vontade de voltar para
seus lares de origem, enquanto outras esboçaram idéias Uma vez reconhecida a importância do apego e sua
relacionadas à adoção. Entretanto, também ocorreu as influência sobre o desenvolvimento infantil, observa-se a
mesmas crianças desejarem ora voltar para a falta de literatura sobre o tema relacionado às crianças que
família biológica ora ser adotadas. Em face disso, vivem em situação de abrigo no contexto brasileiro.
No Brasil, o abandono e a realidade de crianças nas ruas Infante, F. (2001). La resiliencia como processo: uma revisión de la
são fenômenos bastante marcantes. Após a separação de literatura reciente. Em A. Melillo, & E. N. S. Ojeda (Orgs.),
Resiliencia: descubriendo lãs proprias fortalezas (pp. 31-54).
suas famílias, estas crianças tentam encontrar outras
Buenos Aires: Paidós.
figuras de apego em diferentes situações. Nesse sentido,
Kishimoto, T. M. (1996). Jogos tradicionais infantis: o jogo, a
seria importante desenvolver estudos nesta área, a fim de
criança e a educação. Petrópolis (RJ): Vozes.
observar, ouvir e interpretar a fala das crianças. Essas
Klaus, M. H., Kennell, J. H. & Klaus, P. H. (2000). Vínculo:
atividades teriam como objetivo fazer uma análise
construindo as bases para um apego seguro e para a
cuidadosa da realidade vivenciada e poderiam ajudar na independência. (M. R. Hofmeister, Trad.). Porto Alegre: Artes
elaboração de programas psicológicos e sociais que nos Médicas. (Originalmente publicado em 1995).
conduzirão a formas de atuação que favoreçam a Lebovici, S. (1987). O bebê, a mãe e o psicanalista. Porto Alegre:
efetivação dos direitos previstos pelo Estatuto da Criança e Artes Médicas.
do Adolescente. Martin, P. & Bateson, P. (1986). Measuring behaviour.
Cambridge: Cambridge University Press.
Mello, A. C. M. P. C. (1999). O brincar de crianças vítimas de
violência física doméstica. São Paulo. Dissertação de Mestrado,
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Miller, S. A. (1998). Developmental research methods. (2ª ed.).
New Jersey: Prentice Hall Inc.
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Endereço para correspondência: Diuvani Tomazoni Alexandre. Instituto Fayal de Ensino Superior (IFES). Av. Adolfo Konder,
2000, São Vicente, CEP 88303-000, Itajaí-SC. E-mail: diuvani@bol.com.br