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RESUMO:
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INTRODUÇÃO
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desorganização familiar, muitas vezes, políticas públicas ineficientes, que não
possibilitam aos pais ou responsáveis condições para suprir as necessidades
dos filhos ou dos menores sob sua guarda, geram as questões que podem
provocar o acolhimento (Livramento, Brasil, Charpinel & Rosa, 2012).
São várias as condições que podem resultar em desabrigamento e levar
à retirada de crianças e adolescentes do poder familiar, entre elas, a
constatação de situação de abandono e/ou vulnerabilidade social, nas quais a
criança está envolvida, fazendo desta ação uma medida necessária. A respeito
de crianças acolhidas, Siqueira e Dell’Aglio (2006) e Tse, Avoglia e Tardivo
(2015) defendem que o espaço institucional é um ambiente importante, pois é
ali que as relações recíprocas de afeto devem ser estabelecidas.
Os autores também ressaltam a necessidade de as instituições de
abrigamento considerarem o afeto presente nas relações entre seus
integrantes em âmbito geral. Para isso, deve ser considerado como se dão as
relações de vínculo e afeto, tanto entre as crianças e adolescentes residentes
na instituição, quanto entre seus monitores e os outros funcionários que
interagem com eles.
Sendo a dimensão afetiva parte inerente das relações humanas, não
pode ser excluída enquanto elemento propiciador de desenvolvimento. Assim,
a maneira como a criança ou o adolescente desenvolve a afetividade
determinará como estes vivenciarão suas relações interpessoais (Siqueira &
Dell’ Aglio, 2006).
Em estudo realizado por Ferreira, Littig e Vescovi (2014) com a
participação de 14 crianças e adolescentes residentes em três instituições de
abrigamento, foi observado quão é importante para esta população, a nova
formação de vínculos afetivos e de confiança. Verificou-se também uma grande
dificuldade na formação desses vínculos, uma vez que a história de
rompimento das relações familiares, as decepções com pessoas, que de
alguma maneira não corresponderam às suas expectativas, como também o
abandono advindo das autoridades, é uma constante em suas vidas.
Tafner e Tardivo (2013) realizaram uma pesquisa com 11 crianças e
adolescentes abrigados, na qual as questões referentes à formação de
vínculos afetivos também tiveram grande relevância. Após a destituição do
pátrio poder familiar e a necessidade de abrigamento, os participantes da
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pesquisa queixaram-se da dificuldade de se vincular com outras pessoas, pois
não sentiam garantia de que suas expectativas seriam correspondidas e tinham
medo de um novo abandono.
Buscando compreender como essa experiência emocional pode
influenciar na formação de vínculos afetivos em crianças e adolescentes neste
contexto, esta pesquisa tem como objetivo apresentar os resultados de uma
intervenção realizada junto a uma instituição de acolhimento a crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade social, que foram encaminhadas
para abrigamento na grande São Paulo, por ordem do Poder Judiciário.
MÉTODO
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12 crianças e adolescentes, de ambos sexos, com as idades entre 12 e 16
anos.
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Dessa forma, a oficina também pode assumir um caráter terapêutico,
apresentando-se como um dispositivo do fazer clínico. Sendo a psicoterapia,
de acordo com a teoria winnicottiana, uma forma especializada de brincar
dotada de potencial mutativo, a oficina terapêutica constitui-se a partir de um
enquadre diferenciado, mediado por uma materialidade, o brincar, como uma
realidade e uma possibilidade de expressão (Aiello-Vaisberg & Machado,
2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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não ser capaz de prover suas necessidades, ficam ansiosos temendo passar
por mais algum tipo de abandono.
Durante a atividade alguns adolescentes demostraram muita resistência
em participar das tarefas. Nas produções 4, 7 e 9, foram feitos apenas os
desenhos e negaram-se a escrever as histórias, fazendo apenas uma narração
das mesmas. Nas produções 8 e 10, as adolescentes relutaram muito em
realizar a tarefa, mas depois de uma boa conversa cm a psicóloga aceitaram a
proposta. Na pesquisa de Tafner e Tardivo (2013) também foi ressaltada essa
característica de resistência, principalmente pela enorme dificuldade que essas
crianças e adolescentes têm em confiar nas pessoas e assim, colaborar com
elas.
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acolhidos têm e que precisam. L. completou: é bom atenção, às vezes as tias
estão aqui, e na correria, e às vezes nem é na correria, mas às vezes é porque
elas não querem mesmo. E eu acho que a gente precisa de atenção, é algo
que eu, a gente não tem aqui. Este desenho aqui representa a liberdade, tipo
fez 18 anos, tchau. A gente precisa de um lar, uma família, ser adotada,
este desenho aqui é para assimilar um desejo que a gente tem de sair
daqui, mas, não é a realidade que a gente vive aqui. Queria dinheiro para
sorvete, comprar algum presente para dar a uma amiga da escola, que faz
aniversário, aqui ninguém ouve a gente, “o E (orientador) não deixa a gente
falar. A educadora fala que é pra gente voltar a morar com as nossas
mães, chacoalha o braço da gente, machuca” (SIC).
Temas abordados: falta de alimentação, falta de atenção, esperança, ter lugar
para se divertir, dinheiro, lazer, emprego, liberdade, agressão física.
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Produção 3: três participantes: P. de 15 anos, C. com 16 e C. com 12 anos. P.
iniciou a narrativa, falando: “as imagens aqui, representam o que nós
queremos e na verdade o que nós temos. Aqui a gente tem muitas coisas,
vai às escolas e aprendemos, aqui na casa com as educadoras, com o
coordenador e com nós mesmos (sic). Apontando para a colagem de uma
família, disse: “isso aqui, é o que nós precisamos e o que nós queremos
uma família, aqui é uma coisa que a gente tem só um pouco na casa e na
escola que é a amizade. aqui é o que nós tem em casa e em vários
lugares, em casa, na escola, que é a felicidade, o governo dá dinheiro
para gente, mas eles não repassam, a gente queria ter dinheiro para
comprar alguma coisa que a gente gosta” (sic). As adolescentes não
falaram na apresentação e uma delas, de 16 anos, já havia participado de outro
grupo, também sem falar na hora da apresentação. No final da apresentação,
as adolescentes interromperam P., mesmo com a intercessão da psicóloga
para continuar, ele encerrou a apresentação.
Temas abordados: Falta de família, amor, felicidade, amizade, mais atenção,
o desinteresse pelo aprendizado escolar.
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Foi observada na atividade individual, de maneira geral, uma grande
resistência por parte dos adolescentes no momento de se criar as histórias.
Dois deles se recusaram a escrever a história e um participante quis apenas
contar verbalmente sem escrever. Na atividade produzida, evidência a
dificuldade em se expressarem e um aprendizado, aquém, do que se é
esperado para a idade, ainda, prevalecendo este déficit intelectual e cognitivo
nos adolescentes com as idades entre 14 e 16 anos de idade. Visto, que um
deles diante de uma exposição que ele era analfabeto, sentindo-se indiferente
da turma ele isolou-se dos demais, tendo a sua participação somente no
trabalho individual.
Uma característica notada nos relatos feitos, foi a ruptura dos vínculos
familiares e o desejo de retornar para sua família. Na produção 11 a
adolescente traz uma história ambígua, relatando ser bom estar na instituição e
ao mesmo tempo ser ruim, queixando-se que sente falta de carinho e atenção,
enquanto que na produção 10 a adolescente fala da liberdade que teria se
estivesse vivendo com sua família.
Observa-se que são trazidos conteúdos do contexto da instituição. É
muito presente o discurso retratando comportamentos dos colegas, inclusive
sendo atribuído o nome do colega ao personagem da história. Este é o caso
das Produções 1, 2, e 4, nas quais os adolescentes criaram histórias em um
contexto triste e deram os nomes de seus colegas de abrigo.
Os adolescentes trouxeram de maneira geral, insatisfação com o
tratamento que recebem na instituição, como a falta de alimentação, falta de
atenção e desamparo, bem como, práticas de violência física e falta de escuta.
No estudo realizado por Ferreira, Littig e Vescovi (2014) com participantes de
três instituições públicas de acolhimento, com idades entre 10 e 17 anos, de
ambos os sexos, estes temas foram abordados. As autoras ressaltam que o
abandono e a exclusão acabam sendo um fator preponderante na vida de uma
criança ou adolescente que se encontra abrigado.
Nesta pesquisa, observa-se nas atividades coletivas que os
adolescentes tiveram necessidade de falar sobre esses temas abordados.
Temos em suas falas a ilustração de desejo, não somente de serem escutados
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pelos funcionários da instituição, mas também, de aprofundamento no
sentimento de reconstrução das relações familiares rompidas.
Durante o desenvolvimento das atividades em grupo, foi comentado
pelos participantes a respeito de desentendimentos que ocorrem entre eles e a
instituição, como apontado e verbalizado por eles “Chocoalha o braço da gente,
machuca”, “As educadoras batem em nós, deviam escutar um pouquinho” “A
educadora fala que é pra gente voltar a morar com as nossas mães”.
A violência é uma constante na vida destes jovens e este tipo de
comportamento acaba sendo levado por eles para os relacionamentos na
instituição e para as relações socias. Tomando com apoio as contribuições de
Tafner e Tarvivo (2013) em uma pesquisa, envolvendo 11 crianças e
adolescentes abrigados, verifica-se históricos de violência familiar e no relato
das vivências na instituição esse tipo de comportamento continua se repetindo.
Segundo as autoras no estado de São Paulo cerca de 57% das crianças
e adolescentes que se encontram em instituições de acolhimento têm família,
porém não há perspectiva de volta ao convívio familiar, pois as causas do
abrigamento normalmente são antecedidas por relações de violência física,
psicológica e sexual. Diante deste contexto, 8% das famílias ficam proibidas
judicialmente de realizar visitas a eles, fazendo com que isto seja um agravante
no caso de uma proposta de desacolhimento e retorno a família de origem.
Diante destas histórias de vida, parece natural que esses jovens
acolhidos repitam em seus comportamentos essa conduta violenta. Embora
sintam falta de carinho, observa-se uma dificuldade muito grande em formar
vínculos afetivos positivos, podendo-se inferir que o receio de abandono e
frustração seja uma das causas na dificuldade desta vinculação.
Considerações Finais
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desenvolvimento em que se encontram, como o anseio de liberdade, de
quebrar regras, etc.
No estudo observou-se um sofrimento psíquico evidenciado em suas
tentativas de negar a realidade, temas similares de sentimentos de abandono,
falta de atenção e busca de afetividade dos pais, expectativas quanto ao futuro
e a retornar a uma família e desejo de liberdade.
Como limitações da pesquisa pode-se ressaltar que a Oficina Lúdica e a
Aplicação do Procedimento Desenhos-Estórias com Tema se deram em um
único encontro, propondo-se que seja realizada uma intervenção com maior
número de encontros, nos quais pudessem ser trabalhados com mais atenção
os temas levantados neste primeiro encontro. Todavia, algumas ações como o
apoio emocional contínuo aos adolescentes são exemplos de estratégia
necessárias para o êxito de cuidados com as crianças e adolescentes
abrigados.
As oficinas temáticas se revelaram como fonte de estímulo para os
adolescentes, proporcionando espaço seguro para a expressão de conteúdos
internos suscitados em frente a temática. Também permitiu a possibilidade de
elaboração de tais conflitivas e de reconhecimento das dificuldades e
alternativas ao contexto. Por fim, os resultados demonstram a importância de
experiências de cuidado à criança e ao adolescente institucionalizado, bem
como, para os familiares, cuidadores e profissionais que trabalham em
instituição de abrigo, valorizando a relação entre o ambiente e o
desenvolvimento do adolescente .
Desta forma, seria possível buscar uma melhor compreensão das
representações da vida em instituições de acolhimento para crianças e
adolescentes visando construir estratégias para minimizar o sofrimento e
preparar esses jovens e crianças para uma vida em sociedade. Assim, torna-se
necessário um maior número de pesquisas dentro deste tema, envolvendo uma
equipe multidisciplinar, proporcionando uma visão holística dos significados de
ser uma criança ou um adolescente vivendo institucionalizado e longe da
família.
REFERÊNCIAS
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Aiello-Vaisberg, T. M. J. (1995). O uso de procedimentos projetivos na
pesquisa de representações sociais: projeção e transicionalidade. Psicologia
USP, 6(2), pp.103-127.
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Trinca, W O desenho livre como estímulo de apercepção temática. Tese
(Doutorado em Psicologia) — Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1972.
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Figura 1: Produção 1 Desenho/História M. masculino 12 anos
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Figura 2: Produção 2 Desenho J.G. masculino 13 anos (apenas narrou a história)
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Produção 4: 12 anos de idade, masculino. Recusou-se escrever a história,
inserindo o nome e a idade na folha. História: Desenho de uma criança com
cabeça e tronco, sem um dos braços, cabelo feito um coque, olhar para baixo,
com um colar de coração pendurado no pescoço. Escreveu: Paulo, conhecido
como Pou!, 12 anos.
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Produção 6: C., feminino, com 16 anos de idade. Ao desenhar, chamou a
atenção dos demais, quando disse que se esqueceu de colocar os peitinhos
nas meninas. Ao ser solicitada a história, ignorou o combinado, respondendo
que iria escrever enquanto estivessem realizando a atividade em grupo. O
desenho escolhido por ela para colar na cartolina, não foi aceito pelo grupo,
fazendo com que ela se isolasse dos demais. Logo em seguida, pegou a folha
de desenho individual e solicitou a outra adolescente que escrevesse a história
no verso. Em seguida, pegou lápis de cor e pintou o desenho. Sendo apontado
pela psicóloga que não poderia pintar, mostrou-se chateada, ficando quieta em
um canto e observando as outras adolescentes mais velhas. História: Essa
menina se chama Isabela, 5 anos. Ela tem, ela é muito maltratada, e ela gosta
de ficar no abrigo porque sai.
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Figura 7. Produção 7 Desenho/história A. Feminino 14 anos
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Figura 8: Produção 8 Desenho/história B. Feminino 14 anos
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tarefa. Terminada a atividade, perguntou se seria mostrado a alguém do abrigo
ou lido para a turma. Ao certificar-se que seria discutido apenas com as
supervisoras da USP, mostrou-se aliviada com um sorriso, entregando a folha
com o desenho. História: Essa menina se chama E., ela tem 15 anos. Nem
sempre é bom estar na casa, mas é melhor do que nada. Essa menina não
tem a total liberdade que ela quer, mas o que tem está bom. Ela não vê a
hora de ir embora com os parentes para ter a sua liberdade, ter a sua
família por perto, enfim esta é a história de E (sic).
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Figura 11. Produção 11 Desenho/Desenho L. Feminino 15 anos
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