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eficazes para modificar qualitativamente e quantitativamente a sua evolução e os
prejuízos funcionais.7 Evitam a deterioração cognitivo-intelectual, melhoram as
habilidades linguísticas e ajudam a preservar ao máximo do possível o potencial
adaptativo da criança.8 Entretanto, somente quando o diagnóstico é confirmado
antes dos 3 anos e, em alguns casos, até os 4 anos, é possível vislumbrar com
otimismo estes efeitos.
Mitos e incongruências no conhecimento do transtorno ainda
imperam em grande parte dos profissionais de saúde e de educação. No Brasil,
entre a suspeita e a confirmação diagnóstica do Autismo, demora-se entre 36 a 40
meses. As causas são diversas e envolvem incredulidade, falta de conhecimento,
medo de encarar o diagnóstico, problemas no atendimento na atenção primária,
falta de especialistas e, no âmbito familiar, superdimensionamento dos pontos
positivos de algumas crianças com TEA e parentes que desencorajam os pais em
procurar uma avaliação especializada.9 Como os sintomas, a intensidade e quadro
clínico do TEA são extremamente variados e podem ser mascarados por suas
diversas comorbidades (como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH), Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) e Transtornos de Humor), altas
habilidades/superdotação e dificuldades sensoriais, muitas e muitas vezes se
postergam as suspeitas e se desacreditam as possibilidades de sua existência.10,11
Por exemplo, crianças com intensa hiperatividade podem atrasar em até 6 anos o
diagnóstico de TEA.12 O diagnóstico é essencialmente clínico, depende de relatos
de cuidadores, escolas e uso de escalas específicas e não existem marcadores
biológicos o que pode complicar bastante a trajetória de sua confirmação.13
Frente a tamanhos desafios, o conhecimento aprofundado acerca do
Autismo é a mais valiosa arma contra o diagnóstico tardio. Primeiramente publicado
nos anos 1940, foi melhor descrito na alvorada dos anos 1970 mas somente melhor
compreendido e sistematizado para melhor abordagem diagnóstica de 20 anos
para cá; desde então, vem se reunindo mais evidências com alta validade e
confiabilidade científica para sua condução terapêutica apenas nos últimos 10
anos. Portanto, ainda pouco tempo para se difundir tantas informações necessárias
aos profissionais e pessoas que mais precisam: as que atendem na linha de frente
da atenção primária de saúde nos mais diversos municípios.
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O diagnóstico precoce deve permear a prática de todos os agentes
de saúde e de educação que atendem crianças em todas as instituições
correlacionadas (creches/CMEI, consultórios médicos, de não médicos, escolas
primárias, pronto-atendimentos, Saúde da Família). Estes profissionais devem ser
capacitados e atualizados sobre observação do comportamento infantil, etapas de
desenvolvimento neuropsicomotor, sinais precoces de autismo, comportamentos
de risco e escalas estruturadas de triagem.14 Dentre eles, não se excluem os
mesmos esforços para os consultórios odontológicos nem para os dentistas os
quais são, muitas vezes, os primeiros a examinarem, junto aos pediatras, o perfil
clínico de uma criança.
Parâmetros Descrição
Etapas normais de Escalas de Desenvolvimento motor,
desenvolvimento / comportamento linguístico, adaptativo, cognitivo e
social de 0 a 5 anos;
Ages and Stages Questionnaire
(ASQ-3)
Sinais de risco Sinais de risco até 2 anos de vida
(“Red flags”)
Escalas de triagem Escala de Traços Autísticos (ATA),
M-CHAT e Autism Screening
Questionnaire (ASQ)
Tabela 1: componentes essenciais para o diagnóstico precoce de autismo
(TEA).
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profissionais de saúde, de educação, assistentes sociais, pedagogos, professores,
cuidadores, babás, etc. Ele permite que possamos estar atentos a cada etapa,
especialmente até os 3 anos de vida. A Organização Mundial de Saúde (OMS) vem,
desde o início desta década, promovendo e divulgando a necessidade de se
identificar o mais cedo possível os Transtornos de Neurodesenvolvimento
(TDAH, Deficiência Intelectual, Transtornos de Linguagem e da Comunicação,
Transtornos Motores, Transtornos de Aprendizagem e o TEA).16 Estas condições,
altamente herdáveis, com grande parcela de etiologia genética, são hoje
consideradas como uns dos principais fatores de morbidade e de limitações para a
vida humana levando a impactos significativos na saúde mental e física,
adversidades acadêmicas e problemas significativos na carreira profissional e nos
relacionamentos. Existem já evidências que podem levar a maiores riscos de
doenças metabólicas, obesidade, hipertensão e diabetes na fase adulta.17
A avaliação do desenvolvimento infantil deve ser sistematicamente
observado em 5 eixos principais: motor, linguístico, social, cognitivo e adaptativo.18
O motor avalia a evolução das conquistas em etapas de acordo com a idade
cronológica da postura, equilíbrio, habilidades para sentar, engatinhar, andar sem
apoio e com apoio, etc. A linguagem avalia as aquisições das reações físicas, não
verbais e verbais de comunicação com seus pares. O social avalia a percepção do
outro, atenção compartilhada, reciprocidade social e habilidades de comunicação
sociais. O cognitivo avalia as etapas sequenciais de como a criança consegue
explorar o espaço em que vive. O adaptativo, por sua vez, avalia as etapas de como
a criança consegue conquistar e dominar rotinas, regras e ferramentas utilizadas
pela sua cultura e família. Estes eixos representam as aquisições evolutivas
necessárias para a construção de novas habilidades que alicerçarão a plasticidade
de novas conexões e estruturas cerebrais que permitirão novas aprendizagens e
assim por diante. A fase de maior neuroplasticidade ocorre nos primeiros 3 anos de
vida mas ainda se espraia com significativa permeabilidade para se modificar até
os 5-6 anos. Por isto, a importância da identificação o mais precoce possível de
problemas de desenvolvimento: permite com que ainda, em fase de “construção”,
possamos realmente remediar ou reduzir distúrbios.
O acesso ao conhecimento acerca destas etapas se concentram nas
escalas de neurodesenvolvimento (tabela 2). Algumas existem desde os anos 1950
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mas várias foram sendo desenvolvidas a partir de pesquisas amplas com grandes
populações infantis. Elas ajudam a memorizar e sistematizar a observação no
trabalho dos profissionais que avaliam crianças e podem ser acessadas na internet,
em livros, periódicos e nas carteiras de vacinação. Costumeiramente usadas pelos
pediatras, neurologistas e psiquiatras infantis, elas podem ser regularmente
acessadas também pelos dentistas. Nunca é demais lembrar que os distúrbios de
neurodesenvolvimento, entre eles o TEA, costumam se associar `a síndromes
genéticas e estas, por sua vez, tem alta prevalência em anomalias de interesse do
dentista estando associadas `a malformações de arcada dentária, problemas de
mobilidade e de coordenação nos processos de mastigação/deglutição e alterações
sensoriais e motoras. Por outro lado, com este conhecimento, o dentista pode
identificar anormalidades na evolução do desenvolvimento e encaminhar para
avaliação especializada.
Os sinais de risco para suspeitar de Autismo em uma criança
abaixo de 2 anos são chamados, em inglês, de red flags, ou bandeiras vermelhas
(Tabela 3). Esta denominação se encaixa perfeitamente nos seus objetivos: alertar
o avaliador para a presença ou não de sinais de Autismo durante o contato com a
criança regularmente levando a um rastreamento ativo19.
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A Academia Americana de Pediatria recomenda que aos 18 e 24
meses de vida o pediatra tenha em sua rotina mental ou por meio de escalas estes
sinais para que sejam incluídos, durante a consulta, na puericultura, para a
verificação da presença ou não dele.1 A presença de qualquer um destes sinais
autoriza o profissional a encaminhar a criança para uma avaliação especializada.
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pessoas ou crianças que podem ter comportamentos do TEA. Estas escalas não
fecham nem concluem se a criança tem ou não Autismo. Elas servem para triar e,
se positivo, sinalizar alto risco. São fáceis de aplicar, acessíveis para leigos e
profissionais e rápidas e são úteis para compor as entrevistas direcionadas aos
seus cuidadores, componentes das escolas e centros infantis.20 O clínico pode
incluir no rol de seus procedimentos clínicos estes instrumentos e usar quando
necessário (tabela 4).
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contingenciamento e estratégias que induziam a autoregulação e generalização de
comportamentos por modificações sistemáticas no ambiente, muitas crianças
aparentavam reduzir os comportamentos inflexíveis e passavam a avançar de
maneira a melhorar a interação e a comunicação sociais.21
Com o tempo, foi-se verificando que algumas crianças,
especialmente as de idade menor do que quatro anos, precisavam de terapias
comportamentais mais adequadas `a idade e que fossem mais direcionadas para
a remediação de habilidades perceptivas, sensoriais, de atenção social e de
estratégias que priorizassem os atrasos de desenvolvimento ou de funções que
porventura a criança não pudera ter adquirido por causa do estabelecimento
paulatino ou regressivo do Autismo. Surge, assim, no início dos anos 1990, o
Modelo Denver de Intervenção Precoce (em inglês, Early Start Denver Model
(ESDM). 22
Atualmente, estes dois tipos de intervenção são considerados
os meios mais eficazes para precocemente diminuir o impacto negativo do TEA no
desenvolvimento e comportamento da criança.23 Ambas apresentam
características essenciais para esta finalidade: são intensivas, podem ser
aplicáveis em ambientes naturais de convívio da criança (casa e escola) e os
pais/cuidadores/professores podem ser treinados e cooptados para servirem, a
todo momento, como “terapeutas” de seus próprios filhos com autismo, ou
formalmente conhecidos como modelos mediados pelos pais (parente-mediated
interventions). Conhecemos estes tipos de intervenção como, em inglês, NBDI
(Naturalistical Behavioural Developmental Interventions), ou seja, estratégias
que tem como foco principal ações desenvolvimentais e comportamentais de
aplicação naturalística e mediada pelos pais.24 Além dos modelos citados acima,
existem outros (tabela 5).
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(SocialCommunication/Emotional
Regulation/Transactional Support)
JASPER (Joint Attention Symbolic Play JASPER (Joint Attention Symbolic Play Engagement
Engagement and Regulation)
and Regulation)
Project ImPACT (Improving Parents As
Communication Teachers)
Tabela 5: Modelos estruturados de intervenções precoces para crianças com
TEA nos primeiros anos de vida.
Referências
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