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Lucieny Almohalha
UFTM
10.37885/211106558
RESUMO
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Políticas Públicas, Educação e Diversidade: uma compreensão científica do real - Volume 3
INTRODUÇÃO
O TEA, ainda segundo o DSM-V, está incluso em uma categoria mais ampla, nomeada
de Transtornos do Neurodesenvolvimento, que são consideradas aquelas condições que
ocorrem e se manifestam no início de vida das crianças, geralmente antes de seu ingresso
na vida escolar. Esses transtornos acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social,
acadêmico e profissional, pois podem gerar níveis diversos de limitações na aprendizagem
e no controle de funções executivas, assim como dificuldades globais de inteligência e atra-
sos sociais. Pode ser verificado que existe grande frequência da ocorrência de mais de um
transtorno do neurodesenvolvimento simultaneamente; por exemplo a associação de TEA
com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDHA) ou de TEA com deficiência inte-
lectual. Nesse mesmo manual de referência, pode ser verificado que para alguns transtornos:
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Políticas Públicas, Educação e Diversidade: uma compreensão científica do real - Volume 3
expressivos para as próximas décadas (KHOURY et al., 2014). Atualmente, a prevalência
tem sido apresentada de 1 a cada 59 crianças (CDC, 2020).
Com o aumento do número de diagnósticos, é de suma relevância investigar o proces-
so de inclusão escolar dessa população que está se inserindo no ambiente escolar agora e
nas próximas décadas. Diante disso, persiste o questionamento se a escola está preparada
para receber essas crianças e adolescentes, promovendo além da inclusão, o processo de
aprendizagem destes.
A terapia ocupacional tem o propósito de melhorar ou possibilitar a participação de seus
clientes, entendendo por participação o envolvimento do sujeito nas ocupações desejadas por
ele a fim de alcançar satisfação pessoal. As ocupações de uma criança envolvem o brincar
e a educação, tornando-se assim a escola, seu ambiente natural e de participação (AOTA,
2014). Diante de todas essas proposições acerca da inclusão de crianças e adolescentes
com TEA, observou-se a necessidade de uma investigação maior sobre essa realidade por
meio da percepção de pais e cuidadores sobre a temática em questão. Por meio de uma
entrevista com pais e cuidadores, buscou-se o entendimento das experiências que tiveram
com seus filhos, assim como suas expectativas e perspectivas da inclusão escolar.
OBJETIVOS
MÉTODOS
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Políticas Públicas, Educação e Diversidade: uma compreensão científica do real - Volume 3
Quadro 1. Suporte familiar segundo relato dos participantes.
Idade “Qual o suporte conferido pela família à criança/adolescente e como se
Participante Sexo
(anos) relacionam?”
P1 M 5 Muito bom, ele é acolhido por todos, com um grande entendimento da família
P2 M 3 Acolhimento e relacionamento bom de todos para com ele
P3 F 3 Acolhimento por parte de todos
P4 M 5 ---
A criança ainda não sabe. Pai não aceita muito bem (dúvida do diagnóstico). Ajuda
P5 M 13
do irmão
No início foram muitas novidades. Já fazia acompanhamento de desenvolvimento antes.
P6 F 12
Desconhecia TEA
P7 M 4 ---
Mãe desconfiava que ela teria alguma coisa. Irmão mais velho não aceita, mas trata
P8 F 13
normal
Foi bem difícil. Demorou um pouco para mãe aceitar, sobretudo porque não conhecia
P9 F 8
direito, mas logo percebeu que a filha precisava dela
P10 M 9 Foi bem acolhido, relacionamento normal
P11 F 12 Família acolheu super bem. Foi um alívio descobrir
P12 M 5 Muito bom, procuramos todos os recursos para ajudá-lo
P13 M 4 O pai e a mãe se dedicam a criança em tempo integral
P14 M 6 ---
P15 M 14 Pais auxiliam nas atividades diárias. Relacionamento carinhoso e compreensivo
P16 M 8 A ONG Laço Azul e terapeutas
P17 M 6 Terapêutico
Todo apoio necessário, atenção, paciência, amor e carinho. Levamos ele sempre para
P18 M 4 explorar lugares e texturas, experimentar a vida de várias formas. Tudo que ele necessita
em vários contextos, damos todo suporte necessário
P19 M 8 ---
P20 M 8 Suporte familiar
P21 M 7 ---
P22 F 4 Total suporte terapêutico e afetivo
P23 M 5 Bom
Legenda: P: Participante M: Masculino F: Feminino.
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
As características das pessoas que constituem uma estrutura familiar influenciam di-
retamente nas relações que transpassam e movimentam essa família. Após a descoberta
do diagnóstico de TEA irá ser provocada uma atitude no sistema familiar. Levando em con-
sideração o conjunto de comprometimentos que o autismo apresenta, a família, dentro das
suas limitações, terá que se adaptar a uma nova demanda e construir estratégias para que
as necessidades da criança e dos demais membros sejam correspondidas. Além da reorga-
nização familiar, o que irá configurar essas famílias a lidarem com o diagnóstico é a forma
como os cuidadores enxergam o transtorno, como limitante ou como habilidades a serem
desenvolvidas (GALVÃO, 2019). Visto isso, de acordo com os relatos dos participantes,
observa-se que apesar das dificuldades após a descoberta de diagnóstico e demandas de
cuidado da criança/adolescente, no geral, o suporte familiar é positivo. De fato, que muitos
apresentam a importância do suporte terapêutico e da importância do tratamento.
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Além disso, diante da forma como é relatado o suporte familiar pelos participantes,
nota-se, que os cuidadores estão dispostos a proporcionarem aos seus filhos um ambiente
seguro, de cuidado e tratamentos terapêuticos de qualidade para o melhor desenvolvimento
da criança/adolescente. Subjacente a isso, é importante ressaltar o fato de essas crianças/
adolescentes estarem na escola.
Apesar desse processo escolar envolver muitas questões, limitações e respeito às singu-
laridades de cada criança/adolescente, estudos apontam que as habilidades sociais são mais
suscetíveis de serem adquiridas pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem
social. A oportunidade de interação com pares é a base para o seu desenvolvimento, como
para o de qualquer outra criança. Diante dessas considerações acredita-se que a escola
em relação a uma criança com autismo, pode oportunizar os contatos sociais, proporcionar
o estímulo às suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo e favorecer o
seu desenvolvimento e também o das outras crianças, pois, espera-se que a partir da con-
vivência essas possam aprender com as diferenças (CAMARGO, 2009). Desse modo, além
das dificuldades de habilidades sociais, de comunicação e interação, sabe-se que há muitas
outras características que envolvem o quesito escola e que o processo de aprendizagem irá
depender de como o sistema educacional irá se adaptar para receber a criança.
O quadro 2, relacionado à escola, apresenta as respostas dos participantes à pergunta
“Como tem sido o processo de aprendizagem?”
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Quadro 2. Como tem sido o processo de aprendizagem segundo relato dos participantes.
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Quadro 3. Suporte escolar segundo relato dos participantes:
“Você acredita que a escola em que seu filho está inserido oferece suporte
Participante Sexo Idade (anos)
necessário para promover a inclusão e aprendizagem?”
Sim. Poderia ter mediador, mas apesar disso fizeram várias adequações para que
ele se adaptasse ao espaço, horários, rotina escolar. Angústia por ser seu último
P1 M 5
ano lá (2019) e preocupação em encontrar uma escola que possa incluí-lo no
processo de aprendizagem
P2 M 3 Sim, muito bom. Se adapta sempre às necessidades da criança
Muito receptivos aos pais, boa estrutura, atual professora passa mais segurança.
P3 F 3
Apresenta receio para com o processo futuro
Não tem queixa, escola muito atenta, sempre envolve a família, possui controle
P4 M 5
dos remédios (tempo integral). Gostaria que todas as escolas fossem dessa forma
A escola não é tão preparada, especialmente para os casos leves. Falta de vontade
P5 M 13 de alguns profissionais. Mesmo solicitando algumas mudanças, não foram atendidas.
A direção apoia, mas 3 professores não
Possui abertura para diálogo, mas não está preparada para incluir. Ela apenas
acolhe. Não há adequação da grade, não há diálogo com outros colegas. Já passou
P6 F 12 por 3 escolas mas a verdade é que nenhuma escola está preparada para incluir
as crianças com TEA. Até mesmo o mediador não é capacitado. A escola contrata
apenas para ter o cargo
Sim, a escola possui escuta ativa, procura sempre envolver os pais na educação
dos filhos. Ouve as queixas e se preciso resolve os problemas colocados pelos pais.
P7 M 4
Tem muitas atividades para promover a socialização e os professores procuram
sempre incluir todas as crianças com necessidades especiais
Preocupação da mãe, pois 1x na semana ela fica sozinha na AEE (filha não tem
P8 F 13 malícia). Não tem o que reclamar do ensino, professores ótimos, mas da exclusão
por parte dos colegas
Não. Precisa mais capacitação dos profissionais. A estrutura não é boa, não fizeram
PDI. Necessidade de ter uma equipe para olhar mais para as necessidades dela.
P9 F 8
Escola não é aberta a mudanças. As professoras nem conversam com a mãe.
Apenas a mediadora
Não tem nada a reclamar. A escola é super solícita e foi adaptando às necessidades
P10 M 9
dele
Professores, mediadores despreparados para incluir. Professora pediu para tirar
a criança da sala, outro falou que não gosta de dar aula para especial. Ainda não
P11 F 12
fizeram PDI. Nada acontece do jeito que tem que ser. Precisa brigar se quiser
alguma coisa
P12 M 5 Sim, ele e a família gostam muito da escola
A criança ingressou na atual escola no ano de 2019 (já passou por duas escolas
antes). No início, a professora regente da sala não tinha capacitação adequada
para ele, pois se baseava em um comportamento de um ex aluno que também
possuía TEA, sem ao menos conhecer as limitações e habilidades específicas do
P13 M 4
meu filho, dessa forma o rotulou, não mandava atividades para casa como as outras
crianças. Devido a isso, foram realizadas diversas reuniões com os profissionais
que o acompanham desde o início e a pedagoga e professora da escola. Após
estas reuniões, foi possível oferecer o suporte adequado
P14 M 6 Sim, eles possuem muita atenção com ele
Não. Ele estudou em escola privada e pública que nunca ofereceram material ou
P15 M 14
equipe adequada. Só desenvolveu com atendimento particular em casa
P16 M 8 Sim, com certeza
P17 M 6 Não
P18 M 4 Sim
P19 M 8 Não
P20 M 8 Sim
P21 M 7 Sim
Sim, precisam ser mais flexíveis quanto a aceitação de uma AT em sala com ela,
P22 F 4
como já foi solicitado pela Neuro e negado por eles
P23 M 5 Está tentando
Legenda: P: Participante M: Masculino F: Feminino
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
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Observa-se que de 23 participantes, 12 mencionaram aspectos positivos sobre o suporte
escolar, relataram que a escola se adaptara bem as necessidades da criança/adolescente
e um participante disse que a escola estava tentando oferecer o máximo de suporte possí-
vel. Dez apontaram para a falta de preparação da escola, profissionais não capacitados e
pouca ou nenhuma adequação para a inclusão da criança/adolescente. Dentre esses, dois
especificaram que escola não fazia o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). Além dis-
so, dois apresentaram preocupação em relação ao futuro escolar da criança/adolescente e
um relatou se preocupar com a filha, diagnosticada com TEA e DI, que uma vez na semana
ficava sozinha no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Disse ainda que sua maior
preocupação era decorrente “da filha não ter malícia” (sic).
Outro fator preocupante nessa idade escolar é o Bullying, que pode manifestar-se
através de diversas formas, sendo violência física (agressões, empurrões, agressões com
objetos, roubar objetos) e violência verbal (insultar, colocar alcunhas nos colegas, ridiculari-
zar a pessoa publicamente, atitudes preconceituosas), além do Bullying “indireto” manifesto
por formas indiretas de agressão e o cyberbullying, exercido através das Tecnologias de
Informação e Comunicação. Quando se trata de crianças com TEA, sabe-se que elas apre-
sentam inaptidões ao nível da socialização, o que se reflete no isolamento e na dificuldade
em interagir, estabelecer amizades e agir nos diversos contextos sociais, como realizar jogos
cooperativos, demonstrando, muitas vezes, indiferença social. Diante disso, muitas vezes,
acabam sendo vítimas de piadas, intimidações negativas e exclusão por outras crianças da
escola (BARROS, 2017).
Os pais foram perguntados se seus filhos passaram por alguma experiência de bullying
no contexto escolar e 14 deles disseram que não, mas os outros 9 disseram que sim. Essa
situação pode ser exemplificada pelas falas de alguns participantes:
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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